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Célestin Freinet

"A democracia de amanhã se prepara


na democracia da escola.”

Célestin Freinet (1896-1966), crítico da escola


tradicional e das escolas novas, Freinet foi criador, na
França, do movimento da Escola Moderna. Seu objetivo
básico era desenvolver uma escola popular.
Em sua concepção, a sociedade é plena de contradições que refletem
os interesses antagônicos das classes sociais que nela existem, sendo que
tais contradições penetram em todos os aspectos da vida social, inclusive
na escola. Para ele, a relação direta do homem com o mundo físico e social
é feita através do trabalho (atividade coletiva) liberdade é aquilo que
decidimos em conjunto.
Em suas concepções educacionais dirige pesadas críticas à escola
tradicional, que considera inimiga do "tatear experimental", fechada,
contrária à descoberta, ao interesse e ao prazer da criança.
Analisou de forma crítica o autoritarismo da escola tradicional,
expresso nas regras rígidas da organização do trabalho, no conteúdo
determinado de forma arbitrária, compartimentados e defasados em
relação a realidade social e ao progresso das ciências.
Era contra o autoritarismo sob qualquer aspecto, sendo contrário a
avaliação quantitativa e a imposição de castigos e sanções. Isso não significa
que, de acordo com a corrente pedagógica que criou, não deva haver ordem
e disciplina em sala de aula. Ao contrário, o respeito mútuo entre professor e
aluno é fundamental.
Mas, criticou também as propostas da Escola Nova, particularmente
Decroly e Montessori, questionando seus métodos, pela definição de
materiais, locais e condições especiais para a realização do trabalho
pedagógico.
Para Freinet as mudanças necessárias e profundas na educação
deveriam ser feitas pela base, ou seja, pelos próprios professores.
Este educador questionava a definição de materiais, de locais e de
condições especiais para a realização do trabalho pedagógico.
O movimento pedagógico fundado por ele caracterizou-se por sua
dimensão social, evidenciada pela defesa de uma escola centrada na
criança, que é vista não como um indivíduo isolado, mas fazendo parte de
uma comunidade.
Atribuiu grande ênfase ao trabalho, para ele as atividades manuais
têm tanta importância quanto as intelectuais. A disciplina e a autoridade
resultam do trabalho organizado. Questionou as tarefas escolares repetitivas
e enfadonhas, opostas aos jogos atividades lúdicas, recreio, apontando
como essa dualidade presente na escola, reproduz a dicotomia
trabalho/prazer, gerada pela sociedade capitalista industrial.
A escola por ele concebida é vista como elemento ativo de mudança
social e é também popular por não marginalizar as crianças das classes

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menos favorecidas. Propôs o trabalho/jogo como atividade fundamental,
com técnicas construídas com base na experimentação e documentação,
que dão à criança instrumentos para aprofundar seu conhecimento e
desenvolver sua ação.
Freinet elaborou toda uma pedagogia com técnicas construídas com
base na experimentação e documentação, estas dão à criança instrumentos
para aprofundar seu conhecimento e desenvolver sua ação. "O desejo de
conhecer mais e melhor nasceria de uma situação de trabalho concreta
e problematizadora. O trabalho de que trata aí não se limita ao manual,
pois o trabalho é um todo, como o homem é um todo. Embora
adaptado à criança, o trabalho deve ser uma atividade verdadeira e não
um trabalho para brincar, assim como a organização escolar não deve
ser uma caricatura da sociedade"
Deu grande importância à participação e integração entre
famílias/comunidade e escola, defendendo o ponto de vista de que "se se
respeita a palavra da criança, necessariamente há mudanças".
Algumas técnicas da pedagogia de Freinet: o desenho livre, o texto
livre, as aulas-passeio, a correspondência interescolar, o jornal, o livro da
vida (diário e coletivo), o dicionário dos pequenos, o caderno circular para
os professores, etc. Essas técnicas têm como objetivo favorecer o
desenvolvimento dos métodos naturais da linguagem (desenho, escrita,
gramática), da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais.
Porém, essas técnicas não são um fim em si mesmas, e sim, momentos de
um processo de aprendizagem, que ao partir dos interesses mais profundos
da criança, propicia as condições para o estabelecimento da apropriação do
conhecimento.
Freinet considerou a aquisição do conhecimento como
fundamental, mas essa aquisição deve ser garantida de forma
significativa.
Sua proposta pedagógica sempre aliou teoria e prática e é advinda
dos resultados obtidos das observações das aplicações de suas técnicas, das
reflexões teóricas elaboradas, tendo como ponto de partida essa prática que
foi constantemente recolocada em ação em diversas situações escolares.
Em sua proposta os instrumentos e os meios são importantes para
propiciar participação e interesse, são mediadores para liberar e despertar
o interesse para o trabalho. A experiência é a possibilidade para que a
criança chegue ao conhecimento. Assim, criação, trabalho e experiência, por
sua ação conjunta resultam em aprendizagem.
Freinet concebeu a educação como um processo dinâmico que se
modifica com o tempo e que está determinada pelas condições sociais.
Desta maneira, é preciso transformar a escola para adaptá-la à vida e
readaptá-la ao meio. Esta tarefa estaria nas mãos do professor, que obtém
sucesso quando toma consciência de que a educação é uma necessidade,
uma realidade.
Ele acreditou no poder transformador da educação, por isso propôs
uma pedagogia de busca e de experiências que eduquem profundamente.
Uma pedagogia que proporcione à criança o papel ativo de acordo com
seus interesses. O trabalho é algo que deve ser valorizado e praticado
cotidianamente. Sendo assim, a educação é uma preparação para a vida

