Você está na página 1de 52

ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Organização Judiciária Portuguesa | António Vieira Cura

Aulas práticas da Dr.ª Marta Costa Santos

GABRIELA SOUSA
2021/2022
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Página 2 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

CONCEITO E OBJETO DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA PORTUGUESA

1. CONCEITO E OBJETO

A organização judiciária é constituída pelo conjunto de órgãos aos quais, nos termos constitucional e
legalmente previstos, compete administrar a justiça nas diversas matérias (constitucional, financeira, cível e criminal,
administrativa e fiscal e militar, ou qualquer outra).

Dá-se também a designação de organização judiciária à unidade curricular que tem como objeto o estudo dos
referidos órgãos – o poder de julgar tem de ser repartido pelos vários tribunais e o nosso trabalho nesta disciplina é
identificar o tribunal competente para julgar a nossa causa.

O ordenamento judiciário é, então, o acervo das normas que disciplinam tais órgãos e as próprias pessoas que
nele exercem sua atividade.
Preferimos esta expressão em vez de “direito judiciário” por entendermos que não existe um sistema de
institutos que discipline, de maneira orgânica e coordenada, a atividade dos juízes.

2. NOÇÕES FUNDAMENTAIS

2.1. TRIBUNAIS

Os tribunais são os órgãos de soberania, dotados de independência, aos quais compete administrar a justiça,
através do respetivo juiz, em nome do povo (artigos 202.º/1, 203.º, 215.º e 217.º da CRP; artigo 2.º/1 da LOSJ e artigo
1.º/1, primeira parte, ETAF) – desta noção ficam excluídos os tribunais arbitrais.

® Órgãos de soberania: serão todos e cada um dos tribunais, e não o seu conjunto (artigos 2.º e 110.º/1
CRP).
® Independência: são órgãos estaduais dotados de independência em relação aos outros poderes do
Estado e entre si (salvo o dever de acatamento de decisões em via de recurso) – artigo 203.º CRP.
® Função jurisdicional: o exercício da função jurisdicional cabe-lhes de modo exclusivo (através dos juízes:
não existe tribunal se não existir juiz), que se traduz, nomeadamente (e conforme a categoria de tribunais em
causa):

Página 3 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

– Na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (ou seja, em defender
os direitos subjetivos dos cidadãos e os interesses dos mesmos que a lei protege sem atribuição
daqueles direitos);
– Reprimir as violações da legalidade democrática, isto é, sancionar as condutas que infrinjam
as disposições legais em vigor;
– Dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, ou seja, julgar os litígios e impor
coercivamente o acatamento das decisões tomadas;
– Os tribunais administram a justiça “em nome do povo”, visto não serem titulares da soberania,
que pertence ao povo (artigos 2.º, 3.º/1 e 108.º CRP; 2.º/1 LOSJ; 1.º/1, 1ª parte, ETAF).

2.2. JURISDIÇÃO

Carrega em si um duplo sentido:

Pode reportar-se a todos os tribunais portugueses, designando o poder de julgar constitucionalmente


atribuído ao conjunto dos tribunais existentes na OJ portuguesa (artigo 202.º/1 e 2 CRP), por

Þ contraposição ao poder dos órgãos que exercem as outras funções do Estado – em especial ao Governo
como órgão supremo da Administração Pública (artigo 182.º CRP) – e a dos tribunais dos outros países
(equivale a poder jurisdicional, exercido pelos órgãos existentes em Portugal a que cabe essa função).

Pode apenas referir-se a uma certa categoria ou ordem de tribunais (v.g., os tribunais judiciais, os

Þ tribunais administrativos e fiscal), indicando o poder de julgar os conflitos de interesses que a CRP e a
lei põem a cargo de cada uma das ordens de tribunais – por oposição ao poder reconhecido a outra
kkkkk de tribunais (v.g., jurisdição dos tribunais judiciais; jurisdição administrativa e fiscal).
categoria

Esta dicotomia está implícita no artigo 109.º/1 do CPC, que menciona as situações em que se verificam conflitos
de jurisdição (contraposição aos conflitos de competência), ocorridas quando duas ou mais autoridades pertencentes
a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam
ou declinam o poder de conhecer da mesma questão (conflito positivo e conflito negativo) – p. ex., A quer intentar uma
ação contra a EDP por ela ter instalado vários postes de alta tensão num terreno que é seu, fazendo-o perder valor e, por isso, dirige-se a um
tribunal administrativo e fiscal (TAF) de modo a intentar uma ação, mas o tribunal diz que não lhe cabe a si julgar essa situação. Confrontado
com isto, A dirige-se a um tribunal judicial de modo a intentar a ação e no tribunal judicial também não aceitam a causa. Um conflito de jurisdição
pode ser positivo ou negativo – consoante nenhuma jurisdição se considere competente ou mais do que uma se considere competente para
julgar a causa.

Página 4 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Quanto à segunda aceção, a Lei n.° 91/2019 qualifica também como conflitos de jurisdição os que se verificam
entre tribunais judiciais e tribunais administrativos e fiscais (artigos 1.º e 9.º).

2.3. CONFLITO DE COMPETÊNCIA

A competência interna (que, quando referida a determinado tribunal ou juízo, constitui um dos mais
importantes pressupostos processuais) designa, rigorosa e unicamente, a parcela do poder jurisdicional atribuída a
cada uma das espécies de tribunais e a cada um dos tribunais integrados numa certa categoria ou aos juízos em que
se desdobram – isto é, a competência interna dos tribunais da Relação, aos tribunais de comarca (e aos seus juízos
específicos), ao tribunal da Relação do Porto.

A lei qualifica como conflitos de competência (artigo 109.º/2 CPC) aqueles que ocorrem quando dois ou mais
tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram (in)competentes para conhecer da mesma questão, isto é, se
houver um conflito dentro da mesma jurisdição, diz-se que há um conflito de competências.
O conflito de competências pode ser igualmente positivo ou negativo, consoante mais do que um tribunal da
mesma jurisdição se considere competente para julgar a causa ou nenhum tribunal daquela jurisdição aceite julgar a
causa em questão.
Quem resolve estes problemas de conflitos é normalmente o STJ.

A competência para dirimir conflitos de jurisdição e conflitos de competência não cabe ao mesmo “órgão” –
este entendimento consiste na competência abstrata. Em contraposição, a competência concreta é a competência do
tribunal para julgar determinada ação (de certo tipo) – p. ex., nos juízos de competência especializada, os juízos de família e
menores – em abstrato, são os competentes para julgarem ações de investigação da paternidade (artigo 123.º/1 LOSJ). Contudo,
o Juízo de Família e Menores de Coimbra só é competente, em concreto, para determinada ação dessa natureza, intentada pelo
filho contra o pretenso pai, se o réu tiver o seu domicílio na área de competência territorial desse juízo (v.g., no município de
Coimbra, no de Condeixa ou no de Penacova – artigos 80.º/1 e 82.º/1 CPC e mapa III anexo ao ROFTJ, na redação que lhe foi dada
pelo Decreto-lei n.° 86/2016, de 27 de dezembro).

2.4. INSTÂNCIA E GRAU DE JURISDIÇÃO

Quanto à instância, temos várias aceções.

Para efeitos do disposto nos artigos 259.º a 291.º CPC, a instância consiste na relação jurídica processual
(triangular) que se estabelece e desenvolve entre cada uma das partes e o tribunal. Tem início com a proposição da
ação, que se verifica logo que a respetiva petição inicial se considere apresentada nos termos do artigo 144.º/1 e 6
(ou artigo 259.º/1 CPC, na redação dada pelo Decreto-lei 97/2019). Fica completa com a citação do réu (apenas

Página 5 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

produzindo efeitos em relação a este a partir do momento em que a mesma é efetuada), que torna estáveis os
elementos essenciais da causa (sujeitos, pedido, causa de pedir) sem prejuízos das modificações admitidas na lei
(artigos 260.º e 564.º, al. b) CPC). Por último, extingue-se por qualquer das causas previstas no artigo 277.º CPC.

Quanto à qualificação/hierarquização dos tribunais da mesma categoria, quando não existe apenas um
(tribunais judicias, tribunais administrativos e fiscais) a instância equivale a grau de jurisdição.

® Os tribunais onde a ação deve ser proposta, apreciada e decidida, de facto e direito (ou, em matéria
penal, onde o arguido deve ser julgado), através de sentença, pela primeira vez, são denominados tribunais de
primeira instância.

® Os tribunais competentes para julgar os recursos interpostos das sentenças proferidas por esses
mencionados (ou seja, para conhecer do litígio após uma decisão anterior proferida por um tribunal pertencente à
mesma ordem, mas hierarquicamente inferior) são qualificados como tribunais de segunda instância, que
correspondem ao 2° grau de jurisdição (ainda que a relação processual continue a mesma) – a decisão proferida na
primeira instância não tem necessariamente caráter definitivo.

Quanto aos tribunais judiciais, em matéria cível, o recurso de apelação interposto da decisão proferida por um
tribunal de primeira instância para o competente tribunal da Relação (em regra, de segunda instância) – dois graus de
jurisdição, mas só um de apelação (o STF é, em regra, um tribunal de Revista: não se pode apelar da decisão da
Relação).

Quanto à jurisdição administrativa e fiscal, o recurso interposto de uma decisão proferida por um tribunal
administrativo de círculo ou TAF (primeira instância ou 1° grau de jurisdição) para o competente tribunal central
administrativo (segunda instância ou 2° grau de jurisdição).

Em matéria penal, o tribunal de primeira instância é aquele a que compete julgar o arguido pela primeira vez
(em regra, o tribunal de Comarca, através do competente juízo). Em regra, o tribunal de segunda instância, isto é, o
tribunal competente para conhecer do recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância é o
da Relação (artigo 427.º CPP).

2.5. VALOR DA AÇÃO

Sabemos que, quando intentamos uma ação, ela tem de ter um valor, sob pena da recusa da petição inicial – o
valor da ação só é importante para efeitos de recurso.

Página 6 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

2.6. ALÇADA

A alçada é o limite de valor até o qual o tribunal decide, em regra, sem possibilidade de recurso ordinário. O
valor da alçada é igual para os Tribunais Judiciais e para os Tribunais Administrativos e Fiscais.
O conhecimento da alçada dos tribunais releva devido ao facto de, em princípio (salvo as exceções) apenas ser
admitida a interposição de recurso ordinário de decisão proferida em ação cujo valor seja superior à alçada do
respetivo tribunal (artigos 629.º/1 CPC; 42.º/2 LOSJ; 142.º/1 CPTA; e 280.º/2 CPPT).

Não se confunde alçada do tribunal com a sua competência para conhecer e decidir as ações: a circunstância de
o valor de uma causa exceder a alçada do tribunal em que é instaurada não o torna incompetente ao seu conhecimento
– apenas significa que a decisão proferida no final é suscetível de recurso ordinário (não constitui a resolução definitiva
do caso).

Na primeira instância, a alçada é de 5.000€, o que significa que ações que tenham valor inferior, em princípio,
são insuscetíveis de recurso para a segunda instância (Tribunais da Relação). O recurso para a segunda instância
chama-se recurso de apelação, e pode incidir sobre matéria de direito e de facto.
Na segunda instância (para os Tribunais da Relação) alçada é de 30.000€, o que significa que ações que tenham
valor inferior, em princípio, são insuscetíveis de recursos para o STJ – o recurso para o STJ chama-se recurso de revista,
e apenas pode incidir sobre matéria de direito.

De acordo com o artigo 6.º/3 ETAF, também para os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários
são estes os valores da alçada.

3. FONTES DO ORDENAMENTO JUDICIÁRIO

A primeira fonte é a Constituição da República Portuguesa (CRP), pois, uma vez que os tribunais são órgãos de
soberania, a CRP tem de proceder à definição da sua formação, composição, competência e do seu funcionamento
(artigos 110.º/2 e 209.º e ss. CRP).

Depois temos os diplomas legais e regulamentares, que são necessários graças à compreensível insuficiência
dos preceitos constitucionais atinentes à organização judiciária.
Os principais diplomas de natureza legislativa e regulamentar neste âmbito são os seguintes: Lei n.° 28/82; Lei
n.° 98/97; LOSJ; ROFJ; ETAF; Decreto-lei n.° 174/2019; Decreto-lei n.° 325/2003 e Decreto-lei 58/2020;

Página 7 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

4. CATEGORIAS DE TRIBUNAIS PREVISTAS NA CRP

Estão previstas diversas espécies de tribunais estaduais, isto é, temos presente uma pluralidade de jurisdições
(artigo 209.º CRP): Tribunal Constitucional, STJ e tribunais judiciais de primeira e segunda instância, STA e demais
tribunais administrativos e fiscais, tribunais marítimos (tribunais judiciais de competência especializada), tribunais
arbitrais (artigo 209.º/2), julgados de paz (tribunais estaduais dotados de competência alternativa em relação aos
tribunais judiciais) e os tribunais militares (artigo 213.º CRP).

5. A INDEPENDÊNCIA DOS TRIBUNAIS E OS SEUS SENTIDOS

O artigo 203.º da CRP diz que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei – todas as normas
que vigoram no ordenamento jurídico português, incluindo normas de direito português (lei em sentido amplo aqui).
Esta independência dos tribunais está consagrada nos artigos 203.º CRP, 22.º LOSJ, 2.º ETAF e 7.º/1 LOPTC.

A Independência aqui tem dois sentidos:


• Independência externa: os tribunais são independentes face a qualquer outro órgão de poder – não
estão subordinados a qualquer outro poder do estado (concretização do princípio da separação de poderes
entre os órgãos de soberania – artigo 111.º/1 CRP).
o Note-se que não há interdependência entre tribunais – por “lei”, no artigo 203.º CRP entendemos todas as
normas que vigoram na ordem jurídica portuguesa, incluindo as disposições dos tratados que regem a UE, as emanadas

das suas instituições no exercício das suas competências e a CRP.

• Independência interna: situada no plano das relações entre tribunais, implica que os tribunais são
independentes entre si, isto é, não estão sujeitos a ordens, diretivas ou instruções emitidas por outro, mesmo
que hierarquicamente superior – isto reflete-se na própria Independência dos juízes, pois um juiz não tem de
acatar ordens de um tribunal superior (p. ex., imagine-se que sobre uma determinada situação há jurisprudência
superior num determinado sentido, o juiz não é obrigado a seguir o mesmo entendimento).
o A hierarquia releva para efeitos de recurso, com o dever de acatamento pelo tribunal
inferior da decisão proferida por um tribunal superior.
o Esta independência diz respeito aos tribunais de diversas ordens jurisdicionais ou da
mesma ordem:
o Cada um dos tribunais judiciais é independente dos restantes tribunais dessa
categoria, ainda que hierarquicamente superior, ou dos de outra ordem – o Tribunal da
Propriedade Intelectual é independente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e do Tribunal da Relação de

Lisboa; o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra é independente do TAF de Coimbra.

