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Niterói
2010
TATIANA LEAL ANDRADE E TEIXEIRA
Niterói
2010
Aos meus pais, com todo amor,
orgulho e gratidão de filha.
AGRADECIMENTOS
Tão importante quanto finalizar esta pesquisa é agradecer a todos aqueles que, direta
ou indiretamente contribuíram para o sucesso de mais uma etapa. Etapa árdua,
sofrida, solitária, mas imensamente gratificante no somatório das diversas
possibilidades que se evidenciavam a cada descoberta, a cada nova oportunidade.
Product of the contemporary city and relevant object of Brazilian urban context, the
notion of vacant land has assumed over time conceptual changes about its role in the
development of cities and society. When directly associated to both the process of
emptying the central areas as the speculative retention of idle land, they fail to
characterize empty spaces, respite areas and reserve stock to configure a social
problem with economic dimensions resulting mainly from demand for housing in areas
with pre-existing infrastructure. After formalized discussions in different instances of
civil society, especially in the 1970s, the issue was acknowledged in the Chapter of
Urban Policy of the Federal Constitution of 1988 and acquired, through the City Statute
in 2001, new urbanistic instrumental able to better restrict or induce the issues relating
to social problems arising from vacant lands. However, the regulatory and legislative
advances were not enough to the particularization of the issue, in contrast to the
diversity of the situations of vacant lands present in Brazilian cities. This research
questions the apparent consistency and uniformity of the issue of the vacant land,
revises the subject conceptually and develops the criteria for analysis that allow better
characterization and classification, focusing on the case of medium-sized cities and in
particular the city of Juiz de Fora, here broached as study case. Through an articulated
analysis between different categories of vacant lands identified in the city and the
application, solely or jointly, of urban instruments able to reintegrate them into urban
dynamic, it is proposed a systematization of municipal urban policy guidelines aimed at
collectivity and able to give back to the city's dynamic the idle spaces.
Keywords: vacant lands, the City Statute; instruments of urban intervention; municipal
urban policy; medium-sized cities, Juiz de Fora / MG.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPA 01 Mapa ilustrativo dos Vazios Urbanos no Vetor Oeste, pg. 093
MAPA 02 Vazios como Manchas, pg. 097
MAPA 03 Mapa esquemático do vazio urbano da MRSS, pg. 099
MAPA 04 Mapa esquemático de grandes vazios públicos, pg. 101
MAPA 05 Vazios AP-Centro, pg. 103
MAPA 06 Vazios urbanos na região central, pg. 105
MAPA 07 Vazios Unidade Centro, pg. 110
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO
A partir de meados do século XIX, essas áreas passam a ser associadas ao processo
de esvaziamento2, deixando a caracterização de espaços livres para assumir uma
responsabilidade com dimensões econômicas e sociais. Passam a ser terrenos
economicamente ineficientes, socialmente injustos e incompatíveis (Furtado e Oliveira,
2002) com as necessidades de terra para atender as demandas sociais. Muda-se o
conceito e, com ele, também as abordagens referentes ao tema.
Diante deste novo quadro que se forma, diversos autores reformulam idéias e passam
a entender os vazios urbanos dentro da dinâmica local na qual estão inseridos. O que
antes era considerado elemento fundamental para o crescimento e expansão das
cidades – as áreas de “respiro” em meio à densificação construtiva e populacional, as
reservas públicas para inserção de novos equipamentos urbanos – torna-se problema
social a ser combatido nas mais diferentes esferas.
1
Para maior aprofundamento do tema ver Borde, 2006 – capítulo I.
2
Para a presente pesquisa, entende-se “esvaziamento” como processo pelo qual passam alguns imóveis,
localizados principalmente em áreas centrais, que em conseqüência das modificações econômicas e da
dinâmica urbana vão perdendo suas funções originais – tornando-se espaços ociosos.
14
Clichevsky (2002), num panorama latino americano, faz uso do adjetivo “tierra
vacante” e o define como duas possibilidades distintas: i) toda terra privada não
utilizada que se encontra subdividida em parcelas denominadas urbanas segundo a
legislação vigente, dentro de um perímetro pré-definido e podendo ser utilizada para
fins residenciais, industriais, comerciais ou de serviços; ii) toda terra de propriedade do
Estado que está em processo de perda dos seus usos originais. Economicamente, seu
conceito vai mais além: os vazios urbanos são o resultado do funcionamento do
mercado de terras com pouca, ou sem muita expressividade legislativa. Os diferentes
agentes que atuam neste mercado (proprietários e incorporadores) podem apropriar-
se da renda gerada pela retenção da terra, muitas vezes durante décadas,
desfavorecendo a coletividade e a produção da real função da propriedade urbana.
