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TÍTULO: O PRINCÍPIO DA LIVRE EXPRESSÃO NA PEDAGOGIA FREINET NA

FORMAÇÃO DO ALFABETIZADOR DE JOVENS E ADULTOS


AUTORES: Deyse Karla de Oliveira Martins (dkom@bol.com.br); Francisco de Assis
Pereira
ÁREA TEMÁTICA: Educação

Introdução
O campo de alfabetização de jovens e adultos reclama um maior
aprofundamento teórico e de pesquisa para possibilitar maior fundamentação
epistemológica e metodológica aos professores que atuam na modalidade de EJA (
Educação de Jovens e Adultos).
Buscando contribuir com as questões acima, o Projeto REDUÇÃO DO
ANALFABETISMO ( parceria da UFRN /PROEx e Secretaria Municipal de Educação
da Cidade do Natal) vem atuando desde o 2º semestre de 2001 em espaços escolares e
não escolares junto às populações ditas “analfabetas”, na faixa etária acima de 15 anos
de idade. Para tanto buscou abrir um espaço de alternativa pedagógica através do uso,
por adesão, de princípios e práticas freinetianas aplicadas nas salas de alfabetização de
jovens e adultos.
Princípios como livre expressão, educação do trabalho, tateamento experimental
e cooperação foram vivenciados em algumas salas através de práticas e vivências
pedagógicas que apontaram possibilidades de aplicação em salas de EJA.
A opção pela Pedagogia Freinet inicialmente veio fruto de discussões a cerca
da ausência de metodologias voltadas para a educação de pessoas jovens e adultas e
também porque ele foi um educador que rejeitou a pedagogia tradicional, por considerá-
la descontextualizada da realidade dos alunos, pois afirmava que nela não havia a
preocupação de uma formação para a vida. Diante desse contexto ele buscou trazer a
vida para a escola. Além desse aspecto, Freinet tinha uma preocupação muito grande
com uma escola para o povo, devido a falta de um trabalho comprometido com as
classes populares. Dessa inquietação surgem as bases para o Movimento da Escola
Moderna (MEM), que atualmente conta com muitos participantes do mundo .
Dentre os princípios freinetianos destacamos em nossos estudos o referente à
livre expressão. Pois para Freinet esta se manifesta ao longo do processo do
desenvolvimento infantil. De acordo com SOUZA (1996, p. 03) a livre expressão é um
conjunto de”dizeres” que faz a globalidade do ser. Pois é através dela que a criança se
expressa de forma verdadeira e sincera através da fala, do gesto, da produção de textos,
mas para que isso aconteça a escola deverá representar para ela um ambiente acolhedor
e de confiança.

Diante dessas possibilidades destacamos a importância de um espaço escolar


que permita essas trocas de experiências, para que o trabalho pedagógico propicie a
participação ativa desses alunos, através da compreensão destes como sendo sujeitos
ativos de sua aprendizagem. Para isso, o educador precisa antes de tudo conquistar seus
alunos, estabelecendo um clima de confiança e segurança em sala de aula e a motivação
intrínseca deverá funcionar como uma mola propulsora ao longo do processo educativo.
Além disso, devemos partir do pressuposto de que o sucesso de um será o de todos, ou
seja, para que todos possam progredir o sucesso é importantíssimo em salas de aula de
alfabetização de jovens e adultos. . Segundo PEREIRA (1997):
“(...) A prática da expressão livre segundo a experiência
por tentativas, em Freinet,é considerada etapa
indispensável no processo de relações entre criança e o
meio, e entendida como trabalho resultante da reflexão e
análise (...) instrumento de expressão dos seus
pensamentos” (PEREIRA, 1997, p.82-85)

Desenvolvendo trabalhos de pesquisa coma livre expressão com alunos


jovens do ensino fundamental, SANTOS (1993), considera que “praticar a expressão
livre significa dar a palavra ao aluno, dar-lhe meios de expressar-se e comunicar-se”.

