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AFETIVIDADE E SUBJETIVIDADE: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA

ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS1

Daniela Gobbo Donadon Gazoli


UNICAMP – Univ. Estadual de Campinas
danidonadon@gmail.com

Sérgio Antônio da Silva Leite


UNICAMP – Univ. Estadual de Campinas
sasleite@uol.com.br

RESUMO
A presente pesquisa em andamento pretende analisar os impactos afetivos produzidos
pelas práticas pedagógicas do professor e vivenciados por alunos adultos no processo de
alfabetização, em uma sala de EJA – Educação de Jovens e Adultos. Propõe investigar a
dimensão afetiva na mediação pedagógica, bem como sua repercussão para os sujeitos
envolvidos, buscando compreender e descrever o papel da afetividade no
desenvolvimento humano, em especial, nos aspectos psicológicos do desenvolvimento
humano. Procura compreender como tais experiências afetivas impactam na construção
da subjetividade humana. As bases teóricas fixam-se na área da Psicologia, na
abordagem Histórico-Cultural, principalmente em Vygotsky (1998) e Wallon (1968).
Assume-se, como pressuposto teórico, que o processo de mediação pedagógica,
desenvolvido pelo professor em sala de aula, é marcadamente afetivo, podendo produzir
movimentos de aproximação ou de afastamento entre o aluno e os objetos de
conhecimento em questão. Na coleta de dados, segundo a metodologia qualitativa,
utilizou-se o procedimento de autoscopia, no qual o sujeito confronta-se com sua
imagem videogravada e é incentivado, pelo pesquisador, a verbalizar sobre os seus
sentimentos vivenciados na situação em tela. A partir dos dados são construídos núcleos
temáticos que possibilitam identificar os diversos sentidos constituídos pelos sujeitos, a
partir das práticas pedagógicas vivenciadas em sala de aula. Sua pertinência firma-se na
relevância social do tema e na possibilidade de contribuir para ampliar o conhecimento
de temática que vem ganhando visibilidade entre as pesquisas em educação.
PALAVRAS-CHAVE: afetividade, subjetividade, Educação de Jovens e Adultos,
práticas pedagógicas.

1
Financiamento FAPESP.
1. Introdução

A presente pesquisa propõe-se a estudar os impactos afetivos produzidos pelas


práticas pedagógicas do professor e vivenciados por alunos adultos no processo de
alfabetização. Busca identificar a repercussão dessas práticas para a construção de
novos sentidos e significados decorrentes do processo de alfabetização, resultando em
novas constituições subjetivas dos sujeitos. Procura compreender como tais
experiências afetivas impactam na construção da subjetividade humana.
Tomando por base a abordagem Histórico-Cultural, pautando-se principalmente
nos estudos de Vygotsky (1998) e Wallon (1968), pretende-se compreender o complexo
processo de subjetivação que constitui/constrói o universo psicológico de cada
indivíduo. A partir de dois conceitos chave da teoria de Vygotsky (1998) – sentidos e
significados – procura-se delinear uma compreensão da forma como a afetividade
integra-se ao processo, principalmente na construção dos sentidos, individuais e únicos
para cada pessoa, constitutivos da sua identidade subjetiva.
No tocante a tal questão, admitimos que a cada nova experiência – motora,
cognitiva ou afetiva – internalizamos novos sentidos e significados. Cada novo sentido
modifica nossa forma de ser e estar no mundo. Porém, algumas experiências são
extremamente marcantes, tornando-se momento privilegiado para observação e estudo.
Entende-se que a aquisição da escrita, em nossa sociedade letrada, caracteriza-se
como um momento marcante de nossa construção subjetiva. Para indivíduos adultos,
vivenciar o processo de alfabetização e letramento fora da idade convencional constitui
momento privilegiado para observar, estudar e analisar as marcas afetivas no processo
de formação psicológica do novo constructo subjetivo vivenciado. Ao compreenderem-
se como integrantes das práticas sociais de leitura e escrita, esses adultos internalizam
novos sentidos e significados, novas formas de perceberem o mundo e, principalmente,
de se perceberem nele. A autoimagem e sua percepção das próprias possibilidades de
atuação no meio em que vive ganham novas perspectivas. Busca-se compreender as
representações sociais de si e do outro que se constroem durante o processo de
letramento, bem como os sentidos e significados que eles atribuem à experiência.
2. Pressuposto e objetivo

