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MIRIAM SANTOS DE SOUSA

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Disciplina na Modalidade a Distância

São Luís
2012
Universidade Federal do Maranhão

Reitor
Natalino Salgado Filho
Vice-Reitor
Antonio José Silva Oliveira
Pró-Reitora de Ensino
Sônia Maria Corrêa Pereira Mugschl
Diretor do Núcleo de Ensino a Distância - NEaD
Othon de Carvalho Bastos Filho
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Coordenador de Tutoria do Curso de Pedagogia
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Secretário do Curso de Pedagogia
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Coordenador de Gestão Pedagógica
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Coordenadora Pedagógica de Hipermídia para Aprendizagem - NEaD
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Coordenador da Universidade Aberta do Brasil na UFMA
Othon de Carvalho Bastos Filho
Coordenador Adjunto da Universidade Aberta do Brasil na UFMA
Reinaldo Portal Domingo
Projeto Gráfico, Capa
Luciana Santos Sousa
Diagramação
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Edição – Livro didático


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e-mail: neadufma@ufma.br
site: www.nead.ufma.br

Sousa, Miriam Santos de

História da Educação Brasileira / Miriam Santos de Sousa – São Luís:


UFMA/NEaD, 2012.

f.: 141.

Inclui bibliografia

1. História – educação 2. Educação – Brasil I. Universidade Federal


do Maranhão. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título.

CDU 37 (091)
PROGRAMA DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA EMENTA
A pesquisa histórica e historiográfica em educação no Brasil. O Estudo da realidade
educacional brasileira, compreendida como objeto histórico e constituída no âmbito da for-
mação capitalista do país. História das formas de organização e lutas sociais do povo afro-
-brasileiro e indígena e sua participação na educação brasileira.

UNIDADES

UNIDADE I - A pesquisa histórica e historiográfica em educação no Brasil.


1. Introdução ao estudo da História
2. História e historiografia da educação
3. A importância da História para a formação do educador

OBJETIVOS:
1. Compreender o processo de constituição da História como campo de estudo, desta-
cando os fatores que interferem na produção do conhecimento histórico e que dão origem
às diferentes abordagens teórico-metodológicas na escrita da história.
Explicitar o quadro teórico, a partir do qual se buscará a compreensão da história da educa-
ção brasileira, com ênfase nas categorias do modo de produção, trabalho, infra-estrutura e
superestrutura na perspectiva do materialismo histórico-dialético.
Reconhecer as diferentes acepções do termo História, estabelecendo a distinção entre histó-
ria e historiografia.
Caracterizar a concepção materialista-dialética da história, destacando a importân-
cia do trabalho como categoria central na constituição dos homens como sujeitos da histó-
ria, em relação com a natureza e com os outros homens.
Compreender a origem e o desenvolvimento da historiografia da educação brasi-
leira, destacando as dificuldades enfrentadas no processo de constituição desse campo de
pesquisa, bem como as suas principais temáticas, períodos e fontes.
Compreender o caráter reflexivo e não-pragmático do conhecimento da história da
educação brasileira para a formação e prática do educador, como forma de alcançar uma
compreensão orgânica e coerente da realidade em que atua como profissional e da proble-
mática com a qual se defronta no cotidiano da escola.
UNIDADE II – Colonialismo Mercantilista e Educação: academicismo e catequese em tem-
pos de dominação patrimonial

1. O Brasil no sistema colonial mercantilista: economia agro-exportadora


2. Olhando para a Metrópole: Uma Educação para os valores do colonizador
2.1. O sistema jesuítico: catequese e academicismo
2.1.2. As críticas ao ensino jesuítico
2.2. As reformas pombalinas: o Iluminismo chega ao Novo Mundo?
2.2.1 Aulas Régias

OBJETIVOS:
Justificar a periodização utilizada para abordagem da História da Educação Bra-
sileira a partir da organização da produção material, que enseja as formas de organização
política, social e cultural.
Compreender o sistema colonial no contexto do capitalismo mercantilista.
Contextualizar o sistema colonial mercantilista no Brasil e sua relação com a educa-
ção.
Caracterizar o modelo agroexportador e as formas de organização econômica, polí-
tica e sociais materializadas no período colonial no Brasil.
Identificar a função da educação no contexto da sociedade colonial.
Identificar o papel da educação na consolidação das relações sociais, pautadas no
autoritarismo e na dominação de classe.

UNIDADE III – A Educação Brasileira no Período Imperial – a consolidação da


desigualdade social com o concurso da educação
1. O cenário social, político e econômico do Brasil Império
2. Educação brasileira no período imperial
2.1. A legislação do ensino
Assembléia Constituinte de 1823 e a Constituição de 1824
Lei das Escolas de Primeiras Letras
Ato Adicional de 1834
Reforma Couto Ferraz
Reforma Leôncio de Carvalho
2.2. Organização do Ensino
Ensino Primário
Ensino Secundário
Ensino Profissionalizante/Normal
Ensino superior

OBJETIVOS
Caracterizar a sociedade brasileira no período imperial em seus aspectos econômi-
cos, políticos e sociais.
Explicitar a função desempenhada pela educação na manutenção da estrutura eco-
nômica e social do Brasil Império.
Descrever como se apresentou a organização do sistema educacional no período
imperial, a partir das diversas reformas efetuadas no período.
Analisar a figura do professor nesse período da história da educação brasileira, seu
processo formativo, condições de trabalho e remuneração, traçando um paralelo com os
dias atuais.

UNIDADE IV - Educação e sociedade na I República: primeiras tentativas de orga-


nização de um sistema público de ensino
1. Rumo a uma sociedade urbano-industrial
2. Embates ideológicos em torno da educação
3. As reformas do ensino

OBJETIVOS:
Destacar as principais transformações da sociedade brasileira com o advento do
regime republicano.
Identificar as questões ideológicas que movimentaram o debate sobre educação no
período.
Caracterizar o “Entusiasmo pela Educação” e o “Otimismo Pedagógico” no cenário
educacional da Primeira República.

UNIDADE V – Educação e Desenvolvimento Capitalista no Brasil: Industrialização


e nacionalismo na Era Vargas

1 – A Revolução de 1930 e a Educação


2 – Ideologias em Conflito: católicos e liberais
3 – Estado Novo: Educação em Tempos de Autoritarismo
4 – Redemocratização: novos rumos para a Educação?
5 – Experiências de Educação Popular

OBJETIVOS
Reconhecer a década de 1930 como período marcante no desenvolvimento da his-
tória da educação brasileira, enfatizando as rupturas ocorridas no plano político, econômico
e social e seus reflexos na educação.
Caracterizar os movimentos ideológicos ocorridos no período, enfatizando as ques-
tões em disputa, os segmentos sociais envolvidos e as consequências desses movimentos
para a organização da educação brasileira.
Identificar como se apresentou o dualismo no sistema educacional brasileiro, nos
diferentes contextos políticos do período em estudo.
Identificar as formas de utilização ideológica da cultura e do sistema escolar na Era
Vargas.
Demonstrar como foram definidas nas Constituições do período e na legislação edu-
cacional as questões do financiamento da educação, da obrigatoriedade escolar e da res-
ponsabilidade dos entes federados em relação à educação.
Avaliar em que medida as políticas adotadas pelo estado para a educação favorece-
ram o acesso das camadas populares a esse direito.

Identificar na problemática educacional atual, os aspectos presentes no cenário da


educação brasileira nas décadas da Era Vargas, destacando eventuais avanços ou recuos.

UNIDADE VI – Internacionalização da economia em tempos de autoritarismo: a


Educação para o capital
1 Radicalização do conflito de classe – lutas populares e reação conservadora
1.1 – O golpe de estado de 1964
2 - A estratégia da “democracia excludente” na reforma do ensino. Política
educacional: contenção x liberação.
2.1 – A Reforma do Ensino de 1º. e 2º graus – fim do dualismo?
2.2 – A Reforma do Ensino Superior – privatização e controle ideológico
2.3 – Estratégias de Educação de Adultos – rumo à erradicação do analfabetis-
mo?

OBJETIVOS
Explicitar o contexto histórico em que ocorre o golpe militar de 1964 no Brasil,
enfatizando as transformações econômicas, políticas e sociais que caracterizaram o cenário
nacional da época.
Caracterizar os elementos que configuraram a crise do sistema educacional no final
da década de 1960 e as medidas adotadas pelo governo na estruturação de uma educação
voltada para os interesses do sistema econômico.
Identificar experiências de educação oriundas dos movimentos populares na déca-
da de 1960, destacando seus fundamentos teóricos, metodologia, objetivos e a atuação do
regime na repressão a esses movimentos.
Analisar criticamente a política educacional adotada pelo governo militar, através da
reforma da educação básica e da reforma universitária.
Mostrar como se deu a interferência externa na definição da política educacional do
período, através dos Acordos MEC-USAID.
Identificar aspectos da política educacional dos governos militares que tiveram influ-
ência duradoura no sistema educacional brasileiro.

UNIDADE VII - Consolidação da internacionalização econômica e política: transi-


ção democrática, neoliberalismo e educação.

1 - Crise econômica e liberalização política de 1975 – 1986.


1.1 A defesa da escola pública na Constituinte e na nova LDB.
1.2 Experiências de melhoria da qualidade na escola pública em estados e mu-
nicípios.
2 - Da Transição Democrática ao Estado Neoliberal.
2.1 Neoliberalismo e Educação.
2.2 Muitos Planos, poucas realizações.
OBJETIVOS
Destacar os principais fatores que concorreram para o fim do regime ditatorial no
Brasil e as características do processo de transição democrática desencadeado a partir de
1975.
Caracterizar os movimentos de luta em defesa da educação pública no contexto da
transição democrática brasileira.
Identificar e explicitar as principais questões em disputa no cenário educacional du-
rante a Constituinte e o processo de elaboração da Lei 9.394/96 (LDBEN).
Relatar experiências de melhoria da escola pública levadas a efeito durante a década
de 1980 em estados e municípios.
Caracterizar a política educacional implementada no Brasil e nos demais países da
América Latina na década de 1990, sob a influência dos organismos internacionais.
“Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história”
Caro aluno.
O material que está agora em suas mãos foi elaborado para subsidiar o estudo da
Disciplina História da Educação Brasileira. Pretendemos conduzi-lo em uma viagem pela
nossa história, tomando como fio condutor as lutas populares pela conquista do direito à
educação, ressaltando os avanços e recuos dessa trajetória, bem como os fatores que pro-

APRESENTAÇÃO
moveram ou dificultaram o alcance desse objetivo.
Nesse caminho, utilizaremos algumas ferramentas que nos ajudarão a compreender
nosso objeto de estudo. São os pressupostos teórico-metodológicos que servirão como len-
tes, através das quais pretendemos obter uma visão que seja mais clara possível da realidade
que estamos nos propondo a conhecer. Esses pressupostos teórico-metodológicos têm por
base uma determinada visão de mundo, que orientará a seleção dos conteúdos e fontes a
serem consideradas nesse estudo.
O primeiro deles aparece na afirmação em epígrafe. Considerar a história como ci-
ência equivale a afirmar a inteligibilidade do real, reconhecendo o caráter ativo dos sujeitos
históricos e a intencionalidade dos atos humanos.
Afirmar o homem como sujeito da história equivale a afirmar a racionalidade da
realidade social engendrada pelo mesmo. É o homem racional quem produz e reproduz a
realidade social, podendo, portanto, compreendê-la e transformá-la.
É claro que a adoção desse paradigma para a abordagem da história da educação
brasileira significará a necessidade de seleção de determinados temas e não outros. É, por-
tanto, uma opção eminentemente política, não desprovida de intencionalidade.
Nesse curso, adotaremos a concepção fundada no materialismo histórico-dialético
e, portanto, nos acercaremos da história da educação brasileira como a história das lutas
em torno do direito à educação, numa sociedade marcada por uma brutal desigualdade
econômica, num país periférico do sistema capitalista globalizado, destacando os fatores
econômicos, sociais, políticos e culturais intervenientes nas ações e estratégias adotadas
pelos diferentes segmentos responsáveis pela definição e implementação das políticas edu-
cacionais, assim como os resultados dessas ações em termos do sistema educacional que se
conseguiu construir e seus benefícios individuais e coletivos.
Tomando como pressuposto a compreensão da História a partir do desenvolvimen-
to dos modos de produção da existência material dos homens, e assumindo que os fatos
sociais não podem ser entendidos isoladamente, mas apenas quando referidos ao contexto
no qual se originam e se desenvolvem, abordaremos a História da Educação Brasileira no
contexto do processo de constituição histórica da sociedade brasileira.
Utilizaremos para isso a periodização já consagrada na historiografia que considera
o processo de desenvolvimento brasileiro a partir do predomínio dos seguintes modelos
econômicos:
1- Modelo Agro-Exportador Dependente que se estende, grosso modo, da Co-
lônia à I República (1549-1920);
2- Modelo Nacional-Desenvolvimentista com Base na Industrialização ( 1920 –
1964);
3- Modelo de Internacionalização da Economia e Ruptura com a Ideologia Na-
cionalista (1964 – 1985);
4- Modelo Neoliberal sob a Égide dos Organismos Econômicos Internacionais
(1985 até nossos dias).
Portanto, procuraremos demonstrar como o sistema educacional brasileiro se consti-
tuiu em resposta às demandas do sistema econômico e político, bem como em que medida
as aspirações das classes menos favorecidas em relação à educação foram ou não atendidas
e de que forma.
As unidades estão organizadas em textos em que são apresentados os principais as-
pectos dos temas abordados, seguidos de atividades destinadas à fixação da aprendizagem
e aprofundamento. Em alguns casos, sugerimos vídeos para complementar a compreensão
dos temas e pesquisas para ampliação da compreensão.

Desejamos a todos um bom curso!

1 (MARX, K. e ENGELS, F. 1989)


APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 10

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTORIA........................................... 13

CAPÍTULO 2 | O SISTEMA COLONIAL MERCANTILISTA NO BRASIL E SUA RELAÇÃO


COM A EDUCAÇÃO .................................................................................................. 27

CAPÍTULO 3 | A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO IMPERIAL............................ 47

CAPÍTULO 4 | A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA 1ª REPÚBLICA (1889-1930).............. 63

CAPÍTULO 5 | EDUCAÇÃO E LIBERALISMO NO BRASIL DE 1930 A 1960......................... 75

CAPÍTULO6 | CONTENÇÃO E LIBERAÇÃO: AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO


NO BRASIL PÓS-1964..................................................................................................... 99

CAPÍTULO 7 | TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA, NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO........ 113


1

CAPÍTULO

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA
1. História: conceituações e elucidações

Remontando às origens gregas do termo, “História” encontra-se o sentido de CRÔ-

HISTÓRIA
NICA ou RELATO (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa) e ainda PESQUISA, IN-
FORMAÇÃO ou NARRAÇÃO, ou seja, resenha ou narração dos fatos humanos (AB-
BAGNANO, 2007, p. 583). Modernamente, também foi introduzida a variante popular e
arcaica do termo – estória – na linguagem das ciências humanas e no folclore, para designar
especificamente, os contos, as narrativas, tradições e lendas do povo (Dicionário Etimológi-
co da Língua Portuguesa).

Com a subdivisão das ciências humanas, em meados do século XIX, a História se


firmou como um campo ou área específica do conhecimento humano, logrando ao status
de disciplina com autonomia própria. A partir de então, o termo história apresenta uma am-
biguidade fundamental: significa, por um lado, o conhecimento, o relato ou narração
dos fatos históricos, ou a ciência que disciplina e dirige esse conhecimento (his-
tória rerum gestarum) e, por outro lado, os próprios fatos históricos, ou o conjunto,
ou a totalidade deles (história res gestae).
No sentido de contornar essa ambiguidade, à primeira acepção do termo conven-
cionou-se designar “História” (com H maiúsculo) como “ciência da História” (MARX &
ENGELS, A ideologia Alemã) e na segunda acepção, “história” (com h minúsculo), como a
própria realidade histórica ou processo histórico (ABBAGNANO, 2007, p. 583).
Tomando essa distinção, exploraremos ambos os significados, tentando nos aproxi-
mar de uma definição mais completa do termo história.
Na segunda acepção, “história” (com h minúsculo), entendida como realidade his-
tórica, constitui o conjunto de todas as ações humanas no tempo. Ou seja, “totalida-
de dos modos de ser e das criações humanas no mundo, ou a totalidade da ‘vida espiritual’
ou das culturas. Nesse sentido, história contrapõe-se a ‘natureza’ que é a totalidade do que
é, independente do homem ou que não pode ser considerado produção ou criação sua”.
(ABBAGNANO, 2007, p. 584).
Nesta acepção, pode-se dizer que a realidade histórica ou mundo histórico é algo
inerente aos SERES HUMANOS. Embora não se despreze a importância da natureza
como substrato material para as ações dos homens, essa dependência do homem para com
a natureza não significa que a realidade humana esteja submetida às mesmas leis e proces-
sos do mundo natural.
No entanto, essa articulação/diferenciação do mundo humano em relação à na-
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tureza, tem por base o TRABALHO. Por meio do trabalho, que consiste no intercâmbio
orgânico do homem com a natureza, pelo qual produz sua existência material e social, mo-
dificando a base natural, é que o homem se constitui como ser social.
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

Com efeito, já assinalavam K. Marx e F. Engels na obra A Ideologia Alemã (ano):

“O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam satisfa-
zer essas necessidades, a produção da própria vida material. Produzir a vida, tanto
a sua própria vida pelo trabalho, quanto a dos outros, pela procriação, nos aparece
portanto, a partir de agora, como uma dupla relação: por um lado, como relação
natural, por outro como uma relação social (...) ação conjugada de vários indivíduos
(...)”.

A história é, pois, a atividade de homens e mulheres vivendo em socieda-


de. Portanto, todos nós fazemos HISTÓRIA. O que nos diferencia dos outros animais é
esse fazer que tem início a partir do momento em que começamos a produzir nossa existên-
cia por meio do TRABALHO, o que constitui a natureza cultural, social e política de toda
a humanidade.
É por meio do trabalho que o homem se constitui como ser social, se distingue
da natureza e passa a criar uma realidade eminentemente humana. Ou seja, faz a história.
Como consequência desse ato de produzir a história por meio do trabalho, o ser humano
se humaniza, ou seja, cria uma realidade exclusivamente humana, composta de uma di-
mensão material, política e simbólica.
Por ser dotado de características especificas, o TRABALHO humano se constitui
como base da constituição do ser social e da criação da realidade humana. Essas caracterís-
ticas, basicamente, são:
1. O trabalho não se opera com uma atuação imediata sobre a matéria natural,
exige instrumentos (mediações);
2. O trabalho é realizado de forma teleológica, ou seja, atende a uma finalidade
pré-determinada;
3. A ação e o produto do trabalho humano são sempre projetados na consci-
ência antes de serem constituídos na prática (prévia-ideação), ou seja, o homem antecipa
mentalmente o resultado provável de sua ação sobre a natureza antes de operá-la na maté-
ria.
4. O trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas, e sim se exi-
gindo habilidades e conhecimentos adquiridos por repetição e experimentação e transmiti-
dos mediante o aprendizado;

5. O trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de ne-


cessidades, nem as satisfaz de formas fixas. Pelo contrário, a satisfação de uma necessidade
cria novas necessidades e novas formas de satisfação das mesmas;
6. A satisfação de necessidades por meio do trabalho (objetivações) tende a se
generalizar, tornando-se patrimônio de toda a espécie humana.
Assim, o trabalho humano leva à evolução da humanidade, pois a satisfação das ne-
cessidades humanas é sempre um processo que cria uma nova realidade, que leva a novas
necessidades, novos projetos, novas ideações e novas objetivações.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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Outra característica do trabalho é que ele se constitui como uma atividade coletiva.
O processo de trabalho, assim como seus produtos, são incorporados ao patrimônio de toda
a humanidade. Ao produzir sua existência, o homem não o faz de maneira individual, por
duas razões: em primeiro lugar, porque se apropria do que já foi produzido pelas gerações
passadas, e em segundo lugar, porque o produto do seu trabalho, de imediato, singular e útil
naquela situação específica, tende a se generalizar para outros usos, em outras situações, por
outros indivíduos, transformando a realidade e criando outras situações históricas.
Portanto, para produzir sua existência por meio do trabalho os homens precisam
estabelecer relações com os outros homens, e essas relações apresentam formas
determinadas, ou seja, históricas.

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre von-
tade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. (MARX, K. O dezoito
brumário de L. Bonaparte).

Portanto, a História dos homens relaciona-se à forma como estes organizam a pro-
dução de sua existência material, ou seja, ao seu modo de produção.

“Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas,


necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção estas que cor-
respondem a uma determinada etapa de desenvolvimento de suas forças produtivas
materiais” (MARX, Para a crítica da economia política – Prefácio, p. 52).

Por esse motivo, visualizamos ao longo da história, uma sucessão de modos de pro-
dução (Primitivo, Asiático, Escravismo Antigo, Feudal e Capitalismo), que se caracterizam,
basicamente, pela forma como os homens organizam socialmente a produção da existência
material do grupo. Esta forma específica de produzir a existência material influencia a orga-
nização da sociedade nas dimensões social, política, cultural e as formas de consciência dela
decorrentes.
***
Após essa breve exposição sobre a acepção do termo história como processo históri-
co ou realidade histórica, passemos agora a uma reflexão sobre o outro significado atribuído
ao termo, qual seja a História como ciência, o conhecimento da história em distinção a rea-
lidade histórica. Para tanto, entraremos na seara da epistemologia, ou seja, do estudo acerca
da produção do conhecimento, nesse caso, do conhecimento histórico, o que nos remete a
filosofia da ciência.
O termo História (com h maiúsculo) também tem sido utilizado como sinônimo de
“historiografia”, no sentido de designar o conhecimento histórico. O termo historiogra-
fia foi cunhado por T. Campanella (1638) para indicar “a arte de escrever corretamente a
história”, mas também para designar o conhecimento histórico em geral ou o conjunto das
ciências históricas (ABBAGNANO, 2007, p. 591). Etimologicamente, historiografia deriva
da composição de dois termos: graphia e historia, podendo ser traduzido, na língua portu-
guesa, como escrita da história (LOMBARDI, 2006, p. 78).
No processo de escrita da história, existem alguns complicadores de ordem filosó-
fica, política e ideológica que produzem uma complexidade específica e dão origem a uma

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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multiplicidade praticamente inesgotável de possibilidades no processo de produção do co-
nhecimento histórico, que decorrem das diferentes formas que os historiadores adotam para
produzir esse conhecimento, que se constituem em opções teórico-metodológicas e que
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coincidem com seu posicionamento político - ideológico frente ao processo de produção do


conhecimento em geral.
Adam Schaff, em sua obra História e Verdade (2000) demonstra essa comple-
xidade de escrever a história, analisando os pressupostos teórico-metodológicos que nor-
teiam a produção historiográfica. Tomando como exemplo concreto a Revolução Francesa,
o autor comprova que os resultados dessa escrita podem ser diferentes de acordo com os
pressupostos teórico-metodológicos adotados pelo historiador, ou seja, os historiadores pos-
suem visões de um mesmo acontecimento ou fato histórico, conforme “(...) suas diversas
épocas ou gerações, ou (...) segundo os diversos sistemas de valores nos quais se baseiam e
que são a expressão de interesses de classe opostos, de concepções de mundo divergentes”
(SCHAFF, 2000, p. 65).
A História-ciência ou a historiografia consiste no conhecimento crítico da represen-
tação e dos processos que determinam o conhecimento e o registro que os historiadores
fizeram e fazem – o conhecimento histórico, da história-processo (SANFELICE, 2006, p.
28). Portanto, “a história processo é a totalidade na qual se move e onde se produz tanto o
conhecimento histórico como a historiografia deste, uma dimensão, portanto, epistemológi-
ca condicionada”.
Deste modo, quando falamos de conhecimento histórico não podemos pensar em
um conhecimento puro, direto e universal dos “fatos históricos”, dado que tal conhecimento
é produto do trabalho do historiador, que se encontra imbricado no seu objeto de pesquisa,
qual seja, a própria realidade histórica. Portanto, conforme afirma José Carlos Reis (1998),
a diferença entre a história real e a história narrada ou teorizada é que a história real é única,
mas a historiografia comporta tantas “histórias” quantas são as representações possíveis da
mesma em um determinado tempo histórico.

Sistematize o que você aprendeu até agora:


Faça uma pesquisa em livros, enciclopédias ou na internet sobre a definição
do termo história e compare os resultados com a definição estudada nesse
capítulo.

2. História, Historiografia e Educação

Na esteira das acepções de história que brevemente expomos, como articular


história/História e educação? Para complementar essa tríade, seria necessária uma
exposição sobre a educação ou mais precisamente sobre a educação como objeto de
estudo numa perspectiva histórica.
Assim como aos demais objetos de estudo da historiografia, ao fenômeno
educacional tem sido atribuídas várias formas de interpretação que dependem,
como já foi posto, dos pressupostos teórico-metodológicos que orientam os estudos
no âmbito da história da educação.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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Com relação a compreensão da educação no âmbito da realidade histórica
(história com “h” minúsculo), consideramos que a mesma não pode ser compreen-
dida de maneira desvinculada do processo de desenvolvimento da vida material,
política, social e cultural das formações econômico-sociais nas quais se insere. Como
sua forma mais tradicional de representação tem sido a escola, compreendemos que
a escola, como instituição societária, está intimamente articulada no âmbito mais ge-
ral às relações econômicas que se desenvolvem no processo de produção dos bens
materiais, assim como às expressões ideológicas que se desenvolvem no âmbito da
consciência social e incluem as ideias jurídicas, políticas, morais, religiosas, peda-
gógicas que a escola tende a reproduzir no seu interior. Entretanto, cabe ressaltar o
caráter dialético desta relação, pois:

“A instituição escolar reproduz um conjunto de ideias e relações sociais que


surgem sobre o fundamento de uma determinada base econômica, mas que
guardam independência criativa com as próprias relações sociais de produ-
ção que as engendraram” (BITTAR e FERREIRA JR, 2009, p. 503).

No que se refere ao conhecimento histórico produzido acerca da educação,


é possível desenhar um quadro teórico que nos permite apreender o estágio atual
da historiografia da educação brasileira, ou seja, como tem sido escrita a história da
educação no Brasil. Diversos estudos têm sido publicados ao longo das últimas déca-
das com a preocupação de mapear os rumos da pesquisa histórica em educação no
Brasil e assim construir uma historiografia da história da educação brasileira.
Inicialmente, devemos considerar algumas vicissitudes que implicaram o per-
curso da história da educação como disciplina e como campo de estudos e pesqui-
sas. A história da educação não se origina no campo da ciência da História, como
uma seara de interesse dos historiadores de profissão e de formação. Ao contrário, a
história da educação nasce articulada com a Pedagogia, sobretudo na dimensão do
ensino, como disciplina de formação do educador, presente nos currículos dos cursos
normais e de pedagogia² .
De acordo com a análise de Lopes e Galvão (2001, p. 29) “o fato de a trajetó-
ria da história da educação estar relacionada à Pedagogia e ao ensino dificultou sua
constituição como área de pesquisa propriamente dita”, afirmando ser muito recente
a constituição do campo da história da educação no Brasil, de forma mais ou menos
independente do ensino.
Esse campo começa a se constituir a partir dos anos 1950 e 1960 com a cria-
ção de institutos de pesquisas educacionais (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Pau-
lo e Rio Grande do Sul), vinculados ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), contribuindo para impulsionar as investigações em História da Educação.

² Atualmente, no campo da História, devido à influência de novos paradigmas epistemológicos,


como a Nova História Cultural, a educação, de objeto tradicionalmente ignorado pelos historiadores
e restrito ao campo da pedagogia, tem despertado o interesse como uma dimensão fundamental
para o estudo das sociedades humanas. Contudo, a grande maioria dos pesquisadores em história da
educação no Brasil são oriundos da área da pedagogia.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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Outra iniciativa marcante deste período foi o desenvolvimento de pesquisas
realizadas pela Universidade de São Paulo (USP) e nas faculdades de Filosofia do
interior do estado de São Paulo, lideradas por Laerte Ramos de Carvalho e Roque
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

Spencer Maciel de Barros, em torno da cátedra de História e Filosofia da Educação,


cujas pesquisas se tornariam referência, demonstrando que a História da Educação
já mostrava a sua potencialidade como campo de pesquisa.
Os estudos no campo da história da educação têm se consolidado cada vez
mais no Brasil, sobretudo, a partir dos anos 1970, com a institucionalização da
pós-graduação na Universidade brasileira, que tem se constituído em locus
privilegiado para a formação de novos pesquisadores e para a produção e difusão
do conhecimento acerca da história da educação no Brasil. Dermeval Saviani (2006,
p. 12) afirma que foi com a instalação dos programas de pós-graduação no início da
década de 1970 que as pesquisas em história da educação começaram a desenvol-
ver-se de forma mais regular e sistemática.
Ao final dos anos 1970 visualizamos um amplo processo de organização do
campo da história da educação, com a criação e consolidação de associações
e grupos de pesquisas e vinculados a temática, como exemplo, a Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação – ANPEd (1977) com a criação
de um GT (grupo de trabalho) de História da Educação; o Centro de Estudos Educa-
ção & Sociedade (CEDES), em 1978; a Associação Nacional de Educação (ANDE),
em 1979; o Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no
Brasil – HISTEDBR, criado em 1986 pelo Prof. Dermeval Saviani, com sede na
Faculdade de Educação da UNICAMP3 ; e da Sociedade Brasileira de História da
Educação (SBHE) em 1999.
Esses grupos e associações foram grandes impulsionadores da pesquisa edu-
cacional e em história da educação no Brasil, fomentando a formação de quadros
qualificados no ensino e pesquisa na área e a consequente ampliação e consolidação
do campo. A partir dessas entidades foram organizados uma série de eventos cien-
tíficos voltados a história da educação, como os Congressos Brasileiros de História
da Educação (CBHE), o Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação e o
Congresso Internacional da International Standing Conference for the History of
Education (ISCHE), organizados pela SBHE, as reuniões anuais do GT História
da Educação da ANPED e as jornadas nacionais e regionais do HISTEDBR, assim
como uma gama de publicações periódicas, como a Revista Brasileira de História da
Educação (RBHE) e anais dos eventos. Muito da produção desses coletivos se des-
tina ao estudo aprofundado e sistemático da historiografia da história da educação
no Brasil, com o intuito de mapear o estágio atual dessa produção, ao qual tem sido
dedicados inúmeros estudos4 . Passemos agora a analisar as principais conclusões
desses estudos a fim de traçar algumas características da produção em história da
educação no Brasil.
3 A partir da articulação do grupo nacional do HSTEDBR com sede na UNICAMP, foram se multi-
plicando a criação de GT’s locais do grupo nos diversos estados do Brasil, totalizando hoje (número)
GT’s.
4 Com o caso de Warde (1984), Bittar e Ferreira Jr, (2009), Saviani, Lombardi, e Sanfelice, (1998),
Sanfelice (2006), Lombardi (1996), Saviani (2006), Bittar (2009), Catani e Faria Filho (2002), Faria
Filho e Vidal (2001)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


21
Um dos aspectos que caracterizam a produção no âmbito da história da edu-
cação é a crescente diversificação das tendências teórico-epistemológicas,
influenciada pela conjuntura política5 e intelectual das últimas décadas do século
XX, e, consequentemente a diversificação das temáticas, períodos e fontes, o que
exprime o caráter plural e multifacetado do campo. A partir do fim do período da
ditadura militar, a pesquisa em história da educação ganha novos relevos, sobretudo
a partir da influência da Escola dos Annales – que inicialmente não negou a interpre-
tação marxista, ao contrário, se apoiou na compreensão das estruturas econômicas
para explicar os fenômenos sociais, mas, depois, enveredou pela psicanálise, história
das mentalidades, do cotidiano, etc. e conquistou grande espaço nas pesquisas em
educação, a partir de uma tendência denominada “Nova História”6 .
De acordo com Marisa Bittar (2009), se por um lado esses fatos provocaram
a emergência de “novos paradigmas”, novos objetos de estudo e ampliação do con-
ceito de fontes, por outro, suscitaram modismos, dispersão temática, recorrência de
temas, pobreza teórica e inconsistência metodológica.
Pode-se afirmar que há um consenso sobre os limites que uma única pers-
pectiva ou área de conhecimento apresenta para a devida exploração e para um
conhecimento satisfatório da história da educação. Se os temas e referenciais se
diversificam e se tornam mais complexos nos anos 80-90, as abordagens me-
todológicas também acompanham essas mudanças. Ganham força os estudos
“qualitativos”, que englobam um conjunto heterogêneo de métodos, de técnicas e
de análises, entre os quais estão os estudos antropológicos e etnográficos, as pesqui-
sas participantes, os estudos de caso, a pesquisa-ação e as análises dos discursos,
narrativas e histórias de vida.
Com relação às temáticas, períodos e fontes, a análise historiográfica acerca
da história da educação brasileira aponta que no que se refere à periodização dos
estudos, existe uma tendência quanto ao uso da periodização consagrada na cha-
mada referência ‘política’ – Colônia, Império, Primeira República, Período Vargas,
República Populista, Pós-64 e a Nova República. Constata-se também que tem havi-
do uma abrangência quanto aos períodos históricos contemplados nos estudos sobre
história da educação brasileira, apesar do predomínio de pesquisas sobre o período
republicano, este tem se alargado para outros períodos da história, abrangendo a
sociedade imperial (final do século XIX e início do século XX) e o período colonial,
também cobrindo, em menor volume, o final do século XX e início do século XXI.
5 Nessa época há uma coincidência de conjunturas políticas que influenciaram a pesquisa em
educação: superação do autoritarismo no Brasil; derrocada do “socialismo real” – queda do muro de
Berlim (1989) e o fim da União soviética (1991), acarretando consequências para o campo científi-
co, como: decretação do fim da história (Francis Fukuyama) e do fim da capacidade explicativa do
marxismo; rejeição da visão de totalidade instaurando-se uma visão fragmentária do mundo, carac-
terizada pela dispersão, indeterminação e relativismo; crítica aos “velhos esquemas interpretativos”
da realidade – positivismo e, principalmente, o marxismo – valorizando o fragmentário, o efêmero
e o imaginário. Essas características compõem o denominado “paradigma pós-moderno” no campo
da ciência, que irá influenciar a produção do conhecimento no campo da história e da história da
educação.

6 O movimento conhecido como “Nova História” emerge do grupo dos Annales, conhecida como
3ª geração dos Annales, que operaram uma ampliação ainda maior quanto aos métodos e objetos
de estudo da história. Este movimento se caracteriza por uma concepção heterogênea em termos
teórico-metodológicos, que abrange História Cultural, História Antropológica, História do Imaginário.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


22
Com relação às temáticas estudadas, os estudos sobre historiografia da edu-
cação brasileira apontam uma unanimidade quanto às renovações temática e meto-
dológica operadas no âmbito da disciplina. Catani e Faria Filho (2002, p.126) iden-
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

tificam uma “explosão dos temas e objetos de pesquisa em história da educação nos
anos 90.” Percebe-se, paralelamente, uma dispersão e uma concentração de temáti-
cas referentes a certos períodos da história. No entanto, as mais predominantes nos
estudos e pesquisas são: história das políticas educacionais, história e difusão das
ideias pedagógicas, constituição dos sistemas escolares e, ultimamente, a história da
leitura e dos impressos, a história das práticas e processos de escolarização, a história
da profissão docente e culturas escolares, o que sugere certa renovação do ponto de
vista dos objetos de pesquisa, acompanhada por uma ampliação das fontes produ-
zidas e mobilizadas pelos pesquisadores.
Os estudos apontam ainda para a continuidade de utilização de fontes tradi-
cionalmente manipuladas pelos historiadores da educação, tais como, a legislação e
os relatórios oficiais, ao mesmo tempo em que emerge a utilização de outras ainda
não tão comuns ao meio: memórias e autobiografias, imagens, sobretudo fotográ-
ficas, revistas pedagógicas, jornais, livros didáticos e até mesmo filmes, músicas e
materiais escolares.
O volume das produções tem se ampliado significativamente, seguindo o im-
pulso da organização do campo da história da educação no Brasil, sobretudo a partir
dos anos 1990, o que aponta um novo indício da importância crescente da pesqui-
sa em história da educação. Dados levantados pelos vários balanços efetuados ao
final dos Congressos ocorridos nos últimos anos, como o I Congresso Brasileiro de
História da Educação e os I a III Luso-brasileiro de História da Educação, e por en-
comendas do GT de História da Educação da ANPEd, compilados por Faria Filho e
Vidal (2001) nos dão a dimensão da expansão do campo da história da educação
brasileira.

Finalizamos essa breve análise da historiografia da história da educação bra-


sileira com as palavras do prof. Dermeval Saviani (2006) sobre as perspectivas do
campo da história da educação brasileira: “O estágio atual da história da educação
brasileira pode ser considerado como tendo-se completado o processo de formação
do campo. A área encontra-se consolidada e com perspectivas, ao menos aparen-
temente, bastante promissoras de desenvolvimento” (SAVIANI, 2006, p. 11). No
entanto, a ideia se complementa com a observação de Sanfelice (2006) de que
“A história da educação (brasileira) para ter uma visão de suas perspectivas atuais
necessita de bons estudos historiográficos (p. 29-30)” que objetivem captar em pro-
fundidade o conteúdo das obras, interpretar o significado das palavras, das ideias

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


23
e das ações dos historiadores, recriar criticamente o pensamento histórico, enfim,
repensar o próprio conhecimento histórico. (SANFELICE, 2006, p. 30).

Percebeu como se forma um campo de conhecimentos? Retorne ao texto e


destaque os principais marcos na constituição da História da Educação
como campo de estudo no Brasil.

