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Toda literatura infantil é arte?

Resenha do artigo “Mundo literário infantil e universo artístico: possíveis conceitos para um
ponto de encontro.”

A partir dos pressupostos teóricos de Peter Hunt e Luigi Pareyson, o artigo “Mundo literário
infantil e universo artístico: possíveis conceitos para um ponto de encontro.” de Adriana
Batista de Souza Koide, Jussara Cristina Barboza Tortella e Maria Sílvia Pinto de Moura
Librandi da Rocha, propõe uma visão sobre a literatura infantil, ligando-a ao conceito de
formatividade. As autoras reconhecem a especificidade da escrita para crianças, que não
pode ser reduzida “si e por si” (KOIDE et al, 2017, p. 323), o artigo se refere à literatura infantil
como arte, criação, conhecimento e expressão.

As autoras apresentam a literatura infantil como , “uma arte que, enquanto transforma o texto
infantil em fruição, imaginação, criatividade, pode contribuir para a constituição e o
desenvolvimento de novas formas de pensar, sentir e agir não apenas nas crianças, mas
também nos adultos.” (KOIDE et al, 2017, p. 324).

O artigo expõe a análise de que a literatura infantil sobre marginalização no meio acadêmico
por razões diversas, como a premissa que que esta literatura é por demais simples, demanda
pouco trabalho e seu produto final é destinado a uma cultura menor.

Uma questão muito interessante no artigo, que ao propor a literatura infantil como arte, as
autoras apontam para um conceito de arte que é um fazer que abarca as regras de linguagem,
também ligado à técnicas de criação com o propósito de superação de limites, dialogando
com a realidade a fim de criar outras realidades, ou seja também e conhecimento, pois em sua
etimologia, arte também está ligada a saberes teóricos ou práticos. As autoras estendem a
conceituação afirmando que arte também é expressão, pois oportuniza formas de dizer e
exteriorizar emoções e conceitos. Desse modo, meios que mimetizam ou transformem a
realidade, que possam provocar e instigar o pensamento, reflexão, concretização de ideias,
sentimentos e emoções podem ser compreendidas, assim como o tema do artigo diz, como
construção, conhecimento e expressão.
A arte, de acordo com as autoras, pode ser reconhecida em toda atividade humana, desde que
alie-se à “formatividade”, ou seja, “para que uma atividade humana seja arte, ela precisa inovar,
desvendar, reinventar. Portanto, na ideia de formatividade está presente o conceito da
atividade humana que forma (formativa).” (KOIDE et al, 2017, p. 328). A literatura, então pode
ser entendida como arte, “pois como arte, como atividade humana que se traduz em
formatividade, se a compreendemos também como construção, conhecimento e expressão.”
(KOIDE et al, 2017, 328).

As autoras, após delimitar esta temática da literatura como atividade humana formativa e,
portanto, arte, discorrem sobre sua amplitude de técnicas, tempos e espaços, temáticas das
mais variadas e o fazem citando autores como Monteiro Lobato, que inovou em seu tempo e
que atravessou gerações com sua obra, Ruth Rocha que utilizando-se dos mais variados
recursos e personagens também provocam, instigam divertem e motivam a reflexão, ou seja
obras, que ao exercitarem a formatividade assumem seu caráter artístico.

O artigo também destaca o papel do mediador da leitura infantil, que é aquele que está em
contato direto com crianças e livros. Dentro desta temática elas utilizam duas expressões
interessantes a palavra-arte, entendida como todos os modos de comunicação com crianças,
em sons, imagens e palavras e a palavra-informação que é denotativa. Ambas compõem
juntas a funcionalidade da literatura infantil, sendo que a palavra-arte tem uma abrangência
maior, no que se refere a formatividade.

As autoras discorrem sobre a obra de Monteiro Lobato e sua inovação, ao incluir nos livros
realmente a voz da criança. O autor
foi um dos pioneiros a pensar na relação entre a palavra-arte e a criança.
Possibilitando um discurso com várias interpretações, Lobato defendia que o
livro infantil não deveria limitar a compreensão do pequeno leitor apenas ao que
dizia o autor, e acreditava que a criança deveria ganhar asas para imaginar e
sonhar com o livro infantil (KOIDE et al. 2017, p. 332)

Embora Lobato venha sendo revisitado atualmente, no sentido de se analisar criticamente sua
obra, onde evidenciam-se discursos preconceituosos, as autoras não levantam esta
discussão, analisando somente sua obra e toda a mudança na forma de se ver a criança em
relação à literatura.
O artigo aponta muitas questões extremamente pertinentes em relação à literatura infantil e
seu papel no desenvolvimento da criança. A discussão sobre mediação faz lembrar que o
texto literário é muito importante para este processo, pois na atuação, a literatura infantil
encontra-se em lugar privilegiado, é uma das matérias-primas do processo.

Outra questão importante, não levantada pelas autoras, é a questão da origem da literatura
infantil. Zilberman (2003) aponta que, para se estabelecer a conceituação da literatura
infantil, é necessário realizar uma consideração de ordem histórica, já que há uma origem
cronológica determinada. Da mesma forma, o surgimento da literatura infantil aconteceu em
decorrência de exigências temporais específicas, pois há uma ligação estreita “[...] entre seu
nascimento e um processo social que marca indelevelmente a civilização europeia moderna e,
por extensão, ocidental” (ZILBERMAN, 2003, p. 18).
Trata-se da emergência da família burguesa, a que se associam, em decorrência,
a formulação do conceito atual de infância, modificando o status da criança na
sociedade e no âmbito doméstico, e o estabelecimento de aparelhos ideológicos
que visarão preservar a unidade do lar e, especialmente, o lugar do jovem no
meio social 70 (ZILBERMAN, 2012, p. 18).

Além da reorganização da escola, ela também está vinculada a aspectos particulares da


estrutura social urbana de classe média, mesmo antes do processo de industrialização ter se
completado. Zilberman (2003, p. 17) afirma que o “[...] o aparecimento e a expansão da
literatura infantil deveram-se antes de tudo à sua associação com a pedagogia, já que aquela
foi acionada para converter-se em instrumento desta.” Devido a essa razão, o novo gênero
careceu, de imediato, de estatuto artístico, sendo-lhe negado a partir de então um
reconhecimento de valor estético, vale dizer, a oportunidade de fazer parte do reduto seleto da
literatura. Estas afirmações nos fazem compreender como as autoras procuraram com seu
artigo resgatar esta ligação da literatura infantil com a arte e fecham seu artigo afirmando que

É com um ensino crítico, portanto, que acreditamos ser possível defender o lugar
que cabe à literatura infantil no universo artístico e no espaço educacional,
ressaltando a importância de sua participação em um repertório cultural
necessário para a fruição, para a criatividade, para a formação humana, para a
vivência de experiências individuais e intransferíveis, para o conhecimento do
mundo comum e da vida social. Por meio de palavras, letras, sons ou imagens, a
literatura infantil ajuda a construir este e outros mundos, além de si mesma.
(KOIDE et al. 2017, p. 334)
Referências

KOIDE, A. B. DE S.; TORTELLA, J. C. B.; ROCHA, M. S. P. DE M. L. DA. Mundo literário infantil e


universo artístico: possíveis conceitos para um ponto de encontro. Cadernos de Letras da
UFF, v. 27, n. 54, p. 323-336, 30 jun. 2017.

ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Global, 2003.

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