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MARIANA TAVARES ALMEIDA OLIVEIRA

CONFLITOS ENTRE ALUNOS DE 13 E 14


ANOS: CAUSAS, ESTRATÉGIAS E
FINALIZAÇÕES

CAMPINAS
2015
i
ii
iii
iv
v

v
vi
RESUMO

Fundamentado na teoria piagetiana, este trabalho se constitui de um estudo qualitativo e


quantitativo que tem como objetivos identificar as causas, as estratégias empregadas e as
finalizações dos conflitos vividos entre alunos de 13 e 14 anos. A amostra foi constituída
por 63 alunos do oitavo ano de duas escolas públicas estaduais do Ensino Fundamental II
de uma cidade do interior paulista, escolhidas por conveniência. Os dados foram coletados
por meio de 27 sessões de observação das interações sociais dos adolescentes, em
diferentes momentos da rotina escolar, contabilizando um total de 108 horas, sendo
encerradas por saturação. Os resultados das observações indicaram que as principais causas
que geraram conflitos nos alunos de 13 e 14 anos foram a provocação e a reação ao
comportamento perturbador. As estratégias de resolução mais frequentemente utilizadas
foram as unilaterais e o abandono foi a finalização mais comum para as desavenças
observadas. A contribuição do estudo foi, portanto, o detalhamento das evoluções da
compreensão e da vivência dos conflitos interpessoais, oferecendo subsídios para o
planejamento de intervenções mais afinadas com as necessidades próprias de cada faixa
etária, favorecendo o desenvolvimento de estratégias de resolução de conflitos mais
cooperativas.

PALAVRAS-CHAVE: conflitos interpessoais, construtivismo, educação, adolescência,


estratégias de negociação interpessoal.

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viii
ABSTRACT

Characterized as a qualitative and quantitative study and grounded in Piaget's theory, this
study aimed to identify the causes, the strategies employed and the outcomes of conflicts
experienced between 13 and 14 year old students. The set consisted of 63 eighth grade
students from two elementary public schools in São Paulo State/Brazil, chosen at
convenience. Data were collected through 27 sessions of observation of social interactions
of adolescents, at various situations of school routine, accounting for a total of 108 hours,
being closed by saturation. The results of observations indicated that the main causes that
led to conflicts among 13 and 14 year old students were teasing and reaction to annoying
behavior. Resolution strategies more frequently used were unilateral and abandonment was
the most common outcome for the observed disagreements. The contribution of the study
was, therefore, to detail the developments in the understanding and in the experience of
interpersonal conflicts, providing support for the planning of interventions more in line
with the needs of each age group, favoring the development of conflict resolution strategies
more cooperative.

KEYWORDS: interpersonal conflict, constructivism, education, adolescence,


interpersonal strategies.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 25

2. A TEORIA PIAGETIANA ........................................................................................ 29

3. O QUE É A ADOLESCÊNCIA ................................................................................. 41

3.1. O PENSAMENTO ADOLESCENTE ................................................................... 46

3.2. A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE ÉTICA E OS SENTIMENTOS


IDEAIS ............................................................................................................................. 49

3.3. AS RELAÇÕES ENTRE PARES ......................................................................... 57

4. OS CONFLITOS INTERPESSOAIS ........................................................................ 65

4.1. INCIVILIDADES .................................................................................................. 92

4.2. PROVOCAÇÃO .................................................................................................. 100

5. MÉTODO .................................................................................................................. 107

5.1. CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................................. 107

5.2. PROBLEMA ....................................................................................................... 109

5.3. OBJETIVOS ........................................................................................................ 109

5.4. PARTICIPANTES............................................................................................... 109

5.5. DELINEAMENTO DA PESQUISA E COLETA DE DADOS ......................... 110

5.6. OBSERVAÇÃO .................................................................................................. 111

5.7. ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................... 114

5.8. MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO ...................................................... 114

5.9. CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS ............................................................. 115

5.10. O AMBIENTE SOCIOMORAL...................................................................... 117

5.10.1. O trabalho com o conhecimento ...................................................................... 119

5.10.1.1. Escola 1 .................................................................................................... 119

xi
5.10.1.2. Escola 2 .................................................................................................... 122

5.10.2. Relação professor-aluno/ aluno-aluno ............................................................. 126

5.10.2.1. Escola 1 .................................................................................................... 126

5.10.2.2. Escola 2 .................................................................................................... 129

5.10.3. Regras, sanções e conflitos .............................................................................. 133

5.10.3.1. Escola 1 .................................................................................................... 133

5.10.3.2. Escola 2 .................................................................................................... 139

6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................ 143

6.1. A OBSERVAÇÃO DOS CONFLITOS .............................................................. 144

6.2. AS CAUSAS DOS CONFLITOS INTERPESSOAIS ........................................ 149

6.3. AS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS................................ 169

6.4. AS FINALIZAÇÕES DOS CONFLITOS .......................................................... 185

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 197

8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 213

xii
“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e com tal
gesto salvá-lo da ruína que seria inevitável se não fosse a
renovação da vinda dos novos e dos jovens. A educação é também
quando decidimos se amamos as nossas crianças o bastante para
não expulsá-las do nosso mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-
as, ao invés disso, com antecedência, para a tarefa de renovar o
mundo em comum.”

(Hannah Arendt, 1972)

xiii
xiv
A todos os “meus” adolescentes.

xv
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AGRADECIMENTOS

A gratidão, diria Comte-Sponville, “é alegria, a gratidão é amor”. São esses sentimentos


que me movem neste momento. Partilho a alegria desta conquista e partilho com cada um a
felicidade de amar vocês...

Sou grata à Profª Telma Pileggi Vinha, pela oportunidade de fazer parte desta pesquisa e
pelos inúmeros ensinamentos. Além de orientadora, com palavras de carinho e apoio, me
acolheu em todos os momentos de angústia... Obrigada por vibrar a cada conquista e por
acreditar que poderíamos ir além!! Sou uma pessoa melhor depois de você.

Sou grata à Carolina de Aragão Escher Marques e à Lívia Maria Ferreira da Silva, por
serem minhas companheiras de pesquisa e, principalmente, de vida... Ah, como eu queria
que pudessem ver o meu amor... Para sempre, “Confliteiras”!!

Sou grata à minha mãe, Angela Maria Tavares Almeida, a mulher mais admirável que
conheço. Meu exemplo de força, perseverança e doação. Amo você além de mim!

Sou grata à minha irmã, Adriana Tavares Almeida, por fazer a minha vida mais cor de
rosa... Por acreditar, por sorrir, por existir!

Sou grata ao meu pai, Onilcero Luiz da Costa Almeida, por viver em mim. “Onde quer
que eu vá, levo você no olhar...”

Sou grata às minhas pequenas Larissa Ribeiro Tavares, Maria Clara Dias Oliveira e
Lívia Costa Azevedo Loup, que enchem a minha vida de doçura!

Sou grata à minha família, meus avós, meus tios, meus primos, meus sogros e cunhados e
à minha família escolhida, meus amigos queridos, por se fazerem presentes em todos os
momentos. Vocês tornam a minha vida mais alegre!

Sou grata a vocês, Marina Antunes Catunda Campos e Gabriela Navarro Abreu
Puglia, minhas irmãs de coração, minha amizade eterna!

xvii
Sou grata à Tatiana Tavares Nigro, pelo carinho, cuidado e acolhimento ao longo destes
dois anos.

Sou grata à Betânia Alves Veiga Dell’Agli, por despertar em mim o interesse pela
pesquisa, por ser minha amiga e minha eterna professora...

Sou grata a meus companheiros de estudo do GEPEM, pela parceria e pela fé na educação.
A você, Adriana Ramos, por ver em mim algo que eu ainda não via. A você, Flávia
Vivaldi, por ser minha amiga conselheira, porto seguro em tantos momentos. A Zaqueu
Assis, pelo carinho e cuidado. A você, Thais Bozza, por entender minhas angústias. A
Mariana Wrege, pelas palavras amigas. A Adriano Moro, pelo apoio em tantos
momentos. A Alexandre Tadeu Dias, pela amizade “fresca”. A Sanderli Bicudo
Bomfim, pela parceria, que apesar do pouco tempo, tem um significado inexplicável.

Sou grata à Professora Luciene Regina Paulino Tognetta, pela leitura criteriosa e pelas
contribuições tão significativas neste estudo. Sou grata, pela confiança e oportunidades de
trabalho, por me permitir fazer parte dessa caminhada em busca de uma educação melhor!

Sou grata à Professora Orly Zucatto Mantovani de Assis, por me dar a honra de fazer
parte da minha banca e propor tantas reflexões ao longo de minha formação. A você, toda a
minha admiração!

Sou grata à Capes, pelo financiamento concedido.

Sou grata à Deus por sua infinita bondade.

Por fim, sou grata à Fausto Henrique de Oliveira, por ser meu companheiro, meu
incentivador, meu amigo, meu amor. Obrigada por cuidar de mim e por ser presente,
mesmo estando ausente... A você, todo meu amor!

xviii
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: AS CAUSAS DOS CONFLITOS ENTRE OS ADOLESCENTES DE 13 A 14


ANOS .......................................................................................................................... 152

FIGURA 2: PORCENTAGENS PARA AS CAUSAS DOS CONFLITOS


INTERPESSOAIS NA ESCOLA 1 E NA ESCOLA 2 ............................................ 153

FIGURA 3: FREQUÊNCIA DAS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


DOS ADOLESCENTES DE 13 E 14 ANOS ............................................................. 173

FIGURA 4: PORCENTAGENS PARA AS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE


CONFLITOS NA ESCOLA 1 E NA ESCOLA 2 ..................................................... 180

FIGURA 5: PORCENTAGENS DAS FINALIZAÇÕES DOS EPISÓDIOS DE


CONFLITOS DOS ADOLESCENTES DE 13 E 14 ANOS ...................................... 187

FIGURA 6: COMPARAÇÃO DAS FINALIZAÇÕES DOS EPISÓDIOS DE


CONFLITOS ENTRE A ESCOLA 1 E A ESCOLA 2............................................. 188

xix
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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: ALGUMAS ESTRATÉGIAS INTERPESSOAIS PROTOTÍPICAS


CODIFICAS EM NÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO 0-3 EM CADA
ORIENTAÇÃO............................................................................................................. 83

QUADRO 2: OS PROBLEMAS DE CONVIVÊNCIA NA ESCOLA .............................. 91

QUADRO 3: CATEGORIAS DAS CAUSAS DOS CONFLITOS ENTRE AS CRIANÇAS


DE 3 A 13 ANOS ....................................................................................................... 150

QUADRO 4: CATEGORIAS DAS ESTRATÉGIAS DOS EPISÓDIOS DE CONFLITO


..................................................................................................................................... 170

QUADRO 5: AS FINALIZAÇÕES DOS EPISÓDIOS DE CONFLITOS ...................... 186

xxi
xxii
LISTA DE TABELAS

TABELA 1: ANÁLISE DESCRITIVA DAS VARIÁVEIS CATEGÓRICAS PARA


IDADE 13 E 14 ANOS ............................................................................................... 154

TABELA 2: COMPARAÇÃO DAS VARIÁVEIS CATEGÓRICAS ENTRE GÊNEROS


..................................................................................................................................... 159

TABELA 3: COMPARAÇÃO DAS VARIÁVEIS CATEGÓRICAS ENTRE CAUSAS.


..................................................................................................................................... 166

TABELA 4: COMPARAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO


ENTRE GÊNEROS .................................................................................................... 178

TABELA 5: COMPARAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO


ENTRE AS ESCOLAS ............................................................................................... 180

TABELA 6: COMPARAÇÃO ENTRE AS FINALIZAÇÕES E AS CAUSAS .............. 189

TABELA 7: COMPARAÇÃO ENTRE FINALIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS ................. 191

xxiii
xxiv
1. INTRODUÇÃO

Nosso interesse pelos estudos acerca dos conflitos interpessoais teve início junto
à carreira de psicóloga escolar. Percebíamos que as intervenções feitas com as crianças
diante das situações de conflitos por elas vividos, não favoreciam ao desenvolvimento de
estratégias mais eficazes e colaborativas. Sentíamo-nos aflitas e angustiadas, como se
aqueles conflitos nos pertencessem. Movidas pelo desejo de conhecimento, buscamos na
pós-graduação estudar o tema. Nosso objetivo foi identificar e comparar como docentes e
discentes percebiam os motivos dos conflitos entre os alunos do 5º ano. Concluímos que
ambos apresentam a mesma percepção quanto aos motivos dos conflitos vivenciados e
confirmamos que os professores concebem os conflitos como algo prejudicial ao andamento
da aula, resolvendo-os, em geral, impulsivamente. A partir dessa experiência, constatamos
que era preciso aprofundar ainda mais, nossos estudos sobre a temática, uma vez que, cada
vez mais, os conflitos estão presentes nas escolas e representam, para os educadores,
desafios e obstáculos ao trabalho dentro e fora de sala de aula.
Consideramos, segundo a perspectiva teórica construtivista piagetiana, que é
função da escola contribuir para o desenvolvimento integral de seus alunos. Meninos e
meninas passam grande parte de sua vida na escola, o que faz dela responsável, sim, por
propostas que favoreçam o pensamento e o julgamento de seus jovens, mas, vamos além, é
também influenciadora das atitudes e dos comportamentos que seus educandos constroem
com relação a si mesmo e ao outro. Partindo desse pressuposto, entendemos que a escola
deve estar atenta aos conteúdos acadêmicos, mas também às questões de convivência.
Um dos aspectos que influencia na convivência escolar é a forma como a escola
lida com os conflitos. Neste trabalho, o conflito se refere a interações sociais em
desequilíbrio, provocado por valores, perspectivas ou opiniões contraditórios percebidos por
comportamentos externos de oposição ou por manifestações sutis da afetividade, tais como
expressões, tom de voz, gestos, quando eles não são tão evidentes.
Os conflitos, então, fazem parte da vida cotidiana e, para Piaget, são necessários
ao desenvolvimento, tanto os que ocorrem no interior do sujeito como os conflitos entre os
indivíduos. Os conflitos vivenciados pelo sujeito levam-no a buscar uma nova organização
25
interna e, ao se envolver em um conflito com o outro, o sujeito é motivado a refletir as
diferentes maneiras de restabelecer a reciprocidade.
Algumas pesquisas atuais mostram que há a percepção de aumento dos conflitos
na escola (LA TAILE, 2006; LEME, 2006). Demonstram também que as desavenças entre
os estudantes têm sido resolvidas cada vez mais por meio da agressão (LA TAILE, 2006),
ou por seu oposto, a submissão (LEME, 2004a; CARINA, 2009; VICENTIN, 2009a e
2009b; CARINA; MANTOVANI DE ASSIS, 2011). Além disso, comprovam que há um
desenvolvimento nas causas dos conflitos, nas estratégias de negociação e nas finalizações
dadas pelas crianças e pelos jovens (SELMAN, 1980; LICCIARDI, 2010; VINHA;
LICCIARDI, 2012; MARQUES, 2015; SILVA, 2015).
Esses resultados, assim como os encontrados em outros estudos (TOGNETTA;
VINHA, 2007; VINHA, 2003; VINHA et al., 2011; LICCIARDI, 2010; LA RUSSO;
SELMAN, 2011), parecem indicar que o tipo de intervenção feita pelos docentes não
favorece o desenvolvimento de estratégias mais assertivas, cooperativas, justas e respeitosas
para lidar com os conflitos, uma vez que utilizam, em geral, de procedimentos que visam
evitar e conter os conflitos, ou não intervêm, ignorando os desentendimentos. Vinha et al.
(2011) consideram que a forma como a escola tem lidado com os conflitos contribui para
formar jovens que demonstram dificuldades em construir outras formas de comunicação,
tomar decisões, emitir opiniões, argumentar e ouvir diferentes perspectivas.
Piaget ressaltou a importância do papel dos conflitos interpessoais, já que o
conflito social gera desequilíbrio, promove a capacidade de se descentrar, de argumentar, de
considerar os diferentes pontos de vista e de operar, levando em consideração os
sentimentos, as perspectivas e as ideias do outro.
Diante do exposto, o presente trabalho visa colaborar com a formação de
educadores a respeito do tema, para que, assim, professores empreguem procedimentos ou
façam intervenções embasados em fundamentações teóricas que contribuam efetivamente
para que os alunos desenvolvam estratégias de resolução de suas desavenças de forma mais
respeitosa, justa e cooperativa.
O objetivo desta dissertação é identificar quais são as causas, as estratégias e as
finalizações dos conflitos vividos pelos adolescentes de 13 a 14 anos. Para satisfazer os
objetivos da atual pesquisa, 63 alunos de duas escolas públicas do interior do estado de São
26
Paulo foram observados em seus diversos momentos rotineiros da escola, em um total de 27
dias de observação, contabilizando um total de 108 horas em dias letivos consecutivos. O
procedimento adotado para a coleta dos dados foi a observação sistemática. O critério para a
interrupção das observações foi o de saturação. Após a realização da fase da observação,
foram analisadas e categorizadas as causas, as estratégias e as finalizações dos conflitos
entre os alunos.
Esta investigação compartilha dos mesmos objetivos e recursos metodológicos
do trabalho já realizado por Licciardi (2010), – cuja pesquisa priorizou os conflitos
interpessoais entre as crianças de 3 e 4 anos e de 5 e 6 anos –, do trabalho da mesma autora
com alunos de 8 e 9 anos (SILVA, 20151) e de Marques (2015), que investigou os alunos de
11 e 12 anos. Tais estudos, em conjunto, pertencem a um subgrupo2 do GEPEM (Grupo de
Estudos em Educação Moral) sobre conflitos interpessoais e favorecerão a compreensão da
evolução das características dos conflitos, configurando-se, por fim, em uma investigação
maior, de caráter comparativo.
Ressalta-se que pesquisas que investigam a evolução das causas, das estratégias
e dos resultados dos conflitos são inexistentes no Brasil. Espera-se, ao compreender como
desenvolvem tais dimensões presentes nas situações de conflitos, poder contribuir para o
educador entender o papel relevante dos conflitos na aprendizagem dos valores e regras que
regulam a convivência, que ele assuma essa questão como uma das tarefas da escola e possa
realizar intervenções mais construtivas que favoreçam esse processo assim como tenha
maiores condições de avaliar os progressos da criança e do adolescente.
Considerando o alcance de nossos objetivos, estruturamos a dissertação da
seguinte forma: iniciaremos com um capítulo relativo à Teoria Piagetiana apresentando os
princípios gerais da teoria, bem como descreveremos as características do desenvolvimento
cognitivo, afetivo e moral nos diferentes estágios, destacando o período etário por nós
estudados. Em seguida, discorremos acerca da Adolescência, discutindo as transformações
cognitivas, afetivas e sociais nesse estágio da vida. Abordaremos então, os Conflitos

1 A autora alterou seu sobrenome.

2 MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. Causas, estratégias e finalizações de conflitos de alunos
de 3 a 14 anos. Relatório não publicado, 2014.

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Interpessoais de acordo com a perspectiva construtivista piagetiana (que embasa este
trabalho), mostraremos os estudos de Selman, que nos inspirou, e apresentaremos pesquisas
nacionais e internacionais que investigaram o tema. Escrevemos um subitem a respeito da
incivilidade3, de condutas cotidianas na escola que nos chamaram a atenção durante as
observações, por sua predominância em uma das instituições escolhidas e um outro,
discutindo a causa mais frequente pelas quais os adolescentes observados se engajaram em
conflitos: a provocação. Logo após, apresentaremos nosso Método, esclarecendo o
problema, os objetivos, o delineamento da pesquisa, os instrumentos de coleta de dados e os
pressupostos que utilizamos para a realização das nossas análises, além de apresentarmos
separadamente as características das duas escolas observadas, a partir do ambiente
sociomoral identificado. A Apresentação e Discussão dos Resultados, em que a análise dos
nossos dados ocorre, com a apresentação das causas, das estratégias e dos resultados dos
conflitos entre os adolescentes. Por fim, nas Considerações Finais, retomaremos os
principais resultados desse estudo e refletiremos sobre as possíveis implicações pedagógicas
decorrentes dos resultados encontrados, além de apontarmos os avanços e as limitações da
nossa pesquisa.
Acreditamos que este trabalho trará contribuições importantes para o
conhecimento de como a concepção sobre as estratégias dos conflitos vão se transformando
ao longo do desenvolvimento, assim como, suas finalizações. Enfim, sabemos que a questão
é bastante complexa e que temos muito a conhecer. Entretanto, quanto mais conhecemos,
mais estudamos, mais pesquisamos, mais acreditamos que o conflito pode ser uma
oportunidade de crescimento para todos os envolvidos nele.

3 “Condutas que se contrapõem às regras da boa convivência” (CHARLOT, 2002, p. 437).

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2. A TEORIA PIAGETIANA

Os estudos evolutivos acerca das causas e estratégias de negociação em


situações de conflitos (SELMAN, 1980; LICCIARDI, 2010; VINHA; LICCIARDI, 2012;
MARQUES, 2015; SILVA, 2015) evidenciam as influências tanto do ambiente quanto das
características de desenvolvimento dos envolvidos. Considerando a importância da
interação do sujeito e também do processo construtivo, pretende-se inicialmente abordar a
teoria piagetiana, teoria esta que fundamentará nossa pesquisa, para, em seguida, discorrer
sobre as características dos adolescentes, período em que se encontram os participantes
deste estudo.
As pesquisas psicológicas de Jean Piaget foram iniciadas há décadas e sua
repercussão é de caráter mundial. A pergunta central do autor foi: como o ser humano
constrói o seu conhecimento? As implicações dessa questão foram muitas, mas assinalemos
o fato de elas permitirem conhecer melhor a criança e aperfeiçoar os métodos pedagógicos,
embora Piaget não tenha direcionado seus estudos para a educação.
Piaget (1964-2006) compara o desenvolvimento psíquico ao crescimento
orgânico, como este começa no nascimento e termina na vida adulta, em busca de um
equilíbrio cada vez maior. O desenvolvimento consiste, então, em uma progressiva
equilibração, ou seja, passa de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio
superior.
É em termos de equilíbrio que o epistemólogo descreve a evolução da criança e
do adolescente. Para explicar seu pensamento, faz uma analogia entre o desenvolvimento
mental e a edificação de um prédio. A construção de ambos é contínua, mas, a cada etapa
em que algo é acrescentado, mais sólido ficará. Também utiliza o exemplo da montagem de
um delicado mecanismo, que, ao se ajustar gradativamente, deixaria as peças mais flexíveis
e móveis, na mesma proporção em que o equilíbrio se tornasse estável. Sobre os dois
aspectos da equilibração, Piaget diferencia: a existência de estruturas variáveis que definem
as formas ou estados sucessivos de equilíbrio, em contraste com um funcionamento
constante que assegura o acesso de qualquer estado para o nível seguinte.

29
O autor constatou a existência de períodos ou estágios do desenvolvimento que
são marcados pelo aparecimento de estruturas sucessivamente construídas. Em cada estágio,
surgem estruturas inéditas, novas, que as diferenciam dos estágios anteriores. O interessante
é que essas construções efetuadas permanecem nos estágios posteriores, mas agora sob a
forma de subestruturas, que são sustentáculos para as novas construções.
Comparando a criança e o adulto no que se refere às motivações gerais da
conduta e do pensamento, nota-se que existem funções constantes e comuns a todas as
idades. O interesse, por exemplo, está presente em todas as ações de qualquer nível, e ele
pode se manifestar sob a forma de uma necessidade fisiológica, afetiva ou intelectual.
Igualmente, em todos os níveis, é função da inteligência procurar explicar, compreender.
Tanto o interesse como a congnição são considerados invariáveis, ou, melhor dizendo, são
comuns a todos os estágios. Ao mesmo tempo, eles assumem formas diferentes, de acordo
com o desenvolvimento afetivo e intelectual. São essas formas diferentes, ou seja, as
estruturas variáveis que vão delinear as diferenças e oposições de um nível da conduta a
outro, partindo do lactente em direção à adolescência.
As estruturas variáveis serão formas de organização da atividade mental, sob
aspecto duplo: motor - ou intelectual - e afetivo, incluindo, ainda, duas dimensões,
individual e social. Já que existe um paralelo constante entre a vida afetiva e a intelectual, os
dois elementos implicam um ao outro. A afetividade move as pessoas, atribuindo valor às
coisas, mas é por meio da inteligência que meios e fins são estabelecidos. Afetividade e
inteligência são aspectos indissociáveis (PIAGET, 1964-2006; 1953-2005).
Piaget (1964-2006) esclarecendo sobre os mecanismos funcionais presentes em
todos os estágios, nos diz que, toda ação, seja ela qual for, corresponde a uma necessidade.
Mas o que significa necessidade?
Claparède (apud PIAGET, 1964-2006) considera que uma necessidade
(movimento, pensamento ou sentimento) é sempre uma amostra de desequilíbrio. Ela existe
sempre quando qualquer coisa se modifica (fora ou dentro do organismo físico ou mental),
tratando-se de um reajustamento em função dessa mudança.
A cada instante, a ação é desequilibrada pelas mudanças no mundo, exterior ou
interior, gerando perturbação na estrutura. Cada nova conduta vai funcionar não apenas para

30
restabelecer o equilíbrio, como também, para dirigir a um equilíbrio mais estável (não o
mesmo) que o do estágio anterior a essa perturbação.
Para Piaget (1964-2006), a ação humana consiste nesse movimento contínuo de
reajustamento ou de equilibração. O pesquisador define inteligência como adaptação. O
processo de adaptação apresenta dois componentes indissociáveis: a assimilação e a
acomodação. A assimilação é a incorporação de novos elementos, a retenção de informação
ou a solução de uma situação, fazendo uso de estratégias antigas. Por sua vez, a acomodação
é a modificação da organização da estrutura mental, ou a criação de novos esquemas para
assimilar um novo objeto. Segundo suas palavras:

Ora, assimiliando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos


a se acomodarem a este, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada
variação exterior. Pode-se chamar “adaptação” ao equilíbrio destas
assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico. O
desenvolvimento mental aparecerá, então, em sua organização progressiva
como uma adaptação sempre mais precisa à realidade (PIAGET, 1964-
2006, p. 17).

É a partir da interação entre o sujeito e o meio que são desencadeadas as


assimilações e as acomodações, culminando em equilibrações, que tendem à conservação
das estruturas, mas produzem também suas modificações. Como resposta do sujeito às
estimulações ou às solicitações do meio, novas estruturas são construídas nos diferentes
estágios do desenvolvimento (MANTOVANI DE ASSIS, 1976).
Durante vários momentos deste texto, citaremos os conceitos de construção,
falaremos em evolução, em desenvolvimento psíquico e em estágios. É importante, agora,
demonstrarmos resumidamente como Piaget esclareceu, então, cada etapa do
desenvolvimento.
O primeiro estágio é o sensório-motor com o início no nascimento,
prolongando-se até por volta dos dois anos de idade. Para o autor, esse período é decisivo
para a evolução psíquica. As principais conquistas se dão por meio da percepção e dos
movimentos, caracterizando uma inteligência essencialmente prática, sem a intervenção da
representação.

31
É interessante destacar que, para Piaget, a inteligência surge antes da linguagem
e por ela se basear na manipulação dos objetos via percepção e movimentos, e por ser
organizada em “esquemas de ação”, é denominada de inteligência prática ou senso-motora,
em contraposição a uma inteligência representativa que se baseia em palavras e conceitos.
Por mais restrita que seja, há nesse estágio uma lógica das ações que possibilita
às crianças fazer classificações e seriações empíricas. Mantovani de Assis (1976)
exemplifica que, ao apresentar um objeto novo à criança, ela aplica todos os seus esquemas
para conhecê-lo, o que confirma a presença desses sistemas de esquemas em seu
comportamento.

Uma característica fundamental desse estágio é que, ao nascer, a criança não


tem consciência de si, ou seja, há uma completa indiferenciação entre ela e o mundo, e a
evolução observada é justamente rumo à uma descentração cada vez maior. O mesmo pode
ser observado em outros aspectos (PIAGET, 1964-2006).
Ao nascer, a criança não tem nenhuma consciência moral denominada por
anomia, cuja característica é a ausência total de normas. A dificuldade de compreensão é
causada pela insipiência dos quadros mentais, que são fugazes e sem possibilidade de
coordenação. O bebê é movido por necessidade e benefícios próprios. (VINHA, 2000).
Característico da inteligência prática (sensório-motor), pode-se falar em um egocentrismo
radical, em que, como foi mencionado, para o bebê, não existe diferenciação entre o eu e os
objetos. O mundo se resume, então, a suas impressões, a suas sensações e a seus esquemas.
Não percebe o que é certo ou errado (PIAGET, 1964-2006).
Aos poucos, a criança vai compreendendo as regras sociais, e a anomia,
progressivamente, e com o desenvolvimento cognitivo, é superada pela imposição das
regras lógicas e morais coletivas. No âmbito intelectual, a criança passa para o período pré-
operatório (de 2 a 7 anos, em média). O pensamento dessa etapa do desenvolvimento carece
de preceitos lógicos, sendo pautado na intuição, portanto é um pensamento rígido e
irreversível. Diante de um problema prático, as respostas das crianças se apoiam nas
aparências. Mantovani de Assis (1976) esclarece essa afirmação, ao descrever uma prova
com fichas. Ao solicitar que crianças de 4 a 5 anos, em média, copiassem uma sequência de
8 fichas, para o fazerem, elas consideram o espaço ocupado e não o número de fichas. Já por

32
volta de 5 a 6 anos, elas realizam uma correspondência termo a termo, colocando uma ficha
ao lado da outra da amostra. Entretanto, modificando o intervalo entre elas, mesmo sob o
olhar do sujeito, ele considera que não são mais iguais, ou seja, não se conserva por
correspondência lógica, há uma simples intuição e não uma operação racional.
Nesse estágio, as percepções e os movimentos são interiorizados sob forma de
imagens representativas e de “experiências mentais”, e as trocas com adultos ou crianças
desempenham papel decisivo para os progressos da ação. A criança consegue formular a
própria ação e a narração das ações passadas, transformando as condutas em pensamento.
Na dimensão moral, o egocentrismo radical do estágio anterior declina a partir
das interações que a criança tem com os adultos e com os pares e passa a perceber a si
mesma e aos outros. Passa a perceber que há coisas que pode fazer e outras que não pode,
superando a submissão as suas próprias ideias. É, então, orientada pela palavra adulta e/ou
da autoridade, ingressando na heteronomia. Se antes não havia regras, agora, a criança é, de
certa forma, governada e dirigida por adultos. Essa mudança para um segundo estágio
constitui-se num grande avanço (VINHA, 2000).
A heteronomia é a moral da obediência às pessoas com autoridade, resultante da
coação do adulto sobre a criança. Segundo Piaget (1964-2006), o aparecimento da
linguagem possibilita a troca e a comunicação, favorecendo descobertas de que existe uma
realidade superior a ela, representada por seus pais e pelos adultos que a cercam. Se, antes,
os adultos lhe pareceriam fortes e grandes, agora têm a capacidade de revelar seus
pensamentos e vontades. O que os adultos fazem são modelos a serem seguidos e copiados
e, portanto, surge uma submissão inconsciente, intelectual e afetiva, em função da coação
que o adulto exerce na criança. Essa relação de coação é nutrida pelo respeito unilateral.
A gênese do respeito é um misto de amor e temor. O medo característico do
respeito unilateral é decorrente da possibilidade da retirada do amor por parte dos pais, da
perspectiva de censuras ou punições e também pelo simples fato de a criança ser menor e
mais fraca do que o adulto, temor à autoridade. Já o amor se caracteriza pela admiração e
pelo apego naturais que a criança tem por seus pais, ou pessoas significativas. Na medida
em que os pais inspiram medo e amor, ao mesmo tempo, inspiram respeito (LA TAILLE,
2006).

33
A aceitação interior de uma regra só ocorre se esta foi formulada por uma
pessoa respeitada, ou seja, objeto de afeição e medo, os dois sentimentos. Apesar de não
compreender a necessidade das regras para o convívio social, dependendo de quem as
emana, a criança as acata. Para Piaget (1930-1996), o respeito unilateral implica uma
relação desigual entre aquele que respeita e aquele que é respeitado: “é o respeito do
pequeno pelo grande, da criança pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho” (p. 4).
Nesse sentido, por medo do castigo ou pelo medo da perda de amor e de
proteção, a criança segue normas mesmo que essas não possam ser explicadas. Todavia, La
Taille (2006) ressalta que o amor e o temor não são os únicos sentimentos que motivam o
querer agir bem, acrescentando a confiança, a simpatia, a indignação e a culpa.
Uma das fontes principais da gênese do sentimento de obrigatoriedade está nas
pessoas que a criança teme e ama. La Taille (2006, p. 112) afirma que, para o heterônomo
ser moral “é seguir não uma ideia ou um valor em si, mas sim o que os outros dizem e
fazem”. Ou seja, comumente, o heterônomo tem como referência o comportamentos das
pessoas com as quais convive. Sendo assim, ele precisa confiar nas qualidades morais do
outro para que ele possa adotá-la. Pode-se concluir que a criança pequena precisa confiar na
autoridade para que esta, de fato, seja sua referência moral.
O autor ressalta que a criança pequena está atenta à integridade das figuras de
autoridade, uma vez que inúmeras vezes questionam pais e professores a respeito do que
dizem e fazem e, ao perceberem que dizem uma coisa e fazem outra, consequentemente, sua
autoridade fica abalada. Visando verificar essa afirmação, La Taille (2006) perguntou a
crianças de cinco e seis anos se consideravam que o filho deveria obedecer ao pai, mesmo
quando este costuma não cumprir com suas promessas para com o filho. Os dados
encontrados mostram que 35% das crianças de 5 anos e 60% das crianças de 6 anos já
legitimam a desobediência, o que comprova a ideia de que o respeito unilateral pelas figuras
de autoridade corresponde também à confiança nelas depositadas, além da fusão de amor e
medo.
Outro sentimento presente no despertar do senso moral, é a simpatia, um
sentimento que leva a criança em direção ao outro, sendo a capacidade de perceber e de ser
afetado pelos sentimentos de outras pessoas (comover) (LA TAILLE, 2006). Essa direção é
essencial à moralidade e já se percebe na criança pequena (compaixão).
34
A simpatia, como dito anteriormente, também motiva o querer agir bem, uma
vez que, ao sensibilizar-se com o outro, a criança se esforça para compreender o ponto de
vista alheio, se descentrando, processo essencial para o desenvolvimento cognitivo, afetivo
e moral. E vai além: a simpatia contribui significativamente para a construção da
generosidade.
La Taille (2006) considera que é por meio da simpatia que a criança menor
concebe melhor a generosidade do que a justiça. Para comprovar isso, em uma de seus
trabalhos, o pesquisador investigou os sentimentos dos sujeitos de 6 e 9 anos em duas
situações diferentes: uma, de agressão intencional (furto de um trabalho coletivo por parte
de um dos autores) e outra, de falta de generosidade (um garoto que deixa de visitar um
colega doente, porque estava sem vontade). Praticamente, todos os sujeitos condenaram as
duas ações, inferindo que as vítimas sentiram-se mal. Entretanto, o que chamou a atenção
nos dados foi o fato de que as crianças menores atribuíram sentimentos positivos a quem se
apropriou do trabalho coletivo e sentimentos negativos ao não generoso, enquanto os
maiores atribuíram a todos sentimentos negativos. O pesquisador constatou que, na primeira
situação, há uma relação significativa com a obediência e, na segunda, nenhuma. É por
simpatia que a criança menor valoriza a generosidade.
É fato que a referência à figura de autoridade é importante para o
desenvolvimento do sujeito, mas outros sentimentos também estão presentes nessa fase da
vida, tais como a indignação.
A indignação é complementar à simpatia, uma vez que esta é a primeira fonte
motivadora para sensibilização com as necessidades do outro. Já a indignação, é um
sentimento negativo desperto ao sentir-se injustiçado, ou seja, coloca a si próprio como
sujeito de direitos.
Fica claro que a indignação refere-se, em sua essência, a um conteúdo da moral,
a justiça (LA TAILLE, 2006). Nas crianças pequenas, a autoridade predomina sobre a
justiça. Segundo Piaget (1932-1994), nessa fase do desenvolvimento, os atos são julgados
apenas por suas consequências (responsabilidade objetiva) e não pela intenção do sujeito
(responsabilidade subjetiva). Além disso, o autor relata que quase a totalidade das crianças
pesquisadas acha errado os adultos serem atendidos em lojas antes do que elas,
demonstrando enxergar esse privilégio dado aos “grandes”. Conclui-se que as crianças
35
menores estão atentas às situações de injustiça, porém, são autorreferenciadas, ou seja,
cuidam do que consideram ser seus próprios direitos e não dos direitos dos outros.
La Taille (2006) esclarece que o fato das crianças experimentarem o sentimento
de indignação é uma prova de que já existe uma fonte do valor da justiça decorrente da
interiorização dos mandamentos dos adultos, assim como também da afirmação dos
interesses próprios e da expansão de si. Desde o nascimento, a autoridade impõe limites à
ação do bebê, permitindo algumas coisas e proibindo outras desejadas pela criança. Essa
experimenta sentimentos negativos e reage de forma a afirmar sua vontade. Não raro,
observamos crianças pequenas dizerem aos adultos: “Não é justo!”, sentindo-se injustiçadas
ao perceberem, por exemplo, que o irmão ganhou mais presentes em seu aniversário do que
ela no dela. Pode-se pensar que se trata apenas do sentimento de indignação por terem
contrariado os desejos do sujeito. Mas, se pensarmos que todos os brinquedos desejados
haviam sido ganhos (os interesses estariam contemplados) e, ainda assim, a criança continua
a se comparar com o irmão, haveria algo além do interesse próprio, que é a expansão de si.
“A expansão de si próprio implica construir representações de si com valor
positivo”, para isso a criança pequena precisa ainda do juízo das pessoas significativas (LA
TAILLE, 2006, p. 127). Essa dependência pode se apresentar pela busca do reconhecimento
alheio de seu próprio valor. Assim, o autor conclui que a indignação tem como fonte o
sentimento de não ser valorizado. No exemplo dado anteriormente, além das características
já mencionadas, a criança indignada o faz por acreditar que, ao presentearem mais o irmão
do que a ela, atribuem mais afeto, mais valor ao outro. A indignação representa o desejo de
se ver como valor positivo, de ser tão importante quanto os demais. Essa busca de valor
positivo, decorrente da expansão de si desempenha, juntamente com os interesses próprios,
papel importante no desencadear do sentimento de indignação e no desenvolvimento da
noção de direito. Por essas razões, é importante permitir que a criança se indigne perante
situações nas quais sente-se injustiçada, para que, com os desequilíbrios vivenciados, possa
indignar-se com todas as formas de injustiça, estando ela envolvida ou não.
Por fim, o último sentimento moral presente no despertar do senso moral é a
culpa, sentimento doloroso decorrente da consciência ao se transgredir uma regra moral. La
Taille (2006) justificando a importância desse sentimento, primeiro constata que só sente
culpa quando a moral é legitimada, segundo, ao sentir culpa, em geral, busca-se a reparação
36
do ato e essa busca da reparação corresponde a uma atitude moral, ou seja, há um desejo de
querer agir bem. Concluindo suas ideias acerca da culpa, o autor afirma que tal sentimento
age como um regulador da ação moral. A capacidade de experimentar esse sentimento
impede as pessoas de determinadas ações, pois sentem culpa do que fizeram.
Ainda segundo La Taille (2006), a criança é capaz de experimentar a culpa e
esse sentimento se dá pelo misto de amor e temor, como também pela simpatia. Como já
afirmamos, Piaget explica a gênese do sentimento de obrigatoriedade pela fusão do amor e
do temor. Ao experimentar esses sentimentos, o adulto torna-se autoridade e, por essa razão,
a criança segue suas ordens. Diante disso, ao desrespeitar ou infringir alguma regra imposta
pelo adulto significativo, a criança sente culpa. Portanto, o sentimento de culpa provém do
sentimento de obrigatoriedade.
Além disso, o autor salienta o papel da simpatia, principalmente ao ser traduzida
como compaixão. Ao ferir o outro, a criança pode experimentar o sentimento de culpa, por
causa da compaixão, e pode desejar reparar o seu ato. Não se trata, agora, de obediência,
mas, sim, da sensibilidade natural da criança em relação aos sentimentos alheios. La Taille
(2006) reforça, então, a importante relação, até mesmo em adultos, entre a culpa e a
compaixão.
Faz-se necessário atribuir significado à culpa das crianças pequenas, ajudá-las a
reparar seus atos para que, na adolescência (a ser discutida posteriormente), esse regulador
moral atue de modo a antecipar as situações. Entretanto, vale lembrar que só é capaz de
sentir culpa quem, alguma vez, cometeu uma transgressão moral e experimentou um mal
estar por isso.
Em resumo, o medo e o amor, são os sentimentos responsáveis pela obediência
heterônoma das crianças pequenas. Contudo, o respeito unilateral não depende apenas do
misto de amor e temor, mas também da confiança que se possa depositar nas figuras de
autoridade, ou seja, esse sentimento promove, no indivíduo, o desejo de participar de uma
comunidade moral. Já a simpatia permite que a criança sinta o que a outra sente e, com
oportunidades de sensibilizar-se com o par, haverá contribuição para o seu desenvolvimento
moral. A indignação refere-se à noção de direito, surgindo quando alguma injustiça é
cometida. Ao ser fortalecida, a criança poderá passar a se indignar com o que aconteceu

37
com os outros. E a culpa, sentimento decorrente da transgressão de uma regra moral, pode
servir como um regulador moral.
Vale ressaltar que todos os sentimentos discutidos anteriormente também estão
presentes na criança de 7 a 12 anos, período operatório concreto. Nessa fase, ela torna-se
capaz de cooperar, do ponto de vista das relações interindividuais, porque não confunde
mais o seu ponto de vista com o dos outros. A linguagem egocêntrica desaparece quase por
completo. As discussões tornam-se possíveis, “porque comportam compreensão a respeito
dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação
própria” (PIAGET, 1964-2006, p. 41).
Do ponto de vista da inteligência, trata-se do início da construção lógica,
sistema de relações que permite a coordenação dos pontos de vista entre si. Esses pontos de
vista são tanto aqueles que correspondem a indivíduos diferentes, quanto aqueles
relacionados a percepções e a intuições do próprio indivíduo.
A criança torna-se, então, capaz de reconhecer que os outros têm ideias e pontos
de vista diferentes do seu, mas nem sempre consegue renunciar a um desejo, coordenar seu
ponto de vista e suas ações com os dos outros.
Esta descentração faz com que crianças com 7 anos (em média) tornem-se capaz
de cooperar, porque não confundem mais seu próprio ponto de vista com o dos outros. Passa
a se interessar mais pelos jogos de regra, que implica em socialização, deixando de se
envolver, pouco a pouco, com o jogo simbólico (PIAGET, 1964-2006).
As noções de conservação diferenciam profundamente o pensamento da
segunda infância em relação à etapa anterior. Isso se dá como:

Explicação causal por composição partitiva. Resultam, portanto, de um


jogo de operações, coordenadas entre si em sistemas de conjuntos, e cuja
propriedade mais notável, em oposição ao pensamento intuitivo da
primeira infância, é a de serem reversíveis. (PIAGET, 1964-2006, p. 46)

Dessa forma, o que leva a criança desse período a admitir a conservação de um


peso, uma substância etc. não é mais a identidade, mas, sim, a reversibilidade, ou seja, a
possibilidade de retorno ao ponto de partida.

38
Na afetividade, além dos sentimentos morais já discutidos, Piaget (1964-2006)
destaca que a vontade conduz a uma melhor organização do eu e a uma regulação da vida
afetiva. A vontade seria uma regulação entre cognição e afeto, pois, diante de um desejo
momentâneo forte, a tendência fraca deve superar tal desejo, havendo, assim, uma força de
vontade.
O novo sentimento moral presente, decorrente da cooperação entre as crianças e
de sua vida social, consiste no respeito mútuo. Este se origina, portanto, do respeito
unilateral. Ele existe quando os indivíduos se atribuem um valor pessoal equivalente, uma
valorização mútua global gradativa.
O respeito mútuo superado pelo exercício do respeito unilateral surge quando,
gradualmente, as relações da criança podem deixar de se basear somente na obediência para
se basear também na reciprocidade. Essa relação poderá substituir a imposição pela
cooperação, e a legalidade poderá suplantar a autoridade.
Somente quando as relações são baseadas na reciprocidade e na cooperação,
quando o sujeito já considera o propósito e as consequências da obediência às regras, é que
o indivíduo se encontra na tendência moral que é a autonomia, podendo ter início entre oito
e treze anos (PIAGET, 1932-1994).
No próximo item, sob a perspectiva da psicologia do desenvolvimento, será
apresentada a fase caracterizada como adolescência, uma vez que se faz necessário conhecer
as características do pensamento do sujeito nessa etapa, o que nos auxilia a compreender os
motivos pelos quais eles se engajam em situações de conflitos bem como as estratégias
empregadas por eles. Faremos isso apresentando os aspectos intelectuais, morais e afetivos,
lembrando que, para Piaget (1964-2006), são construções solidárias, paralelas,
indissociáveis, mas de natureza diferente.

39
40
3. O QUE É A ADOLESCÊNCIA

Entender os conflitos no universo do adolescente é uma tarefa árdua para todos


aqueles que trabalham com esse público, pois, além de existir conflitos característicos desse
momento da vida, há também aqueles decorrentes do tipo de ambiente em que se está
inserido.
Meninos e meninas adolescentes vivem cotidianamente contrastes, contradições,
conflitos. Não raro, sentem-se sufocados pela família, revoltam-se, mostram-se
intransigentes e questionadores, mas, ao mesmo tempo, precisam dos pais, de restrições e de
cuidados. Conquistam o espaço intelectual, com novos interesses, e também o espaço
afetivo, com a descoberta de novas formas de viver emoções já conhecidas, apaixonam-se,
sonham, sentem ciúmes e sofrem com isso. Ao mesmo tempo, brincam em games como
crianças. Aderem a um grupo de colegas e o segue. Idolatram pessoas desconhecidas.
Sofrem com mudanças de humor frequentes e bruscas. E tudo isso faz parte da adolescência,
como mostraremos neste item.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente4, a fase que vai dos 11 aos 18
anos incompletos, sendo imediatamente posterior à infância, é concebida como
adolescência. Já a Organização Mundial de Saúde considera que a adolescência vai dos 10
aos 19 anos de idade, incluindo a pré-adolescência (10 a 14 anos) e a adolescência
propriamente dita (15 aos 19 anos).
Nem sempre a adolescência foi conhecida e valorizada. É no século XVIII que
aparecem as primeiras tentativas de se definir, claramente, essa etapa. A partir do século
XX, passou a haver interesse sobre o que o jovem pensa, faz e sente.
Ocorrem transformações corporais, marcada pelo estirão (crescimento rápido),
mudança na voz dos meninos, aumento dos seios nas meninas etc. Mas também há
transformações comportamentais, tais como os desafios constantes, o isolamento, o apego
exacerbado ao grupo, mudanças em suas vestimentas, além de episódios de tristeza ou

4 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

41
euforia. Acredita-se que essas mudanças corporais sejam relativamente universais, podendo
sofrer algumas variações.
Do ponto de vista psicológico, há uma vasta diferença de características no que
se refere às transformações do sujeito, variando de cultura para cultura (LEPRE, 2003). A
adolescência, então, pode ser considerada um período de transição da infância à fase adulta.
Momento de desconstrução de um passado e, ao mesmo tempo, de construção de um projeto
de vida (FIERRO, 1995).
Apesar de marcada por desequilíbrios momentâneos, as conquistas da
adolescência asseguram ao pensamento e à afetividade um equilíbrio superior ao que existia
na segunda infância (INHELDER; PIAGET, 1976-2011; PIAGET, 1964-2006; 1953-2005).
Com a finalidade de compreender melhor essa fase do desenvolvimento, faz-se
necessário conhecer algumas singularidades da sociedade em que esses adolescentes estão
inseridos, uma vez que, mesmo demonstrando características comuns dos jovens de
antigamente, o adolescente pós-moderno apresenta um jeito próprio de ser, de se expressar e
de conviver.
Bauman (1998) qualifica a pós-modernidade como um momento de fluidez,
instantaneidade e instabilidade. A liquidez enfatizada por ele refere-se às relações humanas
e aos campos político e econômico, que se mostram no crescente individualismo, na busca
exacerbada pelo prazer e pelo consumismo. O autor enfatiza a posição de destaque que a
satisfação imediata do desejo ocupa nesse contexto.
Outra característica, apontada agora por Maffesoli (1997), é a tendência a se
reunir em grupos, a viver em comunidade. No entanto, um grupo com características da vida
pós-moderna, ou seja, estabelecendo relações superficiais, sem projetos políticos, sem
preocupação com o futuro, sem a pretensão de adiar o prazer, preocupados com o presente,
o que se reflete, segundo La Taille (2009b), nas relações interindividuais, uma vez que as
pessoas buscam manter-se conectadas por meio de comunicação instantânea (smartphones,
tablets e inúmeras outras alternativas tecnológicas), formando grupos baseados nas
realizações de pequenos prazeres.
Em meio a essas transformações nas relações, o sujeito pós-moderno demonstra
dificuldade em estabelecer o limite entre o que é do âmbito privado e o que é do âmbito
público. Ao refletir sobre esse tema, Bauman (1998) considera que há uma redefinição
42
dessas esferas, apontando o paradoxo da vida privada estar publicamente exposta. A
desconstrução dessas fronteiras se dá por diversos fatores e um deles é a tecnologia.
Segundo um estudo nacional conduzido pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância – UNICEF (2013), no Brasil, 10 milhões de adolescentes fazem uso diário das
redes sociais virtuais. Em todas as regiões brasileiras, 75% dos adolescentes de 12 anos
utilizam as redes sociais e esse número cresce para 90% entre os adolescentes de 15 a 17
anos. Esses dados comprovam o que temos observado em nosso dia a dia: o uso da
tecnologia na vida dos adolescentes adquire cada vez mais importância, uma vez que é por
meio das novas formas de comunicação que surgem, também, novas formas de se
relacionar. É possível conhecer pessoas que compartilham dos mesmos interesses, conversar
com amigos que estão distantes, fazer pesquisas acerca de conteúdos diversos e
compartilhá-los em tempo real. A troca de informações torna-se cada vez mais recorrente e
imediata.
No entanto, a expansão do uso da tecnologia gera novos conflitos. Vivemos um
momento de intensa preocupação com a forma pela qual esses meios estão sendo utilizados
pelos adolescentes, principalmente no que se refere à segurança, à privacidade e à exposição
de conteúdos indesejados. Na pesquisa anteriormente citada, destaca-se que 94% das
meninas costumam exibir fotos pessoais, 21% dos entrevistados confirmaram que
adicionam desconhecidos em sua rede e 39% já se encontraram presencialmente com seus
desconhecidos. Vale ressaltar que os avanços tecnológicos e a democratização da
informação trouxeram melhorias significativas para a vida atual, permitindo que as pessoas
se comuniquem de forma mais rápida, conheçam novas pessoas e se aproximem das que
estão distantes, entretanto destacamos, aqui, que a tecnologia nem sempre é utilizada em
prol da melhoria das relações interpessoais.
Diante dessa realidade, da ausência de sentido para a vida, de valores
individualistas e da banalização das relações, a pós-modernidade potencializa as formas de
violência entre as pessoas. E, mais do que isso, traz com ela novas formas de
relacionamento violento, não possíveis anteriormente, como o cyberbullying, por exemplo.
Segundo Martínez (2013b), o cyberbullying é caracterizado pelo exercício do
abuso por meio de dispositivos tecnológicos em espaços virtuais. Com a finalidade de
prejudicar a pessoa ou o status social da vítima, o autor aproveita o anonimato, a distância
43
geográfica e emocional e o efeito desinibidor provocado pela rede. Essa forma de violência,
assim como no bullying, segundo Tognetta (2005; 2006), mostra um autor que, do ponto de
vista psicológico, não consegue sair de si e colocar-se no lugar do outro, mesmo já
possuindo um pensamento reversível. Além disso, a autora considera que o agressor
legitima essas formas de violência como forma de obter uma boa imagem de si, isto é, tem a
necessidade de menosprezar o outro para sentir-se valor, falta-lhes um conteúdo ético,
portanto, o valor de si agregado ao valor do outro.
Então, quais são os valores do jovem contemporâneo? Ao considerar que, ao se
descrever o que causa indignação é possível se perceber os valores (morais ou não) que
foram rompidos, Tognetta e Vinha (2009) pesquisaram “o que causa indignação nos
jovens?”. As autoras consideram, então, que se sente indignado quem considera que um
valor (algo central) foi “quebrado”.
A pesquisa foi realizada com 150 adolescentes, entre 14 e 16 anos de idade, de
escolas particulares e públicas. As respostas foram classificadas em três categorias. A
primeira, “características de certo individualismo”, são respostas de justiça
autorreferenciadas, como, por exemplo, “quando alguém me irrita”. A segunda,
“características de um caráter moral restrito e estereotipado”, está relacionada à injustiça a
pessoas próximas e estereótipos sociais, como “mexer com meus amigos ou família” e
“fofocas”. A terceira, “características de um caráter moral e ético”, as respostas já passam a
considerar o valor como universal, como, por exemplo: “maltratar pessoas”, “provocar
guerras”.
A pesquisa revela que apenas 24% das respostas referem-se a valores
relacionados a virtudes morais, como justiça, tolerância, honestidade e igualdade. Enquanto,
40,76% da amostra respondem utilizando estereótipos sociais, demonstram indignação,
embora reflitam de forma heterônoma sobre os valores da sociedade atual. E 35,33%
apresentaram características de certo individualismo.
As autoras constatam, nos jovens pesquisados, uma moral mais restrita à esfera
privada, envolvendo pouco o que se refere ao outro, ao público. Bem como, uma moral
restrita a si mesmo e a pessoas próximas. Corroborando com esses dados, La Taille (2006),
em pesquisa realizada com 5160 jovens com idade média de 15 anos de escolas públicas e
particulares da cidade de São Paulo, buscou compreender as causas do mal-estar da
44
sociedade atual e encontrou que o adolescente recolhe-se no espaço privado, no qual apenas
os amigos bem próximos e familiares são dignos de confiança.
Ademais, embasado nos resultados encontrados, o pesquisador descreve o
jovem contemporâneo como otimista quanto às suas realizações pessoais e esperançoso no
progresso da sociedade. Porém, vê o espaço público como ameaçador e acredita ter mais
adversários do que amigos e que as resoluções de conflitos na contemporaneidade retratam
mais agressão do que diálogo.
Nesses estudos, Tognetta e Vinha (2009) e La Taille (2006), revelam que os
jovens apresentam receio com relação ao mundo público, uma vez que o encaram como
mais propício aos adversários do que aos amigos. E se acreditamos que o progresso da
sociedade e a construção de uma vida boa, que vale a pena ser vivida, não dependem apenas
das relações que estabelecemos com as pessoas que fazem parte do círculo privado, mas que
estão diretamente relacionadas ao coletivo e aos demais membros da sociedade, esses
estudos inferem que há um certo mal-estar acometendo o jovem contemporâneo.
Diante do exposto, falamos de um momento em que as relações são fluidas,
instantâneas e que buscam o imediato prazer. Relações grupais, porém sem
compartilhamento de projetos e preocupações, visando apenas o gozo imediato.
Experimentamos novas formas de comunicação, em que os adolescentes se inserem, em sua
grande maioria, demonstrando suas dificuldades em lidar com elas.
Consideramos, na verdade, que as características do adolescente pós-moderno
parecem convergir com aquelas ligadas aos valores culturais e sociais aos quais está
inserido, não somente como cópia a um modelo, mas, sim, como busca de uma boa imagem
de si, aprovada socialmente. Uma geração marcada pelo individualismo e pela
competitividade; que visa o prazer instantâneo, sem mensurar suas consequências para o
outro; marcada pela necessidade de informações imediatas e que demonstra extrema
dificuldade em lidar com as frustrações. Ao mesmo tempo e contrapondo as características
anteriores, mostram-se otimistas quanto às suas realizações pessoais, acreditam em uma
sociedade melhor, posicionam-se diante das situações e usam as redes sociais para
compartilhar, trocar ideias e mobilizar grupos em nome de suas crenças. Discutiremos
algumas singularidades do jovem contemporâneo nos próximos subitens.