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3. A importância da História para a formação do educador

[...] como toda pesquisa, a investigação histórica não é desinteressada. Conse-


quentemente, o que provoca o impulso investigativo é a necessidade de responder
a alguma questão que nos interpela na realidade presente. [...] Trata-se da própria
consciência da historicidade humana, isto é, a percepção de que o presente se
enraíza no passado e se projeta no futuro. Portanto, eu não posso compreender
radicalmente o presente se não compreender as suas raízes, o que implica o estudo
de sua gênese. (SAVIANI, 2007, p. 5)

Como já assinalamos acima, a gênese da disciplina história da educação no


Brasil está intimamente associada ao ensino da mesma nos cursos de formação de
professores, inicialmente nas escolas normais e posteriormente nos cursos de peda-
gogia. Deste modo, podemos depreender que o estudo da história da educação é
importante para a formação de professores. No entanto, ainda se questiona o por-
quê dessa importância, ou seja, porque se deve estudar história da educação nos
cursos de formação do educador?
Este questionamento se refere ao próprio caráter pragmático atribuído a pe-
dagogia, que se preocupa, fundamentalmente, com a questão dos métodos e pro-
cessos de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, se questiona a “utilidade” que as
disciplinas, história da educação e filosofia da educação teriam no currículo dos
cursos de formação de professores. Isso significa que alunos e professores dos cursos
de pedagogia, licenciaturas e cursos de formação de professores em nível médio têm
tido dificuldades em estabelecer as relações entre os problemas atuais da educação
e suas origens passadas, ou a compreensão da educação como um fenômeno his-
tórico.
Como afirmamos acima, a História não é uma ciência com os olhos no pas-
sado, desvinculada das questões e problemáticas do presente. Ao contrário, se volta
ao passado com interesse de buscar uma compreensão mais aprofundada dos pro-
blemas da atualidade.
Deste modo, valendo-nos da analogia proposta por Lopes e Galvão (2001)
que comparam o estudo da história a uma viagem, no sentido que ambas nos pro-
porcionam uma abertura maior, uma ampliação do olhar em uma perspectiva mais
ampla do que a possibilitada pelo presente imediato que resulta em uma maior com-
preensão de nós mesmos e de nossa cultura, em comparação com o “outro” ou com
“o diferente”, no tempo e no espaço.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


24
Nesse movimento, compreendemos que a educação não é um fato natural,
não é algo presente de maneira homogênea em todas as sociedades e em todos os
períodos da história da humanidade. Percebemos que é um fenômeno que possui
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

historicidade, que se desenvolve de maneira imbricada às formas de desenvolvimen-


to das sociedades no tempo.
Compreendemos a educação como fenômeno histórico, e sua inter-relação
como componente da instância cultural da sociedade, com os processos de desen-
volvimento material, político e social dessa sociedade ao longo do tempo, que se
move de acordo com os condicionantes que se depreendem dessas dimensões.
Por isso, a História, a princípio, é um saber inútil do ponto de vista pragmá-
tico, pois não produz respostas diretas para os problemas do presente, antes requer
que o historiador tenha capacidade de analisar, comparar, interpretar, interrogar e
investigar o passado, se valendo dos mecanismos que dispomos para seu estudo.
Isso não significa que esse procedimento nos levará a soluções pragmáticas dos pro-
blemas da escola, da relação professor-aluno, das dificuldades próprias do processo
de ensino-aprendizagem, pois essa perspectiva remete a uma concepção linear da
história, no sentido de que ao compreender o presente por meio do conhecimento
do passado é possível intervir no futuro, a fim de não cometermos os mesmos “er-
ros” das gerações passadas.
Portanto, o conhecimento da história na formação do educador não implica,
necessariamente, uma ação mais eficaz diante da realidade presente, mas amplia a
capacidade de crítica e reflexão diante dessa realidade. Deste modo, para além de
um “antídoto” contra os “erros” do passado, a História da Educação possibilita ao
educador ferramentas para refletir sobre as contradições presentes em nossa socie-
dade, não se preocupando apenas em compreender as mudanças, mas também as
permanências, aquilo que resiste ao tempo, e nos constitui como sociedade, a fim de
compreendermos quais os fundamentos do seu projeto educativo.
É impossível fazermos uma análise crítica de mundo com a devida coerência,
se não nos alicerçarmos com e na história. Sabemos que as relações dos homens na
produção não estão separadas das relações sociais que produziram as classes sociais,
a arte, a religião, a filosofia, a política, educação, a ciência, o Estado.
Com a educação não é diferente, pois, “efetivamente, dada a historicidade
do fenômeno educativo cujas origens coincidem com a origem do próprio homem
(...) o significado da educação está intimamente entrelaçado ao significado da His-
tória” (SAVIANI, p.11, 1998).
Portanto, sem compreendermos que a realidade concreta ou o momento his-
tórico em que estamos vivendo é produzido por homens constituídos nas relações
históricas, sociais, econômicas e culturais empreendidas em todos os tempos e luga-
res, não será possível perceber as formas organizativas da sociedade e nem vamos
poder compará-las com outras realidades sociais.
O importante no estudo da História não é tanto relatar os fatos passados ou
enumerar acontecimentos que podem ser localizados geograficamente e datados
cronologicamente, mas sim, mostrar que em cada momento os homens estão pro-
duzindo uma realidade cultural e estão fazendo história. E a medida que toma-
mos consciência de que nós fazemos a história em nossos atos cotidianos e que não

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


25
apenas seguimos um destino ou uma pré-destinação, percebemos que também é
possível transformar a história.

CONCLUINDO...
Nesta unidade discutimos acerca do conceito de história e vimos que este é
utilizado em duas acepções diferentes. Uma, diz respeito ao próprio processo his-
tórico ou realidade histórica, que se refere ao curso das ações humanas no tempo.
Vimos que o processo histórico não é algo estático e nem linear, mas é resultado
das relações entre os seres humanos na produção da sua própria existência. A outra
acepção do termo história, se refere ao estudo ou conhecimento produzido sobre o
processo histórico, ou seja, a escrita ou registro da história humana. Nesse sentido,
percebemos que esta escrita é mais orientada pelo presente do que pelo passado, na
medida em que os historiadores estão imersos vem seu tempo e suas preocupações
são decorrentes das problemáticas de seu tempo, pelas quais se recorre ao estudo
do passado.
Também discutimos o processo de constituição da História da Educação,
mais especificamente da História da Educação Brasileira, como campo de estudos e
pesquisas e o estágio atual dessa produção. E por fim, refletimos sobre a importância
da história para a formação do educador, desmistificando seu caráter mecânico e li-
near, como panacéia para a solução dos problemas do presente por meio do conhe-
cimento dos “erros” do passado, mas que nos fornece subsídios para compreender a
educação como fenômeno histórico que se desenvolve no bojo da história humana
ao longo do tempo, e que, por isso mesmo, reflete a sociedade na qual se insere e o
tipo de homem que se pretende formar. Com base nessas reflexões, iniciaremos nos-
sa incursão pela História da Educação Brasileira ao longo dos próximos capítulos.

ATIVIDADES AVALIATIVAS
1. Após a leitura deste capítulo, como você compreende o termo história?
2. Elabore um texto dissertativo sobre a importância do estudo da história na
formação do educador.

PARA REFLETIR
Ativar a memória para compreender o presente
TEXTO COMPLEMENTAR CAMBI p. 35-37

Com base na leitura do texto acima, elabore um texto reflexivo sobre a


afirmação de que a História é um estudo do passado.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


26
REFERÊNCIAS

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Núcleo de Educação a Distância - UFMA

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MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


O SISTEMA COLONIAL MERCANTILISTA NO BRASIL
2

CAPÍTULO

E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO


1. Introdução – justificativa da periodização adotada

Antes de iniciarmos nosso percurso pela história da educação brasileira, é


necessário esclarecer, por uma questão de ordem teórico-metodológica, a opção
quanto à periodização que adotaremos, que se difere de outros estudos sobre histó-
ria da educação brasileira. Cabe ressaltar a existência de outras formas de periodizar
a história da educação brasileira que tem como matriz a referência aos diferentes
períodos consagrados em nossa história política, subdivididos em Colônia, Império e
República, como é o caso de obras pioneiras como “História da Instrução Pública no
Brasil: 1500-1889”, de José Ricardo Pires de Almeida, cuja 1ª edição foi publicada
em 1889 e a célebre obra “A Cultura Brasileira”, de Fernando de Azevedo (SAVIA-
NI, 2007). Muitos historiadores se utilizam dessa referência que se apoia também no
critério cronológico.
Mais recentemente, por influência da literatura de orientação marxista, e
como crítica a periodização tradicional baseada na referência política, o critério das
determinações econômicas, isto é, a dinâmica do(s) modo(s) de produção, passou a
ser o mais utilizado, tornando-se comum a subdivisão da história da educação brasi-
leira e tomando como base os diferentes períodos de desenvolvimento da economia
brasileira. Mas, mesmo partindo deste critério, os vários autores propõem diferentes
periodizações, como é o caso do estudo de Maria Luisa Santos Ribeiro (1998) “His-
tória da Educação Brasileira: a organização escolar”, que propõe a subdivisão da
história da educação brasileira em oito períodos, a obra de Bárbara Freitag (1981),
“Escola, estado e sociedade”, que propõe uma subdivisão em três períodos.
Outra tendência de periodização dos estudos em história da educação é ba-
seada nos aspectos internos a escola, ou seja, nos aspectos propriamente pedagógi-
cos, como é caso de Laerte Ramos de Carvalho, que afirma que esta é a forma mais
adequada para a compreensão da história da educação brasileira (SAVIANI, 2007).
Já a obra de Dermeval Saviani (2007), “História das ideias pedagógicas no
Brasil”, adota uma classificação das principais concepções de educação, cuja perio-
dização encontra-se orientada pelo próprio movimento das ideias pedagógicas, a
partir da articulação de três dimensões de análise (a filosofia da educação, a teoria
30
da educação e as práticas pedagógicas), subdivididas em oito períodos.
Portanto, deixando claro que existem diversas possibilidades de periodização
adotadas pelos diversos estudos produzidos sobre história da educação brasileira,
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

optamos por uma periodização pautada na dinâmica econômica, que, no entanto,


não perde a conexão com a conjuntura política, que corresponde às formas de orga-
nização da sociedade sob a vigência de um determinado modo de organização das
relações de produção, que estão na base da organização das sociedades. Por esse
motivo, a análise dos diferentes períodos históricos irá buscar como determinação
fundamental, os aspectos concernentes a organização da produção material, que
enseja as formas de organização política, social e cultural.
Deste modo, iniciaremos nosso estudo sobre a História da Educação brasi-
leira analisando a inserção do Brasil na dinâmica do capitalismo mercantilista, que
foi a forma originária de organização do modo de produção capitalista e que traz o
gérmen da organização sócio-política da sociedade brasileira desde então.

QUADRO 1- FORMAÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL

Fonte: Elaboração própria.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


31
2. O Modelo Econômico Agroexportador

O que denominamos de período agroexportador no âmbito da organiza-


ção da economia brasileira, corresponde ao período mais longo da história do Brasil,
que abrange, em termos da organização política, os períodos: colonial, o Brasil
Império e a 1ª. República (até 1930). Em termos cronológicos, temos pratica-
mente quatro séculos da História do Brasil baseados sobre essa forma de organi-
zação das relações de produção, que conserva algumas características comuns que
são fundamentais para a compreensão da gênese e desenvolvimento da sociedade
brasileira.
Em linhas gerais, podemos caracterizar esse período, que se inicia no século
XVI com a chegada dos portugueses e a inserção do Brasil no mundo civilizado, pelo
predomínio de uma economia de base agrícola7, voltada para o mercado externo,
cujas relações de poder estão fundadas na posse da terra e nas relações de mando,
estabelecidas entre proprietários e não-proprietários, geralmente baseadas na coer-
ção e violência.
Marilena Chaui, em sua obra “Mito fundador e sociedade autoritária” (2000),
vai analisar o processo de gênese histórica da sociedade brasileira a partir do mo-
delo colonial-escravista, que se instituiu nos primórdios da ocupação do território
brasileiro pelos europeus e que vai assentar raízes profundas na forma de organi-
zação da sociedade brasileira. Para a autora, esse período lançou as bases de uma
organização social de base hierárquica fortemente verticalizada, que ela mesma irá
denominar de “cultura senhorial”, onde:
(...) as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas
como relações entre um superior, que manda, e um inferior, que
obedece. As diferenças e assimetrias são sempre transformadas em
desigualdades que reforçam a relação mando-obediência. O outro
jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos,
jamais é reconhecido como subjetividade e nem como alteridade.
As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é,
de cumplicidade ou de compadrio; e entre os que são vistos como
desiguais o relacionamento assume a forma do favor, da clientela,
da tutela ou da cooptação. (CHAUI, 2000, p. 89).

A partir dessa matriz colonial, Marilena Chaui caracteriza a sociedade


brasileira como “sociedade autoritária”, que assume como expressão máxima da
“cultura senhorial” a organização social extremamente hierarquizada, que faz com
que a divisão de classes, fruto da determinação histórica e material, seja naturalizada.

7 Durante séculos, a economia se assentava em um só produto de exportação (açúcar, ouro, café,


borracha), o que se percebe pelos diferentes “ciclos” da economia brasileira neste período, até a crise
do café, na década de 1920.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


32

Gráfico 1 – Organização da sociedade brasileira – Período Agro-exportador


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

Por esse motivo, as relações sociais se estruturam com base em relações


privadas, já que decorre da recusa em operar com a noção de direitos, que são
confundidos com privilégios, sempre direcionados aos que ocupam uma posição de
superioridade, e para o restante da população, a repressão, muitas vezes com base
na violência.

Esta característica da cultura senhorial se articula com outra, a indistinção


entre público e privado, decorrente da partilha do patrimônio e do poder público
com determinados grupos privados (sua origem histórica é determinada pelo
arrendamento, doação ou compra de terras da Coroa, que não dispondo de recursos
para enfrentar sozinha a tarefa colonizadora, deixou-a nas mãos de particulares).
Deste modo, a relação entre Estado e sociedade civil é mediada por interesses pessoais
e por relações de favor, clientela e tutela. Nesse cenário, desenvolve-se a corrupção
na gestão da coisa pública e do ponto de vista dos direitos, há um encolhimento
do espaço público, enquanto que, do ponto de vista dos interesses econômicos, há
um alargamento do espaço privado. Portanto, a Cultura senhorial e o autoritarismo
social exprimem-se no modo de funcionamento da política – relações entre grupos
oligárquicos que monopolizam o poder político a serviço de seus interesses privados.

Essas características que se forjam ao longo do processo de colonização do


Brasil (século XVI-XIX), vão adquirir um caráter de longa duração, estabelecendo-
se como características culturais da sociedade brasileira, que se reproduzem, se
metamorfoseiam e fortalecem ao longo do tempo.

No entanto, é preciso compreender essas características no bojo do processo


de desenvolvimento das relações de produção capitalistas no Brasil que se dá no

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


33
contexto do sistema colonial mercantilista.

Grosso modo, podemos caracterizar o sistema colonial mercantilista, ou


“Antigo Sistema Colonial”, como “um tipo particular de relações políticas, com
dois elementos: um centro de decisões (metrópole) e outro (colônia) subordinado”,
de modo que “a vida econômica da metrópole seja dinamizada pelas atividades
coloniais” (NOVAES, 1998, p. 20).

Entretanto, o que diferencia o sistema colonial mercantilista, que se instituiu


na Época Moderna, de outras experiências de colonização vivenciadas em outros
períodos históricos? Certamente, o que diferencia esse movimento das demais
“ondas” de colonização é que a mesma se insere como parte fundamental do
projeto de desenvolvimento do capitalismo, em sua fase denominada “capitalismo
mercantil”.

O capitalismo mercantil ou mercantilismo se constitui na fase inicial,


“pré-capitalista”, em que se dá o processo de transição da sociedade feudal
para a sociedade burguesa, ao longo dos séculos XVI e XVII. Esse período de
desenvolvimento do capitalismo possui três características fundamentais:

• Uma doutrina econômica definida em torno da ideia do mercantilismo8,


cujo escopo fundamental era a acumulação do capital por meio das relações
comerciais (mercantis);
• Existência do Estado Absolutista, com um território unificado e
politicamente centralizado, que executa e fomenta a economia de mercado,
em competição com outras nações, e estimula a expansão comercial;
• Abertura de novas frentes de exploração mercantil (expansão ultra-marina);
Assim, Fernando Novaes esclarece sobre o papel desempenhado pelas
colônias nesse contexto:

“Elas devem se constituir em retaguarda econômica da metrópole. Pois que


a política mercantilista ia sendo praticada pelos vários Estados modernos
em desenfreada competição (...) as colônias garantiriam a auto-suficiência
metropolitana” (NOVAES, 1998, p. 20).

A forma fundamental das colônias oferecerem “retaguarda econômica” à


Metrópole era por meio do fornecimento de produtos que esta não dispunha para
abastecer sua atividade comercial, principalmente como mercado consumidor
dos produtos metropolitanos. Cabe destacar que as nações que se dedicaram ao
desenvolvimento de suas economias com base no mercantilismo, deram ênfase,
inicialmente, a circulação de mercadorias ao invés da produção.

8 Dentre o conjunto de ideias que constituem essa doutrina econômica, podemos destacar:
o metalismo, balança comercial favorável, estabelecimento de monopólios comerciais, política
protecionista, dentre outras.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


34
Entretanto, nem sempre as colônias dispunham de produtos que atraiam o
interesse do mercado europeu – como é o caso dos produtos orientais -, então a
exploração colonial passa a demandar cada vez mais a produção de mercadorias
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no território das colônias. Deste modo, a exploração ultrapassa o âmbito da


circulação de mercadorias (escambo9), para promover a implantação de economias
complementares extra-européias, isto é, atingia a órbita da produção. No entanto,
para promover a produção de mercadorias atraentes para o comércio metropolitano
era preciso estabelecer o povoamento efetivo dos territórios coloniais, ou
seja, “transitar do comércio para a colonização (...) da comercialização de bens
produzidos por sociedades já estabelecidas para a produção de mercadorias e
montagem de uma sociedade nova” (NOVAES, 1998, p. 29).

Portanto, “produzir para o mercado externo, fornecer produtos tropicais e


metais nobres à economia européia – eis, no fundo, o ‘sentido da colonização’”
(NOVAES, 1998, p. 33).

Reflita um pouco sobre o que você aprendeu até agora. Como você
caracterizaria o Antigo sistema colonial no contexto do capitalismo
mercantilista?

Destaque o papel das colônias no processo de desenvolvimento da


economia européia nos séculos XVI e XVII.

3. Sociedade e educação no período colonial

A colonização do território brasileiro nos marcos do sistema colonial


mercantilista, atendendo aos interesses do desenvolvimento da economia da
metrópole, como vimos acima, vai fomentar uma economia de base agrícola,
voltada para abastecer o mercado externo e fundada na grande propriedade e na
mão-de-obra escrava. As implicações dessa forma de organização da produção
irão determinar o desenvolvimento da sociedade brasileira com base em uma forte
estratificação social, conforme vimos acima.

A população era composta essencialmente de uma elite (proprietários de


terras, clérigos, militares e membros da burocracia colonial), que representavam a
minoria da população, e de uma massa composta por índios, escravos, poucos trabalha-
dores livres, que compunha a maioria absoluta da população (praticamente 2/3).

Neste quadro, podemos questionar qual o papel da Educação no bojo dessa


formação social? De acordo com Bárbara Freitag (1980) o papel da educação em
uma sociedade se define a partir de três funções básicas:

9 A primeira forma de atividade comercial desenvolvida nas colônias, por meio da troca com
os nativos, de produtos naturais por produtos de origem europeia.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


35

• Reprodução da força de trabalho;


• Reprodução das relações sociais;
• Reprodução da ideologia dominante.

Quanto à reprodução da força de trabalho, cabe lembrar que a monocultura


latifundiária, sustentada nos moldes implantados no Brasil colônia, exigia um mínimo
de qualificação e diversificação da força de trabalho, haja vista o caráter simples da
produção. A força de trabalho era composta quase exclusivamente de escravos que
realizavam o trabalho nas lavouras ou o trabalho doméstico, portanto, de acordo
com Bárbara Freitag (1980) não havia nenhuma necessidade para a formação
da força de trabalho a ser desenvolvida pela escola.

A estrutura social hierarquizada, pouco diferenciada e praticamente sem


mobilidade social, composta por trabalhadores (basicamente escravos), senhores de
terras, clérigos e membros da burocracia metropolitana, prescindia da escola para
sua reprodução, pois a “reprodução dessa estrutura de classes era garantida pela
própria organização da produção” (FREITAG, 1980, p. 47).

No entanto, o aparato educacional implementado na colônia funcionou,


essencialmente, no âmbito da reprodução da ideologia dominante, que, de certo
modo, forneceu o cimento para a reprodução das relações de dominação.

É com esse intento que se institui o sistema educacional jesuítico


na colônia, pois o mesmo irá preencher perfeitamente essa função, ajudando e
assegurando a reprodução da sociedade escravocrata

Agora você entendeu qual o papel da educação na sociedade colonial


brasileira. Discuta o assunto com seus colegas e sintetizem em um pequeno
texto suas conclusões.

3.1. O sistema jesuítico

“O primeiro governador geral do Brasil chegou em 1549, trazendo


consigo os primeiros jesuítas, cujo grupo era constituído por quatro
padres e dois irmãos chefiados por Manoel da Nóbrega. Eles vieram
com a missão conferida pelo rei de converter os gentios: ‘Porque
a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras
do Brasil foi para que a gente dela se convertesse a nossa santa fé
católica’ (DOM JOÂO III apud SAVIANI, 2007, p. 25)”.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


36
A instituição do sistema de ensino jesuítico no Brasil no período colonial
tinha por objetivo, como já comentamos, a reprodução da ideologia dominante e,
por meio dela, o reforço das condições de dominação. Nesse sentido, a educação
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jesuítica era direcionada, sobretudo, a divulgação da fé católica10 na nova terra,


por meio da catequese dos nativos, resguardando os valores cristãos em meio aos
colonos e reproduzindo, por meio da educação, a dominação de classe.

Os jesuítas, diferentemente de outras ordens religiosas que atuaram no


território brasileiro (franciscanos, beneditinos), vieram em consequência de uma
determinação do rei de Portugal, sendo apoiados pela Coroa e pelas autoridades
da colônia. Nestas condições, puderam exercer de forma orgânica, o monopólio da
educação nos dois primeiros séculos da colonização.

A ação dos jesuítas demonstra, de acordo com


Dermeval Saviani (2007), uma perfeita simbiose entre educação e
catequese na colonização do Brasil. Conforme analisa José Maria
de Paiva (apud SAVIANI, 2007, p. 31) “a catequização cumpriu um
papel colonial, não como de fora, como uma força simplesmente
aliada, mas, mais do que isto, como uma força realmente integrada
a todo o processo”. Nesse sentido, Baeta Neves (apud SAVIANI,
2007, p. 31) reforça que a catequese é um esforço racionalmente
feito para conquistar homens; é um esforço para apagar diferenças
e acentuar semelhanças. Assim, percebe-se a importância da
educação como elemento de aculturação dos nativos, tendo a
catequese como sua ideia-força (SAVIANI, 2007).

Nesse sentido, a ação dos jesuítas junto aos nativos se move por esse
esforço de aculturação e de dominação por meio da pregação da doutrina cristã,
com o objetivo expresso de “salvar a alma” e com a função implícita de inculcação
dos valores europeus, de modo a tornar mais fácil o processo de dominação dos
nativos. Por este motivo, o trabalho catequético possuía um caráter pedagógico,
que se utilizava de estratégias formais (as escolas) e não-formais (o exemplo), que
penetravam profundamente a vida cotidiana dos nativos, em todos os seus domínios.

Deste modo, a catequese assegurou a evangelização


da população indígena por meio do estabelecimento de
missões instaladas nas proximidades das aldeias - onde eram
introduzidas noções de divisão racional do tempo, do espaço e
do trabalho, a difusão de uma nova língua, uma nova crença e
uma nova interpretação sobre a vida e a morte - e pela criação de
escolas elementares direcionadas a instrução dos “curumins”.
Nestas escolas elementares ensinava-se a leitura, a escrita e o
cálculo, conteúdos próprios da instrução, que davam a base
para a compreensão das sagradas escrituras, além do acesso aos
catecismos, livros e cantos religiosos (Xavier, Robeiro, Noronha,
1994, p. 43.

10 Cabe lembrar que a Companhia de Jesus foi criada no contexto da contra-reforma com o intuito
de fortalecer a fé católica frente as demais doutrinas religiosas que se difundiam a partir da Reforma
protestante. Assim, a Companhia se caracterizou pelo aspecto missionário, do qual foi imbuída pelo
Rei D. João III no âmbito do processo de colonização do Brasil.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


37
A ação dos jesuítas sobre os indígenas resumiu-se em cristianizar e
pacificar tornando-os mais dóceis para o trabalho nas aldeias

Nesse contexto, se materializou “período heroico” de atuação da Companhia


de Jesus no Brasil, cujos principais expoentes são os padres Manoel da Nóbrega e
José de Anchieta, que se caracteriza, essencialmente, pela catequese dos nativos
no sentido de viabilizar o processo de povoamento, por meio da inculcação da
cultura européia.

No entanto, além de instrumento de catequização dos nativos, a ação


educacional dos jesuítas na colônia também visava às elites (filhos dos senhores de
terra) e os colonos em geral, a qual se estabelecia em diferentes níveis de atuação.

Com o crescimento da população colonial proprietária e o desenvolvimento


de uma vida urbana, onde se concentravam o aparelho administrativo e as atividades
coloniais, cresceu o desejo pela instrução. Por isso, o sistema de ensino jesuítico
passou a desenvolver uma ação mais incisiva junto à formação das elites.

Para os filhos dos senhores11, o objetivo da educação era a distinção social


por meio da instrução, a formação dos quadros dirigentes da administração colonial
e a composição dos quadros da própria Companhia, dada por meio da educação
religiosa. Assim, o ensino dos padres jesuítas destinado a essa camada da população
possuía um caráter desinteressado, totalmente alheio as necessidades práticas,
baseado em uma cultura erudita, voltado para cultivar as coisas do espírito, isto é,
“uma educação literária, humanista capaz de dar brilho a inteligência” (ROMANELLI,
2010, p. 34).

A educação das elites era considerada um ornamento que só os


privilegiados dispunham, representando uma forma de distinção social
(capital cultural), baseada no domínio de uma cultura literária especulativa
e erudita, desligada das atividades práticas e produtivas.

A educação que se dava aos “curumins” nas escolas elementares se estendia


aos filhos dos colonos, no sentido de garantir a instrução básica e a evangelização
destes (ROMANELLI, 2010, p. 35). Por isso, o plano de ensino desenvolvido por
Manoel da Nóbrega previa aulas de humanidades, basicamente gramática latina,
destinada a continuidade dos estudos em um nível mais avançado.

Contudo, foi a partir da educação das elites que os jesuítas constituíram uma
ação pedagógica mais incisiva e culturalmente marcante, formando as lideranças da
sociedade colonial. Esta atuação junto às elites se dava por meio dos colégios e dos
seminários.

11 Cabe ressaltar que desta população eram excluídos os filhos primogênitos, encarregados da
direção dos negócios paternos, e as mulheres. Portanto, a escola era frequentada somente pelos filhos
homens não-primogênitos para os quais era reservado o oficio sacerdotal ou a formação intelectual,
reduzindo em muito o contingente das classes dominantes que frequentava a escola.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


38
Os seminários existiam desde a chegada dos jesuítas
e destinavam-se a formação teológica dos futuros clérigos que
deveriam compor a ordem, dando continuidade a sua atuação, como
sacerdotes e como educadores. Contudo, dada ao crescimento da
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demanda pelo ensino, os seminários passaram a atender estudantes


leigos, que não buscavam a carreira religiosa, mas a instrução
propedêutica que lhes possibilitasse a continuidade dos estudos
(Xavier, Robeiro, Noronha, 1994, p. 45).

Com este intuito foram criados os colégios, voltados para o público externo
(filhos das elites que não tinham interesse em seguir a vida religiosa), onde eram
ministrados cursos de Humanidades, Filosofia e Teologia, abrangendo desde a
instrução elementar e secundária à superior, e apresentavam uma duração média
de dez anos. Contudo, esses cursos não podiam conceder diplomas, o que era
uma prerrogativa da metrópole, no entanto, se constituíam em meio intermediário
para a formação em nível superior, que era completada na Europa, geralmente da
Universidade de Coimbra, fornecendo, assim, a formação para os futuros quadros
de dirigentes da administração colonial local, estabelecendo total identificação com a
cultura metropolitana e prevenindo a formação de uma cultura local que ameaçasse,
com desejos de autonomia, a dominação colonial.

“Assim, os padres acabaram ministrando, em princípio, educação


elementar para a população índia e branca em geral (salvo as
mulheres), educação média para os homens da classe dominante,
parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso
na classe sacerdotal, e educação superior e religiosa só para esta
última. A parte da população escolar que não seguia carreira
eclesiástica encaminhava-se para a Europa, a fim de completar
os estudos, principalmente na Universidade de Coimbra, de onde
deviam voltar letrados” (ROMANELLI, 2010, p. 35)

O Sistema Jesuítico de ensino era baseado no “Ratio Studiorum”12, cujo


método vigorou mesmo após a expulsão da ordem, em 1759. As ideias pedagógicas
expressas no Ratio correspondem ao que passou a ser conhecido na Modernidade
como Pedagogia Tradicional, que se caracteriza por uma visão essencialista de
homem, isto é, o homem é concebido e constituído por uma essência universal
e imutável. À educação pretende moldar a existência particular e real de cada
educando à essência universal e ideal que o define enquanto ser humano. Para a
vertente religiosa, tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança,
a essência humana é considerada, pois, criação divina. Ao longo dos dois primeiros
séculos de colonização, a pedagogia cristã, de orientação católica, gozou de uma
hegemonia incontrastável no ensino brasileiro (SAVIANI, 2007).

12 Plano geral de estudos organizado pela Companhia de Jesus, cuja elaboração se iniciou
formalmente em 1584 e cuja redação definitiva foi publicada em 1599. O Plano é constituído por
um conjunto de regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino (do
Provincial, passando pelas do Reitor, do Prefeito de Estudos, dos professores de modo geral) e de
cada matéria de ensino, abrangendo as regras da prova escrita, da distribuição de prêmios, do bedel,
chegando às regras dos alunos e concluindo com as regras das diversas Academias (SAVIANI, 2007)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


39
O plano constituído no Ratio era de caráter universalista e
elitista. Universalista porque se tratava de um plano adotado
indistintamente por todos os jesuítas, qualquer que fosse o lugar
onde estivessem. Elitista porque acabou destinando-se aos filhos
dos colonos e excluindo os indígenas, com o que os colégios jesuítas
se converteram em instrumento de formação das elites coloniais
(SAVIANI, 2007, p. 56).

Utilizando-se de um sistema de ensino pedagogicamente eficiente, aplicado


com êxito inquestionável em todos os colégios, historiadores da educação, como
Gilberto Alves, percebem no método jesuítico, expresso por meio do Ratio, “um
germe importante da escola moderna” (ALVES, 2005, apud SAVIANI, 2007, p. 58),
já que resultou na criação de espaços especializados para o ensino, materializados nas
salas de aula; maior desenvolvimento da seriação dos estudos; maior diferenciação
entre as áreas do conhecimento; e o crescente número de professores especializados
por área de saber (SAVIANI, 2007)

Veja como se dava a organização didática do ensino nos Colégios


Jesuíticos lendo o texto de apoio : Os colégios jesuíticos e suas propostas
educacionais.

A partir de 1564, o ensino passou a ser subsidiado pela Coroa, através do


padrão de redízima que correspondia a 10% dos impostos cobrados na Colônia,
destinados a manutenção das escolas jesuíticas, o que incontestavelmente favoreceu
a expansão dos estabelecimentos de ensino e a melhoria das condições materiais.

3.2. As críticas ao ensino jesuítico

No século XVIII, após dois séculos de ação pedagógica dos jesuítas, através
do método elaborado e difundo, sobretudo por meio do Ratio e calcado em um
ensino que fechava os olhos para a Modernidade e para a revolução científica que
se processava na Europa desde o Renascimento, mantendo-se fiel aos cânones do
pensamento medieval, como São Tomas de Aquino e Aristóteles, o monopólio que
estes exerciam em matéria de ensino passou a ser questionado.

As críticas direcionadas ao ensino jesuítico eram baseadas no seu caráter


elitista e universalista, considerado muito formal e distante da realidade prática dos
alunos, desinteressado e erudito, voltado para a formação do aristocrata. Ignorando as
contribuições da ciência moderna, como o pensamento de Descartes, as descobertas
de Galileu, Kepler e Newton, a Companhia de Jesus foi considerada, por seus críticos,
decadente e atrasada. Nesse sentido, manifesta-se o filosofo enciclopedista Voltaire
“Os jesuítas não me ensinaram mais que latim e tolices”. (ARANHA, 2006, p. 130).

Com o objetivo de livrar o reino de Portugal do obscurantismo propalado pela


religião católica que impediam o desenvolvimento cultural do Império pela difusão
de novas ideias, a fim de propiciar o “derramamento das luzes da razão nos mais

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


40
variados setores da vida portuguesa” (SAVIANI, 2007, p. 80), voltando-se, sobretudo
para a educação, as reformas modernizantes implementas pelo Marques de Pombal
baniram os jesuítas do território lusitano, promovendo importantes mudanças na
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organização do ensino no Brasil.

4. As reformas Pombalinas

O século XVIII na Europa é marcado por relevantes transformações


econômicas, políticas, sociais e culturais, resultantes do processo de consolidação do
capitalismo e superação dos resquícios da sociedade medieval, expressos no Antigo
Regime.

Do ponto de vista econômico, o capitalismo mercantil serviu de enclave


para a acumulação primitiva do capital que seria investido na indústria, culminando
com a Revolução Industrial inglesa. Politicamente, a burguesia, classe social que
concentrava o poder econômico por meio das atividades comerciais e industriais,
era submetida à velha nobreza, que compunha a elite política nos estados nacionais
absolutistas, herdeiras da aristocracia feudal, cujos privilégios passaram a ser objetos
de contestação com a reivindicação de maior participação política e liberdade
econômica por parte dos demais segmentos da sociedade que se encontravam alijados
desse processo. Do ponto de vista social, a velha divisão da sociedade entre nobreza
e clero, que compunham a elite, e o restante da população, incluindo a burguesia,
trouxe insatisfações que culminaram com inúmeros movimentos revolucionários,
como a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688) e a Revolução Francesa (1789).

Do ponto de vista cultural, o século XVIII ficou conhecido como Século


das Luzes em referência ao movimento de efervescência cultural conhecido como
Iluminismo. Essa expressão faz referência ao poder da razão humana em superar
o obscurantismo cultural remanescente do predomínio de ideias identificadas com
o período medieval, sobretudo as ideias religiosas propagadas pela Igreja Católica.

Enquanto essa série de revoluções se espalhava pela Europa, Portugal


continuava preso ao Antigo Regime. A atividade econômica se mantinha em
função do comércio ultramarino e da exploração das colônias, o que inviabilizou o
desenvolvimento da indústria; a monarquia absolutista permanecia associada aos
dogmas medievais, difundidos pela Igreja Católica, que suscitava a negação dos
avanços trazidos pelo pensamento moderno.

No entanto, essa forma de organização social se mostrava arcaica e


decadente, e a implantação de reformas políticas, no sentido da modernização do
país tornou-se inevitável. Essas reformas, orientadas pelo pensamento iluminista,
vão ser implementadas em Portugal e no Brasil nas mais diversas áreas, dentre elas a
educação, que, até então, era monopólio das ordens religiosas, que atuavam alheias
ao controle do estado.

Esse conjunto de reformas, no sentido de incrementar a produção, incentivar

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


41
as manufaturas (na metrópole) e desenvolver o comércio colonial, além da educação,
vão ser implementadas por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como,
Marques de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, no período de 1750 a
1777.

Em termos educacionais, as Reformas Pombalinas se contrapõem ao


predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo,
instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução. Nesse sentido, o
Estado passa a organizar e controlar o sistema de ensino, até então, deixado a cargo
das ordens religiosas.

Consequentemente, o principal alvo das reformas pombalinas foi a


Companhia de Jesus, acusada pelo atraso cultural promovido pela educação
jesuítica, que negava o progresso das ciências modernas, por meio do método de
ensino “escuro e fastidioso” (ALVARÀ DE 28 DE JUNHO DE 1759, apud SAVIANI,
2007, p. 83). Portanto, o alvará de 28 de junho de 1759, que trata da “reforma dos
estudos menores” (ensino primário e secundário), declara “extintas todas as classes
e escolas” até então dirigidas pelos jesuítas (ALVARÀ DE 28 DE JUNHO DE 1759,
apud SAVIANI, 2007, p. 83). Em 3 de setembro de 1759, é decretada uma Lei pela
qual o rei D. José I ordenou que os religiosos da Companhia de Jesus “fossem tidos,
havidos e reputados como desnaturalizados, proscritos, e exterminados do território
português e de todas as terras de além-mar” (LEI DE 30 DE SETEMBRO DE 1759,
apud SAVIANI, 2007, p. 82).

Quando foi decretada a expulsão dos jesuítas, em 1759, só na colônia a


Companhia tinha 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além das
escolas elementares espalhadas por todo o território. Portanto, a Expulsão dos
jesuítas pelo Marques de Pombal acarretou o desmonte do sistema de ensino
implantado na colônia. O desmantelamento do sistema jesuítico trouxe prejuízos,
pois, a princípio não se substituiu o ensino regular ministrado nesses estabelecimentos
por outra organização. Portanto, o efeito das reformas pombalinas foi diverso na
metrópole e na colônia, pois, enquanto que em Portugal foi constituído um sistema
público de ensino, moderno e popular, no Brasil houve a supressão pura e simples
do sistema que havia.

“Com a expulsão, desmantelou-se toda uma estrutura administrativa de ensino. A


uniformidade da ação pedagógica, a transição de um nível escolar para o outro, a
graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos
começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os
encargos da educação” (ROMANELLI, 2010, p. 37).

Somente em 1772, treze anos após a expulsão dos jesuítas, foi implantado o
sistema oficial de ensino em substituição ao sistema jesuítico. O ensino ministrado nos
Colégios jesuíticos é substituído pelo sistema de Aulas Régias de disciplinas isoladas,
voltadas para o estudo de línguas modernas, desenho, aritmética, geografia, ciências
naturais, em contraponto ao plano de ensino voltado para o latim e humanidades
ministrado pelos jesuítas (ARANHA, 2006, p. 191).

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


42
A coroa nomeou professores13, estabeleceu planos de estudos e inspeção
dos estabelecimentos escolares e instituiu um novo imposto colonial, o “subsídio
literário”14 (1772) destinado ao financiamento do ensino, que incidia sobre o
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

consumo de carne e aguardente.

A oferta de aulas régias se dava de forma precária e limitada15, em locais


improvisados, onde as crianças eram reunidas em Igrejas, salas das prefeituras e lojas
maçônicas ou na residência dos professores (ARANHA, 2006, p. 192). No entanto,
essas mudanças não irão afetar a educação dos filhos das elites, pois mesmo com o
caráter precário e irregular das aulas régias, sua instrução elementar era feita em casa
por preceptores (professores particulares), que lhes conferia uma instrução elementar
e os preparava para conclusão dos estudos na Europa.

Sem sistematização, sem pessoal docente em quantidade e qualidade


suficiente, já que eram extremamente parcos os recursos e “nem sempre aplicados
na manutenção das aulas” (SERGIO B. DE HOLANDA apud, ARANHA, 2006, p.
191), é possível concluir que a instrução foi drasticamente limitada. Conforme
afirma Fernando de Azevedo, em sua obra A Cultura brasileira “a ação reconstrutora
de Pombal não atingiu senão de raspão a vida escolar da colônia”. (apud ARANHA,
2006, p. 192).

Esse quadro só foi revertido com a transferência da sede do reino de Portugal


para o Brasil com a chegada da Família Real (1808), que trouxe um novo refluxo
cultural e educacional para o Brasil, com a ampliação das aulas régias, a criação de
novos cursos e instituições culturais e educacionais, a exemplo dos primeiros cursos
superiores: A Academia Real da Marinha (1808) e a Academia Real Militar (1810),
para a formação de oficiais engenheiros civis e militares; os Cursos de Cirurgia,
Anatomia e Medicina (1809), para a formação de cirurgiões e médicos para a
marinha e o exército, além de diversos cursos técnicos.

