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Unidade IV – Competência

4 - Competência: A jurisdição enquanto função estatal é essencialmente una. Contudo,


seu exercício exige que, na prática, ocorra uma divisão de trabalho entre os diversos
órgãos que compõem nosso Poder Judiciário. Todos os órgãos do Poder Judiciário
exercem jurisdição, mas, obviamente, nem todos serão competentes para examinar
determinado litígio. Essa divisão de competência entre diferentes órgãos do Judiciário
é realizada por intermédio de um critério racional, que busca estabelecer regras para
facilitar o exercício da jurisdição. Em termos técnicos, quando nos referimos à
competência, estamos tratando do “conjunto de limites dentro dos quais cada órgão
do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional.” Como se nota, a
noção de competência resulta de uma distribuição de funções, ou melhor, de uma
limitação de funções. É a quantidade de jurisdição cujo exercício a lei ou a
Constituição atribui a um órgão jurisdicional. É a medida da jurisdição. Diversos
critérios de fixação de competência são utilizados pelo legislador ao estabelecer regras
genéricas de divisão de competência: em razão da matéria, do valor da causa, da
qualidade de uma das partes, critério funcional, territorial.

4.1 – Competência Internacional: No processo civil brasileiro, a competência


internacional é determinada pelos artigos 21 a 24 do CPC.

4.1.1 – Sentença Estrangeira: são emanações de um poder soberano externo. Dessa


forma, a princípio, não possuem força coativa no Brasil. Só terão depois de
manifestação da autoridade judiciária brasileira. Ou seja, para que tal sentença tenha
eficácia, deverá ocorrer a homologação de sentença estrangeira pelo Superior Tribunal
de Justiça (art. 105, I, i, CF). Esta homologação esta inserida no art. 960 e ss. do CPC.

4.1.2 – Competência Concorrente da justiça brasileira: Nas hipóteses dos artigos 21 e


22, temos a chamada competência internacional concorrente. Por meio dela existe a
possibilidade de, se for o caso, a Justiça de outro país poder, também, se considerar
competente, desde que a sentença estrangeira seja homologada pelo STJ.
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4.1.3 – Competência Exclusiva da Justiça Brasileira: Já nos casos do art. 23, a


competência da Justiça brasileira é exclusiva e, então, nosso ordenamento jurídico só
reconhece a competência do juiz brasileiro para conhecer a causa. Dessa forma, não
há possibilidade de homologação de sentença estrangeira pelo STJ, pois a competência
é exclusiva.

4.1.4 – Cooperação Internacional: art. 26 e ss., CPC.

4.2 – Competência Interna: a CF trata do Poder Judiciário nos arts. 92 a 126. Dessa
forma, é a CF que indica quais são os órgãos judiciários, definindo as suas
competências. Portanto, a distribuição da competência faz-se por meio de normas
constitucionais (inclusive de constituições estaduais), legais, regimentais (distribuição
interna da competência nos tribunais, feita pelos seus regimentos internos) e até
mesmo negociais (no caso de foro de eleição) – art. 44, CPC.

4.2.1 – Perpetuação da jurisdição (momento em que a competência é fixada): art. 43,


CPC (a competência, fixada pelo registro ou pela distribuição da petição inicial,
permanecerá a mesma até a prolação da decisão). É necessário, portanto, saber qual,
dentre os vários, qual o juízo responsável pela demanda ajuizada. Nesse caso se
houver mais de uma vara, a petição inicial há de ser distribuída, caso contrário, o seu
registro é o fato que fixa a competência. A regra da perpetuação da jurisdição compõe
o sistema de estabilidade do processo (ex.: art. 329, CPC).
Existem exceções, pois há fatos supervenientes à propositura da demanda que
impõem a redistribuição da causa, são 2 hipóteses: a) supressão do órgão judiciário
(extinção de uma vara ou de uma comarca); b) alteração superveniente da
competência absoluta (alteração de competência em razão da matéria, da função ou
em razão da pessoa).

