Você está na página 1de 12

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/347730440

A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES ENTRE PROFESSORAS E COORDENADORA EM


UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA CIDADE DE SÃO PAULO

Article  in  Colloquium Humanarum · October 2020


DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495

CITATIONS READ

0 1

2 authors, including:

Rafaele Paulazini Majela dos Santos


Prefeitura Municipal de São Paulo
3 PUBLICATIONS   0 CITATIONS   

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Rafaele Paulazini Majela dos Santos on 27 December 2022.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


http://journal.unoeste.br/index.php/ch
DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
ISSN on-line 1809-8207

Submetido: 18/08/2020 Correções: 21/10/2020 Aceite Final: 24/10/2020

A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES ENTRE PROFESSORAS E COORDENADORA EM UM


CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DA CIDADE DE SÃO PAULO
Rafaele Paulazini Majela dos Santos1, Ligia de Carvalho Abões Vercelli2
1
Mestra em Educação pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE. Professora de Educação Infantil na Rede Municipal
de São Paulo. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6125-3173 E-mail: rafaelepaulazini@gmail.com
2
Doutora em educação pela Universidade Nove De Julho - UNINOVE, Professora do curso de Pedagogia e do Programa
de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (Progepe) na Universidade Nove de Julho – UNINOVE, São Paulo.
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1381-464X E-mail: vercelli.ligia@gmail.com

RESUMO
As perguntas que orientaram o estudo foram: Como as professoras de Educação Infantil percebem a
afetividade? Como a afetividade se apresenta nas relações cotidianas entre docentes e coordenadora da
área de Educação em um Centro de Educação Infantil? O trabalho teve por objetivo mapear como a
afetividade, nas relações entre professoras e coordenadora, ocorre em um CEI da rede pública, localizado
na cidade de São Paulo. Os sujeitos da pesquisa foram cinco professoras e uma coordenadora. A
metodologia utilizada foi de cunho qualitativo, e os instrumentos de coleta de dados foram a observação
nos diferentes espaços do CEI e as entrevistas semiestruturadas com as professoras e com uma
coordenadora. Os resultados apontam que a afetividade, no CEI estudado, é pouco reconhecida nas
relações interpessoais do grupo gestor da escola, fato este que traz implicações no desenvolvimento do
trabalho conjunto da unidade escolar. Segundo as professoras entrevistadas, a coordenação pedagógica
funciona como um suporte para todo o trabalho desenvolvido no CEI; por essa razão, elas enfatizam a
importância do profissional que assume esse papel.
Palavras-chave: Afetividade. Centro de Educação Infantil. Relações Interpessoais.

AFFECTIVITY IN THE RELATIONSHIP BETWEEN TEACHERS AND THE COORDINATOR IN A CHILD EDUCATION
CENTER IN SÃO PAULO CITY

ABSTRACT
The questions that guided the study were: How do Early Childhood Education teachers notice affectivity?
How does affectivity occur in everyday relationship between teachers and the coordinator at a Child
Education Center? The objective of this paper was to map how affectivity, in the relationship between
teachers and the coordinator, occurs in a public CEC, in São Paulo city. The research subjects were five
teachers and one coordinator. The methodology used in this study involved a qualitative approach. Data-
collection instruments consisted of observation in the CEC premises and semi-structured interviews with
the teachers and the coordinator. The results show that affectivity, in the studied CEC, is little recognized in
the relationships between the teachers and the coordinator, a fact that has implications for the
development of the joint work of the school unit. According to the interviewed teachers, the pedagogical
coordination is a support for all the work developed at the CEC and, therefore, they emphasize the
importance of the professional who assumes this role.
Keywords: Affectivity. Child Education Center. Interpersonal Relations

AFECTO EM LAS RELACIONES ENTRE DOCENTES Y COORDINADORA DE UN CENTRO DE EDUCACIÓN


INFANTIL EM SÃO PAULO

RESUMEN
Las preguntas que guiaron el estudio fueron: ¿Cómo perciben la afectividad los docentes de Educación
Infantil? ¿Cómo aparece la afectividad en las relaciones cotidianas entre docentes y el coordinador del área

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
198

de Educación de un Centro de Educación Infantil? El trabajo tuvo como objetivo mapear cómo la
afectividad, en las relaciones entre docentes y coordinador, ocurre en una escuela pública CEI, ubicada en
la ciudad de São Paulo. Los sujetos de investigación fueron cinco profesores y un coordinador. La
metodología utilizada fue de carácter cualitativo, y los instrumentos de recolección de datos fueron la
observación en los diferentes espacios del CEI y entrevistas semiestructuradas con docentes y un
coordinador. Los resultados muestran que el afecto, en el CEI estudiado, es poco reconocido en las
relaciones interpersonales del grupo de dirección escolar, hecho que tiene implicaciones para el desarrollo
del trabajo conjunto de la unidad escolar. Según los docentes entrevistados, la coordinación pedagógica
funciona como soporte de todo el trabajo que se desarrolla en el CEI; por ello, enfatizan la importancia del
profesional que asume este rol.
Palabras-clave: Afectividad. Centro de Educación Infantil. Relaciones interpersonales.

