Você está na página 1de 12

PODCAST COMO MEDIAÇÃO DOS PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E

ESCRITA EM TEMPO DE PANDEMIA

Anna Catarine Amaral


Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
e-mail: anna.amaral@aluno.uece.br

Sabrina De Melo Ávila


Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
e-mail: sabrina.avila@aluno.uece.br

Maria Auxiliadora Henrique Barbosa


Professora da Rede Municipal, Fortaleza-CE, Brasil
e-mail: auxiliadorabarbosa@convenio.uece.br

Tânia Serra Azul Machado Bezerra


Professora Adjunta da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
e-mail: tania.azul@uece.br

RESUMO

A pesquisa visa refletir sobre o elemento da motivação, fazer um trabalho vivo/animado,


como essencial para o aprendizado da criança; relatar sobre a escolha de usar a mídia podcast
para realizar trabalhos de ensino remoto emergencial durante o isolamento da pandemia da
COVID-19; partilhar reflexões sobre a relação teoria e práxis como elementos indissociáveis
na formação inicial docente; e ainda, compreender a necessidade de impregnar de sentido as
atividades pedagógicas que são promovidas para as crianças a fim de que se sintam motivadas,
com vontade de se expressar e sujeitos relevantes para a construção de seu próprio
conhecimento, na escola ou nos demais ambientes de que participem. As experiências
observadas foram desenvolvidas por graduandas de Pedagogia e bolsistas do Programa
Residência Pedagógica na Escola Municipal Francisco de Melo Jaborandi, localizada em
Fortaleza-CE, durante o período de 01 de fevereiro a 26 de março de 2021. O trabalho
constitui-se em um relato de experiência com abordagem de natureza qualitativa, descritiva e
analítica. Resulta que é possível proporcionar experiências impregnadas de sentido que
motivem as crianças a se expressar, a se comunicar e a querer fazer parte de um trabalho
coletivo e cooperativo; e que o podcast pode ser uma ferramenta pedagógica para a
construção desse aprendizado. Concluímos que desempenhar essas experiências, relacionando
a teoria com a práxis, é fundamental para compreender na prática pedagógica o que não se
pode assimilar nas entrelinhas das leituras acadêmicas.

Palavras-chave: Podcast. Aprender com sentido. Teoria e Práxis. Pandemia.

