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2 A LITERATURA INFANTOJUVENIL E O FORTALECIMENTO DE UMA

IDENTIDADE NACIONAL

2.1 Características do texto literário e o seu “papel formativo”

Segundo alguns estudiosos, a literatura está presente na sociedade desde a


antiguidade, quando a escrita começou a ser desenvolvida e as primeiras obras foram
elaboradas. Desde então, ela desempenha um papel fundamental no registro e preservação da
história, na transmissão de conhecimentos e na expressão da criatividade humana.
Há uma série de características que diferenciam um texto literário de outras
formas de expressão escrita, Lajolo (2018 p. 27), destaca como “critérios pelos quais se tenta
identificar o que torna um texto literário ou não literário: o tipo de linguagem empregada, as
intenções do escritor, os temas e assuntos de que se trata, o efeito produzido pela sua leitura”.
Assim, a linguagem utilizada é um dos principais aspectos que caracteriza uma produção
como literária, sendo que, a literatura explora as possibilidades da língua, utilizando diferentes
recursos textuais, com a finalidade de desenvolver uma experiência estética para o leitor.
Nessa perspectiva, a

Literatura pode ser entendida como resultado de um uso especial de linguagem que,
por meio de diferentes recursos, sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da
aliança entre o ser e o nome. No limite, ela encena a irredutibilidade e a
permeabilidade de cada ser, pois participa de uma das propriedades da linguagem: a
capacidade de simbolizar e de, simbolizando, simultaneamente afirmar e negar a
distância entre o mundo dos símbolos e do dos seres simbolizados (Lajolo, 2018,
p.47).

É por meio desse uso artístico da palavra, que contrapõe outros tipos de escrita
que objetiva apenas informar algo, que o texto literário desenvolve um papel crucial na
sociedade, levando o indivíduo ao estado de reflexão. Cândido (2011, p. 113) enfatiza que

A literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando


nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.
Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão
presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A
literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a
possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.

Dessa forma, é inquestionável que a leitura de obras literárias desenvolve um


importante papel no desenvolvimento humano, emocional e social do indivíduo, estimulando
um pensamento crítico sobre determinadas questões, como políticas, ideológicas, éticas, entre
outras. Para Zilberman (2008, p. 23),
A leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que
permite ao indivíduo penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua
subjetividade e história. O leitor não esquece suas próprias dimensões, mas expande
as fronteiras do conhecido, que absorve através da imaginação, mas decifra por meio
do intelecto. Por isso, trata-se também de uma atividade bastante completa,
raramente substituída por outra, mesmo as de ordem existencial. Essas têm seu
sentido aumentado, quando contrapostas às vivências transmitidas pelo texto, de
modo que o leitor tende a se enriquecer graças ao seu consumo.

Assim, a literatura é uma atividade que pode servir como base para discussões
acerca da individualidade humana e, mediante outros pontos de vista, conhecer emoções e
sentimentos alheios
Ademais, Cândido (2011, p. 179) explica que, “quer percebamos claramente ou
não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais
capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e, em consequência, mais capazes de
organizar a visão que temos do mundo”. Logo, pode-se destacar que a literatura também
atribui significado e organiza os pensamentos e emoções humanas.
Em suma, são muitos os benefícios do texto literário na formação humana, por
isso, essa atividade deve ser incentivada e praticada desde a infância, para que a criança
alimente sua imaginação, estimule habilidades como a compreensão e desenvolva o gosto pela
literatura, levando-o por toda a vida.

2.1.1 A importância da literatura na formação de crianças e jovens

Desde o seu desenvolvimento, a literatura voltada ao público infantojuvenil tem um


caráter pedagógico, sendo que, por meio das histórias, tenta educar, ensinar e transmitir
conhecimentos. Por exemplo, o texto literário voltado a esse público trata, intensamente,
sobre questões éticas e morais, a fim de transmitir valores como amizade, respeito,
honestidade, solidariedade, entre outros. Dessa forma, os personagens e narrações dos livros
podem servir como exemplo e inspiração positiva.
Contudo, é um equívoco destinar à literatura infantojuvenil apenas uma objetividade
pedagógica, para Coelho (200, p. 27), “literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou
melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da
palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua
possível/impossível realização”. Assim, ela constitui-se também como uma forma de
representação do mundo e um meio de questionar a realidade social.
Vários estudiosos analisam e discorrem sobre a importância do texto literários na
formação e desenvolvimento infantil, Abramovich (2004 p. 17), por exemplo, afirma que
É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos,
outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica...É ficar sabendo
história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o
nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula.

Assim, em contato com o texto literário, a criança constrói e elabora novas


aprendizagens, desenvolve um pensamento crítico, descobre e questiona diferentes realidades,
isso, saindo do caráter formador do espaço escolar.
Para Simões (2013, p. 233), a

Literatura infantil não é exclusivamente informação, mas pluralidade de


significados, possibilitando múltiplas interpretações e possibilidades de fruição,
como, ademais, é a função de toda outra obra de arte: fonte de conhecimento,
reflexão e prazer estético consistindo, justamente nisso, sua função formativa e
emancipadora.

