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Apresentação

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Olá, caro(a) estudante!
O período de dedicação e preparação para uma prova de concurso público é uma jornada
árdua e trabalhosa. Pensando nisso, elaboramos esta Apostila com toda dedicação e atenção
que você merece.
O seu conteúdo foi criado com todo o rigor necessário para sua utilização como material de
apoio ao estudo para todas as pessoas que almejam adentrar, por meio de concurso, nas
principais carreiras jurídicas. Os conteúdos citam fontes confiáveis, atualizadas e completas
sobre os mais variados temas em Direito e foram elaborados por profissionais com experiência
em ensino e prática jurídica.
O material está organizado hierarquicamente (em modo decrescente de hierarquia: Temas,
Tópicos e Subtópicos). Essa estrutura permite a exploração organizada dos conteúdos da
disciplina e agrupam os objetos do conhecimento que se relacionam, conferindo uma leitura
mais fluida e orgânica.
Além disso, Súmulas do STF e do STJ e importantes jurisprudências serão apresentadas ao
longo de todo o material, auxiliando a compreensão de aspectos práticos dos assuntos. Mapas
mentais, que são um método de memorização e organização do conhecimento adquirido,
foram desenvolvidos ao final de cada Tema com o objetivo de facilitar o aprendizado dos
conteúdos estudados.
A leitura tem início com o estudo dos conceitos iniciais da disciplina, adentrando no histórico,
nas Funções de Estado e nas Fontes do Direito Administrativo. Em seguida, a fim de
sedimentar a base do Direito Administrativo, será estudado o regime jurídico administrativo,
isto é, o conjunto de regras e princípios que lhe dão identidade e lhe conferem autonomia na
ciência jurídica.
Formada a base necessária para a compreensão da disciplina, será tratado o tema da
organização da Administração Pública, o qual é destinado à compreensão da estrutura interna
do Estado, englobando os seus agentes, órgãos e entidades que exercem atividade
administrativa. Nesse mesmo contexto, também serão estudados os poderes administrativos,
os quais, de forma sistematizada, buscam garantir à Administração Pública o desempenho de
suas atividades estatais.
Enfoque necessário será igualmente conferido às matérias tocantes aos atos administrativos,
com enfoque necessário às suas características e espécies. Posteriormente, serão
desenvolvidas análises acerca do Processo Administrativo, previsto na Lei 9.784/99, expondo
a sequência interligada de atividades por meio da qual a Administração Pública toma as suas
decisões.
Nesse contexto, será estudado de forma detalhada as licitações e a Lei 8.666 de 1993, com
a exposição pormenorizada dos pontos constantemente cobrados nos mais concorridos
concursos do Brasil. De igual forma, tendo por base legal ainda a Lei 8.666/93, será dedicado
espaço aos contratos administrativos, com todas as suas especificidades.

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Superado esse ponto, é feita a exposição acerca dos chamados bens públicos, bem como
sobre os serviços públicos. Nesse contexto, em sequência, será estudado o tema da
intervenção do Estado na propriedade privada, com a análise das modalidades e dos seus
respectivos requisitos para que nasça para a Administração, em termos gerais, o direito de
mitigar o direito individual à propriedade em prol do interesse público.
Em seguida, serão estudadas as questões atinentes à responsabilidade civil do Estado,
analisando desde a sua evolução histórica, passando por sua base constitucional e legal, até
a exposição de situações específicas a respeito do tema, com base no atual entendimento
jurisprudencial. Ademais, será tratado do tema controle administrativo, trazendo o seu
conceito e abordando as suas diversas formas de fiscalização de atos administrativos.
Será tratado, ainda, com igual enfoque, acerca da improbidade administrativa, regida pela Lei
8.429 de 1992, sendo a apostila encerrada com o estudo dos agentes públicos, nos termos
da Lei 8.112 de 1990, estudada à luz da mais atual jurisprudência dos Tribunais Superiores e
melhor doutrina nacional.
Dessa forma, com a compilação dos mais importantes temas que compõem o Direito
Administrativo, espera-se que essa apostila contribua desde a compreensão dos pressupostos
básicos até o estudo mais avançado da temática, permitindo-lhe uma ampla compreensão
acerca dessa disciplina tão importante no âmbito dos concursos públicos.
Desejamos bons estudos e uma excelente prova!

Atenciosamente,
Equipe pedagógica LFG

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Sumário
1. Conceitos Iniciais de Direito Administrativo 5

2. Regime Jurídico Administrativo 11

3. Organização da Administração Pública 20

4. Poderes Administrativos385. Atos Administrativos


55

6. Processo Administrativo: Lei n. 9.784/99 79

7. Licitações e Lei n. 8.666/93 100

8. Contratos Administrativos 133

9. Bens Públicos115110. Serviços Públicos


175

11. Intervenção do Estado na Propriedade Privada 199

12. Organização dos Poderes21013. Controle da Administração Pública


21314. Improbidade Administrativa – Lei n. 8.429/92
239

15. Agentes públicos – Lei n. 8.112/90 2254

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1. Conceitos Iniciais de Direito Administrativo
Ao iniciar os estudos da disciplina Direito Administrativo, é indispensável conhecer a sua
origem, o conceito, as funções do Estado e as suas principais fontes, para que se tenha uma
ampla compreensão da matéria. Neste primeiro tema, serão abordados esses institutos.

1.1. Histórico

O Direito Administrativo surgiu com a instauração do Estado de Direito, no contexto da


consolidação dos movimentos revolucionários do final do Século XVIII, que nasceram em
oposição aos Estados Absolutistas vigentes naquela época.

Com a Revolução Francesa de 1789, o Estado passou a ser limitado pelo direito e pela ordem
jurídica, em razão do princípio da legalidade, do princípio da separação dos poderes e do
reconhecimento de direitos fundamentais oponíveis em relação ao Estado. Nesse momento,
pode-se falar no surgimento do Estado de Direito e se passa a ter a existência do Direito
Administrativo como ramo autônomo do Direito Público.

A Lei do 28 pluviose, do ano VIII do ano 1800, é o primeiro instrumento normativo do Direito
Administrativo de que se tem conhecimento. Esse documento estabeleceu normas de
organização administrativa e de solução de conflitos contra a Administração Pública.

1.2. Conceito

O autor José dos Santos Carvalho Filho conceitua o Direito Administrativo como sendo

o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público,


regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este
e as coletividades a que devem servir (CARVALHO FILHO, 2016, p. 8).

A definição do que é o direito administrativo não é unânime na doutrina. O autor Matheus


Carvalho define esse ramo do direito da seguinte forma:

O Direito Administrativo se baseia em um conjunto harmônico de princípios e


regras que disciplinam as atividades administrativas visando à satisfação dos
interesses de toda a coletividade, mesmo que isso justifique a restrição de
direitos individuais – ou seja, exclui a função jurisdicional e legislativa, respeita
os direitos fundamentais dos cidadãos, postos na ordem jurídica, e disciplina o

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conjunto de órgãos públicos e entidades que compõem sua estrutura
organizacional (CARVALHO, Matheus, 2017, p. 38).

Alexandre Mazza, sintetizando os conceitos utilizados por diversos doutrinadores, define o


Direito Administrativo como “o ramo do direito público que estuda princípios e normas
reguladores do exercício da função administrativa” (MAZZA, 2019, n.p.).

1.3. Funções de Estado

O Estado é composto por três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, conforme previsto
expressamente no art. 2o da Constituição Federal de 1988: “Art. 20 São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Cada um desses poderes possui uma função típica. O Poder Legislativo tem a função típica
normativa, de inovação originária na ordem jurídica, e de fiscalização do Poder Executivo; o
Poder Executivo exerce a função típica administrativa; o Poder Judiciário, por sua vez, possui
a função típica jurisdicional.

Entretanto, tais funções não são exercidas com exclusividade. Na verdade, o que existe é
uma preponderância de funções, de forma que os Poderes Estatais, apesar de terem suas
funções típicas, também desempenham funções atípicas.

Nesse sentido, o Poder Legislativo, em determinadas circunstâncias, pode exercer uma


função atípica, como ocorre, por exemplo, quando compete ao Senado processar e julgar o
Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF/88), hipótese em que
o Poder Legislativo exerce função jurisdicional. Da mesma forma, o Poder Judiciário pode
desempenhar a função atípica de administrar, quando promove procedimento licitatório, por
exemplo. O Poder Executivo, por sua vez, exerce a função atípica de legislar, quando edita
medidas provisórias.

1.4. Fontes

A maioria dos doutrinadores reconhece, como as principais fontes (fontes principais x fontes
secundárias x fontes indiretas → ambiguidade de sentidos) do direito administrativo, a lei, a

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doutrina, a jurisprudência, os costumes, os princípios gerais do Direito e os tratados
internacionais.

É importante ressaltar que as fontes se dividem em primárias e secundárias:

As fontes jurídicas podem ser de dois tipos: a) primárias, maiores ou diretas:


são o nascedouro principal e imediato da norma; e b) secundárias, menores ou
indiretas: constituem instrumentos acessórios para originar normas, derivados
de fontes primárias. No Direito Administrativo, somente a lei constitui fonte
primária na medida em que as demais fontes (secundárias) estão a ela
subordinadas. Doutrina, costumes e jurisprudência são fontes
secundárias (MAZZA, 2019, p. n.p.).

A lei é fonte formal do direito administrativo, devendo ser interpretada em sentido amplo, isto
é, abrangendo qualquer ato normativo do Estado, a exemplo da Constituição, de todos os atos
que derivam diretamente da Constituição e demais atos infralegais.

A doutrina, fonte material, consiste no entendimento dos estudiosos do direito administrativo,


refletindo na criação legislativa e influenciando as decisões de caráter administrativo.

A jurisprudência, fonte material, é o conjunto de reiteradas decisões proferidas, no mesmo


sentido, por determinados órgãos do poder judiciário, consistindo em um direcionamento
acerca de um assunto.

Os costumes, espécie de fonte material, são um conjunto não escrito de regras que é
observado pela coletividade de modo constante e uniforme. No âmbito do Direito
Administrativo, os costumes são as práticas reiteradas das autoridades administrativas, que
influenciam a edição de normas e a consolidação da jurisprudência.

Os princípios gerais do Direito são postulados fundamentais e também constituem fontes


do Direito Administrativo, na medida em que informam o ordenamento jurídico.

Embora exista certa divergência doutrinária, alguns autores reconhecem os tratados


internacionais como mais uma fonte do direito administrativo, após serem admitidos no
ordenamento jurídico pátrio.

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Mapa Mental

Conceitos Iniciais

Funções de
Histórico Fontes
Estado

Fim dos Estados Poderes Executivo,


Legislativo e Judiciário
Lei
Absolutistas

Funções típicas e
Estado de Direito Doutrina
atípicas

Jurisprudência

Costumes

Princípios Gerais
do Direito

Tratados
Internacionais

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Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2018.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev. ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev. ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPODIVM,
2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

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2. Regime Jurídico Administrativo
Regime Jurídico Administrativo é uma expressão doutrinária que se refere ao conjunto de
regras e princípios que dão identidade ao Direito Administrativo, cujos fundamentos são o
princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a
indisponibilidade do interesse público.

Esse regime confere poderes especiais à Administração, bem como impõe a ela restrições
especiais.

2.1. Conceito de Administração Pública

A administração pública é o objeto do direito administrativo. É importante distinguir, contudo,


a ideia de administração pública em sentido subjetivo e a ideia de administração pública em
sentido objetivo.

A Administração Pública em sentido subjetivo (formal/orgânico) diz respeito aos sujeitos,


pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos, incumbidos de exercer a Administração
Pública Direta e Indireta. Nesse sentido, costuma-se grafar o termo com as iniciais
maiúsculas (“Administração Pública”).

A administração pública em sentido objetivo (material/funcional) se refere à própria


atividade administrativa, que se traduz, basicamente, na prestação de serviços públicos, na
atividade de fomento, na intervenção (excetuada a atuação direta do Estado na economia,
como agente econômico) e no exercício do poder de polícia. Nesse sentido, costuma-se grafar
o termo em letras minúsculas (administração pública).

Cumpre esclarecer que “o Brasil adota o critério formal de administração pública. Portanto,
somente é administração pública, juridicamente, aquilo que nosso direito assim considera,
não importa a atividade que exerça” (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 22).

2.2. Princípios constitucionais da Administração Pública

O art. 37, caput, da Constituição Federal consagra expressamente cinco princípios que regem
a Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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Além disso, no art. 5o, LV, do texto constitucional, constam os princípios do contraditório e da
ampla defesa, que devem ser observados também na esfera administrativa.

2.2.1. Princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e


eficiência

O princípio da legalidade determina que qualquer atividade administrativa tenha respaldo


em lei. Esse princípio direciona a atuação dos agentes administrativos, de forma que estes só
podem fazer o que a lei determina. Dessa forma, será ilegal toda e qualquer atuação
administrativa não prevista em lei ou fora dos limites legalmente estabelecidos.

Além do princípio da legalidade, atualmente a doutrina tem reconhecido o chamado princípio


da juridicidade, segundo o qual a Administração Pública deve observar não apenas a lei,
mas também os princípios e outros diplomas normativos existentes no ordenamento jurídico.

Segundo Alexandre Mazza:

A juridicidade é uma ampliação do conteúdo tradicional da legalidade. Além de


cumprir leis ordinárias e leis complementares (lei em sentido estrito), a
Administração está obrigada a respeitar o denominado bloco da legalidade.
Significa dizer que as regras vinculantes da atividade administrativa emanam
de outros veículos normativos, a saber: a) Constituição Federal, incluindo
emendas constitucionais; b) Constituições Estaduais e Leis Orgânicas; c)
medidas provisórias d) tratados e convenções internacionais; e) costumes; f)
atos administrativos, como decretos e regimentos internos; g) decretos
legislativos e resoluções (art. 59 da CF); h) princípios gerais do direito (MAZZA,
Alexandre, 2019, n.p.)

O princípio da impessoalidade determina que a Administração Pública não pode agir com o
objetivo de beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas, devendo manter uma postura de
imparcialidade e igualdade em relação aos administrados. São exemplos de concretizações
do princípio da impessoalidade as exigências constitucionais de concurso público e de
licitação.

O princípio da moralidade impõe à Administração Pública um dever de conduta pautada na


lealdade, na honestidade, na boa-fé, na seriedade, bem como na probidade. À luz do princípio
da moralidade, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 13, com o objetivo de
vedar a prática do nepotismo.

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STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,


colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o
exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na
Administração Pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas,
viola a Constituição Federal.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 1.643.293/MG: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CARACTERIZADA. NEPOTISMO.
ATO CONDENÁVEL POR PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SÚMULA VINCULANTE N. 13/2008
DETERMINOU CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA. 1. Na origem,
trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra o
Município de Carangola, da Câmara Municipal de Carangola e demais recorridos a fim de coibir a
prática de ato de nomeação de parentes, caracterizada como nepotismo. 2. Constata-se que não se
configura a alegada ofensa ao artigo 535, II, do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que o
Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a
controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 3. A Súmula Vinculante 13, aprovada em 2008 pelo STF,
determinou critérios objetivos para caracterizar nepotismo, mas tal prática já é condenada desde a
vigência de nossa Constituição Federal, de 1988, que erigiu os princípios da isonomia, da
impessoalidade e da moralidade. 4. A nomeação de parentes para ocupar cargos em comissão
constitui ato de improbidade administrativa e é condenada também em previsão na Lei 8.429/1992,
em seu art. 11. 5. Assim, ainda que ocorrido antes da edição da Súmula Vinculante 13 do Supremo
Tribunal Federal, o fato constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da
Administração Pública. Precedentes: REsp 1447561/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 12/9/2016, AgRg no REsp 1362789/MG, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 19/5/2015. 6. Recurso Especial parcialmente provido. (STJ – REsp: 1643293
MG 2016/0320686-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 28/3/2017, T2 –
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 5/5/2017).

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O princípio da publicidade determina a atuação transparente da Administração Pública,
permitindo à coletividade o acesso e o conhecimento acerca da atuação administrativa.
Importante destacar que a Publicidade não se confunde com Publicação, pois esta é somente
uma das hipóteses de publicidade. Destaque-se que configura exceção ao princípio da
publicidade a hipótese em que o sigilo se mostra imprescindível para resguardar o interesse
público e a segurança nacional.

O princípio da eficiência foi incluído no caput do art. 37 da Constituição Federal pela Emenda
Constitucional n. 19/98 e orienta que a atuação da Administração Pública deve, ao mesmo
tempo, apresentar qualidade e ser executada com baixo custo. Assim, o princípio da eficiência
exige que atividade administrativa seja satisfatória, visando sempre a melhor atuação
possível, despendendo menos recursos para alcançar os objetivos propostos.

2.3. Princípios do contraditório, da ampla defesa e da segurança jurídica

O princípio do contraditório e da ampla defesa decorre do princípio do devido processo


legal, disposto no art. 5o, LVI, da Carta Magna.

Os referidos princípios consistem na garantia de que o particular terá conhecimento dos atos
processuais, bem como a oportunidade de se manifestar e se defender efetivamente. Em
outras palavras, é a garantia da verdadeira informação e participação do interessado na
tramitação do procedimento, sendo-lhe oportunizado interagir de forma efetiva e capaz de
influenciar nas decisões da autoridade julgadora.

Por sua vez, o princípio da segurança jurídica significa a garantia conferida aos cidadãos
de não serem surpreendidos por repentinas mudanças na ordem jurídica. Nesse sentido, as
normas jurídicas que forem objeto de alteração não devem ser aplicadas retroativamente para
alcançar situações já consolidadas.

Em consonância com a segurança jurídica, existe o princípio da proteção à confiança, o qual


resguarda a boa-fé dos administrados, a quem se impõe a presunção de licitude dos atos
administrativos. Esse princípio também é vislumbrado quando se determinam a manutenção
e o respeito aos atos administrativos pela própria Administração, impedindo-se, pois, a brusca
alteração ou supressão destes.

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2.4. Princípios da supremacia do interesse público sobre o privado,
indisponibilidade do interesse público, proporcionalidade, razoabilidade,
motivação, autotutela

A disciplina do Direito Administrativo tem como base fundamental o princípio da supremacia


do interesse público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público.
Celso Antônio Bandeira de Mello se refere a tais princípios como “pedras de toque” do Direito
Administrativo, tendo em vista a sua importância para a interpretação desse ramo do direito.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, também chamado de


princípio da finalidade pública, norma implícita, consagra a ideia de que o interesse público
deve prevalecer sobre o interesse particular, a fim de promover a satisfação das necessidades
da coletividade em detrimento de interesse meramente individual. Esse princípio fundamenta
as prerrogativas e os poderes da Administração Pública.

Por seu turno, o princípio da indisponibilidade do interesse público, também implícito,


estabelece os limites da atuação administrativa, de forma a impedir que o agente público se
desvincule do interesse público ao praticar os atos administrativos, com a finalidade de
atender a interesses particulares, por exemplo. Conforme ensina Alexandre Mazza:

O supraprincípio da indisponibilidade do interesse público enuncia que os


agentes públicos não são donos do interesse por eles defendido. Assim, no
exercício da função administrativa os agentes públicos estão obrigados a atuar,
não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela legislação.
Como decorrência dessa indisponibilidade, não se admite tampouco que os
agentes renunciem aos poderes legalmente conferidos ou que transacionem
em juízo (MAZZA, 2019, n.p.).

O princípio da proporcionalidade exige a atuação equilibrada da Administração Pública, a


fim de impedir que os agentes públicos atuem de forma inadequada e desproporcional, diante
das circunstâncias que ensejaram a prática do ato, bem como levando em consideração as
suas consequências. Dessa forma, com a aplicação do princípio da proporcionalidade, a
conduta do agente administrativo que extrapole o necessário para atender ao objetivo da
norma, que determinou a sua prática, afigura-se ilegal. Conforme a doutrina, o princípio da
proporcionalidade engloba três subprincípios, quais sejam: adequação (o ato deve ser
adequado para alcançar o resultado desejado), necessidade (existindo mais de uma forma

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de atuar, a administração deve optar pela prática do ato menos gravoso aos direitos dos
cidadãos) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação entre o ônus e bônus da
atuação estatal).

O princípio da razoabilidade é comumente associado ao princípio da proporcionalidade.


Traduz a ideia de bom-senso e coerência do administrador público ao praticar o ato. Nesse
sentido, são vedadas condutas que sejam abusivas, não moderadas e incoerentes.

O princípio da motivação determina que a Administração Pública, ao praticar os atos


administrativos, indique os pressupostos de fato e de direito que determinaram a prática de
tais atos. A motivação é imprescindível para o controle dos atos administrativos.

O princípio da autotutela corresponde ao poder que a Administração Pública possui de


controlar, por si só, os seus atos. Dessa forma, o Poder Público tem a autonomia de anular
seus próprios atos quando estes forem ilegais, bem como revogá-los por motivo de
conveniência e oportunidade.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 346 do STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios
atos.

Súmula n. 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

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Mapa Mental

Regime Jurídico

Administração Princípios Princípios


Pública constitucionais Infraconstitucionais

Sentido Subjetivo LIMPE:


Supremacia do
(sujeitos) Legalidade
interesse público
Impessoalidade
sobre o privado
Moralidade
Sentido Objetivo indisponibilidade do
Publicidade
interesse público
(atividade) Eficiência

Contraditório
Ampla Defesa
Segurança jurídica

Contraditório
Ampla Defesa
Segurança jurídica

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Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2018.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2014.

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3. Organização da Administração Pública
A Organização Administrativa consiste na estruturação interna do Estado. Nesse sentido, o
seu estudo é destinado à compreensão das pessoas, órgãos e entidades que exercem a
atividade administrativa.

3.1. Desconcentração e descentralização administrativa

Para exercer as competências determinadas constitucionalmente, a Administração possui


duas formas de atuação. Trata-se da desconcentração e descentralização administrativa.

A desconcentração administrativa é a distribuição de competências e funções dentro da


mesma pessoa jurídica, por meio da especialização interna e da criação de Órgãos Estatais
(centros especiais de competência, despersonalizados, criados para desempenhar funções
estatais). A desconcentração pode ocorrer tanto na Administração Direta quanto na
Administração Indireta. O instituto da desconcentração tem por fundamento o poder
hierárquico, uma vez que a Administração Pública distribui e escalona as competências
internas (Exemplo: Prefeitura, Secretarias Municipais).

A descentralização administrativa é a transferência da atividade administrativa para


particulares ou para entes da Administração Indireta por meio de lei ou da celebração de
contratos. Ou seja, a descentralização supõe a existência de duas pessoas distintas. A
descentralização pode ocorrer, segundo a doutrina majoritária, por meio de outorga ou
delegação de serviços.

Na descentralização por outorga (também denominada descentralização por serviço,


técnica ou funcional), há a transferência da titularidade e da execução do serviço público à
pessoa jurídica distinta do Estado. Grande parte da doutrina entende que a descentralização
por outorga somente pode ser feita aos entes da Administração Indireta de direito público
(autarquias e fundações públicas de direito público). A descentralização por outorga é feita
por meio de lei que cria tais entidades e as transfere a atividade pública. Aqui, importa dizer
que “A doutrina aponta como fundamento dessa modalidade de descentralização o assim
chamado princípio da especialização (ou da especialidade)” (ALEXANDRINO; PAULO,
2018, p. 27). O fundamento seria o “pressuposto teórico de que essa especialização

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propiciará maior capacitação para o desempenho ótimo daquelas competências”
(ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 27).

Na descentralização por delegação (também chamada de descentralização por


colaboração), somente a execução do serviço público é transferida, mantendo a
titularidade com o Estado. A descentralização por delegação, por ser feita aos particulares,
nesse caso por meio de contrato, ou às entidades de direito privado da Administração
Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista), hipótese em que é feita por
meio de lei.

Existe, ainda, a chamada descentralização territorial, comum nos Estados Europeus, que
consiste na delimitação de uma área para a qual será reconhecida uma competência
administrativa. Assim, essa porção territorial será considerada uma pessoa jurídica de direito
público. Contudo, essa descentralização não existe no Brasil.

3.2. Administração direta

Compreende-se por Administração Direta os entes federados, pessoas jurídicas de direito


público interno, quais sejam: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem
como os seus respectivos órgãos, por meio dos quais esses enĺtes federados atuam.

3.3. Órgãos públicos

Os órgãos públicos são centros especializados de competência, instituídos para


desempenhar funções estatais. Os órgãos públicos não possuem personalidade jurídica
e, portanto, não podem ser sujeitos de direitos e obrigações.

No mesmo sentido, o artigo 1º, § 2º, I, da Lei 9.784/99 conceitua o órgão como
a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da
estrutura da Administração indireta. Os órgãos públicos pertencem a pessoas
jurídicas, mas não são pessoas jurídicas. São divisões internas, partes de uma
pessoa governamental, daí receberem também o nome de repartições
públicas. Não tendo personalidade própria, os órgãos não podem ser
acionados judicialmente para responder por prejuízos causados por seus
agentes. Ação judicial equivocadamente dirigida contra órgão público deve
ser extinta sem julgamento de mérito por ilegitimidade da parte (MAZZA, 2019,
p. X).

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STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 525 do STJ: A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, apenas
personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para defender os seus direitos
institucionais.

Os órgãos públicos são constituídos por pessoas físicas que exteriorizam a vontade da pessoa
jurídica, isto é, do Estado. Segundo a Teoria do Órgão, de Otto Gierke, tendo em vista que as
pessoas jurídicas são uma ficção, sem existência fática, sua manifestação de vontade só pode
ser concretizada por intermédio de pessoas físicas, de forma que essas vontades (da pessoa
física e da pessoa jurídica) se confundem.

Os órgãos públicos nada mais são do que feixes, plexos ou conjuntos de


competências formados, cada qual, a partir da reunião de algumas das
competências pertencentes à pessoa jurídica. Quando os agentes em exercício
em um órgão público desempenham as suas funções, considera-se que está
havendo atuação do próprio Estado (não se trata de representação). Assim, os
atos praticados pelo agente público (pessoa natural) são tidos por ato da
pessoa jurídica – diz-se que há imputação à pessoa jurídica da atuação do
seu agente público (teoria da imputação ou da imputação volitiva)
(ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 131).

3.4. Administração indireta

A Administração Pública Indireta compreende as entidades administrativas criadas por lei (ou
que têm sua criação autorizada por lei) para exercerem funções administrativas vinculadas ao
Ente Federativo que as instituíram, concretizando, assim, o instituto da descentralização
administrativa.

Embora não seja comum, “poder-se-ia admitir a existência de entidades de administração


indireta vinculadas também às estruturas dos Poderes Legislativo e Judiciário” (CARVALHO
FILHO, 2018, p. 488).

São entidades integrantes da Administração Pública Indireta as autarquias, as fundações


estatais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, conforme previsto no art.
37, XIX, da Constituição Federal:

20
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua
atuação.

Todas as entidades da Administração Pública Indireta possuem em comum as seguintes


características:

1. Personalidade jurídica própria, distinta das de seus entes criadores.


2. Exigência de lei específica para a sua criação ou para a autorização de sua criação.
3. Finalidade específica de Interesse Público.
4. Controle do seu exercício pela Administração.
5. Patrimônio próprio.
6. Autonomia administrativa

3.4.1. Autarquias

As autarquias são pessoas jurídicas de direito público, dotadas de patrimônio próprio e


autonomia administrativa, criadas por lei específica de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo para executar atividades típicas de Estado.

Por serem pessoas jurídicas de direito público, os seus bens são considerados bens
públicos, motivo pelo qual estão sujeitos à alienabilidade condicionada, impenhorabilidade,
imprescritibilidade (não podem ser adquiridos por usucapião) e não onerabilidade (não podem
ser dados em garantia). A responsabilidade civil das autarquias é objetiva, nos termos do
art. 37, § 6o, da CF/88.

Quanto ao regime de pessoal, os servidores das autarquias são estatutários e aprovados


por concurso público.

As autarquias têm seus débitos cobrados por meio de execução fiscal e se submetem ao
regime de precatórios (com exceção dos Conselhos Profissionais, segundo o STF).
Também é estendida a elas a prerrogativa estatal da imunidade tributária recíproca.

21
No que tange às prerrogativas processuais, as autarquias integram o conceito de
Fazenda Pública, possuindo, portanto, prazo em dobro para as manifestações processuais
e a garantia do duplo grau de jurisdição obrigatório (Reexame Necessário).

3.4.1.1. Autarquias profissionais

As autarquias profissionais exercem a fiscalização das profissões regulamentadas, por


delegação do Poder Público, autorizada por meio de lei. São os Conselhos Profissionais (ex.:
CREA, CRM, CRO).

Neste ponto, vale destacar que, ao contrário do regramento das demais autarquias, o
Supremo Tribunal Federal possui o entendimento de que os Conselhos Profissionais não
se submetem ao regime de precatórios, porque não participam do orçamento público,
não integrando o conceito de Fazenda Pública.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

RE 938837 (INFORMATIVO 861): EXECUÇÃO – CONSELHOS – ÓRGÃOS DE


FISCALIZAÇÃO – DÉBITOS – DECISÃO JUDICIAL. A execução de débito do Conselho de
Fiscalização não se submete ao sistema de precatório. (RE 938837, Relator(a): Min. EDSON
FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
19/4/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-216 DIVULG 22-09-2017 PUBLIC 25-9-2017)

É importante destacar, por fim, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), embora seja um
Conselho Profissional, não se caracteriza como autarquia, conforme entendimento já
manifestado pelo STF. Isso porque, segundo a Corte Suprema, a OAB é serviço público
independente, não sendo integrante da Administração Pública Indireta. Nesse sentido, a OAB
não necessita realizar concurso público e as anuidades pagas pelos advogados não têm
natureza jurídica de tributos, assim, o prazo prescricional para a cobrança dessas
verbas observará a disciplina do Código Civil, sendo, portanto, quinquenal.

22
3.4.1.2. Agências reguladoras

As agências reguladoras são autarquias em regime especial que foram criadas para regular
atividades econômicas. Surgiram no Brasil no contexto da desestatização, cujo objetivo era
transformar o Estado patrimonialista em Estado gerencial.

As autarquias especiais recebem o título de agências reguladoras por meio da própria lei que
as cria.

A atividade desempenhada pelas agências reguladoras é complexa. Isso porque, além de


exercerem o poder de polícia, exercem atividade normativa, editando regras a serem
aplicadas por quem desempenha a atividade regulada, bem como atividade judicante, na
medida em que resolvem os conflitos no seu âmbito de atuação.

Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo:

Podemos apontar as seguintes características comuns à maior parte dessas


entidades:
a) exercem função regulatória relacionada a serviços públicos e a atividades
econômicas em sentido amplo;
b) contam com instrumentos, previstos em lei, que asseguram razoável
autonomia perante o Poder Executivo;
c) possuem um amplo poder normativo no que concerne às áreas de sua
competência; e
d) submetem-se, como todas as entidades da administração pública, aos
controles judicial e legislativo, sem qualquer peculiaridade. (ALEXANDRINO;
PAULO, 2018, p. 210).

Os dirigentes das agências reguladoras cumprem um mandato por tempo determinado e são
nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal (art. 52, III, “f”,
da CF/88). Após o término do mandato, o ex-dirigente fica impedido de exercer a atividade
regulada pela respectiva agência reguladora por um período de quatro meses (denominado
quarentena).

Em relação ao regime de pessoal, os servidores do quadro efetivo das agências reguladoras


são ocupantes de cargos públicos e estão submetidos ao regime estatutário.

Quanto ao procedimento licitatório, a Lei n. 9.472/97 determinou que as agências


reguladoras não se submeteriam à Lei n. 8.666/93, devendo seguir procedimento próprio
definido pela própria agência, incluindo as modalidades de pregão e a consulta. Referida lei,
contudo, foi objeto da ADI 1668, oportunidade em que o STF entendeu que as agências

23
reguladoras se submetem sim à Lei n. 8.666/93, embora possam adotar a modalidade pregão
e a consulta. Nesse sentido, a modalidade específica de licitação utilizada pelas agências
reguladoras é a consulta.

São exemplos de agências reguladoras: ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),


ANCINE (Agência Nacional de Cinema), ANP (Agência Nacional do Petróleo), ANATEL
(Agência Nacional de Telecomunicações), ANA (Agência Nacional das Águas).

3.4.1.3. Agências executivas

As agências executivas são autarquias ou fundações que, por estarem sempre ineficientes,
celebraram um contrato de gestão com o Ministério supervisor e se submetem a um plano
de reestruturação.

Essas autarquias em regime especial são qualificadas como agências executivas por meio de
Decreto do Poder Executivo, e a referida nomenclatura se justifica, pois, além das atividades
tradicionais, tais entidades devem executar as metas adicionais previstas no contrato de
gestão celebrado.

Sobre o contrato de gestão, lecionam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

O contrato de gestão a ser firmado para que a autarquia ou fundação pública


possa ser qualificada como agência executiva deverá conter, dentre outras,
cláusulas que disponham sobre: (a) definição das metas a serem atingidas, os
prazos de consecução, os indicadores de desempenho e critérios de avaliação
do cumprimento das metas; (b) compatibilidade dos planos de ação anuais com
o orçamento da entidade; (c) as medidas legais e administrativas a serem
adotadas para assegurar maior autonomia de gestão orçamentária, financeira,
operacional e administrativa e para assegurar a disponibilidade de recursos
orçamentários e financeiros imprescindíveis ao cumprimento dos objetivos e
metas; (d) as penalidades aplicáveis em caso de descumprimento das metas;
(e) as condições para revisão, renovação e rescisão; (f) a vigência do contrato
(ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 202).

O contrato de gestão das agências executivas encontra previsão constitucional (art. 37, § 8o
da Constituição Federal):

§ 8o A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades


da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser
firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objetivo a
fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei
dispor sobre:

24
I – o prazo de duração do contrato;
II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e
responsabilidade dos dirigentes;
III – a remuneração do pessoal.

Celebrado o contrato de gestão, o reconhecimento como agência executiva é feito por meio
de decreto. As agências executivas adquirem vantagens (mais independência, mais
orçamento...) e, em contrapartida, devem cumprir o plano de reestruturação, com o objetivo
de se tornarem mais eficientes, diminuindo seus custos e aprimorando seus serviços.

O INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) é um exemplo de


autarquia federal que já foi qualificada como agência executiva.

3.4.2. Fundações públicas

As fundações públicas são pessoas jurídicas sem fins lucrativos que possuem patrimônio
de afetação destacado para alcançar objetivos socialmente relevantes.

Quanto à natureza jurídica das fundações criadas pelo Poder Público, segundo o STF, estas
podem ser constituídas tanto como pessoas jurídicas de direito público, quanto como pessoas
jurídicas de direito privado, a depender da opção do Poder Público no momento de sua
criação.

Sendo constituída com personalidade jurídica de direito público, a fundação será, na


realidade, uma autarquia, motivo pelo qual recebe, também, os nomes de “fundação
autárquica” ou “autarquia fundacional” (Exemplo: FIOCRUZ). Caso seja constituída como
pessoa jurídica de direito privado, o tratamento conferido à fundação será equivalente ao das
empresas estatais (Exemplo: FUNAI).

As características das fundações estatais vão depender da natureza jurídica adotada. Assim,
tratando-se de fundação pública de direito público, por ser, em verdade, uma autarquia, esta
será criada por lei e, da mesma forma, será extinta por lei. Seus bens serão considerados
bens públicos, a sua responsabilidade civil será objetiva, terá as prerrogativas processuais da
Fazenda Pública, bem como a imunidade tributária recíproca, nos termos do art. 150, § 2 o, da
CF/88. Em suma, aplica-se o mesmo tratamento conferido às autarquias.

25
Por outro lado, tratando-se de fundação pública de direito privado, é necessário que haja lei
autorizadora para a sua criação, bem como lei complementar que defina a sua respectiva área
de atuação. A personalidade jurídica, contudo, somente é adquirida após a inscrição, no
Registro Civil de Pessoas Jurídicas, de seus atos constitutivos. Da mesma forma, a sua
extinção será autorizada por lei. Os bens das fundações públicas de direito privado são
privados. O regime de pessoal é celetista, isto é, regido pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Por fim, registre-se que também é concedida a imunidade tributária recíproca
às fundações públicas de direito privado, por expressa previsão do art. 150, § 2 o, da CF/88.
Ademais, por ser pessoa jurídica de direito privado, não gozará das prerrogativas processuais
da Fazenda Pública.

3.4.3. Empresas públicas e Sociedades de Economia Mista

As empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito


privado criadas após autorização legislativa, com a finalidade de prestar serviços públicos ou
desempenhar atividade econômica. São regidas pela Lei n. 13.303/2016.

Inicialmente, serão abordadas as características comuns às empresas públicas e às


sociedades de economia mista e, em seguida, serão destacadas as suas principais diferenças.

São características comuns:

1. Criação: são criadas após autorização legislativa, conforme art. 37, XIX, da CF/88.
A efetiva criação ocorre a partir do registro dos seus atos constitutivos no órgão
competente.

2. Objeto: As atividades desenvolvidas consistem na prestação de serviços públicos


(Ex.: CORREIOS) ou no desempenho de atividades econômicas (Ex.: PETROBRÁS).

3. Regime de Pessoal: é necessária a realização de concurso público, conforme exige


o art. 37, II, da CF/88. Contudo, esses empregados públicos não possuem estabilidade,
por estarem submetidos ao regime da CLT (celetistas). Nesse ponto, é importante
destacar que, embora não tenham estabilidade, a doutrina majoritária, acompanhada
por Celso Antônio Bandeira de Mello e o STF, possui o entendimento de que as
empresas estatais têm que motivar a demissão de seus funcionários, de modo a
garantir o princípio constitucional da impessoalidade.

26
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

RE 589998 ED/PI: A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem o dever jurídico
de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados. STF. Plenário. RE 589998 ED/PI,
Rel. Min. R oberto Barroso, julgado em 10/10/2018 (repercussão geral) (Info 919).

4. Patrimônio: por serem pessoas jurídicas de direito privado, os bens das estatais são
privados, conforme se depreende do art. 98 do Código Civil. Entretanto, podem incidir
sobre os seus bens algumas normas de direito público, como ocorre em relação às
regras para alienação, previstas nos arts. 49 e 50 da Lei n. 13.303/2016.

Em regra, seus bens podem ser penhorados, já que são privados. Contudo,
tratando-se de empresa estatal prestadora de serviços públicos, a doutrina, o
STF e o STJ entendem que os bens vinculados à prestação do serviço público
não podem ser penhorados, tendo em vista o princípio da continuidade do
serviço público. Da mesma forma, os tribunais superiores entendem que os bens
das estatais prestadoras de serviços públicos, afetos a esta atividade, não
podem ser adquiridos por usucapião.

5. Responsabilidade Civil: a responsabilidade civil das estatais prestadoras de


serviços públicos é objetiva, conforme art. 37, § 6 o da CF/88. Por sua vez, as estatais
que desenvolvem atividades econômicas estão sujeitas à responsabilidade civil
subjetiva, pois recebem o mesmo tratamento destinado às empresas privadas,
conforme art. 173, § 1o, II, da CF/88.

6. Controle pelo Tribunal de Contas: atualmente, o STF entende que o Tribunal de


Contas deve controlar as empresas estatais, em observância ao art. 71, II, da CF/88.

7. Imunidade Tributária: segundo o entendimento do STF, as empresas estatais que


prestam serviços públicos e não atuam em regime concorrencial gozam da imunidade
tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da CF/88. Tal imunidade não alcança as estatais

27
que desenvolvem atividade econômica, por estarem sujeitas ao mesmo regime das
empresas privadas, conforme art. 173, § 1o, II, da CF/88.

8. Falência: a Lei n. 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação Judicial) não se aplica


às empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme disposto em seu art.
2o, I. Entretanto, parte da doutrina entende que dependerá de cada estatal, pois a
empresa estatal que desempenha atividade econômica pode falir, pois recebe o mesmo
tratamento das empresas privadas. Nesse sentido, ensina Maria Sylvia Zanella Di
Pietro:

Só cabe fazer uma observação: a lei falhou ao dar tratamento igual a todas as
empresas estatais, sem distinguir as que prestam serviço público (com
fundamento no artigo 175 da Constituição) e as que exercem atividade
econômica a título de intervenção (com base no artigo 173 da Constituição).
Estas últimas não podem ter tratamento privilegiado em relação às empresas
do setor privado, porque o referido dispositivo constitucional, no § 1o, II,
determina que elas se sujeitem ao mesmo regime das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributárias.

Feita a abordagem das características comuns, passa-se, agora, às três principais diferenças
entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista. São as seguintes:

1. Composição Societária

Empresas Públicas: são compostas por pessoas da própria Administração


Pública (Direta ou Indireta), conforme art. 3o, da Lei n. 13.303/16. Os particulares
não podem ser sócios. Destaque-se, ainda, que é possível a existência de
empresa pública com um único sócio (Ex.: CAIXA, em que a União é a única
sócia).

Sociedades de Economia Mista: podem ter sócios da iniciativa privada e do


Poder Público. Contudo, o controle acionário deve pertencer ao Poder
Público, conforme art. 4o da Lei n. 13.303/16. Assim, o que se admite é a
participação minoritária de particulares (Ex.: PETROBRÁS, BANCO DO
BRASIL).

2. Forma Societária

Empresas Públicas: não há forma pré definida em lei.

28
Sociedades de Economia Mista: somente podem ser constituídas sob a forma
de Sociedade Anônima (S.A.), conforme art. 235 da Lei n. 6.404/76 e arts. 4 o e
5o da Lei n. 13.303/16.

3. Foro Competente

Empresas Públicas: se forem empresas públicas federais, o foro competente


será a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88. Tratando-se de
empresas públicas estaduais e municipais, a justiça comum estadual será o foro
competente.

Sociedades de Economia Mista: o foro competente sempre será o da justiça


comum estadual.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 556 do STF: É competente a Justiça Comum para julgar as causas em que é parte
sociedade de economia mista.

Por fim, é importante fazer uma observação no que diz respeito à aplicação do regime de
precatórios especificamente às sociedades de economia mista. Isso porque, embora tenham
personalidade jurídica de direito privado e não integrem o conceito de Fazenda Pública, o STF
tem consagrado o entendimento de que as sociedades de economia mista prestadoras
de serviço público de natureza não concorrencial se submetem ao regime dos
precatórios.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADPF 275/PB: Sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial
está sujeita ao regime de precatórios (art. 100 da CF/88) e, por isso, impossibilitada de sofrer
constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade
orçamentária (art. 167, VI, da CF/88) e da separação funcional dos poderes (art. 2 o c/c art. 60,

29
§ 4o, III). STF. Plenário. ADPF 275/PB, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 17/10/2018
(Info 920).

Decisão: Apregoada em conjunto as ADI 5.624 (MC-Ref), MC-ADI 5.846, MC-ADI 5.924 e MC-ADI
6.029. Preliminarmente, o Tribunal reconheceu a legitimidade ativa da Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro – CONTRAF/CUT e a ilegitimidade ativa da Federação Nacional
das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – FENAEE. Votaram pelo referendo total da
cautelar os Ministros Ricardo Lewandowski (Relator), Edson Fachin e Marco Aurélio, referendavam
parcialmente a cautelar os Ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Dias Toffoli
(Presidente) e não referendavam a medida cautelar os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto
Barroso, Luiz Fux e Celso de Mello, nos termos e limites dos respectivos votos proferidos. No mérito,
em razão de voto médio, o Tribunal referendou, em parte, a medida cautelar anteriormente
parcialmente concedida pelo Ministro Ricardo Lewandowski (Relator), para conferir ao art. 29, caput,
inc. XVIII, da Lei nº 13.303/2016 interpretação conforme à Constituição Federal, nos seguintes termos:
i) a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista exige
autorização legislativa e licitação; e ii) a exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica à
alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada
sem a necessidade de licitação, desde que siga procedimentos que observem os princípios da
administração pública inscritos no art. 37 da Constituição, respeitada, sempre, a exigência de
necessária competitividade. Redigirá o acórdão o Ministro-Relator. Plenário, 06.06.2019.

3.5. Consórcios públicos

Os consórcios públicos têm previsão no art. 241 da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão


por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre
os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem
como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (grifos acrescidos)

A Lei n. 11.107/05 regulamentou esse dispositivo constitucional e consignou que os


consórcios públicos consistem em uma gestão associada dos entes federativos com o
objetivo de prestar serviços públicos de interesse comum. Neste instituto, as vontades

30
dos entes federativos são convergentes, motivo pelo qual o consórcio público não é
contrato, haja vista que nos contratos as vontades dos celebrantes são distintas.

Podem compor o consórcio público entes federativos de esfera de governo diferentes,


incluindo, por exemplo, a União, um Estado e um Município. Contudo, o art. 1 o, § 2o faz a
seguinte ressalva: “A União somente participará de consórcios públicos em que também
façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados os Municípios
consorciados”.

Criado o consórcio público, surge uma nova pessoa jurídica, distinta dos entes consorciados,
com direitos e obrigações próprias. Essa nova pessoa pode ter personalidade jurídica de
direito público ou de direito privado. Sendo um consórcio público de direito público, a
doutrina o denomina de Associação Pública e integrará a Administração Pública Indireta de
todos os entes consorciados, como espécie de autarquia.

Os consórcios públicos criados com personalidade jurídica de direito privado são


regidos pelo direito civil, não integrando a Administração Indireta dos entes consorciados.

Ao ser criado um consórcio público, deve ser elaborado o protocolo de intenções,


instrumento que reúne as cláusulas necessárias à sua validade. Juntamente com o protocolo
de intenções, deve ser firmado o contrato de rateio, com o objetivo de delimitar a parcela
de contribuição de cada um dos entes federativos na formação e manutenção do consórcio.

Conforme a Lei n. 11.107/05, os consórcios públicos podem celebrar contratos e convênios,


podem instituir servidões e promover desapropriações, bem como delegar serviços por meio
de contratos de concessão e permissão. Além disso, podem ser contratados pela
Administração Direta e Indireta dos entes consorciados, sendo dispensada a licitação,
instrumento chamado de contrato de programa.

Para realizar contratações, os consórcios públicos devem fazer licitação. Contudo, os


valores para definição da modalidade de licitação a ser utilizada são contabilizados de forma
diversa. Isso porque, conforme o art. 23, § 8 o, da Lei n. 8.666/93, “no caso de consórcios
públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores mencionados no caput deste artigo quando formado
por até 3 (três) entes da Federação, e o triplo, quando formado por maior número”.

31
A alteração ou extinção do consórcio público depende de instrumento aprovado pela
assembleia geral e ratificado pelos entes consorciados, mediante lei, nos termos do art. 12 da
Lei n. 11.107/05.

Por fim, considerando que o consórcio público é uma pessoa jurídica que não se confunde
com os entes consorciados, o Superior Tribunal de Justiça consagrou a teoria da
"intranscendência das sanções”, segundo a qual um consórcio público não pode ser
prejudicado em razão de pendências no CAUC (Cadastro Único de Exigências para
Transferências Voluntárias) de um dos entes consorciados.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

REsp 1463921-PRPB: Se um consórcio público celebrou convênio com a União por meio do
qual estão previstos repasses federais, o fato de um dos entes integrantes
do consórcio possuir pendência inscrita no CAUC não pode impedir que o consórcio receba
os valores prometidos. Isso porque o consórcio público é uma pessoa jurídica distinta dos
entes federativos que o integram e, segundo o princípio da intranscendência das sanções, as
punições impostas não podem superar a dimensão estritamente pessoal do infrator, ou seja,
não podem prejudicar outras pessoas jurídicas que não sejam aquelas que praticaram o ato.
Assim, o fato de ente integrante de consórcio público possuir pendência no Serviço Auxiliar
de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) não impede que o consórcio faça jus,
após a celebração de convênio, à transferência voluntária a que se refere o art. 25 da LC
101/2000. STJ. 2a Turma. REsp 1463921-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em
10/11/2015 (Info 577).

3.6. Entidades paraestatais ou terceiro setor

O Terceiro Setor é uma expressão que compreende as entidades da sociedade civil sem fins
lucrativos, criadas pela iniciativa privada, que formalizarão vínculos jurídicos (legais ou
negociais) com a Administração Pública para o desempenho de atividades socialmente
relevantes, como cultura, educação, meio ambiente etc.

32
A doutrina aponta como fundamentos do terceiro setor o princípio da eficiência, o princípio
da subsidiariedade da atuação do Estado e a ideia de fomento (incentivo) expressa no
art.174 da CF/88: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo
este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

Assim, entidades integrantes do terceiro setor, embora não integrem a Administração Pública
Indireta, recebem incentivos do Estado para realizar atividades de interesse social.

São algumas das qualificações jurídicas das entidades do terceiro setor existentes no
ordenamento jurídico brasileiro: Serviços Sociais Autônomos (Sistema S), Organizações
Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), Organizações
da Sociedade Civil (OSC), Fundações de Apoio.

3.6.1. Serviços sociais autônomos (Sistema S)

São entidades privadas criadas por meio de autorização legislativa. Conforme interpretação
doutrinária, o art. 240 da Constituição Federal faz menção à existência dos serviços sociais
autônomos: “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições
compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas
de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical”.

Não existe uma lei única que trate dos serviços sociais autônomos, ficando sua
regulamentação a cargo de legislações esparsas.

O termo “Sistema S” é utilizado porque a denominação dessas entidades se inicia com a letra
S. São exemplos: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Social da
Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Social do
Comércio (Sesc).

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo sintetizam as principais características dos Serviços


Sociais Autônomos:

a) são pessoas privadas, não integrantes da administração pública, embora


tenham a sua criação prevista em lei;
b) têm por objeto uma atividade social, sem finalidade de lucro, consistente, em
geral, na prestação de um serviço de utilidade pública em benefício de
determinado grupo social ou profissional;

33
c) são mantidos por contribuições sociais de natureza tributária e por dotações
orçamentárias do poder público;
d) não são obrigados a contratar o seu pessoal (empregados privados regidos
pela legislação trabalhista) por meio de concurso público;
e) não estão sujeitos às normas de licitação pública para efetuar contratações
com terceiros, embora costumem adotar regulamentos próprios com o fim de
assegurar que estas observem critérios impessoais e objetivos;
f) como recebem e administram recursos de natureza pública, estão sujeitos a
certas normas de direito público, tais como a obrigação de prestar contas ao
TCU, o enquadramento dos seus empregados como funcionários públicos para
fins penais (CP, art. 327) e a sujeição à Lei de Improbidade Administrativa (Lei
8.429/1992) (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 153).

3.6.2. Organizações Sociais (OS)

As Organizações Sociais (OS) são regidas pela Lei n. 9.637/98, que estabelece, no art. 1 o,
que o Poder Público poderá qualificar uma pessoa jurídica de direito privado como
Organização Social, motivo pelo qual se entende que esta qualificação é discricionária. A
autoridade que qualifica a OS é integrante do órgão responsável pela regulação da atividade
por ela desempenhada.

A parceria é formalizada por meio do contrato de gestão, instrumento que estipula metas e
prazos de execução das atividades e os benefícios concedidos à entidade, tais como a
transferência de recursos financeiros, bens e servidores públicos com ônus para a origem, o
que significa dizer que é o Estado quem arca com esses custos.