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se desde muito tempo que o ser humano sente necessidade de ter um sentido de
vida, independente dos tipos de atividades que realize (trabalho, lazer, estudos, exercícios
físicos etc), há sempre um sentimento de que é preciso alcançar algo. Por essa razão, ninguém
quer aprender se não houver um sentido para tal. Não é diferente com as crianças. Elas
querem compreender o seu fazer, se sentir parte, se sentir ou fazer algo útil, se expressar,
aprender sabendo por que precisam aprender. A respeito disso, Freinet (1896-1966) afirma em
uma de suas invariantes pedagógicas (Nº 8): “Ninguém gosta de trabalhar sem um objetivo,
de agir como um robô; ou seja, de atuar e estar preso a pensamentos inscritos em rotinas nas
quais não participa” (IMBERNÓN, 2012, p. 67). Com base nesse princípio, Freinet defende a
necessidade de promover experiências na escola que envolvam e motivem a criança a realizar
uma atividade (trabalho) compreendendo o seu sentido, relacionando com a sua vida social,
favorecendo o seu protagonismo infantil com liberdade e autonomia.
No que concerne aos processos de aquisição da escrita e da leitura, Vygotsky (1896-
1934) orienta que o ensino da escrita a fim de formar uma criança leitora e produtora de textos
com sentido e manifestação de conhecimentos sobre sua interação com o mundo, seja
apresentado de forma que: a criança sinta necessidade de realizar tal atividade; compreenda a
escrita como elaboração/apropriação cultural complexa; que a necessidade de aprender a
escrever seja tão natural quanto a de falar e, por fim, que os pedagogos/as ensinem a
importância da linguagem escrita como meio de expressão e não apenas letras (MELLO, 2014,
p. 35).
Contudo, para despertar essas necessidades na criança de se apropriar da linguagem
escrita, Suelly Mello argumenta que devemos “contaminar o ensino fundamental” com
atividades que promovam o exercício de expressão, usando as múltiplas linguagens: o
desenho, a dança, a música, a brincadeira de faz-de-conta, a fala, a contação de histórias etc,
essenciais para a “formação da identidade, da inteligência e da personalidade da criança”, e
para a “aquisição da escrita como um instrumento cultural complexo” (MELLO, 2014, p. 22).
Posto isso, nos dias atuais (2021), enfrentamos uma pandemia por COVID-19,
causada pelo novo vírus SARS-CoV-2, e precisamos realizar o isolamento social para
abrandar a propagação do vírus e por consequência, implementar um ensino remoto
emergencial nas escolas públicas. Professores/as alfabetizadores/as tiveram que se adaptar ao
contexto em questão, buscar, pesquisar e aprender sobre ferramentas virtuais/digitais para
utilizarem em seus desenvolvimentos de ensino-aprendizagem.
Foi nessa conjuntura que nós, graduandas de Pedagogia na Universidade Estadual do
Ceará e bolsistas do Programa Residência Pedagógica (PRP) - subprojeto de
pedagogia/alfabetização/CED/UECE - financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), desenvolvemos experiências de estudos, pesquisas e
regências pedagógicas em uma escola municipal de Fortaleza-CE, através de plataformas
virtuais (Whatsapp, Google Meet entre outros). O PRP é uma iniciativa do Ministério da
Educação em conjunto com a CAPES a fim de possibilitar a integração de graduandos/as de
cursos de licenciatura nas escolas públicas de educação básica, com o intuito de “exercitar de
forma ativa a relação entre teoria e prática profissional docente.” (UNIVERSIDADE
ESTADUAL DO CEARÁ, 2020, p. 1).
O presente ensaio visa: refletir sobre a motivação ou “fazer um trabalho animado”
como um dos componentes essenciais para o aprendizado da criança (IMBERNÓN, 2012, p.
69); relatar o uso do podcast, recurso digital encontrado na Web, para o exercício de
expressão da criança, e por conseguinte, uma potencialidade de prática educativa para
incentivar e contribuir com o processo de aquisição da leitura e da escrita das crianças;
apresentar reflexões sobre a relação teoria e práxis como elementos indissociáveis ao trabalho
docente, vivenciado no primeiro semestre (10/2020 a 03/2021) do PRP. O nosso estudo
pretende, ainda, apreender como é essencial impregnar de sentido as ações pedagógicas
realizadas com crianças para que estas se sintam envolvidas, satisfeitas, capazes de contribuir
para a construção e partilha de conhecimentos, a partir de suas leituras, reflexões, vivências,
vozes, e realizar essas manifestações não só no meio escolar, mas em outras comunidades
como as do mundo virtual.

2. METODOLOGIA: REGÊNCIAS VIRTUAIS NO PROGRAMA RESIDÊNCIA


PEDAGÓGICA E PODCAST

O PRP tem durabilidade de 18 meses, estruturado em três módulos de seis semestres.