Dessa forma a expressão livre é um aspecto fundamental no processo


educativo seja de crianças, jovens ou adultos.

A prática da livre expressão no contexto alfabetizador implica a necessidade


de condições e situações facilitadoras e de uma significativa assimilação de noções e
valores ao longo do tempo adotado e vividos nas escolas.

Segundo Élise Freinet (1979), o elemento central da obra de celéstin Freinet


é a livre expressão. Para ele “a livre expressão não é invenção do cérebro
particularmente privilegiado: é a própria manifestação da vida!”.
Em contatos mantidos com pessoas vinculadas ao Movimento da Escola
Moderna (MEM) no Brasil, até o momento, nos foi informada da escassez de
experiências da Pedagogia Freinet com jovens e adultos analfabetos ou de pouca
escolaridade, o que mais estimulou o interesse pela sua fundamentação e
experimentação no campo empírico. Aliás, como consta no relatório final projeto
Redução do Analfabetismo, foram aplicadas as seguintes estratégias freinetianas
baseadas nos princípios da livre expressão, tateamento experimental, educação do
trabalho e cooperação :

a) Livro da vida
O objetivo dessa prática é estimular a livre expressão do aluno através da escrita,
colagem, desenho, enfim, o mais relevante é o desejo do aluno comunicar-se;
b) Textos individuais e coletivos
Na tentativa de superação da concepção de linguagem enquanto reprodução, mas
como interlocução constituída nas relações entre os educandos/educadores, buscamos
estimular o processo de alfabetização, como nos afirma PEREIRA (1997,103), através
da utilização do texto em situações do real interlocução e de clima de liberdade onde o
aluno possa pensar e se expressar, pondo em xeque a tradicional forma de ensino da
escrita, ainda hoje adotada em nossas escolas. Desse modo, os alunos foram
estimulados a debater, trocar idéias, experiências, bem como, produzir textos
individuais e coletivos;
c) Jornal escolar
Através de estímulos realizados pela professora os alunos de duas turmas
decidiram produzir um jornal escrito, nesse espaço eles ficaram livres para exercitar sua
livre expressão e exercitar a aplicação dos recursos lingüísticos.
d) Festa de aniversário1
Dentre os vários motivos desencadeadores do abandono à escola por jovens e
adultos “analfabetos” é a sua baixa auto-estima. Essa atividade foi utilizada na tentativa
de valorizar o indivíduo e elevar sua auto-estima, muitas turmas realizaram festas de
aniversário e proporcionaram para muitos um momento ímpar, pois muitos vivenciaram
pela primeira vez uma ceia de natal. Além do já foi descrito, podemos enfatizar que
durante a realização desses eventos todos envolvidos no processo (professor, aluno),

1
Essa prática consta do livro da Professora Maria Lúcia dos Santos, militante do Movimento da Escola
Moderna (Fundado por C. Frienet), intitulado “ A expressão livre no aprendizado da Língua Portuguesa –
(Pedagogia Freinet), da Scipione (1993)
têm uma oportinidade de se conhecerem melhor num ambiente descontraído e
cooperativo.

