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ALFABETIZAÇÃO LITERÁRIA DE BEBÊS: OLHAR, ESCUTAR,

FOLHEAR, LER.

Cristina Maria Rosa (UFPEL)

Resumo: No trabalho apresento os primeiros resultados de pesquisa que registra um


processo de alfabetização literária de uma bebê. Prestes a completar um ano, Júlia folheia
com desenvoltura livros que podem estar em suas mãos ou sobre uma mesa e, diante deles,
balbucia enfaticamente, “lendo em voz alta”. Sua iniciação foi no Tablet e, aos dois meses,
seu dedinho em riste já se deslocava da esquerda para a direita, para “trocar” de tela. Logo
depois, com ações deliberadas e orientadas, a mãe apresentou-lhe a leitura literária.
Inicialmente, Júlia tentou usar o mesmo mecanismo: trocar de página deslizando o dedo
sobre ela. Aos cinco meses, sentada, já segurava o livro entre as mãos. Aos seis, em uma
interação em espaço não habitual e sentada, indicou ser capaz de manter um livro entre as
mãos, sorrindo e sem ajuda. Desejou folheá-lo, o que conseguiu quando no colo de um
adulto. Nesse mesmo dia, ouviu a narrativa observando atentamente as imagens além de
voltar-se, mais de uma vez, para a leitora, em busca da origem da voz que ouvia. A
alfabetização literária (apresentação do impresso, frequência, tipo, formato, manuseio) e o
registro dos resultados (fotos, filmagens e diário de campo), integram a metodologia,
iniciada com observação e complementada com intervenções planejadas e constantes. O
registro produziu uma narrativa conceitual (descrição de atitudes e aquisições mentais,
procedimentais e culturais) que está sendo elaborada na medida em que ocorre. A
investigação se estenderá de 06/2015 a 05/2018, quando a bebê competará três anos. O
objetivo é observar e registrar atitudes espontâneas – os “atos embrionários de leitura”
(JUNQUEIRA, 2015) – e habilidades adquiridas – “rudimentos de um comportamento
leitor” (ROSA, 2014).
Palavras-chave: Leitura. Alfabetização literária. Bebês.

INTRODUÇÃO

No artigo Alfabetização Literária de Bebês: olhar, escutar, folhear, ler, descrevo e analiso
o processo de alfabetização literária de uma bebê35. Entendendo a infância como um dos estágios
da condição humana36, e concebendo-a como “categoria social do tipo geracional por meio da
qual se revelam as possibilidades e os constrangimentos da estrutura social” (SARMENTO,
2015), acredito que não há uma única possibilidade de infância e sim, projetos múltiplos que,
observados amiúde, revelam os adultos que seremos/somos. Através da observação de atitudes
espontâneas – com o livro, na mediação com a mãe e/ou outro e com a pesquisadora – e a partir
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da intervenção com acalantos e narrativas literárias, na pesquisa que dei início em 2015 e que
será concluída em 2018, pretendo descrever o processo de alfabetização literária de uma menina
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entre os dois meses e os três anos de vida. Com procedimentos deliberadamente organizados,
observo e registro parte das atitudes espontâneas – que Junqueira (2015) denomina “atos