INTRODUÇÃO afficere, que significa “influir sobre, fazer algo a


Só aprendemos e alguém”. Trata-se de um conceito abstrato que
ensinamos por amor ou envolve as relações interpessoais e pode
por ódio, nunca na contribuir com o processo ensino-aprendizagem.
indiferença (...). Somos Partindo de discussões e estudos no
geneticamente amorosos.
âmbito educacional, em alguns níveis da
Aprendemos, conhecemos
por amor ou por ódio,
educação, Freire buscou, por meios distintos,
construindo vínculo entender a complexidade da constituição da
(FREIRE, 2014, p. 25). emoção do ser humano e a afetividade na prática
pedagógica. Com isto, em suas obras, fomentou
Este artigo é fruto da dissertação de discussões pedagógicas que conceberam a
mestrado realizada pelas autoras e defendida no impossibilidade da dicotomia entre as dimensões
ano de 2019. Tal dissertação teve por objetivo afetiva e cognitiva no processo de
mapear como a afetividade, nas relações entre desenvolvimento e aprendizagem.
professoras e coordenadora pedagógica, ocorre Pensar na constituição global do ser é
em um CEI da rede pública, localizado na cidade voltar-se para as instituições escolares,
de São Paulo. principalmente as que atendem bebês1 e crianças
O ser humano, complexo e incompleto, foi, bem pequenas2, para desconstruir o pressuposto
durante muito tempo, categorizado como um ser cartesiano. É repensar o planejamento
dividido entre razão e emoção, como se verifica pedagógico, os espaços de interação e reflexão
na máxima cartesiana: “Penso, logo existo”, que entre todos os envolvidos no processo
privilegia a razão em detrimento da emoção. Essa educacional. É reconhecer as potencialidades de
ideia foi incorporada ao contexto histórico- cada um e construir um trabalho coletivo,
educacional, na crença de que os aspectos fazendo valer a afetividade.
cognitivos prevaleceriam sobre os aspectos É um exercício diário lidar com o diferente,
emocionais e afetivos, difundindo pedagogias com a diversidade de gostos, jeitos e opiniões,
que dicotomizavam a dimensão cognitiva da transformando cada reunião pedagógica, cada
afetiva no processo de aprendizagem. encontro entre professoras e coordenadora em
Essas pedagogias racionalistas que um espaço de trocas de experiências,
caracterizam a aprendizagem como produto aprendizado, sabendo que o conflito, a
exclusivo da inteligência formal, desconsiderando divergência e os sentimentos diversos são parte
a afetividade, vêm aos poucos sendo revistas. do ser humano e integrantes da afetividade.
Pois, se as primeiras reações dos recém-nascidos Utilizaremos os termos professoras e
são de natureza emocional, e a aprendizagem coordenadoras durante todo o texto porque o
ocorre entre o sujeito e o objeto mediado pela
1
troca e pelo ambiente, como é possível conceber Segundo a última versão da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), aprovada no mês de abril de 2018, o termo bebê
um sujeito dicotomizando-o em dimensões que compreende a faixa etária de zero a 1 ano e 6 meses.
2
se complementam? Segundo a última versão da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), aprovada no mês de abril de 2018, o termo crianças bem
A palavra afeto origina-se do latim affectus, pequenas compreende a faixa etária de 1 ano e 7 meses a 3 anos e
cujo significado é “estar inclinado a”. Vem da raiz 11 meses.