4.2.2 – Competência por distribuição: art. 284, CPC. As regras de distribuição (modo
alternado e aleatório) servem para concretizar a competência onde há mais de um
juízo e foram criadas para fazer valer o princípio do juiz natural.
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4.2.3 – Classificação da competência:

a) Competência de Foro (territorial) e Juízo: a CF contém as normas que permitem


identificar se determinada demanda deve ser proposta perante a justiça comum,
estadual ou federal, ou perante as especiais. Verificando-se que a jurisdição é civil,
cumpre apurar em que comarca (território/local) a demanda deverá ser proposta e é o
CPC que vai formular as regras gerais para a apuração da competência. Após isso
poderá haver dúvidas sobre o juízo competente, dentro da comarca. O CPC não
formula regras a respeito, sendo indispensável consultar a Lei Estadual de Organização
Judiciária. Dessa forma, para se apurar onde determinada demanda deve tramitar,
devemos consultar:
1º - A CF para verificar se não se trata de competência originária dos Tribunais
Superiores, bem como para identificar se a competência é de alguma das justiças
especiais, da Justiça Federal comum ou da Justiça Estadual comum.
2 º - A lei federal (em regra o CPC ou outra legislação específica, para determinadas
ações).
3º - A lei estadual de organização judiciária quando necessário para determinar em
determinado foro qual o juízo competente.

Foro: em direito processual, é o nome que se dá a cada uma das porções territoriais
em que se divide o país para efeito de distribuição da competência, seja em 1º grau
jurisdicional, seja em grau mais elevado. É a base territorial sobre a qual determinado
órgão judiciário exerce a sua competência. Em 1ª instância, perante a justiça estadual,
foro é designação utilizada como sinônimo de comarca. Na federal, subseção judiciária.
O foro de cada Tribunal de Justiça é todo o Estado em que se situa. O dos Tribunais
Regionais Federais abrange toda uma região. O foro do STF e STJ é todo o país.
Obs.: Não confundir foro com fórum, pois este último é o edifício onde tem sede os
órgãos jurisdicionais de 1º grau de jurisdição.

Juízo: é sinônimo de órgão jurisdicional, ou seja, há juízos de 1º grau, que são as varas
federais ou estaduais existentes em todo o país, e também os de grau superior, que
são os tribunais em geral.
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Obs.: Quando se quer apurar em que comarca determinada demanda deve ser
proposta, está-se em busca do foro competente. Quando, dentro da comarca, procura-
se a vara em que a demanda deve ser ajuizada, a dúvida será sobre o juízo
competente.

b) Competência originária e derivada: a originária é aquela atribuída ao órgão


jurisdicional para conhecer a causa em primeiro lugar, pode ser atribuída tanto ao
juízo singular (1º grau, em regra) ou ao tribunal (excepcionalmente, ex.: ação
rescisória). A derivada ou recursal é atribuída ao órgão jurisdicional destinado a rever a
decisão já proferida, normalmente, atribui-se a competência derivada ao tribunal.
Ambas são espécies de competência funcional e absoluta.

c) Competência absoluta e relativa:

c.1) Absoluta: São regras criadas para atender o interesse público. A incompetência
absoluta pode ser alegada a qualquer tempo, por qualquer das partes, podendo ser
reconhecida de ofício (art.64, §1°, CPC), portanto, determina-se a remessa dos autos
para outro juízo e a anulação dos atos decisórios. Pode ser alegada em preliminar da
contestação (art. 64, CPC). É um defeito grave a incompetência absoluta e pode ser
objeto de ação rescisória (art. 966, II, CPC). A regra de competência absoluta não pode
ser alterada pelas partes, nem por conexão ou continência.

Exemplos: competência em razão da matéria, da pessoa e funcional. A competência


em razão do valor da causa (quando extrapolar os limites da legislação) e territorial
também pode ser absoluta em alguns casos.

c.2) Relativa: regra de competência criada para atender precipuamente a interesse


particular. A incompetência relativa somente pode ser arguida pelo réu, na
contestação, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do juízo, não
podendo o magistrado reconhece-la de ofício. As partes podem modificar
voluntariamente a regra de competência relativa, seja pelo foro de eleição (art. 63,
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CPC) ou pela não alegação da incompetência relativa (art. 65, CPC). A competência
relativa pode ser modificada por conexão ou continência.

Exemplos: competência territorial é, em regra, relativa. Também é relativa a


competência pelo valor da causa, quando ficar abaixo do limite previsto na lei.

Obs.: A incompetência absoluta e a relativa não geram a extinção do processo, mas


apenas a remessa dos autos para o juízo competente (art. 64, §3°, CPC). Exceções:
Juizados e incompetência internacional.

