Você está na página 1de 107

APRENDIZAGEM – TEORIAS E PROCESSOS

APRENDIZAGEM – TEORIAS E
PROCESSOS

DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES
editorafamart@famart.edu.br

TUTORIA ONLINE
Segunda a Sexta de 09:30 às 17:30
Acesse a aba Tutoria EaD em seu portal do aluno.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 4
2 CÉLESTIN FREINET ...................................................................................... 5
2.1 A vida e obra de célestin freinet ............................................................... 5
2.2 O método natural ou pedagogia do bom-senso ...................................... 7
2.2.1 O trabalho na escola-aula-passeio ...................................................... 10
2.2.2 Imprensa escolar ................................................................................... 10
2.2.3 Texto livre .............................................................................................. 11
2.2.4 Livro da vida .......................................................................................... 11
2.2.5 Intercâmbio escolar............................................................................... 11
3 MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA .............. 13
3.1 Maria Montessori ...................................................................................... 13
3.1 Sistema Montessori ................................................................................. 14
3.1.1 Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade ................ 16
3.1.2 Segundo período: dos seis aos doze anos de idade ......................... 16
3.1.3 Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade ..................... 16
3.2 A Metodologia Montessoriana ................................................................ 17
3.2 A Filosofia Montessoriana ....................................................................... 19
4 JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA ..................................... 21
4.1 Vida e Obra de Jean Piaget ..................................................................... 21
4.2 Epistemologia Genética ........................................................................... 23
4.3 Os estágios de desenvolvimento cognitivo da criança ........................ 26
4.3.1 A interação social na teoria de Piaget ................................................. 27
5 LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO 32
5.1 Vida e Obra de Lev Vygotsky .................................................................. 32
5.2 Cultura e Linguagem ................................................................................ 35
5.3 A Aprendizagem ....................................................................................... 36
5.4 Construtivismo e a construção do conhecimento ................................ 38
6 PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR ........................ 44
6.1 O Método de Paulo Freire ........................................................................ 46
6.2 Algumas fases do método de Paulo Freire ............................................ 48
6.3 A realidade em foco ................................................................................. 49
7 HENRI WALLON E A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA ............. 51
7.1 Vida e Obra de Henri Wallon ................................................................... 51
7.2 Psicogênese a pessoa completa ............................................................ 52
7.3 O desenvolvimento do organismo .......................................................... 53
7.4 Teoria da emoção ..................................................................................... 56
7.5 Legados de Wallon à educação .............................................................. 56
8 A PERSPECTIVA DE MADALENA FREIRE ................................................ 59
9 EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA ............... 63
9.1 Evolução da escrita e da leitura .............................................................. 65
9.2 Consequências pedagógicas da teoria de Emília Ferreiro ................... 66
10 INTELIGÊNCIA NA PERSPECTIVA DE HOWARD GARDNER ................ 69
10.1 O desenvolvimento das inteligências................................................... 74
11 EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD ..... 77
12 ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO .............. 81
13 AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ............................................................. 82
13.1 As contribuições de Lev Vygotsky ....................................................... 82
13.2 As contribuições de Jean Piaget .......................................................... 84
13.3 As contribuições de Wallon .................................................................. 87
13.4 As contribuições de Perrenoud ............................................................ 89
13.5 As contribuições de Howard Gardner .................................................. 90
14 DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS ................ 93
14.1 Uma questão de método ........................................................................ 97
14.2 O professor e as teorias ........................................................................ 99
ENCERRAMENTO ......................................................................................... 102
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 103
1 INTRODUÇÃO

Na prática pedagógica deve-se desenvolver uma reflexão sobre a


educação e identificar algumas das práticas que envolvem o processo de ensino
e aprendizagem, assim como a construção do conhecimento, nos espaços
formais e informais da educação.
Não podemos deixar de lado nossa preocupação com a Educação Infantil;
para tanto, é fundamental fazermos algumas observações sobre a prática
pedagógica neste campo da educação.
Para este texto, daremos início a um estudo das principais teorias e os
processos praticados nessa linha de pensamento de alguns autores.

4
2 CÉLESTIN FREINET

O homem é produto e produtor do meio em que vive. E, se assim o é, a


educação, enquanto meio essencial de produção do conhecimento, deveria ser
uma prática colada à vida imediata e cotidiana, de forma que o homem se
percebesse como sujeito histórico que, ao construir o mundo, constrói a si
mesmo.
A escola precisa recuperar a relação trabalho-educação, para que o
mundo seja entendido como resultado do pensar e do agir humano: o homem
precisa se entender como escultor e mentor de sua própria vida, de sua própria
história. Há que se construir uma educação na qual o homem não se distancie de
sua essência de ser que faz e pensa pela qual o homem percebe o mundo como
obra de sua prática humana, construída na necessária relação dialógica com os
outros homens, seus iguais.
O objetivo deste é resgatar os fundamentos da Pedagogia do bom-senso,
de Cèlestin Freinet. Pedagogia essa que se baseia na necessidade natural do
homem de sobreviver e interagir com os outros, para satisfazer suas
necessidades e, consequentemente, construir a si e ao mundo. A pedagogia de
Freinet recupera a necessidade de uma educação da vida enquanto um
construto humano, que se faz pelo trabalho nas relações sociais.

2.1 A vida e obra de célestin freinet

Figura - Célestin Freinet

5
Cèlestin Freinet mostrou, dia a dia, o mundo e a sociedade mais justa que
sonhou construir. Nascido em 15 de outubro de 1896, numa aldeia francesa de
Gars, nos Alpes Marítimos, onde o pastoreio predominava. Um homem de família
humilde e de pouca cultura, que revolucionou a educação na França. A primeira
atividade de Freinet foi o pastoreio; já na adolescência, mudou-se para a cidade
de Nice, onde iniciou o curso magistério na escola normal. A Primeira Guerra
eclodiu e a exigência de se alistar o impediu de continuar estudando. Da
Guerra, Freinet trouxe uma infecção pulmonar, causada por gases tóxicos, que
o acompanhou pelo resto da vida.
Em 1920, começa a lecionar em uma pobre escola de Bar-Sur-Loup,
mesmo sem diploma. Terminada a guerra, Freinet volta a estudar e, enquanto
tenta obter o diploma inicia suas experiências didáticas. Na observação direta de
seus alunos, começa a questionar as rígidas normas da escola, a forma de
ensinar, o ambiente da sala e a natureza lá fora, que encantava os alunos.
Dessas observações, surgem suas primeiras experiências: a aula-
passeio, a imprensa escolar e o livro da vida. Em 1927, edita o livro A imprensa
na Escola, cria a revista La Gerbe (O ramalhete) em que publica poemas infantis
e funda a Cooperativa de Ensino Leigo. Nos anos seguintes, Freinet muda-se
para a Vila Saint- Paul de Vence, onde cria as "Técnicas de Avaliação" e o "Plano
de Trabalho".
Por ser um grande crítico das cartilhas convencionais, Freinet propõe os
"Fichários de Consulta e de Autocorreção". As realizações feitas na escola, à
criação da cooperativa e o intenso movimento postal provocaram desconfianças
e hostilidades políticas, que culminaram na sua exoneração do cargo de
professor.
Mesmo tendo abandonado a escola de Saint-Paul, Freinet continua
administrando a cooperativa. Em 1935, consegue construir sua própria escola
na cidade de Vence. No mesmo ano, por ocasião do Congresso Internacional de
Ensino, iniciou um movimento em defesa da criança chamado "Frente da
Infância". Esse movimento foi aderido pela recém-formada "Liga da Educação
Francesa", inspirando a reforma do ensino francês. As perseguições políticas

6
continuaram.
Em 1940, Freinet foi preso como perigoso editor clandestino. Ainda preso,
foi mandado para o campo de concentração alemão em Var. Um ano mais tarde,
foi libertado e passou a lutar na Resistência Francesa, até o fim da Guerra.
Terminada a segunda Guerra, Freinet volta à cidade de Vence, onde organiza a
"Cooperativa e o Manifesto pela Modernização da Escola".
Em 1956, inicia uma campanha intitulada "25 alunos por classe", a qual
foi aprovada pela opinião pública e aderida pela maioria das escolas francesas.
Neste mesmo período, escreveu “Conselho aos Pais, Ensaio de Psicologia
Sensível e Educação pelo Trabalho”. Em 1957, funda a "Federação Internacional
dos Movimentos da Escola Moderna" (FIMEM), que hoje é reconhecida pela
UNESCO como importante ONG do campo da educação.

2.2 O método natural ou pedagogia do bom-senso

Um aspecto central da pedagogia freinetiana é o trabalho como mola


mestra das atividades educativas. Preocupado com as relações capitalistas de
seu tempo, que geravam desigualdades sociais e o domínio de uma classe sobre
a outra, Freinet buscou na Escola Ativa, de Adolphe Ferrière, os pressupostos
necessários para a criação de uma pedagogia do trabalho, direcionada
especialmente às crianças de famílias operárias, para as quais ele pretendia
transmitir o valor de uso do produto do trabalho (WHITAKER, 1989).
Que as crianças aprendam os gestos, os sinais e os mecanismos exigidos
pela função de estudantes e, mais tarde, pela de empregados, camponeses ou
operários, é uma necessidade como a que obriga o pastor a cuidar do rebanho
e o jardineiro a produzir frutos e flores (...). Mas que não se limitem a serem
estudantes.
Que ultrapassem já essa profissão, para chegar aos gestos e aos atos
que talvez nunca possam converter-se em dinheiro, mas que, nem por isso,
deixam de ser um aspecto exaltante de uma exigência de cultura - cunho nobre
da educação a serviço do "Homem" (FREINET, 1985, p. 133).
Ao perceber o interesse das crianças por atividades práticas, Freinet

7
estabeleceu o trabalho como motor da ação educativa. Para ele, uma vez que a
ação é o prolongamento natural da vida e o meio pelo qual o homem transforma
o mundo, a aprendizagem deve ser uma construção ativa. O trabalho como
princípio educativo deve ser essencialmente cooperativo. Todas as atividades,
coletivas e/ou individuais, devem ser organizadas como plano de trabalho para
não perder o caráter de coisa comum. Na pedagogia freinetiana, o professor
deve ser gerenciador das atividades e o intermediário das relações, garantindo
as condições de trabalho, informando, sugerindo e estimulando o aprendizado
(WHITAKER, 1989).
A Pedagogia do Bom-senso baseia-se na necessidade natural do homem
de sobreviver e, consequentemente, de interagir por meio do trabalho para suprir
suas necessidades. Se for da natureza do homem a utilização de suas
habilidades intelectuais e manuais para, na interação com o outro, modificar o
meio suprindo suas necessidades e perpetuando sua espécie, é, também, da
natureza humana, o ato de aprender e de ensinar por meio do trabalho, que
garante a sobrevivência humana. (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Foi como autodidata na educação e na ciência que Freinet iniciou suas
observações da prática escolar, atentando especialmente para o
desenvolvimento intelectual das crianças. Com base nessas observações,
Freinet construiu, sem muito embasamento científico, uma prática peculiar de
ensino.
Os princípios que norteiam o processo educativo freinetiano são: a
confiança e o respeito mútuo entre os seres humanos; a necessidade de uma
escola aberta e flexível; a livre expressão; o cooperativismo; a coletividade; o
trabalho enquanto agente central do processo educativo e formador
(WHITAKER, 1989).
Para construir sua pedagogia, o autor baseou-se na cotidianidade e na
importância fenomenológica que as interações sociais têm para o processo de
aprendizagem do homem.
Para ele, ficou claro que o interesse das crianças estava lá fora, nos
bichinhos que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, pois percebia
que, nos momentos de leitura dos livros de classe, o desinteresse era total.

8
Nessas ocasiões, os olhares dos meninos atravessavam as janelas e
acompanhavam o voo dos pássaros ou das abelhas zumbindo e batendo nos
vidros das janelas empoeiradas (WHITAKER, 1989, p. 15).
Para o autor, a criança aprende pela experimentação concreta no mundo
real, na relação com o mundo, com as pessoas, enfim, com o meio social, pois
Freinet acreditava que um experimento, qualquer que seja, deixa uma marca
indelével e é com essas marcas que a criança constrói seu conhecimento
(FREINET, 1979).
A Pedagogia do Bom-senso deve se importar principalmente com a
observação da criança na construção de suas próprias opiniões. Nesse
processo, o erro deve ser considerado uma fase fundamental da produção do
conhecimento. O ato de errar é um elemento-chave na aprendizagem, já que é
um desafio, um estímulo para o conhecer e para o descobrir, que são, por sua
vez, impulsos inatos ao homem (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Freinet criticou a escola convencional e seus métodos por acreditar que
esta não respeitava a natureza do aprendizado, uma vez que se baseava na
repetição e na memorização. Para o autor, o aprendizado infantil deve partir de
ideias e coisas sensíveis que tenham significado real à criança. A partir do tripé
Pedagogia do Bom- senso, Trabalho e Êxito, Freinet defendeu uma educação
na qual: a criança fosse respeitada como sujeito construtor de conhecimento, a
livre expressão fosse valorizada, a satisfação das necessidades vitais fosse
motivada. Por meio de trabalhos úteis, criativos e organizados. Todo esse
processo educativo, para ser revolucionário, deve resultar na formação de
cidadãos autônomos e cooperativos.
Na pedagogia de Freinet, a livre expressão, em todas as manifestações
da criança e do professor, define uma postura pedagógica que torna a escola
um verdadeiro lugar da vida e da produção, onde se faz a aprendizagem da
democracia pela participação cooperativa. A livre expressão é acompanhada de
responsabilidade; a criança exerce a liberdade, mas arca com tudo o que ela
comporta: frustrações, limitações e necessidade de organização para o
desenvolvimento do trabalho (WHITAKER, 1989, p. 210).

9
2.2.1 O trabalho na escola-aula-passeio

A primeira atividade desenvolvida por Freinet foi a aula-passeio. Essa


atividade deve ser articulada com outras atividades educativas. A organização
deve ser coletiva, de forma que seja proporcionada a todos a livre expressão,
o desenvolvimento da criatividade, da prática de pesquisa e da reflexão
(WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

2.2.2 Imprensa escolar

A imprensa escolar foi desenvolvida por Freinet com o objetivo de divulgar


e socializar os trabalhos infantis. Essa atividade pode ser usada desde as séries
iniciais tendo como base os textos livres escritos pelas crianças a partir de
atividades como a entrevista e a aula-passeio. Antes de serem divulgados, os
textos passam por uma triagem coletiva. Após a seleção dos textos, inicia-se o
processo de correção coletiva para que todas as crianças se sintam
contempladas.
A impressão dos textos também deve ser coletiva, a fim de que a
aprendizagem da leitura e da escrita seja o mais natural possível. Para Freinet,
o aprendizado da língua deve ser um processo natural, pois ela é um elemento
fundamental nas relações homem-homem e homem-mundo. Parafraseando
Freinet, numa necessidade psicológica e funcional de interagir com outros, o
homem lança-se no aprendizado dos gestos, das expressões, dos gritos, dos
sons, dos trejeitos, até que ele domine totalmente a fala. Nesse processo, porém,
o homem não aprende sozinho, mas com o auxílio dos outros e na interação com
os outros.
Nesse sentido, a expressão oral, que leva à construção permanente de
frases e da linguagem verbal como um todo, deve ser o fio condutor do processo
de ensino- aprendizagem da leitura e da escrita (WHITAKER, 1989; FREINET,
1979).

10
2.2.3 Texto livre

Partindo da premissa de que a expressão infantil deve ser respeitada e


estimulada, Freinet propôs o texto livre como mecanismo viabilizador da criação,
no qual a inspiração, forma, tema e tempo de realização são respeitados em
cada criança. Na pedagogia freinetiana, o texto livre tem uma estrutura flexível,
já que desenho e poemas também são considerados como tal. Respeitando o
princípio de liberdade, o texto nunca deve ser exigido pelo professor, mas, sim,
estimulado constantemente. Se a criança desejar que seu texto seja divulgado,
ele precisará, necessariamente, passar pela correção coletiva (WHITAKER,
1989; FREINET, 1979).

2.2.4 Livro da vida

O livro da vida, que tem características de diário de classe, objetiva reunir


os trabalhos desenvolvidos pelas crianças no cotidiano escolar. O livro da vida
também é uma produção coletiva e tanto os alunos quanto os professores têm
acesso a ele. Essa atividade é uma forma de registro muito primária, uma vez
que é formada por contribuições pessoais e espontâneas de todo o grupo:
qualquer trabalho é sempre bem-vindo, podendo ser incorporado ao livro sem
passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

2.2.5 Intercâmbio escolar

Freinet acreditava que a troca de informações e o contato com realidades


diferentes estimulam o aprendizado. Dessa forma, as produções escritas
somente teriam sentido se fossem divulgadas para além dos que as produziram.
Pela correspondência, a criança descobre um novo meio de comunicação.
Interagindo, relacionando-se com outras pessoas e outras realidades, em um
contato direto com o mundo exterior, a criança aprende e desenvolve novos
comportamentos. Conhecendo culturas e pessoas diferentes, aprende a
respeitar e admirar as especificidades dos outros e suas próprias

11
particularidades (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).
Não há dúvida de que a Pedagogia do Bom-senso ou Método Natural,
como queiram, tem muito de revolucionário, principalmente em relação à escola
convencional. Freinet teve o mérito de estabelecer uma nova racionalidade na
educação francesa; racionalidade essa que se estende pelos quatro cantos do
mundo.
A título de análise, é importante destacar o fato de que os pressupostos
marxistas da relação homem-capital-trabalho que fundamentam a pedagogia
freinetiana são secundarizados, à medida que as atividades práticas são
efetivadas de forma descolada, alheia à realidade em que o processo educativo
é desenvolvido. Em muitos casos, a aplicação do método natural tem reforçado,
apenas, o teor técnico e psicológico da pedagogia de Freinet, sem a necessária
relação do processo educativo com as condições sociais, econômicas e políticas
da realidade dada.
Outra questão relevante, que precisa ser posta em discussão, é a relação
teoria versus prática na pedagogia de Freinet. Embora muitos o acusem de ter
priorizado as atividades práticas em detrimento dos pressupostos teóricos,
Freinet dá grande importância à sistematização do conhecimento, que vai sendo
forjado na ação. O movimento ação-reflexão-ação está presente em todas as
atividades propostas por Freinet, e, para que não haja uma relação dicotômica
e/ou excludente entre teoria e prática, o planejamento do processo educativo é
fundamental.
Por fim, é importante lembrar que nenhuma pedagogia e base
epistemológica podem ser tomadas como uma verdade cerrada, mas como uma
dentre tantas alternativas de construção de uma educação emancipadora. A
pedagogia de Freinet pode ser uma alternativa para o desenvolvimento de uma
educação emancipadora, desde que o ensino-aprendizagem seja compreendido
como processo histórico construído pelo homem por meio do trabalho, na relação
com os outros homens e dentro de um contexto determinado.

12
3 MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA

Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não somente


fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas
chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e
sociais, que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da
reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída
sobre o estudo científico do homem desconhecido. (MONTESSORI, 2006, p. 9)
O objetivo é discutir os fundamentos teóricos da Pedagogia
Montessoriana. Nesse sentido, trataremos de apresentar a filosofia, os
princípios, o sistema e as implicações pedagógicas dos estudos desenvolvidos
por Maria Montessori sobre o desenvolvimento da criança.
Montessori concebe a educação como uma prática natural e que,
portanto, deve ter como ponto de partida o mundo concreto, homem concreto.
No contexto educativo, a criança é concebida como o elo entre as gerações,
aquele que gera o desenvolvimento, que cria e recria a cultura e que possui a
tarefa histórica de transmiti- la ao novo homem e à nova mulher.

3.1 Maria Montessori

13
Maria Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade
de Chiaravalle, no leste da Itália. Filha única de Alessandro Montessori e Renilde
Stoppani e neta de um famoso geólogo e naturalista, Antonio Stoppani. Aos 12
anos de idade, a modesta família de Montessori muda-se para Roma, a fim de
oferecer-lhe oportunidades de uma educação mais completa.
Montessori, a princípio, estudou em escola pública e, nesse período, não
teve destaque como aluna. Por meio das relações estabelecidas na capital
italiana, onde surgiam novas ideias fomentadas pelo movimento de Reunificacão
da Itália e pelo desenvolvimento de novas instituições democráticas nesse país,
Montessori foi dando mostras de sua personalidade revolucionária. Foi a primeira
mulher a cursar uma universidade na Itália; a primeira médica da Itália; teve filho
sem se casar.
Seu caráter forte, seu senso de dever, sua natureza assertiva, suas
convicções e sua forma vigorosa de defender suas ideias renderam-lhes muitos
seguidores e muitos opositores.
Maria Montessori construiu sua história pessoal, intelectual e científica
dedicando-se, por mais de meio século, ao estudo e à pesquisa do mais
fundamental e difícil problema do homem - a sua formação: Montessori acreditava
que somente por meio do entendimento da formação do homem seria possível
intervir em questões decisivas - sua conservação e seu desenvolvimento.
Montessori viveu de forma intensa a história de seu tempo, dedicou-se de
forma integral a novos experimentos, descobertas e alternativas. Contestou os
dogmas, as tradições e buscou responder às novas necessidades de uma
educação que pudesse formar homens mais humanos.