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Crianças de 0 a 2 anos integram o universo infantil dos bebês e estes podem ser descritos como “sujeitos
que são produtos e produtores de cultura e que, na troca de experiências como os outros e com o meio,
constroem suas singularidades” de acordo com Galvão, 2016
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É na obra A condição humana (ARENDT, 1958) que ação e discurso são apresentados como formas
predominantes da revelação da essência do homem. Para a filósofa alemã, é pela ação que a essência do
homem se revela na esfera pública e é a ação que o torna capaz de inicia r novos processos, ilimitados e
potencialmente eternos. Para a definição da condição humana estão profundamente imbricados o ethos
(caráter), o logos (argumentação) e o phatos (emoção) propostos por Aristóteles em sua Retórica (2005)
embrionários de leitura” – e as habilidades desenvolvidas posteriormente às intervenções,
especialmente a escuta de acalantos e de narrativas literárias.
O tema de pesquisa que originou o artigo é alfabetização literária (ROSA, 2015).
Compreendida como um processo de apresentação do mundo da literatura (títulos, gêneros,
autores e a leitura) a futuros leitores, nela é preponderante a atitude de um mediador que, ao
selecionar “livros que fascinam (REYES, 2014)”, transmite mais do que ensina a arte da leitura
(PETIT, 2009). Por não ser “atributo genético”, o gostar de ler precisa ser produzido entre os seres
humanos (ANTUNES, 2013). Assim, para alfabetizar- se literariamente é necessário o desejo (um
sujeito que deseja ser leitor), um mediador (sujeito que conhece e ama o livro e a literatura além
de ter a habilidade de transmitir esse vínculo) e um objeto de desejo: o livro. É uma equação
complexa, peculiar, tramada em um pacto, segundo Paulino (2014), um pacto firmado entre
mediador, livro, leitor. Experenciado no texto literário não escrito que surge da relação entre texto,
seu autor, portanto e significado, atribuído pelo leitor, o pacto é um diálogo que necessita do
leitor. Este diálogo, a nova obra que brota da interação autor/leitor é a verdadeira literatura, a
obra, no sentido da manufatura literária. Ao mesmo tempo insondável e experimentação, a obra
não escrita revela o literário do pacto, de acordo com Bartolomeu Campos de Queirós (2013).
Graça Paulino (2014) afirma que a leitura literária pressupõe “uma prática cultural de
natureza artística, estabelecendo com o texto lido uma interação prazerosa” e é necessário um
“pacto entre leitor e texto” que inclui, necessariamente, “a dimensão imaginária”, pois é através
dela que “se inventam outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações,
pensamentos, emoções” (p. 177).

METODOLOGIA

Alfabetizar-se literariamente requer vias de mão dupla: eu leio, tu ouves. Tu lês, eu ouço.
Eu leio, tu observas: minha voz, meus olhar, meus gestos, minhas emoções impressas nos tons e
silêncios, Desde a escolha criteriosa de um texto até os momentos em que devo emitir sons ou
calar, o papel do mediador – que transmite a arte da leitura – é preponderante na formação do
leitor.
Na pesquisa aqui referida – Alfabetização literária de bebês: olhar, escutar, folhear, ler – a
observação, descrição e entendimento de manifestações espontâneas e adquiridas no trato com o
artefato cultural, são fundamentais para a investigação. O reconhecimento e a descrição de “atos
embrionários de leitura”, evidenciados quando uma criança reclama e interfere se lhe tiram das
mãos um livro, por exemplo, e de atitudes de imitação, quando, já sentada sozinha, abre o livro,
folheia, balbucia, fecha, troca por outro e reinicia a leitura, entre outros são indícios de que um
bebê está sendo alfabetizado literariamente. Descrever essas manifestações para compreendê- las
é, também, adquirir capacidade de projetar as interferências. Assim, me torno capaz de propor
quando, de que modo e com que instrumentos devo iniciar um bebê no mundo da leitura.
Através de atos gestados por ela mesma – bater com as mãos no livro, pegar, por na boca,
amassar, virar, procurar uma superfície que caiba na boca, virar, soltar, entregar – quando ainda
não conhece o artefato cultural e seu uso a criança indica que precisa ser “apresentada” ao um
“manual de instruções”, uma vez que “crianças dessa faixa etária estão dando os primeiros passos
rumo à ordenação do mundo” e parte considerável das características do texto ficcional que
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produzem a abstração “tão necessária para que as crianças possam criar outros mundos em outros
tempos e espaços” ainda não está garantida nas obras disponíveis para esta faixa etária de acordo
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com Galvão (2016).


Quando demonstra, em “atos embrionários de leitura” suas aprendizagens (se posiciona,
escolhe, abre o livro, folheia, indica imagens, balbucia, entoa, enfatiza, convida a ler, demanda
leitura, fecha, entrega, descarta, pega outro), imita e reinventa a leitura, ofertando indícios do
prazer de ouvir, ler, imaginar, ver, ter e manipular o livro. Assim, informa suas intenções, seu
gosto, suas preferências, antes mesmo de falar, antes de ler efetivamente.