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social e aí está uma das razões de advogar o trabalho cooperativo como via
para transformar a sociedade e a natureza.
Podemos afirmar que Freinet foi um dos pedagogos
contemporâneos que mais contribuições ofereceu àqueles que atualmente
estão preocupados com a construção de uma escola ativa, dinâmica,
historicamente inserida em um contexto social e cultural.
Logicamente, nos termos da nossa realidade atual, podemos
levantar questionamentos a algumas de suas concepções, tais como:
uma visão otimista demais do poder de transformação exercida pela escola,
a identificação da dimensão social aos fatores de classe, deixando de fora
os aspectos discriminativos relativos a questões de cor e sexo, da proposta
do professor ser o "escriba" dos alunos, quando as investigações mais atuais
da psicolinguística nos levam para outra direção.
Sua proposta é centralizada na criança e baseada sobre alguns
princípios:

 senso de responsabilidade  expressão


 senso cooperativo  criatividade
 sociabilidade  comunicação
 julgamento pessoal  reflexão individual e coletiva
 autonomia  afetividade

As técnicas da pedagogia de Freinet têm como objetivo favorecer o


desenvolvimento dos métodos naturais da linguagem (desenho, escrita,
gramática), da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais.
Porém, essas técnicas não são um fim em si mesmas, e sim, momentos de
um processo de aprendizagem que, ao partir dos interesses mais profundos
da criança, propicia as condições para o estabelecimento da apropriação do
conhecimento.

Técnicas Freinet
 Aula passeio
 Texto livre
 Imprensa escolar
 Correção
 Livro da vida
 Fichário de consulta
 Plano de Trabalho
 Correspondência interescolar
 Autoavaliação

Aula Passeio
Por acreditar que o interesse da criança não estava na escola e sim
fora dela, Freinet idealizou esta atividade com o objetivo de trazer
motivação, ação e vida para a escola.

Texto Livre
É a base da livre expressão; pode ser um desenho, um poema ou
pintura. A criança determina a forma, o tema e o tempo para sua realização.

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Porém, se a criança desejar que seu texto seja divulgado deverá passar pela
correção coletiva.

Imprensa Escolar
Seu ponto de partida são as entrevistas, pesquisas, vivências e aulas-
passeio. Freinet usava o limógrafo. Todo processo de construção e
impressão é coletivo.

Correção
Para o texto ser divulgado é necessário que esteja perfeito e a
correção é fundamental. Ela pode ser feita coletivamente, ou em
autocorreção. Freinet acredita que o "erro" deva ser trabalhado com a
criança para que ela perceba e faça o acerto.

Livro da Vida
Funciona como um diário da classe, registrando a livre expressão
(texto, desenho e pintura). Esta atividade permite que as crianças exponham
seus diferentes modos de ver a aula e a vida.

Fichário de Consulta
Põe à disposição da criança exercícios destinados à aquisição dos
mecanismos do cálculo, ortografia, gramática, história, ciências e etc. São
construídos em sala de aula pelos professores na interação com a turma.
Freinet criticava duramente os livros didáticos muitos fora da realidade da
criança.

Plano de Trabalho
Tendo o currículo escolar como ponto de partida, os grupos de
alunos se organizam para escolher as estratégias de desenvolvimento das
atividades que podiam ser realizadas em grupos, duplas ou individualmente.
Para registro do plano são elaboradas fichas nas quais são anotadas as
realizações da semana.

Correspondência Interescolar
É uma atividade em que a criança faz a aprendizagem da vida
cooperativa, uma classe se corresponde com a outra depois dos professores
terem se comunicado e organizado a forma. Podem enviar: cartas, textos,
fitas, desenhos, e é claro e-mails.

Autoavaliação
A criança registra o resultado do seu trabalho em fichas de
autoavaliação que permitem constantes comparações entre os trabalhos
realizados. Segundo Freinet o aluno e o professor devem se avaliar
regularmente.

Vera Lúcia Camara Zacharias é mestre em Educação, Pedagoga, consultora educacional,


assessora diversas instituições, profere palestras e cursos, criou e é diretora do CRE.

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Vygotsky

Na pedagogia sociointeracionista de Vigotsky, o aluno


é sujeito do conhecimento construído na interação sujeito-
objeto, sendo que essa ação do sujeito sobre o objeto é
socialmente mediada. O papel fundamental do Ensino é
preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar
para o aprendizado permanente. Além de promover a
compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos,
essa etapa do processo de aprendizagem deve contribuir para o
aprimoramento pessoal, para a formação ética, para a autonomia intelectual
e para o embasamento de um raciocínio crítico
“Vygotsky diz que aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo
adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu
contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. Pela ênfase
dada aos processos sócio-históricos, na teoria vygotskiana, a ideia de
aprendizagem inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no
processo. Não se trata de um sujeito passivamente moldado pelo meio, nem
de um sujeito assentado em recursos só individuais. O sujeito não é passivo
e nem apenas ativo: é interativo.
Desta forma, as características de cada indivíduo vão sendo
formadas a partir das inúmeras e constantes interações do indivíduo com o
meio, compreendido como contexto físico e social, que inclui as dimensões
interpessoal e cultural.
Vygotsky, assim, enfatiza que a relação ensino e aprendizagem é
um fenômeno complexo, pois diversos fatores de ordem social, política e
econômica interferem na dinâmica da sala de aula, isto porque a escola não
é uma instituição independente, está inserida na trama do tecido social.
Desse modo, as interações estabelecidas na escola revelam facetas do
contexto mais amplo em que o ensino se insere. “

Pereira, Márcio; Desenvolvimento Psicológico Segundo Vygotsky: Papel Da


Educação

Lev S. Vygotsky (1896-1934)