Página 8 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

o Cada uma das unidades operativas em que se desdobra um tribunal de comarca


(isto é, dos juízos) é independente de qualquer outra – o Juízo de Família e Menores de Coimbra é
independente do Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz.

o Cada um dos tribunais administrativos e fiscais é independente de qualquer outro


tribunal dessa categoria, ainda que hierarquicamente superior, ou dos de outra ordem – o
TAF de Coimbra é independente do TAF de Aveiro e do Tribunal Central Administrativo Norte; o TAF de Braga

é independente do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.

6. INDEPENDÊNCIA DOS JUÍZES E SUAS GARANTIAS

6.1. CONSAGRAÇÃO

A independência dos juízes está implícita na consagração da independência dos tribunais: se os tribunais são
independentes, então quem neles administra a justiça (juízes) também o serão.

Ainda assim, esta independência encontra-se expressa:


® Para os juízes do TC (artigos 222.º/5 CRP e 22.º LOFPT) como garantia dos juízes do TC;
– Além desta independência, outras garantias dos juízes serão a inamovibilidade e o princípio da

irresponsabilidade quanto garantam a independência.

® No artigo 4.º/1 LOSJ, para os juízes de todas as categorias de tribunais estaduais;


® No artigo 4.º/1 do EMJ, para os juízes dos tribunais judiciais;
– O n.° 2 desse artigo, na sua nova redação, estabelece que a independência dos magistrados judiciais se
manifesta na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente
atribuídos.

® No artigo 3.º da Lei n.° 101/2003 para os juízes militares (que integram o quadro dos tribunais
judiciais competentes para o julgamento de crimes estritamente militares);
® O artigo 3.º ETAF, apesar de não aludir diretamente à independência dos juízes dos tribunais
administrativos e fiscais, consagra as garantias de independência: que inequivocamente se reportam aos juízes,
referidos em todos os números desse artigo.

6.2. ALCANCE

Da conjugação desses preceitos resulta que a independência dos juízes se traduz no facto de eles julgarem (e
dirigirem os processos) apenas segundo a CRP e a lei – e, por conseguintes, sem estarem sujeitos a ordens ou
instruções provenientes dos restantes poderes estaduais ou de outros juízes, posicionados em escalões superiores da

Página 9 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

respetiva magistratura; salvo, como vimos para os próprios tribunais, no que toca ao dever de acatamento das
decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.

6.3. INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE

A independência dos juízes não se confunde com a sua imparcialidade (artigo 222.º/5 CRP – garantia de que
gozam os juízes do Tribunal Constitucional, mas que vale para os juízes em geral).
A imparcialidade reporta-se à posição (subjetiva e objetiva) que os juízes devem ocupar relativamente aos
titulares dos interesses em conflito, ou seja, às partes no caso sub judice. O juiz do processo tem de estar acima das
partes, alheio ao conflito de interesses particulares que a lide exprime e traduz, com vista a alcançar a justa
composição da mesma.

Nos termos do artigo 6.º-A EMJ, os magistrados judiciais, no exercício das suas funções, devem agir com
imparcialidade, assegurando a todos um tratamento igual e isento quanto aos interesses particulares e públicos que
lhes cumpra dirimir.

A imparcialidade é condicionada pela independência dos juízes e dos próprios tribunais, mas não é por ela
determinada: um juiz independente pode ser parcial.

6.4. INDEPENDÊNCIA E NÃO SUJEIÇÃO A ORDENS OU INSTRUÇÕES

No LOPTC (artigo 8.º/2), a não sujeição dos juízes a quaisquer ordens ou instruções é incluída nas garantias de
independência, uma vez que aí se determina que a independência dos juízes é assegurada, entre outras coisas, por
essa não sujeição.
Esta não sujeição não reveste tal natureza. Antes, representa o núcleo da própria noção de independência, que
não existe onde e quando a atuação decisória desses magistrados se encontre exposta, de qualquer forma, à
possibilidade de ingerência de outras entidades (v.g., Ministério da Justiça) ou de outros juízes (em particular, os de
tribunais hierarquicamente superiores), nomeadamente através de ordens ou instruções que os tenham como
destinatários.
Este entendimento, que correspondia ao do artigo 4.º/1 EMJ (independência dos magistrados judiciais) acabou
por ser acolhido também no artigo 4.º/1 LOSJ.

Página 10 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

7. GARANTIAS DE INDEPENDÊNCIA DOS JUÍZES

7.1. INAMOVIBILIDADE

Isto reflete a estabilidade relativa do cargo do Magistrado, isto é, os juízes não podem ser transferidos,
suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei (artigo 216.º/1 CRP).

No entanto, existem exceções à inamovibilidade, onde os juízes não podem ser deslocados ou removidos dos
seus cargos fora dos casos nela contemplados.
Quanto à inamovibilidade dos juízes do Tribunal Constitucional, esta é garantida pelo artigo 222.º/5 CRP e,
sem prejuízo de saírem pela sua própria vontade, o mandato é de nove anos e não é renovável. Ou seja, as suas funções
não podem cessar antes do termo do mandato para que foram designados, exceto se ocorrer alguma das situações
previstas no artigo 23.º/1.
Também a inamovibilidade dos juízes do Tribunal de Contas não pode ser entendida nos termos precisos do
artigo 216.º/1 CRP, designadamente por estar excluída a possibilidade de transferência dentro da mesma jurisdição
(por só haver um tribunal).

De acordo com Alberto dos Reis, “a inamovibilidade nada tem a ver com a duração legal do cargo”, ou seja, com
a natureza vitalícia ou temporária do mesmo. Na verdade, o caráter vitalício da nomeação está garantido para os
magistrados judiciais (artigo 6.º EMJ) e para os juízes dos tribunais administrativos e fiscais (por força da remissão
contida no artigo 3.º/3 e 57.º ETAF).
Quando os juízes não são nomeados vitaliciamente, a estabilidade relativa inerente ao princípio da
inamovibilidade exige que a nomeação seja feita por períodos certos e determinados e sem possibilidade de renovação
(como acontece no caso dos juízes do Tribunal Constitucional), a fim de evitar a insegurança ligada à incerteza sobre
a renovação da nomeação.

A nomeação dos juízes militares é feita por um período de três anos e com possibilidade de renovação. Todavia,
a inamovibilidade que lhes é garantida tem um alcance particular, e o “risco” que daí poderá advir, em termos de
independência, acaba por não ter consequências práticas, em virtude de o julgamento dos crimes estritamente
militares competir sempre ao tribunal coletivo (artigo 11.º CJMil) e de a maioria dos seus membros não ser constituída
por juízes militares (artigo 116.º CJMil).

A primeira parte do artigo 94.º/4, al. f) LOSJ consagra que o presidente do tribunal possui, entre outras, a
competência de propor ao Conselho Superior de Magistratura a reafectação de juízes de outro tribunal ou juízo da
mesma comarca. Surge, desta forma, uma tese de inconstitucionalidade sobre este artigo, no sentido de que ele
consagra uma violação da garantia de inamovibilidade. No entanto, esta tese é rejeitada.

Página 11 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

7.2. PRINCÍPIO DA IRRESPONSABILIDADE PELAS SUAS DECISÕES

O princípio da irresponsabilidade não tem um caráter absoluto: trata-se de um princípio constitucionalmente


consagrado. Contudo, a lei ordinária determina os casos em que os juízes são responsáveis pela sua atividade decisória,
isto é, os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo nos casos previstos na lei – estes casos
estão regulados nos artigos 5.º/2 EMJ, 7.º LOPTC e 5.º/1 Lei 101/2003 (responsabilidade criminal, responsabilidade
civil e responsabilidade disciplinar, respetivamente)

• Responsabilidade civil: quando queremos intentar uma ação contra o juiz por danos que ele nos causou
no exercício das suas funções, a ação é intentada contra o Estado e não contra o seu funcionário (juiz) – isto sem
prejuízo de o Estado poder vir a exigir a restituição daquilo que pagou ao juiz no âmbito do exercício do direito de
regresso. Assim sendo, o juiz só responde se tiver atuado com dolo (intenção de prejudicar a parte) ou culpa grave
(qualquer homem médio colocado naquela situação não teria atuado daquela maneira) – se for mera negligência ou
culpa leve, não pode ser responsabilizado;

• Responsabilidade criminal;
• Responsabilidade disciplinar.

7.3. AUTOGOVERNO

O autogoverno (ou autoadministração) reporta-se à existência de um órgão privativo de gestão e disciplina


(autogoverno mitigado) – no caso dos Tribunais Judiciais, o órgão privativo é o Conselho Superior da Magistratura; nos
Tribunais Administrativos e Fiscais, é o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (isso é assim porque
dentro dos Tribunais Judiciais e dos Tribunais Administrativos e Fiscais há muitos juízes, sendo impossível haver um autogoverno puro – foi por

isso que se criou estes órgãos privativos de gestão e disciplina).

Nós só temos um autogoverno puro no caso dos juízes do Tribunal Constitucional e no caso dos juízes dos
Tribunais de Conta, porque são os próprios tribunais que exercem o poder disciplinar sobre os seus próprios juízes –
mesmo que se trate de atos praticados no exercício de outras funções.
No caso do Tribunal de Contas, o poder disciplinar é exercido pela sua comissão permanente, com recurso para
o plenário geral (artigo 25.º/1). A referida comissão é composta pelo Presidente, pelo Vice-Presidente e por um juiz
de cada uma das três secções, eleito pelos pares por um período de três anos (artigo 76.º/1 LPTC).

Em oral, é preciso saber a composição do conselho superior da magistratura e do conselho superior dos tribunais
administrativos e fiscais (artigo 218.º da CRP).

Página 12 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Quanto à existência de autênticos órgãos privativos de gestão e disciplina constitucionalmente autónomos, aos
quais compete a nomeação, colocação, transferência, exoneração, apreciação do mérito profissional (e a promoção)
dos juízes, assim como o exercício da ação disciplinar em relação a eles, temos:
– Conselho Superior da Magistratura: quanto aos juízes dos tribunais judiciais (artigos 217.º/1 CRP;
153.º e 155.º, al. a) LOSJ; 136.º e 149.º EMJ), incluindo os juízes militares para eles nomeados (artigos 7.º, 14.º/1
e 17.º da Lei n.° 101/2003).
– Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais: para os juízes destes tribunais (artigo
217.º/2 CRP; 6.º/2, 160.º e 162.º LOSJ; e 74.º/1 e 2, al. a) ETAF).

Quanto ao Conselho Superior da Magistratura (artigo 218.º/1 CRP, 137.º EMJ e 154.º/1 LOSJ):
® Presidente (por inerência, o Presidente do STJ);
® 16 vogais:
– 2 designados pelo Presidente da República;
– 7 eleitos pela Assembleia da República;
– 7 juízes eleitos pelos seus pares (artigos 139.º/2 e 140.º e ss. EMJ). O Juiz Conselheiro da lista
mais votada é o vice-presidente do CSM (artigos 138.º/1, 141.º/2 e 142.º, al. a) EMJ).

A maioria dos membros do CSM (2+7) é designada pelos órgãos de soberania eleitos por sufrágio direto (PR e
AR), não estando constitucionalmente garantida uma maioria de juízes (desde a revisão constitucional de 1997). No
entanto, a Constituição também não impede que haja uma maioria de juízes.

Quanto ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a sua composição foi deixada a cargo da
lei ordinária (artigos 75.º ETAF e 161.º/1 LOSJ)
® Presidente (por inerência, o Presidente do STA);
® 10 vogais:
– 2 designados pelo PR;
– 4 eleitos pela AR;
– 4 juízes eleitos pelos seus pares.

A maioria dos membros do CSTAF (2+4) é designada pelos órgãos de soberania eleitos por sufrágio direto (PR e
AR), não estando legalmente garantida uma maioria de juízes.

7.4. EXISTÊNCIA DE UM REGIME DE INCOMPATIBILIDADES

A última garantia da independência é a incompatibilidade.

Página 13 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Existe um regime de incompatibilidade com uma ideia de dedicação exclusiva à magistratura, ou seja, a ideia é
a de que os juízes devem se dedicar exclusivamente a serem juízes profissionais (artigo 216.º/3 da CRP) – esta ideia visa
garantir que os juízes se dediquem exclusivamente à atividade e, consequentemente, não ganhem laços de dependência económica e

profissional.

Nestes termos, estabelece-se na CRP que os juízes em exercício não podem desempenhar outra função pública
ou privada, exceto quanto ao exercício de funções docentes ou investigação científica de natureza jurídica não
remuneradas – remetendo para legislação ordinária (artigos 8.º-A/4 EMJ, 3.º/3 e 57.º ETAF e 74.º/2, al. q)).
O artigo 8.º-A/2 EMJ consagra ainda que não são consideradas de natureza profissional as funções diretivas não
remuneradas em fundações ou em associações das quais os magistrados judiciais sejam associados que, pela sua
natureza e objeto, não ponham em causa a observância dos respetivos deveres funcionais, devendo o exercício dessas
funções ser precedido de comunicação ao Conselho Superior da Magistratura – e não de autorização.

Pergunta-se se no Tribunal de Contas é possível os seus juízes serem nomeados para comissões de serviços
estranhas às suas funções, sem autorização do respetivo conselho superior: O Dr. Vieira Cura diz que a própria lei do
tribunal de contas (artigo 23.º) consagra ser possível nomear juízes do Tribunal de Contas para outros cargos de
comissões de serviço.

Página 14 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

II

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

1. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E A SUA DISCIPLINA AUTÓNOMA NA CONSTITUIÇÃO

O Tribunal Constitucional é umas das categorias de tribunais constitucionalmente previstas (artigo 209.º/1) e
tem a função de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade das normas.

2. COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E O MANDATO DOS RESPETIVOS JUÍZES

A composição do Tribunal Constitucional está prevista no artigo 222.º da CRP (saber de cor para avaliações
orais) e é composto por 13 juízes (juízes conselheiros):
o 10 juízes diretamente designados pela AR (artigos 163.º, al. h) e 16.º/4 LOFPTC).
o Eleição por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos que se encontrem
no exercício de funções – p. ex., no caso de haver 230 deputados em exercício de funções e 222 presentes, exige-se uma

maioria de 148 e sendo 230, a maioria será a partir dos 116.

o 3 juízes cooptados pelos 10 eleitos pela AR.