3
Artigos e seminários como o FUNDAP (1978) e o CNDU (1980 e 1982); diagnósticos oficiais PLAMBEL
(1978); COGEP (1980); estudos realizados por (ou para) instituições públicas como ASTEL (1978) e
CEPAM (1982); CNBB (1982). (FURTADO; OLIVEIRA, 2002).
4
Projeto de Lei Nº 775, de 1983 (do Poder Executivo).
15
Nos anos seguintes, o debate ganhou força e a discussão do tema foi repassada a
outros níveis de governo, com a elaboração das Constituições Estaduais, das Leis
Orgânicas e dos Planos Diretores Municipais.
5
Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os Arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
16
que uma área ociosa passa a ser considerada como um problema social ela precisa
necessariamente ser caracterizada dentro de um contexto local, e certamente, nem
todo instrumento urbanístico será capaz de revertê-la.
Com enfoque em estudos mais recentes, os vazios urbanos podem mesmo significar
diversas coisas. Para Borde (2006), por exemplo, eles podem assumir uma
caracterização de vazios projetuais, conjunturais e estruturais, de acordo com o seu
processo de formação. Seguindo outra lógica de pensamento, Furtado e Oliveira
(2002) afirmam que os vazios assumem características e significações diferentes se
levada em conta a sua localização na malha urbana e a consequente relação
estabelecida com o entorno. Ou podem ainda ser identificados pela sua mudança
funcional, como é o caso de edificações em alteração estrutural e econômica que
estão perdendo a sua função original e criando verdadeiros espaços ociosos em áreas
já consolidadas e bastante valorizadas da cidade, como abordado por Silva (2008).
Diante desta problematização, surge o recorte pretendido por esta pesquisa. Tomando
como base as idéias de Borde (2006), que parte do pressuposto de que os vazios
podem sair de um estado de problema e passar a significar uma oportunidade, e de
Furtado e Oliveira (2002), que seguem o raciocínio de que os vazios precisam ser
entendidos na sua particularidade, a hipótese pretendida por esta pesquisa
fundamenta-se na idéia de que são necessárias políticas urbanas diferenciadas para
lidar com os distintos tipos de vazios. Dessa forma, torna-se imprescindível repensar o
processo de planejamento da cidade e reestruturar uma política de vazios urbanos no
intuito da melhor utilização do solo para a cidade como um todo, e não favorecendo
especificamente uma pequena parcela da sociedade. É buscar a real função social do
solo urbano. É mudar o paradigma do problema e enxergá-lo como solução. E para
que isso ocorra é de fundamental importância entender todos os processos de causa e
transformação envolvidos.
Com esta abordagem, entende-se que duas dimensões distintas podem ser
analisadas como propostas de modificação do estado de vacância dos vazios urbanos.
A elaboração de uma política urbana municipal consistente deve tanto abranger
instrumentos de intervenção urbana quanto favorecer a elaboração de projetos
17
Como recorte espacial para o melhor entendimento de como esses processos se dão
no ambiente urbano, será focado o município mineiro de Juiz de Fora. Ele servirá
como suporte físico para uma investigação mais concreta desta problemática, levando-
se em consideração as questões históricas, de formação e conformação dos vazios
urbanos com todas as peculiaridades de uma cidade de médio porte brasileiro, pólo
regional do Estado de Minas Gerais.
Metodologia
Cabe salientar que essas diretrizes propostas (como objetivo principal) não foram
pretendidas como solução específica para os terrenos vazios da cidade, mas sim
como bases orientadoras da formulação de uma política pública consistente para a
questão e necessária para o entendimento da dinâmica urbana.
Facilitar o entendimento do que são esses vazios, provocar a discussão sobre o seu
papel e potencial para a cidade, gerar benefícios teóricos e práticos e buscar novos
parâmetros de planejamento urbano para lidar com as questões envolvidas são alguns
dos impactos esperados.
Dessa maneira, a presente pesquisa se justifica por estar diretamente ligada a um dos
assuntos mais discutidos recentemente com relação à questão urbana - o melhor
aproveitamento do espaço urbano para a promoção do verdadeiro valor social da
terra.
desejável, assim como para a população de Juiz de Fora, que terá a oportunidade de
maior aproximação com as linhas de desenvolvimento produzidas pelo Poder Público
local.