3.1 Sistema Montessori

A educação montessoriana não pode ser entendida como um método


separado de sua concepção filosófica; mesmo constituindo-se de partes
hierarquicamente organizadas e tendo fronteiras que demarcam a função de
cada uma delas, somente é possível entender educação montessoriana na
articulação de suas partes como um todo.

14
Na pedagogia montessoriana, a criança é vista como um ser biológico
que, na interação com o meio, torna-se social, e é exatamente por conta disso,
diz (Montessori, 1985, p. 51), "que qualquer pessoa que se ocupa de ajudar a
vida, na educação da criança, não pode prescindir de considerar a criança como
um ser vivo e qual é o seu lugar na biologia; isto é, no campo total da vida".

SISTEMA MONTESSORIANO

Para a autora, a criança estabelece uma relação muito particular com o


meio, diferente da relação estabelecida pelo adulto: Segundo Montessori (1985):
Os adultos admiram o ambiente, podem recordá-lo, mas a crianças absorve-o
em si. Não recorda as coisas que vê, mas essas coisas vão paulatinamente
fazendo parte de sua inteligência, ou seja, a criança internaliza as coisas como
elas são (MONTESSORI, 1985, p. 55).
Nesse sentido, Montessori acredita que a autoconstrução, quer dizer, a
formação da estrutura psíquica da criança, desenvolve-se a partir de uma força
interior, em uma relação de influência recíproca entre o meio. Dito de outra
forma, o amadurecimento intelectual da criança dá-se na relação com o mundo,
à medida que sua maturação biológica evolui. Esse processo fica mais claro a
partir dos períodos de desenvolvimento da criança criados por Montessori.

15
3.1.1 Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade

Nesse período, a criança realiza sua própria construção por meio da


exploração e da absorção do meio ambiente que a circunda. Sua inteligência
funciona em função do mundo externo e das relações superficiais entre os
objetos e suas qualidades e significados: o que orienta a ação intelectual da
criança nesse período são suas necessidades imediatas - comer, dormir etc. Por
conta disso, esse período é concebido como sendo essencialmente sensorial
(MONTESSORI, 1985).

3.1.2 Segundo período: dos seis aos doze anos de idade

Nesse período, as ações da criança já não são mais comandadas por


suas necessidades imediatas; suas atitudes têm relação direta com o mundo
concreto, com aquilo que vê, ouve e sente. A criança já é capaz de relacionar e
entender os fatos que acontecem ao seu redor à luz da razão; reflete e questiona
sobre o mundo. Portanto, nessa fase, há uma busca incessante dos "como" e
dos “porquês" das coisas. É à entrada da criança no mundo das abstrações
(MONTESSORI, 1985).

3.1.3 Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade

Nesse período, o adolescente interessa-se de forma mais aberta pelas


causas e efeitos dos problemas que lhe são postos. Os fatos da vida começam
a ser vistos como consequências de determinada ação e/ou atitude; a
capacidade de abstração já está totalmente desenvolvida (MONTESSORI,
1985).
Em sua obra Educação como ciência, Montessori defende que a
educação pode ter uma pedagogia científica, desde que respeite as leis de
desenvolvimento da criança em suas fases evolutivas. Em outra obra, Educação
Cósmica, a autora diz que a educação deve respeitar as leis que regem a relação
entre natureza, vida e sociedade humana. Segundo a autora, a tarefa cósmica de

16
cada ser humano é que mantém a harmonia da vida e torna possível a evolução
do homem. Nesse sentido, a natureza, o ritmo da vida é que deve reger a prática
educativa.
Somente a natureza, que estabeleceu algumas leis e determinou algumas
necessidades no homem em via de desenvolvimento, pode ditar o método
educativo determinado pelo fim, que é o de satisfazer as necessidades e as leis
da vida. Tais leis e necessidades a criança mesma deve indicar, nas suas
manifestações espontâneas e no seu progresso: na manifestação da sua paz e
da sua felicidade; na intensidade dos seus esforços e na constância das suas
livres escolhas. (MONTESSORI, 1985, p. 67-68)

3.2 A Metodologia Montessoriana

Maria Montessori considerava as crianças um grupo social de grandes


dimensões. Para a autora, a criança é a verdadeira potência do mundo e somente
por meio dela é possível alimentar a esperança de construção de um mundo
melhor. Nesse sentido, cabe ao homem a tarefa de continuar, coletivamente, o
trabalho da criação, descobrindo a inteligência, as infinitas possibilidades que a
natureza oferece e, dessa forma, recriar e proteger o meio cultural.
Em função disso, Montessori buscou criar métodos que dessem
condições e permitissem às crianças a manifestação de suas ações e de sua
inteligência, de acordo com as necessidades internas. A autora defende que o
objetivo da educação deve ser buscar dentro da criança a força que impulsiona
e sustenta seu processo de autoformação e de construção. À educação, então,
cabe à tarefa de favorecer, no seu sentido mais completo, o desenvolvimento do
potencial criativo, da iniciativa, da independência, da disciplina interna e da
confiança em si mesmo (MONTESSORI, 1985).
Todos esses aspectos da educação montessoriana estabelecem uma
diferença fundamental entre essa pedagogia e a educação tradicional. O método
tradicional interfere diretamente no desenvolvimento da criança, buscando
modelá-la de acordo com o que está preestabelecido. O método de Montessori,
ao contrário, parte do princípio de que a matéria-prima do desenvolvimento da

17
criança está dentro dela mesma e que, por isso mesmo, a escola somente
precisa estimular na criança a descoberta de suas potencialidades
(MONTESSORI, 1985).
Dessa forma, o papel do educador é de extrema importância, cabendo a
ele estimular na criança o desenvolvimento de seus sentidos, por meio do
contado direto com objetos materiais e com o próprio mundo. Como diz
Montessori (1985, p. 153), "os sentidos, sendo os exploradores do ambiente,
abrem caminhos a consciência. Os materiais para educação dos sentidos são
dados como uma espécie de chave para abrir uma porta à exploração das coisas
e pormenores que, na escuridão (no estado inculto), não se poderiam ver".

METODOLOGIA MONTESSORIANA

O educador deve, também, considerar o ritmo de cada criança, respeitar


seu desenvolvimento natural e buscar o caminho do respeito à diversidade e não
homogeneização. Por conta disso, na pedagogia montessoriana, o processo
educativo torna-se mais produtivo, quando se viabiliza as crianças a convivência
e a troca de conhecimentos com crianças de idades e ritmos de aprendizagem
diferentes. Esses ambientes estimulam a solidariedade, o companheirismo, o
crescimento mútuo, a ajuda ao próximo (MONTESSORI, 1985).
Para a autora, a educação deveria ser capaz de atender, na mesma
classe, crianças com idades e ritmos diferentes, transformando a escola num
ambiente de exercício do equilíbrio entre a liberdade individual e a necessidade

18
do grupo. Assim, Montessori pretendia construir uma educação, capaz de formar
adultos responsáveis, solidários, generosos, competentes, críticos e
independentes.

3.2 A Filosofia Montessoriana

A filosofia de Montessori deve ser entendida como um começo, uma


busca constante de respostas à educação e à vida da criança. Nesse sentido, a
base da educação montessoriana são as experiências da própria criança e não
as do mundo adulto (MONTESSORI, 1985).
A partir de suas observações diretas sobre o mundo infantil, estabeleceu
os seguintes princípios:
É agindo que a criança adquire conhecimentos. Por meio de uma
ordenação de atividades gradativamente crescentes, a aprendizagem pode ser
desenvolvida com maior possibilidade de sucesso. A autoconfirmação imediata
dos resultados do trabalho garante uma aprendizagem mais eficiente.
Intervenções indevidas dos adultos podem comprometer a aprendizagem. Cada
criança tem um ritmo próprio que deve ser rigorosamente respeitado. A
observação direta pode facilitar a aprendizagem de novas ações e atitudes a
serem adquiridas. A aprendizagem de muitas ações, hábitos e atitudes podem
ocorrer mais cedo que o habitualmente previsto.
Fornecer à criança a consciência do homem no planeta, na história, fazer
com que ela se sinta responsável pela vida na sua totalidade e introduzi-la no
mundo são objetivos centrais da pedagogia montessoriana. A criança precisa ter
a possibilidade de explorar, de descobrir, de se entusiasmar com as descobertas
e de sentir um desejo incessante pela busca de coisas novas.
Montessori acreditava que, à medida que a educação oferecesse às
crianças um ambiente escolar que refletisse seu próprio mundo, respeitando seu
ritmo, suas possibilidades e suas limitações físicas e intelectuais, a
aprendizagem poderia se tornar um ato prazeroso.
Para tanto, a escola precisaria garantir, também, relações interpessoais
(entre educadores e educandos) nas quais prevalecesse o respeito e a confiança

19
mútua, em que cada criança pudesse se sentir peça fundamental no processo
de seu próprio desenvolvimento.
Na pedagogia montessoriana, a educação é uma extensão da natureza
humana. Portanto, nada mais natural que a educação aflore da criança, de suas
necessidades e de suas habilidades naturais. Nesse sentido, a escola deve
tomar a vida como o ponto de partida para a construção de seres humanos
capazes de reconstruir um mundo em que o homem, enquanto expressão viva
da natureza seja orientando no sentido de se construir como criatura autônoma,
solidária, criativa e verdadeiramente humana.

20
4 JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA

Não há dúvida de que os educadores são imagens que se reproduzem e


refletem-se nos novos homens e nas novas mulheres que ajudamos a formar;
cada ação, cada gesto, cada palavra, cada valor é uma peça fundamental que
se soma na construção histórica de um novo ser humano. Nesse sentido, o
conhecimento das bases psicológicas de desenvolvimento da aprendizagem
pode contribuir para o forjar de uma nova prática educativa; uma prática
educativa que seja mais humana, democrática e conduzida no sentido da
emancipação do novo homem e da nova mulher.
Somente é possível conduzir o processo educativo no sentido de uma
prática afetiva, crítica e libertadora à medida que assumimos o desafio de irmos
além do repasse mecânico de conhecimento e abraçamos o compromisso de
entender o processo educativo como um processo construído por homens e
mulheres, enquanto sujeitos históricos, produtores e produtos da sociedade. A
Epistemologia Genética de Jean Piaget pode ser o ponto de partida para a
compreensão do processo educativo enquanto construção humana. Nesse
sentido, busca-se explicitar a base teórica piagetiana que serve de fundamento
para o desenvolvimento de práticas alternativas de educação.

4.1 Vida e Obra de Jean Piaget

Jean Piaget, nasceu em 9 de agosto 1896, na Suíça, cidade de Neuchâtel,


filho de uma família abastada e culta. Aos sete anos de idade, Piaget já revelava
sua capacidade científica e, aos 10, publica um artigo sobre o Pardal Branco, na
revista da Sociedade dos Amigos da Natureza de Neuchâtel. Aos 11 anos, torna-
se assessor do Museu de História Natural Local de sua cidade natal.

21
JEAN PIAGET

Desde o ensino ginasial, Piaget mostrava-se interessado por Filosofia e


Psicologia, mas é em Biologia que ele se forma, em 1915. Em 1918, defende
sua tese de doutorado sobre moluscos e inicia, em Zurique, estudos sobre
Psicologia, especialmente Psicanálise. No ano seguinte, ingressa na
Universidade de Paris, onde é convidado a trabalhar com testes de inteligência
infantil.
Em 1921, passa a fazer pesquisas destinadas à formação de professores
no Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra. Em 1923, lança seu primeiro
livro, intitulado A linguagem do pensamento da criança. Em 1925, começa a
lecionar Psicologia, História da Ciência e Sociologia, na cidade em Neuchâtel.
Em 1929, passa a lecionar História do Pensamento Científico, em Genebra, e
assume o Gabinete Internacional de Educação dedicado a estudos pedagógicos.
Na década de 30, escreve vários trabalhos sobre as fases do
desenvolvimento por meio de observações diretas de seus filhos. Na década de
40, Piaget torna-se sucessor de Claperède e assume como professor-diretor, o
Laboratório de Psicologia. Em 1941, com a colaboração de alguns
pesquisadores, publica trabalhos sobre a formação de conceitos matemáticos e
físicos.
Em 1946, participa da constituição da UNESCO, tornando-se membro do

22
Conselho Executivo e assumindo, diversas vezes, a subdireção geral do
Departamento de Educação. Nos anos 50, publica a Epistemologia Genética,
sua primeira tese sobre teoria do conhecimento. Em 1955, assume o lugar do
filósofo Merleau-Ponty, lecionando na Universidade de Sorbonne Paris. No
mesmo ano, na cidade de Genebra, Piaget funda o Centro Internacional de
Epistemologia Genética, destinado a pesquisas interdisciplinares sobre a
formação da inteligência.
Em 1967, Piaget escreve Biologia e Conhecimento, considerada a
principal obra de sua maturidade. Em 16 de setembro de 1980, na cidade de
Genebra, morre Jean Piaget.

4.2 Epistemologia Genética

A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de


interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas.
(PIAGET, 1967).
Para criar e demonstrar sua teoria de construção do conhecimento e,
ainda, para chegar ao equilíbrio na interação homem e meio ambiente, Piaget
desenvolveu uma análise crítica às teorias, empirista e inatista do conhecimento.
Para os empiristas, a construção do conhecimento é o resultado positivo das
experiências concretas do homem com o mundo sensível, por meio da
percepção. Nesse sentido, o homem nasce com a capacidade mental
extremamente reduzida e apenas o contato direto com o exterior possibilita a
assimilação e criação de conhecimentos.
Por outro lado, os inatistas ou pré-formistas acreditam que o homem já
nasce com sua estrutura cognitivo-biológica formada, ou seja, ela é inata ao
ser humano, pois, ao nascer, o homem traz consigo a estrutura cognitiva
necessária à construção de conhecimentos. A crítica de Piaget aos empiristas,
parte do pressuposto de que toda experiência, apesar de ser externa, depende
de uma base cognitiva interna, que faz parte da estrutura biológica do homem
e/ou que vai sendo construída no processo de desenvolvimento da inteligência.
Para Piaget, embora a experiência sensível seja extremamente

23
importante ao desenvolvimento cognitivo, ela não pode ser tomada como o único
mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber. Opondo-se
também aos inatistas, Piaget afirma não ser possível que a estrutura cognitiva
esteja completamente formada desde o nascimento, visto que grande parte
dessa estrutura e construída e aprimorada a partir das experiências concretas.
Ainda que alguns aspectos da cognição existam desde o nascimento, eles
somente poderão se desenvolver no contato direto com o mundo.
Piaget tem mostrado que, desde o princípio, a própria criança exerce
controle sobre a obtenção e organização de sua experiência do mundo exterior.
Acompanha com os olhos os objetos, seu olhar explora em torno, volta a cabeça;
com as mãos, agarra, solta, joga, empurra; explora com os olhos e mãos
alternadamente, cheira, leva a boca, prova etc. (GOULART, 1995, p. 16).
Para Piaget, grande parte do conhecimento construído pelo homem é
resultado do seu esforço em compreender e dar significado ao mundo. Nessa
tentativa de interação e compreensão do meio, o homem desenvolve alguns
equipamentos neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual.
Para explicar a construção do conhecimento, Piaget criou um modelo
biológico de interação do homem com o ambiente, que parte da seguinte lógica:
o organismo do homem é essencialmente seletivo, por organizar os alimentos que
podem ser úteis; esses alimentos vão sendo adaptados de acordo com as
necessidades biológicas. Á medida que o homem seleciona os alimentos e inicia
a adaptação destes ao organismo, acontece à assimilação, ou seja, a estrutura
biológica acomoda os alimentos para a satisfação das necessidades do corpo.
O Construtivismo piagetiano é essencialmente biológico. A perspectiva
lógica de Piaget não é senão o correspondente de sua perspectiva biológica, isto
é, o desenvolvimento é visto como um processo de adaptação, que tem como
modelo a noção biológica do organismo em interação constante com o meio
(GOULART, 1995, p. 17).
Segundo Piaget, esse mesmo processo dá-se quando da organização,
assimilação e adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva. A
organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente
de interação do homem com meio ambiente, por meio da apreensão do que e

24
útil e necessário à adaptação do homem no mundo.
Na adaptação, a estrutura cognitiva altera-se para receber o novo
conhecimento. O ajuste feito pela cognição para receber novas informações é
denominado por Piaget de acomodação. O processo de organização, adaptação
e assimilação de um novo conhecimento depende de esquemas assimilativos,
como a repetição e a generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões
e as representações, ao serem repetidas diversas vezes em situações,
diferentes, tornam- se novas estruturas, novos conhecimentos. Dito de outra
forma, ao se repetir uma mesma ação em diferentes situações a assimilação
dessa ação aumenta, aumentando também a compreensão de que esta mesma
ação pode ser generalizada a outros momentos, ficando cada vez mais clara a sua
identificação e reconhecimento, em qualquer situação.
Pode-se, então, dizer que a repetição reforça os conhecimentos
assimilados, ou preexistentes, reforçando-os e tornando-os mais consistentes, o
que facilita a aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência. Em resumo,
para Piaget, a estrutura cognitiva vai construindo-se e aprimorando-se
paulatinamente e concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio
da busca natural do homem por se adaptar ao meio ambiente.
As críticas feitas a Piaget vão ao sentido de uma omissão de sua parte, no
que diz respeito à condição histórica do homem e a biologização de sua teoria.
Não há dúvida de que suas obras sobre o desenvolvimento da aprendizagem
estão coladas aos seus estudos sobre a estrutura biológica do homem.
Entretanto, Piaget concebe o homem como sujeito ativo dentro do processo de
produção de conhecimento, fato que se evidencia na medida em que o autor
entende o conhecimento e a aprendizagem como o resultado da interação
homem-meio. Ora, ao se relacionar o homem não se despoja de sua condição
individual, de sua condição de sujeito ativo, "na verdade, o homem produz a si
próprio ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o meio e com
os outros homens" (WACHOWICZ, citado por MATUI, 1995, p. 62).
A despeito da ausência de uma obra que trate especificamente da
condição histórica do homem para Piaget, alguns conceitos-chave desenvolvidos
por ele apontam para essa temática e enfatizam a condição ativa do homem no

25
processo de produção de conhecimento. Por outro lado, ainda que o enfoque da
obra de Piaget seja biológico, é necessário considerar que o homem é "sujeito
histórico na medida em que traduz sua organização biológica pelas ações
próprias da cultura na qual vive, a qual é, por sua vez, produto do homem
enquanto sujeito histórico" (MATUI, 1995, p. 62).

4.3 Os estágios de desenvolvimento cognitivo da criança

Observando seus filhos na interação com o meio, Piaget percebeu que as


crianças possuem uma forma particular de pensar e aprender. O erro e o acerto
são conceitos que estão no cerne do raciocínio infantil e foi a partir da relação
erro/acerto que Piaget desenvolveu sua teoria de estágios do desenvolvimento
cognitivo da criança.
Segundo Piaget, o processo de desenvolvimento possui quatro estágios
sucessivos, que indicam o grau de desenvolvimento da criança:
Estágio - Sensório-motor: de zero a dois anos, aproximadamente. No
estágio sensório-motor, a inteligência da criança é essencialmente prática e as
ações de reflexo predominam. A relação com o meio ambiente não se dá pelo
raciocínio lógico ou pela representação simbólica, mas pela ação e
experimentação direta.
Estágio - Pré-operatório: de dois a sete anos, nesse estágio pré-
operatório, predomina o egocentrismo, pois a criança não consegue se colocar
abstratamente no lugar do outro. A leitura da realidade é parcial e incompleta, visto
que a criança prioriza aspectos que são mais relevantes aos seus olhos. Sua
percepção abstrata começa a ser aguçada à medida que aumenta sua
capacidade de simular, imaginar situações, figuras e pessoas semelhantes.
Estágio - Operações Concretas: de 7 a 12 anos, aproximadamente. O
estágio das operações concretas é o período em que a lógica começa a se
desenvolver e a criança já consegue ao seu modo, organizar e sistematizar
situações e relacionar aspectos diferentes da realidade. Sua compreensão do
mundo não é mais tão prática, mas ainda depende do mundo concreto para
realizar abstrações.

26
Estágio - Operações formais e Pensamento Hipotético-dedutivo:
Nesse estágio, predomina a lógica formal, a criança já pode realizar abstrações
sem necessitar de representações concretas e pode, também, imaginar
situações nunca vistas ou vivenciadas por ela.
As questões acima tratadas podem ser consideradas como a base
epistemológica, ou a lógica, a partir da qual Piaget construiu sua teoria de
desenvolvimento da cognição e da aprendizagem. Teoria essa que culminou em
práticas alternativas de educação em que o aluno é, antes, um sujeito produtor
de conhecimento, e o educador, um facilitador do processo ensino-
aprendizagem. Embora tenhamos tratado, nesse primeiro momento, da base
teórica que sustenta as práticas educativas construtivistas/piagetianas, não
podemos tomar a teoria dissociada de sua dimensão prática, mas, sim, articular
teoria e prática num processo contínuo.
Piaget não teorizou no vazio, ao contrário, buscou na vida cotidiana a
materialidade capaz de dar as suas obras um caráter de verdade histórico.
Nesse sentido, as implicações educativas da teoria piagetiana sobre o
desenvolvimento da criança serão discutidas no próximo texto. Serão
trabalhados também outros conceitos centrais da obra de Piaget, como, por
exemplo: linguagem, moral, autonomia, dentre outros.