A eleição ou cooptação vai sendo feita à medida que os juízes do Tribunal Constitucional terminam o mandato.

Quanto aos juízes de outros tribunais (isto é, dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e fiscais) o
artigo 222.º/2 CRP determina uma quota de 6 dos 13 juízes que compõem o tribunal.
Os restantes 7 juízes devem ser juristas (docentes universitários, magistrados do MP, advogados, juízes de
outros tribunais).

O mandato dos juízes do Tribunal Constitucional tem uma duração de 9 anos – não renováveis (artigos 222.º/3
CRP e 21.º/1 e 2 LOFPTC).
O mandato do Presidente e do Vice-Presidente, que são eleitos pelos juízes do Tribunal Constitucional, tem
período igual a metade da duração do mandato do juiz do Tribunal Constitucional, isto é, 4 anos e meio – com
possibilidade de recondução (artigos 222.º/4 CRP, 46.º, al. a) e 37.º/1 LFPTC).

Página 15 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

3. JURISDIÇÃO E SEDE

O Tribunal Constitucional exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica e a sua sede é em Lisboa
(artigo 1.º LOFPTC).
Na sua jurisdição estão compreendidas as matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º CRP), ou
seja, que envolvem a interpretação e aplicação das normas constitucionais (núcleo essencial de uma questão jurídica
– artigo 223.º/1), entre outras (artigo 223.º/2 CRP e 6.º LOFPTC).

4. ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO

O Tribunal Constitucional está organizado em 3 secções não especializadas. Cada uma das secções é composta
pelo Presidente ou pelo Vice-Presidente e por mais 4 juízes conselheiros, de acordo com a distribuição feita pelo
tribunal no início de cada ano judicial (artigo 41.º/1 LOFPTC).

Quanto ao funcionamento, este tribunal funciona em sessões plenárias e por secções (artigo 40.º/1 LOFPTC).
– 1ª secção: Presidente, Vice-Presidente e mais 3 juízes;
– 2ª secção: Presidente e mais 4 juízes (falta um, devido a renúncia);
– 3ª secção: Vice-Presidente e mais 4 juízes.

O quórum de funcionamento consiste na maioria dos membros do plenário ou da secção em efetividade de


funções (8 ou 3, se todos estiverem em efetividade de funções), incluindo o Presidente ou Vice-Presidente (artigo
42.º/1 LOFPTC).

5. COMPETÊNCIA FUNDAMENTAL DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A competência fundamental do Tribunal Constitucional é a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade


(ainda que apenas de certas formas desta) das normas jurídicas que constituem a ordem jurídica portuguesa – em
geral, de certas normas jurídicas ou de determinadas omissões normativas. Este é o motivo pelo qual o Tribunal
Constitucional é essencialmente “um órgão jurisdicional de controlo normativo”.

Podemos ter várias espécies de fiscalização da constitucionalidade e, em alguns casos, da legalidade: fiscalização
abstrata (preventiva e sucessiva), fiscalização concreta e fiscalização por omissão.

Página 16 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

® FISCALIZAÇÃO ABSTRATA PREVENTIVA DA CONSTITUCIONALIDADE (artigo 278.º/1 e 2 CRP):

Não está no âmbito do caso concreto e diz-se “preventiva” porque a norma ainda não entrou em vigor, isto é,
é feita após a aprovação de decreto destinado a valer como lei ou como decreto-lei, mas antes da sua promulgação
pelo Presidente da República; depois da aprovação de tratado ou acordo internacional, mas anteriormente â sua
ratificação ou assinatura pelo Presidente da República; ou após ter sido aprovado um decreto legislativo regional, mas
antes de o Representante da República para a respetiva região autónoma proceder à sua assinatura.

® FISCALIZAÇÃO ABSTRATA SUCESSIVA DA CONSTITUCIONALIDADE OU DA LEGALIDADE (artigo 281.º):

Não está no âmbito do caso concreto e diz-se “sucessiva” porque a norma já está no ordenamento jurídico, ou
seja, é feita após a conclusão do processo de formação dos diplomas, isto é, quando já estão publicados (artigo 119.º),
ainda que não tenham entrado em vigor – não depende da existência de um litígio concreto submetido a qualquer
outro tribunal.

® FISCALIZAÇÃO POR OMISSÃO/INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (artigo 283.º):

Quando falte legislação num domínio em que a Constituição imponha um especial dever de a emitir (só omissão
de medidas de natureza legislativa).

® FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE OU DA LEGALIDADE (artigo 280.º CRP):

Ocorre no âmbito de um caso concreto, ou seja, a questão da constitucionalidade não é a questão principal do
processo, mas sim uma questão paralela e essencial à resolução do caso concreto.
Pode suceder em recurso das decisões proferidas por outros tribunais quanto à questão da
inconstitucionalidade ou da legalidade; por qualquer outro tribunal, que a efetua de forma incidental, nas ações
submetidas à sua apreciação, relativamente às normas relevantes para a decisão do caso concreto sub judice, na
medida em que os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consagrados (artigo 204.º) e, estando sujeitos à lei (artigo 203.º), também não podem aplicar normas ilegais – a
decisão desse outro tribunal, sobre essa questão, não tem caráter definitivo; ou ainda pelo Tribunal Constitucional,
em recurso interposto da decisão de outro tribunal, restrito à questão incidental da inconstitucionalidade ou
ilegalidade (artigos 280.º/1 e 6 CRP; 70.º/1 e 2 e 71.º/1 LOFPTC), salvo quando o Tribunal Constitucional tem funções
jurisdicionais diretas (como acontece no contencioso eleitoral).

Página 17 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

A fiscalização concreta é incidental, ou seja, tem de ser suscitada durante o processo um incidente de
inconstitucionalidade por uma das partes, pelo Ministério Público ou pelo juiz ex oficio.

Imagine que A concorre a uma vaga de segurança onde os pré requisitos são a escolaridade até ao 12° ano e registo criminal limpo. A,
que não tem o registo criminal limpo e apenas concluiu o 9° ano, suscita a inconstitucionalidade desta norma. No entanto, o Tribunal
Constitucional recusa-se a conhecer desta causa, pois não é uma questão essencial para a resolução do caso concreto, uma vez que mesmo que
a norma que exige o registo criminal limpo fosse declarada inconstitucional, A nunca poderia ser segurança, pois apenas tem até ao 9° ano

concluído.

Suscitado o incidente da inconstitucional, o Tribunal vai decidir e pode tomar uma de duas decisões:

• Positiva de inconstitucionalidade: a norma é inconstitucional e, portanto, não se aplica – decisão


positiva não aplica a norma; neste caso, pode recorrer imediatamente a parte prejudicada (aquela que não suscitou o
incidente da inconstitucionalidade) e pode recorrer diretamente para o Tribunal Constitucional, sem esgotar os
recursos ordinários – podem antes esgotar os recursos ordinários e depois ir para o Tribunal Constitucional.
• Negativa de inconstitucionalidade: a norma não é inconstitucional e, por isso, aplicar-se-á – decisão
negativa de inconstitucionalidade, aplica a norma.

O Tribunal Constitucional não aprecia decisões constitucionais, apenas aprecia as normas (a interpretação
normativa ou a interpretação normativa pelo Tribunal).

Importa saber se é uma decisão positiva ou negativa de inconstitucionalidade para efeitos de recurso, pois o
recurso para o Tribunal Constitucional vai variar consoante seja uma decisão positiva ou uma decisão negativa.

O Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, é um tribunal de recurso,


porque enquanto nos controlos abstratos há um controlo concentrado, ou seja, é só o Tribunal Constitucional que faz
este controlo, no controlo concreto, o Tribunal Constitucional só vai conhecer da questão se outro tribunal já se tiver
pronunciado sobre ela e, para que outro tribunal já se tenha pronunciado sobre ela, é preciso que a questão já tenha
sido suscitada – em suma, os recursos respeitantes a decisões positivas de inconstitucionalidade ou ilegalidade são recursos interpostos de
decisões de outros tribunais que tenham recusado a aplicação da norma com um dos fundamentos constantes dos artigos 280.º/1, al. a), n.° 2,

als. a), b) e c) CRP; 70.º/1, als. a), c), d), e) e i) LOFPTC.

Há uma situação de decisão positiva de inconstitucionalidade em que o recurso é obrigatório para o Ministério
Público: é o caso do artigo 280.º/3 da CRP. Se for uma decisão positiva e em causa estiver a não aplicação de uma
norma, convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar, então o Ministério Público é obrigado a
recorrer, porque se entende que estas normas já passaram por um controlo jurídico-político muito grande (obriga-se

Página 18 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

o Ministério Público a recorrer para o Tribunal Constitucional mesmo que não seja parte no processo, isto é, não pode
optar entre recorrer para o Tribunal Constitucional ou esgotar os recursos).

A partir do momento em que o recurso entra no Tribunal Constitucional, suspendem-se os prazos para os
demais recursos até ser proferida a decisão do Tribunal Constitucional. Diretamente, aquela decisão só produz efeitos
para aquele caso.

Em ação de investigação de paternidade instaurada por A contra B (pretenso pai), o Juízo de Família e Menores de Coimbra recusa a
aplicação da norma constante do n.° 1 do artigo 1817.º CC (aplicável por remissão do artigo 1873.º), por violação do direito à identidade pessoal
e do direito de constituir família (artigos 26.º e 36.º/1 CRP). Apesar de ser admissível recurso ordinário (apelação) para o Tribunal da Relação e,
do acórdão desta, para o STJ (revista) – porque o valor da ação é de €30.000,01 (artigo 303.º/1 CPC) – pode recorrer-se logo para o Tribunal

Constitucional (quanto à questão da inconstitucionalidade).

Em caso de recursos referentes a decisões negativas de inconstitucionalidade ou ilegalidade (o tribunal aplica


a norma, porque considera que a mesma não é inconstitucional) interpostos de decisões de outros tribunais que
tenham aplicado a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada no processo ou que já fora julgada
inconstitucional ou ilegal, pode recorrer quem suscitou o incidente de inconstitucionalidade (quem perdeu).

Estes recursos têm pressupostos específicos quanto aos previstos nas alíneas b) e f) do artigo 70.º/1 LOFPTC
(artigo 280.º/1, al. b) e n.° 2, al. d) CRP).
– É preciso que a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade tenha sido suscitada durante o
processo de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos
de este estar obrigado a dela conhecer;
– Deve tratar-se de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já
haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (artigo 70.º LOFPTC).

Vejamos uma sentença proferida numa ação de indemnização (responsabilidade civil extracontratual) proferida em ação
com valor de € 4.5000,00, instaurada num determinado juízo local cível ou de competência genérica de um tribunal judicial de
comarca – pode haver recurso para o TC, quanto à questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade), porque não é admissível
recurso ordinário (valor de causa é inferior à alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância e, em regra, só é admissível recurso
ordinário quando o valor da causa seja superior à mesma, devendo ainda atender-se ao valor da sucumbência, quando for caso
disso).

Sentença proferida pelo Juízo de Família e Menores de Aveiro numa ação de investigação de paternidade instaurada por A
contra B (pretenso pai), que fez aplicação da norma constante do n.° 1 do artigo 1817.º CC (aplicável por remissão do artigo
1873.º), por entender que não é contrária à Constituição e aos princípios nela consagrados, contra o que sustentava o investigante
– como é admissível recurso ordinário (apelação) para o Tribunal da Relação (e, depois, do acórdão desta para o STJ – revista),
não se pode recorrer logo para o TC (quanto à questão da inconstitucionalidade).

Página 19 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Para recorrer, tenho de ter suscitado o incidente (a legitimidade para recorrer cabe comente à parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade, nos termos dos artigos 280.º/4 CRP e 72.º/2 LOFPTC) e
esgotar primeiro todos os recursos ordinários (enquanto numa decisão positiva eu posso recorrer diretamente para o Tribunal
Constitucional, numa decisão negativa eu obrigo a parte a esgotar primeiro todos os recursos ordinários e só depois de esgotá-los é que ela pode

então recorrer para o Tribunal Constitucional). Isso porque as normas têm uma presunção de constitucionalidade e, portanto,

em caso de decisão negativa, ocorre o suposto, que é o tribunal aplicar uma norma porque esta não é inconstitucional.
Por isso, obriga-se a esgotar todos os recursos ordinários antes de recorrer-se para o Tribunal Constitucional.
Do requerimento de interposição do recurso, além dos elementos referidos no n.° 1 do artigo 75.º-A LOFPTC,
deve constar ainda a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado (não bastando,
pois, a afirmação genérica de que a norma em causa viola a Constituição e os princípios nela consagrados), bem como
a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (artigo 75.º-A/2
LOFPTC).

Só não é assim numa situação: há uma situação de decisão negativa de inconstitucionalidade na qual o
Ministério Público é obrigado a recorrer (artigo 280.º/5 da CRP). Abarca aquelas situações em que a norma
anteriormente foi julgada (em sentido amplo) inconstitucional.
– “Julgar” = fiscalização concreta;
– “Pronunciar” = fiscalização abstrata preventiva;
– “Declarar” = fiscalização abstrata sucessiva;
– “Verificar” = fiscalização por omissão.

O n.° 3 do artigo 280.º trata uma situação de recurso obrigatório para o Ministério Público de uma decisão
positiva de inconstitucionalidade, enquanto o n.° 5 deste mesmo artigo trata de um caso de decisão negativa de
inconstitucionalidade. A particularidade deste último é que é uma decisão negativa de inconstitucionalidade (o
tribunal não recusa a aplicação da norma e, portanto, aplica-a) e, neste caso, a especificidade é a de que aplica-se uma
norma que anteriormente foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

– Quando há uma fiscalização abstrata preventiva, mesmo o Tribunal pronunciando-se pela


inconstitucionalidade da norma, ela pode entrar em vigor, isto acontece, por exemplo, quando o Tribunal
Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade de um decreto da Assembleia da República e, mesmo assim,
a Assembleia confirma e o Presidente da República promulga – a norma entra com uma presunção de
inconstitucionalidade e, por isso, sempre que for aplicada pelo tribunal num caso concreto o Ministério Público é
obrigado a recorrer; isto também acontece no caso da norma ser julgada inconstitucional num processo de fiscalização
concreto (este julgamento só produz efeitos no caso concreto) – os efeitos da fiscalização concreta não é erga omnes
(que se aplica a todos) tal como o que acontece na fiscalização abstrata sucessiva, mas sim só produz efeitos no caso
concreto.