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
199

corpo docente do CEI estudado é composto por


mulheres.
Entendemos que ações transformadoras, DELINEAMENTO METODOLÓGICO
dentro de uma unidade educacional, envolvem A metodologia utilizada neste trabalho foi
fatores como os determinantes sociais, políticos, de cunho qualitativo, a qual, segundo Lüdke e
econômicos e ideológicos, que devem ser André (2014), ocorre em ambiente natural, sendo
considerados ao analisarmos as práticas este a fonte direta de dados, em que o principal
realizadas, assim como as contradições e instrumento é o pesquisador. O processo de
conflitos que ocorrem nas discussões. É na estudo é mais importante que o produto. Os
parceria entre professoras e coordenadora dados coletados são descritivos e ricos em
pedagógica que os conflitos podem ser descrições de pessoas, situações e
minimizados e direcionados às tomadas de acontecimentos, incluindo transcrições de
decisões efetivas, construtivas e voltadas para entrevistas e/ou vários tipos de documentos.
um planejamento na direção da mudança e Todos os dados da realidade são importantes, e o
transformação. pesquisador precisa atentar para as situações,
Para tanto, caberá à coordenadora observando como o problema se manifesta nas
pedagógica exercer o papel de articuladora de atividades.
ideias e ações dentro desse processo, Os estudos qualitativos ainda consideram
mobilizando, assim, uma construção de práticas e os diferentes pontos de vista dos participantes, o
saberes no coletivo de maneira harmoniosa, que permite contemplar o dinamismo interno das
valendo-se da afetividade, do aprimoramento do situações, diferente do observador externo.
diálogo, da escuta e da fala dos participantes. Quanto aos instrumentos de coleta de
Como parte integrante da pesquisa, foi dados, utilizamos a observação, a entrevista
realizada uma busca nas plataformas do Instituto semiestruturada e a roda de conversa na
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia perspectiva do círculo de cultura de Paulo Freire.
(IBICT), por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dentre as variações no método de observação,
Dissertações (BDTD), no Banco de Teses e recorrermos à observação participante, que,
Dissertações da Coordenação de segundo Lüdke e André (2014), permite que o
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior observador se aproxime das perspectivas dos
(Capes), no Scientific Eletronic Library Online sujeitos, tentando apreender sua visão de
(Scielo), no período de 2010 a 2017, somente na mundo, estratégia útil para encontrar novos
área da educação. Para tanto, utilizamos os aspectos de um problema. A entrevista, por sua
seguintes descritores em conjunto: afetividade e vez, é uma das principais técnicas de trabalho
educação infantil; afetividade na educação dentro das ciências sociais, sua característica é a
infantil e coordenador pedagógico. Nessa busca interação, pois o entrevistado não sofre
foram encontrados dois trabalhos de mestrado, imposições do pesquisador-entrevistador e pode
defendidos, respectivamente, nos anos de 2014 e discorrer de maneira mais livre sobre o fato em
2016, ambos na Universidade Federal de Santa questão.
Maria, a saber: O diálogo e a afetividade no Com relação ao conteúdo das observações,
contexto da educação infantil: As “pessoas o foco do estudo esteve nas relações cotidianas
grandes” dizendo a sua palavra, de Juliana entre os sujeitos, considerando a descrição dos
Goelzer, defendido na Universidade Federal de sujeitos, dos diálogos, descrição dos locais,
Santa Maria; Vínculos afetivos na educação descrição de eventos especiais, das atividades.
infantil: desafios na auto(trans)formação Para tanto, utilizamos os documentos disponíveis
permanente de professores, autoria de Carolina na unidade como o Projeto Político-Pedagógico
Zasso Pigatto. (PPP), os registros do Projeto Especial de Ação
A relevância científica de nossa pesquisa (PEA) e registros pedagógicos utilizados e
encontra-se justamente no fato de haver poucos disponibilizados pela coordenadora entrevistada,
estudos que discutem as relações afetivas entre aferindo, assim, se a afetividade é contemplada
profissionais da educação, assim, nosso objetivo na relação entre a coordenadora e as
foi objetivo mapear como a afetividade, nas professoras. Lüdke e André (2014) lembram que
relações entre professoras e coordenadora, a parte reflexiva das anotações pode incluir as
ocorre em um CEI da rede pública, localizado na observações pessoais do observador, realizada
cidade de São Paulo. durante a coleta de dados, sejam elas analíticas,

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
200

metodológicas, dilemas éticos e conflitos, sejam CEI. Com a observação no PEA, podemos
mudanças na perspectiva do observador. Essas entender que essa profissional tem grande senso
diretrizes podem orientar o pesquisador na estético e acolhedor, pois sempre recebeu e
seleção de dados. acolheu as professoras de maneira agradável, nas
Em uma pesquisa qualitativa, a entrevista é falas, nos gestos e em suas propostas,
um dos instrumentos básicos para a coleta de diversificando a sua abordagem com momentos
dados. Tem caráter interativo, sem estrutura de leitura e discussão de textos, dinâmicas,
rígida de questões, o que contribui para uma oficinas, palestras, filmes, slides. Com as
atmosfera de influência recíproca entre o discussões e intervenções feitas nesses
entrevistador e o entrevistado. “O entrevistado momentos, a coordenadora também ouviu a fala
discorre sobre o tema proposto com base nas das professoras, pois nas reuniões de segmentos
informações que ele detém e que no fundo são a algumas docentes pediram essa variação de
verdadeira razão da entrevista. Na medida em atividades.
que houver um clima de estímulo e de aceitação Ao observar os documentos da escola, tais
mútua, as informações fluirão de maneira notável como registros do PEA e devolutivas dos
e autêntica” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p. 34). semanários da coordenadora Liberdade,
De acordo com as autoras, em todo tipo de compreendemos que sua prática condiz com sua
entrevista deve-se estar atento ao respeito ao fala, pautada no respeito ao trabalho das
entrevistado no tocante às datas e aos horários professoras e seu momento de construção
pré-agendados, também à cultura e aos valores subjetiva. Foram observados três registros de
do entrevistado. Ao entrevistador caberá a salas distintas: o primeiro de uma sala de
capacidade de ouvir atentamente e manter o berçário II, com três professoras dividindo o
fluxo natural das informações apresentadas pelo mesmo espaço e os outros do Minigrupo I, com
entrevistado. duas professoras na mesma turma.
A fim de analisar o conteúdo das
observações e das entrevistas, recorremos à RESULTADO E DISCUSSÃO
análise de conteúdo que, segundo Bardin (2009), A obra de Paulo Freire é permeada de
é um método que propõe analisar o que é categorias relacionadas à afetividade, entre elas a
explícito no texto, delimitando, assim, amorosidade e o diálogo, sempre considerando
indicadores que permitam fazer inferências. que elas devem estar presentes em tudo o que
Como na pesquisa utilizamos a abordagem fazemos, pois nos impulsionam a ter coragem de
qualitativa, com esta técnica, depois de ler e lutar. “A educação é um ato de amor, por isso,
analisar as entrevistas, iniciamos o processo de um ato de coragem” (FREIRE, 1967, p. 97).
decodificar, agregar e classificar trechos da Para o autor, a amorosidade é uma
entrevista transcrita em forma de tabela. qualidade essencial ao trabalho pedagógico,
Participaram da pesquisa cinco qualidade que não se restringe ao
professoras e uma coordenadora pedagógica que relacionamento entre professoras e crianças, mas
definiram suas identidades em categorias que perpassa todo o fazer pedagógico e sem a
relacionadas à afetividade contidas na obra qual o trabalho perde o significado. O amor é o
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à fundamento do diálogo, que une sujeitos
prática educativa, de Paulo Freire (2017a), a responsáveis e inexiste numa relação de
saber: Solidariedade, Respeito, Generosidade, dominação, pois nesta haveria um amor
Alegria, Esperança e Liberdade. patológico: sadismo no dominador, masoquismo
A coordenadora Liberdade concordou no dominado. O amor é um ato de valor, não de
com a realização da pesquisa, com a utilização medo.
dos registros de PEA e também de suas Para Freire, a prática educativa,
devolutivas dos semanários, desde que [...] é algo muito sério.
mantivéssemos os nomes da unidade e dos Lidamos com gente, com
participantes em sigilo. As entrevistas, realizadas crianças, adolescentes e
no mês de maio de 2018, foram organizadas em adultos. Participamos de
sua formação. Ajudamo-
dois momentos, primeiro com as professoras,
los ou os prejudicamos
depois com a coordenadora. nesta busca. Estamos
Em dezembro de 2017, a coordenadora intrinsecamente a eles
Liberdade foi escolhida para integrar o grupo do ligados no seu processo de