Organização da dissertação
O terceiro capítulo faz uma descrição do panorama atual dos vazios urbanos na
cidade de Juiz de Fora, caracterizados através das questões de formação (histórica),
conformação (dimensão) e estruturação (localização na malha urbana). Identifica
dentro da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, quais os instrumentos de
caráter urbanístico e fiscal estão diretamente relacionados à questão da situação de
vacância e restabelece uma relação direta com o conceitual desenvolvido no capítulo
1 da presente pesquisa. A seção 3.3, ao confrontar as bases conceituais e práticas
desenvolvidas no município, demonstra que a variedade disponível de instrumentos
urbanísticos aplicáveis aos vazios urbanos não é suficiente se a análise partir do
pressuposto de uma igualdade na sua classificação. As características tipológicas
identificadas durante o processo de desenvolvimento desta pesquisa serviram de
embasamento para a elaboração de diretrizes de política pública específicas para o
município, apresentadas no quadro resumo. Nele, encontram-se relacionados os
instrumentos urbanísticos melhor identificados para a reinserção urbana de cada tipo
de vazio identificado na cidade, objetivando uma Política Pública capaz de promover a
real função social da propriedade urbana.
A que nos remete a idéia de vazio? Espaço desocupado, sem uso? Lugar do
indefinido, do ilimitado ou, simplesmente, um não lugar? Uma descontinuidade do
processo de formação e transformação do espaço urbano? Oposição aos “cheios” da
arquitetura? Uma negação ou uma impermanência6? Uma efemeridade das cidades
modernas ou um produto do homem contemporâneo? Questionamentos que surgem
da inquietação cotidiana do indivíduo que vive em um lugar de profundas e
permanentes mudanças; de experimentações que necessitam de vivência e,
principalmente, de troca constante.
6
O termo impermanência é extraído da análise conceitual que Borde (2006) faz dentro de duas
concepções distintas de vazios – a dos textos religiosos cristãos, que ajudaram a construir o pensamento
ocidental, e a dos textos sagrados budistas para os quais “tudo está em permanente mudança”. Dentro
deste pensamento Borde ainda complementa: “O vazio está, portanto, no âmago das coisas concebidas
como impermanentes; ele não é a realidade, mas a concepção de realidade que a mente é capaz de
formar; ele não pode ser descrito, definido, apontado ou capturado, ele deve ser alcançado e, para ser
conhecido, precisa ser experimentado”. (Borde, 2006. pg. 36)
7
Segundo Da Poian (2001) apud Borde, 2006.
22
Mas, se entendermos os vazios por outra ótica - como sendo um dos resultados das
transformações sofridas e produzidas pelas cidades – podemos afirmar que a década
de 1990 estabelece uma nova maneira de reconhecimento destes – como problema
que deve ser enfrentado. O debate se desloca, então, um pouco da temática
conceitual e prioriza o estabelecimento de ações mais diretas por parte do poder
público, na tentativa de minimizar os efeitos perversos da manutenção dos vazios e
recuperar para a cidade e para a sociedade áreas tão importantes para a dinâmica
urbana contemporânea. Os vazios que faziam parte da cidade começam a ser
encarados como vazios na cidade, uma conotação muito mais abrangente do que a
simples significação simbólica agregada anteriormente. A partir daí, os vazios urbanos
não necessitam somente de classificação, mas de ação direta que os reconheça como
espaços a serem recuperados à dinâmica social, econômica e urbana.
8
Adjetivos usados por Borde (2006) para identificar os conceitos envolvidos no processo de formação e
transformação dos vazios urbanos como elementos morfológicos que organizam, desorganizam e
reorganizam o tecido existente.
9
Categorias desenvolvidas pela autora; conceitos mais elaborados no segundo capítulo da sua Tese de
Doutorado intitulada: Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. PROURB. Rio de Janeiro. 2006.
24
Assim como as áreas livres e verdes das cidades antigas, o vazio modernista é
concebido como parte de um projeto que não estabelece uma revisão conceitual do
tema, ou seja, ele é parte integrante das novas intervenções. O que muda é a
concepção do espaço público, agora compreendido de forma a potencializar os
espaços edificados, dando destaque e conformando uma monumentalidade que
somente pela arquitetura não seria alcançada. A ressalva a ser feita é que o mesmo
caráter inovador dos projetos modernistas possibilitou a configuração, também, dos
‘vazios sociais’11, pois uma nova forma de concepção espacial implicaria também na
elaboração de novas formas de inter-relações pessoais; o conceito não previa o que
na prática se transformou em problema.