O primeiro semestre é subdividido em três etapas: 1) Ciclo de formações sobre a relação
teoria e prática na docência (estudos sobre a Docência, BNCC, metodologias de ensino da
área, projetos de intervenção pedagógica entre outros); 2) Preparação das equipes de
residentes, ambientação nas escolas, construção de diagnóstico escolar e elaboração de planos
de ação e 3) Regências virtuais dos/as residentes sob supervisão dos/as preceptores/as.
Contudo, devido à brevidade deste relato de experiência, iremos nos ater apenas às vivências
das regências virtuais.
A partir do dia 01 de fevereiro de 2021, após passar pelas duas etapas de estudos e
preparação para intervenções pedagógicas, com constantes observações em sala de aula
virtual (por grupo de WhatsApp e Google Meet), tanto da postura da preceptora quanto das
crianças, iniciamos as regências. As participações foram feitas duas vezes por semana, no
período da tarde, com a turma do 4º ano B do Ensino Fundamental I, na Escola Municipal
Professor Francisco de Melo Jaborandi, em Fortaleza-CE.
O período em sala de aula nos ajudou a conhecer os/as alunos/as, seus
comportamentos, ritmos de aprendizagem, necessidades, dificuldades, interesses e o que os/as
instiga; bem como, identificar as características entre turmas diferentes do 4º ano, já que às
vezes participávamos em turnos diferentes. Ainda mais, nos ajudou a observar posturas da
preceptora e perceber sua sensibilidade na maneira de agir com as crianças, de mediar e
ajudar a criança a entender ou usar certo conhecimento; ou ainda, a necessidade de um/a
docente assumir, às vezes, o controle da turma quando as crianças ainda não sabem mediar
seus conflitos de interesses.
Tomar parte nas ações supramencionadas é da mais alta importância, pois os traquejos
da docência não se aprendem apenas na teoria, mas, sim, na vivência. É a interação prática
que torna possível a pedagogia situada, pois não se deve separar conhecimento científico e
realidade. Assim, anuentes com Freire (2011, p. 180), entendemos que: “O rigor científico
vem de um esforço para superar uma compreensão ingênua do mundo. A ciência sobrepõe o
pensamento crítico àquilo que observamos na realidade, a partir do senso comum.”. Logo, a
pertinência de se unir teoria e prática para a formação profissional docente.
Conforme participávamos das aulas, elaborávamos nossos próprios planejamentos de
aulas, procurando contemplar os temas didáticos pertinentes ao 4º ano e os conhecimentos
prévios das crianças colocados em suas “falas”, a leitura de mundo que elas faziam, seus
interesses e suas necessidades. Pois, como destaca Imbernón (2012, p. 82) sobre os princípios
de Freinet (1972):
[...] se a criança está ocupada em um “trabalho vivo'', que responde às suas
necessidades, ela não se cansa. “O que cansa os alunos, assim como os adultos'”,
afirma Freinet, “é o esforço contra a natureza, que fazes porque te obrigam. [...] O
cansaço das crianças é o teste que revela a qualidade de uma determinada
pedagogia.”

Assim, com base nas observações e interações com as crianças, nos reuníamos e
elaborávamos os planejamentos de aula, exercitando uma prática educativa de ação e reflexão
sobre nossas anotações dos diários de campo, para que nossa futura atuação em sala de aula
trouxesse sentido e trabalho vivo/animado para as crianças. Em cada planejamento,
perguntávamos: “O que queremos mediar? Como iremos realizar? Por que e para que mediar
tal conhecimento?” “Seria uma atividade motivadora para as crianças?”.
Cabe destacar que antes de usarmos os planejamentos em sala de aula, estes eram
avaliados, revisados e discutidos com a professora-preceptora, cuja apreciação contribuía com
a tessitura dos planejamentos, dizendo, de forma respeitosa, o que poderíamos melhorar e
prezando a identidade de cada plano. A atenção prestada pela preceptora foi fundamental para
estimular o sentimento de segurança e autonomia em nossas ideias do fazer pedagógico e
didático. Outra vez, percebemos a relevância da estrutura que o PRP nos oferece, ao
proporcionar o acompanhamento de uma professora profissional da educação básica, que faz
toda a diferença em nossa formação.
No mês de março, quando os/as alunos/as do 4º ano estavam aprendendo sobre o
gênero textual fábula, observamos que a professora-preceptora realizava mediações pelo
whatsapp, fazendo perguntas às crianças como: “O que é fábula? Quais são suas
características?” e depois as crianças enviavam áudios respondendo à professora, com suas
explicações e comentários. Ao discutirmos depois sobre esses momentos, tivemos a ideia de
criar um podcast, em que reuniríamos as nossas falas, as da professora-preceptora e das
próprias crianças (com as devidas autorizações dos responsáveis), para valorizar as
participações das crianças, de maneira lúdica, prazerosa, interessante e ainda demonstrar
como suas contribuições são importantes para a construção de conhecimento não só
individual, mas coletivo, inclusive o nosso como residentes.
Aliás, a mídia podcast dialoga com uma realidade que faz parte da vida cotidiana das
crianças, o uso constante da internet, de áudios para comunicação oral, seja pelo whatsapp,
seja pelo direct do instagram, ou por outras plataformas virtuais, como as de podcast. Assim,
uma boa forma de “Aprender na escola como se aprende na vida” (IMBERNÓN, 2012, p. 75).
Desse modo, nossa pesquisa assenta-se em um relato de experiência, a partir de
registros dos nossos diários de campo, com abordagem de natureza qualitativa, analítica e
descritiva. Fizemos uma descrição de algumas de nossas experiências e reflexões sobre o uso
do podcast como ferramenta pedagógica realizadas no PRP, durante o período de regências
virtuais na escola supracitada. Também realizamos investigação bibliográfica, para analisar a
necessidade de o sujeito aprender com sentido, fazer um trabalho motivado e relacionar com o
uso do podcast, ferramenta possível para agregar tais valores com as crianças e conosco,
residentes ensinantes e aprendizes. Por último, mas não menos importante, refletir sobre os
benefícios de associar a teoria à prática na construção do conhecimento docente.
3. PODCAST E SUAS POTENCIALIDADES COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA

