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EUROPSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL,
CLÍNICA E HOSPITALAR
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APRENDIZAGEM - TEORIAS E
PROCESSOS
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4
O MÉTODO NATURAL ............................................................................................... 6
O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO .......................................................... 8
Texto livre .................................................................................................................... 9
Livro da vida .............................................................................................................. 10
MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA............................ 11
JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA ................................................... 18
Epistemologia Genética............................................................................................. 20
A Interação Social na Teoria de Piaget ..................................................................... 24
LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO ............ 27
Vida e Obra de Lev Vygotsky .................................................................................... 27
PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR ...................................... 37
Psicogênese a Pessoa Completa .............................................................................. 44
O desenvolvimento do organismo ............................................................................. 45
Teoria da Emoção ..................................................................................................... 47
Legados de Wallon à Educação ................................................................................ 48
EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA ............................. 53
EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA............................................................... 55
Consequências Pedagógicas da Teoria de Emília Ferreiro ....................................... 56
EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD .................... 64
ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO ............................. 67
AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ........................................................................... 68
As contribuições de Lev Vygotsky ............................................................................. 68
As contribuições de Perrenoud ................................................................................. 74
As contribuições de Howard Gardner ........................................................................ 75
DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS ............................... 77
Uma Questão de Método .......................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85
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INTRODUÇÃO

Na prática pedagógica deve-se desenvolver uma reflexão sobre a educação e


identificar algumas das práticas que envolvem o processo de ensino e aprendizagem,
assim como a construção do conhecimento, nos espaços formais e informais da
educação.
Não podemos deixar de lado nossa preocupação com a Educação Infantil; para
tanto, é fundamental fazermos algumas observações sobre a prática pedagógica
neste campo da educação.
Daremos início as teorias e os processos mais praticados nessa linha de
pensamento de alguns autores.

CÉLESTIN FREINET

O homem é produto e produtor do meio em que vive. E, se assim o é, a


educação, enquanto meio essencial de produção do conhecimento, deveria ser uma
prática colada à vida imediata e cotidiana, de forma que o homem se percebesse como
sujeito histórico que, ao construir o mundo, constrói a si mesmo. A escola precisa
recuperar a relação trabalho-educação, para que o mundo seja entendido como
resultado do pensar e do agir humano: o homem precisa se entender como escultor e
mentor de sua própria vida, de sua própria história. Há que se construir uma educação
na qual o homem não se distancie de sua essência de ser que faz e ser que pensa,
pela qual o homem perceba o mundo como obra de sua prática humana, construída
na necessária relação dialógica com os outros homens, seus iguais.
O objetivo deste é resgatar os fundamentos da Pedagogia do bom- senso, de
Cèlestin Freinet. Pedagogia essa que se baseia na necessidade natural do homem de
sobreviver e interagir com os outros, para satisfazer suas necessidades e,
consequentemente, construir a si e ao mundo. A pedagogia de Freinet recupera a
necessidade de uma educação da vida enquanto um construto humano, que se faz
pelo trabalho nas relações sociais.
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VIDA E OBRA DE CÈLESTIN FREINET

FIGURA - CÉLESTIN FREINET

<http://pedagogia-freinet.blogspot.com.br/2011/04/celetin-freinet.html>.

Cèlestin Freinet mostrou, dia a dia, o mundo e a sociedade mais justa que
sonhou construir. Nascido em 15 de outubro de 1896, numa aldeia francesa de Gars,
nos Alpes Marítimos, onde o pastoreio predominava. Um homem de família humilde e
de pouca cultura, que revolucionou a educação na França. A primeira atividade de
Freinet foi o pastoreio; já na adolescência, mudou-se para a cidade de Nice, onde
iniciou o curso magistério na escola normal. A Primeira Guerra eclodiu e a exigência
de se alistar o impediu de continuar estudando. Da Guerra, Freinet trouxe uma
infecção pulmonar, causada por gases tóxicos, que o acompanhou pelo resto da vida.
Em 1920, começa a lecionar em uma pobre escola de Bar-Sur-Loup, mesmo
sem diploma. Terminada a guerra, Freinet volta a estudar e, enquanto tenta obter o
diploma inicia suas experiências didáticas. Na observação direta de seus alunos,
começa a questionar as rígidas normas da escola, a forma de ensinar, o ambiente da
sala e a natureza lá fora, que encantava os alunos.
Dessas observações, surgem suas primeiras experiências: a aula-passeio, a
imprensa escolar e o livro da vida. Em 1927, edita o livro A imprensa na Escola, cria
a revista La Gerbe (O ramalhete) em que publica poemas infantis e funda a
Cooperativa de Ensino Leigo. Nos anos seguintes, Freinet muda-se para a Vila Saint-
Paul de Vence, onde cria as "Técnicas de Avaliação" e o "Plano de Trabalho". Por ser
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um grande crítico das cartilhas convencionais, Freinet propõe os "Fichários de


Consulta e de Autocorreção". As realizações feitas na escola, à criação da cooperativa
e o intenso movimento postal provocaram desconfianças e hostilidades políticas, que
culminaram na sua exoneração do cargo de professor.
Mesmo tendo abandonado a escola de Saint-Paul, Freinet continua
administrando a cooperativa. Em 1935, consegue construir sua própria escola na
cidade de Vence. No mesmo ano, por ocasião do Congresso Internacional de Ensino,
iniciou um movimento em defesa da criança chamado "Frente da Infância". Esse
movimento foi aderido pela recém-formada "Liga da Educação Francesa", inspirando
a reforma do ensino francês. As perseguições políticas continuaram. Em 1940, Freinet
foi preso como perigoso editor clandestino. Ainda preso, foi mandado para o campo de
concentração alemão em Var. Um ano mais tarde, foi libertado e passou a lutar na
Resistência Francesa, até o fim da Guerra. Terminada a segunda Guerra, Freinet volta
à cidade de Vence, onde organiza a "Cooperativa e o Manifesto pela Modernização da
Escola". Em 1956, inicia uma campanha intitulada "25 alunos por classe", a qual foi
aprovada pela opinião pública e aderida pela maioria das escolas francesas. Neste
mesmo período, escreveu “Conselho aos Pais, Ensaio de Psicologia Sensível e
Educação pelo Trabalho”. Em 1957, funda a "Federação Internacional dos
Movimentos da Escola Moderna" (FIMEM), que hoje é reconhecida pela UNESCO
como importante ONG do campo da educação.

O MÉTODO NATURAL

Um aspecto central da pedagogia freinetiana é o trabalho como mola mestra


das atividades educativas. Preocupado com as relações capitalistas de seu tempo,
que geravam desigualdades sociais e o domínio de uma classe sobre a outra, Freinet
buscou na Escola Ativa, de Adolphe Ferrière, os pressupostos necessários para a
criação de uma pedagogia do trabalho, direcionada especialmente às crianças de
famílias operárias, para as quais ele pretendia transmitir o valor de uso do produto do
trabalho (WHITAKER, 1989).
Que as crianças aprendam os gestos, os sinais e os mecanismos exigidos pela
função de estudantes e, mais tarde, pela de empregados, camponeses ou operários, é
uma necessidade como a que obriga o pastor a cuidar do rebanho e o jardineiro a
produzir frutos e flores (...). Mas que não se limitem a ser estudantes. Que ultrapassem
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já essa profissão, para chegar aos gestos e aos atos que talvez nunca possam
converter-se em dinheiro, mas que, nem por isso, deixam de ser um aspecto exaltante
de uma exigência de cultura - cunho nobre da educação a serviço do "Homem"
(FREINET, 1985, p. 133).
Ao perceber o interesse das crianças por atividades práticas, Freinet
estabeleceu o trabalho como motor da ação educativa. Para ele, uma vez que a ação
é o prolongamento natural da vida e o meio pelo qual o homem transforma o mundo,
a aprendizagem deve ser uma construção ativa. O trabalho como princípio educativo
deve ser essencialmente cooperativo. Todas as atividades, coletivas e/ou individuais,
devem ser organizadas como plano de trabalho para não perder o caráter de coisa
comum. Na pedagogia freinetiana, o professor deve ser gerenciador das atividades e
o intermediário das relações, garantindo as condições de trabalho, informando,
sugerindo e estimulando o aprendizado (WHITAKER, 1989).
A Pedagogia do Bom-senso baseia-se na necessidade natural do homem de
sobreviver e, consequentemente, de interagir por meio do trabalho para suprir suas
necessidades. Se for da natureza do homem a utilização de suas habilidades
intelectuais e manuais para, na interação com o outro, modificar o meio suprindo suas
necessidades e perpetuando sua espécie, é, também, da natureza humana, o ato de
aprender e de ensinar por meio do trabalho, que garante a sobrevivência humana.
(FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Foi como autodidata na educação e na ciência que Freinet iniciou suas
observações da prática escolar, atentando especialmente para o desenvolvimento
intelectual das crianças. Com base nessas observações, Freinet construiu, sem muito
embasamento científico, uma prática peculiar de ensino.
Os princípios que norteiam o processo educativo freinetiano são: a confiança e
o respeito mútuo entre os seres humanos; a necessidade de uma escola aberta e
flexível; a livre expressão; o cooperativismo; a coletividade; o trabalho enquanto
agente central do processo educativo e formador (WHITAKER, 1989).
Para construir sua pedagogia, o autor baseou-se na cotidianidade e na
importância fenomenológica que as interações sociais têm para o processo de
aprendizagem do homem.
Para ele, ficou claro que o interesse das crianças estava lá fora, nos bichinhos
que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, pois percebia que, nos
momentos de leitura dos livros de classe, o desinteresse era total. Nessas ocasiões,
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os olhares dos meninos atravessavam as janelas e acompanhavam o voo dos


pássaros ou das abelhas zumbindo e batendo nos vidros das janelas empoeiradas
(WHITAKER, 1989, p. 15).
Para o autor, a criança aprende pela experimentação concreta no mundo real,
na relação com o mundo, com as pessoas, enfim, com o meio social, pois Freinet
acreditava que um experimento, qualquer que seja, deixa uma marca indelével e é
com essas marcas que a criança constrói seu conhecimento (FREINET, 1979).
A Pedagogia do Bom-senso deve se importar principalmente com a observação
da criança na construção de suas próprias opiniões. Nesse processo, o erro deve ser
considerado uma fase fundamental da produção do conhecimento. O ato de errar é
um elemento-chave na aprendizagem, já que é um desafio, um estímulo para o
conhecer e para o descobrir, que são, por sua vez, impulsos inatos ao homem
(FREINET, 1985; WHITAKER, 1989).
Freinet criticou a escola convencional e seus métodos por acreditar que esta
não respeitava a natureza do aprendizado, uma vez que se baseava na repetição e
na memorização. Para o autor, o aprendizado infantil deve partir de ideias e coisas
sensíveis que tenham significado real à criança. A partir do tripé Pedagogia do Bom-
senso, Trabalho e Êxito, Freinet defendeu uma educação na qual: a criança fosse
respeitada como sujeito construtor de conhecimento, a livre expressão fosse
valorizada, a satisfação das necessidades vitais fosse motivada. Por meio de
trabalhos úteis, criativos e organizados. Todo esse processo educativo, para ser
revolucionário, deve resultar na formação de cidadãos autônomos e cooperativos.
Na pedagogia de Freinet, a livre expressão, em todas as manifestações da
criança e do professor, define uma postura pedagógica que torna a escola um
verdadeiro lugar da vida e da produção, onde se faz a aprendizagem da democracia
pela participação cooperativa. A livre expressão é acompanhada de responsabilidade;
a criança exerce a liberdade, mas arca com tudo o que ela comporta: frustrações,
limitações e necessidade de organização para o desenvolvimento do trabalho
(WHITAKER, 1989, p. 210).

O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO


A primeira atividade desenvolvida por Freinet foi a aula-passeio. Essa atividade
deve ser articulada com outras atividades educativas. A organização deve ser coletiva,
de forma que seja proporcionada a todos a livre expressão, o desenvolvimento da
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criatividade, da prática de pesquisa e da reflexão (WHITAKER, 1989; FREINET,


1979).

Imprensa escolar

A imprensa escolar foi desenvolvida por Freinet com o objetivo de divulgar e


socializar os trabalhos infantis. Essa atividade pode ser usada desde as séries iniciais
tendo como base os textos livres escritos pelas crianças a partir de atividades como a
entrevista e a aula-passeio. Antes de serem divulgados, os textos passam por uma
triagem coletiva. Após a seleção dos textos, inicia-se o processo de correção coletiva
para que todas as crianças se sintam contempladas.
A impressão dos textos também deve ser coletiva, a fim de que a aprendizagem
da leitura e da escrita seja o mais natural possível. Para Freinet, o aprendizado da
língua deve ser um processo natural, pois ela é um elemento fundamental nas
relações homem-homem e homem-mundo. Parafraseando Freinet, numa
necessidade psicológica e funcional de interagir com outros, o homem lança-se no
aprendizado dos gestos, das expressões, dos gritos, dos sons, dos trejeitos, até que
ele domine totalmente a fala. Nesse processo, porém, o homem não aprende sozinho,
mas com o auxílio dos outros e na interação com os outros.
Nesse sentido, a expressão oral, que leva à construção permanente de frases
e da linguagem verbal como um todo, deve ser o fio condutor do processo de ensino-
aprendizagem da leitura e da escrita (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

Texto livre

Partindo da premissa de que a expressão infantil deve ser respeitada e


estimulada, Freinet propôs o texto livre como mecanismo viabilizador da criação, no
qual a inspiração, forma, tema e tempo de realização são respeitados em cada
criança. Na pedagogia freinetiana, o texto livre tem uma estrutura flexível, já que
desenho e poemas também são considerados como tal. Respeitando o princípio de
liberdade, o texto nunca deve ser exigido pelo professor, mas, sim, estimulado
constantemente. Se a criança desejar que seu texto seja divulgado, ele precisará,
necessariamente, passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).
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Livro da vida

O livro da vida, que tem características de diário de classe, objetiva reunir os


trabalhos desenvolvidos pelas crianças no cotidiano escolar. O livro da vida também é
uma produção coletiva e tanto os alunos quanto os professores têm acesso a ele.
Essa atividade é uma forma de registro muito primária, uma vez que é formada por
contribuições pessoais e espontâneas de todo o grupo: qualquer trabalho é sempre
bem-vindo, podendo ser incorporado ao livro sem passar pela correção coletiva
(WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).

INTERCÂMBIO INTERESCOLAR

Freinet acreditava que a troca de informações e o contato com realidades


diferentes estimulam o aprendizado. Dessa forma, as produções escritas somente
teriam sentido se fossem divulgadas para além dos que as produziram. Pela
correspondência, a criança descobre um novo meio de comunicação. Interagindo,
relacionando-se com outras pessoas e outras realidades, em um contato direto com o
mundo exterior, a criança aprende e desenvolve novos comportamentos. Conhecendo
culturas e pessoas diferentes, aprende a respeitar e admirar as especificidades dos
outros e suas próprias particularidades (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979).
Não há dúvida de que a Pedagogia do Bom-senso ou Método Natural, como
queiram, tem muito de revolucionário, principalmente em relação à escola
convencional. Freinet teve o mérito de estabelecer uma nova racionalidade na
educação francesa; racionalidade essa que se estende pelos quatro cantos do mundo.
A título de análise, é importante destacar o fato de que os pressupostos
marxistas da relação homem-capital-trabalho que fundamentam a pedagogia
freinetiana são secundarizados, à medida que as atividades práticas são efetivadas
de forma descolada, alheia à realidade em que o processo educativo é desenvolvido.
Em muitos casos, a aplicação do método natural tem reforçado, apenas, o teor técnico
e psicológico da pedagogia de Freinet, sem a necessária relação do processo
educativo com as condições sociais, econômicas e políticas da realidade dada.
Outra questão relevante, que precisa ser posta em discussão, é a relação teoria
versus prática na pedagogia de Freinet. Embora muitos o acusem de ter priorizado as
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atividades práticas em detrimento dos pressupostos teóricos, Freinet dá grande


importância à sistematização do conhecimento, que vai sendo forjado na ação. O
movimento ação-reflexão-ação está presente em todas as atividades propostas por
Freinet, e, para que não haja uma relação dicotômica e/ou excludente entre teoria e
prática, o planejamento do processo educativo é fundamental.
Por fim, é importante lembrar que nenhuma pedagogia e base epistemológica
podem ser tomadas como uma verdade cerrada, mas como uma dentre tantas
alternativas de construção de uma educação emancipadora. A pedagogia de Freinet
pode ser uma alternativa para o desenvolvimento de uma educação emancipadora,
desde que o ensino-aprendizagem seja compreendido como processo histórico
construído pelo homem por meio do trabalho, na relação com os outros homens e
dentro de um contexto determinado.

MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA

Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não somente


fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas chegaria a
uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e sociais, que estão
ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social,
necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem
desconhecido. (MONTESSORI, 2006, p. 9)
O objetivo é discutir os fundamentos teóricos da Pedagogia Montessoriana.
Nesse sentido, trataremos de apresentar a filosofia, os princípios, o sistema e as
implicações pedagógicas dos estudos desenvolvidos por Maria Montessori sobre o
desenvolvimento da criança.
Montessori concebe a educação como uma prática natural e que, portanto,
deve ter como ponto de partida o mundo concreto, homem concreto. No contexto
educativo, a criança é concebida como o elo entre as gerações, aquele que gera o
desenvolvimento, que cria e recria a cultura e que possui a tarefa histórica de transmiti-
la ao novo homem e à nova mulher.
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MARIA MONTESSORI

http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria-montessori.html>.

Maria Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade de


Chiaravalle, no leste da Itália. Filha única de Alessandro Montessori e Renilde Stoppani
e neta de um famoso geólogo e naturalista, Antonio Stoppani. Aos 12 anos de idade,
a modesta família de Montessori muda-se para Roma, a fim de oferecer-lhe
oportunidades de uma educação mais completa.
Montessori, a princípio, estudou em escola pública e, nesse período, não teve
destaque como aluna. Por meio das relações estabelecidas na capital italiana, onde
surgiam novas ideias fomentadas pelo movimento de Reunificacão da Itália e pelo
desenvolvimento de novas instituições democráticas nesse país, Montessori foi dando
mostras de sua personalidade revolucionária. Foi a primeira mulher a cursar uma
universidade na Itália; a primeira médica da Itália; teve filho sem se casar.
Seu caráter forte, seu senso de dever, sua natureza assertiva, suas convicções
e sua forma vigorosa de defender suas ideias renderam-lhes muitos seguidores e
muitos opositores.
Maria Montessori construiu sua história pessoal, intelectual e científica
dedicando-se, por mais de meio século, ao estudo e à pesquisa do mais fundamental
e difícil problema do homem - a sua formação: Montessori acreditava que somente por
meio do entendimento da formação do homem seria possível intervir em questões
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decisivas - sua conservação e seu desenvolvimento. Montessori viveu de forma


intensa a história de seu tempo, dedicou-se de forma integral a novos experimentos,
descobertas e alternativas; contestou os dogmas, as tradições e buscou responder às
novas necessidades de uma educação que pudesse formar homens mais humanos.

Sistema Montessori

A educação montessoriana não pode ser entendida como um método separado


de sua concepção filosófica; mesmo constituindo-se de partes hierarquicamente
organizadas e tendo fronteiras que demarcam a função de cada uma delas, somente
é possível entender educação montessoriana na articulação de suas partes como um
todo.
Na pedagogia montessoriana, a criança é vista como um ser biológico que, na
interação com o meio, torna-se social, e é exatamente por conta disso, diz
(Montessori, 1985, p. 51), "que qualquer pessoa que se ocupa de ajudar a vida, na
educação da criança, não pode prescindir de considerar a criança como um ser vivo e
qual é o seu lugar na biologia; isto é, no campo total da vida".