4.3.1 A interação social na teoria de Piaget

Em uma de suas passagens, Piaget diz que o homem normal: Segundo


(Piaget, 1973, p. 424) “não é social da mesma maneira aos seis meses, ou aos
vinte anos de idade, e, por conseguinte, sua individualidade pode não ser da
mesma qualidade, nesses dois diferentes níveis". Nessa afirmação de Piaget,
está explícita a presença inevitável das relações sociais interferindo no
desenvolvimento humano; o termo homem social expressa à condição humana
de ser que vive em sociedade e que, portanto, influencia e é influenciado pelas
relações sociais.
A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um
elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais: um

27
adulto não pode se comportar como uma criança de cinco anos e isso ele
aprendeu ao longo de seu desenvolvimento na relação com os outros homens.
Piaget pensa o Ser Social como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus
semelhantes, de forma equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito
interessante sobre relação equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir
entre pessoas que estejam no mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE,
1992).
Expliquemos melhor: lembrem-se dos estágios de desenvolvimento da
criança; o equilíbrio a que Piaget se refere somente pode existir entre pessoas
que estejam no mesmo nível de desenvolvimento, ou seja: A maneira de ser social
de um adolescente é uma, porque é capaz de participar de determinadas relações
(...) e a maneira de ser social de uma criança de cinco anos é outra, justamente
porque ainda não é capaz de participar de relações sociais que expressam e que
demandam um equilíbrio de trocas intelectuais (TAILLE, 1992, p. 14).
Portanto, dependendo do estágio em que a criança se encontre, podendo
falar de um grau maior ou menor de socialização. Nesse caso, a compreensão dos
estágios de desenvolvimento é fundamental para a compreensão da
socialização da pessoa.
Para Piaget, no estágio sensório-motor não é possível falar “em real
socialização da inteligência" (TAILLE, 1992, p. 15), pois nesse período, a criança
é essencialmente individual. No estágio pré-operatório, quando o processo de
aquisição da linguagem já está em franco desenvolvimento, já se pode falar de
uma inicial: Socialização afetiva da inteligência, embora a ausência de algumas
características, como, por exemplo, significados comuns em relação a conceitos
e ideias, ainda limitam a possibilidade de a criança estabelecer trocas
intelectuais equilibradas (TAILLE, 1992, p. 15).
Resumidamente, para Piaget, a socialização possui vários graus. Começa
no grau zero, quando a criança é recém-nascida, até o grau máximo,
representado pelo conceito de personalidade. A personalidade significa,
portanto, o momento de autonomia do indivíduo, quando ele já superou o
egocentrismo e consegue estabelecer uma relação - trocas intelectuais -
recíproca com os outros.

28
Para Piaget, as relações interindividuais pressupõem dois tipos de
relações sociais: a coação e a cooperação.
A coação social é toda relação entre dois indivíduos em que estão
presentes os elementos da autoridade e do prestígio. Nesse tipo de relação, não
há diálogo. Segundo Taille (1992, p. 19) "uma vez que um fala e outro se limita
a ouvir e a memorizar". O indivíduo coagido é levado a acreditar no que diz a
outra pessoa, que, por ter mais poder, tem também, autoridade e prestígio, sem
que seja preciso verificar a veracidade ou procedência dos fatos.
As relações de cooperação, por sua vez, representam o mais alto nível de
socialização e desenvolvimento mental, visto que pressupõem reciprocidade e
diálogo entre indivíduos autônomos. Aqui, a relação não se baseia em uma
pessoa que fala e outra que acredita, cegamente, no que é dito; aqui, o ato de
acreditar não está submetido à autoridade e ao prestígio de outrem, mas na
capacidade de discernimento de cada pessoa ou, ainda, como diz Taille (1992,
p. 20), "agora não há mais assimetria, imposição, repetição, crença (...). Há
discussão, troca de pontos de vista, controle mútuo dos argumentos e das
provas".
Em sua obra “O julgamento moral da criança” (1930), Piaget estabelece
que a moral se desenvolve em um processo crescente que vai da dependência
moral a autonomia moral. O desenvolvimento da autonomia, por sua vez, é um
processo mediado pelos adultos, crianças e adolescentes, com os quais a
criança se relaciona cotidianamente. No desenvolvimento da autonomia, há dois
mecanismos fundamentais, a cooperação e a reciprocidade, que comportam dois
tipos de sanções: as sanções expiatórias, e as sanções de reciprocidade.
Sanções expiatórias: essas sanções caracterizam-se por não apresentar
qualquer relação entre a falta cometida e a punição recebida, porque estão
baseadas, apenas, na autoridade dos adultos.
Sanções de reciprocidade: nessas sanções, há relação estreita entre o
ato e a punição, por isso, apresenta "elo de reciprocidade", de coerência.
Em geral, as regras são praticadas e internalizadas pela criança em três
momentos subsequentes: anomia, heteronomia e autonomia.
Anomia: nesse momento, a criança não segue regras, mas busca

29
satisfazer seus interesses. Aqui, não importa para a criança participar de
atividades coletivas regidas por regras estabelecidas em comum acordo.
Heteronomia: nessa fase, já começa a ser desenvolvido certo interesse
por atividades coletivas, com regras estabelecidas mutuamente.
Autonomia: na autonomia, a criança já consegue jogar e se relacionar,
obedecendo a regras que são estabelecidas em comum acordo.
Está claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma
construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é
capaz de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu
próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como
falha e sim como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do erro
denuncia a ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência da
aprendizagem.
Visto que a socialização e a moral são consolidadas ao longo da infância, o
trabalho coletivo, em Piaget, tem o papel de mediador das relações e de
instigador da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O
trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança se
perceber como parte de uma coletividade, superando seu egocentrismo.
No Construtivismo piagetiano o educador não é o detentor do saber, mas
o facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de
conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação
professor- aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação.
É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O
conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma
teoria deve servir como uma possibilidade, dentre tantas, de construção de
educação diferenciada.
A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista
como um palco onde se experimenta, se inventa e se recria o ato de ensinar:
nesse palco, podem surgir outras teorias.
Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade
sociocultural dos alunos, para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar
mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em

30
determinado lugar não, necessariamente, pode responder às necessidades de
outra e diversa realidade.

31
5 LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO

Podemos dizer, sem o risco de equívocos, que a matéria do


socioconstrutivismo de Lev Vygotsky foi o tempo presente, os homens
presentes, a vida presente. Sua teoria sobre a aprendizagem e a produção do
conhecimento esteve, desde a origem, intimamente ligada ao fato de o homem
ser social e histórico ao mesmo tempo, de ser produto e produtor de sua história
e de sua cultura pela e na interação social.
Como o próprio nome diz, o Interacionismo pressupõe a aprendizagem
como produto das relações sociais, que os homens estabelecem em determinado
momento histórico. O Interacionismo tem o materialismo histórico dialético como
base epistemológica e, por conta disso, para compreender Vygotsky, é preciso,
antes, entender a centralidade de alguns conceitos que estão presentes em sua
teoria, quais sejam: a cultura, a linguagem e as relações sociais.

5.1 Vida e Obra de Lev Vygotsky

Lev Vygotsky foi cotidiano como todo homem, mas, como poucos,
suspendeu o cotidiano e colocou-se diante da vida questionando-a dia a dia.
Nascido em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, na Rússia, filho de
uma família culta, Vygotsky teve desde muito cedo uma riqueza intelectual que
o fazia se questionar sobre o homem e a criação de sua cultura. Passou a
adolescência na cidade de Gomel e mostrava-se, desde então, interessado por
literatura, poesia e filosofia. Estudou francês, hebraico, latim e grego. Foi
educado em casa até os 15 anos, quando ingressou no curso secundário.

32
FIGURA - LEV VYGOTSKY

Em 1914, matriculou-se em Medicina na Universidade de Moscou e,


paralelamente, estudou Direito. Cursou, ainda, Filosofia, Psicologia, Literatura e
História na Universidade Popular de Shanyavsky. Em 1917, em plena Revolução
Russa, forma-se em Direito e volta para Gomel, onde começa a lecionar
Literatura, História da Arte e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola
de professores. Em 1924, apresenta-se casualmente no Congresso Panrusso
de Psiconeurologia, quando foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia
de Moscou. É quando conhece e começa a trabalhar com Aleksander Luria e
Aleksei Leontiev, seus seguidores, colaboradores e amigos. Em 1925, embora
estando gravemente doente (tuberculose), inicia um período de intensas
produções, conferências e pesquisas direcionadas principalmente às crianças
portadoras de deficiências visuais e auditivas.
Sua paixão pela arte o mantinha muito próximo de intelectuais e artistas.
Por conta disso, em 1927, foi publicamente considerado, pelo cineasta Sergei
Eisenstein, como um dos psicólogos mais brilhantes da época, capaz de ver o
mundo com claridade celestial. Em 1929, concluiu sua tese “A psicologia da
Arte”, baseada em Hamlet, de Shakespeare. Em 1932, prefaciou o livro “A

33
linguagem e o pensamento da criança”, de Jean Piaget. Vygotsky morreu
precocemente, aos 37 anos de idade, em 11 de junho de 1934. Mas, em sua
curta vida, deixou uma grande herança teórica que foi silenciada por quase meio
século: em 1936, Josef Stalin acusa Vygotsky de idealismo e proíbe suas obras
por 20 anos.
As inquietações de Vygotsky sobre o desenvolvimento da aprendizagem
e a construção do conhecimento perpassavam pela produção da cultura, como
resultado das relações humanas. Por conta disso, ele procurou entender o
desenvolvimento intelectual a partir das ralações histórico-sociais, ou seja,
buscou demonstrar que o conhecimento é socialmente construído pelas relações
humanas.
Para Vygotsky (1991), o homem possui natureza social visto que nasce
em um ambiente carregado de valores culturais: na ausência do outro, o homem
não se faz homem. Partindo desse pressuposto criou uma teoria de
desenvolvimento da inteligência, na qual afirma que o conhecimento é sempre
intermediado.
Sendo a convivência social fundamental para transformar o homem de ser
biológico a ser humano social, e a aprendizagem que brota nas relações sociais
ajuda a construir os conhecimentos que darão suporte ao desenvolvimento
mental.
Segundo o autor, a criança nasce apenas com funções psicológicas
elementares e, a partir do aprendizado da cultura, essas funções transformam-
se em funções psicológicas superiores. Entretanto, essa evolução não se dá de
forma imediata e direta; as informações recebidas do meio social são
intermediadas, de forma explícita ou não, pelas pessoas que interagem com as
crianças. É essa intermediação que dá às informações um caráter valorativo e
significados sociais e históricos.
As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são
construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo,
mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser
humano cria as formas de ação que o distinguem de outros animais (OLIVEIRA,

34
1992).
Vale dizer que essas informações não são interiorizadas com o mesmo
teor com que são recebidas, ou seja, elas sofrem uma reelaboração interna, uma
linguagem específica em cada pessoa. Em outras palavras, cada processo de
construção de conhecimentos e desenvolvimento mental possui características
individuais e particulares. Dito de outra forma, os significados socioculturais
historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual e,
por isso, ganham um sentido pessoal; "a palavra, a língua, a cultura relaciona-
se com a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo"
(LANE, 1997, p. 34)

5.2 Cultura e Linguagem

Não é possível falar sobre a perspectiva vygotskyana de desenvolvimento


da aprendizagem e de produção do conhecimento, sem fazer referência à
centralidade da cultura e da linguagem em sua teoria.
Para Vygotsky, o homem constitui-se enquanto tal a partir da relação que
estabelece com o outro, enquanto ser social. Dessa forma, "a cultura torna-se
parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico
do homem" (OLIVEIRA, 1992, p. 24), ou seja, o desenvolvimento intelectual do
homem está intimamente ligado às relações sociais, que têm como produto a
cultura, o conhecimento.
Nesse processo de interação humana, que produz cultura e transforma o
homem em ser social, a linguagem é o sistema simbólico fundamental de
mediação entre os homens e desses com o mundo concreto. A linguagem possui,
portanto, dupla importância na construção do saber, pois, além de intermediar a
relação entre os homens (relação essa que produz conhecimento), "a linguagem
simplifica e generaliza a experiência, ordenando os fatos do mundo real em
conceitos cujo significado é compartilhado pelos homens que, enquanto
coletividade, utilizam a mesma língua" (OLIVEIRA, 1992, p. 27).

35
5.3 A Aprendizagem

Para Vygotsky, a aprendizagem é um processo contínuo e a educação é


caracterizada por saltos qualitativos de um nível de aprendizagem a outro. "A
aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente
podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas" (OLIVEIRA,
1992, p. 33). Daí, a importância das relações sociais e da cultura, como produto
dessas relações, no desenvolvimento intelectual da criança. Para explicar o
processo de aprendizagem, Vygotsky desenvolveu os conceitos de
Desenvolvimento Potencial e Mediador, Desenvolvimento Real e
Desenvolvimento Proximal.
Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - A zona de
desenvolvimento potencial ou mediador e toda atividade e/ou conhecimento que
a criança ainda não domina, mas que se espera que ela seja capaz de saber
e/ou realizar, independentemente de sua etnia, religião ou cultura.
Zona de desenvolvimento real - A zona de desenvolvimento real é
caracterizada por tudo aquilo que a criança já é capaz de realizar sozinha. Nessa
zona, está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as
atividades que realiza.
Zona de desenvolvimento proximal - A zona de desenvolvimento
proximal é a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que
ela somente é capaz de desenvolver com o auxílio de alguém. Na zona de
desenvolvimento proximal, o aspecto fundamental e a realização de atividades
com o auxílio de um mediador. Por isso, segundo Vygotsky, essa é a zona
cooperativa do conhecimento. O mediador ajuda a criança a concretizar o
desenvolvimento que está próximo, ou seja, ajuda a transformar o
desenvolvimento potencial em desenvolvimento real.
Não há duvida de que a teoria de Vygotsky oferece uma nova
racionalidade a partir da qual é possível entender o desenvolvimento interno da
aprendizagem e da produção do conhecimento. A criança somente consegue
fazer com o auxílio de outra pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha amanhã
recoloca a relação erro/acerto numa outra perspectiva: a de que o ato de errar

36
não deve ser um indicador de incapacidades, mas um elemento fundamental
para se entender que conhecimentos precisam ser reforçados e estimulados, no
aluno.
Por outro lado, a importância da cultura, da linguagem e das relações
sociais na teoria de Vygotsky fornece a base para uma educação em que o
homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com
outros; na sua especificidade cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em
processo de construção e reconstrução permanente.

APRENDIZAGEM

Ao longo de seus estudos, Vygotsky preocupou-se em demonstrar como


os processos mentais superiores desenvolvem-se no ser humano. Por
processos mentais superiores entende-se que: O controle consciente do
comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às
características do momento e do espaço presentes; em outras palavras, todas
as ações e pensamentos inteligentes (não instintivos) que somente estão
presentes nos homens (OLIVEIRA, 1993, p. 26).
Portanto, o que coloca o homem a frente dos outros animais e a
intencionalidade é a liberdade de escolha em suas ações. O conceito de
mediação está no cerne de todas as ações intencionais e voluntárias do ser
humano. Isso significa que o contato do homem com os outros homens e com o
meio em que vive é sempre mediado por alguma experiência e/ou conhecimento,

37
anteriormente assimilado.
Já dissemos em outros momentos que todo conhecimento é limitado e
relativo, nenhuma teoria pode ser tomada como verdade única e absoluta. Toda
verdade é histórica, passageira, e como tal precisa ser utilizada: precisamos
procurar sempre o equilíbrio entre o ceticismo retrógrado e a fé cega, que fecha
qualquer possibilidade para o novo.
Não podemos duvidar do caráter revolucionário da teoria vygotskyana,
mas sempre como um dos instrumentos que pode auxiliar na busca incessante
por uma educação que recupera e reforça, no homem, o que ele tem de melhor:
sua criatividade, sua autonomia, sua condição histórica de sujeito e não de objeto
a ser modelado.
Há ainda que atentar para o fato de que toda educação é direcionada para
uma realidade específica, e é a partir das peculiaridades, culturais e sociais, de
cada realidade que as teorias do conhecimento e da aprendizagem devem ser
pensadas no âmbito da prática escolar. É um erro pensar a educação descolada
da vida cotidiana e imediata dos indivíduos, de seus limites e de suas
possibilidades.
Uma educação, de fato, transformadora caminha no sentido de promover
o respeito pela diferença, de estimular a riqueza da diversidade; o contrário disso
é homogeneizar, e não permitir que um rico mosaico cultural seja pincelado por
cada homem e por cada mulher: diferentes nas suas particularidades, mas únicos
enquanto humanidade.

5.4 Construtivismo e a construção do conhecimento

Nessa etapa, será estudado o construtivismo e suas teorias sobre o


desenvolvimento das crianças, principalmente, com um enfoque na educação.
Portanto, não vamos resgatar todas as teorias sobre o Construtivismo, mas como
a semiótica colabora no processo de aprendizagem e na construção do
conhecimento. A função da semiótica é possibilitar que se possa evocar,
mediante signo ou imagem simbólica, um objeto ausente. Por sua vez, a
semiótica também permite diferenciar e coordenar significantes e significados.

38
Como dito, a semiótica utiliza-se de signos e imagens simbólicas; mas, o que é
signo e o que é símbolo?
Signo pode ser compreendido como alguma coisa que está no lugar de
outra, sob algum aspecto. E símbolo provém do grego symbolon, que significa
marca, sinal de reconhecimento, ou seja, qualquer representação de uma
realidade por outra. A linguagem humana, por exemplo, é simbólica enquanto
representa a realidade de forma analógica ou convencional (ARANHA, 1996, p.
240).
Podemos, então, dizer que, ao longo da vida, constantemente, utilizamo-
nos de signos e/ou símbolos para falar da realidade, e este hábito está presente,
por consequência, em nosso desenvolvimento cognitivo, mecânico, afetivo,
psicológico, entre outros aspectos. Dessa maneira, também podemos afirmar
que esta forma de linguagem estará presente nos processos de aprendizagem,
ou melhor, em todos os processos educativos.
Ao explicar as chamadas operações superiores, Vygotsky utiliza o
conceito de mediação segundo o qual a relação do homem com o mundo não é
direta, mas mediada pelos sistemas simbólicos. Essa mediação é levada a efeito
pelo uso de instrumentos e de signos.
Para Vygotsky, a invenção e o uso de signos como meios auxiliares para
solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar,
escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, somente que, agora,
no campo psicológico (ARANHA, 1996, p. 205).
Em especial, é importante falarmos do sistema de notação, que é muito
utilizado na maior parte das áreas de conhecimento, das quais podemos
destacar a linguagem escrita, a matemática e as artes (por exemplo: a música).

39
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Nessa perspectiva, percebemos que o ser humano constantemente


buscou, ao longo de sua história, por meio das relações sociais estabelecidas no
interior da sociedade, a construção da cultura que expressa estas relações do
homem com o próprio homem, do eu com o outro, do homem com o meio. Dessa
forma, Aranha (1996) afirma que: O contato do homem com a natureza, com
outros homens e consigo mesmo é intermediado pelos símbolos, isto é, signos -
arbitrários e convencionais - por meio dos quais o homem representa o mundo.
Portanto, ao criar um sistema de representações aceitas por todo o grupo social
(ou seja, a linguagem simbólica) os homens comunicam-se de forma cada vez
mais elaborada. Nesse sentido, pode-se dizer que a cultura e o conjunto de
símbolos elaborados por um povo em determinado tempo e lugar. Dada a infinita
possibilidade de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas (ARANHA,
1996, p.14-15).
Como vemos os sistemas de representação, ou melhor, sistemas de
notação são, portanto, formas e/ou ações de representar por meio de signos,
símbolos e/ou sinais convencionais (definidos a partir do consenso do grupo,
pelo menos de uma fração dominante). Por sua vez, o processo de apropriação
dessas notações faz parte do desenvolvimento individual de cada um, a partir da
aprendizagem e das práticas pedagógicas exercidas individual ou coletivamente.