As Organizações Sociais não têm que realizar licitação; entretanto, conforme entendeu o STF,
devem observar critérios objetivos que respeitem a impessoalidade na contratação de dinheiro
público, empregados e uso de bens públicos.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADI 1923/DF: Foi ajuizada uma ADI contra diversos dispositivos da Lei 9.637/98 e também
contra o art. 24, XXIV, da Lei 8.666/93, que prevê a dispensa de licitação nas contratações de
organizações sociais.

34
O Plenário do STF não declarou os dispositivos inconstitucionais, mas deu interpretação
conforme a Constituição para deixar explícitas as seguintes conclusões:

a) o procedimento de qualificação das organizações sociais deve ser conduzido de forma


pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do “caput” do art. 37 da CF, e
de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o disposto no art. 20 da Lei 9.637/98;
b) a celebração do contrato de gestão deve ser conduzida de forma pública, objetiva e
impessoal, com observância dos princípios do “caput” do art. 37 da CF;
c) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei 8.666/1993, art. 24, XXIV) e
outorga de permissão de uso de bem público (Lei 9.637/1998, art. 12, § 3 o) são válidas, mas
devem ser conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios
do “caput” do art. 37 da CF; d) a seleção de pessoal pelas organizações sociais deve ser
conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do “caput”
do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e
e) qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de
Contas da União, da aplicação de verbas públicas deve ser afastada.
STF. Plenário. ADI 1923/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado
em 15 e 16/4/2015 (Info 781).

3.6.3. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) são regidas pela Lei n.
9.790/99. A qualificação conferida a essas entidades é vinculada, isto é, cumpridos os
requisitos previstos na lei, a entidade será qualificada como OSCIP pelo Ministério da
Justiça, órgão responsável pela qualificação.

É interessante notar que a qualificação de uma pessoa como OSCIP dá-se por
meio de um ato vinculado. Com efeito, a lei 9.790/1999 explicita, no § 2o do art.
1o e no § 3o do art. 6o, que o pedido só pode ser indeferido na hipótese de
a pessoa jurídica requerente desatender a algum dos requisitos legais.
Por outras palavras, a pessoa jurídica que satisfaça todas as exigências legais
tem direito, caso requeira, de ser qualificada como OSCIP (ALEXANDRINO;
PAULO, 2018, p. 165).

Uma das exigências para que a entidade se torne uma OSCIP é que esteja constituída e em
regular funcionamento há, no mínimo, 3 anos, conforme art. 1o da Lei n. 9.790/99.

35
O instrumento celebrado entre a OSCIP e a Administração Pública recebe o nome de termo
de parceria.

Importante destacar que a Lei n. 9.790/99 elenca, no art. 2o, algumas entidades privadas que
não poderão ser qualificadas como OSCIP. São exemplos desse impedimento as sociedades
comerciais, os sindicatos, as associações de classes, as instituições religiosas, as
organizações partidárias, as empresas que comercializam planos de saúde, entre outros.

3.6.5. Organizações da Sociedade Civil (OSC)

As Organizações da Sociedade Civil (OSC) foram criadas pela Lei n. 13.019/14, que dispõe,
em seu art. 2o, quais entidades são consideradas Organizações da Sociedade Civil:

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou
associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais
resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções
de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante
o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do
respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo
patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei n. 9.867, de 10 de novembro de
1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou
social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de
trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores
rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as
capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de
cunho social.
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse
público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;

Como se vê, as cooperativas e as entidades religiosas podem ser qualificadas como OSC.

A Lei n. 13.019/14 apresenta três instrumentos para a formalização da parceria com o


Poder Público:

Termo de colaboração: instrumento, de iniciativa do Poder Público, que envolve o repasse


de recursos públicos à OSC.

Termo de fomento: instrumento de iniciativa da própria entidade, que envolve o repasse de


recursos públicos à OSC.

Acordo de cooperação: parceria entre a OSC e o Poder Público que não envolve o repasse
de recursos públicos.

36
Mapa Mental

Organização
Administrativa

Administração Administração Terceiro Setor


Direta Indireta

Entidades criadas por


Pessoas Jurídicas Entidades privadas,
lei (ou autorizada a
de Direito Público sem fins lucrativos,
criação) para
que desempenham
exercerem funções
atividades de
administrativas
interesse social,
União, Estados, DF vinculadas ao Ente
incentivadas pelo
e Municípios Federativo que as
Referências Bibliográficas Poder Público
instituiu

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Sistema S, OS,
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016. OSCIP, OSC

______. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas,
2018.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018

37
4. Poderes Administrativos
Inicialmente, deve-se esclarecer que a expressão “Poder” pode abranger dois sentidos. O
primeiro diz respeito ao centro de imputação do poder estatal. Trata-se do Poder Executivo,
Poder Legislativo e Poder Judiciário. O segundo sentido, o qual será estudado neste capítulo,
define os poderes administrativos como sendo prerrogativas que a ordem jurídica
confere à Administração Pública para que esta possa desempenhar as atividades estatais
e alcançar os objetivos concernentes ao interesse público.

De acordo com a doutrina majoritária, a função administrativa é um poder e um dever, por


isso é comum encontrar a expressão “poder-dever”. Isso porque, ao lado de prerrogativas há
deveres do poder público, de modo que, se o agente público não cumprir com o seu dever,
deverá ser punido.

4.1. Abuso de poder

Os poderes administrativos são, portanto, prerrogativas. Nesse sentido, é importante lembrar


que, no Estado Democrático de Direito, as prerrogativas são limitadas pelo ordenamento
jurídico. Existem normas, portanto, que limitam o exercício de poderes pelo Estado, para que
esse exercício respeite a legalidade, a razoabilidade, a moralidade, os princípios gerais do
direito e a Constituição.

Assim, se o Estado atuar de forma abusiva, extrapolando os limites do ordenamento jurídico,


estará atuando com abuso de poder.

A expressão “abuso de poder” constitui gênero, que abrange duas espécies, quais sejam:
excesso de poder e desvio de poder (desvio de finalidade).

Excesso de poder: ocorre quando a atuação do agente vai além dos limites de sua
competência. Exemplo: atuação de um policial com força excessiva, desproporcional para
fiscalizar um particular ou um estabelecimento. Por agir com excesso de força, o agente será
punido.

Nas lições de José dos Santos Carvalho Filho,

excesso de poder é a forma de abuso própria da atuação do agente fora dos


limites de sua competência administrativa. Nesse caso, ou o agente invade

38
atribuições cometidas a outro agente, ou se arroga o exercício de atividades
que a lei não lhe conferiu (CARVALHO FILHO, 2015, p. 48).

Desvio de poder (desvio de finalidade): consiste na atuação do agente que tem por
objetivo alcançar uma finalidade diversa do interesse público, distinta da finalidade que
foi determinada para aquela atuação. Exemplo: autoridade que concede licença com a
finalidade de beneficiar um parente, sem qualquer justificativa que atenda ao interesse público.
Sobre o tema, ensina José dos Santos Carvalho Filho:

Já o desvio de poder é a modalidade de abuso em que o agente busca alcançar


fim diverso daquele que a lei lhe permitiu, como bem assinala LAUBADÈRE.11
A finalidade da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente
atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e prática, assim,
conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio de
finalidade, denominação, aliás, adotada na lei que disciplina a ação popular (Lei
n. 4.717, de 29.6.1965, art. 2o, parágrafo único, “e”).

O desvio de poder é a conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre


desse fato a dificuldade na obtenção da prova efetiva do desvio, sobretudo
porque a ilegitimidade vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalidade.
Observa a esse respeito CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “Trata-se,
pois, de um vício particularmente censurável, já que se traduz em
comportamento soez, insidioso. A autoridade atua embuçada em pretenso
interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio.” Não obstante,
ainda que sem prova ostensiva, é possível extrair da conduta do agente os
dados indicadores do desvio de finalidade, sobretudo à luz do objetivo que a
inspirou (CARVALHO FILHO, 2015, p. 49).

Dessa forma, agindo com excesso de poder ou com desvio de poder, o agente estará
atuando com abuso de poder, sujeitando-se, portanto, à responsabilidade administrativa,
cível e penal, bem como o ato praticado estará sujeito à anulação por parte da autoridade
responsável pelo controle dos atos administrativos.

4.2. Poder vinculado e poder discricionário

A distinção entre Poder Vinculado e Poder Discricionário consiste em uma classificação da


doutrina tradicional.

O Poder vinculado está presente em situações nas quais o legislador, ao estipular situações
que dão ensejo à prática de um ato administrativo, determinou todos os seus elementos de
forma objetiva, de modo que o administrador não tem liberdade, juízo de valor, conveniência

39
e oportunidade sobre a conduta a ser praticada. Nesse sentido, preenchidos todos os
requisitos legais, a autoridade tem o dever de praticar o ato previamente definido em lei.

Ensina Matheus Carvalho que,

dessa forma, se forem preenchidos os requisitos definidos em lei, o ato


administrativo deve ser praticado, não havendo qualquer possibilidade e
emissão de juízo de valor por parte da autoridade administrativa. Nesses casos,
a ocorrência da previsão legal enseja, inclusive, direito adquirido a terceiros
(CARVALHO, 2017, p. 122).

Cite-se, a título exemplificativo do poder vinculado, a licença para construir ou a licença


para dirigir. Nesses casos, preenchidos todos os requisitos pelo particular, a ele deve ser
concedida a licença.

Em relação ao Poder Discricionário, por sua vez, o agente administrativo também deve
observar a lei; contudo, existem situações em que o legislador conferiu margem de
liberdade à atuação do administrador, que poderá agir de acordo com a conveniência e a
oportunidade, escolhendo, assim, proceder da forma como entender mais adequada para
atender ao interesse público.

Como exemplo do Poder Discricionário, cite-se a permissão de uso de bem público, a


autorização para o trânsito de veículo acima do peso permitido.

Em relação ao controle do exercício do Poder Discricionário pelo poder judiciário, leciona o


autor Alexandre Mazza:

Importante destacar, ao final, que os autores são unânimes em admitir amplo


controle judicial sobre o exercício do poder discricionário, exceto quanto ao
mérito do ato administrativo. Conforme mencionado nos capítulos anteriores, o
mérito do ato discricionário constitui o núcleo da função típica do Poder
Executivo, sendo incabível permitir que o Poder Judiciário analise o juízo de
conveniência e oportunidade da atuação administrativa sob pena de violação
da Tripartição de Poderes (MAZZA, 2019, n.p.).

Com efeito, ainda que o ato administrativo seja discricionário, estará sujeito ao controle
jurisdicional no que diz respeito à sua legalidade, isto é, à sua adequação com a lei, bem
como ao respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ressalvada,
contudo, a análise do mérito do ato administrativo.

Nesse sentido, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

40
O poder discricionário tem como limites, além do próprio conteúdo da lei, os
próprios princípios jurídicos administrativos, sobretudo os da razoabilidade e
da proporcionalidade – os quais decorrem implicitamente do postulado do
devido processo legal, em sua acepção substantiva. A extrapolação dos limites
legais, assim como a atuação contrária aos princípios administrativos,
configuram a denominada arbitrariedade (arbitrariedade é sempre sinônimo
de atuação ilegal). (ALEXANDRINO, PAULO, 2018, p. 276).

4.3. Poder normativo (ou regulamentar)

O Poder Normativo, também chamado por muitos doutrinadores de Poder Regulamentar, é a


prerrogativa reconhecida à Administração Pública para editar atos administrativos gerais
para a fiel execução das leis.

O art. 84, IV, da CF/88 é o fundamento constitucional para o exercício do poder regulamentar
pela Administração Pública: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos
para sua fiel execução.”

A atividade normativa, isto é, a elaboração de normas abstratas e genéricas, não é exclusiva


do Poder Legislativo, também podendo ser exercida pelos Poderes Executivo e Judiciário, no
desempenho de funções atípicas, conforme estudado no Capítulo 1. Contudo, enquanto o
legislador, ao criar as normas, pode inovar na ordem jurídica, a Administração Pública, ao
desempenhar a função normativa, deve exercê-la de forma infralegal, respeitando as leis
vigentes.

Assim, o exercício do Poder Normativo dá origem a normas de segundo grau, que não
podem inovar no ordenamento jurídico e são necessárias à interpretação e aplicação das
normas editadas pelo legislador (normas de primeiro grau),

Tome-se, como exemplo, a Lei n. 8.112/90, que é o Estatuto dos Servidores Públicos Federais,
norma de primeiro grau, que disciplina, dentre outros assuntos pertinentes aos servidores
públicos, o processo administrativo disciplinar. Tendo como base essa lei, no que tange ao
processo administrativo previsto, são editados regulamentos, normas administrativas pela
Administração, no exercício do seu poder normativo, para a fiel execução da lei, naquilo que
concerne às infrações disciplinares, a fim de permitir a concreta aplicação da sanção.

Existem duas classificações doutrinárias sobre o poder regulamentar.

41
A primeira classificação diferencia regulamentos jurídicos/normativos (os quais têm
efeitos externos, para todos os administrados em geral) dos regulamentos administrativos
ou de organização (os quais, por seu turno, têm efeitos internos, atingindo apenas as
pessoas que mantêm relação jurídica específica com o estado).

A segunda classificação diferencia regulamento autônomo (decreto autônomo) de


regulamento executivo (decreto regulamentar). Essa segunda classificação é mais
relevante e mais abordada pelos doutrinadores em geral.

Segundo essa distinção, os decretos autônomos são editados sem que haja lei tratando do
assunto, motivo pelo qual acabam por inovar no ordenamento jurídico. Há que se destacar
que essa espécie de decreto não é aceita pela maioria da doutrina.

Os decretos regulamentares, por sua vez, são editados com o objetivo de dar fiel execução
àquilo que a lei já previu, sem inovar na ordem jurídica.

A possibilidade de existirem decretos autônomos no Brasil é matéria bastante polêmica. Há


uma corrente minoritária que admite o decreto autônomo no Brasil, desde que editado
para a efetivação de direitos fundamentais, tendo como fundamento a teoria dos poderes
implícitos. Assim, se a Constituição determina ao Poder Executivo uma série de objetivos,
implicitamente reconhece os meios para que este possa implementar essas finalidades. Nesse
sentido, o Executivo poderia editar decretos autônomos para efetivar o direito à saúde,
educação e direitos fundamentais.

Entretanto, a tese majoritária é no sentido da inconstitucionalidade do decreto


autônomo, sendo, portanto, incabível no ordenamento jurídico brasileiro. O principal
fundamento dessa tese é que, sem autorização legal, o decreto autônomo violaria o
princípio da legalidade, porquanto a administração pública só pode fazer aquilo que a lei
autoriza. Além disso, o art. 84, IV, da CF/88 dispõe que os regulamentos são para fiel
execução das leis, o que pressupõe, portanto, a existência de uma lei. São adeptos a essa
tese os doutrinadores Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José
dos Santos Carvalho Filho. É importante destacar as lições deste sobre o assunto:

Realmente, não conseguimos encontrar no vigente quadro constitucional


respaldo para admitir-se a edição de regulamentos autônomos. Está à mostra
em nosso sistema político que ao Executivo foi apenas conferido o poder
regulamentar derivado, ou seja, aquele que pressupõe a edição de lei

42
anteriormente promulgada, que necessite do seu exercício para viabilizar a
efetiva aplicação de suas normas (CARVALHO FILHO, 2015, p. 63/64).

Todavia, existe uma exceção à regra de que não cabe decreto autônomo no Brasil. Trata-
se da previsão do art. 84, VI, a, da CF/88 (incluído pela Emenda Constitucional 32/01):

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Como se vê, o texto constitucional utiliza o vocábulo “decreto”, estabelecendo, assim, ser o
decreto o meio apto para a organização da administração pública.

4.4. Poder hierárquico

O Poder Hierárquico é a prerrogativa que garante ao administrador público estruturar,


escalonar e hierarquizar os seus quadros e as funções de seus órgãos, estabelecendo
uma relação hierárquica de subordinação. Importante destacar que o Poder Hierárquico é
um poder de estruturação interna da atividade pública, não havendo, portanto, manifestação
de hierarquia entre pessoas jurídicas distintas.

O exercício do poder hierárquico pelo agente se exterioriza, por exemplo, ao dar ordens,
fiscalizar o cumprimento dos atos praticados por seus subordinados, rever os atos praticados
pelos subordinados, bem como delegar e avocar funções.

A avocação e a delegação de competências são importantes institutos previstos na Lei Federal


do Processo Administrativo, Lei n. 9.784/99. Sobre o tema, eis a definição de Matheus
Carvalho:

Avocação: desde que as atribuições não sejam da competência exclusiva do


órgão subordinado, o chefe poderá chamar para si, de forma temporária, a
competência que deveria inicialmente ser exercida pelo agente subalterno.
Saliente-se, dessa forma, que a avocação é a tomada temporária de
competência legalmente atribuída a um agente subordinado, por outro agente
hierarquicamente superior.
Delegação: é a extensão de atribuições de um órgão a outro de mesma
hierarquia ou de hierarquia inferior, desde que não sejam exclusivas. A
delegação também é exercida de forma temporária. Nesse sentido, é
importante salientar que a delegação não configura uma transferência, mas sim
uma extensão ou ampliação de competência, ou seja, o agente delegante não

43
perde a competência delegada. É designada cláusula de reserva dessa regra
de manutenção da competência pelo agente, mesmo após a delegação, e esta
cláusula está implícita nos atos administrativos de delegação (CARVALHO,
2017, p. 129).

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 510 do STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência


delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Com efeito, conforme previsto na Súmula 510 do STF, a responsabilidade pelo ato é atribuída
a quem o praticou.

Destaque-se, por fim, que há três expressas proibições legais da delegação e avocação de
competência, quais sejam: no caso de competência exclusiva, definida em lei; para decisão
de recurso hierárquico; para edição de atos normativos.

4.5. Poder disciplinar

O Poder Disciplinar é a prerrogativa reconhecida à Administração Pública para investigar e


punir, após o contraditório e a ampla defesa, os servidores públicos, na hipótese de
infração funcional, e os demais administrados sujeitos à disciplina do ente estatal, em
razão de um vínculo de natureza especial, como ocorre com a celebração de um contrato
administrativo, por exemplo.

O autor Matheus Carvalho defende que o Poder Disciplinar tem como função “aprimorar a
prestação do serviço público punindo a malversação do dinheiro público ou atuação em
desconformidade com a lei” (CARVALHO, 2017, p. 130).

Os particulares que não possuem vínculo especial com a Administração Pública não estão
sujeitos ao Poder Disciplinar.

A maior parte da doutrina entende que o Poder Disciplinar é exercido


discriminatoriamente. Entretanto, essa discricionariedade é limitada, pois, havendo
infração funcional, a aplicação da sanção é um dever, uma obrigação, não havendo

44
margem de escolha entre aplicar ou não a sanção. A discricionariedade existe, portanto,
apenas quanto à extensão da sanção aplicada.

Outra característica do Poder Disciplinar, destacada por Alexandre Mazza, consiste no seu
caráter não permanente, porquanto somente se aplica se e quando o servidor cometer uma
falta funcional (MAZZA, 2019).

Ademais, ressalta-se que o Poder Disciplinar, sistema punitivo interno da Administração


Pública, não se confunde com o sistema punitivo exercido pela justiça penal, nem com o
exercício do Poder de Polícia, o qual será estudado em tópico específico.

4.6. Poder de polícia

O Poder de Polícia decorre da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse


Particular, na medida em que limita o exercício de liberdades individuais em prol do
interesse coletivo. Nesse sentido, o Poder de Polícia consiste na prerrogativa que tem o
Estado de restringir a atuação do particular em razão do interesse público. Como exemplo, a
proibição de construção de edifícios acima de determinada altura, como forma de assegurar
melhores condições ambientais na região. Em regra, não há indenização se o exercício for
legítimo. Incide sobre bens, direitos e atividades, mas não atinge diretamente as pessoas.

O Código Tributário Nacional, no art. 78, apresenta a definição de Poder de Polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,


limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato
ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança,
à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização
do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos.

Trazendo uma conceituação doutrinária, ensina Alexandre Mazza:

Poder de polícia é a atividade da Administração Pública, baseada na lei e na


supremacia geral, consistente no estabelecimento de limitações à liberdade e
propriedade dos particulares, regulando a prática de ato ou a abstenção de
fato, manifestando-se por meio de atos normativos ou concretos, em benefício
do interesse público (MAZZA, 2019, n.p.).

45
Para a doutrina majoritária, o Poder de Polícia tem como característica a discricionariedade,
de modo que o agente público pode definir a sua atuação da forma como entender mais
adequada, observando, sempre, os limites da lei. Contudo, nem sempre o poder de polícia
é discricionário, pois pode se manifestar por meio de atos vinculados, como no caso de
concessão de licenças para construção, hipótese em que, preenchidos os requisitos legais
pelo particular, este terá direito subjetivo à concessão da licença, não havendo análise da
conveniência e oportunidade para a concessão por parte do administrador.

Outra característica do Poder de Polícia é a sua autoexecutoriedade, uma vez que a


Administração Pública, ao praticar atos decorrentes do Poder de Polícia, pode executar suas
próprias decisões sem interferência do Poder Judiciário. Contudo, há situações em que essa
característica não está presente, como no caso de aplicação de multa, pois, diante do não
pagamento, sua cobrança deve ser feita por meio da intervenção do Poder Judiciário (ação
de execução fiscal).

A coercibilidade é mais uma característica do Poder de Polícia, capaz de tornar o ato


obrigatório, devendo este ser obedecido independentemente da vontade do administrado,
caso em que a Administração pode usar meios indiretos de coerção para fazer cumprir a
determinação imposta.

A doutrina divide os atos do Poder de Polícia em ciclos. São os chamados Ciclos de Polícia,
quais sejam:

1o Ciclo: Ordem de Polícia

2o Ciclo: Consentimento de Polícia

3o Ciclo: Fiscalização de Polícia

4o Ciclo: Sanção de Polícia

1o Ciclo – Ordem de Polícia: é a norma legal que estabelece, de forma primária, as


restrições e as condições para o exercício das atividades privadas e o uso de bens.
Exemplo: proibição de estacionamento em determinadas vias públicas.

2o Ciclo – Consentimento de Polícia: é o consentimento do Estado para que o particular


desenvolva determinada atividade ou utilize a propriedade particular. Nesse caso, o

46
consentimento estatal pode se manifestar por meio de autorizações ou licenças. Exemplo:
autorização para porte de arma. Licença para dirigir veículo automotor.

3o Ciclo – Fiscalização de Polícia: consiste na verificação do cumprimento da ordem e


do consentimento de polícia. Exemplo: fiscalização de trânsito, fiscalização sanitária.
Entende-se que o exercício da Fiscalização de Polícia é delegável.

4o Ciclo – Sanção de Polícia: trata-se da medida coercitiva aplicada ao particular que


descumpre a ordem de polícia ou não observa os limites impostos no consentimento de
polícia. Exemplo: aplicação de multa de trânsito, interdição de estabelecimento comercial
irregular.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

RE 658570/MG: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PODER DE


POLÍCIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. GUARDA MUNICIPAL.
CONSTITUCIONALIDADE. 1. Poder de polícia não se confunde com segurança pública. O
exercício do primeiro não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais, a quem a
Constituição outorgou, com exclusividade, no art. 144, apenas as funções de promoção da
segurança pública. 2. A fiscalização do trânsito, com aplicação das sanções administrativas
legalmente previstas, embora possa se dar ostensivamente, constitui mero exercício de poder
de polícia, não havendo, portanto, óbice ao seu exercício por entidades não policiais. 3. O
Código de Trânsito Brasileiro, observando os parâmetros constitucionais, estabeleceu a
competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito. 4.
Dentro de sua esfera de atuação, delimitada pelo CTB, os Municípios podem determinar que
o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal. 5. O art. 144, § 8 o,
da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens,
serviços e instalações do Município. Até mesmo instituições policiais podem cumular funções
típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia. Entendimento que não foi
alterado pelo advento da EC n. 82/2014. 6. Desprovimento do recurso extraordinário e fixação,
em repercussão geral, da seguinte tese: é constitucional a atribuição às guardas municipais
do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções
administrativas legalmente previstas (RE 658570, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 6/8/2015,

47
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-195 DIVULG 29-9-2015
PUBLIC 30-09-2015).

48
Mapa Mental

Poderes
Administrativos

Abuso de Poder Poder Vinculado Poder Normativo

Poder
Excesso de Poder Poder Hierárquico
Discricionário

Desvio de
Poder Disciplinar
Finalidade

Poder de Polícia

49
Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense; São Paulo.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

50
5. Atos Administrativos
Neste capítulo, vamos estudar os Atos Administrativos, assunto de extrema importância no
Direito Administrativo. Para melhor compreensão do tema, é importante que se faça uma
breve introdução para a correta distinção entre termos que podem gerar equívocos.

Fato da Administração: é a expressão doutrinária que se refere aos acontecimentos que não
produzem consequências para o Direito Administrativo. (Obs.: esse conceito não deve ser
confundido com o fato da administração estudado nos contratos administrativos,
desdobramento da teoria da imprevisão, porque lá o fato da administração é um evento que
produz efeitos jurídicos).

Fato Administrativo: é uma espécie de fato jurídico. É um acontecimento que produz


consequências para o Direito Administrativo. Exemplo: morte de servidor público.

Atos da Administração: trata-se de expressão ampla, que se refere a todos os atos


praticados pelo Poder Executivo. São atos gerais, individuais, materiais, concretos, abstratos,
unilaterais, bilaterais, regidos pelo direito público ou privado.

5.1. Fatos jurídicos

É importante atentarmos também, para a classificação dos fatos jurídicos em sentido amplo:

Fazendo uma rápida digressão, na seara do direito privado, podemos afirmar


que tudo aquilo que interessa ao direito – isto é, todos os eventos, naturais ou
humanos, a que o direito atribui significação, e aos quais vincula consequências
jurídicas – integra os denominados fatos jurídicos em sentido amplo. Esses
fatos jurídicos em sentido amplo subdividem-se em:

a) fatos jurídicos em sentido estrito: são eventos da natureza – ou seja,


acontecimentos que não decorrem diretamente da manifestação de vontade
humana – dos quais resultam consequências jurídicas. Exemplos são a
passagem do tempo, o nascimento, a morte, uma inundação que ocasione
destruição de bens etc.;
b) atos jurídicos: são qualquer manifestação unilateral humana voluntária que
tenha a finalidade imediata (direta) de produzir determinada alteração no
mundo jurídico (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 519).

51
5.2. Conceito e classificação de atos administrativos

Ato administrativo é a declaração de vontade do Estado ou de quem lhe faça as vezes. É


inferior à lei, com o objetivo de lhe dar cumprimento, regido pelo Direito Público e sujeito
a controle judicial.

Classificação dos atos administrativos

Quanto aos destinatários

a) atos gerais: são atos que se referem a um número indeterminado de pessoas. São
abstratos e impessoais, com finalidade normativa. Prevalecem sobre os atos individuais
Exemplos: regulamentos, instruções normativas.

b) atos individuais: atos especiais, que se referem a determinado indivíduo, se dirigem a


destinatários determinados. Pode ser ato individual singular (único destinatário) ou plúrimo
(múltiplos destinatários, que serão especificados no ato administrativo).

Quanto ao alcance

a) internos: são atos que produzem efeitos dentro da Administração Pública, ditando normas
que obrigam os agentes públicos e órgãos de determinado ente. Em regra, não dependem de
publicação oficial, bastando a comunicação interna Exemplo: instruções de serviços;

b) externos: produzem efeitos para fora da Administração Pública, atingindo administrados


que não compõem sua estrutura. Portanto, dependem de publicação no órgão oficial, para
que se dê ampla ciência.

Quanto ao grau de liberdade

a) atos vinculados: são os atos previstos em lei e que não deixam qualquer margem de
escolha ao agente administrativo. Nesse caso, a lei já regulamenta todos os elementos do ato,
com critérios objetivos. Assim, preenchidos os requisitos da lei, o agente tem o dever de
praticar o ato administrativo;

52
b) atos discricionários: são atos que também estão previstos em lei, mas que conferem ao
agente uma margem de escolha para a sua atuação, de acordo com a conveniência e
oportunidade, optando, assim, pela melhor maneira ou pelo melhor momento de atuação, mas
sempre observando os limites legais. É importante ressaltar que, mesmo nos atos
discricionários, os elementos “competência”, “finalidade” e “forma” são sempre vinculados.

Quanto à formação

a) ato simples: é o ato administrativo que depende de uma única manifestação de vontade
para sua formação. Essa manifestação pode ser singular, isto é, partir de uma única
autoridade, ou pode ser colegiada;

b) ato composto: é o que resulta da manifestação de dois ou mais órgãos, em que a vontade
de um é instrumental em relação a de outro, que edita o ato principal. Enquanto no ato
complexo fundem-se vontades para praticar um ato só, no ato composto, praticam-se dois
atos, um principal e outro acessório; este último pode ser pressuposto ou complementar
daquele.

c) ato complexo: é o ato administrativo que depende, para sua formação, de duas
manifestações de vontade, em órgãos diferentes, em patamar de igualdade, possuindo a
mesma força. A título de complemento, José dos Santos Carvalho Filho (2018) explica que
“Atos complexos são aqueles cuja vontade final da Administração exige a intervenção de
agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma
das manifestações” (p. 136).

Sobre essa classificação, destaca e exemplifica Matheus Carvalho:

Atualmente, é majoritário, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de


que a aposentadoria de servidor público se configura como ato complexo, haja
vista depender da atuação do órgão a que o agente é subordinado e da
aprovação do Tribunal de Contas (que é uma vontade independente da
primeira, por se tratar de órgãos diversos, sem subordinação ou hierarquia).
Inclusive, em virtude deste entendimento, a não aprovação pelo Tribunal de
Contas do ato de aposentadoria não é considerada novo ato, mas sim
impedimento da perfeição do ato de aposentadoria, não dependendo sequer
de garantia de contraditório. Neste sentido, a Súmula Vinculante n. 3, abaixo
transcrita: Súmula Vinculante n. 3: Nos processos perante o Tribunal de Contos
da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão

53
puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão. Salienta-se, no entanto, que o
entendimento jurisprudencial e doutrinário é firme no sentido de que a inércia
do Tribunal de Contas por mais de 5 (cinco) anos enseja a aprovação tácita da
aposentadoria, razão pela qual, a anulação deste ato posterior depende de
processo com prévio contraditório (CARVALHO, 2017, p. 284).

Quanto ao objeto

a) atos de império: atos em que a Administração Pública atua utilizando-se da Supremacia


do Interesse Público sobre o interesse privado, impondo obrigações, aplicando penalidades,
tendo em vista a natureza do interesse. Exemplo: lavratura de auto de infração de trânsito;

b) atos de gestão: são os atos administrativos praticados em condição de igualdade com o


particular, sem que a Administração Pública se utilize das prerrogativas relativas à supremacia
do interesse público. Nesses casos, as atividades são regidas pelo direito privado. Exemplo:
alienação de um imóvel público desafetado;

c) atos de expediente: são atos que, em verdade, não são manifestação de vontade do
Estado, mas apenas se destinam a dar prosseguimento à atividade administrativa. Exemplo:
despacho que encaminha um processo administrativo para julgamento.

Quanto à estrutura

a) concretos: são atos administrativos praticados com o objetivo de atender a uma situação
específica. Seus efeitos se extinguem depois da sua prática. Exemplo: aplicação de multa de
trânsito;

b) abstratos: são atos administrativos que impõem regra a ser aplicada quando uma situação
efetivamente ocorrer. Esses atos são genéricos e possuem efeitos permanentes, pois serão
aplicados sempre que a situação descrita na regra ocorrer. Exemplo: decreto que define o
horário de funcionamento de determinada repartição pública.

Quanto aos efeitos:

54
a) constitutivos: “São aqueles que alteram uma relação jurídica, criando, modificando ou
extinguindo direitos. Exemplo: a autorização, a sanção disciplinar, o ato de revogação”
(CARVALHO FILHO, 2018, 137);

b) declaratórios: são os atos administrativos que reconhecem uma situação jurídica


preexistente. Por não constituírem uma nova situação jurídica, mas apenas afirmarem direito
preexistente, esses atos têm efeitos retroativos. Exemplo: atos de aposentadoria
compulsória de um servidor que completou a idade prevista em lei;

c) enunciativos: José dos Santos Carvalho Filho (2018) adverte que “tais atos não são
considerados como típicos atos administrativos por alguns autores” (p. 138). Contudo, é
importante trazer a lição do mesmo autor de que “temos os atos enunciativos, cuja
característica é a de indicarem juízos de valor, dependendo, portanto, de outros atos de
caráter decisório. O exemplo típico é o dos pareceres” (p. 138).

5.3. Requisitos (ou elementos) do ato administrativo

Embora exista divergência doutrinária, a maioria dos administrativistas, com base no art. 2 o,
da Lei n. 4.717/65, aponta os seguintes requisitos do ato administrativo: competência, forma,
objeto, motivo e finalidade.

Competência

O requisito da competência está relacionado ao sujeito (agente) que pratica o ato


administrativo. A competência é um elemento vinculado e diz respeito às atribuições
normativas para a prática do ato. Está definida na lei, nos atos administrativos em geral e, em
alguns casos, na Constituição Federal.

A competência não se presume, pois decorre de norma expressa. Além disso, a


competência é inderrogável, isto é, ela não muda pela vontade das partes. É também
improrrogável, na medida em que uma incompetência não se transforma em competência.
A competência é irrenunciável, pois é um múnus público que não pertence ao agente;
contudo, admitem-se a delegação e a avocação da competência (no caso, o que se delega e
se avoca é o exercício da competência e não a titularidade).

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Os vícios no elemento competência podem decorrer de excesso de poder ou do exercício
de função de fato. O excesso de poder, espécie do gênero abuso de poder, ocorre quando
o agente exorbita de suas atribuições legais, extrapolando os limites da lei. Por sua vez, a
função de fato ocorre quando o ato é praticado pelo agente público de fato, isto é, por aquele
que, embora tenha aparência de agente de direito, se encontra ilegalmente investido em suas
funções (exemplo: servidor que está de férias/licença/aposentado e mesmo assim pratica o
ato administrativo). Nesses casos, embora o ato seja ilegal em razão do vício de competência,
será válido perante terceiros de boa-fé, em virtude da “teoria da aparência” (quando a
situação tem aparência de legalidade).

O vício na competência, em regra, é sanável.

Forma

A forma é o elemento do ato administrativo que se refere ao modo pelo qual o ato se
exterioriza. A ausência de forma significa a inexistência do ato administrativo, já o desrespeito
às formalidades específicas definidas em lei resulta na ilegalidade do ato.

Ensina Di Pietro: “Partindo-se da ideia de elemento do ato administrativo como condição de


existência e de validade do ato, não há dúvida de que a inobservância das formalidades que
precedem o ato e o sucedem, desde que estabelecidas em lei, determinam a sua invalidade.”
(DI PIETRO, 2021, p. 242)

Importante destacar que o silêncio administrativo, para a maioria da doutrina, é uma


expressão que se refere àquelas situações em que a Administração Pública não declara sua
vontade. Nesse sentido, explica Alexandre Mazza: “É certo que silêncio não é ato
administrativo por ausência de exteriorização de comando prescritivo. Trata-se de simples fato
administrativo porque o silêncio nada ordena” (MAZZA, 2019, n.p.).

Quanto aos efeitos do silêncio administrativo, tem-se que, na hipótese de a própria lei definir
prazo para atuação do agente, verificando-se a ausência de manifestação de vontade dentro
do prazo, será permitida a provocação do Poder Judiciário, pois a omissão estatal é abusiva
e passível de controle judicial. Por outro lado, se não existe na lei prazo para a manifestação
de vontade do poder público, mas constata-se demasiada demora na atuação estatal, esse
silêncio, igualmente, configurará irregularidade, permitindo a intervenção do Poder Judiciário,

56
tendo em vista o princípio da razoável duração dos processos, previsto no art. 5 o, LXXVIII, da
Constituição Federal.

Quanto ao vício no elemento forma, a doutrina majoritária entende que, em regra, trata-se
de um vício sanável quando não gerar prejuízo ao interesse público. Tem-se como
fundamento o princípio da instrumentalidade das formas, o qual estabelece que a forma
não é essencial à prática do ato, mas somente o meio, previsto em lei, pelo qual o poder
público conseguirá atingir seus objetivos. Contudo, há casos em que o vício será insanável,
quando a observância da forma for essencial à validade do ato.

Finalidade

A finalidade é o efeito jurídico mediato que o ato produz, isto é, é o objetivo legalmente
descrito para a prática do ato. A finalidade é um elemento vinculado.

Quando o Poder Público atua desvirtuando a finalidade definida em lei para a prática do
ato, configura-se o desvio de poder (ou desvio de finalidade), espécie do gênero abuso de
poder, gerando a nulidade do ato. Sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

É o legislador que define a finalidade que o ato deve alcançar, não havendo
liberdade de opção para a autoridade administrativa; se a lei coloca a demissão
entre os atos punitivos, não pode ela ser utilizada com outra finalidade que não
a de punição; se a lei permite a remoção ex officio do funcionário para atender
a necessidade do serviço público, não pode ser utilizada para finalidade
diversa, como a de punição (DI PIETRO, 2021, p. 245).

Nesse sentido, não pode o agente público exonerar um servidor com a finalidade de puni-lo,
por exemplo, uma vez que a exoneração é forma de perda do cargo que não tem caráter
punitivo, ao contrário da demissão. Vê-se, portanto, o desvio de finalidade no ato de
exoneração mencionado.

Por fim, destaque-se que o vício no elemento finalidade é insanável.

Motivo

Motivo é o pressuposto de fato (o que aconteceu no plano fático) e o pressuposto de direito


(o que a lei diz a respeito) que enseja a prática do ato, ou seja, é a causa do ato. É a causa
imediata do ato administrativo.

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Como exemplo, tem-se que a Lei n. 8.112/90 dispõe que se o agente intencionalmente se
ausentar do serviço público por mais de 30 dias, tal conduta ensejará a demissão. Esse é o
pressuposto de direito. Assim, vindo a ocorrer no plano fático a efetiva ausência intencional
do agente por mais de 30 dias, estará configurado o pressuposto fático que permitirá a
demissão.

Nesse sentido, para que seja válido o motivo do ato, o fato narrado deve ser verdadeiro
e deve ter ocorrido efetivamente da forma prevista na lei.

O vício no elemento motivo é de natureza insanável.

Teoria dos Motivos Determinantes

Originada na jurisprudência dos tribunais de estado franceses e reconhecida nos tribunais


brasileiros, a Teoria dos Motivos Determinantes se baseia na ideia de que os motivos
apresentados para a prática do ato integram a validade do ato, de modo que, se o motivo
apresentado se referir a fato falso, inexistente ou juridicamente insubsistente, o ato será ilegal.

Assim, o administrador está vinculado ao motivo declarado, de forma que, mesmo que o ato
não necessite ser motivado, caso a administração o motive, esse ato ficará sujeito à
verificação da existência e da adequação do motivo exposto (exemplo: caso de servidor que
exerce cargo em comissão, exonerável ad nutum. A exoneração não precisa ser motivada,
mas, se o for, o agente ficará vinculado ao motivo que ensejou a exoneração, de forma que
se o motivo for, por exemplo, inexistente, o ato de exoneração estará viciado).

Contudo, existe uma exceção à aplicação da teoria dos motivos determinantes. Trata-se da
hipótese de tredestinação lícita, no âmbito da desapropriação. Assim, se um imóvel é
desapropriado para que lhe seja dada uma destinação de interesse público, como a
construção de uma escola, mas, na prática, for construído um hospital, estará configurada a
tredestinação lícita, não havendo vícios, haja vista que a construção de um hospital também
atende ao interesse público.

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É importante destacar que motivo e motivação não se confundem.

A motivação é a exposição dos motivos, isto é, a indicação do pressuposto de fato e de


direito que determina a prática do ato.

A motivação integra a forma do ato administrativo. Assim, a violação do devido processo


legal (contraditório, ampla defesa) é um vício na forma.

Obs.: motivação aliunde (per relacionem): é a motivação que não está no próprio ato
administrativo, mas sim em outro ato.

Objeto

O elemento objeto é o efeito jurídico imediato que o ato administrativo produz. É, portanto, o
resultado produzido pelo ato. É o que o ato cria, extingue, modifica.

Assim, o objeto que resultar em contrariedade à lei será ilegal.

O objeto deve ser lícito (previsto/autorizado por lei), possível (material e juridicamente) e
determinado ou determinável.

O vício no elemento objeto é de natureza insanável.

5.4. Perfeição (ou existência), validade e eficácia do ato administrativo

Perfeição: diz respeito à formação do ato administrativo. Isto é, perfeito é o ato que completou
seu ciclo de formação, ou seja, cumpriu todos os trâmites dispostos em lei para a sua
constituição.

O ato imperfeito é aquele que ainda está em processo de formação, sem que tenha
completado todas as etapas para que exista juridicamente.

Importante destacar que a publicação não integra a formação do ato. A publicidade oficial
é apenas condição de eficácia do ato administrativo.

Validade: a validade diz respeito à conformidade do ato administrativo em relação à lei.


Nesse sentido, o ato administrativo feito em desacordo com a lei será inválido.

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Obs.: ato anulável é um ato inválido cuja ilegalidade é sanável. Ato nulo é o ato inválido
cuja ilegalidade é insanável.

Ato irregular: são atos válidos que possuem defeitos/vícios materiais ligados à sua forma, não
sendo anulados nem invalidados.

Eficácia: diz respeito à aptidão do ato administrativo para produzir seus efeitos jurídicos
típicos.

Efeitos típicos (próprios): efeitos que a lei descreve para o ato.

Efeitos atípicos (impróprios): outros efeitos que o ato produz. Efeitos


preliminares/“prodrômicos”: efeitos que o ato produz em seu estado de pendência. Efeitos
reflexos: atingem outra relação jurídica, distinta daquela objeto da conduta estatal.

Analisada a perfeição, a validade e a eficácia do ato, é possível que o ato administrativo seja:

a) perfeito, válido e eficaz: quando, cumpridas as etapas de sua formação, bem como
estando conforme a lei, o ato esteja pronto para produzir seus efeitos jurídicos típicos;

b) perfeito, válido e ineficaz: quando o ato cumpriu todas as etapas de sua formação, está
conforme à lei, mas não está apto a produzir seus efeitos jurídicos típicos, seja porque
depende de termo ou condição, seja porque falta publicidade;

c) perfeito, inválido e eficaz: o ato existe, não está em conformidade com a lei, mas produzirá
efeitos enquanto não for declarada a sua irregularidade. Isso decorre da presunção de
legitimidade do ato administrativo;

d) perfeito, inválido e ineficaz: o ato existe, não está de acordo com a lei, sua invalidade
restou demonstrada e, por tais razões, não poderá produzir efeitos contrários aos definidos na
lei que trata de sua edição.

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5.5. Atributos do ato administrativo

Não há consenso na doutrina quanto aos atributos do ato administrativo. Para Celso Antônio
Bandeira de Mello, os atributos do ato administrativo são: 1. presunção de legitimidade; 2.
imperatividade; 3. exigibilidade; e 4. executoriedade.

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que os atributos do ato administrativo são: 1.
presunção de veracidade e legitimidade; 2. imperatividade; 3. autoexecutoriedade, que
abrange exigibilidade e executoriedade; e 4. tipicidade.

Para fins didáticos, neste material será utilizado o critério adotado pela autora Maria Sylvia
Zanella Di Pietro.

5.5.1. Presunção de veracidade e legitimidade

Os atos administrativos gozam de fé pública, motivo pelo qual presumem-se verdadeiros e


legítimos. A veracidade refere-se aos fatos e a legitimidade refere-se ao direito. Assim, é
a presunção de veracidade que fundamenta a inversão do ônus da prova.

Ressalte-se que essa presunção é relativa (juris tantum), admitindo, portanto, prova em
sentido contrário.

O atributo da autoexecutoriedade decorre dessa presunção de veracidade e


legitimidade.

Todos os atos administrativos possuem o atributo da presunção de veracidade e legitimidade.

5.5.2. Imperatividade

O atributo da imperatividade significa que o ato administrativo se impõe a terceiros, criando


obrigações de forma unilateral, dispensando qualquer anuência por parte do destinatário do
ato.

Também é chamado de Poder Extroverso.

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Apenas atos que criam obrigações possuem esse atributo. Assim, nem todos os atos
administrativos possuem essa característica. Os atos que criam direitos, por exemplo, não
têm imperatividade.

5.5.3. Autoexecutoriedade

Esse atributo significa que a Administração Pública pode praticar seus atos sem ordem
judicial. Esse atributo só existe para aqueles atos que a lei expressamente prevê
(exemplo: alfândega, pedir para abrir a mala), ou quando as circunstâncias exigirem.

Esse atributo divide-se em exigibilidade e executoriedade.

Exigibilidade: a Administração Pública pode praticar atos de correção indireta, sem ordem
judicial (aplicação de multa).

Executoriedade: a Administração Pública pode praticar atos de coerção direta sem ordem
judicial, equivalendo a uma execução forçada (exemplo: reboque de veículos, capina de lotes
vagos).

5.5.4. Tipicidade

É a exigência de que o ato administrativo tenha previsão em lei, correspondendo a um tipo


legal definido previamente. É decorrência do princípio da legalidade.

5.6. Extinção do ato administrativo

A extinção do ato administrativo se dá quando o ato deixa de produzir seus efeitos regulares,
retirando-se do mundo jurídico. É o desfazimento do ato, que pode ocorrer das seguintes
formas:

1. Extinção natural: o ato se extingue porque cumpriu os seus efeitos ou porque sobreveio
termo ou condição.

2. Extinção subjetiva: o ato se extingue quando há perda do sujeito da relação jurídica


constituída por meio do ato.

62
3. Extinção objetiva: o ato se extingue com a perda do objeto da relação jurídica constituída
pelo ato.

4. Renúncia do beneficiado: há extinção do ato em razão da renúncia pelo seu beneficiado.


Essa forma de extinção só existe para atos que criam direitos.

5. Retirada: é o desfazimento do por meio da edição de outro ato. A retirada pode ocorrer
por meio de:

a) anulação ou invalidação: retirada do ato ilegal, ou seja, o ato é extinto por conter
vícios, por estar em desconformidade com a lei. A anulação possui efeitos ex tunc,
retroagindo à data de origem do ato;

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 346 do STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios
atos.

Súmula n. 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

b) revogação: retirada do ato legal por razões de mérito (conveniência e oportunidade).


Por ser um ato legal que já produziu seus efeitos, a revogação não retroage (efeitos
ex nunc), mas somente impede a produção de efeitos futuros. Nesse ponto, é
importante ressaltar que maior parte da doutrina entende que não podem ser revogados
os atos: já consumados; irrevogáveis; que geram direitos adquiridos; vinculados;
enunciativos; de controle;

c) cassação: retirada do ato legal porque o destinatário descumpriu a lei (exemplo:


particular que descumpre os requisitos do ato de concessão de licença para
funcionamento de estabelecimento comercial).

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d) caducidade: retirada do ato legal em razão de norma superveniente com ele
incompatível (não confundir esse conceito de caducidade com a caducidade do art. 38
da Lei n. 8987/95, Lei das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, pois lá
caducidade é a pena por descumprimento do contrato, por culpa do concessionário);

e) contraposição/derrubada: ocorre quando um novo ato administrativo produz


efeitos opostos a um ato anteriormente praticado, o qual desaparece em razão de
efeitos incompatíveis.

5.7. Teoria das nulidades

Existem duas principais teorias em relação à Teoria das Nulidades, quais sejam: teoria
monista e teoria dualista. A teoria monista preconiza não ser aplicável a distinção das
nulidades (nulidade e anulabilidade) no Direito Administrativo, de forma que o ato é nulo ou é
válido.

Por outro lado, segundo a teoria dualista, os atos administrativos podem ser nulos ou
anuláveis, conforme a gravidade do vício. Assim, é possível que existam efeitos da nulidade
e da anulabilidade, sendo reconhecida a possibilidade de convalidação dos atos
anuláveis.

Quanto à capacidade para invalidar um ato administrativo, esta pode ser exercida pelo
Poder Judiciário, por meio do Mandado de Segurança (art., 5o, LXIX, da CF/88), Ação
Popular (art. 5o, LXIII, da CF/88), Ação Civil Pública (art. 129, III, da CF/88), pelo instituto da
Reclamação ao STF, bem como pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5 o, XXXV,
da CF/88) ou pela Própria Administração, por meio do poder-dever de autotutela.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 346 do STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios
atos.

Súmula n. 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo

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de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

Contudo, ainda que a Administração Pública exerça o seu poder-dever de autotutela, deverá
respeitar o contraditório e a ampla defesa, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

MS 25399: 1. recurso ordinário em mandado de segurança. 2. Direito Constitucional e


Comparado: CF 5o, LV e Anspruch auf rechtliches Gehör. 3. Procedimento administrativo e Lei
9.784/99. 4. Violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório configurada. 5.
Precedente: Agr.R RE 426.147. Não apreciado o mérito administrativo, senão faltas
procedimentais. 6. Recurso ordinário provido. (RMS 31661, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 10/12/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-086 DIVULG 7-5-2014
PUBLIC 8-5-2014). COMPETÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA – DEFINIÇÃO. Define-se a
competência para o julgamento do mandado de segurança a partir da autoridade ou órgão
apontado como coator. DECADÊNCIA – TERMO INICIAL – MANDADO DE SEGURANÇA. O
termo inicial do prazo decadencial relativo a mandado de segurança coincide com a data da
ciência do ato atacado. PROCESSO ADMINISTRATIVO – SITUAÇÃO CONSTITUÍDA –
INTERESSADO – AUDIÇÃO. Uma vez existente a situação jurídica constituída, cumpre ouvir o
respectivo beneficiário. (MS 25399, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado
em 15/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-229 DIVULG 20-11-2014 PUBLIC 21-11-2014).

Sobre esse julgado do STF, são pertinentes os comentários retirados do Blog Dizer o Direito:

A Administração Pública pode anular seus próprios atos quando estes forem
ilegais. No entanto, se a invalidação do ato administrativo repercute no campo
de interesses individuais, faz-se necessária a instauração de procedimento
administrativo que assegure o devido processo legal e a ampla defesa. Assim,
a prerrogativa de a Administração Pública controlar seus próprios atos não
dispensa a observância do contraditório e ampla defesa prévios em âmbito
administrativo (Dizer o Direito).

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Quanto ao prazo para a Administração Pública anular os atos que tenham produzido efeitos
favoráveis aos seus destinatários, dispõe a Lei n. 9.784/99:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que


decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos,
contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Uma interessante discussão recai sobre a seguinte questão: a anulação do ato inválido é um
dever ou uma faculdade da Administração Pública? Para alguns autores, como José dos
Santos Carvalho Filho, se um ato é inválido, a Administração tem o dever de o anular, tendo
em vista o princípio da legalidade.