Hoje, se você fizer uma busca simples de histórias infantis em áudio no Google,
encontrará várias opções de canais de podcasts, seja no formato vídeo pelo canal do Youtube,
seja em áudio pelos feeds. Mas antes de começarmos a relatar nossa experiência com podcast,
é necessário entender sobre essa ferramenta tão explorada por tanta gente e de toda idade. O
que explica porque diante dos desafios de ensino emergencial à distância, tivemos a ideia de
usar essa ferramenta digital como instrumento pedagógico. Assim, de acordo com Barros e
Menta (2007, p. 2-3), podcast é
[...] uma palavra que vem do laço criado entre Ipod – aparelho produzido pela Apple
que reproduz mp3 e Broadcast (transmissão), podendo defini-lo como sendo um
programa de rádio personalizado gravado nas extensões mp3, ogg ou mp4, que são
formatos digitais que permitem armazenar músicas e arquivos de áudio em um
espaço relativamente pequeno, podendo ser armazenados no computador e/ou
disponibilizados na Internet, vinculado a um arquivo de informação (feed) que
permite que se assine os programas recebendo as informações sem precisar ir ao site
do produtor.

Podcasts são, pois, programas de áudio que podem ser escutados online ou baixados e
escutados pelo celular, por exemplo. Existem programas de podcasts de todo tipo: histórias
infantis, notícias, negócios, política, investimentos, educação entre outros; e qualquer um que
tenha boa internet e celular na mão tem condições de buscar, ouvir um podcast ou criar seu
próprio programa, conforme o tema que mais lhe agrade.
Hoje, especialmente devido à pandemia da COVID-19, muitas pessoas, blogueiros,
contadores/as de histórias, educadores/as, críticos, jornalistas, economistas etc, utilizam
programas de podcasts para expressar ideias ou compartilhar conhecimentos. Por isso, o
número de podcasts tem crescido bastante. Segundo a Associação Brasileira de Podcasters,
estima-se que no Brasil existem 34,6 milhões de ouvintes de podcasts (PodPesquisa, 2020), o
que demonstra que as pessoas gostam de ouvir e aprender com essa mídia.
Há vários benefícios do podcast: é gratuito; portátil; acesso fácil à informação; temas
variados que atendem diversos públicos; duração curta ou longa conforme a finalidade;
multifuncional, pois pode ser ouvido enquanto se faz outra atividade; é inclusivo, existem
podcasts para pessoas com deficiências; além de ser muito flexível, sendo escutado de acordo
com o tempo e a disponibilidade de cada ouvinte (LIMA; CAMPO; BRITO, 2020, p. 2).
À vista disso, muitos/as professores/as usam o podcast como ferramenta pedagógica
para dar continuidade ao desenvolvimento das aulas, usando uma linguagem familiar a
crianças e jovens, para motivá-los/as a se interessarem pelos conteúdos curriculares. Assim,
Em se tratando do Podcast, como supracitado, seu uso pedagógico vem ganhando
espaço de modo gradual desde seu surgimento, mas é importante pontuar que esta
ferramenta é em si educativa, seja na produção que exige aprendizagem para
apropriação da mesma, ou, no recebimento das informações que variam por diversos
conteúdos como humor, cultura, educação, dentre outros, pois existe público para
temas variados. Na concepção de Freire (1996) comunicar-se, dialogar, participar é
um ato educativo e, portanto, pedagógico (OLIVEIRA, OLIVEIRA e CARVALHO,
2020, p. 59).