Professor e pesquisador foi contemporâneo de Piaget, e nasceu em


Orsha, pequena cidade da Bielorrusia em 17 de novembro de 1896. Viveu
na Rússia e morreu de tuberculose aos 37 anos.
Sua teoria baseia-se no “desenvolvimento do individuo como
resultado de um processo sócio-histórico” enfatizado o papel da linguagem
e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua questão central é a
aquisição de conhecimento pela interação do sujeito com o meio. Essa
teoria é considerada histórico-social.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de
conceitos remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão

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cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao
processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de
conhecimento que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida
cotidiana. Propôs uma visão de formação das funções psíquicas superiores
como internalização mediada pela cultura.
Suas concepções sobre o funcionamento do cérebro humano
colocam que o cérebro é a base biológica, e suas peculiaridades definem
limites e possibilidades para o desenvolvimento do homem. Essas
concepções fundamentam sua ideia de que as funções psicológicas
superiores (por ex. linguagem, memória) são construídas ao longo da
história social do homem, em sua relação com o mundo. Desse modo, as
funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações
conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de
aprendizagem.
Mediação - uma ideia central para a compreensão de suas
concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-
histórico é a ideia de mediação enquanto sujeito do conhecimento o
homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de
recortes do real operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe.
Portanto, enfatiza a construção do conhecimento como uma interação
mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto
como uma ação do sujeito sobre a realidade, como no construtivismo, e sim,
pela mediação feita por outros sujeitos. O “outro social” pode apresentar-
se por meio de objetos, da organização do ambiente ou do mundo cultural
que rodeia o indivíduo.
Linguagem - sistema simbólico dos grupos humanos, representa
um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos,
as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto do
conhecimento. É por meio dela que as funções mentais superiores são
socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Portanto, sociedades e
culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas.
Cultura - fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de
representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite
construir a interpretação do mundo real. Ela dá o local de negociações no
qual seus membros estão em constante processo de recriação e
reinterpretação de informações, conceitos e significações.
Processo de internalização - fundamental para o desenvolvimento
do funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma
atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade
interna, é interpessoal e se torna intrapessoal.
Usou o termo função mental para referir-se aos processos de
pensamento, memória, percepção e atenção. Coloca que o pensamento tem
origem na motivação, interesse, necessidade, impulso, afeto e emoção.
A interação social e o instrumento linguístico são decisivos para
o desenvolvimento.
Existem, pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados
por Vygotsky: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a
criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a
capacidade de aprender com outra pessoa.

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A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo
abertura nas zonas de desenvolvimento proximal (distância entre aquilo
que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de
um adulto; potencialidade para aprender, que não é a mesma para todas as
pessoas; ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento real e o
potencial) nas quais as interações sociais são centrais, estando então,
ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, interrelacionados;
assim, um conceito que se pretenda trabalhar, como por exemplo, em
matemática, requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.
O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de
internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura,
sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para Vygotsky, a
atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de
mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental.
Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma
conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.
É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se internaliza
conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de
conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que
caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano
individual interno - relações intra-pessoais.
Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional
desencadeia o processo ensino-aprendizagem.
O professor tem o papel explícito de interferir no processo,
diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por
imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar
avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na zona
proximal.
Vemos ainda como fator relevante para a educação, decorrente
das interpretações das teorias de Vygotsky, a importância da atuação dos
outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo,
pois uma intervenção deliberada desses membros da cultura, nessa
perspectiva, é essencial no processo de desenvolvimento. Isso nos mostra
os processos pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o
objeto dessa intervenção: a construção de conceitos.
O aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele
que aprende junto ao outro o que o seu grupo social produz, tal como
valores, linguagem e o próprio conhecimento.
A formação de conceitos espontâneos ou cotidianos
desenvolvidos no decorrer das interações sociais, diferenciam-se dos
conceitos científicos adquiridos pelo ensino, parte de um sistema
organizado de conhecimentos.
A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos
internos na interação com outras pessoas.
Ao observar a zona proximal, o educador pode orientar o
aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma
criança, tornando-o real. Nesse ínterim, o ensino deve passar do grupo para
o indivíduo. Em outras palavras, o ambiente influenciaria a internalização
das atividades cognitivas no indivíduo, de modo que, o aprendizado gere o

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desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental só pode realizar-se
por intermédio do aprendizado.
Vygotsky teve contato com a obra de Piaget e, embora teceu
elogios à ela em muitos aspectos também a criticou por considerar que
Piaget não deu a devida importância à situação social e ao meio. Ambos
atribuíram grande importância ao organismo ativo, mas Vygotsky destacou
o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento
e aprendizagem, sendo chamado de sociointeracionista, e não apenas de
interacionista como Piaget.
Piaget colocou ênfase nos aspectos estruturais e nas leis de caráter
universal (de origem biológica) do desenvolvimento, enquanto Vygotsky
destacou as contribuições da cultura, da interação social e a dimensão
histórica do desenvolvimento mental.
Mas ambos defenderam o construtivismo nas concepções do
desenvolvimento intelectual. Ou seja, sustentaram que a inteligência é
construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio.