SISTEMA MONTESSORIANO

Para a autora, a criança estabelece uma relação muito particular com o meio,
diferente da relação estabelecida pelo adulto: Segundo Montessori (1985):
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Os adultos admiram o ambiente, podem recordá-lo, mas a crianças absorve-o


em si. Não recorda as coisas que vê, mas essas coisas vão paulatinamente fazendo
parte de sua inteligência, ou seja, a criança internaliza as coisas como elas são
(MONTESSORI, 1985, p. 55).
Nesse sentido, Montessori acredita que a autoconstrução, quer dizer, a
formação da estrutura psíquica da criança, desenvolve-se a partir de uma força
interior, em uma relação de influência recíproca entre o meio. Dito de outra forma, o
amadurecimento intelectual da criança dá-se na relação com o mundo, à medida que
sua maturação biológica evolui. Esse processo fica mais claro a partir dos períodos
de desenvolvimento da criança criados por Montessori.

Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade


Nesse período, a criança realiza sua própria construção por meio da exploração
e da absorção do meio ambiente que a circunda. Sua inteligência funciona em função
do mundo externo e das relações superficiais entre os objetos e suas qualidades e
significados: o que orienta a ação intelectual da criança nesse período são suas
necessidades imediatas - comer, dormir etc. Por conta disso, esse período é concebido
como sendo essencialmente sensorial (MONTESSORI, 1985).
Segundo período: dos seis aos doze anos de idade.
Nesse período, as ações da criança já não são mais comandadas por suas
necessidades imediatas; suas atitudes têm relação direta com o mundo concreto, com
aquilo que vê, ouve e sente. A criança já é capaz de relacionar e entender os fatos que
acontecem ao seu redor à luz da razão; reflete e questiona sobre o mundo. Portanto,
nessa fase, há uma busca incessante dos "como" e dos “porquês" das coisas. É à
entrada da criança no mundo das abstrações (MONTESSORI, 1985).
Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade.
Nesse período, o adolescente interessa-se de forma mais aberta pelas causas
e efeitos dos problemas que lhe são postos. Os fatos da vida começam a ser vistos
como consequências de determinada ação e/ou atitude; a capacidade de abstração
já está totalmente desenvolvida (MONTESSORI, 1985).
Em sua obra Educação como ciência, Montessori defende que a educação
pode ter uma pedagogia científica, desde que respeite as leis de desenvolvimento da
criança em suas fases evolutivas. Em outra obra, Educação Cósmica, a autora diz que
a educação deve respeitar as leis que regem a relação entre natureza, vida e sociedade
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humana. Segundo a autora, a tarefa cósmica de cada ser humano é que mantém a
harmonia da vida e torna possível a evolução do homem. Nesse sentido, a natureza, o
ritmo da vida é que deve reger a prática educativa.
Somente a natureza, que estabeleceu algumas leis e determinou algumas
necessidades no homem em via de desenvolvimento, pode ditar o método educativo
determinado pelo fim, que é o de satisfazer as necessidades e as leis da vida. Tais
leis e necessidades a criança mesma deve indicar, nas suas manifestações
espontâneas e no seu progresso: na manifestação da sua paz e da sua felicidade; na
intensidade dos seus esforços e na constância das suas livres escolhas.
(MONTESSORI, 1985, p. 67-68)

A Metodologia Montessoriana

Maria Montessori considerava as crianças um grupo social de grandes


dimensões. Para a autora, a criança é a verdadeira potência do mundo e somente por
meio dela é possível alimentar a esperança de construção de um mundo melhor.
Nesse sentido, cabe ao homem a tarefa de continuar, coletivamente, o trabalho da
criação, descobrindo a inteligência, as infinitas possibilidades que a natureza oferece
e, dessa forma, recriar e proteger o meio cultural.
Em função disso, Montessori buscou criar métodos que dessem condições e
permitissem às crianças a manifestação de suas ações e de sua inteligência, de
acordo com as necessidades internas. A autora defende que o objetivo da educação
deve ser buscar dentro da criança a força que impulsiona e sustenta seu processo de
autoformação e de construção. À educação, então, cabe à tarefa de favorecer, no seu
sentido mais completo, o desenvolvimento do potencial criativo, da iniciativa, da
independência, da disciplina interna e da confiança em si mesmo (MONTESSORI,
1985).
Todos esses aspectos da educação montessoriana estabelecem uma diferença
fundamental entre essa pedagogia e a educação tradicional. O método tradicional
interfere diretamente no desenvolvimento da criança, buscando modelá-la de acordo
com o que está preestabelecido. O método de Montessori, ao contrário, parte do
princípio de que a matéria-prima do desenvolvimento da criança está dentro dela
mesma e que, por isso mesmo, a escola somente precisa estimular na criança a
descoberta de suas potencialidades (MONTESSORI, 1985).
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Dessa forma, o papel do educador é de extrema importância, cabendo a ele


estimular na criança o desenvolvimento de seus sentidos, por meio do contado direto
com objetos materiais e com o próprio mundo. Como diz Montessori (1985, p. 153),
"os sentidos, sendo os exploradores do ambiente, abrem caminhos a consciência. Os
materiais para educação dos sentidos são dados como uma espécie de chave para
abrir uma porta à exploração das coisas e pormenores que, na escuridão (no estado
inculto), não se poderiam ver".

METODOLOGIA MONTESSORIANA

http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria-montessori.html>.

O educador deve, também, considerar o ritmo de cada criança, respeitar seu


desenvolvimento natural e buscar o caminho do respeito à diversidade e não
homogeneização. Por conta disso, na pedagogia montessoriana, o processo
educativo torna-se mais produtivo, quando se viabiliza as crianças a convivência e a
troca de conhecimentos com crianças de idades e ritmos de aprendizagem diferentes.
Esses ambientes estimulam a solidariedade, o companheirismo, o crescimento mútuo,
a ajuda ao próximo (MONTESSORI, 1985).
Para a autora, a educação deveria ser capaz de atender, na mesma classe,
crianças com idades e ritmos diferentes, transformando a escola num ambiente de
exercício do equilíbrio entre a liberdade individual e a necessidade do grupo. Assim,
Montessori pretendia construir uma educação, capaz de formar adultos responsáveis,
solidários, generosos, competentes, críticos e independentes.
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A Filosofia Montessoriana

A filosofia de Montessori deve ser entendida como um começo, uma busca


constante de respostas à educação e à vida da criança. Nesse sentido, a base da
educação montessoriana são as experiências da própria criança e não as do mundo
adulto (MONTESSORI, 1985).
A partir de suas observações diretas sobre o mundo infantil, estabeleceu os
seguintes princípios:
É agindo que a criança adquire conhecimentos. Por meio de uma ordenação
de atividades gradativamente crescentes, a aprendizagem pode ser desenvolvida com
maior possibilidade de sucesso. A autoconfirmação imediata dos resultados do
trabalho garante uma aprendizagem mais eficiente. Intervenções indevidas dos
adultos podem comprometer a aprendizagem. Cada criança tem um ritmo próprio que
deve ser rigorosamente respeitado. A observação direta pode facilitar a aprendizagem
de novas ações e atitudes a serem adquiridas. A aprendizagem de muitas ações,
hábitos e atitudes podem ocorrer mais cedo que o habitualmente previsto.
Fornecer à criança a consciência do homem no planeta, na história, fazer com
que ela se sinta responsável pela vida na sua totalidade e introduzi-la no mundo são
objetivos centrais da pedagogia montessoriana. A criança precisa ter a possibilidade
de explorar, de descobrir, de se entusiasmar com as descobertas e de sentir um desejo
incessante pela busca de coisas novas.
Montessori acreditava que, à medida que a educação oferecesse às crianças
um ambiente escolar que refletisse seu próprio mundo, respeitando seu ritmo, suas
possibilidades e suas limitações físicas e intelectuais, a aprendizagem poderia se
tornar um ato prazeroso.
Para tanto, a escola precisaria garantir, também, relações interpessoais (entre
educadores e educandos) nas quais prevalecesse o respeito e a confiança mútua, em
que cada criança pudesse se sentir peça fundamental no processo de seu próprio
desenvolvimento.
Na pedagogia montessoriana, a educação é uma extensão da natureza
humana. Portanto, nada mais natural que a educação aflore da criança, de suas
necessidades e de suas habilidades naturais. Nesse sentido, a escola deve tomar a
vida como o ponto de partida para a construção de seres humanos capazes de
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reconstruir um mundo em que o homem, enquanto expressão viva da natureza seja


orientando no sentido de se construir como criatura autônoma, solidária, criativa e
verdadeiramente humana.

JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA

Não há dúvida de que os educadores são imagens que se reproduzem e


refletem-se nos novos homens e nas novas mulheres que ajudamos a formar; cada
ação, cada gesto, cada palavra, cada valor é uma peça fundamental que se soma na
construção histórica de um novo ser humano. Nesse sentido, o conhecimento das
bases psicológicas de desenvolvimento da aprendizagem pode contribuir para o forjar
de uma nova prática educativa; uma prática educativa que seja mais humana,
democrática e conduzida no sentido da emancipação do novo homem e da nova
mulher.
Somente é possível conduzir o processo educativo no sentido de uma prática
afetiva, crítica e libertadora à medida que assumimos o desafio de irmos além do
repasse mecânico de conhecimento e abraçamos o compromisso de entender o
processo educativo como um processo construído por homens e mulheres, enquanto
sujeitos históricos, produtores e produtos da sociedade. A Epistemologia Genética de
Jean Piaget pode ser o ponto de partida para a compreensão do processo educativo
enquanto construção humana. Nesse sentido, busca-se explicitar a base teórica
piagetiana que serve de fundamento para o desenvolvimento de práticas alternativas
de educação.

Vida e Obra de Jean Piaget

Jean Piaget, nasceu em 9 de agosto 1896, na Suíça, cidade de Neuchâtel, filho


de uma família abastada e culta. Aos sete anos de idade, Piaget já revelava sua
capacidade científica e, aos 10, publica um artigo sobre o Pardal Branco, na revista da
Sociedade dos Amigos da Natureza de Neuchâtel. Aos 11 anos, torna-se assessor do
Museu de História Natural Local de sua cidade natal.
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JEAN PIAGENT

Desde o ensino ginasial, Piaget mostrava-se interessado por Filosofia e


Psicologia, mas é em Biologia que ele se forma, em 1915. Em 1918, defende sua
tese de doutorado sobre moluscos e inicia, em Zurique, estudos sobre Psicologia,
especialmente Psicanálise. No ano seguinte, ingressa na Universidade de Paris,
onde é convidado a trabalhar com testes de inteligência infantil. Em 1921, passa a
fazer pesquisas destinadas à formação de professores no Instituto Jean Jacques
Rousseau, em Genebra. Em 1923, lança seu primeiro livro, intitulado A linguagem do
pensamento da criança. Em 1925, começa a lecionar Psicologia, História da Ciência
e Sociologia, na cidade em Neuchâtel. Em 1929, passa a lecionar História do
Pensamento Científico, em Genebra, e assume o Gabinete Internacional de Educação
dedicado a estudos pedagógicos. Na década de 30, escreve vários trabalhos sobre
as fases do desenvolvimento por meio de observações diretas de seus filhos. Na
década de 40, Piaget torna-se sucessor de Claperède e assume como professor-
diretor, o Laboratório de Psicologia. Em 1941, com a colaboração de alguns
pesquisadores, publica trabalhos sobre a formação de conceitos matemáticos e
físicos. Em 1946, participa da constituição da UNESCO, tornando-se membro do
Conselho Executivo e assumindo, diversas vezes, a subdireção geral do
Departamento de Educação. Nos anos 50, publica a Epistemologia Genética, sua
primeira tese sobre teoria do conhecimento. Em 1955, assume o lugar do filósofo
Merleau-Ponty, lecionando na Universidade de Sorbonne Paris. No mesmo ano, na
cidade de Genebra, Piaget funda o Centro Internacional de Epistemologia Genética,
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destinado a pesquisas interdisciplinares sobre a formação da inteligência.


Em 1967, Piaget escreve Biologia e Conhecimento, considerada a principal
obra de sua maturidade. Em 16 de setembro de 1980, na cidade de Genebra, morre
Jean Piaget.

Epistemologia Genética

A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de


interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas. (PIAGET,
1967)
Para criar e demonstrar sua teoria de construção do conhecimento e, ainda,
para chegar ao equilíbrio na interação homem e meio ambiente, Piaget desenvolveu
uma análise crítica às teorias, empirista e inatista do conhecimento. Para os empiristas,
a construção do conhecimento é o resultado positivo das experiências concretas do
homem com o mundo sensível, por meio da percepção. Nesse sentido, o homem
nasce com a capacidade mental extremamente reduzida e apenas o contato direto
com o exterior possibilita a assimilação e criação de conhecimentos. Por outro lado,
os inatistas ou pré- formistas acreditam que o homem já nasce com sua estrutura
cognitivo-biológica formada, ou seja, ela é inata ao ser humano, pois, ao nascer, o
homem traz consigo a estrutura cognitiva necessária à construção de conhecimentos.
A crítica de Piaget aos empiristas, parte do pressuposto de que toda
experiência, apesar de ser externa, depende de uma base cognitiva interna, que faz
parte da estrutura biológica do homem e/ou que vai sendo construída no processo de
desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, embora a experiência sensível seja
extremamente importante ao desenvolvimento cognitivo, ela não pode ser tomada
como o único mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber. Opondo-
se também aos inatistas, Piaget afirma não ser possível que a estrutura cognitiva
esteja completamente formada desde o nascimento, visto que grande parte dessa
estrutura e construída e aprimorada a partir das experiências concretas. Ainda que
alguns aspectos da cognição existam desde o nascimento, eles somente poderão se
desenvolver no contato direto com o mundo.
Piaget tem mostrado que, desde o princípio, a própria criança exerce controle
sobre a obtenção e organização de sua experiência do mundo exterior. Acompanha
com os olhos os objetos, seu olhar explora em torno, volta a cabeça; com as mãos,
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agarra, solta, joga, empurra; explora com os olhos e mãos alternadamente, cheira,
leva a boca, prova etc. (GOULART, 1995, p. 16).
Para Piaget, grande parte do conhecimento construído pelo homem é resultado
do seu esforço em compreender e dar significado ao mundo. Nessa tentativa de
interação e compreensão do meio, o homem desenvolve alguns equipamentos
neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual.
Para explicar a construção do conhecimento, Piaget criou um modelo biológico
de interação do homem com o ambiente, que parte da seguinte lógica: o organismo
do homem é essencialmente seletivo, por organizar os alimentos que podem ser úteis;
esses alimentos vão sendo adaptados de acordo com as necessidades biológicas. Á
medida que o homem seleciona os alimentos e inicia a adaptação destes ao
organismo, acontece à assimilação, ou seja, a estrutura biológica acomoda os
alimentos para a satisfação das necessidades do corpo.
O Construtivismo piagetiano é essencialmente biológico. A perspectiva lógica
de Piaget não é senão o correspondente de sua perspectiva biológica, isto é, o
desenvolvimento é visto como um processo de adaptação, que tem como modelo a
noção biológica do organismo em interação constante com o meio (GOULART, 1995,
p. 17).
Segundo Piaget, esse mesmo processo dá-se quando da organização,
assimilação e adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva. A organização
seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente de interação do
homem com meio ambiente, por meio da apreensão do que e útil e necessário a
adaptação do homem no mundo.
Na adaptação, a estrutura cognitiva altera-se para receber o novo
conhecimento. O ajuste feito pela cognição para receber novas informações é
denominado por Piaget de acomodação. O processo de organização, adaptação e
assimilação de um novo conhecimento depende de esquemas assimilativos, como a
repetição e a generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões e as
representações, ao serem repetidas diversas vezes em situações, diferentes, tornam-
se novas estruturas, novos conhecimentos. Dito de outra forma, ao se repetir uma
mesma ação em diferentes situações a assimilação dessa ação aumenta,
aumentando também a compreensão de que esta mesma ação pode ser generalizada
a outros momentos, ficando cada vez mais clara a sua identificação e reconhecimento,
em qualquer situação.
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Pode-se, então, dizer que a repetição reforça os conhecimentos assimilados,


ou preexistentes, reforçando-os e tornando-os mais consistentes, o que facilita a
aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência. Em resumo, para Piaget, a
estrutura cognitiva vai construindo-se e aprimorando-se paulatinamente e
concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio da busca natural do
homem por se adaptar ao meio ambiente.
As críticas feitas a Piaget vão ao sentido de uma omissão de sua parte, no que
diz respeito à condição histórica do homem e a biologização de sua teoria. Não há
dúvida de que suas obras sobre o desenvolvimento da aprendizagem estão coladas
aos seus estudos sobre a estrutura biológica do homem. Entretanto, Piaget concebe
o homem como sujeito ativo dentro do processo de produção de conhecimento, fato
que se evidencia na medida em que o autor entende o conhecimento e a
aprendizagem como o resultado da interação homem-meio. Ora, ao se relacionar o
homem não se despoja de sua condição individual, de sua condição de sujeito ativo,
"na verdade, o homem produz a si próprio ao produzir a realidade na qual vive, ao se
relacionar com o meio e com os outros homens" (WACHOWICZ, citado por MATUI,
1995, p. 62). A despeito da ausência de uma obra que trate especificamente da
condição histórica do homem para Piaget, alguns conceitos-chave, desenvolvidos
por ele, apontam para essa temática e enfatizam a condição ativa do homem no
processo de produção de conhecimento. Por outro lado, ainda que o enfoque da obra
de Piaget seja biológico, é necessário considerar que o homem é "sujeito histórico
na medida em que traduz sua organização biológica pelas ações próprias da cultura
na qual vive, a qual é, por sua vez, produto do homem enquanto sujeito histórico"
(MATUI, 1995, p. 62).