O pressuposto que defendemos é que a qualidade da relação que se estabelece


entre sujeito e objeto é, também, de natureza afetiva e depende da qualidade da
mediação do professor nas atividades pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. Sendo
essas relações afetivamente positivas, o sujeito jovem e adulto pode se desenvolver de
forma mais plena tanto nos aspectos cognitivos envolvidos no processo de alfabetização
e escolarização, quanto nos aspectos psicológicos de (re)construção de sua identidade,
além de promover a aproximação com os objetos de conhecimento.
Tem como objetivo analisar, descrever e identificar a repercussão dos impactos
afetivos causados pelas práticas pedagógicas vivenciadas pelos sujeitos adultos em
processo de alfabetização, focando na busca por compreender os novos sentidos e
significados construídos no processo.

3. Afetividade e subjetividade

Sobre a questão da afetividade, pode-se afirmar que é recente a compreensão da


importância da dimensão afetiva no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que “a
Psicologia demorou para reconhecer o papel da emoção e da afetividade no processo de
aprendizagem” (LEITE, 2006, p. 7). Assume-se que a dimensão afetiva está tão presente
quanto as dimensões cognitiva ou motora, como lembra Wallon (1979).
A compreensão da indissociabilidade da afetividade nas práticas pedagógicas nos
permite compreender que esta dimensão é um fator determinante da relação sujeito-
objeto, podendo tornar o aprender em uma relação de aproximação ou de afastamento
com os objetos de ensino, dependendo da qualidade e intensidade dos afetos envolvidos
no processo.
De acordo com Gonzáles Rey (2003), ao analisar experiências afetivas, pode-se
inferir que esses fenômenos referem-se a experiências subjetivas, as quais são capazes
de revelar como os indivíduos são afetados pelos acontecimentos, como eles
estabelecem e constroem significados e sentidos através dessas experiências.
E será com base em tais conceitos de sentido e significado que se buscará
construir os caminhos teóricos para a compreensão do problema de pesquisa proposto.
Para Vygotsky (2001):
Esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir
do contexto é a lei fundamental da dinâmica do significado das
palavras. A palavra incorpora, absorve de todo o contexto com que
está entrelaçada os conteúdos intelectuais e afetivos e começa a
significar mais e menos do que contém o seu significado quando a
tomamos isoladamente e fora do contexto: mais, porque o círculo dos
seus significados se amplia, adquirindo adicionalmente toda uma
variedade de zonas preenchidas por um novo conteúdo; menos, porque
o significado abstrato da palavra se limita e se restringe àquilo que ela
significa apenas em um determinado contexto(p. 465-466).

Segundo Vygotsky (2007), se o aprendizado traciona o desenvolvimento, a escola


passa a ter papel essencial na construção do sujeito, como ser psicológico que se
desenvolve em sociedades escolarizadas. Entende-se que a mediação realizada pelo
professor na relação entre o aluno e as atividades desenvolvidas em sala de aula,
apresenta especificidades, ou seja, a educação formal é qualitativamente diferente por
ter como finalidade propiciar a apropriação, pelo indivíduo, dos instrumentos culturais
básicos que permitam a elaboração de entendimento da realidade social e promoção do
desenvolvimento individual. Ao possibilitar acesso a esses conhecimentos, a prática
pedagógica estaria contribuindo para a apropriação de sistemas de referência que
permitiriam ao sujeito ampliar as oportunidades de desenvolver-se em níveis superiores,
não só satisfazendo necessidades já identificadas e postas pelo desenvolvimento efetivo,
como produzindo novas necessidades, considerando o desenvolvimento potencial, ou
seja, as ações pedagógicas estimulam e potencializam o processo de desenvolvimento
do indivíduo.