Uma reflexão sobre o pensamento


pedagógico de Henri Wallon

Izabel Galvão

Henri Wallon (1872-1962) foi um estudioso que se


dedicou ao entendimento do psiquismo humano, seus
mecanismos e relações mútuas, a partir de uma
perspectiva genética. Por isso seu interesse pelo
desenvolvimento infantil, já que na infância se localiza a
gênese da maior parte dos processos psíquicos.
Além disso, Wallon participou ativamente de
debates em torno do tema Educação, contribuindo com críticas à educação
tradicional. Dessa forma, podemos encontrar em sua obra interessantes
posições, apesar de esse autor não ter proposto um método pedagógico.
Nesse texto, Izabel Galvão aponta as contribuições da obra de
Wallon ao pensamento pedagógico, oferecendo subsídios para os
educadores compreenderem e refletirem sobre sua relação com seus
alunos e a organização do trabalho em sala de aula.
O projeto de sua psicogenética (de Wallon) é o estudo da pessoa
completa, considerada em suas relações com o meio (contextuada) e em
seus diversos domínios (integrada). Contrário ao procedimento de se
privilegiar um único aspecto do desenvolvimento da criança, WALLON o
estudou em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, procurando mostrar
quais são nos diferentes momentos do desenvolvimento, os vínculos entre
cada um e suas implicações com o todo representado pela personalidade.
Desta opção, resultam quatro temas centrais na sua teoria: emoção,
movimento, inteligência, personalidade."
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A serviço da Educação, a psicogenética walloniana oferece subsídios
para aprofundar a reflexão sobre a prática pedagógica, motivando a
investigação educacional. Ao mesmo tempo, impõe exigências sobre esta
prática, cobrando da Escola o atendimento do indivíduo na integridade dos
domínios que o constituem (afetivo, cognitivo e motor)."
"Tendo acesso a material teórico que aborda de forma integrada,
temas como expressividade, emoção, gestualidade, movimento,
representação mental, pensamento discursivo, o professor estará
provavelmente melhor preparado para atender a criança em suas diversas
necessidades, assim como impulsionar o seu desenvolvimento e favorecer
sua aprendizagem. Afinal, a Escola não deve dissociar a formação da
inteligência da formação da personalidade, pois a inteligência tem ´status´
de parte no todo constituído pela pessoa e seu desenvolvimento está ligado
ao das outras esferas constitutivas deste todo."
"Esta concepção valoriza o papel do professor. Como elemento
diferenciado ele é o responsável pela unidade do grupo, podendo receber as
manifestações das crises infantis com o distanciamento necessário para não
as comprimir nem se submeter a elas. (...) O professor é valorizado também
do ponto de vista do conteúdo. Não se deve colocar como exclusivo
detentor do saber e único responsável pela sua transmissão, mas tampouco
abdicar deste papel, submetendo-se indiscriminadamente à
espontaneidade infantil”

Biografia

Nasceu na França em 1879. Antes de chegar à psicologia passou


pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais
explícita a aproximação com a educação.
Em 1902, com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal
Superior, cursou também medicina, formando-se em 1908. Viveu num
período marcado por instabilidade social e turbulência política. As duas
guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o avanço do fascismo no período
entre guerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das
colônias na África atingiram boa parte da Europa e, em especial, a França.
Em 1914 atuou como médico do exército francês, permanecendo
vários meses no front de combate. O contato com lesões cerebrais de ex-
combatentes fez com que revisse posições neurológicas que havia
desenvolvido no trabalho com crianças deficientes.
Até 1931 atuou como médico de instituições psiquiátricas.
Paralelamente à atuação de médico e psiquiatra consolidou o seu interesse
pela psicologia da criança.
Na 2ª guerra atuou na Resistência Francesa contra os alemães, foi
perseguido pela Gestapo e teve que viver na clandestinidade.
De 1920 a 1937, foi o encarregado de conferências sobre a
psicologia da criança na Sorbonne e outras instituições de ensino superior.
Em 1925 fundou um laboratório destinado à pesquisa e ao
atendimento de crianças ditas deficientes. Ainda em 1925 publicou sua tese
de doutorado “A Criança Turbulenta”. Inicia um período de intensa

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produção com todos os livros voltados para a psicologia da criança. O
último livro “Origens do pensamento na criança’, em 1945.
Em 1931 viajou para Moscou e foi convidado para integrar o Círculo
da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o
objetivo de aprofundar o estudo do materialismo dialético e de examinar as
possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência.
Neste grupo o marxismo que se discutia não era o sistema de governo, mas
a corrente filosófica.
Em 1942 filiou-se ao Partido Comunista, do qual já era simpatizante.
Manteve ligação com o partido até o final da vida.
Em 1948 criou a revista ‘Enfance”. Neste periódico, que ainda hoje
tenta seguir a linha editorial inicial, as publicações servem como
instrumento de pesquisa para os pesquisadores em psicologia e fonte de
informação para os educadores.
Faleceu em 1962.

A abordagem de Henri Wallon

A gênese da inteligência para Wallon é genética e organicamente


social, ou seja, "o ser humano é organicamente social e sua estrutura
orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar" (Dantas, 1992).
Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada
na psicogênese da pessoa completa.
Henri Wallon reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no
desenvolvimento humano, estudando-o a partir do desenvolvimento
psíquico da criança. Assim, o desenvolvimento da criança aparece
descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação
e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu
comportamento em geral.
Wallon realizou um estudo centrado na criança contextualizada,
onde o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é
descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando
em cada etapa profundas mudanças nas anteriores.
Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento não
se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no
momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta
da criança.
Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados
por Galvão (1995) sucedem-se em fases com predominância afetiva e
cognitiva:

 Impulsivo-emocional - que ocorre no primeiro ano de vida. A


predominância da afetividade orienta as primeiras reações do
bebê às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo
físico;

 Sensório-motor e projetivo - que vai até os três anos. A


aquisição da marcha e da preensão, dão à criança maior
autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos
espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da
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função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao
fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se
exteriorizar. O ato mental "projeta-se" em atos motores. Como
diz Dantas (1992), para Wallon, o ato mental se desenvolve a
partir do ato motor;

 Personalismo - ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio


desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as
interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas
pessoas;

 Categorial - os progressos intelectuais dirigem o interesse da


criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do
mundo exterior;

 Predominância funcional - ocorre nova definição dos


contornos das personalidades desestruturados devido às
modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões
pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona.