Página 20 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Isto tudo acontece para fazer funcionar o que está disposto no artigo 281.º/3: quando tivermos pelo menos três
casos em que a norma seja julgada, em concreto, inconstitucional, eventualmente o Tribunal Constitucional abre um
processo de fiscalização abstrata sucessiva para retirar a norma do OJ – apenas nos será questionado sobre a decisão
positiva, a decisão negativa e os casos de recurso obrigatório para o Ministério Público.

Quanto ao recurso para o plenário previsto no artigo 79.º-D LOFPTC, se o Tribunal Constitucional, em secção,
julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à
mesma norma por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal, obrigatório para
o Ministério Público quando intervier no processo como recorrente ou recorrido.

Um exemplo mais ou menos recente é o do Acórdão 488/2018, de 4 de outubro: o TC (pela 2ª secção) julgou inconstitucional a norma
do n.° 1 do artigo 1817.º CC (aplicável à investigação da paternidade ex vi do artigo 1873.º); como a jurisprudência anterior do TC (desde o Ac.
n.° 401/2011) era em sentido oposto, o MP (recorrente, por ter interposto recurso obrigatório da decisão positiva de inconstitucionalidade
proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães) interpôs recurso para o plenário; pelo Acórdão n.° 349/2019, o TC, em plenário, decidiu não

julgar inconstitucional a referida norma (tendo revogado aquele acórdão).

Página 21 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

III

TRIBUNAIS JUDICIAIS

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS NORMAS QUE DISCIPLINAM OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

São os primeiros tribunais comuns em matéria cível e criminal (artigo 211.º/1, 1ª parte da CRP), mas possuem
ainda uma jurisdição residual, uma vez que nela se acham compreendidas todas as áreas não atribuídas a outras
ordens jurisdicionais (artigo 211.º/1, 2ª parte da CRP).
Para sabermos se estamos perante matéria pertencente à jurisdição dos tribunais judiciais, não basta, pois,
averiguar se ela tem natureza cível ou criminal, será preciso, no entanto, assegurar que ela não se integra na jurisdição
do Tribunal Constitucional, do Tribunal de Contas ou dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

A dificuldade nos tribunais judiciais é de que há muitos tribunais e, portanto, temos de perceber a matéria que
cabe a cada um e, depois, pode acontecer que, para a mesma matéria, tenhamos vários competentes e temos de saber
qual a parcela do território nacional em que cada tribunal judicial pode administrar a justiça.

2. DIVISÃO JUDICIÁRIA DO TERRITÓRIO NACIONAL NA LOSJ E NO ROFTJ

É necessária uma divisão judiciária do território porque os tribunais judiciais têm caráter permanente quanto
ao espaço e, à exceção do que se passa no seu nível mais elevado, coexistem diversos tribunais judiciais da mesma
categoria no território nacional.
Como o volume de processos entrados nos tribunais de primeira instância é muito maior que nos tribunais de
recurso, o número de tribunais tem de ser maior no primeiro grau de jurisdição – sendo que o tribunal de revista deve
ser único para todo o território nacional.

Ainda assim, não existe um artigo autónomo dedicado à divisão judiciária na LOSJ, estando ela consagrada no
artigo 33.º/2, respeitante aos tribunais judiciais de primeira instância. Segundo este artigo, o território nacional divide-
se em 23 comarcas (Anexo II da LOSJ): Açores, Bragança, Faro, Lisboa Norte, Porto, Viana do Castelo, Aveiro, Castelo
Branco, Guarda, Lisboa Oeste, Porto Este, Vila Real, Beja, Coimbra, Leiria, Madeira, Santarém, Viseu, Braga, Évora,
Lisboa, Portalegre e Setúbal.

Página 22 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

3. CATEGORIAS DE TRIBUNAIS JUDICIAIS E A SUA HIERARQUIZAÇÃO

3.1. AS CATEGORIAS DE TRIBUNAIS JUDICIAIS E HIERARQUIZAÇÃO NA CRP

A CRP indica diversos tipos de tribunais judiciais (artigo 209.º/1, al. a)):
® Supremo Tribunal de Justiça;
® Tribunais da Relação (com sede em Coimbra, Lisboa, Porto, Guimarães e Évora);
® Tribunais de 1ª instância.

O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da
competência própria do Tribunal Constitucional (artigo 210.º/1 CRP). Ainda assim, pode funcionar como tribunal de
instância, nos casos previstos na lei (n.° 5). Fora desses casos, funciona apenas como tribunal de recurso (recursos de
revista), por ocupar o vértice da pirâmide judicial.

Os tribunais da Relação são, em regra, os tribunais de 2ª instância (artigo 209.º/1, al. a) e 210.º/4 CRP), ficando
em aberto a possibilidade de funcionarem como tribunais de 1ª instância a título excecional (cabendo à lei a
determinação dos casos em que exercem competências em primeiro grau de jurisdição) – conhecem em via de recurso,
os recursos de apelação.

Os tribunais de 1ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (artigo 209.º/1, al. a) e 210.º/3 CRP), aos
quais são equiparados os tribunais de competência específica e os tribunais de competência especializada referidos
no artigo 211.º/2 CRP – estes últimos são concebidos, também, como tribunais de 1ª instância, apesar de não serem
tribunais de comarca.

Quer o STJ quer os Tribunais da Relação têm matérias que conhecem em 1° grau de jurisdição, isto é, há matérias
que são conhecidas em 1ª instância pelo STJ e há matérias que são conhecidas em 1° grau de jurisdição pelos Tribunais
da Relação – não se trata de uma regra, mas sim de uma exceção, sendo que a regra geral é a de que as ações dão
entrada em 1ª instância, nos tribunais de comarca, nos tribunais de competência específica ou nos tribunais de
competência especializada.

3.2. AS CATEGORIAS DE TRIBUNAIS JUDICIAIS E A SUA HIERARQUIZAÇÃO PELA LOSJ

A LOSJ alude às três categorias de tribunais judiciais existentes (1ª instância, 2ª instância e STJ) – os tribunais
judiciais de 1ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (artigos 29.º/1, al. a), 29.º/2 e 3 LOSJ) e os tribunais
judiciais de 2ª instância são denominados como tribunais da Relação, e designados pelo nome do município em que
estão instalados.

Página 23 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

A hierarquização dos tribunais judiciais está mencionada no artigo respeitante à competência em razão da
hierarquia (artigo 42.º/2 LOSJ). Este artigo contém uma norma não autónoma, por depender da norma que fixa a
alçada dos tribunais da Relação e dos tribunais de 1ª instância, em matéria cível (artigo 44.º/1).

4. DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA INTERNA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (OU DOS SEUS JUÍZOS)

4.1. CRITÉRIOS LEGAIS DE DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA E O MODO COMO OPERAM NA LOSJ

Os critérios legais de determinação da competência interna (artigo 37.º/1 LOSJ) são:


® Critério da matéria;
® Critério do valor (que também é o da forma do processo) – apenas mobilizamos este critério quanto chegarmos à
conclusão, no critério da matéria, que o tribunal competente é um juízo cível;

® Critério da hierarquia;
® Critério do território.

4.2. A COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS (OU JUÍZOS) EM RAZÃO DA MATÉRIA

O critério da matéria permite saber se é o STJ ou os Tribunais da Relação que conhecem em 1ª instância, bem
como a repartição da competência entre os tribunais de competência territorial alargada (que são de competência
especializada e conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma do processo aplicável) e entre
eles e os tribunais de comarca, pelos respetivos juízos (artigos 83.º/2 e 40.º/2 LOSJ) – ou seja, olhando para o critério da
matéria, a primeira coisa que temos de questionar num caso prático é se é da competência do STJ; se não for, questionamo-nos se isso é uma
questão que seja decidida em 1° grau de jurisdição pelo Tribunal da Relação; se não for um nem outro, temos de ver se é da competência de um

tribunal de competência territorial alargada (artigo 40.º/2 e 83.º/3 da LOSJ).

A LOSJ autonomiza, na 1ª instância, determinados tribunais de competência especializada, os denominados


tribunais de competência territorial alargada, que conhecem de matérias determinadas, independentemente da
forma de processo aplicável (artigos 33.º/1 e 83.º/1 e 2), que são os indicados no n.° 3 do artigo 83.º (cuja competência
é definida nos artigos 111.º a 116.º), embora possam ser criados outros, quando se verifiquem os pressupostos
estabelecidos no n.° 4 do artigo 83.º.

São estes, nomeadamente:


a) O tribunal da propriedade intelectual:
b) O tribunal da concorrência, regulação e supervisão;
c) O tribunal marítimos;
d) O tribunal de execução das penas;

Página 24 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

e) O tribunal central de instrução criminal.

Consagra, ainda, o desdobramento dos tribunais de comarca em juízos de competência especializada,


competência genérica ou de proximidade (artigos 81.º/3 e 130.º).
Neste caso, a repartição de competência em razão da matéria é efetuada entre os diferentes juízos
especializados existentes em cada tribunal de comarca e, cremos, entre alguns dos referidos juízos especializados (os
centrais, e não os locais) e os juízos de competência genérica (ou, em alternativa, os juízos locais cíveis/criminais), que
possuem competência residual alternativa (artigo 130.º/1 LOSJ), apesar de esta última delimitação de competência
não ser mencionada no artigo 40.º/2 LOSJ, nem no artigo 65.º CPC.

Os tribunais de comarca são, então, desdobrados em:


® Juízos de competência especializada
– Central cível;
– Local cível;
– Central criminal;
– Local criminal;
– Local de pequena criminalidade;
– Instrução criminal;
– Família e menores;
– Trabalho;
– Comércio;
– Execução.
® Juízos de competência genérica
® Juízos de proximidade

Dentre os juízos de competência especializada, o legislador enquadra os juízos locais cíveis e os juízos locais
criminais. Contudo, estes não são juízos de competência especializada, pois julgam todas as causas que não caibam
aos outros juízos. Ou seja, apesar de incluídos nos especializados, têm competência residual alternativa, em matéria
cível, uma vez que ou há um juízo local cível (e outro criminal) ou um juízo de competência genérica.
Tem sempre de existir um juízo local cível e um juízo de competência genérica – há uma divisão pelos dois da
competência residual (artigo 130.º).

Desapareceu o binómio instâncias centrais e instâncias locais bem como a designação “secções” de umas e outras, e o que
era designado por secção passa a ser designado por juízo de competência especializada, genérica ou de proximidade (artigo 81.º/1
LOSJ).

Página 25 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

4.3. A COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS (OU JUÍZOS) EM RAZÃO DO VALOR E DA FORMA DO


PROCESSO

O critério do valor, quanto às ações com processo comum de declaração, apenas determina a repartição da
competência entre os juízos centrais cíveis, por um lado, e os juízos locais cíveis ou os juízos de competência genérica
dos tribunais de comarca, por outro (artigo 81.º/1) e não entre os tribunais judiciais – só mobilizamos este critério
quando tivermos chegado à conclusão, na matéria, que o tribunal competente é um juízo cível (e, neste caso,
conseguirmos determinar se é um juízo central cível ou local cível).

O valor da causa assume importância na delimitação da competência dos juízos centrais cíveis do tribunal de
comarca (especializados, na conceção do legislador) e dos juízos locais cíveis ou de competência genérica desse
tribunal – nomeadamente para a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum (artigos
41.º, 117.º/1, al. a) e 130.º/1 LOSJ e 66.º CPC):
• Se a causa tiver um valor superior a €50.000,00, a competência pertence aos juízos centrais cíveis;
• Se tiver um valor inferior ou igual a €50.000,00, a competência pertence aos juízos locais cíveis ou
de competência genérica (aqui enquadram-se todos os apuramentos de indemnizações) – isto não tem nada a ver
com a alçada, trata-se de um valor ficcionado pelo legislador para dividir a competência entre o juízo local cível e o juízo central cível.

4.4. A COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS EM RAZÃO DE HIERARQUIA

O critério da hierarquia apenas nos é relevante em caso de recurso (artigo 42.º/1 LOSJ).

Nas questões de natureza cível, em regra, a admissibilidade de recurso ordinário depende de o valor da causa
ser superior à alçada do tribunal de cuja decisão se recorre (tribunal a quo) e também do valor da sucumbência (artigo
629.º/1 CPC).
Contudo, a lei processual civil consagra algumas hipóteses em que a interposição de recurso é sempre admissível
sem dependência do valor da causa, até ao Supremo Tribunal de Justiça ou, pelo menos, para o Tribunal da Relação
(artigo 629.º/2 e 3 CPC). Quanto a isto, vejam-se também os artigos 40.º/1, 79.º e 186.º-P CPT (casos em que é sempre
admissível recurso para o Tribunal da Relação).

Nas questões de natureza criminal, por não haver alçada (artigo 44.º/2 LOSJ), o regime dos recursos é o
consagrado nos artigos 399.º e ss. CPP. Nesta matéria, o princípio geral é o seguinte: é permitido recorrer dos
acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei (artigo 399.º).

No topo da hierarquia dos Tribunais Judiciais está o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 210.º/1 CRP e 31.º/1
LOSJ).

Página 26 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Em regra, em matéria cível, apenas intervém em via de recurso nas causas de valor superior à alçada dos
Tribunais da Relação (artigo 42.º/2, 1ª parte, LOSJ), isto é, quando o valor da causa seja superior, em pelo menos 1
cêntimo, a €30.000,00 (artigo 44.º/1 LOSJ e 629.º/1 CPC). Contudo, pode ter de se atender, igualmente, ao valor da
sucumbência.
Em matéria penal, há recurso para o STJ das decisões ou acórdãos referidos no artigo 432.º CPP, além de outros
casos especialmente previstos na lei (artigo 433.º CPP).

Relativamente aos Tribunais da Relação que, em regra, são tribunais de 2ª instância (artigos 210.º/4 CRP e
29.º/2 e 67.º/1 LOSJ):
Em matéria cível, compete-lhes conhecer dos recursos interpostos das causas cujo valor exceda a alçada dos
tribunais de 1ª instância (artigo 42.º/2, 2ª parte, LOSJ), ou seja, quando o valor da causa exceda em pelo menos 1
cêntimo os €5.000,00 (artigo 44.º/1, 2ª parte, LOSJ) – atendendo-se, igualmente, ao valor da sucumbência (se não
houver fundada dívida a seu respeito) – e dos que sejam sempre admissíveis, independentemente do valor da causa.
Em matéria penal, cabe-lhes conhecer dos recursos das decisões proferidas por tribunal de 1ª instância de que
não haja recurso direto para o STJ (artigo 427.º CPP).