10
A autora apresenta uma série de quadros explicativos, com critérios de classificação desenvolvidos
para um melhor entendimento sobre o tema. A sistematização de suas idéias e conclusões está
apresentada no capítulo 1 da sua Tese de Doutorado (2006).
11
Entende-se por ‘vazio social’ todo e qualquer espaço remanescente da ligação não estabelecida entre
uma intervenção modernista (pontual) e a morfologia urbana existente. Dessa forma, somente algumas
partes da cidade tornam-se modernas e espaços ociosos surgem dessa confluência não pensada.
25
inglês, eles ficaram conhecidos como derelict área; nos Estados Unidos da América,
vacant land; na França, após a década de 1970, como friche urbaine; assim como os
vazios viários ficaram conhecidos, no contexto norte-americano, após o urbanismo
modernista e rodoviarista, como os lost spaces (Borde, 2006).
Ainda segundo Borde (2006), no contexto brasileiro algumas expressões podem ser (e
foram) utilizadas para a categorização das situações (projetuais) de vacância urbana.
O termo “terras devolutas”13, por exemplo, define as terras públicas sem uso ou
serviço do Estado; são as “terras vagas, vazias, ermas, não ocupadas” e por isso,
consideradas públicas. Para “áreas obsoletas” tem-se a definição de lugares com
defasagem espaço-temporal do ponto de vista dos processos produtivos; “áreas
insalubres”14 significam locais sem condições de saneamento e salubridade no tecido
consolidado. O Urbanismo carioca deu origem ao termo “esplanada” que significa área
plana resultante dos desmontes dos morros do Castelo e de Santo Antonio15.
“Espaços, áreas, ou tecidos degradados” são utilizados como justificativa de ações de
renovação urbana; já “terreno baldio” significa terreno não ocupado ou não utilizado –
em estado de abandono –, ou espaço livre abandonado que integra lotes de
edificações abandonadas16.
12
Nos referimos aqui às intervenções como a construção das Linhas Vermelha e Amarela; às conexões
intermunicipais como a ligação da Ponte Rio-Niterói com a área central e zona sul da cidade do Rio de
Janeiro (configuração do Elevado do Gasômetro) assim como as conexões estabelecidas com as cidades
da Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Nova Iguaçu etc.).
13
Brasil. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Mais conhecida como Lei de Terras.
14
Brasil. Higienismo. Planos do início do século XX.
15
Neste contexto, esplanada remete ao vazio que não consegue ser preenchido apesar dos vários
projetos elaborados para essas áreas. Brasil. Rio de Janeiro, Comissão do Plano da Cidade, 1938.
Brasília, década de 1960. Esplanada designa o grande vazio projetado para a contemplação do poder
emanado pelos prédios públicos que a conformam (Borde, 2006. pg. 51).
16
No primeiro caso, são mais comuns nas áreas de expansão urbana e, no segundo, nas áreas urbanas
já consolidadas, abrangendo tanto o contexto brasileiro quanto latino-americano (Borde, 2006. pg. 51).
26
Ilustração 1: Exemplos de vazios projetuais no Brasil. A cidade planejada de Brasília, o Campus Universitário da
Universidade Federal de Juiz de Fora e o Campus Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fontes:
www.ufjf.br; www.static.blogstorage.hi-pi.com. Acesso em 12.01.2010.
17
O termo ‘friche’, inicialmente utilizado para identificar características exclusivamente rurais, foi
apropriado pelos franceses para identificar novos usos das áreas urbanas classificadas pelas
descaracterizações industriais e comerciais. Para melhor entendimento do termo e maior
desenvolvimento do tema ver Borde (2006), páginas 42-43.
18
Ambos localizados na área central da cidade e que representam situação semelhante dos demais
exemplares arquitetônicos do patrimônio do município.
19
Os “vazios esvaziados” que Silva (2008) identifica na área central da cidade de São Paulo fazem parte
de um estudo realizado para quantificar áreas obsoletas em locais infra-estruturados com fins de
requalificação para moradia popular.
28
Na medida em que este processo de vacância perdura no tecido urbano por tempo
indeterminado, o vazio conjuntural começa a adquirir responsabilidades sociais ao
provocar reflexos em sua área de abrangência, pois os problemas gerados
“fisicamente” em uma determinada área começam a atingir o entorno imediato,
“desfuncionalizando” também outras atividades comerciais e residenciais – e assim
ampliando a área física do vazio original.