13 Cabe lembrar que os professores formados na colônia provinham dos colégios e seminários
dos jesuítas, portanto, foram os naturais continuadores de sua ação pedagógica, apesar das críticas
ao plano de ensino e métodos adotados pelos padres. Estes compuseram o maior contingente de
professores recrutados para as aulas régias. Portanto, embora direcionado contra a pedagogia jesuítica,
as reformas não exterminaram a influência religiosa em matéria de educação no Brasil. (ROMANELLI, 2010,
p. 37)
14 O subsídio literário destinava-se a suprir todas as necessidades financeiras da instrução pública,
abrangendo os estudos menores e maiores e garantindo não apenas o pagamento dos salários e
demais despesas dos professores. Além disso, atenderia a outras necessidades como aquisição de
livros, organização de museus, criação de laboratórios de física, de jardim botânico, instalação de
academias de ciências físicas e de belas-artes (SAVIANI, 2007, p. 99).
15 Pelo número de aulas régias distribuídas por todo o império português, definida por meio da
Lei da reforma das escolas de primeiras letras, publicada em 6 de novembro de 1772, o Brasil ficou
com um total de 16 aulas régias, o que corresponde a 5,1% do total de aulas a serem implantadas
em todo território do reino e nas colônias (SAVIANI, 2007, p. 97-98).

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


43
CONCLUINDO...

O período que estudamos nessa unidade se constitui no momento inicial


de desenvolvimento da sociedade brasileira com base em uma economia
agroexportadora, inserida no contexto das relações sociais de produção ensejadas
pelo capitalismo mercantilista, que atravessa todo o período colonial.

O Brasil se constituiu como uma sociedade baseada numa economia


agroexportadora dependente e submetida, externamente, à política colonial, e
internamente a uma aristocracia agrária e escravista. Deste modo, se estabeleceram
relações sociais assimétricas e autoritárias, baseadas na repressão e no mando, em
função dos interesses dos grupos que exerciam o poder político e econômico.

Nesse quadro, o papel da educação nessa sociedade era, basicamente, a


reprodução da ideologia dominante que cimentava a reprodução das relações sociais
estabelecidas em função da produção material. A educação ministrada na colônia,
inicialmente a cargo dos jesuítas, guarda essa característica, na medida em que se
realizava por meio da catequese, que visava a aculturação do nativo, facilitando o
processo de dominação. Por meio da “nova” cultura, excluía o povo e se voltava, de
fato, para a aristocracia rural.

Persistiu, por longos anos, um panorama de analfabetismo, ensino precário,


restrito a poucos, voltado para a formação das classes dirigentes, que viam na
educação um instrumento de distinção social. Em termos pedagógicos, resultou um
ensino predominantemente clássico, no sentido de valorizar as línguas, a literatura,
a retórica, totalmente desvinculado das necessidades da vida real, que despreza as
ciências modernas e as atividades manuais.

Durante esse período, ampliou-se o fosso entre os letrados e a maioria


da população, que permanecia alijada do processo educacional. Mesmo com as
reformas modernizantes promovidas pelo Marques de Pombal no século XVIII, esse
quadro não tende a alterar-se significativamente, fazendo da educação pública um
dos maiores problemas a serem enfrentados pelo Brasil até os dias de hoje.

ATIVIDADES AVALIATIVAS:

1. Comente as principais características do sistema de ensino


jesuítico.

2. O que foram as reformas pombalinas e quais seus efeitos sobre


a educação brasileira?

TEXTOS COMPLEMENTARES

1. O Ensino Jesuítico16

16 Aranha, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. –


3.ed. – rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006 (p. 128-129)

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


44
“As práticas e conteúdos que os jesuítas desenvolveram de acordo com as
regras codificadas no Ratio Studiorum aplicavam-se nos seguintes cursos:

• Studia inferiora:
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

- Letras humanas, de grau médio e com duração de três anos e constituído


por gramática, humanidades e retórica, formando o alicerce de toda a estrutura do
ensino baseada na cultura clássica e greco-latina.

- Filosofia e ciências (ou cursos de artes) também com duração de três anos,
tinha por finalidade formar o filósofo e oferecia disciplinas de lógica, introdução às
ciências, cosmologia, psicologia, física (aristotélica), metafísica e filosofia moral.

• Studia Superiora:

- Teologia e ciências sagradas, com duração de quatro anos, coroava os estudos e


visava a formação do padre.

Nas classes de gramática, o latim era ensinado até o perfeito domínio da língua.
Isso porque, mesmo que no dia-a-dia as pessoas fizessem uso da língua materna,
ainda no Renascimento e na Idade Moderna, persistia o costume dos filósofos e
cientistas escreverem em latim, ultrapassando fronteiras das diversas nacionalidades
e promovendo a universalização da cultura. Os jesuítas tornavam obrigatório seu
uso até na mais trivial conversação, de modo que os alunos pudessem assimilá-lo
com a familiaridade da língua vernácula.

(...) Os alunos estudavam as principais obras Greco-latinas e aperfeiçoavam a


capacidade de expressão e estilo, permanecendo presos aos padrões clássicos.
Voltados para a melhor formação humanística, os jesuítas usavam textos de
Cícero, Sêneca, Ovídio, Virgílio, Esopo, Plauto, Píndaro e outros. Como esses
autores eram pagãos, procuravam adequá-los aos ideais cristãos, fazendo resumos,
adaptações e até suprimindo trechos considerados “perigosos para a fé”. Proibiam
obras contemporâneas, sobretudo contos e romances, por serem instrumentos de
“perversão moral e dissipação intelectual”.

Esse programa atendia ao ideal de eloquência latina do século XVI, e segundo o


jesuíta e filósofo brasileiro, padre Leonel França, “a gramática visava a expressão
clara e correta; as humanidades, a expressão bela e elegante; a retórica, a expressão
enérgica e convincente”.

Com a didática, os jesuítas se mostravam bastante exigentes, recomendando a


repetição de exercícios para facilitar a memorização. Nesta atividade eram auxiliados
pelos melhores alunos, chamados decuriões (no exército romano, o decurião era o
chefe de um corpo de cavalaria e infantaria composto por dez soldados), responsáveis
por nove colegas, de quem tomavam a lição de cor, recolhiam exercícios e marcavam
em um caderno os erros e faltas diversas. Aos sábados as classes inferiores repetiam
as lições da semana toda: vem daí a palavra sabatina, usada por muito tempo
para indicar a avaliação. Para as classes mais avançadas, organizavam torneios de
erudição.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


45
Outra característica do ensino jesuítico era a emulação, ou seja, o estímulo a
competição entre os indivíduos e classes. (...) Os alunos que mais se destacavam
eram incentivados a emulação com prêmios concedidos em solenidades pomposas,
nas quais participavam as famílias, as autoridades eclesiásticas e civis, a fim de dar-
lhes brilho especial.

(...) Os jesuítas tornaram-se famosos pelo empenho em institucionalizar o colégio


como local por excelência da formação religiosa, intelectual e moral das crianças
e dos jovens. Para atingir esses objetivos, instauraram rígida disciplina aplicada
aos internatos criados para garantir a proteção e vigilância. Além de controlar a
admissão dos alunos, concediam férias bem curtas para evitar que o contato com a
família afrouxasse os hábitos morais adquiridos.

(...) Talvez devido a tão rigorosa organização, as sanções não se tornassem muito
constantes, mas aplicadas sempre que necessário, cabendo ao mestre castigar apenas
com palavras e admoestações. Quando não bastassem, ou a falta fosse muito grave,
as punições físicas ficavam a cargo de um “corretor”, pessoa alheia aos quadros da
Companhia e contratada só para esse serviço. “Para contrabalancear a disciplina, os
jesuítas estimulavam atividades recreativas, por proporcionarem um ambiente mais
alegre e uma vida mais saudável”.
***

2. O ensino laico

“Como o professor é pobre e escasso o ordenado, instala a escola numa


saleta qualquer, conquanto que seja barata e não lhe absorva o ordenado. A título
de mobília procura dois ou três bancos de pau, uma cadeira para si, uma mesa
onde ao menos possa encostar os cotovelos e tomar notas, um pote e uma caneca,
e aí temos armado o alcatifado palanque da instrução. Agrupam-se ai dentro 20,
30 ou 40 crianças tendo por único horizonte as frestas sombrias de uma rótula e
durante quatro ou cinco horas martirizam os ouvidos e as cordas vocais da laringe
em insólito berreiro, respirando o ar viciado e poeira, arruinando a saúde, cansando
a inteligência, matando a vontade de aprender, a natural curiosidade infantil e a
paciência (...). O resultado é tornar-se a escola o mau sonho das crianças” (Editorial
de “A província de São Paulo, 13/01/1876, apud ARANHA, 2006, p. 234).

Para refletir...

Os dois textos acima descrevem o cotidiano da escola nos tempos coloniais.

Você acha que a situação das escolas hoje, ainda guarda alguma semelhança com
aquele período? Pense um pouco e escreva o resultado de suas reflexões.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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1. A “pedagogia da escravidão” 17
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

Vimos que no início da colonização, os portugueses escravizavam os índios,


apesar das dificuldades decorrentes do confronto direto com os religiosos, que os
confinavam em missões e também da resistência dos nativos ao trabalho servil.

Com o tempo, a escravidão negra preponderou tanto nas plantações de cana


no Nordeste, como na mineração e depois na cultura do café (...). Diferentemente
dos indígenas, que desde o início da colonização tiveram a atenção dos missionários
empenhados na catequização e, muitas vezes, na sua proteção, os negros que para
cá vieram nunca mereceram atenção especial dos padres e de quem quer que fosse.

Ao contrário, eles os tinham em pouca conta. Basta lembrar o incidente


conhecido como “questão dos moços pardos”: no século XVII, alguns mulatos tiveram
suas matrículas recusadas nos colégios dos jesuítas “por serem muitos e provocarem
arruaças”, mas os padres tiveram que renunciar a decisão discriminatória devido a
subsídios que recebiam da Coroa. De qualquer modo, os jesuítas estavam entre as
pessoas, como os fazendeiros, advogados, médicos, que produziram a ideologia da
depreciação do negro como indivíduo semi-humano e destinado ao trabalho servil.

Aliás, faz parte da mentalidade do escravizador justificar os maus-tratos pela


inferiorização da capacidade de compreender e do comportamento desses seres
considerados primários.

O professor Mário Maestri define como “pedagogia da escravidão as


práticas empreendidas direta ou indiretamente pelos escravizadores para enquadrar,
condicionar e preparar o cativo à vida da escravidão”. Ou seja, para submetê-lo, de
forma mais plena e com menor esforço possível, a sua função de viver para produzir
a maior quantidade de bens, com menor gasto.

(...) Como nenhum interesse havia em ensinar ao cativo a língua portuguesa,


muitos a aprendiam precariamente; (...) A inserção nas atividades agrícolas não
merecia um treinamento específico, isso, devido à simplicidade delas, que podiam
ser realizadas por imitação, evidentemente sob a ameaça frequente do castigo físico.
Alguns deles, chamados negros ladinos, demonstravam maior facilidade em aprender
e eram encaminhados para a execução de ofícios como os de carreteiro, pedreiro,
charqueador, que exigiam maior habilidade e treino mais prolongado. Pouquíssimos
aprendiam a ler e escrever, embora houvesse os que conseguiam bons resultados.
Os escravos domésticos e os que residiam nas cidades eram os que se ocupavam de
atividades mais complexas, que exigiam treinamento mais intenso.

17 Aranha, Maria Lucia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e


Brasil. – 3.ed. – rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006 (p. 329-330),

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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Assim, comenta o professor Mário Maestri (...): “Em todos os momentos da
escravidão imperou inconteste a visão do castigo físico como recurso pedagógico
imprescindível ao aprendizado e à manutenção da qualidade do ato produtivo.
Pilar da visão de mundo das classes escravizadoras, a ideia de castigo físico justo,
como recurso pedagógico excelente, penetrou nas classes subalternizadas da época,
tornando-se, a seguir, uma das mais arraigadas visões pedagógicas informais da
civilização brasileira”.

Para refletir...

A mentalidade escravista não considerava a educação do negro como algo


positivo. Com base na leitura do texto, destaque elementos que reforcem
essa afirmação.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


48
REFERÊNCIAS

ARANHA, M.L. de A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil –


3. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Moderna, 2006.
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

CHAUÍ, M. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. – São Paulo: Ed.


Fundação Perseu Abramo, 2000.

FREITAG, B. Escola, Estado & sociedade. – 4 ed. rev. – São Paulo: Moraes,
1980. (Coleção educação universitária).

NOVAES, F.A. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial: (séculos


XVI-XVIII). – São Paulo: Brasiliense, 1998.

ROMANELLI, O. História da educação no Brasil. – 36. ed. – Petrópolis, RJ:


Vozes, 2010.

SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas:


Autores Associados, 2007.

XAVIER, M. E., RIBEIRO, M.L., NORONHA O.M. História da educação: a


escola no Brasil. – São Paulo: FTD, 1994. - (Coleção Aprender & Ensinar)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


3

CAPÍTULO

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO
PERÍODO IMPERIAL
1. O cenário social, político e econômico do Brasil Império

“São poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial durante o Império e a


1ª. República. A economia continuava sendo agroexportadora. Da monocultura
açucareira passava-se para a cafeeira. A força de trabalho escrava era parcialmente
substituída pela força de trabalho dos imigrantes, que vem ainda em maior escala
quando, no fim do Império, se passava ao regime de trabalho livre. Mas a estrutura
social de dominadores e dominados permanece, em sua composição básica, a
mesma” (FREITAG, 1980, p. 48, grifos nossos).

As palavras de Barbara Freitag citadas acima são emblemáticas para carac-


terizar o período imperial no Brasil, marcado pela mudança no regime político, de-
sencadeado pelo processo de Independência, que põe fim ao regime colonial, mas
que em muito pouco altera as relações econômicas e sociais que se produziram e se
mantiveram como herança da “cultura senhorial”.
Entretanto, mesmo não se alterando drasticamente a estrutura social oriunda
do modelo colonial agroexportador, é necessário reconhecer que o final do século
XVIII e início do século XIX introduzem mudanças importantes na organização da
sociedade brasileira. Do ponto de vista social, se percebe certa mobilidade, atribu-
ída, sobretudo, a atividade mineradora, que dinamizou a economia na colônia e
expandiu o mercado interno, produzindo uma camada intermediária, que pode-
ríamos chamar de uma pequena burguesia, que se dedica ao comércio, ao artesa-
nato, à burocracia, e se instala nos centros urbanos, tornando algo mais complexa
a estrutura social da colônia. Essa camada, vai se diferenciar da aristocracia agrária
e da massa de escravos e trabalhadores livres que compunham a rígida estrutura
social gerada nos primórdios da colonização. Além de uma participação mais ativa
do ponto de vista econômico, essa classe desempenhou importante papel político na
transição para o Brasil monárquico.
50
Aspirando aos ideais de liberdade vindos da Europa, indivíduos ligados ao
jornalismo, às letras, às artes e à política, tensionaram a relação da colônia com a
metrópole e lutaram pela emancipação política do Brasil, a exemplo dos movimen-
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tos de contestação que eclodem no período em toda a colônia, tendo como marco
a Revolução Mineira.
No entanto, a independência política foi precipitada pelo panorama da Euro-
pa que veio a ter consequências definitivas no processo de emancipação política do
Brasil. Em 1808, devido a conflitos entre a França de Napoleão e a Inglaterra, aliada
de Portugal, a sede do reino português, juntamente com a Família Real, transferiu-se
para o Brasil, elevando a colônia à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves.
Com a instalação da burocracia portuguesa no Brasil, as limitações e exigên-
cias mantidas pelo Pacto Colonial foram revogadas e medidas de modernização, fo-
ram imediatamente tomadas para adaptar o território colonial a instalação da corte.
Além de medidas administrativas, houve um incremento nas atividades culturais.
Dentre as principais medidas tomadas pelo príncipe D. João nesse sentido, podemos
citar: a abertura dos portos brasileiros para o livre comércio com as “nações amigas”;
revogação do alvará que proibia a instalação de manufaturas no Brasil; criação de
uma imprensa oficial (Imprensa Régia), até então proibida no Brasil; criação de mu-
seus, bibliotecas e academias voltadas para a formação cultural da elite local.
No que se refere à organização da educação, o quadro até então existente
remontava ao período das reformas pombalinas, com algumas poucas aulas régias,
além de algumas escolas primárias e médias remanescentes das ordens religiosas,
assim como os seminários episcopais, que respondiam pela formação do clero. Essa
situação demandou a criação de escolas, sobretudo em nível superior, para atender
as necessidades de profissionais qualificados para o exercício de funções demanda-
das pela burocracia estatal. Deste modo, as principais medidas tomadas por D. João
no que concerne a educação foram a criação de escolas de nível superior voltadas
para a formação de oficiais do exército e da marinha, destinados a defesa do territó-
rio, engenheiros militares e médicos, além de diversos cursos superiores avulsos de
economia, química e agricultura.
Nesse sentido, podemos afirmar que a principal mudança no quadro da or-
ganização educacional no Brasil, realizada pela presença da corte portuguesa foi a
criação dos primeiros cursos superiores não teológicos, com uma orien-
tação prático-profissional.
De acordo com Otaíza Romanelli, o significado da criação do ensino superior
no Brasil correspondia claramente à manutenção da estrutura de classe, existente
desde o período colonial, pois, de acordo com a autora:

“(...) o aspecto de maior relevância dessas iniciativas foi o fato de terem sido levadas
a cabo com o propósito exclusivo de proporcionar educação para uma elite aristo-
crática e nobre de que se compunha a corte. A preocupação exclusiva com a criação
do ensino superior e o abandono total em que ficaram os demais níveis de ensino
demonstram claramente esse objetivo, com o que se acentuou uma tradição – que
vinha da colônia – a tradição aristocrática” (ROMANELLI, 2010, p. 39).

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


51
Contraditoriamente, o afluxo de uma cultura de base européia e a ampliação
das oportunidades educacionais locais fez com que se ampliassem os anseios por
autonomia política, inspirados nas ideias liberais vindas da Europa. Esse movimen-
to foi expresso, sobretudo, pela pequena burguesia, que representava os interesses
locais contra a velha elite colonial, composta pelos grandes proprietários rurais e
pelos comerciantes portugueses, que drenavam as riquezas produzidas para fora e
aprofundavam a dependência econômica para com a Inglaterra.
No entanto, a independência política do Brasil não foi consequência apenas
dos eventos internos. O avanço do capitalismo em sua fase industrial na Europa su-
planta a forma mercantil e seus arranjos, tornando obsoletas as relações metrópole-
-colônia. Pressionado por esse contexto histórico e pelas pressões exercidas pela
Inglaterra, além dos conflitos internos entre os segmentos da aristocracia colonial e
da pequena burguesia, Portugal se vê compelido a abrir mão de seu império colonial
no Brasil. A proclamação da Independência, em 1822, formalizou o processo de
independência política do Brasil, mantendo, no entanto, a dependência econômica
em relação as potencias capitalistas européias, sobretudo a Inglaterra, e a manuten-
ção das relações sociais no âmbito interno, pois, de acordo com Romanelli (2010,p.
39), a independência política não passou de uma simples transferência de poderes
dentro da mesma classe.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

Faça uma pesquisa em livros de história e na internet e caracterize o período


imperial nos aspectos econômicos, políticos e sociais.

2. Educação Brasileira no Período Imperial

2.1. A legislação do ensino


2.1. A legislação do ensino 2.1. A legislação do ensino

a) Assembléia Constituinte de 1823 e a Constituição de 1824:


Alcançada a Independência política em 1822, urge a necessidade de conferir
uma estrutura político-administrativa ao novo Império. Como decorrência dessa ne-
cessidade, em 1823 foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte e Legislativa,
responsável por elaborar a 1ª constituição do Brasil. No que se refere à educação, o
desafio era a construção de um sistema nacional de instrução pública, segun-
do um plano comum, a ser implantado em todo o território nacional.
Nesse sentido, foram apresentados na Assembleia Constituinte dois projetos
“emergenciais” voltados para a instrução pública: o “Tratado de Educação para
a mocidade brasileira” e o “Projeto de Criação de Universidades”. Ambos
os projetos não chegaram a se concretizar, uma vez que a Assembleia Constituinte
foi dissolvida, no mesmo ano, pelo imperador D. Pedro I, que outorgou, em 25 de
março de 1824

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


52
a nossa 1ª. Constituição, que, em matéria de educação, limitava-se a afirmar
que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” e a conferir a liber-
dade de ensino, ficando sua regulamentação como objeto de legislação posterior.
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Com a reabertura do parlamento, em 1826, retomou-se a discussão acerca


da educação pública a partir do Projeto Januário da Cunha Barbosa que pre-
tendia regular toda a organização do ensino, distribuída em quatro graus: 1º grau
(pedagogias); 2º. Grau (Liceus); 3º grau (ginásios) e 4º Grau (academias) (SAVIANI,
2007, p. 124). No entanto, esse projeto não chegou a entrar em discussão, pois, ao
invés de um projeto abrangente e minucioso, o parlamento preferiu limitar-se a um
projeto direcionado a escola elementar.

b) Lei das Escolas de Primeiras Letras

Em 15 de outubro de 1827, o Parlamento aprovou uma lei que determinava


a criação de “Escolas de primeiras letras” e definia normas gerais para seu funcio-
namento. No seu artigo 1º, determina a criação de escolas de Primeiras Letras “em
todas as cidades, vilas e lugares mais populosos”. Esta, que é considerada a primei-
ra lei de educação do Brasil independente (SAVIANI, 2007,p. 126), previa os
conteúdos curriculares fundamentais da escola primária: leitura, escrita, gramática
da língua nacional, as quatro operações aritméticas e noções de geometria, excluin-
do do currículo básico da escola primária o ensino de ciências naturais e ciências
da sociedade (história e geografia). Institui, como método de ensino, o “Método
mútuo”, no sentido de suprir a escassez de professores, atribuindo aos alunos mais
adiantados e capazes a tarefa de transmitir aos colegas a instrução recebida pelo
professor, garantindo, com isso, acelerar a difusão do ensino atingindo rapidamente
e a baixo custo um grande contingente de alunos (SAVIANI, 2007, p. 128). Saviani
(2007, p. 128) apresenta uma descrição desse método de ensino e de seus objetivos:

“(...) o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-


-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no
ensino de classes numerosas. (...) os alunos guindados à posição de monitores eram
investidos de função docente. O método supunha regras predeterminadas, rigorosa
disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos
em um salão único e bem amplo. De uma das extremidades do salão, o mestre,
sentado em uma cadeira alta, supervisiona toda a escola, em especial, os monitores.
Avaliando continuamente o aproveitamento e o comportamento dos alunos, esse
método erigia a competição em princípio ativo do funcionamento da escola. Os
procedimentos didáticos tradicionais permanecem intocados”.

Esse método barateava os custos e conseguia impor uma rígida disciplina,


mas os resultados, em termos de aprendizagem, não eram os melhores, devido à
utilização de alunos como monitores, a formação deficiente dos professores e a falta
de espaços e materiais adequados.
Apesar do entusiasmo com a qual foi saudada a nova lei, que vinha a res-
ponder, com certo atraso, à necessidade imperiosa de garantir a instrução primária a
todos os cidadãos do Império, a mesma não viabilizou, de fato, a instalação de esco-
las elementares em todas as cidades, vilas e lugares populosos, assim como reduziu a

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


53
instrução pública obrigatória à educação primária, não dispondo sobre as condições
materiais para a sua implantação, o que fez com que a instrução pública elementar
fosse extremamente limitada, de modo que, no ano de 1867, apenas 10% da po-
pulação em idade escolar frequentava a escola primária (ARANHA, 2006, p. 223).

c) Ato Adicional de 1834

O Ato Adicional de 1834 ou Ato Adicional Diogo de Feijó foi uma emenda a
Constituição de 1824 que descentralizou a administração pública no país, repartin-
do responsabilidades entre o governo central e os governos provinciais. No que se
refere à educação, a principal consequência desse ato foi a transferência da compe-
tência relativa às escolas primárias e secundárias para os governos das províncias,
enquanto que o governo central se limitou a promover e regulamentar a educação
no município da Corte e a educação superior em todo o Império.
Os efeitos dessa legislação trouxeram consequências graves para a educação,
tornando mais crítica a situação da instrução primária no Brasil, pois, além de pro-
mover a descentralização, que consistiu na prática, na omissão do poder central em
relação a esse nível de ensino e sua maior precarização, ainda instituiu uma duali-
dade de sistemas, que reproduziu, em nível escolar, as mesmas condições sociais
dadas, na medida em que, o ensino superior, direcionado as camadas abastadas da
população, alcançara melhores condições de funcionamento, garantidas pelo poder
central, enquanto que a educação primária, para a qual afluíam as camadas popula-
res, sob responsabilidade das províncias, se torna cada vez mais precarizada. Quanto
à educação secundária, os Liceus mantidos nas capitais das províncias eram redutos
das elites, pois consistiam em meio de acesso ao ensino superior, sendo também
espaço de atuação da iniciativa privada.

d) Reforma Couto Ferraz

O Decreto n. 1.331-A de 17 de fevereiro de 1854, que aprovou o “Regula-


mento para a reforma do ensino primário no município da Corte” é mais uma de-
monstração dos efeitos contraditórios da política educacional no período imperial.
Isto porque, tendo como destaque a instrução primária, mas tratando também da
educação secundária, do ensino particular e da formação de professores, sua ênfase
recai sobre o caráter de regulação exercido pelo poder público em matéria de edu-
cação.
Embora em consonância com a descentralização administrativa instituída
pelo Ato Adicional de 1834 e se restringindo ao município da corte, a Reforma Cou-
to Ferraz contém normas alusivas a jurisdição das províncias. De acordo com Savia-
ni (2007), fica claro que o Regulamento de 1854 buscava, por meio da atuação da
inspetoria geral de ensino, atingir a organização da instrução pública provincial, além
do efeito-demonstração e do caráter de “modelo” que a legislação do município da
corte, de responsabilidade do poder central, exercia em relação às províncias.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


54
Esse caráter centralizador exercido pelo poder central no que se refere a regu-
lação e inspeção do ensino nas províncias, se percebe por meio da ação do inspetor
geral ao qual se encontram hierarquicamente subordinado os delegados de distrito,
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

conforme pode ser percebido no art. 3º do Regulamento, que dispõe sobre as atri-
buições do inspetor geral:

“Coordenar mapas de informações que os Presidentes das Províncias remetem anu-


almente ao governo sobre a instrução primária e secundária, e apresentar um relató-
rio consubstanciado do progresso comparativo neste ramo entre as diversas
províncias e o município da Corte” (SAVIANI, 2007, p. 131).

Deste modo, percebe-se a atuação contraditória do governo central no que se


refere à descentralização da oferta de educação no nível primário e secundário, e a
centralização no que se refere ao controle e regulação do ensino em todos os níveis.
Essa é uma característica que vai marcar a política educacional ao longo da história
da educação, alcançando os nossos dias.
O Regimento de 1854 estabelece o princípio da obrigatoriedade do en-
sino elementar, fixando multas aos pais ou responsáveis por crianças maiores de 7
anos que não tivessem acesso a escola primária, e reforçava o princípio da gratuida-
de. Entretanto, vetava o acesso de escravos ao ensino público, os quais “não serão
admitidos à matrícula, não poderão frequentar a escola” (REGIMENTO, § 3º., art.
69, apud, SAVIANI, 2007, p. 132), originando desde então uma desigualdade que
não foi superada nem pela abolição da escravatura e que determinou, entre outros
indicadores dessa desigualdade, a maior incidência de analfabetismo e baixa escola-
rização entre a população negra e parda, com todas as consequências nefastas para
a participação desses indivíduos na sociedade.

e) Reforma Leôncio de Carvalho

O Decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, conhecido como Reforma Leôn-


cio de Carvalho, teve como objetivo reformar o ensino primário, secundário e supe-
rior no município da corte. Refletindo uma inspiração liberal, o Decreto teve como
ponto central a questão da liberdade de ensino, conforme assinala em seu artigo 1º:
“é completamente livre o ensino primário e secundário no município da corte e o
superior em todo o Império, salva a inspeção necessária para garantir as condições
de moralidade e higiene” (SAVIANI, 2007, p. 136).
Percebe-se claramente nessa legislação a dialética entre centralização/descen-
tralização no que se refere a atuação do poder central em matéria de educação,
na medida em que, resguarda a distribuição de responsabilidades instituída pelo
Ato Adicional de 1834, mas mantém a função de inspeção e regulação do ensino.
Também antecipa uma das problemáticas centrais da educação brasileira, que vai
marcar, de forma mais intensiva, os debates acerca da educação no período republi-
cano - o tema da liberdade de ensino -, que vai opor liberais – favoráveis ao ensino
livre – e conservadores, partidários do ensino confessional, sob a liderança da Igreja
Católica, com o interesse de resguardar sua influência ideológica no campo da edu-
cação.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


55
O tema da liberdade de ensino também vai incidir sobre a liberação da inicia-
tiva privada no âmbito do ensino secundário e superior, pois, as escolas particulares
eram de fato cerceadas pelas escolas oficiais, na medida em que elas eram obrigadas
a seguir uma série de normas para se equipararem aos estabelecimentos oficiais, que
tinham legitimidade na concessão de diplomas, embora a Constituição de 1824 já
garantisse a “liberdade de ensinar” a qualquer cidadão capaz e idôneo.
Outra inovação trazida pela Reforma de Leôncio de Carvalho foi a adoção
do Método Intuitivo em substituição ao Método Mútuo, consagrado no Decreto de
1827. Conhecido como lições de coisas, foi concebido com o intuito de resolver o
problema da ineficiência do ensino, considerando que “a chave para desencadear a
pretendida renovação é a adoção de um novo método de ensino: concreto, racional
e ativo, denominado ensino pelo aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo” (VAL-
DEMARIN, 2004, p.104, apud SAVIANI, 2007, p. 139). Já se percebe na adoção
desse método a tentativa de substituir a pedagogia tradicional – baseada na repeti-
ção, na disciplina e no esforço - pela pedagogia moderna, mais pautada na atividade
e em metodologias concretas, que desenvolvem a intuição e a percepção do aluno,
que alcançará a hegemonia no discurso dos educadores na década de 1920, com o
movimento Escolanovista.
A Reforma Leôncio de Carvalho, considerada o último dispositivo legal
da política educacional do Império, reafirma o caráter de obrigatoriedade do
ensino dos 7 aos 14 anos, regulamenta o funcionamento das Escolas Normais, fixan-
do seu currículo, equipara os estabelecimentos particulares (Escolas Normais e Es-
colas Secundárias) aos oficiais, prevê a criação de jardins de infância para crianças
dos 3 aos 7 anos e elimina a proibição de frequência de escravos à escola, em con-
sonância com o movimento abolicionista e as ideias republicanas já em voga no final
do século XIX. O que não significa que os obstáculos à educação dos ex-escravos
tivessem sido removidos de fato, já que, em nosso país nem todas as leis “pegam”.

2.2. Organização do Ensino


a) Ensino Primário;

Como já assinalamos acima, a Constituição de 1824 garantia a instrução


primária a todos os cidadãos do Império. Entretanto, apesar do forte apelo à impor-
tância da educação no contexto de um discurso salvacionista e civilizatório, ao gosto
do pensamento moderno da época, pouco foi feito no que se refere à extensão da
educação primária, que correspondia ao nível de ensino destinado as classes po-
pulares. Do discurso à prática, foram poucas as iniciativas no governo imperial no
sentido de concretizar o disposto na constituição, o que marcava os limites dentro
dos quais se colocou a questão da educação popular em nosso país, movido pela es-
trutura de classe que excluía grandes contingentes da população do acesso a escola.
Além disso, a instrução primária no período imperial assumiu um caráter
meramente elementar. Além do conteúdo, limitado ao ensino de leitura, escrita, as
quatro operações, noções gerais de geometria, gramática portuguesa e a doutrina
católica, o método de ensino utilizado, - O Método Mútuo ou Lancasteriano - fez
com que a qualidade do ensino fosse demasiadamente incipiente, devido a escassez

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


56
de professores, que eram substituídos por monitores, e pela falta de iniciativa do
Estado quanto a formação dos mesmos, que deveria se dar “à custa de seus ordena-
dos”, estipulado de acordo com a “carestia dos lugares” pelos governos provinciais,
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também responsáveis pela sua nomeação após “exames públicos”. (Xavier, Ribeiro,
Noronha, 1994, p. 65).
Percebe-se, portanto, em relação à educação primária, “a desmotivação do
estado agroexportador e escravocrata em garantir as condições mínimas para o fun-
cionamento da escola pública” (Xavier, Ribeiro, Noronha, 1994, p. 65), traduzida no
descaso com relação a esse nível de ensino, agravado também pela falta de recursos,
por um sistema de tributação precário, para custear a construção e manutenção de
escolas, formação e remuneração de professores. Esse descaso foi agravado com a
aprovação do Ato Adicional de 1834 que transferiu para as províncias a competên-
cia para criar e manter as escolas de primeiras letras (ensino elementar), o ensino
secundário e a formação de professores. Diante desde quadro, Xavier, Ribeiro e
Noronha concluem que: “A instrução popular parecia desnecessária e, por isso, não
se atribuía função relevante a escola pública elementar. Daí a sua extensão ‘a todos
os cidadãos do Império’ não ter saído do texto da lei, senão para o discurso dema-
gógico” (Op. cit., 1994, p. 65).

b) Ensino Secundário

Diferentemente da situação do ensino primário, o ensino secundário gozava


de certo prestígio no âmbito da estrutura social do Império, devido ao mesmo ter se
consagrado como nível de ensino intermediário para o acesso a formação em nível
superior, sendo reduto das elites e recebendo do poder público e da iniciativa priva-
da a devida atenção.
O poder público descura do ensino elementar, que para a classe média e alta,
continua a ser efetuado na família (por meio de preceptores), cria Liceus provinciais,
em números limitados, bem montados e localizados nas capitais das províncias mais
importantes e que acolhiam a “nata” das sociedades locais. Para o restante da popu-
lação que pudesse pagar proliferam as escolas secundárias particulares.
Nessas escolas buscava-se a preparação para o ingresso no ensino superior,
cujo acesso era controlado através de exames preparatórios. Os alunos egressos
do Colégio Pedro II18 (localizado na corte) eram dispensados desses exames, motivo
pelo qual o currículo do Colégio Pedro II se instituiu como modelo oficial e passou
a ser seguido pelos demais estabelecimentos de ensino secundário, tanto públicos
quanto privados.
O ensino secundário consagrou-se como uma etapa preparatória para o in-
gresso no ensino superior, tendo seu currículo fortemente influenciado pelas exigên-
cias dos exames preparatórios, constituídos dos conteúdos básicos dos cursos supe-
riores. Deste modo, é em função do ensino superior que vai se estruturar o currículo
do ensino secundário, adquirindo um caráter meramente propedêutico.

18 Destinado a formar a elite intelectual e a servir de padrão de ensino para os demais liceus do
país, o Colégio Pedro II era o único autorizado a realizar exames parcelados para conferir grau de
bacharel, exigência para o ingresso nos cursos superiores.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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O ensino secundário consagrou-se como uma etapa preparatória para o in-
gresso no ensino superior, tendo seu currículo fortemente influenciado pelas exi-
gências dos exames preparatórios, constituídos dos conteúdos básicos dos cursos
superiores. Deste modo, é em função do ensino superior que vai se estruturar o
currículo do ensino secundário, adquirindo um caráter meramente propedêutico.
Eram, portanto, os parâmetros do ensino superior que determinavam a escolha das
disciplinas do ensino secundário, por meio de um currículo predominantemente in-
formativo e enciclopédico, erudito e verbalista, que os Liceus provinciais e as escolas
particulares se limitavam a seguir.
Deste modo, o ensino secundário no Brasil Império constituiu-se como lócus
de reprodução da dualidade educacional, própria do sistema de ensino capitalis-
ta, onde, se reproduz a divisão social do trabalho (Trabalho Manual X Trabalho in-
telectual), pelo acesso das diferentes classes sociais aos diversos níveis de ensino. No
caso, os filhos das elites urbanas e rurais tinham acesso ao ensino secundário com o
qual poderiam galgar o ensino superior, onde se dava a preparação para o exercício
das funções intelectuais, enquanto que a maioria da população se limitava, quando
muito, a instrução primária. Também se percebe esboçado neste nível de ensino uma
segunda característica própria da escola capitalista, a seletividade, dado que o en-
sino secundário se constitui, ao mesmo tempo, como modelo de formação das elites
e como um espaço da iniciativa privada, destinado a quem pudesse pagar por ele.

c) Ensino Profissionalizante/Normal

No contexto da estrutura social baseada na economia agroexportadora, du-


rante muito tempo não houve lugar para a formação profissional. Em primeiro lugar,
por razões de ordem prática, já que as atividades produtivas eram bem simples e não
necessitavam de um preparo formal da mão-de-obra (essencialmente escrava) e em
segundo lugar, porque em nossa cultura, de tradição aristocrática, se desprezava as
atividades manuais, consideradas degradantes e inferiores.
Por esse motivo, durante muitos séculos a educação profissional foi relegada
a iniciativa das missões jesuíticas e de outras ordens religiosas que aqui se instala-
ram, que organizaram oficinas para a formação de artífices. No entanto, o ensino
profissional só foi tratado com atenção pelo Estado a partir do século XIX, quando
D. João cria, em 1809, o Colégio das Fábricas, destinado para ensinar ofícios aos
órfãos que aqui chegaram com a família real e aprendiam com os artífices vindos de
Portugal (ARANHA, 2006, p. 228). O ensino profissional era ministrado diretamente
no local de trabalho e não havia uma preocupação com a instrução dos aprendizes.
Em meados do século XIX, a população marginal se avolumava nas cida-
des, atraída pela urbanização promovida pela expansão das atividades econômicas
(comerciais e industriais), que, no entanto, não eram suficientes para absorver todo
o contingente de mão-de-obra disponível. Portanto, a educação profissional foi um
importante instrumento de contenção e integração das camadas populares, por meio
de uma instrução mínima, de caráter profissionalizante.
Nesse sentido, como o Estado se desinteressava da educação popular, pri-
vilegiando a formação das elites para o exercício de profissões liberais, a formação

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


58
para o trabalho manual era considerada como um antídoto contra a vadiagem, com
caráter disciplinar, destinado a desocupados e miseráveis, que muitas vezes eram
obrigados a ingressar nas escolas, ou como uma medida assistencialista, destinada
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

aos órfãos e “desvalidos”19.


Com este intuito, entre 1840 e 1856, foram criadas as “Casas de Educandos
Artífices” em dez províncias, sendo o estabelecimento de maior destaque nesse sen-
tido, o Asilo dos Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro, posteriormente trans-
formado em Escola Profissional Masculina. Outros exemplos de estabelecimentos de
ensino profissional que proliferaram no país por iniciativa de grupos privados e com
o apoio do governo foram os Liceus de Artes e Ofícios, criados no Rio de Janeiro
(1858), em Salvador (1872) e em São Paulo (1882), totalizando oito estabelecimen-
tos em todo o país (ARANHA, 2006, p. 229).
Acompanhando o descaso do poder público para com a educação primária,
a formação de professores para essas escolas, obtida por meio das Escolas Nor-
mais, se deu de forma limitada e irregular durante o período imperial e até meados
do regime republicano. De acordo com Saviani (2009), as iniciativas para a forma-
ção de professores observadas no período, compreendem duas fases da história da
formação de professores no Brasil:
a) 1827-1890: que se inicia com o dispositivo da Lei das Escolas de Pri-
meiras Letras, que obrigava os professores a se instruir no método do ensino mútuo,
às próprias expensas; e estende-se até 1890, quando prevalece o modelo das Esco-
las Normais.
b) 1890-1932. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Nor-
mais, cujo marco inicial é a reforma paulista da Escola Normal.