45
3.1. O PENSAMENTO ADOLESCENTE

O pensamento formal torna-se possível, por volta de 11 ou 12 anos, quando o


sujeito é capaz de construir seus sistemas e teorias, ou seja, considerar possibilidades
mesmo diante de situações reais. Sem o apoio da experiência, da percepção ou mesmo de
uma crença, as operações formais libertam e destacam os pensamentos do concreto. O
adolescente torna-se capaz de levantar as várias possibilidades de uma situação, para
posteriormente verificar quais são existentes verdadeiramente. Trata-se do pensamento
hipotético-dedutivo.
O adolescente é capaz de inferir hipóteses sem uma observação. Piaget (1964-
2006) ressalta, como grande construção do pensamento formal, não apenas a possibilidade
de aplicar as operações aos objetos, “mas de “refletir” essas operações, independentemente
dos objetos, e de substituí-las por simples proposições” (p. 59). Com isso, torna-se possível
a construção de sistemas característicos da adolescência.
Portanto, caracteriza-se por uma lógica das proposições, ou seja, que pressupõe
um conjunto de operações específicas: a combinatória, tipo de pensamento que consiste em
combinar ideias, proposições ou objetos, entre si, o que aumenta consideravelmente os
poderes dedutivos da inteligência. Essa estrutura de pensamento pode ser observada ao
fornecer ao sujeito quatro cores de fichas e solicitar-lhe que faça com as mesmas todas as
combinações possíveis. Sujeitos operatórios realizam algumas combinações, por ensaio e
erro. Enquanto sujeitos formais esgotam todas as combinações possíveis, uma vez que
criam um método: manter uma cor e combinar com as restantes, em seguida mudar a cor e
realizar as combinações possíveis com todas as cores ainda não utilizadas. A combinatória
dá origem ao método científico, que consiste em manter todas as variáveis constantes
enquanto uma é modificada.
Além disso, essa estrutura distingue-se por coordenar, em um todo único, as
duas formas de reversibilidade5, a inversão e a reciprocidade.

5 A reversibilidade refere-se à operação inversa.

46
O autor defende que o aparecimento do pensamento formal não é consequência
da puberdade. A puberdade refere-se ao crescimento físico e à maturação sexual e se dá em
idades médias em todas as raças e sociedades. Por outro lado, as mudanças corporais não
acontecem ao mesmo tempo para todos, o que pode gerar impacto psicológico para o
adolescente. Para Inhelder e Piaget (1976-2011) e para Piaget (1953-2005), a característica
fundamental da adolescência é a integração do indivíduo na sociedade adulta.
No entanto, o autor questiona: “se o aparecimento do pensamento formal não é
uma consequência da puberdade, não deverá ser considerado como uma manifestação das
transformações cerebrais devidas à maturação do sistema nervoso e que podem estar em
relação direta, ou indireta, com a puberdade?” (INHELDER; PIAGET, 1976-2011, p. 250).
Para ele, parece provável que, se crianças menores não conseguem lidar com situações
relativamente simples para os adolescentes, isso se deve à maturação do sistema nervoso,
que se faz necessária. Assim, o desenvolvimento das estruturas formais estaria ligado às
estruturas cerebrais. Entretanto, acredita que a constituição das estruturas formais depende
também das interações estabelecidas no meio físico e social.
A neurociência tem avançado em seus estudos acerca das transformações
cerebrais que acontecem na adolescência. De acordo com Herculano-Houzel (2005; 2009),
o cérebro adolescente sofre uma reorganização química e também uma reorganização
estrutural, o que pode explicar as mudanças de comportamento típicas do adolescente.
Coleman (2011) destaca que, nesta fase, há uma eliminação de sinapses ou de conexões
neuronais, pouco utilizadas e, portanto, desnecessárias. Contudo, muitas outras sinapses são
produzidas, o que é essencial ao desenvolvimento cerebral e à melhora no processamento de
informações.
Segundo a autora, todas as mudanças comportamentais da adolescência têm
início no hipotálamo. Os hormônios sexuais são produzidos nas gônadas, sob o controle
dessa região, o que não significa que apenas a produção do hormônio leve à adolescência,
mas é a partir dessa produção e das mudanças cerebrais que é possível responder ao
hipotálamo, o que também permite que o cérebro conheça o sexo. Há então, uma intensa
mudança na representação do corpo no cérebro, principalmente no início dessa fase.
Comumente, o jovem não reconhece, ou estranha, sua imagem no espelho, em
função das transformações no córtex parietal superior, responsável pela construção da
47
imagem corporal. Nessa fase, o corpo cresce rapidamente, porém de forma desigual:
“primeiro se perdem os sapatos, depois as calças, curtas demais, enquanto as blusas ainda
cabem por um bom tempo [...]” (HERCULANO-HOUZEL, 2005, p. 81).
Outra mudança se dá no sistema de recompensa (conjunto de estruturas que
geram uma sensação de prazer), fazendo com que o que aquilo que na infância era
agradável, não o seja mais na adolescência. Tal evidência pode explicar o tédio
demonstrado pelo que já é conhecido e a supervalorização do novo, o crescente valor
atribuído às novas relações sociais e aos comportamentos de risco.
Segundo a neurocientista, na adolescência, o córtex pré-frontal amadurece, o
que permite avanços na qualidade de pensamento e razão, ou seja, a capacidade do
raciocínio abstrato, a melhora da memória e da concentração; além disso, o amadurecimento
do córtex pré-frontal, possibilita o início do controle de impulsos. Para Herculano-Houzel
(2005), algumas “besteiras” comuns no início da adolescência, como, por exemplo, dirigir
sem habilitação, ou embebedar-se, podem ser atribuídas à imaturidade do córtex pré-frontal
e às alterações do sistema de recompensa.
As regiões do córtex cerebral são então, responsáveis pela tomada de
consciência, ou seja, aprendizagem a partir dos próprios erros, pela antecipação das
consequências e pelo arrependimento (HERCULANO-HOUZEL, 2005). O completo
desenvolvimento do córtex cerebral e temporal marca o fim da adolescência, isto é, após um
longo período de remodelagem e aprendizagem, vislumbramos um sujeito mais
independente, responsável e melhor inserido socialmente.
Considerando especificamente o desenvolvimento psíquico, vale lembrar que
toda nova capacidade inicia seu processo de assimilação de forma egocêntrica para, depois,
atingir seu equilíbrio, o que explica o egocentrismo intelectual também, nesse período. A
crença do adolescente na onipotência do pensamento, se revela, por exemplo, quando
acreditam que podem resolver todos os problemas do mundo dentro do próprio quarto,
como se o mundo devesse submeter-se a seus pensamentos e não estes à realidade. Inhelder
e Piaget (1976-2011, p. 255), citando Buhler, afirmam que "o adolescente não procura
apenas adaptar seu eu ao ambiente social, mas também adaptar o ambiente social a seu eu”.
Essa espécie de egocentrismo é consequência da sua entrada no mundo adulto. E
há nesse momento dois aspectos que inserem o adolescente na vida social adulta: o
48
programa de vida e a reforma da sociedade (INHELDER; PIAGET, 1976-2011; PIAGET,
1964-2006 e 1953-2005).
Inhelder e Piaget (1976-2011; PIAGET, 1964-2006 e 1953-2005) consideram
que o desejo transformador é característico deste estágio. O que, antes, era apenas do
domínio adulto, agora insere o adolescente na sociedade: o trabalho profissional. O
pensamento hipotético-dedutivo afasta, algumas vezes, o sujeito do mundo real. Entretanto,
ao experimentar o trabalho constante e efetivo, “de reformador, transforma-se em
realizador” (PIAGET, 1964-2006, p. 64), possibilitando que o pensamento formal entre em
acordo com a realidade, restabelecendo o equilíbrio.
A inserção do jovem no universo social adulto se dá graças às operações
formais, como também a duas fundamentais transformações afetivas: os sentimentos ideais
e a formação da personalidade (INHELDER; PIAGET, 1976-2011).

3.2. A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE ÉTICA E OS SENTIMENTOS


IDEAIS

Na adolescência, acrescenta-se, aos afetos interindividuais, os sentimentos


relativos às ideias ou ideais. Nesse momento, já existe uma independência desses ideais,
ressaltando a relação entre os mecanismos afetivos e o pensamento formal.
Vale ressaltar que, antes de falarmos a respeito da formação da personalidade,
do ponto de vista moral, que esse estágio do desenvolvimento afetivo corresponde ao que
Piaget chamou de personalidade moral (INHELDER; PIAGET, 1976-2011; PIAGET, 1964-
2006).
Como já dito anteriormente, a partir de 8, 9 anos em média, o respeito unilateral
vai sendo progressivamente substituído pelo respeito mútuo, ou seja, o que era fonte de
ordem absoluta cede espaço para a compreensão moral. O respeito unilateral ainda ocorre na

49
relação com os adultos, enquanto o respeito passa a ser mútuo entre pares, uma vez que se
consideram como iguais, estabelecendo, assim, relações de cooperação. Somente quando as
relações são baseadas na cooperação e na reciprocidade é que o indivíduo pode avançar para
a autonomia (moral mais evoluída).
Nessa tendência moral, o controle se torna interno, ou seja, o indivíduo respeita
regras que reconhece e as aceita como boas. O sujeito é capaz de se autogovernar. Há
autonomia moral quando “a consciência considera como necessário um ideal, independente
de qualquer pressão exterior” (PIAGET, 1932-1994, p. 155). Em resumo, é com o respeito
mútuo fortalecido e com a reciprocidade que se dá a autonomia e é por meio dela que o
indivíduo sente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado. Sobre os tipos
de moral, Piaget (1930-1996, p. 3-4) nos chama atenção, dizendo que:

Existe entre as crianças, senão no geral, duas “morais” [...] Essas duas
morais que se combinam entre si, mais ou menos intimamente, ao menos
em nossas sociedades civilizadas, são muito distintas durante a infância e
se reconciliam mais tarde, no curso da adolescência.

O autor também destaca que, para a criança ter a possibilidade de construir


progressivamente sua autonomia moral, é necessário que, no espaço de convivência com os
adultos, haja o exercício do respeito mútuo. Portanto, trata-se de oferecer um ambiente que
proporcione trocas sociais entre pares, discussão de pontos de vista, oportunidade de tomada
de decisões e de pequenas responsabilidades, expressão de sentimentos e pensamentos, além
de oportunizar as investigações e possibilidades de estabelecer relações. Falamos de um
ambiente em que a autoridade do adulto é minimizada.
No que se refere à personalidade, Inhelder e Piaget (1976-2011) afirmam que a
personalidade “é a adesão a uma escala de valores, não abstrata, mas relativa a uma obra”
(p.259). Em outras palavras, os pesquisadores, relacionam a personalidade a um papel social
que será criado à medida que o indivíduo o desempenha. Trata-se da, descentralização do
eu, em busca por manter uma boa imagem diante de si e do outro (PIAGET, 1932-1994). A
personalidade e a autonomia se implicam, mutuamente, uma vez que a cooperação conduz o
eu à submissão das regras reconhecidas como boas (PIAGET, 1930-1996).

50
Complementando os estudos de Piaget, La Taille (2006) chama esse período de
construção da personalidade ética. O autor opta por essa terminologia, ao adotar a
perspectiva de articulação entre o plano moral e o plano ético. “À indagação moral
corresponde à pergunta: “como devo agir?”. E à reflexão ética cabe responder à outra: “que
vida eu quero viver?”(p.29). Para o autor, o que une o plano moral e o plano ético é o
autorrespeito, como expressão da expansão de si próprio e causa essencial do sentimento de
obrigatoriedade. Em outras palavras, o que move o sentimento de obrigatoriedade, ou seja,
sua energética está no plano ético, na busca por representações de valor positivo de si. La
Taille (2006, p. 133) conclui: “respeita a moral quem, ao fazê-lo, respeita a si próprio”. A
construção da personalidade ética se dá pelo desenvolvimento moral e pelo fortalecimento
do sentimento de obrigatoriedade.
Há um sentimento experimentado tanto no plano ético quanto no plano moral
responsável pelo autorrespeito, que é a vergonha. Sentimento esse central na construção da
personalidade ética.
Para ser experimentada, a vergonha pressupõe um autojuízo negativo.
Diferentemente da culpa, que incide sobre a ação (sente-se culpa do que se fez), a vergonha
refere-se ao eu (sente-se vergonha do que se é). Por exemplo, a jovem sente vergonha de
estar acima do peso, ela se vê (não necessariamente o é) distante do físico que deseja. Se ser
magra não correspondesse a uma “boa imagem”, a uma representação de si desejada, se não
correspondesse a um conteúdo de busca de expansão de si própria, não sentiria vergonha.
Além disso, sente-se vergonha de algo que poderia acontecer: ao imaginar que poderia fazer
algo contrário a uma “boa imagem” de si, por exemplo, ser infiel, sendo a fidelidade um
valor reconhecido pelo sujeito. Neste caso, a vergonha pode ser antecipada e, por essa razão,
só possível ser sentida na adolescência.
A vergonha pode incidir sobre valores morais, amorais ou imorais associados ao
eu. Por essa razão, La Taille (2006) ressalta a importância de se destacar os valores morais,
esclarecendo que a vergonha moral é, experimentada quando não se cumpre o dever.
Em uma situação de conflito intrapessoal, a vergonha, como um jogo de forças
entre os valores, é um sentimento importante para a ação moral e para a constituição da
personalidade. Por meio do exemplo de Camus, La Taille (2006) nos explica melhor essa
afirmação. O autor nos conta que Camus era de família simples e criado por sua mãe,
51
empregada doméstica. Aceito em um colégio frequentado por alunos oriundos de uma
classe social mais elevada, o jovem teve de preencher um formulário em que se perguntava
a profissão da mãe. Ao responder, sentiu vergonha de escrever “empregada doméstica” e
afirmou que, por um instante, sentiu vergonha de ter tido vergonha de sua mãe e respondeu
a verdade.
Nesse exemplo, nota-se que, para Camus, o status social é um valor, por isso
sentiu vergonha ao preencher o formulário. Ou seja, a vergonha, como já dito, surge por
decorrer de um juízo negativo. Caso o jovem tivesse experimentado apenas a vergonha de
ser pobre, provavelmente teria inventado outra profissão. Mas não, Camus sentiu-se injusto
ao perceber a vergonha sentida em relação à profissão de sua mãe e tomou outra decisão.
Esse autojuízo negativo prova que nas representações de si, que são sempre valores, não
estão presentes apenas valores morais. Entretanto, quanto mais fortes, mais prevalecem na
tomada de decisão, frente a conflito de valores, num exercício permanente de
autorregulação. Camus demonstra nessa situação a presença de uma personalidade ética, tão
desejada por todos.
Em contrapartida, pode acontecer de as escolhas terem pouca ou nenhuma
relação com os valores morais, não podendo, então, supor uma personalidade ética, uma vez
que a vergonha não moral prevalecerá sobre a vergonha moral.
A grande questão está em saber o que determina, ou não, a construção de uma
personalidade ética. La Taille (2006) esclarece que, para que os valores sejam associados às
representações de si, precisam ser valorizados pelo entorno social.
O autor destaca o papel da autoridade, uma vez que é por intermédio dos valores
que inspiram os olhares das figuras significativas que a criança olha para si própria. Então,
se a criança viver em um meio social que pouco valoriza as ações morais, é provável que a
expansão de si pouco alimentar-se-á delas. Como essa expansão é uma força motivacional
incontornável, alimentar-se-á de outras ações. Por outro lado, se a criança viver em um meio
social em que conteúdos morais, como a justiça, são valorizados, ao agir de forma justa
poderá julgar a si mesma de forma positiva. Além disso, caso as figuras de autoridade
careçam, aos olhos da criança, de confiança, a criança poderá negar o valor atribuído a esse
sentimento e talvez não se sinta obrigada a ser uma pessoa confiável.

52
La Taille (2006) faz ressalvas com relação a um sentimento espontâneo presente
nas crianças, a simpatia. Se a capacidade de se comoverem com o sentimento alheio for
desvalorizada, as crianças buscarão outras áreas que as façam se sentir valorizadas, assim
como, se seus atos repentinos de generosidade forem objetos de admiração, aos poucos
poderão se ver como pessoas de valor por serem generosas.
Portanto, caso as ações morais não sejam valorizadas, outras representações de
si ganharão força, a expansão de si próprio seguirá outro caminho e, assim, outras
motivações serão fortes para a ação e para a resolução de conflitos entre diferentes
vontades. La Taille (2006, p. 141) é enfático em dizer: “se o sentimento de vergonha for
associado com mais força a conteúdos não-morais ou imorais, não haverá construção da
personalidade ética”.
A partir dessa análise, conclui-se que o adolescente precisa articular seu plano
moral e plano ético para ter uma personalidade ética, ou seja, que diante de um conflito de
valores, o valor moral tenha maior força. É bom lembrar que, para agir moralmente é
preciso respeitar a si próprio, e só se respeita quem se vê como valor, mas não qualquer
valor, valor moral. Dessa maneira, é favorável que esses valores estejam envolvidos nos
projetos de vida dos adolescentes.
Muitos autores, ao se dedicarem ao tema da adolescência, investigam os
projetos de vida. Damon (2009) estudou a importância da construção de projetos de vida no
desenvolvimento dos jovens na sociedade americana. Ao enfatizar o papel da família, da
escola e de outros membros de instituições sociais, numa perspectiva da psicologia positiva
(estuda não apenas as patologias, mas também as virtudes humanas), o autor ressalta a
importância de se promover a construção de projetos de vida que envolvam princípios
éticos, ou, como ele diz: “nobres”, visando a um bem-estar individual e coletivo.
D’Aurea-Tardeli (2006, 2009, 2010) também destaca a importância do projeto
de vida na adolescência, uma vez que é nesse momento que o jovem sente a necessidade de
ampliar o seu contexto social, assim como de efetivar sua participação, sua inserção no
mundo de trabalho e buscar relações afetivas mais íntimas. Para a autora, o projeto de vida
deve explorar a ideia de um adolescente ativo e envolvido, capaz de atuar
profissionalmente, de idealizar a construção de seu futuro e da sociedade, assim como, de
valorizar os laços afetivos e os cuidados com o outro.
53
A definição de projeto de vida, para Damon (2009, p. 53), é: “uma intenção
estável e generalizada de alcançar algo que é ao mesmo tempo significativo para o eu e gera
consequências no mundo além do eu”. Assim, destaca dois pontos importantes: projeto de
vida como objetivo de vida a longo prazo e como facilitador de um sentido de vida, além do
eu. Um projeto de vida pode ser externo ou interno, material ou imaterial, realista ou
irrealista. O importante é que age como fonte de motivação, como fonte de desejo de mudar
o mundo.
Embasada em autores da psicologia moral e do desenvolvimento humano,
D’Aurea-Tardeli (2010, p. 62) entende projeto de vida como: “uma estrutura psicológica,
que reflete as direções centrais do indivíduo, que determinam sua posição e pertencimento a
uma sociedade concreta”. Logo, como nos explica La Taille (2009a), o sujeito atribui valor,
ou seja, investe sua energia no que se encontra no centro de toda escolha de qual vida deseja
ter. A autora conclui, então, que o projeto de vida é essencial na construção da
personalidade moral, uma vez que implica dar prioridade a certos valores, escolher o que
considera melhor e, ao mesmo tempo, evitar o que pode lhe prejudicar para chegar à sua
meta.
Damon (2009) afirma que, em tempos pós-modernos, se compararmos o jovem
contemporâneo com o jovem rebelde dos anos 60 que imitava seus ídolos, estava
insatisfeito com a realidade e lutava por mudanças, encontraremos hoje, jovens sem metas
claras de vida, do que almejam para o futuro, presos ao presente, ao prazer instantâneo e às
emoções momentâneas. Inferimos, então, fundamentadas em autores da psicologia moral e
do desenvolvimento, que falta a esses adolescentes um projeto de vida.
Em consonância, Justo (2005) esclarece que, diferentemente das gerações
passadas, o jovem não deseja mais a realização de sonhos, vistos como algo longínquo.
Seguindo a lógica da instantaneidade, o que buscam é algo que pode ser conquistado
rapidamente, não é mais preciso aguardar ou adiar a satisfação de um desejo.
O mundo pós-moderno não comporta adiamentos, estabilidade, paciência,
tolerância e parcimônia. Em uma pesquisa com 448 alunos de escolas públicas e privadas,
com idade entre 15 e 18 anos, La Taille (2009a) solicitou aos jovens que elaborassem um
ranking entre dez virtudes previamente listadas (definidas): justiça, gratidão, fidelidade,
generosidade, tolerância, honra, coragem, polidez, prudência e humildade. Os jovens
54
elegeram como as três primeiras colocadas a humildade, a justiça e a fidelidade, e como as
três últimas virtudes elencadas: polidez, prudência e tolerância.
Essa colocação com relação à prudência e à tolerância, reflete diretamente as
características da vida atual. Em um mundo competitivo e instável, é inevitável enfrentar
riscos, isto é, ser prudente não é vantajoso. Ademais, o mundo precisa de um sujeito mais
ativo, impulsivo, pronto para mudar, não há espaço para a tolerância.
Objetivando investigar a construção da identidade de adolescentes de 10 a 13
anos, de ambos os sexos, de escolas públicas do interior de São Paulo, D’Aurea-Tardeli
(2010) buscou, por meio de um desenho-esquema (instrumento de investigação utilizado
pela Psicologia), explorar aspectos projetivos das personalidades jovens, suas expectativas
de futuro e, consequentemente, seus valores. Tanto em relação aos meninos, como às
meninas, o resultado aponta o desejo de constituição da própria família como primeira
opção, seguido de amizade e amor, para as meninas, e estudo, para os meninos; em terceiro
lugar, para ambos os sexos, o trabalho e, por fim, o lazer.
A autora acredita que, ao elegerem a família como sua primeira opção, os
adolescentes demonstraram que, possivelmente, internalizaram os valores sobre si, já que
isso ocorre porque a aprendizagem provém da observação dos pais, de outras pessoas
significativas e de receber mensagens sobre si mesmo a partir de suas ações. Acrescenta,
ainda, que é na pré-adolescência que se internalizam valores importantes e que os sujeitos
adquirem na família esses valores essenciais à formação moral. Mais tarde, na adolescência,
o sujeito entende as suas ações porque “aprendeu com os pais os hábitos, papéis sociais, e
os princípios de disciplina, assim deverá saber o que é apropriado em determinadas
circunstâncias sociais” (D’AUREA-TARDELI, 2010, p.66), sendo, então, capaz de se
autocontrolar, o que leva a pesquisadora a concluir que os pais são agentes poderosos de
socialização e que exercem uma influência crítica no desenvolvimento pessoal e social dos
filhos, podendo promover o amadurecimento para condutas pró-sociais.
Tognetta (2009) lembra a preocupação e a angústia de muitos pais, ao
vivenciarem essa fase, em que o adolescente passa a se sentir como igual ao adulto, tendo a
tendência de admirá-lo, como também de contradizê-lo. Contudo, ressalta que é inevitável
que, nesse momento, os adolescentes validem o que é valor para eles mesmos e, para isso,
primeiramente é preciso negar os valores dos pais ou das pessoas significativas, para assim
55
torná-los deles. Além disso, tendem a superar o adulto, por isso que, por exemplo, em seus
planos de vida, aparecem sentimentos generosos e projetos altruístas. Estudos acerca do
desenvolvimento moral nos mostram que todo jovem precisa de uma figura significativa
para poder desenvolver um autoconceito estável e maduro (D’AUREA-TARDELI, 2010).
Em alguns casos, para Inhelder e Piaget (1976-2011), os programas de vida até
podem influenciar ideias que se desenvolverão no futuro, mas, em geral, constituem apenas
uma espécie de jogo superior que os satisfazem naquele momento, mas que, em seguida,
serão abandonados.
Tognetta (2009, p. 71) pergunta: “existiria, portanto, uma necessária correlação
entre Ética – um sentido para vida – e Moral – um conteúdo de dever?” A pesquisadora
desenvolveu um estudo com 150 adolescentes, 75 suíços e 75 brasileiros, com o objetivo
principal de constatar essa possível correspondência. Como resultado, encontrou que Ética e
Moral se complementam. Em um primeiro estudo, a autora fez uso de questionamentos a
respeito do sentimento de admiração ligado às imagens de si, evidenciando os conteúdos
morais. No segundo estudo, olhando para os conteúdos éticos, aplicou dilemas de
generosidade. Ao final, cruzou essas respostas em um terceiro estudo, em que encontrou que
não basta o indivíduo considerar a generosidade como necessária; para considerar os
sentimentos alheios, é preciso ter assimilado às suas próprias identidades uma perspectiva
ética, uma “vida boa” com valores morais. A autora conclui que, para a formação da
personalidade ética, então, é “preciso haver uma correspondência entre as imagens de si e os
conteúdos morais”. Em seu quarto estudo, compara os dados dos estudantes brasileiros e
suíços, constatando que a correspondência pode ser encontrada em outras culturas.
Um dado nos chamou a atenção no primeiro estudo. Ao perguntar “O que é
preciso que alguém faça para merecer sua admiração?” e “O que as pessoas podem admirar
em você?”, a pesquisadora encontrou, na primeira questão, 52%, e 46,67%, na segunda, de
respostas com conteúdos éticos. Diferentemente do que costumeiramente se pensa, a
juventude atual ainda percebe os conteúdos éticos como admiráveis. Porém, Tognetta (2006,
apud TOGNETTA, 2009, p. 74) faz uma ressalva: “esta constatação não exime o fato de
que há outros valores presentes na geração atual que distanciam da Ética e mesmo daqueles
os quais nosso saudosismo no faz remeter a gerações anteriores”.

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Ficam claras as transformações cognitivas e afetivas neste estágio da vida, mas e
as transformações sociais?

3.3. AS RELAÇÕES ENTRE PARES

Nota-se, na adolescência, a tendência de meninos e de meninas de se reunirem


em grupos com seus semelhantes, ou seja, com aqueles que têm interesses parecidos com os
seus. Inhelder e Piaget (1976-2011) acreditam que essa vida social é a origem da
descentração intelectual, além de afetiva, uma vez que é por meio das trocas de ideias que o
criador das teorias pode perceber a fragilidade das mesmas.
O relacionamento entre amigos favorece o desenvolvimento cognitivo e afetivo
da pessoa. Se privado de estabelecer relações e trocas, o sujeito pode tornar-se um adulto
instável emocionalmente. Dessa forma, Tortella (1996) afirma, então, que uma das razões
para se ter amigos é a possibilidade de nos mantermos estáveis emocionalmente. Outra
razão seria a necessidade de estabelecer relações, de se comunicar, falar de si próprio, das
suas angústias e conquistas. De acordo com Papalia et al. (2009), para o adolescente, o
grupo de amigos é fonte de simpatia, afeto, orientação e entendimento. “É um lugar para
formar relacionamentos íntimos que servem de “ensaio” para a intimidade adulta” (p. 457).
Coleman (2011), aponta seis funções para amizade na adolescência: companheirismo, elo de
confiança, ajuda mútua, intimidade, autovalidação (legitimação) e segurança emocional.
Esses atributos são elementos chave para uma amizade considerada adequada, uma vez que
proporcionam trocas pessoais, lealdade, veracidade e oferecem ajuda em momentos difíceis.
Já Piaget (1932-1994) afirma que, desde muito cedo, ao se reconhecer como
identidade separada de seus pares, o sujeito nutre por eles uma espécie de simpatia, e é por
meio dessa sensibilidade presente nas relações com os iguais que mesmo o pequeno é capaz
de sentir o que o outro sente. Para ser capaz de sensibilizar-se, é preciso estar acostumado a
conviver com os pares. Em função disso, a convivência entre crianças e jovens é
imprescindível para se formar pessoas éticas, uma vez que é por meio das trocas (saber o

57
que pensam ou sentem seus colegas, descobrir o que é comum entre eles) que será possível
sensibilizar-se com as tristezas, com as alegrias, com a dor do outro.
Por volta de doze aos treze anos, a influência dos amigos atinge seu ápice.
Nessa fase de formação das amizades, os jovens sofrem pressões sociais para se inserirem
em, pelo menos, um grupo, não em qualquer grupo. Ser popular é algo tão valorizado que
alguns adolescentes, desejando maior popularidade, desqualificam ou buscam falhas de
jovens que estão fora do seu grupo. Também é importante ser notado, fazer parte de um
grupo e ser capaz de se manter nele, fatores esses relacionados à autoestima e ao
desenvolvimento da personalidade (PAPALIA et al., 2009; COLEMAN, 2011).
Provavelmente, o tempo dispendido e a importância dada aos amigos são
maiores na adolescência do que em qualquer outra etapa da vida.
Embora as amizades diádicas, ou binárias, existam, as panelinhas – grupos
estruturados de amigos que fazem coisas juntos – tornam-se mais importantes. Um terceiro
e amplo agrupamento que não existia antes da adolescência são as turmas, que não mais se
baseiam nas interações pessoais, mas, sim, na reputação, imagem ou identidade. Vicentin
(2009a), Papalia et al. (2009) e Fierro (1995) acrescentam que os agrupamentos, que eram
do mesmo sexo, passam a ser mistos.
D’Aurea-Tardeli (2014) denomina os grupos formados por jovens de
subculturas juvenis. São assim identificados por “serem portadores de características
particulares comuns que definem suas identidades, especialmente no que se refere às
ideologias e aos sistemas de valores” (p. 54). Essas subculturas têm papel mediador entre as
exigências sociais e os interesses dos próprios adolescentes. Segundo a autora, o resultado
dessa mediação é a criação de crenças e de valores que passam a ser compartilhados no
interior do grupo. É dessa maneira que se formam as “tribos”.
Cada “tribo” tem uma identidade própria, que a diferencia das demais. Assim,
cada uma delas encontra uma maneira de se expressar a partir da construção de um estilo
próprio, que pode envolver a linguagem, as roupas, a música, entre outras coisas. Como já
destacamos anteriormente, vivemos um contexto de liquidez e dinamismo na sociedade pós-
moderna (BAUMAN, 1998) e há uma nova configuração nos relacionamentos interpessoais
(LA TAILLE, 2009b), o que sustenta a criação de grupos juvenis com novos estilos.

58
Os adolescentes priorizam o grupo em relação à família. Na verdade, para
Rappaport et al. (1982), a dependência da família é transferida para o grupo e essa é uma
etapa intermediária para a independência. Em meados da adolescência, os sujeitos
transferem essa dependência para o relacionamento amoroso (VICENTIN, 2009a;
PAPALIA et al., 2009). Entretanto, Fierro (1995) acredita que, geralmente, o adolescente
leva em consideração mais o critério dos pais em decisões para o futuro, ao mesmo tempo
em que segue mais os companheiros em seus desejos e necessidades atuais.
Bauman (1998) vai além. O autor considera que a família, na pós-modernidade,
deixou de ser a instituição formadora por excelência, cedendo lugar a outros espaços, ou
pessoas com as quais o jovem compartilha suas experiências e preferências, em busca de
contato social. O que nos leva a crer que o crescimento das tribos urbanas esteja relacionado
a essas mudanças.
Selman, autor de referência na atualidade no que se refere ao desenvolvimento
humano e à Psicologia, dedicou seus estudos à evolução da tomada de perspectiva
(capacidade de compreender o ponto de vista de outra pessoa e de se colocar no seu lugar) e
da coordenação de perspectiva (integração dos pensamentos, desejos e sentimentos do outro
com os próprios, articulando os pontos de vista ou criando novas possibilidades),
considerou alguns domínios críticos para o desenvolvimento social saudável. Por essa razão,
buscou compreender quais as concepções das crianças e dos jovens relativas ao indivíduo,
às relações pais e filhos, às relações entre pares e às relações de amizade (SELMAN, 1980;
SELMAN; SHULTZ, 1990).
Por meio de estágios de desenvolvimento, o autor descreve a compreensão dos
sujeitos a respeito desses domínios. Ou seja, cada um desses domínios é compreendido
pelas crianças e jovens segundo estágios evolutivos, os quais se apresentam em uma
sequência fixa de indivíduo para indivíduo, de forma que as concepções se tornam mais
elaboradas e complexas ao longo do seu desenvolvimento.
A orientação de ideias físicas e egocêntricas para uma descentração e para uma
coordenação de perspectivas, segundo o autor, possibilita que o sujeito desenvolva seu
senso de justiça e equidade, sua habilidade de cooperar e sua habilidade de sentir
compaixão, tolerância e respeito por si e pelos outros (SCHULTZ; YEATES; SELMAN,
1989).
59
Destacamos que, na adolescência, a influência dos amigos é extremamente
significativa, priorizando o grupo a família. A vida social ganha força, em função das
descentrações intelectual e da afetiva, e as amizades se tornam grupais e mistas. Neste
momento do trabalho, então, em que discutimos a importância dos pares na vida dos
adolescentes, nos interessa compreender, especificamente, o domínio da amizade.
Para Selman (1980, p. 85), a amizade, é composta por temas que estão presentes
em todos os estágios de desenvolvimento (estágios 0 a 4), correspondendo a um conjunto de
conceitos estruturados, segundo uma lógica comum. São eles:
1. Formação: por quais motivos e como (mecanismos) as amizades são feitas; o
amigo ideal.
2. Proximidade: tipos de amizade, amizade ideal, intimidade.
3. Confiança: fazer coisas para os amigos; reciprocidade.
4. Ciúmes: sentimentos relacionados às intrusões dentro de novas amizades, ou
em amizades já estabelecidas.
5. Resolução de conflito: como os amigos resolvem seus problemas.
6. Terminação: como se rompem as amizades.
Assim, a primeira infância é marcada pelas concepções do estágio 0 (amizade
como interação física momentânea); em média, por volta dos seis anos, as crianças,
possuem a concepção do estágio 1 (amizade como assistência de “mão única”); o estágio 2,
aos oito anos (amizade como cooperação em tempo justo); por volta dos doze, o estágio 3
(amizade como intimidade e compartilhamento mútuo); aos quinze, o estágio 4 (amizade
como múltiplas perspectivas).
No estágio 0, a amizade é definida como uma relação momentânea ou repetida.
Os conflitos são resolvidos com a aplicação da força física. No estágio 1, a subjetividade já
está presente, os amigos são aqueles que sabem o que eu gosto, sendo, assim, unilateral. O
conflito também é resolvido de forma unilateral: um está certo e o outro, não. Já no estágio
2, de 8 a 11 anos, em média, a amizade passa a ser recíproca, há um encontro de gostos, mas
o foco continua sendo particular. No conflito, as duas partes se engajam, mas ainda com um
caráter bastante coercitivo (SELMAN, 1980).
Falemos agora, com maior riqueza de detalhes, dos estágios que englobam o
período da adolescência, público alvo de nosso estudo. No estágio 3 (12 a 14 anos), o
60
indivíduo consegue abstratamente sustentar o relacionamento de amizade. Por isso, o foco
principal está na própria relação, mais do que em qualquer um dos indivíduos
separadamente. A principal função da amizade passa a ser vista como o apoio mútuo, trocas
ao longo do tempo. Para isso, os sujeitos buscam conhecer os traços, personalidades,
interesses em comum e características que se completam. Proximidade inclui intimidade e
confiança, esforços de ambas as partes para manter a relação. Logo, aparece aqui uma
perspectiva possessiva, o sujeito entende que um bom amigo é também protetor da relação
e, assim, não permite que outros interfiram, por medo de perder o relacionamento todo.
Como estratégia para resolver os conflitos, os sujeitos conversam a respeito das coisas, já
que percebem que um conflito particular trabalhado adequadamente pode fortalecer o
relacionamento. O rompimento da amizade pode se dar quando há conflitos que desfaçam o
elo de confiança.
No estágio 4 (15 a 18 anos), o sujeito compreende que podem existir diferentes
tipos de relacionamento, tais como: relações de negócios, relações casuais, amizades íntimas
etc. A relação de amizade é vista como um sistema em constante transformação, aberto a
mudanças e flexível. É consciente da possibilidade de se conhecer alguém por meio de suas
companhias. De modo semelhante, fazer amigos significa conhecer reciprocamente, até
conquistar um relacionamento de confiança. O “bom amigo” é aquele com quem você tem
maior afinidade, um conceito bastante relativo. Nesse estágio, a confiança se dá na ajuda
mútua e na liberdade de estabelecer outras relações, ou seja, há menos sentido na possessão
presente no estágio anterior. Os conflitos tendem a ser resolvidos e entendidos por meio de
tentativas mútuas de autorreflexão. As mudanças de interesse podem pôr fim ao
relacionamento.
As transformações nas relações entre pares e no próprio sujeito fazem da
adolescência um período repleto de desafios também para a família.
Discórdia, confusão, conflito, alienação, impulsividade são alguns adjetivos que
comumente caracterizam a “rebeldia” adolescente. Contudo, Papalia et al. (2009) suscitam
pesquisas escolares sugerindo que apenas um, em cinco, adolescentes enquadra-se nesse
padrão. Os autores afirmam que, em nossa sociedade, a maioria dos jovens mantém um
relacionamento próximo e positivo com os pais, valorizando a opinião e compartilhando das
mesmas ideias, sem negar as dificuldades enfrentadas por esses protagonistas.
61
Como já discutido, Coleman (2011) apresenta alguns estudos que evidenciam
que os pais são bastante importantes na tomada de decisões para o futuro, como, por
exemplo, na escolha de uma carreira profissional, enquanto os amigos são mais influentes
nos dilemas vividos e nas atividades de lazer. Outras pesquisas encontraram que alguns
adolescentes solicitam ajuda dos familiares e amigos para tomar decisões importantes
Comumente, a maioria das discussões se refere às tarefas do dia a dia: organizar
a roupa, cumprir com os horários combinados, fazer as tarefas escolares, namorar, ter
amizades. Para os autores, essas discussões dependem principalmente da personalidade do
adolescente e da forma como é tratado por seus pais.
A pesquisa de Durbin et al. (1993, apud COLEMAN, 2011) apresenta que o
estilo parental influencia a escolha das amizades. Os filhos de pais que se mostram mais
indiferentes ou negligentes escolhem amigos que também não se interessam pelos valores
dos adultos. Os filhos de pais permissivos optam por amigos mais divertidos, enquanto
filhos de pais autoritários fazem amizade com pessoas que se engajam com os deveres
escolares e com as atividades da comunidade.
Alguns autores (VICENTIN, 2009a; PAPALIA et al., 2009) apontam o desejo
dos pais de que seus filhos sejam mais independentes, mas que não conseguem deixá-los ir.
Além disso, precisam protegê-los dos erros de julgamento comuns dessa idade. Enquanto
isso, os jovens apenas desejam sua independência. Stengel (2011), a partir de uma pesquisa
qualitativa baseada na história de vida realizada com nove pais de adolescentes de classe
média, apresenta as queixas dos pais nessa fase: insegurança frente à busca de autonomia
dos jovens e a dor do afastamento. Além disso, vivem um grande desafio: uma das tarefas
dessa fase é a construção de uma identidade adulta. Nesse processo, a família precisa
readaptar as normas de convivência. Mas a autora ressalta o cuidado que os pais devem ter
para não assumir o lugar dos amigos. Muitas vezes, como mecanismo de controle, os pais se
tornam amigos de seus filhos, pois o conceito de amizade, por exemplo, permite as trocas de
confidências. Ao fazer isso, os pais trazem uma lacuna para o lugar da figura de autoridade,
fazendo os filhos não terem com quem competir e a quem desafiar, processos de luto tão
necessários para o desenvolvimento.
Outra mudança bastante significativa característica da adolescência se dá nos
relacionamentos afetivos. Os relacionamentos amorosos são uma parte fundamental do
62
mundo social dos adolescentes. As relações afetivas tendem a se tornar mais íntimas com o
decorrer da adolescência. Essa forma de se relacionar se dá, segundo Piaget (1964-2006),
porque o adolescente descobre o amor, mas projeta sempre um ideal neste objeto que pode
ser real, talvez se interessando mais pelo romance que constrói do que pela pessoa
envolvida, o que justifica decepções tão repentinas. Papalia et al. (2009) relatam que o fim
dos relacionamentos está entre os maiores preditores de depressão e suicídio.
Justo (2005) destaca a influência, na contemporaneidade, da transitoriedade na
instabilidade e na brevidade dos vínculos e contatos sociais. Para o autor, a consequência
dessa liquidez se mostra em relações interpessoais mais frágeis e temporárias. Inseridos em
uma lógica social em que tudo é breve, imediato, compromissado apenas com a satisfação
dos desejos, os relacionamentos entre os adolescentes duram apenas horas e não
demonstram comprometimento com o futuro. Exemplo disso, são os atos de “ficar” ou
“pegar”, comum entre os jovens. Há, então, relações efêmeras e superficiais.
Vicentin (2009a), também abordando os relacionamentos amorosos dos
adolescentes, explica que alguns conflitos interpessoais podem surgir por essa razão. A
autora acredita que a forma como o educador trata essas situações pode influenciar
diretamente no desenvolvimento moral e ético e até mesmo prejudicar a confiança desses
alunos, uma vez que, ao censurar, ou ao tratar algo natural como impróprio ou imoral, a
atitude do educador pode gerar repressões ou mais curiosidade.
Encerramos este capítulo, acentuando nossa intenção em apresentar algumas
ideias, desafios e conquistas em torno da adolescência. Em síntese, a partir da perspectiva
teórica em que nos apoiamos, na dimensão cognitiva, o sujeito já tem condições para o
pensamento formal, hipotético-dedutivo; a dimensão afetiva tem como conquista os
sentimentos ideais e a formação da personalidade e, na dimensão social, o significado das
relações. É um momento crucial de reorganização da identidade do jovem em que há a
modificação das relações mais íntimas, da imagem de si mesmo e do reconhecimento de seu
lugar no mundo.
Ele é capaz de se descentrar, focar interesses e eleger valores morais para o
sentido de vida, mas por que não o faz? São recorrentes as reclamações de pais e educadores
a respeito dos comportamentos adolescentes. Meninos e meninas que apresentam atitudes
impulsivas, irresponsáveis, agressivas, desrespeitosas etc. Embora a violência no mundo
63
contemporâneo esteja presente na sociedade como um todo, independentemente do espaço,
da classe social e da faixa etária, Camacho (2001) destaca um crescimento significativo de
práticas violentas entre os jovens de classe média e alta, nos diversos contextos nos quais
estão inseridos: rua, escola e família.
Entretanto, em suas pesquisas, Carina (2009), Vicentin (2009b) e Carina e
Mantovani de Assis (2011) encontraram como estratégia predominante utilizada pelos
jovens brasileiros a estratégia submissa, seguida da agressiva. Apesar de muitas vezes não
preocuparem pais e professores, as estratégias submissas merecem um olhar atento, uma vez
que o sujeito vai deixando-se dominar pelo poder do outro. Além disso, “pode passar a vida
toda com inúmeras reações internas desconfortáveis sem que possa repensar outras
estratégias de resolver conflitos” (VICENTIN, 2009b, p. 15).
A seguir, apresentaremos os conflitos presentes nas relações sociais entre pares
na escola.

64
4. OS CONFLITOS INTERPESSOAIS

É comum os meios de comunicação e até mesmo algumas pesquisas relatarem


um aumento da violência. Em função disso, assistimos a secretarias de educação solicitando
a intervenção da polícia militar, como noticiado no estado de Goiás (FERREIRA, 2014).
Como forma de combater a violência na sala de aula, um policial com formação em
pedagogia será o diretor da escola e outros serão responsáveis pela disciplina de educação
física. Entretanto, outros estudos chamam a atenção para os dados apresentados acima.
Segundo Blaya et al. (2006), Debarbieux (2006) e Leme (2006), o que tem aumentado na
escola não é a “violência dura”, aquelas que são reguladas pelo Código Penal, como
comentamos anteriormente, mas, sim, a indisciplina e os conflitos, como os insultos, as
agressões, as pequenas infrações, a desobediência às regras, ou seja, as incivilidades ou
microviolências. As incivilidades incomodam mais pela intensidade e frequência do que
pela sua gravidade, uma vez que se caracterizam como pequenas agressões que se repetem
no cotidiano escolar, como, por exemplo, a impolidez, a zombaria, a indiferença, entre
outras, que serão aprofundadas mais a frente (DEBARBIEUX, 2006).
Alguns dados atuais de pesquisa comprovam essa ideia. O relatório de pesquisa
“Bullying Escolar no Brasil”, publicado em 2010 pelo Instituo Plan6, mostrou que 70% dos
estudantes do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental das cinco regiões do Brasil afirmaram,
no ano de 2009, ter presenciado cenas de agressões entre os colegas, e 30% declararam ter
experimentado uma situação de violência na escola nesse mesmo período. Abramovay e
Rua (2004) encontraram que de 21 a 40% dos estudantes dizem ter conhecimento de
situações de ameaça contra funcionários, pais e alunos. As pesquisadoras encontraram nas
escolas das principais capitais brasileiras que 1/5 dos entrevistados declara conhecer pessoas
que foram agredidas no ambiente escolar. Pesquisa da APEOESP (2014) afirma que 72%
dos professores já presenciaram brigas entre alunos. 44% dos professores e 24% dos alunos
afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência em suas escolas.

6 A Plan International Brasil é uma organização não governamental humanitária, sem filiação política ou religiosa, presente em 70 países.
No Brasil, desenvolve projetos desde 1997 (www.plan.org.br).

65
Entretanto, chama a atenção também a forma como os conflitos vêm sendo
resolvidos. Em uma pesquisa com 5000 jovens da cidade de São Paulo, La Taille (2006)
encontrou que 90% consideram que, atualmente, os conflitos são “muito mais” e “mais”
resolvidos pela agressão do que pelo diálogo. La Russo e Selman (2011) citam o estudo de
Shanklin et al. (2007), que mostra que mais da metade dos conflitos envolvendo alunos do
Ensino Fundamental nos Estados Unidos são resolvidos de forma violenta. No Brasil,
estudos (VICENTIN, 2009b; LEME, 2004) encontram nos jovens pesquisados a tendência à
pouca assertividade e à alta submissão, o que reitera a necessidade urgente de se trabalhar
com as resoluções de conflitos.
Essa necessidade urgente se mostra em nossa sociedade não apenas na
instituição escolar. Pesquisando a violência doméstica e familiar contra a mulher, o
DataSenado (2013)7 ouviu 1248 mulheres de todos os estados brasileiros e apuraram que,
das mulheres entrevistadas, 18,6% afirmaram já ter sido vítimas de violência doméstica.
Uma parcela expressiva delas (20,7%) nunca procurou ajuda nem denunciou o agressor.
Segundo Waiselfisz (2015), entre 1980 e 2012, morreram mais de 880 mil pessoas vítimas de
disparo de algum tipo de arma de fogo. Nesse período, houve um crescimento de 387% de
mortes. Entre os jovens de 15 a 29 anos, esse crescimento foi ainda maior: passou de 4.415
vítimas, em 1980, para 24.882, em 2012: 463,6% de aumento nos 33 anos decorridos entre
as datas. Além disso, podemos encontrar inúmeras reportagens que abordam as brigas no
trânsito, local de intensa interação social, onde os desentendimentos resultam em agressões
físicas e até mesmo em morte. Dados como esses nos confirmam a ideia de que falta para nossa
sociedade conhecer formas mais assertivas de resolver seus conflitos.
A palavra conflito vem do latim “conflictus”, do verbo confligo, ere: chocar. Os
termos latinos que dizem respeito a essa etimologia são: conflictatio, onis, que significam
ação de chocar, disputa ou ação de lutar contra (ROCHEBLAVE-SPENLÉ, 1974). Dessa
forma, a etimologia do termo pode justificar porque os conflitos são vistos como
ameaçadores, perigosos ou danosos às relações.
Consideramos neste trabalho que o conflito se refere a interações sociais em
desequilíbrio, provocado por valores, perspectivas ou opiniões contraditórios percebidos por

7http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf

66
comportamentos externos de oposição ou por manifestações sutis da afetividade, tais como
expressões, tom de voz, gestos, os quais interferem nas estratégias escolhidas, tanto as
favoráveis ao convívio, como o diálogo e a negociação, quanto aquelas que provocam
afastamento, como o confronto e a coação (LEME, 2011a, 2011b; VINHA et. al., 2011).
Dessa forma, fazem parte da vida cotidiana e devem ser vistos com naturalidade. Alguns
autores (MORGADO; OLIVEIRA, 2009; REDORTA, 2009; LAURSEN; PURSELL, 2009;
SERRANO; GUZMAN, 2011) afirmam que toda interação entre as pessoas abre espaço
para os conflitos, sendo considerados, então, como algo inerente à condição humana.
Portanto, engana-se quem acredita que paz significa ausência de conflitos (VINHA, 2003).
Os conflitos têm papel central na teoria construtivista. Piaget compreende os
conflitos como necessários ao desenvolvimento, tanto os que ocorrem no interior do sujeito
como os conflitos entre os indivíduos. Os conflitos vivenciados pelo sujeito, por exemplo, a
necessidade de adaptar-se às circunstâncias novas, levam-no a buscar uma nova organização
interna. Dessa forma, ao experimentar um conflito, “o indivíduo tenderá a ‘equilibrar-se
novamente’, tentando resolvê-lo, assimilando novos elementos que, até então, não haviam
sido percebidos, reorganizando seu pensamento” (VINHA, 2003, p. 87). Ao se envolver em
um conflito com o outro, o sujeito é motivado a refletir as diferentes maneiras de
restabelecer a reciprocidade. Vale ressaltar que uma resolução de conflito positiva sugere
um equilíbrio entre a capacidade de persuadir o outro e a de satisfazer a si mesmo
(DEVRIES; ZAN, 1998).
Piaget ressaltou a importância do papel dos conflitos interpessoais, já que, a
partir desses, o indivíduo começa a levar em consideração diferentes pontos de vista,
facilitando, assim, o conflito interno. Para Piaget (1932-1994), o conflito social gera
desequilíbrio e é por meio dele que a criança e o adolescente tem a oportunidade de refletir
diferentes maneiras de restabelecer a reciprocidade, promovendo a capacidade de se
descentrar, de argumentar, de considerar os diferentes pontos de vista e de operar levando
em consideração os sentimentos, perspectivas e ideias do outro.
Segundo essa teoria, como já dissemos, os conflitos são vistos como necessários
ao desenvolvimento. São oportunidades para aprendizagem de valores e de regras e para o
desenvolvimento da autorregulação. Eles podem dar pistas aos adultos do que os envolvidos
precisam aprender. Sua ausência reflete o respeito unilateral, em que há poucas
67
discordâncias, pois apenas uma parte detém o poder e a razão. Além disso, também são
oportunidades de autoconhecimento e de conhecimento do outro (VINHA, 2000, 2003 e
2013; TOGNETTA; VINHA, 2007; VINHA; TOGNETTA, 2009; VICENTIN, 2013).
Nesse sentido, de acordo com Shantz e Hartup (1992), os conflitos acontecem
onde existe vida, social e mental, em situações em que as pessoas interajam com frequência.
Portanto, os desentendimentos são inevitáveis na escola. Para os autores, as diferenças entre
o que as pessoas pensam, fazem ou poderiam fazer, trazem conflitos, ou seja, eles sempre
existirão.
A resolução cooperativa de conflitos é um processo complexo. Por essa razão,
exige recursos cognitivos mais evoluídos. Crianças de até dez anos, em média, demonstram
dificuldade em coordenar várias informações e propor soluções justas para os envolvidos
tanto em função de uma menor maturidade, como pela menor experiência com situações de
conflito. O que não significa que a escola não deva intervir nos conflitos esperando a
maturidade, uma vez que, sem a experiência em negociar, identificar e expressar
sentimentos, refletir com relação aos direitos e aos deveres do outro, a criança não exercerá
mudança no futuro, pois a estratégia de coordenar as informações não terá sido colocada em
prática.
Uma situação de desentendimento sempre envolve regulações afetivas, uma vez
que diz respeito aos quereres e aos sentimentos dos envolvidos. Esses quereres e
sentimentos podem influenciar na forma como o sujeito resolve seus conflitos. Ou seja,
mesmo tendo condições cognitivas para resolver um conflito assertivamente, não o faz em
função dos vieses afetivos (LA TAILLE, 2002; VINHA, 2003; LEME, 2004a;
TOGNETTA, 2009). Ao vivenciar uma situação em que é preciso tomar uma decisão entre
um desejo forte e imediato, como, por exemplo, transgredir uma lei em seu benefício, e um
desejo, no momento do conflito, mais fraco, de se ver como uma pessoa honesta, o sujeito
tem a chance de utilizar um mecanismo regulador dos afetos: a força de vontade. Ou seja,
inconscientemente, a pessoa recorda-se de experiências semelhantes já vividas, das
consequências e dos sentimentos envolvidos (retrospectiva) e, a partir disso, antecipa as
prováveis consequências dessa ação (prospectiva), fazendo com que o sujeito empregue
uma força de vontade que leva àquele querer não imediato, que é se ver honesto, ser

68
suficientemente forte para regular o outro querer, mais forte nesta situação (transgredir a
lei). Essa operação afetiva é muito semelhante à que é feita no âmbito da lógica.
Crianças e jovens vivem todo o tempo esse conflito de “quereres”. Por exemplo,
eles não querem agredir, mas sentem uma raiva incontrolável, ou querem algo que não lhes
pertence, entretanto querem se ver como pessoas em quem se pode confiar. Dessa forma,
Vinha (2013) enfatiza a importância dos conflitos no desenvolvimento desse mecanismo de
regulação dos afetos, pois é por intermédio dessas situações que os envolvidos têm a
oportunidade de tomar decisões, experimentar as consequências naturais de seus atos e
refletir a respeito dos sentimentos, das ações e dos resultados.
A autora destaca que “não existem sentimentos bons ou ruins, certos ou errados.
Os afetos fazem parte de nós” (p.74). Portanto, restringimos atos, não sentimentos. Todas as
pessoas têm direito de sentir raiva, mas não podem agredir, por exemplo. Os sentimentos
devem ser identificados e manifestados, sem causar dano ao outro, ou seja, sem atacar sua
dignidade, sem desrespeitá-lo.
Sastre e Moreno (2002) validam a importância dos conflitos nas relações
interpessoais e, por conseguinte, defendem que a escola realize um trabalho nessa área, ou
seja, que haja um momento sistematizado, planejado e organizado em que os alunos possam
refletir a respeito de seus conflitos. Se não há aprendizagem para a resolução de suas
desavenças, “o sujeito recorre a contar nos dedos” (p. 51). Isso quer dizer deixar-se levar
pelas emoções e impulsos, sem reflexão, apresentando respostas primitivas, como agredir,
inibir-se de atuar ou guardar ressentimento.
Esse trabalho também favorece o autoconhecimento, porque os sujeitos podem
conhecer os afetos que os movem, analisar as consequências de suas escolhas e atitudes e,
assim, desenvolver mecanismos de regulação desses afetos. É importante ressaltar também
o sentimento de autovalorização, ou seja, quando uma criança ou jovem opta por uma ação
moral, mesmo tendo perdas concretas. Por exemplo, ao contar algo errado que fez, o jovem
reconhece os “riscos”, mas escolhe pela verdade. Isso deve ser valorizado, descrevendo a
real necessidade da regra, demonstrando que pessoas podem confiar umas nas outras. Em
seguida, acontecerá a conversa com relação à infração cometida (VINHA, 2013).
Leme (2004b) conclui, a partir de alguns estudos, que os programas de
intervenção podem, sim, auxiliar os alunos a construírem estratégias mais assertivas para a
69
resolução de seus conflitos, porém esses programas apresentam melhores resultados quando
são iniciados com sujeitos mais novos.
O que nos leva a questionar: quais oportunidades os adolescentes têm de
aprender a resolver conflitos por meio do diálogo, de forma mais assertiva e cooperativa? Se
não na escola, onde poderão desenvolver estratégias mais adequadas para lidar com as
desavenças?
Ao investigar os conflitos em escolas públicas e privadas de São Paulo, Leme
(2006) obteve respostas que indicam que 52% dos alunos da 6ª série (5º ano) e 46,9% da 8ª
série (9º ano) acreditam que os conflitos aumentaram nos últimos anos. Além disso, 76%
dos diretores paulistas acreditam que as desavenças entre os estudantes estão sendo
resolvidas de forma cada vez mais violenta e 85,5% deles consideram a gestão de conflitos
entre os alunos como um aspecto muito importante para o bom funcionamento escolar.
Segundo Deluty (1979), pesquisador pioneiro no estudo das formas de resolução
de conflitos por crianças e adolescentes, eles podem ser resolvidos de duas maneiras: de
maneira violenta ou de maneira pacífica, dependendo dos recursos cognitivos e afetivos dos
protagonistas e dos contextos sociais em que ocorrem. Para Leme (2011a, p. 162), “os
recursos cognitivos e afetivos ampliam ou restringem a interpretação da situação e o
contexto sociocultural normatiza as condutas possíveis, isto é, como se conduzir nas
situações”.
Dentre essas estratégias de resolução, a autora explicita que as estratégias
pacíficas se dividem em dois subtipos: a submissa e a assertiva. A primeira se caracteriza
pela não interação, ou seja, pela fuga da situação. Seu objetivo é o desfecho rápido, não
envolvendo riscos e pode incluir, ainda, a solicitação da intervenção de um terceiro. Esse
comportamento considera os direitos, as ideias e os sentimentos dos outros em detrimento
dos próprios. Na segunda, por sua vez, o do comportamento assertivo, há um
enfrentamento, mas busca-se resolver a situação por meio da conciliação ou da negociação,
e seu objetivo é um desfecho favorável para todos os envolvidos, frequentemente com a
manutenção da relação. Devido às coordenações cognitivo-afetivas, o sujeito considera os
próprios direitos e leva em consideração os direitos, as ideias, os sentimentos e as opiniões
do outro.