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
201

conhecimento. Podemos essa seja caracterizada como “Ser Mais”, que


concorrer com nossa priorize o diálogo e o respeito aos sujeitos que se
incompetência, má relacionam. A conscientização que se dá pelo
preparação, diálogo, pelo coletivo, pela vivência, pela
irresponsabilidade para o
aceitação do outro, pela humildade, pela
seu fracasso. Mas,
podemos, também, com
amorosidade deve ser a base das relações
nossa responsabilidade, humanas.
preparo científico e gosto Para o autor, as possíveis dificuldades
do ensino, com nossa encontradas na prática pedagógica seriam
seriedade e testemunho minimizadas se os agentes da escola levassem em
de luta contra as consideração a cultura de cada envolvido no
injustiças, contribuir para processo educacional, sua linguagem, seu modo
que os educandos vão-se de expressar o aprendido e seu saber
tornando presenças fragmentado sobre o mundo. E se, nesta
marcantes no mundo
comunicação entre os sujeitos, o diálogo fosse
(FREIRE, 2015, p. 47- 48).
elemento fundante da colaboração, pois “o
diálogo não impõe, não maneja, não domestica,
O autor pernambucano salienta que “ser
não sloganiza” (FREIRE, 2017b, p. 228).
tolerante não é ser conivente com o intolerável,
Sendo fundamento do
não é acobertar o desrespeito, não é amaciar o diálogo, o amor é,
agressor, disfarçá-lo. A tolerância é a virtude que também, diálogo. Daí que
nos ensina a conviver com o diferente. A seja essencialmente tarefa
aprender com o diferente, a respeitar o de sujeitos e que não
diferente” (FREIRE, 2015, p. 126). É dever de possa verificar-se na
todos nas relações com os outros. relação de dominação.
E é na relação com o outro que se dão as Nesta, o que há é
relações humanas, na sua construção e patologia de amor:
reconstrução histórica e social. Essas relações sadismo em quem
domina; masoquismo nos
devem ser edificadas pensando na capacidade de
dominados. Amor, não,
ouvir, refletir e discutir, considerando o nível de porque é um ato de
compreensão do outro. Nesse sentido, “[...] o coragem, nunca de medo,
espaço da classe que acolhe os medos, os receios, o amor é compromisso
as ilusões, os desejos, os sonhos de professoras e com os homens. Onde
de educandos deve constituir-se em objeto de quer que estejam estes,
“leitura” de professora e de educandos [...]” oprimidos, o ato de amor
(FREIRE, 2015, p. 169-170). está em comprometer-se
Mas, para isso, o espaço educacional com sua causa. A causa de
deve ser de diálogo. Contrapondo a educação sua libertação. Mas, este
compromisso, porque é
bancária, pensando a educação na concepção
amoroso, é dialógico.
libertadora, deve-se compreender a diferença Como ato de valentia, não
entre autoridade e autoritarismo. A autoridade pode ser piegas; como ato
também é essencial na relação entre pessoas. de liberdade, não pode ser
Esses elementos caracterizam a natureza humana pretexto para a
e são próprios da vocação do ser mais manipulação, senão
evidenciado pelo autor. Ele ressalta que “[...] gerador de outros atos de
somente nas práticas em que a autoridade e a liberdade. A não ser assim,
liberdade afirmam e se preservam enquanto elas não é amor. Somente com
mesmas, portanto no respeito mútuo, é que se a supressão da situação
opressora é possível
pode falar de práticas disciplinadas, como
restaurar o amor que nela
também em práticas favoráveis à vocação para o estava proibido. Se não
Ser Mais (FREIRE, 2017a, p. 86). amo o mundo, se não amo
Quando pensamos na relação a vida, se não amo os
professora/coordenadora, entendemos que a homens, não me é
autoridade também se faz necessária, mas que possível o diálogo. Não há,