Deste modo, a criação de escolas normais passa a ser o padrão adotado para
a formação de professores das escolas primárias. A primeira iniciativa nesse sentido
foi a criação da Escola Normal de Niterói (1835), a primeira escola normal do
país, seguido pelas escolas normais da Bahia, 1836; Mato Grosso, 1842; São Paulo,
1846; Piauí, 1864; Rio Grande do Sul, 1869; Paraná e Sergipe, 1870; Espírito Santo
e Rio Grande do Norte, 1873; Paraíba, 1879; Rio de Janeiro (DF) e Santa Catarina,
1880; Goiás, 1884; Ceará, 1885; Maranhão, 1890. De acordo com Saviani (2009)
essas escolas tiveram existência intermitente, sendo fechadas e reabertas periodica-
mente.

Muito embora se enfatizasse a necessidade da instrução dos professores no


método mútuo, de fato, essas escolas, descuram da questão didático-pedagógica e
se voltam para os conteúdos a serem ministrados na educação primária. Portanto, o
currículo das escolas normais era constituído pelas mesmas matérias ensinadas nas
escolas de primeiras letras, pressupondo que o domínio desses conteúdos garantiria
a formação adequada dos professores, em detrimento da formação didático-peda-
gógica.
19 Os “meninos desvalidos” tinham idade entre 6 e 12 anos, que viviam em estado de pobreza
e mendicância. Eram encaminhados pelas autoridades policiais ao Asilo, onde recebiam instrução
primária e aprendiam ofícios de tipografia, encadernação, alfaiataria, carpintaria, marcenaria, funila-
ria, ferraria, serralharia, courearia e sapataria (Luis Antonio Cunha, apud, ARANHA, 2006, p. 234)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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Em termos de paradigmas de formação, Saviani (2009), caracteriza esse per-
fil de formação como Modelo dos conteúdos culturais-cognitivos, onde a formação
do professor se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da
área de conhecimento correspondente à disciplina que irá lecionar.
Diversos fatores, dentre os quais o reduzido contingente de professores for-
mados nas Escolas Normais, a qualidade insuficiente da formação e a desvaloriza-
ção da profissão docente, fez com que a maioria das escolas criadas a partir de 1830,
deixassem de funcionar.
Esses estabelecimentos receberam diversas críticas, dentre elas do próprio
Couto Ferraz, quando o mesmo foi ministro da instrução pública do Império, alegan-
do que as mesmas eram muito onerosas, ineficientes qualitativamente e insignifican-
tes quantitativamente (SAVIANI, 2009, p. 144).
Portanto, o modelo das Escolas Normais no Brasil só veio se consolidar a
partir da reforma da instrução pública do Estado de São Paulo, em 1890. Segundo
a visão dos reformadores, “sem professores bem preparados, praticamente instru-
ídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às
necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz” (São Paulo,
1890, apud SAVIANI, 2009, p. 145). E mestres assim qualificados “só poderão sair
de escolas normais organizadas em condições de prepará-los” (Reis Filho, 1995, p.
44, apud SAVIANI, 2009, p. 145).
Entretanto, para atingir esses objetivos, a reforma paulista propôs uma revi-
são do plano de estudos das escolas normais, tendo em vista a “carência do preparo
prático dos alunos” (São Paulo, 1890, apud SAVIANI, 2009, p. 145). Para tanto, a
reforma propôs o enriquecimento dos conteúdos curriculares anteriores e a ênfase
nos exercícios práticos de ensino, cuja marca característica foi a criação da escola-
-modelo anexa à Escola Normal. Para Saviani (2009, p.145):

Assumindo os custos de sua instalação e centralizando o preparo dos novos profes-


sores nos exercícios práticos, os reformadores estavam assumindo o entendimento
de que, sem assegurar de forma deliberada e sistemática por meio da organização
curricular a preparação pedagógico-didática, não se estaria, em sentido próprio,
formando professores.

A partir do modelo empreendido pela reforma paulista, as escolas normais


voltam a proliferar em todo o país, e o padrão das escolas normais tendeu a se firmar
como modelo de formação de professores para o ensino elementar, permanecendo
até a década de 1930.
Contudo, não se traduziu em avanços muito significativos, trazendo ainda a
marca da força do padrão até então dominante, centrado na preocupação com o
domínio dos conhecimentos a serem transmitidos.
d) Ensino superior

Como a realidade econômica, política e social no Brasil após a Independên-


cia não sofrera profundas transformações, conforme já discutimos acima, a instrução
popular parecia desnecessária, por isso a escola pública elementar não se concreti-
zou. O mesmo não ocorreu com o Ensino Superior, considerado como uma necessi

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


60
dade urgente para a formação de pessoal para compor os quadros políticos, técnicos
e administrativos do Império
O ensino superior sempre atraiu os filhos das elites, interessados em obter
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

mais um mecanismo de distinção social que era conferido pelo diploma de bacharel,
que frequentemente era obtido na Europa, nas faculdades de Coimbra e Évora, já
que durante o período colonial, a criação de Universidades foi proibida no Brasil –
diferentemente da América Espanhola - e a concessão de diplomas era monopólio
da Coroa. D. João, quando da vinda da Família Real para o Brasil, cria os primeiros
cursos superiores não teológicos, ligados a necessidade de formação de profissionais
para atuarem na defesa militar e na burocracia do Estado.
Em 1825, já no período imperial, implantam-se os primeiros cursos jurídicos,
seguidos de cursos de Medicina e Engenharia e as escolas isoladas de ensino supe-
rior se espalham por todo o Império. Visto que, pelo Ato Adicional de 1834, esse
nível de ensino foi legalmente definido como competência do governo central e não
faltou recursos para expandi-lo. No ideário nacional, o ensino superior era bus-
cado como forma de ascensão social.
No entanto, ciente de sua importância para a formação da elite intelectual do
país, o governo central exercia o Monopólio da concessão de diplomas, de modo
que, somente os diplomas obtidos em cursos superiores estatais tinham validade jurí-
dica nacional. Para os egressos de cursos superiores particulares exigiam-se exames
de equivalência. Cabe lembrar que, durante todo período imperial, o ensino supe-
rior mantém a forma de faculdades isoladas, sem que houvesse interesse na criação
de Universidades, que só surgirão no século XX.
Os cursos de Direito eram os que mais atraiam a preferência dos jovens,
percebendo-se, a partir da segunda metade do século XIX, uma significativa expan-
são desses cursos, pois, além do prestígio social, conferiam a formação profissional
adequada ao exercício de funções políticas, burocráticas, ao jornalismo e a própria
atividade jurídica, consideradas funções de destaque, à época.
Desde modo, percebe-se que o ensino superior constituiu-se em mais um
mecanismo de reprodução das relações sociais vigentes, na medida em que:

“(...) a especial atenção dada ao ensino superior reforçava o caráter elitista e aris-
tocrático da educação brasileira, que privilegiava o acesso aos nobres, aos proprie-
tários de terra e a uma camada intermediária, surgida da ampliação dos quadros
administrativos e burocráticos” (ARANHA, 2006, p. 226).

Além disso, a ênfase dada ao ensino superior revela a que de fato se des-
tinava a educação brasileira, como mecanismo de reprodução e conservação das
relações sociais vigentes, uma vez que não se questionou seriamente a necessidade
ou a finalidade do mesmo em um país destituído de educação elementar.

CONCLUINDO...
O período imperial marca um momento importante na história da educação
brasileira devido à maior atuação do Estado no âmbito da política educacional, pois,
conforme assinala Freitag (1980), até então, a educação era um domínio restrito as

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


61
iniciativas da sociedade civil, encabeçada pela Igreja Católica. No entanto, mesmo
tratada como matéria de Estado, o governo imperial não irá romper com o caráter
extremamente elitista da educação brasileira, que irá permanecer como traço predo-
minante das medidas de política educacional no período.
Como consequência, a organização do sistema de ensino baseada nessa con-
cepção de educação como um mecanismo de reprodução e conservação das rela-
ções sociais, produziu um quadro de precariedade e exclusão educacional, sobretu-
do, àquela destinada as classes populares, o que resultou, em 1890, em uma taxa
de analfabetismo próxima dos 70% da população, aprofundou a dualidade entre os
sistemas de ensino primário e secundário/superior, entre a formação para o trabalho
manual e a formação intelectual, aprofundando o abismo existente entre as classes
sociais.
Como resultado prático deste quadro construído ao longo do período monár-
quico, temos: poucas escolas primárias (em 1888, 250.000 alunos para uma popula-
ção de 14 milhões de habitantes), liceus provinciais, em cada capital da província e
colégios particulares em algumas cidades, alguns cursos normais, os Liceus de Artes
e Ofícios e mais alguns cursos superiores, que não atendiam a demanda da popu-
lação por educação, mas tinham um formidável efeito ideológico, de manter sob
controle as camadas populares, acomodando os conflitos, e reproduzindo a cultura
aristocrática que irá caracterizar a sociedade brasileira ao longo de mais de quatro
séculos, que Fernando de Azevedo caracterizará como uma cultura antidemocrática.
“Essa educação de tipo aristocrático, destinada antes à preparação de uma
elite do que à educação do povo, desenvolveu-se no Império, seguindo sem desvio
sensível, as linhas de sua evolução, fortemente marcadas pelas tradições intelectuais
do país, pelo regime da economia patriarcal e pelo ideal correspondente de homem
e de cidadão. (...) (AZEVEDO, Fernando. A Cultura Brasileira; introdução ao estudo
da cultura no Brasil).

ATIVIDADES AVALIATIVAS:
1. Descreva a organização do sistema de ensino no período monárquico,
destacando os aspectos principais da legislação educacional e as características dos
níveis de ensino (primário, secundário, profissional e superior).

2. Analise as políticas de formação de professores no período imperial,


estabelecendo uma relação com o ensino primário.

3. Com base na leitura do texto “A população negra na história da edu-


cação brasileira” (http://www.ie.ufmt.br/semiedu2009/gts/gt15/ComunicacaoOral/
CANDIDA%20SOARES%20DA%20COSTA.pdf) faça uma análise da situação dez
escolarização dos negros, indígenas e mestiços na sociedade imperial.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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TEXTOS COMPLEMENTARES
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

1. Como passar na peneira

Os filhos de famílias com recursos, que podiam aspirar a uma educação superior,
iniciavam a formação com tutores particulares, passavam depois por um Liceu, se-
minário ou, preferencialmente, pelo Pedro II, e afinal iam para a Europa ou esco-
lhiam entre as quatro escolas de direito e medicina. As quatro cobravam anuidade
e os cursos duravam de cinco anos (direito) a seis anos (medicina). Um estudante
típico entraria numa dessas escolas na idade de 16 anos e se formaria entre 21 e
22 anos. Outra alternativa para os ricos era a Escola Naval, sucessora da Academia
Real de 1808, onde, apesar da gratuidade do ensino, era mantido o recrutamento
seletivo baseado em mecanismos discriminatórios, o mais importante dos quais era
a exigência de custosos enxovais.

De modo geral, os alunos das escolas de direito provinham de famílias de recursos.


As duas escolas cobravam taxas de matrícula (no primeiro ano de funcionamento
foi de 51$200 réis). Além disso, os alunos que não eram de São Paulo ou do Recife
tinham que se deslocar para essas cidades e manter-se lá por cinco anos. Muitos,
para garantir a admissão, faziam cursos preparatórios ou pagavam repetidores parti-
culares. Eram obstáculos sérios para alunos pobres, embora alguns deles conseguis-
sem passar pelo peneiramento. Menciona-se, por exemplo, a presença de estudantes
de cor já nos primeiros anos da Escola de São Paulo, aos quais, por sinal, um dos
professores se recusava a cumprimentar, alegando que negro não podia ser doutor
.
As pessoas de menos recursos podiam completar a educação secundária nos semi-
nários ou em escolas públicas. A partir daí a escolha poderia ser os seminários maio-
res, para uma carreira eclesiástica, a Escola Militar, sucessora da Academia de 1810,
para uma carreira no exército, a Politécnica e a Escola de Minas, para uma carreira
técnica. A Escola de Minas dava bolsas para os alunos pobres e a Escola Militar pa-
gava pequenos soldos aos alunos.

(CARVALHO, J. Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial,


apud, Xavier, Ribeiro, Noronha, 1994, p. 78-79).

2. Para que Escolas Normais?


De uma só Escola Normal terei de me ocupar, pois nenhuma outra existe nas pro-
víncias por mim visitadas. É a da Bahia, cuja criação dada de 14 de abril de 1836.
Não sei que prevenção há entre nós contra essas escolas, mesmo por parte daqueles
que nenhum outro meio descobrem para se ter bons professores – reputando pelo
menos inútil mandar os filhos da Província estudar fora dela, ou contratar professo-
res normais. O que é, porém certo é que todas as províncias que percorri, não sei de
exemplo algum, não digo de uma boa Escola Normal, mas que fosse oportunamente
montada e convenientemente favorecida.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


63

Essa escola é para alunos de ambos os sexos; tem três cadeiras – a primeira, de mé-
todo, mútuo e simultâneo com leituras da obra do barão Gerando; - a segunda, de
Gramática Filosófica com análise dos clássicos; - a terceira, de aritmética, desenho
linear e caligrafia. O curso é de dois anos, mas lecionando-se um dia aos homens e,
no outro, as senhoras, fica de fato reduzido a um somente. O professor de método
repete no segundo ano as matérias que ensina no primeiro; o de Gramática divide-a
para fazer o curso em dois anos; o terceiro professor dá em um ano aritmética e no
outro caligrafia e desenho.

As matérias são insuficientes por que falta, pelo menos, música, desenho, princípios
de geometria, de geografia, de história do Brasil, a história sagrada, - a Religião, que
não se ensina, e assim, também em todo ou em parte o que os alemães chamam
didática, metódica e pedagogia.

(Antonio G. Dias. “Instrução pública em diversas províncias no norte, 29/07/1852”


apud, Xavier, Ribeiro, Noronha, 1994, p. 79)

Para Refletir...

Atividade

1. Com base na leitura dos textos acima, elabore um texto relacionando


as características da sociedade brasileira no período imperial com a organização
dos sistemas de ensino primário, secundário e superior e a formação de professores
quanto à função que cada um desempenha no bojo dessa sociedade.

2. Conforme percebemos no texto 1, a mentalidade escravocrata man-


tinha sérios limites a educação do negro, mesmo em relação aos não escravos, pois
consideravam os mesmos uma “raça” inferior. Pesquise na internet as principais teo-
rias que reforçam essa concepção e faça uma análise crítica das mesmas.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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REFERÊNCIAS
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

ARANHA, M.L. de A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil –


3. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Moderna, 2006.

FREITAG, B. Escola, Estado & sociedade. – 4 ed. rev. – São Paulo: Moraes,
1980. (Coleção educação universitária).

ROMANELLI, O. História da educação no Brasil. – 36. ed. – Petrópolis, RJ:


Vozes, 2010.

SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. Campinas:


Autores Associados, 2007.

SAVIANI. D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do


problema no contexto brasileiro In Revista Brasileira de Educação v, 14, n. 40,
jan/abr. 2009.

XAVIER, M. E., RIBEIRO, M.L., NORONHA O.M. História da educação: a esco-


la no Brasil. – São Paulo: FTD, 1994. - (Coleção Aprender & Ensinar)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


4

CAPÍTULO

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA 1ª
REPÚBLICA (1889-1930)
4. Rumo a uma sociedade urbano-industrial

A queda da monarquia em 1889, precipitada pelo desgaste da sociedade


escravista e aristocrática, mediante a nova configuração do capitalismo em sua fase
monopolista, impôs transformações que irão caracterizar as primeiras décadas do
regime republicano, então adotado, como um período de transição entre o modelo
agroexportador e o modelo urbano-industrial que se consolidará a partir da década
de 1930.
Este período da história do Brasil, que se estende de 1889 a 1930, geralmen-
te denominado Primeira República, República Velha, República Oligárqui-
ca20 , República dos Coronéis21 ou República do Café, é caracterizado pela
transição do regime político sem a necessária correspondência quanto à alteração
das relações sociais herdadas do período anterior, pois, o poder político continua
concentrado nas mãos dos grandes latifundiários – agora representados pelos ca-
feicultores paulistas e pecuaristas mineiros – e pela elite rural tradicional, da qual se
originam os “coronéis”, que conservam o ranço das relações políticas herdadas do
Império.
Do ponto de vista econômico, o país permanece com uma economia de
base agrícola, voltada para o mercado externo, sustentada por um novo produto de
grande interesse para a exportação – o café. Embora o trabalho escravo tenha sido
formalmente abolido em 1888 e substituído pela força de trabalho livre do imigrante,
as relações de trabalho no campo ainda se pautavam pelo caráter simples da produ-
ção e pela estratificação social entre senhores e trabalhadores. Socialmente, a popu-
lação ainda era basicamente composta de uma elite, derivada da aristocracia rural e
segmentos médios, e por uma massa que agregava trabalhadores rurais, imigrantes,
ex-escravos, pequenos comerciantes e uma nova parcela de trabalhadores urbanos.

20 Oligarquia significa “governo de poucos”, indicando que a escolha dos governantes não é
propriamente democrática, mas controlada por uma elite.
21 Os coronéis, título da antiga Guarda Nacional, geralmente concedido a grandes proprietários
rurais com base local de poder, foram muito poderosos no início do regime republicano, sobretudo no
Nordeste, controlando, por meio do “voto de cabresto” obtido em seus “currais eleitorais”, o resultado
das eleições, garantindo a vitória de seus candidatos.
66
Entretanto, o início do século XX também introduz mudanças importantes,
como reflexo da expansão das atividades econômicas de base urbana, que irão pro-
porcionar um surto de industrialização e a nacionalização da economia, sobretudo
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

após a 1ª Guerra Mundial, com a redução das importações e substituição de alguns


produtos estrangeiros industrializados por produtos locais, o que vai impulsionar o
desenvolvimento da indústria nacional. Esse momento também irá fomentar o cres
cimento de outras atividades urbanas, como o comércio, ampliar a infra-estrutura
das cidades, por meio de obras públicas situadas nos grandes centros, expansão das
redes de transportes e telecomunicações, culminado com o surgimento de novas
classes sociais: a burguesia industrial e o operariado urbano.

A partir da leitura do texto acima, como você caracterizaria a


economia e a sociedade brasileira no período republicano,
destacando os elementos de transição entre o modelo
agroexportador e a sociedade urbano-industrial?

*** *** ***


No entanto, o pacto político firmado entre o novo segmento das elites agrá-
rias (cafeicultores) e setores tradicionais, reforçado pela ala do exército que partici-
pou do “movimento” republicano, no sentido de garantir a manutenção do poder
político após o advento do novo regime, conservou o tom excludente do modelo
político implantado após a proclamação da república, consagrado por meio da Polí-
tica dos Governadores, pelo qual o sistema eleitoral republicano era corrompido
no sentido de garantir os interesses da oligarquia cafeeira, por meio de mecanismos
que garantiam a vitória eleitoral dos seus candidatos, sem necessariamente contar
com uma base popular de representação.
Apesar da adoção do regime republicano, que previa eleições livres, por con-
ta desse pacto, ficavam excluídos da participação no poder político segmentos da
burguesia industrial, segmentos médios urbanos, profissionais liberais, intelectuais
e uma ala inferior do exército - conhecidos como tenentes – o que irá gerar insatis-
fações que culminarão, no final da década de 1920, com a quebra do pacto oligár-
quico.
Os setores populares também serão alijados da participação política, pois
além de todos os mecanismos que garantiam as eleições dos candidatos represen-
tantes da oligarquia rural – voto de cabresto, fraude eleitoral, “degola”, dentre outros
-, a reforma eleitoral proposta pela constituição republicana de 1891 eliminou o di-
reito de voto atrelado ao critério de renda (voto censitário), mas manteve a restrição
quanto ao voto do analfabeto.
Este dispositivo, mesmo inspirado em ideias progressistas e em outros sis-
temas políticos de base democrática, no caso do Brasil, serviu para restringir ainda
mais o direito a participação política, pois, considerando que o ensino elementar não
se concretizou e que o contingente de analfabetos beirava aos 80% da população,
a introdução desse novo critério afasta a possibilidade de participação política de
frações ascendentes das camadas médias urbanas, ligadas ao comércio e atividades
industriais, dos trabalhadores rurais e do operariado urbano.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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Essa situação aprofundou o desinteresse do poder público pela expansão do
sistema escolar, sobretudo voltado para a escolarização primária. Soma-se a isso a
ausência de um sistema nacional de educação, já que, desde o período imperial se
consagrou a descentralização das atribuições das diferentes esferas de governo, no
que se refere aos diferentes níveis educacionais, o que fortaleceu a educação da elite,
por meio da expansão do ensino superior, de responsabilidade do poder central, e
precarização da educação elementar, destinada as camadas populares e de respon-
sabilidade das províncias.
A constituição republicana de 1891 manteve a descentralização do ensino,
demonstrando que o regime republicano não assumiu a instrução pública como uma
questão nacional, de responsabilidade do governo central. Ao estipular que cabe ao
Congresso Nacional “criar instituições secundárias e de ensino superior nos Estados”
(art. 35, inciso 3º) e “prover a instrução secundária no Distrito Federal” (inciso 4º),
delegava aos Estados competência para legislar e prover o ensino primário.
Deste modo, Saviani (2007, p.170) aponta que: “(...) embora a linha geral
dos debates do final do Império apontasse na direção da construção de um sistema
nacional de ensino colocando-se a instrução pública, com destaque para as escolas
primárias, sob a égide do governo central, o advento do regime republicano não
corroborou essa expectativa”.
Além disso, a adoção do federalismo que consagrava a autonomia dos
estados corroborava a tradicional divisão de competências entre os entes federa-
dos, justificando a inércia do poder central em matéria de educação fora do seu raio
de competência, sob o argumento de não ferir a autonomia dos poderes locais. De
acordo com Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 105) este modelo produziu como
consequência “a perpetuação da precariedade da escola primária, tanto do ponto de
vista de sua qualidade, como de sua expansão. Consolidava, ainda, a extrema dis-
paridade dessa espécie de atendimento escolar nas várias regiões do país, presente
durante todo o período Imperial”.

5. Embates ideológicos em torno da educação

As primeiras décadas do século XX vão acirrar o debate de ideias acerca da


educação e da atuação do Estado neste âmbito. Uma das correntes de pensamen-
to que irá inspirar esse debate é o Liberalismo22 , concepção que defende que a
educação deve ser livre, pública e gratuita, ou seja, propugna a liberdade de ensino
e a responsabilidade do Estado pela instrução dos cidadãos, inclusive daqueles que
por ela não puderem pagar. Nesse sentido, advoga a extensão universal da edu-
cação, a cargo do Estado, considerada grande instrumento de participação política.

22 Liberalismo é um sistema de ideias elaborado por pensadores ingleses e franceses no contexto


das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia, na transição do feudalismo para o capitalismo
(século XVIII e XIX). Apesar de ser uma corrente de pensamento heterogênea, defende a igualdade
entre os homens, a quebra dos privilégios de nascimento, credo ou classe, a livre iniciativa, a demo-
cracia e o direito de propriedade. Defende que a educação não deve ser um privilégio das elites, mas
deve estar a serviço do indivíduo, no desenvolvimento de suas potencialidades e talentos. Também
deve ser livre e provida pelo Estado (pública, gratuita e laica), pois não deve estar a serviço de quem
possui tempo e dinheiro e nem servir de instrumento propagador de ideologias aristocráticas.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


68
Esta concepção de inspiração liberal trouxe consequências de cunho político,
no sentido da transformação, pela escola, dos indivíduos ignorantes em cidadãos
esclarecidos, com condições de exercer a participação política. Esta ideia esteve na
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base do “Entusiasmo pela Educação”, movimento que colocou em debate a


expansão da escolarização no país.
Em que pese o recorrente desinteresse do governo em expandir a educação
pública, sobretudo a escola elementar, a conjuntura do início do século XX se mos-
trou favorável para a criação de expectativas na população quanto às oportunidades
educacionais, gerando uma demanda que partiu dos setores médios, que viam na
educação uma via de ascensão social.
Além desse interesse pela expansão das oportunidades educacionais, inte-
lectuais imbuídos do espírito de mudança encampado pela república, levantaram o
debate sobre os “grandes temas nacionais”, no sentido de modernizar o país. Um
desses temas foi a educação popular, manifesto no problema do analfabetismo. Este
movimento, originário dos segmentos intelectuais que deram suporte a proclamação
da república, reivindicava a desanalfabetização do povo, imbuídos da ideia de
que os problemas do país só poderiam ser resolvidos com a extensão da escola ele-
mentar a toda a população.
O “Entusiasmo pela Educação” foi um movimento que eclodiu nos primeiros
anos da república reivindicando mudanças quantitativas, no sentido da expansão
da escola elementar ao povo, com a preocupação de combater o analfabetismo. No
entanto, a política oligárquica que se instaurou após a proclamação da república,
arrefeceu a discussão dos “grandes temas nacionais” que ficaram em segundo plano,
frente aos interesses dos grupos que ocuparam o poder político.
Após a 1ª. Guerra Mundial, a expansão da industrialização e da urbanização,
fez com que os setores médios e intelectuais retomassem o movimento, agora por
ação da sociedade civil, no sentido de retomar a questão do analfabetismo. De acor-
do com Ghiraldelli Jr. (1994):

O entusiasmo pela educação dos anos 10 caminhou através de entidades da socie-


dade civil e foi fomentado por intelectuais ligados às parcelas da nascente burguesia
e das classes médias urbanas não direta e exclusivamente vinculadas ao governo
(GHIRALDELLI JR. p. 18).

A principal iniciativa desse movimento foi a criação das “Ligas contra o anal-
fabetismo”, que se multiplicaram pelo país entre os anos 1910 e 1920. De acordo
com Ghiraldelli Jr (1994), essas ligas viam na expansão da escolarização e na desa-
nalfabetização do povo um instrumento político de combate ao pacto oligárquico,
no sentido de possibilitar o aumento do contingente eleitoral, na medida em que
o analfabetismo contribuía para a perpetuação das oligarquias no governo e que,
portanto, a alfabetização serviria como instrumento para as transformações pela via
político-eleitoral e assim, afrontar a política oligárquica.
Por conta desse movimento e das iniciativas governamentais, observou-se
um avanço da escolarização no decorrer da Primeira República. Dados apontados
por Romanelli (2010) evidenciam esse fenômeno a partir dos anos 1920, onde se
percebe o crescimento da demanda social por educação, por meio da conversão da

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


69
demanda potencial (população) em contingente de demanda efetiva (matrículas),
concretizando a expansão da oferta de educação, e a relação entre crescimento da
população (122%) e o crescimento da matrícula (291%). Dados compilados pela
autora demonstram em números essa expansão:

Essa significativa expansão da matrícula a partir dos anos 1920, fez com que
as preocupações em torno da educação se direcionassem em outro sentido, o que
ocasionou o surgimento de outro movimento voltado para as questões qualitativas e
de cunho pedagógico – o “Otimismo Pedagógico”- que marcará profunda influ-
ência sobre o pensamento educacional brasileiro ao longo do século XX.
Tal movimento, encampado pelos chamados “profissionais da educação”,
também possuía uma inspiração tipicamente liberal, pois advogava a expansão da
escola pública, gratuita e laica, contudo, suas reivindicações ultrapassavam o caráter
meramente quantitativo e adentravam ao âmbito pedagógico. Inspirado no ideário
pedagógico da Escola Nova23 centrava suas preocupações na reorganização interna
das escolas e no redirecionamento dos padrões didáticos e pedagógicos. O “Oti-
mismo Pedagógico” influenciou toda uma geração de educadores brasileiros, como
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme, Lourenço Filho, Francisco
Campos, dentre outros, que implementaram importantes reformas nos sistemas es-
taduais de ensino ao longo da década de 1920.
Além disso, fundaram a Associação Brasileira de Educação, em 1924, que,
por meio das Conferencias Nacionais de Educação, tem o mérito de retirar do Con-
gresso Nacional o monopólio das discussões sobre os rumos da política educacional.
O ápice desse movimento, que suplanta o “Entusiasmo pela Educação” se deu na
década de 1930, quando da organização da IV Conferência Nacional de Educação,
quando é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932,
onde propunham as bases para a reformulação da política educacional no país, fun-
dada nos princípios liberais e pedagógicos da Escola Nova.
Ainda no âmbito dos embates ideológicos acerca da educação, não podemos
deixar de citar a influência da Igreja Católica, cujas concepções iam de encontro ao
pensamento liberal. Defensores da pedagogia tradicional, os católicos combatiam a
adoção de métodos novos e se aproximavam de grupos com concepções políticas
conservadoras, que se articularam para fundar na década de 1930 a Ação Integralis-
ta Brasileira (AIB), de inspiração fascista.

23 Movimento pedagógico inspirado nas ideias de John Dewey, que é difundido no Brasil a
partir dos anos 1920. Contrapõe-se a Pedagogia Tradicional, enfatiza os “métodos ativos” de ensino-
-aprendizagem, a liberdade da criança, interesse do educando, a centralidade da criança no processo
de aprendizagem e a educação como instrumento para a construção de uma sociedade democrática.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


70
O principal foco de conflito entre católicos e liberais se dava no âmbito da
questão da educação laica, obrigatória e gratuita, e da liberdade de ensino, que,
segundo os católicos conservadores, retiravam da família o direito de educar seus
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

filhos, conforme suas convicções e crenças. Na verdade, defendiam os interesses de


grupos privados que se beneficiavam com a liberdade de ensino, além de conserva-
rem a difusão da ideologia católica por meio da educação. Na verdade, o ideário pe-
dagógico proposto pelos liberais era mais adequado a uma sociedade laica, urbana
e industrial, contra a qual vão se insurgir os grupos conservadores.
Tecendo uma análise acerca dos conflitos pedagógicos na Primeira Repúbli-
ca, Ghiraldelli Jr (1994, p. 41), esclarece:

De um lado estavam as diversas facções conservadoras, e até mesmo reacionárias,


muitas delas expressamente ligadas a Igreja Católica ou às organizações semifacis-
tas, e que desaprovavam alterações qualitativas modernizantes nas escolas, e muito
menos concordavam com a democratização das oportunidades educacionais a toda
a população. De outro lado, estavam os grupos influenciados pelos chamados “pro-
fissionais da educação”, que desejavam mudanças qualitativas e quantitativas na
rede de ensino público.

Como você viu, o “Entusiasmo pela Educação” e o “Otimismo


Pedagógico” foram movimentos ideológicos paralelos em torno
da educação na I República. Faça uma comparação entre ambos.

6. As reformas do ensino

A organização do ensino herdada do Império, conforme já assinalamos, con-


servava o teor excludente, próprio de uma sociedade aristocrática, que privilegiava a
educação das elites em detrimento da educação do povo, o que vai contra os ideais
democráticos que emergem da República.
Para efeito de ilustração de como se configurava a rede escolar no início da
Primeira República, nos valemos de uma descrição da situação da época, sob a ótica
do prof. Paschoal Lemme:
A organização do ensino herdada do Império, conforme já assinalamos, con-
servava o teor excludente, próprio de uma sociedade aristocrática, que privilegiava a
educação das elites em detrimento da educação do povo, o que vai contra os ideais
democráticos que emergem da República.
Para efeito de ilustração de como se configurava a rede escolar no início da
Primeira República, nos valemos de uma descrição da situação da época, sob a ótica
do prof. Paschoal Lemme:
As poucas escolas públicas existentes nas cidades eram frequentadas pelos filhos das
famílias de classe média. Os ricos contratavam preceptores, geralmente estrangeiros,
que ministravam aos filhos o ensino em casa, ou os mandavam a alguns poucos
colégios particulares, leigos ou religiosos, funcionando nas principais capitais, em
regime de internato ou semi-internato (...). Em todo o vasto interior do país havia

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


71
algumas precárias escolinhas rurais, em cuja maioria trabalhavam professores sem
qualquer formação profissional, que atendiam as populações dispersas em imen-
sas áreas: eram substitutas das antigas aulas, instituídas pelas reformas pombalinas,
após a expulsão dos jesuítas, 1763 (apud GHIRALDELLI JR., 1994, p. 27).

Sobre essa situação, Romanelli (2010, p, 42), comenta:

Era, portanto, a consagração de um sistema dual de ensino, que se vinha mantendo


desde o Império. Era também uma forma de oficialização da distância que se mos-
trava, na prática, entre a educação da classe dominante (escolas secundárias, acadê-
micas e superiores) e a educação do povo (escola primária e profissional). Refletia
essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da organização
social brasileira.

Até a década de 1930, a república irá enfrentar o problema da educação de


forma isolada, valendo-se do princípio do federalismo e com poucas iniciativas efeti-
vas, decorrentes do poder central, sobretudo no que concerne a educação primária,
pois, conforme já comentamos, a Constituição de 1891 conserva a dualidade de
sistemas, na medida em que estabelece um critério de distribuição de competências
entre o poder central, responsável pelo ensino superior, e os poderes locais, respon-
sáveis pela educação primária e secundária. No entanto, as reformas dos sistemas
de ensino estaduais irão promover algumas inovações importantes no âmbito da
organização de seus sistemas de ensino.
Em nível central, o ponto fundamental das principais reformas do sistema de
ensino incide sobre a problemática da centralização (oficialização) e descentralização
(desoficialização) do ensino, dada, sobretudo, pelos conflitos entre a concepção libe-
ral e a corrente conservadora em torno da liberdade de ensino e do dever do Estado
para com a educação.
A primeira reforma desse período, implementada por Benjamim Constant,
em 1891, não se centrou na questão da centralização/descentralização do ensino,
mas sobre a organização curricular das escolas, sobretudo, do ensino secundário,
no sentido da modernização do ensino. Propôs a substituição do tradicional cur-
rículo, humanista e literário, por um currículo enciclopédico, com a introdução de
disciplinas cientificas e com uma organização seriada. Além disso, criou o Ministério
da Instrução, Correios e Telégrafos (1890), que foi extinto em 1892. De acordo com
Ghiraldelli Jr. (1994, p. 27): “Tal reforma não se efetivou na prática, e suas intenções
foram sufocadas com a extinção do Ministério da Instrução e com o arrefecimento
do entusiasmo pela educação em 1894”.
Dando sequência ao movimento de reformas, temos o Código Epitácio Pes-
soa, de 1901, cujo mote é a desoficialização do sistema de ensino, retificando o
princípio da liberdade de ensino, em nome do qual equiparou as escolas privadas
secundárias e superiores às oficiais, mediante rigorosa inspeção dos currículos e abo-
lindo a liberdade de frequência (SAVIANI, 2007). A Reforma Rivadávia Correia,
de 1911, reforça ainda mais a liberdade de ensino e a desoficialização, através da
concessão de plena autonomia didática e administrativa aos estabelecimentos não
oficiais, suspendendo o monopólio estatal na concessão de diplomas e títulos, “tiran-
do do Estado o controle sobre a aquisição de privilégios ocupacionais e, portanto, de

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


72
privilégios político-sociais” (XAVIER, RIBEIRO E NORONHA, 1994, p. 111).
Diante das consequências desastrosas da política de desoficialização do ensi-
no, que comprometeu a qualidade do ensino e seu valor social, uma nova reforma,
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

a de Carlos Maximiliano (1915) reoficializou o ensino, mantendo a equiparação com


estabelecimentos oficiais mediante inspeção, e introduziu os exames vestibulares,
realizados pelas próprias faculdades, podendo se submeter a ele somente alunos
portadores de diploma de ensino secundário, o que dificultou sensivelmente o aces-
so ao ensino superior, reforçando os privilégios da escolaridade.
A Reforma João Luis Alves/Rocha Vaz, de 1925, fecha o ciclo de reformas
do período, reforçando os mecanismos de controle instituídos pela Reforma Carlos
Maximiliano, no sentido de barrar as iniciativas excessivamente modernizadoras do
ensino, evidenciadas ao longo da década de 1920. Assim, sua principal medida foi
a introdução do regime seriado no ensino secundário, com frequência obrigatória,
e o alargamento das funções normativas e fiscalizadoras da União (NAGLE, 1974,
apud SAVIANI, 2007, p. 170). Além disso, a Reforma de 1925 fixou os currículos
das escolas superiores e aperfeiçoou o exame vestibular, implantando um sistema
de aprovação classificatória, com número limitado de vagas, como uma tentativa de
resgatar, pela restrição do acesso, seu valor social (XAVIER, RIBEIRO E NORONHA,
1994, p. 112). Instituiu, pela primeira vez, a Instrução Moral e Cívica como matéria
obrigatória das escolas primárias e secundárias.
De acordo com a análise de Romanelli (2010) sobre as reformas do primeiro
período republicano, a autora aponta que: “Todas essas reformas, porém, não pas-
saram de tentativas frustradas e, mesmo quando aplicadas, representaram o pensa-
mento isolado e desordenado dos comandos políticos, que estavam muito longe de
se comparar a uma política nacional de educação (ROMANELLI, 2010, p. 44).
As reformas instituídas pelo poder central foram inócuas e pouco alterou a es-
trutura dos sistemas de ensino, enquanto as reformas implementadas no âmbito dos
estados lograram efeitos bastante evidentes e duradouros. O principal exemplo foi a
reforma do sistema de ensino do estado de São Paulo, que não somente adotou uma
nova forma de organização da educação primária, com o advento dos grupos esco-
lares, como serviu de modelo para as reformas de outros sistemas estaduais no país.
Um primeiro aspecto da reforma paulista, já destacado no capítulo anterior,
foi a reformulação da escola normal, com a implantação de escolas-modelo anexas.
Essas escolas serviriam como órgão de demonstração metodológica do que era en-
sinado aos alunos no curso normal.
Em 1892, é instituída a reforma geral da instrução pública paulista, cujo foco
se concentrava na escola primária, cuja grande inovação foi a instituição dos gru-
pos escolares, que vieram a substituir as antigas escolas de primeiras letras. Saviani
(2007) aponta que os grupos escolares se originaram da reunião das escolas de
primeiras letras, substituindo sua estrutura fragmentada e não-seriada, por uma or-
ganização seriada, que em muito se assemelha ao modelo de organização adotado
ainda nos dias de hoje. De acordo com a descrição do autor, podemos compreender
como se estruturou essa nova forma de organização da escola primária:

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


73
Cada grupo escolar tinha um diretor e tantos professores quantas escolas (classes)
tivessem sido reunidas para compô-lo. Na verdade, essas escolas isoladas, uma vez
reunidas, deram origem, no interior dos grupos escolares, às classes que, por sua
vez, correspondiam às séries anuais. Portanto, as escolas isoladas eram não-seria-
das, ao passo que os grupos escolares eram seriados. Por isso, esses grupos eram
também chamados de escolas graduadas, uma vez que o agrupamento dos alunos
se dava de acordo com o grau ou série em que se situavam, o que implica uma
progressividade da aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da
primeira à segunda série e desta à terceira, até concluir a última série (o quarto ano
no caso da instrução pública paulista) com o que concluíam o ensino primário (SA-
VIANI, 2007, p. 172).