Como terceira categoria definida por Borde (2006), os vazios estruturais, na maioria
das vezes, encontram-se intrinsecamente ligados às situações que geram também os
vazios conjunturais. São formados pelas grandes modificações urbanas concebidas
através da renovação das estruturas produtivas, sociais e econômicas. Significativas
interferências espaciais originaram os vazios de função, entendidos (ou que se
definem) como espaços ociosos em conseqüência de uma nova ordem estrutural e
econômica.
Este evento também atinge algumas cidades de médio porte, porém, com
características específicas de outra organização espacial e urbana. Eles normalmente
encontram-se associados a outros processos de cunhos sociais e econômicos que
auxiliam na descaracterização e na perda de função de determinada área. Mas,
apesar de guardar características distintas de cidade para cidade, o vazio estrutural
apresenta como forma definida e incontestável o seu tamanho físico e a dimensão dos
problemas ocasionados.
29
Ilustração 4: Os vazios portuários e ferroviários – Rio de Janeiro e Juiz de Fora, respectivamente. Fonte:
www.trensecia.fotopages.com. Acesso em 12.01.2010.
A partir das últimas décadas, estes vazios assumem novo papel associado às novas
formas de planejamento, as quais por sua vez se consolidam como uma das ações
principais na prática do combate à situação de vacância. Para uma maior
compreensão das implicações destas classificações – que guardam relações diretas
com os propósitos desta pesquisa – as questões envolvidas serão melhor
caracterizadas e aprofundadas no Capítulo 3, com associação direta entre os vazios
estruturais que também podem ser classificados como conjunturais, em situações
observadas na cidade de Juiz de Fora - MG.
Neste novo mundo, os vazios urbanos se constituem em outro lugar – mais justo e
mais diversificado – viabilizando a articulação das questões locais e globais nos
âmbitos sociais, políticos, simbólicos e econômicos. São capazes de transformar a
imagem decadente e deteriorada de espaços ociosos (e até cidades inteiras) em
oportunidade, em uma sociedade que privilegia a visibilidade e a imagem como formas
de poder.
Algumas intervenções concebidas com estes propósitos reafirmam (cada vez mais)
que é através dos seus vazios urbanos que a cidade se redefine e consolida seu poder
econômico frente ao capital globalizado. A reutilização dos vazios históricos da cidade
de Barcelona, Bilbao, Paris e Berlim, por exemplo, tornaram-se expoentes desta nova
ótica quando propiciaram (com sucesso) a reestruturação, a recuperação e a
construção/ desconstrução de processos emblemáticos, que serviram mais tarde como
exemplo a ser seguido e disseminado por todo o mundo.
21
Entende-se por “acupuntura urbana” a capacidade que tem uma intervenção (projetual ou urbanística)
de multiplicar seus ganhos em outras áreas da cidade, ou seja, requalificando uma determinada área,
subentende-se que suas melhorias surtam efeitos, também, em outros locais de condições similares.
32
Berlim, por sua vez, dialoga com vazios históricos muito marcantes pelos diversos
momentos de construção e desconstrução da sua malha urbana. As duas grandes
guerras, a renovação urbana de 1950, a queda do muro (1989) e a reunificação (1993)
constroem na cidade um panorama único, que a reconhece como lugar em
permanente transformação (Borde, 2006). Huyssen afirma que a associação da cidade
de Berlim com um grande vazio “é mais do que metáfora, e não é somente uma
condição transitória” (Huyssen, 2000 apud Borde, 2006. pg. 61). São vazios culturais e
simbólicos utilizados nas recuperações que extrapolam (em vários condicionantes) a
simples reestruturação do tecido urbano.
Ilustração 9: O vazio do "11 de setembro" e sua superação na transformação espacial. Fontes: Andrea Borde, 2005 e
www.gardia.co.uk/world/gallery. Acesso em 12.01.2010.
Ilustração 10: A recuperação dos vazios de Puerto Madero. Fonte: www.alacartatour.com. Acesso em 12.01.2010.
Mas, podemos generalizar essas ações práticas do mesmo modo que identificamos o
mundo globalizado? Se a formação histórica é tão importante na identificação dos
lugares, como afirmar que o projeto urbano seria capaz – por si só – de preencher
novamente os vazios remanescentes do tecido urbano? Segundo Borde (2006):
O Planejamento Urbano assume, então, seu papel como ferramenta principal para a
solução dos problemas citadinos, agora, partes integrantes de um contexto
globalizado. A resposta não é mais local, imediata. Aquilo que se propõe faz parte de
uma rede totalmente interligada, que generaliza soluções ao mesmo tempo em que
observa passiva e pacientemente seus resultados, já pré-estabelecidos.