Entretanto, há situações em que é necessário que a Administração mantenha o ato viciado,


seja em razão do decurso do tempo (com a ocorrência de prescrição ou decadência), seja
em razão da consolidação dos efeitos já produzidos pelo ato, seja porque as consequências
geradas pelo ato configuram uma situação fática de a sua manutenção atender mais ao
interesse público do que à sua invalidação. Essas situações configuram o que a doutrina
denomina de Teoria do Fato Consumado.

No que tange aos efeitos, como já salientado, a anulação do ato administrativo produz efeitos
ex tunc, isto é, retroativos.

Por fim, quanto à convalidação, os autores pertencentes à teoria dualista a conceituam como
uma forma de que a Administração Pública dispõe para aproveitar atos que possuem vícios
sanáveis, a fim de confirmá-los. Dessa maneira, a convalidação produzirá efeitos ex tunc
(retroativos). A convalidação pode ocorrer por meio de ratificação (convalidação de vícios
extrínsecos, como a competência e a forma), reforma (um novo ato suprime a parte inválida
do ato anterior, o qual mantém a parte válida) ou conversão (a parte inválida do ato é retirada
e substituída por uma nova parte).

5.8. Atos administrativos em espécie

Não há lei específica que trate das espécies de atos administrativos. Assim, para uma melhor
didática, foram elencadas as espécies de atos administrativos abordadas pela maioria dos
doutrinadores.

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5.8.1. Atos Normativos

Atos abstratos e gerais geram obrigações a um número indeterminado de pessoas.

a) Regulamento: ato privativo do Chefe do Poder Executivo (e, por simetria,


Governadores e Prefeitos), materializado por meio de Decreto. Subdivide-se em
regulamento executivo (editado para a fiel execução da lei) e regulamento
autônomo (substitui a lei, inovando no ordenamento jurídico). Essa temática foi
aprofundada no capítulo sobre Poderes Administrativos.

b) Aviso: ato expedido por órgãos auxiliares do Poder Executivo (Secretarias,


Ministérios) para dar ciência à sociedade sobre assuntos pertinentes àquele órgão.

c) Instrução Normativa: ato administrativo expedido por autoridades ou órgãos com


competência para a execução de decretos e regulamentos.

d) Regimento: ato administrativo que define normas internas para o regular


funcionamento de órgãos colegiados.

e) Deliberação: ato expedido por órgãos colegiados como representação da vontade


da maioria dos seus agentes.

f) Resolução: ato dos órgãos colegiados utilizados pelo Poder Judiciário, Poder
Legislativo e Agências Reguladoras para tratar de matérias de sua competência.

5.8.2. Atos ordinatórios

São os atos de organização interna, decorrentes do poder hierárquico.

a) Portaria: ato administrativo individual que determina ordens internas, estabelecendo


regras que geram direitos ou obrigações a indivíduos determinados.

b) Circular: ato expedido para estabelecer regras gerais à totalidade dos servidores
que estão subordinados a um órgão.

c) Ordem de Serviço: ato que tem por objetivo ordenar o serviço interno do órgão,
distribuindo entre os setores e servidores da entidade.

d) Despacho: ato utilizado para que as autoridades profiram decisões, finais ou


interlocutórias, sobre situações específicas em processo administrativo

67
e) Memorando: ato de comunicação interna do órgão, para o melhor exercício da
atividade pública.

f) Ofício: ato utilizado para a comunicação externa entre autoridades públicas ou entre
estas e os particulares, assim como é utilizado para dar informações ou fazer
solicitações.

5.8.3. Atos negociais

São atos utilizados pela Administração Pública para conceder direitos postulados pelos
particulares.

a) Autorização: existem duas espécies, a autorização para uso de bem público (ato
discricionário e precário, por meio do qual a Administração Pública autoriza o uso do
bem por um particular, no interesse exclusivo deste) e a autorização de polícia (ato
discricionário e precário por meio do qual a Administração Pública confere ao
particular o exercício de atividades que são fiscalizadas pelo Poder Público).

b) Permissão: ato discricionário e precário por meio do qual a Administração Pública


autoriza o uso do bem público pelo particular, concedida em razão do interesse
público. Deve ser precedida de licitação.

c) Licença: ato de polícia por meio do qual a Administração Pública permite a


realização e uma atividade que será fiscalizada pelo Poder Público. É um ato
vinculado, de forma que deverá ser concedido se o particular preencher todos os
requisitos previstos em lei.

d) Admissão: ato vinculado e unilateral por meio do qual a Administração Pública


permite que um particular usufrua de determinado serviço público prestado pelo
Estado (exemplo: admissão em escola pública).

e) Aprovação: ato administrativo discricionário por meio do qual é feito o controle da


atividade administrativa, analisando a legalidade e o mérito da conduta praticada.

f) Homologação: ato administrativo vinculado para controle apenas da legalidade


do ato anteriormente expedido pela Administração. Não há controle do mérito.

68
5.8.4. Atos enunciativos

São os atos que emitem opiniões e conclusões da Administração Pública.

a) Atestado: ato utilizado para comprovar uma ocorrência fática, por meio da
verificação de determinada situação de fato.

b) Certidão: ato por meio do qual a Administração Pública certifica determinado ato
já registrado no órgão.

c) Apostila ou Averbação: ato por meio do qual a Administração Pública adiciona


informações em um registro público.

d) Parecer: ato por meio do qual o órgão consultivo da Administração Pública emite
opinião acerca de assunto de sua competência. O parecer pode ser facultativo,
obrigatório ou vinculado.

O parecer facultativo é aquele que a autoridade solicita se quiser e o acata se desejar.


Não produz efeitos jurídicos. O administrador pode discordar da conclusão exposta pelo
parecer, desde que o faça fundamentadamente. Em regra, não há responsabilidade do
parecerista, exceto se atuar com culpa ou erro grosseiro.

O parecer obrigatório é aquele que a lei obriga a autoridade a solicitar, mas esta não é
obrigada a acatá-lo. A discordância do parecer deve ser fundamentada. Quem responde é a
autoridade que praticou o ato, exceto se o parecerista proceder com culpa ou erro grosseiro.

O parecer vinculado é aquele que a lei obriga a autoridade a solicitar, bem como a obriga
a acatá-lo. Nesse caso, o parecerista responde solidariamente com o administrador, não
sendo necessário demonstrar culpa ou erro grosseiro.

69
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

MS 27867: EMENTA Agravo regimental em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União.


Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Não ocorrência. Independência entre
a atuação do TCU e a apuração em processo administrativo disciplinar. Responsabilização do
advogado público por parecer opinativo. Presença de culpa ou erro grosseiro. Matéria
controvertida. Necessidade de dilação probatória. Agravo regimental não provido. 1. Ausência de
violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A Corte de Contas providenciou a
notificação do impetrante assim que tomou conhecimento de seu envolvimento nas irregularidades
apontadas, concedendo-lhe tempo hábil para defesa e deferindo-lhe, inclusive, o pedido de dilação
de prazo. O TCU, no acórdão impugnado, analisou os fundamentos apresentados pela defesa,
não restando demonstrada a falta de fundamentação. 2. O Tribunal de Contas da União, em sede
de tomada de contas especial, não se vincula ao resultado de processo administrativo disciplinar.
Independência entre as instâncias e os objetos sobre os quais se debruçam as respectivas
acusações nos âmbitos disciplinar e de apuração de responsabilidade por dano ao erário.
Precedente. Apenas um detalhado exame dos dois processos poderia confirmar a similitude entre
os fatos que são imputados ao impetrante. 3. Esta Suprema Corte firmou o entendimento de
que “salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias
administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do
advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa” (MS
24.631/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1o/2/08). Divergências entre as alegações do
agravante e as da autoridade coatora. Enquanto o impetrante alega que a sua condenação
decorreu exclusivamente de manifestação como Chefe da Procuradoria Distrital do DNER em
processo administrativo que veiculava proposta de acordo extrajudicial, a autoridade coatora
informa que sua condenação não se fundou apenas na emissão do dito parecer, mas em diversas
condutas, comissivas e omissivas, que contribuíram para o pagamento de acordos extrajudiciais
prejudiciais à União e sem respaldo legal. Divergências que demandariam profunda análise fático-
probatória. 4. Agravo regimental não provido. (MS 27867 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI,
Primeira Turma, julgado em 18/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 3-10-2012
PUBLIC 4-10-2012) (grifos acrescidos).

70
5.8.5. Atos punitivos

Atos administrativos por meio dos quais a Administração Pública aplica sanções aos
servidores públicos, em razão do Poder Disciplinar, ou aos particulares em geral, em razão do
Poder de Polícia.

Os atos punitivos devem ser precedidos de regular processo administrativo, em que


sejam garantidos os princípios do contraditório e da ampla defesa.

71
Mapa Mental

Atos
Administrativos

Fases de
Requisitos Constituição do Ato Atributos
Administrativo

Presunção de
Competência Perfeição
Veracidade e
Legitimidade

Forma Validade Imperatividade

Motivo Eficácia Autoexecutoriedade

Objeto Tipicidade

Finalidade

72
Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
______. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas,
2018.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Necessidade de garantir contraditório e ampla defesa
para se realizar a autotutela. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/48aedb8880cab8c45637a
bc7493ecddd>. Acesso em: 18 nov. 2019.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. rev., atual e ampl. Rio de
Janeiro: Grupo GEN, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

73
6. Processo Administrativo: Lei n. 9.784/99
Muitos autores afirmam que, a partir da década de 1990, houve uma mudança de perfil da
Administração Pública, a qual deixou de ser burocrática para tornar-se uma Administração
Pública gerencial, isto é, de resultados.

Da mesma forma, afirma-se que a Administração Pública impositiva (imperativa), cuja atuação
baseava-se apenas na expedição de atos unilaterais, deu lugar à Administração Pública
consensual, participativa, democrática, havendo, assim, maior participação dos administrados
na atuação estatal, fator que promoveu a processualização das ações do Estado.

Assim, atualmente, o Estado cada vez mais busca adotar uma atuação processualizada, de
forma que a decisão administrativa se dará no âmbito do processo administrativo (série
encadeada de atos para a formação de uma decisão final), o que proporciona maior garantia
ao administrado, vez que possibilitada a defesa de seus direitos em casos de restrição.

Com efeito, o processo administrativo permite a participação de indivíduos na formulação da


decisão administrativa, tornando-a mais legítima.

6.1. Início e interessados no processo administrativo. delegação e


avocação de competências

O processo administrativo conceitua-se como a relação jurídica que envolve uma sucessão
dinâmica e encadeada de atos instrumentais e sucessivos para a obtenção da decisão
administrativa.

A competência normativa para a elaboração do processo administrativo, segundo a maioria


da doutrina, é de todos os entes federados. Assim, cada ente federativo (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios) tem competência para elaborar sua própria legislação referente
ao processo administrativo. Em âmbito federal, a União editou a Lei n. 9.784/99.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou vários precedentes aplicando a Lei
Federal n. 9.784/99, por analogia, aos entes que não têm a própria lei de processo
administrativo. É o caso, por exemplo, da aplicação supletiva do art. 54 da Lei n. 9.784/99,
que dispõe sobre o prazo para a Administração Pública anular um ato ilegal, aos Estados e
Municípios. Tais precedentes deram origem à recente Súmula n. 633 do STJ.

74
STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 633 do STJ: A Lei n. 9.784/99, especialmente no que diz respeito ao prazo
decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública
Federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente
norma local e específica que regule a matéria.

Em relação aos interessados, a Lei n. 9.784/99, em seu art. 9o, assim estabelece:

Art. 9o São legitimados como interessados no processo administrativo:


I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou
interesses individuais ou no exercício do direito de representação;
II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que
possam ser afetados pela decisão a ser adotada;
III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e
interesses coletivos;
IV – as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos
ou interesses difusos.

Como se vê, a participação no processo administrativo como interessado é ampla, incluindo


não só os titulares de direitos ou interesses individuais (ou seus representantes) como também
aqueles que podem ser afetados pela decisão administrativa, bem como as pessoas jurídicas
elencadas acima.

Delegação e Avocação de competências

Como já abordado no capítulo referente aos atos administrativos, a competência é um


elemento irrenunciável do ato administrativo. Entretanto, a lei admite a delegação e
avocação de competências, de forma excepcional e temporária, nos termos do art. 11, da
Lei n. 9.784/99. Veja-se: “Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos
administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação
legalmente admitidos”.

A delegação consiste na extensão da competência de um agente administrativo competente


para outro que esteja na mesma hierarquia ou em hierarquia inferior, tendo em vista razões

75
de ordem técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Eis o teor do dispositivo da Lei n.
9.784/99, que trata da delegação de competências:

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento
legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes
não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de
circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de
competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.

Importante destacar que, para ser válido, o ato de delegação deve definir, de forma
expressa e restrita, a matéria a ser delegada e o tempo de duração da delegação. Além
disso, a delegação é ato discricionário, podendo ser revogada a qualquer tempo.

A Lei n. 9.784/99 determina, ainda, no art. 4, § 3 o, que as decisões adotadas por delegação
devem mencionar explicitamente essa qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Em razão disso, foi editada a Súmula 510 do STF.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 510 do STF: Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência


delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Por fim, quanto à delegação, a Lei n. 9.784/99 a proíbe nas situações seguintes:

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:


I – a edição de atos de caráter normativo;
II – a decisão de recursos administrativos;
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

A avocação de competências está prevista no art. 15 da Lei n. 9.784/99: “Art. 15. Será
permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a
avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior”.

76
Assim, em certas situações, devidamente justificadas, é possível que o agente administrativo
tome para si, por tempo determinado, a competência inicialmente conferida a um agente
subordinado.

6.2. Direitos e deveres dos administrados

Os direitos e deveres dos administrados estão expressamente previstos na Lei n. 9.784/99.

Quanto aos direitos, determina:

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem


prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I – ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão
facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a
condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles
contidos e conhecer as decisões proferidas;
III – formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais
serão objeto de consideração pelo órgão competente;
IV – fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória
a representação, por força de lei.

Como se observa, a lei traz a expressão “sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados”,
o que indica que o rol de direitos previstos no art. 3 o da Lei n. 9.784/99 é meramente
exemplificativo.

Do inciso IV se extrai que a assistência de advogado é facultativa, ao contrário do que ocorre,


em regra, nos processos judiciais. Nesse sentido, foi editada a Súmula Vinculante n. 5.

STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 5 do STF: A falta de defesa técnica por advogado no processo


administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

Por sua vez, os deveres dos administrados estão elencados no art. 4o da Lei n. 9.784/99:

Art. 4o São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de


outros previstos em ato normativo:
I – expor os fatos conforme a verdade;
II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

77
III – não agir de modo temerário;
IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o
esclarecimento dos fatos.

Da mesma forma, o rol dos deveres dos administrados é meramente exemplificativo, ante a
expressão “sem prejuízo de outros previstos em ato normativo”, contida no caput.

6.3. Princípios e fases do processo administrativo

Os princípios previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, quais sejam, legalidade,


impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, por serem princípios gerais do direito
administrativo, se aplicam ao processo administrativo.

Em relação aos princípios, estabelece o art. 2º da Lei n. 9.784/99:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público
e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de
poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção
pessoal de agentes ou autoridades;
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas na Constituição;
VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,
restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público;
VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a
decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de
certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais,
à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que
possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas
em lei;
XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação
dos interessados;

78
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação.

Não há um rol exaustivo dos princípios que se aplicam ao processo administrativo. Assim,
neste tópico serão destacados os princípios aplicáveis ao processo administrativo e os
princípios mais importantes consagrados no art. 2 o e demais dispositivos da Lei n. 9.784/99.

Os princípios do contraditório e da ampla defesa decorrem do princípio do devido processo


legal, disposto no art. 5o, LVI, da Carta Magna.

A aplicação desses princípios traduz a garantia de que o particular terá conhecimento dos atos
processuais, bem como a oportunidade de se manifestar e se defender efetivamente. Em
outras palavras, é a garantia da verdadeira informação e participação do interessado na
tramitação do procedimento, sendo-lhe oportunizado interagir de forma efetiva e capaz de
influenciar nas decisões da autoridade julgadora.

O princípio da oficialidade está previsto no inciso XII, do art. 2o, bem como no art. 5o da Lei
n. 9.784/99 (“Art. 5o: o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de
interessado”). Esse princípio estabelece que o processo administrativo pode ser instaurado
de ofício. Aqui se verifica uma diferença entre o processo administrativo e o processo judicial,
uma vez que neste vigora o princípio da inércia da jurisdição, de forma que só há instauração
do processo judicial se houver provocação (por meio da petição inicial).

Princípio do informalismo (formalismo moderado). O art. 22 da Lei n. 9.784/99 estabelece


o princípio da liberdade das formas: “Art. 22. Os atos do processo administrativo não
dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”.

Contudo, esse informalismo não é absoluto, tendo em vista que os parágrafos do art. 22
trazem determinadas formalidades que devem ser observadas, como a necessidade de que
os atos sejam produzidos por escrito e em vernáculo, por exemplo.

O princípio da verdade real ou material significa que, no âmbito do processo administrativo,


para que a decisão seja realmente justa, não se pode ter apego somente às informações e
documentos que o administrado apresenta no curso do procedimento. Dessa forma, a ideia
da busca da verdade real/material justifica a prerrogativa da Administração Pública instaurar
de ofício o processo administrativo e, também de ofício, buscar provas para a exata
compreensão dos fatos. Assim, se, por exemplo, o interessado requer apenas prova

79
testemunhal, a Administração Pública pode determinar a produção de prova documental, caso
entenda ser esta essencial à obtenção da verdade real.

O princípio da publicidade, previsto no art. 37 da CF/88, também está expresso no art. 2o, V,
da Lei n. 9.784/99: “V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses
de sigilo previstas na Constituição”. Assim, o princípio da publicidade exige transparência da
atuação administrativa.

O princípio da proporcionalidade exige a atuação equilibrada da Administração Pública, a


fim de impedir que os agentes públicos atuem de forma inadequada e desproporcional, diante
das circunstâncias ensejadoras da prática do ato, bem como determina que estes devem levar
em consideração as suas consequências. Dessa forma, com a aplicação do princípio da
proporcionalidade, a conduta do agente administrativo que extrapole o necessário ao
atendimento do objetivo da norma que determina a prática do ato afigura-se ilegal. Conforme
a doutrina, o princípio da proporcionalidade engloba três subprincípios, quais sejam:
adequação (o ato deve ser adequado para alcançar o resultado desejado), necessidade
(existindo mais de uma forma de atuar, a administração deve optar pela prática do ato menos
gravoso aos direitos dos cidadãos) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação entre
o ônus e bônus da atuação estatal).

O princípio da razoabilidade é comumente associado ao princípio da proporcionalidade.


Traduz a ideia de bom senso e coerência do administrador público ao praticar o ato. Nesse
sentido, são vedadas condutas que sejam abusivas, não imoderadas e incoerentes.

O princípio da duração razoável do processo tem ligação com o princípio da eficiência. Está
previsto no art. 5o, LXXVIII, da CF/88, e estabelece: “A todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”.

No âmbito da Lei n. 9.784/99, pode-se perceber a manifestação do princípio da duração


razoável do processo no art. 49, que dispõe: “Concluída a instrução de processo
administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação
por igual período expressamente motivada”.

Vê-se, portanto, a estipulação de prazo razoável para que o processo administrativo seja
decidido.

80
Princípio da motivação. A motivação é a exteriorização do motivo, isto é, consiste em
expressar, por escrito, o motivo, exteriorizando-o.

Há divergência doutrinária sobre a obrigatoriedade ou não de motivação de todos os atos da


Administração Pública. Uma primeira corrente, seguida por Celso Antônio Bandeira de Mello,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Rafael Oliveira, entende que todos os atos administrativos
devem ser motivados. Já o autor José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, entende que
só devem ser motivados os atos administrativos para os quais a lei exige a motivação.

No contexto do processo administrativo, no art. 2o, parágrafo único, inciso VII, está prevista a
necessidade de “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”.
Ademais, há um capítulo específico destinado à motivação, estabelecendo o art. 50, da Lei n.
9.784/99 o seguinte:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos
fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem
de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em
declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,
informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante
do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio
mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não
prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de
decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

No processo administrativo vigora o princípio da gratuidade. Ao contrário do processo


judicial, que é oneroso (ressalvados os casos de gratuidade de justiça), no processo
administrativo a regra é a gratuidade, conforme art. 2o, parágrafo único, XI, da Lei n. 9.784/99:
“XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei”.

81
STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de


dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 373 do STJ: É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de


recurso administrativo.

Outro princípio aplicável ao processo administrativo é o princípio da segurança jurídica,


que, em sua vertente objetiva, significa que as relações jurídicas devem ser estabilizadas,
deve haver segurança, respeito à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito. Em sua vertente
subjetiva, significa que o Estado deve atuar de forma coerente, em observância aos princípios
da proteção à confiança e à boa-fé, não podendo atuar de maneira a surpreender os
administrados. Consagrando esses princípios, são as disposições do art. 2 caput, parágrafo
único, incisos IV e XIII e art. 54 da Lei nº 9.784/99:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público
e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre
outros, os critérios de:
(...)
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
(...)
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o
atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação.

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que


decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos,
contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

O princípio da participação diz respeito à possibilidade de os particulares participarem


ativamente do processo administrativo, por meio de audiências públicas e consultas públicas,

82
conferindo, assim, maior legitimidade ao processo administrativo. Essa participação está
prevista no art. 31 da Lei n. 9.784/99:

Art. 31. Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o


órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de
consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido,
se não houver prejuízo para a parte interessada.
§ 1o A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios
oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos,
fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas.
§ 2o O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de
interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração
resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações
substancialmente iguais.

Fases do processo administrativo

O processo administrativo possui três principais fases: introdutória, instrutória e decisória.

a) fase introdutória ou inicial: é a fase da instauração do processo administrativo que,


conforme visto, poderá ocorrer de ofício, tendo em vista o princípio da oficialidade.
Nesse aspecto, é importante destacar que, atualmente, a jurisprudência dos tribunais
superiores admite a possibilidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar
(PAD) por denúncia anônima.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 611 do STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou
sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em
denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

b) fase preparatória ou instrutória: é a fase destinada à produção dos elementos de


prova, oitiva de testemunhas, provas documentais, periciais etc. Como já se
mencionou, no processo administrativo vigora o princípio da verdade real ou material,
segundo o qual a Administração Pública pode, de ofício, buscar novas provas, atuando
de forma proativa.

83
c) fase decisória ou de julgamento: é a fase que põe fim ao processo, por meio da
prolação da decisão final. Os arts. 48 e 49 da Lei n. 9.784/99, sobre a fase decisória,
assim estipulam:

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos


processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de
sua competência.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem


o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período
expressamente motivada.

6.4. Recursos administrativos no processo administrativo

Recurso administrativo é o meio formal de impugnação das decisões administrativas. O termo


“recurso administrativo” é utilizado de maneira ampla, para abranger qualquer espécie de
impugnação.

O art. 56 da Lei n. 9.784/99 dispõe sobre a interposição de recursos:

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de


legalidade e de mérito.
§ 1o O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não
a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.
§ 2o Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe
de caução.
§ 3o Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado
da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se
não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade
superior, as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme
o caso.

São espécies de recursos administrativos:

a) recurso hierárquico próprio: é o recurso interposto em uma relação hierarquizada.


Importante relembrar que só existe hierarquia dentro de uma mesma pessoa jurídica,
não existindo, portanto, hierarquia entre pessoas jurídicas diversas. O recurso
hierárquico próprio é interposto no âmbito da própria pessoa jurídica que proferiu a
decisão recorrida. A possibilidade de sua interposição independe de previsão legal
expressa, pois é uma decorrência natural da hierarquia, porquanto a autoridade
superior sempre pode rever o ato praticado por seu subordinado;

84
b) recurso hierárquico impróprio: é o recurso interposto para fora da pessoa jurídica
que proferiu a decisão recorrida. Esse recurso será dirigido a uma outra pessoa jurídica.
Nesse caso, conforme o entendimento do STJ e da doutrina majoritária, só cabe o
recurso se houver previsão legal, pois não é natural a interferência de uma pessoa
jurídica em outra, haja vista que cada uma possui autonomia;

c) pedido de reconsideração: é o recurso direcionado à própria autoridade que


proferiu a decisão, para que esta possa exercer o juízo de retratação, caso assim
entenda;

d) revisão: é a forma de impugnação contra decisão que foi tomada no processo


administrativo, contra a qual não cabe mais recurso, desde que o pedido de revisão
seja acompanhado de fatos novos, de novas circunstâncias ou de novas provas que
justifiquem a revisão de um processo que já foi decidido pela Administração Pública. A
revisão está prevista no art. 65 da Lei n. 9.784/99:

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser


revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos
ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada.

Legitimidade recursal: está prevista no art. 58 da Lei n. 9.784/99:

Art. 58. Têm legitimidade para interpor recurso administrativo:


I – os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;
II – aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela
decisão recorrida;
III – as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e
interesses coletivos;
IV – os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

Como se verifica, não só a parte pode interpor recurso administrativo, como também os
demais interessados.

Quanto ao prazo para a interposição do recurso, o art. 59 estabelece que será de 10 dias,
contados a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

Em relação aos efeitos, em regra, o recurso administrativo possui apenas efeito devolutivo.
Contudo, o parágrafo único do art. 61 permite a atribuição de efeito suspensivo em
determinadas situações. Veja-se:

85
Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito
suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta
reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente
superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

Recurso em sentido estrito e reformatio in pejus

A reformatio in pejus significa o agravamento da situação do recorrente na decisão sobre o


recurso interposto.

Sobre a possibilidade de reformatio in pejus no processo administrativo, existem diferentes


entendimentos doutrinários; contudo, a posição consagrada pela Lei n. 9.784/99 é no sentido
de que pode haver a reformatio in pejus, de forma a agravar a situação do recorrido,
conforme previsão do art. 64, parágrafo único:

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar,
anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for
de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer
gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule
suas alegações antes da decisão.

Por fim, não se pode confundir a sistemática da reformatio in pejus, aplicável ao recurso em
sentido estrito, com o regramento conferido à revisão. Isso porque, diferentemente, na revisão
não pode haver agravamento da situação do recorrente, nos termos do art. 65, parágrafo
único, da Lei n. 9.784/99:

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser


revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos
ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção
aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da
sanção.

6.5. Inquérito administrativo – Processo Administrativo Disciplinar (PAD)

O Processo Administrativo Disciplinar é o principal instrumento jurídico para formalizar a


investigação e a punição dos agentes públicos e demais administrados que, sujeitos à
disciplina especial administrativa, cometeram infrações à ordem jurídica.

86
Todavia, o Processo Administrativo Disciplinar aplica-se não somente aos servidores públicos,
podendo também ser utilizado para aplicar sanção a particulares com vínculo especial
com a Administração Pública, como nos casos de particulares que celebram contratos
administrativos.

Cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pode editar suas normas
próprias sobre o processo administrativo disciplinar.

Em âmbito federal, a União editou a Lei n. 8.112/90, que prevê, dentre outras matérias, o rito
para apuração de faltas disciplinares e aplicação de sanção.

No que tange à distinção entre sindicância, inquérito e PAD, não há consenso na doutrina.
A maioria dos autores entende que a sindicância é um processo preliminar, no qual não há
possibilidade de aplicação de sanção, pois serve apenas para a coleta de provas. Por esse
motivo, não é necessária a observância do contraditório ou da ampla defesa. Contudo,
se da sindicância decorrer aplicação de sanção, nesse caso deverão ser garantidos o
contraditório e a ampla defesa.

O Inquérito é a segunda fase do Processo Administrativo Disciplinar, tratando-se da fase


instrutória, na qual devem ser observados o contraditório e a ampla defesa. Segundo
Matheus Carvalho:

O inquérito administrativo é a segunda fase do Processo Administrativo


Disciplinar, que abarca toda a realização do procedimento em respeito ao
contraditório e à ampla defesa. O inquérito se divide em três momentos
diferentes, quais sejam, a instrução probatória, citação do acusado com
abertura de prazo e oportunização de defesa, bem como a elaboração do
relatório pela comissão do processo (CARVALHO, 2017, p. 1153).

Quanto à fase probatória, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça admite a prova
emprestada no Processo Administrativo Disciplinar, conforme a recente Súmula n. 591.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 591 do STJ: É permitida a “prova emprestada” no processo administrativo disciplinar,


desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla
defesa.

87
Assim, o trâmite do Processo Administrativo Disciplinar pode ser sintetizado da seguinte
forma:

A autoridade responsável instaura o PAD e institui uma comissão composta por 3 (três)
servidores e um presidente, que deverá ter nível de escolaridade igual ou superior ao
do processado.

Em seguida, o servidor é intimado para apresentar defesa.

Posteriormente, são analisadas as provas produzidas e a comissão processante


elabora um relatório/parecer final, que deverá ser apresentado à autoridade que
instaurou o PAD para que esta possa, então, decidir a questão.

É importante destacar que o parecer da comissão é apenas opinativo e não vincula a


autoridade competente para aplicar a penalidade.

Sobre a nulidade no Processo Administrativo Disciplinar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ)


possui o entendimento de que somente será declarada a nulidade se for demonstrado prejuízo
(princípio do pas nullité sans grief).

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

AgInt no RMS 53.758/PR: A nulidade do processo administrativo disciplinar somente deve ser
declarada quando houver efetiva demonstração de prejuízo sofrido pela defesa do servidor. STJ.
2a Turma. AgInt no RMS 53.758/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10/10/2017.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 592 do STJ: O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo


disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

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Após a fase instrutória do PAD, será proferida decisão pela autoridade competente. Sendo
aplicada a penalidade, esta poderá ser executada imediatamente, ainda que haja recurso
por parte do servidor, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

MS 19.488/DF: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA


INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. TÉCNICO DE ASSUNTOS EDUCACIONAIS DO
MINISTÉRIO DA SAÚDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA. ARTS. 127, IV, 132, IV E 134, DA LEI 8.112/1990. USO DE DOCUMENTO
FALSO. DIPLOMA DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA. CUMPRIMENTO IMEDIATO DA
PENALIDADE IMPOSTA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ALEGADA AUSÊNCIA DE
DOCUMENTOS. NÃO COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA DISCIPLINAR. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA.
1. Pretende a impetrante, ex-Técnica de Assuntos Educacionais do Quadro de Pessoal do Ministério
da Saúde, a concessão da segurança para anular a Portaria Ministerial que cassou sua aposentadoria,
frente à ilegal interrupção do pagamento de seus proventos antes do trânsito em julgado da decisão
administrativa, a ocorrência de violação dos princípios do contraditório e da ampla diante da ausência
de documentos essenciais nos autos do PAD e a prescrição da pretensão punitiva disciplinar.
2. Não há ilegalidade no cumprimento imediato da penalidade imposta a servidor público logo
após o julgamento do PAD e antes do decurso do prazo para o recurso administrativo, tendo
em vista o atributo de autoexecutoriedade que rege os atos administrativos e que o recurso
administrativo, em regra, carece de efeito suspensivo (ex vi do art. 109 da Lei 8.112/1990).
Precedentes: MS 14.450/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Terceira Seção, julgado em 26/11/2014,
DJe 19/12/2014; MS 14.425/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, julgado em 24/9/2014,
DJe 01/10/2014; MS 10.759/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em
10/5/2006, DJ 22/5/2006.

3. Não merece acolhida a alegação da impetrante no sentido de que a ausência de documentos


indispensáveis nos autos do PAD teria prejudicado o exercício do seu direito de defesa, isto porque tal
questão sequer foi invocada pela impetrante na defesa apresentada no PAD, evidenciando-se que os
documentos acostados aos autos do PAD eram mais que suficientes para a sua defesa.

89
4. O reconhecimento de nulidade no Processo Administrativo Disciplinar pressupõe a efetiva e
suficiente comprovação do prejuízo ao direito da defesa, por força do princípio pas de nullité sans grief,
o que não evidenciada na espécie, porquanto as alegações da impetrante são destituídas de
elementos de prova a evidenciar a indispensabilidade e importância dos documentos em questão.
5. O termo inicial da prescrição da pretensão punitiva disciplinar estatal é a data do conhecimento do
fato pela autoridade competente para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1o, da
Lei 8.112/1990), a qual interrompe-se com a publicação do primeiro ato instauratório válido, seja a
abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar (art. 142, § 3o, da Lei 8.112/1990).
Esta interrupção não é definitiva, visto que, após o prazo de 140 dias (prazo máximo para conclusão
e julgamento do PAD a partir de sua instauração (art. 152 c/c art. 167)), o prazo prescricional recomeça
a correr por inteiro (art. 142, § 4o, da Lei 8.112/1990).
6. No caso em análise, a infração disciplinar tornou-se conhecida pela Administração Pública em 2006,
hipótese que em 8 de julho de 2008 foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar a ensejar a
interrupção da contagem do prazo prescricional, que se reiniciou após 140 dias, ou seja, em 25 de
novembro de 2008, sendo que a demissão da impetrante poderia ter ocorrido até 25 de novembro de
2013. Assim não há como acolher a alegação da prescrição na medida em que a Portaria que cassou
a aposentadoria da impetrante foi publicada em 26 de setembro de 2012, dentro do prazo legal.
7. Segurança denegada. (MS 19.488/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção,
julgado em 25/3/2015, DJe 31/3/2015).

Em relação à repercussão da sentença penal no PAD, é importante destacar que um


servidor pode, ao mesmo tempo, responder ao Processo Administrativo Disciplinar e a um
processo criminal, em razão da regra da independência das instâncias Administrativa e
Penal.

Contudo, há situações em que a decisão de um processo pode impactar no outro. Nesse


sentido, se o servidor comete uma infração disciplinar que também é crime, tratando-se, pois,
de crime funcional e o servidor é condenado à pena privativa de liberdade igual ou superior a
um ano, essa decisão vai gerar a perda do cargo, nos termos do art. 92, I, “a” do Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação:


I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a
um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para
com a Administração Pública.

90
Caso o servidor público seja absolvido em relação a esse crime funcional, por falta de provas
no processo penal, ele ainda poderá ser condenado na esfera administrativa (é o chamado
resíduo administrativo).

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 18 do STF: Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal,
é admissível a punição administrativa do servidor público.

Entretanto, se o servidor público for absolvido por negativa de autoria ou inexistência do


fato, deverá ser, obrigatoriamente, absolvido na esfera administrativa, conforme art. 126 da
Lei n. 8,112/90: “Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso
de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria”.

Tratando-se do cometimento de um crime não funcional, isto é, sem relação com a função
pública, e a condenação consistir em pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro
anos, o servidor poderá, como efeito reflexo, perder o cargo.

Por fim, se o servidor for absolvido por um crime não funcional, não será, em princípio,
sancionado na esfera administrativa.

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Mapa Mental

Processo
Administrativo

Fases do
Princípios Processo Recursos
Administrativo

Oficialidade Introdutória Recurso


Hierárquico Próprio

Informalismo Instrutória Recurso Hierárquico


Impróprio

Verdade Real Decisória Pedido de


Reconsideração

Motivação Revisão

Gratuidade

Participação

92
Referências Bibliográficas

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. rev., atual e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

93
7. Licitações, Lei n. 8.666/93 e Lei n. 14.133/2021
Para que a Administração Pública celebre seus contratos, a Constituição Federal impõe, como
regra, a exigência de realização prévia de procedimento licitatório.

Essa exigência tem como fundamento os princípios da impessoalidade, isonomia e


moralidade, para que se possibilite uma ampla participação dos interessados, permitindo-se,
assim, que a Administração Pública escolha a proposta mais vantajosa.

É importante ressaltar que estamos no momento de transição entre a Lei n. 8.666/93 e a Lei
14.133/2021, que modernizou o procedimento licitatório no Brasil. Ambas as leis encontram-
se vigentes, podendo o órgão público escolher o rito que sua licitação seguirá. Esta faculdade
se estenderá até 01º de Abril de 2023, quando a antiga lei perderá sua vigência.

7.1. Conceito, competência legislativa, sujeitos e finalidade

Conceito: a licitação é o procedimento administrativo utilizado pela Administração Pública e


pelas demais pessoas indicadas pela lei com o objetivo de selecionar a melhor proposta, por
meio de critérios objetivos e impessoais, para a celebração de contratos administrativos. Por
ser um processo, envolve uma série encadeada de atos até se chegar a um resultado final,
qual seja, a seleção da proposta mais vantajosa.

Competência Legislativa: a competência legislativa para editar normas gerais sobre


licitações é privativa da União, nos termos do art. 22, XXVII, da CF/88. Assim, a União edita
normas gerais, isto é, que concretizam princípios, que tratam da obrigatoriedade ou não de
licitar, que tratam de procedimento licitatório e de sanções, por exemplo. Essa competência
privativa foi exercida com a edição das Lei n. 8.666/93 e, posteriormente, pela Lei n.
14.133/2021. Contudo, os demais entes federados poderão suplementar a legislação federal.

Segundo o entendimento do STJ e de parte da doutrina, existem algumas normas na Lei n.


8.666/96 que não são gerais, mas específicas, vinculando apenas a União. É o caso do art.
17, I e II, por exemplo. Por tais razões, entende-se que a Lei n. 8.666/93 possui caráter duplo,
por ser lei nacional em relação aos dispositivos gerais (que vinculam todos os entes) e lei
federal em relação aos dispositivos específicos (que vinculam apenas a União).

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Sujeitos: estão sujeitos à licitação todas as entidades e os órgãos públicos que pertencem
aos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como os fundos
especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de
economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 1 o, parágrafo único da Lei n. 8.666/93 e do
art. 1º da Lei n. 14.133/2021.

Finalidade: a licitação tem como finalidade promover a isonomia das contratações públicas,
bem como viabilizar a contratação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
Contudo, a ideia de “vantajosidade” não se exaure apenas em critérios econômicos. Deve-se
observar a função regulatória da licitação, isto é, a licitação deve ser utilizada para alcançar
objetivos não só econômicos. Citem-se como exemplo os relativos à sustentabilidade
ambiental e social, promoção do mercado interno, dentre outros. Nota-se, atualmente, uma
forte tendência às chamadas “licitações verdes” e “contratações verdes”, as quais possuem
uma proposta voltada à preservação ambiental.

7.2 Princípios das licitações

O procedimento licitatório deve observar os princípios constitucionais, previstos no art. 37 da


CF/88 (legalidade, isonomia, moralidade, publicidade e eficiência), bem como os princípios
específicos, dispostos nas legislações específicas.

Princípio da competitividade: está previsto tanto no art. 3, § 1o, da Lei n. 8.666/93, quanto
no art. 5º da Lei n. 14.133/2021. Este princípio parte do pressuposto de que, quanto maior a
competição, maiores as chances de o Poder Público obter uma proposta mais vantajosa. Em
razão do princípio da competitividade, o TCU já invalidou uma licitação cujo edital restringia a
participação somente às empresas que não tivessem litígio contra a Administração Pública.

Princípio da isonomia: informa que o Poder Público deve dispensar tratamento igualitário
entre os licitantes durante o procedimento licitatório. Contudo, é possível estabelecer
tratamento diferenciado em determinadas situações se esse tratamento for proporcional. Isso
está em consonância com a igualdade material. Cite-se, como exemplo, a margem de
preferência para empresas que têm empregados portadores de deficiência ou para as
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

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Princípio da vinculação ao instrumento convocatório: está contido tanto no art. 41 da Lei
n. 8.666/93 quanto na Lei n. 14.133/2021 e estabelece que a Administração Pública não pode
descumprir as normas previstas no edital.

Princípio do procedimento formal: informa que o trâmite da licitação é estabelecido no


edital. Há um rito definido que deve ser observado, como a apresentação de documentos e
demais exigências. Mas o formalismo não é absoluto; trata-se, pois, de formalismo moderado,
de maneira que um ato que não observe estritamente a forma prevista no edital, se não afetar
a competição, não deve ser anulado, salvo se demonstrado o prejuízo.

Princípio do julgamento objetivo: está disposto no art. 45 da Lei n. 8.666/93 e informa que
o Poder Público somente poderá adotar um dos critérios que vêm definidos na legislação,
quais sejam: menor preço, maior lance, melhor técnica ou técnica e preço. Não se admite,
portanto, a utilização de outros critérios.

Princípio do sigilo das propostas: embora a licitação seja pública, certo é que as propostas
apresentadas pelos licitantes são sigilosas até a abertura dos envelopes, em sessão pública.
Isso ocorre para que não haja privilégio de alguns licitantes em detrimento de outros,
preservando-se o princípio da isonomia.

7.3. Objeto e obrigatoriedade das licitações

O objeto da licitação subdivide-se em objeto imediato e mediato. O objeto imediato consiste


na seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. O objeto mediato, por
sua vez, consiste na contratação de determinada obra, serviço, compra, alienação, locação
ou prestação de um serviço público.

No que se refere à obrigatoriedade da licitação, estabelece o art. 37, XXI, da CF/88:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,


compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação
pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento
das obrigações.

96
Como se vê, a Constituição Federal dispõe que, em regra, as contratações da Administração
Pública devem ser precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos em lei.
Regulamentando esse dispositivo constitucional, foram editadas as Leis n. 8.666/93 e n.
14.133/2021, que estabeleceram as regras gerais de licitações e contratos e elencam algumas
situações em que o procedimento licitatório não será obrigatório. Tais situações, estudadas
em tópico específico, consistem na chamada contratação direta, que abrange a licitação
dispensada, dispensável e inexigível.

7.4. Contratação direta

Conforme já ressaltado no tópico 7.3., a Lei n. 8.666/93 prevê hipóteses em que a


Administração Pública não está obrigada a realizar procedimento licitatório, podendo, assim,
contratar diretamente, por meio da licitação dispensada, dispensável ou por inexigibilidade de
licitação. A Lei 14.133/2021 também contemplou a possibilidade da administração efetuar
contratações diretamente conforme regulamenta seus artigos 72 e 73.

Licitação Dispensada

Esta hipótese é prevista tanto no art. 17 da Lei n. 8.666/93, quanto no art. 76 da Lei n.
14.133/2021, e se refere à alienação dos bens dominicais da Administração Pública. Como
regra geral, uma das exigências para a alienação desses bens é a realização de um
procedimento prévio de licitação; contudo, as legislações estabelecem as situações em que a
licitação estará dispensada. Nesses casos, o Poder Público não precisará licitar e poderá
alienar os bens diretamente a terceiros.

Importante destacar que o rol de hipóteses de licitação dispensada é taxativo. Isso porque a
Constituição Federal traz a regra (obrigatoriedade de licitação) e ressalva apenas as hipóteses
previstas em lei.

Outra característica importante é que a atuação do agente público, nas hipóteses de licitação
dispensada, é vinculada, segundo a doutrina majoritária, porque o legislador, ao redigir o
texto da lei, já decidiu que a licitação seria dispensada, eis que utilizou a expressão
“dispensada esta nos seguintes casos”. Por tais razões, alguns autores denominam a licitação
dispensada de “dispensa legislativa”. Assim, se a hipótese concreta se encaixa na lei, o agente

97
público tem que observar a ordem legal de não realizar a licitação. Esse é o entendimento da
doutrina majoritária, embora existam autores com posicionamento divergente.

Licitação Dispensável

As hipóteses de licitação dispensáveis estão previstas no art. 24 da Lei n. 8.666/93 e no art.


75 da Lei n. 14.133/2021. Nesses casos, o legislador conferiu ao agente público a opção de
não licitar e contratar diretamente. O rol das hipóteses de licitação dispensável é taxativo.

Quanto à atuação do agente público, doutrina converge para o entendimento de que essa
atuação é discricionária, em razão da literalidade da expressão “dispensável”. Desse modo,
se a Administração Pública, em tais casos, puder e quiser licitar, poderá fazê-lo, mas, ainda
assim, poderá contratar diretamente. Contudo, todas as hipóteses de contratação direta
devem ser justificadas.

As hipóteses do art. 24 da Lei n. 8.666/93 e do art. 75 da Lei n. 14.133/2021 são variáveis.


Neste tópico, serão destacadas apenas as mais relevantes.

Nos dois primeiros incisos, a licitação é dispensável em razão do valor, porque, se for realizada
a licitação nesses casos, o gasto com o procedimento será maior do que o valor do objeto a
ser contratado.

Ambas as leis consideram dispensável a licitação quando em situações de grave perturbação


da ordem ou em casos de guerra, bem como em situações de calamidade e contratações
emergenciais.

Nesse aspecto, há que se ressaltar o conceito de emergência fabricada, que se refere à


emergência causada pela falta de planejamento, pela desídia do agente público.

A doutrina e a jurisprudência entendem que, mesmo nas hipóteses de emergência fabricada,


é permitida a contratação direta, desde que, posteriormente, seja instaurado um processo
disciplinar para se apurar a responsabilidade do agente que atuou de forma desidiosa e deu
causa à emergência fabricada.

Outra hipótese prevista nas legislações é quando verificada licitação deserta, que significa a
ausência de interessados. Nesse caso, poderá ser feita a contratação direta, desde que sejam
mantidas as condições iniciais da licitação deserta.

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A licitação fracassada ou frustrada, consiste na situação em que apareceram interessados,
mas todos foram ou inabilitados ou desclassificados, não restando nenhum licitante apto a
participar da licitação.

Inexigibilidade de Licitação

A inexigibilidade de licitação está elencada no art. 25 da Lei n. 8.666/93 e no art. 74 da Lei n.


14.133/2021, que estabelece a inexigibilidade da licitação quando houver inviabilidade de
competição.

São hipóteses de inexigibilidade, de acordo com as legislações, a hipótese de fornecedor


exclusivo, bem como serviços técnicos de natureza singular com notória especialização, a
exemplo do parecerista ou um expert para atuar em uma arbitragem.

Cabe ressaltar que não basta que o serviço seja técnico, devendo ser demonstradas a
natureza singular e a notória especialização daquele que será contratado.

Por fim, considera-se também inexigível a licitação para contratação de serviços artísticos,
casos em que não é possível pautar a escolha por meio de critérios objetivos.

O rol do art. 25 da Lei n. 9666/93 e do art. 74 da Lei 14.133/2021 são meramente


exemplificativos, por duas razões: A primeira é de caráter literal, em razão da expressão “em
especial” contida no caput do art. 25. Além disso, a Administração Pública não tem como
prever todas as hipóteses de inviabilidade de competição.

Assim, se a licitação pressupõe competição, e essa é impossível de ser feita, diante da


ausência de critério objetivo e impessoal para diferenciar uma proposta de outra, estará
configurada uma hipótese de inexigibilidade de licitação.

Outro exemplo, consagrado pela doutrina majoritária, diz respeito ao credenciamento de


médicos, pois, nesse caso, não há exclusão, qualquer profissional apto pode se credenciar, o
que demonstra a inviabilidade de competição.

Quanto à atuação do agente administrativo, para a maioria da doutrina, essa atuação é


vinculada.

99
7.5. Tipos e modalidades de licitação

De início, deve-se destacar que tipos de licitação e modalidade de licitação não se confundem.

Tipo de licitação está relacionado ao critério de julgamento da licitação, ao passo que


modalidade de licitação consiste no rito que deve ser observado pelo Poder Público quando
esta for realizada.

São tipos de licitação, previstos no art. 45 da Lei n. 8.666/93 e art. 33 da Lei 14.133/2021:

Menor preço: critério utilizado quando o objeto a ser licitado não possui nenhuma
característica especial, de forma que a Administração Pública é orientada a selecionar
a proposta que apresente o melhor preço.

Melhor técnica: é o critério de escolha pautado pela qualidade do produto a ser


adquirido ou do serviço a ser prestado, utilizado para serviços de natureza intelectual
ou para serviços de informática.

Técnica e preço: por meio deste tipo de licitação, são analisados, conjuntamente, o
preço e a qualidade do objeto a ser licitado.

Maior lance: é o tipo de licitação utilizado para a alienação dos bens e direitos da
Administração Pública e que adota como critério de seleção do vencedor aquele que
apresentar o maior lance, isto é, o maior valor a ser oferecido.

Quanto às modalidades de licitação, tanto a Lei n. 8.666/93 quanto a Lei 14.133/2021


estabelecem características específicas para cada modalidade, que variam em razão
do valor ou do objeto a ser licitado.

O art. 22 Lei n. 8.666/93 prevê como modalidades de licitação a concorrência, a tomada de


preços, o convite, o concurso e o leilão.

Embora muito similar, o rol de modalidades foi levemente alterado no art. 28 da Lei
14.133/2021, que limita-se ao pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo.

No regime da Lei n. 8.666/93, a utilização da concorrência, tomada de preços e convite é


determinada pelo valor estimado do objeto a ser contratado. Esta diferenciação foi removida

100
na Lei n. 14.133/2021, que manteve apenas a concorrência como modalidade aplicável
independentemente do valor.

Assim, a concorrência na Lei n. 8.666/93 é limitada para contratações de grande vulto. Nos
termos do art. 22, § 1o, da Lei n. 8.666/93, a concorrência é aberta a qualquer interessado, em
atenção ao princípio da universalidade. No regime da Lei n. 14.133/2021, de acordo com seu
art. 29, seu emprego não está relacionado ao valor da contratação, mas sim à natureza da
contratação: Quando se tratar de bens e serviços especiais, será a modalidade adotada, em
oposição ao pregão, que servirá para contratação de bens e serviços comuns.

O regime da Lei 8.666/93, a seu turno, prevê outras modalidades a serem selecionadas de
acordo com valor da contratação: A tomada de preços é utilizada para contratações de valor
médio. Na tomada de preços, conforme o art. 22, § 3o, da Lei n. 8.666/93, somente os
interessados devidamente cadastrados, ou que cumprirem todas as condições exigidas para
cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, poderão
participar, o que proporciona maior eficiência e agilidade na contratação.

A modalidade convite é utilizada para contratações de valor reduzido, do qual só poderão


participar os convidados, cadastrados ou não, em número mínimo de 3. Destaque-se que,
quem não for convidado, também pode participar, desde que seja cadastrado.

Em relação aos valores utilizados como parâmetro, dispõe o art. 23 da Lei n. 8.666/93:

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo


anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o
valor estimado da contratação:
I – para obras e serviços de engenharia:
a) convite – até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);
b) tomada de preços – até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
c) concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
II – para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
a) convite – até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
b) tomada de preços – até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais);
c) concorrência – acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).

Ocorre que, atualmente, esses valores foram atualizados pelo Decreto n. 9.412/2018,
sendo fixados da seguinte forma:

Art. 1o Os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei n.


8.666, de 21 de junho de 1993, ficam atualizados nos seguintes termos:
I – para obras e serviços de engenharia:
a) na modalidade convite – até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);

101
b) na modalidade tomada de preços – até R$ 3.300.000,00 (três milhões e
trezentos mil reais); e
c) na modalidade concorrência – acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e
trezentos mil reais); e
II – para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a) na modalidade convite – até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b) na modalidade tomada de preços – até R$ 1.430.000,00 (um milhão,
quatrocentos e trinta mil reais); e
c) na modalidade concorrência – acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão,
quatrocentos e trinta mil reais).

Cumpre destacar que a recente alteração na Lei n. 8.666/93 acrescentou o § 8 o ao art. 23,
determinando que, no caso de consórcios públicos formados por até três entes da Federação,
aplica-se o dobro dos valores utilizados para definir as faixas de preço das modalidades
licitatórias, e o triplo, quando formados por maior número.