Além disso, a reforma paulista instituiu o método intuitivo como orientação


pedagógica, tanto na formação dos professores quanto nos grupos escolares. O mo-
delo dos grupos escolares foi se disseminando pelo país ao longo dos anos 1900. No
estado do Maranhão, por exemplo, os grupos escolares foram implantados em 1903,
em São Luis, estendendo-se aos demais municípios em 1905 (MOTTA, 2006, apud
SAVIANI, 2007, p. 174).
A análise de Saviani (2007) sobre os grupos escolares aponta que: “Trata-se
de um modelo que foi sendo disseminado por todo o país, tendo conformado a or-
ganização pedagógica da escola elementar que se encontra em vigência, atualmente,
nas quatro primeiras séries do que hoje se denomina ensino fundamental” (p. 175).
Em termos pedagógicos, se configurou como uma proposta mais eficiente de divisão
do trabalho escolar, ao formar classes com alunos do mesmo nível de aprendizagem,
o que, por um lado, possibilitava melhor rendimento escolar, mas, por outro, condu-
zia a mecanismos de seleção e exigência escolar mais refinados, o que impunha bar-
reiras a continuidade do processo de escolarização, acarretando acentuado aumento
da repetência. Segundo Ghiraldelli Jr. (1994), em que pese essa iniciativa de inovar
quanto à organização do ensino primário, no estado de São Paulo, no ano de 1920,
a escola primária atendia apenas 28% da população escolarizável, o que reforça a
análise de Saviani (2007) acerca dessa escola: “No fundo, era uma escola mais efi-
ciente para o objetivo de seleção e formação das elites. A questão da educação das
massas populares ainda não se colocava” (SAVIANI, 2007, p. 175).
Nos anos de 1920, intensificou-se o contingente de reformas dos sistemas
estaduais de ensino, iniciando-se com a Reforma Sampaio Dória, de São Paulo, que
em 1920, instituiu a primeira etapa (dois primeiros anos) da escola primária obri-
gatória e gratuita, com o objetivo de universalizar a alfabetização das crianças em
idade escolar. Além da reforma paulista, outras reformas estaduais foram realizadas
no período, como: no Ceará, em 1922, implementada por Lourenço Filho; na Bahia,
em 1925, com Anísio Teixeira, em Minas Gerais, em 1927, por Francisco Campos;
no Distrito Federal, em 1928, por Fernando de Azevedo, dentre outras.
As reformas estaduais dos anos 1920 promoveram a ampliação das escolas,
o aparelhamento técnico-administrativo, a melhoria das condições de funcionamen-
to dos estabelecimentos, a reformulação curricular, a profissionalização do magisté-
rio e a reorientação das práticas de ensino, e também foram importantes indutoras
no ideário escolanovista (SAVIANI, 2007).

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


74
CONCLUINDO...
A 1ª República reflete as contradições de uma sociedade em transição, ca-
racterística da passagem do período de predominância do modelo agroexportador
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

(colônia e império) para a sociedade urbano-industrial, que se consolidará a partir


da década de 1930.
Essas contradições se refletem na forma de organização da sociedade que,
embora já apresente características distintas, ainda se depara com a herança da
sociedade aristocrática, que conserva os privilégios associados ao poder econômico
como forma de exercício do poder político, mesmo em se tratando de um regime
republicano, que se percebe por meio da articulação do pacto oligárquico.
No que se refere a educação, pouco foi alterado em matéria da estrutura e
organização do sistema de ensino existente desde o período imperial, mantendo-se,
por força da Constituição de 1891, a descentralização quanto a educação primária, a
cargo dos Estados, reforçada pelo princípio do federalismo. A educação secundária e
superior continua sendo um privilégio reservado as elites, visto que a reformas insti-
tuídas no período reforçam os mecanismos de seleção social quanto ao ingresso nes-
ses níveis de ensino. A organização do ensino primário, por meio dos grupos escola-
res, adquire uma forma mais orgânica pela adoção da seriação, possibilitando maior
eficiência no processo de aprendizagem, no entanto, os mecanismos de seleção e
as exigências mais rigorosas para a permanência nesse nível de ensino afastaram o
efetivo contingente das classes populares. Entretanto, se percebe alguns avanços no
ponto de vista quantitativo no que se refere a expansão da oferta de ensino.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


75
Os debates em torno da educação como questão nacional, suscitados no
início do século, expressam a contradição entre o pensamento conservador, apre-
sentado pela Igreja Católica, segmentos simpatizantes da “liberdade de ensino” e
defensores da pedagogia tradicional, identificados a mentalidade aristocrática, e o
pensamento liberal, que defende a expansão da educação pública, gratuita e laica,
como instrumento de modernização da nação e de democratização da sociedade,
identificados com o ideário republicano, ligado a sociedade industrial. Esses en-
frentamentos culminarão na década de 1930, onde o pensamento liberal assume a
hegemonia em termos políticos e pedagógicos no Brasil.

ATIVIDADES:

1. Identifique as características da organização do sistema do ensino bra-


sileiro instituídas no regime republicano.

2. Em que pese o discurso liberal acerca da importância da educação em


uma sociedade democrática, analise por que a instrução pública elementar perma-
neceu limitada nos anos iniciais da república, atingindo apenas, uma média de 25%
da população.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


76
REFERÊNCIAS

GHIRALDELLI JR. P. História da educação. – 2. ed. rev. - São Paulo: Corte,


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

1994.

ROMANELLI, O. História da educação no Brasil. – 36. ed. – Petrópolis, RJ:


Vozes, 2010.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas:


Autores Associados, 2007.

XAVIER, M. E., RIBEIRO, M.L., NORONHA O.M. História da educação: a esco-


la no Brasil. – São Paulo: FTD, 1994. - (Coleção Aprender & Ensinar)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


5

EDUCAÇÃO E LIBERALISMO NO BRASIL DE 1930 A


CAPÍTULO
1- A Revolução de 1930 e a Educação

1960
No Brasil, até 1930, a educação do povo não constituiu objeto de preocupa-
ção dos governantes, apesar de haver sido criado no início da Primeira República
um organismo destinado a tratar da questão – o Ministério da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos. Tal situação está em consonância com o quadro econômico e
político do país, caracterizado por uma economia agro-exportadora, baseada em um
modelo político, caracterizado pelo autoritarismo e consubstanciado na democracia
formal viabilizada pelo “coronelismo”, o qual, por sua vez, possibilitava o desenvol-
vimento de um conjunto de relações que culminavam com o predomínio de interes-
ses particularistas no seio do aparelho de estado.
Assim, durante toda a Primeira República não se verificam ações efetivas
em matéria de educação popular, entretanto, os interesses das elites em matéria de
educação foram contemplados através da implantação de alguns cursos superiores.
A década de trinta, com todas as transformações que a caracterizaram, trou-
xe mudanças também na educação, que passa a ser considerada como condição
para que o país possa realizar as tarefas demandadas por seu processo de desenvol-
vimento.
É justo considerar a década de 1930 como um marco na história do Brasil e
na história da educação brasileira, pois nela se inicia o conjunto dos rompimentos
que constituirão a chamada “revolução brasileira”, responsável pela implantação e
consolidação do capitalismo no país (Lanni, 1978), processo no qual a educação vai
desempenhar papel relevante, como veremos.
A “crise do café” representou o estopim que determinou a queda de toda a
estrutura sócio-econômica baseada no modelo agro-exportador e que, até então,
tinha beneficiado as oligarquias rurais, sob a tutela do Estado. As transformações
econômicas e sociais da época – crescimento do eleitorado urbano, melhoria dos
meios de comunicação entre a zona urbana e a zona rural, início do processo de
industrialização oportunizado pela Primeira Guerra Mundial, com utilização de mão-
78
de-obra imigrante de tendências anarquistas – são alguns dos fatores que
concorrem para a corrosão do pacto coronelista, possibilitando a formação da Alian-
ça Liberal24 , que aglutina os segmentos insatisfeitos da classe dominante, com o
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

apoio das classes populares urbanas, num conjunto de forças heterogêneas que de-
terminará um estilo conciliatório de governo, caracterizado por uma política de com-
promissos que não contempla os diferentes interesses em jogo (Cunha, 1991).
No interior do grupo revolucionário distinguem-se duas correntes principais:
• Os que desejavam apenas uma troca de pessoas no poder (militares
superiores, parcela dos plantadores de café e parte da elite de oposição que visava a
conquista do poder).
• Os que se propunham a lutar por mudanças mais profundas (os “Te-
nentes”, os intelectuais desiludidos e as massas populares). (Romanelli, 1991).
A meta da industrialização oferece o elemento unificador que cimenta os
diferentes interesses representados na Aliança Liberal. Um modelo centralizador e
intervencionista de política econômica articula-se a uma ideologia nacionalista para
efetuar as transformações necessárias à consolidação da etapa de substituição de
importações que vai se iniciar com a produção de bens de consumo não duráveis,
baseada em capitais extensivos com participação equilibrada de capitais nacionais
e estrangeiros.
O período que vai de 1930 a 1937 caracteriza-se por uma tendência de-
mocratizante, quando as camadas dominantes acatam as demandas das camadas
médias por liberdade de organização, representação e expressão, como forma de
alcançar a paz social por meio de reformas. Ocorrem nesse período movimentos so-
ciais de orientações diversas, tais como a Revolução Constitucionalista em S. Paulo,
a Intentona Comunista no Rio Grande do Norte e a Aliança Integralista de coloração
fascista, com alcance nacional.
Com a instalação do Governo Provisório, cria-se o Ministério da Educação e
Saúde, tendo à frente Francisco Campos, que, através de uma série de decretos se
propõe a efetuar uma reforma que proporcione organicidade ao sistema de ensino,
cuja estrutura, até então fragmentária e desarticulada, ressentia-se da ausência de
uma política nacional.
O contexto da época proporciona a discussão da questão educacional, uma
vez que estava em gestação um novo modelo de desenvolvimento e de sociedade
que, em muitos aspectos se contrapunha à velha sociedade oligárquica. O caráter
heterogêneo da Aliança Liberal determinava a ausência de um corpo doutrinário
definido, estimulando a eclosão de lutas ideológicas no interior do bloco no poder.
No que diz respeito à educação, a polarização se dá entre os representantes da nova
ordem que se deseja implantar – os chamados Pioneiros da Educação Nova – e os
grupos ainda ligados à velha sociedade em extinção, que ficaram conhecidos como
a Ala Católica. Os primeiros, organizados na Associação Brasileira de Educação,

24 Coligação oposicionista de âmbito nacional formada no início de agosto de 1929 por iniciativa
de líderes políticos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul com o objetivo de apoiar as candidaturas
de Getúlio Vargas e João Pessoa respectivamente à presidência e vice-presidência da República nas
eleições de 1º de março de 1930.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


79
fundada em 1924, defendem fundamentalmente os princípios liberais democráticos
consubstanciados na doutrina do escolanovismo, enquanto que os católicos, reuni-
dos na Liga Eleitoral Católica, propugnam pela manutenção dos valores morais e es-
pirituais da nacionalidade, a partir de uma visão dogmática e fechada da realidade.
A perspectiva da elaboração de uma nova Constituição para o país é o
elemento catalisador do confronto que então se desenrola. Por ocasião da IV Con-
ferência Nacional de Educação, realizada em 1931, Getúlio Vargas solicita dos edu-
cadores que examinem o problema da educação brasileira e apresentem proposta
de política educacional para o país que o Governo se compromete a adotar. O
documento, elaborado por Fernando de Azevedo, dá origem ao famoso Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova, dirigido ao povo e ao governo, publicado em
1932. Nesse mesmo ano, por ocasião da V Conferência Nacional de Educação, os
participantes apresentam um Ante-Projeto para o capítulo da Educação a ser
encaminhado à Assembléia Nacional Constituinte e um esboço do Plano Nacional
de Educação. Os três documentos expressam as convicções do grupo de educa-
dores novos sobre a forma como deveria ser estruturada a educação nacional para
responder às demandas do desenvolvimento do país.
A publicação do Manifesto deu origem ao embate ideológico que Célio da
Cunha (1981) chama de A Grande Polêmica entre católicos e liberais em torno da
inclusão dos princípios defendidos por cada um dos grupos na Constituição de 1934.
A estratégia adotada pela Igreja Católica se dá em duas frentes: numa dimen-
são mais imediata, através do apoio aos constituintes que se comprometessem com
a defesa de seu programa mínimo, e, numa dimensão mais ampla, através de um
processo de cristianização das elites para o combate ao ateísmo e ao anticlericalis-
mo.25
A separação entre o Estado e a Igreja, promovida pela República, impulsio-
nou uma maior participação dos católicos nos problemas do país. Entretanto, em-
bora alguns defendessem a evangelização do Brasil de baixo para cima, essas vozes
não foram ouvidas, optando a Igreja pela formação de uma elite católica em seus
colégios, a fim de difundir seus princípios entre os setores mais importantes da vida
brasileira. Com esse objetivo, criou-se a revista A Ordem (1921) e o Centro D. Vital
(1922). Ambos desempenharam papel relevante nos debates em torno da questão
educacional (Cunha, 1991).

25 Anti-clericalismo é um movimento histórico que se caracteriza por condenar a influência do-


minante de instituições religiosas, especialmente do clero da Igreja Católica (padres e bispos), sobre
aspectos sociais e políticos da vida pública. Sua atitude denota uma crítica à instituição eclesiástica
e à hierarquia católica em geral, o que não implica necessariamente em anti-cristianismo, ou seja, o
sujeito pode ser anticlerical e cristão. O anti-clericalismo propugna pela separação e não interferência
entre as esferas do poder religioso e do civil. O ativista anticlerical critica a ação política das institui-
ções religiosas.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


80

2 – Ideologias em disputa: católicos e liberais


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

A ideologia católica se caracterizava por um nacionalismo radical. Acredita-


vam em dogmas nacionais, fruto de uma realidade nacional. A ideia de Nação en-
globa um passado comum, tradições, crenças, valores e mitos, figuras e fatos vene-
ráveis, que estariam ameaçados pelo protestantismo, pela maçonaria, pelo judaísmo
e pelo capitalismo internacional, cabendo à Igreja, como “depositária da lei divina,
guardiã da lei natural e reguladora da lei positiva” (Cury, s.d.) zelar pela sua manu-
tenção – fora da Igreja não há salvação.
No conflito que ora examinamos, a Igreja se sente ameaçada pelo laicismo26
contido na proposta dos Pioneiros, pois, no seu entendimento, a base da sociedade
é a religião, e a religião cristã, de fundo católico.
Para a Igreja, “...o objeto principal dessa sociedade não é satisfazer as aspi-
rações terrenas da ambição humana, mas sim, estabelecer as relações entre a Cria-
tura e o Criador. A Igreja, atuando indiretamente na sociedade terrena, produzirá
cidadãos cumpridores dos seus deveres, honestos, justos, onde as classes sociais se
regrarão pela caridade e compreensão, harmonizando-se entre si.” (CURY, 1985:45)
Como forma de prevenção a um possível Estado socialista, a Igreja propunha
a sustentação do Estado nos grupos considerados “células naturais da Nação” – fa-
mília, profissão, Igreja. Nesse sentido, a sociedade é um organismo moral que não
é constituído de indivíduos, mas de famílias. Portanto, os direitos da família devem
sobrepor-se ao interesse geral e os conflitos serão resolvidos pelo Estado, como or-
ganismo jurídico dos povos, sob a autoridade maior da lei eterna – a sociedade e o
poder das nações vêm de Deus.
O pensamento católico é completamente marcado por essa ideia de hierar-
quia e por posições dogmáticas e inquestionáveis. Essa hierarquia origina-se na te-
oria da criação do homem por Deus, o que tornaria todos os homens iguais em
essência, sendo as diferenças contingenciais explicadas por fatores secundários que
não alterariam a sua natureza, portanto:
“A harmonia e o equilíbrio social resulta do respeito a esses princípios de ordem, e
da obediência à finalidade comum a toda a sociedade, que é o aperfeiçoamento
espiritual, moral e material de todos os cidadãos.” (Cury, 1985:48)

26 O laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado e Igreja,
assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Não deve ser confundido com ateísmo de
Estado. Os valores principais do laicismo são a liberdade de consciência, a igualdade entre cidadãos
em matéria religiosa e a origem humana e democraticamente estabelecida das leis do Estado.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


81
A encíclica27 Divini Illius Magistri do Papa Pio XI, publicada em 1929, sinte-
tiza o pensamento da Igreja Católica em matéria de Educação e serve de base para
o clero brasileiro nos seus posicionamentos frente à problemática educacional do
momento, fornecendo os argumentos que serão largamente difundidos na defesa
dos seus objetivos.
A partir desses pressupostos, a Igreja vai envidar todos os esforços para re-
cuperar a posição que ocupara no Estado brasileiro antes do advento da República
quando era a religião oficial do país. Ataca o laicismo liberal, responsabilizando-o
pelo desvirtuamento da educação da juventude brasileira, pois sem religião não exis-
te educação verdadeiramente completa, integral e eficiente. Apóia-se na preeminên-
cia da família sobre o Estado e na tradição católica do povo brasileiro para defender
a introdução do ensino religioso nas escolas.
Os objetivos da Igreja são claros e consistem em “recristianizar a nação através
dos ensinamentos da Igreja e assegurar o reconhecimento do poder eclesiástico”(Cury,
op. cit. p. 51.) Daí a necessidade de participação da Igreja no poder civil, através de
um acordo ou de uma união oficial que lhe permita

“... a reintrodução do ensino religioso nas escolas, a assistência religiosa aos quadros
militares, a subvenção oficial através de verbas e a atuação no meio operário. Com
isso, pretendia-se um novo encontro dos valores da sociedade capitalista com os
valores religiosos, a princípio sem os vestígios da influencia maçônica positivista e
depois contra o perigo de uma revolução socialista.” (Idem, ibidem)

O ensino religioso torna-se então o pomo da discórdia entre os dois grupos,


sendo os liberais acusados de comunistas, materialistas e ateus. Tais acusações, de
cunho nitidamente ideológico, visavam muito mais o ataque a posições politicamen-
te divergentes do que a defesa estrita de princípios espirituais.
Na realidade, os Pioneiros representavam o pensamento liberal em educa-
ção, podendo ser identificados entre eles três linhas de pensamento: o Positivismo
(Comte), o Sociologismo (Durkheim) e o Pragmatismo (Dewey).

27 A carta encíclica, ou apenas encíclica (Epistolae Encyclicae/Litterae Encyclicae), é um do-


cumento pontifício dirigido aos bispos de todo o mundo e, por meio deles, a todos os fiéis. A encíclica
é usada pelo Papa para exercer o seu magistério ordinário. Trata de matéria doutrinária em variados
campos: fé, costumes, culto, doutrina social, etc. A matéria nela contida não é formalmente objeto de
fé. Mas, a ela, se deve o religioso obséquio do assentimento exterior e interior. Logo, uma encíclica
não define um dogma, mas atualiza a doutrina católica através de um ensinamento ou um tema da
atualidade e é vista como a posição da Igreja Católica sobre um determinado tema. Normalmente,
uma encíclica é designada pelas suas primeiras palavras a partir do texto em latim.
(Wikipédia)

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


82
Adotavam, de modo geral, a concepção deweyana, segundo a qual “a educa-
ção é a organização dos meios científicos de ação, a fim de dirigir o desenvolvimento
natural e integral das peculiares aptidões do ser humano em cada uma das etapas do
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seu crescimento, de acordo com certa visão de mundo, condicionada às necessida-


des sociais.” A finalidade da Educação se define segundo a filosofia de cada época.
Portanto, se a sociedade está mudando, a educação deve refletir essas mudanças. A
educação é um direito biológico do ser humano e o momento histórico exige que ele
seja garantido a todos independentemente dos interesses de classe. Nesse sentido,
o Manifesto dos Pioneiros reivindica uma ação mais firme do Estado, sem, no
entanto, recusar a participação da iniciativa privada, sob o controle do Estado.
Os princípios defendidos pelos Pioneiros estão relacionados entre si. Do direi-
to à educação decorre a obrigatoriedade do Estado de assegurar que ela seja igual
e única para todos, portanto, gratuita. Por outro lado, a necessidade de colocar o
ambiente escolar acima das seitas, dogmatismos e disputas religiosas, impõe que
seja leigo o ensino ministrado na escola pública. A igualdade requer que ambos os
sexos tenham acesso às mesmas oportunidades educacionais, daí a co-educação.28
Esses princípios estão em consonância com os princípios do liberalismo po-
lítico que atribui ao Estado o papel de árbitro dos conflitos entre as classes sociais,
situado para além e acima dessas classes. Sua ação educadora deve ser exercida “de
fora” e “de cima”, a fim de que o povo passe de um estágio “inculto” para um está-
gio “culto” e esclarecido, tendo em vista a sua participação como ente politicamente
viável. O Estado, nessa perspectiva, é o organismo apto a disseminar a educação
formal na escola para todos em cooperação com as “elites esclarecidas” (Cury, s.d.).
A necessidade de reforçar a ordem capitalista em fase de implantação de-
termina a crítica à estrutura dualista do sistema em vigor, propondo outra estrutu-
ra composta de escolas pré-primárias, ensino primário único e ensino secundário
constituído de uma base comum fundamental e uma parte diversificada em seções:
intelectual e manual (extração e elaboração de matérias-primas e distribuição de
produtos elaborados. A industrialização exigia uma educação básica sobre a qual se
daria a especialização.
O Manifesto também enfatiza uma abordagem científica dos problemas
educacionais, passando a educação a ser reconhecida como área técnica. As ciên-
cias da educação devem buscar seus fundamentos nas ciências sociais e biológicas,
constituindo uma base científica para a organização escolar, na perspectiva de su-
perar tanto o empirismo grosseiro, como o intelectualismo, através da pesquisa, da
descoberta e da verificação. A consciência democrática e as concepções científicas
devem caminhar juntas, pois, “sem ciência não há democracia e sem democracia
não há ciência”.
Pode-se observar que tanto os católicos como os liberais buscam apoio em
ideias estrangeiras em matéria de educação, faltando-lhes a perspectiva histórica de
uma reflexão séria sobre a realidade nacional que praticamente ficou fora do debate,
polarizando-se as discussões em torno das questões do ensino religioso/ensino leigo,
papel do estado na educação, direitos da Igreja e da família, co-educação, tratadas
de forma abstrata (Cunha, 1978).
28 São 4 os princípios liberais em educação: obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e co-educação

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


83
Observa-se, também, que a defesa da escola pública não significou que os
interesses das massas populares urbanas e rurais foram contemplados, uma vez que:

“... o ideário escolanovista, ao propugnar mais qualidade do que quantidade, mais


psicologia do que política, mais indivíduo do que grupos sociais, significou um me-
canismo de seletividade social e escolar (deixando de fora significativos setores do
proletariado) ao mesmo tempo em que produziu a refinação educacional das elites.”
(Cury, s.d.)

O conflito foi resolvido na Constituição de 1934, satisfazendo os interesses de


ambos os grupos, dado o caráter híbrido do grupo político no poder, já acentuado
antes. Os católicos tiveram garantido o ensino religioso facultativo nas escolas públi-
cas, enquanto que do lado dos liberais, as reivindicações atendidas foram a gratuida-
de do ensino, o direito de todos à educação, a criação de um Conselho Nacional de
Educação com competência para fixar o Plano Nacional de Educação e a atribuição
de competência aos estados para organizarem seus sistemas de ensino.

Como você pode perceber o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova


foi um importante documento da educação brasileira. Descreva
sinteticamente o seu conteúdo e o contexto de sua elaboração. Pode
realizar mais pesquisas através da internet.

Conforme já salientamos, os debates, fundamentados em ideias estrangeiras,


mantiveram um caráter abstrato e a - histórico, no qual a realidade brasileira não
logrou espaço para se manifestar. Por outro lado, vale salientar que as facções em
confronto representavam segmentos da mesma classe dominante, porquanto a luta
dos Pioneiros não visava o Estado Burguês, mas o ensino tradicional que naque-
le momento se colocava em sentido contrário ao desenvolvimento do capitalismo
no país. No quadro da democracia burguesa, portanto, o processo de participação
ocorre de forma restrita aos setores médios da sociedade, permanecendo ausentes
os interesses das camadas populares, utilizados apenas no discurso, com a finalidade
de conseguir a adesão ao projeto político em andamento. Daí porque as medidas de
política educacional efetivadas destinaram-se especialmente ao ensino secundário e
superior, como mostra o conteúdo dos decretos que constituíram a Reforma Francis-
co Campos, efetuada entre os anos de 1931 e 1932.
1. Decreto n° 19.850 – 11 de abril de 1931: Cria o Conselho Nacional de
Educação.
2. Decreto n° 19.851 – 11 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização
do Ensino Superior no Brasil e adota o Regime Universitário.
3. Decreto n° 19.852 – 11 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização
da Universidade do Rio de Janeiro.
4. Decreto n° 19.890 – 18 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização
do Ensino Secundário.
5. Decreto n° 20.158 – 30 de junho de 1931: Organiza o Ensino Comer-
cial, regulamenta a profissão de Contador e dá outras providências.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


84
6. Decreto n° 21.241 – 14 de abril de 1932: Consolida as disposições
sobre a organização do Ensino Secundário.
Observe que não houve preocupação em legislar sobre o ensino primário,
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e manteve-se a separação no nível médio entre o Ensino Secundário, preparatório,


ao ensino superior e o Ensino Profissional, que somente permitia o acesso ao curso
superior dentro do mesmo ramo de atividade. Também não havia articulação entre
os diversos ramos do secundário. Portanto, a despeito do discurso liberal, mantém-se
o dualismo, reforçando a função da educação como reprodutora da estrutura social
e legitimadora das diferenças sociais.

3 – Estado Novo: Educação em Tempos de Autoritarismo

A instauração do Estado Novo em 1937 interrompe as lutas ideológicas em


torno da educação. O regime instalado por Vargas constitui-se em um Estado for-
te, apartidário e corporificado na pessoa do chefe, que centraliza todo o poder da
Nação e se arroga possuidor de todas as características pessoais para exercê-lo em
nome do bem coletivo, e acima das injunções políticas cotidianas (Cunha, 1989).
Com a perspectiva das eleições marcadas para início de 1938 e como a Constituição
de 1934 não permitia a reeleição de Vargas, este põe em execução uma estratégia
que desembocará no golpe de estado de 1937, dando início a um período ditatorial
que se alongará até 1945. A justificativa para o golpe foi a suposta existência de um
plano para instauração de um regime comunista no país (Plano Cohen). Getúlio ou-
torga a nova Constituição, de inspiração fascista, que há muito vinha sendo redigida
por Francisco Campos, com base na constituição autoritária da Polônia (daí ter sido
denominada de “a Polaca”).
Na realidade, segundo Francisco Campos, a Revolução de 1930 somente se
consolida em 1937. É quando a política de compromissos entre os diversos grupos
de sustentação do governo esgota suas possibilidades e a face autoritária se eviden-
cia, tendo em vista eliminar os entraves ao prosseguimento do processo de desenvol-
vimento com base na industrialização que, naquele momento, significava reprimir o
movimento operário crescente, o que foi feito colocando-o sob o controle do Estado.
O Estado se dedica então a realizar as tarefas de política econômica necessárias,
através dos investimentos em setores que não atraiam a iniciativa privada – infra-
-estrutura, siderurgia, pesquisa e exploração de petróleo (Romanelli, 1991).
As conquistas da Constituição Liberal de 1934 sofrem um retrocesso e o de-
ver do Estado em matéria de educação desaparece na nova Constituição de 1937,
cabendo-lhe apenas uma ação supletiva destinada aos que comprovarem falta de
recursos. Dela desaparecem também a determinação de percentuais mínimos a se-
rem aplicados em educação, que havia na Constituição de 1934, e a exigência de
concursos públicos. Nada afirma sobre a competência da União para traçar as dire-
trizes da educação nacional.
As reformas educacionais empreendidas durante o Estado Novo dão con-
tinuidade à obra iniciada por Francisco Campos quando esteve à frente do Minis-
tério da Educação no governo provisório. Gustavo Capanema, o novo Ministro da
Educação, é responsável pela implementação da Reforma que tomou o seu nome,

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


85
consubstanciada numa série de decretos-lei, editados entre 1942 e 1946, que fica-
ram conhecidos como Leis Orgânicas do Ensino. De caráter conservador e elitista, a
Reforma Capanema torna oficial o dualismo do sistema educacional brasileiro, atri-
buindo explicitamente à educação a função de manutenção da ordem social vigente.
Determina que o ensino secundário – científico e clássico – destina-se à preparação
das “individualidades condutoras” – vale dizer a elite, destinando o ensino profissio-
nal às classes menos favorecidas.
Alguns pontos comuns podem ser identificados nas diferentes Leis Orgâni-
cas: a presença enfática da educação moral e cívica em todo o currículo escolar; o
controle centralizado do Ministério da Educação, estabelecendo o currículo nas suas
minudências, desde o conteúdo até as formas de avaliação; inspeção federal nos
aspectos burocráticos e pedagógicos. A estrutura dos cursos segue a mesma orien-
tação da Reforma Francisco Campos, com dois ciclos: o ginasial (de quatro anos) e
o colegial (de três anos). Aos egressos do curso comercial e normal é assegurado o
acesso ao ensino superior.
Por influência da Segunda Guerra Mundial, a lei instituiu também a educação
militar para os alunos do sexo masculino. Reafirmou o caráter facultativo da educa-
ção religiosa e obrigatório da educação moral e cívica, e recomendou, ainda, que
a educação das mulheres fosse feita em estabelecimento distinto daquele onde se
educavam os homens. A Lei Orgânica do Ensino Secundário permaneceu em vigor
até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


86
No que se refere ao corpo docente há referência ao preparo de professores
no interior dos próprios cursos, no caso do ensino industrial e comercial. Formação
superior, no caso do curso Normal, mas no caso do Secundário a lei é omissa, fazen-
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do-se, entretanto, essa preparação nas faculdades de ciências e letras. Há referência


explícita à admissão por concurso no caso do ensino comercial, normal e industrial.
As exigências para o exercício do magistério aparecem especificamente no caso do
curso primário: era função privativa de brasileiros natos, maiores de 18 anos, que
tivessem “bom comportamento social”.
Quanto ao financiamento, a lei é omissa no caso do secundário, do ensino in-
dustrial e comercial, o que determinou o predomínio das escolas particulares nesses
campos, exceto no ensino industrial, no qual as Escolas Técnicas Federais desem-
penharam papel destacado. No caso do ensino Normal, determina-se o esforço do
poder público para acentuar a gratuidade e conceder bolsas de estudo a estudantes
carentes. Para manutenção do ensino primário, é criado em 1942 (note-se, somente
seis anos depois de instaurado o regime), o Fundo Nacional do Ensino Primário
(FNEP), porém, apenas em 1944 é estabelecida sua fonte de recursos (5% sobre o
imposto de consumo de bebidas).
Vale destacar que a lei Orgânica do Ensino Primário marca a participação do
governo central nesse nível de ensino, cuja última reforma datava do século anterior
(1827).
Além do FNEP, outros importantes organismos foram criados nesse período,
que vieram contribuir para o desenvolvimento do setor educacional, tais como o INL
– Instituto Nacional do Livro, o SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional e o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, em
1838, com a incumbência de traçar um panorama da educação no Brasil e um plano
de nacionalização do ensino. Também era responsável pela proposição de políticas
de educação e hoje subsidia as atuais políticas educacionais por meio de pesquisas,
especialmente estatísticas e de avaliação.
Além desses órgãos foi criado o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, através de um decreto presidencial e que tinha como finalidade a prepa-
ração de profissionais para a indústria. Embora Capanema fosse de opinião que o
SENAI devesse integrar o Ministério da Educação, prevaleceu a vontade do Presi-
dente, que o colocou sob os auspícios da Confederação Nacional da Indústria – CNI.
Como é característico em regimes de exceção, o Estado Novo fez amplo uso
da cultura como forma de obter legitimação ideológica junto às massas, aglutinando
intelectuais e artistas simpatizantes do regime, através do Departamento de Impren-
sa e Propaganda – DIP e de suas sucursais estaduais, os DEIPs – Departamentos Es-
taduais de Imprensa e Propaganda, responsáveis pela propaganda nacional interna
e externa e pela censura aos meios de comunicação de massa e às manifestações
culturais. O rádio torna-se o veículo de maior utilização para propagação da ideo-
logia do regime, através de uma programação direcionada às camadas populares:
programas de auditório, radionovelas, futebol. É desse período o programa diário
A Hora do Brasil, veiculado às 19 horas por todas as emissoras do país (como até
hoje), e que tinha como objetivo enaltecer a figura de Getúlio e do Estado Novo.
Juntamente com o DIP e os DEIPs, as Interventorias Estaduais constituíram

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


87
o tripé de apoio ideológico do regime. A figura dos Interventores Estaduais repre-
sentava a reprodução do caudilhismo nos estados e garantiam a uniformidade e a
centralização das ações em todo o território nacional. Especial atenção foi dada pe-
los Interventores à preparação dos professores, no sentido de obter sua adesão aos
objetivos do regime e transformá-los em agentes do Estado, na verdadeira cruzada
que se empreendia contra os inimigos da Pátria, identificados no liberalismo e, espe-
cialmente no comunismo e na qual se esperava que a educação viesse a desempe-
nhar um papel decisivo. Como exemplo, podemos citar detalhado, o estudo de Ma-
ria das Graças Andrade Ataíde de Almeida (1998), publicado na Revista Brasileira
de História, em que a autora relata a ação do Interventor Agamenon Magalhães em
Pernambuco, no campo da educação e, especialmente da formação do pedagogo.
Nas palavras da autora:

“À pedagogia imputava-se o valor de ciência toda poderosa, motriz da ordem e da


desordem na sociedade civil. A ideia de equilíbrio social perpassava pelo domínio e
controle da esfera educacional pelo Estado. Cabia a este desempenhar o seu papel
intervencionista nas instituições escolares, para que fosse realizado um trabalho de
renovação dentro das realidades reveladas pelo Estado Novo.” (Op. cit.)

O ministro Gustavo Capanema endossava a necessidade do controle da edu-


cação pelo estado, afirmando que a seu ver ela está longe de ser neutra, “deve tomar
partido, ou melhor, deve adotar uma filosofia e seguir uma tábua de valores”. Essa
filosofia era buscada além mar, nos modelos nazista e fascista com os quais o Presi-
dente e seus auxiliares mais próximos simpatizavam. A imprensa oficial empenhava-
-se na difusão desse ideário. Em artigo intitulado “Educa-se a criança alemã sob o
controle da autoridade”, publicado na Folha da Manhã (periódico pernambucano
porta-voz da Interventoria), em março de 1938, são enaltecidas as conquistas sociais
do Reich, atribuindo o seu progresso ao paradigma pedagógico adotado e ao con-
trole estatal sobre o sistema educativo:

“ Certos os seus grandes homens, que unicamente pela educação é possível criar
uma Nação e engrandecer um povo. Educar é também o problema fundamental do
Brasil; resolvendo-o, teremos resolvido afinal os nossos destinos.”

A ideia de ordem transforma-se em conceito-chave que deveria orientar a


política educacional do novo regime, contrapondo-se a ideia oposta de desordem,
que era identificada com as propostas educativas da República Velha e dos liberais
“esquerdistas” do grupo da Escola Nova. Assim, os Pioneiros e suas ideias foram ali-
jados do cenário político do Estado Novo, considerados como “inimigos da ordem”
e “maus pedagogos”, passando ao primeiro plano os católicos, através de seus ór-
gãos de imprensa, como a revista “A Ordem” e de instituições como o Centro Dom
Vital, que já haviam atuado ativamente no período anterior. A Igreja dedica-se, pois,
a formar uma elite laica, sobre a qual deveria recair a responsabilidade de conduzir
a educação nacional.
A grande argumentação girava em torno das possibilidades que o controle
e a implantação desta ordem nas ideias conferiam à ordem social. Assim, a ordem
urbana torna-se consequência da ordem nas “inteligências”. Neste sentido, Alceu

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


88
Amoroso Lima, grande expoente do catolicismo, discursando dois meses
após a implantação do Estado Novo, ressalta a inter-relação do conceito de ordem
e educação, afirmando que “por ordem nas inteligências é a primeira condição para
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por ordem nas ruas”29.


As estratégias adotadas para engajar a educação no grande projeto de cons-
trução da Nação incluíram intervenções nos currículos escolares, na doutrinação dos
professores, na produção dos materiais didáticos e, nos casos extremos de resistên-
cias à ordem vigente, a repressão através de remoções e exonerações e aposentado-
rias forçadas de docentes.
Nesse sentido, é emblemática a declaração do interventor do estado de Per-
nambuco, Agamenon Magalhães, citada em Almeida(1998):
(...) fizemos as reformas do alto, aposentando e eliminando do professorado
os elementos de cultura inidônea, fechando todas as portas à anarquia da inteligên-
cia, à amoralidade.
Especial cuidado mereceu o livro didático no esforço de forjar a subjetividade
do novo homem, cidadão de um estado novo. O inimigo declarado era o comunismo
internacional contra o qual todas as armas deviam ser utilizadas, sendo o livro con-
siderado como “arma branca” nessa cruzada. Mais importante do que as próprias
noções científicas, era para os ideólogos do Estado Novo os ideais nacionais – Deus,
Pátria, Família, como se pode observar na seguinte afirmação: “que importa o livro
didático, a noção científica, se a Pátria, se Deus, se a família não estão na alma da
criança e do governo, dando-lhe a consistência do aço e a agilidade dos florêtes”.30

Entretanto, a tentativa de relacionar a educação formal com a construção de


uma identidade entre Estado e Nação encontrou dificuldades em vista da influência
externa – resistência ao fascismo e ao nazismo, e o fato de que as reformas acontece-
ram tardiamente, coincidindo com a fase de desagregação do regime, o que dificul-
tou a implantação de uma filosofia educacional de sabor autoritário. Por outro lado,
informalmente, a educação foi largamente utilizada para promoção demagógica do
regime, através da participação dos estudantes em eventos cívicos e da instituição da
Juventude Brasileira nos moldes das organizações similares existentes na Alemanha
e Itália, com o objetivo de inculcar valores cívicos e patrióticos nas crianças e jovens.
Até as capas de livros, cartilhas e cadernos escolares estampavam ilustrações com a
figura de Getúlio, sorridente, afagando a cabeça de crianças.

29 LIMA, Alceu Amoroso. “Num Pórtico de Universidade”. In Revista A Ordem, janeiro/1938,


p. 67.

30 CAMPELLO, J. In Folha da Manhã. Recife, matutino, 21/11/1937, p. 03. [ Links ]

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Vimos, durante o Estado Novo, intensa utilização ideológica da educação e da


cultura. Pesquise músicas e imagens que ilustrem essas ações do governo.
Pesquise também entre professores mais antigos ou outras pessoas da sua
comunidade, buscando livros didáticos, cadernos escolares ou outros
materiais de ensino em que se encontrem referências ao conteúdo
ideológico de exaltação ao Estado Novo ou a figura de Getúlio Vargas e seu
projeto para a Nação brasileira. Socialize o resultado de sua pesquisa no
Fórum.

4 – Redemocratização: novos rumos para a Educação?