Os Estágios de Desenvolvimento Cognitivo da Criança

Observando seus filhos na interação com o meio, Piaget percebeu que as


crianças possuem uma forma particular de pensar e aprender. O erro e o acerto são
conceitos que estão no cerne do raciocínio infantil e foi a partir da relação erro/acerto
que Piaget desenvolveu sua teoria de estágios do desenvolvimento cognitivo da
criança.
Segundo Piaget, o processo de desenvolvimento possui quatro estágios
sucessivos, que indicam o grau de desenvolvimento da criança:
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Estágio - Sensório-motor: de zero a dois anos, aproximadamente. No estágio


sensório-motor, a inteligência da criança é essencialmente prática e as ações de
reflexo predominam. A relação com o meio ambiente não se dá pelo raciocínio lógico
ou pela representação simbólica, mas pela ação e experimentação direta.
Estágio - Pré-operatório: de dois a sete anos, nesse estágio pré- operatório,
predomina o egocentrismo, pois a criança não consegue se colocar abstratamente no
lugar do outro. A leitura da realidade é parcial e incompleta, visto que a criança prioriza
aspectos que são mais relevantes aos seus olhos. Sua percepção abstrata começa a
ser aguçada à medida que aumenta sua capacidade de simular, imaginar situações,
figuras e pessoas semelhantes.
Estágio - Operações Concretas: de 7 a 12 anos, aproximadamente. O estágio
das operações concretas é o período em que a lógica começa a se desenvolver e a
criança já consegue ao seu modo, organizar e sistematizar situações e relacionar
aspectos diferentes da realidade. Sua compreensão do mundo não é mais tão prática,
mas ainda depende do mundo concreto para realizar abstrações.
Estágio - Operações formais e Pensamento Hipotético-dedutivo: Nesse
estágio, predomina a lógica formal, a criança já pode realizar abstrações sem
necessitar de representações concretas e pode, também, imaginar situações nunca
vistas ou vivenciadas por ela.
As questões acima tratadas podem ser consideradas como a base
epistemológica, ou a lógica, a partir da qual Piaget construiu sua teoria de
desenvolvimento da cognição e da aprendizagem. Teoria essa que culminou em
práticas alternativas de educação em que o aluno é, antes, um sujeito produtor de
conhecimento, e o educador, um facilitador do processo ensino- aprendizagem.
Embora tenhamos tratado, nesse primeiro momento, da base teórica que sustenta as
práticas educativas construtivistas/piagetianas, não podemos tomar a teoria
dissociada de sua dimensão prática, mas, sim, articular teoria e prática num processo
contínuo. Piaget não teorizou no vazio, ao contrário, buscou na vida cotidiana a
materialidade capaz de dar as suas obras um caráter de verdade histórico. Nesse
sentido, as implicações educativas da teoria piagetiana sobre o desenvolvimento da
criança serão discutidas no próximo texto. Serão trabalhados também outros
conceitos centrais da obra de Piaget, como, por exemplo: linguagem, moral,
autonomia, dentre outros.
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A Interação Social na Teoria de Piaget

Em uma de suas passagens, Piaget diz que o homem normal: Segundo (Piaget,
1973, p. 424) “não é social da mesma maneira aos seis meses, ou aos vinte anos de
idade, e, por conseguinte, sua individualidade pode não ser da mesma qualidade,
nesses dois diferentes níveis". Nessa afirmação de Piaget, está explícita a presença
inevitável das relações sociais interferindo no desenvolvimento humano; o termo
homem social expressa à condição humana de ser que vive em sociedade e que,
portanto, influencia e é influenciado pelas relações sociais.
A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um
elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais: um adulto
não pode se comportar como uma criança de cinco anos e isso ele aprendeu ao longo
de seu desenvolvimento na relação com os outros homens. Piaget pensa o Ser Social
como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus semelhantes, de forma
equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito interessante sobre relação
equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir entre pessoas que estejam no
mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE, 1992).
Expliquemos melhor: lembrem-se dos estágios de desenvolvimento da criança;
o equilíbrio a que Piaget se refere somente pode existir entre pessoas que estejam no
mesmo nível de desenvolvimento, ou seja: A maneira de ser social de um adolescente
e uma, porque é capaz de participar de determinadas relações (...) e a maneira de ser
social de uma criança de cinco anos é outra, justamente porque ainda não é capaz de
participar de relações sociais que expressam e que demandam um equilíbrio de trocas
intelectuais (TAILLE, 1992, p. 14).
Portanto, dependendo do estágio em que a criança se encontre, podendo falar
de um grau maior ou menor de socialização. Nesse caso, a compreensão dos estágios
de desenvolvimento é fundamental para a compreensão da socialização da pessoa.
Para Piaget, no estágio sensório-motor não é possível falar “em real
socialização da inteligência" (TAILLE, 1992, p. 15), pois nesse período, a criança é
essencialmente individual. No estágio pré-operatório, quando o processo de aquisição
da linguagem já está em franco desenvolvimento, já se pode falar de uma inicial:
Socialização afetiva da inteligência, embora a ausência de algumas características,
como, por exemplo, significados comuns em relação a conceitos e ideias, ainda
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limitam a possibilidade de a criança estabelecer trocas intelectuais equilibradas


(TAILLE, 1992, p. 15).
Resumidamente, para Piaget, a socialização possui vários graus. Começa no
grau zero, quando a criança é recém-nascida, até o grau máximo, representado pelo
conceito de personalidade. A personalidade significa, portanto, o momento de
autonomia do indivíduo, quando ele já superou o egocentrismo e consegue
estabelecer uma relação - trocas intelectuais - recíproca com os outros.
Para Piaget, as relações interindividuais pressupõem dois tipos de relações
sociais: a coação e a cooperação.
A coação social é toda relação entre dois indivíduos em que estão presentes
os elementos da autoridade e do prestígio. Nesse tipo de relação, não há diálogo.
Segundo Taille (1992, p. 19) "uma vez que um fala e outro se limita a ouvir e a
memorizar". O indivíduo coagido é levado a acreditar no que diz a outra pessoa, que,
por ter mais poder, tem também, autoridade e prestígio, sem que seja preciso verificar
a veracidade ou procedência dos fatos.
As relações de cooperação, por sua vez, representam o mais alto nível de
socialização e desenvolvimento mental, visto que pressupõem reciprocidade e diálogo
entre indivíduos autônomos. Aqui, a relação não se baseia em uma pessoa que fala e
outra que acredita, cegamente, no que é dito; aqui, o ato de acreditar não está
submetido à autoridade e ao prestígio de outrem, mas na capacidade de
discernimento de cada pessoa ou, ainda, como diz Taille (1992, p. 20), "agora não há
mais assimetria, imposição, repetição, crença (...). Há discussão, troca de pontos de
vista, controle mútuo dos argumentos e das provas".
Em sua obra “O julgamento moral da criança” (1930), Piaget estabelece que a
moral se desenvolve em um processo crescente que vai da dependência moral a
autonomia moral. O desenvolvimento da autonomia, por sua vez, é um processo
mediado pelos adultos, crianças e adolescentes, com os quais a criança se relaciona
cotidianamente. No desenvolvimento da autonomia, há dois mecanismos
fundamentais, a cooperação e a reciprocidade, que comportam dois tipos de sanções:
as sanções expiatórias, e as sanções de reciprocidade.
Sanções expiatórias: essas sanções caracterizam-se por não apresentar
qualquer relação entre a falta cometida e a punição recebida, porque estão baseadas,
apenas, na autoridade dos adultos.
Sanções de reciprocidade: nessas sanções, há relação estreita entre o ato e a
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punição, por isso, apresenta "elo de reciprocidade", de coerência.


Em geral, as regras são praticadas e internalizadas pela criança em três
momentos subsequentes: anomia, heteronomia e autonomia.
Anomia: nesse momento, a criança não segue regras, mas busca satisfazer
seus interesses. Aqui, não importa para a criança participar de atividades coletivas
regidas por regras estabelecidas em comum acordo.
Heteronomia: nessa fase, já começa a ser desenvolvido certo interesse por
atividades coletivas, com regras estabelecidas mutuamente.
Autonomia: na autonomia, a criança já consegue jogar e se relacionar,
obedecendo a regras que são estabelecidas em comum acordo.
Está claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma
construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é capaz
de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio
desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha e sim
como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do erro denuncia a
ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência da aprendizagem.
Visto que a socialização e a moral vão sendo consolidadas ao longo da infância,
o trabalho coletivo, em Piaget, tem o papel de mediador das relações e de instigador
da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O trabalho coletivo
socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança se perceber como parte
de uma coletividade, superando seu egocentrismo.
No Construtivismo piagetiano o educador não é o detentor do saber, mas o
facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de
conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação professor-
aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação.
É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O
conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma teoria
deve servir como uma possibilidade, dentre tantas, de construção de educação
diferenciada.
A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista como
um palco onde se experimenta, se inventa e se recria o ato de ensinar: nesse palco,
podem surgir outras teorias.
Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade
sociocultural dos alunos, para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar
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mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em


determinado lugar não, necessariamente, pode responder às necessidades de outra
e diversa realidade.

LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO

Podemos dizer, sem o risco de equívocos, que a matéria do


socioconstrutivismo de Lev Vygotsky foi o tempo presente, os homens presentes, a
vida presente. Sua teoria sobre a aprendizagem e a produção do conhecimento
esteve, desde a origem, intimamente ligada ao fato de o homem ser social e histórico
ao mesmo tempo, de ser produto e produtor de sua história e de sua cultura pela e na
interação social.
Como o próprio nome diz, o Interacionismo pressupõe a aprendizagem como
produto das relações sociais, que os homens estabelecem em determinado momento
histórico. O Interacionismo tem o materialismo histórico dialético como base
epistemológica e, por conta disso, para compreender Vygotsky, é preciso, antes,
entender a centralidade de alguns conceitos que estão presentes em sua teoria, quais
sejam: a cultura, a linguagem e as relações sociais.

Vida e Obra de Lev Vygotsky

Lev Vygotsky foi cotidiano como todo homem, mas, como poucos, suspendeu
o cotidiano e colocou-se diante da vida questionando-a dia a dia. Nascido em 17 de
novembro de 1896, na cidade de Orsha, na Rússia, filho de uma família culta,
Vygotsky teve desde muito cedo uma riqueza intelectual que o fazia se questionar
sobre o homem e a criação de sua cultura. Passou a adolescência na cidade de Gomel
e mostrava-se, desde então, interessado por literatura, poesia e filosofia. Estudou
francês, hebraico, latim e grego. Foi educado em casa até os 15 anos, quando
ingressou no curso secundário.
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FIGURA - LEV VYGOTSKY

http://www.psicosmica.com/2013/04/lev-vygotsky-vida-e- obra.html>.

Em 1914, matriculou-se em Medicina na Universidade de Moscou e,


paralelamente, estudou Direito. Cursou, ainda, Filosofia, Psicologia, Literatura e
História na Universidade Popular de Shanyavsky. Em 1917, em plena Revolução
Russa, forma-se em Direito e volta para Gomel, onde começa a lecionar Literatura,
História da Arte e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola de professores.
Em 1924, apresenta-se casualmente no Congresso Panrusso de Psiconeurologia,
quando foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou. É quando
conhece e começa a trabalhar com Aleksander Luria e Aleksei Leontiev, seus
seguidores, colaboradores e amigos. Em 1925, embora estando gravemente doente
(tuberculose), inicia um período de intensas produções, conferências e pesquisas
direcionadas principalmente às crianças portadoras de deficiências visuais e auditivas.
Sua paixão pela arte o mantinha muito próximo de intelectuais e artistas. Por
conta disso, em 1927, foi publicamente considerado, pelo cineasta Sergei Eisenstein,
como um dos psicólogos mais brilhantes da época, capaz de ver o mundo com
claridade celestial. Em 1929, concluiu sua tese “A psicologia da Arte”, baseada em
Hamlet, de Shakespeare. Em 1932, prefaciou o livro “A linguagem e o pensamento da
criança”, de Jean Piaget. Vygotsky morreu precocemente, aos 37 anos de idade, em
11 de junho de 1934. Mas, em sua curta vida, deixou uma grande herança teórica que
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foi silenciada por quase meio século: em 1936, Josef Stalin acusa Vygotsky de
idealismo e proíbe suas obras por 20 anos.
As inquietações de Vygotsky sobre o desenvolvimento da aprendizagem e a
construção do conhecimento perpassavam pela produção da cultura, como resultado
das relações humanas. Por conta disso, ele procurou entender o desenvolvimento
intelectual a partir das ralações histórico-sociais, ou seja, buscou demonstrar que o
conhecimento é socialmente construído pelas relações humanas.
Para Vygotsky (1991), o homem possui natureza social visto que nasce em um
ambiente carregado de valores culturais: na ausência do outro, o homem não se faz
homem. Partindo desse pressuposto criou uma teoria de desenvolvimento da
inteligência, na qual afirma que o conhecimento é sempre intermediado.
Sendo a convivência social fundamental para transformar o homem de ser
biológico a ser humano social, e a aprendizagem que brota nas relações sociais ajuda
a construir os conhecimentos que darão suporte ao desenvolvimento mental.
Segundo o autor, a criança nasce apenas com funções psicológicas
elementares e, a partir do aprendizado da cultura, essas funções transformam- se em
funções psicológicas superiores. Entretanto, essa evolução não se dá de forma
imediata e direta; as informações recebidas do meio social são intermediadas, de
forma explícita ou não, pelas pessoas que interagem com as crianças. É essa
intermediação que dá às informações um caráter valorativo e significados sociais e
históricos.
As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são
construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo,
mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano
cria as formas de ação que o distinguem de outros animais (OLIVEIRA, 1992).
Vale dizer que essas informações não são interiorizadas com o mesmo teor
com que são recebidas, ou seja, elas sofrem uma reelaboração interna, uma linguagem
específica em cada pessoa. Em outras palavras, cada processo de construção de
conhecimentos e desenvolvimento mental possui características individuais e
particulares. Dito de outra forma, os significados socioculturais historicamente
produzidos são internalizados pelo homem de forma individual e, por isso, ganham um
sentido pessoal; "a palavra, a língua, a cultura relaciona- se com a realidade, com a
própria vida e com os motivos de cada indivíduo" (LANE, 1997, p. 34)
30

Cultura e Linguagem

Não é possível falar sobre a perspectiva vygotskyana de desenvolvimento da


aprendizagem e de produção do conhecimento, sem fazer referência à centralidade
da cultura e da linguagem em sua teoria.
Para Vygotsky, o homem constitui-se enquanto tal a partir da relação que
estabelece com o outro, enquanto ser social. Dessa forma, "a cultura torna-se parte
da natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da
espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem" (OLIVEIRA,
1992, p. 24), ou seja, o desenvolvimento intelectual do homem está intimamente ligado
às relações sociais, que têm como produto a cultura, o conhecimento.
Nesse processo de interação humana, que produz cultura e transforma o
homem em ser social, a linguagem é o sistema simbólico fundamental de mediação
entre os homens e desses com o mundo concreto. A linguagem possui, portanto, dupla
importância na construção do saber, pois, além de intermediar a relação entre os
homens (relação essa que produz conhecimento), "a linguagem simplifica e generaliza
a experiência, ordenando os fatos do mundo real em conceitos cujo significado é
compartilhado pelos homens que, enquanto coletividade, utilizam a mesma língua"
(OLIVEIRA, 1992, p. 27).

A Aprendizagem

Para Vygotsky, a aprendizagem é um processo contínuo e a educação é


caracterizada por saltos qualitativos de um nível de aprendizagem a outro. "A
aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem
ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas" (OLIVEIRA, 1992, p. 33).
Daí, a importância das relações sociais e da cultura, como produto dessas relações,
no desenvolvimento intelectual da criança. Para explicar o processo de aprendizagem,
Vygotsky desenvolveu os conceitos de Desenvolvimento Potencial e Mediador,
Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Proximal.
Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - A zona de desenvolvimento
potencial ou mediador e toda atividade e/ou conhecimento que a criança ainda não
domina, mas que se espera que ela seja capaz de saber e/ou realizar,
independentemente de sua etnia, religião ou cultura.
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Zona de desenvolvimento real - A zona de desenvolvimento real é


caracterizada por tudo aquilo que a criança já é capaz de realizar sozinha. Nessa zona,
está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as atividades
que realiza.
Zona de desenvolvimento proximal - A zona de desenvolvimento proximal é
a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é
capaz de desenvolver com o auxílio de alguém. Na zona de desenvolvimento proximal,
o aspecto fundamental e a realização de atividades com o auxílio de um mediador.
Por isso, segundo Vygotsky, essa é a zona cooperativa do conhecimento. O mediador
ajuda a criança a concretizar o desenvolvimento que está próximo, ou seja, ajuda a
transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real.
Não há duvida de que a teoria de Vygotsky oferece uma nova racionalidade a
partir da qual é possível entender o desenvolvimento interno da aprendizagem e da
produção do conhecimento. A criança somente consegue fazer com o auxílio de outra
pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha amanhã recoloca a relação erro/acerto
numa outra perspectiva: a de que o ato de errar não deve ser um indicador de
incapacidades, mas um elemento fundamental para se entender que conhecimentos
precisam ser reforçados e estimulados, no aluno.
Por outro lado, a importância da cultura, da linguagem e das relações sociais
na teoria de Vygotsky fornece a base para uma educação em que o homem seja visto
na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com outros; na sua
especificidade cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em processo de
construção e reconstrução permanente.
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APRENDIZAGEM

Ao longo de seus estudos, Vygotsky preocupou-se em demonstrar como os


processos mentais superiores desenvolvem-se no ser humano. Por processos
mentais superiores entende-se que: O controle consciente do comportamento, a ação
intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do
espaço presentes; em outras palavras, todas as
ações e pensamentos inteligentes (não instintivos)
que somente estão presentes nos homens
(OLIVEIRA, 1993, p. 26).
Portanto, o que coloca o homem a frente dos
outros animais e a intencionalidade é a liberdade de
escolha em suas ações. O conceito de mediação
está no cerne de todas as ações intencionais e voluntárias do ser humano. Isso
significa que o contato do homem com os outros homens e com o meio em que vive é
sempre mediado por alguma experiência e/ou conhecimento, anteriormente
assimilado.
Já dissemos em outros momentos que todo conhecimento é limitado e relativo,
nenhuma teoria pode ser tomada como verdade única e absoluta. Toda verdade é
histórica, passageira, e como tal precisa ser utilizada: precisamos procurar sempre
o equilíbrio entre o ceticismo retrógrado e a fé cega, que fecha qualquer possibilidade
para o novo.
Não podemos duvidar do caráter revolucionário da teoria vygotskyana, mas
sempre como um dos instrumentos que pode auxiliar na busca incessante por uma
educação que recupera e reforça, no homem, o que ele tem de melhor: sua
33

criatividade, sua autonomia, sua condição histórica de sujeito e não de objeto a ser
modelado.
Há ainda que atentar para o fato de que toda educação é direcionada para uma
realidade específica, e é a partir das peculiaridades, culturais e sociais, de cada
realidade que as teorias do conhecimento e da aprendizagem devem ser pensadas
no âmbito da prática escolar. É um erro pensar a educação descolada da vida
cotidiana e imediata dos indivíduos, de seus limites e de suas possibilidades.
Uma educação, de fato, transformadora caminha no sentido de promover o
respeito pela diferença, de estimular a riqueza da diversidade; o contrário disso é
homogeneizar, e não permitir que um rico mosaico cultural seja pincelado por cada
homem e por cada mulher: diferentes nas suas particularidades, mas únicos enquanto
humanidade.

CONSTRUTIVISMO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Nessa etapa, será estudado o construtivismo e suas teorias sobre o


desenvolvimento das crianças, principalmente, com um enfoque na educação.
Portanto, não vamos resgatar todas as teorias sobre o Construtivismo, mas como a
semiótica colabora no processo de aprendizagem e na construção do conhecimento.
A função da semiótica é possibilitar que se possa evocar, mediante signo ou
imagem simbólica, um objeto ausente. Por sua vez, a semiótica também permite
diferenciar e coordenar significantes e significados. Como dito, a semiótica utiliza-se
de signos e imagens simbólicas; mas, o que é signo e o que é símbolo?
Signo pode ser compreendido como alguma coisa que está no lugar de outra,
sob algum aspecto. E símbolo provém do grego symbolon, que significa marca, sinal
de reconhecimento, ou seja, qualquer representação de uma realidade por outra. A
linguagem humana, por exemplo, é simbólica enquanto representa a realidade de
forma analógica ou convencional (ARANHA, 1996, p. 240).
Podemos, então, dizer que, ao longo da vida, constantemente, utilizamo- nos de
signos e/ou símbolos para falar da realidade, e este hábito está presente, por
consequência, em nosso desenvolvimento cognitivo, mecânico, afetivo, psicológico,
entre outros aspectos. Dessa maneira, também podemos afirmar que esta forma de
linguagem estará presente nos processos de aprendizagem, ou melhor, em todos os
processos educativos.
34