Os tribunais que ocupam a posição hierárquica inferior são os tribunais de 1ª instância, em regra, os de comarca
(artigos 210.º/3 e 211.º/2 CRP e 29.º/3 e 79.º LOSJ).
Salvo o disposto no artigo 629.º/2 e 3 CPC e nos artigos 40.º/1, 79.º e 186.º-P CPT, as decisões proferidas pelos
tribunais de 1ª instância em causas de valor igual ou inferior a €5.000,00 não admitem recurso ordinário (não há, pois,
duplo grau de jurisdição – a Constituição não obriga a existência de vários graus de jurisdição).

4.5. A COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS (OU JUÍZOS) EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

O critério do território permite repartir o poder jurisdicional entre os diferentes tribunais judiciais de cada um
dos níveis hierárquicos em que existam vários tribunais, ou seja, entre os tribunais da Relação, entre os diversos
tribunais de 1ª instância, entre os juízos de cada um dos tribunais de comarca que tenham a mesma especialização
(quando não haja apenas uma) e entre os diferentes juízos de competência genérica.

A competência territorial (concreta) de cada tribunal, assim como a dos referidos juízos de tribunais de comarca
é determinada pela circunscrição territorial que lhe está adstrita (o conjunto de comarcas – quando não haja
circunscrição territorial nominada em que os tribunais da Relação possuam competência, como sucedia com o distrito
judicial –, a comarca, o município ou municípios desta, ou qualquer outra) e, quando não se trate de tribunal
competente em todo o território nacional, pelo elemento de conexão territorial relevante.

Página 27 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Então, o tribunal que vai ser territorialmente competente será aquele que mantiver uma conexão com o litígio,
através do elemento considerado decisivo pela lei.

Os elementos de conexão, em matéria cível, são os previstos nos:


– Artigos 70.º a 90.º CPC;
– Artigos 13.º a 19.º CPT;
– Artigo 7.º CIRE;
– Artigos 38.º/3 e 91.º/7 CExprop;
– Artigos 9.º e 11.º RGPTC;
– Artigos 79.º LPCJP;
– Artigo 30.º RJPA.

A competência territorial dos tribunais da Relação quando intervenha em via de recurso (regra) é determinada
pela subordinação hierárquica do tribunal de que se recorre (artigo 83.º CPC, que se aplica também aos recursos das
decisões proferidas nas causas de natureza penal, por força do artigo 4.º CPP e em matéria contraordenacional).
Quando funcionem como tribunais de 1ª instância a sua competência territorial é definida nos termos
estabelecidos para os tribunais desta categoria.

Segundo o critério do artigo 83.º CPC, cada um dos tribunais da Relação é, agora, territorialmente competente
para:
• Conhecer dos recursos interpostos das sentenças proferidas pelos juízos dos tribunais das comarcas que
constituem a respetiva área de competência;
• Conhecer dos recursos interpostos das sentenças proferidas pelos tribunais de competência
territorialmente alargada cuja sede esteja localizada em alguma dessas comarcas.
o Exceto os recursos das decisões do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, para os quais é
competente o Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 188.º/5 LOSJ) e não o da Relação de Évora, apesar de estar
sediado em Santarém (anexo III da LOSJ e mapa II anexo ao ROFTJ).

Relativamente aos tribunais de 1ª instância (e quanto aos tribunais da Relação quando exerçam competências
de 1ª instância), os elementos de conexão territorial consagrados no CPC para as ações declarativas são,
nomeadamente, os seguintes:

® O domicílio do réu (se tiver residência habitual): é o fator determinante da competência territorial
quando outra norma não estabeleça critério diverso (artigo 80.º/1).
– Constitui, assim, o critério geral quanto às pessoas singulares – releva, por ex., para a determinação
da competência territorial para as ações de anulação ou de declaração de nulidade de negócios jurídicos, para as ações de

investigação da maternidade ou da paternidade e para as ações de reivindicação de coisas móveis.

Página 28 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

® A sede da pessoa coletiva do réu: sede da administração principal, da sucursal, agência, filial, delegação
ou representação.
– Que não seja o Estado: se o for, será o domicílio do autor;
– Constitui critério geral quanto às pessoas coletivas.

® A situação dos bens:


– Determina a competência territorial para as ações referentes a direitos reais ou direitos
pessoais de gozo sobre coisas imóveis (p. ex., o direito de propriedade e o de usufruto, quanto aos direitos reais de
gozo, e o direito do comodatário, no que se refere aos direitos pessoais);

– Determina a competência territorial para as ações de divisão de coisa comum, de despejo, de


preferência e de execução específica sobre imóveis;
– Determina, ainda, as ações de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas
(artigo 70.º do CPC).

® O lugar onde a obrigação devia ser cumprida, por força de acordo ou da lei:
– Determina a competência territorial para as ações destinadas a exigir o cumprimento de
obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do
contrato por falta de cumprimento;
– Mediante opção do credor, se o réu for pessoa coletiva ou quando o réu tenha
domicílio na mesma área metropolitana que o autor (Lisboa ou Porto) – valendo o critério do
domicílio do réu quando não se verifique algum dos pressupostos que possibilitam ao credor
fazer aquela opção (artigo 71.º/1 CPC).

® O lugar onde ocorreu o facto gerador de responsabilidade civil extracontratual ou delitual, para as ações
destinadas a efetivar esta, quando baseada em facto ilícito ou fundada no risco (artigo 71.º/2 CPC);

® O domicílio ou a residência do autor, nas ações de divórcio ou de separação de pessoas e bens (artigo
72.º CPC).

O artigo 71.º/2 é mobilizável quando estiver em causa um acidente de viação, isto é, o lugar onde ocorreu o
facto gerador de responsabilidade civil extracontratual ou delitual, para as ações destinadas a efetivar esta, quando
baseada em facto ilícito ou fundada no risco.
Tudo o que for ato de responsabilidade civil extracontratual (ato ilícito, acidentes de viação, etc.) incluem-se
neste artigo – p. ex., uma pessoa que morre numa mesa de operações por excesso de anestesia e a família quer
intentar uma ação contra o médico.

O artigo 71.º/1 serve para definirmos o lugar onde a obrigação deverá ser cumprida.

Página 29 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Os elementos de conexão territorial consagrados no CPT para as ações declarativas cíveis são, nomeadamente:
® O domicílio do réu, que é o fator determinante da competência territorial quando outra norma não
estabeleça critério diverso (artigo 13.º/1), constituindo, assim, o critério geral, tanto para as pessoas
singulares como para as coletivas;
® O lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor, quanto às ações emergentes de contrato de
trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade empregadora (artigo 14.º/1);
® O lugar onde o acidente de trabalho ocorreu, o lugar onde o doente trabalhou pela última vez em serviço
suscetível de originar a doença profissional ou, em determinados termos, o domicílio do sinistrado,
doente ou beneficiário, relativamente às ações emergentes de acidente de trabalho e de doença
profissional (artigo 15.º/1 e 4);
® O lugar onde se situa o estabelecimento da prestação de trabalho, para os procedimentos cautelares
de suspensão e para as ações de impugnação de despedimento coletivo (artigo 16.º/1).

O CIRE estabelece os seguintes elementos de conexão material, para os processos de insolvência:


® A sede ou o domicílio do devedor, consoante se trate, respetivamente, de pessoa coletiva ou de pessoa
singular (artigo 7.º/1);
® O domicílio do autor da herança à data da morte, quando se trate da insolvência de herança jacente
(artigos 7.º/1, parte final, e 2.º/1, al. b));
® O lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses – que é aquele onde ele os
administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros (artigo 7.º/2).

Em exame sai sempre um caso de insolvência.

Quanto à competência dos juízos de família e menores dos tribunais de comarca em matéria tutelar cível, disciplinada
pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), estão consagrados os seguintes fatores de conexão: artigos 3.º, 9.º, 11.º –
nunca saiu em exame.

Em suma,

1° - Matéria:
– STJ ou Tribunal da Relação conhecem em 1ª instância;
– Tribunal de competência alargada (artigos 111.º e ss. LOSJ);
– Tribunal de comarca:
– juízos centrais cíveis, centrais criminais, instrução criminal, família e menores, trabalho, comercio, execução (artigo 117.º e
ss. LOSJ).
– Juízos locais cíveis, locais criminais, locais de pequena criminalidade, de competência genérica e de proximidade (artigo
130.º LOSJ).

2° - Valor: se for questão cível, temos de olhar para este (+ €50.000 ou =/- €50.000)

3° - Território: Tribunais de competência alargada (Mapa IV ROFTJ e Anexo III LOSJ); Tribunais de Comarca (ver elemento de conexão
territorial e ver comarca competente – Mapa III ROFTJ e Anexo II LOSJ – e, por último, ver no Mapa III do ROFTJ a área territorial competente).

Página 30 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

IV

OS TRIBUNAIS JUDICIAIS EM ESPECIAL

1. SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA

1.1. DEFINIÇÃO, SEDE E COMPETÊNCIA TERRITORIAL

O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, constituindo a última
instância nas matérias abrangidas pela jurisdição desta ordem de tribunais.
A ressalva contida na parte final do artigo 210.º/1 CRP e 31.º/1 LOSJ mostra que essa posição cimeira sofre uma
derrogação no que se refere às decisões sobre a inconstitucionalidade de normas, que são suscetíveis de recurso para
o Tribunal Constitucional – ou seja, acima do STJ só temos o Tribunal Constitucional para as matérias de fiscalização
da constitucionalidade e da legalidade.

A sede do Tribunal Constitucional é em Lisboa (artigo 45.º LOSJ e 4.º/1 ROFTL).

Quanto à sua competência territorial, esta estende-se a todo o território nacional (artigo 43.º/1, 1ª parte, LOSJ
e mapa anexo ao ROFTJ e artigo 4.º/1 do mesmo).

1.2. ORGANIZAÇÃO

O STJ está organizado em secções, em matéria cível, matéria penal e em matéria social (artigo 47.º/1 LOSJ).
Funciona por secções, pleno ou plenários de secções.

Além dessas há ainda uma Secção do Contencioso (artigo 62.º/2) – para o julgamento dos recursos das
deliberações do Conselho Superior da Magistratura (artigo 47.º/2).
Apesar do teor do artigo 47.º/2, a Secção do Contencioso tem outras competências, nomeadamente, a
impugnação das decisões do Presidente do STJ, no exercício do poder de direção do tribunal.
Esta secção é constituída pelo mais antigo dos vice-presidentes do tribunal (que tem voto de qualidade) e por
um juiz de cada uma das outras secções (que são sete), designados anual e sucessivamente, de acordo com a respetiva
antiguidade (artigo 47.º/3 LOSJ).

Página 31 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

a) MODO DE REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA ENTRE AS SECÇÕES, DE ACORDO COM A REFERIDA


ESPECIALIZAÇÃO DO ARTIGO 54.º/1 LOSJ

Atualmente, no STJ temos:


– Quatro secções cíveis (a 1ª, 2ª, 6ª e 7ª);
– Duas secções criminais (3ª e 5ª);
– Uma secção social (4ª).

As secções criminais (ou secções penais) julgam:


– As causas de natureza penal em sentido amplo, isto é, abrangem não só as penas, mas também as
medidas de segurança;
– As coimas aplicadas em processos de contraordenação, exceto quando a competência pertença à
secção social ou às secções cíveis às quais sejam distribuídos os processos por contraordenações da
competência do Tribunal da Propriedade Intelectual, do Tribunal da Concorrência, regulação e
Supervisão e do Tribunal Marítimo (artigo 54.º/1 LOSJ);
– As medidas tutelares educativas, se admitirem recurso para o STJ.

As secções sociais julgam as causas referidas no artigo 126.º LOSJ, quando haja possibilidade de recorrer para
o STJ, o que, em matéria contraordenacional, só poderá acontecer por via do recurso extraordinário de fixação de
jurisprudência.

As secções cíveis julgam as causas não atribuídas às outras duas espécies de secções, dispondo, assim, de uma
competência residual.

b) CRITÉRIOS ESPECIAIS DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA

Como no STJ não há secções especializadas em matérias da competência do tribunal da propriedade intelectual
(artigo 111.º LOSJ), do tribunal da concorrência, regulação e supervisão (artigo 112.º LOSJ) e do tribunal marítimo
(artigo 113.º LOSJ), as causas a elas respeitantes são sempre distribuídas à mesma secção cível (artigo 54.º/2 LOSJ).

E, como também não há nesse tribunal qualquer secção especializada nas matérias da competência (abstrata)
dos juízos de comércio dos tribunais de comarca (artigo 128.º LOSJ), as causas a elas respeitantes também são sempre
distribuídas à mesma secção cível, mas que não poderá ser a mesma a que são distribuídas as indicadas no n.° 2 do
artigo 54.º (artigo 54.º/3 LOSJ).

Página 32 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

1.3. FUNCIONAMENTO

O funcionamento do STJ está previsto no artigo 48.º/1, 2 e 3 LOSJ:


• Em plenário: é constituído por todos os juízes que compõem o tribunal, designados por juízes
conselheiros;
o Só funciona em plenário se estiverem presentes ¾ de juízes em exercício (artigo 48.º/1);

• Em pleno das secções especializadas: isto é, pleno das secções cíveis, das secções criminais ou pleno da
secção social, constituídos, respetivamente, por todos os juízes que compõem as secções cíveis, as
secções criminais e a secção social;
o Só funciona em pleno das secções especializadas com a presença de pelo menos ¾ dos juízes
que constituem e se encontrem em exercício (artigo 48.º/3);

• Por secções: quando um julgamento é feito nas secções, em regra, é feito por três juízes, sendo um
deles o relator e os outros intervindo como adjuntos (artigo 56.º/1 LOSJ).

Nas secções criminais, para os crimes comuns, quando o STJ intervém em via de recurso, o tribunal é composto,
tanto no caso de o julgamento ser realizado em conferência como no de audiência (artigos 419.º/1, 429.º/1 e 435.º
CPP, que prevalecem sobre o artigo 10.º da LOSJ):
– Pelo presidente da secção;
– Pelo relator;
– Pelo juiz-adjunto.

1.4. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Em regra, tanto em matéria cível como em matéria penal, o STJ apenas intervém em via de recurso. Todavia,
em alguns casos excecionais, respeitantes a uma e a outra dessas matérias, também possui competências de 1ª
instância. Assim acontece, em especial, com as que tem para:
• Artigo 53.º, al. a) da LOSJ e artigo 11.º/3, al. a) do CPP;
• Artigo 55.º, al. b) da LOSJ e artigo 11.º/4, al. a) do CPP;
• Artigo 55.º, al. c) da LOSJ;
• Artigo 55.º, al. d) da LOSJ e artigo 11.º/4, al. c) do CPP;
• Praticar, nos termos da lei de processo (por cada um dos juízes das secções criminais), os atos
jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução criminal, presidir ao debate instrutório e proferir
despacho de pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos na al. a) do n.° 3 e na al. a) do n.° 4 do artigo

Página 33 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

11.º do CPP, assim com na al. a) do artigo 53.º e na al. b) do artigo 55.º da LOSJ (artigo 11.º/7 do CPP e artigo
55.º, al. h) da LOSJ);
• Artigo 109.º, als. a) e c) do C.Just.Militar.