DELIMITAÇÃO DO TEMA

Parto do pressuposto de que os “bebês e as crianças pequenas são capazes de estabelecer


relações, interagindo com pessoas e objetos da cultura humana, aprendendo e desenvolvendo sua
potencialidade física e motora, psíquica e afetiva” (JUNQUEIRA, 2015). Compartilho o desejo
de “rever a nossa compreensão acerca da educação literária na infância, com vistas a repensarmos
a oferta e a mediação de livros nesta idade, sem que nela esteja implicada a ideia de antecipação
da escolarização”, conforme pensa Junqueira (2015). Para tanto, é premente que se observe as
crianças pequenas, para perceber nelas “capacidades que estão em processo de formação, como a
linguagem, a percepção, a imaginação, a memória, a atenção, o pensamento, o autocontrole da
conduta ou da vontade, fundamentais na constituição da capacidade e atitude leitora”
(JUNQUEIRA, 2015). A proposição, então, é perceber, na condição de pesquisadora, mudanças
nas atitudes das crianças, que desde o nascimento estão em constante processo de aprendizado,
de desenvolvimento e de transformações para a idade seguinte. De acordo com Junqueira (2015):
Conceber a humanização na infância por meio da literatura é saber que cada um se torna
humano, também a partir dessas aprendizagens, já que as qualidades típicas desse gênero estão
‘encarnadas’ nos objetos culturais, materiais ou simbólicos, cujas características impulsionam o
desenvolvimento sociocultural das crianças e desnudam a elas a função de tais objetos – fator
fundamental na experimentação dos pequenos.
Depreendo daí, que crianças precisam conhecer, dimensionar, usufruir e manipular livros,
para que, tal qual o adulto, leiam buscando compreender as informações ali expressas e até mesmo
implícitas em textos verbais ou imagéticos. Independente de mediadores – necessários,
obviamente – pretendo observar a criança realizando ações externas com o objeto livro (tateando,
folheando, amassando, virando do avesso, experimentando) e, na sequência, imitando o adulto
(tomando-o nas mãos, observando, folheando, emitindo sons ou não, concluindo, fechando,
reposicionando no local encontrado). Mais adiante, pretendo registrar o levantamento de
“hipóteses e previsões de/na/pela leitura literária” que indicam a formação de “sua identidade
como leitor” (JUNQUEIRA, 2015).
Interdisciplinares por definição, os saberes oriundos dos estudos sobre as crianças e a
infância são produzidos no diálogo entre as mais variadas disciplinas. Na busca por romper com
as explicações fragmentadas que nos tornam tuteladores de crianças nas sociedades que em
vivemos, entendo ser necessário criar novas imagens sociais sobre esse grupo geracional – os
pequenos –, ampliar o conhecimento acerca de seus modos de ver/ler o mundo que a elas
oferecemos, especialmente no que tange à aquisição da linguagem oral e aos saberes sobre o livros
e a leitura. Assim, a pesquisa recoloca a criança e sua possível infância sob a perspectiva da
ruptura com o conhecimento tradicionalmente disciplinar (as narrativas sobre a infância,
especialmente de Piaget e Vygotsky, gestadas em um tempo pré-moderno), ofertando a
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oportunidade de observá-la em processos não escolares de aquisição de saberes respeitados na


escola e na sociedade: o domínio oral e o letramento literário. Ao transpor fronteiras, ao propor a
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abertura de caminhos insuspeitados, pretendo contribuir com a invenção metodológica e a


