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A Prescrição Intercorrente e a nova MP nº 1.

040/21
(Medida Provisória de “Ambiente de Negócios”)

Pablo Stolze Gagliano1

Salomão Viana2

Sumário. 1. Consideração introdutória – 2. Noção básica a respeito da prescrição intercorrente:


2.1. Prescrição civil; 2.2. Prescrição intercorrente – 3. Interpretação do novo dispositivo – 4.
Prescrição intercorrente na execução fiscal: 4.1. Suporte fático para deflagração do prazo; 4.2.
Identificação do prazo – 5. Prescrição intercorrente nas execuções distintas da fiscal, na vigência
do CPC-1973: 5.1. Suporte fático para deflagração do prazo; 5.2. Identificação do prazo – 6.
Prescrição intercorrente nas execuções fundadas em título extrajudicial, distintas da fiscal, na
vigência do CPC-2015: 6.1. Suporte fático para deflagração do prazo; 6.2. Identificação do prazo
– 7. Prescrição intercorrente no cumprimento da sentença – 7.1. Suporte fático para deflagração
do prazo; 7.2. Identificação do prazo – 8. Prescrição intercorrente e processo de conhecimento
paralisado – 9. Afinal, a inclusão, no Código Civil, do art. 206-A promove alteração na ordem
jurídica?

1
Concluiu a graduação na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, em solenidade ocorrida em
1998, tendo recebido o diploma de honra ao mérito (láurea). É pós-graduado em Direito Civil pela Fundação
Faculdade de Direito da Bahia, tendo obtido nota dez em monografia de conclusão. É mestre em Direito Civil pela
PUC-SP, tendo obtido nota dez em todos os créditos cursados, nota dez na dissertação, com louvor, e dispensa de
todos os créditos para o doutorado. Foi aprovado em primeiro lugar em concursos para as carreiras de professor
substituto e professor do quadro permanente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, e também
em primeiro lugar no concurso para Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia (1999). É autor e coautor de várias obras
jurídicas, incluindo o Manual de Direito Civil, o Novo Curso de Direito Civil, O Contrato de Doação e o Manual
da Sentença Cível (Saraiva). É professor da Universidade Federal da Bahia. Já ministrou palestras e cursos em
diversas instituições brasileiras, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Membro da Academia de Letras Jurídicas
da Bahia, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia Brasileira de Direito Civil.
2
Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1987) e em Medicina pela Universidade Federal
da Bahia (1985). Autor, juntamente com Pablo Stolze Gagliano, da obra Manual da Sentença Cível, publicada pela
Editora Saraiva. Autor e coautor de diversos capítulos de livros e de artigos no campo do Direito Processual Civil.
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia; do Brasil Jurídico
- Ensino de Alta Performance; e da Escola de Magistrados da Bahia. Membro da ANNEP Associação Norte e
Nordeste de Professores de Processo. Conferencista e palestrante. Especialista em Direito Processual Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Aprovado em primeiro lugar no concurso para
provimento de cargos de Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (1994) e em
primeiro lugar para o cargo de professor do quadro efetivo da Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia (1996). Exerceu a advocacia e ocupou o cargo de Juiz de Direito do Estado da Bahia (1990-1994). É Juiz
Federal, atuando na Seção Judiciária da Bahia desde 1994. Ocupou o cargo de Juiz do Tribunal Regional Eleitoral
da Bahia (2009/2011, como titular, e 2013/2015, como suplente). Condecorado com a Medalha Mérito Legislativo,
pela Câmara dos Deputados (Plenário Ulysses Guimarães, Brasília, DF); com a Comenda Ministro Coqueijo Costa,
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região; e com a Medalha do Mérito Eleitoral com Palma, pelo Tribunal
Regional Eleitoral da Bahia.

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1. CONSIDERAÇÃO INTRODUTÓRIA

A Medida Provisória n. 1.040, de 29 de março de 2021, dispõe, dentre outros assuntos3,


sobre a prescrição intercorrente, mediante a inserção, no Código Civil, do art. 206-A, cujo teor
é o seguinte: "A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão".