® EM VIA DE RECURSO

EM MATÉRIA CÍVEL

Em regra, em matéria cível, o STJ conhece em via de recurso das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais
da Relação (artigos 42.º/2, 1ª parte, LOSJ e 69.º CPC) – contanto que se verifique também o requisito respeitante ao
valos da sucumbência, se não houver fundada dúvida quanto a esse valor (artigo 629.º/1 CPC).

Estão em causa os recursos ordinários – daí a referência à alçada.

Em particular, o recurso de revista (de acórdão da Relação em recurso de apelação ou per saltum de sentenças
de 1ª instância – artigos 671.º e 678.º CPC) que tem como objeto matéria de direito (artigo 682.º/1 e 2 CPC). A matéria
de direito é, também, a matéria que, em regra, o STJ conhece, de acordo com o artigo 46.º LOSJ.
Quando haja “dupla conforme”, a revista é apenas admitida a título excecional (artigos 671.º/3 e 672.º/1 CPC).
Contudo, está ainda em causa o recurso de apelação (artigo 644.º CPC), interposto para o STJ, de decisões
proferidas em primeira instância pelos tribunais da Relação, ou interposto para o pleno das secções cíveis do Supremo
Tribunal de Justiça de decisões proferidas em primeira instância por alguma dessas secções.

A limitação dos poderes de cognição do STJ, em via de recuso, às causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais da Relação
constitui apenas a regra: existem casos em que é sempre admitido recurso até ao órgão superior da hierarquia dos tribunais
judiciais, independentemente do valor da causa (e da sucumbência), que são os referidos no n.° 2 do artigo 629.º CPC.

O julgamento do recurso de revista compete às secções cíveis, de acordo com a distribuição feita entre elas
(artigos 54.º/1 e 55.º, al. a) LOSJ; 203.º, 213.º e 215.º CPC) – observando-se os critérios especiais de distribuição do
artigo 54.º/2. Assim é exceto quando se trate de matéria laboral, caso onde o julgamento cabe à secção social (artigos
54.º/1 e 55.º, al. a) LOSJ).
Contudo, o Presidente do STJ pode determinar que o julgamento se faça com intervenção do pleno das secções
cíveis (ou, em matéria laboral, do pleno da secção social), em virtude de se revelar necessário ou conveniente para
assegurar a uniformidade da jurisprudência (artigo 686.º/1 CPC).

Quanto ao julgamento do recurso de apelação, nos casos acima referidos, o julgamento compete às secções
cíveis, quando a decisão recorrida tenha sido proferida, em primeira instância, pelo tribunal da Relação (artigos 54.º/1

Página 34 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

e 55.º, al. a) LOSJ) ou ao pleno das secções cíveis, tratando-se de decisão proferida, em primeira instância, pelo
Supremo Tribunal de Justiça, em secção cível (artigo 53.º, al. b) LOSJ).

O recurso extraordinário de revisão (artigo 672.º) que eventualmente seja interposto de acórdão proferido em
secção cível pelo STJ é igualmente julgado em secção com essa especialização; e o destinado a impugnar um acórdão
da secção social é julgado por esta (artigo 55.º, al. a) LOSJ).
Com efeito, a mencionada alínea a) do artigo 55.º da LOSJ atribui às secções, segundo a sua especialização, o
julgamento dos recursos que não sejam da competência do pleno das secções especializadas – os recursos cujo
julgamento compete ao pleno das secções especializadas são somente os indicados nas alíneas b) e c) do artigo 53.º
da LOSJ.

EM MATÉRIA CRIMINAL

Uma vez que não há alçada, a sua competência em via de recurso é definida pelo CPP (artigo 44.º/2 LOSJ).

® Nos termos do artigo 432.º/1 do CPP, há recurso ordinário para o STJ, que apenas conhece, em regra, de
matéria de direito (artigo 434.º CPP e 46.º LOSJ).

® O julgamento do recurso é da competência das secções criminais (artigo 54.º/1 e 55.º, al. a) LOSJ), de
acordo com a distribuição realizada (artigos 203.º, 213.º e 215.º CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 4.º
CPP).

® No que respeita aos recursos extraordinários, a decisão sobre o recurso de revisão da sentença,
autorizando-a ou denegando-a, é da competência das secções criminais (artigos 449.º, 451.º/1, 455.º/2 e 3 e 435.º
CPP e 55.º, al. e) LOSJ).

® Recurso de qualquer decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, interposto diretamente para
este (artigos 446.º/1, 435.º e 11.º/4, al. b) CPP e 55.º, al. a) LOSJ) – secções criminais.

® Julgamento do recurso de fixação (ou de uniformização) de jurisprudência (artigos 437.º, 443.º/1, 53.º,
al. c) e 11.º/3, al. c) CPP e 53.º, al. c) LOSJ) – pleno das secções criminais.

® COMPETÊNCIA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA

Embora a regra seja a da intervenção do STJ em via de recurso, ele possui também competências em 1ª
instância. Assim acontece, em especial, com as que tem para as matérias referidas anteriormente.

Página 35 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Tratando-se de decisões proferidas em 1ª instância pelo STJ, os recursos que delas caibam são interpostos para
formações de juízes mais alargadas do mesmo tribunal. Assim:

• Compete ao pleno das secções cíveis o julgamento dos recursos dos acórdãos proferidos ao abrigo do
disposto na alínea c) do artigo 55.º LOSJ (artigo 53.º, al. b) da mesma);

• Ao pleno das secções criminais o julgamento dos recursos das decisões proferidas nos processos
indicados nas alíneas b), d) e h) do artigo 55.º da LOSJ (artigo 53.º, al. b) LOSJ e 11.º/3, al. b) CPP);

• Ao plenário do tribunal, nomeadamente, o julgamento do recurso do acórdão proferido pelo pleno


das secções criminais na sequência do julgamento a que alude a alínea a) do n.° 1 do artigo 53.º da LOSJ (artigo
52.º, al. a) LOSJ).

2. TRIBUNAIS DE 1ª INSTÂNCIA

Os tribunais judiciais de 1ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (artigos 210.º/3 da CRP e 29.º/3 e
79.º, 1ª parte da LOSJ).
Contudo, surgem exceções, pois há processos em que o tribunal competente em 1ª instância é, como vimos, o
tribunal da Relação ou o próprio Supremo Tribunal de Justiça – competência em razão da hierarquia, apesar de a
hierarquia ser estabelecida para efeito de recurso.

A LOSJ prevê, portanto, duas espécies de tribunais de 1ª instância: em regra, os tribunais de comarca, mas
existem ainda os tribunais de competência territorial alargada – são tribunais de competência especializada, pois
conhecem de matérias determinadas, referidas na lei, “independentemente da forma de processo aplicável”.

Os tribunais de comarca são, apesar de a lei não o dizer expressamente, também, em regra, tribunais de 1ª
instância. Contudo, os tribunais de comarca podem funcionar como tribunais de recurso, como sucede quanto às
sentenças proferidas pelos julgados de paz, se o valor da causa exceder metade da alçada dos tribunais de 1ª instância,
ou seja, se ultrapassar €2.500,00 (artigo 62.º/1 da Lei n.° 78/2001).

Ninguém pode intentar uma ação diretamente contra o juiz – apenas o Estado pode fazê-lo, em via de regresso, no Tribunal da Relação.
Os tribunais da Relação têm, a título excecional, competência em 1ª instância, designadamente, para:
• Artigo 73.º, al. b) da LOSJ;
• Artigo 12.º/3, al. a) do CPP e artigo 73.º, al. c) da LOSJ;
• Artigo 73.º, al. d) da LOSJ;
• Artigo 73.º, al. e) da LOSJ, artigo 979.º do CPP e artigo 12.º/3, al. d) do CPP;
• Artigo 12.º/3, al. c) do CPP e artigo 73.º, al. g) da LOSJ.
• Julgar (em secção criminal) os processos por crimes estritamente militares cometidos por oficiais de patente idêntica à
dos juízes militares de 1ª instância, seja qual for a sua situação (artigo 109.º, al. b) do C.Just.Militar).

Página 36 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

2.1. ESPÉCIES DE TRIBUNAIS DE 1ª INSTÂNCIA E MODO DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA

Existe um tribunal judicial de 1ª instância em cada uma das 23 comarcas em que o território está dividido (artigo
33.º/3). Os tribunais de comarca são os de competência genérica e de competência especializada (artigo 80.º/2).
As unidades jurisdicionais resultantes do desdobramento legalmente estabelecido são, agora, os juízos criados
pelo ROFTJ. Os juízos são os juízos de competência especializada, juízos de competência genérica e juízos de
proximidade – embora os últimos não tenham juiz: artigos 81.º/1 e 85.º/2.

Os tribunais de comarca possuem uma competência residual, uma vez que lhes compete preparar e julgar as
causas não abrangidas pela competência de outros tribunais (artigo 80.º/1), ou seja, as causas que não caibam aos
tribunais de competência territorial alargada (nem ao STJ ou aos tribunais da Relação).

A competência material dos tribunais de comarca encontra-se repartida pelos juízos, correspondendo ao
conjunto das competências atribuídas a estes.

2.2. OS TRIBUNAIS DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL ALARGADA

Os tribunais de competência territorial alargada são assim chamados por serem territorialmente competentes
em mais do que uma comarca (artigos 33.º/1, 43.º/4 e 83.º/1) – alguns deles, até em todo o território nacional.

a) A SUA COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA

Em razão da matéria, são tribunais de competência especializada, porque conhecem de matérias determinadas,
isto é, referidas na lei (em particular, na LOSJ), e independentemente da forma do processo aplicável (artigo 83.º/2).

b) OS TRIBUNAIS DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL ALARGADA PREVISTOS NA LOSJ

Existem os seguintes tribunais de competência territorial alargada (artigo 83.º/3 e anexo III a que se refere o n.°
4 da LOSJ; mapa IV para que remete o artigo 4.º/3):

Tribunais de execução das Tribunal central de


Tribunal marítimo
penas Instrução Criminal

Tribunal da propriedade Tribunal da concorrência,


intelectual regulação e supervisão

Página 37 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Nota: a área de competência territorial destes tribunais nem sempre corresponde a todo o território nacional, mesmo quando apenas existe

um tribunal.

® Tribunal da propriedade intelectual (al. a)): cabe conhecer das questões mencionadas no artigo 111.º
LOSJ – sempre que o tribunal fale de direitos de autor, patentes, propriedade industrial, etc. Apenas existe um Tribunal
da Propriedade Intelectual, com sede em Lisboa.

® Tribunal da concorrência, regulação e supervisão (al. b)): possui competência para conhecer das questões
respeitantes a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas tomadas em processo de
contraordenação – tudo o que tenha a ver com contraordenações fixadas pelas autoridades reguladoras (banco de
Portugal, ESCE, ANACOM – artigo 112.º/1 LOSJ, na redação da Lei n.° 23/2018). Apenas existe um único tribunal com
esta especialização, com sede em Santarém.

® Tribunal marítimo (al. c)): é o único tribunal de competência territorial alargada que não tem competência
em todo território nacional (tem sede em Lisboa e competência territorial somente para os departamentos marítimos
do Norte, do Centro e do Sul, ficando foram da sua área de competência os departamentos marítimos dos Açores e
da Madeira – estes dois, terão de ser decididos no juízo central cível ou no juízo local cível, consoante o valor – +
€50.000 ou =/– de €50.000, respetivamente). É competente para conhecer das questões respeitantes às matérias
indicadas no artigo 113.º/1 (tudo o que esteja relacionado com barcos e embarcações).

® Tribunais de execução das penas (al. d)): a competência destes é a constante do artigo 114.º – tudo o que
esteja relacionado com a execução de uma pena de prisão (isto é, há uma pena de prisão já transitada em julgado e
só está em causa o modo de execução da pena). Atualmente, existem cinco:
– Tribunal de Execução das Penas dos Açores, com sede em Ponta Delgada;
– Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, com sede em Coimbra;
– Tribunal de Execução das penas de Évora, com sede em Évora;
– Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, com sede em Lisboa;
– Tribunal de Execução das Penas do Porto, com sede no Porto.

® Tribunal central de instrução criminal (al. e)): faz a instrução do processo e vê se leva o arguido ou não a
julgamento. Para ser competente tem de se verificar dois requisitos (artigo 120.º): quando a atividade criminosa
ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da relação (1°) e que sejam determinados tipos de crimes,
nomeadamente crimes contra a paz e humanidade, organização terrorista, contra a segurança do Estado, tráfico de
estupefacientes, branqueamento de capitais, corrupção, participação económica e negócio, administração danosa,
etc. (2°). Este passou a ter uma nova competência, isto é, relativamente à Comarca de Lisboa, deixou de existir juízo
de instrução criminal e aquilo que era a tarefa do juiz de instrução criminal antes, passou a ser também atribuída ao
tribunal central de instrução criminal – para a comarca de Lisboa o tribunal central de instrução criminal é competente

Página 38 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

quando a atividade criminosa acontece no distrito de Lisboa, independente de serem os crimes do artigo 121.º e
independente de serem comarcas diferentes.

2.3. OS TRIBUNAIS DE COMARCA E O SEU DESDOBRAMENTO EM JUÍZOS DE COMPETÊNCIA


ESPECIALIZADA, DE COMPETÊNCIA GENÉRICA E DE PROXIMIDADE

O desdobramento dos tribunais de comarca é, agora, feito em juízos – de competência especializada (conhecem
de matérias especializadas), competência genérica (têm competência residual; cabe neles aquilo que não couber nos
outros) e de proximidade (artigos 81.º/1 e 130.º) – apenas serão objeto de avaliação os Tribunais Judiciais de Comarca de Aveiro,
Coimbra, Guarda (não tem juízo de comércio), Leiria, Porto e Viseu.

Os juízos de competência especializada são agora (artigo 81.º/3):


® Central cível (al. a));
® Local cível (al. b));
® Central criminal (al. c)) – matéria facultativa;
® Local criminal (al. d));
® Local de pequena criminalidade (al. e));
® Instrução criminal (al. f)) – matéria facultativa;
® Família e menores (al. g));
® Trabalho (al. h));
® Comércio (al. i));
® Execução (al. j)).

Desses juízos, alguns são centrais e outros são locais.