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
202

por outro lado, diálogo, se Primeiramente, obrigada


não há humildade. A por compartilharem
pronúncia do mundo, com comigo a prática
que os homens o recriam pedagógica de vocês.
permanentemente, não Vocês são um trio e tanto
pode ser um ato trabalhando juntas.
arrogante. O diálogo, Compartilhem os domínios
como encontro dos que possuem entre as
homens para a tarefa linguagens e explorem
comum de saber agir, se isso! Observei que vocês
rompe, se seus polos (ou ofereceram tecidos para
um deles) perdem a as crianças explorarem.
humildade (FREIRE, 2017b, Essa experiência sensorial
p. 110-111). é bem interessante. Quero
propor outras explorações
Porém, não há como transformar e táteis, com diferentes
transcender sem conflitos. Estes devem ser bem materiais. Por exemplo,
poderiam levar para a sala
conduzidos ao considerar a subjetividade dos
o celofane e propor uma
sujeitos em sua construção política, econômica, exploração como olhar
cultural e social. “O conflito parteja a nossa através dele, amassar,
consciência. Negá-lo é desconhecer os mais jogar para o alto,
mínimos pormenores da experiência vital e transformá-lo em algo
social” (FREIRE, 2015, p. 133). como cobertor etc., em
Freire (2017a) declara que a afetividade outro dia levar papel
não o assusta e que não tem medo de expressá- crepom, plástico bolha.
la. Não separa seriedade docente de afetividade. Quero indicar três sites
Deixa claro que a severidade não torna ninguém que têm sugestões de
vivências e propostas bem
melhor e aponta que a alegria não é inimiga da
interessantes. Qualquer
seriedade docente. coisa que precisarem
É preciso, por outro lado, estou aqui
reinsistir em que não se (COORDENADORA
pense que a prática LIBERDADE).
educativa vivida com
afetividade e alegria
prescinda da formação
Aqui, a coordenadora elogia o trabalho
científica séria e da clareza de uma professora e destaca o que é mais
política dos educadores ou significante no que diz respeito às crianças.
educadoras. A prática Destaco o protagonismo
educativa é tudo isso: das crianças, com as
afetividade, alegria, exposições que você faz
capacidade científica, com as produções delas,
domínio técnico a serviço sempre de maneira
da mudança ou, apropriada, na altura
lamentavelmente, da delas, propondo a
permanência do hoje [...] integração com as outras
(FREIRE, 2017a, p. 142-43). salas. Continue investindo
na estruturação das
Diante do exposto, entendemos que a sequências didáticas.
Qualquer coisa estou aqui.
relação entre professoras e coordenadora
Considero assertiva a ideia
pedagógica deve ser de respeito e diálogo, e que, de explorar diferentes
nela, o conflito é um meio, é o movimento linguagens e espaços da
realizado em direção às consciências. E nesse escola, continue nesse
movimento, a afetividade é a condição humana caminho. Peça ajuda no
que abarca o diálogo e o conflito. que achar necessário
Em sua devolutiva, a coordenadora inicia (COORDENADORA
elogiando e agradecendo as professoras: LIBERDADE).

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
203

Nos registros de outras turmas de Afetividade envolve o


Minigrupo I, a coordenadora novamente ressalta emocional, vai além de um
pontos positivos, como a liberdade que essa carinho, um toque, uma
mesma professora oferece às crianças, palavra, um olhar, um
afeto (PROFESSORA
permitindo o seu protagonismo, e a exposição
RESPEITO).
dos trabalhos para as outras turmas, pois foram
trabalhos expostos nos corredores do primeiro Eu entendo que a
pavimento do CEI, e as outras turmas puderam afetividade são os
interagir com as instalações e os trabalhos. sentimentos, que envolve
Também destaca, por orientação do Referencial relações, sentimentos, as
Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI, relações humanas
1998), a utilização das diferentes linguagens. (PROFESSORA
Em todos os registros analisados, a ESPERANÇA).
coordenadora Liberdade sempre finaliza com
Eu entendo que a
uma sugestão de atividade, agradece a
afetividade faz parte de
oportunidade de poder participar do processo uma dimensão psicológica,
pedagógico das professoras e se coloca à mas acho que talvez seja
disposição para conversar. mais do que isso porque
Para estruturar melhor a análise das tem uma questão que nós
entrevistas semiestruturadas, elencamos algumas sentimos no nosso corpo
categorias e subcategorias, seguindo o modelo de as modificações
Bardin (2009), que foram pontuais nas falas das emocionais que a gente
professoras e da coordenadora: 1. Afetividade: A tem, então aí é também
percepção das professoras e coordenadora; 2. biofisiológica, por causa
dessa relação da gente
Relações cotidianas no CEI entre professoras e
sentir no corpo todas as
coordenadoras; 3. Diálogo: Articulação na busca questões emocionais. Mas
das necessidades das professoras. ao mesmo tempo, eu
Quanto à primeira categoria, foi entendo também que a
possível aferir que as professoras percebem a afetividade, ela é um tanto
afetividade, somente em seu aspecto positivo, subjetiva e aí eu acho que
atribuindo às relações as seguintes palavras: a gente pode pensar que
afeto, cuidado, carinho, emoções, sentimentos. ela pode ser mais ou
Não revelaram aspectos negativos no significado menos consciente em
dessa categoria, o que nos leva a inferir que, cada indivíduo
(COORDENADORA
provavelmente, essas docentes não sabem o real
LIBERDADE).
significado da palavra. Não mencionaram, num
primeiro momento, a afetividade em um
Ao pensarem sobre a afetividade nas
contexto mais amplo como relata a coordenadora
relações cotidianas entre elas e a coordenadora,
Liberdade, ou seja, como experiência também
as professoras fizeram um comparativo entre a
corporal, sendo esta consciente ou inconsciente
coordenadora anterior e a Liberdade,
nos corpos de cada sujeito, como bem aponta
identificando em muitos momentos, na anterior,
Paulo Freire (2015), isto é, um saber com o corpo
a falta do diálogo. A professora Generosidade, no
inteiro, com os sentimentos e emoções e nas
desenrolar da entrevista, começa a destacar
relações conscientes na medida em que se
pontos positivos e negativos como partes da
compreende o mundo ao construir-se
afetividade. Ainda destaca que os conflitos eram
historicamente no mundo e na interação com ele.
constantes e percebe estes apenas como
A afetividade trata do
emocional, do afeto que
negativos.
se sente pelo outro, a Sobre as relações entre as profissionais
relação com o outro, a no cotidiano, vale ressaltar a fala da professora
afetividade entre as Esperança: “Com a coordenadora anterior nós
pessoas (PROFESSORA não tínhamos uma relação boa, já a nova é uma
SOLIDARIEDADE). pessoa aberta ao diálogo e com ideias