Ao explicar as chamadas operações superiores, Vygotsky utiliza o conceito de


mediação segundo o qual a relação do homem com o mundo não é direta, mas
mediada pelos sistemas simbólicos. Essa mediação é levada a efeito pelo uso de
instrumentos e de signos.
Para Vygotsky, a invenção e o uso de signos como meios auxiliares para
solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher,
etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, somente que, agora, no campo
psicológico (ARANHA, 1996, p. 205).
Em especial, é importante falarmos do sistema de notação, que é muito
utilizado na maior parte das áreas de conhecimento, das quais podemos destacar a
linguagem escrita, a matemática e as artes (por exemplo: a música).
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Nessa perspectiva, percebemos que o ser humano constantemente buscou, ao


longo de sua história, por meio das relações sociais estabelecidas no interior da
sociedade, a construção da cultura que expressa estas relações do homem com o
próprio homem, do eu com o outro, do homem com o meio. Dessa forma, Aranha (1996)
afirma que: O contato do homem com a natureza, com outros homens e consigo
mesmo é intermediado pelos símbolos, isto é, signos - arbitrários e convencionais -
por meio dos quais o homem representa o mundo. Portanto, ao criar um sistema de
representações aceitas por todo o grupo social (ou seja, a linguagem simbólica) os
homens comunicam- se de forma cada vez mais elaborada. Nesse sentido, pode-se
35

dizer que a cultura e o conjunto de símbolos elaborados por um povo em determinado


tempo e lugar. Dada a infinita possibilidade de simbolizar, as culturas são múltiplas e
variadas (ARANHA, 1996, p.14-15).
Como vemos os sistemas de representação, ou melhor, sistemas de notação
são, portanto, formas e/ou ações de representar por meio de signos, símbolos e/ou
sinais convencionais (definidos a partir do consenso do grupo, pelo menos de uma
fração dominante). Por sua vez, o processo de apropriação dessas notações faz parte
do desenvolvimento individual de cada um, a partir da aprendizagem e das práticas
pedagógicas exercidas individual ou coletivamente. As notações podem ser expressas
por meio do desenho, da linguagem, dos números, da música (ritmos, melodias e
partituras), entre outras formas.
O desenho pode ser considerado uma dessas representações da realidade,
pois articula a cognição com o afeto, evoluindo junto com a construção do real.
Podemos identificar alguns níveis do desenho, dos quais destacamos quatro: realismo
fortuito, incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo visual.
Criar e perceber formas visuais implica trabalhar frequentemente com as
relações entre os elementos que as compõem, tais como ponto, linha, plano, cor, luz,
movimento e ritmo. As articulações desses elementos nas imagens dão origem à
configuração de códigos que se transformam ao longo dos tempos. Tais normas de
formação das imagens podem ser assimiladas pelos alunos como conhecimento e
aplicação prática recriadora e atualizada em seus trabalhos, conforme seus projetos
demandem e sua sensibilidade e condições de concretizá-los permitam. O aluno
também cria suas poéticas onde gera códigos pessoais (BRASIL, PCN - Arte, 1997, p.
61-62).
A linguagem é outra forma de notação, de representação simbólica da
realidade. Segundo o PCN, referentemente à Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental (BRASIL, 1997): A língua é um sistema de signos histórico e social que
possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender
não somente as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os
modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade
e a si mesmas (BRASIL, 1997, p. 24).
A linguagem, contudo, pode ser expressa de diversas formas, mas a escrita é
a forma que mais nos interessa neste momento, pois é por meio da grafia que as
diversas culturas humanas desenvolveram os signos da linguagem. A escrita traduz a
36

notação de uma cultura, de um grupo social, de uma tradição não somente histórica,
mas, também, simbólica. E, da mesma forma que existe uma evolução na forma de
apreensão e expressão dos desenhos, a representação da escrita também evolui.
Podemos identificar os seguintes níveis de evolução da escrita: pré-silábico, silábico,
silábico alfabético e ortográfico.
Como a escrita, vamos perceber que os números traduzem um sistema de
notação bem complexo, o qual busca representar quantidades, basicamente. A
evolução da notação numérica vai desde a classificação/seriação, passa pela
percepção global (muito/pouco), desenvolve os sistemas de contagem, avançando
para as representações dos números cardinais, os grafismos icônicos e abstratos,
entre outras formas mais complexas.
É importante, entretanto, ressaltar as dificuldades no aprender a matemática,
assim como ensiná-la. Nesse sentido, Wood (1996) diz-nos que: Bruner afirma que a
instrução e um pré-requisito necessário para que as atividades espontâneas da
criança se transformem em pensamento simbólico, racional. Ele partilha da opinião de
Piaget, segundo a qual a ação é o ponto de partida para a formação do pensamento
abstrato e simbólico (como o que toma parte na resolução de equações matemáticas,
por exemplo), mas não concorda com a noção de que a criança, antes de atingir um
determinado nível, seja incapaz de entender as relações conceituais entre a atividade
prática e níveis mais abstratos de pensamento (WOOD, 1996, p. 310-311)
E continua afirmando: À noção de que a evolução do pensamento simbólico
seja condicionada por estágios de desenvolvimento, Bruner fornece uma perspectiva
diferente, a respeito do processo de chegar a conhecer e da natureza da
aprendizagem. Ele distingue entre três "modos", pelos quais o conhecimento é
expresso ou "representado". A seus três modos de representação dá os nomes de
"atuante" [enactive] "icônico" e "simbólico". A representação atuante assemelha-se à
noção piagetiana de inteligência prática. (...) A representação icônica: representação
do conhecimento em que a representação criada precisa guardar uma
correspondência de elemento para elemento, com o evento ou atividade que ela
retrata. (...) A representação simbólica: os próprios números, bem como os símbolos
verbais e escritos não guardam uma relação de elemento para elemento, com as
entidades que retratam. Do mesmo modo, símbolos como "+", "=" e "- " não
apresentam, em si mesmos e do ponto de vista da percepção, uma semelhança com
as operações que designam. E, assim como as palavras funcionais na linguagem, eles
37

possuem diversos significados enquanto símbolos matemáticos, dependendo do tipo


de problema em questão (como por exemplo, dividir números inteiros ou dividir
frações). (WOOD, 1996, p. 310-311).
Por fim, encontramos na música, explícitos, vários instrumentos de notação, os
quais buscam representar os ritmos naturais, como os ritmos do coração, do andar, da
respiração, entre outros fenômenos. A música é expressão da cultura, da linguagem do
coração, da emoção, mas também de uma lógica nem sempre matemática, mas,
muitas vezes, expressa por ela. As melodias estão presentes em todo tipo de cultura,
talvez com tons, com harmonias, com ritmos diferenciados, mas sempre existem.
As notas musicais, as partituras e seus diversos grafismos sempre buscam
traduzir uma situação real, que pode ser compreendida em um som, em um ritmo, em
um estilo, ou, até mesmo, na ausência do som (a pausa) - o silêncio é expresso por uma
notação, uma representação simbólica. Um pequeno ponto ao lado ou acima de uma
nota musical representa algo na linguagem musical - é momento de acrescer ou
diminuir o tempo de execução de um determinado som.
A notação musical, como observamos, é outra forma de representação
simbólica, que também guarda especificidades, mas traduz uma cultura, relações
sociais e, por sua vez, é pautável de aprender e ensinar, de sentir e executar. A
música, assim como o desenho, a escrita e a matemática, e todas as outras maneiras
de simbolizar o real, podem facilitar (ou não) os processos de aprendizagem e
construção do conhecimento. Como a música, a educação é uma arte. “Arte é
cognição”. (Ana Maria Barbosa)

PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR

Na história da educação brasileira, é


imprescindível falarmos de Paulo Freire, não
somente por sua importância enquanto educador,
mas, também, como construtor de uma proposta de
educação para todos os brasileiros - uma educação
popular. É claro que ele não somente teve
relevância em nosso país: desenvolveu várias
experiências no exterior, principalmente no período
do exílio.
38

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no Recife,


Pernambuco, uma das regiões
mais pobres do país, onde logo cedo pode experimentar as dificuldades de
sobrevivência das classes populares. Trabalhou inicialmente no SESI (Serviço Social
da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do
Recife. Ele foi quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola
a criador de ideias e "métodos".
Sua filosofia educacional expressou-se, primeiramente, em 1958, na sua tese
de concurso para a Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor de História
e Filosofia da Educação daquela Universidade, bem como em suas primeiras
experiências de alfabetização como a de Angicos, Rio Grande do Norte, em 1963.
A coragem de pôr em prática um autêntico trabalho de educação que identifica
a alfabetização com um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto
para a aquisição dos instrumentos de leitura e escrita quanto para a sua libertação, fez
dele um dos primeiros brasileiros a serem exilados.
Em 1969, trabalhou como professor na Universidade de Harvard, em estreita
colaboração com numerosos grupos engajados em novas experiências educacionais
tanto em zonas rurais quanto urbanas Durante os 10 anos seguintes, foi Consultor
Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em
Genebra (Suíça). Nesse período, deu consultoria educacional junto a vários governos
do Terceiro Mundo, principalmente na África. Em 1980, depois de 16 anos de exílio,
retornou ao Brasil para "reaprender" seu país. Lecionou na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Em 1989, tornou-se Secretário de Educação no Município de São Paulo, maior cidade
do Brasil. Durante seu mandato, fez um grande esforço na implementação de
movimentos de alfabetização, de revisão curricular e empenhou-se na recuperação
salarial dos professores.
A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em campanhas
de alfabetização e, por isso, ele foi acusado de subverter a ordem instituída, sendo
preso, após o Golpe Militar de 1964. Depois de 72 dias de reclusão, foi convencido a
deixar o país. Exilou-se primeiro no Chile, onde, encontrando um clima social e político
favorável ao desenvolvimento de suas teses, desenvolveu, durante cinco anos,
trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma
Agrária (ICIRA). Foi aí que escreveu a sua principal obra: Pedagogia do Oprimido.
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Em Paulo Freire, conviveram sempre presentes senso de humor e a não menos


constante indignação, contra todo tipo de injustiça. Casou-se, em 1944, com a
professora primária Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após a morte
de sua primeira esposa, casou-se com Ana Maria Araújo Freire, uma ex-aluna.
Paulo Freire é autor de muitas obras, entre elas: Educação: prática da liberdade
(1967), Pedagogia do oprimido (1968), Cartas à Guiné-Bissau (1975), Pedagogia da
esperança (1992), À sombra desta mangueira (1995).
Foi reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa por meio de
numerosas homenagens. Além de ter seu nome adotado por muitas instituições, é
cidadão honorário de várias cidades, no Brasil e no exterior.
A Paulo Freire foi outorgado o título de doutor Honoris Causa, por vinte e sete
universidades. Por seus trabalhos na área educacional, recebeu, entre outros, os
seguintes prêmios: "Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento" (Bélgica, 1980);
"Prêmio UNESCO da Educação para a Paz" (1986) e "Prêmio Andres Bello" da
Organização dos Estados Americanos, como Educador dos Continentes (1992). No
dia 10 de abril de 1997, lançou seu último livro, intitulado Pedagogia da Autonomia:
saberes necessários à prática educativa. Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de
1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio.
Percebe-se, atualmente, o quanto Paulo Freire produziu, ao longo de sua fértil
vida, para a educação e para a vida dos outros seres humanos. Como ele mesmo
dizia: a educação não transformará a sociedade sozinha, contudo, sem a educação a
sociedade não será transformada. E, é justamente, aprendendo com Freire, que
devemos entender o quanto é importante conceber a educação como um princípio
transformador da realidade, dos seres humanos, das relações sociais. Por sua vez, é
interessante não somente vislumbrar os potenciais e desafios de seu método, mas,
também, os seus limites.

O Método de Paulo Freire

A partir do princípio de que o ato de educar é um ato político, assim como o ato
de aprender, pode-se afirmar que a educação não é neutra. Nesse sentido, a educação
é um processo de construção e reconstrução dos processos sociais, proporcionando
uma consciência crítica dos diversos atores envolvidos neste universo educativo - a
sociedade.
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Outro princípio fundante do método freireano é a concepção da educação


enquanto um processo dialético, no qual é fundamental a participação de todos os
atores envolvidos, de forma que o diálogo entre esses é política e pedagogicamente,
imprescindível. Não é possível conceber que exista alguém que sabe tudo e alguém
que nada sabe, alguém que somente ensina e alguém que somente aprende - todos
aqueles que estão envolvidos no processo educativo ensinam e aprendem,
transformam-se mediatizados pelo espaço pedagógico.

FIGURA - MÉTODO DE PAULO FREIRE

O método, na proposta de Freire, tem como grande objetivo, também, além de


alfabetizar todos aqueles que não tiveram oportunidade de estudar, construir um
processo de conscientização das classes excluídas do sistema educacional - é uma
proposta de educação popular conscientizadora.
Partir da realidade de cada aluno é o principal parâmetro para a construção do
conhecimento e, dessa forma, prepõe-se um momento de diagnóstico do contexto em
que serão desenvolvidas as atividades de alfabetização. Para tanto, torna-se
importante entender que: O método começava por localizar e recrutar os analfabetos
residentes na área escolhida para os trabalhos de alfabetização. Prosseguia mediante
entrevistas com os adultos inscritos nos "círculos de cultura" e outros habitantes
selecionados entre os mais antigos e os mais conhecedores da realidade.
Registravam-se literalmente as palavras dos entrevistados, a propósito de questões
referidas às diversas esferas de suas experiências de vida no local: questões sobre
41

experiências vividas na família, no trabalho, nas atividades religiosas, políticas,


recreativas etc. O conjunto das entrevistas oferecia à equipe de educadores uma
extensa relação das palavras de uso corrente na localidade. Essa relação era
entendida como representativa do universo vocabular local e delas se extraíam as
palavras geradoras - unidade básica na organização do programa de atividades e na
futura orientação dos debates que teriam lugar nos "círculos de cultura". (BEISIEGEL,
1974, p. 165).

Podemos perceber que as palavras geradoras ou temas geradores são o ponto


de partida do processo de aprendizagem, ao qual estão referenciadas diversas
dimensões do conhecimento. Desde a problematização da realidade até sua
compreensão sociocultural, as pessoas no processo de educação reconhecem-se
como cidadãos e, principalmente, como agentes transformadores de seu cotidiano, de
sua vida.

Algumas fases do método de Paulo Freire

Em seu livro Educação como prática da liberdade, Freire propõe a execução


prática do método em cinco fases, a saber:
1ª Fase: levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se
trabalhará. Essa fase constitui-se num importante momento de pesquisa e
conhecimento do grupo, aproximando educador e educando numa relação mais
informal e, portanto, mais carregada de sentimentos e emoções. É igualmente
importante para o contato mais aproximado com a linguagem, com as falas típicas do
povo.
2ª Fase: escolha das palavras selecionadas do universo vocabular pesquisado.
Como já afirmamos anteriormente, essa escolha deverá ser feita sob os critérios: a)
da riqueza fonética; b) das dificuldades fonéticas, numa sequência gradativa dessas
dificuldades; c) do teor pragmático da palavra, ou seja, na pluralidade de engajamento
da palavra numa dada realidade social, cultural, política etc.
3ª Fase: criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai
trabalhar. São situações desafiadoras, codificadas e carregadas de elementos que
serão decodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais
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que, discutidas, abrem perspectivas para a análise de problemas regionais e


nacionais.
4ª Fase: elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordenadores de debate
no seu trabalho. São fichas que deverão servir como subsídios, mas sem uma
prescrição rígida a seguir.
5ª Fase: elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas
correspondentes aos vocábulos geradores. Esse material poderá ser confeccionado
na forma de slides, stripp-filmes (fotograma) ou cartazes.
A proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e adultos
foi completamente inovadora e diferente das técnicas até então utilizadas, que eram,
na maioria das vezes, resultado de adaptações simplistas das cartilhas, com forte
tônica infantilizante. Foi diferente, por possibilitar uma aprendizagem libertadora, não
mecânica, uma aprendizagem que requer tomada de posição frente aos problemas
que vivemos. Uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada,
não fragmentada, com forte teor ideológico. Foi diferente, pois promovia a
horizontalidade na relação, educador - educando, a valorização de sua cultura, de sua
oralidade, enfim, foi diferente, acima de tudo, pelo seu caráter humanístico. Dessa
forma, o método proposto por Freire rompeu com a concepção utilitária do ato
educativo, propondo outra forma de alfabetizar. Cabe aqui também o registro de que
Paulo Freire, ao trabalhar com slides, gravuras, enfim, materiais audiovisuais foi um
dos pioneiros na utilização da linguagem multimídia na alfabetização de adultos. Isso
prova o quanto Freire estava a frente de seu tempo (FEITOSA, 1999, p. 78)

A realidade em foco

Podemos começar esta parte do texto retomando a seguinte questão: é


possível construir uma prática de Educação Infantil levando em consideração os
princípios do método de Paulo Freire? De que forma?
Para responder essa pergunta, seria necessário fazermos uma ampla
pesquisa, contudo, não é o caso, pois os desafios propostos por Paulo Freire trazem-
nos a responsabilidade de transpor seu método não somente em experiências de
educação de Jovens e Adultos, mas, também, nos diversos outros âmbitos da
educação, incluindo a Educação Infantil.
Portanto, pode-se afirmar que os princípios de uma educação engajada, crítica,
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enfocada na realidade de cada aluno e de cada educador - e dos diversos atores nela
envolvidos – é essencial, assim como em um processo de educação de crianças é
imprescindível não descartar a possibilidade de educar para transformar, educar para
a cidadania e, não contraditoriamente, educar para disciplinar, para aprisionar, para
limitar.

1.1 HENRI WALLON E A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA


Podemos afirmar que o ser humano é um ser essencialmente emocional
e que os aspectos da emoção são os que mais norteiam a nossa vida. A
emoção é o primeiro elo de comunicação do indivíduo com o mundo externo, e dela
deriva a afetividade. Sendo a afetividade considerada, hoje, uma das mais importantes
facetas da vida do ser humano, devemos compreendê-la e atribuir-lhe a devida
importância, especialmente em trabalho educativo a se desenvolver com crianças em
uma fase delicada de desenvolvimento, como a criança da Educação Infantil.
Nesse sentido, podemos atribuir grande importância à teoria de Henri Wallon,
que considera o homem como um ser determinado física e socialmente, sujeito tanto
às disposições internas quanto às situações exteriores. Para tanto, propõe a
Psicogênese da Pessoa Completa, o estudo integrado do desenvolvimento nos vários
campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil: afetivo, motor e cognitivo.
Wallon considera o sujeito como "geneticamente social" e estudou a criança
contextualizada, nas relações com o meio. Sua base epistemológica é o materialismo
dialético.

Vida e Obra de Henri Wallon

Henri Wallon nasceu na França, em 1879. Viveu em Paris até sua morte, em
1962. Aos 23 anos, formou-se em Filosofia e, aos 29 anos, em Medicina. Na Primeira
Guerra Mundial, atuou como médico do exército francês. Até então, devido ao seu
trabalho com crianças deficientes, havia desenvolvido posições neurológicas que
foram revistas, após o contato com ex-combatentes que apresentavam lesões
cerebrais. Até 1931, atuou como médico em instituições psiquiátricas, onde se
dedicou as crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento.
44

HENRI WALLON

Esse seu trabalho leva-o a um interesse cada vez maior pela psicologia da
criança, tendo sido o responsável, no período de 1920 a 1937, por conferências sobre
a psicologia da criança, em várias instituições de ensino superior. Em 1925, fundou
um laboratório para pesquisa e atendimento às crianças deficientes. Ainda neste ano,
publica sua tese de doutorado, intitulada “A Criança Turbulenta”, o primeiro de
inúmeros livros voltados à psicologia da criança. Em 1931, em uma viagem para
Moscou, passa a integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais
que tinha por objetivo estudar profundamente o materialismo dialético e examinar as
possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência. Wallon
manteve interlocução com as teorias de Piaget e Freud. Em 1948, criou a revista
“Enfance”, publicada até hoje e que serve de instrumento de pesquisa para psicólogos
e educadores.

Psicogênese a Pessoa Completa

Ao contrário de Piaget, que buscava a gênese da inteligência, Wallon pretendia


a gênese da pessoa. Assim, admite o organismo como condição primeira do
pensamento, pois afirma que toda função psíquica supõe um componente orgânico e
que o objeto de ação mental vem do ambiente em que o sujeito está inserido. Dessa
forma, o sujeito é determinado fisiológica e socialmente, ou seja, é resultado tanto das
disposições internas quanto das situações exteriores. Wallon, então, propunha a
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Psicogênese da Pessoa Completa, ou seja, o estudo da pessoa completa integrada ao


meio em que está imersa, com os seus aspectos afetivos, cognitivos e motores,
também integrados. Afirmava ainda que o estudo do desenvolvimento humano deve
considerar o sujeito como "geneticamente social", e realizar os estudos da criança
contextualizada, nas relações com o meio.