construção de novos constructos e conceitos.
Compreendo que todo processo inovador de construção de conhecimento oferece riscos;
estou disposta a corrê-los, pois é na “margem entre o conhecimento solidamente consolidado e a
aventura da descoberta que opera o sentido da travessia entre os continentes das disciplinas que
se ocupam da infância e as travessuras ludicamente assumidas da imaginação teórica e
metodológica” (CALL, 2015).
No encontro das possibilidades e dos limites de minha imaginação teórica e metodológica
e tendo como fundamento os saberes que antecedem os a serem criados, ouso propor uma
investigação como narrativa conceitual. Acredito que as narrativas emancipadoras sobre a
possível infância – menos tutelada, menos abandonada à ignorância, mais lúdica e imaginativa –
surgem da observação atenta e organizada, da intervenção planejada e pontual, do gosto partilhado
do estar junto e ouvir, cantar, ler, descansar, dormir, acordar. Os sentidos, “frequentemente
ambíguos, polissêmicos e mesmo dissonantes de conceitos diferenciadamente usados por distintas
abordagens disciplinares” (CALL, 2015) sobre a infância me convida a inserir o meu, com o
mesmo vigor dos demais e em busca de novas ferramentas conceituais que favoreçam o diálogo.
Com a proposição pretendo, ainda, elaborar referências para o campo da aquisição do letramento
literário ao revelar os resultados de um processo organizado com uma menina pequena.

PROBLEMA

Localizada no diálogo entre temas e campos de estudo, pretendo atravessar pontes:


dialogar, articular e produzir saberes sobre, das e com as crianças pequenas. Para Baptista et al.
(2015) o bebê ao “folhear as páginas do livro, de se apropriar de palavras, de evocar o que não se
vê, de perceber que os acontecimentos se interligam, de atribuir sentido, de inferir contextos e
significados” torna-se um curioso, um pesquisador que demanda “operações mentais muito
elaboradas, as quais vão se ampliando e se complexificando a cada nova experiência de leitura”.
Baptista (2015) pensa que, desse modo, “as possibilidades de a criança apreender o mundo
simbólico vão se intensificando” o que pode ser ajudado, desencadeado por livros que
representam cenas cotidianas como a hora do banho, das refeições, do sono, dos passeios, do
convívio com familiares, ampliando, assim, suas experiências.

HIPÓTESE

No primeiro ano de vida a atividade principal da criança – aquela por meio da qual ela entra
em contato com o mundo que a rodeia, considerada a atividade guia ou dirigente (MUKHINA,
1995) – é a comunicação emocional com aqueles que dela cuidam, pais, educadores, pessoas
próximas. Mesmo ainda não sendo uma comunicação verbal, mediante o olhar, o movimento do
corpo, o bebê percebe o toque, a fala, a atenção carinhosa e a direção do olhar do adulto, que se
constituem como grandes incentivos à sua interação com o mundo. Criam-se, portanto, novas
exigências na criança, as quais as levam ao aprendizado e desenvolvimento: a necessidade de
comunicação, e de percepção – de ver, ouvir e pegar objetos (MELLO, 2012, p. 22). Assim, este
é também um momento adequado para oferecer, cotidianamente, a leitura literária.
A hipótese é de que se ofertarmos a leitura como um rito – mágico, íntegro de significados,
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pleno de interação com o bebê, a voz de quem lê e o objeto livro – terá sido iniciado o processo
de alfabetização literária. Sem isso, os bebês não atribuirão significação, por si mesmos, ao livro
e à leitura.
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OBJETIVO

Compreender como ocorre um processo de significação do livro e da leitura, ou seja,


descrever um processo de alfabetização literária com crianças entre o zero e três anos de vida,
como parte de conhecimento de como se configura a inteligência e a personalidade de crianças
pequenas.

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE PESQUISA:

Tendo como foco a aquisição intencionada de repertório vinculado à alfabetização literária,


ou seja, a manifestação de uso, entendimento, gosto, predileção pelo objeto – o livro literário – e
seu conteúdo, um processo de alfabetização literária foi desencadeado e vem sendo observado e
registrado, passo a passo, à medida que a criança demonstra modificações na fruição e
entendimento dessa relação. Passa por atitudes intencionais, focadas no literário, mediadas pela
mãe e eventualmente pela pesquisadora.