70
Por fim, a estratégia agressiva ou violenta está associada ao desejo de controle
ou de posse dos objetos e recursos, por meio da coerção, ou seja, faz valer o desejo e a
opinião do emissor, sem considerar os sentimentos, os desejos e as opiniões do outro.
Entretanto, a autora comenta que há possibilidade de se encontrar estratégias ambivalentes
ou ambíguas, que misturam essas formas de reagir ao conflito (LEME, 2004a e 2011a).
Utilizando um instrumento8 com conflitos interpessoais hipotéticos, Vicentin
(2009b) analisou as estratégias de resolução de conflitos de 84 adolescentes com idades
entre 12 a 16 anos de uma escola pública. A pesquisadora encontrou respostas
predominantemente submissas (39,29%), seguidas das agressivas (25,57%). Apenas 5,95%
dos estudantes apresentaram estratégias assertivas. Ou seja, os dados indicam a dificuldade
de os jovens pensarem em formas justas e respeitosas de resolver conflitos interpessoais.
Outro dado significativo que nos chamou atenção nessa pesquisa é que não ficou evidente
qualquer diferença na resposta dos adolescentes de 12 a 14 anos e dos de 15 a 16 anos, o
que sugere que os mais velhos, mesmo tendo recursos cognitivos mais sofisticados,
apresentam dificuldade em propor soluções mais pacíficas para resolver conflitos. As
pesquisas de Carina (2009) e Carina e Mantovani de Assis (2011) também buscaram, por
meio do instrumento criado por Deluty (1979) e adaptado por Leme (2004a), que avalia
simultânea e comparativamente os tipos de tendência de resolução de conflitos
interpessoais, identificar as estratégias utilizadas por adolescentes de 11 a 13 anos de uma
escola pública. Os resultados mostraram que as respostas mais encontradas entre os
adolescentes foram as de estilo submisso ou de estilos mistos, em que as respostas
submissas também se encontravam presentes. Resultados como esses demonstram a
dificuldade de os jovens coordenarem as diferentes perspectivas e de encontrarem formas
mais construtivas em seus conflitos.
Leme (2004a) se deparou com resultados compatíveis com os estudos
apresentados, ao indicar que os alunos brasileiros apresentam maior tendência à submissão e
menor à assertividade, sendo essa diferença mais acentuada entre alunos de escola pública,
de séries mais avançadas e do sexo feminino. Para a autora:

8 Escala Children’s Action Tendency Scale-CATS (1981) desenvolvida Robert Deluty.

71
Tais tendências de resolução de conflitos são, provavelmente, aprendidas
com modelos, como pais e professores, que, aparentemente, ou agem como
modelos de solução de problemas deste tipo, ou mesmo estimulam
involuntariamente comportamentos mais submissos, mais facilmente
associáveis a comportamentos pró-sociais por eles valorizados (LEME,
2004a, p. 9).

O que parece acontecer, é que o conflito, em especial o interpessoal, é visto


corriqueiramente como algo que distancia as pessoas e, sendo assim, busca-se evitá-lo, ou,
até mesmo, contê-lo. Tal ideia deve-se, segundo Leme (2011b), aos desfechos pouco
satisfatórios dos conflitos, cujas consequências mais comuns são não somente o
afastamento, mas também o rompimento de relações interpessoais.
Nem sempre o conflito interpessoal implica hostilidade, violência ou dor.
Morgado e Oliveira (2009), Serrano e Guzmán (2011) e Leme (2011b) retomam que,
inclusive, ele pode favorecer a aproximação das pessoas, uma vez que ajuda a fortalecer
dimensões na relação que não haviam aflorado anteriormente. É por meio do conflito que as
divergências de ideias e de pensamentos podem levar ao reconhecimento mútuo e à
construção de valores como a solidariedade e a tolerância. Há de se considerar a
possibilidade de um desenlace do conflito por meio de estratégias pacíficas.
Apesar disso, Serrano e Guzman (2011), concordando com as pesquisas
anteriormente apresentadas, afirmam que os modos mais frequentes de se enfrentar um
conflito são as condutas evasivas ou as combativas, ou seja, submissão ou agressividade.
Entretanto, as autoras destacam que é preciso considerar outro fator importante
no estilo de resolução de conflito, a cultura. Cada cultura tem seus padrões e modos de
comportamentos que os sujeitos internalizam nos processos de socialização primária e
secundária.
A cultura9 desempenha um papel significativo nesse aprendizado da resolução
de problemas interpessoais, uma vez que, segundo Leme (2004a), diferentes sistemas de
valores expressam diferentes ideias de vida. Porém, isso não significa que esses valores
sejam determinantes.

9 Compartilhamos do conceito de cultura proposto por Stenberg (2004, p. 325), que a compreende como “um conjunto de atitudes,
valores, crenças e comportamentos compartilhados por um grupo de pessoas, comunicados por uma geração para a próxima, via
linguagem e alguns outros meios de comunicação”.

72
De acordo com Leme (2006), a cultura tem sido apontada como uma variável
relevante para a resolução de conflitos no que diz respeito à escolha de estratégias,
condicionada pelos valores compartilhados no grupo, no caso do conflito, aqueles relativos
à convivência. A mesma autora (2011b) considera então que as tendências de resolução de
conflitos são influenciadas pelo tipo de cultura predominante: individualista (Estados
Unidos, Canadá e países europeus) ou coletivista (países latinos, orientais, árabes). Ao
pertencer a uma cultura coletivista, em muitas situações, o sujeito opta por estratégias de
esquiva do conflito, visando à preservação da harmonia do grupo, uma vez que esta cultura
promove o sentimento de identidade grupal. Conclui-se que as amostras coletivistas se
diferem das individualistas por escolherem estratégias que minimizam o conflito.
Em consonância com isso, Coleman (2011) afirma que, em culturas
individualistas, os adolescentes são encorajados a tomarem suas próprias decisões e a
alcançarem seus objetivos, acima dos desejos e das necessidades da família, enquanto, em
uma cultura coletivista, espera-se que as ações e desejos dos jovens estejam relacionados à
reputação e ao sucesso da família e de toda a comunidade à qual pertence.
Van Horn e Marques (2000) investigaram a extensão da influência dos valores
culturais nas percepções acerca dos relacionamentos íntimos dos jovens brasileiros.
Participaram dessa pesquisa 260 adolescentes de 11 e 12, 15 e 16, 19 e 20 anos. Em
comparação com um estudo anterior similar com adolescentes norte-americanos, os
resultados indicaram que as relações dos jovens brasileiros com seus pares e com os adultos,
em geral, são permeadas por mais conflitos do que as dos adolescentes norte-americanos.
Além disso, os adolescentes brasileiros também demonstraram sentimentos mais intensos,
maior envolvimento em seus relacionamentos, o que é coerente com os valores de suas
famílias coletivistas.
Essas diferenças culturais também foram verificadas por French et al. (2005).
Nesse estudo, encontram diferenças nos conflitos entre crianças americanas e indonésias, na
faixa etária de 9 e 11 anos. De acordo com os autores, para o grupo de indonésios, os
conflitos devem ser evitados ou minimizados, utilizando-se, assim, estratégias mais
submissas, enquanto os americanos preferem resolver os conflitos de forma direta por meio
da negociação.

73
Em síntese, esses estudos nos indicam que a cultura em que o indivíduo está
inserido influencia de modo importante, mas não determinante, na escolha das estratégias
que serão utilizadas para resolver os conflitos interpessoais. Alguns estudos (LEME, 2006;
LEME; CARVALHO, 2012a; VICENTIN, 2009) apontam que os adolescentes brasileiros
utilizam-se de mais estratégias submissas e agressivas. Além da cultura, há outras variáveis
que interferem nas estratégias empregadas pelo sujeito: a família, a escola, as interações
entre pares, as características do desenvolvimento e o gênero, variáveis essas que
abordaremos a seguir.
O primeiro espaço socializador e formador de princípios morais é a família
(SAVATER, 2005). Alguns estudos indicam que a maneira de resolver os problemas
interpessoais sofre influência pelo tipo de educação familiar. Em um pesquisa com 369
alunos de sexto e sétimo anos do Ensino Fundamental de três escolas (duas particulares e
uma pública), Leme et al. (2012b) encontraram como estratégias predominantes de
resolução entre os adolescentes a submissão e a coerção, seguidas de mistas de coerção e de
submissão, o que estava diretamente relacionado ao que esses meninos consideravam como
opinião favorável e aprovável por seus pais. Ou seja, foi percebida uma semelhança entre a
percepção da opinião parental e a estratégia escolhida pelo adolescente. Na mesma direção,
La Taille (1998) apresenta um estudo, realizado por Turiel, em que foram comparados três
tipos de educação moral. A primeira, autoritária, corresponde a famílias nas quais os adultos
impõem as regras aos filhos e as legitimam em nome da sua autoridade. Na segunda, com a
ameaça de retirada do amor, os pais mostram para os filhos o quanto se entristecem quando
eles apresentam algum comportamento inadequado. Já a família elucidativa, o terceiro tipo,
apresenta razões e explicações ao impor o limite. O pesquisador encontrou que famílias
autoritárias tendem a formar indivíduos submissos. Já o segundo tipo de família pode trazer
excesso de angústia, associando moralidade e culpa. A família elucidativa se mostra mais
eficaz para a legitimação de valores morais e regras, já que, ao discutir com seus filhos as
razões pelas quais devem ser cumpridas, obriga aos poucos a criança a pensar em suas
ações. Dessa forma, sem abrir mão da autoridade necessária, os pais nutrem com seus filhos
uma relação de respeito mútuo e eles, assim, tendem, de acordo com a sua idade, a resolver
conflitos assertivamente.

74
Com frequência, ouvimos profissionais da área de educação afirmarem que as
famílias são permissivas, que não acompanham o desempenho escolar dos filhos ou que não
apoiam as ações da escola. Entretanto, Massari (2012), ao entrevistar jovens do 7º ao 9º ano,
investigando a percepção dos mesmos com relação aos valores dos seus pais ou
responsáveis, encontrou que os conselhos que os pais dos alunos de escolas públicas e
particulares fornecem aos seus filhos se referem ao “bom estudo”, ao como “estudar”, ao
“não ficar de recuperação” e ao “respeito unilateral”, como “obedecer os mais velhos” e
“não bagunçar”. Reforçando a ideia do envolvimento dos pais, a pesquisa Atitudes pela
Educação (2014), realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e IBOPE Inteligência, em
parceria com Todos pela Educação, encontrou, após entrevistar 2002 pais de alunos de 4 a
17 anos de escolas públicas e particulares de todas as regiões do país, que 53% participaram
de todas as reuniões que aconteceram na escola, 39% dos pais acompanham o desempenho
dos filhos na escola, comparecem às atividades escolares e têm relação próxima com as
crianças e com os jovens, enquanto, em menor quantidade, 17%, são pais distantes, ou seja,
pouco valorizam a escola e o vínculo com seus filhos.
Com uma função educativa diferente da família, outro espaço responsável pela
socialização é a escola, local em que a criança será preparada para viver no espaço público,
em que é necessária a aprendizagem da democracia, da convivência com a diversidade, do
debate, da resolução de conflitos de modo cooperativo. De acordo com Vinha e Tognetta
(2013), “O fato de possuírem papéis complementares não significa que se houver falha na
primeira socialização, a segunda não terá êxito” (p. 428). É o que alguns estudos
(VINYAMATA, 1999; VINHA, 2003; TOGNETTA, 2003; CARITA, 2004; LAURSEN;
PURSELL, 2009; DEVRIES; ZAN, 2010) vêm nos mostrando, ao investigarem o impacto
do ambiente escolar para a construção de estratégias mais eficazes para a resolução de
desavenças.
O estudo de Vinha (2003) comprovou a interferência do ambiente sociomoral na
forma como as crianças resolvem seus conflitos. A pesquisadora observou duas salas de
terceira série de Ensino Fundamental classificadas, segundo o instrumento de Tognetta
(2003), como ambiente autocrático e democrático. A partir disso, foram observadas,
comparadas e analisadas as diferenças encontradas nesses ambientes escolares referentes ao
ambiente sociomoral, à forma como a aquisição do conhecimento era trabalhada, à maneira
75
como se davam as relações interpessoais, a como as professoras atuavam quando se
deparavam com os conflitos e a como as próprias crianças lidavam com os mesmos. Além
disso, alguns alunos foram convidados a conversar a respeito das situações problema
envolvendo conflitos hipotéticos. Os resultados demonstraram que as crianças da sala de
aula tradicional empregaram estratégias de resolução menos eficazes, apresentaram
dificuldades para identificar e coordenar os diferentes sentimentos e pontos de vista dos
envolvidos e para propor resoluções mais adequadas às causas que levaram ao conflito,
enquanto as crianças da sala de aula construtivista conseguiram apresentar estratégias mais
eficazes e satisfatórias, uma vez que coordenavam as perspectivas das partes implicadas.
Ao investigar a construção da solidariedade e sua relação com os ambientes
escolares, Tognetta (2003) revela a importância do tipo de relações estabelecidas na escola.
A pesquisadora confirma a hipótese de que, em um ambiente no qual as crianças possam se
expressar livremente – sem coerções –, dizer o que sentem, opinar e decidir será mais
promissor para a solidariedade. Além disso, destaca que, ao terem a oportunidade de
expressarem o que sentem, numa situação de conflito entre pares, podem se indignar e
manifestar sua raiva. A indignação permite que se construa o valor do diálogo, da
tolerância, do arrependimento, do perdão, da amizade como consequências das ações não
violentas que podem ser impedidas, quando transformadas em expressão dos sentimentos.
Ao entrevistar jovens do 6º, 9º e 12º anos, de ambos os sexos, da região urbana e
rural de Portugal, Carita (2004) também investigou a influência do ambiente nas estratégias
utilizadas pelos alunos para resolver seus conflitos. A pesquisa constatou que os alunos
participavam razoavelmente da resolução dos conflitos, havendo uma crescente
participação, conforme ficavam mais velhos. Constatou também que as estratégias utilizadas
por eles se assemelham às utilizadas pelos professores, ou seja, negativas ou de afastamento
(não interação) e intermediárias (comunicação unilateral). Partindo do pressuposto de que os
processos de resolução de conflitos são indicadores do tipo de ambiente proporcionado pelo
professor, a autora inferiu que as atmosferas sociomorais não eram baseadas em relações de
cooperação e de confiança, prejudicando, assim, a construção de estratégias de resolução
mais produtivas pelos alunos.
Ferranz e Selman (2014) apresentaram situações hipotéticas de bullying para
adolescentes de 14 anos, em média, em que eles deveriam responder qual deveria ser a
76
reação do espectador da vitimização: juntar-se ao autor, não tomar atitude alguma ou
defender a vítima. Ademais, os pesquisadores elaboraram questões que avaliaram a
percepção dos alunos sobre o clima escolar. Os autores encontraram 4 indicadores para a
avaliação do clima escolar: segurança (percepção do grau de violência), ordem (aplicação
das regras), cuidado (qualidade do relacionamento professor-aluno) e empoderamento
(auxílio e oportunidade que os professores oferecem aos alunos para que eles desenvolvam
habilidades para resolver seus conflitos). A combinação desses indicadores deu origem a
três tipos de clima escolar: negligente, autoritário e coeso. Nas escolas em que o clima foi
avaliado como negligente pelos alunos, há um alto grau de violência; os professores não
estabelecem regras e nem aplicam as existentes, não se envolvem nos conflitos entre os
alunos, não há uma preocupação em cuidar das relações interpessoais e nem uma
abordagem educativa que contemple a reflexão sobre as formas de resolver os conflitos
vividos. Como consequência dessa percepção do clima escolar, os participantes afirmam
que o melhor é se unir ao autor do bullying ou ser espectador da violência. Nos ambientes
vistos como autoritários, como não há violência nos ambientes supervisionados pelos
adultos, a sensação de segurança é moderada. Os professores exercem um controle
excessivo, ficando alertas aos conflitos e às questões entre os alunos, elaboram regras e
empregam punições para que elas sejam cumpridas. A relação professor-aluno é baseada na
desconfiança. O sentimento de empoderamento e a percepção do cuidado são baixos, uma
vez que os professores empregam, com frequência, atitudes impulsivas e punitivas para lidar
com as transgressões e com os conflitos dos alunos. Assim, os alunos compreendem que
eles estão sendo vigiados e que, se forem pegos descumprindo alguma norma, serão
punidos. Como consequência, eles avaliam que as testemunhas de bullying devem ser
espectadores passivos a fim de evitarem problemas. Nos ambientes percebidos como
coesos, a percepção de segurança e cuidado são altos, o que significa que o índice de
violência é baixo e a qualidade das relações é positiva, havendo um sentimento de
comunidade. Os indicadores de ordem e de empoderamento apresentam resultados
moderados. Assim sendo, as regras são construídas e aplicadas de modo colaborativo, os
professores têm conhecimento acerca das relações entre os alunos e são receptivos aos
problemas deles. Além disso, há uma abordagem educativa para o desenvolvimento de
habilidades para a resolução de conflitos, com foco no indivíduo e não no grupo. Como
77
consequência, os alunos provenientes desses ambientes coesos avaliam que as testemunhas
de bullying devem auxiliar a vítima a se defender de modo não violento. Ao final da
entrevista, os pesquisadores questionaram os adolescentes a respeito do que deveria ser feito
para melhorar o clima escolar. Os entrevistados acreditam que a violência pode ser
prevenida por meio de ações que visem atender às necessidades pessoais de segurança, por
meio da construção colaborativa de regras, bem como da aplicação consistente dessas
normas: evitar a abordagem disciplinar punitiva; realizar atividades que favoreçam o
desenvolvimento de habilidades e de consciência social, bem como promover a participação
dos alunos em ações cívicas e coletivas; promover um engajamento maior dos professores
na vida dos alunos e desenvolver um senso de comunidade e amizade entre os discentes.
O estudo de Licciardi (2010) também constatou que, em geral, os docentes não
proporcionavam um ambiente que favorecesse o desenvolvimento da autonomia, uma vez
que a intervenção dos professores aconteceu apenas em 27% dos conflitos. Nestas, eles
utilizavam estratégias de contenção do conflito por meio da imposição de uma solução
unilateral, do emprego de censuras ou ameaças, demonstrando preocupar-se apenas com a
manutenção da ordem e com a busca do equilíbrio rompido pelo conflito. A pesquisadora
considera, então, que as intervenções docentes pouco contribuíam, ou até mesmo
dificultavam, a evolução das crianças de um nível para outro na coordenação de perspectiva
social e nas estratégias de negociação interpessoal.
Fica clara, então, a importância das relações estabelecidas na escola. Entretanto,
os dados da pesquisa relacionados à violência escolar realizada pela UNESCO
(ABRAMOVAY; RUA, 2004), já citada anteriormente, nos preocupam. Segundo as
autoras, a escola, espaço que seria ideal para o estabelecimento de relações interpessoais, é
considerada perigosa e hostil, a ponto de os docentes manifestarem na pesquisa que os
alunos constituem o que consideram de mais desagradável na escola.
Vicentin (2013) acrescenta, ainda, que a falta de recursos dos professores para
resolver os conflitos interpessoais de forma equilibrada contribui para que os jovens
também encontrem dificuldades em fazer uso de estratégias pacíficas e justas diante dos
desentendimentos vividos. Tognetta e Vinha (2007) acreditam que a concepção e a
intervenção dos educadores nos conflitos apresentam consequências significativas nas

78
interações entre os alunos e na construção de valores e das regras, ou seja, em sua formação
moral.
As escolas que trabalham em uma perspectiva construtivista piagetiana olham
para o conflito não como um problema a ser administrado, mas como parte importante de
seu currículo. Portanto, a ênfase não está no produto final, mas, sim, no processo. Ou seja,
pode-se perguntar: o que os envolvidos podem aprender com essa situação? A escola
valoriza o diálogo, a cooperação e a participação da comunidade. Os conflitos se
caracterizam como oportunidade de construção de recursos mais evoluídos.
Sastre e Moreno (2002) afirmam que alguns educadores têm a tendência natural
de facilitar o caminho da aprendizagem para os alunos, o que os poupa do esforço
necessário para uma nova aquisição e impede a legítima satisfação de conseguir algo por
seus próprios meios. Porém, no caso dos conflitos, não é possível ensinar todas as formas de
lidar com as situações conflituosas, uma vez que suas estratégias dependem, também, do
desenvolvimento. Assim, apenas uma parte delas é ensinável. É importante, então, que cada
sujeito aprenda a descobrir comportamentos que lhes pareçam mais eficazes de acordo com
a sua maneira de ser. Dessa forma, o papel do professor não é propor soluções, mas
favorecer que os alunos encontrem soluções próprias, analisem as soluções para antecipar
suas consequências, investiguem se há relação entre a causa da desavença e a solução
proposta, busquem por soluções justas e percebam que um mesmo conflito pode ter
diferentes soluções.
Nessa perspectiva, o professor reconhece que o conflito vivido pelos alunos não
lhe pertence, não cabendo a ele resolvê-lo. Comumente, observamos professores que
atribuem a si mesmos a resolução dos conflitos, dizendo aos envolvidos como deve ser
feito. Todavia, o fato de não solucioná-los por eles não significa largá-los à própria sorte. O
educador pode intervir em situação de conflito, explicitando o problema para que todos
possam entender, ajudando a verbalizar os sentimentos, promovendo a troca de ideias,
auxiliando-os a se ouvirem e convidando-os a propor soluções (VINHA, 2000, 2003;
VINHA et al., 2011).
Em consonância, Aceves et al. (2010) encontrou, em seu estudo com 148
adolescentes de diferentes etnias, uma importante associação entre a percepção de eficácia
atribuída à intervenção do professor e a estratégia utilizada para resolver conflitos. Os
79
autores acreditam que os adolescentes que veem os professores como justos e eficazes na
resolução de conflitos têm mais tendência a buscar a autoridade escolar diante de cenários
de vitimização, o que os levaria a descartar a violência como alternativa de resolução.
Ainda pensando nas intervenções dos professores, os dados da pesquisa de
Leme e Carvalho (2012a) indicam que os educadores não se omitem durante os conflitos.
Entretanto, considerando os altos índices de estratégias submissas e agressivas encontradas,
as autoras refletem sobre qual o tipo de intervenção feita pelos professores, visando à maior
autonomia dos alunos. Elas ressaltam a importância de modelos pacíficos de resolução de
desavenças, indo além do pedido de ajuda. Em outras palavras, “é preciso favorecer a
reflexão do aluno sobre como resolver o conflito de modo autônomo, usando estratégias de
enfrentamento pacíficas, como as respostas assertivas” (p. 74).
Vinha (2003) e Tognetta e Vinha (2007), em seus estudos, encontraram três
grupos relacionados à forma como os educadores de escolas tradicionais lidavam com os
conflitos interpessoais. No primeiro grupo, estão incluídas intervenções direcionadas para
evitar o conflito, ou seja, os educadores controlavam o comportamento dos alunos por meio
de filmadoras, elaboravam regras e mais regras, ocupavam os estudantes com atividades de
pouco valor pedagógico, utilizavam ameaças e coagiam. Essas ações foram as mais
presentes, ou seja, as que promoviam a regulação externa. Também muito presentes,
formando o segundo grupo, são as reações que visam conter o conflito, tais como a
imposição de soluções prontas, o uso de punições, a terceirização da solução para terceiros
(pais e especialistas). Esses mecanismos de controle, como afirmam as autoras, funcionam,
mas temporariamente, reforçando a heteronomia e, algumas vezes, agravando o problema.
Por fim, o terceiro grupo é formado pela ausência de intervenção, ignorando o conflito ou
intervenções muito breves e pontuais, com gestos e expressões que demonstram o
descontentamento do professor ou breves chamadas de atenção.
Em longo prazo, essa maneira como a escola tem lidado com os conflitos
contribui para a formação de jovens que demonstram dificuldades em tomar decisões, emitir
opiniões, argumentar e ouvir diferentes perspectivas (VINHA et al., 2011).
La Russo e Selman (2011) observam um aspecto específico do clima escolar: a
dimensão da resolução de conflito da escola, que se refere às respostas dos professores para
os conflitos entre pares e para os próprios conflitos com seus alunos. Os autores afirmam
80
que, em um clima de resolução menos favorável, em geral, os professores ignoram as
desavenças ou os comportamentos agressivos entre os alunos ou os punem, e no caso de
conflitos entre alunos e professores, esses se mostram desrespeitosos. Em climas de
resolução mais acolhedores, os professores apresentam respostas eficazes às desavenças e
problemas sociais entre pares e, com relação aos próprios conflitos com os alunos, o
educador ouve e favorece a negociação, sem impor o seu poder.
Em um estudo feito pelos autores em doze escolas diferentes com 323 alunos de
sétimos anos, fica evidente que alunos que frequentam escolas com climas de resolução de
conflitos menos favoráveis mostraram, com maior frequência, reações hostis em relação à
viabilidade de resolver conflitos sem agressividade. Os dados sugerem então que, quando
uma escola tem um clima de resolução de conflitos mais acolhedora, os questionamentos
feitos pelos adolescentes levam a escola a promover estratégias mais maduras e não
violentas para resolver os conflitos. Vale destacar que o estudo apurou que o clima de
resolução de conflitos da escola está diretamente relacionado com o envolvimento em vários
comportamentos de risco no início da adolescência, como comportamentos relacionados à
violência e às atividades sexuais de risco, ao abuso de drogas etc, o que nos confirma a ideia
de que as habilidades para administrar conflitos interpessoais podem servir como um fator
protetivo na adolescência.
Com a intenção de promover a competência psicossocial como possibilidade de
redução de riscos para a saúde de crianças e jovens, falemos nos estudos de Robert Selman.

4.1. OS ESTUDOS DE ROBERT SELMAN

Pesquisador da área de Desenvolvimento Humano e Psicologia, professor da


Harvard Graduate School of Education e da Harvard Medical School e autor de diversos
livros, Robert Selman, desenvolveu uma teoria embasada nos pressupostos piagetianos no
que diz respeito à busca de um melhor entendimento das estruturas cognitivas subjacentes
às respostas de cada sujeito. O foco do seu trabalho foi descrever uma sequência invariante
de estágios.

81
A partir desse ideal, Selman pesquisou, por intermédio de estudos longitudinais
e de métodos diversos (entrevistas semiestruturadas, observações e discussões em grupo), o
desenvolvimento da competência psicossocial do sujeito. Segundo Selman, os elementos
que formam a competência psicossocial são os fatores socioculturais (cultura familiar e
cultura do grupo de amigos) e as disposições biológicas ou naturais (temperamento e
desenvolvimento neuropsicológico).
Esses fatores interagem entre si, existindo uma forte influência entre ambos. A
capacidade de coordenar perspectivas é central nessa competência, e o modo como essas
competências se apresentam é o que o autor chamou de orientação interpessoal, que é de
três tipos: orientação para a transformação do outro, orientação para a transformação de si e
a integração de ambas, em níveis mais evoluídos. Vale ressaltar que relações interpessoais
também irão produzir modificações nessas competências.
Além de estudar o desenvolvimento da competência psicossocial, o autor
pesquisou a utilização dessa competência para a promoção do entendimento, do
relacionamento interpessoal e intergrupo, visando à melhora do desempenho acadêmico e a
uma diminuição de atitudes de risco para a saúde.
Em suas obras, The Growth of Interpresonal Understanding (1980) e Making a
Friend in Youth (1990), o autor deixa claro que os conceitos centrais que embasam seus
estudos são a tomada de perspectiva social e a coordenação de perspectivas. O emprego de
estratégias mais elaboradas implica um nível maior de tomada e coordenação de
perspectiva.
A tomada de perspectiva social refere-se ao desenvolvimento da capacidade de
o ser humano compreender o ponto de vista do outro e se colocar no seu lugar. Contudo,
nem sempre uma pessoa que tem um alto nível é capaz de integrar os pensamentos, desejos
e sentimentos do outro com os próprios, ou seja, de coordenar as perspectivas.
Desenvolvidas em estágios, essas capacidades progridem de concepções egocêntricas,
unilaterais, para os mecanismos de cooperação e de colaboração (SELMAN e SCHULTZ,
1990).
Vale destacar que essa coordenação de perspectiva depende também de um
componente social e afetivo, não só da descentração, de uma operação cognitiva. O autor

82
afirma que esses aspectos exercem papel determinante para o entendimento das experiências
sociais.
Com relação aos conflitos interpessoais, os autores constataram que as
estratégias de negociação interpessoal também evoluem. Como já apontamos anteriormente,
os conflitos interpessoais são interações em desequilíbrio. Sendo assim, as estratégias de
negociação interpessoal são os meios utilizados pelos pares para alcançar seus objetivos,
atender suas necessidades quando os mesmos diferem da outra parte, para então
restabelecerem o equilíbrio interno e interpessoal gerado pela oposição. Entretanto, os
sujeitos envolvidos na negociação têm algum tipo de vínculo afetivo, o que os pode motivar
na busca do equilíbrio interpessoal.
Os níveis encontrados foram quatro: nível 0, negociação para objetivos
egocêntricos por ações irrefletidas, impulsivas e físicas, característico das crianças de 3 a 6
anos; nível 1, negociação para o controle unilateral, crianças de 7 a 9 anos; nível 2,
negociação por intermédio da persuasão recíproca, de 10 a 13 anos; nível 3, negociação para
a colaboração, de 11 anos em diante; nível 4, negociação para a intimidade no
relacionamento por meio da interpenetração. Selman e Schultz (1990) esclarecem que os
níveis são, na verdade, modelos de como os indivíduos com desenvolvimento normal agem.
Dessa forma, não se esgotam todas as possibilidades e essas idades são aproximadas.
O quadro a seguir demonstra, de maneira resumida, as características de cada
nível evolutivo. Em cada nível, as estratégias podem ter duas direções: ou o indivíduo tenta
modificar o próprio comportamento (orientações para transformação de si) ou, então, as
ideias e sentimentos do outro (orientação para transformação do outro). No nível mais
evoluído, há uma fusão dessas duas orientações.

Quadro 1: Algumas estratégias interpessoais prototípicas codificas em níveis de


desenvolvimento 0-3 em cada orientação
Orientação de Orientação de
transformação do outro transformação do eu
Verbalmente afasta desejos
Nível 0 – expressos do outro. Toma atitude impulsiva.
indiferenciado/ Pega impulsivamente. Usa retraimento afetivo
egocêntrico Repele o outro com força automático.
física.
Nível 1 – Ordena que os outros Faz iniciativas fracas e
83
diferenciado/ façam o que se quer. hesitantes.
subjetivo Faz ameaças de força. Prontamente desiste em
Emprega “justiça favor do outro.
unilateral” (justo é aquilo Atua como vítima.
que o indivíduo deseja) Apela para fonte de poder
percebido.
Afirma os próprios desejos,
Usa persuasão amigável. mas os tornam secundários
Busca de aliados para em relação aos do outro.
Nível 2 – apoio das próprias ideias. Segue, mas oferece
autorreflexivo/ Busca de meios para resposta para a liderança do
recíproco impressionar o outro outro.
(demonstração de talentos, Confronta com marcada
conhecimentos etc.) desigualdade.

Antecipa e integra possíveis reações do outro às


Nível 3 -
sugestões do eu.
terceira pessoa/
Equilibra o foco da negociação sobre a relação.
mútuo
Negocia considerando a continuidade da relação.
Fonte: Selman e Schultz, 1990, p. 73.

A classificação apresentada pode criar a ideia de que as estratégias de um


mesmo nível parecem muito diferentes. No entanto, isso se dá justamente porque dizem
respeito a orientações interpessoais opostas, mas refletem, sim, níveis semelhantes de
sofisticação de desenvolvimento com relação à tomada e à coordenação de perspectiva.
Os autores reforçam a ideia de que as estratégias de nível menos evoluído não
devem ser vistas de forma depreciativa, uma vez que são normais e necessárias em crianças
mais novas e também por exercem uma função adaptativa em alguns casos. Essa função
adaptativa diz respeito à adequação, à interação ou às estratégias do par, ou seja, o uso de
uma estratégia e de orientação por uma das partes é influenciada pela estratégia e pela
orientação da outra parte. Nem sempre uma pessoa capaz de agir em um nível mais alto o
fará em todas as situações; em algumas delas pode ser mais apropriado e adaptativo atuar de
maneira menos evoluída. Dessa forma, faz-se necessário considerar o contexto e examinar a
continuidade do relacionamento após a negociação, para, assim, avaliar funcionalmente as
estratégias de negociação.
No primeiro nível das estratégias de resolução de conflitos interpessoais, nível
0, os conflitos são vistos como físicos e passageiros, envolvem comportamentos

84
impetuosos, visando alcançar seu objetivo ou evitar algum dano. Assim, as estratégias
consistem na tentativa de modificar o comportamento do outro ou de adaptar seu
comportamento aos desejos do par. As estratégias de transformação do outro usam força
física e irrefletida, por exemplo: impedir que o outro expresse seu desejo, tirar do outro o
que deseja sem qualquer reflexão ou rejeitá-lo. Enquanto, na segunda orientação, o sujeito
modifica o seu comportamento: uma vez que acredita que o outro é mais forte, visando a
sua proteção, ele obedece, foge impulsivamente ou paralisa-se. Destaca-se que as crianças
nesse nível não consideram os aspectos psicológicos envolvidos em uma situação de
desentendimento.
No próximo nível, nível 1, o conflito é visto como unilateral, ou seja, é sempre
causado por uma das partes, há um culpado e uma vítima. Os sujeitos, diferentemente dos
do nível anterior, compreendem que as pessoas têm desejos diferentes, consideram as
consequências subjetivas que um conflito pode causar, mas não conseguem considerá-los
simultaneamente. Por essa razão, as estratégias compõem tentativas de controle do outro e a
satisfação de si mesmo, ou seja, ameaças, subornos de afeição, chantagens, afirmação da
própria força. Fica claro que o objetivo de tais estratégias é modificar o comportamento do
outro e não seus sentimentos. De outro lado, encontram-se sujeitos que ainda se submetem
ao poder do outro, mas agora tentam afirmar suas vontades, por meio de sugestões, por
exemplo, mas que, se forem rejeitadas pelo par, são esquecidas.
Diferenciando as perspectivas subjetivas e considerando-as simultaneamente,
sujeitos no nível 2 acreditam que os conflitos são causados por circunstâncias externas e sua
solução se dá pela satisfação de ambos. Entretanto, isso não quer dizer que cada um se
esforce para garantir que o outro fique satisfeito, mas sim, por intermédio do
convencimento, utilizam estratégias para a modificação dos desejos e sentimentos do outro.
Por exemplo, buscam aliados que deem suporte a sua ideia ou provoquem sentimento de
culpa no outro, desejando obter a concordância. Diferentemente do nível anterior, o outro
não é mais visto como ameaçador. Embora ainda fiquem em segundo o plano, os sujeitos
são mais capazes de expor seus desejos e ideias em uma negociação.
Em um nível mais alto de negociação, no nível 3, os indivíduos buscam
equilibrar suas ações e sentimentos com os do outro. No nível anterior, a persuasão tinha
como motivação o alcance dos próprios objetivos. Agora, a negociação se dá pela
85
continuidade do relacionamento em si. Para que uma negociação aconteça, faz-se necessário
antecipar possíveis sentimentos, expectativas e reações da outra parte. Dessa forma, por
meio de uma reflexão compartilhada, buscam resoluções mutuamente satisfatórias.
As estratégias de nível 4 são encontradas principalmente em relações privadas e
íntimas, uma vez que compartilham seus mais profundos sentimentos. Se, no nível 3, os
envolvidos são capazes de mudar, no nível 4 as transformações de pensamentos e
sentimentos são equilibradas simultaneamente (SELMAN e SCHULTZ, 1990).
O modelo proposto pelo autor classifica as estratégias e não as pessoas, uma vez
que as estratégias dos envolvidos podem mudar de acordo com o assunto ou com o contexto
em que ele está inserido. Elas refletem um estado e não um traço do indivíduo.
Os estudos apresentados anteriormente comprovaram que a concepção a
respeito do conflito e da intervenção realizada pelo educador, ao se deparar com as
desavenças entre as crianças e os adolescentes, interfere diretamente nas interações entre os
alunos, ou seja, no desenvolvimento da capacidade de expressarem suas perspectivas sem
causar dano aos outros e de buscarem soluções cooperativas para seus conflitos.
Laursen, Finkelstein e Betts (2001), analisaram as diferenças nas idades com
relação às resoluções de conflitos entre pares por meio da meta-análise. Os pesquisadores
confirmaram a influência do desenvolvimento no emprego de estratégias mais evoluídas. As
crianças pequenas utilizam com maior frequência a coerção, enquanto a negociação é uma
estratégia mais frequente entre os adolescentes mais velhos e entre pares. Essa escolha
demonstra a interdependência entre esses sujeitos e a necessidade de manter os
relacionamentos, comprovando o importante papel da afetividade na construção de
estratégias mais colaborativas.
Outra variável que interfere tanto nas causas como nas estratégias empregadas
para resolver os conflitos interpessoais é o gênero (SINCLAIR, 2003).
Meninas e meninos apresentam diferentes padrões de comportamento em seus
relacionamentos. Entre as meninas, as amizades são mais profundas e interdependentes do
que entre os meninos. Além disso, as meninas demonstram maior habilidade para manter
relações íntimas e maior necessidade de apego, enquanto os meninos tendem a considerar
seus companheiros aqueles com quem podem compartilhar interesses ou atividades em
comum (GORRESE; RUGGIERI, 2012).
86
Sinclair (2003), em um estudo realizado com sujeitos de 6, 10 e 15 anos, revela
que as meninas preferem relações diádicas, possibilitando trocas afetivas mais intensas. Em
função disso, as meninas vivenciam conflitos mais longos e, por compartilharem mais da
intimidade, rompem com os relacionamentos com mais frequência do que os garotos. Os
meninos, por sua vez, preferem relacionamentos grupais, em que as trocas íntimas são
menores e os conflitos mais frequentes, o que os tornam mais tolerantes com seus pares do
que as garotas. Ao analisar situações de conflitos, nesse estudo, tanto meninas quanto
meninos, fizeram uso de estratégias físicas e impulsivas para solucionar as desavenças
observadas.
O estudo de Chung et al. (2011) relacionou eventos de conflitos vividos em um
dia e os estados emocionais subsequentes e sugere que as adolescentes seriam mais
propensas a relatar tristeza ou chateação após vivenciarem conflitos com os colegas,
demonstrando que os sentimentos perduram. Em consonância, os resultados também
revelaram que, no dia em que as adolescentes se desentendiam com seus familiares, por
exemplo, elas experimentariam mais conflitos com seus pares do que entre os meninos.
Após destacarmos os estudos relacionados aos conflitos e discutirmos as
variáveis que interferem no emprego das estratégias de resolução de conflitos, além de
ressaltarmos a importância desse tipo de interação para o desenvolvimento e para a
aprendizagem e valores, é preciso refletir a respeito dos tipos de problemas de convivência
vivenciados por alunos e professores que prejudicam o desenvolvimento do processo de
ensino e aprendizagem e da qualidade das relações.
A literatura aponta a existência de diferentes tipos de problemas de convivência
na escola, com especificidades e manifestações distintas. Contudo, os protagonistas desse
espaço (gestores, professores, alunos e familiares) julgam, em geral, os diferentes conflitos
que vivenciam como violência. Não somente eles: a mídia jornalística nos informa,
ininterruptamente, sobre eventos que envolvem “violência” na escola, ou até mesmo as
redes sociais, que divulgam experiências individuais e que, por seu efeito dominó, acabam
promovendo o sentimento de insegurança.
Charlot (2002) acredita que a escola é cenário de muitos problemas de
convivência, ocorrendo nela violência, transgressões, indisciplina, incivilidades, agressões e
bullying misturadas nesse cotidiano.
87
O termo violência, segundo o autor, diz respeito ao que ataca a lei com o uso da
força ou ameaça usá-la: extorsão, tráfico de drogas na escola, lesões e coerções. Chamamos
essa forma de violência de “violência dura”, além do que já descrito pelo autor, que é aquela
dirigida diretamente à instituição, aos que fazem parte dela ou que a representam (pessoas
ou coisas). Ao estudar os problemas de convivência na escola, nosso grupo de pesquisa10,
diferencia essa violência daquela considerada como “violência branda”, que também é
dirigida à instituição, mas que caracteriza-se por atos agressivos intencionais, que apesar de
supor força, coerção e que provocar dano e destruição, são de menor gravidade, como:
furtos e depredações de pouca significância, insultos, atos que visam humilhar, difamação,
bolinagem.
Ao falar em violência escolar, Charlot (2002) distingue violência na escola, à
escola e da escola. A violência na escola é aquela que acontece dentro do espaço escolar,
mas não está relacionada às atividades da instituição escolar, ou seja, ela poderia acontecer
em qualquer local, no entanto ela acontece no espaço escolar por seus atores frequentarem o
espaço. Já a violência à escola está ligada à natureza e às atividades da instituição escolar e
as formas de violência visam diretamente à instituição e a seus representantes, como
provocar incêndios, por exemplo. Enquanto a violência da escola é caracterizada como uma
violência simbólica, institucional, em que os jovens suportam a forma como a instituição os
trata, como as injustiças, por exemplo. Para o autor, os alunos são os principais agentes de
violência no espaço escolar, mas não são os únicos. Porém, são também as principais
vítimas dessa violência.
Outra forma específica de violência é o bullying. Refere-se à prática de atos
agressivos, que torna patente o esquema domínio- submissão entre pares, manifesto por
meio do exercício de ações repetidas e negativas de um sobre o outro (MARTÍNEZ, 2013a,
TOGNETTA, 2005, 2013; TOGNETTA; VINHA, 2008; 2010; TOGNETTA et al., 2014).
Trata-se de um fenômeno ‘multicausado’ e apresenta seis características principais: agressão
intencional sem motivo aparente, recorrência, escolha de uma vítima frágil, desigualdade de
poder físico ou psicológico, presença de um público (espectadores) e a simetria do poder
instituído (pares).

10 Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral – GEPEM – Unesp/ Unicamp.

88
As agressões, muito frequentes no contexto escolar, como os insultos, as
ameaças ou o revide, são ações reativas que causam dano ao outro, decorrente da
dificuldade de se autorregular. Caracteriza-se mais por sua impulsividade do que pela
intenção de causar dor.
Os problemas de convivência descritos anteriormente são considerados
manifestações de caráter violento, por poderem causar dano à dignidade dos envolvidos
pelo uso da força e da perversão moral, atentando à integridade física-moral-psicológica de
sua vítima. A partir de agora, abordaremos manifestações perturbadoras que desequilibram
o ambiente, por exemplo, violando normas justas e necessárias à boa convivência, ou
organização dos trabalhos, atos que geram desordem, comportamentos irritantes, de
enfrentamento, de desinteresse e apatia ou a indisciplina revelada como problema de
convivência.
A partir dos estudos da literatura, nosso grupo de pesquisa citado anteriormente,
considera que a indisciplina rompe um contrato pedagógico (ASSIS GARCIA, 2006).
Contudo, a questão pedagógica numa escola não se restringe ao trabalho com o
conhecimento, mas a outras aprendizagens também, como por exemplo, a relacionar-se, a
perceber a necessidade de regras na relação entre as pessoas e de comportamentos que
promovam o bem-estar na convivência. Assim, o conceito de indisciplina no sentido de
ruptura de contrato pedagógico vem associado ao foco principal de aprendizagem a que se
refere.
A indisciplina curricular diz respeito à ruptura do contrato social da
aprendizagem dos conteúdos escolares. Para Assis Garcia (2006), a indisciplina rompe com
o contrato pedagógico. São exemplos dela: não ler os textos solicitados, brincar durante a
explicação ou apresentação de trabalhos.
Já a indisciplina social, caracteriza-se pela incivilidade, ou seja, à ruptura das
regras sociais, do que é esperado de uma “boa educação”. Falta de polidez ou ações que
ferem os códigos de boas maneiras. Esse problema de convivência não contradiz nem a lei e
nem o regulamento interno, ela contradiz as regras de boa convivência: palavras ofensivas,
grosserias, empurrões, desordem (CHARLOT, 2002). Trata-se de atentados cotidianos e
recorrentes ao direito de cada um ser respeitado, ou de pequenas infrações à ordem

89
estabelecida, diferenciando-se de condutas criminosas ou delinquentes. Incomodam mais
pela intensidade e frequência do que pela gravidade.
A indisciplina regimentar trata das transgressões. Aborda a ruptura das regras
justas e necessárias para a boa organização dos trabalhos na escola. Charlot (2002) afirma
que a transgressão não é um comportamento ilegal do ponto de vista jurídico, mas contrário
ao regulamento interno da instituição, como: absenteísmo e chegar sempre atrasado na troca
de aulas.
Por fim, falemos da indisciplina passiva. Caracteriza-se pela falta de motivação
dos alunos, é como se não houvesse aproximação do interesse desses às propostas
curriculares trabalhadas na escola, por exemplo, a recusa em participar das propostas e a
desmotivação para o estudo e para realizar as atividades. Refere-se à ruptura do contrato
social da aprendizagem devido ao desinteresse acadêmico.
O Quadro 2 a seguir, diferencia os problemas de convivência em manifestações
violentas e perturbadoras, conceituando cada uma e exemplificando-as.

90
Quadro 2: Os problemas de convivência na escola11

11 Quadro elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral – GEPEM – Unesp/ Unicamp.

91
O quadro apresentado conceitua, exemplifica e diferencia os principais
problemas de convivência que observamos na escola. Por terem naturezas diferentes,
requerem intervenções também diferenciadas. A frequência e intensidade do problema
também precisa ser considerada.
Concordamos, com Blaya et al. (2006), Debarbieux (2006) e Leme (2006), que
não há um crescimento da “violência dura”, aquelas que são reguladas pelo Código Penal.
Não negamos que haja violência escolar e que há, sim, escolas em que esse problema
aumentou, porém com base nas pesquisas realizadas e, a partir da diferenciação proposta, a
violência acontece em menor número do que divulgado, não podendo ser generalizado.
Apoiados em estudos nacionais e internacionais, o que passa a ser evidenciada nas escolas é
uma forma específica de problema de convivência caracterizado como um tipo de
sociabilidade: as incivilidades.
Nas escolas em geral observa-se inúmeros exemplos de incivilidade: alunos
andando pela sala de skate, jogando bolinhas de papel, se espetando com o compasso,
conversando de costas para o professor, tudo isso enquanto a matéria é explicada. Pelo fato
de as incivilidades serem o problema de convivência que mais aparecem nas escolas
(LATERMAN, 2000; LEME, 2006; DEBARBIEUX, 2006; LUCATTO, 2012; RAMOS,
2013; VINHA, 2013) principalmente na faixa etária enfocada nesse estudo (13 e 14 anos),
apresentaremos no próximo item pesquisas que contemplam esse problema de convivência
de forma a contribuir para fundamentar as análises dos dados do presente estudo, que serão
posteriormente apresentadas.

4.2. INCIVILIDADES

A convivência na escola é uma preocupação comum a todos os seus membros.


Para muitos estudiosos (FERNÁNDEZ, 2005; NAJERA, 2006; RODRIGUEZ, 2008),
constitui um dos problemas mais importantes da atualidade no sistema educacional. Quando
questionado aos professores ou quando se investiga o que vem acontecendo em sala de aula,

92
descobre-se que problemas de convivência são muito mais frequentes do que se pensava e
que são essas situações que, no dia a dia, vão minando a moral do professor.
A pesquisa da Fundação Lemann “Conselho de Classe – A visão dos
professores sobra a educação no Brasil”, realizada pelo IBOPE Inteligência e pelo IPM
(Instituto Paulo Montenegro – Ação social do Ibope), em que entrevistaram 1000
professores do Ensino Fundamental I e II, revelou que os professores da rede pública
consideraram a “indisciplina dos alunos” como sendo o segundo maior problema que
precisa ser enfrentado com urgência, seguido da “falta de acompanhamento psicológico dos
alunos”.
Tal fato se comprova na pesquisa de Lapa e Bueno (2000), apresentada por
Borges e Koehler (2011). Os autores constatam que entre, 1990 a 1995, houve um aumento
de 299% nos pedidos de exoneração dos professores de escolas públicas do estado de São
Paulo. Esse abandono ocorreria, além de outros fatores, por insatisfações, por confrontos da
realidade vivida com a realidade idealizada, o que provocam frustrações e desencantos com
a profissão.
Em concordância, Jorge (2007) aponta que, desde a metade da década de 90,
notou-se um aumento no nível de angústias e cansaços emocionais entre os professores. E,
para a autora, esse crescimento ocorre na proporção direta do crescimento da chamada
incivilidade nas escolas.
Foi visto que, o conceito de incivilidade recobre um conjunto de pequenos
delitos ou infrações que provocam, ao serem repetidos, sentimentos de desrespeito. Para
Blaya et al. (2006), são indelicadezas, pequenas desordens, tumulto, palavras ofensivas e
recusas em cooperar.
Debarbieux (1996, p.7) afirma que, a incivilidade corresponde à transgressão do
código de boas maneiras, ou seja, não são necessariamente comportamentos ilegais no
sentido jurídico, caracteriza-se mais como atos que causam desordem ou perturbam, como,
por exemplo, barulho e impolidez, entre outros. As incivilidades, então, se referem a
condutas que se contrapõem às regras da boa convivência (CHARLOT, 2002, p. 437). Em
concordância com essa ideia, Assis Garcia (2006) compreende que as incivilidades são
comportamentos que rompem com o que é esperado como boa conduta social, mesmo que
de forma implícita.
93
Contudo, essas “erupções frequentes de desordens”, como denomina Laterman
(2000; 2002), nem sempre são de fácil identificação, uma vez que estão mescladas no
cotidiano escolar. Fernández (2005) aponta que as incivilidades alteram a dinâmica
adequada da aula, visto que se traduzem por um conjunto de condutas inapropriadas dentro
do contexto escolar, que prejudica a aprendizagem, nutre más relações interpessoais e falta
de comunicação entre seus membros.
Nájera (2006) buscou analisar, em escolas em Madri, Espanha, os problemas de
convivência entre os anos de 2002 e 2003, discutindo em grupo com os professores e
aplicando um amplo questionário. O pesquisador encontrou que o que mais preocupa os
educadores (36,96%) são os seguintes comportamentos dos alunos: falar fora de hora, andar
pela sala e boicotar o professor (os estudantes criam formas de interromper o trabalho do
professor com brincadeiras, risadas e bagunça), ou seja, manifestações de incivilidade.
Para compreender a incivilidade, segundo Nájera (2006), é preciso abandonar
modelos antigos a respeito da escola. Esse modelo chamado pelo autor de “tecno-
burocrático” (p. 18) considera que os objetivos escolares são compartilhados por todos, cada
membro da instituição concorda com suas funções e papéis, que as condutas são
regulamentadas por um conjunto de normas e que nessa organização não há lugar para os
conflitos. Esse modelo reflete uma imagem ideal da escola. Dessa forma, dificilmente
poderá compreender o que vem acontecendo nas instituições.
É necessário projetar um novo modelo de análise, um modelo mais crítico e
politizado. Analisando a escola a partir desse modelo, os conflitos deixam de ser raros e
disfuncionais, passando a ser naturais das relações, uma vez que as pessoas têm interesses,
expectativas e necessidades diferentes. Desse ponto de vista, as incivilidades adquirem um
novo significado, mostrando que as concepções que não funcionam, precisam ser alteradas
(NÁJERA, 2006).
Além disso, o autor considera que, para compreender esse fenômeno, é preciso
olhar para sua complexidade. A incivilidade afeta a todos os membros da comunidade
escolar, e olhar para ela de forma simplista leva a perder de vista a sua realidade. Nájera
(2006) afirma que, ao buscarmos nas escolas as causas desse problema de convivência, os
professores responsabilizarão a família, os próprios alunos, os meios de comunicação e a
sociedade em geral. Em concordância, de acordo com os docentes entrevistados por Costa
94
(2011), as causas desse problema também estavam relacionadas à família (desestruturação
da família, falta de limites, violência familiar, entre outras), entorno violento, falta de
respeito, mudança de valores, visão equivocada do ECA (considerando que a criança ou o
adolescente não pode ser penalizado por seus erros), relacionamento com o professor, a
própria adolescência. Esses dados nos mostram a isenção da escola frente aos problemas de
convivência, não se inserindo como parte responsável pelo o que acontece na instituição.
Ademais, indica a falta de reflexão desses agentes acerca do cenário em que vivem, tendo
em vista contribuições para atenuar ou melhorar as relações.
Para explicar melhor a complexidade das incivilidades, Nájera (2006) compara a
convivência na escola com um iceberg. Em um iceberg, podemos ver uma parte de gelo
exposta para fora da água, sua menor parte. Enquanto, por debaixo da água, uma parte não
visível é a mais importante e maior do iceberg. O autor afirma que, nas escolas, acontece o
mesmo, uma parte é o que é visto, ou seja, os comportamentos e condutas manifestas, mas
por “baixo” dessas condutas, servindo como base de apoio, estão as crenças, as opiniões e as
teorias que os professores, os pais e os alunos têm. E, mais do que isso, estão os valores que
guiam as condutas, que sustentam as crença, as opiniões e as teorias desses protagonistas.
Dessa forma, é necessário analisar e descobrir os valores, as crenças e as ideais que dão
apoio aos comportamentos apresentados.
La Taille (2009a), por intermédio de um questionário, como já descrito
anteriormente, perguntou a 448 alunos de escolas públicas e particulares, com idades entre
15 e 18 anos, quais virtudes eram consideradas por eles como mais importantes. Para isso, o
pesquisador elaborou uma lista de dez virtudes, entre as quais cinco são concebidas como
morais, uma vez que se referem ao trato com o outro. São elas: justiça, gratidão, fidelidade,
generosidade e tolerância. As outras cinco não são de caráter necessariamente moral, por
não envolverem sempre o bem-estar alheio: honra, coragem, polidez, prudência e
humildade. Os jovens deveriam ordenar essas dez virtudes em ordem crescente de
importância.
Os dados apontam para três virtudes mais valorizadas pela maioria dos
participantes, na ordem: humildade, justiça e fidelidade. Mas, neste momento de nosso
estudo, destacamos as últimas posições: polidez, tolerância e prudência.