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
204

inovadoras. Quando as relações não são boas até As professoras evidenciam a falta de
nossa saúde fica prejudicada”. diálogo entre o grupo gestor, principalmente, na
Assim, todas fizeram um comparativo gestão da coordenadora anterior, Liberdade, em
entre a coordenadora anterior e a Liberdade, que o diálogo não era conduzido, articulado e
destacando que a relação que tinham antes era nem proposto, revelando uma postura
pesada, sem respeito, sem empatia, sem cuidado, autoritária. Segundo Freire (2015), é imoral
que as afetava de maneira negativa. A silenciar as vozes dos indivíduos, os conflitos são
coordenadora anterior tinha um aspecto mais necessários para se encontrar com a consciência,
autoritário, impositivo, com falas grosseiras e e, dentro de um espaço educacional, é primordial
abusivas para com todos, não só para com as que se encontrem espaços para que as vozes
professoras. Sobre isso, a professora Respeito sejam ouvidas.
disse que “trabalhava nervosa”. Freire (2015, 2017b) afirma que o diálogo
Segundo Freire (2015), os sujeitos é elemento de colaboração, construído e
presentes na escola precisam repensar suas exercido em conjunto com os indivíduos e não
relações entre corpo consciente e mundo ao feito por imposição, e necessidade primeira nas
conhecer mais sobre si, mais consciente da sua relações com o outro.
postura e a dos outros, buscando mudar a As professoras Respeito e Esperança
perspectiva dos sujeitos sobre o que é ensinar, trouxeram para a entrevista a categoria conflito.
aprender e conhecer. A primeira em uma perspectiva negativa e a
Sobre o diálogo a professora ALEGRIA segunda, positiva. Porém ambas não perceberam
aponta que: que os conflitos também fazem parte da
[...] é preciso um consenso afetividade, como observado no RCNEI (1998): a
e uma gestão, um trio explicitação dos conflitos subentende respeito
diretora/assistente de aos sujeitos. Freire (2015) também identifica os
direção/coordenadora que conflitos como característica humana e
também tenha uma
mediadores da consciência.
abertura para o diálogo,
também um consenso nas
Conversando com a professora
informações, Generosidade, percebemos que ela hesitava em
comunicação. A alguns momentos de sua fala, como se não
coordenadora anterior quisesse ou não conseguisse expressar tudo o
não ia buscar muito as que sentia, até então, com essas perguntas, por
necessidades, ela trazia isso sentimos necessidade de provocá-la com
muitas coisas do pessoal e outra pergunta: Como era o clima de trabalho
isso atrapalhava o com a coordenadora anterior e com a nova?
trabalho como um todo. Com a coordenadora
Quando tínhamos uma anterior eu sempre senti
demanda do interesse um clima pesado, mesmo
dela, por exemplo, ela nos encontros casuais,
estudava as questões de como no corredor ou no
inclusão e quando momento de ir tomar uma
tínhamos algum caso água, como se algo
assim ela tinha um pouco sempre estivesse para
mais de prontidão, se explodir, porque a
interessava, mas também instabilidade emocional
colocava o ponto de vista dela atingia todo o grupo.
dela, que era bem Em vez de ela agregar, ela
distorcido e não havia acabava distanciando as
diálogo. Já a nova pessoas e todos se
coordenadora tenta ouvir exaltavam. Ela tinha um
mais o grupo, é mais perfil de se exaltar e
participativa e tenta da acabava descompensando
melhor maneira possível as pessoas que
suprir as nossas demonstravam um
necessidades controle emocional maior,
(PROFESSORA ALEGRIA). já as que eram mais
instáveis se alteravam