Diante deste novo quadro que se configura, diversos autores reformulam idéias e
passam a entender os vazios urbanos dentro da dinâmica local na qual estão
inseridos, pois, apesar do mundo globalizado as cidades ainda apresentam suas
36
Andréa Borde afirma que para inserir os vazios urbanos novamente na dinâmica das
cidades é preciso, antes de qualquer coisa, considerá-los como elementos do tecido
urbano; partes integrantes de um sistema consolidado e passível de constantes
transformações.
Borde (2006) chama a atenção para uma nova categoria de vazio urbano que poderia
estar emergindo nas cidades contemporâneas – o reflexo da urbanização
descontinuada. Ou seja:
22
Reconhecidas como parte da questão social, essas classificações serão melhor detalhadas na seção
seguinte.
37
Mas como ainda é considerado um processo recente, esta nova categoria merece ser
avaliada com mais consistência antes de inseri-la no quadro dos vazios urbanos das
cidades contemporâneas. A presente pesquisa apenas se aterá a citá-lo como
referência de categoria, concentrando as questões nos entendimentos mais
consolidados sobre os problemas e as alternativas de solução para os vazios urbanos.
Ao serem considerados como questão social, os vazios urbanos passam por uma
diferenciação conceitual e tipológica, passando a ser caracterizados como vazios das
cidades e não como vazios nas cidades. Isso significa que o vazio urbano passa a ser
considerado como um dos produtos do meio urbano contemporâneo e não como mais
um elemento estruturalmente (e fundamental) do meio físico, somente. A sociedade os
produz e é diretamente afetada pelas implicações que deles derivam.
Como colocado por Furtado e Oliveira (2002), eles passam nesta nova conceituação a
significar terrenos economicamente ineficientes, socialmente injustos e incompatíveis
com as necessidades de terra para atender às demandas sociais. Transformam-se em
vazios social e fisicamente produzidos pela sociedade; são vazios urbanos que terão
um estatuto diferenciado daqueles integrantes do sistema de espaços livres de uma
cidade (totalmente favoráveis à dinâmica urbana), pois atuariam como pontos
geradores de desequilíbrio, de instabilidade e de modificação da forma urbana, com
funções, valores e significados distintos na produção e também na percepção do
espaço da cidade.
23
No Brasil, tal problemática ganhou respaldo sendo tema principal do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana (IAB/ IPASE) – Proposta de Lei (1963), mais conhecido como Seminário do Quitandinha,
realizado na cidade de Petrópolis-RJ. Para maior entendimento do tema ver Bassul (2005), Anexo I –
Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (1963). Pg. 183.
24
Fundação do Desenvolvimento Administrativo. Documento publicado em evento realizado em 1978 na
cidade de São Paulo, tendo como tema principal a Renda Fundiária na Economia Urbana. Documento
considerado como marco para a temática no Brasil, segundo Furtado (1996).
25
Conselho Nacional de Desenvolvimento urbano. Referência do documento apresentado no Seminário
sobre Problemas Fundiários Urbanos em Brasília, 1980. Este documento retrata a problemática da
questão fundiária brasileira com foco na insuficiência de instrumental jurídico-tributário; sugerindo a
implementação de uma política fundiária subordinada à política urbana em vigor, combatendo
prioritariamente o crescimento desordenado e a excessiva densificação, juntamente com a valorização
crescente do preço da terra. Ver Furtado (1996).
26
Órgão de planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG. Relatório de pesquisa
publicado como documento oficial do Governo Estadual em 1978 com objetivo principal de “conhecer as
relações entre o funcionamento do mercado de terras e o processo de estruturação urbana; identificando
as variáveis presentes na dinâmica da ocupação, para definir critérios de avaliação e formulação de
políticas públicas.” Ver Furtado (1996).
39
Paulo; estudos realizados por (ou para) instituições públicas como os da ASTEL
(1978)27 e do CEPAM (1982)28 e a CNBB (1982)29, demonstram a preocupação
comum com os problemas urbanos e sociais surgidos tanto do aparecimento quanto
da manutenção intencional de áreas vazias nas cidades brasileiras entre as décadas
de 1970 e 1980. A especulação fundiária e a escassez de infra-estrutura para fazer
face à expansão e ao crescimento urbano foram os grandes temas publicados e
debatidos.