95
A falta de polidez pode ser empregada, para o autor, como sinônimo de
incivilidade. Para Comte-Sponville (1995), a polidez seria uma pequena virtude, a que
origina todas as outras: “A moral começa, pois, no ponto mais baixo – pela polidez” (p. 17).
Pequena, sim, mas extremamente importante. Para comprovar sua relevância, basta pensar
nas relações sociais sem ela, como é desrespeitoso esbarrar no colega e não se desculpar, ou
falar enquanto outra pessoa conta uma história, ou, ainda, partir sem se despedir. La Taille
(2009b) afirma que, ao cumprimentar, usar pequenos vocábulos convencionais, como
obrigado, até logo ou me desculpe, esses não precisam ser de fato genuínos, mas é a
ausência deles que torna as relações desagradáveis e tensas.
O autor esclarece que a polidez seria o “marco zero da moralidade: reconhecer a
existência de outrem” (p. 290). Trata-se, então, de reconhecer que ele existe, não significa
ajudá-lo, ser justo ou fiel a ele, mas, sim, de tratá-lo com consideração, ou seja, a polidez se
traduz por marcas de respeito. La Taille (2009b) resume que essa pequena virtude merece
seu lugar entre as virtudes nobres, pois, sem ela, não há sociabilidade que mereça esse
nome.
Com uma perspectiva análoga, Debarbieux (2006) destaca que o acúmulo das
incivilidades, dessa falta de polidez que perturba o clima escolar, expressa falta de respeito e
pode causar medo e insegurança nos agentes desse espaço, causando nas pessoas que as
sofrem o sentimento de desordem e caos.
Em sua pesquisa, Latermann (2000) procurou compreender como se manifesta e
o que é violência para professores e alunos de sexto ao nono ano do ensino Fundamental II,
em duas escolas públicas da rede estadual de Florianópolis. A pesquisadora constatou a
incivilidade como a forma mais frequente de problema de convivência nas escolas
estudadas, o que estaria diretamente associado ao sentimento de bagunça percebido por
alunos, professores e gestores. Em seus relatos, a imagem que os participantes fazem do
ambiente é expressa como uma selva, entre outros termos que se relacionam com desordem.
Além disso, afirmam que as intervenções dos professores são flutuantes, ou seja, ora tomam
medidas, ora omitem-se frente as situações, o que gera insegurança e confirma a ideia de a
escola ser um espaço caótico.
Análise semelhante pode ser feita a respeito da prudência, virtude que também
nem sempre envolve o bem-estar alheio. Mencionada pelos adolescentes na pesquisa de La
96
Taille (2009a) como umas das três últimas na hierarquia de importância das virtudes, em
função das características da sociedade pós-moderna. Ser prudente não é vantajoso em um
contexto da instantaneidade, da impulsividade, da fluidez, presentes na sociedade pós-
moderna. Por fim, a tolerância. A explicação do autor para a tolerância também estar entre
as últimas colocações, não é que ela seja desprezada pelos jovens, mas sim pela
ambiguidade atual dessa virtude. Ele indaga se ela estaria sendo interpretada pelos jovens
como indiferença, em oposição ao sentido de acolhimento.
Os valores da sociedade em que nos inserimos favorecem uma forma de agir
individualista, associado, em muitas vezes, à busca do sucesso, do se dar bem, do ser feliz a
qualquer custo. Assim sendo, a necessidade de sucesso não precisa estar diretamente
relacionada à ética (La Taille, 2006), mas esse pode ser imposto no espaço social de forma
agressiva. Laterman (2000; 2002) esclarece que, em um ambiente em que o aluno comete
atos de incivilidade, ele parece demonstrar que faz o que quer nesse local, impondo-se ao
meio e contribuindo para a imagem de que a escola é um ambiente caótico, sem regras
claras e efetivas. Diante disso, parte dos alunos não acredita na escolaridade como fator de
ascensão social e, assim sendo, nesse espaço é vergonhoso ser um aluno que respeita as
regras, os pares ou a autoridade. É, então, a conduta transgressora que demonstra poder
sobre os outros ou sobre o ambiente.
Apesar de englobar características diferentes da indisciplina, como já descrito, a
incivilidade também pode interferir no trabalho pedagógico, nas condições de ensino-
aprendizagem. Assis Garcia (2006) esclarece a diferença entre incivilidade e indisciplina.
Para o autor, a indisciplina rompe com o contrato pedagógico, já a incivilidade aborda os
comportamentos que rompem com o contrato social, aqueles que desafiam regras e o
esquema da vida social. Não trazer material necessário para a aula, fazer perguntas com o
objetivo de atrasar a explicação, não fazer a tarefa ou jogar giz são alguns exemplos que
mostram que, ao apresentar esses comportamentos com frequência, o clima da aula fica
tenso e o aluno demonstra que os objetivos educativos do professor podem não ser
compartilhados com todos os membros do grupo.
Caminhando nessa direção, Latermann (2000; 2002) considera que a dinâmica
das aulas, que inclui desde a metodologia, conteúdos, relações professor-aluno, não
corresponde à expectativa de aprendizagem dos estudantes, o que contribui para a presença
97
de fatos de incivilidade. Em sua pesquisa, as aulas eram caracterizadas como monótonas,
repetitivas, sem propostas estimulantes e sem humor. A disciplina era sinônimo de
submissão. Como reação, alguns alunos apresentam comportamentos inadequados e
brincadeiras, muitas vezes agressivas, e em sua maioria desrespeitosas do ponto de vista dos
professores.
Fica claro então, que a incivilidade em si não é grave, e sempre ocorre em maior
e menor grau, mas dependendo da sua frequência e da intensidade podem perturbar muito o
ambiente e as relações. Debarbieux (2006) discute que as incivilidades não são fatos
obrigatoriamente penalizáveis, mas o acumulo de tais desordens podem se tornar
insuportáveis pelo sentimento de desrespeito que causam naqueles que as sofrem. Contudo,
essas atitudes por serem tão comuns no cotidiano escolar, acabam sendo banalizadas e
geram a sensação de insegurança naqueles que sofrem e o sentimento de impunidade
naqueles que a praticam (CHARLOT, 2002; DEBARBIEUX, 2006).
Na pesquisa de Abramovay e Rua (2002) desenvolvida nos anos de 2000 e 2001
com 33.665 estudantes de 14 capitais brasileiras, verificaram que, para os jovens, a
violência nem sempre está relacionada à agressão física. Ao definirem o que é violência, os
sujeitos entrevistados enfatizaram ações nas quais a força física não está presente,
destacando, assim, as incivilidades, as humilhações, as palavras grosseiras, as exclusões, a
falta de respeito. Esses dados corroboram o pensamento de Debarbieux (1996) e Blaya et al.
(2006), que consideram que, na maioria das escolas, o principal problema não seriam os
crimes, mas as incivilidades que desorganizam o clima escolar, criando uma crise de
sentido.
Costa (2011) entrevistou professores do Ensino Fundamental de Mato Grosso
do Sul com o objetivo de saber o que pensam sobre a violência escolar, causas,
manifestações, consequências e formas de enfrentamento dela. A pesquisadora concluiu
que, para os entrevistados, a violência vai além das agressões físicas e verbais, elas
abrangem o desrespeito e todo ato que prejudique o outro. A autora afirma que as formas de
manifestação de violência mais citadas foram: agressão física e verbal entre pares, agressão
verbal contra o professor e as incivilidades. Os educadores citam como atos diários de
incivilidade entre os alunos: palavras que denigrem ao outro, que rebaixam, que magoam,

98
que excluem. Já entre alunos e professores, os entrevistados destacaram: modo ríspido em
falar, deboche, desprezo à presença ou à fala e recusa em fazer a atividade.
Consideramos, como já apresentado, que a incivilidade não é uma manifestação
de violência, mas, sim, pequenas agressões do cotidiano que se repetem constantemente,
porém os dados encontrados pela pesquisadora mostram como os problemas de convivência
se misturam no cotidiano escolar, ou seja, os professores não diferenciam essas
manifestações, o que também prejudica as intervenções feitas por eles, uma vez que, quando
não as ignoram, utilizam das mesmas estratégias para lidar com fenômenos diferentes.
De acordo com Costa (2011), as incivilidades podem ser até mais danosas do
que as violências observadas no espaço escolar. Debarbieux e Blaya (2002) acreditam que o
stress acumulado das microviolências, das incivilidades, pode ter um efeito tão
desestabilizador quanto um único ataque grave de violência.
Costa (2011) encontra em sua pesquisa como consequências às incivilidades,
trabalho pedagógico prejudicado e perturbação do clima escolar. Já no âmbito pessoal, o
professor afirma sentir-se frustrado, triste, impotente, cansado, estressado. Em consonância
com a pesquisadora, Nájera (2006) considera que os atos de incivilidade prejudicam a
aprendizagem e perturbam o clima escolar. Em uma pesquisa recente, Tavares et al. (2015),
ao avaliarem os valores em alunos e professores, encontraram que a variável nunca ou quase
nunca ter presenciado colegas se agredindo ou gritando se relacionou a uma maior adesão a
todos os valores investigados (solidariedade, respeito, justiça e convivência democrática).
Os pesquisadores também perceberam que o contrário também é verdadeiro, ou seja,
presenciar um ambiente em que há gritos, agressões, ou o que estamos chamando de
incivilidade, leva a uma menor adesão dos valores citados.
Um ambiente com muitas incivilidades leva à busca por intervenções, visando
minimizar o problema, pelos professores. E nem sempre essas intervenções são eficazes,
atuando nas causas ou promovendo a tomada de consciência. Latermann (2000) revela que,
em sua pesquisa, muitos professores interrompem as aulas inúmeras vezes, inutilmente, pois
tais comportamentos continuam acontecendo e que os alunos consideram que as atitudes
tomadas são injustas e sem equidade.
Estar atento à incivilidade é mais do que desejar melhores comportamentos, é
buscar compreender o que leva a essas ações, quais os valores, as crenças e as ideias que as
99
subsidiam e, a partir disso, pensar em propostas e espaços em que os alunos tenham a
oportunidade de se verem valor, de se conhecerem, de refletirem sobre as consequências de
suas ações para a convivência do grupo. Essas questões serão discutidas em nossas
considerações finais.
Além da incivilidade, outra característica diretamente relacionada à causa pela
qual os jovens observados mais se engajaram em conflitos foi a provocação. Em função
disso, julgamos importante destacá-la brevemente no próximo subitem.

4.3. PROVOCAÇÃO

A provocação na infância e na adolescência é uma forma de interação social, ou


seja, as pessoas podem provocar para se socializar, flertar, resolver conflitos, passar o
tempo, entre outras. Como consideram Keltner et al. (2001), a provocação é um
comportamento central nas relações sociais humanas. Com frequência, é incluída ou
confundida com humor, brincadeiras, ironias, sarcasmo e bullying. A provocação tem
presente sempre dois componentes: hostilidade e humor, ou seja, combina a intenção de
hostilizar, com o humor ou a brincadeira, o que atribui a esse tipo de interação (entre
provocador e provocado) um caráter de ambiguidade (SHAPIRO et al., 1991; HOOVER;
OLSON, 2000; KELTNER et al., 2001; TRAGESSER; LIPPMAN, 2005).
Vale, aqui, ressaltar que é o caráter do humor ou da brincadeira que distingue
conceitualmente a provocação do bullying. Shapiro et al. (1991); Hoover e Olson (2000);
Keltner et al. (2001) e Tragesser e Lippman (2005) ressaltam que a provocação comunica,
simultaneamente, uma agressão e uma mensagem prossocial, isto é, há uma comunicação
humorística que pode ter efeito negativo ou positivo. Eles ressaltam que nem apenas a
agressão e nem o humor puro podem ser caracterizados como provocação, mas, sim, a
combinação desses componentes direcionados a um alvo. Diferentemente do bullying, a
provocação pode ter, então, um caráter de diversão e brincadeira.
Diante disso, essa ambiguidade é marcada por táticas indiretas (off records),
cujo tema é relevante para o alvo. Keltner et al. (2001) chamam de táticas indiretas as

100
insinuações, as metáforas, o tom de brincadeira e os elementos não verbais existentes na
provocação. Assim, o provocador faz comentários e insinuações relevantes para o alvo que
deseja atingir. As táticas indiretas visam proteger a boa imagem do provocador para que ele
não pareça mal-educado ou agressivo aos olhos do outro, uma vez que, com pequenas
variações de tom, a provocação pode humilhar ou assediar (SHAPIRO et al., 1991).
Ademais, diminui a vergonha quando a provocação tem por objetivo o flerte (KELTNER et
al., 2001). Fica claro que, o ato deve ser, então, destinado a um alvo específico para ser
considerado como provocação.
Além disso, quanto mais formal é o contexto, mais táticas indiretas serão
utilizadas. Não há, segundo os autores citados, estudos sistemáticos acerca da percepção da
provocação ao longo do desenvolvimento, entretanto, segundo Shapiro et al. (1991), é a
partir do início da adolescência (entre 11 e 13 anos), quando as mudanças cognitivas
refletem uma crescente capacidade de abstração e de generalização (INHELDER; PIAGET,
1976-2011), que o sujeito já é capaz de se colocar no lugar do outro; o adolescente, então,
pode perceber que a intenção do provocador é brincar e não agredir, interpretando-a como
menos prejudicial. Shapiro et al. (1991) constataram que 22% dos alunos do Ensino
Fundamental II negaram qualquer sentimento negativo após uma provocação, enquanto
99% das crianças do Ensino Fundamental I afirmaram se sentir com raiva, envergonhadas,
feridas e tristes após uma provocação.
Esses dados talvez justifiquem os resultados encontrados por Leme (2006) na
amostra brasileira e por alguns estudos sobre provocação (KELTNER, 2001; LICCIARDI et
al., 2011; MARQUES, 2015) que mostram, sim, o aumento da provocação na adolescência,
mas com um componente de humor, principalmente entre amigos. Por essas razões, ao
provocar, o jovem faz uso de conteúdos mais lúdicos ou insinuativos. Em consonância,
Licciardi (2010), Silva (2015) e Marques (2015) encontram em seus estudos que, quanto
mais velha a criança, maior a tendência de envolver-se em conflitos em que buscam
controlar o ambiente social em detrimento do físico, isto é, utilizam da provocação como
meio de controle.
Na adolescência, a provocação aumenta significativamente, uma vez que,
preocupados com a aceitação e com a inserção nos grupos, fazem uso desse tipo de ação, e
esta se dá, em sua maioria, verbalmente (KELTNER et al., 2001; MARQUES, 2015;
101
SILVA, 2015). As provocações passam a ser mais sutis, entretanto, tornam-se mais
dolorosas, pois passam a ser, cada vez mais, relacionadas a aspectos de maior
vulnerabilidade do alvo. Leme (2009) confirma, em suas pesquisas, que as provocações são
em sua maioria veladas, ou seja, mais difíceis de serem observadas pelos educadores, como,
por exemplo, os insultos, os apelidos, a difamação, entre outras.
Outra variável que interfere na provocação é o relacionamento. De acordo com
Keltner et al. (2001), a familiaridade entre provocador e alvo pode estar relacionada ao
aumento da frequência da hostilidade na provocação, ao mesmo tempo em que aumenta
também a sua aceitação. Quanto às diferenças entre gênero, encontrou-se que os meninos
populares provocam mais, além disso suas ações são melhores aceitas do que dos outros
menos populares. Leme (2009) também aponta que os meninos parecem sofrer mais
provocações do que as meninas. Entre meninos e meninas, nota-se a diferença como reagem
à provocação. As meninas riem alto, já os meninos apresentam uma postura mais hostil. Há
diferença de gênero também quanto à percepção da provocação. Agliatta et al. (2007), ao
analisarem os processos cognitivos dos adolescentes (entre 11 e 15 anos) expostos à
provocação, encontraram que as meninas sofrem mais quando essas estão relacionadas à
aparência física, enquanto os meninos, à competência acadêmica.
Segundo Keltner et al. (2001), uma ideal definição de provocação deve
considerar como essas ações podem ser prossociais ou antissociais. Sua ambiguidade
(humor e hostilidade) pode ter como características prossociais o flerte, a socialização, a
diversão e, como antissociais, a crueldade, quando dirigida a pessoas vulneráveis, entre
outras (HOOVER; OLSON, 2000). De acordo com Shapiro et al. (1991), os conteúdos da
provocação, segundo os alunos americanos de 8º ano, estão principalmente relacionados à
aparência física (padrão de beleza), ao desempenho intelectual e físico, ao interesse no sexo
oposto, às questões de higiene (odor ruim), à promiscuidade, ao medo, à raça e a problemas
psicológicos.
Esses exemplos mostram que a provocação pode ser uma experiência dolorosa
para o alvo. Tragesser e Lippman (2005), em seus estudos com adultos, mostraram que,
mesmo percebendo a provocação como algo engraçado, sentiam-se diminuídos e
desrespeitados pelos amigos, ao imaginarem-se em uma situação desse tipo. Diante disso,
Shapiro et al. (1991) encontraram que, para os alunos do Fundamental II, as reações à
102
provocação em geral são: revidar, ignorar, rir com o provocador, brigar ou se reportar a uma
figura de autoridade.
Scambler et al. (1998, apud SHAPIRO et al., 1991) sugerem que a atitude de
ignorar é a orientação mais dada pelos professores para os alunos do Fundamental I,
entretanto, esses nem sempre são capazes de seguir tais orientações. Na pesquisa de Shapiro
et al. (1991), citada acima, os pesquisadores encontraram que, entre os alunos de 8º ano, a
forma mais utilizada frente à provocação foi o revide, seguido do ignorar.
O uso do humor, segundo alguns estudos (SCAMBLER et al., 1998, apud
SHAPIRO et al., 1991), é a resposta mais eficaz, mais adaptativa para responder à
provocação. Uma vez que ao “rir com o provocador” a tensão é reduzida, a provocação se
dissolve e diminui a possibilidade de ser alvo. Em sua pesquisa, ao investigar o impacto dos
dois tipos de humor, não hostil e tolerante (affiliative humor) e o agressivo, e do
comportamento de ignorar, Conoley et al. (2007) chamam a atenção que não é qualquer tipo
de reação bem-humorada que favorece a relação. O humor não hostil e tolerante refere-se,
especificamente, à tendência de envolver-se nas brincadeiras de forma espontânea e
espirituosa, ou até mesmo de contar piadas com o objetivo de favorecer o relacionamento e
minimizar a tensão interpessoal. Assim, os resultados indicaram que esse tipo de humor
produziu, no provocador, uma sensação de bem-estar consigo mesmo e com o alvo da
provocação também, maior do que qualquer outro tipo de resposta oferecida. Diante disso,
acredita-se que o humor não hostil e tolerante parece uma forma mais eficaz de responder à
provocação, já que o humor promove a diminuição de uma ação agressiva futura do
provocador. O autor, após a provocação, torna-se menos agressivo e mais amigável com o
alvo, o que possibilita que a próxima interação seja mais agradável para o provocado.
Tragesser e Lippman (2005) destacam que, em geral, os estudos salientam os
benefícios indiscriminados do humor na vida das pessoas, havendo poucos estudos acerca
do lado negativo do humor. Segundo La Taille (2014, p. 142), “no caso do humor, o critério
moral é frequentemente usado para avaliar sua qualidade”, uma vez que, mesmo quando o
efeito humorístico é bom, ou seja, as pessoas riem, o critério moral é o que decidirá se é
passível de causar risos ou não.
Em seus estudos, La Taille (2014) conclui que as crianças pequenas são capazes
de perceber o efeito humilhante do riso e a sensibilidade a ele. Ademais, já se recusam a rir
103
quando fica evidente o efeito humilhante do riso, exceto quando se ri de um adversário.
Diante disso, mesmo as crianças de apenas seis anos já condenam o riso quando ocorre em
razão de algum tipo de acidente e o condenam também quando ele provém de uma ação
com a intenção de humilhar.
“O riso é sempre um pouco humilhante para quem é dele objeto” (BERGSON,
1940, apud LA TAILLE, 2014, p. 144). La Taille (2014) fala em humor de zombaria,
aquele que torna ridículo o seu alvo. O autor diferencia, nesses casos, a humilhação
ritualizada e a domesticada. A humilhação ritualizada submete as pessoas a situações
degradantes, sendo então moralmente condenadas por todos, mas legitimadas por alguns por
serem motivadas por algum evento social, como o trote universitário violento. Nesses casos,
as pessoas são obrigadas a fazer coisas que, se tivessem o poder de decisão, certamente não
as fariam. Já a humilhação domesticada tem como característica as pequenas piadas, as
ironias, as reflexões espirituosas a respeito do colega. Recebe esse nome porque o efeito da
zombaria entre os colegas é um pouco humilhante, mesmo apresentando um caráter leve.
Entretanto, merece um olhar atento, já que aquilo que pode ser facilmente suportado por
uma pessoa pode não ser para outra. Além disso, quem sofre das zombarias entre colegas
não decidiu livremente ser objeto delas. Essa leveza é definida por quem é dela objeto.
Portanto, cabe ao autor da zombaria avaliar o limiar de suscetibilidade do objeto a ser
zombado, ou seja, do outro. Para isso, é preciso que ele seja dotado de sensibilidade moral:
deve ser capaz de perceber no outro sinais nos quais pode reconhecer se a zombaria será
bem aceita ou poderá causar sofrimento.
La Taille (2014) reforça a ideia que, ao limitar o direito de rir no caso de
humilhação ridicularizada, estamos traduzindo o desejo de vivermos numa sociedade mais
respeitosa, no entanto, ao fazer o mesmo com a humilhação domesticada, viveríamos em
uma sociedade triste. Dessa forma, enfatiza as diferenças implicadas no humor, em
concordância com Tragesser e Lippman (2005), que concordam com a ideia de que o humor
pode ter particularidades prossociais, mas também pode estar relacionado a razões
agressivas.
Destacamos, neste subitem, algumas características específicas da causa mais
frequente encontrada nos conflitos observados por nós, a provocação, forma de
comunicação ambígua que combina hostilidade e humor.
104
Tivemos como objetivo, neste capítulo, apresentar e discutir estudos que
destacaram a importância dos conflitos para o desenvolvimento e para a aprendizagem de
valores, levando em consideração as variáveis que interferem no emprego de uma ou outra
estratégia de resolução de conflitos. Também enfocamos as incivilidades, especificamente
na forma de provocações, por serem problemas de convivência muito presentes nas escolas
e a maior causa de conflitos entre os adolescentes, nos estudos analisados. No próximo
capítulo, descreveremos o método de nossa pesquisa e, sem seguida, apresentaremos os
dados encontrados.

105
106
5. MÉTODO

5.1. CONTEXTO DA PESQUISA

Um tema recorrente nos dias de hoje, na esfera escolar, são os conflitos entre
alunos, muitas vezes considerados pelos professores como indisciplina, desobediência,
desrespeito, perigo e ameaça a sua autoridade. Dessa forma, educadores evitam que
aconteçam conflitos entre os educandos e os tomam para si de modo a dissolvê-los,
resolvendo-os, como nos mostraram os estudos de Carita (2004). A pesquisadora constatou
que 88% dos jovens entrevistados atribuíam ao professor ações resolutivas (ações que visam
solucionar o problema), que pareciam ser de caráter momentâneo e impulsivo, que não
contribuíam para a eliminação do problema em si e nem auxiliavam os alunos a
coordenarem perspectivas.
Mesmo assim, evidencia-se a percepção de que os conflitos têm crescido dentro
da escola. Segundo dados analisados na pesquisa de Leme (2006), com quatro mil
estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas e particulares, houve um
aumento na percepção dos conflitos na escola. Ao serem questionados se, “as relações entre
alunos e professores, de modo geral, eram difíceis”, a autora encontrou que um terço dos
estudantes concorda total ou parcialmente com isso. 23% da amostra acreditam que essa
dificuldade é normal, porque alunos e professores pertencem a mundos diferentes. Metade
deles é favorável ao exercício da autoridade pelo professor para garantir boas condições de
aprendizagem em sala de aula. Enquanto os demais atribuem aos professores a culpa por
essa dificuldade nas relações, ou por não estabelecerem regras em conjunto com os alunos,
ou por não se interessarem pela vida deles.
Embora os problemas de relacionamento dentro da escola tenham sempre
existido, vivemos um momento em que os educadores se mostram aflitos e amedrontados
(TOGNETTA; VINHA, 2007). A pesquisa intitulada “Qualidade da Educação nas escolas
estaduais de São Paulo”, divulgada pelo Instituo Data Popular, em parceria com a
APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) (2014),

107
mostra que não só os professores sentem-se assim, mas também pais e alunos acreditam que
o principal problema das escolas estaduais paulistas é a falta de segurança.
No cotidiano escolar, educadores resolvem conflitos que se repetem diversas
vezes. Isso se dá pela forma como eles são tratados (TOGNETTA et al., 2013). Em
concordância, Camacho (2001), após ter encontrado adolescentes de classe média e alta, de
12 a 15 anos, intolerantes às diferenças, ressalta a importância de se trabalhar aspectos
ligados às relações sociais dentro do projeto pedagógico da escola.
Comprovando a necessidade de um trabalho na escola voltado para resoluções
de conflitos mais assertivas e eficazes, algumas pesquisas têm encontrado que a estratégia
mais comum para se lidar com os conflitos é a submissão ao outro e, logo em seguida, a
agressão ou a coerção (CARINA, 2009; CARINA; MANTOVANI DE ASSIS, 2011;
LEME, 2004a e 2006; VICENTIN, 2009a e 2009b).
Entretanto, situações como essa podem ser vistas como oportunidades de
desenvolvimento, dependendo do ambiente em que se está inserido. O ambiente sociomoral
cooperativo favorece a construção de estratégias mais assertivas e cooperativas para
resolução de conflitos (DE VRIES e ZAN, 1998; TOGNETTA, 2003; VINHA, 2000 e
2003; VICENTIN, 2009a e 2009b).
A partir desse cenário, e considerando que há poucas pesquisas nacionais que
abordam o fenômeno, faz-se necessário investigar de forma mais aprofundada esse tema,
pensando que estudos como esse podem favorecer o planejamento de intervenções escolares
mais construtivas e também contribuir para que os educadores auxiliem o desenvolvimento
de estratégias de resolução de conflitos mais cooperativas, justas e respeitosas entre seus
alunos.
Diante do exposto, o objetivo dessa pesquisa é identificar quais são as causas, as
estratégias e as finalizações dos conflitos vividos pelos adolescentes de 13 e 14 anos de
escolas públicas do interior de São Paulo.
Esta investigação compartilha dos mesmos objetivos e recursos metodológicos
do trabalho já realizado por Licciardi (2010), – cuja pesquisa priorizou os conflitos
interpessoais entre as crianças de 3 e 4 anos e de 5 e 6 anos –, do trabalho da mesma autora
com alunos de 8 e 9 anos (SILVA, 2015) e de Marques (2015), que investigou os alunos de

108
11 e 12 anos. Tais estudos, em conjunto, pertencem a um subgrupo12 do GEPEM (Grupo de
Estudos em Educação Moral) sobre conflitos interpessoais e favorecerão a compreensão da
evolução das características dos conflitos, configurando-se, por fim, em uma investigação
maior, de caráter evolutivo e comparativo.

5.2. PROBLEMA

Quais são as principais causas, estratégias empregadas e resultados dos conflitos


vividos entre alunos do Ensino Fundamental II, de 13 e 14 anos?

5.3. OBJETIVOS

Identificar quais são as causas, as estratégias e as finalizações dos conflitos


vividos pelos adolescentes de 13 e 14 anos.

5.4. PARTICIPANTES

Foram investigadas duas classes de Ensino Fundamental II, de duas escolas


públicas estaduais de uma cidade do interior do estado de São Paulo, escolhidas segundo o
critério de conveniência. Participaram do estudo 63 adolescentes (13 e 14 anos), sendo 34
alunos da Escola 1 (25 meninas e 9 meninos) e 29 da Escola 2 (19 meninas e 10 meninos).
As duas instituições tinham quatro classes de oitavo ano no período das observações. A
classe participante foi escolhida por ter mais situações de conflito após as sessões de
observação e segundo a equipe gestora.

12 MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. Causas, estratégias e finalizações de conflitos de alunos
de 3 a 14 anos. Relatório não publicado, 2014.

109
5.5. DELINEAMENTO DA PESQUISA E COLETA DE DADOS

O plano elaborado pelo pesquisador para atingir seus objetivos envolve tanto os
procedimentos de coleta quanto o de análise dos dados e é chamado de delineamento ou
desenho da pesquisa. Nossa pesquisa está inscrita em um projeto maior, de delineamento de
caráter evolutivo/comparativo, ou seja, estudamos os alunos em diferentes grupos de idade
(3 a 6; 8 e 9; 11 e 12; 13 e 14) porque, particularmente em teorias da psicologia do
desenvolvimento, a idade é considerada um importante determinante de mudança. Dessa
forma, o delineamento transversal permite que as mudanças relacionadas com a idade sejam
medidas.
Inserida em um estudo descritivo, importante para compreender determinada
realidade, ou seja, as características de um grupo, fatos e fenômenos sem manipulação
intencional de variáveis, ou seja, a descrição dos fenômenos tais como acontecem, nossa
pesquisa visa conhecer as características dos conflitos dos alunos de 13 e 14 anos
(BREAKWELL et al., 2010).
Nossa pesquisa utilizou uma combinação de métodos quantitativos e métodos
qualitativos para a análise dos dados. De acordo com Creswell (2007), existem diversas
estratégias que combinam os dois tipos de métodos. Uma delas é a “estratégia aninhada
concomitante”, em que os dois tipos de dados, qualitativos e quantitativos, são coletados
conjuntamente. Geralmente, uma das abordagens tem prioridade; no nosso caso, foi a
qualitativa, sendo que o estudo quantitativo “enriqueceu a descrição dos participantes da
amostra” (MORSE, 1991, apud CRESWELL, 2007) bem como contribuiu para
compararmos os grupos estudados. Na fase qualitativa, buscamos investigar o conflito
interpessoal em um dos contextos naturais, a escola, descrevendo como nossos sujeitos
vivenciaram o fenômeno. Na fase quantitativa, calculamos a frequência das causas, das
estratégias e dos resultados dos conflitos entre os adolescentes para descrever melhor o
fenômeno nessa faixa etária.
Os procedimentos adotados para a coleta dos dados foram a observação
sistemática e a entrevista, após as situações de conflitos. Ambos os procedimentos tiveram
110
como objetivo identificar os motivos pelos quais os sujeitos se engajavam em situações de
conflitos, as estratégias empregadas para solucioná-los e seus resultados.

5.6. OBSERVAÇÃO

Ao utilizar o procedimento da observação sistemática para coletar dados,


definimos o que seria observado e como o registro deveria ser feito, uma vez que segundo
Delval (2002), a observação não pode ter início sem um ponto de partida. Organizamos um
protocolo a fim de registrar os aspectos da realidade que estivessem relacionados ao nosso
problema de pesquisa. Esse instrumento continha os seguintes itens: sujeitos, idade,
descrição do conflito, motivo, estratégias empregadas pelos alunos, local, resultado,
intervenção do professor.
O método utilizado para observação foi a amostragem por evento. De acordo
com Bentzen (2012, p. 140), “a amostragem por evento simplesmente aproveita a
ocorrência generalizada de eventos, definindo quais eventos específicos são de interesse e
esperando até que eles ocorram no ambiente de observação”. Os eventos, segundo o autor,
são os comportamentos apresentados pelo indivíduo, que podem ser categorizados. Dessa
forma, ao observarmos uma sequência de comportamentos que indicavam a existência de
um conflito interpessoal, descrevíamos o fato como observado, uma vez que não tínhamos
um esquema de codificação, comum em pesquisas quantitativas. Vale ressaltar que esse
procedimento de coleta de dados nos permite retirar informações no momento em que os
comportamentos ocorrem, a partir do seu contexto natural, favorecendo, assim, a percepção
dos detalhes, que podem contribuir para a análise (MARTIN; BATESON, 1986 apud GIL,
1987-2009).
Após a autorização das direções das escolas e do Comitê de Ética e Pesquisa da
13
Unicamp , entramos em contato com os familiares, esclarecendo os objetivos e os
procedimentos da pesquisa, para, então, coletar o termo de consentimento livre e esclarecido
de cada aluno. A partir da concordância dos familiares, iniciamos uma observação piloto

13 Parecer nº 461.081 (ANEXO A)

111
nas duas escolas, a fim de verificar qual seria o meio mais apropriado para coletarmos dados
referentes aos conflitos interpessoais.
Juntamente com outra pesquisadora que já havia realizado um estudo
semelhante, frequentamos as aulas das diferentes turmas das séries que seriam observadas,
por exemplo, assistimos às aulas nas classes do 8º ano A, B, C e D. Além disso, observamos
as interações dos alunos em outros momentos da rotina escolar. Por fim, escolhemos uma
sala de cada escola, a partir dos comportamentos apresentados, ou seja, selecionamos as
turmas que apresentaram maior número de conflitos. Levamos nossas percepções à
coordenação das escolas, que concordaram com as escolhas. Em função da idade e das
características de desenvolvimento dos adolescentes que seriam observados, optamos por
estar nas escolas em dias consecutivos, para, assim, observar o desenrolar dos conflitos;
frequentar as escolas em vários dias da semana, para que os alunos pudessem se acostumar
com a nossa presença; estar presente em quase todo o período de aula, para acompanhá-los
nos diversos momentos da rotina escolar e, quando necessário, após a observação de um
conflito, fazer uma entrevista subsequente para esclarecer os acontecimentos.
A entrevista subsequente aos conflitos nos permitia uma melhor compreensão
de detalhes importantes que não haviam sido compreendidos e nos possibilitava conhecer o
que estava por trás daquele acontecimento específico, quais eram as reais causas do conflito
aparente. As conversas aconteciam, em geral, nas trocas de aula ou no intervalo, quando
percebíamos que o adolescente estava aberto para o diálogo. Em geral, os alunos sempre se
mostraram dispostos a colaborar. Demonstrávamos interesse pelas situações relatadas pelos
adolescentes, não julgávamos ou aconselhávamos os mesmos. Além disso, tomávamos
bastante cuidado com as conversas com os professores, para não romper o vínculo de
confiança conquistado. Para evitar embaraços e exposição desnecessária dos alunos, essas
entrevistas não foram áudio-gravadas. Entretanto, realizávamos o registo no protocolo aqui
já descrito, logo em seguida à observação e aos esclarecimentos dados pelos jovens.
A observação sistemática realizada foi de caráter naturalista: descreve o
comportamento em situações naturais (cotidiano dos alunos na escola); e estruturada:
descreve tipos específicos de comportamentos (conflitos entre os alunos). O observador foi
caracterizado como um “observador como participante”. Dessa forma, o pesquisador se
integra ao grupo com a intenção de observar. No entanto, seu papel é caracterizado pelo
112
destacamento em relação ao grupo que será estudado, tendo seu posicionamento objetivo e
empático enfatizado. O observador é livre para elaborar questões e, neste caso, participa
parcialmente da vida do grupo, o que não lhe impede de ter acesso a uma ampla variedade
de materiais, mas precisa ter cuidado quanto à necessidade de manter-se imparcial com
relação às alianças e às facções dos grupos (BREAKWELL et al., 2010).
Ao todo, foram 27 dias de observação (12 dias na Escola 1 e 15 dias na Escola
2), contabilizando um total de 108 horas em dias letivos consecutivos. Deixamos a
instituição assim que constatamos que não havia mais novidade. Adotamos então, como
critério para a interrupção das observações, a saturação, quando as “características gerais
das novas descobertas reproduzem consistentemente as anteriores” (ANGROSINO, 2009, p.
79).
Para garantir a validade e a confiabilidade dos dados coletados, foi utilizado um
juiz de observação e três de análise, sendo que um foi o mesmo da observação. O juiz de
observação esteve presente em cerca de 10% das sessões observadas, juntamente com a
pesquisadora. Assim, encontramos 100% de concordância entre as anotações do juiz e da
pesquisadora, o que denota sua confiabilidade. Os juízes escolhidos são pesquisadores da
mesma abordagem teórica.
Tomamos alguns cuidados ao longo das observações. Para Breakwell et al.
(2010), o observador deve estar posicionado em um local a partir do qual seja possível
observar o rosto das pessoas e prestar atenção ao que os participantes não falantes possam
estar fazendo. Além disso, escolhíamos lugares bem localizados na sala, a fim de ouvir o
que eles diziam, mas sem interferir no desempenho ou na espontaneidade do aluno. O autor
também destaca a importância do rápido e detalhado registro escrito da observação bem
como o uso de indicações para memória do pesquisador.
Procuramos ter sempre uma atitude discreta, não interferindo nas situações
presenciadas e procurando demonstrar uma postura imparcial e interessada, o que não
significa frieza ou distanciamento dos alunos, uma vez que percebemos a importância dos
vínculos afetivos para a espontaneidade e para o esclarecimento dos conflitos. Era comum a
curiosidade dos alunos acerca do que escrevíamos no caderno e a resposta dada era sempre
breve e verdadeira: “Estamos fazendo um trabalho da faculdade para entender como se
comportam os alunos do 8º ano”. Isso parecia os satisfazer, uma vez que não voltavam a
113
fazer a mesma pergunta. Mesmo tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, comumente os alunos perguntavam se aquelas anotações seriam encaminhadas
à direção ou aos familiares. Respondíamos que não, ninguém teria acesso àquele material.
Por fim, uma limitação do método escolhido foi a dificuldade de identificar e
ouvir alguns conflitos mais velados devido à localização das pesquisadoras e dos alunos na
sala. Em razão do mapa de sala14, nem sempre era possível estarmos próximos de alguns
alunos ou de certos conflitos, como, por exemplo, aqueles mais sutis. Em vista disso, os
conflitos que não foram suficientemente esclarecidos foram descartados. Vale ressaltar que,
ao observarmos conflitos que perduravam há vários dias, buscávamos ficar mais próximos
fisicamente, além de realizar entrevistas com os envolvidos, para maiores informações.

5.7. ANÁLISE DOS DADOS

Após o descarte dos conflitos incompletos ou pouco esclarecidos, obtivemos um


total de 93 episódios de conflitos observados, que foram registrados no protocolo citado
anteriormente. Cada episódio foi analisado quanto à sua causa, às estratégias empregadas
pelos sujeitos, aos resultados da interação e às intervenções docentes. Após a análise de
cada conflito e a categorização das causas, das estratégias, dos resultados e das
intervenções, esses dados foram quantificados.

5.8. MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTEÚDO

Três juízes independentes analisaram os conflitos e as categorizações (um dos


juízes era o mesmo da observação), sendo que as discordâncias foram resolvidas após

14 Marcação prévia de lugares para os alunos, decidida pelos professores.

114
discussão, resultando em 95% de acordo. Utilizamos algumas categorias já presentes na
literatura, tais como disputa, provocação e exclusão para as causas dos conflitos e as demais
foram criadas a posteriori. Para classificar as estratégias, inspiramo-nos nos estudos de
Selman (1990, 2003) e para a análise dos resultados dos conflitos nos inspiramos no
trabalho de Vuchinich (1990). Essas categorias foram uniformizadas nos 4 estudos sobre os
conflitos entre alunos na escola, investigada por nosso grupo (LICCIARDI, 2010; SILVA,
2015; MARQUES, 2015; OLIVEIRA, 2014). Como esses estudos têm por objetivo a
análise evolutiva dos conflitos, decidimos manter a padronização das categorias.
Com base nos protocolos de registros dos conflitos que ocorreram nas sessões
de observação, cada um foi analisado com o objetivo de conhecer suas causas, ou seja, as
ações e motivos que levaram àquela desavença. Após essa identificação, levantamos a
frequência com que cada categoria esteve presente no conjunto dos dados. Esses mesmos
procedimentos foram utilizados para as estratégias e para os resultados dos conflitos.
Para descrever o perfil da amostra segundo as variáveis em estudo, foram feitas
tabelas de frequência das variáveis categóricas (sexo, idade, causas, estratégias e
finalizações dos conflitos, escolas), com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%).
Para analisar a relação entre causas, estratégias e finalizações em cada grupo
etário, foram utilizados o teste exato de Fisher e o teste qui-quadrado para igualdade de
proporções, na presença de valores esperados menores que 5. Esses testes também foram
usados na comparação com gênero e com escola. O nível de significância adotado para os
testes estatísticos foi de 5%, ou seja, P<0.05.
Os resultados foram discutidos com base nos estudos de Piaget (1932-1994),
Selman (1980) e Selman e Shultz (1990).

5.9. CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS

A Escola 1 é estadual, localizada próxima ao centro da cidade. Tem 634 alunos


ao todo e funciona em turnos matutino e vespertino, com Ensino Fundamental II (sexto ao
nono ano) e Ensino Médio (primeiro e segundo ano).

115
A escola foi fundada em 1935 e mantém a estrutura original. Bem cuidada e
considerada patrimônio histórico da cidade, a unidade de ensino está em ótimas condições.
As salas de aula são amplas e claras, as carteiras bem conservadas e limpas e as lousas
(frente e laterais da sala) em boas condições de uso. Os banheiros, apesar de antigos,
estavam sempre bem cuidados.
Com onze salas de aula, a Instituição de Ensino tem também uma quadra
coberta (local onde acontecem as aulas de educação física) e um pátio pequeno. Parte desse
pátio é coberta e é onde se encontra o refeitório da escola. O refeitório é pequeno e fechado
por grades, há uma inspetora que permite ou não a entrada dos alunos no local. Eles
esperam em fila para se alimentar. Na parte descoberta, existem algumas mesinhas e bancos
de cimento soltos para os alunos conversarem durante o intervalo. Além disso, a escola é
dotada de uma sala de informática e de uma biblioteca, poucas vezes utilizadas pelos alunos
durante nossas observações. A nota do IDEB (2013) da escola foi 5,8, acima do observado
pela cidade em 2013, 4,6 (não atingiu a meta do IDEB).
Segundo a coordenadora da escola, as famílias dos alunos, provavelmente, são
provenientes de classe média baixa. Para ela, as famílias se mostram participativas na vida
escolar de seus filhos, comparecendo sempre que acionadas e nas reuniões bimestrais.
Segundo a gestora, esse fato se dá pela grande lista de espera por vagas na escola. Por essa
razão, há alunos da maioria dos bairros da cidade, ou seja, os pais utilizam endereços do
bairro em que a escola está situada para conseguir que seu filho estude nesta Instituição de
Ensino. Dessa forma, a maioria dos alunos utiliza transporte público ou particular (carro dos
pais ou van contratada) para chegar à escola, são poucos os que vão sozinhos e a pé.
Para que pudéssemos melhor investigar e compreender o fenômeno estudado,
decidimos realizar as observações também em outra escola na mesma cidade, mas com
algumas características diferentes.
A Escola 2 também é estadual, localizada no centro da cidade. Tem 802 alunos
ao todo. Funciona em turnos matutino (Ensino Médio completo – primeiro ao terceiro ano),
vespertino (Ensino Fundamental II – sexto ao nono ano) e noturno (Ensino Médio –
primeiro ao terceiro ano – alunos maiores de dezesseis anos).
A escola foi a primeira Instituição de Ensino da cidade. Fundada em 1886,
mantém em sua estrutura externa e interna as características do seu ano de construção e, por
116
essa razão, é considerada patrimônio histórico da cidade. A parte exterior da escola é bem
conservada, assim como sua entrada, onde ficam a secretaria e a sala da direção. Entretanto,
as salas de aula, apesar de amplas e claras, são muito quentes e as cortinas não cobrem o sol.
As lousas (frente e laterais da sala) estão em boas condições de uso. Porém, as carteiras, os
banheiros e os corredores da escola estão depredados: riscados, sujos e quebrados em alguns
lugares.
A Instituição de Ensino é dotada de nove salas de aula, quadra coberta e
descoberta e pátio. Todos esses espaços são utilizados durante o intervalo. O refeitório da
escola é aberto, ou seja, os alunos servem-se e podem comer nas mesas ou nos bancos
espalhados nesse pátio. Além disso, a escola tem sala de informática, biblioteca e duas salas
de vídeo. Os alunos utilizam com frequência a sala de informática. Durante os meses de
observação, não acompanhamos nenhum tipo de atividade nas salas de vídeo ou na
biblioteca. A nota do IDEB (2013) da escola foi 4,4. Além de abaixo do observado pela
cidade, não atingiu a meta do IDEB.
As famílias dos alunos, segundo a diretora, provavelmente são provenientes de
classe média baixa. Para ela, as famílias, em geral, participam pouco da vida escolar de seus
filhos. Optam por mantê-los ali, pois a grande maioria trabalha no comércio ou em casas de
família na região, o que ajuda na hora de deixar os filhos na escola. Dessa forma, a maioria
dos alunos utiliza transporte público ou particular (carro dos pais ou van contratada) e são
poucos os que vão sozinhos e a pé.

5.10. O AMBIENTE SOCIOMORAL

Apesar de não ser o objetivo do nosso estudo correlacionar os aspectos do


ambiente sociomoral da classe com os conflitos vividos pelos alunos, acreditamos ser
importante tecer algumas considerações sobre o assunto para melhor caracterizar nossos
participantes e as escolas. Além disso, estudos (BAGAT, 1986; DE VRIES; ZAN, 1995;
VINHA, 2000 e 2003; TOGNETTA, 2003) atestam que essa é uma variável que interfere no
emprego de estratégias para resolver conflitos.
117
Segundo De Vries e Zan (1998, p. 17), “o ambiente sociomoral é toda rede de
relações interpessoais que forma a experiência escolar do sujeito. Essa experiência inclui o
relacionamento da criança com o professor, com as outras crianças, com os estudos e com
as regras”.
Há tipos de ambientes escolares que vão do coercitivo ou autocrático para o
cooperativo ou democrático. Um ambiente autocrático tem como principal característica a
centralização no professor, ou seja, é papel do educador tomar todas as decisões, transmitir
o conhecimento, já que este deve ser “passado” por alguém que o detém, punir as infrações,
impor as regras e a resolução dos conflitos, fazendo uso de uma linguagem valorativa, ou
seja, uma linguagem que avalia, que julga o sujeito e a situação.
Em uma atmosfera sociomoral cooperativa, os princípios de dignidade são
vivenciados e refletidos continuamente, como a justiça, o respeito mútuo, o diálogo e a
igualdade, por exemplo. Ambiente este que deve favorecer as relações de cooperação, uma
vez que, segundo Piaget (1965-1973), a cooperação é de suma importância para o
desenvolvimento das estruturas lógicas, das noções de justiça e do sentimento de
solidariedade. Dessa forma, o adulto minimiza seu autoritarismo, não utiliza sanções
expiatórias ou recompensas, permite ao aluno expressar seus sentimentos e resolver seus
conflitos por meio do diálogo, cria espaços de construção, discussão e revalidação das
regras, estimula a ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento, oportunizando reflexões
sobre as situações-problema. Concebe, então, o conhecimento como algo a ser investigado,
descoberto ou reinventado, e não transmitido. Além disso, emprega uma linguagem
construtiva. Vale ressaltar que, em geral, as classes não podem ser classificadas como um
ou outro: tendem a ser mais cooperativas ou mais coercitivas (VINHA; MANTOVANI DE
ASSIS, 2007).
Segundo De Vries e Zan (1997), os adultos são os responsáveis pela natureza da
atmosfera sociomoral de acordo com a qualidade das interações cotidianas na qual seus
alunos estão inseridos. Notamos que, nas duas salas de aula observadas, em geral, as
decisões eram centradas no professor e baseadas no respeito unilateral.
Para os professores dessas turmas, em geral, cabia ao docente a responsabilidade
de determinar o que aconteceria na sala. Observamos inúmeras situações de cópias da lousa
ou da apostila (as duas escolas trabalham com as apostilas oferecidas pelo estado) e, na
118
Escola 2, situações em que os alunos tinham muito tempo para cumprir com poucas
atividades – por exemplo, deveriam responder a três exercícios de matemática, para isso
tiveram duas aulas. Os assuntos eram apresentados, na maioria das vezes, pelo discurso do
professor, ou por meio de uma leitura seguida pelos alunos, ou seja, cada aluno lia um
parágrafo ou parte do texto. Presenciamos poucas situações em que foram utilizados outros
procedimentos, como a discussão de filmes ou vídeos. Assim, não havia participação dos
alunos na elaboração do conteúdo e questionamentos sobre os interesses dos mesmos,
tampouco eram investigadas as ideias prévias (crenças anteriores) dos jovens sobre o tema a
ser estudado.
Apresentaremos agora algumas categorias de análise das escolas observadas: O
trabalho com o conhecimento; Relação professor-aluno/ aluno-aluno; Regras, sanções e
conflitos. Os dados foram analisados separadamente, devido ao fato de as escolas
apresentarem naturezas muito diferentes e por terem uma organização própria.

5.10.1. O trabalho com o conhecimento

5.10.1.1. Escola 1

Ao examinarmos o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Instituição de Ensino,


esta se descreve como construtivista. Em conjunto com os professores, em horário de
ATPC15, a coordenadora da escola diz orientar alguns estudos sobre essa teoria. O estudo é,
sim, essencial para embasar o trabalho didático, entretanto é necessário que venha
acompanhado da reflexão sobre a transposição da teoria para a prática, ou seja, é preciso
conhecer os procedimentos pedagógicos (VINHA; MANTOVANI DE ASSIS, 2007).
Durante as observações, notamos que alguns professores buscavam
compreender os caminhos do raciocínio dos alunos, apresentavam questões que os
desequilibrassem ou gerassem conflitos cognitivos, acolhiam seus comentários e, a partir
deles, propunham novas questões, levando os alunos a reflexões. Em uma aula de geografia,

15 Desde 2012, a hora de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) passou a ser chamada de ATPC, aula de trabalho pedagógico coletivo. A
mudança ocorreu em função do tempo dispendido: os encontros duram 50 minutos, igual à hora/aula.

119
por exemplo, a professora repetiu um vídeo sobre a usina de Itaipu, já que, ao tentar
apresentar a continuação do mesmo, o vídeo travava. Utilizando uma estratégia diferente da
aula anterior em que o vídeo funcionou, a professora questionava os alunos em trechos
específicos, solicitava a participação, encorajava-os a se envolverem na discussão, por
exemplo: “Nossa, boa pergunta!”, “Que bom que perguntou” e “Vamos pensar juntos sobre
isso?”. Além disso, retomava os conteúdos dos anos anteriores, ampliava as colocações dos
alunos, acrescentava novos conteúdos e fazia uso de exemplos simples – comparava, por
exemplo, um balde de água e uma piscina com a abertura das comportas. Os alunos se
mostraram interessados na aula. A metodologia descrita permite a participação dos alunos,
seu desenvolvimento e sua criatividade. Além disso, favorece o pensamento formal, uma
vez que, libertos do concreto, esses adolescentes podem, sem o apoio da experiência, inferir
hipóteses. Além disso, a educadora diminuiu seu autoritarismo e favoreceu o respeito
mútuo.
Durante as aulas de português, a professora incentivava os alunos a tomarem
pequenas decisões e a fazerem por si mesmos aquilo que já eram capazes. No semestre
observado, os alunos, a partir dos temas descritos no material do estado, poderiam escolher
um deles para pesquisar. Os grupos foram formados de acordo com o interesse. Por
exemplo, alunos que gostariam de conhecer mais sobre as drogas, ou sobre o preconceito. A
partir disso, a professora pediu que os alunos pesquisassem livremente sobre o tema
escolhido, depois apresentaram e discutiram as informações encontradas e, por fim,
delimitaram o que especificamente pesquisariam.
De acordo com De Vries e Zan (1997) e Mantovani de Assis e Assis (1999a,
1999b), o trabalho em grupo é uma prática que estimula os jovens a aceitarem os diferentes
pontos de vista, já que têm a oportunidade de trocar ideias. O professor deve ser cauteloso
nesses momentos, estando atento à formação dos grupos, às atividades escolhidas e aos
objetivos a serem alcançados. Os alunos, nesta escola, trabalhavam em grupo e matérias
permitindo uma regulação das aprendizagens, ou seja, havia organização, investigação,
realização das tarefas e avaliação do trabalho, favorecia as contribuições mútuas e dava a
oportunidade de os alunos realizarem, de forma espontânea, correções sobre conceitos e
estratégias trabalhadas, inclusive atitudes durante o mesmo (BONALS, 2003).