40
As notações podem ser expressas por meio do desenho, da linguagem, dos
números, da música (ritmos, melodias e partituras), entre outras formas.
O desenho pode ser considerado uma dessas representações da
realidade, pois articula a cognição com o afeto, evoluindo junto com a construção
do real. Podemos identificar alguns níveis do desenho, dos quais destacamos
quatro: realismo fortuito, incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo
visual.
Criar e perceber formas visuais implica trabalhar frequentemente com as
relações entre os elementos que as compõem, tais como ponto, linha, plano, cor,
luz, movimento e ritmo. As articulações desses elementos nas imagens dão
origem à configuração de códigos que se transformam ao longo dos tempos. Tais
normas de formação das imagens podem ser assimiladas pelos alunos como
conhecimento e aplicação prática recriadora e atualizada em seus trabalhos,
conforme seus projetos demandem e sua sensibilidade e condições de
concretizá-los permitam. O aluno também cria suas poéticas onde gera códigos
pessoais (BRASIL, PCN - Arte, 1997, p. 61-62).
A linguagem é outra forma de notação, de representação simbólica da
realidade. Segundo o PCN, referentemente à Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental (BRASIL, 1997): A língua é um sistema de signos histórico e social
que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é
aprender não somente as palavras, mas também os seus significados culturais
e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e
interpretam a realidade e a si mesmas (BRASIL, 1997, p. 24).
A linguagem, contudo, pode ser expressa de diversas formas, mas a
escrita é a forma que mais nos interessa neste momento, pois é por meio da
grafia que as diversas culturas humanas desenvolveram os signos da linguagem.
A escrita traduz a notação de uma cultura, de um grupo social, de uma tradição
não somente histórica, mas, também, simbólica. E, da mesma forma que existe
uma evolução na forma de apreensão e expressão dos desenhos, a
representação da escrita também evolui. Podemos identificar os seguintes níveis
de evolução da escrita: pré-silábico, silábico, silábico alfabético e ortográfico.
Como a escrita, vamos perceber que os números traduzem um sistema

41
de notação bem complexo, o qual busca representar quantidades, basicamente.
A evolução da notação numérica vai desde a classificação/seriação, passa pela
percepção global (muito/pouco), desenvolve os sistemas de contagem,
avançando para as representações dos números cardinais, os grafismos
icônicos e abstratos, entre outras formas mais complexas.
É importante, entretanto, ressaltar as dificuldades no aprender a
matemática, assim como ensiná-la. Nesse sentido, Wood (1996) diz-nos que:
Bruner afirma que a instrução e um pré-requisito necessário para que as
atividades espontâneas da criança se transformem em pensamento simbólico,
racional. Ele partilha da opinião de Piaget, segundo a qual a ação é o ponto de
partida para a formação do pensamento abstrato e simbólico (como o que toma
parte na resolução de equações matemáticas, por exemplo), mas não concorda
com a noção de que a criança, antes de atingir um determinado nível, seja
incapaz de entender as relações conceituais entre a atividade prática e níveis
mais abstratos de pensamento (WOOD, 1996, p. 310-311)
E continua afirmando: À noção de que a evolução do pensamento
simbólico seja condicionada por estágios de desenvolvimento, Bruner fornece
uma perspectiva diferente, a respeito do processo de chegar a conhecer e da
natureza da aprendizagem. Ele distingue entre três "modos", pelos quais o
conhecimento é expresso ou "representado". A seus três modos de
representação dão os nomes de "atuante" [enactive] "icônico" e "simbólico". A
representação atuante assemelha-se à noção piagetiana de inteligência prática.
(...) A representação icônica: representação do conhecimento em que a
representação criada precisa guardar uma correspondência de elemento para
elemento, com o evento ou atividade que ela retrata. (...) A representação
simbólica: os próprios números, bem como os símbolos verbais e escritos não
guardam uma relação de elemento para elemento, com as entidades que
retratam. Do mesmo modo, símbolos como ‘+’, ‘=’ e ‘-’ não apresentam, em si
mesmos e do ponto de vista da percepção, uma semelhança com as operações
que designam. E, assim como as palavras funcionais na linguagem, eles possuem
diversos significados enquanto símbolos matemáticos, dependendo do tipo de
problema em questão (como por exemplo, dividir números inteiros ou dividir

42
frações). (WOOD, 1996, p. 310-311).
Por fim, encontramos na música, explícitos, vários instrumentos de
notação, os quais buscam representar os ritmos naturais, como os ritmos do
coração, do andar, da respiração, entre outros fenômenos. A música é expressão
da cultura, da linguagem do coração, da emoção, mas também de uma lógica
nem sempre matemática, mas, muitas vezes, expressa por ela. As melodias
estão presentes em todo tipo de cultura, talvez com tons, com harmonias, com
ritmos diferenciados, mas sempre existem.
As notas musicais, as partituras e seus diversos grafismos sempre
buscam traduzir uma situação real, que pode ser compreendida em um som, em
um ritmo, em um estilo, ou, até mesmo, na ausência do som (a pausa) - o silêncio é
expresso por uma notação, uma representação simbólica. Um pequeno ponto ao
lado ou acima de uma nota musical representa algo na linguagem musical - é
momento de acrescer ou diminuir o tempo de execução de um determinado som.
A notação musical, como observamos, é outra forma de representação
simbólica, que também guarda especificidades, mas traduz uma cultura,
relações sociais e, por sua vez, é pautável de aprender e ensinar, de sentir e
executar. A música, assim como o desenho, a escrita e a matemática, e todas as
outras maneiras de simbolizar o real, podem facilitar (ou não) os processos de
aprendizagem e construção do conhecimento. Como a música, a educação é
uma arte. “Arte é cognição”. (Ana Maria Barbosa)

43
6 PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR

Na história da educação brasileira, é imprescindível falarmos de Paulo


Freire, não somente por sua importância enquanto educador, mas, também,
como construtor de uma proposta de educação para todos os brasileiros - uma
educação popular. É claro que ele não somente teve relevância em nosso país:
desenvolveu várias experiências no exterior, principalmente no período do exílio.
Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no
Recife, Pernambuco, uma das regiões mais pobres do país, onde logo cedo pode
experimentar as dificuldades de sobrevivência das classes populares. Trabalhou
inicialmente no SESI (Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão
Cultural da Universidade do Recife. Ele foi quase tudo o que deve ser como
educador, de professor de escola a criador de ideias e "métodos".
Sua filosofia educacional expressou-se, primeiramente, em 1958, na sua
tese de concurso para a Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor
de História e Filosofia da Educação daquela Universidade, bem como em suas
primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, Rio Grande do
Norte, em 1963.
A coragem de pôr em prática um autêntico trabalho de educação que
identifica a alfabetização com um processo de conscientização, capacitando o
oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura e escrita quanto para
a sua libertação, fez dele um dos primeiros brasileiros a serem exilados.
Em 1969, trabalhou como professor na Universidade de Harvard, em

44
estreita colaboração com numerosos grupos engajados em novas experiências
educacionais tanto em zonas rurais quanto urbanas Durante os 10 anos
seguintes, foi Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho
Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça). Nesse período, deu consultoria
educacional junto a vários governos do Terceiro Mundo, principalmente na África.
Em 1980, depois de 16 anos de exílio, retornou ao Brasil para "reaprender" seu
país. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1989, tornou-se
Secretário de Educação no Município de São Paulo, maior cidade do Brasil.
Durante seu mandato, fez um grande esforço na implementação de movimentos
de alfabetização, de revisão curricular e empenhou-se na recuperação salarial
dos professores.
A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em
campanhas de alfabetização e, por isso, ele foi acusado de subverter a ordem
instituída, sendo preso, após o Golpe Militar de 1964. Depois de 72 dias de
reclusão, foi convencido a deixar o país. Exilou-se primeiro no Chile, onde,
encontrando um clima social e político favorável ao desenvolvimento de suas
teses, desenvolveu, durante cinco anos, trabalhos em programas de educação
de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária (ICIRA). Foi aí que
escreveu a sua principal obra: Pedagogia do Oprimido.
Em Paulo Freire, conviveram sempre presentes senso de humor e a não
menos constante indignação, contra todo tipo de injustiça. Casou-se, em 1944,
com a professora primária Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos.
Após a morte de sua primeira esposa, casou-se com Ana Maria Araújo Freire,
uma ex-aluna.
Paulo Freire é autor de muitas obras, entre elas: Educação: prática da
liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1968), Cartas à Guiné-Bissau (1975),
Pedagogia da esperança (1992), À sombra desta mangueira (1995).
Foi reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa por meio de
numerosas homenagens. Além de ter seu nome adotado por muitas instituições,
é cidadão honorário de várias cidades, no Brasil e no exterior.
A Paulo Freire foi outorgado o título de doutor Honoris Causa, por vinte e

45
sete universidades. Por seus trabalhos na área educacional, recebeu, entre
outros, os seguintes prêmios: "Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento"
(Bélgica, 1980); "Prêmio UNESCO da Educação para a Paz" (1986) e "Prêmio
Andres Bello" da Organização dos Estados Americanos, como Educador dos
Continentes (1992). No dia 10 de abril de 1997, lançou seu último livro, intitulado
Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paulo Freire
faleceu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do
miocárdio.
Percebe-se, atualmente, o quanto Paulo Freire produziu, ao longo de sua
fértil vida, para a educação e para a vida dos outros seres humanos. Como ele
mesmo dizia: a educação não transformará a sociedade sozinha, contudo, sem
a educação a sociedade não será transformada. E, é justamente, aprendendo
com Freire, que devemos entender o quanto é importante conceber a educação
como um princípio transformador da realidade, dos seres humanos, das relações
sociais. Por sua vez, é interessante não somente vislumbrar os potenciais e
desafios de seu método, mas, também, os seus limites.

6.1 O Método de Paulo Freire

A partir do princípio de que o ato de educar é um ato político, assim como


o ato de aprender, pode-se afirmar que a educação não é neutra. Nesse sentido, a
educação é um processo de construção e reconstrução dos processos sociais,
proporcionando uma consciência crítica dos diversos atores envolvidos neste
universo educativo - a sociedade.
Outro princípio fundante do método freireano é a concepção da educação
enquanto um processo dialético, no qual é fundamental a participação de todos
os atores envolvidos, de forma que o diálogo entre esses é política e
pedagogicamente, imprescindível. Não é possível conceber que exista alguém
que sabe tudo e alguém que nada sabe, alguém que somente ensina e alguém
que somente aprende - todos aqueles que estão envolvidos no processo
educativo ensinam e aprendem, transformam-se mediatizados pelo espaço
pedagógico.

46
FIGURA - MÉTODO DE PAULO FREIRE

O método, na proposta de Freire, tem como grande objetivo, também,


além de alfabetizar todos aqueles que não tiveram oportunidade de estudar,
construir um processo de conscientização das classes excluídas do sistema
educacional - é uma proposta de educação popular conscientizadora.
Partir da realidade de cada aluno é o principal parâmetro para a
construção do conhecimento e, dessa forma, prepõe-se um momento de
diagnóstico do contexto em que serão desenvolvidas as atividades de
alfabetização. Para tanto, torna-se importante entender que:

O método começava por localizar e recrutar os analfabetos residentes


na área escolhida para os trabalhos de alfabetização. Prosseguia
mediante entrevistas com os adultos inscritos nos "círculos de cultura"
e outros habitantes selecionados entre os mais antigos e os mais
conhecedores da realidade. Registravam-se literalmente as palavras
dos entrevistados, a propósito de questões referidas às diversas
esferas de suas experiências de vida no local: questões sobre
experiências vividas na família, no trabalho, nas atividades religiosas,
políticas, recreativas etc. O conjunto das entrevistas oferecia à equipe
de educadores uma extensa relação das palavras de uso corrente na
localidade. Essa relação era entendida como representativa do
universo vocabular local e delas se extraíam as palavras geradoras -
unidade básica na organização do programa de atividades e na futura
orientação dos debates que teriam lugar nos "círculos de cultura".
(BEISIEGEL, 1974, p. 165).

Podemos perceber que as palavras geradoras ou temas geradores são o


ponto de partida do processo de aprendizagem, ao qual estão referenciadas

47
diversas dimensões do conhecimento. Desde a problematização da realidade
até sua compreensão sociocultural, as pessoas no processo de educação
reconhecem-se como cidadãos e, principalmente, como agentes
transformadores de seu cotidiano, de sua vida.

6.2 Algumas fases do método de Paulo Freire

Em seu livro Educação como prática da liberdade, Freire propõe a


execução prática do método em cinco fases, a saber:
1ª Fase: levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se
trabalhará. Essa fase constitui-se num importante momento de pesquisa e
conhecimento do grupo, aproximando educador e educando numa relação mais
informal e, portanto, mais carregada de sentimentos e emoções. É igualmente
importante para o contato mais aproximado com a linguagem, com as falas
típicas do povo.
2ª Fase: escolha das palavras selecionadas do universo vocabular
pesquisado. Como já afirmamos anteriormente, essa escolha deverá ser feita
sob os critérios: a) da riqueza fonética; b) das dificuldades fonéticas, numa
sequência gradativa dessas dificuldades; c) do teor pragmático da palavra, ou
seja, na pluralidade de engajamento da palavra numa dada realidade social,
cultural, política etc.
3ª Fase: criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se
vai trabalhar. São situações desafiadoras, codificadas e carregadas de
elementos que serão decodificados pelo grupo com a mediação do educador.
São situações locais que, discutidas, abrem perspectivas para a análise de
problemas regionais e nacionais.
4ª Fase: elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordenadores de
debate no seu trabalho. São fichas que deverão servir como subsídios, mas sem
uma prescrição rígida a seguir.
5ª Fase: elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas
correspondentes aos vocábulos geradores. Esse material poderá ser
confeccionado na forma de slides, stripp-filmes (fotograma) ou cartazes.

48
A proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e
adultos foi completamente inovadora e diferente das técnicas até então
utilizadas, que eram, na maioria das vezes, resultado de adaptações simplistas
das cartilhas, com forte tônica infantilizante. Foi diferente, por possibilitar uma
aprendizagem libertadora, não mecânica, uma aprendizagem que requer tomada
de posição frente aos problemas que vivemos. Uma aprendizagem integradora,
abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada, com forte teor
ideológico. Foi diferente, pois promovia a horizontalidade na relação, educador -
educando, a valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, foi diferente,
acima de tudo, pelo seu caráter humanístico.
Dessa forma, o método proposto por Freire rompeu com a concepção
utilitária do ato educativo, propondo outra forma de alfabetizar. Cabe aqui
também o registro de que Paulo Freire, ao trabalhar com slides, gravuras, enfim,
materiais audiovisuais foi um dos pioneiros na utilização da linguagem multimídia
na alfabetização de adultos. Isso prova o quanto Freire estava a frente de seu
tempo (FEITOSA, 1999, p. 78)

6.3 A realidade em foco

Podemos começar esta parte do texto retomando a seguinte questão: é


possível construir uma prática de Educação Infantil levando em consideração os
princípios do método de Paulo Freire? De que forma?
Para responder essa pergunta, seria necessário fazermos uma ampla
pesquisa, contudo, não é o caso, pois os desafios propostos por Paulo Freire
trazem-nos a responsabilidade de transpor seu método não somente em
experiências de educação de Jovens e Adultos, mas, também, nos diversos
outros âmbitos da educação, incluindo a Educação Infantil.
Portanto, pode-se afirmar que os princípios de uma educação engajada,
crítica, enfocada na realidade de cada aluno e de cada educador - e dos diversos
atores nela envolvidos – é essencial, assim como em um processo de educação
de crianças é imprescindível não descartar a possibilidade de educar para
transformar, educar para a cidadania e, não contraditoriamente, educar para

49
disciplinar, para aprisionar, para limitar.

50
7 HENRI WALLON E A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA

Podemos afirmar que o ser humano é um ser essencialmente emocional e


que os aspectos da emoção são os que mais norteiam a nossa vida. A emoção
é o primeiro elo de comunicação do indivíduo com o mundo externo, e dela deriva
a afetividade. Sendo a afetividade considerada, hoje, uma das mais importantes
facetas da vida do ser humano, devemos compreendê-la e atribuir-lhe a devida
importância, especialmente em trabalho educativo a se desenvolver com
crianças em uma fase delicada de desenvolvimento, como a criança da
Educação Infantil.
Nesse sentido, podemos atribuir grande importância à teoria de Henri
Wallon, que considera o homem como um ser determinado física e socialmente,
sujeito tanto às disposições internas quanto às situações exteriores. Para tanto,
propõe a Psicogênese da Pessoa Completa, o estudo integrado do
desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade
infantil: afetivo, motor e cognitivo. Wallon considera o sujeito como
"geneticamente social" e estudou a criança contextualizada, nas relações com o
meio. Sua base epistemológica é o materialismo dialético.

7.1 Vida e Obra de Henri Wallon

Henri Wallon nasceu na França, em 1879. Viveu em Paris até sua morte,
em 1962. Aos 23 anos, formou-se em Filosofia e, aos 29 anos, em Medicina. Na
Primeira Guerra Mundial, atuou como médico do exército francês. Até então,
devido ao seu trabalho com crianças deficientes, havia desenvolvido posições
neurológicas que foram revistas, após o contato com ex-combatentes que
apresentavam lesões cerebrais. Até 1931, atuou como médico em instituições
psiquiátricas, onde se dedicou as crianças com deficiências neurológicas e
distúrbios de comportamento.

51
HENRI WALLON

Esse seu trabalho leva-o a um interesse cada vez maior pela psicologia
da criança, tendo sido o responsável, no período de 1920 a 1937, por
conferências sobre a psicologia da criança, em várias instituições de ensino
superior. Em 1925, fundou um laboratório para pesquisa e atendimento às
crianças deficientes. Ainda neste ano, publica sua tese de doutorado, intitulada
“A Criança Turbulenta”, o primeiro de inúmeros livros voltados à psicologia da
criança. Em 1931, em uma viagem para Moscou, passa a integrar o Círculo da
Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que tinha por objetivo estudar
profundamente o materialismo dialético e examinar as possibilidades oferecidas
por este referencial aos vários campos da ciência. Wallon manteve interlocução
com as teorias de Piaget e Freud. Em 1948, criou a revista “Enfance”, publicada
até hoje e que serve de instrumento de pesquisa para psicólogos e educadores.

7.2 Psicogênese a pessoa completa

Ao contrário de Piaget, que buscava a gênese da inteligência, Wallon


pretendia a gênese da pessoa. Assim, admite o organismo como condição
primeira do pensamento, pois afirma que toda função psíquica supõe um

52
componente orgânico e que o objeto de ação mental vem do ambiente em que
o sujeito está inserido. Dessa forma, o sujeito é determinado fisiológica e
socialmente, ou seja, é resultado tanto das disposições internas quanto das
situações exteriores.
Wallon, então, propunha a Psicogênese da Pessoa Completa, ou seja, o
estudo da pessoa completa integrada ao meio em que está imersa, com os seus
aspectos afetivos, cognitivos e motores, também integrados. Afirmava ainda que
o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como
"geneticamente social", e realizar os estudos da criança contextualizada, nas
relações com o meio.