Na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de


atividades e de interesses da criança, denominada de "alternância
funcional", na qual cada fase predominante (de dominância, afetividade,
cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-
se reciprocamente, num permanente processo de integração e
diferenciação.
Wallon enfatizou o papel da emoção no desenvolvimento humano,
pois todo o contato que a criança estabelece com as pessoas que cuidam
dela desde o nascimento, são feitos de emoções e não apenas cognições.
Baseou suas ideias em quatro elementos básicos que estão todo o
tempo em comunicação: afetividade, emoções, movimento e formação
do eu.

 Afetividade - possui papel fundamental no desenvolvimento da


pessoa pois é por meio delas que o ser humano demonstra seus
desejos e vontades. As transformações fisiológicas de uma criança
(nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam
importantes traços de caráter e personalidade.

 Emoções - é altamente orgânica, ajuda o ser humano a se


conhecer. A raiva, o medo, a tristeza, a alegria e os sentimentos mais
profundos possuem uma função de grande relevância no
relacionamento da criança com o meio.

 Movimento - as emoções da organização dos espaços para se


movimentarem. Deste modo, a motricidade tem um caráter
pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento, quanto
pela maneira com que ele é representado. A escola ao insistir em
manter a criança imobilizada acaba por limitar o fluir de fatores

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necessários e importantes para o desenvolvimento completo da
pessoa.

 Formação do EU - a construção do eu depende essencialmente


do outro. Com maior ênfase a partir de quando a criança começa a
vivenciar a "crise de oposição", na qual a negação do outro funciona
como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso
acontece mais ou menos em torno dos 3 anos, quando é a hora de
saber que "eu" sou. Imitação, manipulação e sedução em relação ao
outro são características comuns nesta fase.

Wallon deixou-nos uma nova concepção da motricidade, da


emotividade, da inteligência humana e, sobretudo, uma maneira original de
pensar a Psicologia infantil e reformular os seus problemas.

Psicogênese da pessoa completa

Wallon procurou explicar os fundamentos da psicologia como


ciência, seus aspectos
Epistemológicos, Objetivos e Metodológicos.
Admitiu o organismo como condição primeira do pensamento, pois
toda a função psíquica supõe um componente orgânico. No entanto,
considerou que não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem
do ambiente no qual o sujeito está inserido, ou seja, de fora. Considerou
que o homem é determinado fisiológico e socialmente, sujeito às
disposições internas e às situações exteriores.

Psicologia Genética

A psicologia genética estuda os processos psíquicos em sua origem,


parte da análise dos processos primeiros e mais simples, pelos
quais cronologicamente passa o sujeito. Para Wallon essa é a única forma
de não dissolver em elementos separados e abstratos a totalidade da vida
psíquica.
Wallon propôs a psicogênese da pessoa completa, ou seja, o estudo
integrado do desenvolvimento.
Considerou que não é possível selecionar um único aspecto do ser
humano e olhou para o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos
quais se distribui a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo).
Para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o
sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada,
nas relações com o meio. Wallon recorreu a outros campos de
conhecimento para aprofundar a explicação dos fatores de
desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia
animal).
Segundo ele a atividade do homem é inconcebível sem o meio
social; porém as sociedades não poderiam existir sem indivíduos que
possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma conformação
determinada do cérebro, haja vista que certas perturbações de sua
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integridade, privam o indivíduo da palavra. Desta fora, não é possível
dissociar o biológico do social no homem. Esta é uma das características
básicas da sua Teoria do Desenvolvimento.
De acordo com Dantas (1992) Wallon concebeu o homem como
sendo genética e organicamente social e a sua existência se realiza entre as
exigências da sociedade e as do organismo.
Pedagogicamente a reflexão a partir de tais concepções exige uma
prática que atenda às necessidades das crianças nos planos afetivo,
cognitivo e motor, além de promover o seu desenvolvimento em todos os
níveis.
O maior objetivo da educação no contexto de sua psicologia
genética estaria posto no desenvolvimento da pessoa e não em seu
desenvolvimento intelectual. A inteligência é uma parte do todo em que a
pessoa se constitui.

Manteve interlocução com as teorias de Piaget e Freud.

Destacava na teoria de Piaget as contradições e dessemelhanças


entre as suas teorias, pois considerava esse o melhor procedimento quando
se busca o conhecimento. Por parte de Piaget existia uma constante
disposição em buscar a continuidade e complementariedade de suas obras.
Os dois se propunham a análise genética dos processos psíquicos, no
entanto, Wallon pretendia a gênese da pessoa e Piaget a gênese da
inteligência.
Com a psicanálise de Freud manteve uma atitude de interesse e ao
mesmo tempo de reserva.
Embora com formação similar (neurologia e medicina) a prática de
atuação os levou a caminhos distintos. Freud abandonando a neurologia
para dedicar-se a terapia das neuroses e Wallon manteve-se ligado a esta,
devido ao seu trabalho com crianças com distúrbios de comportamento.
O método adotado por Wallon foi o da observação pura.
Considerou que esta metodologia permite conhecer a criança em seu
contexto, “só podemos entender as atitudes da criança se entendermos
a trama do ambiente no qual está inserida”.