COLETA DE DADOS

As questões que organizaram a pesquisa foram: Quais os primeiros balbucios? Em que


contexto eles foram manifestados? Eles foram compreensíveis? Repetiram-se? Foram
abandonados depois de certo tempo ou mantiveram-se? Houve balbucios diferentes quando do
contato com a música e a leitura? Quais? Há manifestações outras (riso, suspiro, palminhas,
gritinhos, sorriso, testa franzida, sono, relaxamento) quando do contato com a música e a leitura?
Se sim, quais as manifestações? Quando surgiam os primeiros sinais de que a música e/ou leitura
é desejada? O objetivo é compreendermos como uma criança a quem foi oferecido o acesso aos
livros de literatura infantil – através de práticas organizadas – manifesta-se em relação a elas
quanto ao repertório oral e ao atos embrionários de leitura (tocar, folhear, apontar, escolher, entre
outros). Ao descrever um trabalho educativo intencional, pretendo registrar a aquisição da
linguagem oral e as apropriações no campo da leitura literária específicas desta faixa etária.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

Parto do pressuposto de que o pensamento da criança pequena inicialmente evolui sem a


linguagem, constituindo o pensamento pré- lingüístico, assim como os seus primeiros balbucios
evidenciam uma forma de comunicação sem pensamento ou linguagem pré-intelectual de
acordo com Vygotsky (1991). Ao buscar conhecer os processos de formação da inteligência (o
pensamento e a linguagem, preponderantemente), Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934)
descobriu que, nos primeiros meses de vida, algumas funções sociais da fala se tornam aparentes:
a criança tenta atrair a atenção do adulto por meio de sons diferenciados, em variados tons e
intensidades. Intenta, com isso, obter retorno a suas demandas: organizar o pensamento,
comunicar-se, falar, expressar, simbolizar.
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Minha intervenção teve início aos três meses de vida da Júlia, período em que a mãe da
menina retornou aos estudos na Universidade repleta de relatos sobre os interesses da bebê pela
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tela do tablet, reconhecimento de cantigas, vozes, imagens em livros. Juntas, estabelecemos


alguns procedimentos a serem inseridos e descritos, especialmente cantigas (observar se havia
preferências e introduzir novas) e leituras literárias (gêneros, horários e atitudes leitoras). A
intenção, nesse momento, era “nomear o mundo” que queremos descrever, ou seja, alfabetizar
literariamente a Júlia, apresentando a ela o que é a literatura. Ao oferecer o “universo conceitual
disponível, especialmente pela linguagem verbal em sua forma oral não coloquial e em sua forma
escrita, preponderantemente, uma vez que é para aprendê-la que as crianças ingressam na escola”,
as estratégias metodológicas utilizadas para a investigação foram a) Seleção de um bebê a ser
acompanhado; b) audição diária de um acalanto e/ou música; c)Leitura diária de uma narrativa
com visualização das ilustrações pelo bebê; d) gravações das interações em áudio; d) anotações
da presença de manifestação oral por parte do bebê em todas as interações; e) análise, ao final do
ano de 2015, dos primeiros sons/balbucios/palavras do bebê e de possíveis permanências quando
da apresentação da música/livro; e) continuidade da pesquisa com descrição dos “rudimentos do
comportamento leitor’ (ROSA, 2015) e dos “atos embrionários de leitura” (JUNQUEIRA, 2015).

CONCLUSÃO

A alfabetização literária é um processo de apresentação do mundo da literatura ao outro.


