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Universidade de São Paulo

Instituto de Arquitetura de Urbanismo

LAURA FRANCISCONI PEREIRA - Nº USP: 12725262


MILENE DE PAULA JACINTO - Nº USP: 12677363
SAMUEL CORREIA SEREJO - N° USP: 12675941

RELATÓRIO DO TEXTO O MODERNO EM DEBATE:


CIDADE, MODERNIDADE, MODERNIZAÇÃO

SÃO CARLOS , 2022


Adrián Gorelik é um historiador e arquiteto argentino, se formou na Universidade de
Buenos Aires (UBA) em 1982, ou seja, nos anos de repressão e esvaziamento da
universidade, um período em que ocorreu uma grande fermentação intelectual e política. Em
sua carreira acadêmica, o objeto de estudo fundamental é a história cultural urbana, com
destaque para as cidades de Buenos Aires, Cidade do México e Brasília. Em tais pesquisas, é
notável a influência de intelectuais como Ángel Rama, Beatriz Sarlo e Carlos Altamirano, os
quais fizeram parte do desenvolvimento da Escola de Veneza. Além disso ,uma das figuras
importantes na trajetória do autor é Pancho Liernur, o qual foi um dos mentores da geração de
Gorelik.

A tese de doutorado que o arquiteto argentino desenvolveu na UBA, busca


compreender como a Buenos Aires moderna foi produzida por um plano público. Entre suas
demais atuações, atualmente, estão o cargo de professor da Universidade Nacional de
Quilmes (UNQ) e de pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e
Técnicas da Argentina (Conicet).

O livro “Narrativas da modernidade: história, memória e literatura”, publicado e


editado em 2011, é uma compilação de textos e resultados de pesquisas. Um desses artigos,
escrito por Gorelik, é o “O moderno em debate: cidade, modernidade, modernização”,
publicado em 2009 na Revista Novos Estudos pela editora Cebrap, o qual será o objeto de
análise desse fichamento.

Logo no título o autor já apresenta um panorama do que será desenvolvido ao longo


do texto: a cidade e a dialética entre modernidade e modernização. Assim, para iniciar o
debate desses pontos do título, o escritor inicia o texto com uma citação de um arquiteto e
urbanista neerlandês:

A promessa alquímica do Modernismo de transformar


quantidade em qualidade através da abstração e da repetição foi
um fracasso, um engano: magia que não funcionou (...) Uma
vergonha coletiva depois desse fiasco deixou uma importante
lacuna em nosso entendimento da modernidade e da
modernização.
(apud KOOLHAAS, 1996, p. 1)
Desse modo, Gorelik aponta que discutir o moderno na América Latina é debater a
cidade, uma vez que ambos aparecem diretamente ligados entre si. Assim, o autor destaca a
cidade enquanto uma máquina para inventar a modernidade, estendê-la e reproduzi-la. Um
exemplo disso, é a cidade latina-americana que passa a ser o centro da reprodução e o
produto da modernidade que se criava na Europa. As ideias, os pensamentos e as novidades
da época eram inseridas no novo contexto desses centros urbanos, isso ocorreu não somente
nos dias atuais, mas principalmente ao longo da configuração político-territorial desses
espaços. Assim, deve-se destacar a cidade enquanto dispositivo modernizador, de modo que
atua como instrumento na produção não só da modernidade, como também do homem social,
cultural e politicamente moderno.

Devido à dialética que envolve os termos moderno, modernidade e modernização,


o autor apresenta teorias de outros intelectuais como Sarmiento e Berman. O primeiro destaca
a cidade como a modernidade e civilização em essência e, a fim de defender essa tese, usa a
metáfora da dupla barbárie da natureza americana e do passado espanhol. Dessa maneira, o
intelectual entende que, na América, a modernidade precedeu a modernização, isso fica claro
no seguinte trecho:

Na América, a modernidade foi um caminho para


chegar à modernização, não uma consequência, a modernidade
se impôs como parte de uma política deliberada para conduzir à
modernização e nessa política a cidade foi objeto privilegiado.
(GORELIK, 1996, p. 1).

Berman, por sua vez, entende a modernidade enquanto a dialética entre os duros
processos materiais de modernização e os valores do modernismo, utilizados pela cultura
para assimilar esses processos.Essa dialética foi considerada por ele como muito rica e
intensa no século XIX, entretanto decaiu no século XX.