Logo, o uso do podcast pode ser um ato pedagógico e trazer muitas vantagens nas
salas de aulas; como: possibilidade de o/a estudante revisar o conteúdo ou aula em outro
momento; boa opção para quem tem dificuldade de ler e pode ser motivado a aprender,
através da escuta, no seu ritmo e tempo; oportunidade ao estudante de ouvir a voz do/a
professor/a ensinando, ou as vozes dos/as próprios/as alunos/as com suas contribuições de
leituras e opiniões sobre temas debatidos em sala, o que propicia ao docente sincronizar-se à
turma de forma contínua.
O podcast, por ser uma mídia que é elaborada com vozes e sons, pode ser um meio
pedagógico para desenvolver a oralidade, criatividade, expressões de ideias e sentimentos,
autonomia e o protagonismo das crianças. Mais, por ser uma tecnologia digital é um recurso
de linguagem, inserido no convívio das crianças, portanto, o podcast é um instrumento
cativante por natureza já que faz parte do mundo da cibercultura, tão experimentado pelas
crianças. Isso nos faz pensar na relação entre comunicação, leitura, escrita e vontade.
“Freinet considerava que o texto deve ser, antes de tudo, o produto de uma vontade de
comunicação. Nesse sentido, a leitura é inseparável da escrita, mas a escrita de palavras e
frases com significado, não de sons abstratos” (IMBERNÓN, 2012, p. 61). Assim, o podcast
como meio de comunicação pode instigar na criança: vontade de se comunicar, por
conseguinte, de se expressar por meio de texto, oral ou escrito; vontade de ler para que sua
fala seja melhor; vontade de escrever bem, para ler em voz alta e gravar a sua fala a fim de
que seja incluída no podcast e ouvida pelos outros/as; vontade de se comunicar, porque tem
sentido. Afinal, é necessário que em todo fazer haja sentido, motivação e diálogo com
conhecimentos prévios das crianças para que desenvolvam um trabalho com vontade e
aprendam com significado.

3.1. Nossas experiências com podcast durante o ensino remoto emergencial no PRP

Diante do desafio de isolamento social provocado pela pandemia da COVID-19 e a


necessidade de realizar ensino remoto pelo whatsapp em consequência da falta de estrutura
das escolas públicas para proporcionar a continuidade no processo de educação das crianças
com qualidade, pensamos em utilizar o podcast como ferramenta pedagógica em nossas
regências virtuais. O nosso grupo de residentes teve a ideia de usar áudios participativos das
crianças enviados no grupo de whatsapp para auxiliá-las, motivá-las, integrá-las como
participantes na construção de seus conhecimentos. Então, inspiradas nessas ideias, criamos o
canal de podcast Aprende com a gente: ensinante e aprendente1, e podcasts sobre fábulas: O
Coelho e a Tartaruga, A Cigarra e a Formiga, A Rã e o Touro. Além de produzir podcasts
sobre outras áreas de conhecimento, como: História, Ciências, Língua Portuguesa e Geografia.
Para construir os podcasts, seguimos algumas etapas: 1) Elaboramos um planejamento;
2) Estruturamos um roteiro; 3) Organizamos as sequências de nossas falas com as das
crianças ou da professora; 4) Nos encontramos em reuniões particulares para ensaiar e gravar
as falas; 5) Editamos os áudios, o que demandou horas extras de trabalho; 6) Elaboramos
cartazes para cada podcast com o recurso de outra tecnologia digital, o Canva (plataforma de
design gráfico); 7) Pedimos à professora-preceptora solicitar autorização dos familiares para o
uso dos áudios com as vozes das crianças; 8) Postamos os podcasts finalizados no canal de
podcasts e depois enviamos o link da mídia para os/as estudantes no grupo de whatsapp da
turma nos dias da nossas intervenções.
Um exemplo interessante que destacamos foi o dia em que usamos o podcast sobre a
fábula A Cigarra e a Formiga, no qual juntamos nossas falas às das crianças e a da
professora-preceptora com o objetivo de: lembrar o conceito e características de fábula; trazer
alguns aprendizados apresentados pelas próprias crianças; mostrar que elas podem colaborar
para a construção de conhecimento junto com as professoras; despertar nas crianças o
interesse e o desejo de expressarem suas opiniões e, ainda, demonstrar que suas falas são tão
importantes quanto a das professoras. Abaixo, seguem alguns recortes do podcast
mencionado:
[mulher, residente Girassol, 37 anos] – E a nossa história de hoje é uma fábula.
Você lembra o que é uma fábula?
[menino, aluno Cravo, 8 anos] – Então, fábulas é texto que animais agem como
humanos e o texto é curto.
[mulher, residente Girassol, 37 anos] – É isso mesmo. A fábula trata-se de uma
narrativa quase sempre breve. O enredo geralmente é construído em torno de
animais que agem como seres humanos. [...] Não é isso mesmo, Rosa?
[mulher, residente Rosa, 23 anos] – É isso mesmo, Girassol.
[...]
[mulher, professora-preceptora Camélia, 52 anos] – Mandem áudio dizendo o que
vocês entenderam do texto. Qual foi a lição que vocês aprenderam? Quais são os
personagens da história?