4.2.4 – Critérios determinativos de distribuição da competência: a doutrina divide em


3: objetivo, territorial e funcional. Em toda causa os três critérios devem ser
observados. Por exemplo: em uma ação de alimentos proposta em Goiânia, observa-se
o objetivo (vara de família), o critério territorial (Goiânia), e o funcional (competência
originária do juízo monocrático de primeira instância).

a) Critério objetivo: em razão da matéria, em razão da pessoa e em razão do valor da


causa: refere-se aos elementos da demanda. São eles: partes, pedido e causa de pedir.

a.1) Competência em razão da pessoa (elemento parte): considera uma das partes.
Ex: art. 109, I, CF (competência da Justiça Federal para julgar as causas de interesse da
União); a existência de vara privativa da Fazenda Pública, criada para processar e julgar
causas que envolvam entes públicos. Há casos de competência de tribunal
determinada em razão da pessoa, como prerrogativa do exercício de algumas funções
(mandado de segurança contra ato do Presidente da República é da competência do
STF, por exemplo: art. 102, I, "d", CF).

a.2) Competência em razão da matéria (elemento causa de pedir): pela natureza


jurídica da relação de direito material travada no processo (ex: família — juízo de
família). É com base neste critério que as varas de família, sucessões, cíveis, penais,
etc. são criadas.
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Obs.: a competência em razão da pessoa e da matéria é absoluta. É possível haver uma


combinação entre esses dois critérios. Imagine uma vara da Fazenda Pública, cuja
competência se limita ao exame das demandas em que se discutam temas
relacionados aos servidores públicos. Há uma competência em razão da pessoa (Vara
da Fazenda) e uma competência em razão da matéria (servidores públicos).

a.3) Competência em razão do valor da causa (elemento pedido): o valor da causa é


determinado pelo pedido. Excetuando os casos em que a lei estabelece expressamente
competência absoluta em razão do valor da causa, o artigo 63 do CPC traz a
possibilidade de celebrar cláusula de eleição de foro, modificando a competência em
razão do valor da causa, observados seus requisitos, o que configura um exemplo de
competência relativa. É por isso que o sujeito pode optar por demandar ou não
perante o juizado especial cível (Estadual) (Lei n° 9.099/95 – art.39).

Obs.: No Juizado Especial Federal, apesar de ser competência em razão do valor da


causa, a competência é absoluta (art. 3º, § 3º, Lei nº 10.259/01), assim como nos
Juizados Especiais Estaduais da Fazenda Pública (art. 2º, § 4º, Lei n° 12.153/09).

b) Critério Territorial (em razão do lugar): os órgãos jurisdicionais exercem jurisdição


nos limites das suas circunscrições territoriais. Dessa forma, a competência territorial é
aquela que permite identificar o lugar em que a causa deve ser processada, isto é, qual
o foro competente. Em regra é competência relativa, já que pode ser objeto da
cláusula de eleição de foro do art. 63, CPC.

Obs.: Existem regras gerais de competência territorial:

I) Art. 46 do CPC: domicílio do réu nas ações pessoais e nas reais mobiliárias (direitos
reais sobre móveis). É regra de competência relativa.
II) Art. 47 do CPC: nas ações reais imobiliárias, isto é, aquelas que tratam de direitos
reais sobre imóveis, competente será o foro de situação da coisa. Logo, se não se
encaixar em alguma das exceções do § 1º, o foro de situação será caso de competência
territorial absoluta. Também o é qualquer ação possessória imobiliária, previsão
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introduzida pelo § 2º desse mesmo dispositivo. Há, ainda, regras especiais, como as
previstas nos artigos 48 a 53 do CPC, e outras esparsas em nosso ordenamento.
III) Código de Defesa do Consumidor: determina que o foro competente para a
discussão das relações de consumo é o do domicílio do autor-consumidor (art. 101, I,
CDC). Não é regra de competência absoluta, ou seja, o consumidor pode abrir mão.
IV) Ações de divórcio, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução da
sociedade de fato: o CPC não manteve o foro privilegiado da mulher. Dessa forma, o
foro será o do domicílio do guardião do filho incapaz. Caso não haja filhos incapazes, a
competência será do foro do último domicílio do casal (art. 1566, II, e 1569, CC). Mas
para que esse foro seja o competente, é preciso que um dos cônjuges tenha
permanecido nele. Se nenhuma das partes residir no antigo domicilio do casal, a
competência será do domicílio do réu. É regra de competência relativa.
V) Credor de alimentos e idoso: art. 53, II, CPC, nas ações de alimentos o foro
competente é o do alimentando. Também regra de competência relativa. O foro do
idoso está previsto no art. 1048, I, CPC e na Lei n° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

c) Critério Funcional: relaciona-se com as funções exercidas pelo órgão jurisdicional


durante o processo. Por exemplo: funções de sentenciar, executar, julgar recurso,
receber a reconvenção, etc. Possui duas dimensões: I) Vertical: entre instâncias
diversas, também denominada de hierárquica. Ex: Tribunal de Justiça de Goiás julga os
recursos contra as decisões do juiz de primeira instância vinculado a ele. II) Horizontal:
ocorre na mesma instância.
Ex.: processo de apuração dos crimes dolosos contra a vida: a) ao juízo singular
compete pronunciar ou impronunciar o réu, absolvê-lo sumariamente ou desqualificar
o crime; b) uma vez pronunciado o réu, cabe ao Conselho de Sentença condenar ou
absolvê-lo; c) uma vez condenado, voltam os autos ao Juiz Presidente, para que
proceda à dosimetria da pena. É sempre competência absoluta.