O desenvolvimento do organismo

Wallon afirma que o desenvolvimento se inicia na relação do organismo do


bebê recém-nascido com o meio humano. A partir das reações humanas das pessoas
à sua volta, aos seus reflexos e movimentos impulsivos, a criança passa a atuar no
ambiente humano, desenvolvendo aquilo que Wallon denomina motricidade
expressiva (dimensão afetiva do movimento). A condição e o limite para o
desenvolvimento são o desenvolvimento neurológico, a maturação orgânica. Esse,
porém, está estreitamente ligado às condições do meio, que lhe vão dar as condições
necessárias a essa maturação.
Dessa forma, é a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento
das funções mentais (o movimento espontâneo transforma-se em gesto que, ao ser
realizado intencionalmente, reveste-se de significado). No esforço mental, a
musculatura, embora imobilizada, permanece envolvida em atividade tônica que pode
ser intensa, ou seja, pensa-se com o corpo em sentido duplo: com o cérebro e com os
músculos. Percebemos, assim, a importância atribuída à motricidade, na teoria de
Wallon, que diz, ainda, que a imitação revela as origens do ato mental, e que o gesto
precede a palavra, sendo também uma característica cultural.
A função simbólica inibe o movimento, ou seja, a partir do momento em que o
sujeito assimila os signos sociais (fala, escrita etc.), a comunicação motora passa a ser
substituída por outros meios, decorrendo daí a disciplina mental, ou seja, o controle
do sujeito sobre suas próprias ações. Desenvolver-se é ser capaz de responder com
reações cada vez mais específicas a situações cada vez mais variadas. No seu
desenvolvimento, o sujeito caminha do sincretismo (sentimentos e ideias vividas de
uma maneira global, confusa e sem clareza da situação) em direção à diferenciação
(aos poucos se tornam mais claros e adequados às necessidades que a situação
apresenta). A aquisição da linguagem muda radicalmente à forma de relação da
criança com o meio. A linguagem é indispensável ao progresso do pensamento, sua
46

relação é recíproca: a linguagem exprime o pensamento ao mesmo tempo em que


atua como estruturadora do mesmo.
Para Wallon, o desenvolvimento não é linear e contínuo, mas, sim, a integração
de novas funções e aquisições às anteriores. Estabeleceu três leis que regulam o
processo de desenvolvimento:
Lei da alternância funcional: duas direções opostas alternam-se ao longo do
desenvolvimento: centrípeta (construção do eu) e centrífuga (elaboração da realidade
externa). Essas duas direções alternam-se constituindo o ciclo da atividade funcional.
Lei da sucessão da preponderância funcional: as três dimensões (afetiva,
cognitiva e motora) preponderam alternadamente ao longo do desenvolvimento do
indivíduo. A dimensão motora predomina nos primeiros meses de vida, e as
dimensões, afetiva (na formação do eu) e cognitiva (no conhecimento do mundo
exterior) alternam-se ao longo de todo o desenvolvimento.
Lei da diferenciação e integração funcional: as novas possibilidades integram-
se às conquistas dos estágios anteriores.
Wallon dá grande importância ao meio na constituição da pessoa. Assim, a
pessoa deve ser vista integrada ao meio do qual é parte constitutiva, e no qual, ao
mesmo tempo, constitui-se; como podemos observar em GALVÃO (2000), mostrando
que Wallon argumenta que as trocas relacionais da criança com os outros são
fundamentais para o desenvolvimento da pessoa. Para ele, o meio social e a cultura
constituem as condições, as possibilidades e os limites do desenvolvimento do
organismo. Por isso, estuda a criança contextualizada, e afirma que o ritmo das etapas
do desenvolvimento é descontínuo, ou seja, o desenvolvimento é dialético.
Estabeleceu os seguintes estágios de desenvolvimento do indivíduo:
Impulsivo-emocional: 1° ano de vida. A afetividade orienta as primeiras reações
do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação com o mundo físico. Os atos
da criança têm o objetivo de chamar a atenção do adulto para que ele satisfaça as suas
necessidades e garanta a sua sobrevivência. Aos poucos, passa a demonstrar,
também, necessidade de manifestações afetivas.
Sensório-motor e projetivo: vai até os três anos. A aquisição dos movimentos
da marcha e da prensão dá autonomia na manipulação dos objetos e na exploração
dos espaços. Ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. A
criança aprende a conhecer os outros como pessoas em oposição à sua própria
existência.
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Personalismo: dos três aos seis anos. Construção da consciência de si,


mediante as interações sociais. Percepção dos diferentes papéis e das relações dentro
do universo familiar e também dentro de um novo grupo (escola maternal). Diferencia-
se do outro e toma consciência de sua autonomia em relação aos demais.
Categorial: dos sete aos doze anos. Progressos intelectuais dirigem o interesse
da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior.
Desenvolvimento cognitivo aguçado e sociabilidade ampliada. Capacidade de
participação em vários grupos com graus e classificações diferentes, segundo as
atividades de que participa.
Predominância funcional (adolescência): fase marcada pelas transformações
fisiológicas e psíquicas, com preponderância afetiva. Há nova definição dos contornos
da personalidade, que ficam desestruturados com as transformações ocorridas.
Wallon afirma que, neste período, torna-se bastante visível o condicionamento da
pessoa pelo meio social: enquanto os adolescentes da classe média exteriorizam seus
sentimentos e questionam valores e padrões morais, os de classes operárias vivem
essa fase de outra maneira, pois têm de contribuir para a subsistência da família.
O processo de socialização dá-se pelo contato com o outro e, também, pelo
contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por isso, afirma, a
cultura geral aproxima os homens, pois permite a identificação de uns com os outros.

Teoria da Emoção

Na teoria de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de


vista da construção da pessoa, quanto do conhecimento. A sua teoria tem inspiração
darwinista: a emoção é vista como um instrumento de sobrevivência, típico da espécie
humana; se não fosse pela capacidade de mobilizar poderosamente o ambiente no
sentido do atendimento de suas necessidades, o bebê humano pereceria. Wallon
afirma que a emoção é a exteriorização da afetividade: é um fato fisiológico nos seus
componentes humorais e motores e, ao mesmo tempo, um comportamento social na
sua função de adaptação do ser humano ao seu meio. A emoção, antes da linguagem,
é o meio utilizado pelo recém-nascido para estabelecer uma relação com o mundo
externo. Os movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, quando a
emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, as atividades intelectuais. A emoção
precede as condutas cognitivas; é um processo corporal que, quando intenso,
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prejudica a percepção do exterior. Portanto, para que se possam trabalhar as funções


cognitivas, serão necessárias se manter uma "baixa temperatura emocional". O
desenvolvimento, então, deve conduzir à predominância da razão, ou, na afirmação
de Wallon, "a razão é o destino final do homem".

Legados de Wallon à Educação

A teoria de Wallon apresenta muitos subsídios à reflexão pedagógica, não


somente por estudar o desenvolvimento da pessoa completa e de basear este estudo
numa perspectiva dialética, mas, também, por tratar de temas como emoção,
movimento, formação da personalidade, linguagem, pensamento, entre outros. Além
de sua teoria psicogenética, que traz inúmeras implicações educacionais, Wallon
desenvolveu ideias acerca da educação em artigos especialmente destinados a temas
pedagógicos, e na proposta de reforma do sistema de ensino francês do pós-guerra,
no projeto denominado Projeto Langevin-Wallon, das quais podemos destacar:
A necessidade de compreenderem-se as complexas relações de determinação
recíproca entre o indivíduo e a sociedade;
A percepção da relação entre o regime político de determinada sociedade e o
sistema educacional nela vigente;
A necessidade de considerarem-se todas as dimensões que constituem o
homem completo, para efetivar uma educação humanista;
A afirmação de que a aptidão se manifesta, caso encontre ocasião favorável e
objetos que lhe respondam;
A necessidade de uma educação da pessoa completa;
A necessidade do acesso à cultura, visando o cultivo de aptidões;
A busca da dimensão estética da realidade e da expressividade do sujeito;

A busca de oportunidades iguais para todos e o respeito à singularidade; A


necessidade de oferecerem-se oportunidades de aquisições e expressões
(integração entre a arte e a ciência);
A necessidade de uma nova organização do ambiente escolar, que deve ser
planejado para que possa oportunizar interações sociais;
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A demonstração de que nas interações ocorrem crises e conflitos; é importante


conhecer os motivos destas manifestações para controlá-las e entendê-las;
A afirmação de que o ato motor tem múltiplas dimensões, o movimento mantém
uma estrita relação com a atividade mental. Como a escola apresenta a "ditadura
postural", muitos conflitos podem ocorrer devido às exigências da escola.
Para nós, como professores, a contribuição de Wallon é importante, quando
refletimos sobre suas afirmações, como somos pessoas completas, com afeto,
cognição e movimento. Relacionamo-nos com um aluno que é também uma pessoa
completa, integral, com afeto, cognição e movimento. Somos componentes
privilegiados do meio de nosso aluno.

A perspectiva de Madalena Freire

O querer bem, o amor, regia sua interação com o mundo. Muito pouco o
entenderam (ou, ainda não o entendem) sobre essa sua convicção é preciso querer
bem para educar, aprender e ensinar. Penso que era essa capacidade de amar que
lhe dava possibilidade intensa de educar sua paciência impaciente. Sempre com
aqueles olhos de menino curioso, incansável diante do novo, do conflito, do que não
conhecia. (FREIRE, Madalena, 1995, p.35)

MADALENA FREIRE

http://fabiananazar.blogspot.com.br/2010/07/madalena- freire.html>.
50

Madalena Freire é filha de Paulo Freire e, também seguidora, discípula de seus


ensinamentos e protetora de seu legado. Podemos considerar que existe uma forte influência,
nas elaborações da educadora Madalena, das teorias freireanas, principalmente, por seu
percurso acadêmico e profissional.
É importante destacar alguns pontos que se tornam referências para uma
educação mais progressista, dos quais destacamos: centro de interesses, a educação
como arte, a educação e a paixão, a emoção e a aprendizagem, o trabalho de grupo,
sistematização e o diário do educador, o planejamento e a curiosidade das crianças,
entre outros aspectos.
Madalena Freire desenvolve sua proposta de educação, principalmente
preocupada com a Educação Infantil, buscando trazer em suas elaborações os
princípios freireanas. Para tal, concebe a educação como um espaço político-
pedagógico, do qual a paixão deve ser propulsora das leituras do mundo. A educação
é a possibilidade de humanização da sociedade, da construção da consciência. Ser
educador é ser artista, pois a educação é uma arte - arte de educar.
Segundo Madalena Freire (1995): O educador lida com a arte de educar. O
instrumento de sua arte é a pedagogia. Ciência da educação, do ensinar. É no seu
ensinar que se dá seu aprendizado de artista. Toda pedagogia sedimenta-se num
método. Maneira de ordenar, organizar com disciplina, a ação pedagógica, segundo
certos pressupostos teóricos. Toda pedagogia está sempre engajada a uma
concepção de sociedade, política. É neste sentido que, nesta concepção de
educação, este educador faz arte, ciência e política. Faz política, quando alicerça seu
fazer pedagógico a favor ou contra uma classe social determinada. Faz ciência,
quando apoiado no método de investigação científica, estrutura sua ação pedagógica.
Faz arte, porque cotidianamente enfrenta-se com o processo de criação na sua prática
educativa, em que, no dia a dia, lida com o imaginário e o inusitado. A ação criadora
envolve o estruturar, dá forma significativa ao conhecimento. Toda ação criadora
consiste em transpor certas possibilidades latentes para o campo do possível, do real
(MADALENA FREIRE, 1995, p. 36).
Dessa maneira, podemos observar uma preocupação muito grande em
destacar na educação suas características mais afetivas, mais humanas, ou seja, a
afetividade torna-se uma das principais referências no processo de construção do
saber. A aprendizagem passa necessariamente pelas experiências possibilitadas pela
paixão e, assim, é um desafio saber ensinar sem inibir as emoções presentes na
51

elaboração do conhecimento.
É importante destacar que, para Madalena Freire, a construção do
conhecimento, assim como os processos de aprendizagem, são inerentes as
emoções dos seres humanos e, portanto, estão abertas às experiências de prazer, de
sofrimento, de alegria, de medo, de coragem, entre outras sensações. Assim, Freire
(1995) ressalta que: No exercício disciplinado de sua arte (mediado por seus
instrumentos metodológicos) é que a paixão de educador é educada. Educador ensina
a pensar, e enquanto ensina, sistematiza e apropria-se do seu pensar. Pensar é o eixo
da aprendizagem. Para pensar e aprender tem-se que perguntar. E para perguntar é
necessário existir espaço de liberdade e abertura para o prazer e o sofrimento,
inerentes a todo processo de construção do conhecimento. A pergunta é um dos
sintomas do saber. Toda pergunta revela o nível da hipótese em que se encontra o
pensamento e a construção do conhecimento. Revela também a intensidade da
chama do desejo, da curiosidade de vida. Ansiedades, confusões e inseguranças são
constitutivas do processo de pensar e aprender. Assim como também o imaginar, o
fantasiar e o sonhar. Não existe pensamento criador sem esses ingredientes.
Educador ensina a pensar. Mas somente pensar não basta. Educador ensina a pensar
e a agir, segundo o que se pensa quando se faz. Nessa concepção de educação, o
educador é um leitor, escritor, pesquisador, que faz ciência da educação (FREIRE,
1995, p. 40).
Outro aspecto de grande importância na concepção de educação de Madalena
é o grupo. Os grupos são instrumentos pedagógicos fundamentais para a melhor
efetivação de uma educação para a cidadania. O grupo pode se tornar um espaço em
que as experiências de participação e a efetivação de uma proposta democrática de
sociedade sejam efetivadas.
Nessa perspectiva, Madalena elaborou as experiências do Centro de
Interesses, onde se busca atender as crianças de forma plena, levando em
consideração suas necessidades sociais, afetivas, cognitivas, entre outras. Aguçar a
curiosidade da criança, assim como pensar as ações pedagógicas, justamente a partir
destas curiosidades é o grande desafio do educador. Para tal, o educador deve ser
primeiro um bom observador, estimular o surgimento, na criança e no grupo, das
curiosidades, para, a partir delas, construir, em conjunto, as relações com o mundo
em que vivem. O Centro de Interesses é a incorporação, na Educação Infantil, dos
Temas Geradores propostos por Paulo Freire - ensinar é um ato de leitura da
52

realidade.
Quando falamos que o educador deve ser um bom observador, não nos
esquecemos de que esta qualidade deve ser desenvolvida no conjunto dos
educandos, no âmbito de todos os agentes envolvidos no processo pedagógico de um
grupo, pois, para Freire (1995):
O instrumento da observação apura o olhar (e todos os sentidos) tanto do
educador quanto do educando para a leitura diagnóstica de faltas e necessidades da
realidade pedagógica. Para objetivar esse aprendizado, o educador direciona o olhar
para três eixos que sedimentam a construção da aula: o foco da aprendizagem
individual e/ou coletiva; o foco da dinâmica na construção do encontro e o foco da
coordenação em relação ao seu desempenho na construção da aula (FREIRE, 1995,
p. 45).
Podemos, assim, afirmar que o registro é uma função imprescindível no
processo pedagógico. Este registro pode ser materializado a partir do uso de um Diário,
o qual conterá os conteúdos, procedimentos, avanços e limites, possibilidades e
dificuldades do grupo e de cada criança. "O registro é a forma de deixar nossa marca
no mundo", afirmou Madalena. Segundo a educadora, somente mediado pelos
registros o professor apropria-se de sua história individual e coletiva. Segundo Freire
(1996) "A escrita possibilita a materialização, dá concretude ao pensamento, dando
condições de voltar ao passado enquanto se está construindo o presente". Para
Madalena Freire (1996):
Muito temos aprendido e muito temos ainda a aprender, mas também já
construímos algumas certezas. Acreditamos que o registro da reflexão sobre a prática
pedagógica, juntamente com o estudo teórico e o aprender a observar, avaliar e
planejar, inseridos no aprendizado de viver em grupo construindo vínculo e
conhecimento, necessita ter um acompanhamento permanente, no núcleo da escola
(MADALENA FREIRE, 1996, p. 46).
Portanto, percebemos que o legado de Paulo Freire é amplamente defendido
e ressignificado a partir das práticas e teorias desenvolvidas por sua filha e educadora
Madalena Freire. O sonho de construir uma sociedade mais digna para todos é uma
das principais funções da educação.
53

EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Emilia Ferreiro, psicóloga argentina, propôs um novo olhar sobre a


alfabetização. Suas ideias constituem uma nova teoria, intitulada Psicogênese da
Língua escrita. Suas pesquisas, realizadas na Argentina e no México, juntamente com
Ana Teberosky, foram motivadas pelos altos índices de fracasso escolar, apresentados
por estes países. As pesquisadoras argentinas buscaram, em contato direto com
alunos de várias partes do continente, a resposta para esse fracasso escolar.
Juntando os conhecimentos da psicolinguística e a teoria psicológica e epistemológica
de Jean Piaget, Emília e Ana mostraram como a criança constrói diferentes hipóteses
sobre o sistema de escrita, antes mesmo de chegar a compreender o sistema
alfabético. Suas ideias chegaram ao Brasil na década de 80 e, a princípio, foram
consideradas, erroneamente, como um novo método de alfabetização.
Ela afirma que todos os conhecimentos têm uma gênese, explicitando quais
são as formas iniciais de conhecimento da língua escrita. Por meio de sua teoria,
explica como as crianças chegam a ser leitores, antes de sê-lo. Ao se contrapor à
concepção associacionista da alfabetização, a Psicogênese da Língua Escrita
apresenta um suporte teórico construtivista, no qual o conhecimento aparece como
algo a ser produzido pelo indivíduo, que passa a ser visto como sujeito e não como
objeto do processo de aprendizagem. Processo este dialético, por meio do qual este
indivíduo se apropria da escrita e de si mesmo como usuário/produtor da mesma. A
partir desta concepção, demonstrou que a aprendizagem da escrita não está
vinculada à fala e que, mesmo quando a criança já estabelece a relação entre fala e
escrita, esta relação não é do tipo fonema/grafema.
Os filhos do analfabetismo são alfabetizáveis; não constituem uma população
com uma patologia específica, que deva ser atendida por sistemas especializados de
educação; eles têm o direito a serem respeitados, enquanto sujeitos capazes de
aprender (EMÍLIA FERREIRO, 1986, p.110).
Por meio de suas ideias, procura demonstrar que o analfabetismo e o fracasso
escolar são problemas de dimensões sociais e não consequências de vontades
individuais. Afirma que a desigualdade social e econômica se manifesta, também, na
desigualdade de oportunidades educacionais. Classifica a repetência como a
repetição do fracasso e a evasão como expulsão encoberta. Propõe, por meio de sua
teoria, uma mudança de ponto de vista. Até então, os métodos de alfabetização
54

partiam de uma concepção psicológica, em que a aprendizagem da leitura e da escrita


é realizada de forma mecânica: aquisição de técnica para decifrar o texto; resposta
sonora a estímulos gráficos. Com as pesquisas na área da psicolinguística, a partir de
1962, há uma nova visão, de que a criança procura ativamente compreender a
natureza da língua falada à sua volta, formula hipóteses, busca regularidade, ou seja,
reconstrói a linguagem.
Há grande influência de Piaget em sua teoria. Ferreiro concebe a teoria de
Piaget como uma teoria geral dos processos de aquisição do conhecimento, que é
resultado da atividade do próprio sujeito e não de métodos ou pessoas, ou seja, o
sujeito é produtor do seu próprio conhecimento. No entender de Weisz, em sua teoria,
descobre a "história da aprendizagem", ao fazer perguntas piagetianas sobre as
aprendizagens que, acreditava-se, não eram construídas e sim ensinadas, como a
aprendizagem da leitura, da escrita, da soma. Com isso, muda o enfoque da pergunta,
como observamos na afirmação de WEISZ: Em vez de indagar como se deve ensinar
a escrever, ela perguntou como alguém aprende a ler e escrever, independente do
ensino. Ela considerou uma coisa que todos sabiam: que muitas crianças chegam à
escola, antes do ensino oficial, já alfabetizadas. As crianças leem, mas não estão
socialmente autorizadas a fazer isso, antes do professor ensinar. Na verdade, os
meninos trabalham muito para construir esse conhecimento, que acaba não
reconhecido pela escola (WEISZ, 2000, Caderno de Educação do JORNAL DO
BRASIL.).
Vamos ver quais os enfoques dados à escrita, segundo Ferreiro: A escrita como
transcrição gráfica: converte unidades sonoras em unidades gráficas, por meio de um
sistema de codificação. O que está em primeiro plano são as discriminações
perceptivas (visual e auditiva). Se não houver dificuldades nas discriminações, não
haverá dificuldade para aprender a ler e escrever. Aqui, a linguagem é reduzida a uma
série de sons.
A escrita como sistema de representação: Emília Ferreiro fala em compreender
o sistema de representação: elementos essenciais da língua oral, como entonação;
semelhanças no significado. A aprendizagem, neste enfoque, é considerada como a
apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou uma aprendizagem conceitual.
55

EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA

Ferreiro afirma que a criança começa, já a partir dos quatro anos, a perceber a
escrita como a
representação de algo externo, que não é somente um traço ou uma marca.
Compreende o que a escrita representa e qual é a sua estrutura. Tem consciência da
diferença entre desenho e escrita, entre imagem e texto, e compreende que, apesar
de estarem representando a mesma
situação e terem uma origem comum, a sua estrutura é diferente: a escrita
apresenta grande complexidade, e ela vai buscando soluções para entender esta
diferença.
Nessa tentativa de solução, a criança constrói algumas hipóteses,
apresentadas por Boneti:
Garatujas: fase dos rabiscos. A criança rabisca e lê o que representam os
rabiscos.
Hipótese Pré-Silábica: a criança já conhece letras e as representa
graficamente, mas ainda não tem a sonorização. Usa letras quaisquer. Ex: DCMLZ=
caneta.
Hipótese Silábica: a criança percebe o som e representa graficamente uma
letra para cada sílaba. Ex.: “CCNT” = caneta, "BCA" = caneta ou "AEA" = caneta. A
palavra caneta tem três sílabas, por isso, representa-a com três letras convencionais
(que existem na palavra) ou não convencionais (no exemplo "BCA"). Esta hipótese é
considerada "o salto de qualidade".
Hipótese Silábica Alfabética: nesta fase, há um grande conflito cognitivo, ela
representa o número de sílabas, mas percebe que para o som é necessário
acrescentar mais letras. Ex.: CANT = caneta ou CNET = caneta. É o avanço para a
Hipótese Alfabética. Antes desses estudos, o professor via como um distúrbio de
aprendizagem esta fase da criança.
Hipótese Alfabética: representa a grafia ao som correspondente, já se
apropriou desse conhecimento, por meio da reconstrução da leitura e da escrita. Os
caminhos dessa construção são os mesmos para todas as crianças, de qualquer
classe social.
56

FIGURA -A EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA

A partir dessa nova visão, a questão dos diferentes níveis, nas salas de aula,
deixa de ser uma característica negativa para assumir papel de importância no
processo ensino-aprendizagem, em que a interação entre os alunos é fator
imprescindível. Na alfabetização, as diferenças individuais e o ritmo passam a ser
entendidos a partir dos níveis estruturais da aprendizagem da escrita.
Podemos dizer a partir da teoria de Ferreiro, que dois processos são
desencadeados na aquisição da língua escrita: o processo de ler e o processo de
escrever. Em uma concepção tradicional, a leitura pode significar decifrada, e a
escrita, cópia. Já numa visão contemporânea, na leitura, devemos considerar dois tipos
de informação: a visual e a não visual. A visual seria a organização das letras e a não
visual, o tema. Para compreender a mensagem não visual, devemos desenvolver a
competência linguística dos alunos, trabalhando com diversos tipos de textos. E, na
escrita, procurar incentivá-la à descoberta, estimulando-a e não a impedindo de
escrever. A diferença estará no resultado: a criança não estará aprendendo uma
técnica, e, sim, apropriando-se do conhecimento.

Consequências Pedagógicas da Teoria de Emília Ferreiro

Após revolução conceitual a respeito da aprendizagem da escrita trazida pela


Psicogênese da língua escrita, torna-se necessária uma revolução também na
dinâmica pedagógica. Muitos são os conceitos que devem ser mudados dentro do
espaço escolar, para
que se efetive um processo de aprendizagem dentro desta nova abordagem.
Um primeiro conceito a ser modificado é o de proposta metodológica: não é a escola
que ensina, e, sim, a criança que aprende. Assim, se
partirmos do pressuposto de que a criança está preparada para aprender o que
queremos ensinar, não saberemos lidar com aqueles que não aprendem. O
posicionamento da escola é que deve mudar; ela já não pode se dirigir a quem já sabe,
e rotular os que não conseguem de fracassados.
Uma criança de seis anos, de qualquer classe social, já "sabe" muita coisa
sobre a escrita, já compreendeu algumas coisas das regras da representação gráfica,
portanto, não podemos partir do zero, mas da bagagem trazida para a escola. Assim,
57

as atividades devem ser organizadas de modo a desafiar o pensamento da criança,


gerando conflitos cognitivos que a façam repensar e reorganizar as ideias para
alcançar novas respostas. A relação professor/aluno deve se basear no respeito
mútuo, na cooperação, na troca de pontos de vista e numa crescente autonomia do
educando.

FIGURA -EMILIO FERREIRO

Dessa forma, o professor, para se tornar construtivista, precisa desenvolver a


habilidade de respeito ao nível de desenvolvimento do educando, seus interesses e
aptidões, acompanhar o seu raciocínio, sem o cortar ou o limitar com perguntas ou
orientações que impõem outra direção ao pensamento infantil, desviando-o do
caminho que deseja ou a que pode chegar, ou seja, deve perceber seu aluno como um
sujeito ativo, que vai construir espontaneamente seu próprio conhecimento.
Outra mudança conceitual importante é a respeito do conceito de avaliação e
de erro. Em um processo de construção do conhecimento, a criança precisa superar
etapas. Nesse sentido, não podemos dizer que a criança errou, mas, sim, que não
alcançou a etapa subsequente à que se encontra. Ou podemos utilizar a expressão
de Piaget: no caminho de uma etapa a outra, pode acontecer à passagem por erros
construtivos. Nesse sentido, a avaliação passa ser vista sob outro enfoque: é um
elemento auxiliar para o professor na sua tarefa, e não um instrumento que serve para
rotular os alunos.
58

Inteligência na Perspectiva de Howard Gardner

É importante, antes de qualquer discussão sobre o assunto, buscarmos


entender o que é inteligência. Na concepção tradicional, a inteligência é uma só, inata
e geral. Nesta concepção, a inteligência segundo (Teles, 1991, p. 160) pode ser
definida como "uma capacidade de resolver, de maneira criativamente nova e original,
os problemas da situação, isto é, do meio em que vive". É uma capacidade que pode
ser medida por meio dos Testes de Quociente de Inteligência (QI) pelos quais o que
se mede são às capacidades linguísticas e lógico-matemáticas. No entender de
Gama, as pesquisas mais recentes em desenvolvimento cognitivo e neuropsicologia
sugerem que as habilidades cognitivas são bem mais diferenciadas e mais específicas
do que se acreditava (GARDNER, 1985).
Os neurologistas têm documentado que o sistema nervoso humano não é um
órgão com propósito único. Acredita-se, hoje, que o sistema nervoso seja altamente
diferenciado e que diferentes centros neurais processem diferentes tipos de
informação (GARDNER, 1987). Howard Gardner, psicólogo da Universidade de
Harvard, baseou-se nestas pesquisas para questionar a tradicional visão da
inteligência, uma visão que enfatiza as habilidades, linguísticas e lógico-matemáticas.
Segundo Gardner, todos os indivíduos normais são capazes de uma atuação em pelo
menos sete diferentes e, até certo ponto independentes, áreas intelectuais. Ele sugere
que não existem habilidades gerais, duvida da possibilidade de medir-se a inteligência
por meio de testes de papel e lápis e dá grande importância a diferentes atuações
valorizadas em culturas diversas. Finalmente, ele define inteligência como a
habilidade para resolver problemas ou criar produtos que sejam significativos em um
ou mais ambientes culturais (GARDNER, 1999, p. 52).
A teoria de Gardner (1985) é uma alternativa para o conceito tradicional de
inteligência. Sua insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência,
que focalizam, sobretudo, as habilidades importantes para o sucesso escolar, levou
Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver
problemas. Por meio da avaliação das atuações de diferentes profissionais em
diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de
soluções, culturalmente apropriadas, para os seus problemas, Gardner trabalhou no
sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para, eventualmente, chegar às
inteligências que deram origem a tais realizações. Na sua pesquisa, Gardner estudou
59

também:
O desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças normais e crianças
superdotadas;
Adultos com lesões cerebrais e como esses não perdem a intensidade de sua
produção intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades, sem que outras
habilidades sejam sequer atingidas;
Populações ditas excepcionais, tais como idiot-savants e autistas, e como os
primeiros podem dispor de apenas uma competência, sendo bastante incapazes nas
demais funções cerebrais, enquanto as crianças autistas apresentam ausências nas
suas habilidades intelectuais;
Como se deu o desenvolvimento cognitivo por meio dos milênios.
Psicólogo construtivista muito influenciado por Piaget, Gardner distingue-se de
seu colega de Genebra na medida em que Piaget acreditava que todos os aspectos
da simbolização partem de uma mesma função semiótica, enquanto que ele acredita
que processos psicológicos independentes são empregados, quando o indivíduo lida
com símbolos linguísticos, numéricos, gestuais, ou outros. Segundo Gardner, uma
criança pode ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de
pensamento formal) e estar na média ou mesmo abaixo da média em outra (o
equivalente, por exemplo, ao estágio sensório-motor). Gardner descreve o
desenvolvimento cognitivo como uma capacidade cada vez maior de entender e
expressar significado em vários sistemas simbólicos utilizados num contexto cultural,
e sugere que não há uma ligação necessária entre a capacidade ou estágio de
desenvolvimento em uma área de desempenho e capacidades ou estágios, em outras
áreas ou domínios (Malkus e col., 1988). Num plano de análise psicológico, afirma
Gardner (1982) que cada área ou domínio tem seu sistema simbólico próprio; num
plano sociológico de estudo, cada domínio se caracteriza pelo desenvolvimento de
competências valorizadas em culturas específicas. Gardner sugere, ainda, que as
habilidades humanas não são organizadas de forma horizontal; ele propõe que se
pense nessas habilidades como organizadas verticalmente, e que, ao invés de haver
uma faculdade mental geral, como a memória, talvez existam formas independentes
de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com possíveis
semelhanças entre as áreas, mas não necessariamente uma relação direta. (GAMA,
1999, p. 38).
As crianças têm mentes muito diferentes umas das outras, elas possuem forças
60

e fraquezas diferentes, e é um erro pensar que existe uma única inteligência, em


termos da qual todas as crianças podem ser comparadas. Foi observando crianças
que o psicólogo americano Howard Gardner percebeu o que hoje parece óbvio:
nossa inteligência é complexa demais para que os testes comuns sejam capazes de
medi-la. A teoria do psicólogo americano, que propõe a existência de um espectro
de inteligências a comandar a mente humana, suscitou muitos comentários,
contrários e favoráveis. Em 1983, no livro Estruturas da mente, ele definiu sete
inteligências, que são apontadas por Gama: Lógica-matemática: os componentes
centrais desta inteligência são descritos por Gardner como uma sensibilidade para
padrões, ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e
padrões, por meio da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar de
forma controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para reconhecer
problemas e resolvê-los. É a inteligência característica de matemáticos e cientistas.
Gardner, porém, explica que, embora o talento científico e o talento matemático
possam estar presentes num mesmo indivíduo, os motivos que movem as ações
dos cientistas e dos matemáticos não são os mesmos. Enquanto os matemáticos
desejam criar um mundo abstrato consistente, os cientistas pretendem explicar a
natureza. A criança com especial aptidão nesta inteligência demonstra facilidade
para contar e fazer cálculos matemáticos e
para criar notações práticas de seu raciocínio.
Linguística: os componentes centrais da inteligência linguística são uma
sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial
percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem
para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Gardner indica que é a
habilidade exibida na sua maior intensidade pelos poetas. Em crianças, esta habilidade
manifesta-se por meio da capacidade para contar histórias originais ou para relatar
com precisão, experiências vividas. Habilidade de aprender línguas e de usar a língua
falada e escrita para atingir objetivos. Advogados, escritores e locutores exploram-na
bem.
Espacial: Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade para
perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para manipular
formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais, criar tensão,
equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É a inteligência dos
artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em crianças pequenas, o
61

potencial especial nessa inteligência é percebido por meio da habilidade para quebra-
cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a detalhes visuais. É importante tanto
para navegadores como para cirurgiões, ou escultores.
Físico-cinestésica: esta inteligência refere-se à habilidade para resolver
problemas ou criar produtos por meio do uso de parte ou de todo o corpo. É a
habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou
plásticas, no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com
destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica move- se com
graça e expressão; a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra uma grande
habilidade atlética ou uma coordenação fina apurada. Dançarinos, atletas, cirurgiões
e mecânicos valem-se dela.
Interpessoal: esta inteligência pode ser descrita como uma habilidade para
entender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e
desejos de outras pessoas. Ela é mais bem apreciada na observação de
psicoterapeutas, líderes religiosos, professores, políticos e vendedores bem-
sucedidos. Na sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal manifesta-se em
crianças pequenas como a habilidade para distinguir pessoas, e na sua forma mais
avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de outras pessoas e
para reagir apropriadamente, a partir dessa percepção. Crianças especialmente
dotadas demonstram muito cedo uma habilidade para liderar outras crianças, uma vez
que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos de outros.
Intrapessoal: esta inteligência é o correlativo interno da inteligência
interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos sonhos e
ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o
reconhecimento de habilidades, necessidades desejos e inteligências próprias, a
capacidade para formular uma imagem, precisa de si próprio e a habilidade para usar
essa imagem para funcionar de forma efetiva. Como essa inteligência é a mais pessoal
de todas, ela somente é observável por meio dos sistemas simbólicos das outras
inteligências, ou seja, por intermédio de manifestações linguísticas, musicais ou
cinestésicas.
Musical: esta inteligência manifesta-se por meio de uma habilidade para
apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical. Inclui discriminação de sons,
habilidade para perceber temas musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre,
e habilidade para produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena com habilidade
62

musical especial percebe, desde cedo, diferentes sons no seu ambiente e,


frequentemente, canta para si mesma.
Atualmente, Gardner admite a existência de uma oitava inteligência, a
naturalista, que seria a capacidade humana de reconhecer objetos na natureza e a
sua relação com a vida humana, e a existencial, que está ligado ao entendimento além
do corpóreo, o transcendente, o entendimento sobre a vida, a morte, o universo
(inteligência dos místicos, dos religiosos etc.) que seria uma nona inteligência.
O mais importante, porém, a ser ressaltado nessa teoria é a pluralidade do
intelecto. Os sujeitos podem diferir quanto aos perfis particulares de inteligência, com
os quais nascem e que desenvolvem ao longo da vida. Na verdade, o fundamental
não é quantas inteligências temos, mas o desenvolvimento de todas elas, segundo
nossas aptidões.

O desenvolvimento das inteligências

Para tratar do desenvolvimento das inteligências, mencionaremos Gama (1999),


que explica que: Na sua teoria, Gardner propõe que todos os indivíduos, em princípio,
têm a habilidade de questionar e procurar respostas usando todas as inteligências.
Todos os indivíduos possuem como parte de sua bagagem genética, certas
habilidades básicas em todas as inteligências. A linha de desenvolvimento de cada
inteligência, no entanto, será determinada tanto por fatores genéticos e
neurobiológicos quanto por condições ambientais. Ele propõe, ainda, que cada uma
destas inteligências tem sua forma própria de pensamento, ou de processamento de
informações, além de seu sistema simbólico. Estes sistemas simbólicos estabelecem
o contato entre os aspectos básicos da cognição e a variedade de papéis e funções
culturais (GAMA, 1999, p. 58).
No entender de Gama, as implicações da teoria de Gardner para a educação
são claras, especialmente quando se analisa a importância dada às diversas formas
de pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias inteligências e à relação
existente entre estes estágios, a aquisição de conhecimento e a cultura.
A teoria de Gardner apresenta alternativas para algumas práticas educacionais
atuais, oferecendo uma base para:
O desenvolvimento de avaliações que sejam adequadas às diversas
habilidades humanas;
63

Uma educação centrada na criança e com currículos específicos para cada


área do saber;
Um ambiente educacional mais amplo e variado, e que dependa menos do
desenvolvimento exclusivo da linguagem e da lógica.

FIGURA 1 - DESENVOLVENDO A INTELIGÊNCIA

Quanto à avaliação, Gardner afirma que favorece métodos de levantamento de


informações durante atividades do dia a dia. Segundo ele, é importante que se tire o
maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os estudantes a desenvolverem
suas capacidades intelectuais, e, para tanto, ao invés de usar a avaliação apenas
como uma maneira de classificar, aprovar ou reprovar os alunos, esta deve ser usada
para informar o aluno sobre a sua capacidade e informar o professor sobre o quanto
está sendo aprendido. Gama (1999) afirma que:
Gardner sugere que a avaliação deve fazer jus à inteligência, isto é, deve dar
crédito ao conteúdo da inteligência em teste. Se cada inteligência tem certo número
de processos específicos, esses processos têm que ser medidos com instrumentos
que permitam ver a inteligência, em questão, em funcionamento. Para Gardner, a
avaliação deve ser ainda ecologicamente válida, isto é, ela deve ser feita em
ambientes conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das crianças avaliadas.
Este autor também enfatiza a necessidade de avaliar as diferentes inteligências em
termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas. Assim, a
64

habilidade verbal, mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida por meio de testes
de vocabulário, definições ou semelhanças, deve ser avaliada em manifestações tais
como a habilidade para contar histórias ou relatar acontecimentos. Ao invés de tentar
avaliar a habilidade espacial isoladamente, devem-se observar as crianças durante
uma atividade de desenho, ou enquanto montam ou desmontam objetos. Finalmente,
ele propõe que a avaliação, ao invés de ser um produto do processo educativo, seja
parte do processo educativo, e do currículo, informando, a todo o momento, de que
maneira o currículo deve desenvolver-se (GAMA, 1999, p. 74).
E continua em sua análise da influência da teoria de Gardner na educação:
No que se refere à educação centrada na criança, Gardner levanta dois pontos
importantes que sugerem a necessidade da individualização. O primeiro diz respeito
ao fato de que, se os indivíduos têm perfis cognitivos tão diferentes uns dos outros, as
escolas deveriam, ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir
que cada um recebesse a educação que favorecesse o seu potencial individual. O
segundo ponto levantado por Gardner é igualmente importante: enquanto na Idade
Média um indivíduo podia pretender tomar posse de todo o saber universal, hoje em
dia essa tarefa é totalmente impossível, sendo mesmo bastante difícil o domínio de
um só campo do saber (GAMA, 1999, p. 80).
Enfim, conhecer a teoria das Inteligências Múltiplas é fundamental na
discussão sobre os processos de ensino-aprendizagem, assim como para a relação
educação e realidade.

EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD

É importante, antes de qualquer discussão sobre o assunto, buscarmos


entender o que é uma competência. Dessa forma, podemos dizer que a competência
é a capacidade de mobilizar conhecimentos a fim de se enfrentar uma determinada
situação. Segundo Perrenoud (1999, p. 30): "Competência é a faculdade de mobilizar
um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.). para
solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações". Três exemplos:
Saber se orientar em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler
um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes saberes: ter
noção de escala, elementos da topografia ou referências geográficas.
Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais
65

fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes


saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros-socorros, terapias, os riscos, os
remédios, os serviços médicos e farmacêuticos.
Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber
se informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições políticas,
processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas democráticas
etc. Segundo Perrenoud (1999):
Se aceitarmos que competência é uma capacidade de agir eficazmente num
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se limitar a eles,
é preciso que alunos e professores se conscientizem das suas capacidades
individuais que melhor podem servir o processo cíclico de Aprendizagem-Ensino-
Aprendizagem (PERRENOUD, 1999, p. 7).
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade.
Compreendendo, de forma simplificada, que a competência orquestra um conjunto de
esquemas de percepção, pensamento, avaliação e ação, enquanto a habilidade é
menos ampla e pode servir a várias competências. (Perrenoud, 1999, p. 7) afirma que
"para enfrentar uma situação da melhor maneira possível deve-se, de regra, pôr em
ação e em sinergia vários recursos cognitivos complementares, entre os quais estão
os conhecimentos”. Assim segundo Ferreiro (2001): A construção de competências é
inseparável da formação dos esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos
adquiridos, num determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos diversos
recursos cognitivos, numa determinada situação, assegura-se pela experiência
vivenciada. O sujeito não consegue desenvolvê-la apenas com interiorização do
conhecimento. É preciso internalizá-la buscando uma postura reflexiva, capaz de
torná-la uma prática eficaz (FERREIRO, 2001, p. 48).
Contudo, é importante ressaltar que: O reconhecimento e aceitação de que o
conhecimento é uma construção coletiva e que a aprendizagem mobiliza afetos,
emoções e relações com seus pares, além das cognições e habilidades intelectuais,
permite-nos propormos o desafio de construir competências e habilidades. Isso
significa aprender a aprender a pensar, a relacionar o conhecimento com dados da
experiência cotidiana, a dar significado ao aprendido e a captar o significado do
mundo, a fazer a ponte entre teoria e prática, a fundamentar a crítica, a argumentar
com base em fatos, a lidar com o sentimento que a aprendizagem desperta
(FERREIRO, 2001, p. 52).
66

A discussão a respeito das competências tem um viés de grande importância,


que é justamente o currículo escolar. Em uma proposta político- pedagógica, é
necessário levantar este debate, pois nem sempre estamos preocupados com as
competências ensinadas e aprendidas na escola, falando, neste aspecto, tanto dos
alunos como dos professores. O trabalho com as competências exige, de todos os
agentes envolvidos no processo educativo, uma mudança de postura e, por
consequência, um permanente trabalho pedagógico integrado, em que todas as
práticas devem ser apreciadas em um processo contínuo de avaliação.
O currículo é o campo mais interessante para transformar o processo
pedagógico não apenas em um rol de conteúdos, de disciplinas, mas em um todo,
preocupado para além destes saberes, muitas vezes, isolados do mundo em que cada
aluno e professor vivem. O currículo deve expressar e oportunizar a relação entre a
construção do conhecimento e sua reflexão com a realidade.
Para tanto, é fundamental perceber que a escola deve repensar suas formas
de processar a educação, buscando entender como trabalhar com as competências,
pois, segundo Perrenoud, ao falar para Gentile e Bencini (2000):
A abordagem por competências é uma maneira de levar a sério um problema
antigo, o de transferir conhecimentos. Em geral, a escola preocupa-se mais com
ingredientes de certas competências e menos em colocá-las em sinergia nas
situações complexas. Durante a escolaridade básica, aprende-se a ler, escrever,
contar, mas, também, a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e
dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos disciplinares,
como Matemática, História, Ciências, Geografia etc. (PERRENOUD, 1999, p. 18).
Contudo, alerta que: (...) a escola não tem a preocupação de ligar esses
recursos a situações da vida. Quando se pergunta por que se ensina isso ou aquilo, a
justificativa é geralmente baseada nas exigências da sequência do curso: ensina-se a
contar para resolver problemas; aprende-se gramática para redigir um texto. Quando
se faz referência à vida, apresenta-se um lado muito global: aprende-se para se tornar
um cidadão, para se virar na vida, ter um bom trabalho, cuidar da saúde. A
transferência e a mobilização das capacidades e dos conhecimentos não caem do
céu. É preciso trabalhá-las e treiná-las, e isso exige tempo, etapas didáticas e
situações apropriadas, que hoje não existem (PERRENOUD, 1999, p. 20).
Não basta uma lista de competências, no lugar da lista de conteúdos ou
conhecimentos disciplinares; torna-se imprescindível uma real mudança/ruptura com
67

os pseudocurrículos, que muito mais ocultavam fins do que explicitavam as formas. É


um grande desafio para a educação e seus agentes estar repensando, ressignificando
sua prática pedagógica, assim como sua proposta político- pedagógica.
Dessa forma, necessariamente, as competências dos professores tornam-se
ponto de debate e análise. A formação dos educadores, para melhor desenvolver as
competências no processo de ensino-aprendizagem, passa por um momento
importante, que é a potencializarão de suas competências. Rever algumas práticas e
ampliar as competências em diversas outras áreas do processo educativo é
fundamental para atingir-se uma ampla formação educacional.
Nesta área da formação de educadores, fundamentado na análise das
Diretrizes Curriculares para a Formação do Professor da Educação Básica, Virgínio
(2001) afirma que: No campo da formação do profissional docente, o profissional
competente é aquele que sabe pôr em prática todo seu back-ground de recursos
mobilizáveis em determinadas situações, sabe refletir sobre a e na ação, agindo com
urgência e na incerteza. Para caracterizar-se com prático reflexivo, contudo, suas
competências de referências devem ser definidas pelo coletivo ao qual pertence. Ou
seja, as competências profissionais do professor reflexivo envolvem saberes teóricos
e saberes práticos (saberes da prática e saberes sobre a prática) (VIRGÍNIO, 2001, p.
48).
Perrenoud, preocupado com este debate sobre as competências dos
educadores, desenvolveu alguns referenciais sobre o assunto. Ele propõe uma série
de competências específicas agrupadas em famílias de competências fundamentais
para os educadores no processo pedagógico, com o intuito de melhor desempenhar
e desenvolver suas ações no campo da educação.
Enfim, as competências são fundamentais na discussão sobre os processos de
ensino-aprendizagem, assim como para a relação entre educação e realidade.

ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO

Quando entendermos a educação como um ato de amor e solidariedade,


seremos capazes de lançar mão do legado cultural não apenas de grandes homens,
mas como diz Plekhanov, de todo aquele que vê, que ouve e que ama o próximo.
Grande momento de inspiração e transcendência teve o educador Paulo Freire,
ao dizer que educar deve ser um ato de amor, de entrega e de respeito pelo outro ser
68

humano: não há sentido em educar, se não for para formar homens melhores, mais
humanos e solidários.

AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

As contribuições de Lev Vygotsky

Em Vygotsky, o homem possui natureza social, visto que nasce em um


ambiente carregado de valores culturais. Nesse sentido, a convivência social é
fundamental para transformar o homem de ser biológico em ser humano social
(VYGOTSKY, 1991). A criança nasce apenas com funções psicológicas elementares
e, a partir do aprendizado da cultura, estas funções transformam- se em funções
psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1991). Essa evolução é mediatizada pelas
pessoas que interagem com as crianças, e é essa intermediação que dá ao
conhecimento um significado social e histórico.
A construção de conhecimentos e o desenvolvimento mental possuem
características individuais e particulares, ou seja, os significados culturais
historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual,
possuem um sentido pessoal. Segundo (Lane, 1997, p. 34) "a palavra, a língua, a
cultura relaciona-se com a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada
indivíduo".
Nesse processo de construção social e histórico do homem, a linguagem possui
dupla importância na construção do saber. É ela que intermédia à relação entre os
homens. (OLIVEIRA, 1992, p. 27) "a linguagem simplifica e generaliza a experiência,
ordenando os fatos do mundo real em conceitos cujo significado é compartilhado pelos
homens que, enquanto coletividade, utilizam a mesma língua”.
Como se sabe, para Vygotsky, existem três momentos importantes da
aprendizagem da criança: a zona de desenvolvimento potencial, que é tudo que a
criança ainda não domina mas que se espera que ela seja capaz de realizar; a zona
de desenvolvimento real, que é tudo que a criança já é capaz de realizar sozinha; a
zona de desenvolvimento proximal, que é tudo que a criança somente realiza com o
apoio de outras pessoas. É na zona de desenvolvimento proximal, segundo Oliveira
(1993, p. 61) que a "interferência de outros indivíduos é mais transformadora. Isso
porque os conhecimentos já consolidados não necessitam de interferência externa".
69

Isso significa que o ensino-aprendizagem deve ter como ponto de partida o


desenvolvimento real da criança e, como ponto de chegada, os conhecimentos que
estão latentes, mas ainda não desabrocharam. "a escola tem o papel de fazer a
criança avançar em sua compreensão do mundo a partir de seu desenvolvimento já
consolidado e tendo como etapas posteriores, ainda não alcançadas". (OLIVEIRA,
1993, p. 62)
Nesse processo, o professor deve ser o estimulador da zona de
desenvolvimento proximal, provocando avanços nos conhecimentos que ainda não
aconteceram. A interferência do professor não pressupõe, no entanto, uma pedagogia
diretiva, autoritária e, menos ainda, uma relação hierárquica entre professores e
alunos (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991; GOULAR, 1995).
Para Vygotsky, o erro deve ser visto pelo professor como parte do processo
ensino-aprendizagem, mas jamais deve ser ignorado. A correção é importante para
que o aluno perceba a necessidade de melhorar e de dedicar- se mais aos
conhecimentos que ainda não domina. Nesse sentido, o trabalho em grupo, além de
estimular a interação social, pode ser um bom momento para o amadurecimento de
ideias e aprimoramento dos conhecimentos. Entretanto, o contato individualizado entre
professor e aluno não pode ser dispensado, pois é o momento em que o professor
pode detectar o desenvolvimento real e proximal dos alunos (OLIVEIRA, 1993, 1992).
Outro aspecto fundamental para Vygotsky é o brinquedo. Para ele, as
brincadeiras de "faz de conta" criam zonas de desenvolvimento proximal, à medida
que colocam a criança em situações de repetição de valores e imitação de papéis e
regras sociais. A escola deve criar situações de brincadeira, a fim de que a criança
possa ter uma gama de possibilidades que estimulem seu desenvolvimento e a própria
interação social.
Para Vygotsky, a aprendizagem da escrita inicia antes do período escolar, visto
que seu desenvolvimento está intimamente ligado aos estímulos recebidos pela
criança desde cedo. Portanto, a criança precisa ser levada a compreender que o signo
da escrita não possui significado em si mesmo, é apenas uma representação do
mundo real (OLIVEIRA, 1993; VYGOTSKY, 1991; GOULAR, 1995). É função de a
escola fazer com que a criança compreenda o signo e o seu significado, por
meio de ações que relacionem o mundo concreto e as suas representações. A teoria
de Vygotsky oferece uma nova racionalidade, a partir da qual é possível entender-se
o desenvolvimento interno da aprendizagem e do conhecimento. A conclusão de
70

que uma atividade que hoje a criança somente consegue fazer com o auxílio de outra
pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha amanhã recoloca a relação erro/acerto
numa outra perspectiva: a de que o ato de errar não deve ser encarado como
incapacidade, mas como indicador de que certos conhecimentos precisam ser
estimulados. A importância da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria
de Vygotsky fornece a base para uma educação na qual o homem seja visto na sua
totalidade: na multiplicidade de suas relações com outros, na sua especificidade
cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em processo de construção e
reconstrução permanente (OLIVEIRA, 1993, p.61).

As contribuições de Jean Piaget

Para Piaget, o conhecimento construído pelo homem é resultado do seu esforço


de compreender e dar significado ao mundo. Nessa tentativa de interação e
compreensão do meio, o homem desenvolve equipamentos neurológicos herdados
que facilitam o funcionamento intelectual. O organismo do homem é essencialmente
seletivo por organizar os alimentos que lhe podem ser útil; esses alimentos vão sendo
adaptados, de acordo com as necessidades biológicas. À medida que o homem
seleciona os alimentos e inicia a adaptação destes ao organismo, acontece à
assimilação, ou seja, a estrutura biológica acomoda os alimentos para satisfazer as
necessidades do corpo (GOULART, 1995).
Segundo Piaget, esse esquema de organização, assimilação e adaptação feito
pelo organismo pode ser aplicado ao processo de aprendizagem, que se dá na
estrutura cognitiva. A organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um
processo permanente de interação do homem com o meio ambiente, por meio da
apreensão do que é útil e necessário à adaptação do homem no mundo.
O processo de organização, adaptação e assimilação de um novo
conhecimento depende de esquemas assimilativos como a repetição e a
generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões e as representações, ao
serem repetidas em situações diferentes, tornam-se novas estruturas, novos
conhecimentos. Portanto, a repetição reforça os conhecimentos assimilados, ou
preexistentes, tornando-os mais consistentes, o que facilita a aprendizagem e o
desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, a estrutura cognitiva vai construindo-se
concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio da busca natural do
71

homem de adaptar-se ao meio ambiente.


Piaget concebe o homem como sujeito ativo dentro do processo de
aprendizagem, por entender o conhecimento como o resultado da interação homem-
meio. Ao relacionar-se, o homem não se despoja de sua condição de sujeito ativo.
Segundo (Wachowicz, citado por Matui, 1995, p. 62) "na verdade, o homem se produz
ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o meio e com os outros
homens".
A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um
elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais. Piaget
pensa o ser social como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus semelhantes,
de forma equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito interessante sobre
relação equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir entre pessoas que
estejam no mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE, 1992). O equilíbrio a que
Piaget se refere somente pode existir entre pessoas que estejam no mesmo nível de
desenvolvimento, ou seja: A maneira de ser social de um adolescente é uma, porque
é capaz de participar de determinadas relações (...) e a maneira de ser social de uma
criança de cinco anos é outra, justamente porque ainda não é capaz de participar de
relações sociais que expressam e que demandam um equilíbrio de trocas intelectuais
(TAILLE, 1992, p.14).
Portanto, dependendo do estágio em que a criança esteja, poderá falar- se de
um grau maior ou menor de socialização. Resumidamente, para Piaget, a socialização
possui vários graus. Começa no grau zero, quando a criança é recém-nascida, até o
grau máximo, representado pelo conceito de personalidade. A personalidade significa,
portanto, o momento de autonomia do indivíduo, quando ele já superou o
egocentrismo e consegue estabelecer uma relação de trocas intelectuais recíprocas
com os outros.
Está claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma
construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é capaz
de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio
desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha e, sim,
como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do erro denuncia a
ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência da aprendizagem.
Visto que a socialização e a moral vão sendo consolidadas ao longo da infância,
o trabalho coletivo em Piaget tem o papel de mediador das relações e de instigador
72

da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O trabalho coletivo


socializa, estabelece laços de afetividade e permite, à criança, perceber-se como parte
de uma coletividade, superando seu egocentrismo.
No Construtivismo piagetiano, o educador não é o detentor do saber, mas o
facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de
conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação professor-
aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação.
É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O
conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma teoria
deve servir, dentre tantas, como uma possibilidade de construção de uma educação
diferenciada.
A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista como
um palco em que se experimenta se inventa e se recria o ato de ensinar: nesse palco,
podem surgir outras teorias.
Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade
sociocultural dos alunos para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar
mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em
determinado lugar não, necessariamente, pode responder as necessidades de outra
e diversa realidade.

As contribuições de Wallon

Para Wallon, o organismo é a condição primeira do pensamento, visto que toda


função psíquica supõe um componente orgânico e que o objeto da ação mental vem do
ambiente em que o sujeito está inserido. Dessa forma, o sujeito é determinado
fisiológica e socialmente, ou seja, é resultado tanto das disposições internas quanto
das situações exteriores.
Wallon procurou entender a pessoa completa, integrada ao meio em que está
imersa, com os seus aspectos afetivos, cognitivos e motores também integrados. Seus
estudos sobre a origem da pessoa na sua totalidade, enquanto ser biológico, afetivo,
social e intelectual, ele os denominou de Psicogênese.
Em seus estudos sobre o desenvolvimento humano, considera o sujeito como
"geneticamente social". Para esse autor, o desenvolvimento inicia-se na relação do
organismo do bebê recém-nascido com o meio humano. A partir das reações das
73

pessoas aos seus reflexos e movimentos impulsivos, a criança passa a atuar no


ambiente humano, desenvolvendo aquilo que Wallon denomina motricidade
expressiva, ou dimensão afetiva do movimento.
É a ação motriz que regula o aparecimento e o desenvolvimento das funções
mentais, ou seja, o movimento espontâneo transforma-se em gesto que, ao ser
realizado intencionalmente, reveste-se de significado. Antes do aparecimento da fala,
Wallon atribui grande importância à motricidade: para ele, a imitação revela as origens
do ato mental; o gesto precede a palavra - fatos esses que ele chama de característica
cultural.
A partir do momento em que o sujeito assimila os signos sociais (fala, escrita
etc.) a comunicação motora passa a ser substituída por outros meios, decorrendo daí
a disciplina mental, ou seja, o controle do sujeito sobre suas próprias ações. No seu
desenvolvimento, o sujeito vai superando os sentimentos e ideias, vividos de forma
genérica e confusa, para uma compreensão mais clara do mundo e dos fatos que se
apresentam. A linguagem é indispensável ao progresso do pensamento: a linguagem
exprime o pensamento e, ao mesmo tempo, estrutura o pensamento. Para Wallon, o
desenvolvimento humano não é linear e contínuo, mas, sim, uma integração: as novas
funções/aquisições somam-se a outras, adquiridas anteriormente.
Para Wallon, a pessoa deve ser vista como parte integrante do meio em que
está inserida. O processo de socialização dá-se pelo contato com o outro e, também,
pelo contato com a produção do outro (texto, pintura, música etc.). Por isso, afirma que
a cultura geral aproxima os homens, pois permite a identificação de uns com os outros.
Para ele, o meio social e a cultura constituem as condições, as possibilidades e os
limites do desenvolvimento do organismo. Por isso, a criança precisa ser entendida
em seu contexto, e seu desenvolvimento como resultado de sua interação com esse
meio: o desenvolvimento é histórico, dialético, portanto, é também descontínuo.
Em Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da
construção da pessoa quanto do conhecimento. O autor afirma que a emoção é a
exteriorização da afetividade: é um fato fisiológico que se expressa no humor e nos
atos e, ao mesmo tempo, é um comportamento social na sua função de adaptação
do ser humano ao seu meio. A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado pelo
recém- nascido para estabelecer uma relação com o mundo externo.
Os movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos, em que a
emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades intelectuais.
74

A emoção precede as condutas cognitivas; é um processo corporal que, quando


intenso, prejudica a percepção do exterior. Portanto, para que se possam trabalhar as
funções cognitivas, é necessário manter-se uma "baixa temperatura emocional." O
desenvolvimento, então, deve conduzir à predominância da razão, ou, na afirmação de
Wallon, "

As contribuições de Perrenoud

O aspecto central da teoria de Perrenoud é o conceito de competência. Para


esse autor, competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos
cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência
e eficácia uma série de situações (GENTILI e BENCINI, 2000). Segundo Perrenoud
(2000), os seres humanos não vivem todos, as mesmas situações, eles desenvolvem
competências adaptadas ao seu mundo. Parafraseando Amaral (2002) à medida que
aceitamos como Perrenoud que a competência é a capacidade de resolver
determinados problemas por meio de conhecimentos acumulados e de outras
habilidades desenvolvidas pelas experiências no mundo, a educação deve caminhar
no sentido de que alunos e professores se conscientizem de suas capacidades,
respeitando as diferenças que emergem das diferenças culturais.
Nessa perspectiva, é fundamental diferenciar competência de habilidade. A
competência é um conjunto de esquemas de percepção, pensamento, avaliação e
ação, enquanto a habilidade é menos ampla e pode servir a várias competências.
(Perrenoud, 1999, p. 7) acredita que “para enfrentar uma situação da melhor maneira
possível deve-se, de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos
complementares, entre os quais estão os conhecimentos".
Assim sendo, as competências são construídas na mesma medida em que
evolui a formação dos esquemas mentais que mobilizam os conhecimentos
adquiridos, em um determinado tempo ou circunstância. A mobilização dos recursos
cognitivos, numa determinada situação, é garantida por meio das experiências
acumuladas. As competências não devem ser apenas assimiladas à medida que se
adquire novos conhecimentos, é preciso internalizá-la reflexivamente, tornando-as
uma prática eficaz (FERREIRO, 2001).
A discussão a respeito das competências traz à tona a discussão sobre o
currículo escolar. O trabalho com as competências exige de todos os agentes
75

envolvidos no processo educativo uma mudança de postura e, por consequência, um


permanente trabalho pedagógico integrado, no qual todas as práticas sejam
apreciadas em um processo contínuo de avaliação. Por meio do currículo é que se
pode conduzir o processo pedagógico para além dos conteúdos, das disciplinas,
transformando-o em uma totalidade que articula os diversos saberes. O currículo deve
permitir uma relação entre a construção de novos conhecimentos e uma postura
reflexiva diante da realidade. Para tanto, a escola deve repensar suas formas de
conduzir a educação, buscando formas alternativas para trabalhar com as
competências (PERRENOUD, 2000).
É um grande desafio para a educação e seus agentes repensar e ressignificar
suas práticas pedagógicas, assim como sua proposta político- pedagógica. Para tanto,
a formação dos educadores precisa ser potencializada para fomentar o desenvolver
das competências no processo de ensino- aprendizagem; ou seja, para potencializar
as competências dos alunos, o professor precisa, antes, ter suas próprias
competências potencializadas. Rever algumas práticas e ampliar as competências em
diversas outras áreas do processo educativo é fundamental para atingir-se uma ampla
formação educacional.