Por meio destas breves notas, temos o propósito de emitir uma primeira impressão a
respeito do novo dispositivo, mormente no que se refere ao seu potencial – se é que há – para
causar impactos na ordem jurídica.

2. NOÇÃO BÁSICA A RESPEITO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

2.1. Prescrição civil

Como é do conhecimento geral, a prescrição, no âmbito do Direito Civil4, sempre atinge


a pretensão, extinguindo-a (CC, art. 189).

De sua vez, a pretensão nasce com a violação do direito a uma prestação.

Assim, somente se pode falar em pretensão se houver inadimplemento de uma


obrigação de fazer, de não fazer, de dar dinheiro ou de dar coisa distinta de dinheiro.

A pretensão é exatamente o poder que o ordenamento jurídico confere ao credor de


exigir o cumprimento de uma prestação inadimplida5.

No comum das situações, a extinção da pretensão pela prescrição decorre do fato de o


titular da pretensão não a haver exercitado no prazo que a lei estipula para tanto.

3
Diante da variedade dos assuntos sobre que versa a mencionada Medida Provisória, é de todo adequado lembrar
que, de acordo com o texto do art. 7º, I, da Lei Complementar n. 95/1998, "excetuadas as codificações, cada lei
tratará de um único objeto". Essa regra é expressamente aplicável às medidas provisórias (LC 95/1998, art. 1º,
parágrafo único). Todavia, trata-se de diretriz que, em prejuízo da construção de bons textos legislativos, não vem
sendo observada.
4
Prescrição é instituto submetido à realidade normativa que determinado ordenamento jurídico, em certo
momento, lhe impuser. A disciplina a respeito da prescrição se insere no âmbito dos conceitos jurídico-positivos,
e não lógico-jurídicos. Assim, apesar de a base de toda a teoria a respeito do tema estar assentada no Direito Civil,
a prescrição está submetida, por exemplo, a normas específicas no campo do Direito Tributário. No âmbito do
Direito Penal, a sua disciplina também é completamente diversa.
5
“É o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do devedor da prestação) a um interesse
subordinante (do credor da prestação) amparado pelo ordenamento jurídico” (GAGLIANO, Pablo Stolze.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 204).

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2.2. Prescrição intercorrente

Diz-se que é intercorrente a prescrição se ela se consumar no curso de um processo.

Nesse ponto, é importante perceber o seguinte: se há um processo em curso é porque o


credor já exercitou a pretensão quanto à prestação a que o devedor se obrigou.

Daí se depreende que a prescrição intercorrente atinge outra pretensão, não a pretensão
original, uma vez que a pretensão original, que nasceu com o inadimplemento da obrigação, foi
exercitada mediante a propositura da demanda.

Essa outra pretensão – a que é objeto da prescrição intercorrente – somente pode ter
nascido, por óbvio, depois que a pretensão original foi exercitada.

Como veremos mais adiante, a prescrição intercorrente atinge sempre a pretensão


executiva e nem sempre está vinculada a um quadro de inércia do credor.

3. INTERPRETAÇÃO DO NOVO DISPOSITIVO

Assentada a compreensão de que, independentemente de se tratar de prescrição


intercorrente ou não, haverá sempre uma pretensão a ser atingida, percebe-se que o texto do
dispositivo – "a prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão"
– é, em si mesmo, tautológico.

Essa circunstância exige a aplicação de um pouco mais de energia para que se possa
extrair, do enunciado do novo artigo, o seu exato sentido.

Na verdade, trata-se de um texto normativo por meio do qual se pretende orientar o


intérprete quanto à identificação do prazo para que a prescrição intercorrente ocorra.

Diante disso, o sentido a ser extraído do texto é o de que o prazo para consumação da
prescrição intercorrente é o mesmo prazo legalmente previsto para prescrição da pretensão
original, que foi exercitada por meio da propositura da demanda.