Ressalte-se que nem tomada de preços, nem convite foram incorporados no regime da Lei n.
14.133/2021.

Já o concurso e o leilão são definidos em razão do objeto a ser contratado. São admitidos
tanto no regime da Lei n. 8.666/93 quanto na Lei n. 14.133/20211;

O concurso é o procedimento no qual o poder público busca contratar um trabalho, artístico,


técnico ou científico, executado por uma pessoa que o elaborará e cederá os direitos autorais
ao poder público (exemplo: concurso para a escolha de projeto que será utilizado em uma
futura licitação). No concurso, o licitante vencedor recebe um prêmio ou uma remuneração.

O leilão é a modalidade de licitação em que o Estado irá alienar os seus bens móveis
inservíveis. Se o bem for imóvel, a modalidade utilizada será a concorrência, ressalvada
a hipótese prevista no art. 19, III, da Lei n. 8.666/93, em que poderá ser utilizado o leilão.

Destaca-se que o art. 23, § 3o, da Lei n. 8.666/93 exigiu que, qualquer que seja o valor, a
concorrência deve ser a modalidade de licitação utilizada para a alienação e compra de
bens imóveis.

O art. 24, § 4o, da Lei n. 8.666/93 estabeleceu que, nos casos em que couber convite, poderá
ser utilizada a modalidade de tomada de preços e, em qualquer caso, poderá ser utilizada a
concorrência.

No art. 28 da Lei n. 14.133/2021, temos também o estabelecimento do chamado diálogo


competitivo, que será utilizado para contratações nos casos de Inovação tecnológica ou

102
técnica, para buscar soluções que dependam de adaptação das opções que se encontram
disponíveis no mercado, bem como que envolvam especificações que a Administração não
consegue definir de modo objetivo e precisa elaborar junto com os interessados.

7.6. Procedimento licitatório e julgamento de propostas, edital, habilitação,


classificação, homologação e adjudicação

O procedimento da licitação se divide entre fase interna e fase externa.

A FASE INTERNA compreende os atos preparatórios da licitação, praticados antes da


publicação do edital. O primeiro ato da fase interna é a requisição do objeto. Assim, a
autoridade competente irá autorizar a instauração de processo licitatório para a contratação
pretendida.

O segundo ato consiste na definição do objeto, por meio do projeto básico (termo de
referência), que é um documento que define as características do objeto a ser contratado.
Nesse momento, é feita uma pesquisa de mercado acerca do valor, com o objetivo de saber
se o Poder Público possui disponibilidade orçamentária.

O ato seguinte é a constituição da comissão de licitação, ou do pregoeiro, seguida do ato


de elaboração de minuta do edital de licitação, que deve ser feita necessariamente pelo
órgão jurídico.

A FASE EXTERNA se inicia com a publicação do edital, isto é, o instrumento convocatório,


o qual consiste na lei interna da licitação, em razão do princípio da vinculação ao instrumento
convocatório. O edital definirá o objeto a ser licitado, os documentos a serem apresentados,
os prazos, o rito, os recursos, as sanções e demais especificidades do procedimento licitatório.
O art. 40 elenca os requisitos que devem constar do edital.

Em seguida, inicia-se a fase de habilitação. As exigências de habilitação aparecem nos arts.


27 e seguintes da Lei n. 8.666/93. Nessa fase, o Poder Público pretende verificar se o
interessado realmente pode celebrar o contrato no futuro, se possui condições técnicas,
jurídicas e econômicas para contratar com o Poder Público.

A habilitação jurídica destina-se a analisar se o licitante tem capacidade para celebrar o


contrato.

103
A qualificação técnica visa aferir as condições técnicas do interessado, como a inscrição no
conselho profissional, por exemplo.

A qualificação econômico-financeira tem como objetivo apurar a saúde financeira do licitante,


analisando o respectivo balanço patrimonial, a certidão negativa de falência ou concordata.
Aqui é necessário fazer uma observação. A Lei n. 8.666/93 é anterior à Lei n. 11.101/05 (Lei
de Falência e Recuperação Judicial), que extinguiu a figura da concordata e criou o instituto
da recuperação judicial. Nesse sentido, como a Lei n. 8.666/93 nada menciona acerca da
recuperação judicial, o STJ entende que a empresa que estiver em recuperação não poderá
ser impedida de participar do procedimento licitatório, caso demonstre a sua viabilidade
econômica.

É importante perceber que a Lei n. 14.133/2021 houve uma inversão nas etapas durante o
processo licitatório. O art. 17 estabelece uma ordem: (a) Preparatória; (b) Divulgação do edital;
(c) Propostas e lances, quando for o caso; (d) Julgamento; (e) Habilitação; (f) Recursos; (g)
Homologação.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

AREsp 309.867/ES: ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


PARTICIPAÇÃO. POSSIBILIDADE. CERTIDÃO DE FALÊNCIA OU CONCORDATA.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. DESCABIMENTO. APTIDÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA.
COMPROVAÇÃO. OUTROS MEIOS. NECESSIDADE. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do
STJ, “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17
de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com
as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado
Administrativo n. 2).
2. Conquanto a Lei n. 11.101/2005 tenha substituído a figura da concordata pelos institutos da
recuperação judicial e extrajudicial, o art. 31 da Lei n. 8.666/1993 não teve o texto alterado para
se amoldar à nova sistemática, tampouco foi derrogado.
3. À luz do princípio da legalidade, “é vedado à Administração levar a termo interpretação extensiva
ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa" (AgRg no RMS
44099/ES, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 3/3/2016, DJe
10/3/2016).

104
4. Inexistindo autorização legislativa, incabível a automática inabilitação de empresas submetidas à
Lei n. 11.101/2005 unicamente pela não apresentação de certidão negativa de recuperação judicial,
principalmente considerando o disposto no art. 52, I, daquele normativo, que prevê a possibilidade de
contratação com o poder público, o que, em regra geral, pressupõe a participação prévia em licitação.
5. O escopo primordial da Lei n. 11.101/2005, nos termos do art. 47, é viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora,
do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da
empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
6. A interpretação sistemática dos dispositivos das Leis n.
8.666/1993 e n. 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos
princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à
atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que
se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores.
7. A exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a
fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame, desde que demonstre, na
fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.
8. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial.
(AREsp 309.867/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/6/2018,
DJe 8/8/2018).

A regularidade fiscal tem como objetivo saber se a empresa está regular perante o fisco, por
meio da Certidão Negativa de Débitos (CND) ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa.
Em relação à amplitude quanto à regularidade fiscal, há divergência de entendimentos
doutrinários. Há uma corrente que defende que a exigência de regularidade fiscal se restringe
aos tributos de competência do ente federado licitante. Assim, se é o Município que está
realizando a licitação, somente poderá ser exigida a regularidade fiscal relativa aos tributos
municipais (IPTU, ITBI e ISSQN). Por outro lado, há o posicionamento segundo o qual a
regularidade fiscal deve ser exigida em relação aos tributos que incidem sobre o objeto licitado.
Contudo, a literalidade do art. 29, III, da Lei n. 8.666/93 prevê que a regularidade fiscal é
ampla, incluindo todos os entes federados.

A regularidade trabalhista verifica a regularidade do licitante com a Justiça do Trabalho. Desse


modo, a empresa deve apresentar a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT),
emitida pela Justiça do Trabalho, que irá atestar se há condenação trabalhista da empresa,

105
ou, mesmo que haja a condenação, se esta ainda não é exigível. Outro requisito da
regularidade trabalhista diz respeito ao cumprimento do art. 7 o, XXXIII, da CF/88, devendo a
empresa comprovar que não contrata irregularmente trabalhador menor de idade.

Quanto aos requisitos de habilitação, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela


inconstitucionalidade de lei estadual que exige nova certidão negativa não prevista na Lei n.
8.666/93.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADI 3.735: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 3.041/05, DO ESTADO DO MATO


GROSSO DO SUL. LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES COM O PODER PÚBLICO. DOCUMENTOS
EXIGIDOS PARA HABILITAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE VIOLAÇÃO A DIREITOS DO
CONSUMIDOR. DISPOSIÇÃO COM SENTIDO AMPLO, NÃO VINCULADA A QUALQUER
ESPECIFICIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR INVASÃO DA COMPETÊNCIA
PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA (ART. 22, INCISO XXVII, DA CF).

1. A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição
(art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições
de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo
licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e
econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas.

2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os


concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao
direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo
estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos
a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local.

3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos


para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito
constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance
amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de

106
proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a
Administração local.

4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do
ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da
União de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF).

5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3735, Relator(a): Min. TEORI
ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 8/9/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 31-
7-2017 PUBLIC 1-8-2017).

Em seguida, será instaurada a fase de julgamento, utilizando-se um dos critérios previstos


no art. 45 da Lei n. 8.666/93, ou art. 33 da Lei n. 14.133/2021, a fim de que seja realizado o
julgamento objetivo das propostas.

Realizado o julgamento, as melhores propostas serão elencadas na ordem de classificação.

Após o julgamento e classificação, o próximo procedimento será a homologação, momento


em que o Poder Público atesta que o procedimento foi válido e que ainda persiste o interesse
na contratação. Se verificar que houve uma ilegalidade, o Poder Público deverá anular a
licitação, ou poderá revogar se não houver mais conveniência e oportunidade na
contratação.

Por fim, a adjudicação é o ato final do procedimento licitatório. O Poder Público publicará no
órgão oficial um despacho informando que o objeto da licitação está adjudicado, isto é,
concedido à empresa vencedora, a qual será convocada para assinar o contrato.

7.7. Recursos administrativos em licitações

Os recursos administrativos em licitações são os meios de impugnação aos atos praticados


no procedimento licitatório. Nos termos do art. 109 da Lei n. 8.666/93, os recursos cabíveis
são: recurso hierárquico, a representação e o pedido de reconsideração. Esta
sistemática foi levemente alterada no art. 165 da Lei n. 14.133/2021.

107
No regime da Lei n. 8.666/93, o recurso hierárquico deve ser interposto no prazo de cinco dias
úteis, contra os atos previstos em lei. O prazo é de três dias úteis no regime da Lei n.
14.133/2021.

A representação deve ser interposta também em cinco dias, para impugnar decisão sobre o
objeto da licitação, da qual não seja cabível o recurso hierárquico. A Lei n. 14.133/2021 não
incorporou a representação em seu regime recursal.

O pedido de reconsideração, dirigido ao Secretário Estadual, Secretário Municipal, ou Ministro


de Estado, deve ser interposto no prazo de 10 dias, nos casos em que o licitante houver sido
sancionado com a penalidade de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
Administração. O prazo é de três dias úteis no regime da Lei n. 14.133/2021.

Em regra, os recursos administrativos em licitação têm efeito apenas devolutivo, salvo os


recursos contra a habilitação ou inabilitação e contra o julgamento das propostas, os quais
têm efeito suspensivo. Contudo, os demais recursos poderão ter efeito suspensivo, mas a
atribuição desse efeito é uma decisão discricionária da Administração Pública.

7.8. Anulação e revogação

Quando existir vício na licitação, esta deverá ser anulada; trata-se, pois, de um ato vinculado.
Há vício quando for desrespeitado algum dos princípios das licitações ou alguma de
suas normas específicas.

Nos termos do art. 49 da Lei n. 8.666/93 ou do art. 71 da Lei n. 14.133/2021, a anulação pode
ser decretada pela própria Administração, por ser expressão do princípio da autotutela.

A anulação da licitação não gera a obrigação de indenizar por parte da Administração,


exceto se o contratado já tiver iniciado a execução do objeto contratado.

Ademais, a anulação da licitação possui efeito ex tunc, retroativo, e gera a anulação do


contrato celebrado.

Por sua vez, a revogação da licitação ocorrerá em virtude da conveniência ou oportunidade


da Administração Pública em realizar o procedimento licitatório, sendo, portanto,
discricionária. Embora seja discricionária, a revogação deve ser devidamente motivada.
Assim como a anulação, a revogação da licitação também não gera indenização ao

108
administrado, tendo em vista que o licitante vencedor não tem direito subjetivo à
contratação, mas mera expectativa de que, caso a Administração Pública venha a
contratar, essa contratação se dê com o vencedor da licitação.

Por fim, sendo a anulação e a revogação formas de desfazimento da licitação, em ambos os


casos deverão ser observados o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 49, § 3o,
da Lei n. 8.666/93 ou art. 71,§ 3º da Lei n. 14.133/2021.

7.9. Crimes na Lei de Licitações

A Seção III da Lei n. 8.666/93 trata dos crimes e das penas relacionadas à licitação. A Lei
14.133/2021, por sua vez, preferiu por tratar dessa matéria incorporando os crimes ao Código
Penal.

Comentando o regime da Lei n. 8.666/93, ensina Alexandre Mazza:

Podem incorrer nessas condutas tanto particulares licitantes quanto agentes


públicos. Todos os crimes são de ação penal pública incondicionada, e seu
cometimento não impede a aplicação das sanções previstas na Lei de
Improbidade Administrativa – Lei n. 8.429/92 (MAZZA, 2021, n.p.).

São tipificadas como crime as seguintes condutas:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou
deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou
inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro


expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de
obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto
da licitação:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a


Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de
contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem,


inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução
dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato

109
convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou,
ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade,
observado o disposto no art. 121 desta Lei:
Pena – detenção, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo
comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém
vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou
prorrogações contratuais.

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de


procedimento licitatório:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório,


ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave
ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar,
em razão da vantagem oferecida.

Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para


aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:
I – elevando arbitrariamente os preços;
II – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou
deteriorada;
III – entregando uma mercadoria por outra;
IV – alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;
V – tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a
execução do contrato:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional


declarado inidôneo:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha
a licitar ou a contratar com a Administração.

Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer


interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração,
suspensão ou cancelamento de registro do inscrito:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Com efeito, tais condutas somente configurarão crime se forem praticadas com dolo.

110
Sobre o tema e, especificamente em relação ao crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93,
o STF possui o entendimento no sentido de que se exige o elemento subjetivo, o especial fim
de agir, consistente na intenção específica do agente de lesar o erário ou de obter vantagem
indevida.

Por sua vez, a Lei n. 14.133/2021 passou a inserir os crimes contra licitações e contratos
públicos no Código Penal, inserindo um capítulo no Título XI da Parte Especial. Elenca esses
novos crimes:

Contratação direta ilegal

Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das
hipóteses previstas em lei:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Frustração do caráter competitivo de licitação

Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem
vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter
competitivo do processo licitatório:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.

Patrocínio de contratação indevida

Art. 337-G. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a


Administração Pública, dando causa à instauração de licitação ou à celebração
de contrato cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo

Art. 337-H. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou


vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do contratado, durante a
execução dos contratos celebrados com a Administração Pública, sem
autorização em lei, no edital da licitação ou nos respectivos instrumentos

111
contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de
sua exigibilidade:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.

Perturbação de processo licitatório

Art. 337-I. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de


processo licitatório:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

Violação de sigilo em licitação

Art. 337-J. Devassar o sigilo de proposta apresentada em processo licitatório


ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:
Pena - detenção, de 2 (dois) anos a 3 (três) anos, e multa.

Afastamento de licitante

Art. 337-K. Afastar ou tentar afastar licitante por meio de violência, grave
ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:
Pena - reclusão, de 3 (três) anos a 5 (cinco) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar
em razão de vantagem oferecida.

Fraude em licitação ou contrato

Art. 337-L. Fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato


dela decorrente, mediante:
I - entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em
quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais;
II - fornecimento, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada,
deteriorada, inservível para consumo ou com prazo de validade vencido;
III - entrega de uma mercadoria por outra;
IV - alteração da substância, qualidade ou quantidade da mercadoria ou do
serviço fornecido;
V - qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para a
Administração Pública a proposta ou a execução do contrato:

112
Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.

Contratação inidônea

Art. 337-M. Admitir à licitação empresa ou profissional declarado inidôneo:


Pena - reclusão, de 1 (um) ano a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:
Pena - reclusão, de 3 (três) anos a 6 (seis) anos, e multa.
§ 2º Incide na mesma pena do caput deste artigo aquele que, declarado
inidôneo, venha a participar de licitação e, na mesma pena do § 1º deste artigo,
aquele que, declarado inidôneo, venha a contratar com a Administração
Pública.

Impedimento indevido

Art. 337-N. Obstar, impedir ou dificultar injustamente a inscrição de qualquer


interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, a
suspensão ou o cancelamento de registro do inscrito:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Omissão grave de dado ou de informação por projetista

Art. 337-O. Omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento


cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade,
em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção
da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em contratação para
a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo
competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Consideram-se condição de contorno as informações e os levantamentos


suficientes e necessários para a definição da solução de projeto e dos
respectivos preços pelo licitante, incluídos sondagens, topografia, estudos de
demanda, condições ambientais e demais elementos ambientais impactantes,
considerados requisitos mínimos ou obrigatórios em normas técnicas que
orientam a elaboração de projetos.
§ 2º Se o crime é praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto,
próprio ou de outrem, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.

113
Art. 337-P. A pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo
seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código e não poderá ser
inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com
contratação direta.”

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

INQ 3962: PENAL. CRIME LICITATÓRIO. DEPUTADO FEDERAL. ARTIGO 89 DA LEI 8.666/93,
SEGUNDA PARTE. FORMALIDADES. DESCUMPRIMENTO. TIPICIDADE OBJETIVA E
SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA. 1. O artigo 89,
segunda parte, da Lei 8.666/93, é norma penal em branco, a qual, quanto às formalidades a que
alude, é complementada pelo art. 26 da mesma Lei. 2. O delito em questão tutela bem jurídico
voltado aos princípios da administração pública (CF, artigo 37). O descumprimento das
formalidades só tem pertinência à repressão penal quando involucrado com a violação substantiva
àqueles princípios. 3. No caso, as justificativas do preço, da escolha do fornecedor e a ratificação
do procedimento atenderam às formalidades legais, no que diz com perspectiva do denunciado.
Conduta do gestor lastreada em Pareceres Técnicos e Jurídicos razoavelmente justificados, e não
identificados conluio ou concertamento fraudulento entre o acusado pareceristas, nem intenção
de fraudar o erário ou de enriquecimento ilícito. 4. Ausência constatável ictu oculi de indícios
mínimos de tipicidade objetiva e subjetiva, a inviabilizar um prognóstico fiável de confirmação da
hipótese acusatória. Denúncia não recebida. (Inq 3962, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira
Turma, julgado em 20/2/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-191 DIVULG 11-9-2018 PUBLIC
12-9-2018).

7.10. Pregão – Lei n. 10.520/02. Decreto n. 3.555/00. Decreto n. 5.450/05

O Pregão é uma modalidade de licitação que não está expressamente previsto na Lei n.
8.666/93, sendo regulado em lei própria, a Lei n. 10.520/02. É utilizado por todos os entes
federativos para a aquisição de bens e serviços comuns. Assim, não é possível a utilização
do pregão para locação e concessão de serviços públicos, bem como não é possível a sua
utilização para a alienação de bens móveis e imóveis. Sua regulamentação foi acolhida pela
Lei 14.133/2021, passando a ser a regra geral pela qual recomenda-se a realização de
procedimentos licitatórios.

114
Inicialmente, a utilização da modalidade pregão é opcional, de forma que a Administração
sempre poderá optar pelo emprego de outra modalidade licitatória apropriada em função do
valor do objeto. Entretanto, o art. 4o do Decreto n. 5.450/2005 tornou obrigatório o uso do
pregão em âmbito federal, devendo ser adotada, preferencialmente, a modalidade eletrônica.

No procedimento do pregão não há comissão de licitação, mas apenas a figura do pregoeiro.

O critério de julgamento é o menor preço.

O intervalo mínimo entre a publicação do instrumento convocatório e o envio das propostas é


de oito dias úteis.

A principal característica do pregão, e que virou uma tendência nas leis de licitações mais
recentes, consiste na inversão de fases da licitação.

A regra geral, na fase externa da licitação, é que seja seguida a seguinte ordem: edital,
habilitação, julgamento, homologação e adjudicação.

Entretanto, no pregão, primeiro é realizado o julgamento das propostas, para somente


depois prosseguir para a fase de habilitação, o que confere maior celeridade e praticidade
no procedimento licitatório.

Outra característica do pregão consiste na possibilidade de os participantes apresentarem


lances verbais e sucessivos, em atenção ao princípio da competitividade.

7.11. Regime Diferenciado de Contratações (RDC) – Lei n. 12.462/11

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) está previsto na Lei n. 12.462/11. O


RDC não é uma nova modalidade de licitação. Trata-se de um procedimento administrativo
inicialmente destinado a eventos esportivos de grande porte, como a Copa do Mundo e os
Jogos Olímpicos, mas que, posteriormente, teve sua abrangência ampliada, passando a ser
utilizado em obras de infraestrutura e serviços para os aeroportos de capitais dos Estados,
bem como em ações integrantes do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), obras e
serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e obras e serviços de
engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de
atendimento socioeducativo.

115
A utilização do Regime Diferenciado de Contratações tem por objetivo proporcionar
simplificação e celeridade nas contratações realizadas. A opção por esse procedimento
deve estar prevista expressamente no instrumento convocatório e afastará a aplicação
da Lei n. 8.666/93, uma vez que esta lei só será aplicada subsidiariamente nos casos em
que a Lei n. 12.462/11 determinar.

A seguir, serão indicadas algumas peculiaridades do Regime Diferenciado de Contratações.

Indicação de marcas: é admitida a indicação de marcas, desde que isso fique


especificado e se justifique pela necessidade de padronização do objeto a ser
contratado ou quando determinada marca for a única capaz de atender às
necessidades do ente contratante.

Critério de seleção das propostas: são utilizados os critérios de menor preço ou


maior desconto; técnica e preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; maior oferta de
preço; maior retorno econômico.

Desempate na licitação: em caso de empate, é realizada uma disputa final, em que


os licitantes poderão apresentar nova proposta fechada. Permanecendo o empate,
passa-se à avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que haja
uma forma objetiva de avaliação. Por fim, caso ainda persista o empate, serão utilizados
os critérios de desempate previstos na Lei n. 8.666/93.

Procedimento de licitação: inicia-se com a fase preparatória, passa-se à publicação


do instrumento convocatório, em seguida são apresentadas as propostas ou lances.
Após, inicia-se a fase de julgamento e, então, a habilitação (nota-se a inversão das
fases de julgamento e habilitação, assim como ocorre no pregão). Por fim, há a fase
de recursos e o encerramento do procedimento.

Parcelamento do objeto: é possível que o objeto a ser contratado seja parcelado, a


fim de ampliar a participação dos licitantes.

Contratação simultânea: no RDC, é possível a contratação de mais de uma empresa


para executar o mesmo serviço, desde que não acarrete perda da economia de escala,
nem seja serviço de engenharia.

Possibilidade de pré-qualificação: em momento anterior à licitação, o Poder Público


pode realizar procedimento de pré-qualificação permanente com o objetivo de

116
identificar fornecedores que possuem as condições de habilitação exigidas para o
fornecimento do bem ou a execução do serviço de acordo com os prazos e condições
estabelecidos previamente e que atendam às exigências técnicas e de qualidade
buscadas pela Administração Pública. A pré-qualificação pode ser parcial ou integral e
terá validade de um ano.

Remuneração variável: poderá ser estabelecida remuneração variável ao contratado,


de acordo com o seu desempenho, utilizando-se de metas de desempenho, padrões
de qualidade e prazos de entrega, por exemplo. A remuneração variável deve ser
justificada, bem como deve respeitar limites orçamentários.

Contratação integrada: a contratação integrada consiste em um único ajuste que


engloba a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução
de obras e serviços de engenharia, montagem, realização de testes e demais
operações necessárias para a entrega final do objeto. Em tais casos, o instrumento
convocatório deverá incluir o anteprojeto de engenharia, que permita caracterizar a obra
ou o serviço.

Divulgação do orçamento estimado: a Lei n. 12.462/11 permite que o orçamento


estimado para a contratação somente se torne público após o encerramento da
licitação.

7.12. Licitação nas empresas estatais – Lei n. 13.303/16 – Estatuto Jurídico


da Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista

O art. 173, § 1o, III, da CF/88 dispõe sobre a necessidade de elaboração do estatuto das
empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, o qual discipline as
regras de licitações de tais entidades. Contudo, essa lei só foi editada em 2016, tratando-se
da Lei n. 13.303/16 – Estatuto Jurídico da Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista.

Antes dessa lei, a doutrina majoritária e o TCU entendiam que as estatais que desenvolvem
atividade econômica deveriam fazer uma distinção entre atividade-fim e atividade-meio, de
forma que deveriam licitar apenas os objetos relacionados à atividade-meio, restando a
atividade-fim desobrigada da realização de licitação.

117
A Lei n. 13.303/16, em seu art. 28, § 3o, consagrou a referida distinção entre a atividade-fim e
atividade-meio, determinando a inaplicabilidade da licitação quando as estatais forem
contratar as atividades mencionadas no seu estatuto social, isto é, a atividade-fim da estatal.
De forma inversa, haverá necessidade de licitação para a atividade-meio.

Nos termos do art. 1o, a Lei n. 13.303/16 se aplica às estatais federais, estaduais e municipais,
independentemente da atividade desenvolvida, seja em regime de monopólio ou
concorrencial.

O Estatuto das Estatais estabelece, no art. 29, que a licitação será dispensável nos
seguintes casos:

Art. 29. É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e


sociedades de economia mista:
I – para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil
reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou
ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam
ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II – para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se
refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto
que possa ser realizado de uma só vez;
III – quando não acudirem interessados à licitação anterior e essa,
justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a empresa pública
ou a sociedade de economia mista, bem como para suas respectivas
subsidiárias, desde que mantidas as condições preestabelecidas;
IV – quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente
superiores aos praticados no mercado nacional ou incompatíveis com os
fixados pelos órgãos oficiais competentes;
V – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de suas
finalidades precípuas, quando as necessidades de instalação e localização
condicionarem a escolha do imóvel, desde que o preço seja compatível com o
valor de mercado, segundo avaliação prévia;
VI – na contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento,
em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de
classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições do contrato
encerrado por rescisão ou distrato, inclusive quanto ao preço, devidamente
corrigido;
VII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou
estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional
ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a
contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins
lucrativos;
VIII – para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou
estrangeira necessários à manutenção de equipamentos durante o período de
garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal
condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;

118
IX – na contratação de associação de pessoas com deficiência física, sem fins
lucrativos e de comprovada idoneidade, para a prestação de serviços ou
fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível
com o praticado no mercado;
X – na contratação de concessionário, permissionário ou autorizado para
fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural e de outras
prestadoras de serviço público, segundo as normas da legislação específica,
desde que o objeto do contrato tenha pertinência com o serviço público.
XI – nas contratações entre empresas públicas ou sociedades de economia
mista e suas respectivas subsidiárias, para aquisição ou alienação de bens e
prestação ou obtenção de serviços, desde que os preços sejam compatíveis
com os praticados no mercado e que o objeto do contrato tenha relação com a
atividade da contratada prevista em seu estatuto social;
XII – na contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos
sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta
seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas
exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda que tenham como
ocupação econômica a coleta de materiais recicláveis, com o uso de
equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde
pública;
XIII – para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País,
que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa
nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pelo
dirigente máximo da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
XIV – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3o, 4o,
5o e 20 da Lei n. 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios
gerais de contratação dela constantes;
XV – em situações de emergência, quando caracterizada urgência de
atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a
segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos
ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da
situação emergencial e para as parcelas de obras e serviços que possam ser
concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e
ininterruptos, contado da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação dos
respectivos contratos, observado o disposto no § 2o ;
XVI – na transferência de bens a órgãos e entidades da administração pública,
inclusive quando efetivada mediante permuta;
XVII – na doação de bens móveis para fins e usos de interesse social, após
avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica relativamente
à escolha de outra forma de alienação;
XVIII – na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens
que produzam ou comercializem.

As hipóteses de inexigibilidade de licitação são similares às estabelecidas na Lei n. 8.666/93


e estão elencadas no art. 30 da Lei n. 13.303/16:

Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de


competição, em especial na hipótese de:
I – aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser
fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo;

119
II – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com
profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade
para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

A contratação direta, seja por dispensa ou por inexigibilidade, será instruída com a
caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o
caso, com a razão da escolha do fornecedor ou do executante e com a justificativa do preço.

Em relação à modalidade de licitação, o art. 32, IV, da Lei n. 13.303/16 determina que o
pregão deverá ser a modalidade licitatória preferencialmente (e não obrigatoriamente)
utilizada.

Além disso, as licitações realizadas pelas estatais deverão observar a sustentabilidade


ambiental e a acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

São tipos de licitação previstos no Estatuto das Estatais:

● menor preço;
● maior desconto;
● melhor combinação de técnica e preço;
● melhor técnica;
● melhor conteúdo artístico;
● maior oferta de preço;
● maior retorno econômico;
● melhor destinação dos bens alienados.

O intervalo mínimo entre a publicação do edital e o início da licitação varia conforme o objeto
e o tipo de licitação.

Tratando-se de aquisição de bens, o intervalo será de cinco dias úteis, se o critério de


julgamento for o menor preço ou o maior desconto. Nas demais hipóteses, será de 10 dias
úteis.

120
Nos casos de contratação de obras e serviços, o prazo será de 15 dias úteis se o critério de
julgamento for o menor preço ou o maior desconto. Nas demais hipóteses, será de 30 dias
úteis.

Quando o critério utilizado for a melhor técnica ou a melhor combinação de técnica e preço, e
para licitação em que haja contratação integrada ou semi-integrada, o prazo será de 45 dias
úteis.

Procedimento da licitação

No Estatuto das Empresas Estatais, o procedimento de licitação possui as seguintes fases:

1. Preparação (fase interna): consiste na elaboração do edital e minuta do contrato.

2. Divulgação: publicação no Diário Oficial.

3. Apresentação de lances ou propostas: (disputa aberta ou fechada). Na disputa


fechada, as propostas serão sigilosas até a data e hora designadas para que sejam
divulgadas. Poderá ser admitida a apresentação de lances sucessivos, crescentes ou
decrescentes, bem como a apresentação de lances intermediários. Também é possível
o reinício da disputa aberta, após a definição do melhor lance, para definição das
demais colocações, quando existir diferença de pelo menos 10% entre o melhor lance
e o subsequente.

4. Julgamento: deve ser aplicado o critério previsto no instrumento convocatório. Em


caso de empate, devem ser utilizados os critérios sucessivos previstos na lei, quais
sejam:

Art. 55. Em caso de empate entre 2 (duas) propostas, serão utilizados, na ordem em
que se encontram enumerados, os seguintes critérios de desempate:
I – disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta
fechada, em ato contínuo ao encerramento da etapa de julgamento;
II – avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que exista sistema
objetivo de avaliação instituído;
III – os critérios estabelecidos no art. 3o da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991, e
no § 2o do art. 3o da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993;
IV – sorteio.

5. Verificação da efetividade dos lances ou propostas.

6. Negociação: será feita sempre que a proposta vencedora for desclassificada, sendo
negociados os valores com os licitantes que ofertaram as propostas subsequentes.

121
7. Habilitação: será apreciada a partir dos parâmetros de habilitação jurídica,
qualificação técnica, capacidade econômica e financeira e recolhimento de quantia a
título de adiantamento (quando o critério utilizado for o de maior oferta de preço).

8. Recursos: há um único prazo recursal de cinco dias úteis a contar da habilitação.

9. Adjudicação.

10. Homologação ou revogação: sobre esta última fase, ensina Matheus Carvalho:

Nessa fase, a autoridade máxima do órgão irá verificar se o procedimento foi


regular, quando então será homologado e encerrado. Também se admite a
revogação do procedimento fundada em razões de interesse público
supervenientes ao início do certame e a anulação em casos de vícios
devidamente comprovados (CARVALHO, 2017, p. 592).

Pré-qualificação permanente

A pré-qualificação permanente está prevista no art. 64 da Lei n. 13.303/16 e consiste em um


procedimento decisório destinado a identificar fornecedores que possuem as condições de
habilitação exigidas para o fornecimento do bem ou a execução do serviço de acordo com os
prazos e condições estabelecidos previamente e que atendam às exigências técnicas e de
qualidade buscadas pela Administração Pública. A pré-qualificação pode ser parcial ou
integral e terá validade de um ano.

Cadastramento de Licitantes

O art. 65, § 1o, da Lei n. 13.303/16 prevê a possibilidade de cadastramento de licitantes, de


forma que os registros cadastrais serão mantidos para efeito de habilitação dos inscritos em
licitações, possuindo validade de um ano. O cadastramento de licitantes e a pré-qualificação
permanente não se confundem, porque nesta há uma decisão da Administração Pública
informando se o licitante tem condições de participar de futuras licitações, ao passo que o
cadastramento consiste apenas em um conjunto de informações acerca do licitante.

Sistema de Registro de Preços

122
O sistema de registro de preços da Lei n. 13.303/16 deve atender às condições previstas no
art. 66, sobretudo à pesquisa de mercado, à seleção de acordo com os procedimentos
previstos, à rotina de controle e atualização periódica dos preços, à validade do registro e à
inclusão do registro dos licitantes que aceitaram cotar os bens ou serviços com preços iguais
ao do licitante vencedor:

Art. 66. O Sistema de Registro de Preços especificamente destinado às licitações de


que trata esta Lei reger-se-á pelo disposto em decreto do Poder Executivo e pelas
seguintes disposições:
§ 1o Poderá aderir ao sistema referido no caput qualquer órgão ou entidade
responsável pela execução das atividades contempladas no art. 1 o desta Lei.
§ 2o O registro de preços observará, entre outras, as seguintes condições:
I – efetivação prévia de ampla pesquisa de mercado;
II – seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento;
III – desenvolvimento obrigatório de rotina de controle e atualização periódicos dos
preços registrados;
IV – definição da validade do registro;
V – inclusão, na respectiva ata, do registro dos licitantes que aceitarem cotar os bens
ou serviços com preços iguais ao do licitante vencedor na sequência da classificação
do certame, assim como dos licitantes que mantiverem suas propostas originais .
§ 3o A existência de preços registrados não obriga a administração pública a firmar os
contratos que deles poderão advir, sendo facultada a realização de licitação específica,
assegurada ao licitante registrado preferência em igualdade de condições.

7.13. Sistema de Registro de Preços – Decreto n. 7.892/13

O Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15 da Lei n. 8.666/93 e regulamentado pelo


Decreto n. 7.892/2013, é um sistema utilizado para compras, obras ou serviços rotineiros. Por
meio do registro de preços, a Administração Pública, ao invés de fazer várias licitações, realiza
uma concorrência e a proposta vencedora fica registrada, estando disponível quando houver
necessidade de contratação pela Administração.

Assim, a proposta vencedora fica à disposição da Administração para, quando desejar


contratar, utilizar o cadastro quantas vezes se fizerem necessárias.

Necessário destacar que, mesmo após a efetivação do registro de preços, a Administração


Pública não é obrigada a contratar com o ofertante registrado, que terá apenas preferência na
contratação em igualdade de condições. Portanto, o registro de preço não vincula a
Administração Pública ao vencedor.

O art. 15 da Lei n. 8.666/93 assim dispõe:

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

123
I – atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de
especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as
condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;
II – ser processadas através de sistema de registro de preços;
III – submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do
setor privado;
IV – ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar
as peculiaridades do mercado, visando economicidade;
V – balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da
Administração Pública.
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação
da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto,
atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I – seleção feita mediante concorrência;
II – estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços
registrados;
III – validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as
contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de
outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado
ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5o O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando
possível, deverá ser informatizado.
§ 6o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do
quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no
mercado.
§ 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I – a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
II – a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função
do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que
possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;
III – as condições de guarda e armazenamento que não permitam a
deterioração do material.
§ 8o O recebimento de material de valor superior ao limite estabelecido no art.
23 desta Lei, para a modalidade de convite, deverá ser confiado a uma
comissão de, no mínimo, 3 (três) membros.

Como se vê, a Lei n. 8.666/93 estabelece algumas condições para a manutenção do sistema
de registro de preços, quais sejam: a utilização de concorrência pública, exceto quando couber
o pregão; a necessidade de sistema de controle e atualização dos preços; a validade do
registro não pode superar um ano; e a exigência de que os registros devem ser publicados
trimestralmente na imprensa oficial.

No sistema de registro de preços, os interessados devem apresentar o valor unitário do


produto, tendo em vista que não há o exato quantitativo a ser adquirido pela Administração
Pública. Contudo, o Poder Público deve informar a quantidade máxima que poderá adquirir.

124
Durante o prazo de validade do registro de preços, a proposta vencedora fica à disposição do
ente público, que poderá adquirir o bem quantas vezes for necessário, desde que não
ultrapasse o limite máximo do quantitativo licitado.

Após o período de um ano de validade do registro de preços, a Administração Pública deverá


realizar um novo procedimento licitatório.

Carona em registro de preços

A carona em registro de preços consiste na utilização, por um órgão público, do registro de


preço realizado por outro órgão, de forma que aquele poderá celebrar o contrato
imediatamente, dispensando-se a realização de nova licitação.

Em âmbito federal, essa prática está prevista no art. 22 do Decreto n. 7.892/13:

Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de


preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou
entidade da administração pública federal que não tenha participado do
certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.

Todavia, o § 3o do art. 22 impõe um limite quantitativo à carona, determinando:

§ 3o As aquisições ou as contratações adicionais de que trata este artigo não


poderão exceder, por órgão ou entidade, a cinquenta por cento dos
quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de
registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.

Nos termos do art. 22, § 4o, do Decreto n. 7.892/13, o instrumento convocatório deverá prever
que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder,
na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços
para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos
não participantes que aderirem.

Consoante ensina Alexandre Mazza:

Os Tribunais de Contas Estaduais também admitem o uso da carona, desde


que haja uma restrição quantitativa.
Já o TCU considera que a carona é uma fraude ao dever de licitar na medida
em que multiplica posteriormente a dimensão do objeto, prejudicando direitos
dos potenciais licitantes.
A Orientação Normativa n. 21 da AGU sobre Licitações e Contratos determina:
“É vedada aos órgãos públicos federais a adesão à Ata de Registro de Preços,

125
quando a licitação tiver sido realizada pela Administração Pública Estadual,
Municipal ou do Distrito Federal” (MAZZA, 2019, n.p.).

126
Mapa Mental

Licitações e
Lei nº 8.666/93

Tipos de Fase externa


Princípios Modalidades
Licitação da licitação

Competitividade Menor Preço Publicação


Concorrência
do Edital

Isonomia Melhor Tomada de


Habilitação
Técnica Preços

Vinculação ao
Instrumento Técnica e Convite Julgamento
Convocatório Preço

Procedimento
Maior Lance Concurso Homologação
formal

Sigilo das Leilão Adjudicação


propostas

Pregão

127
Referências Bibliográficas

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 31. ed. rev., atual e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2018.

128
8. Contratos Administrativos
O Poder Público, no exercício da função administrativa, pode desenvolver as suas atividades
por meio de atos unilaterais ou bilaterais de vontade, sempre em prol do interesse público.

Nos atos administrativos unilaterais, trabalhados em tema específico, há uma manifestação


de vontade exclusiva da Administração Pública, à qual o particular deve obediência,
independentemente de concordância.

No desenvolvimento de algumas atividades, porém, o Estado necessita da colaboração de


terceiros, surgindo, então, a necessidade de estabelecer diversas relações jurídicas com
estes. Nesses casos, há a celebração de contratos pela Administração Pública, ou seja, são
estabelecidos acordos bilaterais de vontade em que a formação do vínculo depende do
consenso entre as partes.

Em termos gerais, os contratos da Administração são firmados entre um órgão ou uma


entidade da Administração Pública, que figura como a parte contratante da relação, e um
terceiro, a parte contratada. Esses contratos podem ser estabelecidos tanto sob o regime de
direito público, chamados de contratos administrativos, quanto sob o regime de direito privado,
chamados, assim, de contratos semipúblicos. Para a doutrina majoritária, o conjunto de todos
esses contratos compõem o gênero chamado “contratos da Administração”.

Com efeito, nem todo contrato celebrado pela Administração Pública pode ser
classificado como sendo um contrato administrativo.

8.1. Conceito e características

8.1.1. Conceito

Conforme explicitado acima, os contratos administrativos são espécie do gênero “contratos da


administração”. Compondo esse gênero, há também a espécie dos contratos de direito privado
celebrados pela Administração.

Inicialmente, a título de diferenciação, importante destacar que os contratos privados


celebrados pela Administração são, em suma, marcados por uma relação de horizontalidade,

129
isto é, de igualdade, visto que as partes possuem o mesmo conjunto de direitos e de
obrigações, não havendo, usualmente, cláusula em favor da Administração. A esses contratos
aplica-se, em regra, o disposto no Código Civil, porém o Estado continua obrigado a atender
determinadas exigências baseadas nas disposições de direito público.

Nesse sentido, conforme previsto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, as
contratações realizadas pela Administração são, de forma geral, vinculadas a anterior
processo licitatório. Há, contudo, por exceção, as modalidades de contratação direta, nas
quais, por autorização da legislação vigente, ocorrem as chamadas dispensa e inexigibilidade
de licitação. Desse modo, tem-se que os contratos privados celebrados pelo Estado também
possuem influência de direito público.

Diferentemente do contrato de natureza privada, o contrato administrativo, regido pelo direito


público, “é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com
particulares ou com outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse
público, nas condições estabelecidas pela própria Administração” (MEIRELLES, 2002, p. 205-
206).

Nesse sentido, há uma relação de verticalidade entre as partes, decorrente de uma série
de direitos e prerrogativas conferidas à Administração, colocando-a em uma situação
privilegiada frente à parte contratada. A essas cláusulas dá-se o nome de cláusulas
exorbitantes, que serão detalhadas adiante.

De toda forma, o particular não é obrigado a contratar com o Estado. Apesar de os contratos
administrativos possuírem natureza de contrato de adesão, em que as cláusulas contratuais
são estabelecidas unilateralmente pela Administração Pública, eles não possuem
imperatividade. Isto é, é necessário que o contratado também tenha interesse na contratação,
dando o seu “aceite” para a formação da relação jurídica.

Importa destacar, porém, que, embora haja um encontro de vontades, trata-se de interesses
e finalidades opostos. É o que ocorre, por exemplo, na concessão de serviço público: enquanto
a Administração Pública busca atender algum interesse público, o particular visa o seu próprio
interesse, qual seja, o de auferir lucro.

As normas gerais aplicáveis aos contratos administrativos estão previstas na Lei n. 8.666/93,
chamada Lei de Licitações e Contratos Administrativos, notadamente do artigo 54 ao 89. Frisa-

130
se, porém, a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições
de direito privado, conforme disposto no artigo 54, caput, do referido texto legal: “Art. 54. Os
contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos
preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral
dos contratos e as disposições de direito privado”.

8.1.2. Características

A doutrina enumera diversas características dos contratos administrativos, as quais acentuam


as diferenças entre estes e os contratos de direito privado, sendo as mais importantes:

1. Submissão ao Direito Administrativo: a relação estabelecida quando da


celebração do contrato administrativo está submetida aos princípios e normas do Direito
Público, notadamente do Direito Administrativo.
2. Finalidade pública: todo contrato celebrado pela Administração Pública, assim
como todo ato e conduta desta, deve visar sempre à finalidade pública, preservando,
assim, o interesse público. Dessa forma, nos casos em que um contrato administrativo
for celebrado com fundamento em interesse pessoal, será ilegal pela violação da
finalidade pública.
3. Natureza de contrato de adesão: o contrato de adesão é aquele em que todas as
cláusulas contratuais são fixadas por apenas uma das partes, não havendo
possibilidade de alteração de nenhuma delas pela outra parte, a qual irá apenas aderir
ao contrato. No caso dos contratos administrativos, a Administração Pública é quem
fixará todas as cláusulas contratuais, razão pela qual pode-se afirmar que o instrumento
possui natureza de contrato de adesão.
4. Intuitu personae ou personalíssimo ou pessoalidade ou pessoal: o contrato
administrativo é, em regra, um contrato pessoal, o qual deve ser executado pelo próprio
contratado. No entanto, por exceção, é possível a subcontratação de obra, serviço ou
fornecimento, desde que atendidas as condições previstas no artigo 72 da Lei n.
8.666/93 ou na Lei 14.133/2021, quais sejam: a autorização da Administração e a
transferência parcial da execução contratual. Nota-se, portanto, que a subcontratação
será ilegal quando realizada sem autorização do Estado ou quando a execução for
transferida na sua integralidade.

131
Importa ressaltar que eventual transferência da execução a terceiro não isenta o
contratado das suas responsabilidades legais e contratuais.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Acórdão n. 5.532/2010, TC-004.716/2008-2: a subcontratação parcial de serviços


contratados não necessita ter previsão expressa no edital ou no contrato, bastando apenas
que não haja expressa vedação nesses instrumentos, entendimento que se deriva do art.
72 da Lei n. 8.666/1993 e do fato de que, na maioria dos casos, a possibilidade de
subcontratação deve atender a uma conveniência da Administração.

5. Mutabilidade: significa dizer que o contrato administrativo pode ser


eventualmente alterado durante a sua execução, inclusive de forma unilateral pela
Administração Pública, a fim de atender a algum interesse público superveniente. No
artigo 65 da Lei n. 8.666/93 e no artigo 124 da Lei n. 14.133/2021, é disposto um rol
com os motivos que podem dar causa à alteração, sendo impostos limites à alteração
unilateral quantitativa do objeto contratual.

Em termos gerais, a alteração unilateral do contrato é uma espécie de cláusula


exorbitante da qual a Administração Pública se vale para fazer adequações técnicas ou
para realizar acréscimos ou supressões. O tema será detalhado no tópico “cláusulas
exorbitantes”.

6. Formalismo: o contrato administrativo não possui forma livre, exigindo a observância


de formalidades legais para a sua validade. Dessa forma, de acordo com a previsão do
artigo 60, caput, da Lei n. 8.666/93, bem como artigo 91 na Lei 14.133/2021, em regra
o contrato de direito público deve ser celebrado pela forma escrita.

Ademais, como exemplo de outras formalidades legais, os contratos administrativos


também devem cumprir os requisitos previstos nos artigos 55 e 61 da Lei n. 8.666/93
quando as licitações forem regidas por esta lei, ou pelos requisitos do artigo 92 quando
corresponderem a procedimento regido pela Lei n. 14.133/2021, os quais estabelecem,
notadamente, as cláusulas obrigatórias desses instrumentos.

132
7. Comutatividade: o contrato comutativo é todo contrato em que as prestações são
estabelecidas e equivalentes entre si, isto é, cada parte recebe da outra prestação
equivalente à sua.
8. Presença de cláusulas exorbitantes: segundo a doutrina, essa é a principal
característica dos contratos administrativos.
As cláusulas exorbitantes são as responsáveis pela relação de verticalidade
estabelecida entre as partes nos contratos administrativos. Isso porque, conforme
detalharemos a seguir, tais cláusulas conferem prerrogativas de direito público à
Administração, conferindo a ela supremacia.

8.2. Cláusulas exorbitantes e equilíbrio econômico-financeiro

“As cláusulas exorbitantes são disposições contratuais que definem poderes especiais para a
Administração Pública dentro do contrato, projetando-a para uma posição de superioridade
em relação ao contratado” (MAZZA, 2021, n.p.).

Exemplo a ser citado é a diferença das consequências imputadas à Administração e ao


contratado em caso de atraso no cumprimento de suas obrigações. A Administração Pública
possui a prerrogativa de atrasar por até 90 dias o pagamento da contraprestação devida ao
particular contratado sem que este último possa opor a ela a cláusula de exceção do contrato
não cumprido. O particular, contudo, não poderá atrasar um dia sequer a execução do
contrato, já sendo considerado em mora, fato autorizador da imposição de sanções e demais
previsões contratuais.

Leciona Di Pietro (2021) que tais cláusulas se dizem exorbitantes por não serem comuns,
sendo ilícitas em contratos de direito privado por concederem uma série de privilégios somente
a uma das partes da relação, visto que nestes deve haver uma relação marcada pela
igualdade.

Dessa forma, em regra, as cláusulas exorbitantes são exclusivas dos contratos


administrativos, não havendo estipulação diferenciada em favor da Administração nos
contratos regidos pelo direito privado. No entanto, tal regra não possui caráter absoluto: a
sua incidência é permitida desde que seja expressamente prevista e haja anuência do

133
contratado. Assim, como exemplo, um contrato de locação entre a União (locadora) e um
particular (locatário), no qual haja cláusula de tolerância de atraso no pagamento, em favor da
Administração, será legal desde que o contratado a tenha aceitado.

8.2.1. Espécies de cláusulas exorbitantes

8.2.1.1. Alteração unilateral do contrato

O artigo 65 da Lei n. 8.666/93 e o artigo 104 da Lei n. 14.133/2021 preveem que a alteração
de um contrato administrativo pode se dar por acordo entre as partes ou pode ser uma
alteração unilateral pela Administração. É um exemplo de cláusula exorbitante, pois confere
um privilégio à Administração Pública, já que ao contratado não é dada a mesma prerrogativa.

A alteração unilateral pode ser qualitativa, que objetiva uma adequação técnica do projeto
inicial, ou quantitativa , que é utilizada para realizar acréscimos ou supressões, no limite legal
de até 25% do valor inicial atualizado. Essa modificação não se refere apenas ao valor
contratual: há uma mudança na quantidade, de modo que a alteração no objeto contratado,
para mais ou para menos, será proporcional ao valor pago pela Administração.

Importante destacar que, nos casos de reformas de edifícios ou equipamentos, o limite para
acréscimos é ampliado, podendo chegar a até 50% do valor inicial atualizado, permanecendo
a supressão no limite de 25%.

Dessa forma, tratando-se de uma cláusula exorbitante, o contratado é obrigado a aceitar a


alteração feita nos limites legais, sob pena de descumprimento do contrato e da consequente
aplicação de sanção pela Administração Pública. Ressalta-se: nos limites legais.

Logo, o contratado não é obrigado a aceitar alterações contratuais abaixo ou acima dos
percentuais legais, ou seja, nesses casos a modificação não poderá ser feita de forma
unilateral. Isso não quer dizer que ela não possa ocorrer; porém, para que ocorra, será
necessário um acordo entre as partes, com a consequente elaboração de um aditivo
contratual. Na hipótese de uma alteração abaixo dos percentuais, tal exigência se justifica pela
possibilidade de gerar prejuízos ao contratado. Já quando da modificação que ultrapasse os

134
limites legais, é vedada a unilateralidade por imposição da Administração, tendo em vista a
necessidade de organização e planejamento do contratado.

Ademais, por se tratar de uma cláusula exorbitante, quando a Administração Pública efetua
uma alteração contratual de forma unilateral, não há, em regra, o dever de indenizar o
contratado. No entanto, como exceção, a lei prevê que, em se tratando de supressão
contratual unilateral pela Administração, na hipótese de o contratado já ter comprado os
materiais e os colocado no local da obra, este será indenizado pelo valor de custo de
aquisição.