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
205

sempre, ela tinha a tema, e as outras participantes se posicionaram,


capacidade de instabilizar concordando ou não com o que era lido.
todo mundo. A nova Durante esse encontro, as professoras
coordenadora, para mim, apontaram que, às vezes, não conseguiam
é mais leve, mais
considerar e entender os posicionamentos das
tranquila. Eu achava que
tinha alguma coisinha no
coordenadoras.
ar, mesmo sendo positivo No CEI dá a impressão de
ela olhar no olho, não que as coordenadoras não
gritar, mostrar caminhos, estão fazendo nada, na
para mim faz um bem EMEF o trabalho parece
tremendo. Mesmo às mais efetivo, fica mais
vezes vendo que as evidente. A coordenadora
discussões, algumas, já anterior trazia materiais,
tinham resposta pronta, ela preparava o que ia ser
mas ela tinha uma discutido como uma aula,
condução mais tranquila, ela ficava muito tempo de
acolhedora, atenciosa, porta fechada na sua sala,
mediadora. Ela sempre já a coordenadora
tenta passar uma sensação Liberdade estava sempre
de tranquilidade. As disposta a ouvir, suas
sensações de estresse que intervenções acontecem
vivemos nos últimos três mais no dia a dia do que
anos, na pré-aula, que era no material escrito a ser
o PEA, também foi discutido no PEA
negativo para as crianças, (PROFESSORA
pois começávamos a GENEROSIDADE).
trabalhar sem sorriso no
rosto, sem ânimo As outras professoras participantes
(PROFESSORA concordaram com a fala, elogiando a postura da
GENEROSIDADE). coordenadora antiga, com relação ao seu rigor
com os documentos escritos, mas não à sua
Com essa fala, a professora registra como atuação cotidiana com as professoras, e
a afetividade se apresenta nas relações cotidianas concordaram que a coordenadora Liberdade tem
entre professoras e coordenadora pedagógica. A dificuldade na devolutiva de documentos escritos
professora ainda destaca que, nos encontros como os semanários, mas tem participação ativa
informais, a presença da coordenadora Liberdade no cotidiano, sempre disposta a ouvir e auxiliar
era agradável, demonstrando que já havia se até mesmo na solicitação dos pais e
estabelecido um vínculo entre elas. Segundo o encaminhamentos que eram necessários, como
RCNEI (1998), o vínculo é primordial na nos casos de crianças com doenças,
habilidade de ver o outro e característica básica comportamentos não esperados e/ou outras
do ser humano. Freire (2015, 2017a, 2017b) dificuldades.
aponta que as relações entre os indivíduos, Quando falávamos sobre a afetividade,
devem ser de diálogo em diferentes momentos, ela estava presente; quando falávamos sobre o
de respeito, de corpo presente e principalmente respeito, a coordenadora Liberdade demonstrava
de um ouvir atento. Ao se estabelecer um disposição em ouvir as professoras e também os
diálogo, há de estabelecer também um vínculo outros funcionários.
com o outro. Lembro que a
Após as entrevistas, marcamos um dia coordenadora Liberdade
para o encontro temático pautado em roda de convidava todos os
conversa. Utilizamos como mote da discussão funcionários para
participar de nossas
trechos dos livros de Paulo Freire contendo a
reuniões pedagógicas e
temática afetividade; em seguida, apresentamos até mesmo nos dias em
às participantes algumas respostas dadas por elas que fizemos greve, ela
nas entrevistas iniciais. Cada participante do marcou um dia para nos
círculo recebeu, por escrito, falas anteriores, encontrarmos na escola e
fizeram a leitura em voz alta e refletiram sobre o falou com todos os

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
206

funcionários, não só as eram reativas aos conflitos. Esse momento foi


professoras e o grupo da uma oportunidade de refletirem mais uma vez
gestão (PROFESSORA sobre o tema, mas também sobre suas práticas,
SOLIDARIEDADE). posturas e pensamentos, com uma proposta de
olhar para dentro e para fora, percebendo a
Ressaltamos essa postura acolhedora da diversidade dos sujeitos e suas construções.
coordenadora Liberdade, que, na fala das
professoras, sempre estava disposta a dialogar e CONCLUSÕES
receber as pessoas, assim como os Com as observações dessa dinâmica no
posicionamentos e/ou sugestões contrárias às CEI, as entrevistas e encontro com as professoras
que propunha. e coordenadora, verificamos que, inicialmente
A professora Respeito refletiu sobre uma nas entrevistas, as professoras percebiam a
questão diferente: afetividade somente em seu aspecto positivo.
Quando falamos de fazer
Durante o processo de discussão sobre o tema,
diferente e/ou de pensar
no outro, penso que uma
elas identificaram que a afetividade se
parte do grupo valoriza apresentava nas relações cotidianas entre elas de
uma prática democrática e duas maneiras: uma mais autoritária e impositiva,
um outro grupo defende a e outra dialógica.
postura mais autoritária Nos encontros que proporcionaram
da coordenadora anterior. reflexões sobre o tema, as professoras e a
Assim, mesmo com uma coordenadora concordaram que é preciso buscar
coordenadora mais aberta entender suas subjetividades, suas singularidades
e acolhedora, o grupo em meio ao coletivo da comunidade escolar, pois
mais tradicional não
o que o que vivenciamos, com o corpo inteiro, e
estava disposto a fazer
algumas mudanças, como
às vezes uma postura, um olhar, um tom de voz,
no começo do ano que diz muito sobre a inclinação consciente ou
repensamos a adaptação inconsciente de compreensão de cada indivíduo
das crianças com os pais, sobre a afetividade.
lembro que muitas não Assim, entendemos que as relações entre
queriam aceitar essa ideia, as professoras e coordenadora são complexas,
tiveram muita resistência são imbricadas por um sistema educacional
e foi preciso muita enraizado nas condutas opressoras e autoritárias,
paciência, por parte da nas quais os corpos inconscientes dos
coordenadora Liberdade,
participantes da comunidade escolar podem
que conversou e
argumentou sobre a
refletir em conflitos sem resoluções, diálogos mal
importância de acolher as conduzidos e/ou ausentes, revelando a falta de
crianças e os pais. E depois preocupação e/ou percepção da afetividade
de muita discussão o como um todo. A afetividade que, nas emoções e
grupo entrou em consenso sentimentos gerados e compartilhados entre os
e seguiu com a ideia de sujeitos, caracterizamos e entendemos na
adaptação na primeira pesquisa como diálogo, respeito, cuidado,
semana com os pais frustração, medo, anseios, preocupação.
(PROFESSORA RESPEITO). Vale ressaltar que a construção histórica
da Educação Infantil foi, e ainda é, repleta de
De um lado, um grupo que criticava a muitos conflitos, alguns já resolvidos e
coordenadora anterior, mas, ao deparar com as ultrapassados, que apontam para novas
motivações e sugestões mais abertas e perspectivas, desde a mudança do cargo de
democráticas da coordenadora Liberdade, teve auxiliar de educação até a obrigatoriedade do
grande resistência, demonstrando um perfil mais ensino superior exigido para os profissionais do
tradicional, e, de outro lado, um grupo com uma magistério, alguns que indicam retrocessos.
postura mais aberta e dinâmica, como a da Ainda podemos destacar que nos
coordenadora Liberdade. documentos oficiais que regem a Educação
Mais uma vez, pelas falas, podemos Infantil, o termo afetividade aparece muitas
entender que algumas posturas das professoras vezes, não com uma definição específica, mas