Tal como os juízos locais cíveis, os juízos locais criminais e os juízos de competência genérica (igualmente
locais) têm a sua competência fixada em conjunto no artigo 130.º/1 e 2 LOSJ. Então, para efeitos expositivos, parece
preferível fazer uma distinção entre juízos centrais e esses juízos locais (a que acrescem os juízos de proximidade) –
contraposição que se encontra no artigo 10.º/1, al. c) LOSJ.

a) OS JUÍZOS ESPECIALIZADOS CENTRAIS E A SUA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA, VALOR E


TERRITÓRIO

Os juízos centrais são, nomeadamente: os juízos centrais cíveis, juízos centrais criminais, juízos de instrução
criminal, juízos de família e menores, juízos do trabalho, juízos de comércio e juízos de execução.

Página 39 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

JUÍZOS CENTRAIS CÍVEIS

Os juízos centrais cíveis (artigo 117.º/1) são competentes, nomeadamente, para:

® Preparar e julgar as ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000 (al. a)) –
contanto que não sejam da competência de tribunais de competência territorial alargada, na sua área de competência
(artigo 80.º/1), nem de outros juízos centrais.

® Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a €50.000, as
competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro juízo ou tribunal (al. b))
– ou seja, se não houver juízo de execução no tribunal de comarca ou se ele não for territorialmente competente;

® Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência (al. c));

® Competência para preparação e julgamento de ações da competência material que se reconduzam ao


disposto no artigo 117.º/1, dos juízos de comércio (artigos 128.º e 117.º/2), quando:
– Não exista juízo de comércio no tribunal da comarca (como acontece nos tribunais
judiciais das comarcas dos Açores, Beja, Évora, Guarda e Portalegre);
– Do juízo de comércio do tribunal da comarca (sendo único) não ser territorialmente
competente em toda a comarca (não acontece, agora, em qualquer caso);
– Então, nestes casos, aos juízos centrais cíveis caberá a preparação e julgamento das ações
declarativas de processo comum previstas no artigo 128.º/1 – como as de declaração de inexistência, nulidade e anulação
do contrato de sociedade (al. b)) e as de anulação (ou de declaração de nulidade) de deliberações sociais (al. d)) –, quando o
seu valor exceda €50.000 (e os procedimentos cautelares que, em regra, dependem delas, como o de suspensão das
deliberações sociais nulas ou anuláveis – al. d). Mas não as de processo especial – como os processos de insolvência e os
processos especiais de revitalização (al. a)), e as ações relativas ao exercício de direitos sociais (al. c)), a que correspondem
os processos especiais previstos nos artigos 1048.º a 1071.º CPC.

Existem, pelo menos, um juízo central cível em todos os tribunais de comarca.


• Em dezasseis deles, apenas há um (Beja, Bragança, Coimbra, Évora, Guarda, Leiria, Lisboa Norte, Madeira, Portalegre,
Porto Este, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu);

• Em seis, há dois (nos dos Açores, de Aveiro, de Braga, de Faro, de Lisboa e de Lisboa Oeste);
• Em um, há três (no do Porto).

Quando existe somente um juízo central cível no tribunal da comarca, a sua área de competência territorial
abrange a totalidade dos municípios que constituem esta circunscrição territorial (mapa III anexo ao ROFTJ).
Na hipótese de haver dois ou mais juízos centrais cíveis, a competência territorial é repartida entre eles, cabendo
a cada um em relação a parte dos municípios da comarca (mapa III anexo ao ROFTJ), no qual se delimita a área de
competência de cada um dos juízos centrais cíveis.

Página 40 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Em suma:

O juízo central cível, para além do valor, tem de ter em atenção a forma de processo (temos de olhar sempre para a
forma do processo!) – p. ex., insolvências, recuperação de empresas (PERA) e ações relativas ao exercício de direitos sociais
não seguem a forma de processo comum (nomeadamente o CPC), havendo um processo específico para estas ações (artigo
117.º, al. a) LOSJ) – imagine uma insolvência de 1.000.000€ na Guarda: uma vez que não há juízo de comércio e como segue uma forma
de processo especial, seria competente um juízo local cível ou de competência genérica.

A competência é determinada pela forma do processo e pelo valor: só no caso de se tratar de ação declarativa a que corresponda
processo comum, respeitante a matéria cível, e de o valor da causa ser superior a €50.000 é que lhes compete a sua preparação e julgamento.

Nas comarcas onde não haja juízos de comércio, o juízo central cível é competente para julgar as causas que caberiam neste juízo,
exceto aquelas referentes a um processo especial – artigo 117.º/2 (als. a) e c) do n.° 1 do artigo 128.º) para sabermos que estas ações nunca
são da competência de um juízo central cível.

JUÍZOS CENTRAIS CRIMINAIS (matéria facultativa):

A competência dos juízos centrais criminais é a definida no artigo 118.º/1 da LOSJ. Existe pelo menos um juízo
central criminal em todos os tribunais de comarca.
A área de competência territorial do único juízo criminal de cada um dos tribunais de comarca abrange a
totalidade dos municípios que constituem a respetiva circunscrição, enquanto a de cada um dos juízos centrais
criminais do mesmo tribunal é integralmente abrangido pelo conjunto (cujo território é integralmente abrangido pelo
conjunto desses juízos), nos termos que se acham definidos no mapa III anexo ao ROFTJ.

JUÍZOS DE INSTRUÇÃO CRIMINAL (matéria facultativa):

Faz a instrução criminal dos processos. Não existe juízo de instrução criminal em todas as comarcas,
nomeadamente, não há na Guarda. Logo, faz a instrução criminal o juízo local criminal ou, se não existir/não for
competente, o juízo de competência genérica.

JUÍZOS DE FAMÍLIA E MENORES (arts. 122.º a 124.º da LOSJ)

Tem uma competência muito alargada. Aos juízos de família e menores compete:
® Em relação ao estado civil das pessoas e à família (artigo 122.º);
® Relativamente a menores e a filhos maiores (artigo 123.º);
® E em matéria de promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens em perigo e tutelar educativa
(artigo 124.º);

Página 41 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Os juízos de família e menores não existem em todos os tribunais de comarca, não havendo em Bragança,
Guarda e Portalegre.

Saliente-se, no entanto, que nos tribunais de comarca dotados de um juízo de família e menores, este não goza
de competência territorial em todos os municípios que constituem a comarca, como resulta do mapa III anexo ao
ROFTJ (houve redução da área de competência, exceto no caso dos de Ponta Delgada e do Funchal).
E, agora, mesmo quando há dois ou mais juízos de família e menores também não cobrem toda a circunscrição
– isso acontece no caso dos tribunais das comarcas de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Leiria, Porto Este e Viseu – p.
ex., a área de competência territorial do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada é constituída comente por 6 dos 19 municípios da comarca
dos Açores; a do Juízo de Família e Menores de Beja é composta somente por 8 dos 14 municípios da comarca; a do Juízo de Família e Menores
de Évora abrange apenas 5 dos 14 municípios da comarca; a do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo abrange apenas 4 dos 10

municípios da comarca, etc.

Só nos tribunais de 8 comarcas (Braga, Faro, Lisboa Norte, Lisboa Oeste, Porto, Santarém e Setúbal) é que as áreas de
competência territorial dos juízos de família e menores correspondem, no seu conjunto, a toda a comarca e a
competência territorial de cada uma delas abrange uma parte dos municípios que constituem a circunscrição, que se
encontra definida no mapa III anexo ao ROFTJ.

Nas três comarcas em cujos tribunais não existe juízo de família e menores (Bragança, Guarda e Portalegre) e na
parte das comarcas em que o juízo ou juízos de família e menores existentes no respetivo tribunal não é
territorialmente competente, a competência que a lei atribui a tais juízos é exercida pelos juízos locais cíveis ou juízos
locais criminais (consoante a matéria em causa), ou pelos juízos de competência genérica (consoante o que exista), ao
abrigo do disposto no artigo 130.º/1 LOSJ.

Nota: no artigo 122.º, al. c), o elemento de conexão territorial nos divórcios é o domicílio do autor (remeter para o artigo 72.º do
CPC).

JUÍZOS DE TRABALHO – existem em todas as comarcas e às vezes até mais do que um

É responsável por tudo o que tenha a ver com relações laborais ou equiparadas (artigo 126.º) – apesar da
epígrafe do referido artigo (competência cível), os juízos do trabalho têm também competência em matéria
contraordenacional (n.° 2).

Quando existe um único juízo do trabalho no tribunal da comarca, a sua área de competência territorial coincide
com a do próprio tribunal, abrangendo toda a comarca – salvo no caso do juízo de trabalho de Ponta Delgada, cuja
área de competência territorial é constituída por apenas 6 dos 19 municípios da comarca dos Açores; em outros 2 é
competente, agora, o Juízo Misto de Família e Menores e do Trabalho da Praia da Vitória.

Página 42 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Nas comarcas em que existem dois ou mais juízos do trabalho no respetivo tribunal, toda a circunscrição
territorial deste é abrangida pela competência do conjunto de tais juízos, sendo a área em que cada um deles é
competente definida no mapa III anexo ao ROFTJ.

Na parte da comarca dos Açores em que o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada e o Juízo Misto de Família e
Menores e do Trabalho não são territorialmente competentes, a competência em matéria cível e contraordenacional
que a lei atribui aos juízos com essa especialização parece caber, em qualquer caso, aos juízos locais (artigo 130.º/1 e
2, al. d) LOSJ).

JUÍZOS DE COMÉRCIO – não existe na Guarda

Aos juízos de comércio compete preparar e julgar todas as ações elencadas no artigo 128.º.

A LOSJ prevê a possibilidade de não haver juízo de comércio em todas as comarcas (artigo 117.º/2). E, na
verdade, segundo o ROFTJ e o mapa III a ele anexo, os tribunais de comarca nos quais há juízo (ou juízos) de comércio
são agora 17, enquanto aqueles em que não existe qualquer juízo com essa especialização ascendem a 6.

Quando existe somente um juízo com essa especialização no tribunal de comarca, a sua área de competência
territorial corresponde a toda a circunscrição daquele (agora também no caso do Juízo de Comércio do Funchal, cuja
área de competência passou a abranger o município de Porto Santo).

Nas comarcas em que existem dois juízos de comércio no respetivo tribunal, toda a circunscrição territorial
deste é abrangida pela competência do conjunto de tais juízos, correspondendo a área de competência de cada uma
delas a uma parte da circunscrição. É a conclusão que se extrai da análise do mapa III anexo ao ROFTJ, no qual é
definida a área de competência de cada juízo de comércio.

Tanto no caso de não haver qualquer juízo de comércio no tribunal de comarca, a competência cabe aos juízos
centrais cíveis do tribunal de comarca, por força do estatuído pelo artigo 117.º/2 LOSJ – no caso das ações que
correspondam ao estabelecido no n.° 1 desse artigo – como quando não possam ser conhecidas pelos juízos centrais
cíveis, aos respetivos juízos locais cíveis ou juízos de competência genérica, ao abrigo do disposto no artigo 130.º/1
LOSJ, consoante o valor da ação (superior a €50.000 ou não) e a respetiva forma de processo (processo de declaração
comum ou especial).

Quando não existe juízo de comércio, nunca será competente o juízo central cível, exceto se for uma das ações
que não estejam previstas nem na alínea a) nem na alínea c).

Página 43 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

JUÍZOS DE EXECUÇÃO

Os juízos de execução (artigo 129.º) são competentes para exercer, no âmbito dos processos de execução de
natureza cível, as competências previstas no CPC (artigo 129.º/1).
Todavia, logo se excluem dessa competência (artigo 129.º/2) os processos de execução atribuídos a
determinados tribunais de competência territorial alargada (ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da
concorrência, regulação e supervisão e ao tribunal marítimo) ou a outros juízos especializados do tribunal de comarca
(aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho e aos juízos de comércio), assim como as execuções de
sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo
cível.

Quando existe somente um juízo de execução no tribunal de comarca, a sua área de competência territorial
corresponde, agora, a toda a circunscrição daquele.

Nas comarcas em que existem dois ou três juízos de execução no respetivo tribunal, toda a circunscrição
territorial deste é abrangida pela competência do conjunto de tais juízos, correspondendo a área de competência de
cada um deles a uma parte de circunscrição.

Nas comarcas em que não existe qualquer juízo de execução no respetivo tribunal (ou seja, nas comarcas dos Açores,
Beja, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Portalegre e Viana do Castelo) cabe aos juízos centrais cíveis exercer as competências
previstas no CPC nas ações executivas de natureza cível cujo valor seja superior a €50.000 (contanto que não se trate
dos processos de execução atribuídos aos tribunais de competência territorial alargada e aos juízos mencionados no
artigo 129.º/2 – quanto a estes, no caso de haver algum no tribunal da comarca), por força do disposto na parte final
da alínea b) do artigo 117.º/1 LOSJ.
E compete aos juízos locais cíveis ou aos juízos de competência genérica a prática dos atos da competência do
tribunal no processo executivo quando se trate de ações executivas de natureza cível de valor igual ou inferior a
€50.000 (artigo 130.º/2, al. c) LOSJ).

b) OS JUÍZOS LOCAIS E A SUA COMPETÊNCIA

O juízos locais (artigo 130.º/2) são, nomeadamente, os: juízos locais cíveis, juízos locais criminais, juízos locais
de pequena criminalidade, juízos de competência genérica e os juízos de proximidade.

Estes juízos são de competência residual (artigo 130.º/1) – eles têm competência para preparar e julgar os
processos relativos a causas não atribuídas a qualquer outro juízo ou tribunal de competência territorial alargada
(sendo desnecessária a referência a estes, em virtude do disposto no artigo 80.º/1).

Página 44 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

• Em matéria cível, a competência cabe aos juízos locais cíveis ou aos juízos de competência genérica –
consoante exista e tenha competência territorial um daqueles ou um destes.
• Em matéria penal, a competência cabe aos juízos locais criminais ou aos juízos de competência
genérica – consoante existe e tenha competência territorial um daqueles ou destes.