As lutas ideológicas em torno da educação são retomadas no contexto do


retorno ao estado de direito no Brasil, após o longo período ditatorial do Estado
Novo. A nova Constituição promulgada em 1946 restaura os direitos e garantias
individuais, assegurando a liberdade de expressão e de pensamento. No que diz
respeito à educação, retoma os princípios liberais da Carta de 1934, consagrando-a
como direito de todos, sendo gratuita no ensino primário, devendo ser ministrada
pelo poder público e livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que viessem a re-
gulá-la. À União é atribuída a responsabilidade de legislar sobre as diretrizes e bases
da educação nacional e é em cumprimento a essa determinação constitucional que
o Ministro da Educação, Clemente Mariani constitui uma comissão de educadores
com o fim de estudar e propor um projeto de reforma geral da educação nacional
(Romanelli, 1991).
Um Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação dá entrada na Câmara
Federal em 1948, iniciando um dos períodos mais fecundos da luta ideológica em
torno dos problemas da educação brasileira até então. Os educadores da geração
de 1930, tendo aprofundado e amadurecido os problemas da educação nacional,
são agora acompanhados por novos segmentos da população que se incorporam à
luta – estudantes, operários e intelectuais. Os interlocutores são os mesmos da déca-
da de 1930 – os católicos, ainda insatisfeitos com a perda de prestígio da Igreja nos
negócios da Nação, iniciada com o regime republicano. A eles se reúnem nesse novo
momento os donos das escolas particulares, sem outra ideologia, a não ser a luta
pelas subvenções governamentais aos seus empreendimentos.
A tramitação do Projeto no Congresso Nacional foi longa e cheia de vicissitu-
des em razão das vinculações políticas dos principais atores envolvidos no processo.
A polarização entre o Ministro da Educação, Clemente Mariani, da UDN, que apre-
sentou o Projeto e Gustavo Capanema, deputado do PSD (partido do Presidente da
República, Eurico Gaspar Dutra) e que fora Ministro da Educação durante o Estado
Novo, acentuou o caráter político partidário do debate. Capanema considerou o

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


90
Projeto como um ataque à figura de Getúlio Vargas e como tendo motivações
políticas de denegrir a ditadura do Estado Novo. Em vista disso, como Relator do
Projeto, apresentou um longo parecer, cuja consequência foi o seu arquivamento,
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

em julho de 1949.
A segunda fase das discussões inicia-se somente em 1956 quando o processo
da LDB já contava com 14 documentos, entre projetos, pareceres e emendas. Em
meio a marchas e contramarchas na tramitação, um substitutivo apresentado pelo
deputado Carlos Lacerda levanta a questão da liberdade de ensino, que vai polarizar
os debates daí para frente.
Entendendo que, ao defender a escola pública, leiga e gratuita, o projeto ori-
ginal feria os interesses das escolas confessionais, os católicos reacendem a polêmica
sobre o ensino religioso, a partir de um entendimento peculiar de “liberdade de en-
sino” como sendo o direito das famílias de escolherem o tipo de educação que que-
rem para seus filhos, independente de sua condição econômica, devendo o Estado,
através de bolsas de estudos, assegurar-lhes esse direito. Tal direito estava ameaçado
a partir do momento em que os pais tinham que enviar seus filhos para uma escola
pública laica, cuja filosofia não se coaduna com seus princípios religiosos, visto não
poderem fazer face às despesas com a escola particular, confessional, caso o Estado
deixasse de subvencioná-la. Essa situação constituía, além do mais, uma injustiça
para as famílias católicas, que tinham que custear duas vezes a educação de seus
filhos: uma vez contribuindo com os impostos para a manutenção do ensino público
e outra vez, arcando com as despesas da freqüência dos filhos à escola particular
cuja orientação estivesse de acordo com suas convicções religiosas. Nesse sentido,
a gratuidade do ensino primário e secundário se impõe diretamente para as escolas
do Estado e indiretamente para as particulares, pois ao Estado cabe assegurar meios
para que a escola, pública ou particular, atinja seus fins.
Na realidade, o que estava em jogo era a destinação dos recursos públicos
para a manutenção do ensino. Os católicos acusavam os defensores da escola pú-
blica de pretenderem implantar o monopólio estatal no ensino, acusação completa-
mente descabida, uma vez que a maioria das escolas de nível médio e superior no
Brasil era particular.
Cumpria, portanto, ao Estado, primordialmente criar e manter um sistema
de ensino que atendesse à maioria da população e, secundariamente, favorecer a
iniciativa particular. Nisso não havia nenhuma coação à liberdade de ensino.
Um outro aspecto da liberdade de ensino como a entendiam os católicos é
explicitado por Roque Spencer Maciel de Barros, um dos signatários do Manifesto de
1932, ao esclarecer que a Igreja se auto-proclamava detentora da verdade eterna e
imutável, não admitindo a liberdade de ensinar aquilo que por ela era considerado
“erro”.
Anísio Teixeira, em sua defesa da escola pública, esclarece que não se trata
de defender o monopólio estatal em matéria de educação, mas de uma concepção
liberal democrática em que a escola pública seria o local de encontro de todos os
brasileiros, independente das diferenças de classe ou raça, para uma formação co-
mum, igualitária e unificadora, mesmo que depois venham a ocorrer separações.
Seria função da escola pública, segundo ele, a aproximação social e destruição de

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


91
preconceitos.
No interior do grupo que defendia a escola pública podem ser identificadas
diferentes posições político-ideológicas, demonstrando a heterogeneidade das forças
sociais presentes. De acordo com Ester Buffa, três posições distintas podem ser iden-
tificadas entre os Pioneiros:
• Os liberais pragmatistas, representados por Almeida Júnior, Anísio Tei-
xeira e Fernando de Azevedo, para quem a escola pública era uma conquista da so-
ciedade burguesa, cujo papel era instrumentalizar o desenvolvimento da Nação. Sua
preocupação era de que o Brasil viesse a ocupar lugar de destaque entre as nações
desenvolvidas, que teriam alcançado essa posição justamente pelo interesse na es-
cola pública, universal e gratuita. Defendem a escola pública pela sua possibilidade
de maior eficiência e atendimento às necessidades imediatas do país, adaptando o
indivíduo à nova realidade em construção.
• Os liberais idealistas liderados por Roque Spencer Maciel de Barros,
enfatizavam a teoria que deveria iluminar a prática pedagógica. Sua preocupação
era com o caráter universal do homem, atribuindo à educação a afirmação da indivi-
dualidade, da originalidade e da autonomia ética da pessoa humana, na perspectiva
de sua plena realização. Entendiam o ser humano em termos universais e eternos,
portanto a-históricos, sem levar em conta o contexto social concreto. Somente a
escola pode educar o indivíduo para viver numa democracia, porque o faz liberal-
mente, criando condições para o desenvolvimento da personalidade humana.
• Os socialistas, representados especialmente por Florestan Fernandes,
adotavam uma abordagem radicalmente oposta aos outros dois grupos. Conside-
ravam as relações entre educação e sociedade em termos dialéticos: o homem em
relações reversíveis com a sociedade. A defesa da escola pública é importante pelo
que ela pode significar para a superação do subdesenvolvimento político, econômi-
co, social e cultural em que vivem os brasileiros. Considerando a democratização da
sociedade como uma etapa para a construção do socialismo, defendem a democrati-
zação do ensino, tanto em termos quantitativos, como em termos qualitativos, como
forma de instrumentalização das massas para uma participação mais consciente no
processo político e nos benefícios do desenvolvimento econômico-social.
Como se pode observar, o ideário liberal ainda predomina na defesa da es-
cola pública no Brasil, embora já se possa perceber uma concepção mais crítica de
homem e sociedade permeando os debates, através da participação vigorosa e in-
cansável de Florestan Fernandes.
O tema desperta grande mobilização da sociedade brasileira em âmbito na-
cional. Desencadeia-se uma Campanha em Defesa da Escola Pública. Comitês são
organizados em diversos pontos do país e a polêmica espalha-se pela imprensa,
polarizando as adesões de parte a parte. Saviani (1988) relata que praticamente
todos os jornais brasileiros publicaram no período alguma matéria sobre o assunto,
divulgando manifestos, moções e sugestões endereçadas ao Congresso Nacional.
Fernando de Azevedo redige novo Manifesto, sob o título “Mais uma vez Convo-
cados”, que é assinado por sessenta e seis educadores e é enviado ao Congresso
Nacional em 01/07/1959.
A educação, apresentada como instrumento de mobilidade social, desperta

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


92
forte interesse nas camadas populares, sendo utilizada como elemento de
barganha pelo estado de classe. Entretanto, era necessário que a educação academi-
cista fosse substituída por uma educação que instrumentalizasse os indivíduos para o
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

trabalho, respondendo aos interesses da industrialização. As elites recusam esse tipo


de ensino, portanto, a LDB aprovada mantém o dualismo do sistema educacional
brasileiro.
De modo geral, pode-se afirmar que o texto da Lei 4.024/61, nossa primeira
LDB, aprovada 13 anos depois de iniciado seu processo de discussão, significou
uma solução de compromisso, resultante de concessões de parte a parte.
• Quanto à obrigatoriedade do ensino primário, consagrada na Cons-
tituição de 1934 e reafirmada na Constituição de 1946, foi mantida, garantindo à
família o direito de escolha do tipo de educação que deve dar aos seus filhos.
• A iniciativa privada teve seus pleitos atendidos em relação à liberdade
de ensino, sendo-lhe assegurada a “adequada participação nos Conselhos” que lhe
possibilitaria o acesso às verbas públicas, uma vez que eram esses conselhos que
tinham a atribuição de disciplinar a questão das bolsas de estudo.
• A União ficou obrigada a dispensar cooperação financeira para manu-
tenção dos estabelecimentos particulares, em pé de igualdade com os oficiais.
• Consagrou-se o princípio da descentralização administrativa, atribuin-
do aos estados e ao Distrito Federal a responsabilidade de organizar seus sistemas de
ensino, em observância à legislação federal.
Anísio Teixeira sintetizou a forma como o texto final da lei foi percebida pelos
liberais em artigo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, intitulado
“Meia vitória, mas vitória”. Por outro lado, Carlos Lacerda assim se pronunciou: “Foi
a lei a que pudemos chegar.”
Veremos adiante como a polarização público-privado permanece presente na
educação brasileira, manifestando-se sob a forma de disputa pelos recursos públicos
para manutenção do ensino.

ATIVIDADES AVALIATIVAS
1. A Revolução de 1930 é um marco na história do Brasil. Descreva
sinteticamente as transformações econômicas, sociais e políticas que caracterizaram
esse momento.
2. Quais questões movimentaram o debate educacional no período de
1930 a 1937? Caracterize os interlocutores, os interesses em jogo e as consequências
para a educação brasileira.
3. Destaque as principais realizações do Estado Novo em matéria de
educação, enfatizando a questão do dualismo.
4. Qual o tratamento dado pelo governo ao ensino primário durante a
Era Vargas?
5. No contexto da discussão sobre as diretrizes e bases da educação na-
cional a partir de 1946, desencadeia-se uma Campanha em Defesa da Escola Públi-
ca. Como se desenvolve essa Campanha, quais os seus interlocutores e os temas em
debate?

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


93
6. Nossa primeira LDB foi promulgada em 1961. Discorra sobre o pro-
cesso de sua elaboração e destaque como foram definidas as questões da liberdade
do ensino, do dualismo e da responsabilidade dos entes federados em matéria de
educação.

AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS

A questão do ensino religioso na escola pública perpassa de forma bastante


incisiva a história da educação brasileira. Para entender melhor a situação na atua-
lidade, consulte a Constituição de 1988 e a Lei 9.394/96 (LDB). Confronte com o
vídeo indicado abaixo e debata as questões propostas com seus colegas.
Assista ao vídeo Ensino Religioso nas Escolas Públicas, entrevista com o Prof.
Luiz Antonio Cunha, disponível em http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole/videos.html.
(Também disponível no youtube). Depois responda:
1. Faça a diferença entre estado laico e estado ateu. Compare com a
frase sobre os EUA “o mais laico dos estados e a mais religiosa das sociedades”.
2. O entrevistado afirma que a introdução do ensino religioso nas escolas
no Brasil é uma questão de poder. Posicione-se sobre a questão face à igualdade de
direitos própria do regime republicano.
3. Procure informar-se sobre o Acordo Brasil-Vaticano, citado na entre-
vista para fundamentar suas respostas.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


94
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de. Estado Novo: projeto político pe-
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

dagógico e a construção do saber. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 18, n. 36, 1998.

Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102018


81998000200008&lng=en&nrm=iso>. Access on 20 Aug. 2012.

CAPANEMA, Gustavo. Panorama da Educação Nacional - Realizações. Rio de Ja-


neiro, Ministério da Educação e Saúde, 1937, p. 21, apud ALMEIDA, Maria das
Graças Andrade Ataíde de. Estado Novo: projeto político pedagógico e a construção
do saber. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 18, n. 36, 1998.

CUNHA, Célio. Educação e Autoritarismo no Estado Novo. São Paulo, Cortez/Auto-


res Associados, 1989.

CUNHA, Luiz Antonio Rodrigues da. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São
Paulo, Cortez/EDUFF/FLACSO, 1991.

CUNHA, Luiz Antônio. A educação na concordata Brasil-Vaticano. Educ. Soc. [onli-


ne]. 2009, vol.30, n.106, pp. 263-280. ISSN 0101-7330. http://dx.doi.org/10. 1590/
S0101-73302009000100013.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e Educação Brasileira – católicos e liberais.


São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1985.

_______________________. Ideais Educativos no Brasil. (mimeo.) s.d.


IANNI, Octávio. O Colapso do Populismo no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Bra-
sileira, 1975.

ROMANELLI, O. Oliveira. História da Educação no Brasil (1930 – 1970). Petrópolis,


Vozes, 1978.

SAVIANI, D. Política e Educação no Brasil. O papel do Congresso Nacional na legis-


lação do ensino. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1988.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


95
TEXTO COMPLEMENTAR
EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO INÍCIO DA DÉCADA DE
1960
Aproveitando o clima democrático vivenciado no país com a posse de Jango,
a sociedade civil se organiza e se fortalece, conseguindo dar vazão as suas reivin-
dicações e alcançar algumas conquistas, através de organizações como os Centros
Populares de Cultura (CPC), criados pela UNE (União Nacional dos Estudantes) em
vários estados brasileiros; Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco;
Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, em Natal; o Movimento
de Educação de Base (MEB), criado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil); e a experiência do Método de Alfabetização Paulo Freire em Angicos, no
Rio Grande do Norte.
Após a posse de Jango, inicia-se um movimento em prol da educação po-
pular, porém à margem do sistema regular, constituindo uma espécie de sistema
paralelo. A própria população organiza-se em movimentos e instituições ligadas a
segmentos diversos da sociedade civil – associações de bairros, entidades estudantis,
universidade, artistas populares e intelectuais engajados nas causas populares, que
visavam buscar alternativas para a questão do acesso à educação.
O foco inicial dessas experiências incidiu sobre a alfabetização de adultos,
seguindo o referencial pedagógico elaborado pelo educador pernambucano Paulo
Freire, autor de um método que ficou mundialmente conhecido e que se baseava
num conceito ampliado de leitura, que ultrapassava a simples decodificação das
palavras, para abarcar a leitura de mundo. O diferencial do Método Paulo Freire em
relação às propostas tradicionais de educação de adultos, era a aproximação que
procurava estabelecer com a vida cotidiana dos alfabetizandos, suas preocupações
e necessidades, assim como a discussão acerca das causas dos problemas vivencia-
dos, numa perspectiva de compreensão dos condicionantes políticos e sociais desses
problemas, tendo em vista a participação crítica e consciente desses indivíduos como
cidadãos da sociedade. Sua concepção de leitura ultrapassava a mera decodifica-
ção do texto, estendendo-se à leitura do mundo. Assim, o aprendizado da leitura
vinculava-se diretamente à participação nas lutas sociais, entendendo-se a aquisição
da habilidade de ler e escrever como instrumento de luta política, tendo em vista a
transformação da realidade social.
Após as primeiras experiências bem sucedidas, planejava-se multiplicá-las no
âmbito nacional:
“Os resultados obtidos — 300 trabalhadores alfabetizados em 45 dias — impres-
sionaram profundamente a opinião pública. Decidiu-se aplicar o método em todo
o território nacional, mas desta vez com o apoio do Governo Federal. E foi assim
que, entre junho de 1963 e março de 1964, foram realizados cursos de formação de
coordenadores na maior parte das Capitais dos Estados brasileiros (no Estado da
Guanabara se inscreveram mais de 6 000 pessoas; igualmente criaram-se cursos nos
Estados do Rio Grande do Norte, São Paulo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Sul,
que agrupavam milhares de pessoas. O plano de ação de 1964 previa a instalação
de 20 000 círculos de cultura, capazes de formar, no mesmo ano, por volta de

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


96
2 milhões de alunos. (Cada círculo educava, em dois meses, 30 alunos.)” (Paulo
Freire,1979).
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

A alfabetização, nesses moldes, ultrapassava o âmbito da sala de aula e in-


cluía também o resgate dos elementos da cultura popular, através do teatro, das dan-
ças, da música e do folclore, tendo em vista o aumento da auto-estima e o reforço à
coletividade.
Diversas experiências se desenvolveram em municípios e estados onde go-
vernos com bases democrático-populares foram eleitos e se propuseram a tarefa de
dar vez e voz ao povo.
A Campanha, “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, desenvolvida em
Natal, é emblemática desse momento. Desde o processo de sua eleição, o prefeito
Djalma Maranhão instalou nos bairros Comitês Nacionalistas, onde se reunia com
os moradores para discutir sobre os problemas do bairro e da cidade. Foi a partir das
Convenções dos Comitês que se chegou a uma listagem dos problemas discutidos,
aprovados e as soluções devidamente priorizadas. A principal delas dizia respeito à
educação e à cultura, sobressaindo-se o problema da imensa quantidade de crianças
nas periferias sem acesso à escola. Depois de eleito, Djalma Maranhão organiza a
Secretaria Municipal de Educação, entregando-a ao professor Moacyr de Góes que
assume a tarefa de responder aos compromissos de campanha. Utilizando-se da
mesma metodologia empregada na campanha, ele se reúne com os representantes
das comunidades e juntos discutem as possibilidades e estratégias de solução do
problema da inclusão dessas crianças na escola. O principal entrave era a falta de
recursos para construir as escolas necessárias.
Em uma dessas reuniões surgiu a ideia de que, na impossibilidade de cons-
truir escolas de alvenaria, fossem construídas escolas de palha de coqueiro. A suges-
tão foi aceita e logo foi construído o primeiro “Acampamento Escolar” no bairro das
Rocas. As matrículas começaram em fevereiro de 1961.
A solução encontrada foi a construção de Acampamentos Escolares: grandes
galpões de 30x8 metros cobertos de palha de coqueiro e chão de barro batido. A
construção é autenticamente obra de Cultura Popular, usada pelos pescadores das
praias nordestinas, herdeira em linha reta da habitação indígena. Uma curiosidade:
os operários da Prefeitura não souberam construir o primeiro Acampamento. Foram
chamados os pescadores do “Canto do Mangue”, praia das proximidades, conhece-
dores da técnica da “virada” e da “armação” da palha.
Em entrevista à TVE, Moacyr de Góes resume a concepção que deu substra-
to à Campanha: o encontro de uma educação acadêmica perfilada pela secretaria
de educação e a proposta de educação do movimento popular – equilíbrio entre o
espontaneísmo da cultura popular e o pensamento teórico. Por exemplo, a estrutura
física foi definida pelo movimento popular, mas escola não é só espaço físico, como
dizia Anísio Teixeira: a escola são seus professores. Dessa forma, a preparação dos
professores e o acompanhamento pedagógico, constituíram a contribuição da aca-
demia para garantir a qualidade ao processo ensino-aprendizagem desenvolvida no
âmbito da Campanha.
Um curso emergencial de formação foi ministrado, mas na continuidade a
escola normal foi reestruturada para oferecer a formação necessária aos professores

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


97
ligados à campanha, que eram semi-voluntários, percebendo salários simbólicos,
envolvidos politicamente com os objetivos do trabalho.
O temário desses cursos mostra a concepção de formação que era desejada:

Processo espoliativo do imperialismo; Cultura brasileira e alimentação;


Cultura popular; Análise e crítica da cartilha.

A Campanha fazia parte de um trabalho mais amplo o Programa Cultural,


que conseguiu aglutinar muitos e variados setores da sociedade: estudantes, inte-
lectuais, artistas, historiadores, escritores populares de cordel, realizando atividades
diversas, que tinham como finalidade a democratização da cultura: praças de cultu-
ra, bibliotecas populares, círculos de leitura, programas radiofônicos diários, teatro,
exposições de arte, edição de cartilhas para adultos, edição de literatura de cordel,
iniciação ao trabalho na Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende uma Pro-
fissão”, hortas, aviários, recreação infantil, esportes, tudo isso impulsionado a partir
das escolas e tendo como pano de fundo a discussão política.
A UFRN firmou convênios com a Prefeitura para prestação de serviços de
medicina, odontologia e farmácia nas escolas. As crianças recebiam alimentação e
materiais escolares. Mas, o mais importante foi a proposta pedagógica, cujo escopo
pode ser avaliado a partir da citação abaixo, recolhida de relato da Campanha à
época:
“A integração da criança ao meio ainda deve ser atingida através do próprio
conteúdo de ensino. Dessa forma, é que todo o currículo deve ser desenvolvido,
através de grandes temas que procurem dar ao aluno uma visão de conjunto com
uma interpretação de suas implicações no setor social.” Disponível: http://forumeja.
org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/culturape.pdf
De acordo com Moacyr de Góes, em entrevista disponível em http://foru-
meja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/entremg.pdf, a Campanha venceu quatro
desafios:
- Não confundiu escola com prédio escolar.
- Qualificou com seus próprios recursos e municipalizou o ensino normal de
formação de professores.
- Produziu seus próprios textos educativos face à alienação das cartilhas en-
tão existentes no mercado.
- Acompanhamento pedagógico na proporção de um supervisor para vinte
professores.
O treinamento dos quadros da Campanha era feito em serviço, através de
reuniões semanais, tendo sempre o cuidado de estimular o professor para saber ou-
vir, demonstrar e aprender também.
Outro aspecto importante da experiência era o Círculo de Pais e professores,
pensado para ser o momento de convergência entre o pensamento acadêmico e o
movimento popular, em que os problemas da comunidade eram discutidos e enca-
minhados para as devidas soluções.
Moacyr de Góes relata que no período de 1961 a abril de 1964 passaram pe-
las escolas da Campanha 40.000 alunos; 500 professores leigos receberam qualifica-
ção em cursos emergenciais do Centro de Formação de Professores e seu quadro de

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


98
supervisores era de 32 profissionais formados pela Escola Normal, pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Natal.
Em abril de 1964, a Campanha é abruptamente interrompida pelos agentes
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do regime ditatorial instalado, sendo presos seus líderes. O mesmo acontece com as
demais iniciativas de educação popular em execução por todo o país. Em relação a
isso, assim testemunha Carlos Rodrigues Brandão

Não houve tempo para passar das primeiras experiências para os trabalhos de am-
plo fôlego com a alfabetização de adultos. Em fevereiro de 1964, o governo do
Estado da Guanabara apreendeu na gráfica, milhares de exemplares da cartilha do
Movimento de Educação de Base: Viver é Lutar. Logo nos primeiros dias de abril, a
Campanha Nacional de Alfabetização, idealizada sob direção de Paulo Freire, pelo
governo deposto, foi denunciada publicamente como “perigosamente subversiva”.
Em tempo de baioneta a cartilha que se cale. Aqueles foram anos — cada vez
piores, até 1968 — em que por toda a parte, educadores eram presos e trabalhos
de educação, condenados. Paulo Freire foi um dos primeiros educadores presos e,
depois, exilados. Foi para o Chile com a família, o sonho e o método. Todos exilados
do país por 16 anos. (BRANDÃO, 1984)

Esse foi um capítulo especial da história das lutas populares pela educação no
Brasil, que ainda não foi suficientemente registrado pela historiografia da educação
nacional. Incluímos na bibliografia algumas referências relacionadas ao tema para os
que desejarem aprofundar o estudo do mesmo.
Vale destacar a contradição entre a interrupção dessas experiências e a cria-
ção posterior do Mobral com o mesmo objetivo de alfabetizar a população, utilizan-
do de forma distorcida a metodologia de Paulo Freire pelo Mobral, onde se manteve
a técnica da palavra geradora com conteúdo ideológico alienante, de louvor às su-
postas características democráticas do regime e ao discurso do Brasil como potência
do futuro, salvaguardado por suas elites civis e militares.

ATIVIDADE PROPOSTA

Assista a íntegra da entrevista de Moacyr de Góes disponível no youtube e


elabore um comentário para compartilhar com seus colegas no Fórum.
Pesquise sobre a vida de Paulo Freire, especialmente sua trajetória no exílio e
retorno ao Brasil após a anistia em 1979. Elabore um pequeno texto biográfico sobre
o eminente educador brasileiro.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


99

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é o Método Paulo Freire. Coleção Primeiros


Passos. São Paulo, Brasiliense, 1984.

CUNHA, Luiz Antonio e GÓES, Moacir de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Editor Ltda., 2002.

FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo, Cortez, 1979.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


CONTENÇÃO E LIBERAÇÃO: AS RELAÇÕES ENTRE
6

CAPÍTULO

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL


1 – Radicalização do conflito de classe – lutas
populares e reação conservadora

A década de 1960 caracteriza-se pelo final do ciclo nacional-desenvolvimen-


tista que teve seu auge na última metade da década de 1950 com o governo de Jus-
celino Kubistchek, cujo lema “50 anos em 5” sintetizava o clima de otimismo predo-

PÓS-1964
minante no país com o surto de industrialização propiciado pela política econômica
de substituição de importações. A década se inicia com a eleição de Jânio Quadros
para a presidência da república, que apesar de eleito por um partido de elite – a
União Democrática Nacional (UDN)31, tinha como vice, João Goulart (Jango), do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)32.
Dessa forma, a dupla Jânio-Jango personificava a própria contradição que
estivera latente na política brasileira durante toda a chamada Era Vargas, entre o
nacionalismo político de conotações populistas33 que acenava para o atendimento
de reivindicações das massas e a política econômica voltada para a industrialização
com a participação de capitais estrangeiros.
Depois de empossado, Jânio começa a inclinar-se para o nacionalismo, agin-
do contra os interesses da UDN, que, sentindo-se enganada, passa a atacá-lo, es-
pecialmente através do seu líder, Carlos Lacerda. Não suportando a pressão e não
tendo cultivado o apoio do povo, Jânio renuncia após sete meses de governo, desen-
cadeando uma crise política, pois os setores da burguesia não admitiam a posse de
Jango, sob a alegação de que ele tinha tendências políticas esquerdistas (na ocasião
da renúncia, Jango estava em visita à China comunista). A posse de Jango somente
foi aceita pelas elites e pelos três ministros militares após movimentos de resistência
encabeçados por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, e, ainda
assim, após o estabelecimento do regime parlamentarista em que os poderes consti-
tucionais do presidente são reduzidos.

31 Partido predominantemente urbano, formado de círculos ligados às altas finanças, banqueiros,


diretores, advogados e ‘public relations’ das empresas internacionais, assim como alguns setores das
camadas médias.

32 PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – criado por GV com o objetivo de captar o apoio e os
votos do operariado. Base: a infra-estrutura sindical de caráter corporativista montada por Vargas e
constituída de uma liderança dócil.

33 O termo populismo é utilizado para designar um conjunto de práticas políticas que consiste
no estabelecimento de uma relação direta entre as massas e o líder carismático (caudilho), sem a
intermediação de partidos políticos. Assim, o “povo”, como categoria abstrata, é colocado no centro
da ação política, independentemente dos canais próprios da democracia representativa. (Wikipédia)
102
O pequeno período do governo de Jango (1961 -1963) foi muito conturba-
do. Sem apoio dos partidos mais fortes (UDN e PSD), Jango busca apoio nos sindi-
catos e movimentos sociais que começavam a se fortalecer. As chamadas Reformas
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de Base – agrária, educacional, tributária, administrativa e urbana – eram a bandeira


unificadora de movimentos sociais que eclodiram por todo o país, aglutinando as
reivindicações da população mais carente. O principal e mais combativo desses mo-
vimentos talvez tenha sido as Ligas Camponesas, originadas no Nordeste (Pernam-
buco e Paraíba) e que depois se espalharam por outros estados.
A elite nacional em associação com o grande capital internacional não per-
mitirá a orientação do desenvolvimento para o benefício das massas, originando a
necessidade da ruptura da ideologia política nacionalista para ajustá-la ao modelo
de desenvolvimento baseado na internacionalização da economia.
O ano de 1964 pode ser tomado como marco do fim do processo de indus-
trialização do país, com esgotamento do modelo de substituição de importações sob
a égide da ideologia política nacionalista e, portanto, a quebra do equilíbrio entre
as diversas forças políticas que teriam se unido para o alcance daquele objetivo.
Completado o processo, as contradições existentes entre os grupos que apoiaram a
industrialização, afloram, tornando indispensável uma ruptura. Qual o caráter dessas
contradições? Trata-se, fundamentalmente, da contradição entre o modelo econômi-
co e a ideologia política, que se agudiza principalmente durante o governo de Jus-
celino Kubitschek que, ao mesmo tempo em que estimulava uma ideologia política
nacionalista, praticando uma política de massas, no plano econômico estimulava a
entrada progressiva do capital estrangeiro no país, atraindo as empresas estrangeiras
para implantar no país as indústrias de consumo durável, em especial as automobi-
lísticas, abrindo caminho para a progressiva internacionalização da economia. “Os
rumos do desenvolvimento precisavam então ser definidos, ou em termos de uma
revolução social e econômica pró-esquerda, ou em termos de uma orientação dos
rumos da política econômica, de modo que se eliminassem os obstáculos que se
interpunham à sua inserção definitiva na esfera do controle do capital internacional.
Foi essa última a opção feita e levada a cabo pelas lideranças do movimento de
1964.” (ROMANELLI, 2002).

Dermeval Saviani assim descreve esse momento:


“A articulação entre os empresários e os militares conduziu ao golpe civil-
-militar desencadeado em 31 de março e consumado em 1º de abril de 1964.
Saíram vitoriosas, portanto, as forças socioeconômicas dominantes, o que
implicou a adequação da ideologia política ao modelo econômico.Em con-
sequência, o nacionalismo desenvolvimentista foi substituído pela doutrina da
interdependência. Consumou-se, desse modo, uma ruptura política, considerada
necessária para preservar a ordem socioeconômica, pois se temia que a persistên-
cia dos grupos que então controlavam o poder político formal viesse a provocar
uma ruptura no plano socioeconômico.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


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O regime instalado em 1964 adota a estratégia denominada por Michel
Debrun de “autoritarismo desmobilizador” no quadro da “democracia restrita”34 ,
expressão cunhada por Florestan Fernandes para denominar uma situação de pri-
vilegiamento de grupos ou classes, da qual só participam efetivamente os mem-
bros dessas classes, ou, conforme as circunstâncias, só as suas elites (Fernandes,
1977:263-4, apud Saviani, 1988).
Os grupos privilegiados pelo novo regime são justamente os que detinham
maior capacidade de alimentar o processo econômico pelas suas possibilidades de
consumo. A expansão da economia exige a redefinição das funções do Estado, in-
cluindo o reforço do poder executivo, o aumento do controle feito pelo Conselho
de Segurança Nacional, a centralização e modernização da administração pública
e a repressão ao protesto social (ROMANELLI, op. Cit. p. 194). O arrocho salarial
das classes trabalhadoras e alijamento da população da esfera das decisões foram
medidas necessárias.
Vários instrumentos foram utilizados pelo bloco no poder para concretizar
esses objetivos. Era preciso silenciar toda oposição e para tanto foram adotadas as
chamadas medidas de exceção, cujo ponto culminante foi a edição do Ato Institucio-
nal Nº 5 – AI-5, em 13 de dezembro de 1968, durante o Governo do General Arthur
da Costa e Silva, inaugurando a fase mais dura do regime, conhecida como “anos de
chumbo”35. A partir daí, o Congresso Nacional passou a ter existência meramente
decorativa, destinada a manter as aparências democráticas. Somente dois partidos
tiveram permissão para existir: a Aliança Renovadora Nacional - ARENA, ao qual se
filiaram os que apoiavam o regime e o Movimento Democrático Brasileiro – MDB,
onde se abrigaram as vozes discordantes e que não tinham se exilado. O MDB era
a oposição consentida. Aboliram-se as eleições diretas para o governo dos esta-
dos, cujos governadores passaram a ser escolhidos de forma indireta, assim como
os senadores e prefeitos, que ficaram conhecidos como governadores e senadores
biônicos – que foram conduzidos ao cargo e não passaram por processo eleitoral.
Com os canais de participação bloqueados, estava aberto o caminho para realizar
as reformas e os grandes empreendimentos infraestruturais que colocariam o país
na órbita do capitalismo internacional como economia dependente, atendendo aos
interesses da burguesia nacional e internacional.

34 Saviani justifica a utilização dessa expressão: “Preferimos utilizar aquela expressão para ca-
racterizar o regime implantado no Brasil em decorrência do golpe militar de 1964, porque tal golpe
fora justificado como necessário para salvar a democracia, proclamando-se, por sua vez, o referido
regime, não apenas como democrático, mas como guardião da democracia.” SAVIANI, 1988.

35 O AI-5 dava amplos poderes ao executivo, inclusive para decretar o fechamento do Congresso
Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, intervir nos estados, cassar mandatos
de deputados federais, estaduais e vereadores, proibia manifestações populares de caráter político,
suspendia o direito de habeas corpus, impunha censura prévia para jornais, revistas, livros, músicas
e peças de teatro.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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PARA COMPREENDER MELHOR:


Assista ao vídeo Educação no Regime Militar (disponível no youtube) e
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compare com o texto estudado. Depois responda as questões abaixo.


1. Por que ocorre o golpe militar no Brasil em 1964 e quais as funções
assumidas então pelo Estado autoritário?
2. Como se relacionaram os mecanismos de coerção e persuasão na
busca da hegemonia do regime militar no Brasil?

2 - A política educacional do regime militar: con-


tenção e liberação

A repercussão das mudanças econômicas sobre o sistema educacional não


se fizeram esperar. A aceleração da economia resultante do crescimento da indústria
de base no período anterior, já resultara em crescimento da demanda por educação,
que passa a ser a única alternativa de ascensão social da classe média: qualificar-se
para ocupar as vagas abertas no mercado de trabalho com a aceleração da industria-
lização. Do lado das empresas também havia a expectativa de que o sistema escolar
oferecesse o pessoal com a qualificação necessária para o preenchimento dos seus
quadros. Porém, o sistema elitista herdado do período anterior não atendia às novas
necessidades, nem em termos quantitativos, nem em termos qualitativos.
A política educacional adotada pelo novo regime, inicialmente procura aten-
der às exigências quantitativas da demanda social de educação, entretanto, a crise
econômica que o país enfrentava naquele momento e os objetivos do governo de
conter os gastos e capitalizar para investir, limitavam a expansão da rede escolar, o
que contribuiu para desencadear a crise do sistema escolar e, consequentemente a
adoção dos mecanismos de repressão e contenção. O fenômeno mais visível da crise
da educação brasileira nesse momento é a existência dos “excedentes” – candidatos
aprovados no vestibular, mas que ultrapassavam o número de vagas existentes. Essa
situação gerou protestos e foi o estopim da crise estudantil que irrompe no país,
ecoando as manifestações da juventude ao redor do mundo, a partir dos aconteci-
mentos de maio de 1968 em Paris. O governo reprime violentamente os protestos, e
a União Nacional dos Estudantes – UNE é lançada na ilegalidade.
A atuação do governo no enfrentamento às manifestações de resistência de
alunos e professores pautou-se por dois movimentos contrários, mas complementa-
res, bem característicos do fenômeno denominado por Gramsci de busca da hege-
monia36 . Esta pode ser obtida através de dois mecanismos: a coerção e a persuasão.

36 Em primeira instância, hegemonia significa simplesmente liderança, derivada diretamente de


seu sentido etimológico. O termo ganhou um segundo significado mais preciso, desenvolvido por
Gramsci para designar um tipo particular de dominação. Nessa acepção hegemonia é dominação
consentida, especialmente de uma classe social ou nação sobre seus pares. Na sociedade capitalista,
a burguesia detém a hegemonia mediante a produção de uma ideologia que apresenta a ordem social
vigente, e sua forma de governo em particular, a democracia, como se não perfeita, a melhor orga-
nização social possível. Quanto mais difundida a ideologia, tanto mais sólida a hegemonia e tanto
menos necessidade do uso de violência explícita.

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Como forma de coerção, o governo baixou o Decreto-lei 477/69, que proibia
aos alunos, professores e funcionários das escolas toda e qualquer manifestação po-
lítica. O Decreto dava poderes às autoridades educacionais para suspender durante
três anos os alunos de suas atividades escolares, ficando impedidos de obterem ma-
trícula em qualquer estabelecimento de ensino superior do país. Quanto aos pro-
fessores e funcionários, eram demitidos e proibidos de trabalhar no ensino superior
por cinco anos. O lema era “Estudante é pra estudar, trabalhador, pra trabalhar.” Foi
esse mecanismo que deu origem ao fenômeno das chamadas cassações – demissões
sumárias dos professores que opunham alguma resistência às medidas de exceção
adotadas pelo governo. Figuras que posteriormente teriam atuação destacada na
política brasileira foram atingidas por esse processo repressivo, tais como: José Serra,
Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e Paulo Freire.
Por outro lado, o Estado atua pela persuasão, ao introduzir no currículo con-
teúdos destinados a obter a adesão da população estudantil à sua ideologia. Um
decreto-lei, baixado pela Junta Militar em 1969, torna obrigatório o ensino de Edu-
cação Moral e Cívica no 1º grau, Organização Social e Política Brasileira no 2º grau
e Estudo de Problemas Brasileiros no 3º grau. O ensino de Filosofia, por sua vez, é
retirado do currículo.
Num segundo momento, o governo tratou de adotar medidas mais efetivas
para fazer face à crise. Medidas em longo prazo, consubstanciadas numa política
educacional fundamentada no aconselhamento “técnico” americano, através dos
famosos Acordos MEC-USAID37, responsáveis pelo conjunto de medidas que con-
figuraram a Reforma Educacional da década de 1970. Essa reforma, de acordo com
a interpretação de Luiz Antonio Cunha (1978), estruturou-se em dois eixos – CON-
TENÇÃO e LIBERAÇÃO – que, embora aparentemente contraditórios, contribuíram
conjuntamente para as finalidades requeridas pelo processo de acumulação e con-
centração de renda efetivada no país.

2.1 - A política educacional de contenção

A política de CONTENÇÃO efetivou-se no ensino superior com a Reforma


Universitária estabelecida através da Lei 5.540/68, que visava manter a expansão
desse grau de ensino em níveis compatíveis com as necessidades do sistema econô-
mico. Não era interessante para o governo substituir os excedentes dos vestibulares
por profissionais formados sem colocação no mercado de trabalho. Em junho de
1968 o MEC constitui o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), en-
carregado de estudar a crise da universidade e propor medidas a serem adotadas
para saná-la.