7.3 O desenvolvimento do organismo

Wallon afirma que o desenvolvimento se inicia na relação do organismo


do bebê recém-nascido com o meio humano. A partir das reações humanas das
pessoas à sua volta, aos seus reflexos e movimentos impulsivos, a criança passa
a atuar no ambiente humano, desenvolvendo aquilo que Wallon denomina
motricidade expressiva (dimensão afetiva do movimento). A condição e o limite
para o desenvolvimento são o desenvolvimento neurológico, a maturação
orgânica. Esse, porém, está estreitamente ligado às condições do meio, que lhe
vão dar as condições necessárias a essa maturação.
Dessa forma, é a ação motriz que regula o aparecimento e o
desenvolvimento das funções mentais (o movimento espontâneo transforma-se
em gesto que, ao ser realizado intencionalmente, reveste-se de significado). No
esforço mental, a musculatura, embora imobilizada, permanece envolvida em
atividade tônica que pode ser intensa, ou seja, pensa-se com o corpo em sentido
duplo: com o cérebro e com os músculos. Percebemos, assim, a importância
atribuída à motricidade, na teoria de Wallon, que diz, ainda, que a imitação revela
as origens do ato mental, e que o gesto precede a palavra, sendo também uma
característica cultural.
A função simbólica inibe o movimento, ou seja, a partir do momento em
que o sujeito assimila os signos sociais (fala, escrita etc.), a comunicação motora

53
passa a ser substituída por outros meios, decorrendo daí a disciplina mental, ou
seja, o controle do sujeito sobre suas próprias ações. Desenvolver-se é ser
capaz de responder com reações cada vez mais específicas a situações cada
vez mais variadas.
No seu desenvolvimento, o sujeito caminha do sincretismo (sentimentos
e ideias vividas de uma maneira global, confusa e sem clareza da situação) em
direção à diferenciação (aos poucos se tornam mais claros e adequados às
necessidades que a situação apresenta). A aquisição da linguagem muda
radicalmente à forma de relação da criança com o meio. A linguagem é
indispensável ao progresso do pensamento, sua relação é recíproca: a
linguagem exprime o pensamento ao mesmo tempo em que atua como
estruturadora do mesmo.
Para Wallon, o desenvolvimento não é linear e contínuo, mas, sim, a
integração de novas funções e aquisições às anteriores. Estabeleceu três leis
que regulam o processo de desenvolvimento:
Lei da alternância funcional: duas direções opostas alternam-se ao longo
do desenvolvimento: centrípeta (construção do eu) e centrífuga (elaboração da
realidade externa). Essas duas direções alternam-se constituindo o ciclo da
atividade funcional.
Lei da sucessão da preponderância funcional: as três dimensões
(afetiva, cognitiva e motora) preponderam alternadamente ao longo do
desenvolvimento do indivíduo. A dimensão motora predomina nos primeiros
meses de vida, e as dimensões, afetiva (na formação do eu) e cognitiva (no
conhecimento do mundo exterior) alternam-se ao longo de todo o
desenvolvimento.
Lei da diferenciação e integração funcional: as novas possibilidades
integram- se às conquistas dos estágios anteriores.
Wallon dá grande importância ao meio na constituição da pessoa. Assim,
a pessoa deve ser vista integrada ao meio do qual é parte constitutiva, e no qual,
ao mesmo tempo, constitui-se; como podemos observar em GALVÃO (2000),
mostrando que Wallon argumenta que as trocas relacionais da criança com os
outros são fundamentais para o desenvolvimento da pessoa. Para ele, o meio

54
social e a cultura constituem as condições, as possibilidades e os limites do
desenvolvimento do organismo. Por isso, estuda a criança contextualizada, e
afirma que o ritmo das etapas do desenvolvimento é descontínuo, ou seja, o
desenvolvimento é dialético. Estabeleceu os seguintes estágios de
desenvolvimento do indivíduo:
Impulsivo-emocional (1° ano de vida): A afetividade orienta as primeiras
reações do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação com o mundo
físico. Os atos da criança têm o objetivo de chamar a atenção do adulto para que
ele satisfaça as suas necessidades e garanta a sua sobrevivência. Aos poucos,
passa a demonstrar, também, necessidade de manifestações afetivas.
Sensório-motor e projetivo (até os três anos): A aquisição dos
movimentos da marcha e da prensão dá autonomia na manipulação dos objetos
e na exploração dos espaços. Ocorre o desenvolvimento da função simbólica e
da linguagem. A criança aprende a conhecer os outros como pessoas em
oposição à sua própria existência.
Personalismo (dos três aos seis anos): Construção da consciência de si,
mediante as interações sociais. Percepção dos diferentes papéis e das relações
dentro do universo familiar e também dentro de um novo grupo (escola maternal).
Diferencia- se do outro e toma consciência de sua autonomia em relação aos
demais.
Categorial (dos sete aos doze anos): Progressos intelectuais dirigem o
interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo
exterior. Desenvolvimento cognitivo aguçado e sociabilidade ampliada.
Capacidade de participação em vários grupos com graus e classificações
diferentes, segundo as atividades de que participa.
Predominância funcional (adolescência): fase marcada pelas
transformações fisiológicas e psíquicas, com preponderância afetiva. Há nova
definição dos contornos da personalidade, que ficam desestruturados com as
transformações ocorridas. Wallon afirma que, neste período, torna-se bastante
visível o condicionamento da pessoa pelo meio social: enquanto os adolescentes
da classe média exteriorizam seus sentimentos e questionam valores epadrões
morais, os de classes operárias vivem essa fase de outra maneira, pois têm de

55
contribuir para a subsistência da família.
O processo de socialização dá-se pelo contato com o outro e, também,
pelo contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por isso,
afirma, a cultura geral aproxima os homens, pois permite a identificação de uns
com os outros.

7.4 Teoria da emoção

Na teoria de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do


ponto de vista da construção da pessoa, quanto do conhecimento. A sua teoria
tem inspiração darwinista: a emoção é vista como um instrumento de
sobrevivência, típico da espécie humana; se não fosse pela capacidade de
mobilizar poderosamente o ambiente no sentido do atendimento de suas
necessidades, o bebê humano pereceria.
Wallon afirma que a emoção é a exteriorização da afetividade: é um fato
fisiológico nos seus componentes humorais e motores e, ao mesmo tempo, um
comportamento social na sua função de adaptação do ser humano ao seu meio.
A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo recém-nascido para
estabelecer uma relação com o mundo externo.
Os movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, quando
a emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, as atividades intelectuais. A
emoção precede as condutas cognitivas; é um processo corporal que, quando
intenso, prejudica a percepção do exterior. Portanto, para que se possam
trabalhar as funções cognitivas, serão necessárias se manter uma "baixa
temperatura emocional". O desenvolvimento, então, deve conduzir à
predominância da razão, ou, na afirmação de Wallon, "a razão é o destino final
do homem".

7.5 Legados de Wallon à educação

A teoria de Wallon apresenta muitos subsídios à reflexão pedagógica, não


somente por estudar o desenvolvimento da pessoa completa e de basear este

56
estudo numa perspectiva dialética, mas, também, por tratar de temas como
emoção, movimento, formação da personalidade, linguagem, pensamento, entre
outros. Além de sua teoria psicogenética, que traz inúmeras implicações
educacionais, Wallon desenvolveu ideias acerca da educação em artigos
especialmente destinados a temas pedagógicos, e na proposta de reforma do
sistema de ensino francês do pós-guerra, no projeto denominado Projeto
Langevin-Wallon, das quais podemos destacar:

 A necessidade de compreenderem-se as complexas relações de


determinação recíproca entre o indivíduo e a sociedade;
 A percepção da relação entre o regime político de determinada
sociedade e o sistema educacional nela vigente;
 A necessidade de considerarem-se todas as dimensões que
constituem o homem completo, para efetivar uma educação humanista;
 A afirmação de que a aptidão se manifesta, caso encontre ocasião
favorável e objetos que lhe respondam;
 A necessidade de uma educação da pessoa completa;
 A necessidade do acesso à cultura, visando o cultivo de aptidões;
 A busca da dimensão estética da realidade e da expressividade do
sujeito;
 A busca de oportunidades iguais para todos e o respeito à
singularidade; A necessidade de oferecerem-se oportunidades de aquisições e
expressões (integração entre a arte e a ciência);
 A necessidade de uma nova organização do ambiente escolar, que
deve ser planejado para que possa oportunizar interações sociais;
 A demonstração de que nas interações ocorrem crises e conflitos; é
importante conhecer os motivos destas manifestações para controlá-las e
entendê-las;
 A afirmação de que o ato motor tem múltiplas dimensões, o
movimento mantém uma estrita relação com a atividade mental. Como a escola

57
apresenta a "ditadura postural", muitos conflitos podem ocorrer devido às
exigências da escola.
Para nós, como professores, a contribuição de Wallon é importante,
quando refletimos sobre suas afirmações, como somos pessoas completas, com
afeto, cognição e movimento. Relacionamo-nos com um aluno que é também
uma pessoa completa, integral, com afeto, cognição e movimento. Somos
componentes privilegiados do meio de nosso aluno.

58
8 A PERSPECTIVA DE MADALENA FREIRE

O querer bem, o amor, regia sua interação com o mundo. Muito pouco o
entenderam (ou, ainda não o entendem) sobre essa sua convicção é preciso
querer bem para educar, aprender e ensinar. Penso que era essa capacidade de
amar que lhe dava possibilidade intensa de educar sua paciência impaciente.
Sempre com aqueles olhos de menino curioso, incansável diante do novo, do
conflito, do que não conhecia. (FREIRE, Madalena, 1995, p.35)

MADALENA FREIRE

Madalena Freire é filha de Paulo Freire e, também seguidora, discípula de


seus ensinamentos e protetora de seu legado. Podemos considerar que existe
uma forte influência, nas elaborações da educadora Madalena, das teorias
freireanas, principalmente, por seu percurso acadêmico e profissional.
É importante destacar alguns pontos que se tornam referências para uma
educação mais progressista, dos quais destacamos: centro de interesses, a
educação como arte, a educação e a paixão, a emoção e a aprendizagem, o
trabalho de grupo, sistematização e o diário do educador, o planejamento e a
curiosidade das crianças, entre outros aspectos.
Madalena Freire desenvolve sua proposta de educação, principalmente
preocupada com a Educação Infantil, buscando trazer em suas elaborações os

59
princípios freireanos. Para tal, concebe a educação como um espaço político-
pedagógico, do qual a paixão deve ser propulsora das leituras do mundo. A
educação é a possibilidade de humanização da sociedade, da construção da
consciência. Ser educador é ser artista, pois a educação é uma arte - arte de
educar.
Segundo Madalena Freire (1995): O educador lida com a arte de educar.
O instrumento de sua arte é a pedagogia. Ciência da educação, do ensinar. É no
seu ensinar que se dá seu aprendizado de artista. Toda pedagogia sedimenta-
se num método. Maneira de ordenar, organizar com disciplina, a ação
pedagógica, segundo certos pressupostos teóricos. Toda pedagogia está
sempre engajada a uma concepção de sociedade, política. É neste sentido que,
nesta concepção de educação, este educador faz arte, ciência e política. Faz
política, quando alicerça seu fazer pedagógico a favor ou contra uma classe
social determinada. Faz ciência, quando apoiado no método de investigação
científica, estrutura sua ação pedagógica. Faz arte, porque cotidianamente
enfrenta-se com o processo de criação na sua prática educativa, em que, no dia
a dia, lida com o imaginário e o inusitado. A ação criadora envolve o estruturar,
dá forma significativa ao conhecimento. Toda ação criadora consiste em transpor
certas possibilidades latentes para o campo do possível, do real (MADALENA
FREIRE, 1995, p. 36).
Dessa maneira, podemos observar uma preocupação muito grande em
destacar na educação suas características mais afetivas, mais humanas, ou
seja, a afetividade torna-se uma das principais referências no processo de
construção do saber. A aprendizagem passa necessariamente pelas
experiências possibilitadas pela paixão e, assim, é um desafio saber ensinar sem
inibir as emoções presentes na elaboração do conhecimento.
É importante destacar que, para Madalena Freire, a construção do
conhecimento, assim como os processos de aprendizagem, são inerentes as
emoções dos seres humanos e, portanto, estão abertas às experiências de
prazer, de sofrimento, de alegria, de medo, de coragem, entre outras sensações.
Assim, Freire (1995) ressalta que: No exercício disciplinado de sua arte (mediado
por seus instrumentos metodológicos) é que a paixão de educador é educada.

60
Educador ensina a pensar, e enquanto ensina, sistematiza e apropria-se
do seu pensar. Pensar é o eixo da aprendizagem. Para pensar e aprender tem-
se que perguntar. E para perguntar é necessário existir espaço de liberdade e
abertura para o prazer e o sofrimento, inerentes a todo processo de construção
do conhecimento. A pergunta é um dos sintomas do saber. Toda pergunta revela
o nível da hipótese em que se encontra o pensamento e a construção do
conhecimento. Revela também a intensidade da chama do desejo, da
curiosidade de vida. Ansiedades, confusões e inseguranças são constitutivas do
processo de pensar e aprender. Assim como também o imaginar, o fantasiar e o
sonhar. Não existe pensamento criador sem esses ingredientes. Educador
ensina a pensar. Mas somente pensar não basta. Educador ensina a pensar e a
agir, segundo o que se pensa quando se faz. Nessa concepção de educação, o
educador é um leitor, escritor, pesquisador, que faz ciência da educação
(FREIRE, 1995, p. 40).
Outro aspecto de grande importância na concepção de educação de
Madalena é o grupo. Os grupos são instrumentos pedagógicos fundamentais
para a melhor efetivação de uma educação para a cidadania. O grupo pode se
tornar um espaço em que as experiências de participação e a efetivação de uma
proposta democrática de sociedade sejam efetivadas.
Nessa perspectiva, Madalena elaborou as experiências do Centro de
Interesses, onde se busca atender as crianças de forma plena, levando em
consideração suas necessidades sociais, afetivas, cognitivas, entre outras.
Aguçar a curiosidade da criança, assim como pensar as ações pedagógicas,
justamente a partir destas curiosidades é o grande desafio do educador. Para tal,
o educador deve ser primeiro um bom observador, estimular o surgimento, na
criança e no grupo, das curiosidades, para, a partir delas, construir, em conjunto,
as relações com o mundo em que vivem. O Centro de Interesses é a
incorporação, na Educação Infantil, dos Temas Geradores propostos por Paulo
Freire - ensinar é um ato de leitura da realidade.
Quando falamos que o educador deve ser um bom observador, não nos
esquecemos de que esta qualidade deve ser desenvolvida no conjunto dos
educandos, no âmbito de todos os agentes envolvidos no processo pedagógico

61
de um grupo, pois, para Freire (1995):

O instrumento da observação apura o olhar (e todos os sentidos) tanto


do educador quanto do educando para a leitura diagnóstica de faltas e
necessidades da realidade pedagógica. Para objetivar esse
aprendizado, o educador direciona o olhar para três eixos que
sedimentam a construção da aula: o foco da aprendizagem individual
e/ou coletiva; o foco da dinâmica na construção do encontro e o foco
da coordenação em relação ao seu desempenho na construção da aula
(FREIRE, 1995, p. 45).

Podemos, assim, afirmar que o registro é uma função imprescindível no


processo pedagógico. Este registro pode ser materializado a partir do uso de um
Diário, o qual conterá os conteúdos, procedimentos, avanços e limites,
possibilidades e dificuldades do grupo e de cada criança. "O registro é a forma
de deixar nossa marca no mundo", afirmou Madalena. Segundo a educadora,
somente mediado pelos registros o professor apropria-se de sua história
individual e coletiva. Segundo Freire (1996) "A escrita possibilita a
materialização, dá concretude ao pensamento, dando condições de voltar ao
passado enquanto se está construindo o presente". Para Madalena Freire
(1996):

Muito temos aprendido e muito temos ainda a aprender, mas também


já construímos algumas certezas. Acreditamos que o registro da
reflexão sobre a prática pedagógica, juntamente com o estudo teórico
e o aprender a observar, avaliar e planejar, inseridos no aprendizado
de viver em grupo construindo vínculo e conhecimento, necessita ter
um acompanhamento permanente, no núcleo da escola (MADALENA
FREIRE, 1996, p. 46).

Portanto, percebemos que o legado de Paulo Freire é amplamente


defendido e ressignificado a partir das práticas e teorias desenvolvidas por sua
filha e educadora Madalena Freire. O sonho de construir uma sociedade mais
digna para todos é uma das principais funções da educação.

62
9 EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Emilia Ferreiro, psicóloga argentina, propôs um novo olhar sobre a


alfabetização. Suas ideias constituem uma nova teoria, intitulada Psicogênese
da Língua escrita. Suas pesquisas, realizadas na Argentina e no México,
juntamente com Ana Teberosky, foram motivadas pelos altos índices de fracasso
escolar, apresentados por estes países.
As pesquisadoras argentinas buscaram, em contato direto com alunos de
várias partes do continente, a resposta para esse fracasso escolar. Juntando os
conhecimentos da psicolinguística e a teoria psicológica e epistemológica de Jean
Piaget, Emília e Ana mostraram como a criança constrói diferentes hipóteses
sobre o sistema de escrita, antes mesmo de chegar a compreender o sistema
alfabético. Suas ideias chegaram ao Brasil na década de 80 e, a princípio, foram
consideradas, erroneamente, como um novo método de alfabetização.
Ela afirma que todos os conhecimentos têm uma gênese, explicitando
quais são as formas iniciais de conhecimento da língua escrita. Por meio de sua
teoria, explica como as crianças chegam a ser leitores, antes de sê-lo. Ao se
contrapor à concepção associacionista da alfabetização, a Psicogênese da
Língua Escrita apresenta um suporte teórico construtivista, no qual o
conhecimento aparece como algo a ser produzido pelo indivíduo, que passa a
ser visto como sujeito e não como objeto do processo de aprendizagem.
Processo este dialético, por meio do qual este indivíduo se apropria da escrita e
de si mesmo como usuário/produtor da mesma. A partir desta concepção,
demonstrou que a aprendizagem da escrita não está vinculada à fala e que,
mesmo quando a criança já estabelece a relação entre fala e escrita, esta relação
não é do tipo fonema/grafema.
Os filhos do analfabetismo são alfabetizáveis; não constituem uma
população com uma patologia específica, que deva ser atendida por sistemas
especializados de educação; eles têm o direito a serem respeitados, enquanto
sujeitos capazes de aprender (EMÍLIA FERREIRO, 1986, p.110).
Por meio de suas ideias, procura demonstrar que o analfabetismo e o
fracasso escolar são problemas de dimensões sociais e não consequências de

63
vontades individuais. Afirma que a desigualdade social e econômica se
manifesta, também, na desigualdade de oportunidades educacionais. Classifica
a repetência como a repetição do fracasso e a evasão como expulsão encoberta.
Propõe, por meio de sua teoria, uma mudança de ponto de vista.
Até então, os métodos de alfabetização partiam de uma concepção
psicológica, em que a aprendizagem da leitura e da escrita é realizada de forma
mecânica: aquisição de técnica para decifrar o texto; resposta sonora a estímulos
gráficos. Com as pesquisas na área da psicolinguística, a partir de 1962, há uma
nova visão, de que a criança procura ativamente compreender a natureza da
língua falada à sua volta, formula hipóteses, busca regularidade, ou seja,
reconstrói a linguagem.
Há grande influência de Piaget em sua teoria. Ferreiro concebe a teoria
de Piaget como uma teoria geral dos processos de aquisição do conhecimento,
que é resultado da atividade do próprio sujeito e não de métodos ou pessoas, ou
seja, o sujeito é produtor do seu próprio conhecimento. No entender de Weisz,
em sua teoria, descobre a "história da aprendizagem", ao fazer perguntas
piagetianas sobre as aprendizagens que, acreditava-se, não eram construídas e
sim ensinadas, como a aprendizagem da leitura, da escrita, da soma.
Com isso, muda o enfoque da pergunta, como observamos na afirmação
de WEISZ: Em vez de indagar como se deve ensinar a escrever, ela perguntou
como alguém aprende a ler e escrever, independente do ensino. Ela considerou
uma coisa que todos sabiam: que muitas crianças chegam à escola, antes do
ensino oficial, já alfabetizadas. As crianças leem, mas não estão socialmente
autorizadas a fazer isso, antes do professor ensinar. Na verdade, os meninos
trabalham muito para construir esse conhecimento, que acaba não reconhecido
pela escola (WEISZ, 2000, Caderno de Educação do JORNAL DO BRASIL.).
Vamos ver quais os enfoques dados à escrita, segundo Ferreiro: A escrita
como transcrição gráfica: converte unidades sonoras em unidades gráficas, por
meio de um sistema de codificação. O que está em primeiro plano são as
discriminações perceptivas (visual e auditiva). Se não houver dificuldades nas
discriminações, não haverá dificuldade para aprender a ler e escrever. Aqui, a
linguagem é reduzida a uma série de sons.

64
A escrita como sistema de representação: Emília Ferreiro fala em
compreender o sistema de representação: elementos essenciais da língua oral,
como entonação; semelhanças no significado. A aprendizagem, neste enfoque,
é considerada como a apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou uma
aprendizagem conceitual.

9.1 Evolução da escrita e da leitura

Ferreiro afirma que a criança começa, já a partir dos quatro anos, a


perceber a escrita como a representação de algo externo, que não é somente
um traço ou uma marca. Compreende o que a escrita representa e qual é a sua
estrutura. Tem consciência da diferença entre desenho e escrita, entre imagem
e texto, e compreende que, apesar de estarem representando a mesma situação
e terem uma origem comum, a sua estrutura é diferente: a escrita apresenta
grande complexidade, e ela vai buscando soluções para entender esta diferença.
Nessa tentativa de solução, a criança constrói algumas hipóteses,
apresentadas por Boneti:
Garatujas: fase dos rabiscos. A criança rabisca e lê o que representam
os rabiscos.
Hipótese Pré-Silábica: a criança já conhece letras e as representa
graficamente, mas ainda não tem a sonorização. Usa letras quaisquer. Ex:
DCMLZ= caneta.
Hipótese Silábica: a criança percebe o som e representa graficamente
uma letra para cada sílaba. Ex.: “CNT” = caneta, "BCA" = caneta ou "AEA" =
caneta. A palavra caneta tem três sílabas, por isso, representa-a com três letras
convencionais (que existem na palavra) ou não convencionais (no exemplo
"BCA"). Esta hipótese é considerada "o salto de qualidade".
Hipótese Silábica Alfabética: nesta fase, há um grande conflito
cognitivo, ela representa o número de sílabas, mas percebe que para o som é
necessário acrescentar mais letras. Ex.: CANT = caneta ou CNET = caneta. É o
avanço para a Hipótese Alfabética. Antes desses estudos, o professor via como
um distúrbio de aprendizagem esta fase da criança.

65
Hipótese Alfabética: representa a grafia ao som correspondente, já se
apropriou desse conhecimento, por meio da reconstrução da leitura e da escrita.
Os caminhos dessa construção são os mesmos para todas as crianças, de
qualquer classe social.
A partir dessa nova visão, a questão dos diferentes níveis, nas salas de
aula, deixa de ser uma característica negativa para assumir papel de importância
no processo ensino-aprendizagem, em que a interação entre os alunos é fator
imprescindível. Na alfabetização, as diferenças individuais e o ritmo passam a
ser entendidos a partir dos níveis estruturais da aprendizagem da escrita.
Podemos dizer a partir da teoria de Ferreiro, que dois processos são
desencadeados na aquisição da língua escrita: o processo de ler e o processo
de escrever. Em uma concepção tradicional, a leitura pode significar decifrada,
e a escrita, cópia. Já numa visão contemporânea, na leitura, devemos considerar
dois tipos de informação: a visual e a não visual. A visual seria a organização das
letras e a não visual, o tema. Para compreender a mensagem não visual,
devemos desenvolver a competência linguística dos alunos, trabalhando com
diversos tipos de textos. E, na escrita, procurar incentivá-la à descoberta,
estimulando-a e não a impedindo de escrever. A diferença estará no resultado:
a criança não estará aprendendo uma técnica, e, sim, apropriando-se do
conhecimento.

