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EXMO. SR. DR.

DESEMBARGADOR PRSIDENTE DA COMISSÃO JUDICIÁRIA DE


ARTICULAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS – COJES

PAULO ROBERTO MUNIZ MARTINS, brasileiro, casado,


advogado, inscrito junto à OAB/RJ sob o n.º 97.618, inscrito no CPF sob o n.º, Santa
Rosa, Niterói, CEP.: 24.241-002, endereço eletrônico prmmartins@gmail.com, inscrito
no III Processo Seletivo de Juízes Leigos sob o n.º de inscrição n.º 20476329/2022,
vem a V. Exª. interpor o presente RECURSO, em relação ao espelho do gabarito
divulgado em 30 de agosto de 2022, o que faz nos seguintes termos.

I. DO RECURSO EM RELAÇÃO AO PROJETO DE


SENTENÇA:

II. EM RELAÇÃO À PRESCRIÇÃO BIENAL DOS DANOS


MATERIAIS, COM ARRIMO NO RECONHECIMENTO
DA CONVENÇÃO DE MONTREAL:

1. Em relação ao projeto de sentença, o recorrente se opõe à


questão relativa ao reconhecimento da prescrição. Sobre o tema, entendeu o espelho:

“Reconhecer a prescrição em relação à 2ª ré em decorrência


do problema no primeiro voo (Guarulhos/SP – Lisboa) com
base no artigo 35, 1, da Convenção de Montreal.”

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2. Contudo, como se verifica no caderno de questões, não havia
qualquer informação quanto à arguição, por quaisquer das rés, da prescrição. No
caso, há que se ressaltar que é incabível o reconhecimento da prescrição de ofício.

3. Sobre a questão, Fredie Didier Jr1 leciona:

“É também em razão disso que, no âmbito das relações


jurídicas privadas, não se admitia, como regra, que o
magistrado conhecesse ex officio da prescrição, que sempre se
caracterizou como um contradireito (exceção substancial)
disponível do devedor; nesses casos, a sentença que
acolhesse o pedido, ignorando a prescrição, não seria injusta,
porquanto não reconhecesse um direito subjetivo ainda
existente.
Exatamente por isso, os autores sempre identificaram, na
exigência de o devedor alegar a prescrição, uma regra de
profundo conteúdo moral: como o crédito continua existindo, o
devedor inadimplente que alega prescrição continua com a
“marca” de devedor impontual, que lhe pode prejudicar em
outros negócios perante outros credores.(...)
(...)Permanece em vigor o art. 191 do Código Civil, que
permite expressamente a renúncia da prescrição, expressa
ou tácita. A não arguição da prescrição consumada é uma
forma de renúncia. Uma regra que permite a renúncia tácita e
outra que permite o reconhecimento ex officio da prescrição
estão em evidente conflito.” (grifos nossos)

4. E conclui o eminente doutrinador baiano:

“É lícito concluir: o “sistema do Código Civil está todo


comprometido com a livre disponibilidade da prescrição
consumada.(...) A estrutura jurídica do sistema é,

1
Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. – 23.ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2021, pp. 753/756.
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inquestionavelmente, a de uma exceção de direito material,
quer se mantenha ou não a disposição do art. 194 da lei
substancial”. A possibilidade de conhecimento ex officio de
qualquer prescrição somente seria aceitável se o sistema das
obrigações no direito privado também fosse alterado, o que não
aconteceu.
Além disso, é preciso indagar sobre a possibilidade de
conhecimento de ofício da prescrição em desfavor do
consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88), do trabalhador (art. 7º,
CF/88), idoso (art. 230 da CF/88) e índio (art. 231 da CF/88).
Trata-se de grupos humanos protegidos constitucionalmente
pelo Estado, que lhes reconhece vulnerabilidade bastante para
merecer tutela estatal. Não encontraria abrigo constitucional
uma interpretação que permitisse que o próprio Estado
(Estado-juiz), a quem compete a proteção de tais sujeitos,
atuasse ex officio para prejudicá-los, reconhecendo uma
prescrição que lhes seja desfavorável, sem alegação da parte
adversária.”