37 Série de acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministério da Educação brasileiro (MEC)
e a United States Agency for International Development (USAID). Visavam estabelecer convênios de
assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de
1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação
primária (atual ensino fundamental) ao ensino superior. O último dos acordos firmados foi no ano de
1976. In: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm, con-
sultado em 11/08/2012.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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O governo tinha pressa, por isso concedeu um prazo de apenas trinta dias
para que o GTRU concluísse seu trabalho. O relatório apresentado ao final desse
prazo absorve muitas indicações contidas nos Acordos MEC-USAID para o ensino
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superior. A lógica que balizou o documento é a chave para entender o conteúdo


da Reforma Universitária: “a expansão do ensino superior é desejável e necessária,
entretanto, essa expansão não deve prejudicar o atendimento das demandas dos
níveis inferiores, mais prioritários; logo, é preciso encontrar uma maneira do sistema
se expandir com um mínimo de custos” (CUNHA, 1979: 242).

Nesse sentido, Saviani (1999) afirma:

“O projeto de reforma universitária procurou responder a duas exigências contradi-


tórias: de um lado, a demanda dos jovens estudantes e postulantes a estudantes uni-
versitários e dos professores que reivindicavam a abolição da cátedra, a autonomia
universitária e mais verbas e mais vagas para desenvolver pesquisas e ampliar o raio
de ação da universidade; de outro lado a demanda dos grupos ligados ao regime
instalado com o golpe militar de 1964, que buscavam vincular mais fortemente o en-
sino superior aos mecanismos de mercado e ao projeto político de modernização em
consonância com os requerimentos do capitalismo internacional.” (Op. Cit. p.24)

As recomendações do Relatório do GTRU foram transformadas em projeto


de lei que passou a tramitar no Congresso Nacional em regime de urgência, o que
significa que se não fosse discutido e aprovado nesse prazo, seria aprovado automa-
ticamente. Nessas condições fica evidente que o processo democrático era apenas
uma fachada, pois seria impossível discutir seriamente matéria tão importante em
prazo tão exíguo.
A Reforma Universitária caracterizou-se, portanto, como uma estratégia de
racionalização dos custos, sob a justificativa da modernização e da eficiência. Suas
principais medidas nessa direção foram elencadas por Luiz Antonio Cunha no estu-
do já citado:
- Departamentalização, que reuniu num mesmo departamento as disciplinas
afins, de modo que pudessem ser oferecidas a estudantes de diversos cursos por um
mesmo professor.
- Matrícula por disciplina (sistema de créditos) a fim de que a “economia”
permitida pela departamentalização se efetivasse.
- Institucionalização do ciclo básico para aproveitamento de vagas ociosas
em determinados cursos. Assim, o vestibular passou a ser por área de conhecimento.
Ao ingressarem na escola superior, os alunos passavam um ano nesse curso básico,
e só ao final eram alocados nos diversos cursos de acordo com três critérios: escolha
individual, disponibilidade de vagas e desempenho do aluno.
- Unificação do vestibular por região e ingresso por classificação (eliminando
assim o problema dos excedentes, pois desaparece a figura do aprovado, sendo con-
siderados apenas os classificados dentro do número de vagas).
- Fragmentação do grau acadêmico de graduação – existência de novos
cursos, de curta duração, como cursos de engenharia de operação e “licenciaturas
curtas”. A adoção desses cursos permitia um atendimento à demanda com custos
menores. Observe-se de passagem as atuais Licenciaturas Interdisciplinares como

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


107
um retorno a essa medida de contenção de gastos.
- Institucionalização da pós-graduação, com o objetivo proclamado de for-
mar professores para suprir o ensino de graduação, formar pessoal qualificado para
as empresas públicas e privadas e fomentar estudos e pesquisas voltados para o
desenvolvimento do país.
Entretanto, Cunha adverte que a pós-graduação cumpriria outra função, de
discriminação social – restabelecer o valor econômico e simbólico do diploma de
ensino superior, degradado em função do grande número de graduados (Op. Cit. p.
245).
Percebe-se que as reivindicações dos estudantes, especialmente no que diz
respeito à expansão, ficaram de fora do texto da lei. O governo relegou à iniciativa
privada o atendimento às demandas por mais vagas no ensino superior, autorizando
através do Conselho Federal de Educação a abertura indiscriminada de faculdades
isoladas, em contradição com a própria lei que estabelecia a forma de organização
do ensino superior em universidades, admitindo apenas como exceção os estabele-
cimentos isolados. Aqui tem origem o processo de privatização do ensino superior
brasileiro. Foi durante a ditadura militar que o empresariado educacional consolidou
sua predominância nesse grau de ensino que perdura até os dias atuais
A política de contenção complementa-se com a Reforma do Ensino de 1º e
2º graus, instituída através da Lei 5.692/1971 que estabelece a profissionalização
compulsória do 2º grau. Partiu-se do pressuposto de que os jovens buscavam o
ensino superior em razão do caráter geral da formação secundária. Assim, se eles
obtivessem formação profissional no ensino médio, deixariam de bater às portas do
ensino superior, diminuindo a pressão pelo aumento de vagas nos cursos universi-
tários. Por outro lado, ingressariam logo no mercado de trabalho, cuja necessidade
de técnicos de nível médio foi alardeada como forma de estimular a procura por
essa modalidade de ensino. Uma infinidade de habilitações profissionais passa a ser
disponibilizada pela legislação do período. Entretanto, essa medida não significou
o fim da dualidade do ensino, pois a profissionalização obrigatória só se concre-
tizou efetivamente nas escolas públicas, nas quais os currículos foram totalmente
reformulados. As escolas particulares, que eram frequentadas pela classe média e
alta, mudaram os cursos apenas nominalmente, embutindo em cursos formalmente
profissionalizantes a preparação para o ensino superior, realmente desejada por sua
clientela. Por esse mecanismo, manteve-se o ensino superior, especialmente o públi-
co, como privilégio de uma elite, uma vez que as camadas populares, que somente
tinham acesso ao ensino médio público, não obtinham nele a necessária preparação
para ingresso no ensino superior.
“... a profissionalização universal e compulsória do ensino de segundo grau
enfrentou vários percalços, acabando por ser revogada pela Lei 7.044, de 18 de
outubro de 1982.” (Saviani, op. Cit. p.37). Entretanto, já tinha cumprido sua função
ideológica e econômica de contribuir para a exclusão de grandes contingentes de
brasileiros do acesso ao conhecimento e de conter os gastos com o sistema educa-
cional, favorecendo o investimento governamental no financiamento da produção.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


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2.2 - A Política Educacional de Liberação
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Como foi dito acima, a política educacional da ditadura militar, tendo em


vista o atendimento dos objetivos da política econômica de internacionalização da
economia, comporta dois movimentos aparentemente contraditórios – CONTEN-
ÇÃO e LIBERAÇÃO. Tendo tratado do primeiro no tópico anterior, passaremos ago-
ra a demonstrar a forma assumida pela política de liberação, que está destinada
ao atendimento da população situada nos níveis inferiores da escolarização e que
apresentava baixo desempenho escolar.
A década de 1970 é o período de disseminação de um conjunto de pesqui-
sas, pretensamente fundamentadas em dados empíricos, que procuram relacionar,
de forma direta, desenvolvimento e educação. Tais pesquisas são sintetizadas pela
chamada Teoria do Capital Humano38 , que atribui o desenvolvimento alcançado
pelos países ricos ao investimento em educação – quanto maior o nível de escolari-
zação da mão-de-obra, maior a produtividade do trabalho e, portanto, maior lucrati-
vidade. Nesse sentido, o número de anos de escolaridade dos trabalhadores passou
a ser levado em consideração como fator de rendimento do capital. Alguns desses
estudos (LANGONI, apud CUNHA, 1978) chegam a afirmar que a taxa social de
retorno do investimento na educação elementar seria a mais elevada dentre todos
os níveis de ensino (32% em contraposição a do ensino superior, que seria de 12%).
Esse raciocínio é que justifica a adoção de uma política de contenção para os
níveis mais elevados de escolarização (e renda) e uma política de liberação para os
mais baixos.
As medidas de liberação compreendem a extensão da escolaridade obrigató-
ria de 4 para 8 anos e a implementação de uma extensa campanha de alfabetização
de adultos, através do Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos (MOBRAL)
e dos cursos supletivos pelo rádio (Projeto Minerva) e pela televisão.

38 Sua origem está ligada ao surgimento da disciplina Economia da Educação, nos Estados
Unidos, em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz, professor do departamento de economia
da Universidade de Chicago à época, é considerado o principal formulador dessa disciplina e da
idéia de capital humano. Esta disciplina específica surgiu da preocupação em explicar os ganhos de
produtividade gerados pelo “fator humano” na produção. A conclusão de tais esforços redundou na
concepção de que o trabalho humano, quando qualificado por meio da educação, era um dos mais
importantes meios para a ampliação da produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro
do capital. Aplicada ao campo educacional, a idéia de capital humano gerou toda uma concepção
tecnicista sobre o ensino e sobre a organização da educação, o que acabou por mistificar seus reais
objetivos. Sob a predominância desta visão tecnicista, passou-se a disseminar a idéia de que a edu-
cação é o pressuposto do desenvolvimento econômico, bem como do desenvolvimento do indivíduo,
que, ao educar-se, estaria “valorizando” a si próprio, na mesma lógica em que se valoriza o capital.
O capital humano, portanto, deslocou para o âmbito individual os problemas da inserção social, do
emprego e do desempenho profissional e fez da educação um “valor econômico”, numa equação
perversa que equipara capital e trabalho como se fossem ambos igualmente meros “fatores de produ-
ção” (das teorias econômicas neoclássicas). Além disso, legitima a idéia de que os investimentos em
educação sejam determinados pelos critérios do investimento capitalista, uma vez que a educação
é o fator econômico considerado essencial para o desenvolvimento. Em 1968, Schultz recebeu o
prêmio Nobel de Economia pelo desenvolvimento da teoria do capital humano. http://www.histedbr.
fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_teoria_%20do_capital_humano.htm, consultado em 28
de agosto de 2012.

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A Lei 5.692/71, já mencionada, além de estabelecer a profissionalização
obrigatória do ensino de 2º grau, instituiu uma mudança significativa no ensino
elementar, aumentando a duração desse nível de ensino para 8 anos e a faixa de
escolarização obrigatória dos 7 aos 14 anos. Foi uma medida ousada, pois o estado
nacional que até aquele momento não conseguira ainda ofertar 4 anos de ensino à
toda a população em idade escolar, agora estaria obrigado a redobrar o atendimen-
to. Acompanhando essa exigência legal, o II Plano Nacional de Desenvolvimento,
elaborado para o período de 1975 a 1979, estabeleceu como meta a universalização
do ensino de 1º grau ao final da vigência do Plano, meta que o país só veio a alcan-
çar efetivamente em 1996.
Além da extensão da duração, mudanças curriculares tornavam mais com-
plexo o atendimento à escolarização no nível elementar, pela introdução da prepa-
ração para o trabalho como componente curricular desde os anos iniciais. Assim,
o currículo deveria se organizar em dois eixos: formação geral e formação especial
(incluindo conteúdos relativos à preparação para o trabalho). Portanto, o aluno de-
veria sair da escola com uma profissionalização, ainda que incompleta. Dessa forma,
introduz-se os conceitos de terminalidade legal e terminalidade real39. Isso significa
que, nos lugares onde o poder público não pudesse ofertar os oito anos de escolari-
zação fundamental (terminalidade legal), o aluno sairia com uma preparação inicial
para o trabalho (terminalidade real). Admitia-se já antecipadamente o não cumpri-
mento da escolarização obrigatória. Percebe-se como o governo de antemão admite
a impossibilidade de realização de sua proposta, ao estabelecer na própria lei os
mecanismos de sua não implementação, sob a justificativa da flexibilidade, princípio
orientador da nova legislação louvado como sua grande inovação. Os motivos acei-
tos para diminuição da terminalidade seriam a idade, interesse, aptidão dos alunos,
a capacidade do estabelecimento de ensino e o nível sócio-econômico da região,
fatores tão amplos quanto difíceis de ponderar. Em todo o caso, essa medida, jun-
tamente com a já referida profissionalização obrigatória do 2º grau, veio reforçar a
ideia da superação do histórico dualismo da educação brasileira, eliminando o seu
caráter propedêutico40 ao ensino superior e imprimindo-lhe uma característica de
educação comum a todas as classes sociais.

39 Saviani explica esses conceitos: terminalidade legal corresponde à escolaridade completa de


primeiro e segundo graus com a duração de onze anos e terminalidade real, com antecipação da for-
mação profissional de modo a garantir que todos, mesmo aqueles que não cheguem ao segundo grau
ou não completem o primeiro grau, saiam da escola com algum preparo profissional para ingressar
no mercado de trabalho. (Saviani, D. 1999:7)
40 Ensino propedêutico é aquele organizado com o único objetivo de levar o aluno a um nível
mais adiantado. É sempre um ensino preparatório. A educação infantil prepara para o ensino funda-
mental que, por sua vez, prepara para o ensino médio. Este prepara para a universidade.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


110
As outras medidas de liberação voltadas à alfabetização de massas apresen-
tam-se como meios para suprir as deficiências do ensino regular, dirigindo-se à po-
pulação urbana analfabeta na faixa etária dos 15 aos 35 anos. O alvo é diminuir
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os índices de analfabetismo na população, considerado como entrave ao desen-


volvimento econômico desde os primórdios da história da educação no país. Essa
interpretação é reforçada pela já referida Teoria do Capital Humano. A arrancada
definitiva do país para alcançar seu lugar no clube das nações mais desenvolvidas
(discurso da grandeza) exigiria um salto de produtividade do seu sistema industrial
e comercial, somente possível com a elevação da escolaridade dos trabalhadores
que traria tanto benefícios individuais para os trabalhadores, como para o conjunto
da sociedade. Na verdade, esse discurso esconde uma estratégia de valorização do
capital, pois irá contribuir para colocar à disposição dos empresários um Exército
Industrial de Reserva41, que permitirá a manutenção de baixos salários com a oferta
de uma mão-de-obra mais qualificada.
O aumento da produtividade, entretanto, não é o único objetivo econômico
visado pelo MOBRAL. A ampliação do mercado, pela elevação do poder de com-
pra supostamente advindo da alfabetização dos trabalhadores, também se constitui
como finalidade do programa. A transformação dos analfabetos em consumidores
é apresentada pela publicidade oficial como atrativo para que o empresariado se
interesse em contribuir para a campanha de alfabetização encetada pelo MOBRAL.
Como se viu posteriormente, o MOBRAL foi um estrondoso fracasso e o Bra-
sil adentrou o século XXI sem conseguir erradicar o analfabetismo de sua população.
Entretanto, os objetivos ideológicos foram alcançados, desviando para a área educa-
cional a discussão sobre as causas do atraso econômico do país e assim, evitando a
discussão sobre o modelo de desenvolvimento adotado e, portanto, sobre os fatores
estruturais que o determinam.
Falta ainda analisar brevemente mais uma das estratégias de política edu-
cacional de liberação, implementadas no período que ora examinamos e que teve
repercussões significativas em termos ideológicos – com a utilização dos meios de
comunicação de massa na educação. A iniciativa principal nesse sentido foi a cria-
ção do Projeto Minerva no Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC, em 1970.
Através desse projeto era oferecido o ensino de 1º grau na modalidade supletiva –
as aulas eram veiculadas através de cadeias de rádios conveniadas, recebidas pelos
alunos em “radiopostos”, supervisionadas por um monitor, apoiadas por materiais
pedagógicos especialmente produzidos. Ao final, os alunos prestavam exames juntos
aos órgãos credenciados e recebiam os certificados.
O potencial de controle social de uma medida como essa não pode ser exa-
gerado. Nas palavras de Luiz Antonio Cunha: “O conteúdo dos cursos (...) estão re-
pletos de mensagens que legitimam o Estado e apresentam, a cada passo, o discurso
da grandeza.

41 Conjunto de trabalhadores que não encontram lugar no mercado de trabalho, cuja função
é desestimular a reivindicação dos trabalhadores por maiores salários, mesmo em situações onde o
volume absoluto de força de trabalho empregada é crescente. Isto porque os capitalistas sabem (e os
trabalhadores também) que podem despedir muitos dos trabalhadores que empregam e contratar, no
seu lugar, outros oriundos do Exército Industrial de Reserva pelas mesmas condições. (Cunha, Op.
Cit. p. 266).

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111
Seu objetivo é fazer os trabalhadores (clientela dominante) crerem na legiti-
midade das medidas de política econômica que excluem, sistematicamente, e, em
decorrência disso, servirem para sedimentação do poder político através do apoio
eleitoral ao partido do governo.” (Op.cit. p. 288)
Os recursos da televisão também foram integrados a essa iniciativa através
da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa no Rio de Janeiro, órgão
vinculado ao MEC, que produzia material educativo a ser veiculado pelas emissoras
particulares, que assim como as emissoras de rádio, ficaram obrigadas a veicular até
5 horas de programação educativa, semanalmente, entre as 7 e as 17 horas (Decre-
to-Lei 236/67). Em 1971 havia um total de 71.008 alunos atendidos por emissoras
de televisão educativa no Brasil, nas modalidades de alfabetização, ensino de 1º
grau regular, ensino de 1º grau supletivo, capacitação de professor leigo, habilitação
profissional de 1º e de 2º grau e ensino superior.
Vale destacar que o Estado do Maranhão foi pioneiro nessa modalidade,
ofertando ensino de 1º grau regular e abrangendo em 1973 mais de 12.000 alunos.
Quase a totalidade do ensino de 5ª a 8ª séries da rede estadual era atendida pela
Televisão Educativa do Maranhão, responsável pela produção de todo o material
veiculado.

PARA COMPREENDER MELHOR:


Pesquise sobre a Televisão Educativa no Maranhão. Localize e entreviste
pessoas que tenham trabalhado ou estudado nesse sistema na década de
1970. Compartilhe os resultados de sua pesquisa no Fórum da disciplina.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


112
CONCLUINDO
O período estudado nesse capítulo é dos mais polêmicos da história brasilei-
ra, a começar pela sua designação que alguns denominam de golpe militar, outros
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de ditadura militar, outros ainda de ditadura civil-militar. Por outro lado, os militares,
que ascenderam ao poder e comandaram o país por vinte anos, recusavam essas
denominações, e preferiam considerar sua intervenção como Revolução de 1964,
que teria tido a finalidade de impedir a instauração no país de um regime totalitário
de esquerda.
A polêmica se estende às realizações dos governos militares. Enquanto seus
críticos enfatizam a repressão, a tortura, a concentração de renda, o arrocho sa-
larial, seus defensores exaltam as grandes realizações no campo da infraestrutura,
como a construção de rodovias, portos, usinas nucleares e hidrelétricas, o “milagre
econômico”, iniciativas voltadas para a proteção do trabalhador, como o FGTS, o
PIS e o PASEP, a criação do Sistema Nacional de Habitação, Pró-Álcool, SUDENE
e SUDAM, Zona Franca de Manaus, e outras iniciativas no campo financeiro, todas
necessárias para a modernização do país e sua inserção no capitalismo mundial.
No campo educacional, Saviani considera como heranças do regime militar
a vinculação da educação pública aos interesses e necessidades do mercado, o fa-
vorecimento da privatização do ensino, a institucionalização da pós-graduação e a
implantação de uma estrutura organizacional que se consolidou e se encontra em
plena vigência, em que pesem as mudanças operacionalizadas no período subse-
quente. (Saviani, 2008)
A visão produtivista da educação se consolidou sob a influência da USAID
de mãos dadas com o empresariado nacional e até hoje permanece fundamentando
as políticas educacionais, apesar das críticas constantes dos setores progressistas.
Quanto à estrutura organizacional do ensino, foi mantida na LDB 9.394/96, com
um ensino fundamental de 8 anos, seguido de 3 anos de ensino médio. Também o
currículo na LDB manteve o formato consagrado na Lei 5.692/71, com um núcleo
comum, de abrangência nacional e uma parte diversificada, para atender às diferen-
ças regionais. As modificações ficaram por conta da retirada da Educação Moral e
Cívica e do retorno das disciplinas em substituição às áreas de estudo.
No que se refere à privatização, observou-se que esta ocorreu predominan-
temente no ensino superior com um crescimento de 744%, constatando-se que,
ao final dos governos militares, tínhamos a seguinte situação: entre 1964 e 1973,
enquanto o ensino primário cresceu 70,3%; o ginasial, 332%; o colegial, 391%;
o ensino superior foi muito além, tendo crescido no mesmo período 744,7%. E o
grande peso nessa expansão se deu por conta da iniciativa privada: entre 1968 e
1976, o número de instituições públicas de ensino superior passou de 129 para 222,
enquanto as instituições privadas saltaram de 243 para 663 (idem, ibid., p. 112).
É inegável, portanto, que se deu uma expansão do sistema em todos os ní-
veis, dada a importância fundamental da educação para o desenvolvimento, seja
qual for o regime político e ideológico. O que se discute são as características do
sistema que se expandiu: sua qualidade e a permanência da dualidade, pela coexis-
tência de trajetórias educacionais distintas de acordo com a origem sócio-econômica
da clientela, como também, a grande abertura para a privatização e o caráter tecni-

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


113
cista do modelo pedagógico instaurado, com predominância da preparação estrita
para o mercado de trabalho, em detrimento de uma formação humana integral e
harmônica.

ATIVIDADES AVALIATIVAS

1. A política educacional dos governos militares caracterizou-se por dois


eixos: contenção e liberação. Explique.
2. Como o governo enfrentou a questão da dualidade do sistema esco-
lar? Qual a sua opinião a respeito?
3. Entreviste professores e alunos que tenham participado dos cursos
profissionalizantes instituídos pela lei 5.692/71 para saber opinião deles sobre os
mesmos.

PARA SABER MAIS...

1. Pesquise sobre o período da ditadura militar no Brasil e elabore um


pequeno texto sobre o assunto, destacando a repressão no âmbito da cultura. Ilustre
com músicas e/ou vídeos.
2. Pesquise sobre os movimentos de contestação de 1968 no mundo e
no Brasil.
3. Pesquise sobre os Acordos MEC-USAID e seu papel na definição da
política educacional do período em estudo.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


114

BIBLIOGRAFIA
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

ARAPIRACA, J.O. A USAID e a educação brasileira. São Paulo: Cortez; Campinas:


Autores Associados, 1982.

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cisco Alves, 1978.

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tudos Econômicos, vol2, n. 5, out. 72, PP 28 e 83, apud CUNHA, L. A. Educação e
Desenvolvimento Social no Brasil, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.

GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). São


Paulo, Cortez, 1993.

ROMANELLI, O. História da Educação no Brasil (1930 –1973). Petrópolis, Vozes,


2007.

SAVIANI, D. A Nova Lei da Educação. Trajetória, limites e perspectivas. 5. Ed. Cam-


pinas, SP: Autores Associados, 1999.

_________. Política e Educação no Brasil. São Paulo, Cortez/Autores Associados,


1988.

________. O legado educacional do regime militar. Cad. CEDES [online]. 2008,


vol.28, n.76, pp. 291-312. ISSN 0101-3262. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
32622008000300002.

VÍDEOS SUGERIDOS

Brasil: Ditadura – o AI-5 e seus efeitos culturais –


http://www.youtube.com/watch?v=Rjnm3LDbXCE
Jango (Sílvio Tendler – 1984) – http://www.youtube.com/watch?v=21Ey31SzXFY

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


7

TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA, NEOLIBERALISMO E


CAPÍTULO
1 – Abertura Política – o retorno à normalidade demo-
crática em tempos de crise econômica

EDUCAÇÃO
Após dez anos, o regime autoritário instaurado no país em 1964, começa a
perder força por diversas razões, as principais relacionadas ao contexto sócio-eco-
nômico, caracterizado pelo esgotamento do chamado “milagre brasileiro”, período
de crescimento econômico que, no decorrer da década de 70, até o início da crise
internacional do petróleo, constituíra a base de sustentação da ditadura militar, na
implementação do modelo de desenvolvimento dependente em relação ao capital
externo. Com a escalada sempre crescente do processo inflacionário, a teoria do
“crescimento do bolo”42, cunhada pelo Ministro Delfim Neto, torna-se indefensável,
ante o progressivo avanço da exclusão social, o que vai se configurar como um dos
fatores de inviabilização do governo autoritário.
A crise econômica intensifica a instabilidade política no país, ocasionan-
do uma crise de hegemonia no âmbito do regime, que perde sustentação política.
Manifesta-se, assim a necessidade de mudanças na forma de exercício do poder,
tendo em vista a manutenção da dominação de classe. O regime busca apoio no
povo, “em um complexo processo dialético de concessão e conquista” (GERMANO,
2000), concorrendo, assim para o fortalecimento da sociedade civil.
A contradição interna do bloco no poder manifesta-se na existência de duas
facções entre os militares – a linha dura, representada pelos que defendiam a conti-
nuidade do regime e até o aprofundamento de sua face mais autoritária e uma ala
que defendia sua liberalização rumo à redemocratização do país. Na verdade, o pró-
prio contexto internacional estava mudando e os Estados Unidos, que no decorrer
da década de 1960 havia apoiado a instauração de governos ditatoriais na América
Latina, começava a adotar posição contrária, apresentando-se como paladino da
democracia.

42 Tese defendida pelos economistas do regime militar de que era necessário assegurar o aumento
da riqueza nacional antes de repartir os benefícios do desenvolvimento.
116
Instaura-se, portanto, um processo de transição, com a posse do General
Ernesto Geisel na presidência da República, em 1974 e que vai até o término do
governo do General João Figueiredo, em 1984, e a eleição de Tancredo Neves, em
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

1985. Este período, conhecido na historiografia brasileira como “redemocratização”,


“distensão” ou “abertura lenta, gradual e segura”, coincide com o esgotamento do
regime militar e da conjuntura política e econômica que permitiu sua sustentação.
Apesar do papel fundamental da sociedade civil na resistência ao regime, é
forçoso admitir, concordando com a análise de estudiosos como Germano (2000),
que as causas determinantes da abertura política encontram-se nas contradições
internas do regime militar, expostas em função da crise do chamado “milagre brasi-
leiro”, conforme já foi salientado.
Desse modo, “a abertura não foi desencadeada com o propósito de construir
a democracia (mas) para operar com segurança a institucionalização do autorita-
rismo, mas de natureza civil” (GERMANO, 2000). Mediante essa “crise de direção”
(nos termos gramscianos), o Estado busca obter consenso através da cooptação das
massas, atenuando o uso da força e da repressão e pela busca da adesão espontânea
da classe trabalhadora.
A década de 1980 é o auge do processo de redemocratização, merecendo
destaque no período:
No campo econômico, o crescimento da dívida externa (que chegou a 113
bilhões em 1989); baixo crescimento do PIB - Produto Interno Bruto (3%, na déca-
da de 1980); inflação, alcançando a ordem dos 1700% ao ano, em 1989 e as altas
remessas de lucros e dividendos para o exterior.
No campo político, destaca-se os acontecimentos do governo do polêmico
Gen. João Baptista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI),
típico militar de caserna e célebre por sua declaração de “prender e arrebentar”
quem se opusesse à democratização. Protagonizou ações contraditórias como a
repressão aos sindicatos e a anistia política, que permitiu o retorno ao país dos prin-
cipais políticos de oposição: Leonel Brizola, herdeiro do trabalhismo de Vargas, João
Goulart e Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro; fle-
xibilizou a legislação sindical, abrindo espaço para a formação da Central Única de
Trabalhadores (CUT) e da Central Geral de Trabalhadores (CGT), restabeleceu as
eleições diretas para os governos estaduais, extinguiu os partidos criados pela dita-
dura e promulgou a lei que favoreceu a criação de novos partidos.
A primeira eleição direta e pluripartidária em vinte anos ocorre em 15 de
novembro de 1982, para escolha dos governos estaduais, saindo vencedor o PMDB,
que conseguiu eleger onze governadores, com mais um do PDT, Leonel Brizola, no
Rio de Janeiro, desse modo, o controle dos principais estados da Federação fica
nas mãos da oposição. Nas eleições proporcionais, o PDS (partido situacionista)
manteve maioria no Senado, mas perdeu na Câmara Federal. Manteve, no entanto,
uma maioria de 17 votos no Colégio Eleitoral, que indicaria, em 1984, o primeiro
presidente civil. Dessa forma, a ambiguidade marcaria a redemocratização brasileira.
No campo social, destaca-se a mobilização da população que através de di-
versos segmentos como os estudantes, os intelectuais, artistas operários e professo-
res, se organizaram para participar do processo político marcado pelos interesses

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


117
dos grupos dominantes. Exemplo dessa participação é a Campanha pelas Diretas-
-Já, que exigia eleições diretas imediatas para a presidência da República, reunindo
multidões pelo país afora e pressionando pela adesão de políticos e dos meios de
comunicação de massa. A partir de março de 1983, diversos atos públicos foram re-
alizados por todo o país, sendo, talvez, o mais importante, o Comício da Candelária,
ocorrido em 10 de abril de 1984 no Rio de Janeiro, com a presença de 1 milhão de
pessoas que pediam a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que deveria ser
votada no Congresso Nacional em 25 de abril. O tema empolgou a sociedade e ob-
teve apoio das lideranças mais progressistas, entretanto, a elite política brasileira pre-
feriu frustrar a mobilização cívica, optando pela prática de negociações de cúpula,
enquanto a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada por uma diferença de 52 votos.
O PMDB teve grande responsabilidade por essa derrota ao declarar que participaria
da eleição indireta a ser realizada pelo Colégio Eleitoral, afastando, assim, o risco de
uma crise política.
A mobilização popular também se fez presente na organização sindical, a
partir do fortalecimento dos sindicatos dos metalúrgicos do ABC paulista, que deu
origem ao Partido dos Trabalhadores, criação assim, o Movimento dos Trabalha-
dores Sem Terra, em 1985, com o objetivo de lutar pela Reforma Agrária, e outros
tantos movimentos que exigiam melhorias na saúde, educação, moradia, trabalho e
participação nas decisões.
A busca de legitimação política conduz a uma mudança no discurso e na
forma de relacionamento do estado com a sociedade civil, sobretudo com os setores
considerados excluídos. Portanto, as questões sociais, que haviam sido despolitiza-
das e reduzidas a “questões técnicas” pelos burocratas dos governos militares, come-
çam a ser tratadas como questões políticas e conquistam espaço na agenda nacional.
Assim, “o discurso da segurança nacional, do combate a subversão e ao comunismo,
do crescimento econômico a qualquer preço, cede lugar a integração social, ao redis-
tributivismo e aos apelos participacionistas” (GERMANO, 2000).

Comente os aspectos que você considerou mais relevantes no


processo de transição democrática vivenciado no nosso país, após o
longo período ditatorial. Compartilhe com seus colegas no Fórum.

2–O embate político-ideológico em torno da educação

Como foi visto no capítulo em que tratamos da educação na década de 1970,


o governo adotara uma política de expansão da escola de 1º grau, em consonância
com a Teoria do Capital Humano, que considera a educação como investimento,
tendo assumido o discurso da democratização da escola e da educação. No contexto
da década de 80, emerge a crítica a essa política educacional por ter colocado ênfase
na quantidade, em detrimento da qualidade. Ou seja, denuncia-se que a escola que

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


118
se expandiu na década anterior e que ampliou o acesso dos filhos dos trabalhado-
res, não manteve a mesma qualidade da escola destinada às classes média e alta.
Desloca-se, então, a ênfase das análises e das lutas educacionais da quantidade para
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

a qualidade.
As lutas dos setores populares, sobretudo dos educadores militantes, se for-
talecem e se manifestam de formas diversas, como os movimentos grevistas que se
intensificam entre os anos de 1978 e 1979, o fortalecimento dos sindicatos e as or-
ganizações corporativas (como a CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Educação, antiga CBP – Confederação Brasileira de Professores) por meio da
reivindicação não só dos direitos da categoria, mas também dos direitos do povo a
uma escola de qualidade mantida pelo poder público.
Importante contribuição é propiciada nesse momento pela produção teórica
elaborada no âmbito da pós-graduação, em teses e dissertações voltadas para a
compreensão da problemática educacional do país em relação com a realidade polí-
tica, econômica e social. A qualidade dessa produção é comprovada pelo reconheci-
mento da prestigiada Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que
a partir de 1980 abre espaço em suas reuniões anuais para discussão das questões
educacionais. Várias entidades científicas são criadas como a ANPEd (Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação), em 1977; o Centro de Estu-
dos Educação e Sociedade (CEDES), em 1978 e a ANDE (Associação Nacional de
Educação), em 1979. Essas entidades passarão a desempenhar papel decisivo nos
embates que se desenrolarão durante as décadas seguintes, como veremos.
A mobilização dos docentes dos três níveis de ensino, no âmbito econômi-
co-corporativo e acadêmico-científico (SAVIANI, 2007), resultou na realização das
Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), bienalmente durante toda a década
de 1980, constituindo-se em espaços de discussão e divulgação de diagnósticos,
análises, críticas e, sobretudo, formulação de propostas para a construção de uma
escola pública de qualidade (SAVIANI, 2007). Portanto, a década de 1980 reedita o
clima de efervescência em defesa da escola pública, obrigatória e gratuita, já viven-
ciado nas décadas de 1930 e 1950, acrescendo-se agora a exigência da qualidade.
Acesso e permanência com qualidade foi a palavra de ordem dos movimentos dos
educadores nesse período. A democratização das estruturas de poder, tanto no âmbi-
to do sistema como no da unidade escolar, foi outro tema privilegiado no debate da
década e que deu origem a mudanças importantes, como veremos adiante.

2.1 – A defesa da Escola Pública no Congresso Constituinte e


no Processo de Elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional

Com a saída dos militares do governo, impunha-se ao primeiro governo civil


a tarefa de reconstruir o Estado de direito, ou seja, remover toda a legislação autori-
tária herdada da ditadura e restabelecer as instituições democráticas. A luta volta-se
então para a elaboração da nova Constituição do país. Os educadores mobilizam-se

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


119
para participar do processo, organizando o Fórum de Educação na Constituinte
em Defesa do Ensino Público e Gratuito43 como instância de discussão e encami-
nhamento de propostas a serem incluídas no capítulo relativo à educação na nova
Constituição. Com esse propósito o Fórum realiza inúmeros eventos em defesa da
educação pública, buscando apoio da sociedade e sensibilização dos parlamentares.
Sua plataforma foi apresentada em um documento intitulado “Proposta Educacio-
nal para a Constituição” que defendia como princípios gerais: a defesa do ensino
público laico e gratuito em todos os níveis, sem nenhum tipo de discriminação eco-
nômica, política ou religiosa; a democratização do acesso, permanência e gestão da
educação; a qualidade do ensino, e o pluralismo de escolas públicas e particulares.
(PINHEIRO, 2001). Quanto ao financiamento da educação, o Fórum defendia que
a União deveria aplicar no mínimo 13% e os Estados e Municípios pelo menos 25%
da receita tributária exclusivamente na manutenção e desenvolvimento da escola
pública. A questão da destinação dos recursos públicos para o ensino público ou pri-
vado foi alvo de intensos confrontos na época, reproduzindo uma polêmica sempre
presente na história da educação brasileira.
Além do documento do Fórum, as entidades também enviaram separada-
mente documentos à Constituinte, reforçando suas posições. Entre estes, destaca-se
a Carta de Goiânia, encaminhada pela ANPED, ANDES e CEDES e que foi apro-
vada na IV CBE, realizada em Goiânia, em setembro de 1986, com a participação
de seis mil educadores de todo o país e que traz um diagnóstico da situação da
educação no país: mais de 50% dos alunos repetentes ou excluídos ao longo da 1ª
série do 1º grau, cerca de 30% de crianças e jovens de 7 a 14 anos fora da escola,
30% de analfabetos adultos, 22% de professores leigos, precária formação e aperfei-
çoamento profissional dos professores em todo o país, salários aviltados em todos os
graus de ensino.44 A Carta denuncia o descaso do poder público com a educação
popular e destaca o caráter arcaico das políticas adotadas para o setor, caracterizada
por medidas de impacto político e de favorecimento a interesses particulares.
Cita como exemplo o “Dia D da Educação para Todos”, o Programa Na-
cional do Livro Didático, Projeto Educar (que substituiu o MOBRAL), Projeto Nova
Universidade, Projeto das 200 Escolas Técnicas. O que é criticado nesses projetos é
o seu caráter fragmentário que oculta a inexistência de uma política orgânica de en-
frentamento global dos problemas da educação brasileira, criando uma expectativa
ilusória que concorre para desviar a atenção dos verdadeiros problemas, que são
estruturais.

43 Quinze entidades constituíram inicialmente o Fórum: Associação Nacional de Educação


(ANDE), Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES), Associação Nacional de
Profissionais de Administração da Educação (ANPAE), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Gra-
duação em Educação (ANPED), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), Federação Na-
cional de Orientadores Educacionais (FENOE), União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES),
Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), Confederação Geral de Trabalhadores (CGT),
Confederação dos Professores do Brasil (CPB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), União Nacional dos Estudantes (UNE), Federação das Associações dos
Servidores das Universidades Brasileiras (FASUBRA).
44 Carta de Goiânia, disponível em http://www.cedes.unicamp.br/carta_goiania.pdf

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


120
Os interesses privatistas são representados por duas forças políticas. Ao con-
trário do que aconteceu na década de 1950, quando os privatistas, tanto religiosos
quanto leigos, constituíram um só bloco, agora ocorre uma separação entre o grupo
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

leigo empresarial organizado na CONFENEM – Confederação dos Estabelecimentos


de Ensino e o grupo confessional representado pelos católicos através de suas enti-
dades: a Associação de Educação Católica do Brasil (AEC) e Associação Brasileira
de Escolas Superiores Católicas (ABESC). É que as escolas católicas queriam se
distinguir das escolas particulares, que tinham a educação como negócio lucrativo.
Percebendo a força do movimento em defesa da exclusividade dos recursos públicos
para a educação pública, os católicos buscavam uma posição de meio termo, carac-
terizando seus estabelecimentos como sem fins lucrativos, comunitários e, portanto,
merecedores de tratamento diferente daquele dado ao setor privado stricto sensu.
A CONFENEN retorna aos mesmos argumentos do passado – a liberdade da
família de escolher o tipo de educação que deseja dar aos seus filhos. Assim, defende
como princípio geral que: “É dever do Estado assegurar igualdade de oportunidades
educacionais, garantindo a todos, independentemente das condições sociais e eco-
nômicas, o acesso à educação, cabendo à família a escolha do gênero de educação a
ser ministrada a seus filhos”45 Portanto, o estado deveria manter as escolas públicas
e também garantir ao aluno o ensino privado, desde que fosse uma opção da famí-
lia. Sustentavam, desse modo, que as verbas públicas fossem destinadas às escolas
particulares, por meio de bolsas, assim como a isenção de impostos e taxações fiscais
para os estabelecimentos de ensino privados.
Por seu lado, os católicos, ainda que partindo do mesmo argumento, introdu-
zem uma compreensão quanto à natureza dos estabelecimentos escolares destinada
a distinguir suas escolas das demais escolas particulares. Conceituam três tipos de
escolas: a escola pública estatal, a escola particular (que visa objetivos meramente
lucrativos) e a escola comunitária (que não visa o lucro) e que, portanto, deveria ser
sustentada por recursos públicos. Essa distinção dirige-se prioritariamente ao ensino
de primeiro e segundo graus. “Defendemos para o ensino fundamental uma es-
cola pública – estatal, gratuita e de qualidade; bem como uma escola pública – não
estatal – gratuita e de qualidade, sustentada com recursos públicos.”46
Durante o processo de discussão na Constituinte, a questão público/privado
polarizou os debates, determinando marchas e contramarchas na destinação dos
recursos públicos. Manobras políticas foram responsáveis pela modificação da pri-
meira versão do texto que saiu da Comissão de Sistematização e que aprovava a
exclusividade dos recursos públicos para a escola pública. Na etapa seguinte, os
setores mais conservadores do parlamento, organizados num amplo bloco denomi-
nado “Centrão”, conseguiram retirar do texto constitucional a exclusividade.