Num exemplo simples: como a pretensão à reparação civil prescreve em três anos (CC,
art. 206, § 3º, V), tendo ela sido exercitada a tempo, o prazo para que ocorra a prescrição
intercorrente – a prescrição no curso do processo – também será de três anos.

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O que é preciso saber é quais são as situações fáticas com aptidão para deflagrar o curso
do prazo de prescrição intercorrente.

4. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NA EXECUÇÃO FISCAL

4.1. Suporte fático para deflagração do prazo

Por meio do art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), a ordem
jurídica colocou o intérprete em contato com um texto legal que passou a disciplinar o instituto
da prescrição intercorrente.

Pelo mencionado dispositivo, se o executado não for localizado no curso de um


procedimento de execução fiscal, ou não forem encontrados bens seus sobre os quais possa recair
a penhora, o juiz deverá suspender a prática dos atos da execução. Enquanto estiver suspensa a
prática dos atos executivos, o prazo para prescrição intercorrente não tem início.

Passado um ano desde que a parte exequente foi intimada do fato de não haver sido
localizado o executado ou não terem sido encontrados bens penhoráveis seus – ocasião em que
começa a correr o prazo de prescrição intercorrente –, deve o juiz ordenar o arquivamento dos
autos.

De acordo com o texto legal, depois de "decorrido o prazo prescricional" (Lei n.


6.830/1980, art. 40, § 4º), o juiz, mediante prévia oitiva da parte exequente, reconhecerá, de ofício
ou a requerimento, a ocorrência da prescrição intercorrente. Em algumas situações, o próprio
sistema jurídico dispensa a prévia oitiva da parte exequente (Lei n. 6.830/1980, art. 40, § 5º).

Em julgamento ocorrido no mês de setembro de 2018, o Superior Tribunal de Justiça –


STJ, ao apreciar, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o REsp 1.340.553 – RS, resultou
por fixar teses que, na prática, estabilizaram o entendimento de que, "findo o prazo de 1 (um)
ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a
natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na
distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz,
depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e
decretá-la de imediato".

Está aí, às claras, uma situação em que a prescrição não decorre de inércia da parte
credora, mas de uma situação fática externa à sua atuação: se o executado não for localizado no

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curso de um procedimento de execução fiscal, ou não forem encontrados bens seus sobre os quais
possa recair a penhora.

Não importa, pois, em casos assim, que a parte exequente tenha ou não se movimentado
para tentar fazer com que o procedimento executivo tivesse sequência.

4.2. Identificação do prazo

No âmbito das execuções fiscais nunca houve debate sério a respeito da identificação
do prazo para ocorrência da prescrição intercorrente. Tal prazo sempre foi vinculado ao prazo
para exercício, pela Fazenda Pública, da pretensão original.

Aliás, para se chegar a tal conclusão, basta observar o trecho do julgamento do REsp
1.340.553 – RS, acima invocado: "findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se
automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito
exequendo)".

O excerto entre parênteses – que tem clara função meramente explicativa – não deixa
margem a dúvidas quanto ao fato de que o prazo para a prescrição intercorrente deve coincidir
com o prazo para exercício da pretensão original, pois levará em consideração "a natureza do
crédito exequendo".

5. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NAS EXECUÇÕES DISTINTAS DA


FISCAL, NA VIGÊNCIA DO CPC-1973

5.1. Suporte fático para deflagração do prazo

O CPC revogado nenhuma disposição tinha a respeito da prescrição intercorrente.

Entretanto, mesmo após a entrada em vigor do CPC-2015, o STJ, no julgamento do IAC


no REsp 1.604.412/SC, suscitado em razão da divergência existente quanto à identificação dos
requisitos para consumação da prescrição intercorrente em processos sob a vigência do CPC-
1973, firmou, no mês de junho de 2018, o entendimento de que "incide a prescrição intercorrente
nas causas regidas pelo CPC-1973, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao
de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202,
parágrafo único, do Código Civil de 2002".

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Em complemento, o STJ estabeleceu que o "termo inicial do prazo prescricional, na
vigência do CPC-1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou,
inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei
6.830/1980)".