1
Disponível em: https://anchor.fm/aprende-com-a-gente. Acesso: 18/08/2021.
[menino, aluno Antúrio, 8 anos] – Sim, eu gostei. A lição que eu aprendi foi que os
preguiçosos recolhem o que merecem. Os personagens são as formigas e a cigarra.
[menina, aluna Rosa, 8 anos] – Tia, eu aprendi que a cigarra não se preocupou em
juntar comida. Passou o verão cantando enquanto as formigas estavam trabalhando.
Por isso, as formigas não deram comida pra ela.

Percebemos, com este trecho do podcast, como a participação das crianças enriquece e
demonstra que estas têm conhecimentos, opiniões, vontade de se expressar; e que se
valorizarmos suas participações, elas contribuirão cada vez mais espontaneamente. Portanto,
entendemos e reconhecemos um dos princípios de Freinet: se a educação for antiautoritária e
focada na colaboração dos/as estudantes para a busca de seu conhecimento, através de
atividades que as façam perceber sua força e a importância de serem os/as protagonistas no
próprio aprendizado, em um trabalho coletivo, aqueles/as terão motivações para aprender e
trabalhar, porque agora percebem que suas obrigações têm sentido (IMBERNÓN, 2012).
Precisamos mencionar que o que observamos das crianças em relação aos podcasts
não foram respostas imediatas, propriamente nos dias das postagens, mas de maneira gradual,
com a frequência dos acompanhamentos das aulas semanais. Reparamos que as participações
nos diálogos com as professoras cresceram, assim como, a expressão de opiniões. As crianças
começaram a enviar áudios com mais frequência. Notamos os esforços para enviar leituras
orais com melhor entonação de voz, inclusive as leituras orais de crianças que tinham muita
dificuldade como “engolir” palavras, trocar letras ou falar rápido demais.
Com esse resultado, compreendemos o que Mello (2014, p. 34) quer dizer quando
afirma que o “envolvimento da criança na vida da escola promove sua expressão oral, que é
condição essencial para o desenvolvimento da inteligência”. Mais uma vez, constatamos a
relevância de tratar a criança como um ser que é capaz de aprender, e de propor ideias que
estimulem na criança a necessidade do desejo de se expressar, de exercer seu papel no grupo e
se sentir parte da escola; condições fundamentais para desenvolver seu processo de
aprendizado (MELLO, 2014). Dessa maneira, continuamos elaborando muitos outros
podcasts para promover a alegria e o sentimento de inclusão dos/das estudantes.
Por outro lado, é necessário pontuar que tivemos alguns impasses no uso do podcast.
Uma questão é que, precisamos realizar podcasts com duração de no máximo cinco minutos;
primeiro para que seja atrativo e dinâmico para as crianças, segundo porque longas mídias
gastam mais dados de internet das crianças impossibilitando de continuarem participando das
aulas nos dias seguintes. Esse é um desafio das crianças de escolas públicas, suas internets são
limitadas e nem todas as famílias têm condições de terem internet com melhor qualidade.
Outra questão é que, apesar de a maioria das crianças terem facilidades para acessar o