45 Proposta da escola particular para o Capítulo da Educação na Constituinte. (PINHEIRO, 1991,


p. 391)
46 Proposta da Associação de Educação Católica. (PINHEIRO, 1991, p. 409)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


121
Manteve-se a gratuidade do ensino público em todos os níveis (os privatistas
eram contrários à gratuidade no ensino superior) e a possibilidade de concessão de
bolsas de estudos para a escola privada, quando houvesse falta de vagas na escola
pública na localidade de residência do aluno. Outro ponto favorável aos defensores
da escola pública foi a manutenção da vinculação de recursos orçamentários para a
educação, conforme o que já determinava a Emenda Calmon – 13% dos recursos da
União e 25% dos Estados e Municípios. Encontrou-se, pois, como nas Constituições
anteriores, uma solução conciliatória para o conflito entre o público e o privado.
Promulgada a Constituição em 5 de outubro de 1988, os educadores conti-
nuam mobilizados no Fórum47 , agora com o objetivo de participarem na elaboração
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conforme preconizava a própria
Constituição. A discussão sobre o tema ocorre em diversos espaços, destacando-se
a X Reunião Anual da ANPED (em maio de 1987, em Salvador), a XI Reunião da
mesma entidade, em Porto Alegre, em abril de 1988 e a V Conferência Brasileira de
Educação em agosto de 1988. Durante esses encontros é discutida uma proposta
de LDB, elaborada inicialmente pelo Prof. Dermeval Saviani e que se transforma no
projeto de lei nº 1.258-A, apresentado à Câmara Federal pelo Dep. Octávio Elísio
do PSDB de Minas Gerais, em dezembro de 1988. Foi o início do mais democrático
processo de discussão de uma lei educacional no país, desde a sua origem, cuja ini-
ciativa coube não ao executivo, mas brotou diretamente da sociedade civil.
Na Câmara Federal o projeto passou a ser discutido na Comissão de Educa-
ção, precisamente no Grupo de Trabalho da LDB, tendo como presidente o depu-
tado Florestan Fernandes (PT-SP) e como relator o deputado Jorge Hage (PSDB-
-BA). Foi um longo caminho até a aprovação da Lei 9.394/96 em 16 de dezembro
de 1996. Caminho cheio de vicissitudes, no qual mais uma vez se confrontaram os
interesses das elites brasileiras com a luta popular pelo direito a uma educação de
qualidade. Dessa vez, os interlocutores não representavam apenas parcelas das clas-
ses alta e média, mas houve espaço para as manifestações das camadas populares,
através de suas organizações, representadas no Fórum ou que tiveram acesso às au-
diências públicas promovidas pelos parlamentares progressistas que estavam à frente
da discussão, pelo menos em sua fase inicial.
Entretanto, nos oito anos em que se prolongou a tramitação da lei, muitas
transformações foram se dando no cenário político e econômico, nacional e mun-
dial. Essas transformações caminhavam na direção de uma mudança nas relações
entre o estado e a economia, configuradas no que veio a se chamar de neoliberalis-
mo, cuja característica predominante é a ideia de Estado Mínimo, ou seja, as relações
sociais devem ser regidas pelo Mercado. No que diz respeito à educação, o ideário
neoliberal apregoa a flexibilização da obrigatoriedade do Estado com a manutenção
desse direito, que deve paulatinamente ser transferido ao mercado, transformando-
-se em serviço a ser adquirido privadamente.

47 Buscando ampliar a discussão, o novo Fórum aglutina novas entidades e organiza também
núcleos nos estados – os Fóruns Estaduais em Defesa da Escola Pública.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


122
Portanto, os principais embates na elaboração da LDB giraram em torno da
questão de quem deveria manter o sistema educacional e até que ponto ou em que
padrões deveriam ser sustentados. Essa questão aflorou na discussão sobre a concep-
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

ção de “sistema nacional de educação”, dividindo-se as opiniões entre os defensores


da centralização e da descentralização da responsabilidade com a sua manutenção.
Os segmentos progressistas, aí incluído o Fórum, defendia a ideia de que um sistema
nacional de educação que garantisse igualdade de condições em todo o território
nacional, independente da situação sócio-econômica da região onde se localizasse a
escola, somente seria possível se coubesse à União a sua manutenção. Só assim se
poderia garantir um padrão unitário de oferta, com um piso salarial nacional para
os professores, regras nacionais de ingresso na profissão e insumos em quantidade
e qualidade comuns. Por outro lado, os segmentos conservadores, apegaram-se ao
argumento da autonomia dos estados, defendendo que as instâncias subnacionais
– Estados e Municípios, deveriam constituir seus sistemas de ensino, dividindo as
responsabilidades pelo atendimento entre os três entes federados.

COMPREENDENDO...

Como vimos, o conflito público/privado reaparece nos debates


educacionais na década de 1980. Com base no texto, identifique qual o
conteúdo do debate nesse momento, quais os interlocutores e os
argumentos utilizados e como a questão foi equacionada na nova
Constituição e na LDB?

Outra questão ligada à anterior era a discussão sobre a participação da socie-


dade na definição da política educacional. O projeto original previa a existência de
um Fórum Nacional de Educação, constituído como órgão de representação da so-
ciedade civil e responsável pela deliberação sobre a política educacional a ser imple-
mentada pelo governo. Além disso, o Conselho Nacional de Educação seria redefini-
do em sua constituição e forma de escolha dos representantes e teria a atribuição de
assessoramento ao Ministério da Educação na implementação da política nacional
de educação. “O que se pretendia era instituir uma instância com representação per-
manente da sociedade civil para compartilhar com o governo a formulação, acom-
panhamento e avaliação da política educacional.” (Saviani, 1999: 208). Buscava-se
diminuir o clientelismo e o privatismo dominantes no Conselho Federal de Educação
e no próprio MEC, contribuindo assim, para superar a descontinuidade da política
educacional até então predominante em nosso país, que faz com que as diretrizes e
os programas mudem sempre que houver mudança do titular do Ministério.
Essas foram matérias vencidas pelos setores conservadores e a LDB con-
sagrou a descentralização do sistema educacional, salvaguardando a prerrogativa
da União de legislar sobre a organização e o funcionamento da educação nacio-
nal. A descentralização administrativa e pedagógica aparece como diretriz estratégi-
ca fundamental para ordenar a distribuição de competências e recursos entre

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


123
os diferentes níveis de governo. O ensino fundamental e a educação infantil são
definitivamente delegados aos municípios, consagrando uma tendência presente nas
intenções do governo desde a Lei 5.692/71, já concretizada na região Nordeste. Aos
Estados compete assegurar prioritariamente o ensino médio. Segundo os disposi-
tivos da LDB 9.394/96, os municípios somente poderão atuar nos outros graus de
ensino (médio e superior), depois de atendidas plenamente as etapas de sua com-
petência e, mesmo assim com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados
pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. O Fundo de
Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério foi o instrumento
idealizado para tornar efetivo esse dispositivo, criando as condições concretas de
operacionalização da municipalização do ensino fundamental, o que é considerado
pelo governo como sendo essencial para o equacionamento dos problemas de aces-
so e qualidade da escola básica.
O projeto original da LDB também tentou equacionar a questão do dualismo
na educação brasileira, instituindo a concepção de politecnia no ensino médio. O
que se propunha era uma preparação ampla para o trabalho, que incluísse os fun-
damentos científicos e tecnológicos do trabalho em cada uma das áreas. Essa con-
cepção não foi aceita e o capítulo que trata da educação profissional na lei é vago e
indefinido. Paralelamente, o governo fez tramitar um projeto de lei específica sobre
ensino profissional, que deu margem a muitas discussões. Até hoje a identidade do
Ensino Médio ainda gera polêmicas.
A lei finalmente sancionada em dezembro de 1996 estava muito distante do
projeto que dera entrada na Câmara Federal oito anos antes. Ao fazer uma análise
desse percurso, Saviani (1999) afirma que a proposta inicial continha uma concep-
ção socialista de educação. O primeiro substitutivo do Deputado Jorge Hage, votado
na Comissão de Educação assume coloração social-democrata ao ser submetido a
discussão no plenário da Câmara, o projeto adquire feições conservadoras e o texto
finalmente é aprovado, resultante do Projeto do Senado, de iniciativa do Senador
Darcy Ribeiro, que já apresenta feição nitidamente neoliberal. Nesse sentido, justifica
a qualificação da “LDB minimalista” atribuído à nova lei por Luiz Antonio Cunha.
“Seria possível considerar esse tipo de orientação, e, portanto, essa concepção de
LDB, como uma concepção neoliberal? Levando-se em conta o significado corren-
temente atribuído ao conceito de neoliberal, a saber: valorização dos mecanismos
de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não-governamentais em
detrimento do lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor público, com a
consequente redução das ações e dos investimentos públicos, a resposta será positi-
va.” (Op. cit. p. 200)
O caráter minimalista da LDB está em consonância com a política educacio-
nal que o governo ia concretizando paralelamente à votação da Lei, mediante uma
série de outras leis, decretos e medidas provisórias para a regulamentação do ensino
fundamental, do ensino médio e do ensino superior, que estavam de acordo com os
princípios neoliberais, conforme os seguintes instrumentos legais :
a - Lei 9131/95 - resultou de medida provisória, criou o Conselho Nacional
de Educação.
b- Lei 9192/95 - regulamentou o processo de escolha de dirigentes univer-

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


124
sitários.
c- Decreto nº 2026/96 - definiu um processo de avaliação dos cursos e insti-
tuições de ensino superior.
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

d- Lei 9424/96 - criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino


Fundamental e de Valorização do Magistério.
e- Decreto nº 2027/97 - regulamentou a LDB para o Sistema Federal de En-
sino - concebeu e definiu tipos diferenciados de instituições de ensino superior.
f- Decreto nº 2.208/97 - definiu a nova concepção de ensino médio, sua for-
ma de organização e de relação com a formação profissionalizante.
g- PEC 370 - para reformulação de dispositivo constitucional relativo à auto-
nomia universitária.
Segundo análise de Dermeval Saviani (1999: 230), nos termos em que foi
aprovada a LDB, significou mais uma oportunidade perdida de se instituir um sis-
tema nacional de educação no Brasil, e, consequentemente de se equacionar ade-
quadamente a questão da alfabetização e da escolarização da população, acarre-
tando pesados entraves ao desenvolvimento do país, comparativamente a outros
países com as mesmas potencialidades do Brasil, mas que organizaram seus sistemas
nacionais de ensino ainda no século XIX, como é o caso de nossos vizinhos sul-
-americanos Argentina, Chile e Uruguai. Conclama, portanto, os educadores a uma
atitude de resistência ativa frente à investida neoliberal na educação, contrapondo-se
às estratégias de transferência de responsabilidades do Estado para o setor privado,
ou da transformação da educação de um direito em uma mercadoria ou objeto de
benemerência.

Como foram equacionadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação


as questões da centralização/descentralização e do dualismo?

3 – Da Transição Democrática ao Estado Neoliberal

Sob a vigência desse novo contexto sócio-histórico, o discurso oficial sobre


a educação assume um tom mais democrático, incorporando muitas das bandeiras
defendidas pelos movimentos em defesa da escola pública, abandonando gradati-
vamente a ênfase tecnicista e enfatizando a necessidade da participação popular no
encaminhamento das soluções para os problemas da educação, considerada como
fator de eliminação da pobreza, um dos objetivos a atingir no processo de retomada
do desenvolvimento do país, e como mecanismo de correção das desigualdades
sociais.
O Estado se apropria do vocabulário e das análises críticas produzidas no

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


125
âmbito da sociedade civil e busca neutralizar seu potencial de oposição, atenuan-
do seu conteúdo radical e democratizante e devolvendo-o em moldes reformistas,
sob a forma de medidas compensatórias de atendimento às necessidades efetivas
da população em termos de saúde, alimentação e educação, numa estratégia clara
de recomposição da hegemonia, que visa reverter o quadro político desfavorável,
especialmente nos grandes centros urbanos, onde o governo sofre fortes revezes
eleitorais. Nesse contexto, o estado lança mão de uma retórica de inclusão dos ex-
cluídos do processo de crescimento econômico, através do discurso do combate e
eliminação da pobreza.
No âmbito das políticas educacionais implementadas em estados e municí-
pios em que grupos de oposição galgaram vitórias eleitorais em 1982, observa-se
importantes exemplos de estratégias voltadas à melhoria da qualidade da escola
pública, tais como:
• A instituição do Ciclo Básico de Alfabetização, formado pela junção
das duas primeiras séries do 1º grau e que visava enfrentar o problema da repetência
na passagem da primeira para a segunda série, o qual foi introduzido inicialmente
no Rio de Janeiro, estendendo-se posteriormente para Minas Gerais e São Paulo,
havendo também uma tentativa de implantação no Maranhão.
• Ampliação da jornada escolar, com a instituição de escolas de tempo
integral (CEPECs em Piracicaba e CIEPs no Rio de Janeiro).
• Instituição do Colegiado Escolar como instrumento auxiliar da admi-
nistração escolar e como forma de combate ao clientelismo político (Minas Gerais).
• Reforma curricular com participação ampla dos profissionais da es-
cola, especialistas, professores universitários e “comunidade” (Minas Gerais e São
Paulo).
• Programas de revitalização das escolas normais (Minas Gerais e São
Paulo).
• Eleições de diretores de escolas (Paraná).
No nível federal, no entanto, enquanto se estabelece os debates na LDB em
torno das questões da centralização/descentralização e sistema nacional de ensino,
o governo adota mecanismos de incentivo à municipalização do ensino, seguindo
orientações de organismos internacionais. Com a justificativa de que esta seria uma
forma mais democrática e participativa de gestão pública, na verdade, o que ocorre
é a transferência aos municípios de encargos cada vez maiores com o ensino de 1º
grau. Através de programas como o Projeto de Coordenação e Assistência Técnica
ao Ensino Municipal (PROMUNICÍPIO) e o Programa de Expansão e Melhoria da
Educação no meio Rural do Nordeste (EDURURAL), o MEC dá andamento à im-
plantação da municipalização do ensino, que apesar de despertar muita oposição
nos meios educacionais, responde às necessidades de legitimação do poder central,
pelo fortalecimento dos laços clientelistas com o poder local. A estratégia do gover-
no é de centralizar a decisão e descentralizar a execução, em franca contradição ao
discurso participacionista.
Deste modo, a política educacional se reveste de um forte caráter compen-
satório, no sentido de contrabalancear as desigualdades sociais que se acentuam no
contexto da crise econômica. Este é o exemplo de programas como o PRODASEC-

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


126
-Urbano e o PRONASEC- Rural, que são implementados na década de 1980, num
grave quadro recessivo da economia e de agudas tensões sociais, que assumem
uma postura claramente compensatória às insuficiências do processo de acumula-
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

ção, visando reduzir os índices de pobreza mediante a ação corretiva de programas


governamentais, voltados para a educação informal, a geração de emprego e renda,
adotando como metodologia de trabalho a participação comunitária. Na educação,
as políticas compensatórias incluem: merenda escolar, livro didático e, em alguns
casos, assistência médico-odontológica.
As consequências dessa estratégia são o tutelamento da ação comunitária
pelo Estado, sobretudo no que se refere às políticas que emanam do nível federal, o
enfraquecimento do potencial de oposição e reivindicação dos movimentos sociais,
bem como a precarização da escola pública, com o acesso de grandes contingentes
da população, a um sistema de ensino destinado a comportar amplos setores exclu-
ídos, que, de fato, não contribuiu para a melhoria dos índices educacionais brasilei-
ros, mas sim para a ampliação das desigualdades entre as classes.

3.1 – O neoliberalismo na educação

A década de 80 foi o momento crucial do embate entre concepções antagô-


nicas de sociedade e educação, com chances concretas de vitória para a proposta
progressista de sociedade, voltada para a ampliação da cidadania, pela via da de-
mocratização do acesso aos bens materiais e não-materiais produzidos socialmente,
que, entretanto, foi desarticulada pela vitória dos grupos hegemônicos conservado-
res, que se recompuseram para combater os representantes das forças políticas de
esquerda, nas eleições de 1989 e 1993.
A concepção neoliberal em educação que se apresenta como hegemônica na
década de 1990, na verdade estrutura-se já no início dos anos 80, paralelamente,
portanto, ao desenvolvimento de concepções progressistas. Enquanto estas emer-
giam do seio dos movimentos sociais, como produto das lutas dos diversos seg-
mentos identificados com a construção de um modelo alternativo de sociedade, no
âmbito do Estado Amplo48 se articulava uma contra-ofensiva conservadora, cujos
atores principais alojavam-se nas agências internacionais de desenvolvimento, que
atuam como instrumento de intervenção organizada dos países do primeiro mundo
sobre a economia e demais setores sociais dos países do terceiro mundo.

48 Conceito desenvolvido por João Bernardo (2000) em contraposição ao Estado Restrito, carac-
terizado como conjunto de instituições que compõe o governo, o parlamento e os tribunais, ou seja,
os poderes executivos, legislativos e judiciário. O Estado Amplo, conforme o autor, é representado
pelos poderes da economia, mais especificamente das empresas, ou seja, se qualquer exercício de um
poder soberano é , por si só, uma atividade política e a organização da economia ( das empresas) é
ela própria, diretamente, um poder político, então o seu âmbito de ação é muito vasto. As empresas
podem ser consideradas parte do Estado Amplo na medida em que “ o governo, o parlamento e os tri-
bunais reconhecem aos proprietários privados e aos gestores uma enorme latitude na administração,
na condução e punição da força de trabalho, ou seja, reconhecem-lhes uma verdadeira soberania.”

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


127
A década de 1990 é peculiar em toda a América Latina por ser o marco das
reformas de cunho neoliberal que se processam no âmbito dos Estados Nacionais e
que irão caracterizar, via de regra, todos os governos que se sucederão aos períodos
ditatoriais na maioria dos países do continente, materializando o “consenso” conser-
vador em torno da doutrina neoliberal.
Nesses países, a esperança e a luta dos setores progressistas pela democracia,
após longos anos sob regimes autoritários, irão sucumbir ao triunfo do neoliberalis-
mo, que influenciará a transição dita “democrática” e produzirá um efeito nefasto
sob a sociedade civil, que vinha ganhando peso e capacidade de mobilização no
combate aos regimes autoritários, mas que com o advento da “democracia neolibe-
ral”, tende a se arrefecer.
Segundo Gentili (1998, p. 13), a poderosa hegemonia neoliberal foi se con-
cretizando na América Latina a partir da aplicação de um conjunto de reformas
orientadas para garantir um rigoroso programa de ajuste econômico como produto
da chamada crise da dívida, capitaneada por organismos financeiros multilaterais,
dentre os quais se destacam o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Interna-
cional (FMI), sendo assumidas pelas elites locais como única forma para superar o
déficit público e estabilizar a economia (Consenso de Washington), cujo mote central
é a necessidade de refuncionalizar o Estado, através de um movimento de liberali-
zação, privatização e desregulamentação das políticas públicas (CABRAL NETO e
CASTRO, 2005).
Por meio da adesão subordinada das elites políticas locais ao “consenso”
neoliberal, vão se operar, a partir de década de 1990, um conjunto de reformas no
âmbito do estado e de seus aparelhos, que se estendem às políticas educacionais,
direcionadas pelo receituário neoliberal.
O principal mote da reforma é a suposta necessidade de redefinição do papel
do estado, que por seu caráter excessivamente centralizador e burocrático seria res-
ponsável pelas mazelas que emperram a produtividade dos sistemas educacionais.
Portanto, a propalada “crise” da educação na América Latina não é atribuída à es-
cassez de investimentos, mas sim à gestão ineficiente do Estado.
O amplo movimento de reforma do estado e de seus aparelhos a partir da
matriz neoliberal, se consolida no Brasil na década de 1990, com os governos Collor
de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Esse período representa,
assim, um retrocesso para as forças progressistas que se organizavam em torno do
projeto de desenvolvimento nacional popular.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


128
3.2 - Muitos Planos, Poucas Realizações

A atuação do Estado brasileiro na condução da política educacional nos anos


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

90 pode se caracterizar como populista49 nas estratégias e no discurso e autoritária


em sua essência e prática. Tanto o governo Collor, como o governo FHC pautaram
suas ações em matéria de educação na adoção de uma retórica retumbante e na
realização de eventos de objetivos mais publicitários que efetivos para o equaciona-
mento da problemática da educação do povo.
No início da década, respaldado por uma votação significativa - 35 milhões
de votos (53% dos votos válidos) - Collor de Mello assume o poder, inaugurando um
estilo populista próprio de governar, que articulava personalismo e neoliberalismo,
e caraterizava-se pelos seguintes elementos: “... noção de personalidade e subjetivi-
dade como centro do poder, indiferenciação entre público e privado, o narcisismo
do governante, a política como espetáculo, mistério, transcendência e saber acessível
somente aos iniciados, os competentes.” (CHAUÍ, 1994: 29)
Refletindo sobre essas características, Collor pauta sua administração pela
adoção de medidas de impacto, impostas arbitrária e unilateralmente sob a forma
de medidas provisórias, com reflexos importantes no cotidiano da população. O
confisco da poupança inicialmente lhe granjeia a simpatia dos amplos setores mar-
ginalizados - “os descamisados”, para os quais se compromete a governar, mas cuja
esperança logo se esboroa ao constatar que as medidas, aparentemente saneadoras
e democráticas, mas em verdade sensacionalistas - venda de imóveis da União, de-
missões, extinção de órgãos governamentais, reforma ministerial - não correspon-
dem a melhorias efetivas nas condições de vida da maioria da população.
O setor da educação oferece um bom exemplo da falta de efetividade do
novo governo, do seu pendor para o espetáculo, para a retórica e megalomania.
De acordo com MELLO e SILVA (1992), a política educacional do governo
Collor caracterizou-se pela continuidade do padrão da década de 70: ausência de
centralidade da educação na agenda governamental, falta de um projeto educa-
cional, centralização dos recursos e discurso descentralizador, falta de prioridades
claramente definidas.
Durante sua curta duração, foram lançados para a educação dois projetos: o
Programa Setorial de Educação, parte do Projeto de Reconstrução Nacional, em de-
zembro de 1990 e o Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania. Além desses, sob
a gerência do MEC, a educação também é contemplada prioritariamente no Projeto
Minha Gente, ligado ao Ministério da Saúde e que se constituiu num grande “guar-
da chuva” que abrigaria os “descamisados”, oferecendo-lhes educação, assistência
à saúde, complementação alimentar, lazer, convivência comunitária e assistência
social geral. Para tanto, é anunciada a construção dos Centros Integrados de Assis-
tência à Criança e ao Adolescente - CIACs, cuja semelhança com os CIEPs do Rio de
Janeiro não pode deixar de ser notada e reflete o fascínio que os projetos majestosos
exercem sobre os políticos brasileiros.
49 Tomo para o termo “populismo” a caracterização feita por CHAUÍ (1994): “um poder que
procura realizar-se sem as mediações políticas, pensado e realizado sob a forma da tutela e do favor,
que opera simultaneamente com a transcendência e a imanência, onde há uma indistinção entre o
poder e seu ocupante, o que WEBER chama de dominação carismática.”

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


129

3.2.1 – O Projeto Minha Gente – Os Centros Integra-


dos de Atenção à Criança (CIACs)

O Projeto Minha Gente, no que se refere à educação, se propunha a oferecer


creche e pré-escola, escola de 1º grau de tempo integral, preparação profissional e
educação de jovens e adultos. Seu caráter inovador se traduz, segundo seus ideali-
zadores, no modelo de gestão proposto, com ênfase na participação da comunidade
que deteria o poder de delinear cada programa por ela escolhido, de acordo com
suas características sócio-econômicas, geográficas e culturais. Os níveis de partici-
pação definidos para a comunidade ocorreriam: na concepção do Projeto, quando
recebe informações sobre o mesmo, na implantação, quando é consultada e emite
opiniões e na operação, quando partilha das decisões e da operação das unidades
instaladas (FERRETI, 1992).
O elemento de maior impacto no projeto era, sem dúvida, sua base física.
Cada CIAC deveria ser composto por cinco prédios, além de quadra poliesportiva e
campo de futebol, com área construída com cerca de 4.000 metros quadrados, em
terreno de 16.000 metros quadrados. Para sua construção foram instaladas fábri-
cas, uma vez que, de forma a atender à padronização desejada e à racionalização
dos custos e meios de operacionalização, optou-se pela utilização de módulos pré-
-fabricados.
A abrangência do Projeto se estenderia, segundo o proposto, a todas as crian-
ças e adolescentes do país e suas famílias - evidentemente referindo-se aos setores de
baixa renda. Seu propósito se direcionava a “redimir grande parcela empobrecida,
ignorante e passiva da população, através da educação, tomada em seu sentido am-
plo, e não somente escolar.” (BRASIL. Ministério da Saúde, Projeto Minha Gente,
1991)
Os CIACs geraram grande polêmica, especialmente entre os segmentos mais
críticos da sociedade, que denunciaram seu caráter demagógico, sua incoerência
face à realidade, o favorecimento dos setores empresariais na sua implantação e
o caráter paralelo em relação à rede de escolarização regular para a qual não se
vislumbravam soluções no âmbito da política educacional do governo. A proposta
dos CIACs oferece um exemplo da instabilidade e falta de consistência das políticas
adotadas para solução dos problemas da educação no Brasil, que não se detêm na
adoção de medidas relativamente simples, porém efetivas, dando preferência a solu-
ções mirabolantes e grandiosas (caso dos CIACs).
A ausência de uma proposta pedagógica própria justifica-se pela ênfase con-
ferida à participação da comunidade, que definiria as ações a partir de suas neces-
sidades.
Na realidade, a ausência de proposta revelava o descomprometimento do
governo federal com a clientela destinatária do projeto, já que, uma vez construídos,
os CIACs deveriam ser assumidos e mantidos pelas instâncias estaduais e munici-
pais, com os recursos humanos e financeiros de que dispusessem. O compromisso

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


130
da União, entretanto, era efetivo com as empreiteiras contratadas para construir as
centenas de CIACs em todos os Estados da Federação. Segundo FERRETTI (Op.
cit.p. 72), os recursos destinados à construção de 1700 CIACs em dez estados, em
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

1992, representavam um quarto do montante destinado ao Projeto no orçamento


da União e mais de quatro quintos da contribuição do MEC para o Projeto naquele
ano. E conclui:

“Pode-se facilmente imaginar o quanto o Projeto e, especificamente a construção


dos CIACs onera os ministérios envolvidos e, por conseguinte, as ações que lhe ca-
beria desencadear. Os possíveis ganhos das crianças e adolescentes, a quem o Pro-
jeto se dirige, são uma incógnita que só o tempo responderá. Os dos empreiteiros,
ao contrário, são uma certeza. E imediata.” (FERRETTI, op. cit., p.72).

Posteriormente, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Pro-


jeto Minha Gente saiu de cena melancolicamente, não sem que a União tivesse que
indenizar as empreiteiras pela quebra dos contratos.
No governo Collor verifica-se uma variação no discurso quanto ao papel
conferido à educação: no Projeto Minha Gente aparece como “resgate da dívida
social”, ao passo que no Projeto de Reconstrução Nacional aparece como um dos
elementos constitutivos do processo de reestruturação competitiva da economia
(MELLO e SILVA, op. cit.).

3.2.2 – O Plano Nacional de Alfabetização e Cidada-


nia (PNAC)

A elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos ocorre já sob a


gestão de Itamar Franco na Presidência da República em substituição a Fernando
Collor, destituído do cargo no processo de impeachment. Situa-se no contexto da
interferência organizada dos países centrais do sistema capitalista, através de seus
organismos internacionais - UNESCO, UNICEF, PNUD e BIRD - sobre os países
periféricos, no sentido do controle do seu processo de desenvolvimento, levando-se
em conta a realidade da globalização.
Como forma de adequar a educação ao novo padrão de organização da pro-
dução, exige-se que os países do Terceiro Mundo ponham em execução uma política
educacional que tenha condições de propiciar à força de trabalho uma formação
adequada às necessidades do processo produtivo.
Como parte dessa estratégia de intervenção, são organizadas pelas entidades
acima citadas, as Conferências Mundiais de Educação para Todos - em maio de
1990, na Tailândia e em novembro de 1993 em Nova Delhi - reunindo os países
em desenvolvimento mais populosos e detentores de altos índices de analfabetismo:
Brasil, Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.
Da primeira Conferência resultaram deliberações consensuais consolidadas
na “Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades
Básicas de Aprendizagem”, bem como o compromisso da elaboração de planos

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


131
decenais de educação para universalização da educação fundamental e erradicação
do analfabetismo nos países signatários da Declaração, no período compreendido
pelo Plano.
No Brasil, o processo de elaboração do Plano sofreu atrasos, face às turbu-
lências ocasionadas pelo impeachment do Presidente Collor. Destarte, somente em
1993 colocou-se em prática o processo de debates sobre o Plano, através da rea-
lização de seminários temáticos em diversas regiões do país, consolidados durante
a Semana Nacional de Educação para Todos (Brasília, 10 a 14 de maio), após a
qual foi elaborada a 1ª versão do Plano, por um Grupo Executivo integrado por
profissionais do MEC, CONSED (Conselho dos Secretários Estaduais de Educação)
e UNDIME (União dos Dirigentes Municipais de Educação). Essa primeira versão
foi enviada aos estados e municípios, entidades representantes da sociedade civil,
inclusive sindicatos, universidades e o poder legislativo e judiciário, objetivando sua
ampla discussão, bem como a elaboração dos Planos Decenais no âmbito estadual
e municipal, em consonância com as diretrizes do Plano Nacional.
Em agosto de 1994, durante a realização da Conferência Nacional de Edu-
cação para Todos, é lançada a versão final do Plano, à qual foram incorporadas as
contribuições encaminhadas a partir dos debates realizados em âmbito nacional.
O processo de elaboração do Plano evidencia a firme intenção de dar legi-
timidade à política educacional em implantação, ao preocupar-se com a maior am-
pliação possível da participação da sociedade e, portanto, com a conquista de con-
senso para suas proposições. Exemplo desse esforço encontra-se no fato do MEC ter
enviado as 45.000 maiores escolas de educação fundamental do país, três exempla-
res do Plano - a edição escolar, acompanhada de guia para subsidiar as discussões.
Com certeza, tal procedimento resultou na incorporação, no conteúdo do Plano, de
demandas históricas dos setores mais progressistas da sociedade em relação à edu-
cação, refletindo uma estratégia de legitimidade e consenso, característica do Estado
capitalista, que

“embora continue a deter o uso legítimo da força, podendo pôr em funcionamento


seu aparato repressivo para inviabilizar a organização das massas, vê-se compelido
a utilizar cada vez mais amplamente estratégias políticas que visem a obtenção do
consenso, diante da ampliação dos espaços superestruturais estreitos da democracia
clássica.” (NEVES, 1994:14)

A Conferência Nacional de Educação para Todos insere-se nessa estratégia.


Constituiu-se num evento de grandes proporções, que cumpriu o papel de dar visi-
bilidade às ações do governo no campo da educação, preenchendo o vácuo político
resultante do impasse na discussão e aprovação da LDB. A ANDES-SN e o Fórum
Catarinense em Defesa da Escola Pública estão entre as entidades que denunciaram
o processo de elaboração do Plano como “cortina de fumaça” para ocultar o des-
compromisso do governo em relação à LDB.50

50 Jornal do Brasil, 31 de agosto de 1994, p.13 - Especialista critica rumo da educação; Jornal
Em Defesa da Escola Pública, p.4 - Plano Decenal Atropela LDB.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


132
Por outro lado, a real amplitude da participação dos profissionais da escola
na discussão do Plano é questionável, dados os prazos exíguos e as condições em
que ocorreu. Na realidade, o Plano chegou às escolas como mais um documento
Núcleo de Educação a Distância - UFMA

oficial, e sua discussão foi percebida como mais uma tarefa formal a ser cumprida,
uma vez que não havia qualquer relação orgânica dos docentes com a proposta nele
apresentada.
O objetivo mais amplo do Plano era “assegurar, até ao ano 2003, a crianças,
jovens e adultos, conteúdos mínimos de aprendizagem que atendam às necessi-
dades elementares da sociedade contemporânea” (BRASIL/MEC, 1993) e coloca
como horizonte a reconstrução do sistema de educação básica. Apresenta-se mais
como uma declaração de intenções e justifica as indefinições como flexibilidade e
abertura aos novos aperfeiçoamentos.
Deveria servir de referência aos estados e municípios para elaboração de
seus planos, nos quais as metas globais de ação seriam detalhadas, como também
nos projetos pedagógicos das escolas que “elegerão as estratégias específicas mais
adequadas em cada contexto à execução dos objetivos globais do Plano.” (MEC,
Plano Decenal, 1994: p.15)
Dentre as Metas Globais destacam-se: elevar para 94% a cobertura da popu-
lação em idade escolar, regularizar o fluxo escolar pela redução da repetência de 1ª
a 5ª série, extensão do PRONAICA a 1,2 milhões de crianças e adolescentes, am-
pliação progressiva da participação da educação no PIB até o índice de 5,5% (em
92 era de 3,8%), implantação de novos esquemas de gestão nas escolas públicas
(concedendo-lhes autonomia financeira, administrativa e pedagógica), revisão crí-
tica dos cursos de licenciatura e escola normal, dotar as escolas urbanas e rurais de
condições básicas de funcionamento, aumentar progressivamente a remuneração do
magistério público, descentralizar progressivamente os programas do livro didático e
da merenda escolar.
Concluindo

Como vimos, as duas décadas estudadas nesse capítulo foram de fundamen-


tal importância no campo educacional, sobressaindo a intensa participação da so-
ciedade, tanto dos segmentos progressistas, como de segmentos conservadores que
se mobilizaram para fazer valer suas ideias sobre o papel da educação na sociedade
contemporânea. Observe como a desigual correlação de forças torna árdua a luta
para as camadas populares na conquista de seus direitos, no plano geral e, especial-
mente, no plano educacional.
A classe dominante dispõe de mecanismos de cooptação que tornam inócuas
as estratégias da democracia representativa – as eleições, os mandatos parlamenta-
res.
Durante a década de 1980, vivenciou-se no Brasil ensaios de uma democra-
cia participativa que poderia significar maior espaço na arena política para a mani-
festação das demandas das maiorias excluídas dos benefícios do desenvolvimento
econômico. No caso da educação, as Conferências Brasileiras de Educação (na dé-
cada de 1980), secundadas pelos Congressos Nacionais de Educação (na década de
1990), bem como os Fóruns (Nacional e Estadual) em Defesa da Educação Pública,
foram as principais instâncias de manifestação dos setores progressistas.

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


133
Por outro lado, os setores conservadores também se organizaram em espa-
ços específicos como, por exemplo, o Instituto Herbet Levy, ligado à Confederação
Nacional da Indústria, que elaborou e divulgou um documento intitulado Educação
Fundamental e Competitividade Empresarial - Uma Proposta para Ação do Gover-
no, que subsidiou algumas das políticas efetivamente adotadas, como o Fundef, por
exemplo. A campanha Acorda Brasil, Tá na Hora da Escola!51 e os Amigos da Es-
cola, foram estratégias utilizadas para concretizar o argumento neoliberal de repassar
à sociedade a responsabilidade pela manutenção da escola, eximindo o Estado de
garantir a escolarização a toda a população.
Ao final do primeiro governo FHC anuncia-se a universalização do ensino
fundamental, visto que 96% das crianças de 7 a 14 anos estariam matriculadas em
alguma escola. Entretanto, os resultados da participação brasileira nas avaliações in-
ternacionais anuviam o brilho dessa conquista, ao revelar o baixo desempenho dos
alunos, que chegam à oitava série com desempenho igual ao esperado na quarta
série. O Plano Nacional de Educação, aprovado em janeiro de 2001, com vigência
de 10 anos, estabeleceu mais uma vez um prazo de dez anos para a erradicação do
analfabetismo no país, meta não alcançada, uma vez que, no período, o analfabetis-
mo recuou apenas 4 pontos percentuais, alcançando a taxa de 9,6% em pessoas de
15 a 64 anos, segundo dados do IBGE. No entanto, especialistas criticam a metodo-
logia adotada pelo IBGE que considera alfabetizadas as pessoas que conseguem ler
e escrever um bilhete simples. Pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e
pela ONG Ação Educativa, revela um índice de 27% de analfabetos funcionais na
faixa dos 15 aos 64 anos, o mesmo encontrado em 2001, quando o indicador foi
calculado pela primeira vez.52
Na primeira década do século XXI o cenário neoliberal se aprofunda, mas a
crise econômica de 2008 já sinaliza um declínio desse paradigma e novos ajustes se
anunciam, com outros impactos sobre a política educacional, que merecerão estudos
mais minuciosos em outras disciplinas do curso.

51 Programa de mobilização social do Ministério da Educação (MEC), lançado em março de 1995, com o
objetivo de incentivar parcerias da sociedade civil com o poder público, como forma de melhorar a qualidade
do ensino e divulgar ações educacionais inovadoras em todo o país. As ações incluem programas educacionais,
intercâmbios, premiações, repasse de tecnologia e equipamentos, treinamento, valorização do professor, pales-
tras, seminários e outros eventos. As experiências de êxito, tanto no sistema público como privado e também
os desenvolvidos pelo terceiro setor ou organizações não-governamentais, são registrados num Banco de Ações
Educacionais (BAE).(MENEZES, 2002)

52 Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/analfabetismo-dez-anos-depois-nao-saimos-
-lugar-

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA


134
ATIVIDADES AVALIATIVAS

1. A década de 1980 é um período de intensa mobilização no campo


Núcleo de Educação a Distância - UFMA

educacional. Que entidades e eventos se destacam no debate sobre a educação no


período?
2. Qual a sua opinião sobre as políticas compensatórias adotadas pelo
governo federal para a educação?
3. “Tanto o governo Collor, como o governo FHC pautaram suas ações
em matéria de educação na adoção de uma retórica retumbante e na realização de
eventos de objetivos mais publicitários que efetivos para o equacionamento da pro-
blemática da educação do povo.” Como é justificada no texto essa afirmação? Você
concorda?
4. Analisando a educação brasileira nas décadas de 1980 e 1990 que
aspectos você apontaria como positivos e como negativos do ponto de vista da cons-
trução de um sistema educacional de qualidade para todos os brasileiros?

SUGESTÃO DE FILME: Tancredo – A Travessia (de Sílvio Tendler)

MIRIAM SANTOS DE SOUSA


135
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MIRIAM SANTOS DE SOUSA

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