Vera Lúcia Camara Zacharias é mestre em Educação, Pedagoga, consultora educacional,


assessora em diversas instituições, profere palestras e cursos, criou e é diretora do CRE.

Piaget

Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça no dia 9


de agosto de 1896 e faleceu em Genebra, em 17 de
setembro de 1980. Estudou a evolução do pensamento
até a adolescência, procurando entender os mecanismos
mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo.
Como epistemólogo, investigou o processo de construção
do conhecimento, sendo que nos últimos anos de sua vida
centrou seus estudos no pensamento lógico-matemático.
13
Sua Vida

Piaget foi um menino prodígio. Interessou-se por história natural


ainda em sua infância. Aos 11 anos de idade, publicou seu primeiro trabalho
sobre a observação de um pardal albino. Esse breve estudo é considerado
o início de sua brilhante carreira científica. Aos sábados, Piaget trabalhava
gratuitamente no Museu de História Natural. Piaget freqüentou a
Universidade de Neuchâtel, onde estudou biologia e filosofia. Recebeu seu
doutorado em Biologia no ano de 1918, aos 22 anos de idade. Após formar-
se, Piaget foi para Zurich, onde trabalhou como psicólogo experimental. Lá
frequentou aulas lecionadas por Jung e trabalhou como psiquiatra em uma
clínica. Essas experiências influenciaram-no em seu trabalho. Ele passou a
combinar a psicologia experimental – que é um estudo formal e sistemático
– com métodos informais de psicologia: entrevistas, conversas e análises de
pacientes.
Em 1919, Piaget mudou-se para a França onde foi convidado a
trabalhar no laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo infantil que
desenvolveu testes de inteligência padronizados para crianças. Piaget notou
que crianças francesas da mesma faixa etária cometiam erros semelhantes
nesses testes e concluiu que o pensamento se desenvolve gradualmente. O
ano de 1919 foi o marco em sua vida. Piaget iniciou seus estudos
experimentais sobre a mente humana e começou a pesquisar também sobre
o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Seu conhecimento de
biologia levou-o a enxergar o desenvolvimento cognitivo de uma criança
como sendo uma evolução gradativa. Em 1921, Piaget voltou a Suíça e
tornou-se diretor de estudos do Instituto J. J. Rousseau da Universidade de
Genebra.
Lá iniciou o maior trabalho de sua vida, ao observar crianças
brincando e registrar meticulosamente as palavras, ações e processos de
raciocínio delas. Em 1923, Piaget casou-se com Valentine Châtenay com
quem teve 3 filhos: Jacqueline (1925), Lucienne (1927) e Laurent (1931). As
teorias de Piaget foram, em grande parte, baseadas em estudos e
observações de seus filhos que ele realizou ao lado de sua esposa. Enquanto
prosseguia com suas pesquisas e publicações de trabalhos, Piaget lecionou
em diversas universidades européias. Registros revelam que ele foi o único
suíço a ser convidado a lecionar na Universidade de Sorbonne (Paris,
França), onde permaneceu de 1952 a 1963. Até a data de seu falecimento,
Piaget fundou e dirigiu o Centro Internacional para Epistemologia Genética.
Ao longo de sua brilhante carreira, Piaget escreveu mais de 75 livros e
centenas de trabalhos científicos.

Pensamento predominante à época

Até o início do século XX, assumia-se que as crianças pensavam e


raciocinavam da mesma maneira que os adultos. A crença da maior parte
das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos
cognitivos entre crianças e adultos era sobretudo de grau: os adultos eram
superiores mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores,
mas os processos cognitivos básicos eram os mesmos ao longo da vida.
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Piaget a partir da observação cuidadosa de seus próprios
filhos e de muitas outras crianças, concluiu que em muitas questões cruciais
as crianças não pensam como os adultos. Por ainda lhes faltarem certas
habilidades, a maneira de pensar é diferente, não somente em grau, como
em classe.
A teoria do desenvolvimento cognitivo é considerada em
etapas, uma teoria que pressupõe que os seres humanos passam por uma
série de mudanças ordenadas e previsíveis.

Pressupostos básicos de sua teoria

Interacionismo - teoria psicológica que sustenta que o


desenvolvimento do comportamento humano é uma construção resultante
da relação do organismo com o meio em que está inserido. Esta teoria
valoriza igualmente o organismo e o meio. “Em relação ao conhecimento,
indica que é a representação da realidade em sistemas organizados de
elementos que se relacionam entre si. O indivíduo ao longo de sua vida,
constrói diferentes modelos desta realidade, cada vez mais complexos, pois
o que tem que entender é que estes modelos apresentam uma certa
estabilidade temporal, mas, ao mesmo tempo, estão submetidos a
processos de mudança que modificam os sistemas construídos a cada
momento. ” (MERCHÁN, 2000 – p.49) “Não existe estrutura sem gênese, nem
gênese sem estrutura” (Piaget, 1982). Ou seja, a estrutura de maturação do
indivíduo sofre um processo genético e a gênese depende de uma estrutura
de maturação. Sua teoria nos mostra que o indivíduo só recebe um
determinado conhecimento se estiver preparado para recebê-lo. Ou seja, se
puder agir sobre o objeto de conhecimento para inseri-lo num sistema de
relações. Não existe um novo conhecimento sem que o organismo tenha já
um conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. A
interação com o meio, proporciona modelos ou representações básicas a
partir de uma estrutura hereditária já constituída, mas o desenvolvimento
do indivíduo lhe vai dotando de conhecimentos sobre a realidade que, ao
relacionar-se de outra forma entre si, amplia-se e dá entrada a outros novos
conhecimentos, configurando sistemas progressivamente diferenciados e
característicos de etapas que se repetem em todos os indivíduos. Portanto
a construção da inteligência dá-se, em etapas ou estágios sucessivos, com
complexidades crescentes, encadeadas umas às outras. A isto Piaget
chamou de construtivismo sequencial.
Construtivismo sequencial - o desenvolvimento da inteligência
faz-se por complexidade crescente, onde um estágio (nível) é resultante de
outro anterior.
Estágios - patamares de desenvolvimento que se dá por sucessão
(organizações de ações e pensamento características de cada fase do
desenvolvimento do indivíduo).