9.2 Consequências pedagógicas da teoria de Emília Ferreiro

Após revolução conceitual a respeito da aprendizagem da escrita trazida


pela Psicogênese da língua escrita, torna-se necessária uma revolução também
na dinâmica pedagógica. Muitos são os conceitos que devem ser mudados
dentro do espaço escolar, para que se efetive um processo de aprendizagem
dentro desta nova abordagem.
Um primeiro conceito a ser modificado é o de proposta metodológica: não
é a escola que ensina, e, sim, a criança que aprende. Assim, se partirmos do
pressuposto de que a criança está preparada para aprender o que queremos
ensinar, não saberemos lidar com aqueles que não aprendem. O

66
posicionamento da escola é que deve mudar; ela já não pode se dirigir a quem já
sabe, e rotular os que não conseguem de fracassados.
Uma criança de seis anos, de qualquer classe social, já "sabe" muita coisa
sobre a escrita, já compreendeu algumas coisas das regras da representação
gráfica, portanto, não podemos partir do zero, mas da bagagem trazida para a
escola. Assim, as atividades devem ser organizadas de modo a desafiar o
pensamento da criança, gerando conflitos cognitivos que a façam repensar e
reorganizar as ideias para alcançar novas respostas. A relação professor/aluno
deve se basear no respeito mútuo, na cooperação, na troca de pontos de vista e
numa crescente autonomia do educando.

FIGURA -EMILIO FERREIRO

Dessa forma, o professor, para se tornar construtivista, precisa


desenvolver a habilidade de respeito ao nível de desenvolvimento do educando,
seus interesses e aptidões, acompanhar o seu raciocínio, sem o cortar ou o
limitar com perguntas ou orientações que impõem outra direção ao pensamento
infantil, desviando-o do caminho que deseja ou a que pode chegar, ou seja, deve
perceber seu aluno como um sujeito ativo, que vai construir espontaneamente
seu próprio conhecimento.
Outra mudança conceitual importante é a respeito do conceito de

67
avaliação e de erro. Em um processo de construção do conhecimento, a criança
precisa superar etapas. Nesse sentido, não podemos dizer que a criança errou,
mas, sim, que não alcançou a etapa subsequente à que se encontra. Ou
podemos utilizar a expressão de Piaget: no caminho de uma etapa a outra, pode
acontecer à passagem por erros construtivos. Nesse sentido, a avaliação passa
ser vista sob outro enfoque: é um elemento auxiliar para o professor na sua tarefa,
e não um instrumento que serve para rotular os alunos.

68
10 INTELIGÊNCIA NA PERSPECTIVA DE HOWARD GARDNER

É importante, antes de qualquer discussão sobre o assunto, buscarmos


entender o que é inteligência. Na concepção tradicional, a inteligência é uma só,
inata e geral. Nesta concepção, a inteligência segundo (Teles, 1991, p. 160)
pode ser definida como "uma capacidade de resolver, de maneira criativamente
nova e original, os problemas da situação, isto é, do meio em que vive". É uma
capacidade que pode ser medida por meio dos Testes de Quociente de
Inteligência (QI) pelos quais o que se mede são às capacidades linguísticas e
lógico-matemáticas. No entender de Gama, as pesquisas mais recentes em
desenvolvimento cognitivo e neuropsicologia sugerem que as habilidades
cognitivas são bem mais diferenciadas e mais específicas do que se acreditava
(GARDNER, 1985).
Os neurologistas têm documentado que o sistema nervoso humano não
é um órgão com propósito único. Acredita-se, hoje, que o sistema nervoso seja
altamente diferenciado e que diferentes centros neurais processem diferentes
tipos de informação (GARDNER, 1987).
Howard Gardner, psicólogo da Universidade de Harvard, baseou-se
nestas pesquisas para questionar a tradicional visão da inteligência, uma visão
que enfatiza as habilidades, linguísticas e lógico-matemáticas. Segundo
Gardner, todos os indivíduos normais são capazes de uma atuação em pelo
menos sete diferentes e, até certo ponto independentes, áreas intelectuais.
Gardner sugere ainda que não existem habilidades gerais, duvida da
possibilidade de medir-se a inteligência por meio de testes de papel e lápis e dá
grande importância a diferentes atuações valorizadas em culturas diversas.
Finalmente, ele define inteligência como a habilidade para resolver problemas
ou criar produtos que sejam significativos em um ou mais ambientes culturais
(GARDNER, 1999, p. 52).
A teoria de Gardner (1985) é uma alternativa para o conceito tradicional
de inteligência. Sua insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de
inteligência, que focalizam, sobretudo, as habilidades importantes para o
sucesso escolar, levou Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas

69
da habilidade para resolver problemas.
Por meio da avaliação das atuações de diferentes profissionais em
diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca
de soluções, culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner
trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para,
eventualmente, chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. Na
sua pesquisa, Gardner estudou também:

 O desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais


e crianças superdotadas;
 Adultos com lesões cerebrais e como esses não perdem a
intensidade de sua produção intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades,
sem que outras habilidades sejam sequer atingidas;
 Populações ditas excepcionais, tais como idiot-savants e autistas,
e como os primeiros podem dispor de apenas uma competência, sendo bastante
incapazes nas demais funções cerebrais, enquanto as crianças autistas
apresentam ausências nas suas habilidades intelectuais;
 Como se deu o desenvolvimento cognitivo por meio dos milênios.
Psicólogo construtivista muito influenciado por Piaget, Gardner distingue-
se de seu colega de Genebra na medida em que Piaget acreditava que todos os
aspectos da simbolização partem de uma mesma função semiótica, enquanto
que ele acredita que processos psicológicos independentes são empregados,
quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, numéricos, gestuais, ou
outros.
Segundo Gardner, uma criança pode ter um desempenho precoce em
uma área (o que Piaget chamaria de pensamento formal) e estar na média ou
mesmo abaixo da média em outra (o equivalente, por exemplo, ao estágio
sensório-motor). Gardner descreve o desenvolvimento cognitivo como uma
capacidade cada vez maior de entender e expressar significado em vários
sistemas simbólicos utilizados num contexto cultural, e sugere que não há uma
ligação necessária entre a capacidade ou estágio de desenvolvimento em uma

70
área de desempenho e capacidades ou estágios, em outras áreas ou domínios
(Malkus e col., 1988).
Num plano de análise psicológico, afirma Gardner (1982) que cada área
ou domínio tem seu sistema simbólico próprio; num plano sociológico de estudo,
cada domínio se caracteriza pelo desenvolvimento de competências valorizadas
em culturas específicas. Gardner sugere, ainda, que as habilidades humanas
não são organizadas de forma horizontal; ele propõe que se pense nessas
habilidades como organizadas verticalmente, e que, ao invés de haver uma
faculdade mental geral, como a memória, talvez existam formas independentes
de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com possíveis
semelhanças entre as áreas, mas não necessariamente uma relação direta.
(GAMA, 1999, p. 38).
As crianças têm mentes muito diferentes umas das outras, elas possuem
forças e fraquezas diferentes, e é um erro pensar que existe uma única
inteligência, em termos da qual todas as crianças podem ser comparadas. Foi
observando crianças que o psicólogo americano Howard Gardner percebeu o
que hoje parece óbvio: nossa inteligência é complexa demais para que os testes
comuns sejam capazes de medi-la.
A teoria do psicólogo americano, que propõe a existência de um espectro
de inteligências a comandar a mente humana, suscitou muitos comentários,
contrários e favoráveis. Em 1983, no livro Estruturas da mente, ele definiu sete
inteligências, que são apontadas por Gama:
Lógica-matemática: os componentes centrais desta inteligência são
descritos por Gardner como uma sensibilidade para padrões, ordem e
sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e padrões, por
meio da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar de forma
controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer
problemas e resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e
cientistas. Gardner, porém, explica que, embora o talento científico e o talento
matemático possam estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos que
movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os mesmos.
Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os

71
cientistas pretendem explicar a natureza. A criança com especial aptidão nesta
inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e
para criar notações práticas de seu raciocínio.
Linguística: os componentes centrais da inteligência linguística são uma
sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma
especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar
a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner
indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em
crianças, esta habilidade manifesta-se por meio da capacidade para contar
histórias originais ou para relatar com precisão, experiências vividas. Habilidade
de aprender línguas e de usar a língua falada e escrita para atingir objetivos.
Advogados, escritores e locutores exploram-na bem.
Espacial: Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade
para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para
manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais,
criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É
a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em
crianças pequenas, o potencial especial nessa inteligência é percebido por meio
da habilidade para quebra- cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a
detalhes visuais. É importante tanto para navegadores como para cirurgiões, ou
escultores.
Físico-cinestésica: esta inteligência refere-se à habilidade para resolver
problemas ou criar produtos por meio do uso de parte ou de todo o corpo. É a
habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas
ou plásticas, no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos
com destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica move-
se com graça e expressão; a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra
uma grande habilidade atlética ou uma coordenação fina apurada. Dançarinos,
atletas, cirurgiões e mecânicos valem-se dela.
Interpessoal: esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade
para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos,
motivações e desejos de outras pessoas. Ela é mais bem apreciada na

72
observação de psicoterapeutas, líderes religiosos, professores, políticos e
vendedores bem sucedidos. Na sua forma mais primitiva, a inteligência
interpessoal manifesta-se em crianças pequenas como a habilidade para
distinguir pessoas, e na sua forma mais avançada, como a habilidade para
perceber intenções e desejos de outras pessoas e para reagir apropriadamente,
a partir dessa percepção. Crianças especialmente dotadas demonstram muito
cedo uma habilidade para liderar outras crianças, uma vez que são extremamente
sensíveis às necessidades e sentimentos de outros.
Intrapessoal: esta inteligência é o correlativo interno da inteligência
interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos
sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas
pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades desejos e
inteligências próprias, a capacidade para formular uma imagem, precisa de si
próprio e a habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva.
Como essa inteligência é a mais pessoal de todas, ela somente é observável por
meio dos sistemas simbólicos das outras inteligências, ou seja, por intermédio
de manifestações linguísticas, musicais ou cinestésicas.
Musical: esta inteligência manifesta-se por meio de uma habilidade para
apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons,
habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e
timbre, e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena
com habilidade musical especial percebe, desde cedo, diferentes sons no seu
ambiente e, frequentemente, canta para si mesma.
Atualmente, Gardner admite a existência de uma oitava inteligência, a
naturalista, que seria a capacidade humana de reconhecer objetos na natureza
e a sua relação com a vida humana, e a existencial, que está ligado ao
entendimento além do corpóreo, o transcendente, o entendimento sobre a vida,
a morte, o universo (inteligência dos místicos, dos religiosos etc.) que seria uma
nona inteligência.
O mais importante, porém, a ser ressaltado nessa teoria é a pluralidade
do intelecto. Os sujeitos podem diferir quanto aos perfis particulares de
inteligência, com os quais nascem e que desenvolvem ao longo da vida. Na

73
verdade, o fundamental não é quantas inteligências temos, mas o
desenvolvimento de todas elas, segundo nossas aptidões.

10.1 O desenvolvimento das inteligências

Para tratar do desenvolvimento das inteligências, mencionaremos Gama


(1999), que explica que:

Na sua teoria, Gardner propõe que todos os indivíduos, em princípio,


têm a habilidade de questionar e procurar respostas usando todas as
inteligências. Todos os indivíduos possuem como parte de sua
bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as
inteligências. A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no
entanto, será determinada tanto por fatores genéticos e
neurobiológicos quanto por condições ambientais. Ele propõe, ainda,
que cada uma destas inteligências tem sua forma própria de
pensamento, ou de processamento de informações, além de seu
sistema simbólico. Estes sistemas simbólicos estabelecem o contato
entre os aspectos básicos da cognição e a variedade de papéis e
funções culturais (GAMA, 1999, p. 58).

No entender de Gama, as implicações da teoria de Gardner para a


educação são claras, especialmente quando se analisa a importância dada às
diversas formas de pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias
inteligências e à relação existente entre estes estágios, a aquisição de
conhecimento e a cultura.
A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas
educacionais atuais, oferecendo uma base para:
 O desenvolvimento de avaliações que sejam adequadas às
diversas habilidades humanas;
 Uma educação centrada na criança e com currículos específicos
para cada área do saber;
 Um ambiente educacional mais amplo e variado, e que dependa
menos do desenvolvimento exclusivo da linguagem e da lógica.

74
FIGURA 1 - DESENVOLVENDO A INTELIGÊNCIA

Quanto à avaliação, Gardner afirma que favorece métodos de


levantamento de informações durante atividades do dia a dia. Segundo ele, é
importante que se tire o maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os
estudantes a desenvolverem suas capacidades intelectuais, e, para tanto, ao
invés de usar a avaliação apenas como uma maneira de classificar, aprovar ou
reprovar os alunos, esta deve ser usada para informar o aluno sobre a sua
capacidade e informar o professor sobre o quanto está sendo aprendido. Gama
(1999) afirma que:

Gardner sugere que a avaliação deve fazer jus à inteligência, isto é,


deve dar crédito ao conteúdo da inteligência em teste. Se cada
inteligência tem certo número de processos específicos, esses
processos têm que ser medidos com instrumentos que permitam ver a
inteligência, em questão, em funcionamento. Para Gardner, a
avaliação deve ser ainda ecologicamente válida, isto é, ela deve ser
feita em ambientes conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das
crianças avaliadas. Este autor também enfatiza a necessidade de
avaliar as diferentes inteligências em termos de suas manifestações
culturais e ocupações adultas específicas. Assim, a habilidade verbal,
mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida por meio de testes de
vocabulário, definições ou semelhanças, deve ser avaliada em
manifestações tais como a habilidade para contar histórias ou relatar
acontecimentos. Ao invés de tentar avaliar a habilidade espacial
isoladamente, devem-se observar as crianças durante uma atividade
de desenho, ou enquanto montam ou desmontam objetos. Finalmente,
ele propõe que a avaliação, ao invés de ser um produto do processo
educativo, seja parte do processo educativo, e do currículo,
informando, a todo o momento, de que maneira o currículo deve

75
desenvolver-se (GAMA, 1999, p. 74).

E continua em sua análise da influência da teoria de Gardner na


educação:

No que se refere à educação centrada na criança, Gardner levanta dois


pontos importantes que sugerem a necessidade da individualização. O
primeiro diz respeito ao fato de que, se os indivíduos têm perfis
cognitivos tão diferentes uns dos outros, as escolas deveriam, ao invés
de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um
recebesse a educação que favorecesse o seu potencial individual. O
segundo ponto levantado por Gardner é igualmente importante:
enquanto na Idade Média um indivíduo podia pretender tomar posse
de todo o saber universal, hoje em dia essa tarefa é totalmente
impossível, sendo mesmo bastante difícil o domínio de um só campo
do saber (GAMA, 1999, p. 80).

Enfim, conhecer a teoria das Inteligências Múltiplas é fundamental na


discussão sobre os processos de ensino-aprendizagem, assim como para a
relação educação e realidade.

76
11 EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD

É importante, antes de qualquer discussão sobre o assunto, buscarmos


entender o que é uma competência. Dessa forma, podemos dizer que a
competência é a capacidade de mobilizar conhecimentos a fim de se enfrentar
uma determinada situação. Segundo Perrenoud (1999, p. 30): "Competência é a
faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes,
capacidades, informações etc.). para solucionar com pertinência e eficácia uma
série de situações". Três exemplos:
Saber se orientar em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades
de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes
saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências
geográficas.
Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar
sinais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os
seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros-socorros,
terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.
Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de
saber se informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições
políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas
democráticas etc. Segundo Perrenoud (1999):
Se aceitarmos que competência é uma capacidade de agir eficazmente
num determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se
limitar a eles, é preciso que alunos e professores se conscientizem das suas
capacidades individuais que melhor podem servir o processo cíclico de
Aprendizagem-Ensino- Aprendizagem (PERRENOUD, 1999, p. 7).
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade.
Compreendendo, de forma simplificada, que a competência orquestra um
conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação, enquanto
a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências. (Perrenoud,
1999, p. 7) afirma que "para enfrentar uma situação da melhor maneira possível
deve-se, de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos

77
complementares, entre os quais estão os conhecimentos”. Assim segundo
Ferreiro (2001): A construção de competências é inseparável da formação dos
esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos adquiridos, num
determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos diversos recursos
cognitivos, numa determinada situação, assegura-se pela experiência
vivenciada. O sujeito não consegue desenvolvê-la apenas com interiorização do
conhecimento. É preciso internalizá-la buscando uma postura reflexiva, capaz
de torná-la uma prática eficaz (FERREIRO, 2001, p. 48).
Contudo, é importante ressaltar que: O reconhecimento e aceitação de
que o conhecimento é uma construção coletiva e que a aprendizagem mobiliza
afetos, emoções e relações com seus pares, além das cognições e habilidades
intelectuais, permite-nos propormos o desafio de construir competências e
habilidades. Isso significa aprender a aprender a pensar, a relacionar o
conhecimento com dados da experiência cotidiana, a dar significado ao
aprendido e a captar o significado do mundo, a fazer a ponte entre teoria e
prática, a fundamentar a crítica, a argumentar com base em fatos, a lidar com o
sentimento que a aprendizagem desperta (FERREIRO, 2001, p. 52).
A discussão a respeito das competências tem um viés de grande
importância, que é justamente o currículo escolar. Em uma proposta político-
pedagógica, é necessário levantar este debate, pois nem sempre estamos
preocupados com as competências ensinadas e aprendidas na escola, falando,
neste aspecto, tanto dos alunos como dos professores. O trabalho com as
competências exige, de todos os agentes envolvidos no processo educativo,
uma mudança de postura e, por consequência, um permanente trabalho
pedagógico integrado, em que todas as práticas devem ser apreciadas em um
processo contínuo de avaliação.
O currículo é o campo mais interessante para transformar o processo
pedagógico não apenas em um rol de conteúdos, de disciplinas, mas em um
todo, preocupado para além destes saberes, muitas vezes, isolados do mundo em
que cada aluno e professor vivem. O currículo deve expressar e oportunizar a
relação entre a construção do conhecimento e sua reflexão com a realidade.
Para tanto, é fundamental perceber que a escola deve repensar suas

78
formas de processar a educação, buscando entender como trabalhar com as
competências, pois, segundo Perrenoud, ao falar para Gentile e Bencini (2000):
A abordagem por competências é uma maneira de levar a sério um
problema antigo, o de transferir conhecimentos. Em geral, a escola preocupa-se
mais com ingredientes de certas competências e menos em colocá-las em
sinergia nas situações complexas. Durante a escolaridade básica, aprende-se a
ler, escrever, contar, mas, também, a raciocinar, explicar, resumir, observar,
comparar, desenhar e dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se
conhecimentos disciplinares, como Matemática, História, Ciências, Geografia
etc. (PERRENOUD, 1999, p. 18).
Contudo, alerta que: (...) a escola não tem a preocupação de ligar esses
recursos a situações da vida. Quando se pergunta por que se ensina isso ou
aquilo, a justificativa é geralmente baseada nas exigências da sequência do
curso: ensina-se a contar para resolver problemas; aprende-se gramática para
redigir um texto. Quando se faz referência à vida, apresenta-se um lado muito
global: aprende-se para se tornar um cidadão, para se virar na vida, ter um bom
trabalho, cuidar da saúde. A transferência e a mobilização das capacidades e
dos conhecimentos não caem do céu. É preciso trabalhá-las e treiná-las, e isso
exige tempo, etapas didáticas e situações apropriadas, que hoje não existem
(PERRENOUD, 1999, p. 20).
Não basta uma lista de competências, no lugar da lista de conteúdos ou
conhecimentos disciplinares; torna-se imprescindível uma real mudança/ruptura
com os pseudocurrículos, que muito mais ocultavam fins do que explicitavam as
formas. É um grande desafio para a educação e seus agentes estar repensando,
ressignificando sua prática pedagógica, assim como sua proposta político-
pedagógica.
Dessa forma, necessariamente, as competências dos professores
tornam-se ponto de debate e análise. A formação dos educadores, para melhor
desenvolver as competências no processo de ensino-aprendizagem, passa por
um momento importante, que é a potencializarão de suas competências. Rever
algumas práticas e ampliar as competências em diversas outras áreas do
processo educativo é fundamental para atingir-se uma ampla formação

79
educacional.
Nesta área da formação de educadores, fundamentado na análise das
Diretrizes Curriculares para a Formação do Professor da Educação Básica,
Virgínio (2001) afirma que: No campo da formação do profissional docente, o
profissional competente é aquele que sabe pôr em prática todo seu back-ground
de recursos mobilizáveis em determinadas situações, sabe refletir sobre a e na
ação, agindo com urgência e na incerteza. Para caracterizar-se com prático
reflexivo, contudo, suas competências de referências devem ser definidas pelo
coletivo ao qual pertence. Ou seja, as competências profissionais do professor
reflexivo envolvem saberes teóricos e saberes práticos (saberes da prática e
saberes sobre a prática) (VIRGÍNIO, 2001, p. 48).
Perrenoud, preocupado com este debate sobre as competências dos
educadores, desenvolveu alguns referenciais sobre o assunto. Ele propõe uma
série de competências específicas agrupadas em famílias de competências
fundamentais para os educadores no processo pedagógico, com o intuito de
melhor desempenhar e desenvolver suas ações no campo da educação.
Enfim, as competências são fundamentais na discussão sobre os
processos de ensino-aprendizagem, assim como para a relação entre educação
e realidade.