8.2.1.2. Rescisão unilateral do contrato

Quando da celebração de um contrato há um ajuste inicial de vontades entre as partes, o qual


deve ser cumprido. Assim, em regra, para encerrá-lo antes do prazo final, também se faz
necessário um acordo entre as partes. No entanto, a lei prevê algumas situações em que a
Administração poderá rescindir o contrato administrativo de forma unilateral, sem
depender, portanto, da concordância do contratado.

Logo, conforme estipulado no artigo 79, inciso I, da Lei n. 8.666/93, a rescisão do contrato
administrativo poderá ser feita de forma unilateral, pela Administração Pública, nos casos
previstos nos incisos I a XII e no inciso XVII do artigo 78 desse diploma legal, hipóteses que
serão detalhadas no tópico “extinção do contrato administrativo”. Esta possibilidade segue
sendo resguardada à administração no regime da Lei n. 14.133/2021, haja vista teor de seu
artigo 90.

Ressalta-se: apenas a Administração pode fazer a rescisão unilateral. Nas hipóteses previstas
nos incisos XIII a XVI do referido artigo 78, por exemplo, resta ao contratado a tentativa de
celebrar um acordo com a contratante, não podendo agir unilateralmente. No entanto, para se
chegar a esse consenso deve haver conveniência para a Administração. Assim, não sendo
possível a rescisão amigável, a solução se dará pela via judicial (artigo 79, inciso III, da Lei n.
8.666/93).

135
8.2.1.3. Fiscalização

A Administração possui a prerrogativa de fiscalizar o contrato, não tendo o contratado o


mesmo direito. Melhor dizendo, a fiscalização é uma obrigação do Estado e não de um mero
direito: a lei impõe à Administração o dever de fiscalizar e acompanhar toda a execução
contratual, possuindo a faculdade de contratar terceiros para subsidiar a fiscalização, isto é,
para auxiliar no cumprimento da obrigação, sendo vedada, porém, a contratação a título de
substituição.

Um exemplo do exercício da citada faculdade está na possibilidade de contratação do autor


do projeto básico ou executivo apenas como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização,
supervisão ou gerenciamento, conforme disposto no § 1 o do artigo 9o da Lei n. 8.666/93, sendo
vedada a sua participação na execução propriamente dita.

De toda forma, é do contratado a responsabilidade pelos danos causados à Administração ou


a terceiros durante a execução contratual, desde que decorrentes de sua culpa ou dolo,
falando-se, portanto, em responsabilidade civil subjetiva. Nesses casos não há previsão legal
para que a Administração seja responsabilizada, pelo contrário: o artigo 70 da Lei de Licitações
dispõe que tal responsabilidade não é reduzida ou excluída pela fiscalização ou
acompanhamento pelo órgão interessado. Nota-se, portanto, que o dever de fiscalização
incumbido à Administração não é suficiente para afastar toda a responsabilidade do
contratado.

Quanto aos demais encargos contratuais, o artigo 71 da Lei n. 8.666/93 prevê: “O contratado
é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da
execução do contrato” (BRASIL, 93). No entanto, no que se refere aos débitos previdenciários,
o § 2o do referido dispositivo legal amplia a responsabilização prevista no caput, impondo à
Administração responsabilidade solidária com o contratado. Assim, ambas as partes são
igualmente responsáveis pelo pagamento dos débitos previdenciários. Esta mesma lógica foi
transposta ao regime da Lei 14.133/2021, como extra-se de seu artigo 103.

Por fim, é necessária uma atenção especial quanto aos encargos trabalhistas decorrentes dos
contratos administrativos. Isso porque, apesar de a lei não atribuir qualquer tipo de
responsabilidade trabalhista à Administração, conforme o § 1 o do artigo supracitado, que aduz
que “A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e

136
comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento (...)”
(BRASIL, 93), a Justiça do Trabalho vinha responsabilizando a Administração Pública pelos
encargos trabalhistas.

Em virtude de tal divergência, o STF, ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.


16, confirmou a constitucionalidade do artigo 71, § 1 o, da Lei n. 8.666/93, e deu a exata
compreensão do dispositivo.

STF EM AÇÃO:

ADC n. 16: EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a


administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência
consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes
da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida
pelo art., 71, § 1o, da Lei federal n. 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma.
Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É
constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1o, da Lei federal n. 8.666, de 26 de junho de 1993,
com a redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995.

No entanto, no referido julgamento, o Supremo firmou uma exceção ao entendimento


supracitado no que concerne aos encargos trabalhistas decorrentes da relação contratual,
entendendo pela possibilidade de responsabilização subsidiária e subjetiva da Administração
Pública nos casos em que esta for omissa na atividade de fiscalização.

8.2.1.4. Aplicação de penalidades

Conforme se observa do disposto nos artigos 87 a 89 da Lei n. 8.666/93, se a Administração


Pública, no exercício do seu dever de fiscalização, encontrar algum ato ilícito, com previsão

137
legal, além da possibilidade de rescindir o contrato de forma unilateral, poderá, ainda, proceder
à aplicação de alguma sanção ao contratado. São espécies de sanções:

1. Advertência

2. Multa

3. Suspensão

4. Declaração de inidoneidade

Convém observar que este sistema fora ligeiramente alterado com o advento da Lei n.
14.133/2021, tendo mantido as sanções de advertência, multa e declaração de inidoneidade,
mas incluindo em seu art. 156, III, a penalidade de declaração de impedimento de licitar e
contratar.

São importantes breves considerações sobre algumas dessas espécies. Quanto à multa,
convém destacar que é a única sanção que pode ser aplicada de forma cumulativa. No que
tange à suspensão, o contratado fica proibido de contratar com a Administração Pública por
até dois anos, enquanto na declaração de inidoneidade, sanção mais grave, o contratado não
poderá contratar com a Administração pelo prazo mínimo de dois anos (no regime da Lei n.
8.666/93), ou três anos (caso o contrato seja regulamentado pela Lei n. 14.133/2021).Caso
haja tal condenação, fica também o contratado, obrigado a ressarcir todo o prejuízo causado
ao ente público.

No que se refere à extensão na aplicação dessas penalidades, o Tribunal de Contas da União


entende que, em caso de suspensão, o contratado ficará impedido de contratar apenas com
o órgão que aplicou a sanção. Já no caso de declaração de inidoneidade, não poderá
estabelecer relação contratual com o Estado no geral. No entanto, o Superior Tribunal de
Justiça possui entendimento mais abrangente, segundo o qual, em ambas as hipóteses,
atingirá todos os níveis da federação, ficando o contratado impedido de contratar com
qualquer órgão da Administração Pública. Essa posição já é adotada em alguns julgados mais
recentes do TCU.

Por fim, conforme bem disciplinado por Mazza (2021), “as referidas penas somente podem
ser aplicadas após a instauração de processo administrativo, com garantia de contraditório e
ampla defesa” (n.p). Nesse sentido, desde que haja garantia dos citados direitos do contratado

138
e havendo justa causa, nada impede que a Administração aplique uma sanção mais grave
antes de uma mais leve.

8.2.1.5. Exigência de garantia

Tanto o artigo 56 da Lei n. 8.666/93, quanto o artigo 58 da Lei n. 14.133/2021 preveem a


possibilidade de exigência de garantia nas contratações de obras, serviços e compras, desde
que previsto no instrumento convocatório. A Administração Pública possui, portanto, o poder
de exigir alguma garantia para contratar. A escolha da garantia a ser prestada, porém, cabe
ao contratado, conforme a sua conveniência, podendo escolher dentre as seguintes
modalidades:

1. Caução em dinheiro ou em títulos públicos

2. Seguro garantia

3. Fiança bancária

A exigência de garantia pela Administração encontra, contudo, disciplina e parâmetros


estabelecidos na legislação. A legislação vigente impõe limites à garantia: para participar
da licitação pode ser exigida uma garantia de até 1% do valor do contrato, ao passo que para
a contratação o limite é de 5%.

Nos casos de contratação de grande vulto, isto é, quando o contrato supera em 25 vezes o
valor de R$ 1.500.000,00, ou quando se tratar de contrato de alta complexidade técnica, a lei
permite que a garantia para a contratação chegue até o percentual de 10% do valor do
contrato.

Ademais, quando houver entrega de bens pela Administração Pública, deve haver a prestação
de uma garantia adicional no valor dos bens.

8.2.1.6. Anulação do contrato

A anulação do contrato decorre da existência de alguma ilegalidade, seja no próprio contrato


ou no procedimento licitatório. Segundo previsão legal, quando um contrato é anulado, todos

139
os efeitos já produzidos são desconstituídos e há impedimento na produção de novos, ou seja,
a anulação possui efeito ex tunc, ou seja, retroativo.

Uma vez anulado o contrato, o contratado deverá ser indenizado pelo que houver executado
até o momento da anulação, bem como por outros eventuais prejuízos que tiver sofrido, salvo
nos casos em que tiver dado causa à anulação. O referido artigo já foi objeto de análise pelo
Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela sua validade e conformidade com a
Constituição Federal.

8.2.1.7. Retomada do objeto e ocupação temporária

Nos termos do artigo 58, inciso V, da Lei n. 8.666/93, em caso de anulação do contrato
administrativo, para não interromper a prestação de um serviço indispensável à sociedade, a
Administração Pública poderá proceder à ocupação temporária dos bens, serviços e pessoas
da empresa contratada. Esta, por sua vez, não possui a faculdade de se opor à referida
ocupação, devendo a Administração, porém, pagar pela utilização. Esta sistemática acabou
sendo modificada pelo regime da Lei n. 14.133/2021, que estabeleceu formas de seguro para
evitar que rescisões contratuais sejam traumáticas à prestação de serviços indispensáveis.

8.2.1.8. Restrição ao uso da exceptio non adimpleti contractus (exceção ao


contrato não cumprido)

Em termos gerais, em todos os contratos celebrados há implicitamente a cláusula da exceção


ao contrato não cumprido, a qual determina que uma parte só pode exigir a contraprestação
da outra se já houver cumprido com a sua obrigação contratual. Em outras palavras, se uma
parte estiver inadimplente no contrato, não poderá exigir que a outra cumpra com a sua
respectiva obrigação.

Sempre se discutiu se a cláusula poderia ser aplicada aos contratos administrativos, até que
a Lei n. 8.666/93 positivou a prerrogativa conferida à Administração Pública de atrasar o
pagamento ao contratado em até 90 dias sem que reste configurada a mora contratual por
parte desta. Nesse caso é vedado ao contratado interromper a execução do contrato. No

140
entanto, caso o atraso seja superior a 90 dias, o contratado poderá fazer uso da cláusula de
exceção ao contrato não cumprido.

Nesse sentido, conclui-se que a cláusula não possui aplicação integral aos contratos
administrativos, sendo aplicada de modo relativizado, restritivo.

8.2.2. Equilíbrio econômico-financeiro

“Qualquer circunstância especial capaz de alterar a margem de lucro do contratado autoriza


uma modificação na remuneração a ele devida” (MAZZA, 2021, n.p.). Tal entendimento
decorre da interpretação do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, o qual prevê, dentre
outras coisas, que durante toda a execução contratual devem ser mantidas as condições
iniciais. Nesse sentido, na ocorrência de qualquer fato superveniente que quebre essa relação
inicial, deve ser feito um reajuste ou uma revisão contratual para restaurar o equilíbrio
econômico-financeiro existente quando da formação da relação contratual.

Reajuste é a terminologia apropriada para denominar a atualização do valor


remuneratório ante as perdas inflacionárias ou majoração nos insumos.
Normalmente, as regras de reajuste têm previsão contratual e são
formalizadas por meio do instituto denominado apostila. Já revisão ou
recomposição são alterações no valor efetivo da tarifa, quase sempre sem
previsão contratual, diante de circunstâncias insuscetíveis de recomposição
por reajuste. Portanto, no reajuste é promovida uma simples atualização
monetária da remuneração, ao passo que na revisão ocorre um aumento
real no valor pago ao contratado (MAZZA, 2021, n.p.). (destaques nossos)

Quanto às classificações das situações que autorizam revisão na remuneração do contratado,


não há um consenso doutrinário. Segundo Mazza (2021), no contexto dos concursos públicos,
as figuras identificadas pelos autores mais importantes são:

1. Alteração unilateral do contrato: é uma circunstância interna do contrato, visto se


tratar de modificação qualitativa ou quantitativa no objeto do contrato, devendo, por
consequência, ser feita a adequação proporcional no valor pago ao contratado.

2. Fato do príncipe: refere-se à ocorrência de fato não relacionado diretamente com o


contrato e que afeta toda a sociedade, ou seja, trata-se de um acontecimento externo
e geral, provocado pelo Estado, mas que repercute no contrato administrativo,
provocando o seu desequilíbrio econômico-financeiro.

141
3. Fato da administração: é qualquer comportamento da Administração, por meio de
ação ou omissão, como parte contratual, que retarda ou torna impossível a execução
do contrato.

4. Álea econômica (teoria da imprevisão): se refere à ocorrência de evento de


natureza econômica, externo ao contrato, imprevisível e inevitável, não provocado por
nenhuma das partes contratuais e que torna a execução impossível ou excessivamente
onerosa para o contratado.

5. Sujeições imprevistas ou interferências imprevistas: diz respeito às dificuldades


de ordem material imprevisíveis.

6. Agravos econômicos resultantes da inadimplência da Administração: trata-se


de desequilíbrio pelo atraso no pagamento da remuneração devida ao contratado.

8.3. Duração, extinção, inexecução, sanções e responsabilidade

Como regra, conforme previsão legal, o contrato administrativo terá duração enquanto
durarem os créditos orçamentários que forem repassados para o órgão. Assim, a forma natural
de extinção da relação jurídica contratual ocorre em razão do advento do prazo final ou devido
à conclusão do objeto contratado. No entanto, a lei prevê, por exceção, casos em que o
contrato poderá extrapolar o prazo estipulado, assim como prevê outros meios de extinção do
vínculo contratual, os quais podem estar relacionados a hipóteses de inexecução do contrato,
o que eventualmente dará causa à sanção e à responsabilização do contratado.

Alguns desses itens já foram explanados em tópicos anteriores. Dessa forma, quanto às
sanções, vide subtópico 8.2.1.4 desta apostila e, quanto à responsabilidade, vide item 8.2.1.3.

8.3.1. Duração dos contratos administrativos

Nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.666/93, é vedada a existência de contratos administrativos


com prazo indeterminado. Assim, como regra geral, referido dispositivo legal estipula que “a
duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos
orçamentários (...)” (BRASIL, 1993). Conforme a Lei Orçamentária Anual, tal crédito tem

142
duração de um ano. Logo, pode-se afirmar que, em regra, os contratos terão o prazo
determinado de um ano.

No entanto, nos incisos do artigo 57 da Lei 8.666/93 estão previstos contratos que, por
exceção, poderão ultrapassar o referido prazo de um ano, sendo relativos:

1. Aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas


no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da
Administração e desde que haja previsão no ato convocatório. O PPA possui
duração de quatro anos, e traz a previsão de despesas e de receitas para os quatro
anos subsequentes. Segundo a Constituição Federal, toda programação de longo prazo
do governo, isto é, que dure mais do que um exercício financeiro, deve estar prevista
no PPA. Logo, enquanto houver previsão no PPA, os contratos, referentes a esses
projetos, terão a sua duração prorrogada.

2. À prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão


ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à
obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada
a 60 meses. Serviços de natureza contínua são aqueles que têm permanência exigida,
tais como serviços de limpeza urbana e de segurança pública.

Excepcionalmente, tais contratos podem, desde que haja justificativa e mediante a


autorização da autoridade superior, ser prorrogados por mais 12 meses. Logo, são, até
60 meses, prorrogáveis, excepcionalmente, por mais 12 meses, totalizando 72 meses.

3. Ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática,


podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 meses após o início da
vigência do contrato.

4. Às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos
contratos poderão ter vigência por até 120 meses, caso haja interesse da
administração.

A Lei n. 14.133/2021 trouxe uma profunda modificação neste regramento. Importante salientar
que em seu artigo 109, passou a permitir contratos com prazo indeterminado, nos contratos
em que seja usuária de serviço público oferecido em regime de monopólio, desde que

143
comprovada, a cada exercício financeiro, a existência de créditos orçamentários vinculados à
contratação.

Pela nova lei, os contratos poderão ter duração superior a um ano desde que observem a
disponibilidade orçamentária, sendo expressamente previstas hipóteses em que contratos
podem ter duração de até cinco anos (artigo 106) e dez anos (artigo 108).

8.3.2. Inexecução dos contratos administrativos

A inexecução se refere ao descumprimento, de parte ou do todo, dos termos pactuados no


contrato. Nos termos do artigo 77 da Lei n. 8.666/93: “A inexecução total ou parcial do contrato
enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou
regulamento” (BRASIL, 1993). Essa inadimplência contratual pode resultar de um ato ou de
uma conduta omissiva do agente contratado, bem como pode ser decorrente de causas
supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis, que justifiquem a inexecução do contrato. Lógica
similar é adotada na Lei n. 14.133/2021, que é clara em seu artigo 115 ao prever a
responsabilização do contratado caso dê causa ao inadimplemento contratual: “O contrato
deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as
normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou
parcial”.

No primeiro caso, de inexecução total, além da possibilidade de ocorrer a rescisão contratual


unilateral (cláusula exorbitante – vide subtópico 8.2.1.2), a Administração Pública pode, ainda,
proceder à aplicação de sanções ao contratado, como a advertência, a multa, a suspensão e
a declaração de inidoneidade (vide subtópico 8.2.1.4).

A segunda hipótese, de inexecução parcial, se refere às chamadas causas justificadoras de


inexecução do contrato. A ocorrência de tais causas tanto pode acarretar a paralisação
momentânea da execução quanto pode gerar a impossibilidade total de executar o contrato.
No entanto, em qualquer desses casos, o contratado não é considerado descumpridor, visto
se tratar de situações extraordinárias, que não decorrem de sua vontade.

Dessa forma, pela ausência de culpa, nas hipóteses das causas justificadoras de inexecução
do contrato, não haverá a imposição de sanção ao contratado, podendo ser feita uma revisão
contratual ou a sua rescisão. Essas causas justificadoras de inexecução possibilitam a

144
renegociação do contrato, por serem fatos supervenientes e que quebram a relação inicial
formada, gerando um desequilíbrio econômico-financeiro. Essas causas foram trabalhadas no
subtópico 8.2.2.

8.3.3. Extinção dos contratos administrativos

“O contrato administrativo pode ser extinto em decorrência da conclusão do objeto, do término


do prazo, de anulação motivada por defeito ou de rescisão” (MAZZA, 2021, n.p).

1. Término do prazo ou conclusão do objeto contratado:

Como já introduzido, essas são as formas naturais de encerrar um contrato


administrativo. A primeira se justifica pela regra de acordo com a qual todo contrato de
direito público celebrado pela Administração deve ter prazo certo. Já a segunda está
relacionada à cláusula obrigatória de definição do objeto contratual: após a conclusão
deste, o contrato, consequentemente, também estará concluído.

2. Rescisão:

A rescisão é uma forma de extinção contratual, não natural, em que o contrato é extinto
antes do seu prazo final. Pode se dar de três formas:

“O contrato administrativo pode ser extinto em decorrência da conclusão do objeto, do término


do prazo, de anulação motivada por defeito ou de rescisão” (MAZZA, 2021, n.p).

1. Término do prazo ou conclusão do objeto contratado:

Como já introduzido, essas são as formas naturais de encerrar um contrato


administrativo. A primeira se justifica pela regra de acordo com a qual todo contrato de
direito público celebrado pela Administração deve ter prazo certo. Já a segunda está
relacionada à cláusula obrigatória de definição do objeto contratual: após a conclusão
deste, o contrato, consequentemente, também estará concluído.

3. Rescisão:

A rescisão é uma forma de extinção contratual, não natural, em que o contrato é extinto
antes do seu prazo final. Pode se dar de três formas:

145
a) amigável: decorre de um acordo de vontades celebrado entre o contratado e
a Administração Pública. Alguns dos casos que justificam a celebração desse
acordo estão previstos nos incisos XIII a XVI do artigo 78 da Lei n. 8.666/93:

XIII – a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras,


acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no
§ 1o do art. 65 desta Lei;

XIV – a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por


prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública,
grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas
suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento
obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas
desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado,
nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das
obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela


Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas
destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública,
grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o
direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que
seja normalizada a situação;
XVI – a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para
execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como
das fontes de materiais naturais especificadas no projeto (BRASIL, 2019).

b) judicial: é a extinção “determinada pelo Poder Judiciário em razão de


inadimplemento do contratante ou do contratado” (MAZZA, 2021, n.p.). A via
judicial normalmente é buscada pelo contratado quando, interessado em
rescindir o contrato, não consegue celebrar um acordo com a Administração
Pública. Tal situação se justifica pelo fato de a rescisão unilateral ser uma
cláusula exorbitante, sendo, portanto, direito exclusivo da Administração (vide
subtópico 8.2.1.2). Dessa forma, caberá ao juiz a declaração da rescisão do
contrato e a consequente extinção da relação jurídica contratual.

c) Unilateral: nesses casos, a extinção contratual se dá, nas hipóteses legais,


por ato exclusivo da Administração Pública, independentemente de consenso do
contratado (vide subtópico 8.2.1.2). Por oportuno, convém especificar as
situações elencadas pelos incisos do artigo 78 da Lei n. 8.666/93, que permitem
à Administração o exercício dessa prerrogativa:

146
I ‫ ؘ‬o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou
prazos;
II – o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos
e prazos;
III – a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a
impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos
prazos estipulados;
IV – o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;
V – a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e
prévia comunicação à Administração;
VI – a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do
contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como
a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;
VII – o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada
para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus
superiores;
VIII – o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma
do § 1o do art. 67 desta Lei;
IX – a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
X – a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
XI – a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da
empresa, que prejudique a execução do contrato;
XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento,
justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a
que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a
que se refere o contrato.
XVII – a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente
comprovada, impeditiva da execução do contrato.
XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das
sanções penais cabíveis (BRASIL, 2019).

3. Anulação: vide subtópico 8.2.1.6.

“Helly Lopes Meirelles menciona ainda a rescisão de pleno direito, que independe da vontade
das partes e produz efeitos automaticamente pela ocorrência de fato extintivo previsto em lei,
regulamento ou contrato. Exemplos: falência, insolvência ou falecimento do contratado”
(MAZZA, 2021, n.p.).

É importante destacar que não existe revogação de contrato administrativo. A revogação


é cabível, em regra, para atos administrativos, os quais são praticados de forma unilateral. No
caso de ato contratual há um ajuste de vontade entre as partes. Dessa forma, é possível a
revogação da licitação, mas após a celebração do contrato, este só poderá ser extinto,
antes do prazo final, por meio de rescisão ou anulação. No entanto, há uma exceção: é
possível falar em revogação de um contrato de permissão de serviço público, visto que este
possui caráter precário, podendo ser revogado a critério da Administração Pública.

147
Por fim, ressalta-se que, em alguns casos, a extinção contratual pode conferir ao contratado
o direito à indenização. Para tanto, é necessária a ocorrência simultânea de três condições,
sendo elas: extinção não natural, isto é, antecipada; relação jurídica não precária; e boa-fé do
contratado, não podendo este ter concorrido para o fim da relação contratual.

148
Mapa Mental

Contratos
Administrativos

Cláusulas Rescisão Características Inexecução


exorbitantes

Alteração Submissão ao Causas


Amigável Direito
unilateral justificadoras
Administrativo

Rescisão Finalidade Equilíbrio


Unilateral econômico-
Unilateral Pública
financeiro

Fiscalização Contrato de
Judicial adesão

Aplicação de
Pessoal
penas

Garantias Mutabilidade

Exceção ao
contrato não Formalismo
cumprido

Comutatividade

149
Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1993.
______. Lei n. 14.133, de 01º de abril 2021. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 2021.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.

150
9. Bens Públicos
No ordenamento jurídico brasileiro, os bens podem ser classificados em públicos ou privados.
Em termos gerais, um bem será privado quando não for público e, assim, estará sujeito a um
regime diferente, visto que um bem público possui um regime especial, composto por um
conjunto de prerrogativas e restrições. Nesse sentido, resta clara a importância da
compreensão do conceito de bens públicos.

No entanto, muito se discute acerca da concepção de bem público. Segundo Mazza (2021),
entre os administrativistas, o conceito apresentado pela legislação não é amplamente aceito
por todos os autores, ensejando uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial.

Para melhor compreensão, cumpre assinalar a diferença entre os conceitos de domínio


público e de bens públicos:

Denomina-se domínio público, em sentido estrito, o conjunto de bens móveis e


imóveis, corpóreos e incorpóreos, pertencentes ao Estado. Assim, em uma
primeira aproximação, pode-se dizer que o domínio público é constituído pelo
somatório dos bens públicos, do patrimônio atribuído pelo ordenamento jurídico
às pessoas componentes da organização estatal. A expressão “bem público”,
no entanto, é mais abrangente do que “domínio público” porque existem bens
públicos que são regidos por princípio do direito privado (MAZZA, 2019, n.p.)

9.1. Conceito, classificação, afetação e desafetação

9.1.1. Conceito

Nos termos do artigo 98 do Código Civil, “são públicos os bens do domínio nacional
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares,
seja qual for a pessoa a que pertencerem” (BRASIL, 2002). Nota-se que a legislação
brasileira adota um critério baseado na titularidade dos bens para classificá-los como
públicos ou privados, sendo exigido que pertençam à pessoa jurídica de direito público interno
para serem um bem público, isto é, que sejam de propriedade da União, Estados, Distrito
Federal, Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas de direito público.

Esse conceito, porém, não é aceito por todos os autores, na medida em que alguns
consideram a definição legal insatisfatória e restritiva. Logo, não há na doutrina uma

151
unanimidade na conceituação de bens públicos. Nesse sentido, Mazza (2021) apresenta três
correntes principais acerca das diferentes conceituações:

1. Corrente exclusivista: os doutrinadores que compõem essa corrente, como José


dos Santos Carvalho Filho, defendem a concepção explicitamente adotada pelo
legislador brasileiro no Código Civil. Assim, vinculam o conceito de bem público à
titularidade desse bem, ou seja, são considerados públicos todos os bens que
pertencem ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público.

2. Corrente inclusivista: composta por autores como Hely Lopes Meirelles e Maria
Sylvia Zanella Di Pietro, essa corrente defende que são bens públicos todos aqueles
pertencentes à Administração pública direta e indireta.

A corrente inclusivista peca por não tornar clara a diferença de regime jurídico
entre bens afetados à prestação de serviços públicos (pertencentes ao domínio
das pessoas estatais de direito público e ao das pessoas privadas prestadoras
de serviços públicos) e aqueles destinados à simples exploração de atividades
econômicas, como os que fazem parte do patrimônio das empresas públicas e
sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica (MAZZA,
2021, n.p).

3. Corrente mista: os defensores dessa corrente adotam um ponto de vista


intermediário em relação às outras duas correntes, na medida em que vinculam ao
conceito de bem público tanto a ideia de titularidade, quanto a sua destinação. Dessa
forma, autores como Celso Antônio Bandeira de Mello entendem que sejam “bens
públicos todos os que pertencem a pessoas jurídicas de direito público, bem como os
que estejam afetados à prestação de um serviço público” (MAZZA, 2021, n.p), estando
inserido nesse rol, portanto, bens de propriedade de pessoa jurídica de direito privado
indispensáveis à continuidade da prestação de serviço público. Nesses casos, trata-se
de bens privados sujeitos às regras do regime jurídico dos bens públicos. Essa sujeição
se justifica, notadamente, com base no princípio da continuidade dos serviços públicos,
visando à proteção dos bens e, consequentemente, do interesse público, por meio da
não interrupção dos serviços prestados. É o que ocorre, por exemplo, com os bens da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública (que detém
personalidade jurídica de direito privado): os bens da empresa destinados à prestação
do serviço, embora sejam privados, se sujeitam a atributos exclusivos dos bens
públicos.

152
Vistos os diferentes posicionamentos existentes, nota-se que, à exceção da corrente
exclusivista, que defende a concepção legal, as demais correntes ampliam o conceito de bens
públicos. Nesse sentido, muitas vezes o conceito dado pelo legislador brasileiro é afastado
em prol de conceituação doutrinária, notadamente, da corrente mista, que é adotada pelos
Tribunais Superiores.

No entanto, importa destacar que, segundo Mazza (2021), “para concursos públicos tem
sido preponderantemente aceita a corrente baseada no art. 98 do Código Civil, denominada
exclusivista, que considera públicos somente os bens pertencentes às pessoas jurídicas de
direito público” (n.p.).

9.1.2. Classificação

Tradicionalmente, os bens públicos podem ser classificados a partir da análise de três


critérios: titularidade, destinação e disponibilidade.

9.1.2.1. Quanto à titularidade

Quanto ao seu titular, um bem público pode ser classificado em federal, estadual, distrital ou
municipal, conforme o ente federativo a que pertença. No caso de bens de autarquias e
fundações públicas, a classificação se dará nos mesmos termos, conforme for a vinculação
destas com as entidades políticas.

9.1.2.1.1. Bens da União ou federais

O artigo 20 da Constituição Federal elenca, de forma exemplificativa, os bens pertencentes à


União, sendo eles:

1. Os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos: esse
inciso deixa claro o caráter meramente exemplificativo do rol apresentado nesse
dispositivo legal, podendo a União vir a adquirir outros bens.

2. As terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e


construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação

153
ambiental, definidas em lei: trata-se de uma exceção. Terra devoluta é aquela
“devolvida ou a ser devolvida ao Estado”, sendo, em todo caso, terra pública. Como
regra, porém, essas terras pertencem ao Estado. Assim, apenas as especificadas neste
inciso pertencem à União.

3. Os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou


que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se
estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos
marginais e as praias fluviais: um exemplo de rio de titularidade da União é o rio São
Francisco, o qual banha mais de um Estado.

Terrenos marginais, também chamados de terrenos reservados, são porções de terra


às margens dos lagos, rios ou correntes de água que se estendem até 15 metros,
medidos horizontalmente para a parte da terra, contados a partir da Linha Média das
Enchentes Ordinárias. O seu domínio se dará conforme a titularidade do lago, rio ou
corrente de água que o banha.

Nesse sentido, é necessário atenção quando um rio, por exemplo, passar por uma
propriedade particular: o curso d’água, bem como o seu terreno marginal, continuará
sendo um bem público e, assim, em caso de desapropriação, estas partes não entrarão
no cálculo da indenização.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 479 do STF: As margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis
de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização.

Quanto às praias fluviais, as chamadas praias de rios, cumpre destacar que serão de
domínio da União apenas se o rio também o for. Por outro lado, sendo o rio de domínio
do Estado, a praia fluvial também pertencerá a este.

4. As ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias
marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que
contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço

154
público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II: nota-se que
nesse inciso não há ressalva apenas quanto às ilhas oceânicas e às praias marítimas,
ou seja, toda ilha em alto mar e toda praia de mar pertencem à União.

Quanto às ilhas costeiras, isto é, localizadas próximas da costa, é preciso muita atenção
na interpretação do inciso. Nesse sentido, tem-se que, como regra, as ilhas costeiras
pertencem à União. Por exceção, porém, as ilhas costeiras que contenham a sede
de Município serão de propriedade do respectivo Município, excluídas desse
domínio as áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as
referidas no art. 26, II. Essas áreas excluídas serão bens públicos federais, tratando-
se, portanto, de uma exceção da exceção.

É o que ocorre, por exemplo, com Florianópolis: essa ilha é sede do município, sendo,
portanto, de sua propriedade. No entanto, eventuais hospitais federais ou parques
nacionais que lá existam continuam sendo da União.

Por fim, importa destacar que as ilhas oceânicas que formam Fernando de Noronha
pertencem ao estado de Pernambuco por uma exceção, baseada em questões
históricas, constando do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art.
15, que aduz: “Fica extinto o Território Federal de Fernando de Noronha, sendo sua
área reincorporada ao Estado de Pernambuco” (BRASIL, 1988).

5. Os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva:


a primeira compreende o solo e o subsolo das áreas submarinas, enquanto a segunda
corresponde a uma faixa que, contada a partir das linhas-base de medição da largura
do mar, se estende das 12 às 200 milhas marítimas.

6. O mar territorial: a definição é extraída do artigo 1o da Lei n. 8.617, de 1993: “Art.


1o O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de
largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como
indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil”.

7. Os terrenos de marinha e seus acrescidos: são aqueles que ocupam, na marinha,


a área compreendida da linha de preamar médio do ano de 1831 até 33 metros em
direção à terra, medidos horizontalmente. Quanto aos acrescidos, os artigos 2 o e 3o do
Decreto-lei n. 9.760/46 definem que são “os que se tiverem formado, natural ou

155
artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos
de marinha”.

8. Os potenciais de energia hidráulica.

9. Os recursos minerais, inclusive os do subsolo: nota-se que o inciso não traz


exceção. Dessa forma, mesmo quando se tratar de terreno particular, os recursos
minerais ali existentes serão de propriedade da União.

10. As cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-


históricos.

11. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios: os índios possuem


usufruto vitalício das terras por eles ocupadas, sendo de propriedade da União.

Apresentado o rol elencado pela Constituição Federal, convém atentar ao aduzido no § 2 o do


mesmo dispositivo legal. Da interpretação do dispositivo se extrai que é da União o dever de
proteger a “faixa de fronteira, considerada fundamental para a defesa do território nacional”,
não significando, contudo, que se trata de bem federal. Portanto, cuidado: na faixa de fronteira
pode haver bem particular, da União, dos Estados e dos Municípios.

9.1.2.1.2. Bens estaduais

No que se refere aos pertencentes aos Estados, a Constituição Federal enumera em seu artigo
26, mais uma vez de forma exemplificativa, os seguintes bens:

1. As águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,


ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.

2. As áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio,


excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros.

3. As ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União.

4. As terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Nota-se que, em regra, os bens elencados como sendo estaduais, pela Constituição, possuem
caráter residual em relação aos bens de titularidade da União. Isto é, o bem público fora do
rol de bens federais será um bem estadual. Um exemplo são as terras devolutas: se elas não

156
forem indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das
vias federais de comunicações e à preservação ambiental, elas serão de propriedade do
Estado.

9.1.2.1.3. Bens municipais

Não há disposição constitucional que estabeleça quais bens são de propriedade do Município.
No entanto, isso não quer dizer que os municípios não os possuam. Assim como ocorre com
os estados em relação à União, os bens municipais também possuem caráter residual: se o
bem não for de titularidade da União, será do Estado e, não sendo do Estado, será do
Município.

Como regra, as ruas, praças e os jardins públicos são pertencentes ao Município. Ademais,
importante lembrar a exceção referente às ilhas costeiras: aquelas que contenham sede de
Município serão de propriedade da respectiva urbe (vide item 4 do subtópico 9.1.1.1.1).

9.1.2.1.4. Bens do Distrito Federal

“Devem ser assim considerados todos os bens onde estão instaladas as repartições públicas
distritais, tanto quanto os indispensáveis para prestação dos serviços públicos de atribuição
do Distrito Federal” (MAZZA, 2021, n.p.).

9.1.2.2. Quanto à destinação (uso)

Conforme essa classificação, como o nome evidencia, prevalece o critério da destinação


pública, não estando presente o sentido técnico de propriedade. Assim, nos termos do artigo
99 do Código Civil, quando da análise do objetivo a que se destinam, os bens públicos, de
qualquer dos entes federativos, podem ser de três tipos:

1. Bens de uso comum do povo: também conhecidos como bens do domínio público,
são aqueles destinados ao uso comum e geral de toda a comunidade, tais como os
rios, os mares, as estradas, ruas e praças.

Em regra, são colocados à disposição da população gratuitamente. Nada


impede, porém, que seja exigida uma contraprestação (remuneração) por parte

157
da administração pública. Um exemplo rotineiro de utilização remunerada de
bem de uso comum do povo é a cobrança de estacionamento rotativo
(cobrança por horas de uso) em áreas públicas (ruas e praças) pelos
municípios (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 1126).

2. Bens de uso especial: também são chamados de bens do patrimônio administrativo,


são aqueles que se destinam à prestação de serviço administrativo ou ao uso especial
coletivo. São exemplos dessa classe de bens os veículos oficiais, os prédios públicos
onde funcionam as repartições administrativas, os bens tombados, os terrenos
ocupados pelos índios, as bibliotecas públicas, os museus e outros locais de acesso
aberto ao público.

3. Bens dominicais ou dominiais: compreendem os bens móveis ou imóveis,


corpóreos ou incorpóreos, que constituem o patrimônio disponível das pessoas
jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma das
entidades. De acordo com o Código Civil de 1916, são “os que constituem o patrimônio
da União, dos Estados ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de
cada uma dessas entidades” (art. 66, III). A noção, aqui, é residual. Se os bens não se
classificarem como bens de uso comum do povo ou de uso especial, serão bens
dominiais. Caracterizam-se por não possuírem destinação específica, não sendo
designados ao uso comum de toda a sociedade nem vinculados à prestação de um
serviço administrativo. São, por exemplo, as terras devolutas e os terrenos da marinha
e seus acrescidos.

9.1.2.3. Quanto à disponibilidade

Os bens públicos se dividem em:

1. Bens indisponíveis por natureza: são aqueles que não são passíveis de alienação
ou oneração, em razão da sua condição não patrimonial. Compõem essa classe os
bens de uso comum do povo. Assim, conforme bem ilustrado por Mazza (2021), “é o
caso do meio ambiente, dos mares e do ar” (n.p.).

Como o informa a expressão, bens indisponíveis são aqueles que não


ostentam caráter tipicamente patrimonial e que, por isso mesmo, as pessoas a
que pertencem não podem deles dispor. Não poder dispor, no caso, significa
que não podem ser alienados ou onerados nem desvirtuados das finalidades a

158
que estão voltados. Significa, ainda, que o Poder Público tem o dever de
conservá-los, melhorá-los e mantê-los ajustados a seus fins, sempre em
benefício da coletividade (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1226).

2. Bens patrimoniais indisponíveis: são aqueles que, apesar de possuírem natureza


patrimonial, são legalmente inalienáveis por possuírem destinação pública específica.
Dessa forma, enquadram-se nessa categoria os bens de uso especial, tais como as
universidades públicas, os veículos oficiais etc.

3. Bens patrimoniais disponíveis: são tidos como disponíveis, isto é, suscetíveis de


alienação, todos os bens dotados de natureza patrimonial sem destinação pública, ou
seja, todos os bens dominicais.

9.1.3. Afetação e desafetação

Os bens de uso comum e de uso especial são bens públicos com destinação específica,
chamados de bens afetados. Enquanto mantiverem essa qualificação, esses bens são
inalienáveis. Por outro lado, os bens dominicais, pela ausência de destinação específica, são
classificados como desafetados e, uma vez preenchidas todas as condições legais, podem
ser objeto de alienação. Nota-se que tais institutos se referem à presença ou não da
destinação pública específica, sendo possível, portanto, a mudança de categoria.

Carvalho Filho traz o conceito de afetação: “Se um bem está sendo utilizado para determinado
fim público, seja diretamente do Estado, seja pelo uso dos indivíduos em geral, diz-se que
está afetado a determinado fim público” (p. 1227). E contrapõe: “Ao contrário, o bem se diz
desafetado quando não está sendo usado para qualquer fim público” (CARVALHO FILHO,
2018, p. 1227).

Mais uma vez, a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

Dessa maneira, pode conceituar-se a afetação como sendo o fato


administrativo pelo qual se atribui ao bem público uma destinação pública
especial de interesse direto ou indireto a Administração. E a desafetação é o
inverso: é o fato administrativo pelo qual um bem público é desativado,
deixando de servir à finalidade pública anterior. Em tal situação, como já se
afirmou corretamente, a desafetação traz implícita a faculdade de alienação do
bem (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1227).

159
Nesse ponto, importa destacar que José dos Santos Carvalho Filho, citando que comungam
do seu entendimento Maria Sylvia Di Pietro e Diógenes Gasparini, aponta que “deve destacar-
se que a afetação e a desafetação constituem fatos administrativos, ou seja, acontecimentos
ocorridos na atividade administrativa independentemente da forma com que se apresentam”
(CARVALHO FILHO, 2018, p. 1228). Acrescenta que, “embora alguns autores entendam a
necessidade de haver ato administrativo para consumar-se a afetação ou a desafetação, não
é essa realmente a melhor doutrina em nosso entender” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1228).

Importa dizer, por fim, que o “fato administrativo tanto pode ocorrer mediante a prática do ato
administrativo formal, como através de fato jurídico de diversa natureza” (CARVALHO FILHO,
2018, p. 1228).

9.2. Regime jurídico: prerrogativas e garantias

Os bens públicos se sujeitam ao regime jurídico de direito público, que é especial pela série
de prerrogativas, garantias e restrições, diferenciando-se dos bens sujeitos a regime jurídico
de direito privado. Nesse sentido, são características dos bens públicos:

9.2.1. Inalienabilidade

A inalienabilidade se refere à impossibilidade de transferência do bem a terceiros, isto


é, não pode ser vendido, doado nem ser objeto de troca ou permuta. No entanto, em termos
gerais, essa não é uma característica aplicada a todos os bens públicos, sendo, portanto,
relativa.

A afetação e a desafetação conferem caráter dinâmico no que se refere à possibilidade de


alienação dos bens públicos. “A afetação e a desafetação servem para demonstrar que os
bens públicos não se perenizam, em regra, com a natureza que adquiriram em decorrência
de sua destinação” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1228).

Por isso, CARVALHO FILHO (2018) fala em “Alienabilidade condicionada” (p. 1229). O autor
explica, citando os dispositivos correspondentes do Código Civil de 2002:

No artigo 100, dispõe o novo diploma: “Os bens públicos de uso comum do
povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar”. O artigo 101, a seu turno, consigna:

160
“Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências
da lei”. Emana de tais preceitos que a regra é a alienabilidade na forma em que
a lei dispuser a respeito, atribuindo-se a inalienabilidade somente nos casos do
art. 100, e assim mesmo enquanto perdurar a situação específica que envolve
os bens (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1230).

Assim, fala-se em inalienabilidade quanto aos bens de uso comum e aos de uso especial,
enquanto conservarem essa natureza, ou seja, enquanto estiverem afetados. Já no que
concerne aos bens dominicais, preenchidas as exigências legais, estes podem ser objeto de
alienação.

Nesse sentido, são condições para a alienação de um bem público desafetado (dominical):

1. Bem federal: as condições estão previstas na lei n. 8.666/93:

a) bens imóveis: necessária avaliação prévia do bem, autorização legislativa


e licitação pela modalidade concorrência;

b) bens móveis: necessária avaliação prévia e licitação na modalidade


concorrência ou leilão, desde que enquadre em alguma das hipóteses em que
este é permitido.

2. Bem estadual ou municipal: as condições são previstas na legislação estadual e


municipal, respectivamente.

9.2.2. Impenhorabilidade

A penhora é um processo especial de execução, por meio do qual um bem é submetido a uma
venda forçada e, com o valor obtido, é feito o pagamento de uma dívida não paga de forma
espontânea. Esse instituto não se aplica aos bens públicos, sendo estes, portanto,
impenhoráveis. Isso porque, se a penhora de bens públicos fosse admitida, a sociedade
seria, na verdade, a principal prejudicada.

Assim, a Administração Pública possui um processo de execução próprio, via


precatórios, que constituem espécie de título executivo judicial contra a pessoa pública e
devem ser incluídos na despesa da entidade quando da elaboração da lei orçamentária anual.
Regendo tal instituto, o artigo 100 da Constituição Federal dispõe:

161
Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital
e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações
orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

9.2.3. Imprescritibilidade

Nos termos do § 3o do artigo 183 da Constituição Federal, “os imóveis públicos não serão
adquiridos por usucapião” (BRASIL, 1988). Nesse sentido, Mazza (2021) diz ser característica
dos bens públicos a imprescritibilidade, pelo fato de eles não estarem submetidos à
possibilidade de prescrição aquisitiva. Em regra, essa é uma característica de todos os bens
públicos. No entanto, há no artigo 2o da Lei n. 6.869/81 uma exceção: é admitida a usucapião
especial de terras devolutas rurais.

Ressalta-se que, quanto aos bens de empresa pública, aos bens de sociedade de economia
mista, a usucapião é possível. Isso se dá não como uma exceção à regra, visto que se trata
de bens privados.

Por fim, importante destacar que o STJ entende pela impossibilidade de usucapião dos bens
da TERRACAP.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

AgRg no REsp 851.906/DF: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.


TERRACAP. BENS PÚBLICOS INSUSCETÍVEIS DE USUCAPIÃO. INDENIZAÇÃO POR
BENFEITORIAS. MERA DETENÇÃO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL QUE
NÃO ATACA FUNDAMENTO DA DECISÃO IMPUGNADA. SÚMULA N. 182/STJ. INOVAÇÃO
RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DECISÃO
MANTIDA. 1. “Os imóveis administrados pela Companhia Imobiliária de Brasília
(TERRACAP) são públicos, sendo insuscetíveis de usucapião” (EREsp 695.928/DF, Rel.
Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/10/2006, DJ 18/12/2006, p.
278). 2. A indevida ocupação de bem público descaracteriza posse, qualificando mera
detenção, de natureza precária, que inviabiliza a pretensa indenização por benfeitorias.

162
Precedentes. 3. É inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente os
fundamentos da decisão agravada. Incidência, por analogia, do obstáculo de que trata a
Súmula n. 182/STJ. 4. Não se conhece de questão jurídica ventilada tão somente em sede de
agravo interno, que revela inadmissível inovação recursal. 5. O dispositivo legal que não fora
previamente analisado na instância ordinária não preenche o requisito do prequestionamento.
Aplicação analógica da Súmula n. 282/STF. 6. Agravo regimental a que se nega provimento
(g.n.).

REsp 1.296.964: RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.


BEM PÚBLICO DOMINICAL. LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO
POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. OCORRÊNCIA.

1. Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos: i) aquela em
que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória ou indenização/retenção
em face do ente estatal e ii) as contendas possessórias entre particulares no tocante a imóvel
situado em terras públicas. 2. A posse deve ser protegida como um fim em si mesmo,
exercendo o particular o poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o
critério para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a afetação
do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de atos possessórios por
um particular. 3. A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem
apenas detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória. 4.
É possível o manejo de interditos possessórios em litígio entre particulares sobre bem público
dominical, pois entre ambos a disputa será relativa à posse. 5. À luz do texto constitucional e
da inteligência do novo Código Civil, a função social é base normativa para a solução dos
conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 6. Nos bens do patrimônio disponível do
Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória
pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social. 7. A ocupação por
particular de um bem público abandonado/desafetado – isto é, sem destinação ao uso público
em geral ou a uma atividade administrativa –, confere justamente a função social da qual o

163
bem está carente em sua essência. 8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais
deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos
(STF, Súm. 340; CF, arts. 183, § 3oº; e 192; CC, art. 102); um dos efeitos jurídicos da posse
– a usucapião – será limitado, devendo ser mantida, no entanto, a possibilidade de invocação
dos interditos possessórios pelo particular. 9. Recurso especial não provido.

9.2.4. Não onerabilidade

Significa dizer que um bem público não pode ser gravado com os direitos reais de garantia.
Nesse sentido, tais bens não podem ser hipotecados nem podem ser objeto de penhor, por
exemplo.

Aqui, importa acrescentar a lição de José dos Santos Carvalho Filho:

No direito público, não podem bens públicos ser gravados com esse tipo de
direitos reais em favor de terceiros. E por mais de uma razão. Primeiramente,
é a própria Constituição que contemplou o regime de precatórios para o
pagamento dos créditos de terceiros contra a Fazenda, excluindo, desse modo,
o sistema da penhora processual. Ora, se aqueles direitos reais se
caracterizam pela possibilidade de execução direta e penhora, como conciliar
essa garantia com o princípio da impenhorabilidade dos bens públicos?
(CARVALHO FILHO, 2018, p. 1233).

9.3. Aquisição e alienação dos bens públicos

O Poder Público pode adquirir um bem, tornando-o, portanto, público, assim como pode
aliená-lo das mais diversas formas.

Quanto às formas de aquisição de bens públicos, Mazza (2021) elenca as seguintes:

1. Contrato: quando há o objetivo de adquirir bens, o Estado pode celebrar, com esse
intuito, entre eles, contratos de compra e venda, de doação, de permuta e de dação em
pagamento.

2. Usucapião: regido pelo artigo 1.238 do CC, importa destacar que o instituto da
usucapião é vedado no que diz respeito aos bens públicos. Contudo, é perfeitamente
possível que o Estado, preenchidas as condições legais, adquira um bem privado pela
prescrição aquisitiva.

164
3. Desapropriação: com base no artigo 5o, XXIV, da CF, o Poder Público pode,
compulsoriamente, transferir para si a propriedade pertencente a terceiro, desde que
fundado na necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

4. Acessão: conforme artigo 1.248 do CC, passa a pertencer ao proprietário do bem


tudo aquilo que lhe adere. Como exemplo, pode-se citar a formação de ilhas.

5. Aquisição causa mortis: a partir das hipóteses constantes nos artigos 1.822 e
1.844, ambos do Código Civil, tem-se, notadamente, que, na ausência de herdeiros, os
bens passarão ao patrimônio público.

6. Arrematação: dá-se pela arrematação de bem penhorado em processo de


execução, em praça ou leilão judicial.

7. Adjudicação: com base no artigo 876 do CPC, o Estado na figura de credor adquire
bens penhorados e praceados.

8. Resgate na enfiteuse: nos termos do artigo 693 do antigo CC, após dez anos o
enfiteuta poderá consolidar a propriedade por meio do devido pagamento ao senhorio
direto.

9. Dação em pagamento: artigo 156, XI, do CTN.

10. Por força de lei (ex vi legis): são formas não usuais de aquisição de bens, com
previsão em normas de direito público, sendo elas: loteamentos, em que algumas áreas
serão automaticamente reservadas ao Poder público para a formação de ruas, por
exemplo; perdimento de bens, sendo exemplo os bens produtos de crimes; reversão
nas concessões de serviços públicos pela transferência, após conclusão do contrato,
dos bens utilizados na execução; e o abandono, conforme artigos 1.276, caput e § 1o
do Código Civil.

Quanto à alienação de bens públicos, inicialmente deve-se lembrar que, conforme o subtópico
9.1.3, apenas os bens dominicais, isto é, desafetados, sem destinação pública específica,
podem ser alienados.

Nesse sentido, os bens dominicais podem ser alienados por meio de:

a) venda (art. 17 da Lei n. 8.666/93); b) doação a outro órgão ou entidade da


administração pública (art. 17, I, b, da Lei n. 8.66/93); c) permuta (art. 17, I, c,
da Lei n. 8.666/93); d) dação em pagamento (art. 356 do CC); e) concessão

165
de domínio (art. 17, § 2o, da Lei n. 8.666/93); f) investidura (art. 17, § 3o, da
Lei n. 8.666/93); g) incorporação; h) retrocessão (art. 519 do CC); i)
legitimação de posse (art. 1o da Lei n. 6.383/76) (MAZZA, 2021, n.p.).