e) Aula passeio
Dentre as práticas freinetianas, no contexto dessa pesquisa essa é a mais
conhecida e agradável. Muitos alfabetizadores optaram pela realização dessa prática,
pois além de ensinar estavam, em muitos casos, oportunizando os alunos a conhecerem
espaços culturais, monumentos históricos entre outros, e a o mesmo tempo, estarem
conhecendo melhor o espaço onde vivem. Destacamos aqui alguns dos locais visitados
por nossos alunos: UFRN, Parque das Dunas, Monumentos Históricos de Natal, Forte
dos Reis Magos, Biblioteca Dr. Américo Oliveira da Costa (Conj. Santarém), Grupo de
alcoólicos anônimos e Fundação Bradesco (Feira de Ciências) no bairro de Felipe
Camarão, e passeios pela comunidade.
Como podemos observar na prática, foi possível aplicar alguns dos princípios da
prática Freinet com êxito. É válido ressaltar que os alfabetizadores aderiram a algumas
das práticas e a inseriram em seu cotidiano, mas, em momento algum ela foi imposta ou
exigida aos alfabetizadores, pois, a Pedagogia Freinet é uma Pedagogia de Adesão.
Como pudemos observar ao longo dessas experiências que estão alcançando
sucesso, é válido salientar a nossa preocupação com o processo de aquisição da
linguagem de forma significativa sendo construída pelos próprios alunos através da
utilização dos usos sociais da oralidade, leitura e escrita caracterizando-se uma
aprendizagem repleta de vida e sentido, estabelecendo uma relação do cotidiano com a
sala de aula, trazendo a vida para a escola.
Na continuidade do projeto em 2002, estão previstas novas Capacitações onde
serão contemplados conteúdos sobre a Pedagogia Freinet. Permanecerá no projeto/2002
a maioria dos alfabetizadores o que possibilitará a continuidade das experiências nessa
área.

Objetivo
O nosso tema se remete às possibilidades de utilização dos princípios e
práticas da Pedagogia Freinet, por meio da Livre expressão. Nesse contexto, investiga-
se como o princípio da Livre Expressão vem sendo vivenciado em algumas turmas,
através da adesão dos alfabetizadores envolvidos no projeto e as inter-relações
estabelecidas na sala de aula, que proporcionam o desenvolvimento psico-social e
afetivo dos alunos e professores.

Metodologia
Ao refletirmos sobre o processo metodológico a ser desenvolvido neste
projeto dissertativo, é importante destacar a nossa concepção de pesquisa, pois
concebemos a pesquisa como sendo uma ação dinâmica e construída por uma relação
dialética estabelecida através da objetividade e subjetividade, permitindo uma análise da
realidade.
É nesse sentido que caracterizamos a nossa metodologia como sendo do tipo
qualitativa tendo como base teórico-metodológica de nossas investigações os estudos e
princípios dos estudos etnográficos na área da educação.
Dessa forma, as análises de nossas investigações pressupõem uma ação
dinâmica na busca de compreendermos como os princípios das Práticas Freinet
contribuem para a alfabetização de jovens e adultos, articulando nesta análise as
conexões necessárias à construção do conhecimento especialmente no referente à
aquisição da leitura e da escrita por esses alunos.
Para a concretização desse projeto, destacamos a necessidade de realizarmos
observação e ação colaborativa no cotidiano das salas de aula, que irão compor o nosso
campo empírico de pesquisa. Partindo desse pressuposto, buscaremos uma interação
maior com os alfabetizadores que aderiram espontaneamente à Pedagogia Freinet
constituindo com eles um grupo de aprofundamento de estudos, permuta de
experiências e discussão em torno das atividades pedagógicas a serem aplicadas.
Partindo deste princípio faz-se necessário destacar a importância de um aprofundamento
teórico metodológico, através de encontros quinzenais.
Quanto aos instrumentos de análise serão constituídos a partir dos dados
obtidos nas turmas selecionadas para o estudo, nas reuniões de formação continuada,
nas entrevistas com os alfabetizadores das referidas turmas. Para que esse grupo se
constitua enquanto instrumentos de pesquisa, serão utilizados os seguintes
procedimentos:
- Produção de um diagnóstico histórico, social e cultural dos sujeitos envolvidos na
pesquisa;
- Registros de aulas constando as atividades desenvolvidas, bem como, os
procedimentos;
- Entrevistas com alfabetizadores e alfabetizandos
- Análise das situações que envolvem os princípios freinetianos
- Análise de atividades (Produção textual dos alunos, livre expressão...)
Para a coleta dos dados da pesquisa estão sendo necessários a realização de:
Entrevistas; Gravação em fitas cassete - Registro transcrito; Registro das
observações das atividades desenvolvidas em sala de aula; Registro através de imagem
fotográfica e/ou filmagem.
Durante o primeiro semestre de 2002 trabalhamos com oitenta e três turmas
do Projeto piloto do PROJETO REDUÇÃO DO ANALFABETISMO, pelo menos em
cerca de 15 turmas foram aplicados os princípios freinetianos, como: a correspondência
interescolar, jornal escolar, textos coletivos, aula passeio dentre outras e que
apresentaram resultados positivos. Estão previstas para 2002, ações colaborativas
através da constituição de grupos de estudos sobre as Práticas Freinetianas com o
objetivo de realizarmos estudos teóricos bem como um espaço para trocas de
experiências.
Dentre as quinze turmas que mais se destacaram ao longo do referido
projeto, faremos uma escolha de duas para compor o nosso referencial empírico. Essa
escolha será em função de onde se percebe uma maior adesão à utilização das práticas
freinetianas, bem como serão observadas a participação deste alfabetizador durante os
encontros de aprofundamento teórico-metodológico.
Faremos também uma análise documental (relatórios produzidos pelos
alfabetizadores, e coordenação geral) do Projeto, bem como, os depoimentos, produções
e resultados obtidos ao longo do processo.