120
Uma escola que pauta sua orientação na perspectiva construtivista deve
proporcionar continuamente relações de cooperação. Portanto, o conhecimento não é
transmitido como verdade absoluta, mas, sim, como algo a ser investigado, reinventado ou
descoberto pelo sujeito. Contudo, aulas como as descritas aqui, em que os alunos
participavam fazendo questões e tinham a oportunidade de refletir sobre a temática
discutida, aconteceram em poucos momentos observados. Na verdade, dependia do
professor responsável pela disciplina.
A construção de um trabalho que visa a essa orientação exige estudo e esforço
contínuo por parte do educador. De acordo com Vinha e Mantovani de Assis (2007),
igualmente aos alunos, o professor constrói, paulatinamente, seus conhecimentos e sua ação
pedagógica. Alguns educadores consideram-se “construtivistas”, porém observamos que os
princípios construtivistas eram aplicados superficialmente, ou de maneira distorcida, como
observamos em uma aula de inglês. A professora solicitava a participação e o envolvimento
dos alunos durante os exercícios. Ela ouvia a todos aqueles que desejassem dividir suas
respostas com a turma, sem fazer nenhum tipo de intervenção e, ao final, passava na lousa a
resposta “certa”, pedindo que os alunos anotassem como ela estava escrevendo. A
professora se dizia satisfeita com o trabalho que propunha, mas notamos que, na verdade,
havia contradições entre o seu discurso e a sua prática. Um trabalho pedagógico
fundamentado nos princípios construtivistas compreende que, mais do que planejar e
acompanhar cada passo dos alunos, o papel do professor é também saber de fato quando e
como intervir, ou seja, fazer boas intervenções que possam gerar conflitos cognitivos e
sociomorais.
Outro exemplo de trabalho mecanicista ocorria nas avaliações escolares. As
médias bimestrais eram constituídas por duas avaliações no bimestre, nesse caso, duas
provas. Cada professor agendava a prova de sua disciplina a seu critério: por tempo,
término de conteúdo ou revisão da matéria, desde que cumprissem com a quantidade correta
de avaliações no bimestre. As datas das provas ficavam anotadas na lousa da sala para não
coincidir com outra matéria. Tivemos a oportunidade de presenciar a aplicação de algumas
dessas provas. Notamos que eram conteudistas, exigiam que os alunos tivessem apenas
decorado o que foi trabalhado em um determinado espaço de tempo, sem nenhuma
articulação, além de conter apenas perguntas diretas. As avaliações não devem ser pontuais,
121
como vimos nesta escola, uma vez que têm como objetivo a tomada de consciência do
aluno. Por essa razão, devem acontecer ao longo do processo, com possibilidade de
retomada dos conteúdos discutidos.
Observamos também professores que, como mecanismo de controle, faziam uso
da leitura coletiva da apostila. Na sequência da fileira, cada aluno lia uma frase (assim não
poderiam conversar) e as explicações do conteúdo eram dadas, em geral, pelo professor
após a leitura do parágrafo da apostila. Outra forma de manter os alunos quietos era solicitar
que fizessem o resumo de quatro páginas do livro de ciências, por exemplo. Essas atividades
foram dadas apenas por professores substitutos, professores que são enviados à escola e não
participam das formações. Entretanto, durante nossas observações, era frequente a presença
desses.
Podemos inferir que o conhecimento era visto como valor para maioria dos
alunos. Exemplo disso se dava quando os alunos trabalhavam sem a presença do professor.
Esse deixava a tarefa a ser cumprida e os alunos completavam os deveres, enquanto buscava
algo na secretaria ou então conversava com a coordenadora. Muitas vezes, o sinal para troca
de aulas tocava, ou seja, a aula havia acabado, mas como o professor estava terminando de
explicar o conteúdo, os alunos continuavam atentos e participativos. Exemplos como esses
nos mostram também uma autorregulação dos mesmos.

5.10.1.2. Escola 2

“A educação da liberdade supõe inicialmente uma educação da inteligência e


mais especialmente da razão” (PIAGET, 1931-1998a, p. 154). Ao falar em liberdade, Piaget
estava pensando em formar indivíduos livres, ou seja, que sabem julgar e que usam sua
razão para o bem-estar de todos, independentemente da autoridade superior. Para ele, não é
livre aquele que é dominado por seus desejos e pela imaginação, sobre o qual a anarquia
toma conta. Na sala de aula observada, o trabalho com o conhecimento não nos pareceu
preocupado em integrar objetivos promotores do aprendizado e, por isso, os alunos
demonstravam sentir tédio.
Para La Taille (2009), o tédio característico desses alunos é chamado tédio
situacional ou superficial. Ele acontece quando o sujeito não tem o que fazer ou tem que

122
realizar algo que considera desinteressante. Observamos, em meio às aulas, alunos fazendo
balões de papel e estouravam-nos, andando de skate entre as carteiras, espetando-se com
compasso, jogando giz uns nos outros, cantando músicas infantis etc.
Comportamentos como esses talvez possam ser também decorrentes do pobre
trabalho com o conhecimento. Vale ressaltar que o ambiente proposto em sala de aula
baseia-se nas crenças interiorizadas de cada docente. Os educadores pareciam acreditar que,
para saber bem as coisas, é necessário repetir várias vezes o mesmo conteúdo para fixá-lo.
Observamos, por exemplo, nas aulas de inglês, que, após a apresentação de um vídeo com
novos vocábulos, a professora passava de duas a três aulas fazendo chamada oral do
significado das palavras. Além disso, o aluno deveria ouvir atentamente o professor e não
perguntar antes de terminar a exposição do conteúdo. Por exemplo, enquanto a professora
passava a matéria de ciências na lousa, um dos alunos perguntou o significado de um termo,
ela respondeu: “Termine de copiar, você terá sua resposta!”.
Outra concepção que nos chamou bastante a atenção era a crença do educador
de que todos os alunos devem seguir um mesmo ritmo de aprendizagem. Alguns alunos
eram retirados durante as aulas de português e matemática para reforço específico da
disciplina. Em função disso, notávamos muitos alunos apenas copiando o conteúdo e, ao
perceber que o aluno não entendia, o professor dizia: “Você também precisa ir para o
reforço”, atribuindo a responsabilidade da dificuldade principalmente ao aluno, não
modificando a forma de ensinar.
Ao longo do semestre observado, os trabalhos em grupo eram oferecidos
somente de vez em quando, como uma forma de concessão do docente ao aluno. Piaget
(1931-1998a) afirma que o método do trabalho em grupo pode ajudar alunos com
dificuldade ou pouco interessados. Para o autor, longe de serem deixados de lado, esses
alunos são estimulados e até mesmo obrigados pelos colegas a trabalharem, enquanto
aqueles que já aprenderam têm a oportunidade de aprender a explicar, o que não aconteceria
se estivessem sozinhos. Além, é claro, do benefício da crítica mútua, da troca de ideias, da
aprendizagem. “Adquire-se assim um sentido de liberdade e de responsabilidade conjunta,
de autonomia na disciplina livremente estabelecida” (p. 158).
Os professores pareciam acreditar também que, quanto mais produção, na
verdade, quanto mais folhas de atividades preenchidas, mais forte era o ensino. A grande
123
maioria das aulas teve como estratégia a simples cópia. O conteúdo poderia ser passado na
lousa pelo professor ou pelo aluno. O aluno recebia do professor uma folha impressa ou
xerocada com o conteúdo que deveria ser passado para os colegas, ao terminar, poderia ficar
com essa folha, não precisando copiar novamente em seu caderno. Na outra aula, os
professores passavam dando visto, ou seja, apenas conferiam se os estudantes haviam
copiado.
O “visto” era um dos instrumentos de avaliação da escola, de composição da
média. Ao final de cada bimestre, os alunos ficavam enfileirados na mesa dos professores
para que os docentes pudessem contar quantos vistos havia em seus cadernos num
determinado espaço de tempo em cada disciplina. Entretanto, antes de chamar os alunos,
escolhia um estudante considerado bom (aquele que copiava em todas as aulas) para contar
os vistos. Era a partir do caderno desse aluno que o professor sabia a quantidade de vistos
que os alunos deveriam ter para ganhar um ponto a mais na média do bimestre. Outro tipo
de avaliação era a prova. Cada professor agendava a sua com os alunos, que, em geral, não
se lembravam que ela aconteceria naquele dia. Chamou a atenção o tipo de prova: perguntas
diretas e que, para serem respondidas, exigiam apenas que os alunos tivessem decorado o
conteúdo.
Ficava implícito que a função primordial da escola era a transmissão de
conhecimento e a memorização dos conteúdos. Os professores, em geral, não favoreciam o
conflito cognitivo em seus alunos, uma vez que não investigavam o que eles estavam
pensando, não os questionavam de modo a gerar desequilíbrio, não percebiam, assim, os
caminhos do raciocínio desses jovens. Enfim, não buscavam compreender como o indivíduo
constrói o conhecimento.
Em geral, os alunos não realizavam as atividades, esqueciam os materiais e
interrompiam a fala do professor com brincadeiras. Presenciamos inúmeras situações de
recusa por parte dos alunos em cumprir as lições propostas, além da indisciplina, que, pode
acontecer em aulas que não consideram aspectos básicos para o desenvolvimento da
autonomia cognitiva. Nas aulas observadas, os conteúdos eram transmitidos como verdades
absolutas, não consideravam os conhecimentos prévios e não permitiam assim que os alunos
investigassem e estabelecessem relações, sendo ativos na aquisição do objeto do
conhecimento. Observamos, ainda, que as atividades não levavam em consideração os
124
interesses dos alunos, o que parecia também os desmotivar. Na aula de inglês, a professora
trabalhava com vídeos curtos do Mickey conversando com seus amigos, por exemplo, sobre
um piquenique. No vídeo, as palavras novas eram ampliadas e repetidas. Durante a
apresentação, os alunos conversavam e riam, andavam pela sala e ficavam de costas para a
televisão etc. Questionado sobre o motivo desse comportamento, um aluno disse: “Você
acha que eu quero saber do piquenique do Mickey? Se ela colocasse uma música, a gente ia
aprender muito mais”.
Poucos foram os momentos observados em que os alunos demonstraram
interesse e participaram de forma mais ativa das aulas. Um exemplo ocorreu com a
professora de ciências. Ao perceber que todos os alunos haviam esquecido o livro, optou por
conversar sobre sexualidade. Ela introduziu um primeiro tema: “ejaculação”, a partir dos
comentários dos alunos, das inúmeras dúvidas que foram surgindo, das histórias que eram
contatadas, o tema foi sendo trabalhado. Favorecendo as trocas e partindo do interesse
característico dessa fase, da puberdade, os alunos interagiram e conseguiram ouvir uns aos
outros (o que raro acontecia), além da metodologia utilizada por essa professora, que ouviu
as colocações dos alunos e, a partir delas, propôs novas questões, levando os alunos a
reflexões. No entanto, a mesma professora trabalhou dessa forma apenas nessa aula, sem tê-
la planejado e apenas porque os estudantes não tinham levado o livro didático.
Havia muitas faltas dos professores, o que acarretava em aulas sem docentes, ou
com substitutos colocados às pressas, que trabalhavam cópias de livros. Um exemplo ao
longo do semestre observado ocorreu com a professora de português. Ela esteve de licença e
assumiram suas aulas quatro professores diferentes, o que dificultava a organização do
conteúdo e a aprendizagem dos alunos. Cada professor que assumia a disciplina trabalhava
um tema diferente, não havia continuidade. A falta de continuidade dos temas aparecia em
outros momentos, como nas aulas de geografia, em que o mesmo professor trabalhava em
uma aula com as diferenças de solo e na outra com globalização, no mesmo dia.
Além disso, observamos conteúdos sendo ensinados de forma equivocada. O
professor de geografia passou na lousa a seguinte questão: “Escreva 3 países com baixo uso
de internet segundo o mapa”. O Professor desenhou o mapa e ao anotar na lousa a resposta
correta, escreve: “Brasil, Argentina e África”. Sabemos que a África não é um país, mas,
sim, um continente e que o Brasil tem um alto uso da internet.
125
Os alunos passavam quase seis horas enfileirados, fazendo exercícios estéreis,
mostravam-se agitados e ansiosos pelo final das aulas. Muitas vezes, o professor ainda
passava matéria na lousa, ou explicava algum conteúdo, mas, ao bater o sinal, eles gritavam
e corriam pela sala. A grande maioria dos alunos não realizava as atividades, conversava
paralelamente, brincava e, próximo ao final da aula, copiava os exercícios de algum colega
que tivesse concluído a tarefa.
O trabalho com o conhecimento, em ambas as escolas, pode ser visto como uma
questão de transmissão direta. As matérias escolares parecem ser a única ou principal
prioridade, não considerando a aprendizagem como uma questão relativa à construção do
próprio sujeito. Em poucos momentos, observamos que os interesses, os propósitos e o
raciocínio dos adolescentes foram considerados. De acordo com De Vries e Zan (1997, p.
136), “o interesse é um tipo de regulador que libera ou interrompe o investimento de energia
em um objeto, pessoa ou evento”. Assim, quando o interesse está envolvido, os esforços são
mais produtivos.

5.10.2. Relação professor-aluno/ aluno-aluno

5.10.2.1. Escola 1

Seria possível estabelecer um ambiente escolar totalmente livre da autoridade? É


claro que não, nem é desejável, pois a relação de autoridade é necessária no processo
educativo, mas existe a possibilidade de reduzir a tendência autoritária na relação professor
e aluno (ARAÚJO, 2001). Notamos, no decorrer das observações, que a maioria dos
professores centralizava todas as decisões e dirigia as ações dos alunos, desde onde
deveriam se sentar até impor a permissão para ir ao banheiro.
Piaget argumentou que é evitando o uso desnecessário da autoridade que o
adulto favorece o desenvolvimento da cooperação e das reações de respeito mútuo, ou seja,
sejam capazes de pensar de forma independente e criativa e construam valores morais (DE
VRIES; ZAN, 1997; 1998), o que não quer dizer que, em alguns momentos, a coação não
deva existir, a questão está na forma (intensidade e frequência) como essa é exercida.

126
As relações entre adultos e adolescentes eram pautadas principalmente no
respeito unilateral. Esse tipo de relacionamento é comum em crianças pequenas. O respeito
é misto de amor e temor e o respeito da criança para com o adulto define-se pela obediência
à autoridade, é fator de heteronomia (VINHA, 2000). Na adolescência, as relações já
poderiam ser pautadas na cooperação, “uma interação social que se dirige a um determinado
objetivo entre indivíduos que se consideram como iguais e tratam uns aos outros como tais”
(DE VRIES; ZAN, 1998, p. 57). Obviamente, alunos e professores não são iguais. Mas as
autoras afirmam que, quando o professor é capaz de respeitar o aluno como uma pessoa com
direito a exercer suas vontades, pode-se falar em certa igualdade psicológica no
relacionamento.
Em decorrência dessas ações, vimos alunos que cumpriam com as atividades
escolares, ouviam os professores e os colegas, faltavam pouco, trabalhavam sem a presença
do professor e que pareciam mais cuidadosos com seus materiais. Esses comportamentos
são desejáveis, mas o que está por trás deles? A submissão. O estado ofereceu, na última
semana do mês de agosto, o “Agita Galera16”. Os alunos deveriam levar brinquedos com os
quais as famílias brincavam quando crianças, por exemplo: pião, bolinha de gude, elástico
etc. Os adolescentes esperavam ansiosamente pela última aula, momento em que sairiam
para a atividade. Um aluno levou uma sacolinha de bolinhas de gude. Durante todas as aulas
o menino passava a mão nas bolinhas, mas não interrompia a aula, não deixava de fazer seu
trabalho ou brincava. Após o intervalo, a coordenadora da escola deu o seguinte recado para
os alunos: “O “Agita Galera” está cancelado, muitos professores faltaram e, por isso, não
teremos funcionários suficientes para olhar vocês”. Os alunos disseram: “Ah...”. E mais
nada. O menino, tão desejoso em brincar, também não disse nada, com tristeza em seu
olhar, guardou as bolinhas em sua bolsa, mostrando uma obediência à norma sem
questionar.
A obediência não é, em si, algo ruim. Entretanto, a forte pressão por obediência
sem reflexão, pela simples obediência, pode desenvolver um aluno conformista e capaz de
seguir apenas o desejo do outro (DE VRIES; ZAN, 1998).
16 O projeto Agita Galera tem como objetivo promover a prática de exercícios físicos e estimular a coordenação e atividade motora dos
alunos da rede estadual. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/agita-galera>. Acesso em: 20 set. 2014.

127
O professor, nesta escola, era visto como autoridade, como aquele que sabe
aonde quer chegar, ou seja, tem conhecimentos a partilhar. Todo controle estava
centralizado nos docentes, que impunham as regras, propunham as atividades e tomavam
todas as decisões. Apesar disso, em um semestre de observação, pouco vimos professores
que alteravam sua voz ou tratavam os alunos de maneira agressiva, criando um ambiente
cordial.
Durante a aula de geografia, uma aluna dormiu enquanto a professora
apresentava um vídeo. A professora se aproximou da menina e perguntou em voz baixa se
ela estava se sentindo bem, se precisava de algo ou se queria sair da sala para tomar uma
água e levar o rosto. Demonstrou, assim, interesse e preocupação por seus alunos.
As relações entre os alunos, assim como entre alunos e professores, eram
respeitosa. Piaget (1931-1998b) afirma que o respeito constitui o sentimento fundamental
que possibilita a aquisição da moral. O autor fala da existência de dois tipos de respeito:
unilateral, característico das relações de coação, como falamos, e o respeito mútuo, em que
os indivíduos consideram-se iguais e respeitam-se, reciprocamente, em uma relação de
cooperação. Dessa forma, a relação entre professores e alunos era pautada no respeito
unilateral, enquanto a relação entre pares, ou seja, entre os alunos, era pautada no respeito
mútuo.
É a partir das interações sociais estabelecidas que o respeito mútuo se constitui.
As relações passam a ser embasadas na reciprocidade. A reciprocidade é a “mútua
coordenação dos diferentes pontos de vista e das ações, para elaborar suas próprias normas
de conduta” (VINHA, 2000, p. 83). É a partir da compreensão recíproca que o indivíduo vai
substituindo o egocentrismo do seu pensamento, ou seja, a indiferenciação do próprio ponto
de vista com o do outro, por relações baseadas no respeito mútuo.
Entretanto, a cooperação muitas vezes está relacionada à discussão. Discussão
equilibrada, em que cada um dos envolvidos pode expor seus argumentos, rebater, conhecer
e até considerar o ponto de vista do outro (VINHA, 2000). Não observamos, tanto nas aulas
quanto nas resoluções de conflitos, esse tipo de discussão. Porém, ficava claro o desejo de
restabelecerem o elo de amizade após alguma desavença, como, por exemplo, na aula de
inglês, durante um trabalho em grupo:

128
DANIELA17 pergunta à colega de sala: “JULIANA, você vai fazer a
prova?” (Vestibulinho para conseguir uma bolsa em um colégio
particular da cidade) JULIANA diz que sim. Então, DANIELA
continua: “Você sabe que não vai conseguir nada, né?”. JULIANA
responde sem graça: “Eu sei...”. DANIELA diz: “Não passa nem
aqui nessa escola, acha que vai passar no Objetivo?” JULIANA
responde, aparentando não ter gostado: “Quem disse que eu não
passo nessa escola?” DANIELA responde sorrindo: “Brincadeira
JULIANA, tomara que você passe”. JULIANA volta-se para o
trabalho.

No excerto acima, Daniela, após provocar a colega Juliana, ao se dar conta da


indisposição criada, recua em seu comentário, afirmando que era apenas uma brincadeira,
ou seja, busca retomar a relação.
Nesse exemplo, os alunos trabalhavam em grupo, e era notório que a
movimentação das próprias carteiras favorecia as trocas de pontos de vista, o ouvir o outro,
dava a oportunidade de constatar as diferenças, o que por si só já favorecia a preservação da
necessidade de pensar no outro.
Ao propiciar inúmeras oportunidades que o adolescente coopere um com os
outros, o educador favorece a autonomia.

5.10.2.2. Escola 2

Havia um clima de hostilidade entre professores e alunos. Gritos, ameaças e


exposições eram comuns. Enquanto o professor substituto de português passava um texto
para cópia na lousa, alguns meninos brincavam e riam alto. Gritando, ele mandava os alunos
se calarem, um dos meninos, após a solicitação, ria cada vez mais alto. Irritado, o professor
gritou: “Quando você não tiver emprego, aí você vai rir, seu tonto”. Uma prática como essa,
em que o aluno é ridicularizado, mostra-nos a concepção do professor: ele acredita que, ao
tratar o aluno desta forma, o mesmo poderá entender que não está se portando bem e
melhorar seu comportamento. Entretanto, aumenta a hostilidade, impedindo que o jovem
tome consciência das consequências reais de seu comportamento.

17 Os excertos foram transcritos na íntegra e os nomes dos alunos foram alterados para garantir a não identificação, porém são necessários
porque o gênero interfere nos conflitos.

129
Os professores não eram vistos como autoridade, uma vez que, para Sennet
(2012), o que torna a autoridade legítima é a percepção das diferenças de força que, ao
mesmo tempo, despertam medo e respeito, então requer um “cuidar do outro”,
demonstrando interesse, dando sentido às condições de controle e influência. Vamos a um
exemplo que ilustra essa ideia. A professora substituta de português tentava passar texto
para cópia na lousa, mas percebia que nenhum aluno copiava. Ela gritava, mandando que
copiassem, chegava próximo de alguns alunos, abrindo seus cadernos, mas nada funcionava.
Até que os ameaçou: “Quem enrolar vai conversar com a diretora, como é o nome dela
mesmo?” Os alunos começaram a rir e responderam: “Professora Rita”.
Em outros momentos, ouvíamos dos professores que estavam cansados e
queixavam-se do comportamento indiferente dos alunos. Em vista disso, alguns acabavam
por ser permissivos, como, por exemplo, em uma aula de matemática, a professora
perguntou para um aluno: “Você trouxe a apostila?”, o menino respondeu que não. E a
professora continuou: “Não trouxe a apostila e nem fez o pião...” (na aula anterior os alunos
haviam construído um pião). O menino, irritado, gritou: “Não mesmo! Não enche, vai...” A
professora saiu e não disse mais nada. A não reação da professora, que se traduz em
permissividade, reforça no aluno o estado de anomia, em que os sujeitos não são convidados
a levar as pessoas e as normas em consideração (ARAÚJO, 1996).
Outros docentes suplicavam, geralmente em vão, que os alunos trabalhassem: a
professora de ciências dizia para o menino: “Bem, senta no seu lugar e copia”. O aluno
respondia: “Já vou!”. Após mais ou menos 15 minutos, ela voltou a falar: “Senta lá, vai...”.
O menino ignorou. A aula terminou e o aluno continuava sentado com o colega. Refletindo
sobre esse tipo de ação, Vicentin (2009a, p. 82) afirma: “Negar-se a agir com autoridade,
em situações que o educador considerar legítimo, significa permitir que contra-valores
sejam legitimados pelos alunos”.
Notamos, então, que não havia uma coesão nas atitudes dos professores, ou seja,
cada um deles agia de uma forma. Alguns gritavam, outros davam suas aulas sem atenção
de nenhum aluno e outros ainda imploravam para que se comportassem.
Em conversa informal com um dos professores da escola, ele disse: “Você está
assim animada, querendo estudar e pensando no futuro porque ainda é nova. Passa mais
tempo na escola e aí conversaremos... Não aguento mais esse lugar!”. Vinha e Mantovani de
130
Assis (2007) discutem sobre a importância de se apreciar o trabalho com crianças e
adolescentes, o que não seria condição suficiente para um bom trabalho, mas é, sim,
condição necessária, uma vez que não se aprende a gostar deles em curso de formação. As
autoras vão além, afirmam ainda que pessoas que não gostam do que fazem e se mantêm no
trabalho não respeitam nem a si e nem o outro: “Responsável pela educação de nossas
crianças e jovens, o professor não tem o direito de ser eternamente insatisfeito,
incompetente, omisso, despreparado, acomodado, autoritário ou negligente” (p. 20).
Ao falar em cooperação na relação professor e aluno, Piaget não falava que o
aluno poderia ter completa liberdade, porque isto não possibilita relações morais. Esse
ambiente escolar, pensando agora na relação professor e aluno, precisa ser reconstruído. É
preciso que professores e alunos se respeitem, possibilitando trocas mais livres e
democráticas, em que os sujeitos tenham a oportunidade de colocar suas ideias e falar sobre
seus sentimentos. Trata-se de uma relação de afeto e respeito mútuo, favorecendo, assim, a
autonomia e a busca do bem comum.
A relação entre pares também não era muito diferente. Os alunos se tratavam de
forma grosseira, sempre por meio de provocações, apelidos e palavrões. Presenciamos
situações de desrespeito, de humilhação, de intolerância, como mostra o exemplo a seguir:

Na aula de artes, RAFAEL está ouvindo música do celular com fone


de ouvido, mas estava tão alto que quem estava próximo a ele ouvia
bem. FERNANDA grita: “Abaixa o som, RAFAEL!” RAFAEL
responde: “Não!” FERNANDA grita: “Então, vai tomar no cu18.”

O que nos chamou atenção foi o quanto eram comum tais agressões, ou seja, os
alunos se tratavam assim, mas logo em seguida voltavam a conversar naturalmente,
demonstravam que essa forma de tratamento desrespeitoso era banalizada. Essas desordens
frequentes mescladas no cotidiano escolar dizem respeito a incivilidades.
Segundo Debarbieux (1996, p. 7), a incivilidade corresponde a “fatos indo da
indelicadeza, má criação das crianças ao vandalismo”. Transgredindo o código de boas
maneiras, ou seja, não são necessariamente comportamentos ilegais no sentido jurídico,
caracteriza-se como tudo que causa desordem, por exemplo, barulho, sujeira, impolidez,

18 Optamos por manter as expressões ditas pelos alunos, mesmo em se tratando de palavrões.

131
entre outras. “As incivilidades se referem a condutas que se contrapõem às regras da boa
convivência” (CHARLOT, 2002, p. 437).
Assis Garcia (2006) diferencia incivilidade de indisciplina. Para o autor, a
indisciplina rompe com o “contrato pedagógico, ou mesmo em relação a alguma expectativa
expressa no regimento escolar” (p. 125), enquanto a incivilidade engloba comportamentos
que rompem com o contrato social, ou seja, comportamentos que desafiam as regras e o
esquema da vida social, como as grosserias e as ofensas verbais.
A soma do desrespeito aos direitos e deveres de alunos e profissionais da escola,
das inúmeras ameaças e da possibilidade efetiva de conflitos, e ainda os comportamentos
antissociais e as transgressões frequentes, constituem um ambiente escolar caótico
(DEBARBIEUX, 1996; LATERMAN, 2000; 2002). Parecia-nos que essa turma acreditava
que a escola é um espaço onde cada um faz o que quiser e quando quiser, ou seja, onde
qualquer coisa pode acontecer. Um ambiente sem regras claras e efetivas, como
discutiremos mais à frente, um local sem proteção.
O individualismo e a competição eram comportamentos presentes na relação
dos alunos dessa sala. A turma era dividida em dois grupos rivais, as desavenças sempre
aconteciam em função do poder, ou seja, qual grupo mandava mais na sala. Durante o
período observado, eles brigavam por muitas coisas, desde onde sentar até o direcionamento
do ventilador. Durante a aula, era comum ver um aluno ligando-o e outro o desligando, ou
então, quando estava ligado, ficavam virando o ventilador para o lado em que estavam
sentados. Irritado, um aluno decide cortar o fio do ventilador. Ao ser questionado sobre o
porquê desta atitude, o menino diz: “Se a gente não pode usar, dona, eles também não”. Só
as pessoas do seu grupo sabem que foi ele quem cortou o fio. O grupo que "mandava" no
ventilador acredita que o responsável pelo problema é outro menino, amigo do responsável
pelo corte. Eles decidem procurar a direção e acusar injustamente o menino. A direção é
informada pelo grupo do acontecido e do garoto que consideram como responsável. A
escola manda arrumar o ventilador e ninguém é chamado para esclarecer a situação. Tais
situações e a forma de resolução empregada eram constantes nessa escola.
Desejamos que os alunos ajam moralmente, mas nem sempre há espaço para
que possam refletir sobre suas ações, sobre os valores e os sentimentos que os movem.
Esses educadores perderam a oportunidade de levar os envolvidos a analisar as causas do
132
conflito e as consequências de suas ações, além de refletir sobre os próprios sentimentos e
os dos outros. Para Piaget, o único remédio para se chegar à autonomia é a cooperação.
Nesse processo, os pares são muito importantes, uma vez que é com eles que se pode
discutir teorias pessoais e valores, confrontando ideias diferentes e caminhando para fora do
egocentrismo do adolescente.
Em ambas as escolas, percebemos que, em geral, as relações estabelecidas entre
professores e alunos não favoreciam a autorregulação, ou seja, a autonomia. Os alunos na
Escola 1 seguiam as regras estabelecidas por obediência a uma autoridade com poder
coercitivo, ou seja, as regras eram aceitas sem questionamento, como vimos. Entretanto, as
relações entre pares e entre docentes e discentes eram amistosas. Diferentemente do
observado na Escola 2, em que as incivilidades permeavam o ambiente, o clima caótico e
hostil era predominante em todas as relações. Além disso, pareciam viver na anomia,
movidos por necessidades e benefícios próprios, na ausência total de regras.

5.10.3. Regras, sanções e conflitos

5.10.3.1. Escola 1

As regras do 8º observado eram as mesmas para toda a escola. Elas foram


organizadas pela equipe gestora e docente no início do ano letivo. Isso quer dizer que os
alunos não discutiram a necessidade de sua existência, não tiveram a oportunidade de
compreender a importância de discutir problemas, de buscar causas e soluções num acordo
grupal, de forma a organizar os trabalhos e a favorecer a convivência respeitosa.
As regras apresentavam quais comportamentos eram esperados dos alunos, por
exemplo: seguir o mapa de sala; usar o uniforme; cuidar dos espaços escolares; não ter
também atitudes não desejáveis, tais como: é proibido o uso de boné, capuz, touca e gorro;
não usar celular; não comer e beber dentro da sala de aula; não provocar qualquer tipo de
violência, entre outras. Essas normas nunca são revistas ou modificadas, independentemente
da concordância ou não dos alunos.

133
As regras convencionais eram tratadas da mesma forma que as morais. As
regras convencionais dizem respeito a um conjunto de normas obrigatórias para um
determinado grupo de pessoas, portanto não são universalizáveis (LA TAILLE, 2002). Por
exemplo, não comer durante a aula, não usar boné na escola, usar o uniforme completo,
entre outras. Elas são baseadas em convenções sociais, enquanto as regras morais têm
princípios que as sustentam, como o respeito e a justiça. São relacionadas “às questões
interpessoais de conflitos, à restrição de condutas e à busca da harmonia da pessoa e do
bem-estar alheio” (p. 17). A infração a uma regra moral é de maior gravidade do que de
uma convencional.
Inúmeras vezes, foi observada a cobrança das regras institucionais, muitas vezes
ferindo o respeito que deveria estar presente em todas as situações. Em uma aula dupla de
matemática, uma aluna chegou atrasada 15 minutos e, por isso, precisou esperar a segunda
aula. Ao entrar, sem ao menos perguntar o que aconteceu, a professora disse: “Dormiu bem,
né? Que preguiça que você tem, hein menina?”.
A incoerência entre os princípios e as ações, como nos mostra esse exemplo,
reforça a ideia da necessidade de o educador refletir cuidadosamente sobre os princípios que
regem as normas escolares. Assim, antes de construir as regras de uma escola, é preciso
estabelecer que princípios norteadores serão o “espírito” dessas regras (TOGNETTA;
VINHA, 2007, p. 35). Observamos, nessa escola, muitas regras, mas poucos princípios. Por
exemplo, a regra do uso do uniforme completo poderia ter como princípio a segurança e ser
então legítima. Entretanto, em conversa com os alunos, eles justificam seu uso pela
homogeneização, dizem que assim todos ficam iguais e não há competição. Dessa forma,
Tognetta e Vinha (2007) chamam a atenção para a necessidade de reflexão contínua dos
princípios que embasam as normas.
A maior parte dos alunos não compreendia as razões de muitas das regras às
quais deveriam se submeter, mas as obedeciam. No entanto, em uma escola que busca
favorecer a autonomia, a mera obediência não basta, é necessário considerar por quais
razões isso acontece. Enquanto os educadores mantiverem, em sua postura, que os alunos
precisam apenas obedecer às normas criadas por eles, eles não serão motivados a
questionar, a analisar ou a examinar suas próprias convicções (DE VRIES; ZAN, 1998). Se,
ao invés de regras prontas, os adolescentes tivessem a oportunidade de discutir sobre os
134
problemas, talvez se implicassem e se sentissem “pertencentes”, respeitando-as com mais
boa vontade (VINHA et al., 2009). Os professores e gestores incentivam a obediência a
normas prontas, elaboradas e sem reflexão crítica, mantendo as relações de respeito
unilateral, nas quais a regulação dos comportamentos é externa e feita por uso de sanções
expiatórias. Nessa escola, aprendiam que pensar e obedecer são coisas diferentes.
Todos os ambientes da escola estavam monitorados e havia mapa de sala,
cobrado em todas as aulas. Ou seja, a escola trabalha com mecanismos de controle,
favorecendo assim a heteronomia de seus jovens. Constatamos que os alunos cumpriam as
regras não por reconhecerem a necessidade ou o princípio das mesmas, mas,
principalmente, por medo da autoridade, ou da punição, e por conformismo. Como ilustra o
excerto que se segue:

Na aula de matemática, PEDRO fica girando a régua enquanto a


professora trabalha com o conteúdo. Sem querer, a régua pega em
MARCOS, que grita: “Aiii!!”. A professora coloca RODRIGO,
PEDRO e ALEXANDRE para fora da sala.

O procedimento utilizado pela professora se caracteriza como uma sanção


expiatória, ou uma punição. Nessa forma de sancionar, o adulto não estabelece relação entre
o ato a ser sancionado e o conteúdo da sanção. Tem como objetivo causar sofrimento. Por
ser arbitrária, os alunos geralmente não compreendem seu significado. Pedro e Rodrigo
ficaram se olhando quando a professora pediu que eles saíssem e Pedro perguntava: “Mas
por quê? O que foi que eu fiz?”. A professora ficou em silêncio, na porta, aguardando que
eles saíssem.
Há, porém, outra forma de restabelecer uma falta cometida, utilizada por
educadores que buscam promover um ambiente sociomoral cooperativo na escola: é a
sanção por reciprocidade.
A sanção por reciprocidade está relacionada à busca de uma solução boa para
todos os envolvidos, recai sobre a ruptura do elo social, há relação entre o ato e a
consequência do mesmo. Porém, Piaget (1932-1994) alerta que as sanções por reciprocidade
só funcionam quando há uma relação de afeto e de respeito mútuo entre o professor e o
aluno, entre o pai e o filho.

135
Em uma aula de português, a professora mediadora19 da escola entra na sala e
pede para conversar um pouco com os alunos. A escola estava com muitos alunos chegando
atrasados e com o uniforme mal cuidado. Buscando a tomada de consciência dos alunos, a
mediadora relacionava, por meio de questionamentos, os atrasos na escola com as
consequências de se chegar atrasado ao trabalho, o descuido com o uniforme e a roupa que
irá trabalhar todos os dias, a escrita errada na escola e no currículo profissional. Os alunos
interagiram e se mostraram interessados.
O exemplo acima nos leva a acreditar que a intenção da professora mediadora
era que os alunos tomassem consciência do problema. Entretanto, era um problema que
incomodava apenas a escola e não os alunos. Além disso, usa como estratégia o
convencimento e não a análise do problema. Constatou-se uma diminuição nos atrasos
escolares, o que não significa que os jovens tenham compreendido as consequências de tal
ato, pode apenas significar que estão sob controle por receio do castigo. Então, ao invés de
conter, é preciso fazer com que o adolescente reflita sobre as consequências de suas ações e
aprenda estratégias mais elaboradas para expressar seus sentimentos e para resolver seus
conflitos (VINHA et al., 2009).
Ao utilizar estratégias de punição para garantir a obediência à regra, os
educadores podem gerar consequências negativas em longo prazo, tais como cálculo de
risco (o adolescente avalia as possibilidades de ser pego antes de realizar a ação, então age
de forma a não ser descoberto), aprendizagem da mentira (caso fale a verdade, será punido
pelo adulto), relação custo-benefício (já conhecendo a sanção que receberá, o adolescente
opta por agir e “pagar o preço”), além de ressentimento, revide, agressividade, insegurança,
submissão, entre outros (VINHA, 2000). Conforme o exemplo a seguir, vemos um aluno
fazendo uso da relação custo-benefício:

19 O Professor mediador escolar e comunitário (PMEC), instrumento do Sistema de proteção escolar, tem como objetivo reunir diversas
ações no combate à violência nas escolas e em seu entorno. A função foi implantada a partir de 2010 e tem como atribuições, de acordo
com a Resolução SE n. 19, de 12/02/2010, adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar o desenvolvimento de
ações e programas de Justiça restaurativa; orientar os pais dos alunos, ou responsáveis, sobre o papel da família no processo educativo;
analisar os fatores de vulnerabilidade e de risco a que possam estar expostos os alunos; orientar a família, ou responsáveis, quanto à
procura de serviços de proteção social; identificar e sugerir atividades pedagógicas complementares, a serem realizadas pelos alunos fora
do período letivo; “orientar e apoiar os alunos na prática de seus estudos.”; apresentar relatórios sobre as atividades desenvolvidas, para
análise e discussão pela equipe gestora da escola e pelos responsáveis pela Gestão regional do sistema de proteção escolar; participar de
cursos e de orientações técnicas centralizadas e descentralizadas.

136
MARCOS está mascando chiclete, mesmo sabendo que não é
permitido (em sua sala de aula tem uma folha exposta com as
regras da escola, uma delas é não mascar chiclete). A professora
faz gestos indicando que o menino deve jogar fora seu chiclete.
MARCOS gesticula negando estar com chiclete. Entretanto,
PEDRO, vendo a situação, fala: “Ele tá com chiclete sim, fessora!”
MARCOS responde bravo: “Cala boca, desgraçado!” A professora
olha brava para o menino e o manda jogar fora o chiclete
novamente, então MARCOS levanta e joga fora o chiclete.

Ao conversamos com o menino, ele afirma que sabia que o máximo que poderia
acontecer era a professora ficar brava e mandá-lo conversar com a professora mediadora,
então preferiu mascar o chiclete.
Além de utilizarem sanções expiatórias, notamos que, em geral, ao presenciarem
algum tipo de desavença entre os alunos, os professores agiam de forma rápida, dando as
soluções para os envolvidos, como no exemplo que se segue:

GUSTAVO pega a apostila de PEDRO. PEDRO grita: “Dá aí,


caralho!” A professora intervém: “Como se fala com as pessoas,
PEDRO? Por favor, me devolve.” PEDRO, mesmo contrariado,
repete o que a professora disse. GUSTAVO então devolve a
apostila. A professora volta a explicar sua matéria. GUSTAVO
começa a rir do colega.

A professora censura o comportamento do menino, Pedro, e faz uma


intervenção unilateral, uma vez que impede que os envolvidos “troquem significados”, ou
seja, que a pessoa confrontada com os desejos e ideias dos outros se descentre de sua única
perspectiva, a fim de levar em consideração a perspectiva do outro.
Vale ressaltar que o conflito interpessoal leva a um conflito intrapessoal, o que
demanda um processo de equilibração e autorregulação para organização externa, sendo
assim, a resolução de conflitos é uma meta importante (PIAGET, 1932-1994). Entretanto,
em geral, não havia uma resolução de conflitos que favorecesse o desenvolvimento, como
vemos no excerto:

A professora de geografia propõe como atividade pintar o mapa. Os


alunos pedem para fazer em dupla, ela, então, permite, mas afirma
137
que fará as divisões. PEDRO e ADRIANA formam uma dupla. Logo
que a professora separa, ADRIANA grita: “Eu não vou fazer com
esse menino!” PEDRO retruca: “Eu não vou fazer com essa burra!
Vou fazer sozinho!” A professora continua separando os grupos,
fingindo não ouvir. Ao terminar, percebe que ADRIANA e PEDRO
não estão sentados juntos; ela pede para que a menina vá sentar
com o colega. ADRIANA responde indignada: “Eu não! Esse
moleque me chama de burra, fica me desprezando e eu vou fazer
com ele?” A professora fala para PEDRO: “Tá vendo PEDRO,
agora ela não quer fazer com você, não pode tratar as pessoas
assim...” PEDRO responde: “Eu vou fazer sozinho, ela também não
gosta de mim...” A professora, tentando resolver o conflito, diz: Já
sei, vou colocar a DÉBORA no meio para ajudar. Os dois não
aceitam, continuam afirmando que não farão juntos. A professora,
já demonstrando certo cansaço da situação, diz que paciência tem
limite e que, se não fizessem, desceriam para a diretoria. Bate o
sinal e os meninos vão para o intervalo. Na volta, sentam-se juntos,
com DÉBORA entre eles, mas não conversam. ADRIANA fica
emburrada.

Nesse exemplo, fica nítido o desentendimento entre os alunos. Ao forçá-los a


trabalharem em conjunto, a educadora passa uma mensagem indireta que as relações
interpessoais são menos importantes que as tarefas escolares. Está clara a perspectiva da
educadora sobre o conflito: algo negativo e que precisa ser resolvido rapidamente,
interessando-se apenas com o produto final e não com o processo. Entretanto, vale ressaltar
que, apesar de terem uma postura autoritária e utilizarem sanções expiatórias, os conflitos
não são ignorados pelos professores, eles mostram se importar ao intervirem quando
acontecem, ao contrário do que vimos na Escola 2, em que os conflitos são ignorados e os
professores demonstram-se desanimados, uma vez que são indiferentes ao que acontece em
sala de aula. Falaremos mais sobre isso mais à frente.
Nesse exemplo, assim como em tantos outros observados, notamos que a
professora é quem resolve o conflito. Na visão construtivista, “um dos princípios é que o
conflito pertence aos envolvidos, portanto, eles estarão ativamente participando da busca de
alternativas para solucioná-lo de forma que aprendam com o ocorrido” (VINHA, 2000, p.
73). De acordo com essa perspectiva, o educador poderia mediar, não permitindo decisões
injustas ou que firam a integridade de alguma das partes. Ele favorece as estruturas do
pensamento, ao permitir que crianças e adolescentes analisem e reconstituam suas ações e

138
expressem outras formas de resolver o problema. Além disso, é propiciada também a
construção das representações de si, ao permitir que eles vivenciem relações em que o
respeito mútuo se faz presente no momento do conflito também. Ou seja, o adulto está
disposto a auxiliá-los a encontrar soluções cooperativas e não simplesmente a puni-los,
visando encerrar a desavença (TOGNETTA, 2007).

5.10.3.2. Escola 2

As regras são necessárias para o convívio social, já que nenhuma pessoa é livre
para fazer o que quiser. Ao nos relacionarmos uns com os outros, é indispensável a
existência de regras, pensando na harmonia do convívio social. De acordo com a teoria
construtivista, a criança necessita de regras e de referências dos mais velhos para sentir-se
segura, para aprender a escolher e a priorizar suas vontades, a ser justa e a respeitar o outro
(VINHA et al, 2009).
Durante as observações na escola, além dos horários das atividades, não
conhecemos as regras da Instituição de Ensino. Sabíamos que havia mapa de sala, por
exemplo, mas este foi cobrado uma única vez. Os alunos não poderiam utilizar celular, mas
estavam presentes em todas as aulas, sendo utilizado para ouvir música, mandar mensagens
ou jogar. Questionados sobre as regras escolares, os jovens diziam existir, mas não sabiam
explicar quais eram. A forma como os adultos organizavam essa questão na escola não
contribuía para os adolescentes perceberem a necessidade de regras; assim, não se sentiam
responsáveis pelos acontecimentos da classe.
Como dissemos anteriormente, os jovens não conheciam as regras e, em função
disso, sentiam-se livres para fazer o que queriam, sem limites. Os limites situam as pessoas
no espaço social, servem, assim, de parâmetro para os relacionamentos, auxiliam na
convivência e na cooperação e garantem a justiça. As regras, então, devem preservar e
propiciar ao sujeito o respeito por si e pelo outro. Sem limites claramente estabelecidos,
observamos diversas situações em que os alunos descumpriram regras inegociáveis, como
no seguinte exemplo:

139
Durante a aula de história, CARLA e NILZA sentam uma ao lado da
outra e ficam conversando o tempo todo, sem cumprir com suas
atividades. CARLA, rindo, molha o dedo na boca e joga cuspe em
NILZA. NILZA parece não gostar, rapidamente vai reclamar para a
professora, dizendo: “Prô, ela fica cuspindo na gente!” (apontando
para CARLA). A professora chega perto das meninas e pergunta se
elas estão com a apostila, sem nem ao menos comentar a queixa de
NILZA. As meninas, CARLA e NILZA, caem na risada.

Ao cuspir em sua colega de classe, Carla quebra uma regra que envolve a boa
saúde, o bom estudo e a boa convivência social, que são como leis, podem ser refletidas e
explicadas, mas não precisam ser discutidas ou elaboradas por todos. Enquanto as regras,
que são negociáveis, são contratos estabelecidos, correspondem a todos os outros
combinados.
Os estudos de Piaget (1932-1994) e La Taille (2002) mostram que as crianças
precisam das regras para, mais tarde, construir suas próprias regras, fazer acordos e aprender
a negociar. Entretanto, percebemos que a grande maioria dos professores, em poucos
momentos, sancionavam comportamentos indesejados da mesma forma, independentemente
da situação causadora. Como já explicado, o uso de estratégias de punição pode gerar o
enfrentamento, o revide do adolescente.

CLÁUDIA conversava com uma amiga durante a aula de português.


A professora grita com a menina: “Mude de lugar, agora! Senta
aqui, bem na minha frente!” A menina, mesmo descontente, muda
de lugar. A professora, ainda gritando, diz: “Vou ter que ligar pra
sua mãe, menina sem limite!” CLÁUDIA, então, responde: “Você
quer o número dela? Pode ligar...”.

Confrontos como esse eram frequentes, assim como o stress e a desobediência


às solicitações dos professores.
Outro mecanismo de controle que, assim como a punição, compromete o
desenvolvimento moral é chamado por De Vries e Zan (1998) de “formas açucaradas de
controle”, os prêmios. Os alunos recebem benefícios quando se comportam da maneira
desejada pelo professor. Na aula de geografia, os alunos pedem para ir para a sala de
informática. O professor nega, enquanto passa os exercícios na lousa. Poucos alunos
copiam, outros continuam insistindo que querem ir realizar atividades na sala de
140
informática. Percebendo que a maioria dos alunos não copiava e que talvez não fossem
desistir, o professor diz: “Se vocês copiarem toda a lousa, iremos para sala de informática”.
Os alunos copiam. Nesse caso, fica muito claro que os alunos agiram de modo interessado,
um dos aprendizados desse tipo de mecanismo. Em decorrência dessas ações, de acordo
com a sua utilização, os benefícios deverão ser cada vez maiores e mais adequados à idade.
Outra consequência do uso das recompensas é que a pessoa aprende a bajular para conseguir
aquilo que deseja e, muitas vezes, esse comportamento se apresenta ao longo da vida
(VINHA, 2000). Na próxima aula de geografia, as meninas foram encontrar com o professor
no corredor, trouxeram seus materiais, o abraçaram enquanto pediam para voltarem para a
aula de informática.
À medida que conhecíamos mais a realidade da escola, também
compreendíamos melhor a forma como lidavam com os conflitos. Observamos o emprego
de mecanismos para evitar o conflito. Essa escola tinha câmeras em diversos cômodos da
Instituição, mas os alunos acreditavam que elas não funcionavam, uma vez que, mesmo
ouvindo música durante a aula, nunca foram chamados pela direção, como a escola havia
comentado que faria.
Ao serem solicitados durante os conflitos, notamos, então, que professores e
gestores, algumas vezes, ignoravam a situação ou agiam de modo a solucionar o problema.
A ênfase da resolução de conflitos em uma escola não deveria estar no produto, mas, sim,
no processo. A diferença está na forma como os problemas serão enfrentados. Não como um
problema a ser enfrentado ou evitado, o adulto investe sua energia para auxiliar o
adolescente a reconhecer os diferentes pontos de vista e o ajuda a buscar soluções aceitáveis
para todas as partes. Ao agir assim, o educador favorece a formação de pessoas autônomas.
A linguagem utilizada pelos docentes, o modo como as regras eram impostas e
cobradas, a forma como o conhecimento era trabalhado, a relação entre alunos e professores
e as intervenções propostas diante dos conflitos nos faz inferir que o ambiente da Escola 1
tendia a ser autoritário, enquanto, na Escola 2, tendia a ser permissivo. Ambos não
apresentavam um trabalho que favorecesse o desenvolvimento como um todo. Não havia,
nessas escolas, momentos em que os alunos pudessem expressar e reconhecer os próprios
sentimentos, além de considerar o sentimento do outro e oportunidades de coordenar

141
diferentes perspectivas e perceber o efeito das estratégias utilizadas para a resolução de seus
conflitos.
Na próxima parte do trabalho, buscaremos apresentar as causas, as estratégias
empregadas pelos sujeitos e as finalizações dos conflitos observados, além de apresentarmos
alguns dados do estudo quantitativo realizado. Os resultados serão discutidos com base nos
estudos de Piaget (1932-1994), sobre o desenvolvimento moral, e nos de Selman (1980) e
de Selman e Shultz (1990), a respeito das estratégias de resolução de conflitos.

142
6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Visando alcançar os objetivos da pesquisa, a apresentação e a análise dos


resultados das observações dos conflitos acontecerão em três dimensões: as causas que
desencadearam o conflito, as estratégias de resolução empregadas e as finalizações das
estratégias. Em cada uma dessas etapas, serão apresentados os dados das escolas em geral,
seguidos dos da Escola 1 e da Escola 2 e de uma comparação entre elas.
Participaram do estudo 34 alunos da Escola 1 (25 meninas e 9 meninos) e 29 da
Escola 2 (19 meninas e 10 meninos), totalizando 63 adolescentes de 13 e 14 anos. Para
descrever o perfil da amostra, foram feitas tabelas de frequência das variáveis categóricas
(sexo, idade, causas, estratégias e finalizações dos conflitos, escolas), com valores de
frequência absoluta (n) e percentual (%). Para analisar a relação entre causas, estratégias e
finalizações em cada grupo etário, foram utilizados dois testes estatísticos (Teste Exato de
Fischer e Teste Qui-Quadrado para Igualdade de Proporções). Os resultados serão
discutidos com base, principalmente, nos estudos de Piaget (1932-1994) e de Selman
(1980).
Vale ainda ressaltar que os quadros apresentados (causas, estratégias e
finalizações dos episódios de conflitos) tiveram início no estudo realizado por Licciardi 20
(2010), com as crianças de 3 a 6 anos. Contudo, como há outras pesquisas com os mesmos
objetivos e recursos metodológicos, mas cujos participantes são alunos em idades diferentes
– como anteriormente mencionado –, optou-se por apresentar os mesmos quadros com as
causas, estratégias e finalizações identificadas em todos os estudos – 3 a 6, 8 e 9, 11 e 12 e
13 e 14 anos. Tais estudos, em conjunto, pertencem a um subgrupo21 do GEPEM22 sobre
conflitos interpessoais e favorecerão a compreensão da evolução das características dos
conflitos, configurando-se, por fim, em uma investigação maior, de caráter evolutivo e
comparativo.

20 Licciardi mudou o sobrenome para Silva.


21 MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. Causas, estratégias e finalizações de conflitos de alunos
de 3 a 14 anos. Relatório não publicado, 2015.
22 Grupo de Estudos em Educação Moral, Unesp/Unicamp.

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6.1. A OBSERVAÇÃO DOS CONFLITOS

Consideramos neste trabalho que o conflito se refere a interações sociais em


desequilíbrio, provocado por valores, perspectivas ou opiniões contraditórios percebidos por
comportamentos externos de oposição ou por manifestações sutis da afetividade, tais como
expressões, tom de voz, gestos, os quais interferem nas estratégias escolhidas, tanto as
favoráveis ao convívio, como o diálogo e a negociação, quanto aquelas que provocam
afastamento, como o confronto e a coação (LEME, 2011a e 2011b; VINHA et. al., 2011).
Na Escola 1, foram encontrados 31 episódios de conflitos, sendo sete apenas
entre os meninos e sete só entre as meninas (22,6% cada) e 17 intersexuais (54,8%). Já na
Escola 2, foram observados 62 episódios de conflitos: oito entre os meninos (12,9%), 18
entre as meninas (29%) e 36 intersexuais (58%). Após a observação nas duas escolas, foi
registrado um total de 93 episódios de conflitos, sendo 15 entre os meninos (16,1%), 25
entre as meninas (26,9%) e 53 intersexuais (57%).
Como apresentado, este estudo identifica e analisa episódios de conflito.
Episódio é um acontecimento que se insere em um conjunto de outros similares. Às vezes,
mesmo que o episódio de conflito finalize, o conflito permanece, ou seja, o desequilíbrio
gerado pela oposição continua. Consideramos que o episódio de conflito foi finalizado
quando a interação entre as partes envolvidas cessou. Algumas vezes as manifestações não
verbais pareciam indicar a ausência do desequilíbrio e outras ainda era percebido o
desequilíbrio, porém não foram mais identificadas interações entre os envolvidos
relacionadas ao conflito naquele dia. Um conflito, portanto, pode ter continuidade por vários
dias. O excerto descrito a seguir ajuda a esclarecer essa explicação:

FERNANDA23 volta para sala chorando, após a aula de reforço.


FERNANDO, que estava junto com a menina, me conta o que houve
23 Os excertos apresentados foram descritos na íntegra, da maneira como observado e com a linguagem empregada pelos envolvidos. Os
nomes dos alunos foram alterados para garantir a não identificação, porém preservou-se o sexo por ser uma variável importante nas causas
e estratégias empregadas nos conflitos, segunda a literatura.

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na sala de reforço. Segundo o menino, FERNANDA o chamou de
burro e insuportável, então ele respondeu: “Cala boca menina, você
que é uma burra. Se toca! Sai daqui...” FERNANDA fala um
palavrão e ameaça falar com a diretora. FERNANDO disse que
também falaria. Ao conversar com FERNANDA, ela diz: “Ele é
insuportável!”

No outro dia, FERNANDO está cantando. FERNANDA pergunta


gritando: “Tá menstruando FERNANDO?”, os colegas da sala
riem. FERNANDO mostra o dedo do meio para a menina (o que
representa um insulto) e volta a cantar, agora, mais alto.
FERNANDA pergunta novamente, ele finge não ouvir e continua
cantando.