9.4. Utilização dos bens públicos

Os bens públicos podem ser utilizados tanto pelo seu titular, quanto por outras pessoas
jurídicas de direito público às quais sejam cedidos, assim como podem ser utilizados por
particulares. Nesse sentido, a doutrina identifica quatro formas por meio das quais se dá a
utilização por particulares, sendo elas:

1. Quanto à destinação do bem:

a) uso normal: é aquele que se exerce conforme a sua destinação principal. Um


exemplo clássico é a rua aberta à circulação;

b) uso anormal ou extraordinário: como o próprio nome já induz, é aquele em


que há um desvio na destinação principal, requerendo, para tanto, a edição de
um ato formal para a utilização. É o que ocorre, por exemplo, quando uma rua é
fechada para a realização de uma festa.

2. Quanto à exclusividade do uso:

a) uso comum: é aquele exercido igualmente por todos os membros da


coletividade, não necessitando de um título autorizativo, isto é, não é necessária
prévia manifestação do Estado para a utilização do bem;

b) uso privativo: é aquele a que apenas os legitimados pelo Poder Público,


através de título jurídico específico, fazem jus, sendo, portanto, de uso exclusivo.
“O uso privativo tem quatro características fundamentais: privatividade,
instrumentalidade formal, discricionariedade, precariedade e regime de direito
público” (MAZZA, 2019, n.p.). Assim ocorre quando um particular deseja colocar
mesas do seu restaurante na via pública ou instalar bancas de revista e jornal no
calçadão.

166
9.4.1. Utilização privativa dos bens públicos afetados

No que tange ao uso privativo de bens públicos por particulares, tem-se que ele pode ser tanto
dos bens afetados, ou seja, de uso comum e especial, desde que não conflite com o interesse
da coletividade, quanto dos bens desafetados, isto é, dominicais.

No entanto, a doutrina destaca que os bens públicos afetados só podem ter o seu uso
delegado a particulares por meio de instrumentos de outorga de direito público, dentre os
quais:

1. Autorização de uso: “é o ato administrativo unilateral, discricionário, precário e


sem licitação por meio do qual o Poder Público faculta o uso de bem público a
determinado particular em atenção a interesse predominantemente particular”.
(MAZZA, 2021, n.p.). É o caso, por exemplo, da instalação das mesas de bar na
calçada.

2. Permissão de uso: “é o ato administrativo unilateral, discricionário e precário


pelo qual o Poder Público defere o uso privativo de bem público a determinado
particular em atenção a interesse predominantemente público” (MAZZA, 2021, n.p.).
Como regra, para outorga da permissão se exige a prévia realização de licitação,
podendo se dar por qualquer uma das modalidades previstas na Lei n. 8.666/93. Um
exemplo, conforme ilustrado por Mazza (2021), é a utilização de áreas de domínio da
União para a realização de eventos de curta duração.

3. Concessão de uso: é um instrumento com caráter de contrato administrativo, por


meio do qual o Poder Público, mediante prévia licitação e visando
predominantemente interesse público, outorga o uso privativo e obrigatório ao
particular. Nesses termos, a concessão, diferentemente dos outros dois instrumentos
supracitados, não é marcada pela discricionariedade nem pela precariedade, em
razão do prazo certo do contrato, o qual deve ser respeitado pela Administração.
Nesses casos a discricionariedade do Estado existe apenas quanto à gratuidade ou
onerabilidade da concessão.

167
Mapa Mental

Bens Públicos

Utilização pelo
Classificação Características
particular

Normal X Anormal
Titularidade: Inalienabilidade
federais, Comum X Privativo
estaduais,
distritais ou
municipais
Impenhorabilidade Uso privativo –
bem afetado:

Destinação: AUTORIZAÇÃO
comum, PERMISSÃO
especial ou Imprescritibilidade
CONCESSÃO
dominical

Disponibilidade: Não onerabilidade


indisponíveis por
natureza,
patrimoniais
disponíveis ou
patrimoniais
indisponíveis

168
Referências Bibliográficas

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo descomplicado. 26. ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2018.
BRASIL. Código Civil Brasileiro, de 2002. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 2002.
______. Código de Processo Civil, de 2016. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 2016.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei n. 8.666, de 1993. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 1993.
______. Lei n. 14.133, de 2021. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico, 2021.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.

169
10. Serviços Públicos
A Constituição Federal de 1988 separou duas esferas de atividades: o domínio econômico
(artigos 170 a 174) e os serviços públicos (artigos 175 e 176). A principal diferença entre essas
duas esferas está na titularidade das atividades prestadas: enquanto o serviço público é
próprio do Estado, a atividade econômica, também chamada de comercial, é campo de
atuação próprio dos particulares.

Ao classificar uma atividade como serviço público, ela é automaticamente retirada do particular
e atribuída ao Estado, cabendo a este o dever de prestá-la. No entanto, isso não significa dizer
que o particular não poderá desempenhá-la: a restrição está em quem detém a titularidade,
podendo o Estado delegar ao particular, seja por meio de concessão, permissão ou ato de
autorização, a prestação do serviço.

Nesse sentido, não sendo serviço público, a atividade será classificada como de domínio
econômico, isto é, própria de particulares, ocupando o Estado a posição de mero agente
normativo e regulador. Por exceção, porém, nos termos do artigo 173 do diploma
Constitucional, o Estado poderá atuar na atividade econômica diretamente em
concorrência com o particular quando houver motivo de segurança nacional ou relevante
interesse coletivo da sociedade, o que ocorre por meio das chamadas empresas estatais,
sendo elas as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.

10.1. Conceito e classificação dos serviços públicos

10.1.1. Conceito

A Constituição Federal de 1988 não apresenta, de forma expressa, um conceito para serviço
público, limitando-se a incumbi-lo ao Poder Público, na forma da lei, direta ou indiretamente.
A doutrina pátria, por sua vez, apresenta dificuldades para conceituar tal instituto. Os
doutrinadores acabam apresentando elementos conceituais distintos.

Em termos gerais, conforme disciplinado por Mazza (2021), a partir da análise dos conceitos
apresentados pelos principais doutrinadores pátrios, o serviço público é uma atividade
material, de natureza ampliativa, prestada diretamente pelo Estado ou por seus delegados,

170
sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais ou
secundárias da coletividade. Explica-se, respectivamente:

1. Material por ser uma atividade que se desenvolve no plano concreto, não sendo
meramente intelectual ou normativa.

2. Ampliativa por oferecer, conforme o interesse e a necessidade públicos, vantagens


e comodidades ao particular.

3. O Estado é o titular do serviço público, no entanto a Constituição Federal, em seu


artigo 175, lhe faculta a forma de prestação: pode ser prestado diretamente pela sua
própria estrutura administrativa, por meio dos seus órgãos ou entidades, ou pode
ocorrer de forma indireta, através de delegação da prestação a particulares.

4. Regido notadamente por regras do Direito Administrativo, ou seja, de direito


público, sendo admitida, porém, em alguns casos, a incidência de normas de direito
privado, como ocorre com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o qual
possui aplicabilidade subsidiária, conforme previsão expressa no artigo 7 o da Lei de
Concessões (Lei n. 8.987/95).

5. O serviço público, em regra, visa atender ao interesse público, seja por


necessidade ou comodidade da sociedade. Ocorre que a transformação de uma
atividade em serviço público decorre da vontade do legislador, ou seja, desde que
obedeça aos parâmetros constitucionais, atividades sem relevância social podem ser
classificadas como serviços públicos.

A partir disso, nota-se a dificuldade em se estabelecer um conceito taxativo ao serviço público,


ante a sua dinâmica. Isso porque a simples análise da atividade não permite concluir se se
trata de um serviço público ou não, devendo-se agregar a tal análise, ainda, o momento
histórico. Um exemplo dessa dificuldade é encontrado em serviços como a saúde: essa é uma
atividade essencial à sociedade, mas pode ser explorada sob regime de direito privado.
Quanto à dinâmica, o serviço de telefonia celular, hoje, é público, mas há alguns anos não
era.

Nesse sentido, atualmente, para conceituar o serviço público adota-se a chamada teoria
formal ou formalista, a partir da qual será serviço público tudo aquilo que a lei vier a definir
como tal, independentemente de ser uma atividade fruível de forma individual pelo usuário,

171
essenciais, como abastecimento de água, ou para a sua mera comodidade, tais como a
desempenhada no serviço de telefonia e de transporte público. Logo, restou superada a
teoria essencialista, a qual definia como serviço público apenas as atividades que
fossem essenciais para a população.

10.1.2. Classificação

Existem várias classificações doutrinárias dos serviços públicos, feitas a partir de vários
critérios. As mais aceitas e comumente cobradas, porém, são as a seguir expostas.

10.1.2.1. Quanto à essencialidade: serviços públicos e de utilidade pública

1. Serviços públicos propriamente ditos: são as atividades tidas como essenciais


pelo Poder Público, isto é, necessárias e indispensáveis para a sobrevivência do
grupo social e do próprio Estado. Por essa razão, são atividades privativas do Poder
Público, isto é, a própria Administração, e apenas ela, presta de forma direta à
sociedade. Exemplos: defesa nacional, polícia e fiscalização de atividades.

2. Serviços de utilidade pública: trata-se de atividades convenientes, mas não


essenciais. Nesse sentido, ao considerar a atividade conveniente e oportuna à
sociedade, a Administração as presta diretamente ou aquiesce com a prestação
indireta, mediante delegação.

10.1.2.2. Quanto à adequação: serviços próprios e impróprios do Estado

1. Serviços próprios do Estado: são aqueles que, visando atender às necessidades


coletivas, o Estado presta de forma direta, por sua própria estrutura administrativa,
gratuitamente ou mediante baixa remuneração. Exemplo: saúde e segurança pública.

2. Serviços impróprios do Estado: “aqueles que não afetam substancialmente as


necessidades da coletividade” (MAZZA, 2021, n.p.). Nesse sentido, por se tratar de
atividades não essenciais, mas que satisfazem interesses comuns de seus membros,
a Administração os presta, mediante remuneração, através dos seus órgãos ou

172
entidades descentralizadas, ou delega sua realização a particulares
(concessionários, permissionários ou autorizatários). Esse é o caso do serviço de
telefonia fixa.

Conveniente destacar que, diferentemente de Meirelles, alguns outros doutrinadores,


tais como Di Pietro e Dirley da Cunha Jr., entendem que os serviços impróprios são
aqueles que o Estado não assume nem ao menos presta, mas apenas autoriza,
regulamenta e fiscaliza. Nesses casos, a classificação como serviço público não
passa de mero equívoco pelo fato de serem atividades que atendem a necessidades
de interesse geral e, portanto, dependem de autorização do Poder Público; no entanto,
são atividades privadas, exercidas por particulares. Nessa classificação estariam os
táxis, os despachantes, a realização de pavimentação de ruas por conta dos moradores
etc.

10.1.2.3. Quanto à finalidade: serviços administrativos e industriais

1. Serviços administrativos: são as atividades prestadas pela Administração para


atender às suas próprias necessidades internas. Um exemplo claro é o serviço de
imprensa oficial.

2. Serviços industriais: também chamados de comerciais, são aqueles que objetivam


a produção de renda para o prestador, por meio de remuneração à atividade
prestada. Tais serviços podem ser prestados tanto de forma direta pelo Estado quanto
de forma indireta, sendo a tarifa ou preço público, porém, sempre fixados pelo
Poder Público. Exemplo: energia elétrica.

3. Serviços sociais: são aqueles que, como o próprio nome já diz, atendem às
necessidades coletivas de ordem social, tais como saúde, educação e cultura.

173
10.1.2.4. Quanto à maneira como ocorrem para satisfazer o interesse geral:
serviços uti universi e uti singuli

1. Serviços uti universi: também denominados de gerais, são aqueles serviços


prestados, pela Administração, de forma indistinta, visando atender à coletividade
como um todo. Tais atividades são custeadas com a receita dos impostos. É o que
ocorre com os serviços de segurança pública, iluminação pública, calçamento de ruas
etc.

2. Serviços uti singuli: também chamados de individuais, são aqueles em que é


possível determinar o usuário, bem como mensurar a quantidade utilizada por cada
um. Nesses casos, há a incidência de taxas ou tarifas para o custeamento da
atividade. A título de exemplo, tem-se: abastecimento de água, energia elétrica
domiciliar e emissão de passaporte.

10.1.2.5. Quanto à exclusividade: serviços exclusivos e não exclusivos do


Estado

1. Serviços exclusivos do Estado: são todos aqueles de que o Estado possui a


titularidade, sendo-lhe facultada a prestação direta, por seus próprios órgãos, ou
indireta, por meio das entidades da Administração indireta ou pelos concessionários e
permissionários. Esse é o caso do correio aéreo, dos serviços postais, da energia
elétrica etc.

2. Serviços não exclusivos do Estado: são atividades sociais que também podem
ser prestadas por particular, cabendo ao Estado, porém, fiscalizar. Assim ocorre,
por exemplo, com o serviço de saúde, educação e previdência, os quais também são
prestados na esfera privada.

Nesse sentido, conforme alerta Di Pietro, os serviços classificados como não exclusivos
podem ser tanto serviços próprios quanto impróprios, a depender do seu prestador:
quando prestados pelo Estado, serão próprios; quando prestados por particulares,
serão impróprios.

174
10.2. Princípios dos serviços públicos

“A prestação de serviços públicos está submetida à incidência de todos os princípios gerais


do Direito Administrativo. Além desses, existem diversos princípios específicos aplicáveis
exclusivamente à prestação dos serviços públicos” (MAZZA, 2021, n.p.).

Nos termos do artigo 6o da Lei n. 8.987/95:

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço


adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta
Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na
sua prestação e modicidade das tarifas (g.n.) (BRASIL, 1995).

A partir de tal preceito legal é possível extrair os princípios que regem os serviços públicos, os
quais devem ser observados tanto pelo Estado, quanto pelo particular delegatário que recebe
a execução do serviço. Nota-se, ainda, que, conforme disposto, um serviço público é tido como
adequado quando prestado em conformidade com todos os citados princípios, a seguir
detalhados.

10.2.1. Princípios da cortesia

Em conformidade com esse princípio, tem-se que o usuário do serviço público deve ser tratado
com educação, polidez e urbanidade.

10.2.2. Princípios da continuidade

Significa dizer que o serviço público deve ser contínuo, sem intervalos, isto é, não deve
sofrer interrupções. No entanto, tal princípio não é absoluto, tendo o seu alcance disciplinado
no § 3o do art. 6o da Lei n. 8.987/95, o qual permite, por exceção, a suspensão na prestação
do serviço:

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em


situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das
instalações; e
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da
coletividade.

175
Nesse sentido, em caso de inadimplência, desde que mediante prévio aviso, poderá haver
o corte de energia. No entanto, nesse contexto, o STJ, excepcionando tal regra, entende que,
se for inadimplente pessoa jurídica de direito público (por exemplo, se algum Município deixar
de efetuar o pagamento junto à concessionária de energia elétrica), o corte de energia
implicará prejuízo para toda a sociedade, ou se a interrupção do serviço for apta a causar
dano irreversível ao usuário (por exemplo, usuário inadimplente sobrevive ligado a aparelhos
elétricos), ela não poderá ocorrer.

Além desse, existem vários outros entendimentos registrados no STJ relacionados ao


pagamento de tarifas e corte no fornecimento de serviços:

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 941.613 – SP: Contestada em juízo dívida apurada unilateralmente e


decorrente de suposta fraude no medidor do consumo de energia elétrica, há ilegalidade na
interrupção do fornecimento, uma vez que esse procedimento configura verdadeiro
constrangimento ao consumidor que procura discutir no Judiciário débito que considera
indevido.

Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença n. 2004/0156545-1: Não está


a Concessionária diante de pessoa jurídica, inadimplente contumaz, que simplesmente se
recusa a efetuar a devida contraprestação pecuniária ao fornecimento de energia elétrica, mas
sim de comunidade simples de agricultores que vivem com reais dificuldades, no limite da
sobrevivência, numa região carente e castigada pelo clima árido do interior do Ceará, e cujo
sustento depende na sua totalidade da irrigação mecanizada das plantações. Débito que,
ademais, é objeto de questionamento judicial, com depósitos judiciais efetuados, ainda
que no dizer da agravante não alcancem o montante do que entende devido.

Recurso Especial n. 876723/PR: no caso dos autos, pretende a recorrente o corte no


fornecimento de energia elétrica do único hospital público da região, o que se mostra
inadmissível em face da essencialidade do serviço prestado pela ora recorrida. Nesse caso,

176
o corte da energia elétrica não traria apenas desconforto ao usuário inadimplente, mas
verdadeiro risco à vida de dependentes dos serviços médicos e hospitalares daquele hospital
público. O art. 6o, § 3o, inciso II, da Lei n. 8.987/95, estabelece que é possível o corte do
fornecimento de energia desde que considerado o interesse da coletividade. Logo, não há
que se proceder ao corte de utilidades básicas de um hospital, como requer o recorrente,
quando existem outros meios jurídicos legais para buscar a tutela jurisdicional.

Recurso Especial n. 811690/PR: A recorrente, ao suspender o fornecimento de energia


elétrica em razão de um débito de R$ 0,85, não agiu no exercício regular de direito, e sim com
flagrante abuso de direito. Aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 1399175/RJ: Independentemente da


natureza da obrigação (se pessoal ou propter rem), o inadimplemento é do usuário, ou seja,
de quem efetivamente obteve a prestação do serviço, razão por que não cabe responsabilizar
o atual usuário por débito pretérito relativo ao consumo de água de usuário anterior.

10.2.3. Princípios da modicidade das tarifas

Esse princípio está relacionado ao preço cobrado do usuário a título de remuneração pelo
serviço prestado. Não é sempre que há a incidência de tarifas para a prestação do
serviço, mas, quando houver, deve ser por um preço módico, isto é, acessível. Nesse
sentido, a fim de beneficiar a maior quantidade de usuários possível, deve ser cobrado o
menor valor possível, visto que a onerabilidade elevada acabaria por excluir aqueles com
piores condições financeiras.

Conforme disciplinado por Mazza (2021), a fim de reduzir ao máximo o valor da tarifa, a
legislação brasileira prevê alguns mecanismos jurídicos especiais, tais como as fontes
alternativas de receita para o prestador do serviço, as quais devem, porém, refletir na tarifa
cobrada, isto é, com a entrada de uma fonte extra, deve ocorrer a redução do valor cobrado
pelo serviço. É o que ocorre, por exemplo, com uma rodovia sob concessão em que o contrato

177
permite ao concessionário celebrar instrumentos de locação de espaços públicos ao longo da
via, embolsando o valor obtido.

Outro mecanismo é “a definição do menor valor da tarifa como um dos critérios para decretar
o vencedor da concorrência pública que antecede a outorga a concessão de serviços públicos”
(arts. 9o e 11 da Lei n. 8.987/95)” (MAZZA, 2021, n.p.).

Ademais, nos termos do artigo 13 do mesmo diploma legal, “as tarifas poderão ser
diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes
do atendimento aos distintos segmentos de usuários” (BRASIL, 2019). Em observância a esse
dispositivo, algumas leis estipulam a incidência de tarifa mais baixa ou até mesmo a isenção
desta para pessoas de baixa renda.

10.2.4. Princípios da generalidade

Também chamado de princípio da universalidade do atendimento, possui duas vertentes: (1)


o serviço público deve atender a maior amplitude possível de usuários, (2) com a mesma
qualidade a todos os usuários que se encontram na mesma situação, isto é, deve ser prestado
com regularidade.

10.2.5. Princípios da segurança

“A prestação do serviço não pode colocar em risco a integridade dos usuários ou a segurança
da coletividade” (MAZZA, 2021, n.p.).

10.2.6. Princípios da atualidade

Nos termos do § 2o do artigo 6o da Lei n. 8.987/95, “a atualidade compreende a modernidade


das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria
e expansão do serviço. (BRASIL, 2019). Nesse sentido, o princípio da atualidade, também
conhecido como modernidade ou adaptabilidade, diz respeito à técnica utilizada na prestação
do serviço público: “Embora não tenha de ser a mais avançada disponível, precisa mostrar-se

178
compatível com o estágio de desenvolvimento tecnológico vigente à época da prestação”
(MAZZA, 2021, n.p.).

10.2.7. Princípios da eficiência

A eficiência na prestação do serviço público está relacionada a obter o maior índice de


aproveitamento possível, isto é, conforme disciplinado por ROSSI (2019), deve haver uma
“conjugação do binômio produtividade e economia na prestação do serviço público” (n.p.).

10.2.8. Princípios da mutabilidade

Apesar de não estar previsto no artigo 6o da Lei n. 8.987/95, o princípio da mutabilidade incide
sobre os serviços públicos, possibilitando a alteração dos contratos durante a sua execução
para adequá-los às variações sofridas ao longo da sua vigência. Isso é devido ao fato de os
contratos de serviços públicos normalmente possuírem longa durabilidade, a depender da
relação contratual, do valor investido pelo contratado, do preço do serviço etc.

10.3. Formas de prestação do serviço público

Nos termos do artigo 175 da Constituição Federal, “incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos” (BRASIL, 1988). Desse dispositivo constitucional extrai-se que
o serviço público pode ser prestado diretamente pelo Estado, assim como a prestação pode
ocorrer de forma indireta. Ressalta-se: é a mera prestação, visto que a titularidade do serviço
público, bem como o poder de fiscalização, em qualquer caso, é do Estado.

Quanto à prestação de forma direta pelo Estado, conforme disciplinado por Mazza (2021),
pode ocorrer de duas formas: o serviço pode ser prestado pessoalmente pelo Estado, bem
como pode ocorrer com o auxílio de particulares. No primeiro caso, a atividade é promovida
por órgãos públicos da Administração Direta, como ocorre, por exemplo, com o serviço de
varrição de ruas. No segundo caso, por sua vez, ocorre uma seleção, por meio de
procedimento licitatório, de um particular prestador; no entanto, a prestação ainda assim se

179
dará em nome do Estado. Este é o caso de contratação de empresa terceirizada para a
prestação do serviço de coleta de lixo, por exemplo.

Por outro lado, o Estado, exercendo a faculdade conferida constitucionalmente, poderá


prestar o serviço público indiretamente, seja por meio de outorga ou por delegação. No
que diz respeito à outorga, segundo Mazza (2021), só poderá ocorrer se houver lei específica
nesse sentido, podendo a prestação do serviço público ser, então, “realizada por meio de
pessoas jurídicas especializadas criadas pelo Estado. É o que ocorre com as autarquias,
fundações públicas, associações públicas, empresas públicas e sociedades de economia
mista” (n.p.). Um exemplo desse tipo de prestação indireta é o serviço postal exercido pelos
Correios (empresa pública). Já a prestação indireta por delegação se divide ainda em ao
menos dois tipos, os quais serão detalhados a seguir.

10.3.1. Delegação dos serviços públicos – concessão e permissão

Conforme visto, o artigo 175 da Constituição Federal prevê a possibilidade de prestação do


serviço público mediante concessão ou permissão. Esses dois institutos são formas de
delegação do serviço público pelo Estado. Dessa forma, a rigor, são duas as formas de se
delegar ao particular a prestação de um serviço público. No entanto, apesar de o referido
dispositivo constitucional, bem como a Lei n. 8.987/95, não fazerem menção, existe ainda o
instituto da autorização.

Em termos gerais, “a prestação indireta por delegação só pode ocorrer em relação a


serviços públicos uti singuli” (MAZZA, 2021, n.p.). Ademais, no que diz respeito à
responsabilização nos casos de danos gerados pela pessoa de direito privado, será desta
a responsabilidade, independentemente da apuração de dolo ou culpa, devendo ficar
provados apenas a conduta, o resultado e o nexo causal para configurar o dever de reparação
do prejuízo, ou seja, trata-se de uma responsabilidade objetiva. Segundo o STF, a
responsabilidade será objetiva tanto para danos gerados a usuários quanto a terceiros não
usuários, sem qualquer distinção.

180
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Extraordinário n. 591874/MS: EMENTA: CONSTITUCIONAL.


RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6o, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO.
CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO USUÁRIOS DO
SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e
não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6 o, da Constituição Federal. II – A
inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao
terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário
desprovido.

No entanto, por exceção, o Estado poderá ser subsidiariamente responsabilizado, de


forma secundária, nos casos em que a empresa privada prestadora do serviço público não
tiver condições financeiras de arcar com a reparação do prejuízo causado.

10.3.1.1. Concessão de serviços públicos

Conforme já explicado, a concessão é uma forma de delegação de serviço público. Com


previsão constitucional no artigo 175 da Constituição Federal, esse instituto é regulamentado
no âmbito infraconstitucional pela Lei n. 8.987/95.

Nesse sentido, conceitua Rossi:

A concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo


poder concedente (União, Estado, DF e Município), mediante licitação, na
modalidade concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que
demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo
determinado (prazo que irá variar a depender do serviço que será prestado)
(ROSSI, 2019, n.p.).

A partir de tal conceito, em termos gerais, é possível extrair as principais características da


concessão de serviço público, que são de extrema importância para comparativo com as

181
demais formas de delegação pelo Poder Público, as quais serão apresentadas nos subtópicos
seguintes:
1. Natureza contratual.

2. Prazo determinado: significa dizer que todo contrato de concessão deve ter um
prazo final, não sendo este, porém, estipulado em lei, e sim definido caso a caso.

3. Precedido de processo licitatório na modalidade concorrência: essa é a regra,


não podendo a lei de concessões criar hipóteses de dispensa de licitação, a qual seria
inconstitucional. No entanto, é razoável admitir casos de inexigibilidade, visto que esta
ocorre quando não há competição.

4. Sujeito passivo (concessionário) apenas pessoa jurídica ou consórcio de


empresas.

Nos termos do artigo 2o da Lei n. 8.987/95, existem dois tipos de concessão, quais sejam, a
concessão de serviço público e a concessão de serviço público precedida da execução de
obra pública:

II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo


poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à
pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
III – concessão de serviço público precedida da execução de obra pública:
a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou
melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder
concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa
jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua
realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da
concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do
serviço ou da obra por prazo determinado (BRASIL, 1995) (g.n.).

Existe, ainda, o instituto da subconcessão, a partir do qual o concessionário transfere parte


da execução para terceiro, sendo autorizada por lei, desde que precedida de um novo
processo licitatório, também na modalidade concorrência.

Ademais, a lei das concessões dispõe acerca das cláusulas essenciais desses contratos,
quais sejam:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:


I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão; II – ao modo, forma e condições
de prestação do serviço; III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros
definidores da qualidade do serviço; IV – ao preço do serviço e aos critérios e

182
procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V – aos direitos, garantias
e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os
relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do
serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos
equipamentos e das instalações; VI – aos direitos e deveres dos usuários para
obtenção e utilização do serviço; VII – à forma de fiscalização das instalações,
dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como
a indicação dos órgãos competentes para exercê-la; VIII – às penalidades
contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de
aplicação; IX – aos casos de extinção da concessão; X – aos bens reversíveis;
XI – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações
devidas à concessionária, quando for o caso; XII – às condições para
prorrogação do contrato; XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da
prestação de contas da concessionária ao poder concedente; XIV – à exigência
da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e
XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.
Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço público
precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente: I – estipular
os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à
concessão; e II – exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das
obrigações relativas às obras vinculadas à concessão (BRASIL, 2019) (g.n.).

O inciso X desse dispositivo legal faz menção a bens reversíveis. Nesse ponto, importante
esclarecer: a reversão é o retorno ao poder concedente de todos os bens e poderes
transferidos ao concessionário, bem como de todos os bens que foram amortizados, nesse
caso, desde que previsto no contrato. Não se trata, portanto, da extinção da concessão.

O mesmo diploma legal prevê, ainda, deveres tanto do poder concedente (artigo 29) quanto
do concessionário (artigo 31).

10.3.1.1.1. Formas de extinção da concessão

Em face da natureza do contrato por prazo determinado, a concessão, como regra, deve ser
respeitada até o seu prazo final. Por exceção, porém, existem formas extraordinárias capazes
de extingui-la. Nos termos do artigo 35 da Lei n. 8.987/95, o contrato de concessão extingue-
se por:

1. Advento do termo contratual: essa é a forma natural de extinção do contrato de


concessão, ou seja, é aquela que se dá quando findo o prazo de duração estipulado.

2. Encampação: ocorre quando a Administração retoma o serviço, antes do prazo final


previsto no contrato, em razão de interesse público. Para tal, porém, é necessária lei

183
específica autorizativa, isto é, o Poder Legislativo precisa aprovar lei extinguindo
a concessão. Por fim, o Poder Público ficará obrigado a indenizar previamente o
concessionário por todos os prejuízos que este tiver.

3. Caducidade: essa extinção extraordinária está relacionada à ocorrência de ato


irregular praticado pelo concessionário. Esses atos estão previstos § 1 o do artigo 38 da
Lei n. 8.987/95.

Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder


concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das
sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as
normas convencionadas entre as partes.
§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente
quando:
I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo
por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da
qualidade do serviço;
II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou
regulamentares concernentes à concessão;
III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas
as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;
IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou
operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;
V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos
devidos prazos;
VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido
de regularizar a prestação do serviço; e
VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em
180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade
fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei n. 8.666, de 21 de
junho de 1993.

No entanto, quando da ocorrência de alguma dessas hipóteses, o Estado não pode


direta e imediatamente extinguir o contrato de concessão, ficando obrigado a, antes,
instaurar Processo Administrativo, no qual sejam garantidos o contraditório e a ampla
defesa ao concessionário. Após a regular realização de tal processo, restando provado
o ato irregular, poderá ocorrer a declaração de caducidade, feita mediante Decreto.

“Declarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de


responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com
terceiros ou com empregados da concessionária” (ROSSI, 2019, n.p.). No entanto, a
Administração, nos casos em que houver algum prejuízo ao concessionário, deverá
indenizá-lo, mas essa indenização será posterior. Um exemplo de tal situação é o

184
descumprimento de alguma cláusula contratual pelo concessionário cinco anos após o
início de um contrato de concessão com prazo certo de trinta anos: o contratado só
receberia pelos valores investidos nesses cinco anos após cerca de dez, quinze anos
de concessão; logo, a extinção do contrato, antes desse prazo, gera prejuízo ao
concessionário. Assim, a falta de indenização pode caracterizar, inclusive,
enriquecimento ilícito do Poder Público.

4. Rescisão: segundo Rossi (2019), essa forma de extinção extraordinária poderá se


dar tanto de forma amigável, quanto pela via judicial. O primeiro caso ocorre “tanto para
a Administração Pública quanto para o concessionário não remanescer interesse em
mantença da concessão” (n.p.). Já o segundo decorre de uma ausência de vontade do
concessionário em continuar a prestar os serviços. Nesse último caso, caberá ao juiz a
fixação de indenização cabível.

Conforme estipulado na lei das concessões, porém, o contratado deverá continuar a


prestar o serviço até a sentença transitar em julgado. A doutrina critica tal determinação
legal, por ausência de razoabilidade, visto que o tempo que leva até o trânsito em
julgado é incerto, sendo normalmente longo, em face da morosidade do Judiciário.

Ao falar da atuação do Poder Judiciário na resolução de conflitos decorrentes do


contrato de concessão, convém destacar que tanto o STF quanto o STJ entendem
como constitucional a possibilidade de utilização da justiça arbitral para dirimir esses
litígios. Nesse sentido, desde que contratualmente previsto, o conflito poderá ser
resolvido na esfera privada, ficando vedada a rediscussão do mérito perante o
Judiciário.

5. Anulação: o contrato será extinto ante a existência de algum vício de legalidade.

6. Falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou


incapacidade do titular, no caso de empresa individual.

10.3.1.2. Permissão de serviços públicos

Igualmente oriunda de preceito constitucional, a permissão de serviços públicos também é


regulamentada pela Lei n. 8.987/95, sendo-lhe aplicadas, no que couber, as disposições
acerca da concessão.

185
O artigo 2o, inciso IV da Lei n. 8.987/95, conceitua permissão de serviço público como “a
delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo
poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco” (BRASIL, 1995). A partir desse conceito, extraem-se as
principais características de tais contratos:

1. Natureza de contrato de adesão: essa é uma característica de todo contrato


administrativo, inclusive dos contratos de concessão. Vide “Tema 8 – Contratos
Administrativos”.

2. Caráter precário: significa dizer que o contrato de permissão pode ser revogado a
qualquer momento.

3. Prazo indeterminado: como regra, em razão da sua precariedade, o contrato de


permissão é fixado com prazo indeterminado. No entanto, por exceção, tal contrato
poderá ser celebrado com prazo certo, retirando-se, porém, o seu caráter precário,
sendo essa permissão denominada de qualificada ou condicionada.

4. Precedido de licitação: na permissão, diferentemente da concessão, o processo


licitatório pode ocorrer por qualquer modalidade, visto não ter a lei especificado.

5. Sujeito passivo (permissionário): pode ser pessoa física ou jurídica.

6. Delegação de serviço público: delega-se, mediante permissão, apenas a


prestação do serviço, não havendo obra agregada.

Importa destacar que, em face da precariedade do contrato de permissão, a qual permite


a sua revogação a qualquer tempo pelo poder concedente, não há que se falar em formas
de extinção.

10.3.1.3. Autorização de serviços públicos

Conforme já mencionado, apesar do artigo 175 da Constituição não prever a autorização como
forma de delegação do serviço público, em outros dispositivos constitucionais, bem como na
legislação infraconstitucional, há a previsão de delegação mediante autorização. É o que
ocorre, por exemplo, no artigo 21, inciso XI da CF, o qual permite a delegação de serviço de
telecomunicação por autorização.

186
Oriunda de uma manifestação unilateral de vontade, a autorização é um ato
administrativo, precário por natureza, feita para pessoa física ou jurídica, em regra sem
a exigência de processo licitatório, para a delegação de serviço, não havendo obra
agregada.

10.4. Direitos e obrigações dos usuários

A Lei n. 8.987/95, nos artigos 7o e 7o-A, estabelece direitos e obrigações dos usuários de
serviço público, além das já previstas no Código de Defesa do Consumidor.

São direitos dos usuários:

1. Receber serviço adequado, isto é, aquele prestado em conformidade com todos os


princípios que regem o serviço público (vide subtópico 10.2).

2. Receber informações, do poder concedente, bem como da concessionária, para a


defesa de interesses individuais e coletivos.

3. Obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de


serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente.

4. Receber das concessionárias, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito


Federal, dentro do mês de vencimento, o mínimo de seis datas opcionais como data de
vencimento de seus débitos.

São deveres dos usuários:

1. Verificadas irregularidades referentes ao serviço prestado, devem comunicar ao


poder público e à concessionária.

2. Comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela


concessionária na prestação do serviço.

3. Contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos por meio dos
quais lhes são prestados os serviços.

Ademais, em 2017 foi publicada a Lei n. 13.460, instituindo o Código de Defesa do Usuário de
Serviços Públicos, o qual estabeleceu, segundo disciplinado por Mazza (2021), “normas
básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos

187
prestados direta ou indiretamente pela administração pública, sem prejuízo da incidência do
Código de Defesa do Consumidor (art. 1o)” (n.p.).

10.5. Parcerias público-privadas

Regida pelas Leis n. 11.079/04, 8.987/95 e 8.666/93, a Parceria Público-Privada é uma forma
especial de concessão de serviço público. Ou seja, em termos gerais, "Parceria Público-
Privada é a delegação de serviços para pessoa jurídica ou consórcio de empresas, precedida
de licitação, na modalidade concorrência” (ROSSI, 2019, n.p.). A PPP se difere da chamada
concessão comum (vide subtópico 10.3.1.1), notadamente pelo fato de aquela possuir uma
contraprestação pecuniária do Poder Público, ao passo que nesta última a remuneração do
concessionário se dá pelo valor pago pelos usuários. Por essa razão, o Poder Público só
pode celebrar uma PPP quando não for possível a delegação mediante concessão comum.

Nos termos do artigo 2o da Lei n. 11.079/04, existem duas modalidades de PPP, quais sejam,
a patrocinada e a administrativa:

1. Patrocinada: “É a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata


a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa
cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro
privado” (BRASIL, 2004). Nesse sentido, além da remuneração mediante a tarifa paga
pelos usuários, há, obrigatoriamente, o pagamento de contraprestação por parte
da Administração Pública. É o caso, por exemplo, de projetos de rodovias e de
aeroportos.

2. Administrativa: “É o contrato de prestação de serviços de que a Administração


Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens” (BRASIL, 2004). Nesse caso, não há o
financiamento da obra com recursos públicos. Um exemplo é a construção de um
prédio em terreno público mediante PPP e, quando finalizada a obra, o parceiro privado
administra o prédio por determinado período e a Administração efetua pagamentos
mensais para utilização do espaço.

Ademais, em análise da Lei n. 11.079/04, conforme relacionado por Rossi (2019), são
características das PPP:

188
1. As concessões especiais necessariamente têm investimento privado: esse valor será
recuperado pelo parceiro privado por meio das tarifas pagas pelos usuários e da
contraprestação estatal.

2. Prazo de duração de 5 a 35 anos, incluindo eventual prorrogação.

3. Responsabilidade solidária entre o parceiro privado e público: nos termos do artigo 5o,
inciso III, da Lei n. 11.079/04, o risco do negócio é compartilhado, devendo eventual
prejuízo ser repartido entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato
do príncipe e álea econômica extraordinária.

4. Pluralidade compensatória: conforme previsto no artigo 6o do referido diploma legal:

A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-


privada poderá ser feita por: I – ordem bancária; II – cessão de créditos não
tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV –
outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos
em lei (BRASIL, 2004).

5. Vedações: é expressamente vedada a celebração de PPP: cujo valor do contrato seja


inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); cujo período de prestação do serviço seja
inferior a 5 (cinco) anos; ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão de obra, o
fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (artigo 2 o, § 4o,
incisos I a III, da Lei n. 11.079/04).

6. Diretrizes: conforme o artigo 4o do mesmo diploma legal, são diretrizes das PPP’s:

I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos


recursos da sociedade;
II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes
privados incumbidos da sua execução;
III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do
poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;
IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
V – transparência dos procedimentos e das decisões;
VI – repartição objetiva de riscos entre as partes;
VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de
parceria (BRASIL, 2004).

7. Condicionada a licenciamento ambiental prévio: exigência expressa no artigo 10, inciso


VII, da Lei n. 11.079/04.

189
Mapa Mental

Serviços Públicos

Classificação Princípios Prestação

Essencialidade Cortesia
Direta Delegação

Adequação Modicidade
Pessoal Concessão

Finalidade Continuidade
Auxílio Permissão
particular

Ocorrência Generalidade
Autorização

Exclusividade Segurança

Atualidade

Eficiência

Mutabilidade

190
Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico,
1993.
______. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 14.133, de 01º de abril de 2021. Brasília: Senado Federal. Centro Gráfico,
2021.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
ROSSI, Licínia. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.

191
11. Intervenção do Estado na Propriedade Privada
Nos termos do artigo 5o, inciso XXII, da Constituição Federal, “é garantido o direito de
propriedade”. No entanto, apesar de previsto constitucionalmente, não se trata de um direito
absoluto. Desde o período do Estado do bem-estar social, passou-se a conferir maior proteção
aos interesses da coletividade, tornando necessária a compatibilização do exercício do
interesse individual com o interesse público. Ou seja, tendo em vista o princípio da
supremacia do interesse público sobre o particular, o direito individual à propriedade
pode ser mitigado em prol do interesse público.

Nesse sentido, o inciso XXIII do referido dispositivo constitucional dispõe que “a propriedade
atenderá a sua função social”. No caso de propriedade urbana, conforme preleciona o artigo
182, § 2o, da CF, a função social é cumprida quando atende às exigências fundamentais
da cidade, as quais são dispostas no plano diretor. Já a propriedade rural cumpre a sua
função social quando atende, simultaneamente, os requisitos previstos no artigo 186 da
CF. Por fim, sendo a propriedade pública, além dos requisitos gerais de qualquer propriedade,
exige-se que esteja afetada a uma finalidade específica.

Segundo Mazza (2021), “cabe ao Estado, utilizando instrumentos de intervenção na


propriedade, o papel de agente fiscalizador do cumprimento da função social” (n.p.). Assim,
ao identificar algum ato ilícito relacionado ao descumprimento da função social, o Estado
pode se valer de instrumentos sancionatórios de intervenção na propriedade, tal qual a
desapropriação. No entanto, essa é apenas uma das formas de intervenção na propriedade.
Assim, por outras modalidades, a intervenção também pode ocorrer em propriedades que
atendam à função social. Ou seja, conforme ensina Mazza (2021), “o descumprimento da
função social não é requisito para a intervenção do Estado na propriedade privada” (n.p.).

Nesse sentido, a intervenção na propriedade privada pode ocorrer de duas formas básicas:

1. Intervenção supressiva do domínio: ocorre quando o Estado intervém de forma a


transferir para si a propriedade particular, em virtude de interesse público, ou seja, o
bem se torna público. Esse é o caso da desapropriação.

2. Intervenção restritiva do domínio: também chamada de não supressiva, nesses


casos o Estado apenas impõe restrições e condições ao uso da propriedade,
mantendo-se a propriedade no domínio privado. São modalidades restritivas:

192
limitação administrativa, tombamento, servidão administrativa, requisição
administrativa e ocupação temporária.

11.1. Desapropriação

Forma de intervenção supressiva na propriedade, a desapropriação “é o procedimento


administrativo pelo qual o Estado transforma compulsoriamente bem de terceiro em
propriedade pública, com fundamento na necessidade pública, utilidade pública ou interesse
social, pagando indenização prévia, justa e, como regra, em dinheiro” (MAZZA, 2021, n.p.).
Essa é uma forma de aquisição originária da propriedade, isto é, o Estado transfere para
si o domínio da propriedade, livre de qualquer ônus, encargo ou relação anteriormente
estabelecida. Em razão dessa supressão, que tem caráter mais agressivo quando comparada
às outras formas de intervenção, essa é a única modalidade em que é garantida a indenização
prévia.

Assim prevê o inciso XXIV do artigo 5o da Constituição Federal: “A lei estabelecerá o


procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição” (BRASIL, 1988). Essas exceções são: no caso de área urbana não edificada,
subutilizada ou não utilizada, o inciso III, do § 4o do artigo 182, estabelece que o pagamento
se dará em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado; e
no caso de reforma agrária, por interesse social, nos termos do artigo 184, se dará em
títulos da dívida agrária.

Além das disposições constitucionais, o instituto da desapropriação é regulamentado,


notadamente, pelo Decreto-lei n. 3.365/41, pelas Leis 4.132/62, pelo Estatuto da Cidade, pelo
Código Civil e pela Lei Complementar n. 76/93.

11.1.1. Fundamentos normativos

Nos termos dispostos constitucionalmente, a desapropriação poderá ocorrer por


necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social.

193
A desapropriação por necessidade pública decorre de situações de emergência em que é
imprescindível a transferência de bem de terceiro ao domínio público para a utilização imediata
pela Administração.

Segundo Mazza (2021), o ordenamento jurídico brasileiro não especifica os casos de


desapropriação por necessidade pública, sendo, porém, encontradas três hipóteses entre as
elencadas como sendo de utilidade pública (art. 5 o do Decreto-lei n. 3.365/41) destacam-se:
segurança nacional, defesa do Estado e socorro público em caso de calamidade. Nesses
casos, o pedido de imissão provisória na posse é indispensável em face da urgência.

Já a desapropriação por utilidade pública ocorre em decorrência da conveniência para o


Poder Público. Ou seja, a transferência da propriedade ao domínio público não é
imprescindível, mas sim meramente oportuna e conveniente. Dessa forma, a imissão
provisória na posse pode ser dispensada, podendo, por exceção, a critério do poder
expropriante, ser solicitada. São hipóteses de utilidade pública:

Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:


a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento
regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e
da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde,
clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a
execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem
edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a
construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos,
isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas
necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou
característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente
dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros
bens móveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e
cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística
ou literária;

194
p) os demais casos previstos por leis especiais (g.n.).

Ressalta-se: as alíneas “a”, “b” e “c” são doutrinariamente consideradas hipóteses de


necessidade pública.

Por fim, a desapropriação por interesse social, nos termos do artigo 1 o da Lei n. 4.132/62,
“será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso
ao bem-estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal”. Nesse sentido, esse
instituto está diretamente relacionado à função social da propriedade, ocorrendo, portanto,
exclusivamente sobre bens imóveis. Tal modalidade possui caráter sancionatório, isto é,
funciona como uma espécie de punição ao proprietário que descumpre a função social. No
entanto, os bens objeto dessa desapropriação “não são destinados à Administração Pública,
mas, sim, à coletividade ou a determinados destinatários legalmente definidos” (MAZZA, 2021,
n.p.).

Art. 2o Considera-se de interesse social:


I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem
correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos
centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração
não se obedeça a plano de zoneamento agrícola (VETADO);
III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de
povoamento e trabalho agrícola:
IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância
expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando
núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V – a construção de casas populares;
I – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão
de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte,
eletrificação, armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam
ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de
reservas florestais;
VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam
apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.

Nesse sentido, pode-se afirmar que as desapropriações para a política urbana (art. 182, §
4o, III, da CF), bem como para fins de reforma agrária (art. 184 da CF), são fundadas no
interesse social. A primeira é de competência privativa do Município, enquanto a segunda é
privativa da União. Esses dois tipos são classificados como extraordinários, de caráter
sancionatório, sendo a prévia indenização paga em títulos da dívida pública. Ocorre que a
doutrina e a jurisprudência admitem a desapropriação de bens imóveis por interesse

195
social para dar à propriedade uso que melhor atenda ao interesse público. Essa é a
chamada desapropriação por interesse social ordinária ou geral, a qual é de competência
comum de todos os entes e deve ser previamente indenizada em dinheiro.

11.1.2. Objeto da desapropriação

Nos termos do artigo 2o da Lei n. 3.365, “mediante declaração de utilidade pública, todos os
bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e
Territórios”. Dentre os diversos bens que podem ser objeto da força expropriante do Estado,
Mazza (2021) destaca: bens imóveis; móveis (por exemplo, quadro famoso para exposição
em museu); semovente (por exemplo, touro conhecido para atração de rodeio); posse (bem
na posse de indivíduo, sendo o proprietário desconhecido); usufruto; domínio útil; subsolo e
espaço aéreo quando da sua utilização resultar prejuízo patrimonial do proprietário do solo;
águas; ações de determinada empresa; bens públicos; cadáveres (para viabilizar estudos de
anatomia humana em faculdades públicas de medicina).

Por outro lado, a doutrina enumera exceções ao poder de desapropriação do Estado,


limitando seus objetos. Dessa forma, não são passíveis de desapropriação: o dinheiro;
direitos personalíssimos; pessoas; órgãos humanos; bens móveis livremente encontrados no
mercado. Ademais, de forma específica, a desapropriação para política urbana não pode
incidir sobre bens móveis nem sobre imóveis rurais; a desapropriação para fins de reforma
agrária, por sua vez, não pode ocorrer sobre bens móveis, imóveis urbanos, imóveis rurais
produtivos nem sobre pequena e média propriedade rural; por fim, a desapropriação de bens
públicos deve obedecer ao princípio da hierarquia dos entes, sendo vedado, portanto, o
Município desapropriar bem do Estado ou da União, por exemplo.

11.1.3. Espécies de desapropriação

1. Desapropriação para fins de reforma agrária: nos termos do artigo 184 da CF,
compete à União a desapropriação de imóvel rural que não atenda à função social. Tal
função é atendida quando possui, simultaneamente, os requisitos previstos no artigo
2o, § 1o da Lei n. 4.504/64, bem como aqueles previstos no artigo 186 da CF. Nessa
modalidade, a indenização ocorre mediante título da dívida agrária, com preservação

196
do valor real, podendo ser resgatado em 20 anos contados do segundo ano da sua
emissão. Importa dizer que, conforme o § 1o do artigo 184 da CF, as benfeitorias úteis
e necessárias serão indenizáveis em dinheiro. Por fim, o § 5o desse mesmo dispositivo
constitucional confere imunidade tributária na transferência de imóvel desapropriado
para fins de reforma agrária.

2. Desapropriação para política urbana: com base constitucional no artigo 182, § 4o,
III, da CF, essa modalidade desapropriação recai sobre imóvel urbano que desatende
às exigências fundamentais do plano diretor, descumprindo, assim, a sua função
social. Nesse sentido, possui caráter sancionatório, sendo indenizada em títulos da
dívida pública, resgatáveis em até dez anos.

Fundamental destacar que o Município somente poderá efetivar a


desapropriação urbanística sancionatória após três providências sucessivas e
infrutíferas na tentativa de forçar o uso adequado do imóvel:
1a) exigência de promoção do adequado aproveitamento;
2a) ordem de parcelamento, utilização ou edificação compulsória;
3a) cobrança de Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo
durante cinco anos, observada a alíquota máxima de 15%.

3. Desapropriação de bens públicos – art. 2o, § 2o, do Decreto-lei n. 3.365/41: “Os


bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser
desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer
caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”.

4. Desapropriação indireta ou apossamento administrativo: é aquela em que não


há observância pelo Poder Público do regular procedimento de desapropriação,
caracterizando-se como um verdadeiro esbulho possessório praticado pelo Estado, o
qual toma para si bem privado, sem contraditório, bem como sem pagamento da
indenização cabível. O ordenamento jurídico dispõe, porém, que, ainda que ilegal essa
incorporação, a partir da ocorrência fática desta, o particular não pode se valer de
ações possessórias ou reivindicatórias para reaver o bem, devendo propor ação
judicial de indenização por desapropriação indireta no prazo de dez anos (Súmula
119 do STJ não é mais aplicada). Nota-se, portanto, que há uma inversão em relação
à desapropriação regular (direta).

197
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 1.204.923/RJ: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.


ESBULHO COMPROVADO. TITULARIDADE DO IMÓVEL. PROMESSA DE COMPRA E
VENDA NÃO REGISTRADA. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO. 1. Tratando-se de
desapropriação indireta, a promessa de compra e venda, ainda que não registrada no cartório
de imóveis, habilita os promissários compradores a receberem a indenização pelo esbulho
praticado pelo ente público. 2. Possuem direito à indenização o titular do domínio, o titular do
direito real limitado e o detentor da posse. Precedente desta Corte. Recurso especial
improvido.

5. Desapropriação por zona: é aquela que ocorre sobre área maior do que a
necessária, a fim de absorver valorização na vizinhança decorrente da obra realizada.

6. Desapropriação confiscatória: nos termos do art. 243 da CF:

As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem


localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de
trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma
agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no
que couber, o disposto no art. 5o.

Mazza (2021) destaca, porém, não se tratar propriamente de uma desapropriação e sim de
confisco ou perdimento de bens, visto não haver indenização.

11.2. Modalidades de intervenção restritiva

11.2.1. Limitação administrativa

Com fundamento constitucional nos artigos 5o, inciso XXIII, e 170, inciso III, a limitação
administrativa é uma intervenção na propriedade decorrente do Poder de Polícia do
Estado, o qual, conforme disciplinado por Di Pietro (2021), tem o poder de limitar e
condicionar o exercício de direitos individuais a fim de instaurar o bem-estar social,
priorizando o interesse público.