5. Na verdade, a questão relativa à prescrição é matéria de


defesa, que deveria ter sido arguida como prejudicial de mérito na contestação.
Contudo, como se observa do enunciado da questão, nenhuma das rés alegou
prescrição, o que implica em impossibilidade de reconhecimento de ofício da matéria.

6. Há de se levar em consideração, ainda, que eventual


reconhecimento de ofício da questão, além de ser contrária aos próprios ditames
constitucionais, como asseverado por Fredie Didier, também violaria os princípios da
não surpresa, previsto no art. 10, do CPC, bem como o princípio da adstrição, previsto
no art. 492, do CPC. Sobre a questão, Daniel Amorim Assumpção Neves 2, assim
leciona:

2
Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único – 13.ed.
– Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. p.834.
3
“Para significativa parcela doutrinária, o princípio da
congruência é decorrência do princípio dispositivo. Sem afastar
tal entendimento, em análise mais minuciosa nota-se que o
princípio ora estudado é fundamentado em dois outros
princípios: inércia da jurisdição (princípio da jurisdição) e
contraditório (princípio do processo). A inércia da jurisdição
determina que o juízo só se movimenta quando provocado pelo
interessando, sendo que essa movimentação ocorre nos
estritos limites do pedido e causa de pedir(...)”.

7. Ainda que se possa entender que o princípio da adstrição


estaria atrelado à inicial, por certo o juízo também não pode conhecer matéria de
defesa não arguida, por violar o contraditório e ampla defesa, mencionados acima,
certamente violando o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição federal, afinal.

8. Dessa forma, não há que se falar em reconhecimento de


prescrição bienal com arrimo na Convenção de Montreal, que seria de 02 (dois) anos
após o fato danoso, já que não arguida. Ao juízo, nesse sentido, não seria lícito
conhecer a matéria de ofício, com a devida vênia.

9. Dessa forma, com relação ao ponto 5 do espelho de prova


discursiva, 1ª questão, requer o recorrente que seja desconsiderada a questão
apontada, não havendo que se falar em prescrição.

III. DO PONTO 9.1. – DO CANCELAMENTO DO VOO COM


BASE NA LEI 14.034/2020:

10. O gabarito merece reforma, com a devida vênia.

11. Assevere-se que, em relação ao cancelamento dos voos, em


nenhum momento se falou em razão da pandemia, tendo o enunciado da questão
apenas abordado que:

“Segunda Ré – Easy Fly:

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- Alega que o atraso de voo se deu por questões operacionais”

“Quarta Ré – Voe Bem:


- Não pode ser responsabilizada, pois o cancelamento do voo
se deu por necessidade de adequação da malha aérea”.

12. Ora, com a devida vênia, não cabe ao candidato supor


aquilo que não foi alegado. Em nenhum momento foi colocado na questão que a
readequação da malha aérea se deu por conta da pandemia de COVID 19!

13. Inicialmente, de se asseverar que, conforme inteligência do art.


14 do CDC, a responsabilidade dos réus é objetiva e, tendo havido a inversão do ônus
da prova, até por força do entendimento do mencionado artigo legal, caberia às rés
aduzirem em suas peças de bloqueio que a readequação dos voos se deu por conta
da pandemia. E, se esse não foi a argumentação, incabível a aplicação da lei
14.034/2020.

14. Diante do exposto, requer o recorrente que seja modificado o


espelho do gabarito nesse sentido, afastando-se a questão relativa à aplicação da Lei
14.034/2020, eis que inaplicável à demanda, eis que não houve arguição pelas rés de
readequação da malha aérea devido à pandemia.

IV. CONCLUSÃO:

15. Ante todo o exposto, requer o recorrente que seja admitido e


conhecido o presente recurso contra o espelho de prova discursiva, e que, ao final,
seja provido, nos termos acima, por ser medida de direito.

P. deferimento.
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2022.

Paulo Roberto Muniz Martins


OAB/RJ 97.618

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