Como evidenciam esses documentos, ao longo de todo o século XX, no Brasil como
em quase todos os países da América Latina (Furtado, 1997), manter uma situação de
vacância urbana em área valorizada é tão, ou mais, rentável, do ponto de vista do
27
Assessores técnicos Ltda. Pesquisa sobre evolução de preços de terrenos e seu impacto na formação
do preço das moradias. Relatório publicado em 1978 sobre a Experiência do Município do Rio de Janeiro.
28
Fundação Prefeito Faria Lima. Documento apresentado no II Seminário de Problemas Fundiários
Urbanos, Brasília 1982, que vislumbra uma série de possibilidades e limitações de vários instrumentos de
intervenção estatal voltados para a implementação de uma política fundiária que facilite o acesso à terra
urbana pela população de baixa renda. Ver Furtado (1996).
29
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Documento da XX Assembléia Geral da CNBB realizada na
cidade de São Paulo, 1982, apresentando como tema principal a dificuldade de acesso à terra urbana
pela população menos favorecida; com vastas informações sobre preço, lotes vazios, densidades
habitacionais e concentração da propriedade urbana.
40
mercado de terras urbanas, quanto ocupá-la ou reutilizá-la. Tal afirmação pode ser
considerada como resposta à pergunta que identifica – como marco conceitual –
quando e por que os vazios começaram a ser considerados problema de ordem social.
Mas, qual é a conjuntura que leva a dinâmica urbana a essa situação? Quando se fala
em área valorizada da cidade o quê exatamente está sendo referenciado? A dinâmica
urbana é feita e exercida por diversos agentes específicos. Carlos Nelson F. dos
Santos (1988) já os identificava quando afirma ser a cidade um “jogo de cartas”. O que
normalmente acontece é que alguns ‘jogadores’ possuem informações (ou poder de
persuasão) privilegiadas para a construção da dinâmica espacial. Isso se reflete na
valorização excessiva do solo urbano, na escassez social da terra, na retenção
especulativa de lotes e imóveis; ou seja, o lado com maior “potencial financeiro de
jogo” acaba por favorecer seus próprios interesses em detrimento do coletivo e do
bem comum.
A preocupação da sociedade como um todo fez com que o Poder Legislativo Brasileiro
transferisse o assunto para as pautas emergenciais, o que deu início a uma série de
discussões que culminaram na elaboração de diversos Seminários, Decretos, Projetos
de Lei, Emendas Populares e Leis31 – todos de cunho urbanístico. Entre eles, o
Projeto de Lei de Reforma Urbana (1964), a Constituição Federal (1988) e o Estatuto
da Cidade (2001) confirmaram diretrizes para uma reforma eminente e necessária,
que priorizaria o direito à cidade para todo e qualquer cidadão, assim como a
verdadeira prática da função social da propriedade urbana.
30
Crise econômica mundial que atingiu os paises da América Latina de maneira especial na década de
1990, quando o agravamento da miséria urbana alavancou as discussões citadas anteriormente.
31
Referimo-nos aqui, mais especificamente, ao Seminário de Habitação e Reforma Urbana (IAB/IPASE) –
Proposta de Lei (1963); ao Projeto de Lei de Reforma Urbana (1964); ao Projeto de Lei Nº775 de 1983; à
Emenda Popular da Reforma Urbana (1987); ao Projeto de Lei do Senado Nº181, de 1989; e à Lei
Nº10.257, de 10 de Julho de 2001.
32
O Seminário de Habitação e Reforma Urbana – mais conhecido como Seminário do Quitandinha –,
realizado em 1963, na cidade de Petrópolis/RJ, e posteriormente, a Promulgação do Projeto de Lei de
“Reforma Urbana” no ano de 1964, foram considerados os eventos mais importantes na compreensão da
questão urbana como ponto a merecer destaque tanto quanto às questões habitacionais ou agrárias, por
exemplo. O Art. 1º do Projeto de Lei (1964) decreta: “Fica instituído, junto à Presidência da República, o
Conselho de Política Urbana (COPURB), sediado em Brasília, com o objetivo de estudar os problemas
urbanos do País e elaborar as diretrizes de uma política de desenvolvimento urbano equilibrado,
harmônico e estético, sincronizado com a expansão econômica e social do País” (Bassul, 2005, pg.193).
42
33
Forma com que o governo subdivide o território municipal, em zonas homogêneas, para melhor
classificação do seu espaço e diferenciação das políticas públicas de intervenção urbana.
34
“Tierra vacante en ciudades latinoamericanas. Lincoln Institute of Land Policy. Cambridge,
Massachusetts. 2002.