Resultados
Os resultados preliminares dessa pesquisa, tendo-se em vista as práticas em
andamento, apontam indícios do que poderá se constituir numa práxis, voltada para a
alfabetização de pessoas jovens adultas, especialmente no que se refere ao
aproveitamento dos conhecimentos prévios dos alunos, o desenvolvimento cognitivo e
emocional, bem como os conhecimentos acumulados historicamente através das teorias
dos autores citados ao longo do nosso trabalho, favorecendo desse modo a efetivação de
uma prática pedagógica de qualidade e envolvente, comprometida com as camadas
populares. Da perspectiva pedagógica estão consideradas no processo de alfabetização:
• A construção do significado da leitura e da escrita pelos educandos;
• A realização de tateios experimentais na área da escrita pelos
alfabetizandos;
• O convívio constante da leitura e escrita.
Em síntese, estamos propondo nesse contexto a abertura de um espaço para
uma nova prática pedagógica, que muda desde a postura do professor, até mesmo (na
medida do possível) o ambiente físico da sala de aula, como também convida os alunos
a serem mais cooperativos. Ao verificarmos os progressos dos alunos, percebemos que
eles transcendem a mera aquisição de conhecimentos escolarizados, especialmente no
que se refere a auto-imagem e sociabilidade extrapolando, dessa forma, os limites da
escola.

Bibliografia

Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste: Educação Fundamental, Natal, 17 a


20 julho de 1997 ;organização Márcia Maria Gurgel Ribeiro, Sandra Maria Borba
Pereira - Natal: EDUFRN, 1997.
FREINET, Célestin. A Educação do Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
________. Pedagogia do Bom Senso. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
________. Para uma Escola do Povo. Lisboa: Presença, 1973.
FREINET, Élise. Nascimento de uma pedagogia popular. Lisboa: Estampa, 1978.
_________. O Itinerário de Celéstin Freinet: a livre expressão na Pedagogia
Freinet. Trad. Priscila de Siqueira. Rio de Janeiro; Livraria Francisco Alves editora,
1979.
PEREIRA, Francisco de Assis. As contribuições do Texto Livre na vitalização da
sala de aula: uma experiência na escola pública. Natal: DEPED/CCSA/UFRN, 1997.
(Tese de Doutorado).
SAMPAIO, Rosa Maria W. F. Freinet – Evolução Histórica e Atualidades. 2a ed. São
Paulo :Scipione, 1994.
SANTOS, Maria Lúcia dos. Expressão livre no aprendizado da Língua Portuguesa –
PedagogiaFreinet. São Paulo: Scipione, 1991 (Série Pensamento e Ação no
Magistério).
OLIVEIRA, Anne M. Milon. Cèlestin Freinet: Raízes sociais e políticas de uma
proposta pedagógica. Rio de janeiro: Pápeis e cópias de Botafogo e Escola de
Professores, 1995.

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