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495
207

contemplando os sentimentos e as emoções, não nesse processo de ação-reflexão-ação,


só das crianças, mas de todos os profissionais percebendo e considerando a afetividade nas
envolvidos na Educação Infantil. Essa categoria é relações entre elas, há a possibilidade de
parte integrante dos seres humanos e, portanto, construir um ambiente de trabalho mais
fundamental na construção de uma educação qualitativo, equilibrado e sensível às
voltada para humanização, solidariedade, necessidades, não só do corpo docente e
respeito, humildade e amorosidade, temas tão gestores, mas a todos os envolvidos no processo
abordados e discutidos também por Paulo Freire. educativo.
Entendemos que esses documentos poderiam ser
revisitados e reformulados aprofundando essa REFERÊNCIAS
questão, considerando seus agentes BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa:
fundamentais na sua discussão, construção e Edições 70, 2009.
reformulação, pois são referências para esse
segmento educacional. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto,
A participação da coordenadora foi Secretaria de Educação Fundamental.
reveladora, pois em suas falas foi possível pensar Referencial curricular nacional para a educação
como é estar do outro lado, revelando os infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1, 2, 3.
desafios e complexidades em assumir este papel,
evidenciando ainda, que as percepções possíveis FREIRE, Madalena. Educador, educa a dor. São
são inúmeras e distintas, pois vai depender do Paulo: Paz & Terra, 2014.
sujeito que se encontra em construção.
Ainda pensando nos momentos FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
cotidianos no CEI, entendemos que muitas necessários à prática educativa. São Paulo: Paz &
tensões estão postas nesse ambiente, seja por Terra, 2017a.
questões e ou decisões hierarquizadas pela
Secretaria de Educação ou mesmo, em alguns FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, Rio de
momentos, da própria gestão escolar, apontando Janeiro: Paz & Terra, 2017b.
que o trio gestor também precisa dialogar entre
si, pensar e repensar suas ações e posturas frente FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a
ao corpo docente. quem ousa ensinar. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
A pesquisa também apontou o quão 2015.
importante é o movimento de ação-reflexão-ação
nas tomadas de decisões e ações da FREIRE, Paulo. Educação como prática da
coordenadora mediante o grupo docente, que, ao liberdade. São Paulo: Paz & Terra, 1967.
mesmo tempo e o tempo todo, necessita lidar
com seus sentimentos e os do grupo. A GOELZER, Juliana. O diálogo e a afetividade no
coordenação é um cargo desafiador porque esse contexto da educação infantil: as "pessoas
profissional precisa exercer sua liderança, mas grandes" dizendo a sua palavra. 2014. 229f.
deve estar atento ao olhar e a escuta do outro, Dissertação (Mestrado em Educação),
sempre buscando entender a subjetividade dos Universidade Federal de Santa Maria, Centro de
sujeitos e as complexidades sociais que Educação, Santa Maria, 2014.
interferem nas escolhas e discussões diárias,
principalmente nos momentos de conflitos e LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em
tensões, que são parte integrante do processo de Educação: abordagens qualitativas. 2. ed. Rio de
mudanças. Em conjunto com os gestores e o Janeiro: E.P.U., 2014.
corpo docente, busca estratégias para não
suprimir o diálogo entre os sujeitos, a fim de PIGATTO, Carolina Zasso. Vínculos afetivos na
entender as questões positivas e negativas que educação infantil: desafios na
afetam e constroem a identidade da unidade auto(trans)formação permanente de professores.
escolar. 2016. 200f. Dissertação (Mestrado em Educação),
A afetividade está presente nas relações Universidade Federal de Santa Maria, Santa
cotidianas entre as profissionais da educação e, Maria, 2016.

Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 17, p.197-207 jan/dez 2020. DOI: 10.5747/ch.2020.v17.h495

View publication stats

Você também pode gostar