A educação na visão Piagetiana

Com base nesses pressupostos, deve possibilitar à criança um


desenvolvimento amplo e dinâmico desde o período sensório- motor até o
operatório abstrato.
15
A escola deve partir dos esquemas de assimilação da criança,
propondo atividades desafiadoras que provoquem desequilíbrios e
reequilibrações sucessivas, promovendo a descoberta e a construção do
conhecimento.
Para construir esse conhecimento, as concepções infantis
combinam-se às informações advindas do meio, na medida em que o
conhecimento não é concebido apenas como sendo descoberto
espontaneamente pela criança, nem transmitido de forma mecânica pelo
meio exterior ou pelos adultos, mas como resultado de uma interação, na
qual o sujeito é sempre um elemento ativo, que procura ativamente
compreender o mundo que o cerca e que busca resolver as interrogações
que este o provoca.
O sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações
sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias categorias de
pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo. Não é um sujeito
que espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele,
como que por um ato de bondade.
Vamos esclarecer um pouco mais para você: quando se fala em
sujeito ativo, não estamos falando de alguém que faz muitas coisas, nem ao
menos de alguém que tem uma atividade observável. O sujeito ativo de
que falamos é aquele que compara, exclui, ordena, categoriza,
classifica, reformula, comprova, formula hipóteses, etc. Em uma ação
interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo seu grau de
desenvolvimento). Alguém que esteja realizando algo materialmente,
porém seguindo um modelo dado por outro, para ser copiado, não é
habitualmente um sujeito intelectualmente ativo.
Principais objetivos da educação: formação de homens "criativos,
inventivos e descobridores", de pessoas críticas e ativas, e na busca
constante da construção da autonomia.
Devemos lembrar que Piaget não propôs um método de ensino,
mas ao contrário, elabora uma teoria do conhecimento e desenvolve muitas
investigações cujos resultados são utilizados por psicólogos e pedagogos.
Desse modo, suas pesquisas recebem diversas interpretações que
se concretizam em propostas didáticas também diversas.

Implicações do pensamento piagetiano para a aprendizagem

Os objetivos pedagógicos necessitam estar centrados no aluno,


partir das atividades do aluno.
Os conteúdos não são concebidos como fins em si mesmos, mas
como instrumentos que servem ao desenvolvimento evolutivo natural. Um
método que leve ao descobrimento por parte do aluno ao invés de receber
passivamente através do professor. Sendo assim:

 A aprendizagem é um processo construído internamente;


 Ela depende do nível de desenvolvimento do sujeito;
 É um processo de reorganização cognitiva;
 Os conflitos cognitivos são importantes para o desenvolvimento
da aprendizagem;
 A interação social favorece a aprendizagem;
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 As experiências de aprendizagem necessitam estruturar-se de
modo a privilegiarem a colaboração, a cooperação e intercâmbio
de pontos de vista na busca conjunta do conhecimento.

Piaget não apontou respostas sobre o que e como ensinar, mas


permite compreender como a criança e o adolescente aprendem,
fornecendo um referencial para a identificação das possibilidades e
limitações de crianças e adolescentes. Desta maneira, oferece ao professor
uma atitude de respeito às condições intelectuais do aluno e um modo de
interpretar suas condutas verbais e não verbais para poder trabalhar melhor
com elas.

Autonomia para Piaget

Jean Piaget em sua obra discutiu com muito cuidado a questão da


autonomia e do seu desenvolvimento. Para Piaget a autonomia não está
relacionada com isolamento (capacidade de aprender sozinho e respeito ao
ritmo próprio - escola comportamentalista), na verdade entende Piaget que
o florescer do pensamento autônomo e lógico operatório é paralelo ao
surgimento da capacidade de estabelecer relações cooperativas. Quando os
agrupamentos operatórios surgem com as articulações das intuições, a
criança torna-se cada vez mais apta a agir cooperativamente.
No entender de Piaget ser autônomo significa estar apto a
cooperativamente construir o sistema de regras morais e operatórias
necessárias à manutenção de relações permeadas pelo respeito mútuo.
Jean Piaget caracterizava "Autonomia como a capacidade de
coordenação de diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do
respeito recíproco". (Kesselring T. Jean Piaget. Petrópolis: Vozes, 1993:173-
189).
Para Piaget (1977), a constituição do princípio de autonomia se
desenvolve juntamente com o processo de desenvolvimento da
autoconsciência. No início, a inteligência está calcada em atividades
motoras, centradas no próprio indivíduo, numa relação egocêntrica de si
para si mesmo. É a consciência centrada no eu. Nessa fase a criança joga
consigo mesma e não precisa compartilhar com o outro. É o estado de
anomia. A consciência dorme, disse Piaget, ou é o indivíduo da não
consciência. No desenvolvimento e na complexificação das ações, o
indivíduo reconhece a existência do outro e passa a reconhecer a
necessidade de regras, de hierarquia, de autoridade. O controle está
centrado no outro. O indivíduo desloca o eixo de suas relações de si para o
outro, numa relação unilateral, no sentido então da heteronomia. A verdade
e a decisão estão centradas no outro, no adulto. Neste caso a regra é
exterior ao indivíduo e, por consequência, sagrada, a consciência é tomada
emprestada do outro. Toda consciência da obrigação ou do caráter
necessário de uma regra supõe um sentimento de respeito à autoridade do
outro. Na autonomia, as leis e as regras são opções que o sujeito faz na sua
convivência social pela autodeterminação.
Segundo Piaget, não é possível uma autonomia intelectual sem uma
autonomia moral, pois ambas se sustentam no respeito mútuo, o qual, por