Como anteriormente mencionado, em decorrência de um único conflito,


podemos observar variados episódios. O conflito tem início quando Fernando e Fernanda se
desentendem durante a aula de reforço. Ambos retornam para sala, ainda chateados, mas,
naquele dia, não se falam mais. A partir dessa situação, observamos outro episódio: ainda
irritada com o colega, no outro dia, Fernanda grita com Fernando, que também expressa sua
raiva. Fica evidente o desequilíbrio entre eles, Fernanda continuava gritando com o menino,
demonstrando que o conflito permanecia.
Destacamos o papel do que classificamos como a figura do terceiro. O terceiro é
o sujeito que não está diretamente ligado ao conflito, mas acaba por fazer parte ao ser
solicitado para tomar partido de um dos envolvidos. Segundo Entelman (2002), o terceiro
pode alimentar o conflito ou favorecer a sua resolução.
Um exemplo da postura do terceiro pode ser verificado na descrição a seguir:

MARINA levanta da carteira, vai em direção ao lixo, reclamando do


colega ao lado, PEDRO. Ele diz: “Você tá bem? O que eu fiz para
você? Tomou o seu remédio hoje? Ela sai daqui me xingando e eu
nem sei o porquê.” MARINA, voltando para seu lugar, responde:
“Você usa o meu apontador e nem descarrega?” PEDRO responde:
“Eu? Usei sem o depósito” MARINA sorri sem graça. GUSTAVO,
sentado na frente de PEDRO, diz para a menina: “Esqueceu o
Gardenal?” A professora ouve esse comentário e intervém dizendo
para GUSTAVO: “Respeite sua colega, pede desculpas para ela,
GUSTAVO.” O menino pede desculpa contrariado. MARINA
fingindo não entender, pergunta: “Desculpa por quê? O que foi que
você fez?” Todos riem.

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O conflito acontece entre Pedro e Marina. Marina reclama do colega por
acreditar que ele havia usado seu apontador sem descarregar o lixo. Pedro fica irritado e
afirma ter usado sem o depósito. Gustavo, amigo de Pedro, intervém, tomando partido do
menino, mesmo sem ter sido solicitado. Como Paula, Gustavo é um terceiro que provoca.
Na Escola 1, analisando todos os episódios de conflitos com esse tipo de
interferência, em 66,7% das vezes o terceiro atuou defendendo uma das partes, utilizando,
em sua maioria, estratégias unilaterais (75%), como a súplica ou a provocação.
Encontramos também que 25% das estratégias utilizadas foram cooperativas. O terceiro
também atuou como provocador em 33,3% das situações observadas, utilizando apenas
estratégias unilaterais (provocação). Enquanto na Escola 2, presenciamos o terceiro atuando
em 75% das vezes como provocador, fazendo uso de estratégias unilaterais (75%), a
provocação e o insulto preferencialmente e 25% das estratégias foram físicas e impulsivas
(bater). Em 25% das atuações observadas, o terceiro defendeu uma das partes por meio de
estratégias físicas e impulsivas (bater). Nota-se uma diferença expressiva na atuação do
terceiro ao compararmos as escolas: de forma resumida, na Escola 1 eles defendem mais os
colegas do que na Escola 2.
Ao olhar para ambas as escolas, podemos observar que os terceiros, meninos ou
meninas, defendem em 60% os amigos, mostrando que, como já dito anteriormente, a
simpatia também motiva o querer agir bem, uma vez que, ao sensibilizar-se com o outro, o
jovem se esforça para compreender o ponto de vista alheio, descentrando-se (LA TAILLE,
2006). Além disso, reforça o significado do relacionamento entre amigos nesse momento da
vida. Em concordância com os dados, Vuchinich et al. (1988) explica que, em geral, o
terceiro forma alianças com um dos lados contra o outro, o que pode tanto resolver,
exacerbar ou mesmo não influenciar o resultado do conflito.
O terceiro, segundo Vuchinich et al. (1998) e Entelman (2002), pode entrar em
um conflito como um intermediário ativo, ou seja, ele tenta distrair os envolvidos de suas
desavenças, ou ainda usar sua eventual autoridade para acabar com o conflito. Como, por
exemplo, quando, ao presenciar um conflito entre os colegas, o terceiro diz: “Vamos parar

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com isso, gente”, ou então: “Para, isso vai dar truta24”, e convidam os colegas a fazer outras
coisas. Na Escola 1 e na Escola 2, notamos que 40% das ações tinham esse objetivo.
Além disso, afirmam que há ainda, o terceiro que pode agir como um mediador
ou aproveitar da divisão criada pelo conflito para buscar algum tipo de influência que não
teria normalmente, o que não apareceu no presente estudo (VUCHINICH et al., 1988;
ENTELMAN, 2002).
Marques (2015), ao analisar o papel dos terceiros em episódios de conflito entre
adolescentes de 11 e 12 anos, encontrou que, em 72% dos casos, o terceiro atua defendendo
uma das partes, utilizando, preferencialmente, estratégias unilaterais de comando (20,8%) e
de terceirização a algum adulto (16,6%). A autora também analisou que esses terceiros (que
eram tanto meninos, como meninas) defendem preferencialmente seus amigos (61%). Os
colegas injustiçados, os mais “frágeis” fisicamente ou aqueles menos populares também
chamaram a atenção de seus pares e foram defendidos, nesse estudo, em 27,7% dos casos de
influência de terceiros.
Na Escola 2, como já dito anteriormente, 75% das ações dos terceiros estão
relacionadas ao aliciamento para provocar os colegas, mais do que para ajudar os oponentes
em situações de injustiça, por exemplo. Feigenberg et al. (2008), em uma pesquisa acerca da
maneira como os adolescentes (12 a 13 anos) respondem a um incidente de exclusão social
fictício (ação física, verbal ou psicológica destinada a causar medo, dano ou aflição à
vítima), descobriram que a maioria dos alunos recomenda ações que implicam em ajudar a
vítima. Entretanto, os autores acreditam que essas respostas podem ter sido influenciadas
pela ideia do que é “socialmente aceito”, o que não representa, necessariamente, como agem
em situações reais.
Ao longo das observações, nos chamou a atenção um caso específico de
injustiça constante, que não recebia intervenção ou defesa por parte dos colegas: uma aluna
(Fernanda) que era motivo de provocações e agressões constantes. Frequentemente
excluída do grupo, ganhava diferentes apelidos e era motivo de “chacota”. Longe de ser
alvo de simples “brincadeiras” – como assim eram chamadas pelos alunos e pelos
professores –, identificamos um problema de convivência bastante destacado pela literatura

24 Os exemplos apresentados no interior dos parágrafos e colocados entre aspas foram retirados dos protocolos de observações.

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(FANTE, 2005; MARTINEZ, 2013a; PLAN, 2010; TOGNETTA; VINHA, 2008, 2010;
TOGNETTA, 2005, 2013; TOGNETTA et al., 2014;): o bullying.
Como visto anteriormente, o bullying refere-se à prática de atos agressivos, que
torna patente o esquema domínio- submissão entre pares, manifesto por meio do exercício
de ações negativas de um sobre o outro (MARTÍNEZ, 2013a, TOGNETTA, 2005, 2013;
TOGNETTA; VINHA, 2008; 2010; TOGNETTA et al., 2014). Trata-se de um fenômeno
‘multicausado’ e apresenta seis características principais: agressão intencional sem motivo
aparente, recorrência, escolha de uma vítima frágil, desigualdade de poder físico ou
psicológico, presença de um público (espectadores) e a simetria do poder instituído (pares).
Considerando a realidade dos estudantes brasileiros, Tognetta e Vinha (2010)
encontraram, ao investigar 824 alunos de escolas particulares do interior do estado de São
Paulo do 5º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio, que 32,53% dos alunos
do 5º ano, 36,07% do 6º ano, 28,1% do 7º ano, 27,74% do 8º ano, 21,74% do 9º ano e,
respectivamente, 27,18% e 14,29%, do 1º e 2º anos do Ensino Médio, já foram vitimizados
por seus pares.
Infelizmente não se trata de algo pouco frequente nas escolas. Notamos que,
especificamente no caso da menina destacada, os episódios de bullying vividos eram
marcados por situações como: alguém passava por ela e mexia em suas coisas, colocava um
apelido, excluía, ofendia ou a provocava, como ilustra o excerto a seguir:

FÁBIO fica dando risada e gritando na sala: A FERNANDA não faz


nada! A FERNANDA não faz nada! FERNANDA grita de volta:
“Cala a boca, menino idiota!”.

Como exemplificado, Fernanda parecia agir como se correspondesse aos


prognósticos de seus autores, caracterizando-se, assim, como uma vítima provocadora
(FANTE, 2005). Ficava claro que a menina buscava se autoafirmar perante o grupo, com o
intuito de poder se sentir pertencente. Coerentemente com a literatura (TOGNETTA;
VINHA, 2008), percebíamos que, por trás dessa máscara, havia uma menina com uma
imagem de si abalada. Durante nossas conversas informais, ela se dizia angustiada, com
desejo de mudar de escola, humilhada, diminuída pelos colegas. Além disso, apresentou,
também, uma queda no rendimento escolar no período das observações das aulas.
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Não pretendemos enfocar um tipo de conflito específico ou centrar em sujeitos
particulares como no caso da Fernanda. Nosso foco são os episódios de conflitos. Porém,
pelo bullying sofrido pela garota ficar muito evidenciado, assim como a pouquíssima
participação de terceiros que a defendessem, consideramos válido mencioná-lo, ainda que
brevemente.

6.2. AS CAUSAS DOS CONFLITOS INTERPESSOAIS

Por meio de uma análise cuidadosa de todo o contexto do conflito observado,


pudemos identificar as causas geradoras dos conflitos entre os adolescentes. O conflito era
percebido por algumas características, como a alteração do tom de voz, a expressão facial, a
mudança de comportamento, os gestos, a postura, a agitação, o uso de palavras agressivas
ou desdenhosas, por exemplo. Assim, era possível identificar o conflito e observá-lo,
quando se tornava evidente o caráter de oposição, a manifestação de algum sentimento, tais
como tristeza ou ressentimento, ou quando as estratégias de resolução já estavam sendo
utilizadas. Como visto, em algumas desavenças, as causas nos foram melhores esclarecidas
pelas conversas informais realizadas após o término do episódio. Esperávamos os
envolvidos se acalmarem e, discretamente, nos aproximávamos – em um momento em que
houvesse um pouco de privacidade –, e perguntávamos sobre o acontecimento observado,
sempre tomando cuidado para não passar a ideia de qualquer tipo de posicionamento ou
julgamento por uma das partes. Ao perceber contradição nas falas, entrevistávamos outros
alunos que assistiram ao conflito, ou que estavam próximos da situação para um melhor
esclarecimento. Consideramos então, como causas dos conflitos, os comportamentos e
intenções que geraram as desavenças entre os adolescentes participantes do estudo.
O quadro a seguir, apresenta as categorias, suas descrições e os exemplos que
foram retirados dos protocolos de observação das três pesquisas, já comentadas
anteriormente. Dessa forma, como nesse estudo mais amplo há também o objetivo de
identificar essas causas nas diferentes idades, todas as 17 categorias observadas foram
incorporadas e uniformizadas, o que explica porque algumas podem não aparecer nos
resultados da presente pesquisa. Destaca-se que as categorias “disputa” (DAWE, 1934),
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provocação (KELTNER, 2001), “reação ao comportamento perturbador” (LAURSEN,
1995), “fofoca”, “exclusão”, “ciúmes” (SINCLAIR, 2003; NOAKES; RINALDI, 2006),
delação (MENIN, 1996) foram baseadas na literatura sobre o assunto. As demais foram
criadas por nós a partir da observação das interações entre as crianças (LICCIARDI, 2010;
SILVA, 2015; MARQUES, 2015 e OLIVEIRA, 2014).

Quadro 3: Categorias das causas dos conflitos entre as crianças de 3 a 13 anos


Categorias Descrição
Responsabilização acerca da violação de uma regra
institucional ou de boa convivência, sem ter
1- Acusação duvidosa (AD)
presenciado ou ter certeza.
Ex: afirmar que um colega lhe furtou algo.

Comportamentos impulsivos que envolvem algum


2- Agressão física (AF) tipo de ação física ou ameaça de agressão.
Ex.: bater, chutar, empurrar, arranhar, beliscar.

Manifestação verbal que insulta ou magoa o outro.


3- Agressão verbal (AV)
Ex.: chamar o outro de burro, de idiota.

Denúncia ou revelação à autoridade da


4- Delação (DL) desobediência de um colega a uma regra ou à
solicitação do adulto.
Ex: contar para o professor que o colega violou uma
regra da escola.

5- Deslealdade (DS) Traição ou falta de consideração a alguém.


Ex: não estar ao lado do amigo em uma situação de
conflito; contar um segredo.
Divergência de opinião acerca de como se dá o
6- Discordância das regras do
funcionamento do jogo.
jogo (DI)
Ex.: discutir sobre a pontuação de um jogo coletivo.
Concorrência pela atenção ou companhia do melhor
amigo, uma vez que na concepção das crianças não
7- Disputa de amigos (DA)
se pode ser o melhor amigo de duas pessoas.
Ex.: o melhor amigo vai brincar com outro colega

8- Disputa física (DF) Concorrência pela posse de lugares ou de objetos


específicos.
Ex.: desejar o mesmo lugar no banco do refeitório

150
Concorrência por ter razão, por mandar, dirigir ou
controlar o outro.
9- Disputa por poder/status (DP)
Ex.: discutir sobre quem assumirá a liderança da
equipe.

Ação de privar, afastar, eliminar ou ignorar a


participação do outro das relações ou das atividades.
Ex.: impedir que um colega participe de uma
10- Exclusão (EX) brincadeira ou dizer que não irá brincar com ele se
não atendê-lo; excluir o outro da amizade ou
ameaçá-lo de fazê-lo (“ficar de mal”, dizer que não
será mais amigo).

Despeito por ver alguém possuir algo que também


11- Inveja (IN) se deseja.
Ex: desejar ter o cabelo igual ao do outro.
Comportamentos físicos ou verbais que misturam
conteúdo de hostilidade e humor.
12- Provocação (PR)
Ex: cutucar, imitar, colocar apelidos, fazer
comentários depreciativos.
Ação não intencional que gera irritação,
13- Reação ao insatisfação, incômodo ou aborrecimento no outro,
comportamento perturbador que não elege esse fato como central em seu
(RC) julgamento ou formas de reagir.
Ex: fazer um comentário ou ter um comportamento
que desagrada alguém.

Comportamentos de ignorar o pedido insistente de


uma das partes.
14- Súplica ignorada (SI)
Ex.: negar ou demonstrar indiferença diante de
pedidos repetidos do colega para que a criança se
sente ao seu lado ou para irem juntas ao banheiro.

Desobediência a uma regra da brincadeira ou do


jogo.
15- Trapaça (TR)
Ex.: criança que pega a bola com a mão no jogo de
futebol.
Desobediência a uma norma imposta, regra
16- Violação de regra (VR) acordada ou a uma demanda do adulto (ordem,
orientação, recomendação ou pedido).
Ex: executar sem autorização uma tarefa demandada
pela professora a outro aluno.

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entre os alunos da nossa amostra, como constatado nas figuras apresentadas anteriormente e
na análise descritiva da variável categórica causa, para idade de 13 e 14 anos (Tabela 1),
apresentada a seguir. Pode-se notar que a provocação é significativamente (P<0.001) maior
ao ser comparada com as outras causas.

Tabela 126: Análise descritiva das variáveis categóricas para idade 13 e 14 anos
CAUSAS
TESTE QUI-QUADRADO
Causa Frequency Percent IC 95% PROPORÇÃO PARA IGUALDADE DE
------------------------------ ----------------- PROPORÇÕES
PR27 54 58.06 (48.04; 68.09)
RC 23 24.73 (15.96; 33.50) X2=318.73; GL=10;
DP 4 4.30 ( 0.18; 8.42)
AV 2 2.15 ( 0.00; 5.10) P<0.001
DL 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
DS 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
IN 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
EX 1 1.08 ( 0.00; 3.17)
ME 1 1.08 ( 0.00; 3.17)
VR 1 1.08 ( 0.00; 3.17)

Como anteriormente apresentado, a provocação faz parte das relações sociais


e tem presente sempre dois componentes, apresentando um caráter de ambiguidade:
hostilidade e humor (TRAGESSER; LIPPMAN, 2005; KELTNER et al., 2001; HOOVER;
OLSON, 2000; SHAPIRO et al., 1991). De acordo com Keltner et al. (2001), as pessoas
provocam para se socializar, flertar, resolver conflitos e passar o tempo. O conflito a seguir
exemplifica esse tipo de comportamento:

MARCOS fala alto na sala para que PRISCILA ouça: “Gustavo


Lima 28é horroroso, ruim!” PRISCILA, que é fã do cantor, grita
irritada: “Eu vou quebrar todos os seus dentes!” MARCOS, rindo
continua: “Nó.... Olha o VINÍCIUS falou que ele é gay!” VINÍCIUS
percebe que o amigo fala dele e dá risada. PRISCILA continua
brava: “A hora que você perder todos os seus dentes você vai parar
de rir, MARCOS”. MARCOS responde: “Para, eu tô brincando,
você sabe, né?” PRISCILA responde brava: “É bom mesmo!”
MARCOS olha para os amigos e diz: “Nossa, ela leva a sério...”.
26 As tabelas inseridas no texto foram retiradas do relatório completo da análise estatística (ANEXO B) e foram recortadas para
simplificar a leitura.

27 PR - Provocação; RC – Reação ao Comportamento Perturbador; DP - Disputa por poder/status; AV – Agressão verbal; DL – Delação;
DS – Deslealdade; IN – Inveja; EX – Exclusão; ME – Menosprezo; VR - Violação de regra.
28 Cantor jovem da música sertaneja.

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A provocação é uma ação intencional acompanhada de táticas indiretas (off
records) cujo tema é relevante para o alvo, como fica evidente no evento descrito. Os
autores consideram táticas indiretas as insinuações, as metáforas, o tom de brincadeira e os
elementos não verbais existentes na provocação, como os utilizados por Marcos. Visam
proteger a boa imagem do provocador para que ele não pareça mal-educado ou agressivo
aos olhos do outro, uma vez que, com pequenas variações de tom, a provocação pode
humilhar ou assediar (SHAPIRO et al., 1991). Além disso, diminui a vergonha quando a
provocação tem por objetivo o flerte. Quanto mais formal é o contexto, mais táticas
indiretas serão utilizadas.
Outro dado relevante é a relação entre a provocação e a posição social do
provocador no grupo. Em seus estudos, Shapiro et al. (1991) constatou que os jovens
considerados pelo grupo como sendo populares eram os mais propícios a provocar, e os não
populares (tímidos ou gordos) eram os mais propícios a serem alvos de provocação. No
excerto descrito, Marcos é mesmo um dos meninos mais populares da sala, na verdade, ao
observá-lo em outros contextos, constatamos que o adolescente era popular na escola: era
amigo de meninos de outras turmas (independente da idade), era convidado para festas,
mudava de grupos durante o intervalo e, por meio de suas brincadeiras, sempre mexia com
as pessoas no corredor.
Levando em consideração a reação de Priscila, essa situação nos mostra a
característica antissocial da provocação, ou seja, a provocação pode gerar reações
emocionais negativas e consequências indesejáveis ao alvo. Vale ressaltar que as
provocações prossociais (interações que fortalecem o relacionamento) não se tornavam
desavenças e, por essa razão, não foram consideradas como conflitos. Entretanto, em seus
estudos, como vimos, Shapiro et al. (1991) ressaltam que, na adolescência, o sujeito já é
capaz de se colocar no lugar do outro, podendo assim perceber quando a intenção do
provocador é brincar e não agredir, interpretando-a como menos prejudicial, o que não
acontece no excerto apresentado.
Segundo Scambler et al. (1998, apud SHAPIRO et al., 1991), a reação
geralmente sugerida pelos professores para os alunos quando alvos de provocação é ignorar.
Entretanto, na pesquisa de Shapiro et al. (1991), os pesquisadores encontraram que, entre os

155
alunos de 8º ano, mesma faixa etária do presente estudo, a forma mais utilizada em tais
situações foi o revide. Em ambas as escolas observadas, as estratégias mais utilizadas
quando a causa do conflito era a provocação foram as unilaterais 29 que empregam falas e
expressões impositivas, como o revide encontrado.
O uso do humor, segundo alguns estudos (SCAMBLER et al.,1998, apud
SHAPIRO et al., 1991), é a reação mais eficaz, mais adaptativa para responder à
provocação, como já apresentado. Uma vez que, ao “rir com o provocador” a tensão é
reduzida, a provocação se dissolve e diminui a possibilidade de ser alvo. Conoley et al.
(2007) chamam a atenção para o fato de que não é qualquer tipo de reação bem-humorada
que favorece a relação. O humor não hostil e tolerante (tendência de envolver-se nas
brincadeiras de forma espontânea e espirituosa, ou até mesmo de contar piadas com o
objetivo de favorecer o relacionamento e minimizar a tensão interpessoal) produziu, no
provocador, uma sensação de bem-estar consigo mesmo e com o alvo da provocação
também, maior do que qualquer outro tipo de resposta oferecida.

DAIANA senta-se na frente de LUCAS. O menino, sem atividades


para fazer, fica batendo com a mão na cabeça da colega. Após
algumas vezes, DAIANA diz para LUCAS: “Te dou R$0,03 para
parar, que tal?” O menino abre a mão (como se quisesse receber o
dinheiro oferecido) e eles começam a rir.

No exemplo acima, Daiana faz uso de um humor não hostil e tolerante, ela
parece se envolver na brincadeira, o que diminui a tensão entre ambos, diminuindo uma
futura ação agressiva de Lucas. Para Conoley et al. (2007), o humor não hostil e tolerante
parece uma forma mais eficaz de responder a provocação. O provocado também aumenta o
status perante o grupo, mudando a relação de poder, o que fica evidente quando os colegas
reagem dizendo “Chupa” ou “Engole essa” quando o provocado reage com uma resposta
rápida e bem-humorada.
Quanto às diferenças entre gênero, tanto na Escola 1 (76,93%) como na Escola
2 (67,44%), os conflitos gerados pela provocação tiveram como autores os meninos, em

29 Comando, justificativa do motivo, disputa verbal (reagir a algo de forma semelhante, devolvendo a ofensa ou a demanda recebida),

insulto (refletido), ameaça e desafio.

156
concordância com os dados encontrados por Keltner et al. (2001) e Leme (2009), que
sugerem que os meninos são mais provocadores do que as meninas. Destaca-se que, dentre
esses conflitos, a sua maioria foi direcionada às meninas (Escola 1 – 83,3%, e Escola 2 –
86,6%).
Fazendo um parêntese nessas diferenças entre gênero, ressaltamos que, na
Escola 1, há o mesmo número de episódios de conflitos entre meninos e entre meninas,
apenas sete, diferentemente do que foi encontrado em estudo análogo com crianças e pré-
adolescentes, em que meninas se envolviam menos em conflitos do que os meninos
(LICCIARDI30, 2010; SILVA, 2015; MARQUES, 2015).
Por outro lado, na Escola 2, onde observamos oito episódios de conflitos entre
os meninos (12,9%), 18 entre as meninas (29%) e 36 intersexuais (58%), há um número
maior de conflitos entre meninas do que entre meninos. Entretanto, faz-se necessário
lembrar como se davam as relações entre todas as meninas nessa classe. Havia uma disputa
entre dois grupos de meninas. Essa divisão era física e relacional, ou seja, se pertencesse a
um grupo, sentava-se do lado direito da sala, se pertencesse ao outro grupo, do lado
esquerdo. As relações entre os grupos rivais eram restritas. Viviam se provocando, dando
indiretas, mas as integrantes de um não conversavam com as do outro, sussurrando entre si.
Em vista disso, os conflitos entre elas acabavam por ser mais velados, entre cochichos e
olhares, o que dificultava algumas vezes entender o que estava acontecendo, necessitando
conversar com as garotas posteriormente.
Feigenberg et al. (2008) apresentam a pesquisa de Underwood (2003, p. 23),
que se concentra especificamente na agressão social (manipulação de um relacionamento a
fim de prejudicar “a autoestima do outro, o status social ou ambos”) e que sugere que as
meninas são muito mais propensas do que os meninos a serem os autores de atos
socialmente agressivos. Para os pesquisadores, por meio das agressões sociais, as meninas
expressam sua raiva, mas, ao mesmo tempo, protegem sua imagem, isto é, continuam sendo
vistas como “boazinhas” e agradáveis. Essas agressões podem assumir formas mais diretas,

30 Licciardi mudou o sobrenome para Silva.

157
como a rejeição verbal, movimentos de corpo e expressões faciais negativas, ou formas
mais indiretas, como exclusão social ou calúnias.
Segundo Leme (2006), mais que nos meninos, cresce nas meninas a tendência
(na 6ª série, 47%; na 8ª, 56%; no 2º ano do Ensino Médio, 64%) a limitar suas relações a um
mesmo grupo, como foi visto nessa turma. Todos da classe sabiam das diferenças entre elas,
incluindo os meninos, que, por sua vez, muitas vezes se viam obrigados a tomar partido,
escolhendo um lado e, assim, acabavam por se envolver em conflitos com as garotas do
outro grupo. A situação descrita a seguir ajuda a esclarecer essa discussão:

Durante a aula, FERNANDO inventa uma música com o nome das


meninas da classe. Ele canta: "Te amo CAROL, você é da hora, mas
agora é hora da escola". Canta a mesma música com o nome de
várias meninas da mesma turma. Por último, coloca o nome de
FERNANDA, que pertence a outro grupo, e canta: "Te amo
FERNANDA, você é da hora, mas é mentira então vá embora".
FERNANDA, que estava sorrindo ao perceber que o menino
cantaria para ela, ao terminar a música, “fecha a cara” e mostra o
dedo do meio para o menino (que representa um insulto).

O conflito descrito envolve um menino que, por ser amigo de um dos grupos de
meninas e por gostar de uma adolescente que pertence a esse grupo, canta a música
inventada por ele, dizendo amar todas as meninas do grupo de que faz parte e provoca
Fernanda, menina da outro grupo. Ao fazer isso, suas amigas riem e valorizam a atitude de
Fernando. Está também presente no episódio anterior o que chamamos de jogo intersexual,
do qual falaremos com mais detalhes.
Em ambas as escolas, as provocações foram, em sua maioria, 66,06%,
intersexuais. Na Escola 1, 50% dos conflitos gerados por provocação foram entre meninos e
meninas. Não diferente disso, na Escola 2, 68,5% referiam-se também a conflitos
intersexuais. A provocação intersexual apresenta diferença expressiva ao ser comparada
com outras causas relacionadas a conflitos apenas entre meninos e somente entre meninas,
como mostra a tabela a seguir.

158
Tabela 2: Comparação das variáveis categóricas entre gêneros
Causa Sexo
Frequency,
Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, Total
---------+--------+--------+--------+
AV , 0 , 1 , 1 , 2
, 0.00 , 4.00 , 1.89 ,
---------+--------+--------+--------+
DL , 1 , 1 , 0 , 2
, 6.67 , 4.00 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+
DP , 0 , 1 , 3 , 4
, 0.00 , 4.00 , 5.66 ,
---------+--------+--------+--------+
EX , 0 , 0 , 1 , 1
, 0.00 , 0.00 , 1.89 ,
---------+--------+--------+--------+
PR , 8 , 11 , 35 , 54
, 53.33 , 44.00 , 66.04 ,
---------+--------+--------+--------+
RC , 5 , 8 , 10 , 23
, 33.33 , 32.00 , 18.87 ,
---------+--------+--------+--------+
OUTRAS , 1 , 3 , 3 , 7
, 6.67 , 12.00 , 5.66 ,
---------+--------+--------+--------+
Total 15 25 53 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.494

Envolvendo humor ou brincadeira, a provocação pode incorporar comportamentos,


por nós aqui denominados como jogos intersexuais, como exemplificado a seguir:

NATALIA e RAFAEL estão sempre juntos. Os alunos da sala dizem


que a menina é apaixonada pelo menino, mas que não é
correspondida. RAFAEL tira a presilha do cabelo de NATALIA e a
prende em seu boné. NATALIA tenta pegar, mas ele não deixa. O
menino sai correndo pela sala, e a menina tenta pegá-lo, correndo
também. NATALIA segura o menino pelo moletom, mas, mesmo
assim, ele consegue fugir. Cansada, ela diz: “Vai te catar, então!”
NATALIA volta a desenhar em sua carteira, emburrada. RAFAEL
responde sorrindo, enquanto devolve a presilha para ela: “Tó,
NATALIA!” Ela sorri para ele.

Essa situação apresenta claramente o caráter provocativo do conflito: hostilidade


(Natalia segura o moletom de Rafael) e humor (Rafael e Natalia correm pela sala fingindo
que ela está brava). Contudo, há uma intenção de seduzir, além de certo componente de
prazer nos dois envolvidos, diferenciando dos outros tipos de conflitos provocativos
observados. Shapiro et al. (1991) encontraram em seus estudos que o conteúdo da

159
provocação, segundo os alunos americanos de 8º ano, está relacionado, entre outros, ao
interesse no sexo oposto.
Vale destacar que, dentre os conflitos que envolvem a provocação, 71,4 % se
referem a jogos intersexuais, na Escola 1, e 74%, na Escola 2, o que vai ao encontro de
alguns autores que destacam a presença frequente de provocação no contexto do flerte
(KELTNER et al., 2001). Em sua pesquisa com idades anteriores (11 e 12 anos), Marques
(2015) encontrou que 15,7% das provocações observadas foram consideradas como tendo
esse teor de flerte embutido. Esse crescimento expressivo dessa forma de interação pode ser
esclarecido em razão da exacerbação da sexualidade. Na adolescência, Vicentin (2009a) e
Serrano e Guzman (2011) também demarcam que o interesse pelo gênero oposto aumenta
significativamente, tanto que os agrupamentos dos adolescentes deixam, inclusive, de
acontecer com pessoas do mesmo gênero, passando a ser prioritariamente mistos, como
também encontrado em nossos dados
A segunda causa dos conflitos mais presente foi a “Reação ao Comportamento
Perturbador” (24,73%), por nós definida como ação não intencional que gera irritação,
insatisfação, incômodo ou aborrecimento no outro, que não elege esse fato como central em
seu julgamento ou formas de reagir. Na Escola 1, a reação ao comportamento perturbador
foi mais frequente, com 32,26%, do que na Escola 2, com 20,97% das causas dos conflitos.
Veja o exemplo a seguir:

Ao entrarem na sala, MARCOS é empurrado por um menino mais


velho de outra sala (estavam brincando). MARCOS acaba
empurrando FRANCIANE, que dá um passo à frente. Sem entender
o que aconteceu, assustada com a situação, a menina se vira e dá
um tapa nas costas do colega. MARCOS respira fundo e volta para
seu lugar, parecendo irritado.

Como podemos observar nessa situação, se Franciane tivesse considerado que


Marcos a empurrou porque estava brincando com outro colega e não tinha a intenção de
machucá-la, ou até mesmo se a menina tivesse conseguido dizer o que havia sentido ou
pensado naquele momento (estratégia assertiva), ao invés de utilizar uma estratégia
agressiva (dar um tapa nas costas do colega), talvez o conflito não tivesse existido.

160
Herculano-Houzel (2005) afirma que é na adolescência que o córtex pré-frontal
amadurece, o que possibilita o início do controle de impulsos, mas a maturação completa do
mesmo só se dá no início da vida adulta. Essa maturação pode ser uma das justificativas
para o uso de estratégias mais impulsivas ao vivenciar um conflito, como o descrito
anteriormente. Além disso, não podemos desconsiderar as características da sociedade pós-
moderna na qual estamos inseridos. La Taille (2009a) encontra, como vimos, que a
prudência e tolerância são as últimas virtudes escolhidas por eles, não porque não as
considerem, mas porque, num mundo competitivo e instantâneo, é preciso ser mais ativo e
mais impulsivo, pronto para mudar.
Segundo Piaget (1964-2006), o adolescente é capaz de levantar todas as
possibilidades de uma situação, para posteriormente verificar quais são existentes
verdadeiramente. Então, perguntamo-nos: “Porque não o fazem?”, uma vez que, na reação
ao comportamento perturbador, a vítima não considera que pode haver outras razões para tal
comportamento, julgando apenas o comportamento visível, mas seria capaz de fazê-lo,
ainda que a posteriori.
Ao analisarmos de modo mais detalhado essas interações, podemos considerar
que um dos fatores relacionados a esses conflitos é a amizade. Na Escola 1, 70% desses
conflitos ocorriam entre colegas, ou seja, entre adolescentes que não pareciam ter muito
contato ou relacionamento próximo. Assim sendo, as “reações ao comportamento
perturbador” aconteciam principalmente com relações com as quais eles não demonstravam
interesse em manter, ao contrário das provocações, o que vai ao encontro do encontrado
também por Marques (2015). Pode-se concluir que os esforços para a regulação dos
impulsos ocorriam principalmente nas relações com pessoas com as quais o sujeito se
importava, com pessoas significativas. Esse tipo de atitude também parece ser frequente em
relações estáveis, como entre irmãos.
Para o adolescente, o grupo de amigos é fonte de simpatia, afeto, orientação e
entendimento (PAPALIA et al., 2009). Sendo assim, seria o seu oposto, o sentimento de
antipatia, que poderia explicar a intolerância dos jovens a uma atitude que cause incômodo,
desagrado ou irritação. Entretanto, Piaget (1964-2006) considera que, nessa fase da vida, a
vontade conduz a uma melhor organização do eu e a uma regulação da vida afetiva. A
vontade seria um equivalente afetivo das operações da razão. Havendo um desejo
161
momentâneo forte, a tendência fraca deverá superá-lo, havendo uma força de vontade. Há,
portanto, um conflito de tendências. Na desavença descrita acima, Franciane, ao ser
empurrada pelo colega, vive esse conflito de tendências, mas não faz a regulação de sua
vontade, agindo impulsivamente.
Porém, os dados apresentados na Escola 2 são opostos. Em 76,9%, as
reações ao comportamento perturbador motivaram conflitos entre amigos, como podemos
observar no excerto a seguir:

FRANCISCO fica pedindo para JOÃO a borracha emprestada:


JOÃO, empresta a borracha? JOÃO fica quieto. FRANCISCO pede
novamente. JOÃO responde: “Tô usando!” FRANCISCO insiste:
“Me empresta, vai?” JOÃO, já demonstrando sua irritação, grita:
“NÃO!” FRANCISCO responde: “Vai se ferrar então...”. O menino
sai de perto de FRANCISCO.

A causa do conflito está clara. Francisco não tem a intenção de irritar o


amigo ao pedir a borracha, apenas precisa do objeto. Entretanto, nessa situação, João parece
não considerar a intenção de Francisco ao solicitar a borracha, demonstrando incômodo com
os inúmeros pedidos. João e Francisco são amigos e estão sempre juntos. Após o conflito
descrito, nota-se certo constrangimento por parte dos envolvidos, porém, pouco tempo
depois, os meninos voltaram a conversar como se nada tivesse acontecido. O mesmo
aconteceu em todos os outros conflitos entre os amigos, o que nos leva a acreditar que os
adolescentes observados consideravam a intenção como elemento periférico no julgamento
de uma situação, não demonstrando força suficiente para regular seus impulsos, nem a
relação de afeto entre pares era suficiente para regular a reação impulsiva, assim como a de
João.
Para melhor compreender esses dados, devemos nos atentar para o fato de que,
em ambas as escolas observadas, presenciamos situações de incivilidade, porém, na Escola
2, esses comportamentos eram mais frequentes e intensos, tornando-se um problema de
convivência. Como visto anteriormente, consideradas por Debarbieux (2006) como
microviolências, as incivilidades são atitudes como: “falta de respeito”, “falta de boas
maneiras”, “falta de educação”. Para Blaya et al. (2006), são indelicadezas, pequenas
desordens, tumulto, palavras ofensivas e recusas em cooperar. São atitudes que quebram o

162
pacto social de relações humanas e as regras de convivência, que, por serem tão comuns no
cotidiano escolar, acabam sendo banalizadas e julgadas como normal, causando a sensação
de insegurança, naqueles que a sofrem, e de impunidade, naqueles que a praticam.
Como já descrito, a incivilidade em si não é grave, mas, sim, é a sua repetição e
intensidade, uma vez que são atos, desordens, que se tornam insuportáveis pelo sentimento
de desrespeito que causam naqueles que as sofrem (DEBARBIEUX, 2006). Sendo assim, é
a soma do desrespeito aos direitos e deveres de alunos e profissionais da escola, das
inúmeras ameaças e da possibilidade efetiva de conflitos, e ainda os comportamentos
antissociais que constituem um ambiente escolar caótico (DEBARBIEUX, 1996;
LATERMAN, 2000, 2002).
Assim sendo, esse stress acumulado das atitudes perturbadoras, banalizava as
relações e a polidez, tolerância e o respeito entre as pessoas, entre adultos e jovens e entre
pares, não eram valores. As incivilidades traziam um efeito desestabilizador constante. A
falta de polidez, característica da incivilidade e presente nos conflitos envolvendo a “Reação
ao Comportamento Perturbador” era constantemente manifestada por quem se sentia
incomodado. De acordo com La Taille (2009a), a polidez é uma das últimas virtudes eleitas
como mais importante pelos jovens e, na sequência, a tolerância. Então, nos conflitos
observados, a falta de polidez e a tolerância marcavam as respostas dadas pelos
adolescentes.
A terceira causa mais frequente nos conflitos observados nas escolas, porém
bem menos frequente que as duas anteriores, foi a categoria disputa de poder/status (4,3%),
descrita como concorrência por ter razão, por mandar, dirigir ou controlar o outro, presente
em 6,45% dos conflitos, na Escola 1, e em 3,23%, na Escola 2, conforme o exemplo a
seguir:

A professora propõe uma atividade em dupla sobre a área de


figuras planas. MANUELA logo grita: “Eu vou com a TATIANA”.
TATIANA responde que fará o trabalho com GIOVANA. Ignorando
o que a colega disse, MANUELA olha para outras amigas e fala:
“Se eu disse que vou com a TATIANA, eu vou!” Enquanto isso,
GIOVANA já está colocando a carteira ao lado de TATIANA, mas,
ao perceber isso, MANUELA empurra a carteira da colega e se
coloca no lugar dela. GIOVANA olha para as duas meninas, sai e
vai fazer com outra menina da sala.
163
No excerto supracitado, Tatiana é bastante clara ao dizer a Manuela que fará o
trabalho com Giovana, entretanto Manuela se impõe ao empurrar a carteira de Giovana e se
colocar em seu lugar. Pode existir, em uma situação como essa, uma confusão na causa
desse conflito, como se disputassem o espaço físico. Isso se dá em função da colocação de
Manuela. Por essa razão, os conflitos foram analisados não apenas pela “observação pura”,
ou seja, também foram consideradas as características dos envolvidos, suas reações, e as
conversas informais após o conflito favoreceram sua melhor compreensão.
Neste episódio, como em todos com a mesma causa, constata-se a busca do
próprio valor e do domínio da relação, expressa pelo desejo de vencer ou pelo desejo de
desempenhar funções mais valorizadas pelo grupo. Redorta (2009) afirma que o conflito
iniciado por um recurso que é escasso (no exemplo, duas meninas querendo fazer o trabalho
com uma), rapidamente se caracteriza como um conflito de poder, como identificamos na
atitude de Manuela. Além disso, o autor chama a atenção que, na adolescência, é
considerado mais valioso o que se apresenta inacessível. Sendo assim, o desejo de
conquistar tem um alto poder motivador.
Além disso, a ação tão impositiva de Manuela (empurrar a carteira da colega e
sentar-se em seu lugar) comprova o desejo de prestígio da menina. Segundo Redorta (2009),
toda essa competitividade se dá em busca de se ver importante, o que, por sua vez, depende
de fatores como o êxito nas situações vivenciadas. Nesse sentido, Manuela se posiciona de
modo a exercer pressão em Giovana, que acaba desistindo.
Outro dado que chama a atenção, ao analisarmos o conteúdo desses conflitos, é
que as disputas de poder sempre foram iniciadas pelas meninas, na Escola 1, durante o
intervalo ou até mesmo na internet e, na Escola 2, entre os grupos rivais. Como já
apresentamos anteriormente, Dawe (1934), Licciardi (2010), Silva (2015) e Marques (2015)
relatam, em seus estudos, uma tendência crescente ao controle do ambiente social em
detrimento do físico. Ademais, as meninas fazem fofocas e insinuações, chegam a desprezar
as outras para conquistar seu “objeto” de desejo. Segundo Sinclair (2003), essas formas
encobertas de agressão são compatíveis com os objetivos sociais das meninas. Em
concordância, Underwood (2003, apud FEIGENBERG et al., 2008) enfatiza que as
pesquisas, em geral, destacam as agressões físicas, mas entre as meninas, a agressividade é

164
expressa principalmente, por meio, do que denominou, de agressão social. Como já
apresentamos, a agressão social é um comportamento que tem como objetivo prejudicar a
amizade, o status social ou a autoestima do outro. Disfarçada, pode agredir um desafeto
prejudicando suas relações e causando dano significativo ao alvo.
Prova dessa relação se dá no exemplo a seguir:

Percebemos que FLÁVIA e FABIANA estavam com problemas. As


duas, que sempre estavam juntas, não conversavam e, quando
conversavam com uma colega, a mesma não podia falar com a
outra. As outras meninas do grupo nos contam que não “tomaram
partido”, são amigas de ambas, mas estavam dividindo e não
falavam sobre o problema a fim de evitar confusão com FLÁVIA ou
FABIANA. Fui falar com FABIANA. Ela me disse que não é a
primeira vez que ela e FLÁVIA se desentendem. Para ela, FLÁVIA,
só quer falar de meninos, meninos mais velhos, e está muito
avançada para a idade, o que ela considerava chato, mesmo porque
se diz muito nova para essas coisas, então achou melhor se afastar.
FLÁVIA afirma não ter discutido, só parou de conversar com a, até
então, amiga. FABIANA, por sua vez, disse que FLÁVIA chegou um
dia na escola e não olhou em sua cara e, por isso, também não
olhou mais na dela. Disse que já não eram mais tão amigas, já que
FLÁVIA só quer saber da própria vida, só ela interessa. Por
exemplo, FLÁVIA pode falar do namorado e ela não pode falar do
menino de quem ela gosta, pois FLÁVIA ficaria dando lição de
moral (FABIANA gosta de seu professor de violino, bem mais velho
e que tem namorada). FABIANA termina a conversa, dizendo que
não se importa e que a amizade não irá fazer falta. Até o término
das observações, as meninas não retomaram a amizade.

Há uma disputa de poder entre as meninas, Flávia e Fabiana, que pertenciam ao


mesmo grupo, ou, como chamado por elas, à mesma “panelinha”. Pararam de conversar e
colocam as outras integrantes em uma situação difícil, como se tivessem de escolher um
lado. Como já foi dito, até o final das observações, as meninas não voltaram a se falar,
demonstrando que os sentimentos perduravam.
As meninas, como observam Gorrese e Ruggieri (2012), tendem a amizades
mais profundas, de maiores trocas afetivas e, por isso, há a necessidade de apego. Em
função disso, vivenciam conflitos mais longos e acabam por romper as relações com mais
frequência do que os garotos (SINCLAIR, 2003).

165
Ao se comparar estatisticamente a frequência das causas de disputa de poder e
finalizações, existe diferença significativa (P = 0.014) na quantidade de conflitos encerrados
pela insatisfação bilateral, satisfação bilateral simples e satisfação unilateral, como mostra a
Tabela 3.

Tabela 3: Comparação das variáveis categóricas entre causas.


Finalizacao Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RC , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
31
AB , 2 , 0 , 1 , 1 , 1 , 35 , 14 , 54
, 100.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 100.00 , 64.81 , 60.87 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
IB , 0 , 1 , 1 , 2 , 0 , 0 , 0 , 4
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 28.57 , 0.00 , 0.00 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NE , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 4 , 2 , 6
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBC , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 3 , 0 , 3
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 5.56 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBS , 0 , 0 , 1 , 1 , 0 , 8 , 5 , 15
, 0.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 0.00 , 14.81 , 21.74 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SU , 0 , 1 , 1 , 3 , 0 , 4 , 2 , 11
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 42.86 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.014

Conforme a análise estatística, os conflitos que envolvem disputa de poder


tendem a ser finalizados significativamente (P = 0.014) pela submissão de uma das partes
que acaba por ceder às exigências do outro (Satisfação unilateral), ou pela Insatisfação
bilateral, como na situação descrita, em que o resultado das ações não satisfaz os
envolvidos, permanecendo o conflito entre as partes. Entretanto, a desavença também
poderia ser finalizada pela Satisfação bilateral simples, ou seja, os resultados das ações
satisfazem os envolvidos. Isso se dá quando, após a disputa, utilizam estratégias que levem
à cooperação, o que pouco foi identificada em nossas observações.
Sempre haverá, dentro das escolas, disputa de poder entre os alunos (SILVA,
2015; MARQUES, 2015), o que pode levar a incivilidade e estratégias unilaterais como

31 AB – Abandono do conflito; IB – Insatisfação Bilateral; NE – Não Identificado; SBC - Satisfação bilateral pelo compromisso; SBS -
Satisfação bilateral simples; SU – Satisfação Unilateral.

166
ameaças e imposições. Também por essa razão, os jovens precisam de espaços para
aprender a negociar seus conflitos e, assim, melhorar as trocas entre seus integrantes.
Em seguida, a categoria que se apresenta é a “Delação” com 2,15% em ambas as
escolas, sendo 3,23%, na Escola 1, e 1,61%, na Escola 2. Os sujeitos denunciam à
autoridade a desobediência de um colega relacionada à regra ou à solicitação do adulto,
como fica explícito no exemplo a seguir:

MARCOS está mascando chiclete. Em sua sala de aula tem uma


folha exposta com as regras da escola e uma delas é não mascar
chiclete. A professora faz gestos indicando que MARCOS deve jogar
fora seu chiclete. O menino gesticula negando estar com chiclete.
PEDRO, vendo a situação, diz para a professora: “Ele tá com
chiclete, sim, fessora!” MARCOS responde bravo: “Cala boca,
desgraçado!” A professora olha brava para o menino, então
MARCOS levanta e joga fora o chiclete.

Nota-se nessa situação que Pedro denuncia Marcos à autoridade por estar
quebrando uma regra da escola e desrespeitando a solicitação da professora. Não há uma
preocupação com os sentimentos e com o que pode efetivamente acontecer de negativo com
o outro. Situações como essa explicitam a pouca capacidade de compreender o ponto de
vista do outro e de se colocar em seu lugar, a tomada de perspectiva e também de
coordenação de perspectiva, ou seja, integrar os desejos, sentimentos e pensamentos do
outro com os próprios (SELMAN, 1980).
Consideramos que esse tipo de conflito acontece com maior frequência, mesmo
que não expressiva, na Escola 1, justamente pelas características do ambiente. Em um
ambiente autoritário, como dessa escola, o professor exerce seu controle em todas as
situações e valida as delações feitas pelos colegas, alimentando um clima hostil entre eles,
como mostra o exemplo. Menin (1996) pesquisou, em uma escola particular, como as regras
eram colocadas às crianças pelas professoras, como foram impostas, o que os alunos faziam
com essas regras e como julgavam os comportamentos dos colegas contrários a elas. A
pesquisadora percebeu, assim como em nossas observações, que a escola fortalece a
heteronomia na medida em que impõem regras com “excesso de significado”, isto é, regras
sem significado social ou funcional, que apenas ensinam que obedecer é importante. Com

167
relação ao julgamento dos alunos, as crianças pequenas criticam os colegas logo após as
correções da professora, além disso escolhem para criticar justamente os comportamentos
vistos como transgressões para o adulto, como no excerto descrito, porém o que motiva os
adolescente a delação é a busca pela justiça, o “tratamento igual”, a intenção de provocar o
colega ou, ainda, prejudica-lo, diferente das crianças pequenas que visam receber a atenção
da autoridade.
Já nos conflitos que envolvem exclusão, 1,08% na amostra geral e, 3,23% na
Escola 1 e nenhum caso na Escola 2, os envolvidos impedem, privam ou ignoram a
participação do outro. Em 2,15% a agressão verbal motivou os episódios de conflitos em
ambas as escolas, com 3,23%, na Escola 2, e nenhum caso, na Escola 1, em que o sujeito
insulta ou magoa o outro por meio de uma ou mais manifestações verbais.

GIOVANA fica em dúvida como se escreve uma palavra, por isso


vai pedir ajuda para a amiga, SARA. MANUELA ouve a pergunta
de GIOVANA e diz, rindo, para SARA: “Ela é burra!” SARA não
gosta do comentário e responde irritada: “Cala a boca,
MANUELA!” MANUELA, impulsivamente, cospe a bala que
chupava em SARA. SARA fala brava: “Nossa!” Enquanto tira a
bala que ficou colocada em sua franja.

Manuela agride verbalmente Giovana ao chamá-la de burra, o que causa uma


reação em Sara, amiga da menina que foi ofendida. Redorta (2009) explica que insultos ou
agressões verbais pretendem, basicamente, atacar a autoestima do outro. Isto é, Manuela
tem como objetivo fazer com que Giovana sinta-se mal. Percebe-se, na adolescência, que as
agressões passam a ser mais verbais do que físicas, graças às mudanças cognitivas e à
crescente capacidade de autorregulação, além de corresponder a uma estratégia mais
aceitável socialmente do que a agressão física. Ao ser comparada com uma faixa etária
próxima, a de 11 e 12 anos, observa-se um declínio dessa causa (de 2,38% para 2,15%, em
ambas as escolas), graças ao desenvolvimento dos sujeitos (MARQUES, 2015).
Por fim, como outros incluímos as categorias: deslealdade, inveja, menosprezo e
violação de regra presentes em 1,08% em ambas as escolas, 9,68% dos conflitos da Escola
1 e em 6,45% da Escola 2.

168
Em resumo, encontramos que as principais causas geradoras de conflitos entre
os adolescentes de 13 e 14 anos são a provocação (58%) e a reação ao comportamento
perturbador (24,7%), seguida da disputa de poder (4,3%), expressivamente menos frequente
que as anteriores. A maior frequência de provocações nos mostra seu papel socializador,
incluindo na adolescência seu significativo papel nas relações intersexuais (KELTNER et.
al., 2001; SHAPIRO et al., 1991). Também vale ressaltar que a provocação permite ao seu
autor “ser visto” pelo grupo, comprovando a necessidade de todo ser humano sentir-se valor
(TOGNETTA, 2009). Com relação à reação ao comportamento perturbador, não foram
encontrados estudos que falassem sobre esse tipo de conflito, sendo essa causa criada por
nós. Segundo Piaget (1964-2006), o adolescente já é capaz de considerar os aspectos
subjetivos envolvidos em uma situação, entretanto os sujeito observados, demonstraram
ainda dificuldade em, ao julgar uma ação, considerar como central a intenção do outro ao
avaliar uma determinada situação e se autorregular. Além disso, os conflitos são
principalmente verbais e buscam o controle sobre o outro, tendem a controlar o espaço
social e não mais físico (DAWE, 1934; LICCIARDI, 2010; SILVA, 2015; MARQUES,
2015).
Passemos agora a discutir as diferentes estratégias utilizadas pelos adolescentes
da presente pesquisa.

6.3. AS ESTRATÉGIAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

As estratégias de resolução de conflitos são os meios que o sujeito emprega com


o objetivo de restabelecer o equilíbrio da relação ou para cessar a oposição. Para realizar a
categorização dos dados, identificamos as estratégias utilizadas pelos envolvidos, e essas
foram incluídas nas categorias já elaboradas por Licciardi (2010), Silva (2015) e Marques
(2015). Com isso, não sentimos a necessidade de criar categorias além daquelas já
apresentadas em estudos anteriores (física e impulsiva, unilateral e cooperativa). Por outro
lado, à medida que investigávamos os adolescentes, percebíamos um crescimento do
repertório de ações, e essas novas formas de comportamentos foram incorporadas nas
estratégias unilaterais e cooperativas.
169
Comumente, encontramos um mesmo sujeito empregando mais de uma
estratégia em um mesmo conflito, uma vez que a primeira empregada não foi eficiente.
Prova disso é que presenciamos 93 conflitos e analisamos 245 estratégias. As estratégias
foram classificadas, muitas vezes, em categorias diferentes, ou seja, um mesmo sujeito
poderia, primeiro, utilizar uma estratégia física e impulsiva e, na sequência, uma estratégia
unilateral.
Após a identificação, classificamos as estratégias baseadas nos estudos de
Selman (1980), Selman e Schultz (1990). Essas estratégias refletem a capacidade de tomada
e coordenação de perspectiva do sujeito e estão apresentadas em ordem hierárquica de
complexidade. O Quadro 4, “Categorias das estratégias dos episódios de conflito”,
apresenta, na primeira coluna, as características do desenvolvimento com relação à
concepção de conflito. Em seguida, a categoria de estratégias predominantes decorrentes
dessa concepção e desenvolvimento. A terceira coluna conceitua a estratégia e traz
exemplos da forma como pode ser manifestar.

Quadro 4: Categorias das estratégias dos episódios de conflito


Características do
Categorias Descrição
desenvolvimento
As estratégias empregadas
parecem indicar que o sujeito Estratégias físicas e São ações físicas ou verbais,
concebe o conflito como impulsivas (FI) momentâneas, carentes de
interação física e não como uma reflexão, marcadas pela
discordância de opinião ou impulsividade.
interesses opostos. Não há
consideração da perspectiva Ex.: insultar (impulsivo),
alheia, nem tampouco dos gritar, chorar, chutar, bater,
efeitos psicológicos gerados fugir, afastar-se, mudar de
nos envolvidos com o conflito. atividade, obedecer
Os objetivos dos sujeitos automaticamente, não
concentram-se mais no controle interagir.
do espaço físico do que na
manutenção do relacionamento.
170
As estratégias empregadas São ações
decorrem da crença de que o Estratégias predominantemente verbais,
conflito é essencialmente unilaterais visando ao controle do outro
sentido por uma parte e causado pelo uso do poder e não pela
por outra. Todavia, essa negociação. São empregadas
compreensão parece aplicar-se falas impositivas, expressão
apenas a um dos envolvidos. A impositiva, breves
busca é pelo controle do espaço justificativas e sugestões. A
social, por meio da mudança do estratégia de reparação não
comportamento do outro e não corresponde a real intenção
de seus sentimentos ou pontos do sujeito.
de vista. Além dos efeitos
físicos das estratégias, os Ex.: comando, justificativa do
psicológicos ou subjetivos motivo, o ficar emburrado,
também passam a ser recuo (diante de uma
importantes, porém apenas para intimidação), ameaça irônica,
um dos envolvidos. A disputa verbal (reagir a algo
mutualidade não é ainda de forma semelhante,
considerada. O sujeito ainda não devolvendo a ofensa ou a
tem consciência de que a ação demanda recebida), objeção
de reparar envolve a (negação), insulto (refletido),
coordenação do ato súplica, provocação,
(objetividade), com a intenção aliciamento, chantagem,
(subjetividade). desdém, ameaça, desafio,
retirada de afeto, subornos de
afeição, terceirização do
conflito (desejo que o outro
tome partido a seu favor e
resolva o conflito
unilateralmente), ignorar
(fingimento de indiferença),
dissimulação, reparação pela
possibilidade de regulação
externa, ironia, obediência
submissa, sedução, delação,
represália (ação que
demonstra insatisfação),
acusação.