podcast online, através do link enviado no grupo de whatsapp, algumas crianças têm
dificuldades em seguir as instruções para acessar o podcast. Nesse caso, o que fazíamos era
baixar o áudio do podcast e enviá-lo para o grupo de whatsapp, o que facilitava o acesso
dessas crianças com dificuldades, mas por outro lado, gastava mais dados de internet. Dessa
maneira, embora possamos perceber as vantagens de se trabalhar com podcast, precisamos
atentar que nem todas as crianças têm a estrutura básica para acessá-lo e por isso, é
fundamental pensar em outras possibilidades de adaptação ao usar esse tipo de atividade.
Um outro aspecto, no que diz respeito ao planejamento docente, é que, embora o
podcast como ferramenta educativa seja muito útil para desenvolver a expressão oral,
criatividade e imaginação das crianças, há um desafio sobre a questão da necessidade de ter
tempo para fazer roteiros, gravações, seleções e edições dos áudios gravados. Não é uma
tarefa rápida mesmo com a prática, mas com um planejamento e organização das atividades,
o/a professor/a poderá realizá-la mais vezes. Quem sabe futuramente, junto com as crianças
em sala de aula presencial, proporcionando a escolha dos temas e produções de podcast de
forma coletiva e democrática, motivando as crianças a trabalharem com consciência, gosto e
vontade? Afinal de contas, “se uma das grandes finalidades da escola é formar os cidadãos do
amanhã, a educação deve ser capaz de proporcionar elementos para alcançar uma maior
independência de juízo, de deliberação e de diálogo construtivo.” (IMBERNÓN, 2012, p. 92).
Vale apontar que para construir todos os materiais do podcast, demandamos horas
extras de pesquisas em sites acadêmicos (Scielo, Google acadêmico, CAPES) e no You Tube a
fim de aprender usar não só o Podcast, mas tecnologias digitais que contribuem ou agregam
qualidade na produção do podcast, como: Streamyard, Anchor, Videoshow, Canva, Inshot,
Audacity, You Tube editor etc. O que foi muito bom para nossa formação docente como
pesquisadoras, idealizadoras e até mesmo Podcasters (os que criam e produzem podcasts).
Salientamos que durante o processo de pesquisa e produção de podcasts aprendemos
diferenciar narrações e contações de histórias. Desenvolvemos nossa criatividade, imaginação,
oralidade, postura vocal, senso de produção de roteiros audiovisuais; bem como, dominamos
nossa timidez, e o medo de se expor em público. Construímos nossa identidade profissional
como professoras e percebemos a complexidade da rotina docente e da relação com as
crianças, familiares e comunidade escolar. As experiências do PRP são ricas porque nos
oportunizam percepções e aprendizados na prática, que na teoria não se pode ensinar. Visto
que
[...] as teorias, os conhecimentos educacionais constituídos, nem sempre
expressaram a realidade complexa do fenômeno educativo. As teorias educacionais
muitas vezes falharam em traduzir o sentido implícito das práticas cotidianas e assim
nem sempre impregnaram de compreensão o saber fazer dos educadores,
dificultando sua utilização como suporte enriquecedor das ações práticas (FRANCO,
2012, p. 177-178).