80
12 ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO

Quando entendermos a educação como um ato de amor e solidariedade,


seremos capazes de lançar mão do legado cultural não apenas de grandes
homens, mas como diz Plekhanov, de todo aquele que vê, que ouve e que ama
o próximo.
Grande momento de inspiração e transcendência teve o educador Paulo
Freire, ao dizer que educar deve ser um ato de amor, de entrega e de respeito
pelo outro ser humano: não há sentido em educar, se não for para formar homens
melhores, mais humanos e solidários.

81
13 AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

Para finalizarmos este texto é importante que o leitor conheça as


contribuições de cada um dos nomes citados e levantarmos também um debate
sobre os pontos de tensão entre os principais teóricos, apontando as principais
divergencias e aproximações entre eles.

13.1 As contribuições de Lev Vygotsky

Em Vygotsky, o homem possui natureza social, visto que nasce em um


ambiente carregado de valores culturais. Nesse sentido, a convivência social é
fundamental para transformar o homem de ser biológico em ser humano social
(VYGOTSKY, 1991). A criança nasce apenas com funções psicológicas
elementares e, a partir do aprendizado da cultura, estas funções transformam-
se em funções psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1991). Essa evolução é
mediatizada pelas pessoas que interagem com as crianças, e é essa
intermediação que dá ao conhecimento um significado social e histórico.
A construção de conhecimentos e o desenvolvimento mental possuem
características individuais e particulares, ou seja, os significados culturais
historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual,
possuem um sentido pessoal. Segundo (Lane, 1997, p. 34) "a palavra, a língua,
a cultura relaciona-se com a realidade, com a própria vida e com os motivos de
cada indivíduo".
Nesse processo de construção social e histórico do homem, a linguagem
possui dupla importância na construção do saber. É ela que intermédia à relação
entre os homens. (OLIVEIRA, 1992, p. 27) "a linguagem simplifica e generaliza
a experiência, ordenando os fatos do mundo real em conceitos cujo significado é
compartilhado pelos homens que, enquanto coletividade, utilizam a mesma
língua”.
Como se sabe, para Vygotsky, existem três momentos importantes da
aprendizagem da criança: a zona de desenvolvimento potencial, que é tudo que
a criança ainda não domina mas que se espera que ela seja capaz de realizar;

82
a zona de desenvolvimento real, que é tudo que a criança já é capaz de realizar
sozinha; a zona de desenvolvimento proximal, que é tudo que a criança somente
realiza com o apoio de outras pessoas. É na zona de desenvolvimento proximal,
segundo Oliveira (1993, p. 61) que a "interferência de outros indivíduos é mais
transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não necessitam
de interferência externa".
Isso significa que o ensino-aprendizagem deve ter como ponto de partida
o desenvolvimento real da criança e, como ponto de chegada, os conhecimentos
que estão latentes, mas ainda não desabrocharam. "a escola tem o papel de
fazer a criança avançar em sua compreensão do mundo a partir de seu
desenvolvimento já consolidado e tendo como etapas posteriores, ainda não
alcançadas". (OLIVEIRA, 1993, p. 62)
Nesse processo, o professor deve ser o estimulador da zona de
desenvolvimento proximal, provocando avanços nos conhecimentos que ainda
não aconteceram. A interferência do professor não pressupõe, no entanto, uma
pedagogia diretiva, autoritária e, menos ainda, uma relação hierárquica entre
professores e alunos (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991; GOULAR, 1995).
Para Vygotsky, o erro deve ser visto pelo professor como parte do
processo ensino-aprendizagem, mas jamais deve ser ignorado. A correção é
importante para que o aluno perceba a necessidade de melhorar e de dedicar-
se mais aos conhecimentos que ainda não domina.
Nesse sentido, o trabalho em grupo, além de estimular a interação social,
pode ser um bom momento para o amadurecimento de ideias e aprimoramento
dos conhecimentos. Entretanto, o contato individualizado entre professor e aluno
não pode ser dispensado, pois é o momento em que o professor pode detectar
o desenvolvimento real e proximal dos alunos (OLIVEIRA, 1993, 1992).
Outro aspecto fundamental para Vygotsky é o brinquedo. Para ele, as
brincadeiras de "faz de conta" criam zonas de desenvolvimento proximal, à
medida que colocam a criança em situações de repetição de valores e imitação
de papéis e regras sociais. A escola deve criar situações de brincadeira, a fim de
que a criança possa ter uma gama de possibilidades que estimulem seu
desenvolvimento e a própria interação social.

83
Para Vygotsky, a aprendizagem da escrita inicia antes do período escolar,
visto que seu desenvolvimento está intimamente ligado aos estímulos recebidos
pela criança desde cedo. Portanto, a criança precisa ser levada a compreender
que o signo da escrita não possui significado em si mesmo, é apenas uma
representação do mundo real (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991; GOULAR,
1995). É função da escola fazer com que a criança compreenda o signo e o seu
significado, por meio de ações que relacionem o mundo concreto e as suas
representações.
A teoria de Vygotsky oferece uma nova racionalidade, a partir da qual é
possível entender-se o desenvolvimento interno da aprendizagem e do
conhecimento. A conclusão de que uma atividade que hoje a criança somente
consegue fazer com o auxílio de outra pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha
amanhã recoloca a relação erro/acerto numa outra perspectiva: a de que o ato
de errar não deve ser encarado como incapacidade, mas como indicador de que
certos conhecimentos precisam ser estimulados. A importância da cultura, da
linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky fornece a base para uma
educação na qual o homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de
suas relações com outros, na sua especificidade cultural; na sua dimensão
histórica, ou seja, em processo de construção e reconstrução permanente
(OLIVEIRA, 1993, p.61).

13.2 As contribuições de Jean Piaget

Para Piaget, o conhecimento construído pelo homem é resultado do seu


esforço de compreender e dar significado ao mundo. Nessa tentativa de
interação e compreensão do meio, o homem desenvolve equipamentos
neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual. O organismo
do homem é essencialmente seletivo por organizar os alimentos que lhe podem
ser útil; esses alimentos vão sendo adaptados, de acordo com as necessidades
biológicas. À medida que o homem seleciona os alimentos e inicia a adaptação
destes ao organismo, acontece à assimilação, ou seja, a estrutura biológica
acomoda os alimentos para satisfazer as necessidades do corpo (GOULART,

84
1995).
Segundo Piaget, esse esquema de organização, assimilação e adaptação
feito pelo organismo pode ser aplicado ao processo de aprendizagem, que se dá
na estrutura cognitiva. A organização seletiva que a cognição realiza dá-se em
um processo permanente de interação do homem com o meio ambiente, por
meio da apreensão do que é útil e necessário à adaptação do homem no mundo.
O processo de organização, adaptação e assimilação de um novo
conhecimento depende de esquemas assimilativos como a repetição e a
generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões e as representações,
ao serem repetidas em situações diferentes, tornam-se novas estruturas, novos
conhecimentos. Portanto, a repetição reforça os conhecimentos assimilados, ou
preexistentes, tornando-os mais consistentes, o que facilita a aprendizagem e o
desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, a estrutura cognitiva vai
construindo-se concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio
da busca natural do homem de adaptar-se ao meio ambiente.
Piaget concebe o homem como sujeito ativo dentro do processo de
aprendizagem, por entender o conhecimento como o resultado da interação
homem- meio. Ao relacionar-se, o homem não se despoja de sua condição de
sujeito ativo. Segundo (Wachowicz, citado por Matui, 1995, p. 62) "na verdade, o
homem se produz ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o
meio e com os outros homens".
A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um
elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais.
Piaget pensa o ser social como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus
semelhantes, de forma equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito
interessante sobre relação equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir
entre pessoas que estejam no mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE,
1992). O equilíbrio a que Piaget se refere somente pode existir entre pessoas
que estejam no mesmo nível de desenvolvimento, ou seja: A maneira de ser
social de um adolescente é uma, porque é capaz de participar de determinadas
relações (...) e a maneira de ser social de uma criança de cinco anos é outra,
justamente porque ainda não é capaz de participar de relações sociais que

85
expressam e que demandam um equilíbrio de trocas intelectuais (TAILLE, 1992,
p.14).
Portanto, dependendo do estágio em que a criança esteja, poderá falar-
se de um grau maior ou menor de socialização. Resumidamente, para Piaget, a
socialização possui vários graus. Começa no grau zero, quando a criança é
recém-nascida, até o grau máximo, representado pelo conceito de personalidade.
A personalidade significa, portanto, o momento de autonomia do indivíduo,
quando ele já superou o egocentrismo e consegue estabelecer uma relação de
trocas intelectuais recíprocas com os outros.
Está claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma
construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é
capaz de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu
próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como
falha e, sim, como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do
erro denuncia a ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência
da aprendizagem.
Visto que a socialização e a moral são consolidadas ao longo da infância, o
trabalho coletivo em Piaget tem o papel de mediador das relações e de
instigador da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O
trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite, à criança,
perceber-se como parte de uma coletividade, superando seu egocentrismo.
No Construtivismo piagetiano, o educador não é o detentor do saber, mas
o facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de
conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação
professor- aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação.
É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O
conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma
teoria deve servir, dentre tantas, como uma possibilidade de construção de uma
educação diferenciada.
A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista
como um palco em que se experimenta se inventa e se recria o ato de ensinar:
nesse palco, podem surgir outras teorias.

86
Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade
sociocultural dos alunos para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar
mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em
determinado lugar não, necessariamente, pode responder as necessidades de
outra e diversa realidade.

13.3 As contribuições de Wallon

Para Wallon, o organismo é a condição primeira do pensamento, visto que


toda função psíquica supõe um componente orgânico e que o objeto da ação
mental vem do ambiente em que o sujeito está inserido. Dessa forma, o sujeito
é determinado fisiológica e socialmente, ou seja, é resultado tanto das
disposições internas quanto das situações exteriores.
Wallon procurou entender a pessoa completa, integrada ao meio em que
está imersa, com os seus aspectos afetivos, cognitivos e motores também
integrados. Seus estudos sobre a origem da pessoa na sua totalidade, enquanto
ser biológico, afetivo, social e intelectual, ele os denominou de Psicogênese.
Em seus estudos sobre o desenvolvimento humano, considera o sujeito
como "geneticamente social". Para esse autor, o desenvolvimento inicia-se na
relação do organismo do bebê recém-nascido com o meio humano. A partir das
reações das pessoas aos seus reflexos e movimentos impulsivos, a criança
passa a atuar no ambiente humano, desenvolvendo aquilo que Wallon denomina
motricidade expressiva, ou dimensão afetiva do movimento.
É a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das
funções mentais, ou seja, o movimento espontâneo transforma-se em gesto que,
ao ser realizado intencionalmente, reveste-se de significado. Antes do
aparecimento da fala, Wallon atribui grande importância à motricidade: para ele,
a imitação revela as origens do ato mental; o gesto precede a palavra - fatos esses
que ele chama de característica cultural.
A partir do momento em que o sujeito assimila os signos sociais (fala,
escrita etc.) a comunicação motora passa a ser substituída por outros meios,
decorrendo daí a disciplina mental, ou seja, o controle do sujeito sobre suas

87
próprias ações. No seu desenvolvimento, o sujeito vai superando os sentimentos
e ideias, vividos de forma genérica e confusa, para uma compreensão mais clara
do mundo e dos fatos que se apresentam. A linguagem é indispensável ao
progresso do pensamento: a linguagem exprime o pensamento e, ao mesmo
tempo, estrutura o pensamento. Para Wallon, o desenvolvimento humano não é
linear e contínuo, mas, sim, uma integração: as novas funções/aquisições
somam-se a outras, adquiridas anteriormente.
Para Wallon, a pessoa deve ser vista como parte integrante do meio em
que está inserida. O processo de socialização dá-se pelo contato com o outro e,
também, pelo contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por
isso, afirma que a cultura geral aproxima os homens, pois permite a identificação
de uns com os outros. Para ele, o meio social e a cultura constituem as
condições, as possibilidades e os limites do desenvolvimento do organismo. Por
isso, a criança precisa ser entendida em seu contexto, e seu desenvolvimento
como resultado de sua interação com esse meio: o desenvolvimento é histórico,
dialético, portanto, é também descontínuo.
Em Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista
da construção da pessoa quanto do conhecimento. O autor afirma que a emoção
é a exteriorização da afetividade: é um fato fisiológico que se expressa no humor
e nos atos e, ao mesmo tempo, é um comportamento social na sua função de
adaptação do ser humano ao seu meio. A emoção, antes da linguagem, é o meio
utilizado pelo recém- nascido para estabelecer uma relação com o mundo
externo.
Os movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, em que
a emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades intelectuais.
A emoção precede as condutas cognitivas; é um processo corporal que,
quando intenso, prejudica a percepção do exterior. Portanto, para que se possam
trabalhar as funções cognitivas, é necessário manter-se uma "baixa temperatura
emocional”. O desenvolvimento, então, deve conduzir à predominância da razão.

88
13.4 As contribuições de Perrenoud

O aspecto central da teoria de Perrenoud é o conceito de competência.


Para esse autor, competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de
recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar
com pertinência e eficácia uma série de situações (GENTILI e BENCINI, 2000).
Segundo Perrenoud (2000), os seres humanos não vivem todos, as mesmas
situações, eles desenvolvem competências adaptadas ao seu mundo.
Parafraseando Amaral (2002) à medida que aceitamos como Perrenoud que a
competência é a capacidade de resolver determinados problemas por meio de
conhecimentos acumulados e de outras habilidades desenvolvidas pelas
experiências no mundo, a educação deve caminhar no sentido de que alunos e
professores se conscientizem de suas capacidades, respeitando as diferenças
que emergem das diferenças culturais.
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade.
A competência é um conjunto de esquemas de percepção, pensamento,
avaliação e ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias
competências. (Perrenoud, 1999, p. 7) acredita que “para enfrentar uma situação
da melhor maneira possível deve-se, de regra, pôr em ação e em sinergia vários
recursos cognitivos complementares, entre os quais estão os conhecimentos".
Assim sendo, as competências são construídas na mesma medida em
que evolui a formação dos esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos
adquiridos, em um determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos
recursos cognitivos, numa determinada situação, é garantida por meio das
experiências acumuladas. As competências não devem ser apenas assimiladas
à medida que se adquire novos conhecimentos, é preciso internalizá-la
reflexivamente, tornando-as uma prática eficaz (FERREIRO, 2001).
A discussão a respeito das competências traz à tona a discussão sobre o
currículo escolar. O trabalho com as competências exige de todos os agentes
envolvidos no processo educativo uma mudança de postura e, por
consequência, um permanente trabalho pedagógico integrado, no qual todas as
práticas sejam apreciadas em um processo contínuo de avaliação. Por meio do

89
currículo é que se pode conduzir o processo pedagógico para além dos
conteúdos, das disciplinas, transformando-o em uma totalidade que articula os
diversos saberes. O currículo deve permitir uma relação entre a construção de
novos conhecimentos e uma postura reflexiva diante da realidade. Para tanto, a
escola deve repensar suas formas de conduzir a educação, buscando formas
alternativas para trabalhar com as competências (PERRENOUD, 2000).
É um grande desafio para a educação e seus agentes repensar e
ressignificar suas práticas pedagógicas, assim como sua proposta político-
pedagógica. Para tanto, a formação dos educadores precisa ser potencializada
para fomentar o desenvolver das competências no processo de ensino-
aprendizagem; ou seja, para potencializar as competências dos alunos, o
professor precisa, antes, ter suas próprias competências potencializadas. Rever
algumas práticas e ampliar as competências em diversas outras áreas do
processo educativo é fundamental para atingir-se uma ampla formação
educacional.

13.5 As contribuições de Howard Gardner

Na concepção tradicional, a inteligência é uma só, inata e geral. Nesta


concepção (Teles, 1991, p. 160) a inteligência pode ser definida como "uma
capacidade de resolver, de maneira criativamente nova e original, os problemas
da situação, isto é, do meio em que vive". A inteligência pode, então, ser definida
como as capacidades/habilidades linguísticas e lógicas-matemáticas.
Para Howard Gardner, no entanto, todos os indivíduos normais são
capazes de uma atuação em pelo menos sete diferentes habilidades,
independentemente das áreas intelectuais. Para ele, não existem habilidades
gerais, o que põe em xeque a possibilidade de se medir a inteligência por meio
de testes, e dá grande importância às diferentes culturas. Ele define inteligência
como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos que sejam
significativos, em um ou mais ambientes culturais.
A insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência,
que focalizam, sobretudo, as habilidades importantes para o sucesso escolar,

90
levou Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas das habilidades
para resolver problemas. Observou atuações de diferentes profissionais em
diversas culturas e o repertório de habilidades dos seres humanos, culturalmente
empregado para resolver seus problemas.
Para Gardner (1982), o desenvolvimento cognitivo é uma capacidade cada
vez maior de entender e expressar o significado em vários sistemas simbólicos,
utilizados em um contexto cultural. Para esse autor, cada área do conhecimento
tem seu sistema simbólico próprio, sendo que cada sociedade desenvolve
competências, valorizadas culturalmente para sua realidade. Nesse sentido, as
habilidades humanas não são organizadas de forma horizontal, mas sim,
verticalmente: por isso, ao invés de haver uma faculdade mental geral, como à
memória, existem formas independentes de percepção, memória e aprendizado,
em cada área do conhecimento (GAMA, 1999).
Portanto, as crianças têm mentes muito diferentes umas das outras, elas
possuem forças e fraquezas diferentes, e é um erro pensar que existe uma única
inteligência em torno da qual todas as crianças podem ser comparadas. Para
Gardner, nossa inteligência é complexa demais para que os testes comuns
sejam capazes de medi-la. Essa concepção fica ainda mais clara, quando o autor
considera sete grandes eixos de inteligência (lógico-matemática, linguística,
espacial, físico-cinestésica, interpessoal, intrapessoal e musical) e pressupõe
que, dela, deriva várias manifestações de inteligências que são diferentes no
âmbito pessoal e cultural.
Gardner faz referência a outras duas inteligências, a saber, a naturalista
e a existencial: a primeira seria a capacidade humana de reconhecer objetos na
natureza e a sua relação com a vida humana; a segunda está ligada ao
entendimento para além do corpo, o transcendente, o entendimento sobre a vida,
a morte e o universo.
Para Gardner, todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de
questionar e procurar respostas usando todas as inteligências. Todos os
indivíduos possuem, como parte de sua bagagem genética, certas habilidades
básicas em todas as inteligências. A linha de desenvolvimento de cada
inteligência, no entanto, será determinada tanto por fatores genéticos e

91
neurobiológicos quanto por condições ambientais. Cada uma destas
inteligências tem sua forma própria de pensamento, ou de processamento de
informações, além de seu sistema simbólico.
O conceito de cultura é central na Teoria das Inteligências Múltiplas. A
definição de inteligência como a habilidade para resolver problemas ou criar
produtos, que são significativos em um ou mais ambientes culturais, sugere que
alguns talentos somente se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente.
Para Gardner, cada cultura valoriza certos talentos, que são passados para a
geração seguinte. O domínio, ou inteligência, são sequências de estágios:
enquanto todos os indivíduos normais possuem os estágios mais básicos em
todas as inteligências, os estágios mais sofisticados dependem de maior
trabalho ou aprendizado.