As estratégias empregadas São ações


171
parecem indicar que os sujeitos Estratégias predominantemente verbais
reconhecem que as partes cooperativas que visam convencer o outro
participam psicologicamente no a acatar uma ideia para fazer
conflito e, por isso, buscam
o que se deseja ou a reparar
engajar-se no reestabelecimento
do equilíbrio. Além de um dano. Há uma
considerar os efeitos preocupação em modificar
psicológicos das estratégias para não apenas o comportamento
os envolvidos, a real do outro, mas também seus
intencionalidade da outra parte é sentimentos ou interesses.
um elemento importante a ser Ex.: sugestão de revezamento
ponderado. Assim, a resolução
da posse de um objeto,
satisfatória pressupõe a
concordância mútua, embora sugestão de brincadeira ou de
ainda haja uma tentativa, ainda outra pessoa para brincar,
que fraca, de defender o próprio justificativa para a ação
ponto de vista. A resolução é baseada em uma regra ou
recíproca, mas pontual, conflito orientação do adulto,
por conflito. argumentação, apelo para que
o outro se coloque em seu
lugar, reparação sincera
(pedir desculpas, dizer que o
ato danoso não se repetirá,
dizer que foi sem intenção),
revide bem humorado,
esquiva, sedução (intenção de
mudar o sentimento,
reconquistar, atrair de modo
astucioso), busca de aliados
visando ao convencimento,
render-se (cede, sujeita-se em
nome de algo maior),
reivindicar (fazer valer a
justiça, reivindicando a
regra), acatamento (aceitação
de ordem, regra ou sugestão,
como manifestação de
respeito ou consideração).

Fonte: MARQUES, C. A. E.; OLIVEIRA, M. T. A.; SILVA, L. M. F.; VINHA, T. P. (2014)

172
(6,1%). As estratégias físicas e impulsivas, como já diz o próprio nome, demonstram maior
dificuldade em controlar os impulsos e verbalizar pensamentos e sentimentos, por essa
razão é a estratégia menos elaborada. Nas estratégias unilaterais, o sujeito reconhece os
próprios desejos e os manifesta, entretanto ainda demonstra dificuldade em considerar a
perspectiva do outro, visa, assim, controlar o comportamento alheio para alcançar seus
objetivos. Por fim, ao fazer uso das estratégias cooperativas, o sujeito utiliza argumentos
visando convencer os envolvidos, ou seja, há o desejo de modificar o comportamento e o
sentimento do outro, considerando a perspectiva alheia. A seguir, discutiremos as
estratégias, mas de acordo com a sua complexidade, buscando evidenciar as características
do desenvolvimento.
As estratégias “Físicas e impulsivas” (21,6%) se referem a ações físicas ou
verbais, momentâneas, carentes de reflexão, marcadas pela impulsividade que visam, então,
impor o próprio desejo, como mostra o excerto abaixo:

FERNANDA dá um tapa em FÁBIO, dizendo que ele a irrita.


FÁBIO devolve, também batendo na colega. Os dois começam a se
chutar. FERNANDA, então, para de chutar FÁBIO, assim o menino
tem a mesma atitude. FERNANDA grita: “Seu veado!”.

Ao observar o conflito descrito, Fernanda afirma que o que a motiva a bater em


Fábio é que ele a irrita. No momento específico em que o conflito ocorre, Fábio estava
copiando a atividade da lousa, aparentemente não havia feito nada para a menina. Como
característico dessa estratégia, Fernanda parece movida por seus impulsos momentâneos ao
chutar Fábio, e o menino reage da mesma forma, por meio da agressão física. Como já
destacamos, é na adolescência que o córtex pré-frontal amadurece, o que permite avanços
na qualidade de pensamento e razão, o que possibilita o início do controle de impulsos, o
que não é visto nesta situação e que não significa que os participantes observados não
tenham esse controle, mas, sim, que não fizeram uso do mesmo.
Além disso, encontramos nesse episódio os dois tipos de estratégias físicas e
impulsivas, que Selman e Schultz (1990) denominaram de “transformadora do outro” e
“transformadora de si”, sem coordená-las. A primeira repele o outro pelo uso da força física

174
e foi utilizada por Fernanda. Já a segunda, “transformadora de si”, retrata a atitude
impulsiva e passiva de Fábio.
As estratégias físicas e impulsivas são consideradas estratégias de nível 0
(SELMAN; SCHULTZ, 1990). Os conflitos são vistos como físicos e passageiros,
envolvem comportamentos impetuosos, visando alcançar seu objetivo, logo utilizam de
força irrefletida para alcançar um objetivo. Não distinguem sentimentos e ações. Sabemos
que os adolescentes já são capazes de fazer essa diferenciação, mas acabam por não o fazer.
Entretanto, as estratégias físicas e impulsivas utilizadas pelos adolescentes são
predominantemente verbais (38,5%), graças às mudanças cognitivas e afetivas dessa fase
(PIAGET, 1964-2006).

A sala estava iniciando um trabalho em grupo e, para isso, os


alunos estavam organizando suas carteiras. Enquanto o professor
passa a atividade na lousa, MARINA grita com PEDRO: "Vai pro
meio!" (eles se sentam próximos e, por isso, ela estava com
dificuldade de passar com sua mesa). PEDRO responde: "Vai você!
Para de gritar, menina! Nossa, que chata..." MARINA dá a volta e
senta-se com sua amiga.

O conflito tem como causa a reação ao comportamento perturbador. Marina não


tem a intenção de irritar o colega, quer apenas passar para fazer o trabalho com uma amiga,
mas Pedro não considera a intenção da menina como central para reagir, utiliza-se
primeiramente de uma estratégia Unilateral (comando – “Vai você! Para de gritar,
menina!), entretanto, demonstrando seu incômodo, é impulsivo e emprega uma estratégia
física e impulsiva, o insulto (“Nossa, que chata”). Essas estratégias serão novamente
discutidas quando compararmos as escolas observadas.
As estratégias “Unilaterais” (72,2%) caracterizam-se como ações
predominantemente verbais, que visam ao controle do outro pelo uso do poder e não pela
negociação. Visam também impor a própria vontade ao outro, entretanto difere-se da
anterior por apresentar condutas um pouco mais complexas e maior regulação dos impulsos.
Em decorrência desses comportamentos, essas estratégias ainda são coercitivas, ou seja, o
sujeito deseja modificar o comportamento do oponente pelo uso da coerção. Ademais,
apesar de já terem consciência de que o outro tem desejos e ideias diferentes, esses não são

175
levados em consideração. Esses comportamentos evidenciam a dificuldade dos sujeitos na
tomada e coordenação de perspectiva, nível 1, de acordo com Selman e Schultz (1990).
Outra concepção subjacente ao emprego dessas estratégias é que o conflito é
definido como tendo essencialmente um responsável, um culpado e uma vítima, alguém que
sente as consequências da ação do outro. Essas estratégias já refletem um avanço no
desenvolvimento no sentido de que visam ao controle social. Caracterizam-se por comando,
revide verbal, justificativa, insulto (refletido), provocação, recuo, ameaça, fingir indiferença,
dissimulação, ironia, desafio, súplica, ficar emburrado, desdém, entre outras.

A professora, para explicar a localização da América do Norte e da


Europa Ocidental, fala: “Coloca o ALEXANDRE e o PEDRO
juntos. Os meninos sorriem e ALEXANDRE brinca, dizendo: “Tô
fora!” GUSTAVO fala: “Coloca o MARCOS e o...” MARCOS
interrompe e diz: “E a sua mãe!” GUSTAVO grita: “Você tá
apelando, moleque, eu não falei da sua mãe. Se eu começar a falar,
você não aguenta.” MARCOS responde: “Você que tá folgando...”
Rindo, sem graça. GUSTAVO responde: “Tô falando sério”. A
professora, com expressão irritada, diz: “Vamos parar com isso,
agora!” Ela continua a explicação do conteúdo e os meninos ficam
quietos.

O conflito é causado pela provocação de Gustavo. Marcos utiliza como


estratégias unilaterais a disputa verbal (quando interrompe Gustavo e completa a frase do
colega), a justificativa (ao explicar que o colega que estava “folgando”) e, por fim, o recuo
(ao rir sem graça). Gustavo também utiliza estratégias unilaterais, mas, neste caso, a ameaça
(quando diz: “Se eu começar a falar, você não aguenta”) e o comando (ao dizer: “Tô falando
sério”).
Por fim, as estratégias “Cooperativas” (6,1%) são ações predominantemente
verbais que visam convencer o outro a acatar uma ideia para fazer o que se deseja ou a
reparar um dano. Há uma preocupação em modificar não apenas o comportamento do outro,
mas, também, seus sentimentos ou interesses. A coerção, que marcava as categorias
anteriores, não existe ou diminui expressivamente, uma vez que, já reconhecendo as ideias e
desejos do outro, visa modificar não mais apenas o comportamento do outro, mas, também,
os sentimentos. São exemplos de estratégias cooperativas o revide bem humorado, a
reparação sincera, a sedução, entre outras.

176
IASMIN gosta de um menino de outra escola. Em uma festa de
aniversário, em que IASMIN não estava, o menino pediu para
“ficar” com GABRIELA, uma de suas melhores amigas. IASMIN
tem certeza que eles “ficaram” e, por isso, parou de conversar com
a amiga. GABRIELA nega ter ficado com o menino, diz ter apenas
conversado com ele. GABRIELA me disse que tentou conversar com
IASMIN, mas que ela não a ouviu e que, além disso, ficou
espalhando para as outras meninas que ela ficou com o menino.
GABRIELA afirma que dará um tempo para a amiga. No outro dia,
as duas me contam que IASMIN foi conversar com GABRIELA em
uma rede social para esclarecer a situação. As meninas dizem ter
acreditado uma na outra, mas que a amizade ainda não é a mesma,
pois continuam magoadas.

A causa desse conflito é a deslealdade. Iasmin sente-se traída por sua amiga
Gabriela. Gabriela utiliza como estratégia cooperativa a esquiva (quando afirma que dará
um tempo para a amiga), enquanto Iasmin também se esquiva (quando não ouve a colega) e
emprega uma reparação sincera ao buscar a amiga para se resolverem. Essas estratégias
amparam-se no nível 3 de tomada e coordenação de perspectiva. O que implica na
compreensão da existência de diferentes perspectivas coordenadas entre si.
Tanto Iasmin e Gabriela fizeram uso da autorreflexão e da reflexão
compartilhada, buscando uma resolução satisfatória para ambas. Essas ações demonstram a
preocupação dos oponentes em conservar a amizade. A concepção de amizade na
adolescência (estágio 3) é fonte de compartilhamento e, como estratégia para resolver seus
conflitos, os sujeitos conversam, uma vez que consideram que, se trabalhado de forma
adequada, o conflito pode fortalecer o relacionamento (SELMAN, 1980).
Com relação ao gênero, nos conflitos envolvendo somente meninas, há um
emprego maior de estratégias unilaterais em comparação com os conflitos envolvendo
somente meninos. As meninas utilizam mais estratégias unilaterais (79,7%), os meninos, um
pouco menos (75,7%). Entretanto, elas utilizam significativamente (P = 0.009) mais
estratégias cooperativas (11,6%), como mostra a Tabela 4.

177
Tabela 4: Comparação das estratégias de resolução de conflito entre gêneros
Estrateg Sexo
Frequency,
Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, Total
---------+--------+--------+--------+
CO32 , 1 , 8 , 6 , 15
, 2.70 , 11.6 , 4.29 ,
---------+--------+--------+--------+
FI , 8 , 6 , 39 , 53
, 21.62 , 8.70 , 27.86 ,
---------+--------+--------+--------+
UN , 28 , 55 , 94 , 177
, 75.70 , 79.71 , 67.14 ,
---------+--------+--------+--------+
Total 37 69 140 246

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.009

Ao mesmo tempo, como podemos depreender da tabela anterior nos conflitos


intersexuais, o emprego de estratégias físicas e impulsivas é significativamente (P = 0.009)
maior (27,8%), como nos mostra o exemplo a seguir:

MARCOS senta ao lado de TALITHA. O menino parece gostar dela,


uma vez que sempre fica tentando chamar a atenção da menina de
diferentes formas. Neste dia, MARCOS fica chamando-a pelo nome,
várias vezes: “TALITHA! TALITHA! TALITHA! TALITHA!”
Reconhecendo o tom do menino, TALITHA o ignora, sorrindo sem
olhar para ele. O menino dá um tapa no pé da menina, e seu sapato
cai no chão. TALITHA se irrita e grita: “Ai, MARCOS, veado!”
MARCOS sorri sem graça, pega o sapato e o coloca no pé da
menina.

Verificamos nesse evento que, para chamar a atenção de Talitha, primeiro


Marcos provoca a menina, chamando por seu nome várias vezes e, depois, tirando seu
sapato. Irritada, Talitha emprega uma estratégia física e impulsiva, o insulto. Ao perceber o
sentimento da menina, Marcos, buscando reparar o dano causado, faz uso de uma estratégia
cooperativa que visa restaurar o equilíbrio. Como já discutido anteriormente, a provocação é
muito utilizada como “quebra gelo”, quando há o objetivo do flerte (KELTNER et al.,
2001). Além dessa ferramenta, Marcos utiliza uma estratégia física e impulsiva ao bater no

32 CO – Estratégias cooperativas; FI – Estratégias físicas e impulsivas; UN - Estratégias unilaterais.

178
pé da menina. Esse toque permite a aproximação, principalmente, e alimenta o jogo
intersexual.
As estratégias cooperativas foram utilizadas significativamente (P = 0.009) mais
pelas meninas do que pelos meninos, corroborando os achados de Shantz e Hartup, (1992).
Tais resultados podem estar relacionados à qualidade das relações entre as meninas
(SINCLAIR, 2003; GORRESE RUGGIERI, 2012). A amizade é fonte de confiança,
compartilhamento, ou seja, buscam-se estratégias para manter o relacionamento, o que está
diretamente relacionado ao desenvolvimento da tomada de perspectiva. Outra característica
que deve ser considerada é a influência da cultura que oferece expectativas e padrões de
comportamentos para meninos e meninas (LEME, 2011a).
Quando comparado com estudos com idades anteriores, 8 e 9 anos (SILVA,
2015), os sujeitos empregaram as estratégias cooperativas em 3,77 % das ocorrências; já em
adolescentes de 11 e 12 anos (MARQUES, 2015), as estratégias cooperativas foram usadas
em 5,32%, enquanto que, nos participantes do presente estudo, 13 e 14 anos, 6,10%. Apesar
de um pequeno crescimento, fica clara a evolução da tomada e coordenação de perspectiva
ao longo do desenvolvimento. Contudo, Selman (1980) considera que essas estratégias já
poderiam estar mais consolidadas em sujeitos de 10 a 13 anos e, em nossos dados, elas são
as menos empregadas. Para o autor, o uso dessas estratégias interpessoais que estão recém-
desenvolvidas parece estar relacionado à qualidade das relações existentes. O que significa
que um nível sociocognitivo pode até estar potencialmente disponível, mas não será
utilizado necessariamente no comportamento real, devido, muitas vezes, a dados do
contexto em que está inserido.
Verifiquemos, agora, se há diferenças na frequência de estratégias utilizadas
pelos alunos da Escola 1 e pelos alunos da Escola 2. Apresentaremos a seguir, a figura 4,
que corresponde às escolas observadas separadamente.

179
Figura 4: Porcentagens para as estratégias de resolução de conflitos na Escola 1 e na Escola
2

Com 80,9%, os alunos da Escola 1 utilizam significativamente (P = 0.006) mais


estratégias unilaterais do que os alunos da Escola 2 (67,3%), mesmo sendo essa estratégia
empregada com maior frequência. Apenas 7,8% dos alunos empregam estratégias
cooperativas na Escola 1 e, na Escola 2, 5,1%. Nota-se que há também uma diferença
significativa (P = 0.006) na utilização das estratégias físicas e impulsivas, uma vez que, na
Escola 1, apenas 11,2% insultam, gritam, batem etc., enquanto, na Escola 2, 27,5%, como
mostra a Tabela 5.

Tabela 5: Comparação das estratégias de resolução de conflito entre as escolas


Estrateg Escola
Frequency,
Col Pct , 1, 2, Total
---------+--------+--------+
CO , 7 , 8 , 15
, 7.90 , 5.13 ,
---------+--------+--------+
FI , 10 , 43 , 53
, 11.20 , 27.56 ,
---------+--------+--------+
UN , 72 , 105 , 177
, 80.90 , 67.31 ,
---------+--------+--------+
Total 90 156 246

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.006


180
As “físicas e impulsivas”, como nos mostra o teste estatístico, são empregadas
significativamente (P = 0.006) mais na Escola 2. Cabe lembrar que, na sala de aula
observada, em função das incivilidades, havia uma banalização das relações, ou seja, o
respeito entre as pessoas não era valor. Sendo assim, quando a intenção é preservar o
relacionamento, os jovens utilizam mais estratégias que envolvam o compromisso, mas
quando esse interesse é inexistente, como nessa sala, empregam mais estratégias
egocêntricas e hostis (SELMAN, 2003). O que corresponde ao que era visto, ou seja, as
desavenças aconteciam, mas em poucos casos buscavam a reparação, já que seu impacto
parecia não ser sentido.
Desse modo, as estratégias visam impor o próprio desejo por meio de ações
físicas, ou ignorar o desequilíbrio causado pelo conflito, não interagindo.

RAFAEL e CLÁUDIA estão brincando com o compasso. Os dois


combinam de espetar NATÁLIA, que estava fazendo cópia da lousa.
Para conseguirem, RAFAEL combina com CLÁUIDIA que irá
abraçar Débora e enquanto isso, CLÁUDIA a espeta. RAFAEL,
então, abraça NATÁLIA, que corresponde a ele e é surpreendida ao
ser espetada por CLÁUDIA. Percebendo a situação, NATÁLIA fica
muito brava, muda de lugar e diz: “Você é uma falsa, CLÁUDIA!! E
você também, RAFAEL, me abraça para ela me espetar? Credo!”
RAFAEL e CLÁUDIA sorriem sem graça e o menino se justifica:
“Pô, NATÁLIA, era só brincadeira...”

Podemos, então, constatar nesse episódio os dois tipos de estratégias físicas e


impulsivas, que Selman e Schultz (1990) denominaram de “transformadora do outro” e
“transformadora de si”. A primeira visa à modificação do comportamento alheio e foi
utilizada por Natália. Já a segunda, “transformadora de si”, retrata comportamentos de
adequação ao par, que foi a escolhida por Rafael.
Diante do exposto, devemos atentar para o fato de que esse tipo de estratégia
não deve ser vista de modo pejorativo. Um adolescente que utiliza estratégias de nível 0,
não significa que sempre o faça, uma vez que o sucesso de outra forma para solução de
problemas também depende das reações da outra parte, do contexto em que está inserido.
Assim, em algumas situações, uma estratégia menos elaborada pode ser mais adaptativa

181
(SELMAN; SCHULTZ, 1990; SELMAN, 2003). A partir dessa perspectiva, não podemos
julgar que os adolescentes não empreguem estratégias mais complexas, apenas que, nesse
ambiente, talvez as estratégias físicas e impulsivas sejam mais adaptativas.
As estratégias “Unilaterais” aparecem significativamente (P = 0.006) mais na
Escola 1 (80,9%). Como discutido anteriormente, é por meio de comandos, justificativa das
ações, ameaça e provocação que essas estratégias visam ao controle unilateral, visam à
modificação do comportamento do outro ou à adaptação ao outro. Entre outras estratégias,
fica clara a dificuldade de coordenar perspectivas.
Dentre as unilaterais, a estratégia mais utilizada na Escola 1 foi o “comando”
(25,40%), estratégia verbal impositiva, são as ordens dadas por um adolescente para o outro.
A interação a seguir explica melhor:

O professor de ciências falta. Os alunos pedem para o professor


substituto passar filme. O professor consente ao pedido da turma.
PEDRO desce para pegar o aparelho de DVD, mas volta sem e
explica para os colegas e para o professor que não tinha nenhum
DVD que poderia ser emprestado. ADRIANA, então, grita: “Você
tem que procurar em que sala está!”PEDRO responde, gritando:
“Não! Eu procurei, todos tão sendo usados”. ADRIANA faz uma
careta, como se não aceitasse a resposta e conversa com a colega
ao seu lado. PEDRO grita: “Cê tá achando ruim? Vai lá você!”
ADRIANA responde: “Eu não tô falando com você! Quer partir
para a ignorância?” O menino não responde.

Por meio de expressões curtas e impositivas, há o emprego da força ou do poder


com o desejo de fazer o outro se submeter, como quando Adriana, incomodada com o fato
de Pedro não ter levado o aparelho de dvd, manda o colega o procurar, ou, ainda, quando
Pedro, irritado pela careta da colega, manda que ela procure o objeto.
Vejamos mais um exemplo em que estratégias unilaterais são empregadas:

PEDRO está sentado na primeira carteira na lateral da sala, já


CAMILA está no meio da sala, na penúltima carteira. PEDRO olha
fixamente para CAMILA. Sem entender, CAMILA pergunta para o
menino: “Que que foi?” PEDRO responde: “Só tô observando...”
CAMILA vira para trás e fala baixinho para DANIELA: “Acabou
comigo”. Elas riem, envergonhadas. PEDRO continua olhando
para a menina. GUSTAVO (colega sentado próximo a PEDRO)
182
grita pela menina: “CAMILA!” CAMILA, com sorriso disfarçado,
diz: “Ceis são tudo falso!” Meninos e meninas riem, enquanto
trocam olhares.

Neste exemplo, constata-se a estratégia unilateral chamada de “justificativa do


motivo”, segunda mais utilizada pelos jovens (16,30%). A justificativa do motivo se
caracteriza pelo emprego de argumentações simples com a tentativa intencional de mudar a
perspectiva do outro. Desse modo, mesmo que breves, essas explicações parecem
demonstrar o início do controle dos impulsos e da evolução do processamento da
linguagem, característicos da adolescência (HERCULANO-HOUZEL, 2005).
Outras estratégias unilaterais utilizadas foram a provocação, o recuo e a ameaça,
com 9,1% em cada. A provocação, assim como na estratégia, tem como característica a
hostilidade e o humor. O recuo é uma estratégia pautada na intimidação ou no medo.
Enquanto, na ameaça, o sujeito tenta bloquear a ação do outro ao se impor e ao fazer o outro
ceder por medo. O medo, presente nas duas estratégias, leva a uma conduta evitativa, ou
seja, uma atitude defensiva que tem como função a proteção (REDORTA, 2009). No
excerto a seguir, verificamos as duas estratégias sendo empregadas:

ALEXANDRE parecia distraído. A professora chama a sua atenção,


solicitando que ele preste atenção na aula. GUSTAVO repete a fala
da professora e completa: "Pelo amor de Deus, ALEXANDRE,
parece criança!". ALEXANDRE grita: "Fica quieto! Quer
apanhar?". GUSTAVO faz careta e vira para frente.

Provocado por Gustavo, Alexandre ameaça o menino (“Quer apanhar?”) e, por


medo, talvez por experiências já vivenciadas, Gustavo recua, virando-se para frente e
ficando em silêncio.
Destacamos aqui uma estratégia unilateral pouco utilizada nesta faixa etária,
mas muito presente nos estudos anteriores, a “terceirização do conflito”. Entre os alunos de
8 e 9 anos (SILVA, 2015), essa estratégia é empregada em 61,22%, já entre os de 11 e 12
anos, 40,7% (MARQUES, 2015), e no grupo estudado por nós, 13 e 14 anos, uma queda
expressiva, apenas 3,63% dos alunos solicitam a ajuda do professor e apenas na Escola 2,
como no exemplo a seguir:

183
CARLA joga a caneta na cabeça de NILZA. NILZA solicita a ajuda
do professor: “Professor, a CARLA bateu no meu cuco!” O
professor ignora, NILZA senta no chão e pega a caneta que a
colega havia jogado. Volta para seu lugar e fala baixinho para
CARLA: “Para de gracinha, menina!” CARLA não responde.

Nilza conta para o professor o que havia acontecido, entretanto ele ignora o
comentário da menina. Observamos que o professor, em geral, ignora o conflito ou faz
breves e pontuais intervenções (chamar atenção). La Russo e Selman (2011) constatam que,
os estudantes no Ensino Fundamental II, possuem menos apoio dos professores no que se
refere aos seus conflitos interpessoais de forma geral, tendo, muitas vezes, que confiar em
suas próprias habilidades e nas habilidades/orientações de seus pares. Em longo prazo, essa
maneira como a escola tem lidado com os conflitos contribui para a formação de jovens que
demonstram dificuldades em tomar decisões, emitir opiniões, argumentar e ouvir diferentes
perspectivas (VINHA et al., 2011).
Além disso, a falta de recursos dos professores para resolver os conflitos
interpessoais de forma equilibrada contribui para que os jovens também demonstrem
dificuldades em fazer uso de estratégias pacíficas e justas diante dos desentendimentos
(VICENTIN, 2013), como já constatado na Escola 2.
Os adolescentes só buscam a autoridade se esta for vista como justa e eficaz na
resolução de conflitos (ACEVES et al., 2010). Tal constatação pode explicar o porquê do
adolescente pouco pedir ajuda ao professor. Galeggo e Becker (2008) analisaram, por meio
das representações dos adolescentes (15 a 18 anos), suas ideias particulares a respeito das
características do professor que é respeitado; como pode ocupar o lugar de adulto
significativo e ser relevante no processo de constituição da moral do adolescente. As
pesquisadoras encontraram, no grupo pesquisado, que o que caracteriza o docente
respeitado é ser eficiente em sua tarefa como professor; sua busca em estabelecer relações
de respeito mútuo (tanto com os alunos como com os colegas); o estabelecimento de regras
claras e sua prática ser pautada em valores morais. Em conversa com os alunos de ambas as
escolas observadas, os alunos nem sempre tinham esse olhar do professor. Alguns eram,
sim, mais queridos do que outros, justamente, segundo o relato dos jovens, pela
proximidade estabelecida, por mostrarem interesse em suas vidas e por darem aulas
184
“diferentes”. Entretanto, os jovens também pontuaram que não adiantava pedir ajuda para a
grande maioria dos professores, já que eles nada fariam.
Com relação às estratégias cooperativas, os testes estatísticos não demonstraram
diferenças entre as escolas observadas. Alguns autores (PIAGET, 1932-1994; SELMAN,
1980; MANTOVANI DE ASSIS, 1993; VINHA, 2000b, 2003; TOGNETTA, 2003;
CARITA, 2004) consideram que as características do ambiente sociomoral da escola
interferem na construção de estratégias de resolução mais produtivas pelos alunos. Como já
descrito na caracterização das escolas observadas, os alunos tinham poucas oportunidades
de interagir com seus pares, de trocar ideias e de reconhecer as diferentes opiniões, ou seja,
as relações não eram vistas como promotoras de desenvolvimento.
Em resumo, de acordo com a perspectiva teórica na qual nos embasamos
(PIAGET, 1932-1994; SELMAN, 1980), é na relação com os pares que o sujeito tem a
oportunidade de aperfeiçoar suas capacidades de resolução de conflitos.
Podemos concluir que nossos dados comprovam o que a literatura já aponta a
respeito da influência do desenvolvimento no repertório de estratégias de resolução de
conflitos. Há, por influência do desenvolvimento e do ambiente, uma modificação das
estratégias em termos de autorregulação dos impulsos e de compreensão das ideias e de
sentimentos alheios (SELMAN, 1980; SELMAN; SCHULTZ, 1990).
O próximo item de análise terá por objetivo apresentar quais os resultados
dessas estratégias empregadas pelos participantes da pesquisa.

6.4. AS FINALIZAÇÕES DOS CONFLITOS

Antes de qualquer reflexão a respeito das finalizações dos conflitos observados,


é preciso, também, retomar o que chamamos de episódio dos conflitos. Episódio é um
acontecimento que se insere em um conjunto de outros similares. Às vezes, mesmo que o
episódio de conflito finalize, o conflito permanece, ou seja, o desequilíbrio gerado pela
oposição continua. Consideramos que o episódio de conflito foi finalizado quando a
interação entre as partes envolvidas cessou. Algumas vezes as manifestações não verbais
pareciam indicar a ausência do desequilíbrio e outras ainda era percebido o desequilíbrio,
185
porém não foram mais identificadas interações entre os envolvidos relacionadas ao conflito
naquele dia. Um conflito, portanto, pode ter continuidade por vários dias.
A finalização de um episódio de conflito considerada como positiva sugere que
os envolvidos ficaram satisfeitos com o resultado obtido. A satisfação dos participantes era
percebida por meio dos comportamentos apresentados, por manifestações sutis de
afetividade, tais como expressões faciais, tom de voz ou gestos ou por diálogo posterior
quando os dados eram insuficientes. A finalização é decorrente de uma ou mais estratégias
utilizadas pelos envolvidos.
A classificação das finalizações foi baseada essencialmente nas categorias já
utilizadas por Licciardi (2010). Entretanto, em função de novos modos de finalizações
utilizados pelos alunos mais velhos, adaptações foram realizadas (inclusão de novas
categorias e alteração nas descrições), principalmente a partir das categorias propostas por
Vuchinich (1990). A fim de identificar os resultados dos episódios de conflitos, analisamos
as 93 ocorrências por meio do protocolo de observação. Entretanto, em 6 ou 6,4% dos
conflitos não foi possível conhecermos como seria finalizado, porque estes acabaram sendo
interrompidos por um terceiro, o professor ou um colega de turma, o que nos impediu de
conhecer o resultado que teria se não houvesse a interrupção. O termo interrupção foi
utilizado porque a intervenção adulta tinha como objetivo cessar aquela desavença e não a
mediação ou a busca de um acordo mútuo. Após a identificação das categorias, procedemos
à sua quantificação representada no Quadro 5.

Quadro 5: As finalizações dos episódios de conflitos


Categorias Descrição
O impasse implica uma mudança no tema do
discurso ou no foco da atividade, de tal forma que
a discordância é descartada sem uma resolução. A
Abandono do conflito (AB)
retirada ocorre quando um participante se recusa a
continuar, talvez deixando o campo por
esgotamento de recursos.
O sujeito se submete ao outro, ou seja, uma das
Satisfação unilateral (SU) partes adere ou cede às exigências do outro. Há o
predomínio da vontade de uma das partes.
O resultado das ações satisfaz os envolvidos.
186
graça, fala: “Não precisa falar nada, né professora? Olha o
cabelo...” (pegando no cabelo de FLÁVIA, que é loira). FLÁVIA
fica tirando a mão dele de seu cabelo, ele tira a mão do cabelo e
volta, várias vezes. A menina pede para que ele pare. Ele continua.
FLÁVIA dá um tapa em suas costas e ambos voltam a prestar
atenção na aula.

A causa deste conflito é a reação ao comportamento perturbador. Ao responder


errado, Pedro não considera a real intenção de Flávia. Percebendo que a colega se sente mal,
o menino faz uso de uma estratégia unilateral, a sedução (Não precisa falar nada, né
professora? Olha o cabelo...”), que, em seguida, leva Flávia a abandonar o episódio de
conflito, uma vez que a menina utiliza estratégias unilaterais de comando (ela pede para que
ele pare) e, por fim, uma estratégia física e impulsiva (dá um tapa nas costas do colega).
Ambos parecem perder a motivação no conflito e investem sua atenção na aula. Não há
ganhadores ou perdedores.
Em nossos estudos estatísticos, encontramos que o abandono é,
significativamente (P = 0.014), da amostra como um todo, a finalização mais frequente nos
conflitos causados por provocação (64,8%) e reação ao comportamento perturbador
(60,9%), como no excerto acima. Segue a tabela 6.
Tabela 6: Comparação entre as finalizações e as causas

Finalizacao Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
AB , 2 , 0 , 1 , 1 , 1 , 35 , 14 , 54
, 100.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 100.00 , 64.81 , 60.87 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
IB , 0 , 1 , 1 , 2 , 0 , 0 , 0 , 4
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 28.57 , 0.00 , 0.00 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NE , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 4 , 2 , 6
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBC , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 3 , 0 , 3
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 5.56 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBS , 0 , 0 , 1 , 1 , 0 , 8 , 5 , 15
, 0.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 0.00 , 14.81 , 21.74 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SU , 0 , 1 , 1 , 3 , 0 , 4 , 2 , 11
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 42.86 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.014

189
Entretanto, Vuchinich (1990) considera que, independentemente da causa do
conflito, os envolvidos na desavença, crianças, adolescentes ou adultos, utilizam o
abandono muito mais frequentemente do que os outros formatos de finalização de conflito.
Para ele, no abandono, nenhum dos envolvidos precisa negociar ou abrir mão de suas ideias,
ou, até mesmo, lidar com a submissão. Como não requer coordenação de perspectivas, o
abandono, em geral, é a forma mais “fácil” de acabar com um episódio de conflito.
Algumas pesquisas corroboram a ideia do autor. Grana (2011) encontrou que,
entre os bebês de 3 meses a 13 meses, com 44,1%, e entre as crianças pequenas de 14 meses
a 2 anos, com 33,3%, a maneira mais frequente pela qual os conflitos eram finalizados era o
abandono, ao se interessarem por outros objetos. Silva (2015) ao retomar os dados
encontrados em sua dissertação de mestrado e ao compará-lo com seus achados em crianças
maiores constata que, o abandono também foi a finalização mais frequente nas diferentes
faixas etárias (3 e 4 anos - 57,86%; 5 e 6 anos - 63,81%; 8 e 9- 66, 36%). A categoria mais
frequente nos alunos de 11 e 12 anos, pesquisados por Marques (2015), também é
caracterizada pela mudança de foco da discordância, de tal forma que ela é descartada sem
uma resolução. Em nosso estudo, constatamos o mesmo, como já apresentado.
Outra comparação estatística, agora entre as finalizações e as estratégias
utilizadas pelos adolescentes, indicou uma predominância significativa (P<0.001) do
abandono nas estratégias unilaterais (58,8% dos conflitos que envolviam estratégias
unilaterais foram abandonados) e nas estratégias físicas e impulsivas, ou seja, 56,6% dos
conflitos que utilizaram essas estratégias foram abandonados, como mostra a tabela 7.

190
Tabela 7: Comparação entre finalização e estratégias

Finalizacao Estrateg
Frequency,
Col Pct ,CO ,FI , ,UN , Total
---------+--------+--------+--------+--------+
AB , 2 , 30 , 0 , 104 , 136
, 13.33 , 56.60 , 0.00 , 58.76 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
IB , 0 , 0 , 0 , 15 , 15
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 8.47 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
NE , 0 , 7 , 0 , 11 , 18
, 0.00 , 13.21 , 0.00 , 6.21 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SBC , 2 , 0 , 0 , 6 , 8
, 13.33 , 0.00 , 0.00 , 3.39 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SBS , 10 , 8 , 1 , 25 , 44
, 66.67 , 15.09 , 100.00 , 14.12 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SU , 1 , 8 , 0 , 16 , 25
, 6.67 , 15.09 , 0.00 , 9.04 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
Total 15 53 1 177 246

TESTE EXATO DE FISHER: P<0.001

A análise desses dados nos leva a considerar que conflitos que utilizam
estratégias com maior nível de coerção e imposição dos desejos tendem a ser abandonados,
o que pode ser considerado uma forma adaptativa, uma vez que não prolonga esse tipo de
desavença.
Seguido do abandono, na Escola 2, a categoria mais frequente foi a satisfação
unilateral (16,1%). Essa categoria recebe esse nome, pois o sujeito se submete ao outro, ou
seja, uma das partes adere ou cede às exigências do par na resolução do conflito. Há o
predomínio da vontade de um lado. O episódio seguinte a ilustrará:

Durante a aula, PAULA levanta e liga o ventilador. CAROLINA


levanta de sua carteira e desliga o ventilador. PAULA grita com a
colega: “Deixa ligado!” CAROLINA responde, contrariada:
“Então liga, mas vira para o outro lado.” Dessa forma, o vento não
pegaria nela. PAULA responde sem mexer no ventilador: “Meu
lugar é aqui!” Ventando em CAROLINA, a menina muda de lugar,
se afastando de PAULA, que continua com o ventilador ligado.

Observamos nesse episódio que as meninas utilizam estratégias unilaterais e que


Carolina decide se afastar, desiste da interação e do enfretamento do conflito com Paula,

191
submetendo-se aos desejos da colega. Assim, o ventilador fica ligado na direção em que
Paula queria. É como se Carolina, ao se submeter, perdesse e Paula, ao dominar, vencesse o
conflito. Vuchinich (1990) considera que essa aceitação, essa submissão, desfaz a oposição
do conflito e marca a finalização do episódio.
Diferentemente das estratégias empregadas pelos envolvidos no conflito
descrito, a satisfação unilateral está significativamente (P<0.001) relacionada às estratégias
físicas e impulsivas (tabela 7), ou seja, ao perceber que pode perder, uma das partes pode
empregar estratégias mais incisivas com o objetivo de vencer. Enquanto o outro, não se
expressa claramente talvez por não ter mais recursos e perde o interesse na disputa para
alcançar o que deseja ou deixa para enfrenta-lo depois, buscando argumentos incontestáveis,
encerrando assim, apenas o episódio e não o conflito (ENTELMAN, 2002).
Além disso, no conflito descrito, a causa da desavença entre as meninas é a
disputa por poder, que está significativamente (P = 0.014) relacionada à satisfação unilateral
(tabela 6). Em uma disputa para saber quem tem razão, para mandar, sempre existirá um
vencedor, a opinião de um dos lados se sobressairá.
Essa categoria de finalização também está presente na Escola 1 (3,2%), mas em
quarto lugar, sendo que a satisfação bilateral simples tem sua maior ocorrência (22,6%).
A satisfação bilateral simples já demonstra um avanço da categoria apresentada
anteriormente, uma vez que o resultado das ações satisfaz os envolvidos e não apenas uma
das partes. O exemplo a seguir ilustra essa categoria:

ANGELA pega, sem pedir emprestado, o branquinho de ADRIANA.


ADRIANA grita com a colega: “Devolve meu branquinho!”
ANGELA sorri para ADRIANA. ADRIANA diz, irritada: “Então
engole, ANGELA!” ANGELA pega o branquinho, vai em direção de
ADRIANA e diz: “Tá aqui!” ADRIANA toma o branquinho da mão
de ADRIANA e diz: “Que saco, ANGELA!” ANGELA continua
rindo. ADRIANA começa a rir também.

Apesar de ainda não haver nenhuma forma de negociação, há um certo acordo


entre os envolvidos, percebe-se que Angela e Adriana parecem satisfazer-se com a maneira
como o conflito foi resolvido, tanto que ambas sorriem ao final. De acordo com a tabela 7,

192
como neste conflito, a satisfação bilateral simples está significativamente (P<0.001)
relacionada a conflitos que têm como causa a reação ao comportamento perturbador.
Além disso, os dados apresentados na tabela 6 comprovam que os conflitos que
tiveram como finalização a satisfação bilateral simples, possuíam, significativamente (P =
0.014), mais estratégias do tipo cooperativas, o que leva à consideração de que realmente o
uso de estratégias mais evoluídas em termos de coordenação e tomada de perspectiva
podem levar, também, a finalizações mais evoluídas em termos de consenso e satisfação dos
envolvidos.
A insatisfação bilateral refere-se às situações em que, mesmo que tenha sido
finalizado o episódio de conflito, o resultado não satisfaz os envolvidos, permanecendo o
desequilíbrio entre as partes. Na Escola 1, é o terceiro resultado mais encontrado (9,7%),
enquanto que na Escola 2, o quarto (1,6%). Consideramos que a diferença entre as escolas
se deu, não pela diferença de contexto – como viemos destacando ao longo da análise -, mas
especificamente por uma situação observada na Escola 1.
Em um mesmo conflito, presenciamos 3 episódios diferentes, como é
exemplificado no relato apresentado anteriormente e retomado a seguir:

Percebemos que FLÁVIA e FABIANA não estavam se falando. Em


conversa com outras meninas do mesmo grupo, elas nos contaram
que as adolescentes brigaram, mas que não tomaram partido, se
dividem e evitam ficar falando sobre o assunto. Fomos falar com
FLÁVIA. Ela nos disse que não é a primeira vez que elas se
desentendem, para ela, FABIANA, só quer falar de meninos, está
muito avançada pra idade. Ela diz: “Isso acaba sendo chato, e ela é
muito nova para essas coisas, então me afastei. Não discuti, só
parei de conversar”. FABIANA, por sua vez, disse que FLÁVIA
chegou um dia na escola e não olhou em sua cara e por isso,
também não olhou mais na dela. Disse que já não era mais tão
amiga de FLÁVIA: “Ah, ela só quer saber da própria vida, só ela
interessa. Ela pode falar do namorado e eu não posso falar do
menino que eu gosto... Ela fica dando lição de moral.” FABIANA
gosta de seu professor de violino, bem mais velho e que tem
namorada.

FABIANA, com calor, prendeu o cabelo todo para cima. ADRIANA,


ANGELA e JULIANA falam para a menina soltar o cabelo, que
estava muito feio. FABIANA responde que não e afirma brava que o

193
cabelo é dela e ela faz o que achar melhor. ADRIANA, ANGELA e
JULIANA, irritadas com a resposta da colega, dizem que ela já é
zuada na sala e que se continuar assim, só vai piorar a situação.
FABIANA não responde, ignora o comentário. Já no intervalo,
ADRIANA, ANGELA e JULIANA se juntam a DÉBORA e FLÁVIA
para falar de FABIANA. Elas dizem que a menina se acha muito.
Em lugares opostos do pátio, as meninas trocam olhares. Bate o
sinal, os alunos voltam para sala. FABIANA, olha com
desaprovação para ADRIANA, ANGELA e JULIANA. ANGELA
irritada diz: “Fica olhando que você vai vê menina...” FABIANA
fecha a cara e vira para frente.

ADRIANA, ANGELA e JULIANA continuam trocando olhares com


FABIANA. ANGELA olha para a colega e diz: “Ah, menina vai
colocar duas calcas leggins pra ter bunda, vai!!” FABIANA não
responde, mas continua olhando.

As meninas envolvidas nesses episódios de conflito pertenciam ao mesmo


grupo, porém, quando Fabiana e Flávia se desentendem, as outras integrantes, acabam
optando por um lado, o que provoca outras situações. Por exemplo, o fato de Fabiana
prender o cabelo, faz com que Adriana, Angela e Juliana se irritem com ela - na verdade, a
ação da menina dispara o descontentamento das colegas que já se mostravam do lado de
Flávia. Apesar do episódio entre Flávia e Fabiana ter se encerrado, o desequilíbrio afetivo
entre elas permaneceu, o que indica que o conflito se conservou (SELMAN, 1980;
SELMAN e SCHULTZ, 1990).
Tanto na Escola 1 como na Escola 2, todos os episódios assim finalizados,
envolveram apenas meninas, o que nos remete às reflexões feitas sobre o conflito entre o
sexo feminino. Constatamos que, em função do estreitamento da relação, os conflitos entre
as meninas tendem a se conservar muito mais do que entre os meninos. Entre estes, há
pouca evidência dos componentes afetivos da amizade, o que favorece a compreensão das
desavenças que vivenciam (FIERRO, 1995).
Ressaltamos que essas situações não podem ser identificadas como abandono,
uma vez que nas finalizações em que os sujeitos envolvidos abandonam o conflito, ambos
retomam a relação, e, no presente caso, o desequilíbrio entre os envolvidos continua.
Apesar de ter sido o resultado menos frequente, encontramos 6,9%, na Escola 1;
e 1,7%, na Escola 2, –de episódios de conflito em que os resultados satisfizeram seus

194
envolvidos, refletindo um compromisso, ou seja, concessões de ambas as partes. Essa
solução, geralmente, é obtida por meio da negociação e conciliação, o que justifica sua
baixa frequência nos sujeitos pesquisados, uma vez que os jovens observados empregam um
maior número de estratégias impositivas. A satisfação bilateral pelo compromisso está mais
relacionada às estratégias cooperativas do que às outras estratégias (Tabela 7), o que
confirma que o que distingui o resultado obtido nos conflitos são as estratégias utilizadas
pelos envolvidos (ENTELMAN, 2002).
Todos os conflitos que tiveram essa finalização aconteceram entre meninos e
meninas, envolviam o jogo intersexual e tinham como causa a provocação (Tabela 6). Como
já discutido, a provocação é frequente no contexto do flerte (KELTNER et al., 2001). Com
o interesse no sexo oposto (VICENTIN, 2009a; SERRANO; GUZMAN, 2011) e com o
interesse de manter o relacionamento, os adolescentes utilizam mais o compromisso, de
modo a não prejudicar o relacionamento (LAURSEN; COLLINS, 1994).
Em suma, nossos resultados apontam que a maior parte dos conflitos é
abandonada pelos envolvidos, o que é condizente com as estratégias empregadas pelos
adolescentes observados. Os episódios, com maior nível de coerção e imposição tendem a
ser deixados de lado. A satisfação bilateral simples e pelo compromisso estão relacionadas
às estratégias mais cooperativas, evidenciadas nas relações de amizade, demonstrando que
os jovens de 13 e 14 anos, ainda, mostram dificuldades para coordenar perspectivas.
Em nossas considerações finais, retomaremos os resultados encontrados e
apresentaremos algumas implicações pedagógicas a partir de nossos achados.

195
196
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frequentemente, em conversa com educadores de redes públicas e particulares,


ouvimos suas angústias em relação aos conflitos vivenciados. Não importa a idade dos
alunos, o gênero, a classe social ou a cidade em que vivem, é inevitável: onde há pessoas, há
conflitos! Acreditamos que toda interação abre espaço para as desavenças, uma vez que
sempre haverá diferentes perspectivas, diferentes valores ou diferentes opiniões. Além
disso, como espaço socializador, a escola se torna propícia para sua ocorrência. É preciso
mudar o olhar, perceber o conflito como oportunidade de aprendizagem.
Nossa pesquisa teve por objetivo identificar, por meio da observação da rotina
escolar, os motivos pelos quais os adolescentes, de 13 e 14 anos, mais se engajavam em
conflitos, além das estratégias empregadas por eles e da forma como os finalizavam.
Considerando que ao longo do desenvolvimento os sujeitos progridem em suas capacidades
de coordenação e tomada de perspectiva social, passando de concepções egocêntricas,
unilaterais, para os mecanismos de cooperação e colaboração, vale destacar que esse estudo
se insere em uma investigação maior, de delineamento de caráter evolutivo/comparativo, ou
seja, estudamos os alunos em diferentes grupos de idade (3 a 6; 8 e 9; 11 e 12; 13 e 14)
porque, particularmente em teorias da psicologia do desenvolvimento, a idade é considerada
um importante determinante de mudança.
Agora, retomaremos brevemente nossos resultados para, assim, refletir sobre
possíveis implicações pedagógicas.
Encontramos, em ambas as escolas observadas, que as categorias que mais
geraram conflitos foram: a provocação, a reação ao comportamento perturbador (categoria
praticamente inexistente tanto na literatura nacional como na internacional) e a disputa por
poder/status. Analisamos em conjunto essas escolas e também separadamente, porque
possuíam naturezas muito distintas. Entretanto, as causas seguiram a mesma sequência,
levando-nos a inferir que os motivos pelas quais os jovens se engajam em conflitos não têm
relação com o ambiente em que estão inseridos, mas consideramos que as estratégias
utilizadas, sim, têm relação com o meio. Em concordância com pesquisas nacionais e
internacionais, a provocação é a principal causa das desavenças entre os adolescentes. Em