5.2. Identificação do prazo

Mais uma vez, a leitura do texto de um acórdão do STJ revela que o prazo para a
prescrição intercorrente deve coincidir com o prazo para exercício da pretensão original.

Afinal, de acordo com o julgamento, o prazo da prescrição intercorrente é o mesmo


prazo "de prescrição do direito material vindicado".

6. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NAS EXECUÇÕES FUNDADAS EM


TÍTULO EXTRAJUDICIAL, DISTINTAS DA FISCAL, NA VIGÊNCIA DO
CPC-2015

6.1. Suporte fático para deflagração do prazo

O CPC-2015 traz, nos §§ 1º a 5º do seu art. 921, um conjunto normativo similar ao


existente no art. 40 da LEF.

Em razão disso, no que se refere ao suporte fático para deflagração do prazo, são
plenamente aplicáveis, para as execuções distintas da execução fiscal, os fundamentos
determinantes da decisão proferida pelo STJ no julgamento do REsp 1.340.553 – RS, que, como
vimos, tratou da prescrição intercorrente na execução fiscal: "findo o prazo de 1 (um) ano de
suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza
do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na
distribuição", na forma do art. 921, §§ 1º a 5º, do CPC. Completado o prazo prescricional, o
magistrado, depois de ouvidas as partes, poderá, de ofício, reconhecer a ocorrência da prescrição
intercorrente.

6.2. Identificação do prazo

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Quanto à identificação do interregno para consumação da prescrição intercorrente, o
raciocínio, aqui, não pode ser diferente do desenvolvido nas situações anteriormente abordadas.

Efetivamente, o prazo senão deve ser exatamente igual ao legalmente previsto para
prescrição da pretensão original, que foi exercitada por meio da propositura da demanda
executiva.

7. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

7.1. Suporte fático para deflagração do prazo

Tratando-se de procedimento de cumprimento de sentença, duas são as situações


merecedoras de atenção.

A primeira é similar às situações já descritas anteriormente: se o executado não for


encontrado (CPC, art. 513, § 2º, IV) ou se não forem encontrados bens seus sobre os quais possa
recair a penhora.

Nesse caso, tendo em vista a semelhança do quadro fático, incidem as regras que se
colhem dos enunciados dos §§ 1º a 5º do art. 921 do CPC, com a interpretação decorrente da
aplicação dos fundamentos determinantes da decisão proferida pelo STJ no julgamento do do
REsp 1.340.553 – RS.

A segunda é diferente: é aquela que se instala em razão da inércia da parte credora depois
encerrada a fase processual em que se deu a certificação da existência do direito a uma prestação.

Um exemplo simples ajuda a entender. Se a parte autora, ao final do procedimento de


conhecimento, vê reconhecido, por meio de decisão transitada em julgado, o seu direito à
obtenção de uma reparação civil, tão logo a obrigação reúna os atributos da certeza, da liquidez
e da exigibilidade definitiva, a parte credora terá o prazo de três anos (CC, art. 206, § 3º, V) para
exercitar a sua pretensão executiva, adotando as medidas para que o ocorra o cumprimento da
decisão judicial. Se a pretensão executiva não for exercitada, ocorrerá a prescrição intercorrente.

É importante perceber, aqui, que, tendo em vista a unidade processual – as fases de


certificação e de efetivação do direito são etapas de um só processo – a prescrição, por haver
ocorrido no curso de um processo, é, induvidosamente, intercorrente.

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7.2. Identificação do prazo

De há muito o Supremo Tribunal Federal – STF, inseriu, na sua súmula comum, o


enunciado n. 150, segundo o qual "prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação".

O perdão pelas imprecisões técnicas do texto, ao usar a expressão "prescrição da ação"


e se referir à possibilidade de "prescrição da execução", é necessário, haja vista que se trata de
enunciado que veio à tona no ano de 1963, época em que o instituto da prescrição ainda não
estava com as suas bases bem estabelecidas.