O autor acrescenta para o entendimento do texto e para que haja uma reflexão
crítica, algumas perguntas: “Acabou o moderno? Ou estamos vivendo o momento de sua
máxima realização? Ou apenas mais uma etapa de seu ‘projeto inacabado’?” (GORELIK,
1996, p. 1). Diante de tais questões, Gorelik defende que “a primeira coisa a se definir então é
o que terminou, para que hoje possamos debater ‘o moderno’” (GORELIK, 1996, p. 3) -
Especialmente referindo-nos à cidade, o que terminou é um ciclo fundamental da
modernidade, o ciclo progressista da cidade moderna. Assim, o texto se desenvolve em três
momentos que mostram as etapas do ciclo expansivo: para fora no território, para dentro na
sociedade e para adiante no tempo. Isto é, a expansão urbana, a integração social e a ideia de
projeto, respectivamente. Portanto, em um análise histórica e cultural, os principais
desdobramentos estão explicitados no seguinte trecho:

O momento da “modernização conservadora” de


finais do século XIX, o das vanguardas dos anos trinta e
o do desenvolvimentismo dos anos cinquenta e
sessenta.
(GORELIK, 1996, p. 4).

O primeiro momento de tal ciclo progressista é denominado por Gorelik de


“modernização conservadora”. Nesse período, o final do século XIX, o novo Estado busca
agir sobre a urbe de modo que essa satisfaça o ideal modernizador da cidade. Percebe-se,
nesse sentido, um jogo duplo: “Há uma ideia de ‘cidade moderna’ que repele a desordem
profunda que introduz a modernização urbana e que preside os objetivos de reforma pública
depois de ‘outra’ modernização” (GORELIK, 1996, p. 4). Assim, entende-se o porquê da
designação paradoxal que identifica essa etapa que é simultaneamente progressista e
conservadora, já que a cidade é reformada mas mantém os valores tradicionais das elite do
Estado. Além disso, há a contradição do Estado que, a fim de reagir ao ciclo expansivo, teria
que mobilizar recursos, de modo a contrariar sua própria identidade e doutrina liberal.

Ainda dentro desse período, Gorelik traz a ideia iluminista acerca da cidade moderna
e sua desordem, a qual deve ser resolvida para melhorar o desenvolvimento da sociedade.
Destaca que na busca de uma ordem social, a cidade sã e a moradia digna são os requisitos
mais tradicionais a serem pensados, entretanto deve-se lembrar que é a “tradição de reforma a
que institui o direito de de cidade como passo prévio e necessário a ampliação da cidadania”
(GORELIK, 1996, p. 4)

A segunda constituinte da tensão reformista do ciclo expansivo configura-se em uma


dimensão “para dentro na sociedade”: as vanguardas dos anos trinta. Vale ressaltar que na
América esses movimentos diferem do cenário europeu e de que não precisamos, nem
devemos, trabalhar sob uma visão eurocentrista, mas que é necessário conhecer e assimilar
ambos. Desse modo, Gorelik retoma “a acepção tradicional de vanguarda, de acordo com o
que se identificou como o traço central na vanguarda clássica: sua negatividade, seu caráter
destrutivo, o combate à instituição” (GORELIK, 1996, p. 5). Para então destacar que “Na
América Latina, pelo contrário, a principal tarefa a que se propôs a vanguarda foi a
construção simultânea de um futuro de sua tradição” (GORELIK, 1996, p. 5).

Desse modo, segundo o autor, há um notável ator social que opera nessa construção: o
Estado nacionalista benfeitor que surge da reorganização capitalista pós-crise. Salienta-se que
a junção das vanguardas e do Estado diante do cenário de produção cultural gerou
divergências às conjecturas das vanguardas clássicas, de modo que ao invés de combater a
tradição e reivindicar um caráter internacionalista, acabaram por formar uma cultura, uma
sociedade e uma economia nacionais.

Isto posto, o problema latino-americano baseava-se justamente na necessidade de


edificar sistemas completos em cima de uma grande tabula rasa, pois “não havia um passado
acadêmico para aproveitar e reciclar, mas um vazio a preencher” (GORELIK, 1996, p. 6).
Logo, para as vanguardas locais, os produtos de suas articulações iriam construir o passado
inexistente, o qual era necessário para constituírem-se como “comunidade nacional”.