4. Educação de Jovens e Adultos

A história das ideias em torno da Educação de Adultos no Brasil reflete a história


da política educacional, que, por sua vez, reflete a história dos modelos econômicos e
políticos e, consequentemente, a história das relações de poder (FREITAG, 1980).
Um dos mais reconhecidos educadores na área foi Paulo Freire, que representa um
marco para a EJA (Educação de Jovens e Adultos) em termos de concepção político-
filosófica. Freire (1975) afirma a necessidade do educador (re)educar-se para atuar ao
lado dos oprimidos e a seu favor.
Assim, a Educação de Jovens e Adultos pode ser pensada a partir do processo de
conscientização. Segundo Freire (1979), posto diante do mundo, o homem estabelece
uma relação sujeito-objeto da qual nasce o conhecimento que ele adquire e expressa por
uma linguagem. Esta relação é feita também pelo analfabeto, mas geralmente de uma
forma desapropriada e ingênua. Faz-se necessário utilizar essa consciência ingênua do
analfabeto, mas transformada em consciência crítica, fazendo o homem sentir-se capaz
de superar a via dominantemente reflexa e renunciar ao papel de simples objeto,
exigindo ser o que é: sujeito histórico. Esse processo pode ser facilitado através de um
projeto pedagógico que supõe o aluno ativo, dialógico e crítico. Pretende-se
compreender como a dimensão afetiva durante esse processo repercute nessa nova
identidade subjetiva construída pelo sujeito histórico.

5. Metodologia

Não se pode negar que, dentre os fenômenos psicológicos, os afetivos apresentam


uma grande dificuldade de estudo, tanto no que se refere à conceituação, como também
quanto à metodologia de pesquisa e de análise. Devido às especificidades da pesquisa
em educação, vários autores têm sugerido a metodologia qualitativa de pesquisa
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986; BOGDAN; BIKLEN, 1991).
Portanto, dentro da metodologia qualitativa, optou-se por basear a coleta de dados
no procedimento conhecido como autoscopia, que, segundo Leite e Colombo (2006), é
um procedimento que consiste na gravação áudio-visual do contexto de sala de aula a
ser estudado. Procede-se com edição e exibição dos vídeos, em sessões individuais, nas
quais a pesquisadora instiga os sujeitos a narrarem e descreverem como se sentiram
durante a atividade filmada, enquanto assistem à própria referida atividade e se
confrontam consigo mesmos nas imagens videogravadas.

6. Coleta de dados
Portanto, esta pesquisa assume a abordagem qualitativa devido à sua clara
adequação aos objetivos propostos. Uma vez que tal metodologia tem no ambiente onde
se dão as relações a serem estudadas a sua fonte de dados, ela possibilita uma melhor
observação e análise das práticas pedagógicas que serão trabalhadas e permite inferir e
interpretar dados relativos à questão da afetividade.
No referido procedimento de autoscopia, as filmagens foram realizadas durante
um período de seis meses. O equipamento usado foi um tablet iPad, gerando arquivos
de vídeo em formato digital que foram armazenados em um computador.
Posteriormente, as gravações foram editadas, transformadas nos vídeos individuais com
os momentos de destaque de cada sujeito e utilizadas nas sessões de autoscopia, onde o
sujeito observava os seus vídeos e respondia algumas questões elaboradas pela
pesquisadora. Essas falas eram gravadas e consideradas os dados primários da pesquisa.
Cada sujeito tinha um roteiro de perguntas, elaborado especificamente com base no seu
vídeo, visando fomentar a verbalização dos aspectos julgados mais pertinentes aos
objetivos da pesquisa. Ao todo, foram realizadas sete sessões de autoscopia, seis
sujeitos alunos e a professora da turma.

7. Análise de dados e resultados parciais

Na etapa seguinte, iniciou-se o procedimento de análise dos dados, que partiu da


transcrição das sessões de autoscopia. Nessa fase, os dados foram preparados para
serem organizados em Núcleos Temáticos, ou seja, foram agrupados em torno de temas,
conteúdos e questões centrais.
O trabalho com Núcleos Temáticos surgiu a partir da sua utilização em pesquisas
sobre a questão da afetividade (LEITE, 2006). A base do referido procedimento de
análise foi inspirada em Zanelli (1992), em sua tese de Doutorado, onde o autor
identificou, nos trechos de transcrições de entrevistas, palavras-chave que
representavam o conteúdo analisado e as agrupou de acordo com a sua natureza e
função, estabelecendo, assim, os Núcleos Temáticos.
Apresentamos aqui uma proposta inicial de Núcleos Temáticos a partir da análise
das verbalizações dos sujeitos. Essa construção ainda encontra-se em desenvolvimento.
Também está prevista a posterior criação de subnúcleos para melhor agrupar os dados.
Os núcleos resultantes dessa fase inicial de análise são:
Núcleo 1: O aluno adulto
Este núcleo reúne as verbalizações sobre a imagem que os alunos adultos
elaboram de si mesmos e de suas possibilidades de atuação no mundo, antes e depois do
processo de alfabetização, com o objetivo de entender as mudanças vivenciadas no
processo.