Nessa perspectiva, a literatura infantojuvenil tem dois papéis, um estético e outro


formativo. Promovendo, por meio do uso artístico da palavra, um conhecimento capaz de
proporcionar à criança uma melhor compreensão do espaço em que vive.
Em linhas gerais, são inúmeros os benefícios do texto literário na formação
humana, sendo estes reconhecidos na própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na
qual consta que,

Como linguagem artisticamente organizada, a literatura enriquece nossa percepção e


nossa visão de mundo. Mediante arranjos especiais das palavras, ela cria um
universo que nos permite aumentar nossa capacidade de ver e sentir. Nesse sentido,
a literatura possibilita uma ampliação da nossa visão do mundo, ajuda-nos não só a
ver mais, mas a colocar em questão muito do que estamos vendo e vivenciando.
(BRASIL, 2017, 499).

Todavia, nem sempre essa importância foi reconhecida, sendo que, a literatura
infantil e juvenil se desenvolveu e tornou-se uma preocupação central para os escritores e
estudiosos a partir do avanço da educação e, principalmente, da percepção de infância.

2.2 Surgimento da literatura voltada a crianças e adolescentes

A criação de uma literatura voltada especialmente às crianças e jovens está ligada


diretamente a ascensão da burguesia e ao reconhecimento de uma importante fase no
desenvolvimento humano: a infância. Como enfatiza Cunha (1987, p. 19),

A história da literatura infantil tem relativamente poucos capítulos. Começa a


delinear-se no início do século XVIII, quando a criança passa a ser considerada um
ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria
distanciar-se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a
preparasse para a vida adulta.
Assim, a partir desse período, a criança deixou de ser vista como um adulto em
miniatura, sendo considerada um ser que necessita de cuidados e uma educação diferenciada,
consequentemente, surgiu o interesse em produzir livros específicos para essa parcela da
população.
No Brasil, somente no início do século XX que passou a ser produzida uma
literatura voltada ao público infantil

2.2.1 A literatura infantojuvenil e nacionalismo

A partir do século XIX, o nacionalismo foi um fenômeno social que se fez


presente em várias partes do mundo e que se manifestou no meio escolar de diversas formas,
“mas, sobretudo, com o desenvolvimento de uma literatura escolar que se ampliou no período
inicial do regime republicano” (Oriá, 2009, p.77). Essa literatura de viés didático voltada às
crianças deste período, é denominada por Choppin como “livro-instituição”, isso porque,
“veiculavam valores morais, cívicos e patrióticos – imprescindíveis ao fortalecimento de uma
identidade da Nação” (ORIÁ, 2009, p. 71).
Um grande sucesso de livro institucional é o romance Cuore (Coração), do
escritor italiano Edmundo de Amicis, lançado no ano de 1886.

Somente na Itália mais de um milhão de exemplares do Cuore foram vendidos.


Numerosas traduções em diversos idiomas apareceram desde fins do século passado
até o presente. Livro de leitura escolar e, ao mesmo tempo, obra clássica da
literatura infantil, Cuore conquistou também as crianças brasileiras e exerceu
sensível influência sobre nossos autores de livros de leitura, conforme se pode
constatar nas obras de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto, Bilac, Júlia
Lopes de Almeida, Scaramelli e outros (PFROMM NETO, 1974, p. 174 apud
ORIÁ, 2009, p.78)

Essa obra, lida por várias gerações de brasileiros, foi referenciada por vários
autores consagrados da literatura em suas obras memorialísticas, como, por exemplo, José
Lins do Rego, que por meio do personagem Carlinhos, no romance Doidinho, faz a seguinte
menção

Seria para mim uma vitória abandonar aqueles cadernos amarelos. Mas o meu
grande ideal de aluno estava no Coração. [...] E como era diferente a escola de lá da
do professor Maciel! Distribuíam prêmios, os professores falavam manso, não
existiam palmatórias. O nosso colégio não se parecia com as escolas da Itália. [...]
todo esse livro delicioso me chamava para as suas páginas (REGO, 2011, s.p).
Mas essa obra também despertou opiniões negativas de literatos brasileiros, como
a tecida por Monteiro Lobato em carta endereçada a seu amigo Godofredo Rangel, no ano de
1916: “é de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação
de meus filhos. Mais tarde, só poderei dar-lhes o Coração, de De Amicis – um livro tendente
a formar italianinhos [...] (LOBATO, 2010, s.p)
Entre menções positivas e críticas, o romance serviu também de inspiração para a
criação de novas obras. Viriato Corrêa, em diversas entrevistas a jornais, destacou: “quando li
o “Coração”, de De Amicis, já era homem formado, e achei o livro uma obra-prima, embora
contivesse dois graves defeitos para a criança brasileira: era muito triste e fazia amar a Itália
(CORRÊA, 1960 apud ORIÁ, 2009, p.79).
Mediante o segundo defeito, o autor, em carta destinada a seu amigo e editor
Ribeiro Couto, anuncia: “[...] estou a trabalhar num outro livro infantil. O título ainda não
achei. É um livro, não digo nos moldes, mas nas intenções do Coração, de Amicis, mas um
Coração verde e amarello, bem brasileiro, bem nosso. Deverá estar concluído em abril, para
sair lá pelo Natal” (CORRÊA, 1936 apud ORIÁ, 2009, p.85). Assim, o autor destaca a
importância do livro Coração para a produção de um clássico da literatura nacional, o
romance Cazuza: memórias de um menino de escola, publicado no ano de 1938.

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