4.3 – Modificações da Competência: as regras de competência podem ser divididas


em absolutas ou relativas. Somente as relativas estão sujeitas à modificação, nunca as
absolutas. A modificação ocorre quando se amplia a esfera de competência de um
órgão judiciário para conhecer certas causas que não estariam, ordinariamente,
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compreendidas em suas atribuições jurisdicionais. Há casos de modificação legal


(conexão e continência) e voluntária (foro de eleição e não alegação de incompetência
relativa) da competência.
Obs.: art. 54 e ss. CPC.

4.3.1 – Prorrogação: a incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício, dessa
forma, o réu necessita de alega-la como preliminar de contestação, sob pena de
preclusão. Se o réu não se manifestar na contestação, aquele foro que era
originariamente incompetente tronar-se-á plenamente competente, ou seja, haverá
prorrogação.

4.3.2 – Derrogação: ocorre quando há eleição de foro, por exemplo, quando em um


contrato há fixação de foro competente para dirimir futuras demandas referentes ao
contrato. Obs.: art. 63, CPC. O foro de eleição obriga não apenas os contratantes, mas
seus sucessores.

4.3.3 – Conexão: art. 55, CPC. É uma relação de semelhança entre demandas, que é
considerada pelo direito positivo como apta a produção de determinados efeitos
processuais. Ou seja, demandas distintas, mas que mantém entre si algum vínculo. É
um mecanismo processual que permite a reunião de duas ou mais ações em
andamento, para que tenham um julgamento conjunto. O critério utilizado para definir
a existência da conexão é o dos elementos da ação, a saber: partes, pedido e causa de
pedir. Tal instituto visa evitar que se chegue a decisões conflitantes, além de promover
a economia processual. A conexão é fato que atribui ao órgão jurisdicional uma
competência absoluta, por isso pode ser conhecida de ofício.

Exemplo: ação de despejo por falta de pagamento e ação de consignação em


pagamento dos mencionados alugueres. Nesse caso discute-se a mesma relação
jurídica locatícia. Diversas relações jurídicas, que, no entanto, estão ligadas:
investigação de paternidade e alimentos (relação jurídica de filiação e relação jurídica
de alimentos, embora distintas, umbilicalmente ligadas).
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4.3.4 – Continência: art. 56, CPC (relação entre duas ou mais ações quando houver
identidade de partes e de causa de pedir, sendo que o objeto de uma, por ser mais
amplo, abrange o das outras). É um exemplo de conexão, produzindo os mesmos
efeitos desta, mas com uma sutil diferença, prevista no art. 57, CPC. Há duas situações
possíveis: a ação maior (continente) é anterior à ação menor (contida); a ação maior é
posterior à ação menor.

Exemplo: se se pede a anulação de um contrato, em uma demanda, e a anulação de


uma cláusula no mesmo contrato, embora diferentes os pedidos, o primeiro engloba o
segundo. O pedido de anulação do ato de inscrição de crédito tributário na dívida ativa
e pedido de anulação do ato de lançamento (esse engloba aquele, visto que a anulação
do ato de lançamento implicará a anulação dos que lhe forem subsequentes, inclusive
o de inscrição em dívida ativa).

Obs.: não confundir com litispendência (quando se reproduz ação idêntica a outra que
já está em curso. As ações são idênticas quanto têm os mesmos elementos, ou seja,
quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir (próxima e remota) e o
mesmo pedido (mediato e imediato)).

4.4 – Prevenção: é critério para exclusão dos demais juízos competentes de um


mesmo foro ou tribunal. Não é fator de determinação de competência, mas funciona
como mecanismo de integração em casos de conexão, ou seja, é o instrumento para
que saiba qual juízo serão reunidas as causas conexas (art. 59, CPC).

4.5 – Conflito de Competência: ocorre quando dois ou mais juízes consideram-se


competentes (conflito positivo — art. 66, I, CPC) ou incompetentes (conflito negativo
— art. 66, II, CPC) para julgar a causa. O inciso III do art. 66 prevê, ainda, conflito nos
casos de reunião ou separação de processos. O conflito deve ser resolvido, para que
apenas um seja declarado competente e possa julgar a causa. O procedimento está
previsto nos arts. 951 a 959, CPC.

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