Eu achava assim, que eu era igual a uma cega, eu não enxergava o


mundo em volta. Eu não sabia ver o que tava na frente dos meus
olhos. E agora não. O que eu não enxergava, eu enxergo. Minha vida
mudou. Até com meu marido mudou, agora ele me respeita, ele não
pode mais falar que eu não sei ler. Eu me sinto mais respeitada
(Sujeito 4).
Antes (de aprender a ler) tinha uma sensação de impotência. Quando
você vai aprendendo, é como se clareasse o escuro. Uma segurança,
uma certeza. Me sinto mais confiante cada vez que eu vou aprendendo
mais (Sujeito 3).

Vale ressaltar que foram focadas intencionalmente práticas pedagógicas de


sucesso, pois pretende-se observar como uma relação afetiva de aproximação com os
conhecimentos escolares, mediada por uma professora que constrói um laço
significativo entre alunos e objetos de estudo, implica em mudanças marcadamente
positivas para os indivíduos.

Núcleo 2: A Vida Escolar na Fase Adulta


Neste núcleo, pretende-se discutir aspectos da vida escolar cotidiana destacados
pelos alunos adultos em suas falas. Abordam-se questões como as dificuldades de
adaptação à rotina escolar, nunca antes vivenciada; as expectativas do aluno adulto em
relação ao que espera do professor e da escola; e a questão da escola como espaço de
discussão de situações da vida, de convivência, em uma fase onde muitos sujeitos não
possuem mais ambiente de trabalho e familiar para convivência interpessoal.

É, uma coisa que no dia a dia a gente vai acostumando, quando a


gente gosta das pessoas. Só que é uma mudança de rotina muito
grande se acostumar com o esquema da escola (Sujeito 3).
...a solidão é a coisa mais triste que existe. Ficar em casa, sem ter
com quem conversar... Se eu to triste, não tem um conforto. Então eu
venho pra escola e aqui, pra mim é uma maravilha. Pela minha idade,
eu não vou seguir carreira nem nada. A cabeça já não é aquela coisa.
Mas só de ficar aqui, só de estar aqui, já tá bom pra mim. Só isso já
me deixa realizado (Sujeito 5).
E teve um dia que um aluno perguntou pra mim assim, já tinha
passado a primeira semana de aula, “professora, quando que vai
começar a aula?” E eu disse pra ele “as aulas já começaram faz mais
de uma semana”. E ele respondeu “mas a senhora não deu aula até
agora”. E eu falei assim pra ele “como assim eu não dei aula até
agora?” E ele “ah, a senhora não passou muita lição na lousa, não
corrigiu nosso caderno, a senhora não passou ba-be-bi-bo-bu, a
senhora só passou texto na folhinha, texto que a gente já sabe.” É que
eu trabalhava com textos que eles conhecem decor, com músicas que
eles gostam, pra eles fazerem esse ajuste entre fala e escrita, que é o
que a gente trabalha na alfabetização com as crianças. E percebi que
a representação social que eles têm de escola é daquela escola
tradicional, com lousa cheia, caderno cheio, com cópia, é isso que
eles esperam e precisa ser negociado (Professora).

Aqui, pretende-se analisar aspectos como a relação entre alunos e objetos de


conhecimento, alunos com a escola e a rotina escolar, as ideias e opiniões sobre as
práticas educacionais, a emoção de aprender a ler e a relação com a escola e com os
outros alunos. Busca-se compreender os sentidos e significados da vivência escolar para
alunos adultos.

Núcleo 3: A Relação entre a Professora e os Alunos


Este núcleo aponta para as características da professora. Importante ressaltar que
essas características são atribuídas pelos sujeitos em suas falas; portanto, trata-se da
visão dos alunos adultos sobre a professora. As falas dos alunos referem-se a momentos
específicos da atuação da professora nas atividades de ensino e na interação com os
alunos.