92
14 DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS

Quando se trata de relacionar as ideias dos três grandes teóricos do


interacionismo construtivista (Wallon, Piaget e Vygotsky) não se pode falar em
confronto entre os princípios que cada um defende; na verdade, esses autores
possuem ideias muito comuns, compartilham concepções e, em muitos
momentos, complementam-se.
No que diz respeito às teorias do conhecimento e do desenvolvimento,
suas oposições não estão situadas na base da discussão filosófica entre o
empirismo e o racionalismo/inatista.
Para os racionalistas, a razão e os pensamentos claros e lógicos são as
condições necessárias e suficientes para o conhecimento da verdade. O
conhecimento vem de dentro, está na razão. Por outro lado, segundo os
empiristas, o conhecimento vem de fora, está nos objetos. Na criança, ao nascer,
a razão ou a mente não contém nada, é uma folha em branco. São as
experiências e as sensações que gravam as impressões em suas mentes
(MATUÍ, 1995, p. 36).
Esses teóricos concordam que o desenvolvimento e a aprendizagem não
são resultados apenas do meio externo, nem somente das capacidades inatas
do ser humano, mas fruto das interações homem-mundo. Por isso, pode-se dizer
que Wallon, Vygotsky e Piaget não são nem racionalistas/inatistas, nem
empiristas, são interacionistas.
Suas contribuições superam esses dois campos extremos e colocam-se
entre o ser biológico e o mundo concreto; suas divergências permanecem no
campo das discussões científicas: por exemplo, por um lado, Vygotsky acredita
que a linguagem é anterior ao pensamento e que esse, o pensamento, é reflexo
da linguagem. Por outro lado, Piaget acredita que o pensamento é anterior à
linguagem e que essa, a linguagem, é reflexo do pensamento. Para Wallon, no
entanto, não há pensamento sem linguagem e nem linguagem sem pensamento,
a relação entre esses elementos não é hierárquica, porque eles somente existem
na complementaridade, no desenvolvimento mútuo e dialético.
Outra diferença entre Wallon e Piaget diz respeito ao objeto de estudo:

93
para Piaget, interessava entender o desenvolvimento do conhecimento e, para
chegar a isso, precisou compreender o desenvolvimento da criança; Wallon, por
sua vez, buscou entender desde o início o desenvolvimento psicológico da
criança e, em consequência disso, o desenvolvimento do conhecimento (MATUI,
1995). Aqui, como se pode ver, suas divergências ficam mais no âmbito do ponto
de partida e do ponto de chegada: de uma forma ou de outra, os resultados foram
grandes contribuições sobre o desenvolvimento do conhecimento e da
aprendizagem.
A teoria de Wallon apresenta outros subsídios à reflexão pedagógica, pelo
fato de buscar entender o desenvolvimento da pessoa completa, em suas
dimensões emotivas, motoras, biológicas e cognitivas.
Wallon e Vygotsky trazem uma contribuição não percebida de forma
declarada em Piaget, a saber, a dimensão cultural. Esses autores entendem a
produção do conhecimento como resultado das teias de relações sociais,
estabelecidas pelo homem em um tempo histórico; para eles, tudo quanto há no
mundo é cultura, é obra humana.
Na verdade, o valor desses teóricos construtivistas está exatamente no
fato de que suas ideias, por divergirem em alguns pontos, complementam-se na
totalidade: Piaget dá grandes contribuições sobre os aspectos cognitivos,
Vygotsky contribui com os aspectos sócio-históricos e Wallon, com os aspectos
afetivos da personalidade (MATUI, 1995). Os três autores são dialéticos, embora
isso seja mais intenso e declarado em Vygotsky e Wallon, e mais velado em
Piaget. Essa base comum entre eles é que nos permite dizer que o
construtivismo/interacionista é sócio-histórico, ou seja, essa linha pedagógica vê
a realidade como sendo produto de um processo histórico em que forças
contrárias movimentam-se no sentido da mudança e em que o homem é o sujeito
principal.
Esses autores contribuem de forma fundamental para uma educação na
qual a realidade seja tomada como histórica, portanto, mutável; na qual o homem
seja visto como sujeito histórico, portanto, construtor de sua própria história. Ora,
se o homem e a realidade são históricos, o construtivismo/interacionismo traz-
nos uma constatação de extrema importância: o mundo, o homem e o

94
conhecimento são inacabados, estão em constante processo de construção.
Como diz Becker, citado por Matuí (1995):
O construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto,
acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma
instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com
o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações
sociais; e constitui-se por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia,
na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que, antes
da ação, não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento
(MATUÍ, 1995, p. 46).
Provavelmente, o grande mérito da teoria de Perrenoud é pôr em
discussão, por meio da problematização do termo competência, as questões
sobre profissionalização dos professores, avaliação dos alunos e currículo
escolar. Segundo ele, a escola precisaria desenvolver um modelo de avaliação
mais eficiente, realmente capaz de identificar as dificuldades do aprendizado;
uma avaliação na qual, alunos e professores pudesse ter mais tempo para agir
e corrigir. Para tanto, os professores precisariam possuir uma formação
permanente, sólida, capaz de compreender a aprendizagem como a soma de
vários saberes.
Por outro lado, esse autor traz a tona à necessidade de a escola
compreender a educação como um processo transdisciplinar, de forma que os
saberes se articulem, complementem-se e não se excluam. Nesse sentido, o
respeito às experiências dos alunos, enfatizado por Perrenoud, aproxima-se do
conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, visto que, para os
dois autores, o ensino-aprendizagem deve partir dos conhecimentos
acumuladas pelos alunos, mesmo que tais conhecimentos não tenham sido
totalmente desenvolvidos. O conceito de competências, em Perrenoud, articula-
se à ideia de pessoa completa, em Wallon. Nesse caso, as competências podem
ser entendidas como as emoções e as capacidades motoras, cognitivas e
biológicas que o homem desenvolve nas relações que estabelece com os outros
e com o mundo concreto.
O mais importante a ser ressaltado na teoria de Gardner é a pluralidade

95
do intelecto. Os sujeitos podem diferir quanto aos perfis particulares de
inteligência, com os quais nascem e que desenvolvem ao longo da vida. Na
verdade, o fundamental não é quantas inteligências temos, mas o
desenvolvimento de todas elas, segundo nossas aptidões.
O conceito de cultura está presente de forma mais explícita em Gardner,
Wallon e Vygotsky. Todavia, ainda que Gardner dê grande importância às
diferentes culturas que brotam nas diversas realidades, não fica claro nesse
autor, como em Vygotsky, a ideia de cultura como legado histórico construído
pelo homem na interação com o outro. Ou seja, Gardner não deixa claro que,
para ele, a cultura é histórica, dialética e, portanto, provisória, o entendimento da
cultura como elemento histórico e dialético poderia flexibilizar e tornar ainda mais
relativo o conceito de inteligências, em Gardner.
Gardner distingue-se de Piaget, à medida que, para esse último, os
significados estruturam-se na mente humana em função do valor presente nos
objetos, enquanto para Gardner, os processos psicológicos são desenvolvidos
quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, numéricos, gestuais ou
outros. Por outro lado, existem momentos de aproximação entre esses dois
teóricos: segundo Gardner, uma criança pode ter um desempenho precoce em
uma área (o que Piaget chamaria de pensamento formal) e estar na média, ou
mesmo abaixo da média, em outra (o equivalente ao estágio sensório-motor em
Piaget). Todavia, Gardner, diferentemente de Piaget, não acredita que haja uma
ligação necessária entre a capacidade ou estágio de desenvolvimento e
determinada área ou domínio (MALKUS, 1988).
As contribuições da teoria de Gardner para a educação residem na
importância dada às diversas formas de pensamento, aos estágios de
desenvolvimento das várias inteligências e à relação existente entre estes
estágios, aquisição de conhecimento e cultura. No âmbito escolar, as
contribuições de Gardner podem ir ao sentido de: avaliações que sejam
adequadas às diversas habilidades humanas; um processo educativo centrado
na criança; currículo específico para cada área do saber; ambiente educacional
mais amplo e variado para além da linguagem e da lógica.
Para esse autor, é importante, também, que se tire o maior proveito das

96
habilidades individuais, auxiliando os estudantes a desenvolverem suas
capacidades intelectuais. Para tanto, a avaliação não deve ser utilizada como
mecanismo de aprovação ou reprovação, mas sim, como indicador das
capacidades dos alunos. Como diz Gardner (1982): A implicação educacional
mais importante das teorias das Inteligências Múltiplas é esta: todos nós temos
tipos diferentes de mente, e o bom professor tenta dirigir-se à mente de cada
criança, da forma mais direta e pessoal possível (GARDNER, 1982, p. 49).

14.1 Uma questão de método

Vamos começar resgatando a etimologia do termo método, sendo


constituído por duas expressões gregas: meta, que significa "para" e, odos, que
significa "caminho", ou seja, método pode ser compreendido como o caminho
(percurso) para se alcançar um determinado objetivo, um determinado fim.
O método não pode ser confundido com a teoria que o fundamenta, ou,
por outro lado, a prática que o orienta. A teoria busca explicar alguma coisa (um
fenômeno, por exemplo) e o método é o como (o caminho) que usamos para
fazê-lo. O método é o meio (ou a forma) que utilizamos para chegarmos a um
objetivo. Não basta entender os fins, nem somente compreender os meios, é
fundamental conhecer todo o processo.
Dessa maneira, somente definir a justificativa (o porquê) e os objetivos
(para que) nas ações pedagógicas não basta. O como também é relevante para
se atingir o que se espera com esse processo educativo. Segundo Gonçalves
(2000):

Isto significa que, ao contrário do que se diz que os fins justificam os


meios, os meios são modeladores, definidores do fim. Portanto, definido
aonde quero chegar, os caminhos que escolho para lá chegar,
garantem, ou não, a chegada. Isto significa, em especial na educação,
que, se desejo educar para uma sociedade democrática, devo realizar
uma educação democrática nos conteúdos e nos métodos
(GONÇALVES, 2000, p. 58).

97
Portanto, é fundamental entendermos qual é o método utilizado em
determinada concepção de educação, para compreendermos de que forma se
pretende construir os processos de educação. Contudo, antes de explicitarmos
alguns métodos vinculados a algumas tendências pedagógicas, vamos falar
sucintamente de dois tipos de métodos: o indutivo e o dedutivo.
O método indutivo é aquele que busca explicar a realidade a partir da
síntese, ou seja, pensar das partes (de fatos específicos) para o todo. Por outro
lado, o método dedutivo, por meio da análise, busca pensar do todo (a partir de
uma teoria geral) para a parte. Dessa forma, o raciocínio ligado à síntese chama-
se indutivo e o raciocínio ligado à análise é chamado dedutivo.
O método, como vemos, está vinculado muitas vezes a uma proposta
pedagógica, a qual constrói estratégias de ensino. Dessas estratégias, podemos
definir alguns métodos pedagógicos, entre os que destacamos três: verbais,
demonstrativos e ativos. Cada método deste é caracterizado por ações, práticas
pedagógicas, ou melhor, definindo, instrumentos metodológicos.
Ao desenvolver as práticas pedagógicas, os agentes envolvidos no
processo educativo podem utilizar-se de algumas estratégias de ensino. Para tal,
é fundamental adequar as formas aos princípios pedagógicos, ou seja, conhecer
bem os parâmetros educacionais em que estão inseridos para melhor
desenvolver uma ação pedagógica consciente e coerente. O uso dos
instrumentos metodológicos pode garantir os objetivos propostos em um projeto
determinado, de educação.
Podemos destacar algumas estratégias, como: formas tradicionais de
ensino, ensino individualizado e socioindividualizado, tele-ensino, radioaulas,
instruções programadas, escolas virtuais, entre outras formas. Essas estratégias
de ensino serão coerentes a partir do momento em que seus objetivos e
finalidades estejam de acordo com a proposta de educação construída e,
também, os métodos desenvolvidos estejam adequados aos mesmos princípios
político-pedagógicos.
O método, por fim, é uma das principais características da educação e de
suas práticas. Por meio do método de um professor, podemos identificar suas
intenções, suas finalidades, sua concepção de educação. Uma coisa é o que se

98
diz, outra é o que se faz, portanto, é fundamental buscarmos a coerência em
nossas práticas pedagógicas. Dizer o que fazemos e mostrar como fazemos
deve seguir os mesmos princípios.

14.2 O professor e as teorias

A educação pode ser entendida a partir da ação de seus diversos agentes


e, por consequência, pode exprimir a concepção que se tem a seu respeito.
Dessa forma, torna-se fundamental compreender como o educador constrói suas
práticas de educação, isto é, como desenvolve as ações pedagógicas. Para tal,
possivelmente, referencia-se em tendências da educação e em experiências
desenvolvidas ao longo de sua vida, principalmente, experiências profissionais -
fundamentos teóricos e práticos.
Em relação à teoria, podemos resgatar seu princípio etimológico. Do
grego théorein, que significa contemplar, e theoria, que significa visão de um
espetáculo. Teoria é uma construção especulativa, construção intelectual que
busca explicar ou justificar alguma coisa, algum fenômeno.
O professor, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente,
utiliza- se das elaborações teóricas, as quais servem como referência para suas
ações educativas.
No processo de formação do professor, existe uma gama enorme de
trabalhos teóricos, que acabam influenciando o percurso educacional deste
profissional. É importante, no entanto, uma preocupação em desenvolver nesta
formação alguns aspectos, dos quais Aranha (1996) destaca três: Qualificação:
o professor deve adquirir os conhecimentos científicos indispensáveis para o
ensino de um conteúdo específico. Formação pedagógica: a atividade de ensinar
deve superar os níveis do senso comum, tornando-se uma atividade
sistematizada. Formação ética e política: o professor deve educar a partir de
valores e tendo em vista um mundo melhor (ARANHA, 1996, p. 152).
Por sua vez, esta orientação não basta para termos um profissional de
uma educação integral, ou seja, é fundamental não somente o qualificar para
saber o que trabalhar e como trabalhar, mas, também, é fundamental qualificá-

99
lo na perspectiva de compreender para quem trabalhar e para que educar. Essa
preocupação formativa é necessária, principalmente, se compreendemos que a
educação tem um papel transformador da sociedade e, portanto, o educador é
um de seus instrumentos desta possível transformação.
A educação pensada a partir da pedagogia da práxis, não pode entender
que o educador é um transmissor de teorias, muito pelo contrário, no mesmo
momento em que está trabalhando com as teorias, está submetendo-as a um
processo analítico que, muitas vezes, identifica suas contradições. A prática
pedagógica processa as teorias, buscando compreendê-las e criticá-las, em um
sentido amplo destes procedimentos, com o intuito de não somente memorizar
estas teorias, mas, também, de entender sua importância na leitura do mundo.
O professor, assim, ao desenvolver suas ações pedagógicas, deve
aprender a aprender, pois, ao ensinar, também se aprende, coloca em debate seu
conhecimento. O professor não é onipresente, onisciente, muito menos,
onipotente e, sim, é mais um aprendiz no processo da educação. Não podemos,
contudo, pensar que não existem diferenças entre os diversos agentes
envolvidos no processo pedagógico, pois o professor tem suas funções e os
educandos as suas, mas ambos podem aprender ensinando e ensinar
aprendendo.
Dessa forma, é interessante percebermos que a educação não é algo
estático. A educação é dinâmica e, como a vida, é um permanente processo em
movimento, em transformação. Assim, a educação não pode ser vista como
espaço de sofrimento, de pura disciplina, de autoritarismo, pelo contrário, a
educação, na medida do possível, deve ser espaço de prazer, de
desenvolvimento, de alegria. A ação pedagógica deve expressar uma ação
amorosa. Segundo (Madalena Freire, 2002, p.32) “a educação é uma arte e,
desta maneira, é importante ser exercida com paixão, com amor”.
Enfim, é importante sempre manter uma relação dialética entre teoria e
prática, pela qual o educador, não isoladamente, analisa os diversos aspectos
que envolvem suas práticas educativas. Essa postura não deve ser somente do
educador, mas de todos os agentes envolvidos no processo, com o intuito de
desenvolver uma educação mais ampla e democrática, preocupada com a

100
formação de cidadãos.

101
ENCERRAMENTO

Parabéns por ter concluído os estudos desta matéria da sua


especialização!
A Editora Famart e seus parceiros (a) conteudistas, prepararam esta
apostila baseando-se em temas e discussões relativas à esta disciplina.
Reunimos conteúdos de autores e pesquisadores que são referência na
temática apresentada, concebendo um compilado desta abordagem de forma
didática visando melhor aproveitamento no seu processo de conhecimento e
aprendizagem. Na presente apostila, foram utilizados materiais que estão
devidamente referenciados ao final em conjunto com as demais referências de
todas as citações, viabilizando, desta forma, a identificação e eventual consulta
às fontes.
Busque materiais auxiliares de estudo para que possam agregar ainda
mais no seu conhecimento.
Dúvidas, elogios, questionamentos ou orientações quanto ao conteúdo
estudado, disponibilizamos para esta finalidade a opção de abertura de
requerimento através de sua área de estudo. Nossos tutores estarão disponíveis
para te atender!

102
REFERÊNCIAS

AMARAL, M. J. O melhor de nós: Ignorância? Confusão? Medo? Coragem?


Determinação? Solidariedade? São Paulo: Moderna, 2002.

ANTUNES, C. As inteligências múltiplas e seus estímulos. 3.ed. Campinas:


Papirus, 1998.

ANTUNES, C. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. 3.ed.


Petrópolis: Vozes, 1998.

ARANHA, Maria da Graça. O construtivismo in construtivismo de Piaget a


Emília Ferreiro. 4.ed. São Paulo: Ática, 1995.

ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação. 2.ed. São Paulo: Moderna,


1996.

ARRUDA, M.; BOFF, L. Educação e desenvolvimento na perspectiva da


democracia integral. In: CUT. Educação e sindicalismo. São Paulo: CUT,
1997.v. 2.

BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular: um estudo sobre a


educação de adultos. São Paulo: Pioneira, 1974.

BOPF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis/RJ:


Vozes, 1999.

BONETI, N.Z. O processo de alfabetização: conheça passo a passo o


desenvolvimento de alfabetização da criança. São Paulo: CUT, 2002.

BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.


Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, n. 248, 23 dez. 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília/DF:
MEC/SEF, 1997.

BRESSAN, C R. Educação infantil. Florianópolis: Secretaria de Estado da


Educação/ COGEN, 1998.

CALLIGARIS, C. Três conselhos para educação das crianças. Educa-se uma


criança? Porto Alegre/RS: Artes e Ofícios, 1994.

103
CHARLOT, Bernard. A manifestação pedagógica: realidades sociais e
processos ideológicos na teoria da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1983.

CODO, Wanderley. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo:


Brasiliense, 1997.
FERREIRO, E. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 1992.

FERREIRO, E.; TEBEROSkY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1986.

FERRETTI, Celso J. Brasil: educação e formação profissional nos anos


recentes. São Paulo: CUT, 1998.

FLEURI, Reinaldo Matias. Educar para que? Contra o autoritarismo da relação


pedagógica na escola. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1994.

FREINET, Célestin. Pedagogia do bom-senso. São Paulo: Martins Fontes,


1985.

FREIRE, M. A aventura de ensinar, criar e educar: observação, registro,


reflexão: instrumentos metodológicos. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1995.

GADOTTI, M. Paulo Freire: uma bibliografia (vários colaboradores). São


Paulo: Instituto Paulo Freire/UNESCO: Cortez, 1996.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento


infantil. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto


Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

GOULART, Íris Barbosa. A educação na perspectiva construtivista. 2.ed.


Petrópolis: Vozes, 1995.

HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LANE, Sílvia. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo:


Brasiliense, 1997.

LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-


social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985.

LUCKESI, C. C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MATUI, Jiron. Construtivismo: teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao

104
ensino. São Paulo: Moderna, 1995.

MONTESSORI, Maria. Mente absorvente. 2.ed. Portugal: Portugália, 1985.

NASCIMENTO, C. Sindicato cidadão e formação ao para a cidadania:


questões atuais sobre sindicalismo e qualificação profissional. São Paulo: CUT,
1997.

NASCIMENTO, E. M. M. Universidade Federal do Piauí. Introdução a filosofia


da educação: a escola progressista ou a transformação da escola. 8. ed. São
Paulo: Nacional,1978.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Desenvolvimento e aprendizado. Vygotsky:


aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 1997.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Teorias psicogenéticas em discussão. 5.ed. São


Paulo: Summus, 1992.

PERRENOUD, P. Formação contínua e obrigatoriedade de competências na


profissão de professor. São Paulo: FDE, 1998.

PIAGET. A lógica própria da criança como base do ensino. Revista Nova


Escola, ago. 1996.

PINTO, A. V. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez,


1982.

SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados,


1987.

SEVERINO. Prefacio. In: GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas.


8.ed. São Paulo: Ática, 2002.

SHMIED-KOWARZIK, W. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire.


São Paulo: Brasiliense, 1983.

SNYDERS, G. Pedagogia progressista. Coimbra: Almedina, 1974.

SOUZA, Ana Inês. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular,
2001.

TAILLE, Yves de. Teorias psicogenéticas em discussão. 5.ed. São Paulo:


Summus, 1992.

TOBIAS, J. A. Filosofia da educação. 3.ed. Presidente Prudente/SP: Oeste


Paulista, 1985.

105
VALENTE, J. A. Aprendizagem continuada ao longo da vida. Revista Pátio,
nov. 2000/jan. 2001.

VYGOTSKY, Lev. O teórico social da inteligência. Revista Nova Escola,


dezembro de 1996.

WHITAKER, Rosa Maria. Freinet: evolução histórica e atualidades. São Paulo:


Scipione, 1989.

WOOD, D. Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo: Martins


Fontes, 1996.

106

Você também pode gostar