JUÍZOS LOCAIS CÍVEIS

Na competência residual prevista no artigo 130.º/1 LOSJ que pertence aos juízos locais cíveis ou aos juízos de
competência genérica cabem, em particular:

• A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor igual ou inferior
a €50.000 (excluídas da competência dos juízos centrais cíveis pela al. a) do artigo 117.º/1 LOSJ), quando não caibam
a algum dos tribunais de competência territorial alargada, nem a juízos centrais do tribunal de comarca com
competência em matéria cível (juízos de família e menores, do trabalho e de comércio);

• A preparação e julgamento das ações que são da competência material dos juízos de família e menores
e seguem o processo de declaração comum, como as ações de declaração de inexistência ou de anulação do
casamento civil (artigo 122.º/1, al. d) LOSJ), cujo valor é sempre «equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01»
(artigo 303.º/1 CPC), e das ações do âmbito de competência material desses juízos que sigam a forma de processo
especial (como, por exemplo, as ações de separação de pessoas e bens e de divórcio – artigo 122.º/1, al. c), da
mencionada lei), nas comarcas onde esses juízos não existam no respetivo tribunal ou nos municípios que não
integrem a área de competência territorial do juízo ou juízos com essa especialização existente(s) no tribunal;

• A preparação e julgamento das ações da competência material dos juízos de comércio que sigam o
processo de declaração comum – como, por exemplo, as ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do
contrato de sociedade (artigo 128.º/1, al. b) LOSJ) e as ações de anulação de deliberações sociais (artigo 128.º/1, al.
d) LOSJ) – quando o seu valor seja igual ou inferior a €50.000, e das ações do âmbito de competência material de tais
secções que sigam a forma de processo especial – nomeadamente, os processos de insolvência e de revitalização de
empresas e as ações relativas ao exercício de direitos sociais (artigo 128.º/1, als. a) e c) LOSJ) –, nas comarcas em que
não haja juízo de comércio no respetivo tribunal ou na parte dessa circunscrição em que o juízo existente não seja
territorialmente competente.

• A preparação e julgamento das ações da competência material do tribunal marítimo que sigam o
processo de declaração comum e tenham valor igual ou inferior a €50.000, assim como das ações da competência do
mesmo tribunal a que se aplique processo especial, na parte do território em que o referido tribunal não tem
competência (ou seja, nos departamentos marítimos dos Açores e da Madeira);

Página 45 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

• A preparação e julgamento dos procedimento cautelares a que correspondam ações da sua


competência.

JUÍZOS LOCAIS CRIMINAIS

Na competência residual prevista no artigo 130.º/1 LOSJ que pertence aos juízos locais criminais ou aos juízos
de competência genérica cabem, em particular (além da competência respeitante à impugnação de decisões em
processos de contraordenação, pelo n.° 2, al. d)):
• O julgamento e os termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do
tribunal singular, que são indicados no artigo 16.º CPC.
• O julgamento dos processos tutelares educativos, nas comarcas e nos municípios não abrangidos
pela competência de juízo de família e menores.
• Os que pertençam a outro tribunal, isto é, tribunal coletivo ou do júri;
• Os processos respeitantes a crimes previstos nos artigos 347.º a 358.º CP – ou seja, cuja pena máxima
é igual ou inferior a 5 anos de prisão;
• Os processos por crimes previstos no artigo 14.º/2, al. b) CPP (isto é, os processos respeitantes a
crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão), mesmo em caso de
concurso de infrações, quando o Ministério Público, na acusação ou, em requerimento, quando seja
superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão
superior a 5 anos (n.° 3).

JUÍZOS LOCAIS DE PEQUENA CRIMINALIDADE

Aos juízos locais de pequena criminalidade compete tudo aquilo que estiver disposto no artigo 130.º/4.

Atualmente, existem apenas cinco juízos locais de pequena criminalidade (Mapa III anexo ao ROFTJ):
• Juízo local de pequena criminalidade de Lisboa;

• Juízo local de pequena criminalidade de Loures;


• Juízo local de pequena criminalidade de Sintra;

• Juízo local de pequena criminalidade de Cascais;


• Juízo local de pequena criminalidade do Porto.

JUÍZOS DE PROXIMIDADE (matéria facultativa)

As principais competências dos juízos de proximidade estão dispostas no n.° 5 do artigo 130.º.

Página 46 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

O funcionamento dos tribunais de 1ª instância ou dos seus juízos está consagrado no artigo 85.º/1 LOSJ: este
pode funcionar como tribunal singular, composto por um juiz (artigo 132.º/1 LOSJ) ou com juízes sociais (artigo
125.º/2 LOSJ, 115.º LOPCJP e 30.º/2 LTE), como tribunal coletivo, composto, em regra, por três juízes privativos (artigo
133.º/1 LOSJ) ou ainda como tribunal do júri, constituído pelo presidente do tribunal coletivo, pelos restantes dois
juízes que o constituem e por quatro jurados (artigo 136.º/1 LOSJ e 1.º/1 decreto-lei 387-A/87).

Página 47 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS

1. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS REFERENTES A ESTA CATEGORIA DE TRIBUNAIS

Os tribunais administrativos e fiscais são outra das categorias de tribunais previstas constitucionalmente. O seu
órgão superior é o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 209.º/1, al. b) CRP).

À jurisdição administrativa e fiscal compete “o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por
objeto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (artigo 212.º/3).
A reserva material de jurisdição contida neste preceito constitucional não é absoluta – não significa que só os
tribunais administrativos e fiscais possam julgam questões de direito administrativo e de direito fiscal. Na verdade, a
própria CRP atribui ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal de Contas competência para o julgamento de
determinadas questões emergentes de relações jurídicas administrativas.

Além disto, nos termos da lei e por força de uma prática consolidada, diversas questões administrativas (ou que
também envolvem normas de direito administrativo) continuam a ser apreciadas pelos tribunais judiciais. É o que
acontece, por exemplo, com:

– Os recursos/impugnação das decisões de autoridades administrativas que apliquem coimas, em


processos de contraordenação (artigos 55.º, al. b), 73.º, al. c), 111.º/1, al. e), 112.º/1, 113.º/1, al. t), 126.º/2 e 130.º/1
LOSJ), embora alguns já pertençam à jurisdição administrativa e fiscal;

– Na versão do artigo 4.º/1, al. l) ETAF introduzida pelo Decreto-lei n.° 214-G/2015, a impugnação das
decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação
de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo passou a competir aos tribunais da jurisdição
administrativa e fiscal; e com a redação dada a essa alínea pela Lei n.° 114/2019, passou também a pertencer à
jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais a impugnação das decisões da Administração Pública que apliquem
coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito tributário.

Então, o artigo 212.º/3 CRP limita-se a consagrar estes tribunais como os comuns em matéria administrativa e
fiscal.
A delimitação legal do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal encontra-se no artigo 4.º ETAF, que enuncia
tanto os litígios que aos tribunais que a integram cabe apreciar (n.° 1 e 2) como aqueles cuja apreciação está excluída
do âmbito dessa jurisdição (artigo 4.º/3 e 4).

Página 48 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

2. ÓRGÃOS DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL

A CRP limita-se a fazer referência ao STA e aos “demais tribunais administrativos e fiscais”, cuja criação e
individualização deixa para a lei ordinário (artigo 209.º/1, al. b)).
Ainda quanto ao STA, o artigo 212.º/1 CRP considera-o como “órgão superior da hierarquia dos tribunais
administrativos e fiscais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional”.

É o ETAF que menciona todas as espécies de tribunais desta ordem jurisdicional, ao considerar como órgãos da
jurisdição administrativa e fiscal (artigo 8.º) os seguintes:
• O Supremo Tribunal Administrativo (órgão superior);
• Os tribunais centrais administrativos;
• Os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários.

Em princípio, a admissibilidade de recurso ordinário das decisões desses tribunais depende igualmente de o
valor da causa ser superior à alçada do tribunal de que se recorre – a que acresce o requisito respeitante ao valor da
sucumbência, quando não haja fundada dúvida a seu respeito (artigo 142.º/1 CPTA e 280.º/2 CPPT).
Todavia, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência (além dos casos
previstos no CPC), das decisões referidas no artigo 142.º/3 CPTA:
– De improcedência de pedidos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;
– Proferidas em matéria sancionatória;
– Proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo;
– Que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa.

Contudo, o recurso de revista tem caráter excecional (artigos 24.º/2 ETAF e 142.º/4, 150.º/1 e 151.º CPTA).

Nos termos do disposto no artigo 280.º/3 CPPT, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da
causa e da sucumbência (para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa), de decisões que
perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de
regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.
O CPPT também consagra a natureza excecional do recurso de revista (artigo 285.º/1).

A alçada dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal encontra-se estabelecida, em função da fixada para
os tribunais judiciais, no artigo 6.º/3 e 4 ETAF:
® O artigo 6.º/3 ETAF estabelece que a alçada dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais
tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância, ou seja,
€50.000,00;

Página 49 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

® A alçada dos tribunais centrais administrativos é de €30.000,00 em virtude de corresponder à


alçada dos tribunais da Relação (artigo 6.º/4 ETAF);
® Por força do disposto no n.° 5 do referido artigo, nos processos em que os tribunais centrais
administrativos e o Supremo Tribunal Administrativo exerçam competências em 1° grau de jurisdição a respetiva
alçada é de €5.000,00, tanto para a secção de contencioso administrativo (por ser igual à dos tribunais administrativos
de círculo) como para a secção de contencioso tributário (por ser igual à dos tribunais tributários).

3. DESDOBRAMENTO E AGREGAÇÃO

Nos termos do artigo 9.º/1 ETAF, os tribunais administrativos de círculo podem ser desdobrados em juízos (que
podem funcionar em local diferente da sede, embora dentro da respetiva área de jurisdição). Esse desdobramento é
determinado por portaria do Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (n.° 3 deste artigo).
Nos termos do artigo 9.º/4 podem ainda ser desdobrados, ainda que funcionem de modo agregado, por
decreto-lei, em juízos de competência especializada – podendo estes funcionar em local diferente da sede, dentro da
respetiva área de jurisdição.
O n.° 5 prevê a possibilidade de criação dos seguintes juízos de competência especializada administrativa:
– Juízo administrativo comum;
– Juízo administrativo social;
– Juízo de contratos públicos;
– Juízo de urbanismo, ambiente e ordenamento do território.

Igual possibilidade de desdobramento em juízos especializados (que também podem funcionar em local
diferente da sede, mas dentro da respetiva área de jurisdição), por decreto-lei, está prevista no artigo 9.º-A/1, para
os tribunais tributários.
Esses juízos são agora (n.° 2 do artigo 9.º-A, als. a) e b)): juízo tributário comum e juízo de execução fiscal e de
recursos contraordenacionais.
O Decreto-Lei n.° 174/2019 criou juízos de competência especializada nos seguintes tribunais:
® Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 2.º);
® Tribunal Tributário de Lisboa (artigo 3.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (artigo 4.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (artigo 5.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (artigo 6.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (artigo 7.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (artigo 8.º);
® Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (artigo 9.º).

Página 50 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

Quando os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários funcionem agregados mediante portaria
do Ministro da Justiça, cada um deles assume a designação de tribunal administrativo e fiscal (artigo 9.º/2 ETAF) –
funcionam quase todos agregados.

4. A COMPETÊNCIA TERRITORIAL DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (elementos de conexão


relevantes)

Tal como acontece nos tribunais judiciais, também nesta ordem de tribunais o território é o critério que permite
repartir o poder jurisdicional entre os diferentes tribunais administrativos e fiscais de cada um dos níveis hierárquicos
em que existam vários tribunais, ou seja, entre os tribunais centrais administrativos (o Tribunal Central Administrativo
Sul e o Tribunal Central Administrativo Norte), entre os diversos tribunais administrativos de círculo e entre os
diferentes tribunais tributários (ou, quanto funcionem agregados, entre os diversos tribunais administrativos e fiscais).

A competência territorial de cada um desses tribunais é determinada pela circunscrição territorial que lhe está
adstrita e pelo elemento de conexão territorial relevante, nos termos do CPTA ou do CPPT. Territorialmente
competente é, assim, o tribunal cujo poder jurisdicional abrange o território com o qual o litígio mantém conexão,
através do elemento que a lei considera relevante.

Para a determinação do tribunal territorialmente competente em 1ª instância, relativamente às ações


declarativas, o CPTA consagra, nomeadamente, os seguintes critérios de conexão:
® A residência habitual (relativamente às pessoas singulares) ou a sede (quanto às pessoas coletivas) do
autor ou da maioria dos autores, que constitui o critério geral (artigo 16.º/1 e 2);
® A situação dos bens, que determina a competência territorial para os processos relacionados com
bens imóveis ou direitos a eles referentes (artigo 17.º);
® O lugar onde se deu o facto constitutivo da responsabilidade civil extracontratual, que define a
competência territorial para as pretensões nessa matéria, incluindo as ações de regresso (artigo
18.º/1), salvo quando o facto constitutivo da responsabilidade for a prática ou a omissão de um ato
administrativo ou de uma norma, em que releva, antes, a sede da entidade demandada (artigo 18.º/2,
com remissão para o artigo 20.º/1);
® O lugar do cumprimento do contrato, para as pretensões relativas a contratos, mas somente na falta
de convenção das partes (artigo 19.º/1 e 2);
® A sede da entidade demandada, quanto aos processos relativos à prática ou omissão de normas e
atos administrativos das Regiões Autónomas, das autarquias locais e demais entidades de âmbito
local, das pessoas coletivas de utilidade pública e de concessionários (artigo 20.º/1);

Página 51 de 52
Organização Judiciária Gabriela Sousa

® O lugar onde deva ser realizada a prestação, consulta ou passagem da certidão pretendida, quanto
aos pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de
certidões (artigo 20.º/4, na redação do decreto-lei n.° 214-G/2015).

Uma vez determinado o tribunal territorialmente competente para o processo de declaração em 1ª instância,
fica igualmente estabelecida a competência para a execução da respetiva sentença (se a Administração não a executar
espontaneamente), pois esta pertence, precisamente, ao tribunal que tiver proferido a sentença em primeiro grau de
jurisdição (artigos 164.º/1 e 176.º/1 CPTA).

O CPPT, por sua vez, para o julgamento em 1ª instância do processo judicial tributário (que compreende as
impugnações, ações, providências cautelares, intimações, incidentes, recursos e outros meios judiciais de atuação
consagrados no n.° 1 do artigo 97.º CPPT), consagra os seguintes elementos de conexão:
® O serviço periférico local onde se praticou o ato objeto da impugnação (artigo 12.º/1, 1ª parte);
® A domicílio ou sede do executado, no caso da execução fiscal (artigo 12.º/1, 2ª parte);
® O domicílio ou sede do contribuinte, a situação dos bens ou o lugar da transmissão, quanto aos
atos tributários ou em matéria tributária praticados por outros serviços da administração tributária (artigo
12.º/2).

À determinação da competência territorial dos tribunais tributários são ainda aplicáveis, subsidiariamente, os critérios definidos (no

CPTA) para os tribunais administrativos de círculo (artigo 50.º ETAF).

Página 52 de 52

Você também pode gostar