Nela, é preponderante a atitude de um mediador, “pontes entre os livros e os leitores” (REYES,
2014, p. 213). Além disso, se faz necessária uma seleção de “livros que fascinam”, pois o gosto
pela leitura não é um atributo genético, precisa ser ensinado, produzido entre os seres humanos”,
de acordo com Antunes (2013). A leitura literária pressupõe “uma prática cultural de natureza
artística, estabelecendo com o texto lido uma interação prazerosa” e é necessário um “pacto entre
leitor e texto” que inclui, necessariamente, “a dimensão imaginária”, pois é através dela que “se
inventam outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações, pensamentos, emoções”
(PAULINO, 2014, p. 177). A alfabetização literária é fruto de uma equação simples, tramada
através de um pacto. Nela conta um sujeito que deseja – o futuro leitor, um sujeito que ama o
livro e a leitura – o leitor e um objeto de desejo, o livro. O pacto é vivido no texto não escrito que
Bartolomeu Campos de Queirós (2011) anunciou desejar conhecer. Para ele, o autor propõe um
diálogo que necessita do leitor. A nova obra que brota da interação autor/leitor é a verdadeira
literatura, a obra literária. Ao mesmo tempo insondável e experimentação, a obra não escrita
revela o literário do pacto.
Iniciada com observação atenta e complementada com intervenções planejadas e
constantes, a metodologia de pesquisa teve como apoio a captura de imagens e vídeos em três
circunstâncias: o bebê e o livro; a mãe, o bebê e o livro; a pesquisadora, o bebê e o livro. O registro
escrito produziu uma descrição de atitudes e aquisições mentais, procedimentais e culturais:
“rudimentos do comportamento leitor”. No trabalho apresento os primeiros resultados da pesquisa
que registra um processo de alfabetização literária de uma bebê, a Júlia, em outubro de 2016 com
um ano e cinco meses.
Entre as questões iniciais estavam: Houve manifestações orais e/ou gestuais quando da
apresentação dos primeiros livros? Houve preferência quanto a formatos, títulos, gêneros, autores
e/ou enredos de livros? Houve mudança de atitude (pegar, abraçar, por na boca, rasgar, segurar,
folhear, ler) com relação ao artefato?
Entre os resultados colhidos, a observação que, no celular e no tablet, aos dois meses, seu
dedinho já se deslocava da esquerda para a direita, para trocar de tela. Diante do livro, logo depois,
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Júlia tentou usar o mesmo mecanismo para ler: trocar de página com o dedo. Aos cinco meses,
sentada, via e ouvia histórias com atenção. Aos seis, já segurava o livro entre as mãos e, quando
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desejou folheá-lo, conseguiu. Neste mesmo tempo, ouvia narrativas observando atentamente as
imagens e voltando-se, mais de uma vez, para a leitora, em busca da origem da voz que ouvia.
Com um ano e quatro meses, Júlia folheava com desenvoltura livros em suas mãos, no chão ou
sobre a mesa e, diante deles, balbucia enfaticamente, “lendo em voz alta”.
Como conclusão desse processo que está se desenvolvendo percebi que quando a criança
está sendo alfabetizada literariamente e indica perceber os ritos no trato com o livro possui
atitudes como a) estranhar, comparar, descartar, fechar, devolver; b) apontar o livro ou imagens
nele e procurar imagens ou livro que mais gosta; c) folhear, reclamar se ele fecha, comemorar ter
encontrado algo conhecido; d) mostrar que está rasgado; e) ouvir com atenção, responder a
perguntas olhando ou apontando, ajudar a folhear, balbuciar, exclamar, por a mão na cabeça e
“ler” em voz alta, com entonação.
Todas essas atitudes – ensinadas/adquiridas indicam que o pequeno da espécie precisa ser
inserido na cultura do escrito, no trato com os artefatos que a integram e com os sentidos dados
por nós, adultos, à leitura. Sem essa “apresentação” o livro fica relegado a mais um brinquedo
entre tantos outros disponíveis à criança, não sendo, necessariamente significado por ela.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, C. Mediadores de Leitura. Entrevistas. São Paulo: TV Cultura, 05/08/2013.


GALVÃO, Cristiene de Souza Leite EXISTE UMA LITERATURA PARA BEBÊS? Dissertação de
Mestrado. Belo Horizonte: FaE/UFMG, 2016.
PAULINO, Graça. Leitura Literária. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG, 2014.
QUEIROS, Bartolomeu Campos de. BATE-PAPO. Conversa com os escritores Bartolomeu Campos de
Queirós e João Anzanello Carrascoza. IX Jogo do Livro. Belo Horizonte: FAE/UFMG –
GPELL/CEALE, 26 a 28 de outubro de 2011.
REYES, Yolanda. Mediadores de Leitura. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG, 2014.
ROSA, Cristina Maria. Alfabetização Literária. Blog Alfabeto à Parte, Junhode2015.Disponívelem:
http://crisalfabetoaparte.blogspot.com.br/2015/06/alfabetizacao-literaria-o-que- e.html
SOUZA. Renata Junqueira de. Atos embrionários de leitura: estratégias para educação literária com
bebês. Projeto de Pesquisa. São Paulo: UESP, 2016.
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