Mas o que é digno de nota é o fato de o enunciado vincular, claramente, o prazo para
exercício da pretensão executiva ao prazo para exercício da pretensão original.

8. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E PROCESSO DE CONHECIMENTO


PARALISADO

Pelo conteúdo dos itens anteriores, fica fácil perceber que a disciplina a respeito da
prescrição intercorrente, toda ela, está voltada para o processo de execução, e não para o processo
de conhecimento.

E é muito fácil entender a razão: é norma fundamental do processo civil aquela segundo
a qual o processo se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei (CPC,
art. 2º). Trata-se de regra que, à época do CPC-1973, também encontrava base legal, uma vez
que o texto do art. 262 do código revogado tinha redação similar.

Assim, diante do fato de um processo de conhecimento permanecer paralisado por


algum tempo, o primeiro raciocínio a ser feito deve ter por centro a atuação do órgão julgador,
já que é dele o dever de impulsionar a prática dos atos do procedimento.

Aliás, não é por outro motivo que a ordem jurídica processual, no que se refere ao tema
prescrição, adota, desde o CPC-1973, cautelas quanto à possibilidade de a demora para prática
de atos decorrer de falta imputável exclusivamente aos serviços judiciários (CPC-1973, art. 219,
§ 2º; CPC-2015, art. 240, § 3º; enunciado 106 da súmula do STJ).

E mais: na hipótese de a paralisação do processo de conhecimento decorrer de inércia


da parte autora ou de negligência de ambas as partes, o caso será de encerramento do
procedimento, sem que o mérito da causa seja julgado (CPC, art. 485, II e III).

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Não há, portanto, espaço para aplicação do instituto da prescrição intercorrente no curso
de processos de conhecimento.

Há, sim, como vimos, amplo espaço, aberto por disposições legais expressas, para que
tal instituto seja aplicado no âmbito do processo de execução.

E não será – definitivamente, não será – a inserção, no Código Civil, do art. 206-A que
alterará essa realidade.

9. AFINAL, A INCLUSÃO, NO CÓDIGO CIVIL, DO ART. 206-A PROMOVE


ALTERAÇÃO NA ORDEM JURÍDICA?

A resposta à indagação constante no rótulo deste item é, definitivamente, não.

Como demonstramos, o sentido a ser extraído do novo texto normativo é o de que o


prazo para consumação da prescrição intercorrente é o mesmo prazo legalmente previsto para
prescrição da pretensão original, que foi exercitada por meio da propositura da demanda.

Convenhamos: trata-se da adoção de um critério lógico, cuja aplicação – pode-se


arriscar – seria até intuitiva. Aliás, de tão intuitiva, a aplicação desse critério vem se dando de
há muito, no âmbito jurisprudencial.

Afinal, não teria sentido a criação, pelo intérprete, de um prazo para a prescrição
intercorrente que fosse maior ou menor do que aquele que a própria lei já estabelece para a
prescrição da pretensão que foi exercitada por meio da propositura da demanda.

Anote-se, ainda, que a utilização, pelo aplicador do Direito, de prazos, para a prescrição
intercorrente, distintos dos prazos que a própria ordem jurídica já estabelece, expressamente, para
a prescrição da pretensão que foi exercitada por meio da propositura da demanda não passaria
pelo crivo da aplicação do postulado da razoabilidade6.

Resta, por tudo isso, no máximo, somente uma palavra em favor da iniciativa legislativa:
o enunciado do novo artigo tem a serventia de inserir, em texto legal, norma cuja existência na
ordem jurídica já era percebida há muito tempo pelo intérprete, mas o intérprete não tinha à sua
disposição um texto para se apoiar.

6
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 19ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2019, pp. 194-205.

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O caso é, portanto, de mera inovação de texto, e não de inovação normativa.

Com isso, somente um efeito prático pode ser extraído: espanca-se, com antecedência,
qualquer tentativa de malferir a lógica do sistema normativo civil, no que se refere à identificação
do prazo da prescrição intercorrente.

Não mais do que isso.

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