O autor menciona como terceira fase do ciclo expansivo o momento do


desenvolvimentismo dos anos 50 e 60, do qual a construção de Brasília é um marco. Nesse
espaço de tempo, é perceptível a presença da aplicação ideológica e prescritiva da
modernidade e da atuação do Estado na transformação social a partir de tarefas culturais, de
tal forma que esse ator social se torna uma vanguarda da modernidade. Essa questão pode ser
identificada no seguinte trecho:

O Estado vai reunir toda a tradição construtiva,


incorporando em seu seio a pulsão vanguardista: O
Estado se torna institucionalmente vanguarda moderna e
a cidade, sua picareta modernizadora.
(GORELIK, 1996, p. 7).
Outro ponto a ser considerado é o fato da cultura urbana ocidental ter induzido na
América Latina uma dúvida de grande relevância: “Como acelerar a urbanização sem
exacerbar os problemas que vêm associados ao crescimento?” (GORELIK, 1996, p. 7) , com
isso o texto explica que uma planificação inteligente conseguiria evitar nesses espaços os
problemas gerados pelos países centrais em uma configuração de modernização de mercado.
Essa planificação seria concebida por meio da formação de especialistas na área, da
integração de equipes interdisciplinares em todos os ramos da administração e da realização
de estudos regionais como experiências pilotos.

Por fim, o autor relata que os anos setenta foram marcados por uma proposta de
expansão da modernidade, com o objetivo de evidenciar os benefícios e as potencialidades
dos seus conflitos. A cidade idealizada pelo modernismo, confronta-se com a metrópole
moderna realmente existente, que é entendida como espaço de modernização, provida de
desigualdade e exclusão.

No começo dos anos 50 e 60, surgiu um forte movimento de reação à planificação


autoritária e negação de normas modernistas, como os princípios da Carta de Atenas, na
Europa e nos Estados Unidos. Nesse novo momento, o controle, o tecnicismo e o
pragmatismo modernistas apresentavam-se não só degenerados, mas também ineficientes.
Essas falhas não se devem a um desprezo pela cidade, mas pela tendência à abstração dos
projetos modernistas que não contemplavam as cidades realmente existentes.

Diante de tais problemas do ciclo expansivo, desenvolveram-se diversas alternativas


de renovação dos espaços urbanos e de redesenho da cidade moderna. Uma dessas propostas
usou a história como recurso de legitimação da heterogeneidade das cidades realmente
existentes. Nas obras do arquiteto e teórico da arquitetura italiano Aldo Rossi, uma das
figuras desse movimento, percebe-se a tentativa de usar a história como forma de produzir
um imaginário sobre a cidade e regressar aos modos pretéritos de sociabilidade urbana, dado
que os projetos modernistas de integração civil provaram-se falhos. Outro programa de
oposição à planificação modernista pode ser exemplificado pelo trabalho de Roberto Venturi,
que resgatou esteticamente os elementos populares da Indústria Cultural previamente
reprovados pelo formalismo modernista consolidado no pós-guerra.
Essas concepções representam apenas uma parcela do movimento de reação a
planificação urbana que foi posteriormente denominado pós-modernismo, ainda que sejam
aparentes as qualidades modernas presentes nessas propostas. Além disso, na América Latina,
a crítica contra a planificação estendeu-se ao sujeito “planificador desenvolvimentista”, tanto
por ter acreditado no Estado Burguês para executar uma real planificação social, mas
principalmente pela visão organicista que colocava-se enquanto oposição à modernização.
Assim, destaca-se que planificar ainda era o correto, pois os erros do ato não eram de ordem
técnica e sim política. Logo, para conseguir planificar, primeiro havia que acontecer a
revolução, de modo a substituir a instituição burguesa pela figura do Povo.

Para concluir seus argumentos, Gorelik expõe sua hipótese de que o ciclo expansivo
na América Latina produziu a cidade como elemento articulador progressista da modernidade
e da modernização, assim se construiu um ambiente de ideais antiurbano, antimoderno e
antimodernizador, ou seja, se desenvolveu um caminho para o pós-moderno. Essa
pós-modernidade esteve ligada aos retornos à cidade e, dessa maneira, parece que chegou à
América Latina juntamente com uma série de enfoques que têm recuperado a noção de
modernidade e o marco de um clima de revalorização da cidade e de muitas de suas chaves
modernistas. Portanto, “essa é a modernização atual, pós-expansiva, cuja mescla de tempos
replica a leitura cultural da cidade como ruína da modernidade.” (GORELIK, 1996, p. 12).

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