Então, percebemos que alguns fundamentos pedagógicos só ganham sentido notável


quando exercitamos a práxis (FRANCO, 2012). Bem como, as demandas que surgem a cada
dia e só podem ser compreendidas com a observação, a reflexão de tomada de ações e
respostas dessas mesmas ações que só se apreende vivenciando. Enfim, o PRP é uma
possibilidade de trabalhar com pesquisa-ação e compreender que teoria e prática realmente
são inseparáveis para o processo de aprendizado pleno na formação inicial docente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este relato de experiência buscou perceber como o aprendizado com sentido pode
fazer diferença no processo de aprendizagem da criança quando esta é motivada a realizar
atividades que lhe interessam, que sejam do seu conhecimento relacionando à vida social e
que lhe deem o prazer de agir com autonomia. Uma dessas atividades é a ferramenta do
podcast que usamos como medida de intervenção em nossas regências virtuais.
O uso do podcast como ferramenta pedagógica foi uma ideia que tivemos para nos
auxiliar, diante dos desafios do ensino remoto emergencial provocado pela pandemia da
COVID-19, nas aulas virtuais na plataforma de whatsapp. Apesar das dificuldades, foi uma
grande oportunidade, como residentes, para nos apropriarmos dessa ferramenta digital e
realizarmos inovações em uma escola pública.
O trabalho com podcast trouxe alguns benefícios. Primeiro, para as crianças, que
ficaram motivadas a exercitar suas expressões orais, entonações de vozes, opiniões, fluência
leitora etc, e passaram a contribuir mais para a própria construção de conhecimento ao
perceber que suas participações foram consideradas. Depois, para nós residentes, que no
processo de pesquisas e criação de podcasts, não só aprendemos sobre aquela ferramenta
digital, mas melhoramos nossa forma de falar, ler, brincar e de compreender o que pode
cativar a atenção da criança nesse novo tipo de linguagem. E ainda, perceber sobre as
possibilidades educativas do podcast como realizar um projeto de produção de um canal,
sendo realizado em sala de aula (presencialmente) e construir conhecimento de maneira
coletiva, prezando a contribuição das crianças e seus interesses nas escolhas dos temas.
Por fim, as vivências propiciadas pelo Programa Residência Pedagógica, descritas
neste relato, só nos fazem afirmar o que já sabemos e compreendemos na íntegra, mesmo que
não tenhamos ainda terminado a nossa graduação em Pedagogia: o PRP veio para ficar e é
essencial para que o/a futuro/a docente possa realmente aprender na prática o que muitas
vezes não consegue entender durante seus estudos teóricos.

5. REFERÊNCIAS

BARROS, Gílian Cristina; MENTA, Eziquiel. Podcast: produções de áudio para educação de
forma crítica, criativa e cidadã. Revista de Economía Política de Las Tecnologías de La
Información y Comunicación (epitic), v. 9, n. 1, p.1-14, abr. 2007. Disponível em:
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012621.pdf. Acesso: 10/082021.

FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro. Pedagogia e prática docente. São Paulo:
Cortez, 2012.

IMBERNÓN, Francisco. Pedagogia Freinet: a atualidade das invariantes pedagógicas.


Tradução: Alexandre Salvaterra. Revisão técnica: Maria Clara Bueno Fischer. Porto Alegre,
RS: Penso, 2012. p. 128.

LIMA, K. M.; CAMPOS, C. S.; BRITO, A. L. O podcast como ferramenta ao ensino:


implicações e possibilidades educativas. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 7.,
2020, Maceió, AL. Anais VII CONEDU - Edição Online... Campina Grande: Realize, 2020.
Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/69108. Acesso: 16/08/2021.

MELLO, Suely Amaral. O processo de aquisição da escrita na educação infantil:


contribuições de Vygotsky. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart; MELLO, Suely Amaral (orgs.).
Linguagens infantis: outras formas de leitura. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores
Associados, 2014. p. 21- 47.

OLIVEIRA, Ilena da Aparecida de; OLIVEIRA, Sabrina Aparecida de; CARVALHO, Saulo
Rodrigues de. Podcast como recurso pedagógico no ensino remoto. Revista Aproximação,
Guarapuava, PR, v. 02, n. 05, p. 56-64, Out./Nov./Dez 2020. ISSN 2675-228X. Disponível
em: https://revistas.unicentro.br/index.php/aproximacao/article/view/6709/4635. Acesso:
24/08/2021.

PODPESQUISA Produtor 2020 2021_Abpod - Resultados. PodPesquisa, 2021. Disponível


em: https://abpod.org/wp-content/uploads/2020/12/Podpesquisa-Produtor-2020-2021_Abpod-
Resultados.pdf. Acesso: 16/08/2021.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Pró-Reitoria de Graduação. EDITAL Nº


10/2020 - REITORIA. Seleção de bolsistas para o Programa Institucional de Bolsa de
Residência Pedagógica, em conformidade com edital CAPES nº 01/2020, portaria nº
259/2019 – CAPES E O PROJETO INSTITUCIONAL DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA
DA UECE. Disponível em: http://www.uece.br/wp-content/uploads/2020/06/EDITAL-10-
2020-RES.PEDAG%C3%93GICA-PDF.pdf. Acesso: 05/07/2021.

Você também pode gostar