As contribuições de Howard Gardner

Na concepção tradicional, a inteligência é uma só, inata e geral. Nesta


concepção (Teles, 1991, p. 160) a inteligência pode ser definida como "uma
capacidade de resolver, de maneira criativamente nova e original, os problemas da
situação, isto é, do meio em que vive". A inteligência pode, então, ser definida como as
capacidades/habilidades linguísticas e lógicas-matemáticas. Para Howard Gardner,
no entanto, todos os indivíduos normais são capazes de uma atuação em pelo menos
sete diferentes habilidades, independentemente das áreas intelectuais. Para ele, não
existem habilidades gerais, o que põe em xeque a possibilidade de se medir a
inteligência por meio de testes, e dá grande importância às diferentes culturas. Ele
define inteligência como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos que
sejam significativos, em um ou mais ambientes culturais.
A insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência, que
focalizam, sobretudo, as habilidades importantes para o sucesso escolar, levou
Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas das habilidades para
76

resolver problemas. Observou atuações de diferentes profissionais em diversas


culturas e o repertório de habilidades dos seres humanos, culturalmente empregado
para resolver seus problemas.
Para Gardner (1982), o desenvolvimento cognitivo é uma capacidade cada vez
maior de entender e expressar o significado em vários sistemas simbólicos, utilizados
em um contexto cultural. Para esse autor, cada área do conhecimento tem seu sistema
simbólico próprio, sendo que cada sociedade desenvolve competências, valorizadas
culturalmente para sua realidade. Nesse sentido, as habilidades humanas não são
organizadas de forma horizontal, mas sim, verticalmente: por isso, ao invés de haver
uma faculdade mental geral, como à memória, existem formas independentes de
percepção, memória e aprendizado, em cada área do conhecimento (GAMA, 1999).
Portanto, as crianças têm mentes muito diferentes umas das outras, elas
possuem forças e fraquezas diferentes, e é um erro pensar que existe uma única
inteligência em torno da qual todas as crianças podem ser comparadas. Para Gardner,
nossa inteligência é complexa demais para que os testes comuns sejam capazes de
medi-la. Essa concepção fica ainda mais clara, quando o autor considera sete grandes
eixos de inteligência (lógico-matemática, linguística, espacial, físico-cinestésica,
interpessoal, intrapessoal e musical) e pressupõe que, dela, deriva várias
manifestações de inteligências que são diferentes no âmbito pessoal e cultural.
Gardner faz referência a outras duas inteligências, a saber, a naturalista e a
existencial: a primeira seria a capacidade humana de reconhecer objetos na natureza
e a sua relação com a vida humana; a segunda está ligada ao entendimento para além
do corpo, o transcendente, o entendimento sobre a vida, a morte e o universo.
Para Gardner, todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar
e procurar respostas usando todas as inteligências. Todos os indivíduos possuem,
como parte de sua bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as
inteligências. A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, será
determinada tanto por fatores genéticos e neurobiológicos quanto por condições
ambientais. Cada uma destas inteligências tem sua forma própria de pensamento, ou
de processamento de informações, além de seu sistema simbólico.
O conceito de cultura é central na Teoria das Inteligências Múltiplas. A definição
de inteligência como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos, que são
significativos em um ou mais ambientes culturais, sugere que alguns talentos somente
se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente. Para Gardner, cada cultura
77

valoriza certos talentos, que são passados para a geração seguinte. O domínio, ou
inteligência, são sequências de estágios: enquanto todos os indivíduos normais
possuem os estágios mais básicos em todas as inteligências, os estágios mais
sofisticados dependem de maior trabalho ou aprendizado.

DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS

Quando se trata de relacionar as ideias dos três grandes teóricos do


interacionismo construtivista (Wallon, Piaget e Vygotsky) não se pode falar em
confronto entre os princípios que cada um defende; na verdade, esses autores
possuem ideias muito comuns, compartilham concepções e, em muitos momentos,
complementam-se.
No que diz respeito às teorias do conhecimento e do desenvolvimento, suas
oposições não estão situadas na base da discussão filosófica entre o empirismo e o
racionalismo/inatista.
Para os racionalistas, a razão e os pensamentos claros e lógicos são as
condições necessárias e suficientes para o conhecimento da verdade. O
conhecimento vem de dentro, está na razão. Por outro lado, segundo os empiristas, o
conhecimento vem de fora, está nos objetos. Na criança, ao nascer, a razão ou a
mente não contém nada, é uma folha em branco. São as experiências e as sensações
que gravam as impressões em suas mentes (MATUÍ, 1995, p. 36).
Esses teóricos concordam que o desenvolvimento e a aprendizagem não são
resultados apenas do meio externo, nem somente das capacidades inatas do ser
humano, mas fruto das interações homem-mundo. Por isso, pode- se dizer que
Wallon, Vygotsky e Piaget não são nem racionalistas/inatistas, nem empiristas, são
interacionistas.
Suas contribuições superam esses dois campos extremos e colocam-se entre
o ser biológico e o mundo concreto; suas divergências permanecem no campo das
discussões científicas: por exemplo, por um lado, Vygotsky acredita que a linguagem
é anterior ao pensamento e que esse, o pensamento, é reflexo da linguagem. Por outro
lado, Piaget acredita que o pensamento é anterior à linguagem e que essa, a
linguagem, é reflexo do pensamento. Para Wallon, no entanto, não há pensamento
sem linguagem e nem linguagem sem pensamento, a relação entre esses elementos
não é hierárquica, porque eles somente existem na complementaridade, no
78

desenvolvimento mútuo e dialético.


Outra diferença entre Wallon e Piaget diz respeito ao objeto de estudo: para
Piaget, interessava entender o desenvolvimento do conhecimento e, para chegar a
isso, precisou compreender o desenvolvimento da criança; Wallon, por sua vez,
buscou entender desde o início o desenvolvimento psicológico da criança e, em
consequência disso, o desenvolvimento do conhecimento (MATUI, 1995). Aqui, como
se pode ver, suas divergências ficam mais no âmbito do ponto de partida e do ponto de
chegada: de uma forma ou de outra, os resultados foram grandes contribuições sobre
o desenvolvimento do conhecimento e da aprendizagem.
A teoria de Wallon apresenta outros subsídios à reflexão pedagógica, pelo fato
de buscar entender o desenvolvimento da pessoa completa, em suas dimensões
emotivas, motoras, biológicas e cognitivas.
Wallon e Vygotsky trazem uma contribuição não percebida de forma declarada
em Piaget, a saber, a dimensão cultural. Esses autores entendem a produção do
conhecimento como resultado das teias de relações sociais, estabelecidas pelo
homem em um tempo histórico; para eles, tudo quanto há no mundo é cultura, é obra
humana.
Na verdade, o valor desses teóricos construtivistas está exatamente no fato de
que suas ideias, por divergirem em alguns pontos, complementam-se na totalidade:
Piaget dá grandes contribuições sobre os aspectos cognitivos, Vygotsky contribui com
os aspectos sócio-históricos e Wallon, com os aspectos afetivos da personalidade
(MATUI, 1995). Os três autores são dialéticos, embora isso seja mais intenso e
declarado em Vygotsky e Wallon, e mais velado em Piaget. Essa base comum entre
eles é que nos permite dizer que o construtivismo/interacionista é sócio-histórico, ou
seja, essa linha pedagógica vê a realidade como sendo produto de um processo
histórico em que forças contrárias movimentam-se no sentido da mudança e em que o
homem é o sujeito principal.
Esses autores contribuem de forma fundamental para uma educação na qual a
realidade seja tomada como histórica, portanto, mutável; na qual o homem seja visto
como sujeito histórico, portanto, construtor de sua própria história. Ora, se o homem e
a realidade são históricos, o construtivismo/interacionismo traz- nos uma constatação
de extrema importância: o mundo, o homem e o conhecimento são inacabados, estão
em constante processo de construção. Como diz Becker, citado por Matuí (1995):
79

O construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado,
e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como
algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social,
com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e constitui-se por força
de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio,
de tal modo que podemos afirmar que, antes da ação, não há psiquismo nem
consciência e, muito menos, pensamento (MATUÍ, 1995, p. 46).
Provavelmente, o grande mérito da teoria de Perrenoud é pôr em discussão,
por meio da problematização do termo competência, as questões sobre
profissionalização dos professores, avaliação dos alunos e currículo escolar. Segundo
ele, a escola precisaria desenvolver um modelo de avaliação mais eficiente, realmente
capaz de identificar as dificuldades do aprendizado; uma avaliação na qual, alunos e
professores pudesse ter mais tempo para agir e corrigir. Para tanto, os professores
precisariam possuir uma formação permanente, sólida, capaz de compreender a
aprendizagem como a soma de vários saberes.
Por outro lado, esse autor traz a tona à necessidade de a escola compreender
a educação como um processo transdisciplinar, de forma que os saberes se articulem,
complementem-se e não se excluam. Nesse sentido, o respeito às experiências dos
alunos, enfatizado por Perrenoud, aproxima-se do conceito de zona de
desenvolvimento proximal de Vygotsky, visto que, para os dois autores, o ensino-
aprendizagem deve partir dos conhecimentos acumuladas pelos alunos, mesmo que
tais conhecimentos não tenham sido totalmente desenvolvidos. O conceito de
competências, em Perrenoud, articula- se à ideia de pessoa completa, em Wallon.
Nesse caso, as competências podem ser entendidas como as emoções e as
capacidades motoras, cognitivas e biológicas que o homem desenvolve nas relações
que estabelece com os outros e com o mundo concreto.
O mais importante a ser ressaltado na teoria de Gardner é a pluralidade do
intelecto. Os sujeitos podem diferir quanto aos perfis particulares de inteligência, com
os quais nascem e que desenvolvem ao longo da vida. Na verdade, o fundamental
não é quantas inteligências temos, mas o desenvolvimento de todas elas, segundo
nossas aptidões. O conceito de cultura está presente de forma mais explícita em
Gardner, Wallon e Vygotsky. Todavia, ainda que Gardner dê grande importância às
diferentes culturas que brotam nas diversas realidades, não fica claro nesse autor,
como em Vygotsky, a ideia de cultura como legado histórico construído pelo homem
80

na interação com o outro. Ou seja, Gardner não deixa claro que, para ele, a cultura é
histórica, dialética e, portanto, provisória, o entendimento da cultura como elemento
histórico e dialético poderia flexibilizar e tornar ainda mais relativo o conceito de
inteligências, em Gardner.
Gardner distingue-se de Piaget, à medida que, para esse último, os significados
estruturam-se na mente humana em função do valor presente nos objetos, enquanto
para Gardner, os processos psicológicos são desenvolvidos quando o indivíduo lida
com símbolos linguísticos, numéricos, gestuais ou outros. Por outro lado, existem
momentos de aproximação entre esses dois teóricos: segundo Gardner, uma criança
pode ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de
pensamento formal) e estar na média, ou mesmo abaixo da média, em outra (o
equivalente ao estágio sensório-motor em Piaget). Todavia, Gardner, diferentemente
de Piaget, não acredita que haja uma ligação necessária entre a capacidade ou
estágio de desenvolvimento e determinada área ou domínio (MALKUS, 1988).
As contribuições da teoria de Gardner para a educação residem na importância
dada às diversas formas de pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias
inteligências e à relação existente entre estes estágios, aquisição de conhecimento e
cultura. No âmbito escolar, as contribuições de Gardner podem ir ao sentido de:
avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas; um processo
educativo centrado na criança; currículo específico para cada área do saber; ambiente
educacional mais amplo e variado para além da linguagem e da lógica. Para esse
autor, é importante, também, que se tire o maior proveito das habilidades individuais,
auxiliando os estudantes a desenvolverem suas capacidades intelectuais. Para tanto,
a avaliação não deve ser utilizada como mecanismo de aprovação ou reprovação,
mas sim, como indicador das capacidades dos alunos. Como diz Gardner (1982): A
implicação educacional mais importante das teorias das Inteligências Múltiplas é esta:
todos nós temos tipos diferentes de mente, e o bom professor tenta dirigir-se à mente
de cada criança, da forma mais direta e pessoal possível (GARDNER, 1982, p. 49).

Uma Questão de Método

Vamos começar resgatando a etimologia do termo método, sendo constituído


por duas expressões gregas: meta, que significa "para" e, odos, que significa
"caminho", ou seja, método pode ser compreendido como o caminho (percurso) para
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se alcançar um determinado objetivo, um determinado fim.


O método não pode ser confundido com a teoria que o fundamenta, ou, por
outro lado, a prática que o orienta. A teoria busca explicar alguma coisa (um fenômeno,
por exemplo) e o método é o como (o caminho) que usamos para fazê-lo. O método
é o meio (ou a forma) que utilizamos para chegarmos a um objetivo. Não basta
entender os fins, nem somente compreender os meios, é fundamental conhecer todo
o processo.
Dessa maneira, somente definir a justificativa (o porquê) e os objetivos (para
que) nas ações pedagógicas não basta. O como também é relevante para se atingir o
que se espera com esse processo educativo. Segundo Gonçalves (2000):
Isto significa que, ao contrário do que se diz que os fins justificam os meios, os
meios são modeladores, definidores do fim. Portanto, definido aonde quero chegar, os
caminhos que escolho para lá chegar, garantem, ou não, a chegada. Isto significa, em
especial na educação, que, se desejo educar para uma sociedade democrática, devo
realizar uma educação democrática nos conteúdos e nos métodos (GONÇALVES,
2000, p. 58).
Portanto, é fundamental entendermos qual é o método utilizado em
determinada concepção de educação, para compreendermos de que forma se
pretende construir os processos de educação. Contudo, antes de explicitarmos alguns
métodos vinculados a algumas tendências pedagógicas, vamos falar sucintamente de
dois tipos de métodos: o indutivo e o dedutivo.
O método indutivo é aquele que busca explicar a realidade a partir da síntese,
ou seja, pensar das partes (de fatos específicos) para o todo. Por outro lado, o método
dedutivo, por meio da análise, busca pensar do todo (a partir de uma teoria geral) para
a parte. Dessa forma, o raciocínio ligado à síntese chama- se indutivo e o raciocínio
ligado à análise é chamado dedutivo.
O método, como vemos, está vinculado muitas vezes a uma proposta
pedagógica, a qual constrói estratégias de ensino. Dessas estratégias, podemos definir
alguns métodos pedagógicos, entre os que destacamos três: verbais, demonstrativos
e ativos. Cada método deste é caracterizado por ações, práticas pedagógicas, ou
melhor, definindo, instrumentos metodológicos.
Ao desenvolver as práticas pedagógicas, os agentes envolvidos no processo
educativo podem utilizar-se de algumas estratégias de ensino. Para tal, é fundamental
adequar as formas aos princípios pedagógicos, ou seja, conhecer bem os parâmetros
82

educacionais em que estão inseridos para melhor desenvolver uma ação pedagógica
consciente e coerente. O uso dos instrumentos metodológicos pode garantir os
objetivos propostos em um projeto determinado, de educação.
Podemos destacar algumas estratégias, como: formas tradicionais de ensino,
ensino individualizado e socioindividualizado, tele-ensino, radioaulas, instruções
programadas, escolas virtuais, entre outras formas. Essas estratégias de ensino serão
coerentes a partir do momento em que seus objetivos e finalidades estejam de acordo
com a proposta de educação construída e, também, os métodos desenvolvidos
estejam adequados aos mesmos princípios político-pedagógicos.
O método, por fim, é uma das principais características da educação e de suas
práticas. Por meio do método de um professor, podemos identificar suas intenções,
suas finalidades, sua concepção de educação. Uma coisa é o que se diz, outra é o que
se faz, portanto, é fundamental buscarmos a coerência em nossas práticas
pedagógicas. Dizer o que fazemos e mostrar como fazemos deve seguir os mesmos
princípios.

O Professor e as Teorias

A educação pode ser entendida a partir da ação de seus diversos agentes e,


por consequência, pode exprimir a concepção que se tem a seu respeito. Dessa
forma, torna-se fundamental compreender como o educador constrói suas práticas de
educação, isto é, como desenvolve as ações pedagógicas. Para tal, possivelmente,
referencia-se em tendências da educação e em experiências desenvolvidas ao longo
de sua vida, principalmente, experiências profissionais - fundamentos teóricos e
práticos.
Em relação à teoria, podemos resgatar seu princípio etimológico. Do grego
théorein, que significa contemplar, e theoria, que significa visão de um espetáculo.
Teoria é uma construção especulativa, construção intelectual que busca explicar ou
justificar alguma coisa, algum fenômeno.
O professor, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, utiliza-
se das elaborações teóricas, as quais servem como referência para suas ações
educativas.
No processo de formação do professor, existe uma gama enorme de trabalhos
teóricos, que acabam influenciando o percurso educacional deste profissional. É
83

importante, no entanto, uma preocupação em desenvolver nesta formação alguns


aspectos, dos quais Aranha (1996) destaca três: Qualificação: o professor deve
adquirir os conhecimentos científicos indispensáveis para o ensino de um conteúdo
específico. Formação pedagógica: a atividade de ensinar deve superar os níveis do
senso comum, tornando-se uma atividade sistematizada. Formação ética e política: o
professor deve educar a partir de valores e tendo em vista um mundo melhor
(ARANHA, 1996, p. 152).
Por sua vez, esta orientação não basta para termos um profissional de uma
educação integral, ou seja, é fundamental não somente o qualificar para saber o que
trabalhar e como trabalhar, mas, também, é fundamental qualificá- lo na perspectiva
de compreender para quem trabalhar e para que educar. Essa preocupação formativa
é necessária, principalmente, se compreendemos que a educação tem um papel
transformador da sociedade e, portanto, o educador é um de seus instrumentos desta
possível transformação.
A educação pensada a partir da pedagogia da práxis, não pode entender que o
educador é um transmissor de teorias, muito pelo contrário, no mesmo momento em
que está trabalhando com as teorias, está submetendo-as a um processo analítico
que, muitas vezes, identifica suas contradições. A prática pedagógica processa as
teorias, buscando compreendê-las e criticá-las, em um sentido amplo destes
procedimentos, com o intuito de não somente memorizar estas teorias, mas, também,
de entender sua importância na leitura do mundo.
O professor, assim, ao desenvolver suas ações pedagógicas, deve aprender a
aprender, pois, ao ensinar, também se aprende, coloca em debate seu conhecimento.
O professor não é onipresente, onisciente, muito menos, onipotente e, sim, é mais um
aprendiz no processo da educação. Não podemos, contudo, pensar que não existem
diferenças entre os diversos agentes envolvidos no processo pedagógico, pois o
professor tem suas funções e os educandos as suas, mas ambos podem aprender
ensinando e ensinar aprendendo.
Dessa forma, é interessante percebermos que a educação não é algo estático.
A educação é dinâmica e, como a vida, é um permanente processo em movimento,
em transformação. Assim, a educação não pode ser vista como espaço de sofrimento,
de pura disciplina, de autoritarismo, pelo contrário, a educação, na medida do
possível, deve ser espaço de prazer, de desenvolvimento, de alegria. A ação
pedagógica deve expressar uma ação amorosa. Segundo (Madalena Freire, 2002, p.
84

32) “a educação é uma arte e, desta maneira, é importante ser exercida com paixão,
com amor”.
Enfim, é importante sempre manter uma relação dialética entre teoria e prática,
pela qual o educador, não isoladamente, analisa os diversos aspectos que envolvem
suas práticas educativas. Essa postura não deve ser somente do educador, mas de
todos os agentes envolvidos no processo, com o intuito de desenvolver uma educação
mais ampla e democrática, preocupada com a formação de cidadãos.
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