198
Nesse sentido, a Limitação Administrativa se caracteriza pela imposição, pelo Poder Público,
através de lei ou de ato normativo, de restrições gerais no uso e gozo da propriedade,
as quais podem ser de caráter positivo (obrigação de fazer algo, como de limpar o terreno),
negativo (obrigação de não fazer, como a proibição de construir além do limite vertical imposto
pela Administração) e permissivo (por exemplo, tolerar a entrada de agente da vigilância
sanitária). Nota-se que se trata de um direito pessoal e não real, visto que não se manifesta
sobre o bem em si, mas por meio de obrigações.

Marcada por sua generalidade, isto é, por suas limitações que atingem pessoas
indeterminadas e, portanto, não geram danos específicos, a limitação, por essa razão, em
regra, não acarreta o dever de indenizar o proprietário, sendo devida a indenização
apenas em decorrência de dano que extrapole o simples exercício do poder de polícia, como
quando um vigilante sanitário destrói parte do estoque alegando a impossibilidade de separar
os produtos com prazo de validade vencido daqueles dentro da validade (MAZZA, 2021, n.p.).

11.2.2. Tombamento

Nos termos do artigo 216 da Constituição Federal é dever do Estado proteger o patrimônio
cultural brasileiro, sendo o tombamento um desses meios de proteção:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material


e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência
à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1o O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação. (BRASIL, 1988) (g.n.).

Nesse sentido, visando à proteção histórica, cultural, arqueológica, artística, turística ou


paisagística do próprio bem (natureza autorreferente), o Poder Público, mediante a expedição
de ato administrativo discricionário, determina a sua inscrição nos chamados Livros do

199
Tombo. Tal ato deve ser sempre precedido de processo administrativo em que se
garantam a ampla defesa e o contraditório ao proprietário.

De natureza pessoal, podendo recair tanto sobre bens móveis quanto imóveis, privados
ou até mesmo públicos, o tombamento é disciplinado normativamente pelo Decreto-lei n.
25/37, sendo classificado em:

1. Voluntário ou Compulsório: Nos termos do artigo 7o do Decreto-lei n. 25/37, o


tombamento será voluntário em duas situações: na primeira, “sempre que o proprietário
o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante
do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”; e, na segunda, “sempre que o mesmo
proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa
em qualquer dos Livros do Tombo”.

Por outro lado, a compulsoriedade, disciplinada no artigo 8 o do mesmo diploma,


ocorrerá quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.

2. Geral ou Individual: o tombamento individual é aquele que recai sobre um bem


determinado, enquanto o geral incide em uma quantidade indeterminada de bens, como
ocorre com o tombamento de um bairro.

3. Total ou Parcial: o tombamento total se refere à preservação da totalidade de um


bem, como, por exemplo, o tombamento de imóvel com interesse histórico. Já o parcial
recai apenas sobre uma parte do bem, tal qual ocorre no tombamento da fachada de
um imóvel.

4. Definitivo ou Provisório: o tombamento é provisório enquanto o processo


administrativo está em curso, como medida cautelar a fim de garantir o resultado
útil. Será, porém, definitivo quando findo o processo e realizada a inscrição do bem
nos respectivos registros oficiais. No entanto, desde a fase provisória já há a
produção de efeitos, sendo que há equiparação ao definitivo.

Os principais efeitos produzidos pelo tombamento são referentes a limitações na alteração,


bem como são referentes aos deveres de conservação e fiscalização. Assim detalha Rossi
(2019):

200
1. São inalienáveis por natureza as coisas tombadas pertencentes à União, Estados e
Municípios.

2. Nos termos do artigo 14 do Decreto-lei n. 25/37, “a coisa tombada não poderá sair
do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio
cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional”. Tentada a exportação fora dessas hipóteses, o bem será sequestrado (art.
15).

3. O proprietário tem o dever de comunicar ao Serviço do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional o extravio ou furto de bem tombado.

4. “As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou
mutiladas. E só poderão ser reparadas, pintadas ou restauradas se houver prévia
autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.”

5. Será vedada qualquer construção, pela vizinhança, que impeça ou reduza a


visibilidade do bem tombado, bem como a colocação de anúncios ou cartazes.

6. As coisas tombadas serão sujeitas a permanente vigilância.

Importante destacar que, com o advento do Código de Processo Civil de 2016, o capítulo
sobre direito de preferência no Decreto-lei n. 25/37 foi revogado. Não há mais, portanto,
quando da aquisição da coisa tombada, direito de preferência a União, Estados e
Municípios, tendo o proprietário liberdade na alienação. No entanto, conforme artigo 892,
§ 3o, do CPC, nos casos de alienação judicial, esses entes possuem preferência na
arrematação, na ordem apresentada, devendo ser notificados da alienação com pelo menos
cinco dias de antecedência.

Ademais, o tombamento não transfere o domínio do bem, isto é, tombado um bem privado,
ele continua sendo de propriedade do particular, mas passa a ser considerado de interesse
público e, por isso, são impostas restrições ao seu uso. Nesse sentido, em regra, não dá direito
à indenização. Para isso, é necessário prova de efetivo e significativo prejuízo.

Por fim, mediante o chamado destombamento, é possível extinguir o tombamento do bem,


desde que não haja mais interesse público para tal, podendo ocorrer de ofício ou a
requerimento da parte interessada.

201
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Extraordinário n. 219.292/MG: EMENTA: Tombamento de bem imóvel para


limitar sua destinação a atividades artístico-culturais. Preservação a ser atendida por
meio de desapropriação. Não pelo emprego da modalidade do chamado tombamento
de uso. Recurso da Municipalidade do qual não se conhece, porquanto não configurada a
alegada contrariedade, pelo acórdão recorrido, do disposto no art. 216, § 1 o, da Constituição.

11.2.3. Servidão administrativa

A servidão administrativa, também conhecida como servidão pública, é um direito real de uso
público, a partir do qual a Administração restringe o uso de bem determinado em prol de
interesse público. Ressalta-se: nesses casos não há a transferência da propriedade para o
Estado, passando este a ter o mero direito de uso daquele imóvel. É o que ocorre, por
exemplo, na colocação de placa com nome da rua na fachada do imóvel, na passagem de fios
pela propriedade; na instalação de torres de transmissão de energia em terreno privado, etc.

Com base normativa nos artigos 1.378 a 1389 do Código Civil, a servidão pública possui
características comuns às servidões privadas; no entanto, difere-se destas pela incidência das
normas de direito administrativo e primazia no atendimento ao interesse coletivo. Uma
característica comum é a perpetuidade da servidão, o seu caráter permanente enquanto
houver necessidade de utilização, podendo, porém, ser extinta em casos excepcionais, como
quando ocorre o desaparecimento do bem ou a incorporação deste ao patrimônio público.

Essa forma de intervenção normalmente recai sobre bens imóveis privados. No entanto, é
possível a restrição no uso de bem móvel e serviço, assim como sobre bens públicos, desde
que observado o princípio da hierarquia e havendo autorização legislativa; por exemplo, o
Município não pode instituir servidão sobre um imóvel do Estado, mas o Estado pode instituir
sobre o do Município se houver autorização legislativa.

Conforme disciplinado por Mazza (2021), a servidão pode ser instituída de diversas formas:
por acordo administrativo, por sentença judicial ou por lei específica. Ou seja, não há
autoexecutoriedade. A primeira, modalidade típica, ocorre por acordo de vontades entre o

202
Poder Público e o proprietário, devendo ser precedida de declaração de necessidade pública
feita por meio de Decreto pelo Chefe do Executivo. A segunda ocorre quando da ausência de
acordo, sendo adotado o procedimento do Decreto-lei n. 3.365/41. Qualquer das hipóteses,
porém, “em regra, independe de registro para produzir seus efeitos regulares, pois sua eficácia
resulta diretamente do ato de instituição” (MAZZA, 2021, n.p.).

Por fim, a servidão não é intervenção em regra indenizável. A indenização será cabível, por
exceção, quando da ocorrência de significativo prejuízo decorrente da limitação
imposta. Nos termos do artigo 10, parágrafo único, da Lei n. 3.365/41, o particular possui o
prazo prescricional de cinco anos para pleitear a indenização. Além disso, importante
destacar que nos casos de excessiva limitação pode ocorrer, ainda, a desapropriação
indireta do bem.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 56 do STJ: Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos


os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade.

11.2.4. Requisição administrativa

Nos termos do artigo 5o, inciso XXV, da Constituição Federal, “no caso de iminente perigo
público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano” (BRASIL, 1988). Esse preceito constitucional
é a base da requisição administrativa, forma de intervenção do Estado na propriedade.

Nesse sentido, a requisição administrativa é a utilização coativa, compulsória, em regra, de


um bem privado pelo Estado, condicionada, porém, à ocorrência de uma situação de
iminente perigo público. Nesse contexto, por óbvio, trata-se de uma intervenção
autoexecutória, vez que, diante da urgência, não seria razoável aguardar uma autorização
do Poder Judiciário. Além disso, conclui-se, também, que se trata de uma situação
temporária, a qual perdurará enquanto durar o perigo.

203
A requisição administrativa pode ser civil ou militar. A primeira visa evitar danos à vida, à
saúde e à coletividade no geral. A segunda, por sua vez, ocorre nos casos de guerra e
perturbação da ordem, com o fim de resguardar a segurança interna e soberania nacional.

Apesar do dispositivo constitucional se referir a “propriedade particular”, a requisição pode


incidir sobre bens imóveis, móveis ou serviços, inclusive públicos, nesses casos, conforme
Mazza (2021), aplicando por analogia a regra de desapropriação do Decreto-lei n. 3.365/41,
em seu artigo 2o, § 2o.

No que diz respeito ao direito de indenização, conforme a supracitada previsão constitucional,


somente será devida se, em decorrência do uso pelo Poder Público, houver algum dano,
devendo o proprietário interessado pleitear tal indenização no prazo prescricional de cinco
anos, contados do início do uso efetivo pela requisição.

São exemplos de requisição administrativa: veículo para perseguição de criminosos, terreno


para socorrer vítima de acidente, ginásio de escola para abrigar vítimas de enchentes que
estejam desabrigadas, convocação de mesário para eleição etc.

204
DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Mandado de Segurança n. 25925/DF: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.


MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. UNIÃO FEDERAL.
DECRETAÇÃO DE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. REQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS MUNICIPAIS.
DECRETO 5.392/2005 DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. MANDADO DE SEGURANÇA
DEFERIDO. Mandado de segurança, impetrado pelo município, em que se impugna o art. 2 o,
V e VI (requisição dos hospitais municipais Souza Aguiar e Miguel Couto) e § 1 o e § 2o
(delegação ao ministro de Estado da Saúde da competência para requisição de outros
serviços de saúde e recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações relacionados
aos hospitais requisitados) do Decreto 5.392/2005, do presidente da República. Ordem
deferida, por unanimidade. Fundamentos predominantes: (i) a requisição de bens e serviços
do município do Rio de Janeiro, já afetados à prestação de serviços de saúde, não tem amparo
no inciso XIII do art. 15 da Lei 8.080/1990, a despeito da invocação desse dispositivo no ato
atacado; (ii) nesse sentido, as determinações impugnadas do decreto presidencial configuram-
se efetiva intervenção da União no município, vedada pela Constituição; (iii) inadmissibilidade
da requisição de bens municipais pela União em situação de normalidade institucional, sem a
decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Suscitada também a ofensa à autonomia
municipal e ao pacto federativo. Ressalva do ministro presidente e do relator quanto à
admissibilidade, em tese, da requisição, pela União, de bens e serviços municipais para o
atendimento a situações de comprovada calamidade e perigo públicos. Ressalvas do relator
quanto ao fundamento do deferimento da ordem: (i) ato sem expressa motivação e fixação de
prazo para as medidas adotadas pelo governo federal; (ii) reajuste, nesse último ponto, do
voto do relator, que inicialmente indicava a possibilidade de saneamento excepcional do vício,
em consideração à gravidade dos fatos demonstrados relativos ao estado da prestação de
serviços de saúde no município do Rio de Janeiro e das controvérsias entre União e município
sobre o cumprimento de convênios de municipalização de hospitais federais; (iii) nulidade do
§ 1o do art. 2o do decreto atacado, por inconstitucionalidade da delegação, pelo presidente da
República ao ministro da Saúde, das atribuições ali fixadas; (iv) nulidade do § 2 o do art. 2o do
decreto impugnado, por ofensa à autonomia municipal e em virtude da impossibilidade de
delegação.

205
11.2.5. Ocupação temporária

Em termos gerais, o Estado intervém na propriedade na modalidade ocupação temporária


ou provisória, quando necessita daquele bem particular, em regra imóvel, para a realização
de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público. Nesse sentido, como o
próprio nome já diz, trata-se de uma utilização transitória, a qual se extingue com o fim da
necessidade que lhe originou, ou seja, não retira o domínio do proprietário.

É o caso, por exemplo, das situações em que o Estado necessita de local para depósito de
máquinas e materiais destinados à realização de obra pública, utilizando-se para tanto de
propriedade particular na vizinhança da obra. Outro exemplo muito comum é a utilização de
escolas privadas como locais de votação nas eleições.

A ocupação temporária, a qual pode ser remunerada ou gratuita, não tem natureza de direito
real, sendo um direito pessoal público, manifestado por ato unilateral da Administração,
ou seja, possui utilização discricionária e autoexecutável. No entanto, a formalização desse
ato pode se dar de duas formas, a depender da vinculação da ocupação: quando vinculada à
desapropriação (hipótese prevista no artigo 36 do Decreto-lei n. 3.365/41), deverá ser
instituída mediante ato formal, enquanto que, quando se tratar de mera ocupação material,
são dispensadas maiores formalidades.

“A ocupação temporária não admite demolições e alterações prejudiciais à propriedade


particular utilizada; permite, apenas, seu uso momentâneo e inofensivo, compatível com a
natureza e destinação do bem ocupado” (MEIRELLES, apud MAZZA, 2021, n.p.). Nesse
sentido, normalmente a utilização do bem pelo Poder Público não acarreta prejuízos à
propriedade utilizada, não sendo, portanto, em regra, indenizável. No entanto, assim como em
outras formas de intervenção, provado prejuízo, o proprietário deverá ser indenizado. Nesse
contexto se enquadra a hipótese de ocupação temporária vinculada à desapropriação,
hipótese na qual a ocupação deverá obrigatoriamente ser remunerada e indenizada.

Ademais, conforme disciplinado por Rossi (2019), essa prerrogativa estatal pode, desde
que autorizado pela Administração Pública, ser transferida a concessionárias e
empreiteiros.

206
Mapa Mental

Intervenção do Estado
na Propriedade

Supressiva Restritiva

207

Desapropriação Requisição
208
Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. Brasília: Senado Federal.
______. Lei Complementar n. 76, de 6 de julho de 1993. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Senado Federal.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
ROSSI, Licínia. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.

209
12. Organização dos Poderes
12.1. Princípio da separação dos poderes

O princípio da separação dos poderes tem, sobretudo, origem histórica. Conforme leciona
BONAVIDES (2000, n.p.). O princípio da separação dos poderes é pujante dentro da leitura
constitucionalista liberal, com a quebra do Estado Absolutista e a emergência da estrutura
liberal de Estado.

O Brasil, ao decidir-se pela forma republicana de governo, aderiu ao princípio


da separação de poderes na melhor tradição francesa – a de Montesquieu –
com explicitação formal. O Império se abraçara porém a uma separação
inspirada em Benjamin Constant, onde os poderes são quatro ao invés de três,
conforme veremos noutro lugar.
A Constituição republicana de 1891 dispunha no artigo 15: “São órgãos da
soberania nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e
independentes”.
A Constituição de 16 de julho de 1934 manteve o princípio nos seguintes
termos: “Art. 30. São órgãos da soberania nacional, dentro dos limites
constitucionais, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes
e coordenados entre si”.
A Constituição de 18 de setembro de 1964 não se afasta da tradição
republicana: “Art. 36. São Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, independentes e harmônicos entre si”.
O artigo 60 da Constituição de 24 de janeiro de 1967 reproduz o princípio: “São
Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”.
A Constituição de 5 de outubro de 1988 tem redação quase idêntica: “Art. 2o
São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário” (BONAVIDES, 2000, n.p.).

O mais notório nome ligado ao princípio é Montesquieu, o qual o aplicou em sua sistemática
tripartite, com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, estrutura essa reproduzida por
diversos Estados.

Dentro da estrutura jurídica brasileira, o constituinte originário determinou que os poderes


serão independentes e harmônicos entre si. Contudo, não se trata de separação estanque ou
absoluta. Assim, os poderes se relacionam, seja com suas funções típicas e atípicas, ou
trabalhando enquanto sistema de freios e contrapesos constitucionais.

Enquanto funções típicas e atípicas, cada um dos poderes da União dispõe:

210
a) Poder Executivo: de modo típico, administrar o Estado e executar os desígnios
legais, como o Orçamento e as Políticas Públicas; de modo atípico, a edição de atos
normativos, como Medidas Provisórias e Decretos;

b) Poder Legislativo: de modo típico, legislar e fiscalizar; de modo atípico, executar


o Orçamento interno das Casas ou judicante, ao julgar pares e autoridades;

c) Poder Judiciário: de modo típico, a função jurisdicional; de modo atípico,


executa seu próprio Orçamento.

Enquanto freios e contrapesos, os poderes interagem para reprimir abusos de poder e conter
uns aos outros frente a eventuais ilegalidades. Exemplo clássico ao sistema de freios e
contrapesos é o controle jurisdicional, especialmente o controle de constitucionalidade.

Nesse caso, o Poder Judiciário atua ao conter ilegalidades das autoridades públicas no
exercício das suas funções, garantindo remédios constitucionais como o Mandado de
Segurança, ou especialmente no controle de constitucionalidade, garantindo a higidez
constitucional a partir da análise da capacidade daquela norma de compor o ordenamento
jurídico ou não, com base na parametricidade do texto da Constituição.

211
Referências Bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
E-book. Não paginado.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

212
13. Controle da Administração Pública
Nos termos do art. 6o do Decreto-lei n. 200/1967, “as atividades da Administração Federal
obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I – Planejamento; II – Coordenação; III –
Descentralização; IV – Delegação de Competência; V – Controle”. Apesar de dispor acerca
da organização da Administração Federal, esse normativo fixa diretrizes gerais para os demais
entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Nesse sentido, a atividade de
controle alcança toda a esfera administrativa, de todos os Poderes, possuindo natureza
jurídica de princípio fundamental da Administração (MAZZA, 2021).

13.1. Conceito

O controle é a função da Administração Pública que objetiva a fiscalização da atuação dos


seus órgãos, agentes e entidades, com a finalidade de verificar e assegurar o cumprimento
das normas aplicáveis aos respectivos atos administrativos, bem como a sua eficiência,
sempre com vistas à proteção dos interesses da coletividade.

Tal fiscalização se justifica pelo fato de os gestores públicos (tais como os agentes políticos)
não serem os proprietários dos recursos financeiros e patrimoniais dos quais o Estado se vale.
Esses recursos advêm dos tributos pagos pelo povo, seu verdadeiro titular. Os gestores
públicos, como o próprio nome já diz, são meros administradores que agem por meio da
delegação conferida pelo povo.

Nesse sentido dispõe o artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal: “Prestará contas
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

13.2. Classificação

Conforme visto, o controle da Administração Pública alcança a esfera administrativa de todos


os Poderes de todos os entes políticos. Nota-se, portanto, que ela pode ser realizada de
diversas formas, bem como por diferentes agentes. De pronto é importante ressaltar: o
controle se refere a qualquer ato administrativo, não alcançando as funções típicas dos

213
Poderes Legislativo e Judiciário, nem do Tribunal de Contas e do Ministério Público (órgãos
autônomos).

Em face de tal diversidade, a doutrina classifica as formas de controle a partir de diversos


critérios. Mazza (2021) destaca os seguintes:

1. Quanto ao órgão controlador:

a) controle legislativo: também conhecido como controle parlamentar, é aquele


exercido de forma direta pelo órgão legislativo, isto é, pelas Câmaras Municipais
ou Assembleias Legislativas ou Congresso Nacional. Esse controle também
pode ser realizado pelos Tribunais de Contas;

b) controle judicial: promovido pelo Poder Judiciário, ou provocado por meio


de ações constitucionais, tais como o mandado de segurança e a ação
popular;

c) controle administrativo: se refere ao controle que a Administração realiza


sobre os seus próprios atos, seja de ofício ou por provocação, sendo, por isso,
também conhecido como controle interno.

2. Quanto à extensão: essa classificação se refere à posição do órgão controlador em


face do controlado:

a) controle interno: é aquele em que o órgão controlador pertence à mesma


estrutura organizacional do controlador, ou, nas palavras de Mazza (2021),
“realizado por um Poder sobre seus próprios órgãos e agentes” (n. p). É o que
ocorre por exemplo, no controle exercido por um Ministério sobre os
departamentos administrativos que o compõem;

b) controle externo: ocorre quando um Poder exerce fiscalização administrativa


sobre o outro. Esse é o caso do julgamento pelo Congresso Nacional das contas
prestadas pelo Presidente da República.

3. Quanto à natureza: leva-se em conta o objeto do controle:

a) controle de legalidade: é aquele que visa averiguar a adequação da


atuação administrativa com o ordenamento jurídico. Essa fiscalização pode
ser tanto interna quanto externa, isto é, pode ser exercida pela própria

214
Administração Pública (autotutela), bem como pelo Poder Judiciário. Desse
controle resulta a confirmação da validade do ato ou a anulação, quando
constatado se tratar de ato ilegal. No entanto, em se tratando de defeitos
sanáveis, é permitido que a Administração proceda à convalidação do ato ilegal;

b) controle de mérito: de competência privativa da Administração Pública,


refere-se à verificação da conveniência e oportunidade sobre os seus atos
discricionários. Desse controle pode resultar a confirmação ou revogação do
ato. Importante ressaltar que, a rigor, diferentemente do controle de legalidade,
apenas a Administração realiza o controle de mérito. O Poder Judiciário, de
fato, pode analisar o mérito do ato administrativo, porém é um controle de
legalidade, visto se tratar de uma análise sob a ótica dos princípios
administrativos. Por outro lado, no que tange ao Legislativo, parte da doutrina
entende que esse Poder realiza controle de mérito em determinadas situações
nas quais atua com discricionariedade, tal como quando é necessária a sua
autorização para que o Executivo pratique determinado ato. No entanto, esse
controle será sempre prévio, ou seja, não cabe ao Legislativo a revogação
de um ato já praticado pela Administração.

4. Quanto ao âmbito:

a) controle por subordinação: é aquele em que o órgão controlador é


hierarquicamente superior ao controlado. É o que ocorre, por exemplo,
quando o Presidente da República anula ato praticado por Ministro de Estado;

b) controle por vinculação: “É o poder de influência exercido pela


Administração direta sobre as entidades descentralizadas, não se
caracterizando como subordinação hierárquica” (MAZZA, 2021) (grifo nosso);
isso porque inexiste subordinação entre a Administração direta e indireta;
exemplo desse controle é a fiscalização do Ministro de Estado sobre autarquia
vinculada à sua pasta.

5. Quanto ao momento de exercício:

a) controle prévio: de caráter preventivo, esse controle é exercido antes da


efetivação do ato administrativo, ou seja, a priori. Exemplo: aprovação pelo

215
Senado Federal de empréstimos externos feitos pelos entes federativos. Outro
exemplo é a aprovação pelo Tribunal de Contas do edital de licitação para a
concessão de serviço público na esfera federal. Esse é apenas um dos casos
em que o Tribunal de Contas exerce controle prévio, no entanto é preciso
cuidado: na vigência das Constituições de 1946 e 1967 era exigido, como
requisito de eficácia, que todo e qualquer ato administrativo fosse homologado,
previamente, pelo Tribunal de Contas, contudo essa exigência não mais existe;

b) controle concomitante: também de caráter preventivo, é aquele que ocorre


no momento da execução da conduta administrativa, como quando se fiscaliza
a execução de uma obra pública;

c) controle posterior: de caráter corretivo e, algumas vezes, sancionador, esse


controle ocorre após a conclusão do ato administrativo, por isso também é
conhecido como a posteriori. É o caso, por exemplo, do controle via ação
popular com a finalidade de anular ato lesivo ao patrimônio público.

6. Quanto à iniciativa:

a) controle de ofício: é aquele que independe de qualquer provocação. Mazza


(2021) apresenta como exemplo a “instauração de processo disciplinar para
apurar falta funcional praticada por servidor público” (n. p.);

b) controle provocado: é aquele que só se inicia mediante provocação; é o


caso do controle judicial por meio de ações constitucionais.

13.3. Controle administrativo

Controle administrativo “é o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em


sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por
iniciativa própria ou mediante provocação” (DI PIETRO, 2007, p. 673, apud ROSSI, 2019, n.
p.).

Nesse sentido, tendo por base as classificações acima apresentadas, nota-se que se trata de
um controle interno, isto é, o Poder Executivo e os órgãos administrativos dos demais Poderes
fiscalizarão suas próprias condutas administrativas.

216
Essa espécie de controle decorre, notadamente, do poder de autotutela conferido à
Administração, o qual permite que esta anule os seus atos ilegais ou revogue aqueles
inconvenientes ou inoportunos. Quanto à anulação, importante destacar que incide prazo
decadencial de cinco anos sobre os atos favoráveis ao administrado, salvo quando
comprovada má-fé (Lei n. 9.784/99).

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.

Esse poder de autotutela está relacionado à sujeição hierárquica entre os órgãos de uma
mesma estrutura do Poder, tanto no âmbito da Administração direta quanto da indireta. Um
exemplo é o controle exercido pelo Conselho de Administração de um banco público sobre as
diretorias da entidade, enquanto estas, por sua vez, controlam suas gerências executivas.

Por outro lado, o controle administrativo também ocorre entre entes sem relação de
subordinação. Conforme já mencionado, não há hierarquia entre a Administração Direta e a
Indireta, apenas vinculação. Nesse sentido, o controle da primeira sobre a segunda configura
uma tutela administrativa.

Inconformada com a decisão administrativa, a parte poderá manejar recurso administrativo,


visando à reapreciação da matéria por outra autoridade, a qual poderá, inclusive, agravar a
decisão, ou seja, é permitida a reformatio in pejus.

Tendo por base a destinação desse recurso, ele poderá ser classificado em:

1. recursos hierárquicos próprios: são aqueles endereçados à autoridade


imediatamente superior àquela que proferiu a decisão recorrida, não sendo necessário
previsão legal para a sua interposição;

2. recursos hierárquicos impróprios: dirigidos “à autoridade que não ocupa posição


de superioridade hierárquica em relação a quem praticou o ato recorrido. Tal

217
modalidade de recurso só pode ser interposta mediante expressa previsão legal”
(MAZZA, 2021, n. p.).

Conforme destacado por Mazza (2021), porém, “no direito brasileiro, não existe necessidade
de esgotamento da via administrativa para ser possível recorrer ao Poder Judiciário (art. 5 o,
XXXV, da CF). A exceção diz respeito às questões envolvendo direito desportivo” (art. 217, §
1o, da CF). (n. p.).

Por fim, é aplicável o instituto da revisão de processo no âmbito do controle administrativo


quando a decisão ensejar a cominação de sanção. Podendo ocorrer a qualquer tempo,
condicionada, porém, à existência de fato novo, pode se dar de ofício ou mediante
requerimento, sendo vedado o agravamento da sanção.

13.4. Controle judicial

Tendo por base o sistema de freios e contrapesos, bem como o art. 5 o, inciso XXXV, da CF,
que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, o controle judicial (ou jurisdicional) é aquele por meio do qual o Poder Judiciário julga
os seus próprios atos administrativos, bem como os dos Poderes Executivo e Legislativo.

Conforme já explicado ao classificar as espécies de controle (vide subtópico 13.2), o controle


judicial se restringe à análise da legalidade do ato, podendo, portanto, apenas anulá-lo,
quando ilegal ou ilegítimo. Esse controle normalmente é enquadrado pela doutrina como a
posteriori. No entanto, mesmo que incomum, existe controle jurisdicional prévio, como é o
caso do mandado de segurança preventivo. Ademais, o Poder Judiciário deve ser provocado,
mediante a propositura da ação constitucional cabível.

Segundo Mazza (2021), são importantes ações judiciais para o controle da Administração
Pública:

13.4.1. Mandado de segurança

Com base constitucional e regulamentação pela Lei n. 12.016/09, o Mandado de Segurança,


ação de natureza civil, pode ser individual ou coletivo.

218
O Mandado de Segurança individual (art. 5o, inciso LXIX, da CF) é uma ação judicial de caráter
residual que visa à proteção de direito líquido e certo, desde que não amparado por habeas
corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica de direito privado no exercício de atribuições
do Poder Público.

Nesse sentido, diz-se que o MS é cabível em face de “ato de autoridade” (coatora), sendo este
um ato administrativo específico, praticado de forma ilegal ou em ofensa a direito líquido e
certo do interessado. Admite-se MS, também, em face de omissões administrativas que
ensejem ofensa a direito líquido e certo.

O MS pode ser preventivo ou repressivo: o primeiro visa afastar ameaça de lesão a direito
líquido e certo, enquanto o último é utilizado quando a ilegalidade ou o abuso de poder já
foram praticados, tendo por fim, portanto, a reparação do direito lesado. Em todo caso, incide
sobre o MS prazo decadencial de 120 dias para a sua impetração, contados da ciência do ato.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 632 do STF: É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração
de mandado de segurança.

O Mandado de Segurança Coletivo (art. 5o, inciso LXX, da CF), por sua vez, visa à proteção
de direito subjetivo, líquido e certo de um grupo, categoria ou classe, sendo os legitimados
para a sua impetração: partido político com representação no Congresso Nacional e
organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou
associados.

219
STF EM AÇÃO:

Súmula n. 630 do STF: A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança
ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva
categoria.

Súmula n. 266 do STF: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Súmula n. 267 do STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de
recurso ou correição.

Súmula n. 268 do STF: Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito
em julgado.

Súmula n. 269 do STF: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

13.4.2. Habeas Corpus

Nos termos do art. 5o, inciso LXVIII, da CF, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder”.

13.4.3. Ação popular

Com base constitucional no art. 5o, inciso LXXIII, a ação popular é um instrumento social de
controle da Administração Pública, visto ser o cidadão o legitimado para a sua propositura,
atuando na defesa de direitos difusos, isto é, na defesa do interesse público, sem titular
determinado. Nesse sentido,

qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à

220
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e
do ônus da sucumbência (Constituição Federal de 1988, art. 5o, inciso LXXIII).

Apesar de a legitimidade ser exclusiva do cidadão, o Ministério Público possui atuação no


âmbito da ação popular: deve atuar como fiscal da lei; em caso de abandono ou omissão do
autor, deverá atuar como sucessor ou substituto; deve recorrer das sentenças e decisões
proferidas contra o autor da ação.

Para o ajuizamento da ação popular, exige-se que o ato comissivo ou omissivo tenha
produzido efeitos concretos, não se admitindo a propositura em face de lei em tese. No
entanto, o STF possui entendimento no sentido de que não é necessária a comprovação
de prejuízo financeiro, sendo a ilegalidade do ato suficiente para configurar a lesão ao
patrimônio público.

Por fim, importante ressaltar que a ação popular também poderá ser preventiva ou
repressiva, demandando a anulação do ato lesivo (sentença desconstitutiva). A
sentença poderá ainda, subsidiária e eventualmente, ser condenatória, cominando aos
responsáveis o pagamento de perdas e danos, se houver, bem como a restituição de bens e
valores obtidos ilicitamente.

13.4.4. Mandado de injunção

“Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne


inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5 o, inciso LXXI, da CF). Podendo ser
impetrado de forma individual ou coletiva, o processo de julgamento desse instituto se
encontra disciplinado na Lei n. 11.300/16.

Julgado procedente, deverá ser expedida lei regulamentadora ou qualquer outro ato
administrativo que viabilize o exercício do direito ou garantia constitucional não
regulamentados.

221
13.4.5. Habeas Data

Com base constitucional no art. 5o, inciso LXXII, da CF, visa “assegurar o conhecimento,
retificação ou contestação de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público” (MAZZA,
2021, n.p).

13.4.6. Ação civil pública

Prevista no art. 129, inciso III, da CF, a Ação Civil Pública visa à proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, tendo como legitimados
ativos: o Ministério Público (§ 1o), bem como a Defensoria Pública, os entes federativos, suas
autarquias, fundações ou sociedades de economia mista, e associação constituída há pelo
menos um ano, nos termos da lei civil, e que inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 5o da Lei n. 7.347/85).

A ação civil pública também pode ser preventiva ou repressiva; no entanto, diferentemente
da ação popular, possui sentença, em regra, condenatória, podendo ser tanto em
obrigação de fazer quanto de não fazer. Lembre-se: a ação popular visa à anulação e
apenas de forma subsidiária, à condenação.

13.4.7. Ação de improbidade

Considerada uma espécie de ação civil pública, a ação de improbidade é prevista na Lei n.
8.429/92. Vide Tema 14 – Improbidade administrativa – Lei n. 8.429/92.

13.4.8. Processo de responsabilidade administrativa, civil e penal por


abuso de autoridade

Regulado pela Lei n. 13.869/19, conforme disciplinado por Mazza (2021), poderá representar,
por meio de petição enviada à autoridade competente para aplicar à autoridade civil ou militar

222
culpada, a respectiva sanção, ou poderá ser dirigido ao Ministério Público competente para
iniciar o processo-crime.

13.5. Controle legislativo

Em termos gerais, “o controle legislativo é realizado no âmbito dos parlamentos e dos órgãos
auxiliares do Poder Legislativo. Sua abrangência inclui o controle político sobre o próprio
exercício da função administrativa e o controle financeiro sobre a gestão dos gastos públicos
dos três Poderes” (MAZZA, 2021, n. p.).

Expressamente previsto e consagrado pelo art. 70 da CF, o controle legislativo ocorrerá tanto
de forma externa, quanto interna, visando à fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da Administração Pública. Apesar de o referido dispositivo
constitucional tratar da Administração Pública Federal, pelo princípio da simetria, no que
couber, deverá ser adotado para os demais entes federados.

Nos termos do art. 74 da CF, o controle interno ocorre na esfera de cada Poder, sendo mantido
um sistema de controle interno integrado. O controle externo, por sua vez, nos termos do art.
71, da CF, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas
da União.

Nesse sentido, a Constituição Federal estabelece as atribuições e competências


exclusivas das casas legislativas (caráter político), bem como as exclusivas do Tribunal
de Contas, que realiza o controle técnico.

13.5.1. Controle parlamentar direto

O controle parlamentar direto ou controle político é aquele exercido pelo próprio Poder
Legislativo, nas hipóteses e nos limites diretamente previstos na Constituição. Nesse sentido,
destaca-se:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


(...)
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
(...)

223
IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e
apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos
do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;
(...)

Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas


Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de
órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem,
pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado,
importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.
(...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes
de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos
com aqueles.
(...)

Art. 58.
(...)
§ 3o As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados
e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante
requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil
ou criminal dos infratores.
(...)

Art. 71.
(...)
§ 1o No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo
Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as
medidas cabíveis.

13.5.2. Tribunais de Contas

Conforme mencionado, a Constituição Federal, com o objetivo de viabilizar a realização do


controle externo, atribuiu a função de auxiliar do Poder Legislativo ao Tribunal de Contas,
dando-lhe competências e atribuições próprias e privativas. Importante destacar que não há
relação de hierarquia entre a Casa Legislativa (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas

224
e Congresso Nacional) e o Tribunal de Contas da respectiva esfera da federação (TCU, TCEs,
TCDF e TCMs).

Nos termos dos arts. 71, 72 e 74 da CF, bem como da Súmula 347 do STF, compete
(privativamente) ao Tribunal de Contas da União:

1. Apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante


parecer prévio que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento: o
TCU possui prazo de até 60 dias, contados do recebimento das contas, para emitir o
referido parecer, o qual é meramente opinativo e não vincula o julgamento pelo
Congresso Nacional.

2. Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e


valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário
público: em termos gerais, esse julgamento é um julgamento técnico da gestão
administrativa de todos os Poderes.

3. Apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a


qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões,
ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório.

4. Realizar, por iniciativa própria da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de


comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II.

5. Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a


União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo, bem
como a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio,
acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município.

225
6. Prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas
Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e
inspeções realizadas.

7. Aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de


contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário.

8. Assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao


exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade.

9. Sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à


Câmara dos Deputados e ao Senado Federal: importante reforçar que, nos termos do
§ 1o, será da competência do Congresso Nacional no caso de contrato administrativo,
sendo cabível ao TCU decidir apenas nos casos de omissão do Congresso Nacional
ou do Executivo por mais de 90 dias.

10. Representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

11. Apreciar a constitucionalidade de leis e atos normativos: importante destacar que


tal controle incide apenas sobre matérias de competência do Tribunal de Contas, com
produção de efeitos inter partes. Nesse sentido, não há declaração de
inconstitucionalidade pelo TC, visto que esta é de competência exclusiva do Judiciário.

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 347 do STF: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar
a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.

12. Emitir pronunciamento conclusivo sobre despesas não autorizadas

A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, § 1o, diante de indícios
de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não
programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade
governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os
esclarecimentos necessários.

226
§ 1o Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a
Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no
prazo de trinta dias.
§ 2o Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o
gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública,
proporá ao Congresso Nacional sua sustação.

13. Decidir sobre denúncias

Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima


para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o
Tribunal de Contas da União (grifo nosso).

227
Mapa Mental

Controle da
Administração Pública

Classificação Administrativo Judicial Legislativo

Órgão Tribunal de
Contas

Extensão

Natureza

Âmbito

Momento

Iniciativa

228
Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 13.869, de 5 de setembro de 2019. Brasília: Senado Federal.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
ROSSI, Licínia. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.

229
14. Improbidade Administrativa – Lei n. 8.429/92
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) originou-se da necessidade de
regulamentar o § 4o do art. 37 da Constituição Federal, norma de eficácia limitada, que assim
dispõe: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos,
a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma
e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, a lei objeto de estudo tem por escopo o dever de punição dos agentes
públicos que praticam atos de improbidade administrativa, elencando os atos ímprobos
em categorias, ampliando o rol de sanções originariamente previstas na Constituição Federal
e dando outras providências.

A Lei foi profundamente reformulada na recente reforma promovida pela Lei n. 14.230/2021.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Extraordinário n. 598.588/RJ: EMENTA: AGRAVOS REGIMENTAIS NO


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MULTA CIVIL. ARTIGO
12, III, DA LEI 8.429/92. As sanções civis impostas pelo artigo 12 da Lei n. 8.429/92 aos atos
de improbidade administrativa estão em sintonia com os princípios constitucionais que regem
a Administração Pública. Agravos regimentais a que se nega provimento.

Mas, afinal, o que são atos de improbidade administrativa? Primeiramente, importa dizer que
estão diretamente associados aos princípios constitucionais que regem o Direito
Administrativo (art. 37, caput, da CF), notadamente aos princípios da moralidade e da
legalidade. O ato de improbidade administrativa diz respeito a uma ação ou omissão de agente
público que, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional, gera enriquecimento ilícito, causa lesão ao erário ou atenta
contra princípio administrativo.

Os atos de improbidade são comumente associados a atos imorais. Essa associação não está
errada, no entanto é preciso cuidado: nem sempre um ato imoral é considerado ímprobo.
Em termos gerais, o ato de improbidade é caracterizado por uma imoralidade qualificada

230
especialmente pela desonestidade, pela má-fé, possuindo punições mais severas do que um
ato meramente imoral.

Por outro lado, não se deve associar ato de improbidade administrativa a crime, ou seja, não
existe crime de improbidade. Um ato administrativo é um ilícito de ordem civil (ou civil-
política), podendo, de fato, corresponder a algum tipo criminal definido em lei, mas não
necessariamente. Nas palavras de Mazza:

Os agentes públicos podem praticar, no exercício das funções estatais,


condutas violadoras do Direito, capazes de sujeitá-los à aplicação das mais
diversas formas de punição. Se o comportamento causar prejuízo patrimonial,
pode ser proposta uma ação civil visando a reparação do dano. Sendo
praticada conduta tipificada como crime, instaura-se um processo penal
tendente à aplicação de sanções restritivas da liberdade. Já na hipótese de
infração de natureza funcional, o Poder Público poderá instaurar um processo
administrativo que, em caso de condenação do agente, resulta na fixação de
sanções relacionadas ao cargo público, como advertência, suspensão e até
demissão do servidor (MAZZA, 2021, n. p.).

Com efeito, um ato de improbidade pode corresponder também a um crime, bem como a uma
infração administrativa, havendo uma cumulação de instâncias, as quais são, porém, em
regra, independentes, isto é, o resultado de uma ação não influencia no resultado da outra. A
título de exceção, o resultado na esfera penal tem o condão de influir nas demais instâncias,
condicionando o resultado destas.

Nesse sentido, na lei de improbidade são previstas sanções de natureza administrativa, civil
e política, havendo a previsão de um único crime, com a sua respectiva sanção penal, o qual
recai sobre o representante e não sobre o agente público:

Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente
público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único: Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar
o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver
provocado (BRASIL, 1992).

14.1. Disposições gerais

Nos termos do art. 1º da Lei n. 8.429/92, modificado pela Lei n. 14.230/2021:

O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará


a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como
forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos
desta Lei..

231
Inicialmente, importante ressaltar que o referido diploma legal possui caráter nacional,
abrangendo toda a Administração, de todos os Poderes, de todos os entes federativos.
Ademais, desse dispositivo legal é possível extrair três elementos do ato de improbidade: o
sujeito ativo, o sujeito passivo e a ocorrência do ato de improbidade propriamente dito.

14.1.1. Sujeito ativo

Em termos gerais, sujeito ativo é aquele que pratica o ato de improbidade. Conforme se extrai
do dispositivo legal acima transcrito, a Lei de Improbidade define como tal, de forma expressa,
o agente público, servidor ou não. Em seguida, em seu art. 2o, traz a definição de agente
público para os efeitos da referida Lei:

Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor
público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades referidas no art. 1º desta Lei.

Nota-se que se trata de um conceito bastante amplo, o qual vai além dos servidores e
empregados públicos propriamente ditos e engloba todos aqueles que exercem função
pública (transitória ou não, remunerada ou não e por qualquer forma de investidura), inclusive
particulares em colaboração com o Poder Público, como mesários e conscritos.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 416.329/RS: ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO


E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR
CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA.

1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos,
mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art.
2o, da Lei n. 8.429/92: “a Lei Federal n. 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da
sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente

232
na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor
público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no
Código Penal (art. 327)”. 2. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de
exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos
dos atos de improbidade administrativa. 3. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição
do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de
enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da
legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento (grifo nosso).

Recurso Especial n. 1.352.035/RS: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIA.


ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PRECONIZADO PELA LEI
8.429/92. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) 4. Contudo, o conceito de
agente público, constante dos artigos 2o e 3o da Lei 8.429/1992, abrange não apenas os
servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. 5.
Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou
não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992. (grifo
nosso).

Apesar da amplitude do conceito, sendo expressamente previsto como agente público aquele
investido por eleição para o exercício de mandato, ainda não há entendimento consolidado
acerca da aplicação da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação n. 2.138/2007, fixou o entendimento


de que os agentes políticos que respondem por crime de responsabilidade (apenas eles)
não cometem ato de improbidade, ou seja, o Presidente, seus Ministros, Governadores,
Secretários, Ministros do STF e o Procurador Geral da República.

233
O Superior Tribunal de Justiça, porém, por sua vez, admite a responsabilização do
Governador por ato de improbidade administrativa, além dos agentes políticos não previstos
na lei de responsabilidade (Reclamação n. 2.790).

O STJ mantém o seu posicionamento. No entanto, quanto ao posicionamento do STF é


possível encontrar decisões nas quais se admitiu a dupla responsabilidade ou dupla
normatividade do agente político, com exceção do Presidente da República, conforme julgado
abaixo colacionado, veiculado no Informativo 901 do Supremo Tribunal Federal.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Pet n. 3923 QO/SP: os agentes políticos que respondem pelos crimes de


responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967 não se submetem à Lei de
Improbidade (Lei 8.429/1992), sob pena de ocorrência de bis in idem; (...) O pedido foi
indeferido sob os seguintes fundamentos: 1) A Lei 8.429/1992 regulamenta o art. 37,
parágrafo 4o da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade
administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas
descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades
detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade
(grifos nossos).

AC n. 3585 AgR/RS: E M E N T A: “MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL” –


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AGENTE POLÍTICO – COMPORTAMENTO
ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE
ESTADO – POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO AO REGIME DE
RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE “IMPEACHMENT” (LEI N. 1.079/50), DESDE
QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA
NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
(LEI N. 8.429/92) (grifo nosso).

234
Nessa mesma temática, outro aspecto não pacificado no STF e no STJ é o foro competente
para processar e julgar ações de improbidade praticadas por agentes políticos com foro
privilegiado na esfera penal. A posição que tem prevalecido estabelece ser da competência
do juízo de primeiro grau.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Rcl n. 12.514/MT: PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE


ADMINISTRATIVA. A ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas
instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no
âmbito penal e nos crimes de responsabilidade.

RE n. 444.042/SP: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA JULGAMENTO
DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 10.628/2002.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

AG.REG. NA PETIÇÃO 3.240/DF: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO


REGIMENTAL EM PETIÇÃO. SUJEIÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS A DUPLO REGIME
SANCIONATÓRIO EM MATÉRIA DE IMPROBIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO
DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO À AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. 1. Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República,
encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à
responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização
político-administrativa por crimes de responsabilidade. Não há qualquer impedimento à
concorrência de esferas de responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento
constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de
improbidade administrativa, a pretexto de que estas seriam absorvidas pelo crime de

235
responsabilidade. A única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de improbidade
se refere aos atos praticados pelo Presidente da República, conforme previsão do art. 85, V,
da Constituição.

2. O foro especial por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal em relação às


infrações penais comuns não é extensível às ações de improbidade administrativa, de
natureza civil. Em primeiro lugar, o foro privilegiado é destinado a abarcar apenas as infrações
penais. A suposta gravidade das sanções previstas no art. 37, § 4o, da Constituição, não
reveste a ação de improbidade administrativa de natureza penal. Em segundo lugar, o foro
privilegiado submete-se a regime de direito estrito, já que representa exceção aos princípios
estruturantes da igualdade e da república. Não comporta, portanto, ampliação a hipóteses não
expressamente previstas no texto constitucional. E isso especialmente porque, na hipótese,
não há lacuna constitucional, mas legítima opção do poder constituinte originário em não
instituir foro privilegiado para o processo e julgamento de agentes políticos pela prática de
atos de improbidade na esfera civil. Por fim, a fixação de competência para julgar a ação de
improbidade no 1o grau de jurisdição, além de constituir fórmula mais republicana, é atenta às
capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição para a realização da instrução
processual, de modo a promover maior eficiência no combate à corrupção e na proteção à
moralidade administrativa. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

Ademais, para além dos agentes públicos, a Lei de Improbidade Administrativa, em seu art.
3o, prevê a extensão dos efeitos a terceiro que induza ou concorra para prática de ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta. Nesses termos, o
terceiro, em hipótese alguma, pratica ato de improbidade sozinho, sendo indispensável a
participação de algum agente público, nos termos do entendimento consolidado no REsp
1171017-PA, veiculado no Informativo 535 do Superior Tribunal de Justiça. A título de
exemplificação, compare as seguintes situações: 1a) três empresas privadas combinam de
fraudar licitação, SEM a participação de agente público; 2 a) as mesmas três empresas,
juntamente com servidor, combinam de fraudar licitação. No primeiro caso, não há que se falar
em ato de improbidade, mas podem responder a ação penal pela fraude a licitação. Já no

236
segundo caso, todos respondem por ato de improbidade (ação civil) e, também, responderão
na esfera penal, podendo o servidor, ainda, ser responsabilizado no âmbito administrativo.

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 634 do STJ: Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei
de Improbidade Administrativa para o agente público. STJ. 1a Seção. Aprovada em 12/6/2019,
DJe 17/6/2019.

Segundo o STJ (REsp n. 1.038.762/RJ), é possível que pessoa jurídica seja sujeito ativo do
ato de improbidade, na condição de terceiro, respondendo dentro das suas possibilidades, isto
é, são aplicáveis apenas sanções compatíveis com a sua personalidade jurídica.

Por fim, importante ressaltar que os sucessores dos agentes ativos também podem ser
responsabilizados com as sanções patrimoniais da Lei de Improbidade Administrativa, até o
limite do valor da herança.

14.1.2. Sujeito passivo

Sujeito passivo é aquele que é lesado pelo ato de improbidade, isto é, a sua “vítima”. Nesse
sentido, tendo a Lei n. 8.429/92 caráter nacional e, conforme o disposto em seu art. 1 o, caput
e parágrafo único (transcrito acima), podem ser sujeitos passivos dos atos de improbidade:

1. Administração direta: são os entes da Federação, a saber, União, Estados, Distrito


Federal, Municípios e Territórios.

2. Administração indireta, de todos os Poderes e entes federativos: são as autarquias,


fundações públicas, associações públicas, empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações governamentais.

3. Empresa incorporada ao patrimônio público.

4. Entidade privada da qual o erário participe com mais de 50% do patrimônio ou da


receita anual.

237
5. Entidade privada da qual o erário participe com menos de 50% do patrimônio ou da
receita anual: nesses casos, há a limitação da sanção patrimonial à repercussão do
ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

6. Entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício,


de órgão público: nesses casos, há a limitação da sanção patrimonial à repercussão do
ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

14.1.3. Ocorrência de ato de improbidade

Nos termos da Lei n. 8.429/92, é possível classificar os atos de improbidade administrativa em


três modalidades:

1. Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito – art. 9o.


2. Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário – art. 10.
3. Atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração
Pública – art. 11.

Para cada uma dessas espécies a referida lei estabelece as respectivas sanções que podem
incidir sobre o sujeito ativo do ato de improbidade, de acordo com a gravidade da conduta.
Conforme já dito, algumas dessas sanções advêm da Constituição Federal enquanto outras
foram definidas pela própria lei. Nesse sentido, a Constituição Federal, no § 4 o do art. 37,
prevê as seguintes sanções:

1. Suspensão dos direitos políticos: o sujeito fica impedido de votar, bem como de
ser votado por prazo determinado, estabelecido na sentença judicial, podendo variar de
três a dez anos. A suspensão somente se efetiva após o trânsito em julgado da
sentença que a determinou. Cuidado com a pegadinha de prova: a Constituição fala
em suspensão em decorrência de ato de improbidade, não é em perda ou cassação
dos direitos políticos.

2. Perda da função pública: importante lembrar que nem todo sujeito ativo do ato de
improbidade necessariamente possui função pública. Por exemplo, o terceiro que
concorre com um servidor para a prática do ato não possui. Nesse sentido, por óbvio,
essa cominação só poderá recair sobre aqueles que exercem função pública. Ademais,
a perda só se efetiva após o trânsito em julgado da sentença; no entanto, pode haver

238
o afastamento preventivo das funções mediante determinação judicial, pelo prazo que
o juiz vier a fixar.