O que eu mais gosto nela, na professora A., é o jeito dela ensinar, a


calma que ela tem, o jeito dela de ser bacana com a gente. Acho ela
muito legal mesmo. É gostoso conviver nas aulas com ela. Não é um
esforço, que você fica torcendo pra acabar a aula. Você fica feliz,
assim, de tá aqui. E ela sempre conversa mais algum assunto, é super
bacana. Nem dá vontade de ir embora (Sujeito 3).
Nossa, ela é muito legal. Acho que todo mundo veio aqui e falou a
mesma coisa pra você! Eu acho que ela assim, cuida muito da gente,
respeita, eu acho ela uma pessoa muito boa. Muito carismática, todo
mundo gosta dela. E ela gosta de todo mundo também! (Sujeito 6).
Este núcleo vai discutir, de forma mais aprofundada, aspectos como a relação
afetiva professor-aluno e a ideia que os alunos têm da professora, tentando entender
como a relação professor-aluno motiva e ressignifica o aprendizado escolar.

Núcleo 4: O Trabalho Docente e as Práticas Pedagógicas em EJA


Neste núcleo, pretende-se discutir aspectos como a importância da formação
inicial e continuada para professores de EJA, uma formação que vise a propiciar o
embasamento necessário para a construção de uma metodologia consistente para o
trabalho em sala de aula. Também destacam-se especificidades do trabalho pedagógico
que resultam em práticas apreciadas pelos alunos, como as atividades relacionadas com
a fonética das letras do alfabeto, com poesias e músicas, além de atividades de
matemática diferenciadas. Tais aspectos foram destacados pela professora como centrais
para possibilitar uma prática pedagógica de sucesso.

Porque foi no CEFAM que eu aprendi a ser professora. E eu não


aprendi a ser qualquer professora. Eu aprendi a ser uma militante na
minha profissão. Militante no sentido de procurar fazer o máximo pra
que os alunos aprendam. A me preocupar com a aprendizagem do
estudante, me preocupar com a minha aula, de ser crítica com o que
eu faço, de me organizar enquanto categoria, tudo isso eu aprendi no
CEFAM. E eu acho que tudo isso é muito mais do que aprender as
teorias pedagógicas (Professora).

Eu trabalho coisas de artesanato, de culinária, mas com o tempo eu


fui aprendendo que eles também têm que aprender coisas que o
contexto deles não favorecia. Foi quando eu comecei a trabalhar
música, trabalhar arte, trabalhar poesia, ir com eles a lugares que
talvez sozinhos eles não iriam, ir à exposições e tudo mais,
possibilitar um novo mundo pra eles. Tento fazer isso num processo
de negociação o tempo todo (Professora).

O núcleo será dividido em subnúcleos, visando permitir um melhor


direcionamento de olhar para cada diferente atividade de ensino, a partir de diferentes
perspectivas da professora e dos alunos. Os trechos de relatos serão organizados por
tipo de atividade.

8. Considerações finais
Os dados até agora analisados permitem afirmar que a dimensão afetiva deve ser
pensada no planejamento educacional, uma vez que a qualidade das interações e as
decisões assumidas pelo docente, no planejamento e desenvolvimento do curso,
produzem repercussões marcadamente afetivas e constituem um dos diferenciais que
podem vir a transformar a aprendizagem em uma experiência de aproximação ou
afastamento com os objetos de ensino.
Acredita-se que, na modalidade EJA, – principalmente em função da não
obrigatoriedade e pelas dificuldades enfrentadas pelos alunos na tentativa de conciliar
trabalho, responsabilidades familiares e estudos – havendo a criação de um vínculo
afetivo de aproximação entre professor e aluno, aumentam-se as chances de existir
motivação para retornar todos os dias, verificando-se uma melhora significativa na
qualidade do aprendizado para alunos que, muitas vezes, estão voltando para uma escola
que os excluiu, uma escola que é instrumento de uma sociedade que os desvaloriza
exatamente pela sua não escolarização. De acordo com Gadotti (2001):

O aluno adulto não pode ser tratado como uma criança cuja história de
vida apenas começa. (...) Ao mesmo tempo, apresenta-se temeroso,
sente-se ameaçado, precisa ser estimulado, criar auto-estima pois a sua
“ignorância” lhe traz tensão, angústia, complexo de inferioridade (p.
39).

A busca pela construção de conhecimentos sobre práticas pedagógicas que


permitam um desenvolvimento adequado dos sujeitos envolvidos nessa modalidade se
faz imperativa, pois talvez, a partir dela, seja possível contribuir para uma mudança nos
índices de analfabetismo que limitam direitos, impedem acesso e comprometem o pleno
exercício da cidadania para uma significativa parcela da população.
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