17
sua vez, se sustenta no respeito a si próprio e reconhecimento do outro
como ele mesmo.
A falta de consciência do eu e a consciência centrada na autoridade
do outro impossibilitam a cooperação, em relação ao comum, pois este não
existe. A consciência centrada no outro anula a ação do indivíduo como
sujeito. O indivíduo submete-se às regras, e pratica-as em função do outro.
Segundo Piaget este estágio pode representar a passagem para o nível da
cooperação, quando, na relação, o indivíduo se depara com condições de
possibilidades de identificar o outro como ele mesmo e não como si próprio.
(PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. Porto: Rés Editora, 1978).
"Na medida em que os indivíduos decidem com igualdade -
objetivamente ou subjetivamente, pouco importa, - as pressões que
exercem uns sobre os outros se tornam colaterais e as intervenções da
razão, que Bovet tão justamente observou, para explicar a autonomia
adquirida pela moral, dependem, precisamente, dessa cooperação
progressiva.
De fato, nossos estudos têm mostrado que as normas racionais e,
em particular, essa norma tão importante que é a reciprocidade, não podem
se desenvolver senão na e pela cooperação. A razão tem necessidade da
cooperação na medida em que ser racional consiste em 'se' situar para
submeter o individual ao universal. O respeito mútuo aparece, portanto,
como condição necessária da autonomia, sobre o seu duplo aspecto
intelectual e moral. Do ponto de vista intelectual, liberta a criança das
opiniões impostas, em proveito da coerência interna e do controle
recíproco. Do ponto de vista moral, substitui as normas da autoridade pela
norma imanente à própria ação e à própria consciência, que é a
reciprocidade na simpatia." (Piaget, 1977:94). (PIAGET, Jean. O julgamento
moral na criança. Editora Mestre Jou. São Paulo, 1977).
Como afirma Kamii, seguidora de Piaget, "A essência da autonomia
é que as crianças se tornam capazes de tomar decisões por elas mesmas.
Autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Autonomia
significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve
ser o melhor caminho da ação. Não pode haver quando alguém considera
somente o seu ponto de vista. Se também consideramos o ponto de vista
das outras pessoas, veremos que não somos livres para mentir, quebrar
promessas ou agir irrefletidamente"(Kamii C. A criança e o número.
Campinas: Papirus).
Kamii também colocou a autonomia em uma perspectiva de vida
em grupo. Para ela, a autonomia significa o indivíduo ser governado por si
próprio. É o contrário de heteronomia, que significa ser governado pelos
outros. A autonomia significa levar em consideração os fatores relevantes
para decidir agir da melhor forma para todos. Não pode haver moralidade
quando se considera apenas o próprio ponto de vista.

Algumas diferenças entre Piaget e Vygotsky

Um dos pontos divergentes entre Piaget e Vygostky parece estar


basicamente centrado na concepção de desenvolvimento. A teoria
piagetiana considera-o em sua forma retrospectiva, isto é, o nível mental
atingido determina o que o sujeito pode fazer. A teoria vygostkyana,
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considera-o na dimensão prospectiva, ou seja, enfatiza que o processo em
formação pode ser concluído através da ajuda oferecida ao sujeito na
realização de uma tarefa.
Enquanto Piaget não aceitou em suas provas "ajudas externas", por
considerá-las inviáveis para detectar e possibilitar a evolução mental do
sujeito, Vygotsky não só as aceita, como as considera fundamentais para o
processo evolutivo.
Se em Piaget deve-se levar em conta o desenvolvimento como um
limite para adequar o tipo de conteúdo de ensino a um nível evolutivo do
aluno, em Vygotsky o que tem que ser estabelecido é uma aprendizagem
vai à frente do desenvolvimento.
Assim, para Vygotsky, as potencialidades do indivíduo devem ser
levadas em conta durante o processo de ensino-aprendizagem. Isto porque,
a partir do contato com uma pessoa mais experiente e com o quadro
histórico-cultural, as potencialidades do aprendiz são transformadas em
situações que ativam nele esquemas processuais cognitivos ou
comportamentais, ou de que este convívio produza no indivíduo novas
potencialidades, num processo dialético contínuo. Como para ele a
aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, a escola tem um papel
essencial na construção desse ser; ela deveria dirigir o ensino não para
etapas intelectuais já alcançadas, mas sim, para etapas ainda não alcançadas
pelos alunos, funcionando como incentivadora de novas conquistas, do
desenvolvimento potencial do aluno.

Bibliografia

KAMII, Constance. “A criança e o número: implicação educacionalista da teoria de Piaget

para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas, São Paulo: Papirus, 1991).

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do futuro. São Paulo: Cortez,

2000.
OLIVEIRA, M. K. O problema a afetividade em Vigotsky. In: Dela la Taille, Piaget, Vigotsky e
Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro, Olympio – Unesco, 1973.

PIAGET, J. e GRECO, P. Aprendizagem e conhecimento. São Paulo: Freitas Bastos, 1974.

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Vera Lúcia Camara Zacharias é mestre em Educação, Pedagoga, consultora educacional,

assessora diversas instituições, profere palestras e cursos, criou e é diretora do CRE.

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