3. Ressarcimento ao erário: para aplicação dessa sanção, é requisito indispensável


a ocorrência de dano, lembrando que nem todo ato de improbidade administrativa
acarreta danos ao erário.

Importante destacar que a outra consequência prevista pela Constituição Federal é a


indisponibilidade dos bens. Diferentemente das demais, essa decorrência do ato ímprobo
não é uma penalidade, mas uma medida cautelar imposta com a finalidade de evitar a
dilapidação do patrimônio, concedida por meio de uma ordem judicial. Com a sua imposição,
é realizado o bloqueio dos bens do suposto sujeito ativo do ato de improbidade, ficando, assim,
impossibilitado de aliená-los.

A Lei n. 8.429/92, ao regulamentar esse dispositivo constitucional, estabeleceu mais três


possíveis cominações:

1. Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.

2. Pagamento de multa civil.

3. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos


fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário.

Nesse sentido, conforme a gravidade da conduta, a Lei de Improbidade Administrativa definiu


expressamente quais são, dentre as seis, as possíveis sanções aplicáveis a cada modalidade
de ato apresentada, bem como definiu os seus limites. Em qualquer caso, ainda em
conformidade com a gravidade da conduta, as penalidades previstas podem ser aplicadas
isolada ou cumulativamente.

Nos termos do art. 21 da Lei n. 8.429/92, a aplicação dessas sanções independe: “I - da


efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e às
condutas previstas no art. 10 desta Lei; II – da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão
de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas” (BRASIL, 1992).

Ademais, “é ponto pacificado na doutrina e jurisprudência que não há responsabilidade


objetiva na Lei de Improbidade” (MAZZA, 2021, n.p). Nesse sentido, para a efetiva ocorrência

239
do ato de improbidade, a Lei 8.429/92 exige a presença do elemento subjetivo da conduta
do agente, isto é, dolo ou culpa. De forma mais específica, o STJ possui jurisprudência
consolidada no sentido de que as condutas dos arts. 9o e 11 só configuram ato de
improbidade se praticadas de forma dolosa. Distintamente, para a caracterização
daquelas previstas no art. 10, exige-se dolo ou culpa.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 414.697/RO: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. IMPROBIDADE. LICITAÇÃO IRREGULAR. HOMOLOGAÇÃO. DANO AO ERÁRIO
NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO DO ART. 10 DA LEI 8.429/1992 CONFIGURADA. 1. O
Tribunal de origem constatou a irregularidade da licitação, por não ter sido observada a
publicidade do edital, e enquadrou a conduta do recorrente no art. 10 da Lei 8.429/1992, que
censura os atos de improbidade por dano ao Erário. 2. De acordo com a premissa fática do
acordão recorrido, o edital da licitação foi publicado no Diário Oficial, tendo faltado divulgação
em jornal de grande circulação. Tal omissão não foi imputada ao recorrente, então prefeito,
que apenas homologou o procedimento licitatório. 3. A jurisprudência do STJ rechaça a
responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992, exigindo a presença de dolo nos
casos dos arts. 9o e 11, que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios
administrativos, respectivamente, e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os
atos de improbidade por dano ao Erário. 4. Na hipótese, os fatos considerados pelo Tribunal
a quo podem denotar somente negligência do recorrente por ter homologado a licitação,
porém não se constatou dano concreto, tanto que não houve condenação ao ressarcimento.
Nesse contexto, mostra-se equivocada a aplicação do art. 10 da Lei 8.429/1992.

14.2. Atos de improbidade administrativa e suas sanções

Para cada categoria de atos de improbidade administrativa a Lei n. 8.429/92, além das
sanções que podem incidir sobre o sujeito ativo, previstas no art. 12, apresenta um rol de
condutas exemplificativas.

240
14.2.1. Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento
ilícito

Essa categoria de ato de improbidade descreve, segundo Mazza (2021), as condutas mais
graves, sendo, portanto, apenada com as sanções mais rigorosas. Em termos gerais, o ato de
improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito é aquele em que o sujeito ativo,
direta ou indiretamente, aufere vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade pública. De forma exemplificativa, nos incisos do
art. 9o da Lei de Improbidade Administrativa são dispostas as seguintes condutas:

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer


outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,
percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou
indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,
permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços
pelas entidades referidas no art. 1o por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço
por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, qualquer bem móvel, de propriedade
ou à disposição de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, bem
como o trabalho de servidores, de empregados ou de terceiros contratados por
essas entidades;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer
declaração falsa sobre qualquer dado técnico que envolva obras públicas ou qualquer
outro serviço ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de
mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou
qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou
característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades
mencionadas no art. 1o desta Lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego
ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos
atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do
patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da
licitude da origem dessa evolução;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível
de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições
do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação
de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja
obrigado;

241
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no
art. 1o desta Lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei (BRASIL,
2019) (grifos nossos).

Nota-se que as situações que se enquadram nesta categoria são marcadas pelo
recebimento de vantagens pessoais, sem necessariamente ocorrer prejuízo ao erário.
Destaca-se que apenas nos incisos I e VII fala-se em vantagem “para outrem”.

Nesses casos, o agente do ato de improbidade está sujeito às cominações dispostas no art.
12, I, da LIA, quais sejam:

1. Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.

2. Ressarcimento integral do dano, quando houver.

3. Perda da função pública.

4. Suspensão dos direitos políticos até quatorze anos;

5. Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial.

6. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos


fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de até quatorze anos.

14.2.2. Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário

Classificada por Mazza (2021) como de gravidade intermediária, nos termos do art. 10 da LIA,
constitui ato de improbidade, que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que resulte em perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres de órgão ou entidade pública. São exemplos de condutas
que se enquadram nessa categoria (incisos do art. 10):

I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao


patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei;
II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

242
III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda
que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do
patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, sem
observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante
do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1o desta Lei, ou ainda
a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço
por preço superior ao de mercado;
VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração
de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente,
acarretando perda patrimonial efetiva;
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz
respeito à conservação do patrimônio público;
XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou
influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1o desta Lei, bem
como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por
essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação
de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as
formalidades previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia
dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei;
XVI – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao
patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou
valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas
mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais
ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVII – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração
pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVIII – celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas
sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
XIX - agir para a configuração de ilícito na celebração, na fiscalização e na análise das
prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas;
XX – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com
entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir
de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

243
Nota-se que, ao contrário dos atos de improbidade administrativa que implicam
enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário não importam necessariamente em
obtenção de vantagem pelo sujeito ativo e, como o próprio nome diz, exigem a existência de
prejuízo patrimonial efetivo. Apesar de não ser um tema pacífico no âmbito doutrinário, o
STJ possui jurisprudência consolidada nesse sentido, entendendo não ser suficiente o
prejuízo apenas presumido.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 1.151.884/SC: O ato de improbidade administrativa previsto no art. 10


da Lei n. 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário e a existência de dolo ou culpa do
agente.

Ao responsável pela prática desses atos podem ser cominadas as seguintes sanções,
conforme inciso II do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa:

1. Ressarcimento integral do dano.

2. Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se ocorrer esta


circunstância.

3. Perda da função pública.

4. Suspensão dos direitos políticos até doze anos..

5. Pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano.

6. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos


fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de até doze anos

244
14.2.3. Atos de improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da Administração Pública

Com previsão no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, essa categoria engloba,


conforme Mazza (2021), condutas de menor gravidade, visto não haver qualquer lesão
financeira ao erário. Constitui essa categoria qualquer ação ou omissão que dolosamente
atente contra os princípios da administração pública, com a violação dos deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. São exemplos dessas
condutas (incisos do art. 11):
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições
e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por
informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do
Estado;
IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua
imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras
hipóteses instituídas em lei;
V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso
público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção
de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que
disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da


respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço;
VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação
de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas;
XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por
afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor
da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;

XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato


de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição
Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e
personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas
dos órgãos públicos.

Ao sujeito ativo dessas condutas podem ser impostas as seguintes sanções, conforme o inciso
III do art. 12 do mesmo diploma legal:

245
1. Ressarcimento integral do dano, se houver.

2. Perda da função pública.

3. Pagamento de multa civil de até vinte e quatro vezes o valor da remuneração


percebida pelo agente.

4. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos


fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de quatroanos.

14.3. Demais disposições da Lei n. 8.429/92

14.3.1. Declaração de bens

O Capítulo V, art. 13, da Lei de Improbidade Administrativa dispõe acerca da obrigatoriedade


da declaração de bens e valores que compõem o patrimônio privado do agente público para
que este tome posse ou entre em exercício. Além de todo o seu próprio patrimônio, o agente
público deve, ainda, incluir na sua declaração todos os valores patrimoniais do cônjuge, dos
filhos e de outras pessoas que estejam sob a sua dependência econômica.

Essa declaração, que pode ser substituída por cópia da declaração anual de bens
apresentada à Receita Federal, será arquivada no serviço de pessoal competente, devendo
ser atualizada anualmente, bem como na data em que o agente público deixar o exercício do
mandato, cargo, emprego ou função.

A LIA confere tamanha importância à apresentação de tal declaração devido ao fato de


algumas categorias de atos de improbidade, com as suas respectivas condutas descritas,
estarem diretamente relacionadas à obtenção de vantagens pelo agente público. Nesse
sentido, a declaração de bens é uma forma de fiscalização e controle pela Administração
Pública. Logo, ao agente público que se recusar a prestar tais informações dentro do prazo
estipulado, ou que prestar declarações falsas, incidirá a pena de demissão, sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.

246
14.3.2. Procedimento administrativo e processo judicial

A Constituição Federal estabelece um mecanismo processual específico para a defesa da


moralidade administrativa quando da prática de um ato de improbidade: a ação de
improbidade administrativa. As sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa
apenas podem ser aplicadas pelo Poder Judiciário, por meio de sentença judicial, após o
devido procedimento administrativo.

Nesse sentido, nos termos da Lei n. 8.429/92, qualquer pessoa, ao tomar ciência da prática
de ato de improbidade administrativa, pode representar à autoridade administrativa
competente, a qual será responsável pela apuração dos fatos mediante a instauração de
procedimento administrativo.

Para a instauração desse procedimento, porém, é necessário que a representação atenda às


formalidades dispostas no § 1o do art. 14 do mesmo diploma legal, quais sejam: escrita ou
reduzida a termo e assinada, deverá conter a qualificação do representante, as informações
sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento. Apresentada
sem algum desses requisitos, poderá ser rejeitada, situação que não impede a representação
perante o Ministério Público.

Nesse ponto é necessário especial atenção. Apesar dessas previsões legais, que levam a
concluir pela existência de vedação à representação anônima, o STJ admite a instauração de
procedimento investigatório quando a denúncia anônima for verossímil.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA n. 30510/RJ: Apuração de fatos


típicos (art. 9o da Lei 8.429/92), com indícios suficientes de autoria, desmentem a alegação
de inviabilidade da ação de improbidade. 3. Denúncia anônima pode ser investigada, para
comprovarem-se fatos ilícitos, na defesa do interesse público.

Recebida a representação, imediatamente deverá ser formada a comissão processante e


dado conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, podendo, cada um desses

247
órgãos, a requerimento, designar representantes para acompanhar o procedimento
administrativo.

Nos termos do art. 16, nos casos em que houver fundados indícios de responsabilidade, com
lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito, na ação por improbidade administrativa
poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos
réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de
enriquecimento ilícito.

Ainda em sede de medida cautelar (preparatória ou incidental), a fim de assegurar o integral


ressarcimento do dano ou devolução do acréscimo patrimonial advindo do enriquecimento
ilícito, segundo Mazza (2021), o Ministério público ou a pessoa jurídica prejudicada
poderão requerer: a indisponibilidade dos bens do indiciado (art. 7o da LIA); sequestro,
investigação, exame ou bloqueio de bens (art. 16 da LIA); e o bloqueio de contas
bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior (art. 16, § 2o, da
LIA).

Findo o procedimento administrativo, será proposta ação judicial de improbidade


administrativa, a qual é tida como uma espécie de ação civil pública. Nos casos em que
for fixada alguma medida cautelar, a ação de improbidade administrativa deverá ser proposta
no prazo de 30 dias.

A ação seguirá o rito ordinário, sendo-lhe aplicadas, subsidiariamente, as regras da Lei de


Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85).

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 507.142/MA: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPATIBILIDADE DAS AÇÕES. ART. 6.
DA LEI N. 8.906/1994. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ.
1. É cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa,
tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. Mostra-se lícita, também, a
cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva pelo Parquet por
meio dessa ação.

248
Tendo como legitimados ativos o Ministério Público e a pessoa jurídica prejudicada (isto
é, sujeito passivo do ato de improbidade), a ação deverá ser proposta na primeira instância,
visto que, nos termos da ADI 2.860, o STF entendeu não haver foro por prerrogativa de função
na ação de improbidade. No entanto, a jurisprudência prevê algumas exceções:

1. STJ – AgRg na Sd 208/AM: sendo sujeito ativo juiz integrante de tribunal, será
competente para processar e julgar a ação o tribunal imediatamente superior àquele
vinculado ao indiciado.

2. STF – Pet 3.211/DF: o STF entendeu ter competência nas ações de improbidade
contra um de seus membros.

3. STJ – Rcl 2.790: o julgamento de ação de improbidade em face de governador do


Estado é competência originária do STJ.

Proposta a ação, fica vedada a realização de transação, acordo ou conciliação, ou até mesmo
de delação premiada. As partes deverão ser notificadas para a apresentação de defesa prévia
no prazo de 15 dias, sem que a ausência dessa notificação gere nulidade da citação. No
entendimento do STJ, porém, trata-se de uma nulidade relativa, haja vista a necessidade de
ser comprovado prejuízo para a decretação da nulidade (AgRg no AREsp 604.949/RS).

O juízo terá o prazo de 30 dias para a análise da defesa prévia, podendo receber ou rejeitar a
denúncia. Nos casos em que entender pelo recebimento, deverá ordenar a citação do
denunciado para contestar o feito.

Em qualquer fase do processo, o juiz poderá extinguir o feito sem resolução do mérito, em
decisão fundamentada, quando entender pela inadequação da ação. No entanto, julgando
procedente a ação de improbidade, o juiz deverá fixar a pena dentre as previstas na LIA, tendo
por base a extensão do dano e o proveito patrimonial.

Nos termos do art. 18 da LIA, “A sentença que julgar procedente a ação fundada nos arts. 9º
e 10 desta Lei condenará ao ressarcimento dos danos e à perda ou à reversão dos bens e
valores ilicitamente adquiridos, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo
ilícito.” (BRASIL, 1992)

249
Importante lembrar: a perda da função pública, assim como a suspensão dos direitos políticos,
são medidas que apenas podem ser efetivadas após o trânsito em julgado da sentença. Antes
disso, porém, em sede de medida cautelar, a autoridade administrativa, ou judiciária, pode
determinar o afastamento do agente público, sem prejuízo da remuneração, por até 180 dias,
a fim de não comprometer a instrução processual (STJ – MC n. 19.214/PE).

14.3.3. Prescrição

Nos termos do art. 23 da LIA, a ação de improbidade administrativa poderá ser proposta em
até oito anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes,
do dia em que cessou a permanência.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Especial n. 1.060.529/MG: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.


IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. LEI N. 8.429/92, ART. 23, I E II. CARGO EFETIVO. CARGO
EM COMISSÃO OU FUNÇÃO COMISSIONADA. EXERCÍCIO CONCOMITANTE OU NÃO.
PREVALÊNCIA DO VÍNCULO EFETIVO, EM DETRIMENTO DO TEMPORÁRIO, PARA
CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

Recurso Especial n. 1.087.855/PR: Quando um terceiro, não servidor, pratica ato de


improbidade administrativa, se lhe aplicam os prazos prescricionais incidentes aos demais
demandados ocupantes de cargos públicos.

Por fim, importante destacar que, nos termos do art. 37, § 5 o, da CF, as ações civis de
ressarcimento ao erário são imprescritíveis, sendo os prazos prescricionais aplicáveis apenas
em relação às demais penalidades previstas na Lei n. 8.429/92. Apesar de alguns autores
apresentarem resistência a essa tese, Mazza (2021) orienta que, em concursos públicos, é o
entendimento mais seguro a se seguir, tendo por base decisão do STJ (REsp n. 1.069.779) e
do STF (RE n. 852.475).

250
251
Mapa Mental

Improbidade
Administrativa

Atos Legitimidade Consequências Sujeito ativo

Enriquecimento Indisponibilidade Agente


ilícito MP dos bens público

Lesão ao Suspensão
PJ dos direitos
erário Terceiro
interessada políticos

Concessão Perda da
indevida de função
ISS pública

Viola princípio
Ressarcimento
administrativo

Proibição de
contratar/
receber

Multa

252
Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Brasília: Senado Federal.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2002.
ROSSI, Licínia. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.

253
15. Agentes públicos – Lei n. 8.112/90
Para a realização dos seus fins, o Estado, pessoa jurídica, depende da atuação humana, isto
é, as atividades públicas, imputadas ao Poder Público, são exercidas por pessoas físicas,
chamadas de agentes públicos. Nesse sentido, com base constitucional nos artigos 37 a 41,
a expressão “agente público” é utilizada em sentido amplo e genérico, englobando todo aquele
que exerce função pública, nos três poderes das três esferas de governo, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração.

15.1. Cargo, emprego e função

Todo agente público exerce uma função pública. No entanto, para esse exercício os agentes
podem ocupar cargos ou empregos, ou então meramente exercer uma função.

Cargo público é o lugar, no âmbito da Administração Pública, a ser ocupado pelo agente
público, o qual pode ser de provimento efetivo, por meio de aprovação em concurso público,
sendo-lhe atribuídas funções e responsabilidades, conforme a estrutura organizacional do
órgão ou entidade de direito público ao qual esteja vinculado, ou em comissão, de livre
nomeação e exoneração, destinado apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento. Em todos os casos, porém, o cargo público deverá ser criado por lei
específica, definindo a relação jurídica que será estabelecida, razão pela qual o regime
jurídico adotado em ambos os casos é o estatutário (no âmbito federal, o regime está
disciplinado na Lei n. 8.112/90). Por outro lado, o regime previdenciário não é o mesmo: aos
agentes em comissão aplica-se o regime de previdência geral, aplicável aos empregados
celetistas, enquanto aos servidores efetivos aplica-se o regime previdenciário especial.

No que diz respeito à criação de cargos em comissão, é importante destacar que, segundo o
STF, trata-se de uma exceção à regra de exigibilidade de concurso público. Para esses
cargos, a nomeação é, obrigatoriamente, ato discricionário da autoridade competente, assim
como a exoneração, razão pela qual, nesses casos, não é necessária a observância ao
contraditório e à ampla defesa. Ademais, a liberdade na nomeação possui limitações: em
determinadas condições e percentuais, os cargos em comissão devem ser preenchidos por
servidores de carreira (art. 37, inciso V, da CF). Em tais circunstâncias, quando nomeado para
um cargo em comissão, o servidor de carreira deixará de exercer as funções do seu cargo

254
efetivo para exercer a do novo cargo e, caso exonerado deste, voltará a exercer as atribuições
do seu cargo efetivo.

Emprego público, no mesmo sentido, refere-se a um lugar, na estrutura administrativa, a ser


ocupado pelo agente público, mediante aprovação prévia em concurso público. No entanto,
diferentemente do cargo público, aos empregados públicos aplica-se a legislação trabalhista,
prevista na CLT, estabelecendo um vínculo contratual. Nesses casos, portanto, nota-se que o
regime jurídico aplicável é híbrido, visto serem submetidos tanto a normas de direito público,
quanto privado. Os empregados públicos são mais comuns nas entidades administrativas de
direito privado, isto é, em empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
governamentais.

Função pública, por sua vez, refere-se às situações em que as atribuições conferidas ao
agente não correspondem a um cargo ou emprego. Nos termos da Constituição Federal,
existem duas situações em que isso ocorre:

1. Contratação temporária: com previsão no inciso IX do art. 37 da CF, essa é outra


exceção à regra do concurso público, a qual permite que a Administração Pública
contrate servidor por tempo determinado nos casos de necessidade temporária de
excepcional interesse público, previstos em lei específica. Ademais, o STF veda a
contratação temporária para a prestação de serviços ordinários, permanentes, do
Estado, ressaltando a necessidade de ocorrência de uma situação fática excepcional e
transitória previamente descrita em lei. Importa destacar que caberá a cada ente da
federação a edição da sua lei com a regulamentação dessas contratações no respectivo
âmbito de governo. No âmbito federal, está previsto na Lei n. 8.745/93.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADI n. 3.430/ES: EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE


DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA
DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR.
INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I – A contratação temporária de
servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de
ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha.

255
II – Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado
o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se
do caráter da temporariedade. III – O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se
caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual
capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV – Prazo de
contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V – É pacífica a
jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores
para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse
social nesses casos. VI – Ação que se julga procedente.

2. Funções de confiança: com previsão no inciso V do mesmo dispositivo constitucional,


assim como os cargos em comissão, são as atribuições, em caráter permanente, de direção,
chefia e assessoramento. As funções de confiança, porém, devem ser exercidas
obrigatoriamente por servidores públicos ocupantes de cargo efetivo. Nesses casos, ao
ser designada função de confiança ao servidor efetivo, este deixa de exercer as funções do
seu cargo e passa a exercer apenas as de confiança.

Importante destacar que apesar de as funções de confiança possuírem semelhanças com os


cargos em comissão, eles não se confundem. Com efeito, ambos os casos se destinam
exclusivamente às mesmas atribuições; no entanto, o exercício de função de confiança está
atrelado à ocupação de cargo público efetivo, isto é, pressupõe prévia aprovação em concurso
público, enquanto a ocupação em cargo em comissão se dá mediante livre nomeação e livre
exoneração, o que significa dizer que, respeitadas as condições e percentuais legais
destinados a servidores de carreira, concursados, qualquer pessoa pode ser investida nesse
cargo.

Em face da discricionariedade presente em ambos os casos, porém, com a finalidade de


garantir amplo acesso, é vedada a prática de nepotismo na nomeação para cargos em
comissão, bem como na designação de função de confiança, nos termos da Súmula
Vinculante 13 do STF, ressalvadas as nomeações para cargos no âmbito político, salvo se

256
restar demonstrada a falta de qualificação do indivíduo nomeado, ficando evidente que a
contratação se deu exclusivamente pela relação de parentesco.

STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 13 do STF: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha


reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,
para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na
administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas,
viola a Constituição Federal.

15.1.1. Espécies de agentes públicos

Conforme a função exercida, ocupando ou não cargo ou emprego público, doutrinariamente


os agentes públicos são divididos em várias espécies, as quais variam de autor para autor.
Mazza (2021) divide-os nas seguintes categorias:

1. Agentes políticos: são as pessoas físicas que, em regra, por meio de eleição,
ingressam no Poder Público para o exercício de função pública de alta direção do
Estado, com liberdade funcional e, à exceção dos ministros e secretários estaduais e
municipais, não hierarquizados. São eles: os chefes do Poder Executivo, seus
auxiliares imediatos e os membros do Poder Legislativo.

Alguns doutrinadores, tal qual Hely Lopes Meirelles, incluem nesse rol, ainda, os
membros da magistratura, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e os
representantes diplomáticos, sob o fundamento de que esses agentes também
exercem uma parcela da soberania estatal. Apesar de ser uma corrente minoritária,
esse entendimento tem sido adotado em alguns concursos públicos. No âmbito do
Supremo Tribunal Federal, quanto aos magistrados, existe decisão nesse sentido (RE
228.977/SP). Por outro lado, no que diz respeito aos Ministros e Conselheiros dos

257
Tribunais de Contas, o STF manifestou-se classificando-os como agentes
administrativos (Reclamação 6.702/PR).

2. Ocupantes de cargos em comissão.

3. Contratados temporários.

4. Agentes militares: conforme ensinado por Mazza (2021), os agentes militares


compõem categoria especial pelo fato de as instituições militares serem organizadas
com base na hierarquia e disciplina. Nesse sentido, o regime jurídico aplicável nesses
casos é disciplinado por lei específica, havendo, portanto, uma vinculação estatutária.

5. Servidores públicos estatutários: “regime comum de contratação de agentes


públicos pela Administração direta” (MAZZA, 2021, n.p.).

5. Empregados públicos.

7. Agentes honoríficos: são particulares que, em colaboração com a Administração,


exercem função pública sem vinculação permanente e remunerada. No entanto, para
fins penais são equiparados a funcionários públicos. Exemplos: jurados e mesários
eleitorais.

15.1.2. Acesso a cargos, empregos e funções públicas

Nos termos do art. 37, inciso I, da CF “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis
aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei”. Nesse sentido, à exceção dos cargos privativos de brasileiro
nato (art. 12, § 3o, da CF), em termos gerais a Constituição não estabelece diferenciação para
o preenchimento por brasileiro nato ou naturalizado. Quanto aos estrangeiros, por se tratar de
uma norma de eficácia limitada, compete aos Estados-membros a elaboração da sua própria
lei que discipline tal acesso.

Nesse sentido, a regra é a garantia do direito de amplo acesso. No entanto, a própria


Constituição Federal permite a exigência de requisitos diferenciados, desde que guarde real
correspondência com o exercício da função, devendo ser observados, portanto, os princípios
da isonomia, razoabilidade e impessoalidade.

258
STF EM AÇÃO:

Súmula n. 684 do STF: É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a


concurso público.

Súmula n. 683 do STF: O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima
em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das
atribuições do cargo a ser preenchido.

Nesse sentido, importante destacar que, conforme jurisprudência do STF, não pode haver
restrição no acesso às pessoas com tatuagens, salvo se o conteúdo da mesma violar valores
constitucionais, tais quais as que contenham ideologia terrorista ou que representem conteúdo
discriminatório.

Ademais, quanto à exigência de requisito de natureza discriminatória, é indispensável a


previsão em lei, não sendo suficiente a mera previsão em edital.

STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 44 do STF: Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a


habilitação de candidato a cargo público.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 44.127/AC: A jurisprudência do STJ está


pacificada no sentido da possibilidade de exigir limite de idade para o ingresso na carreira
militar, desde que haja previsão em lei específica e no edital do concurso público.

15.2. Concurso público

Nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal,

259
a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, em termos gerais, conforme disciplinado por Mazza (2021), o concurso público
é um procedimento administrativo, o qual é exigido para a nomeação em qualquer cargo de
provimento efetivo, bem como em emprego público, a fim de garantir o amplo acesso da
população ao serviço público. Para tanto, a realização desse concurso deve observar os
princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, legalidade e meritocracia.

A própria Constituição Federal, porém, estabelece exceções à exigência do concurso público,


quais sejam:

1. Cargos em comissão: livre nomeação.

2. Funções de confiança: livre nomeação.

3. Contratação temporária – art. 37, IX, CF: na esfera federal, devem-se admitir
mediante processo seletivo simplificado.

4. Contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias


– art. 198, § 4o, da CF: admitidos por meio de processo seletivo público.

5. Agentes políticos: mediante eleições. Exemplos: prefeitos, governadores, senadores,


etc.

Do inciso II do art. 37 da CF se extrai, ainda, que, conforme a complexidade do cargo ou


emprego, o concurso público poderá ser de provas ou de provas e títulos. Nesses casos, os
títulos devem possuir caráter classificatório e a sua exigência deve guardar relação com as
atribuições do cargo ou emprego. Ademais, os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade devem permear a pontuação atribuída a cada título, a fim de garantir a
concretização dos demais princípios que regem o concurso público como um todo.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADI n. 3.522/RS: CONCURSO PÚBLICO – PONTUAÇÃO – EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO


SETOR ENVOLVIDO NO CERTAME – IMPROPRIEDADE. Surge a conflitar com a igualdade

260
almejada pelo concurso público o empréstimo de pontos a desempenho profissional anterior
em atividade relacionada com o concurso público. CONCURSO PÚBLICO – CRITÉRIOS DE
DESEMPATE – ATUAÇÃO ANTERIOR NA ATIVIDADE – AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE.
Mostra-se conflitante com o princípio da razoabilidade eleger como critério de desempate
tempo anterior na titularidade do serviço para o qual se realiza o concurso público.

No que diz respeito ao prazo de validade do concurso público, o inciso II do mesmo dispositivo
constitucional dispõe que será de até dois anos, contados a partir da homologação do
concurso, prorrogável uma vez, por igual período, prorrogação essa que deve ser feita antes
da expiração do prazo inicial. Tal é, portanto, o prazo máximo que a Administração possui
para nomear ou contratar os aprovados, podendo ser estabelecido prazo menor (ato
discricionário). Em regra, esse prazo é previsto de forma expressa no edital; se este, porém,
for omisso, aplicar-se-á o prazo máximo previsto na Constituição.

O STF fixou tese, em sede de repercussão geral, no sentido de que o candidato aprovado
dentro do número de vagas possui direito subjetivo, líquido e certo à nomeação, observada a
validade do concurso.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Extraordinário n. 598.099/MS: Dentro do prazo de validade do concurso, a


Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá
dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito
do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. A recusa de
nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e,
dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário.

Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 32.105/DF: A aprovação do candidato,


ainda que fora do número de vagas disponíveis no edital do concurso, lhe confere direito
subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se a Administração Pública manifesta, por ato
inequívoco, a necessidade do preenchimento de novas vagas. A desistência dos candidatos

261
convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de
determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à
nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.

Ademais, para a nomeação dos aprovados em concurso público, deve-se, obrigatoriamente,


observar a ordem de classificação no certame, conforme inciso IV do artigo 37 da CF. Esse
dispositivo constitucional veda a nomeação de outros candidatos aprovados em um novo
concurso realizado para o mesmo cargo ou emprego, enquanto vigente o primeiro
concurso. Nota-se que a Constituição Federal não proíbe a realização de um novo concurso,
mas apenas estabelece a prioridade de contratação. No âmbito federal, porém, a Lei n.
8.112/90, em seu art. 12, § 2o, veda a realização de um novo certame.

STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 44 do STF: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato


aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da
classificação.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

ADI n. 3.522/RS: É pacífica a jurisprudência da Corte de que não há falar em desrespeito à


ordem de classificação em concurso público quando a Administração nomeia candidatos
menos bem colocados por força de determinação judicial.

No que diz respeito ao número de vagas disponibilizadas, ainda, há previsão constitucional de


reserva, por meio de lei, de percentual dessas vagas a candidatos portadores de deficiência
(art. 37, inciso VIII, da CF). Nesse sentido, lei específica irá regulamentar e definir esse
percentual, sendo necessário, em todo caso, que a deficiência seja compatível e não
impossibilite de forma absoluta o desempenho das atribuições do cargo ou emprego.

262
No âmbito federal, o art. § 2o, da Lei n. 8.112/90 define que “para tais pessoas serão
reservados até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso”. Nota-se que esse é
um limite máximo. O Decreto n. 3.298/99, art. 37, § 1 º, por sua vez, prevê o limite mínimo de
5%, o qual deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente quando resultar em
número fracionado. E se houver conflito entre o limite mínimo e o máximo? A jurisprudência
do STF fixou entendimento de que se deve respeitar o limite máximo (RE n. 440.988/DF).

STJ EM AÇÃO:

Súmula n. 377 do STJ: O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso
público, às vagas reservadas aos deficientes.

Ainda no que diz respeito à reserva de vagas, em 2014 foi editada a Lei n. 12.990, que destina
20% das vagas para negros nos concursos públicos, na esfera federal, com três ou mais
vagas. O STF declarou a constitucionalidade dessa lei e fixou entendimento pela possibilidade
de adoção de critérios de heteroidentificação, além da autodeclaração, para verificação do
enquadramento do candidato na cota para negros.

O Supremo Tribunal admite, ainda, a previsão no edital das chamadas cláusulas de barreira,
as quais limitam o número de candidatos que participarão da etapa seguinte, conforme a nota
obtida na anterior (nota de corte).

Outra manifestação importante do Supremo diz respeito à ausência de direito com previsão
constitucional que garanta a remarcação de provas de aptidão física nos casos de
impossibilidade de realização por circunstâncias pessoais do candidato, salvo se no edital
houver previsão em sentido contrário. No entanto, tal entendimento não é aplicado à candidata
gestante, que poderá realizar a prova em segunda chamada.

Por fim, nos termos do § 2o do art. 37 da CF, a não realização de concurso público nos casos
exigidos, bem como a não observância do seu prazo de validade, implicará a nulidade do ato
e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei. Ressalta-se, porém, que nos casos
em que chegar a ser efetivamente prestado serviço público, a remuneração recebida não

263
precisará ser devolvida, visto que tal ato poderia caracterizar enriquecimento ilícito por parte
do Estado.

15.3. Provimento e vacância

“Para ocupar cargo público, o ordenamento jurídico exige que ocorra o provimento, isto é, que
seja praticado um ato administrativo constitutivo hábil a promover o ingresso no cargo”
(MAZZA, 2021, n.p.). O provimento ocorre, portanto, antes da investidura no cargo, a qual se
dá com a posse.

O provimento poderá ser, quanto à durabilidade do cargo, de caráter efetivo, o qual garante
estabilidade quando preenchidos os requisitos legais, ou em comissão, de livre nomeação e
exoneração; e, ainda, quanto à preexistência de vínculo jurídico com o Estado, pode ser
originário (ausência de vínculo anterior) ou derivado (relação jurídica anterior).

O art. 8o da Lei n. 8.112/90 prevê sete formas de provimento em cargo público:

1. Nomeação: forma originária de provimento, podendo ocorrer tanto em caráter efetivo


quanto em comissão.

2. Promoção: forma derivada, pois, conforme Mazza (2021), “só pode favorecer os
servidores públicos que já ocupam cargos públicos em caráter efetivo” (n.p.);

3. Readaptação: forma derivada, pois antecede investidura em novo cargo para


compatibilização com a limitação que tenha sofrido.

4. Reversão: forma derivada, visto que consiste no retorno de servidor aposentado por
invalidez ao serviço público.

5. Aproveitamento: forma derivada, a qual decorre do retorno ao serviço público do


servidor colocado em disponibilidade.

6. Reintegração: forma derivada que antecede a reinvestidura de servidor estável,


quando invalidada a sua demissão por decisão administrativa ou judicial.

7. Recondução: nos termos do art. 29 da Lei n. 8.112/90: “Recondução é o retorno do


servidor estável ao cargo anteriormente ocupado e decorrerá de: I – inabilitação em

264
estágio probatório relativo a outro cargo; II – reintegração do anterior ocupante”.
Estando o cargo de origem provido, o servidor será aproveitado em outro.

Por fim, importa dizer que ocorrerá o provimento, com posterior investidura, desde que haja
cargo vago para tal. Nos termos do art. 33 da Lei n. 8.112/90, “a vacância do cargo público
decorrerá de: I – exoneração; II – demissão; III – promoção; VI – readaptação;
VII – aposentadoria; VIII – posse em outro cargo inacumulável; IX – falecimento”.

15.4. Acumulação de cargos, empregos e funções públicas

A Constituição Federal veda expressamente (incisos XVI e XVII do art. 37) a acumulação
remunerada de cargos, empregos e funções públicas na Administração direta e indireta, de
todos os Poderes, de todas as esferas de governo. Nesse sentido, como regra, desde que
não haja incompatibilidade, é permitido que o agente público acumule atribuições públicas não
remuneradas (em regra, apenas uma pode ser remunerada), bem como exerça atividade
privada. Ademais, Mazza (2021) destaca que, apesar de a Lei n. 8.112/90 ser aplicável aos
servidores da esfera federal, o seu art. 118 estende a proibição de acúmulo de cargos,
empregos e funções públicas em autarquias, fundações públicas, empresas públicas,
sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e
dos Municípios.

Essa regra, porém, não é absoluta. A Constituição prevê hipóteses (taxativas) em que será
permitido tal acúmulo, no limite máximo de dois cargos, e desde que haja compatibilidade de
horários:

1. De dois cargos de professor (art. 37, inciso XVI, alínea “a”, CF).

2. De um cargo de professor com outro técnico ou científico (art. 37, inciso XVI, alínea
“b”, CF).

Muito já se discutiu acerca da delimitação do conceito de cargo técnico e científico, se


requer qualificação de nível superior ou se, a depender da atribuição exercida, os
cargos de nível médio poderiam se enquadrar no conceito. Atualmente, o entendimento
majoritário dá amplitude ao conceito: não sendo cargo com função meramente
burocrática, isto é, que demande atividades meramente repetitivas e que não exigem

265
formação específica (em nível superior ou médio técnico), esta poderá ser classificada
como técnica ou científica.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA:

Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 28.644/AP: Cargo científico é o conjunto de


atribuições cuja execução tem por finalidade investigação coordenada e sistematizada de
fatos, predominantemente de especulação, visando a ampliar o conhecimento humano. Cargo
técnico é o conjunto de atribuições cuja execução reclama conhecimento específico de uma
área do saber. (…) O cargo de Oficial da Polícia Civil do Estado do Amapá não tem natureza
técnica ou científica, de modo que mostra-se inviável sua cumulação com o de Professora
daquela Unidade Federativa, na forma prescrita no art. 37, inciso XVI, alínea b, da Constituição
Federal.

3. De dois cargos ou empregos privativos de saúde, com profissões regulamentadas


(art. 37, inciso XVI, alínea “c”, CF), inclusive militares (art. 142, § 3o, incisos II, III e VIII,
da CF).

4. De cargo de vereador com outro cargo, emprego ou função pública (art. 38, III, CF)

Nesse ponto, importante destacar que, em relação aos mandatos eletivos, apenas aos
vereadores é conferida a possibilidade de acumulação, quando houver compatibilidade.
Conforme o art. 38 da CF, nos casos em que o servidor for eleito para mandato federal,
estadual ou distrital, deverá ser afastado do seu cargo, emprego ou função pública,
percebendo apenas a remuneração do cargo eletivo. Por outro lado, caso investido em
mandato de prefeito (ou de vice-prefeito, conforme jurisprudência do STF), apesar de
também ser afastado de sua função inicial, poderá optar pela remuneração que receberá.

5. De um cargo de magistrado ou de membro do Ministério Público com outro no magistério


(art. 95, parágrafo único, I, e 128, § 5o, II, “d”, ambos da CF, respectivamente).

Importante destacar que, quanto ao teto remuneratório, o STF pacificou o entendimento,


em sede de repercussão geral, de que o respeito ao limite imposto deve ser observado em

266
cada cargo isoladamente e não no somatório dos ganhos do agente público (RE
612.975/MT).

15.5. Estabilidade e vitaliciedade

“Com o encerramento do período probatório, e sendo confirmado na carreira, o servidor


público adquire direito à permanência no cargo, ficando protegido contra exoneração ad
nutum. A esse direito à permanência no cargo dá-se o nome de estabilidade” (MAZZA, 2021,
n.p.).

Nos termos do art. 41 da CF, “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores
nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”, desde que
aprovado em avaliação especial de desempenho feita por comissão instituída para essa
finalidade (§ 4o). Esses são os requisitos para a aquisição de estabilidade pelo servidor.
Ressalta-se: apenas servidor público efetivo pode adquiri-la, ficando excluídos, portanto, os
empregados públicos, contratados temporários e ocupantes de cargo em comissão.

Adquirida a estabilidade, apenas as seguintes hipóteses podem resultar na perda do cargo


pelo servidor: a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado (art. 41, § 1 o, I, CF); b)
mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa (art. 41, § 1 o,
II, CF); c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei
complementar, assegurada a ampla defesa (art. 41, § 1 o, III, CF); d) para redução de gastos
quando a despesa com pessoal exceder os limites estabelecidos na LRF (art. 169, § 4o, CF).

No que diz respeito à hipótese de redução de gastos, cumpre destacar que esta medida
apenas deve ser adotada após esgotadas as demais alternativas previstas no artigo 169 da
CF. Nesse sentido, quando ultrapassado o limite previsto na LRF com gasto com pessoal,
devem ser adotadas, sucessivamente, as seguintes medidas: 1. Redução em pelo menos 20%
das despesas com cargos em comissão e funções de confiança. 2. Exoneração dos servidores
não estáveis. 3. Exoneração dos servidores estáveis, mediante ato normativo motivado.

Além da garantia de permanência no cargo, a aquisição de estabilidade confere ao servidor


outros direitos que também não são conferidos aos não estáveis. Dentre eles, encontra-se o
direito à reintegração, com previsão no § 2o do art. 41. O direito à disponibilidade é outro que
os diferencia: nos termos do § 3o do mesmo dispositivo constitucional, “extinto o cargo ou

267
declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com
remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em
outro cargo”. Não sendo estável, o servidor perderá o cargo.

Existe, ainda, uma garantia constitucional de permanência mais ampla, que apenas admite,
como hipótese de perda do cargo, a existência de sentença judicial transitada em julgado. Na
forma do inciso I do art. 95 e do artigo 128, § 5 o, inciso I, “a”, ambos da CF, a vitaliciedade
pode ser adquirida por magistrado, membro do Ministério Público e membro do Tribunal
de Contas, após dois anos de exercício em primeiro grau. “Ressalta-se que, em segundo
grau, a vitaliciedade é adquirida com a posse” (COUTO, 2019, n.p.).

Ademais, além de possuir lei orgânica própria, com aplicação meramente subsidiária da Lei
n. 8.112/90, a nomenclatura do cargo público ocupado pelo servidor vitalício o acompanha
mesmo após aposentado, não lhe sendo retirada a qualidade de servidor (a aposentação de
servidor estável retira essa qualidade).

15.6. Sistema constitucional de remuneração

A Constituição Federal disciplina, em seus incisos X a XVII do art. 37, o sistema remuneratório
dos agentes públicos. Pode-se extrair desses dispositivos:

1. É necessária lei específica, que deve ser editada no âmbito do respectivo poder
(iniciativa privativa), para a fixação ou alteração da remuneração dos servidores
públicos, bem como do subsídio dos membros de quaisquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo, dos
Ministros de Estado e dos Secretários Estaduais e Municipais. Nota-se que não
abrange o salário de empregado público e os vencimentos dos militares. Ademais, com
o fim meramente compensatório da inflação, é assegurada revisão anual da
remuneração e do subsídio, comumente chamada pela doutrina de aumento impróprio,
que deve ocorrer sempre na mesma data e sem distinção de índices (inciso X).

2. No inciso XI, a CF institui o chamado teto remuneratório, o qual estabelece limite


máximo para a remuneração dos agentes públicos:

A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos


públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de

268
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos
e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer
outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos
Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o
subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio
dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o
subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder
Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos
Procuradores e aos Defensores Públicos.

Nesse sentido, o teto remuneratório geral, aplicável a todas as esferas de Poder de todos os
entes federados, corresponde à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
“Além do teto geral, a Constituição Federal fixou tetos parciais, ou subtetos, aplicáveis às
demais esferas federativas” (MAZZA, 2021, n.p.).

Apesar de esse dispositivo constitucional dispor que nenhuma vantagem, independentemente


da sua natureza, será excluída da incidência do limite remuneratório, a doutrina e a
jurisprudência têm entendido pela exclusão de alguns valores. Nesse sentido, Mazza (2021)
elenca como exceções ao teto remuneratório: verbas indenizatórias; remuneração decorrente
de cargos públicos de magistério constitucionalmente acumuláveis; benefícios
previdenciários; atuação como requisitado pelo serviço de Justiça eleitoral; exercício
temporário de função cumulativa.

Por fim, no que diz respeito às empresas públicas, sociedades de economia mista e
subsidiárias, o § 9o do art. 37 da CF dispõe que incidirá o teto remuneratório quando estas
“receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para
pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral”.

1. Os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão


ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo (inciso XII).

2. Vedação de vinculação e equiparação de remuneração (inciso XIII): “Não se pode


equiparar, isto é, comparar cargos de denominação e atribuições diferentes,
considerando-os iguais para receber os mesmos vencimentos (...), nem vincular um

269
cargo inferior, menos complexo e com menos atribuições, a um cargo superior” (ROSSI,
2019, n.p.).

STF EM AÇÃO:

Súmula Vinculante n. 42 do STF: É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos


de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.

13. Vedação a acumulação remunerada de cargos públicos, salvo compatibilidade de


horários nos termos do inciso XVI (vide subtópico 15.4).

15.7. Regime previdenciário

A Constituição Federal de 1988 prevê duas espécies de regime previdenciário: o Regime


Geral da Previdência Social (RGPS) (artigos 201 e 202) e o Regime Especial, também
chamado de próprio (art. 40). O primeiro, além dos trabalhadores da iniciativa privada, alcança
os agentes públicos em comissão, os que exercem função temporária, bem como os
empregados públicos. Já o último é aplicável aos servidores públicos efetivos:

O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos


efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do
respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de
pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial (BRASIL, 1988) (g.n.).

O direito à aposentadoria do servidor público efetivo está, nesse sentido, condicionado a sua
efetiva contribuição e não apenas ao tempo em que prestou o serviço. O valor recolhido,
diferentemente do que ocorre no RGPS (Regime De Capitalização Individual Coletiva), é
utilizado para a gestão do sistema, realizando o pagamento das obrigações correntes (regime
de repartição simples).

Nos termos da CF, art. 40, § 1o, são três as modalidades de aposentadoria que podem
decorrer do regime próprio:

1. Por invalidez permanente: nesses casos, em regra, o servidor receberá proventos


proporcionais ao tempo de contribuição. No entanto, se a invalidez for decorrente de

270
acidente de serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, os
proventos serão definidos na forma da lei. Nesses casos, na esfera federal, fará jus a
proventos integrais.

2. Compulsória: com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, essa


aposentadoria se caracteriza por um limite de idade, isto é, quando o servidor atingir a
idade prevista, deverá se aposentar. Mas, afinal, qual é esse limite? Nesse ponto, é
necessário um especial cuidado. Inicialmente, esse limite etário era de 70 anos. Com a
edição da EC 88/2015, porém, se passou a admitir que a aposentadoria compulsória
ocorresse aos 75 anos, desde que houvesse a edição de uma lei complementar
alterando o limite. Ademais, essa EC acrescentou o art. 100 do ADCT, o qual
determinou a aplicação do limite de 75 anos aos ministros do STF, dos Tribunais
Superiores e do TCU. Em 2015, foi editada a LC 152/2015, que alterou o limite para 75
anos. No entanto, quanto aos servidores do Serviço Exterior Brasileiro, a referida LC
determinou a alteração progressiva, aumentando um ano no limite a cada dois anos,
até o limite de 75 anos.

3. Voluntária: poderá se dar por tempo de contribuição ou por idade, devendo ser
preenchidos os requisitos previstos em lei do respectivo ente federativo. No que diz
respeito ao cálculo dos proventos, Mazza (2021) ensina que, se preenchidos os
requisitos antes da EC 41/2003, poderá ser integral ou proporcional, a depender da
legislação vigente antes da emenda; no entanto, se preenchidos depois, não poderá
receber proventos integrais.

Importante destacar, ainda, que a Constituição confere uma aposentadoria especial aos
professores, com redução de idade mínima de cinco anos, desde que comprovem tempo de
efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e
médio fixado em lei complementar do respectivo ente federativo (art. 40, § 5 o, CF).

STF EM AÇÃO:

Súmula n. 726 do STF: Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se


computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.

271
15.8. Associação sindical e direito de greve

Nos termos do art. 37, inciso VI, da CF, é garantido ao servidor público civil o direito à livre
associação sindical. O inciso VII do mesmo dispositivo constitucional, por sua vez, assegura
o direito de greve. Apesar de o inciso VII não trazer, expressamente, a limitação desse direito
aos servidores públicos civis, é possível concluir que existe essa restrição, com base na
vedação disposta no art. 142, § 3o, IV, da CF (“ao militar são proibidas a sindicalização e a
greve”). Ademais, aos policiais militares ou civis ou federais, bem como aos servidores que
atuam na área de segurança pública, também é vedada a realização de greve.

No que diz respeito ao direito de greve, o dispositivo constitucional em análise, que traz a sua
previsão, possui eficácia limitada, isto é, faz-se necessária a edição de uma lei para a
produção de seus efeitos. Ocorre que até a presente data ainda não foi editada lei a sua
regulamentação. Nesse sentido, ante a inércia do legislador e o desamparo dos servidores
públicos, em sede de mandado de injunção, o STF determinou que seja aplicada a lei de greve
da iniciativa privada ao setor público até que o Congresso Nacional edite a norma
disciplinadora.

15.9. Responsabilidade do servidor

De acordo com Mazza (2021), tradicionalmente a doutrina prevê a possibilidade de uma


tríplice responsabilização do servidor público: na esfera civil, atrelada à reparação do dano
patrimonial; penal, para apuração de eventual crime ou contravenção penal; e administrativa,
relacionada a punições funcionais. Nesse sentido, sendo três espécies de responsabilidade
previstas no âmbito federal, a Lei n. 8.112/90, em seu art. 125, dispõe que “as sanções civis,
penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si”.

Essa regra da independência das instâncias, porém, comporta exceção prevista no próprio
Estatuto: quando, na esfera criminal, o servidor for absolvido pela negativa da existência do
fato ou da autoria, as responsabilidades administrativa e civil deverão ser afastadas.

Modernamente, a doutrina tem incluído mais três espécies de responsabilidade que podem
ser imputadas aos servidores públicos: por improbidade administrativa; política por crimes de
responsabilidade; e decorrente de processos de controle de órgãos internos e externos
(MAZZA, 2021, n.p.).

272
15.10. Regime jurídico dos servidores públicos federais

Nos termos do art. 39 da CF:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito


de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os
servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações
públicas.

Não há na Constituição, porém, uma definição do regime a ser adotado. Nesse sentido, no
âmbito federal, a Lei n. 8.112/90 instituiu o regime jurídico estatutário aos servidores públicos
federais. Trata-se de um regime especial, com situação jurídica já estabelecida e
regulamentada pela referida lei, com regras específicas, conforme o cargo em questão, que
não são passíveis de alteração.

Importante, desde já, destacar que essa é a redação originariamente dada pelo constituinte,
bem como é a redação atualmente vigente no ordenamento jurídico brasileiro. A EC n. 19/98,
que introduziu nova redação ao dispositivo constitucional, retirando a obrigatoriedade da
instituição de regime único e de planos de carreira, teve a sua eficácia suspensa em 2007 em
face de uma inconstitucionalidade formal na tramitação da EC (ADI 2.135/DF). No entanto, o
STF conferiu efeito ex nunc à decisão, mantendo a validade dos atos praticados quando da
vigência da EC 19/98, razão pela qual, ainda hoje, é possível encontrar, por exemplo,
empregado público federal celetista, pela incidência da Lei n. 9.962/00, editada à época da
emenda em comento.

273
Mapa Mental

Agentes Públicos

Regime
Função Responsabilidades
estatutário

Emprego

Cargo

Comissão Efetivo

Estabilidade Vitaliciedade

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:


Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Brasília: Senado Federal.
______. Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Brasília: Senado Federal.
COUTO, Reinaldo. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002.
ROSSI, Licínia. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.

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