197
nossa amostra, a provocação foi significativamente maior quando comparada com as outras
causas. Constatamos que, iniciadas pelos meninos, a maioria das provocações eram
direcionadas às meninas, crescendo expressivamente quando comparada com idades
anteriores, destacando-se os jogos intersexuais, ou seja, uma provocação com teor de flerte
embutido. Apesar de o adolescente ser capaz de reconhecer as diferentes possibilidades, ao
julgarem, ainda se mostravam centrados em sua perspectiva e, assim, a intenção alheia era
periférica, em especial com não amigos. As respostas eram impulsivas e permeadas pela
falta de polidez. Os conflitos vivenciados nessa faixa etária são intersexuais, verbais e
marcados pelo desejo de controlar ou ter poder sobre o outro, na busca de status no grupo.
Com relação às estratégias de negociação interpessoal, à medida que
investigávamos os adolescentes, percebíamos um crescimento do repertório de ações
quando comparado às idades anteriores. Constatamos que as estratégias mais escolhidas
revelam, ainda, uma limitação na coordenação e tomada de perspectiva. As estratégias
utilizadas são predominantemente verbais, impondo-se sua vontade ao outro, visando-se ao
controle pelo uso do poder e não pela negociação. O gênero foi uma variável que exerceu
influência no tipo de estratégia empregada para resolver os conflitos: as meninas
empregaram estratégias mais cooperativas que os meninos, mesmo que, ainda pouco
frequente. Tais resultados podem ser compreendidos em função das relações de amizade e
da influência da cultura nos padrões de comportamento. Porém, ao mesmo tempo, nos
conflitos intersexuais, utilizam significativamente mais estratégias físicas e impulsivas, o
que é compreensível, uma vez que essas ações permitem o toque, alimentando o jogo
intersexual.
Em relação às diferenças percebidas nas escolas observadas, temos: na Escola 2,
considerada por nós um ambiente caótico, repleto de atos de incivilidade e em que o
professor não mediava os conflitos, os alunos utilizavam significativamente mais estratégias
carentes de reflexão, impulsivas, enquanto na Escola 1, as unilaterais. Concluímos, assim
como encontrado em outros estudos, a influência do desenvolvimento e do ambiente.
Verificamos uma modificação das estratégias em termos de autorregulação dos impulsos e
de compreensão das ideias e sentimentos alheios.
Já em relação às finalizações dos conflitos, observamos que os jovens, em
ambas as escolas, abandonavam suas desavenças, mudando de foco e descartando a
198
discordância, sem uma resolução, principalmente nos conflitos causados pela provocação e
pela reação ao comportamento perturbador, e naqueles que utilizam estratégias com maior
nível de coerção e imposição dos desejos. Entretanto, na Escola 1, por utilizarem mais
estratégias do tipo cooperativas, encontramos significativamente mais a satisfação bilateral
simples, o que comprova que o uso de estratégias mais evoluídas em termos de coordenação
e tomada de perspectiva podem levar, também, a finalizações mais evoluídas em termos de
consenso e satisfação dos envolvidos.
Os resultados encontrados nos mostram pequenas, mas importantes, diferenças
nas formas pelas quais os alunos resolvem seus conflitos, confirmando a influência do
ambiente. Contudo, destacamos que não observamos, em ambas as escolas, um espaço em
que os alunos possam resolver seus conflitos por meio do diálogo, em que tenham a
oportunidade de refletir sobre as consequências de seus atos e propor formas de reparar seus
erros. Ao longo dos meses na rotina da escola, observamos poucas intervenções docentes,
porém, quando percebidas, sempre foram realizadas com o intuito de encerrar a desavença,
impondo o pedido de desculpas. Chamou-nos atenção, em outros casos, a negligência de
alguns professores. Ao serem solicitados pelos alunos ou ao presenciarem o conflito entre
eles, notávamos que o educador não se mostrava preocupado com as relações entre pares,
simplesmente ignorando os acontecimentos e sentimentos dos envolvidos. Além disso, as
relações não eram embasadas pelo respeito mútuo. Diante disso, reforçamos a importância
de se estabelecer um ambiente mais cooperativo e que promova avanços nas competências
sociais.
Nosso estudo contribui para a compreensão da gênese dos conflitos entre as
crianças e adolescentes na escola, o que permite que os profissionais que trabalham com
esses grupos conheçam como esses conflitos são vividos, e possam fazer, assim,
intervenções mais adequadas, além de trabalhos de prevenção. Todavia, podemos apontar,
como limitação de nosso trabalho, o tamanho da amostra, mas não seria possível viabilizar a
coleta de dados, a partir do método escolhido por nós, com mais participantes.
Enfim, como mencionado, a escola precisa pensar em ações específicas para o
momento em que os conflitos acontecem, ou seja, qual “remédio” daremos a nossos alunos
a fim de que a aprendizagem seja oportunizada a eles? Mas é preciso ir além, o que pode ser
feito para antecipar essas situações e preparar nossos jovens para quando vivenciarem seus
199
problemas, que “vacina” aplicaremos? A partir de agora, embasados na literatura nacional e
internacional, discutiremos algumas propostas para os problemas de convivência mais
observados por nós, as incivilidades e, dentro destas, principalmente a provocação.
Foi visto que a incivilidade refere-se à ruptura do contrato social da boa
educação. Caracteriza-se por atentados cotidianos e recorrentes ao direito de cada um ser
respeitado ou por pequenas infrações à ordem estabelecida, como por exemplo: andar pela
sala, faltar com a pontualidade, conversar à margem do que se está tratando em classe,
entreter-se com objetos impróprios para a atividade e o momento, comportar-se de maneira
irritante, indelicadeza, colocar apelidos, demonstrar indiferença, interromper. Em resumo,
são ações que ferem, por conta da falta de polidez, o código de boas maneiras.
Um ambiente com muitas incivilidades leva à busca por intervenções pelos
professores, visando minimizar o problema. E nem sempre essas intervenções são eficazes,
atuando de forma a promover a reflexão sobre as consequências das incivilidades na
qualidade das relações e promovendo a tomada de consciência. Jorge (2007) considera que,
numa situação de brigas, ofensas e algazarras, o primeiro desejo do professor é tratar o
problema com gritos e ameaças, buscando valer-se de sua autoridade. Porém, os gritos e as
ameaças têm efeito imediato; basta o professor voltar a dar sua aula que tudo recomeça e, na
maioria das vezes, de forma mais intensa.
Antes de discutirmos propriamente as intervenções diretas nesse problema de
convivência, Alcazar (2003), Fernández (2005) e Moreno Olmedilla (1998) destacam alguns
elementos de gestão de aula que previnem a incivilidade. Para eles, a distribuição e a
ocupação dos espaços são extremamente importantes. Os autores sugerem que os
professores se posicionem em lugares diferentes, na frente, no fundo, nas laterais, em meio
ao grupo, com o objetivo de se aproximar dos alunos e, assim, poderem estar atentos às
necessidades de cada um. Para isso, a organização da sala não pode ser sempre a mesma. É
preciso haver momentos em que as carteiras estejam enfileiradas, para que os alunos
trabalhem individualmente, mas também em duplas ou trios, ou em U.
Essa proposta pode causar questionamentos por parte dos professores, como:
“Em grupo, ou mesmo duplas, os alunos conversam mais, brincam mais, brigam mais,
como essa ação pode prevenir a incivilidade?” De acordo com a perspectiva construtivista
piagetiana, o trabalho em grupo é uma prática que estimula os jovens a lidarem com os
200
diferentes pontos de vista, já que têm a oportunidade de trocar ideias e, assim, reconhecer
que as pessoas podem pensar diferentemente e conviver bem, e que argumentar e discutir
respeitosamente possibilita o acordo mútuo (MANTOVANI DE ASSIS; ASSIS, 1999a,
1999b). Essas propostas favorecem a cooperação entre os alunos. Lembrando que, para
Piaget (1965-1973), a cooperação é de suma importância para o desenvolvimento das
estruturas lógicas, das noções de justiça e do sentimento de solidariedade.
Conjuntamente, os autores apontam a dinâmica das atividades como preventiva
para os problemas de convivência. Ao organizar um trabalho, o professor deve ter claro
como o tempo será distribuído para a conclusão de cada atividade. Nós vamos além,
concordamos com Mantovani de Assis (2007), que enfatiza o papel fundamental do
professor, uma vez que cabe a ele a responsabilidade de criar situações mais adequadas e
que suscitem problemas ao jovem, ao invés de simplesmente transmitir o conhecimento.
Vivemos, atualmente, uma necessidade desenfreada de se ocupar o tempo, além disso, as
mudanças no sistema de recompensa dos adolescentes faz com que o antes era agradável,
não mais o seja, o que explica o tédio demonstrado por atividades repetitivas e sem
significado. O professor, então, deve se implicar nesse processo e estar atento aos
comportamentos de seus alunos, inclusive questionando-se: “Onde meu aluno perde o
interesse?”, “Essa atividade é desafiadora?”, ou seja, muitas vezes, a atividade pode ser
muito bem planejada, mas para aquela turma, não causa desequilíbrios, e, então, precisa ser
revista.
Os autores apontam que a linguagem do professor está diretamente relacionada
à disciplina da turma. O uso de uma linguagem adequada faz a diferença nas relações
estabelecidas na escola nos momentos de diálogo, de resolução de conflitos, de
comunicação com a família, entre outras. A linguagem descritiva descreve a situação,
apresentando os fatos como são, sem emitir julgamentos de caráter, de personalidade ou
capacidade, o que reduz a resistência e diminui o foco com defesas ou justificativas. Essa
forma de usar as palavras também está relacionada a um aspecto da linguagem muito
utilizado pelos professores: o elogio. Em geral, educadores acreditam que elogiar motiva e
melhora a autoestima dos jovens, mas isso não é verdade. Muitos professores relatam: “Foi
só elogiar, que tudo se perdeu...” Ao elogiar um aluno, é preciso criar um quadro realístico
acerca do comportamento exibido, deve-se relacionar com o esforço ou com o ato específico
201
da pessoa e não com suas características individuais ou traços de caráter. Numa perspectiva
construtivista piagetiana, considera-se mais adequado o uso de elogios descritivos, pois ao
descrever o que vê e o que sente, o adulto deixa a avaliação final para o sujeito, motivando o
agir bem e reforçando uma imagem realista e positiva de si mesmo (GINOTT, 1970, 1989).
O que permeia todas essas ações é a autoridade docente. O professor só é
significativo quando estabelece uma relação de respeito com o aluno, de modo a favorecer
que a moral do adolescente evolua (GALLEGO; BECKER, 2008). O respeito, para Piaget,
misto de admiração e temor, constitui o sentimento fundamental para a aquisição da moral.
O respeito mútuo, diferentemente do respeito unilateral, é o ponto de partida para a
cooperação. Um adolescente comporta-se de forma cooperativa por meio do incentivo do
professor e também por admirá-lo e temer decair aos olhos do docente.
É possível perceber, quase que em todas as escolas, que alguns professores
conseguem trabalhar bem suas aulas, não enfrentando tantos problemas de incivilidade.
Jorge (2007) pergunta para os alunos o que há de diferente com alguns professores em que
as aulas parecem mais tranquilas. As respostas eram deste tipo: “a professora é muito
exigente, cobra bastante da gente, mas ensina muito bem, nem dá vontade que a aula acabe
e é nossa amiga, fala com a gente e escuta o que falamos” (p.8). Foi visto que entre os
fatores que favorecem a aprendizagem e o bom desempenho dos alunos (tais como
condições de trabalho, tempo que os pais passam com os filhos, número de alunos por
classe, formação docente, etc), o bom relacionamento entre professor e aluno é um dos que
mais influência. Indicam também, que os professores mais eficientes são, em geral, os que
sabem acolher os estudantes (vendo-os como são e não como deveriam ser), que buscam
identificar e trabalhar interesses e sentimentos, demonstram confiança e acreditam que os
alunos podem progredir. Soma-se a isso, o domínio dos conteúdos da matéria, a maneira
como organiza o trabalho, os processos de avaliação e a forma como lida com regras e com
a indisciplina.
Em consonância, Garcia (2006) destaca esse cuidado como principal ferramenta
para prevenir as incivilidades. Para a autora, essa relação é um elemento chave para a
motivação da aprendizagem, uma vez que, estabelecendo uma relação de respeito,
aumentam-se as expectativas de aprendizagem e de confiança do aluno. Além disso, a ideia
que o professor faz dele influencia na relação que estabelece e no seu rendimento.
202
Fernández (2005) sintetiza afirmando que o docente deve ter ações consistentes,
não tomando atitudes por impulso ou generalizando situações, deve demonstrar coerência
em suas propostas, estabelecer uma relação de confiança, negociar por meio do diálogo para
chegar a acordos e ser justo com seus discentes.
Por fim, Alcazar (2003), Fernández (2005) e Moreno Olmedilla (1998) apontam
a elaboração das normas em conjunto com os alunos como preventivo. Entretanto,
destacamos que, antes de construir as regras de uma escola, é preciso estabelecer que
princípios norteadores das decisões e ações da escola serão o “espírito” dessas regras
(TOGNETTA; VINHA, 2007). Ademais, as regras devem ser construídas sim em parceria
com os alunos, mas, mais do que isso, a partir de uma necessidade. Ao vivenciarem um
problema, terão a oportunidade de discutir sobre ele e pensar em quais ações ou
comportamentos devem ter para melhorar a convivência na sala de aula. Essas ações
permitem que os jovens se impliquem e se sintam pertencentes a esse ambiente, respeitando
as normas, porque compreendem a necessidade de elas existirem, ou seja, para regular a
nossa convivência.
Todas essas ações, segundo Fernández (2005), só serão preventivas se forem
vistas por toda a equipe escolar como procedimentos necessários para uma boa convivência,
ou seja, se os profissionais que atuam com os alunos adotarem postura similar, pois ao não
fazerem, passarão mensagens diferentes sobre questões importantes tanto para a
convivência, quanto para o desenvolvimento dos alunos.
Nesse momento, vamos refletir sobre os remédios dados pela escola frente aos
problemas de convivência, ou seja, quais as ações da equipe pedagógica. Em sua pesquisa,
Costa (2011) identificou que, frente a esses comportamentos, os professores costumam
conversar com o aluno, enviá-lo à direção e chamar os pais.
A conversa com os alunos, em alguns casos, tem seu caráter educativo e baseia-
se no diálogo. Entretanto, o que se constata é que esse momento não tem como objetivo
ouvir o aluno, mas sim, dar “lição de moral”; usam, então, ameaças e sermões. De modo
geral, as intervenções da equipe pedagógica se dão em três sentidos: orientação, advertência
e suspensão. A orientação se parece com a feita pelos professores. A advertência é um
documento que funciona como um aviso, ou seja, é uma punição assinada pelo aluno e
responsáveis informando que aquele comportamento não será tolerado. Já as suspensões são
203
usadas quando os comportamentos são julgados como graves, e o aluno, assim, é impedido
de participar das aulas. Com relação aos pais, eles são acionados, e a escola solicita que eles
tomem providência, ou seja, tenham atitudes para que o filho melhore seu comportamento
na instituição.
Embora essas ações aconteçam, Latermann (2000; 2002) em sua pesquisa,
conta-nos que os alunos entrevistados afirmam que a escola não faz nada. Esse sentimento
de impunidade talvez se dê porque as ações descritas anteriormente são insuficientes para
modificar o sentimento de caos, elas não conseguem organizar o dia a dia da sala e trazer
segurança para seus protagonistas.
Não estamos defendendo que a conversa com o aluno, o apoio da gestão e da
família não sejam boas estratégias, estamos chamando atenção para a maneira como essas
ações acontecem. Além disso, mesmo sabendo que as incivilidades já fazem parte do
cotidiano da escola, e já é esperado que aconteçam e que surjam novas formas de se
manifestar, a escola atua com um repertório muito pequeno de respostas e, mais, como se os
comportamentos rotineiros fossem fatos isolados. Atuam assim nas consequências e de
forma pontual, não raro como “bombeiros”.
Visando contribuir para o debate, será apresentado a seguir, outras propostas de
intervenção.
Jorge (2007) considera que em situações de incivilidade o primeiro caminho é
mesmo o diálogo com o aluno, não no sentido de permissividade, mais sim como
oportunidade de estabelecer limites, negociar a melhor maneira de alcançar os objetivos
propostos, perceber-se como integrante de um grupo, em que cada um tem seus direitos e
deveres. Mas a autora vai além, ela afirma: “é imprescindível esse “olhar a mais” para os
alunos” (p. 7), conhece-los bem, para definir como se deve trabalhar com ele.
Ao conversar particularmente com o aluno, o professor deve ter como objetivo a
resolução do problema, de maneira a preservar o comprometimento do educador com seus
estudantes, assegurando sempre a integridade do aluno, não prejudicando a qualidade da
interação do estudante com o restante da classe, e preservando a qualidade do clima de sala
de aula.
Fernández (2005) afirma que é preciso tratar os problemas de convivência de
forma preventiva, mas também recuperativa, evitando punições, mas utilizando sanções de
204
forma consistente e dando atenção ao que de fato mereça. A proposta de intervenção
sugerida pela autora contempla cinco partes – conscientização, aproximação curricular,
atenção individualizada, participação e organização. A conscientização envolve a coleta
objetiva de dados, o registro de incidentes e a verificação de onde se faz necessária a
intervenção. Em seguida, a aproximação curricular, em que o “currículo oculto” estará
explícito como objetivo educativo. É necessário que todos os componentes da comunidade
escolar se envolvam na melhoria da convivência. A atenção individualizada considera que,
mesmo atuando de forma adequada, haverá um grupo de alunos, na classe, que precisará de
um atendimento individual e isso deve ser levado em consideração. Já a participação se
refere ao envolvimento da comunidade escolar, ou seja, a momentos em que estreitem a
convivência. Por fim, a organização dos aspectos anteriormente mencionados.
Torrego e Fernández (2009) e o Consejo Educativo de Castilla e León (2001)
propõem algumas propostas para controle e gerenciamento da interação em sala de aula, que
podem contribuir com as incivilidades, organizadas aqui em tópicos33:
1. Utilize gestos e olhares que indiquem que o comportamento está inadequado (olhar fixo
em quem está interrompendo; aproximar-se ou tocar aquele que está distraído, combinar
com a sala que quando o barulho estiver muito alto, ao invés de ficar pedindo a atenção,
o professor ficará com a mão direita levantada e, ao perceberem, deverão fazer o mesmo,
após, retomar a atividade.
2. Não dê atenção para o comportamento de pouca perturbação. Ignore, na medida do
possível, comportamentos pouco problemáticos, para não interromper continuamente o
ritmo da aula, muitas vezes é o que o aluno deseja.
3. Use do bom humor, não do sarcasmo. Ria com os alunos, entre na brincadeira, mas não o
exponha ou exceda o limite da intimidade.
4. Faça uso de uma linguagem breve e firme. Explique as consequências do comportamento
inadequado, dê escolhas aos jovens e, se necessário, aplique sanções por reciprocidade.
Por exemplo, em uma situação em que os alunos devem trabalhar individualmente, o
professor percebe que os meninos conversam e brincam, mas não cumprem o dever. O
professor deve se aproximar, descrever a atividade e o que espera deles, além disso, deve

33 Os tópicos não foram organizados por ordem de importância. Tradução livre.

205
enfatizar as consequências do não cumprimento das atividades para a aprendizagem. A
partir disso, permite a escolha dos alunos: “Vocês preferem continuar sentados juntos e
concluir a atividade, ou acham melhor mudar de lugar para conseguirem isso?” Os
alunos optam e, caso não consigam se controlar, são separados pelo professor.
5. Busque novas metodologias de trabalho: discussão em sala de aula, bateria de perguntas
organizadas pelos alunos, filmes, criação de blogs etc. E também utilize processos
formativos de avaliação que promovam a tomada de consciência e superação das
dificuldades individuais e na relação com o grupo.
Os autores também apresentam outras sugestões, como: mudar o aluno de lugar
(já descrito anteriormente); fazer contratos pedagógicos: conversar brevemente com o
jovem após a aula, expor as dificuldades sentidas pelo professor e ouvir as do(s) aluno(s),
pensar em propostas para que na próxima aula seja melhor, refletir, então, em necessidades
particulares a serem cumpridas. (TORREGO; FERNÁNDEZ, 2009).
Fazemos um parêntese aqui para falar da família. Concordamos com Mantovani
de Assis e Vinha (2005) ao afirmarem que não há sentido quando o professor solicita que a
família tome uma atitude para resolver um problema do qual não fez parte. Essa
transferência faz com que o docente perca autoridade e pontos no relacionamento.
Diferentemente de quando compartilha com ela responsabilidades e assume compromissos
mútuos. Se não trouxer prejuízos ao jovem, é importante que ele também participe da
reunião, dando sugestões e buscando alternativas mais adequadas para solucionar a situação.
Vale destacar que reuniões como essa precisam ser planejadas com cuidado, pensando em
algumas características dos envolvidos, e, ao longo da conversa, deve-se empregar uma
linguagem descritiva, evitando trocar acusações ou encontrar culpados, o objetivo é refletir
juntos como cada um pode contribuir para resolver ou pelo menos, minimizar, o problema.
Retomando as ações frente aos problemas de convivência, quando for preciso
chamar atenção dos alunos, o Consejo Educativo de Castilla e León (2001) propõe34:
1. Identificar o que motiva o comportamento inadequado. Muitos alunos querem atenção do
professor. É preciso que ele construa outra imagem de si, isto é, que ele pode conseguir a
atenção do professor ao agir bem, não quando é desrespeitoso com os colegas ou não

34 Os tópicos não foram organizados por ordem de importância. Tradução livre.

206
cumpre com a atividade. Para isso, é importante que o docente empregue uma linguagem
descritiva, utilizando elogios valorativos, dê atividades em que ele se saia bem e possa
ajudar os colegas.
2. Não disputar o poder com o aluno. Muitos jovens desafiam os professores, como
característica da própria idade, e o professor acaba discutindo na frente da sala, como se
fossem iguais. É necessário impor sua autoridade com assertividade. Fazer uso da
linguagem descritiva expondo os seus sentimentos e ouvindo os do aluno, ao mesmo
tempo em que o educador precisa ser firme e deixar claro que não fala assim com as
pessoas e não aceita que fale assim com ele. Terminar a resolução do conflito afirmando
que conversarão ao final da aula, sozinhos. As conversas particulares são muito mais
eficazes do que as chamadas de atenção em público.
3. Centrar-se no líder do grupo e conhecer os elementos disparadores dos comportamentos.
A partir disso, o docente poderá antecipar algumas situações e pensar em propostas mais
adequadas.
4. Pode ajudar, algumas vezes, solicitar a ajuda do grupo, por exemplo: “Não poderemos
começar até que todos estejam em seus lugares” Dessa forma, os colegas irão regular os
comportamentos pedindo que se coloquem em suas carteiras.
5. Não ser inflexível. Negociar o que for possível, ouvir as expectativas e desejos dos alunos
e buscar acordos mútuos.
6. Nunca se valer de castigos coletivos, isso gera uma sensação real de injustiça. Se
necessário, como já descrevemos, aplicar sanções por reciprocidade – relação natural ou
lógica com o ato a ser sancionado; recai na ruptura do elo social e coloca o infrator a par
da natureza e das consequências de sua violação das relações com as outras pessoas.
É importante lembrar que o professor está inserido nesse ambiente caótico e
pode, como todas as pessoas, sentir raiva, ficar irritado; a questão é o que ele faz com esses
sentimentos. Caso perceba que excedeu os limites, ele pode desculpar-se com a turma,
reconhecendo suas dificuldades e mostrando que as autoridades podem cometer erros, mas
que resolvem suas desavenças de forma respeitosa.
Em resumo, antes de atuar especificamente em uma desavença, faz-se
necessário refletir a respeito do ambiente em que todos os agentes (alunos, professores,
gestores, funcionários) estão inseridos. A escola precisa pensar no bem-estar, ou seja, ter
207
ações que possibilitem que todos que a constituem se sintam pertencentes a esse espaço. É
preciso investir tempo e recursos no planejamento das aulas, ser cauteloso com a linguagem
utilizada, criar espaços de diálogo, construir coletivamente as regras de convivência e
promover relações de confiança e respeito mútuo entre alunos e professores, como já
descrito. Julgamos que essas propostas cabem também para pensarmos nas causas mais
frequentes de conflitos entre os adolescentes: a provocação.
A provocação é uma forma de interação social que tem presente sempre dois
componentes: hostilidade e humor, ou seja, combina a intenção de hostilizar, com o humor
ou a brincadeira, o que atribui a esse tipo de interação (entre provocador e provocado) um
caráter de ambiguidade. Geralmente, essa característica faz com que a vítima não saiba bem
como reagir. As pesquisas nos mostram que a orientação dada pelo professor é ignorar, o
famoso: “Não liga!”. Mostrar-se imperturbável ou não afetado pelos comentários
provocativos são sim respostas mais adaptativas, porém acabam não sendo muito úteis pela
dificuldade em colocá-las em prática, assim, os alunos acabam revidando, usando, muitas
vezes, um humor agressivo (chacota, sarcasmo ou ridicularização) o que faz com que o
provocador perceba que desestabilizou o par, e aumente os comportamentos.
Frente a essa dificuldade, criar um momento específico em que os adolescentes
discutam sobre a provocação pode favorecer a compreensão do assunto. Sem expor
provocadores ou provocados, o objetivo da proposta é que os alunos, primeiramente,
conheçam as características da provocação e, depois, discutam maneiras mais assertivas
frente a esses comportamentos. Essa atividade pode se dar por meio de histórias da
literatura, trechos de filmes, role playing (prática de dramatização), debates sobre situações
comuns de provocação. Por exemplo, o professor apresenta um conflito hipotético
envolvendo provocação, sem solução, isto é, relata a situação, mas não diz como os
envolvidos responderam. A partir disso, os alunos discutem os sentimentos dos personagens
(ao falar dos sentimentos dos personagens há um distanciamento dos participantes da tarefa,
o que permite melhor reflexão, uma vez que não há envolvimento emocional), em seguida
propõem alternativas de enfrentamento, para isso, podem fazer uma dramatização em que
encenem as diferentes respostas e refletem sobre as consequências delas e, assim, têm a
oportunidade de conhecer alternativas mais assertivas frente ao problema e, além disso,
trabalham com a antecipação cognitiva para desacordos semelhantes que podem vivenciar.
208
Outra proposta é trabalhar diretamente com os envolvidos em uma provocação,
alvo e autor. Ao pensar no trabalho com o alvo, faz-se necessário mostrar-se sensível a sua
angústia e seu constrangimento, acolher os sentimentos e compreender suas dificuldades de
enfretamento das situações. Já que não se mostrar suficientemente sensibilizado com o
sofrimento do aluno pode levar à perda da confiança e, como consequência, o
desencorajamento do relato de episódios futuros. Outra ação é apontar claramente as
consequências de suas reações, comprovando o quanto incentivam ainda mais o provocador.
Sendo assim, o educador deve trabalhar reações específicas com o provocado para que deixe
de ser passivo nessa relação, como: não chorar; não mostrar raiva; sempre olhar nos olhos
do provocador; não discutir; não fugir ou evitar o provocador; concordar com ele, mas
mostrando-se não atingido (“Você está certo, eu estou mesmo com mais curvas. É muita
gostosura.”), não ser irônico e mostrar confiança e indiferença (“E daí? Quem liga pra isso?
Eu que não”) e, principalmente, incentivar o humor. O humor é a resposta mais adaptativa,
porque reduz a tensão, dissolve a provocação, diminui a possibilidade de ser alvo e contribui
para a aceitação entre os pares. Contar piadas ou participar de brincadeiras espirituosas
espontâneas diminui a tensão interpessoal. Não falamos então de qualquer humor, mas sim
de um humor não hostil e tolerante, o que produz uma sensação de bem estar consigo
mesmo, maior do que qualquer outro tipo de resposta oferecida. Vale ressaltar, ainda, que é
muito importante o professor verificar se a vítima da provocação apresenta alguns
comportamentos ou atributos modificáveis, que acabam por perturbar ou repelir os outros,
ou se faltam algumas habilidades sociais. Se for o caso, deve-se trabalhar em parceria com a
família e o provocado para encontrar caminhos para algumas mudanças de comportamento.
No que concerne ao autor, valer-se do diálogo também é uma boa ferramenta.
Entretanto, o foco é outro. Sabemos que, na adolescência, a influência dos amigos atinge
seu ápice. Os jovens sofrem pressões sociais para se inserirem em um grupo, e se tornar
popular é algo imprescindível. Para isso, muitos deles denigrem a imagem alheia
(PAPALIA et al., 2009; COLEMAN, 2011). É preciso, então, sensibilizar o provocador, ou
seja, leva-lo a refletir sobre as consequências de sua ação ao outro e a ele mesmo.
Empregando uma linguagem descritiva, devemos compreender os seus sentimentos: “Sei
que é engraçado e prazeroso, ainda mais quando os colegas riem do que fazemos... mas o
seu direito de se divertir é maior do que o do outro?” Reconhecer que ser notado pelos
209
pares é importante, mas é preciso trazer um sentimento que só é possível na convivência
entre pares, a simpatia. Discutir sobre o que o provocado pensa e sente permite que ele se
sensibilize e se coloque no lugar do outro. Ademais, propor outra discussão: “É assim que
você quer ser ver? É assim que você quer que as pessoas o vejam?” Oportunizar a tomada
de consciência, a reflexão da autoimagem e de uma indagação que é ética: que vida eu
quero viver? Que eu pessoa eu desejo ser?, necessária para construção da personalidade.
Então, convidá-lo para tentar diminuir esses episódios. A ideia é ajudar o provocador a ir
percebendo o efeito de sua atitude no ambiente.
Evidenciamos nessas propostas o importante papel do professor no trabalho com
a provocação, uma vez que é ele o responsável pela aceitação, e segurança psicológica e de
respeito da classe. Seu comportamento frente à provocação é importante para o
desenvolvimento de habilidades sociais e interfere na forma como os alunos enxergam a si
mesmos e são enxergados pelos outros.
Para terminarmos, faltou falarmos do importante papel da gestão para a melhora
dos problemas de convivência. Estudos desenvolvidos por vários pesquisadores
(FERNÁNDEZ, 2005; DEBARBIEUX; BLAYA, 2002) discutem orientações à equipe
gestora para que possam propor mudanças no clima de suas escolas. O papel desses agentes
é oportunizar espaços para que os professores possam refletir sobre suas práticas, tornando-
as mais coesas. Além disso, viabilizar caminhos de aproximação da comunidade à escola.
Atuando assim, poderá prevenir ou diminuir os episódios de vitimização entre os alunos.
As questões de convivência não se tornam melhores apenas na atuação pontual
das ocorrências, mas sim no envolvimento da comunidade escolar e por meio de propostas
que previnam a sua ocorrência, tornando a escola um local que “não combina” com ações
desrespeitosas. É preciso que a escola utilize um leque de estratégias para que os alunos
entendam a convivência como valor. Falemos brevemente das “vacinas”.
Como vacina entendemos ações planejadas e sistematizadas inseridas na grade
curricular, isto é, um momento específico destinado a procedimentos de educação moral.
Essas propostas têm objetivos pré-estabelecidos e valores que visam ser expressos durante a
realização desses momentos específicos (PUIG, 2004; VIVALDI, 2013).
Destacamos agora alguns procedimentos que atuam como “vacina”, ou seja,
atuam como prevenção, favorecendo as relações e o clima escolar: resolução de conflitos,
210
assembleia escolar, círculos restaurativos, discussão de dilemas, conflitos interpessoais
hipotéticos e exercícios de role-playing são ações que centram sua atenção no processo de
debate dos diferentes pontos de vista. O aluno vivencia situações em que pensa sobre
desacordos interpessoais de sua faixa etária, compreende melhor os problemas, reconhece
sua própria interpretação sobre cada situação, como seriam suas reações e as consequências
dessas ações. Há também práticas que convidam o sujeito a olhar para si. Falar de si, de
suas próprias experiências, permite que a criança ou jovem se conheça e, ao se conhecer,
tenha a oportunidade de dominar as suas ações e, assim, de se respeitar. E só é possível
respeitar o outro se, em primeiro lugar, o sujeito se respeita (TOGNETTA, 2004). Trata-se,
então, de um trabalho com afetividade na escola, o que favorece a “construção do
autocontrole, do autoconhecimento e da autoestima. [...] Dessa forma, tratar da afetividade é
falar de sentimentos e emoções.” (TOGNETTA, 2007, p. 128). São exemplos: os jogos para
expressão dos sentimentos, a autoavaliação, a autobiografia, as entrevistas pessoais e as
narrativas morais.
Nosso objetivo foi aprofundar intervenções frente aos problemas de
convivência, destacando as intervenções diretas. Consideramos que seriam interessantes
novos estudos que visem ao desenvolvimento de intervenções específicas frente à
incivilidade e às causas mais frequentes de conflitos: provocação e reação ao
comportamento perturbador. Além disso, pesquisas de cunho qualitativo que avaliem as
causas, as estratégias e as finalizações dos conflitos na escola nas diferentes faixas etárias
também se fazem importantes.
A presente investigação está inserida em um estudo maior sobre conflitos
interpessoais, buscando favorecer o entendimento acerca das características dos conflitos,
entre sujeitos de diferentes idades. Nossos estudos contribuem para a compreensão das
causas, das estratégias e das finalizações utilizadas por crianças e adolescentes na escola,
diante de situações de conflito, o que possibilita aos profissionais melhor compreensão
sobre como esses conflitos são vividos, e possam, assim, intervir de maneiras eficazes e
coerentes com as necessidades desses grupos, uma vez que, algumas intervenções podem
ser semelhantes, porém, outras, devem estar relacionadas à faixa etária dos sujeitos
envolvidos. Ademais, o aprofundamento no tema favorece o trabalho de prevenção dos

211
problemas de convivência, trazendo benefícios para o desenvolvimento do sujeito e para o
grupo, como um todo.
Ressaltamos a necessidade de formação dos educadores nessa temática, visto
que a atuação do professor é significativa para o bem-estar de cada um dos seus alunos.
Terminamos nossas considerações reafirmando que toda criança e todo jovem
brasileiro deve ter garantido o seu direito à educação plena. Esse é, segundo Piaget, “nem
mais nem menos, o direito que tem o indivíduo de se desenvolver normalmente em função
das possibilidades de que se dispõe, e a obrigação, para a sociedade, de transformar essas
possibilidades em realizações efetivas e úteis” (1973, p.55).

212
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VINHA, T. P.; TOGNETTA, L. R. P. A comunicação entre escolas e família por meio dos
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228
______. Construindo a autonomia moral na escola: os conflitos interpessoais e a
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VIVALDI, F.M.C. Pesquisas Empíricas Sobre Práticas Morais nas Escolas Brasileiras: O
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VUCHINICH, S. The sequencial organization of closing in verbal family. In: Grimshaw, A.


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WAISELFISZ, J. J. Mapa da Violência: Mortes Matadas por Arma de Fogo. Secretaria-


Geral da Presidência da República. Brasília, 2015.

229
230
ANEXO A - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA DA
UNICAMP

231
232
233
234
ANEXO B – RELATÓRIO ESTATÍSTICO

De: Helymar C. Machado – Estatístico – CONRE – SP 7696.

Para: Dra Telma Pileggi Vinha – FE/Unicamp.

Data: 11 de setembro de 2014.

Causas, estratégias e finalizações de conflitos entre crianças e adolescentes

Objetivos:

1. Descrever os conflitos no grupo de participantes de 13 e 14 anos (n=93 conflitos) com


relação a causas, estratégias e finalizações.
2. Analisar a relação entre causas, estratégias e finalizações neste grupo etário.
3. Comparar as causas, estratégias e conflitos entre os gêneros.
4. Comparar as causas, estratégias e conflitos entre as escolas.

Metodologia Estatística:

Para descrever o perfil da amostra segundo as variáveis em estudo foram feitas tabelas de
frequência das variáveis categóricas (sexo, idade, causas, estratégias e finalizações dos
conflitos, escolas), com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%).
Para analisar a relação entre causas, estratégias e finalizações em cada grupo etário foram
utilizados o teste qui-quadrado de Pearson, e o teste exato de Fisher, na presença de valores
esperados menores que 5. Estes testes também foram usados na comparação com gênero e
com escola.
O nível de significância adotado para os testes estatísticos será de 5%, ou seja, P<0.05.

235
Resultados:

Análise Descritiva Geral/Idade 13 e 14 Anos

 A tabela 1, a seguir, apresenta as tabelas de frequência das variáveis para caracterização da


amostra de 13 a 14 anos (n=93).

Tabela 1. Análise descritiva das variáveis categóricas para idade 13 a 14 anos.

SEXO S1H Frequency Percent SUJEITO 4


----------------------------
Sexo Frequency Percent UN 60 64.52
--------------------------------- FI 15 16.13 S4 Frequency Percent
INTERSEX 53 56.99 NE 11 11.83 ---------------------------
FEMININO 25 26.88 CO 7 7.53 NE 92 98.92
MASCULIN 15 16.13 UN 1 1.08

SUJEITO 2
CAUSAS SUJEITO 5

Causa Frequency Percent S2A Frequency Percent


------------------------------ ---------------------------- S5 Frequency Percent
PR 54 58.06 NE 93 100.00 ---------------------------
RD 23 24.73 NE 93 100.00
DP 4 4.30 S2B Frequency Percent
AV 2 2.15 ----------------------------
DL 2 2.15 NE 91 97.85 NÚMERO DE CONFLITOS COM ESTRATÉGIA DO TIPO FI
DS 2 2.15 UN 2 2.15 Estrat_FI Frequency Percent
IN 2 2.15 ----------------------------------
EX 1 1.08 S2C Frequency Percent NÃO 55 59.14
ME 1 1.08 ---------------------------- SIM 38 40.86
NE 1 1.08 NE 85 91.40
VR 1 1.08 UN 5 5.38
FI 3 3.23 NÚMERO DE CONFLITOS COM ESTRATÉGIA DO TIPO UN
Estrat_UN Frequency Percent
ESTRATÉGIAS S2D Frequency Percent ----------------------------------
---------------------------- NÃO 14 15.05
NE 70 75.27 SIM 79 84.95
SUJEITO 1 UN 17 18.28
FI 4 4.30
CO 2 2.15 NÚMERO DE CONFLITOS COM ESTRATÉGIA DO TIPO CO
S1A Frequency Percent Estrat_CO Frequency Percent
---------------------------- S2E Frequency Percent ----------------------------------
NE 93 100.00 ---------------------------- NÃO 80 86.02
UN 53 56.99 SIM 13 13.98
S1B Frequency Percent FI 20 21.51
---------------------------- NE 16 17.20
NE 93 100.00 CO 4 4.30 NÚMERO DE CONFLITOS COM ESTRATÉGIA DO TIPO NI
Estrat_NI Frequency Percent
S1C Frequency Percent ----------------------------------
---------------------------- SUJEITO 3 NÃO 93 100.00
NE 93 100.00

S1D Frequency Percent S3A Frequency Percent FINALIZAÇÕES


---------------------------- ----------------------------
NE 93 100.00 NE 92 98.92
UN 1 1.08 Finalizacao Frequency Percent
S1E Frequency Percent ------------------------------------
---------------------------- S3B Frequency Percent AB 54 58.06
NE 92 98.92 ---------------------------- SBS 15 16.13
UN 1 1.08 NE 92 98.92 SU 11 11.83
UN 1 1.08 NE 6 6.45
S1F Frequency Percent IB 4 4.30
---------------------------- S3C Frequency Percent SBC 3 3.23
NE 88 94.62 ----------------------------
UN 5 5.38 NE 80 86.02
UN 9 9.68 ESCOLA
S1G Frequency Percent FI 2 2.15
---------------------------- CO 1 1.08 Escola Frequency Percent
NE 61 65.59 PR 1 1.08 -------------------------------
UN 22 23.66 1 31 33.33
FI 9 9.68 2 62 66.67
CO 1 1.08

236
Análise Comparativa entre Escolas

 A tabela 2, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as 2 escolas.

Tabela 2. Comparação das variáveis categóricas entre as escolas.

Sexo Escola Causa Escola Estrat_UN Escola


Frequency, Frequency, Frequency,
Col Pct , 1, 2, Total Col Pct , 1, 2, Total Col Pct , 1, 2, Total
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
MASCULIN , 7 , 8 , 15 AV , 0 , 2 , 2 NÃO , 3 , 11 , 14
, 22.58 , 12.90 , , 0.00 , 3.23 , , 9.68 , 17.74 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
FEMININO , 7 , 18 , 25 DL , 1 , 1 , 2 SIM , 28 , 51 , 79
, 22.58 , 29.03 , , 3.23 , 1.61 , , 90.32 , 82.26 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
INTERSEX , 17 , 36 , 53 DP , 2 , 2 , 4 Total 31 62 93
, 54.84 , 58.06 , , 6.45 , 3.23 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.372
Total 31 62 93 EX , 1 , 0 , 1
, 3.23 , 0.00 ,
TESTE QUI-QUADRADO: X2=1.56; GL=2; P=0.459 ---------+--------+--------+ Finalizacao Escola
PR , 14 , 40 , 54 Frequency,
, 45.16 , 64.52 , Col Pct , 1, 2, Total
Estrat_FI Escola ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
Frequency, RC , 10 , 13 , 23 AB , 16 , 38 , 54
Col Pct , 1, 2, Total , 32.26 , 20.97 , , 51.61 , 61.29 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
NÃO , 23 , 32 , 55 OUTRAS , 3 , 4 , 7 IB , 3 , 1 , 4
, 74.19 , 51.61 , , 9.68 , 6.45 , , 9.68 , 1.61 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
SIM , 8 , 30 , 38 Total 31 62 93 NE , 2 , 4 , 6
, 25.81 , 48.39 , , 6.45 , 6.45 ,
---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.307 ---------+--------+--------+
Total 31 62 93 SBC , 2 , 1 , 3
, 6.45 , 1.61 ,
TESTE QUI-QUADRADO: X2=4.36; GL=1; P=0.037 ---------+--------+--------+
SBS , 7 , 8 , 15
, 22.58 , 12.90 ,
Estrat_CO Escola ---------+--------+--------+
Frequency, SU , 1 , 10 , 11
Col Pct , 1, 2, Total , 3.23 , 16.13 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
NÃO , 25 , 55 , 80 Total 31 62 93
, 80.65 , 88.71 ,
---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.084
SIM , 6 , 7 , 13
, 19.35 , 11.29 ,
---------+--------+--------+
Total 31 62 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.347

 Pelos resultados, houve diferença significativa entre os grupos para: estratégias do tipo físicas
e impulsivas (maior frequência na escola 2).

Análise Comparativa entre Gêneros

 A tabela 3, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre os gêneros envolvidos no


conflito.

237
Tabela 3. Comparação das variáveis categóricas entre gêneros.
Sexo Escola Causa Escola Estrat_UN Escola
Frequency, Frequency, Frequency,
Col Pct , 1, 2, Total Col Pct , 1, 2, Total Col Pct , 1, 2, Total
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
MASCULIN , 7 , 8 , 15 AV , 0 , 2 , 2 NÃO , 3 , 11 , 14
, 22.58 , 12.90 , , 0.00 , 3.23 , , 9.68 , 17.74 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
FEMININO , 7 , 18 , 25 DL , 1 , 1 , 2 SIM , 28 , 51 , 79
, 22.58 , 29.03 , , 3.23 , 1.61 , , 90.32 , 82.26 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
INTERSEX , 17 , 36 , 53 DP , 2 , 2 , 4 Total 31 62 93
, 54.84 , 58.06 , , 6.45 , 3.23 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.372
Total 31 62 93 EX , 1 , 0 , 1
, 3.23 , 0.00 ,
TESTE QUI-QUADRADO: X2=1.56; GL=2; P=0.459 ---------+--------+--------+ Finalizacao Escola
PR , 14 , 40 , 54 Frequency,
, 45.16 , 64.52 , Col Pct , 1, 2, Total
Estrat_FI Escola ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
Frequency, RC , 10 , 13 , 23 AB , 16 , 38 , 54
Col Pct , 1, 2, Total , 32.26 , 20.97 , , 51.61 , 61.29 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
NÃO , 23 , 32 , 55 OUTRAS , 3 , 4 , 7 IB , 3 , 1 , 4
, 74.19 , 51.61 , , 9.68 , 6.45 , , 9.68 , 1.61 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
SIM , 8 , 30 , 38 Total 31 62 93 NE , 2 , 4 , 6
, 25.81 , 48.39 , , 6.45 , 6.45 ,
---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.307 ---------+--------+--------+
Total 31 62 93 SBC , 2 , 1 , 3
, 6.45 , 1.61 ,
TESTE QUI-QUADRADO: X2=4.36; GL=1; P=0.037 ---------+--------+--------+
SBS , 7 , 8 , 15
, 22.58 , 12.90 ,
Estrat_CO Escola ---------+--------+--------+
Frequency, SU , 1 , 10 , 11
Col Pct , 1, 2, Total , 3.23 , 16.13 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
NÃO , 25 , 55 , 80 Total 31 62 93
, 80.65 , 88.71 ,
---------+--------+--------+ TESTE EXATO DE FISHER: P=0.084
SIM , 6 , 7 , 13
, 19.35 , 11.29 ,
---------+--------+--------+
Total 31 62 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.347

 Pelos resultados, houve diferença significativa entre os grupos para: estratégias do tipo físicas
e impulsivas (maior frequência no sexo masculino e intersexuais).

Análise Comparativa entre Causas

 A tabela 4, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as causas dos conflitos.

Tabela 4. Comparação das variáveis categóricas entre causas.

Estrat_FI Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NÃO , 1 , 2 , 4 , 5 , 1 , 31 , 11 , 55
, 50.00 , 100.00 , 100.00 , 71.43 , 100.00 , 57.41 , 47.83 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SIM , 1 , 0 , 0 , 2 , 0 , 23 , 12 , 38
, 50.00 , 0.00 , 0.00 , 28.57 , 0.00 , 42.59 , 52.17 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.387

238
Tabela 4 (cont). Comparação das variáveis categóricas entre causas.

Estrat_CO Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NÃO , 2 , 2 , 3 , 5 , 1 , 49 , 18 , 80
, 100.00 , 100.00 , 75.00 , 71.43 , 100.00 , 90.74 , 78.26 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SIM , 0 , 0 , 1 , 2 , 0 , 5 , 5 , 13
, 0.00 , 0.00 , 25.00 , 28.57 , 0.00 , 9.26 , 21.74 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.393

Estrat_UN Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NÃO , 1 , 0 , 0 , 0 , 0 , 10 , 3 , 14
, 50.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 18.52 , 13.04 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SIM , 1 , 2 , 4 , 7 , 1 , 44 , 20 , 79
, 50.00 , 100.00 , 100.00 , 100.00 , 100.00 , 81.48 , 86.96 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.627

Finalizacao Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
AB , 2 , 0 , 1 , 1 , 1 , 35 , 14 , 54
, 100.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 100.00 , 64.81 , 60.87 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
IB , 0 , 1 , 1 , 2 , 0 , 0 , 0 , 4
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 28.57 , 0.00 , 0.00 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
NE , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 4 , 2 , 6
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBC , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 3 , 0 , 3
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 5.56 , 0.00 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SBS , 0 , 0 , 1 , 1 , 0 , 8 , 5 , 15
, 0.00 , 0.00 , 25.00 , 14.29 , 0.00 , 14.81 , 21.74 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
SU , 0 , 1 , 1 , 3 , 0 , 4 , 2 , 11
, 0.00 , 50.00 , 25.00 , 42.86 , 0.00 , 7.41 , 8.70 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 2 2 4 7 1 54 23 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.014

 Pelos resultados, houve diferença significativa entre os grupos para: finalização (maior
frequência de abandono na causa agressão verbal; de insatisfação bilateral e satisfação
unilateral na causa delação; de abandono, insatisfação bilateral, satisfação bilateral simples e
satisfação unilateral na causa disputa por poder; de satisfação unilateral e insatisfação bilateral
na causa outras; de abandono na causa exclusão; de abandono na causa provocação; e de
abandono e satisfação bilateral simples na causa reação de desagrado).

239
Análise Comparativa entre Estratégias

 A tabela 5, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as estratégias usadas nos
conflitos.

Tabela 5. Comparação das variáveis categóricas entre estratégias.

Finalizacao Estrat_FI Finalizacao Estrat_CO Finalizacao Estrat_UN


Frequency, Frequency, Frequency,
Col Pct ,NÃO ,SIM , Total Col Pct ,NÃO ,SIM , Total Col Pct ,NÃO ,SIM , Total
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
AB , 30 , 24 , 54 AB , 52 , 2 , 54 AB , 7 , 47 , 54
, 54.55 , 63.16 , , 65.00 , 15.38 , , 50.00 , 59.49 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
IB , 4 , 0 , 4 IB , 4 , 0 , 4 IB , 0 , 4 , 4
, 7.27 , 0.00 , , 5.00 , 0.00 , , 0.00 , 5.06 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
NE , 2 , 4 , 6 NE , 6 , 0 , 6 NE , 3 , 3 , 6
, 3.64 , 10.53 , , 7.50 , 0.00 , , 21.43 , 3.80 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
SBC , 3 , 0 , 3 SBC , 1 , 2 , 3 SBC , 0 , 3 , 3
, 5.45 , 0.00 , , 1.25 , 15.38 , , 0.00 , 3.80 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
SBS , 10 , 5 , 15 SBS , 7 , 8 , 15 SBS , 3 , 12 , 15
, 18.18 , 13.16 , , 8.75 , 61.54 , , 21.43 , 15.19 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
SU , 6 , 5 , 11 SU , 10 , 1 , 11 SU , 1 , 10 , 11
, 10.91 , 13.16 , , 12.50 , 7.69 , , 7.14 , 12.66 ,
---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+ ---------+--------+--------+
Total 55 38 93 Total 80 13 93 Total 14 79 93

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.252 TESTE EXATO DE FISHER: P<0.001 TESTE EXATO DE FISHER: P=0.268

 Pelos resultados, houve diferença significativa entre os grupos para: finalização (maior
frequência de abandono, satisfação unilateral e NE nos que não usam estratégias do tipo CO; e
de satisfação bilateral simples, abandono e satisfação bilateral com compromisso nos que
usam estratégias do tipo CO).

Gráficos de Alguns dos Resultados Significativos (Exemplos)

100 90
90 80
80 70
70
Estratégias FI (%)

Estratégias FI (%)

60
60
50
50
Não 40 Não
40
Sim 30 Sim
30
20 20
10 10
0 0
1 2 Mascul Femin Intersex
Escola Gênero

240
70

60

Finalizações (%) 50
AB
40 IB

30 NE
SBC
20
SBS
10
SU
0
Não CO CO
Estratégias do tipo CO

Bibliografia:

 Conover, W. J. (1999), Practical Nonparametric Statistics. New York: John Wiley & Sons,
3rd ed.
 Fleiss, J. L. (1981), Statistical Methods for Rates and Proportions. New York: John Wiley
& Sons, 2nd ed.
 Siegel, S. & Castellan Jr., N. J. (2006), Estatística Não-Paramétrica para Ciências do
Comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2ª edição.

Programa Computacional:

Para análise estatística foi utilizado o seguinte programa computacional:

 The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 9.2.
SAS Institute Inc, 2002-2008, Cary, NC, USA.

241
De: Helymar C. Machado – Estatístico – CONRE – SP 7696.

Para: Dra Telma Pileggi Vinha – FE/Unicamp.

Data: 19 de setembro de 2014.

Causas, estratégias e finalizações de conflitos entre crianças e adolescentes.

Resultados (continuação – parte 3b):

Análise Descritiva Geral/Idade 13 a 14 Anos – Revisada

 A tabela 6, a seguir, apresenta as tabelas de frequência das variáveis revisadas para


caracterização da amostra de 13 a 14 anos.

Tabela 6. Análise descritiva das variáveis categóricas para idade 13 a 14 anos.

ESTRATÉGIAS FINALIZAÇÕES ESCOLA

Estrateg Frequency Percent Finalizacao Frequency Percent Escola Frequency Percent


--------------------------------- ------------------------------------ -------------------------------
UN 177 72.20 AB 54 62.00 1 31 33.33
FI 53 21.60 SBS 15 17.20 2 62 66.67 -> P=0.001
CO 15 6.10 SU 11 12.60
IB 4 4.60 (TESTE DE IGUALDADE DE PROPORÇÃO)
SBC 3 3.40

Análise Comparativa entre Escolas – Revisada

 A tabela 7, a seguir, apresenta as comparações das variáveis revisadas entre as 2 escolas.

242
Tabela 7. Comparação das variáveis categóricas entre as escolas.

Estrateg Escola
Frequency,
Col Pct , 1, 2, Total
---------+--------+--------+
CO , 7 , 8 , 15
, 7.9 , 5.13 ,
---------+--------+--------+
FI , 10 , 43 , 53
, 11.2 , 27.56 ,
---------+--------+--------+
UN , 72 , 105 , 177
, 80.9 , 67.31 ,
---------+--------+--------+
Total 89 156 246

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.006

Análise Comparativa entre Gêneros – Revisada

 A tabela 8, a seguir, apresenta as comparações das variáveis revisadas entre os gêneros


envolvidos no conflito.

Tabela 8. Comparação das variáveis categóricas entre gêneros.

Estrateg Sexo
Frequency,
Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, Total
---------+--------+--------+--------+
CO , 1 , 8 , 6 , 15
, 2.70 , 11.59 , 4.29 ,
---------+--------+--------+--------+
FI , 8 , 6 , 39 , 53
, 21.62 , 8.70 , 27.86 ,
---------+--------+--------+--------+
PR , 0 , 0 , 1 , 1
, 0.00 , 0.00 , 0.71 ,
---------+--------+--------+--------+
UN , 28 , 55 , 94 , 177
, 75.68 , 79.71 , 67.14 ,
---------+--------+--------+--------+
Total 37 69 140 246

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.009

Análise Comparativa entre Causas – Revisada

 A tabela 9, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as causas dos conflitos.

243
Tabela 9. Comparação das variáveis categóricas entre causas.

Estrateg Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RD , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
CO , 0 , 0 , 1 , 3 , 0 , 5 , 6 , 15
, 0.00 , 0.00 , 10.00 , 13.04 , 0.00 , 3.79 , 9.52 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
FI , 2 , 0 , 0 , 2 , 0 , 34 , 15 , 53
, 25.00 , 0.00 , 0.00 , 8.70 , 0.00 , 25.76 , 23.81 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
PR , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 0 , 1 , 1
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 0.00 , 1.59 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
UN , 6 , 5 , 9 , 18 , 5 , 93 , 41 , 177
, 75.00 , 100.00 , 90.00 , 78.26 , 100.00 , 70.45 , 65.08 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 8 5 10 23 5 132 63 246

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.240

Análise Comparativa entre Estratégias – Revisada

 A tabela 10, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as estratégias usadas nos
conflitos.

Tabela 10. Comparação das variáveis categóricas entre estratégias.

Finalizacao Estrateg
Frequency,
Col Pct ,CO ,FI , ,UN , Total
---------+--------+--------+--------+--------+
AB , 2 , 30 , 0 , 104 , 136
, 13.33 , 56.60 , 0.00 , 58.76 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
IB , 0 , 0 , 0 , 15 , 15
, 0.00 , 0.00 , 0.00 , 8.47 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
NE , 0 , 7 , 0 , 11 , 18
, 0.00 , 13.21 , 0.00 , 6.21 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SBC , 2 , 0 , 0 , 6 , 8
, 13.33 , 0.00 , 0.00 , 3.39 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SBS , 10 , 8 , 1 , 25 , 44
, 66.67 , 15.09 , 100.00 , 14.12 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
SU , 1 , 8 , 0 , 16 , 25
, 6.67 , 15.09 , 0.00 , 9.04 ,
---------+--------+--------+--------+--------+
Total 15 53 1 177 246

TESTE EXATO DE FISHER: P<0.001

244
De: Helymar C. Machado – Estatístico – CONRE – SP 7696.

Para: Dra Telma Pileggi Vinha – FE/Unicamp.

Data: 20 de abril de 2015.

Causas, estratégias e finalizações de conflitos entre crianças e adolescentes.

Resultados (continuação – parte 3d):

Análise Descritiva Geral/Idade 13 a 14 Anos (revisada)

 A tabela 1d, a seguir, apresenta as tabelas de frequência das variáveis para caracterização da
amostra de 13 a 14 anos (n=93).

Tabela 1d. Análise descritiva das variáveis categóricas para idade 13 a 14 anos.

CAUSAS TESTE QUI-QUADRADO PARA IGUALDADE DE PROPORÇÕES

Causa Frequency Percent IC 95% PROPORÇÃO X2=318.73; GL=10; P<0.001


------------------------------ -----------------
PR 54 58.06 (48.04; 68.09)
RC 23 24.73 (15.96; 33.50)
DP 4 4.30 ( 0.18; 8.42)
AV 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
DL 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
DS 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
IN 2 2.15 ( 0.00; 5.10)
EX 1 1.08 ( 0.00; 3.17)
ME 1 1.08 ( 0.00; 3.17)
NE 1 1.08 ( 0.00; 3.17)
VR 1 1.08 ( 0.00; 3.17)

Análise Comparativa entre Escolas (revisada)

 A tabela 2d, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as 2 escolas.

245
Tabela 2d. Comparação das variáveis categóricas entre as escolas.

Causa Escola (cont.)


Frequency, Causa Escola
Col Pct , 1, 2, Total Frequency,
---------+--------+--------+ Col Pct , 1, 2, Total
AV , 0 , 2 , 2 ---------+--------+--------+
, 0.00 , 3.23 , PR , 14 , 40 , 54
---------+--------+--------+ , 45.16 , 64.52 ,
DL , 1 , 1 , 2 ---------+--------+--------+
, 3.23 , 1.61 , RC , 10 , 13 , 23
---------+--------+--------+ , 32.26 , 20.97 ,
DP , 2 , 2 , 4 ---------+--------+--------+
, 6.45 , 3.23 , OUTRAS , 3 , 4 , 7
---------+--------+--------+ , 9.68 , 6.45 ,
EX , 1 , 0 , 1 ---------+--------+--------+
, 3.23 , 0.00 , Total 31 62 93
---------+--------+--------+
... (cont.) TESTE EXATO DE FISHER: P=0.307

Análise Comparativa entre Gêneros (revisada)

 A tabela 3d, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre os gêneros envolvidos no
conflito.

Tabela 3d. Comparação das variáveis categóricas entre gêneros.

Causa Sexo (cont.)


Frequency, Causa Sexo
Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, Total Frequency,
---------+--------+--------+--------+ Col Pct ,MASCULIN,FEMININO,INTERSEX, Total
AV , 0 , 1 , 1 , 2 ---------+--------+--------+--------+
, 0.00 , 4.00 , 1.89 , PR , 8 , 11 , 35 , 54
---------+--------+--------+--------+ , 53.33 , 44.00 , 66.04 ,
DL , 1 , 1 , 0 , 2 ---------+--------+--------+--------+
, 6.67 , 4.00 , 0.00 , RC , 5 , 8 , 10 , 23
---------+--------+--------+--------+ , 33.33 , 32.00 , 18.87 ,
DP , 0 , 1 , 3 , 4 ---------+--------+--------+--------+
, 0.00 , 4.00 , 5.66 , OUTRAS , 1 , 3 , 3 , 7
---------+--------+--------+--------+ , 6.67 , 12.00 , 5.66 ,
EX , 0 , 0 , 1 , 1 ---------+--------+--------+--------+
, 0.00 , 0.00 , 1.89 , Total 15 25 53 93
---------+--------+--------+--------+
... (cont.) TESTE EXATO DE FISHER: P=0.494

Análise Comparativa entre Causas (revisada)

 A tabela 9d, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as causas dos conflitos.

246
Tabela 9d. Comparação das variáveis categóricas entre causas.

Estrateg Causa
Frequency,
Col Pct ,AV ,DL ,DP ,OUTRAS ,EX ,PR ,RC , Total
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
CO , 0 , 0 , 1 , 3 , 0 , 5 , 6 , 15
, 0.00 , 0.00 , 10.00 , 13.04 , 0.00 , 3.79 , 9.52 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
FI , 2 , 0 , 0 , 2 , 0 , 34 , 15 , 53
, 25.00 , 0.00 , 0.00 , 8.70 , 0.00 , 25.76 , 23.81 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
UN , 6 , 5 , 9 , 18 , 5 , 93 , 41 , 177
, 75.00 , 100.00 , 90.00 , 78.26 , 100.00 , 70.45 , 65.08 ,
---------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+--------+
Total 8 5 10 23 5 132 62 245

TESTE EXATO DE FISHER: P=0.240

Análise Comparativa entre Faixas Etárias (revisada)

 A tabela 11d, a seguir, apresenta as comparações das variáveis entre as 2 faixas etárias (11-12
anos e 13-14 anos).

Tabela 11d. Comparação das variáveis categóricas entre as faixas etárias.

Causa Idade (cont.)


Frequency, Causa Idade
Col Pct ,11-12 ,13-14 , Total Frequency,
---------+--------+--------+ Col Pct ,11-12 ,13-14 , Total
AD , 2 , 0 , 2 ---------+--------+--------+
, 1.59 , 0.00 , DP , 7 , 4 , 11
---------+--------+--------+ , 5.56 , 4.30 ,
AF , 2 , 0 , 2 ---------+--------+--------+
, 1.59 , 0.00 , EX , 1 , 1 , 2
---------+--------+--------+ , 0.79 , 1.08 ,
AV , 3 , 2 , 5 ---------+--------+--------+
, 2.38 , 2.15 , PR , 57 , 54 , 111
---------+--------+--------+ , 45.24 , 58.06 ,
DF , 3 , 0 , 3 ---------+--------+--------+
, 2.38 , 0.00 , RC , 35 , 23 , 58
---------+--------+--------+ , 27.78 , 24.73 ,
DI , 4 , 0 , 4 ---------+--------+--------+
, 3.17 , 0.00 , OUTRAS , 9 , 7 , 16
---------+--------+--------+ , 7.14 , 7.53 ,
DL , 3 , 2 , 5 ---------+--------+--------+
, 2.38 , 2.15 , Total 126 93 219
---------+--------+--------+
... (cont.) TESTE EXATO DE FISHER: P=0.501

247

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