44
Para uma significação tão diversificada se faz necessária uma classificação tão
abrangente quanto ela. Dessa forma, podem-se classificar os vazios urbanos quanto
ao seu processo de formação; quanto à sua localização no tecido urbano; suas
dimensões; seus proprietários; ou até mesmo levando em consideração as diferenças
de escala das cidades em que estão inseridos (grandes cidades, regiões
metropolitanas ou cidades médias).
35
Visão do filósofo e sociólogo Henri Lefebvre.
46
Relatos mais fidedignos desse período destacam quando, “pela primeira vez, o poder
público investe na ordenação espacial das cidades, até então abandonadas à ação
dos atores privados” 36, e o ideário daquilo que seria reconhecido mundialmente como
reforma urbana definia cada vez mais os princípios do direito à cidade.
36
Pinon, 2002 apud Ferreira e Motisuke, 2007. pg. 35.
47
37
Atualmente entende-se por reforma urbana como sendo o ideário político de natureza transformadora
das relações sociais vigentes (Bassul, 2005).
48
sistema. A saída para a crise foi a entrada – no jogo – do Estado, como mediador
entre os interesses do capital, por um lado, e do trabalho, de outro, de forma a garantir
a sobrevida do sistema. O New Deal, do presidente Roosevelt, marcou no início dos
anos 1930 a intervenção maciça do Estado na criação de empregos, por meio de
grandes obras públicas como barragens, estradas de ferro e rodovias, e a
regulamentação de direitos trabalhistas que, em suma, garantiam os níveis de
emprego e a elevação da capacidade de consumo da classe trabalhadora. Na Europa,
já no período do entre guerras, direitos trabalhistas como as férias anuais, o descanso
semanal remunerado, a limitação da jornada de trabalho, delineavam o que viria a ser,
com o atraso gerado pela Segunda Guerra, a base do sistema do Estado do bem-estar
social. Junto com o modo de produção fordista-taylorista, ambos alavancariam trinta
anos de crescimento da produção capitalista, baseada em um sistema em que o
Estado garantia as condições mínimas de vida e de consumo para sua população
(Ferreira e Motisuke, 2007).
Conforme Villaça (2005), não é difícil perceber que tal papel dos instrumentos
urbanísticos não teria como ser reproduzido no Brasil. Enquanto no contexto europeu
os instrumentos serviam – e ainda servem – para que o Poder Público pudesse, no
âmbito urbanístico, promover o bem-estar social e mediar os interesses do capital em
38
De acordo com Ferreira e Motisuke, o Movimento Moderno, começando nas reflexões e
experimentações da Bauhaus e de arquitetos como Mae, Gropius e Taubt para a produção habitacional
industrializada e de massa, já na década de 1930, insere-se nesta mesma lógica. Neste caso, se os
instrumentos urbanísticos surgiram com expressivo caráter de controle social no século XVIII, o período
da social democracia européia, cem anos depois, os transformou em instrumentos da consolidação
espacial do Estado do bem-estar social.
49
face do bem público urbano, no Brasil eles teriam de enfrentar modelos históricos de
sociedade e de cidade fortemente antagônicos ao do Estado burguês europeu, já que
se encontram organizados de forma propositalmente desigual e excludente. Como
explica Villaça (2005), uma das prováveis razões para a ineficiência prática da maioria
dos planos urbanos tecnocráticos propostos nas décadas de 1960 e 1970 em várias
cidades brasileiras.
Ainda acrescenta:
Os novos instrumentos ligados à luta pela Reforma Urbana, que dariam origem ao
Estatuto da Cidade, desenhados a partir da década de 1980 e ligados aos objetivos da
democratização das cidades e supostamente livres do ranço tecnocrático, surgem,
entretanto como uma tentativa tardia de reação. A respeito do tema, João Sette
Ferreira e Daniela Motisuke acrescentam:
Mas, seria papel da política pública urbana estabelecer diretrizes que visem (ou
favoreçam) apenas à segregação física e social? Senão, porque então tornou-se
prática comum? Segundo Bassul (2005), a legislação adotada nas áreas urbanas tem
por objetivo uma configuração idealizada de cidade, capaz de ordenar os padrões de
ocupação e as modalidades de utilização desses espaços. Porém, quando definem
áreas de planejamento ou intervenção acabam por fazer distinção entre lugares
específicos e, com isso, acabam por criar barreiras (reais ou virtuais); a cidade então
52
se divide em duas: a que está ao lado da lei e a que acaba por perecer pela falta da
mesma.
São identificados pelo autor três aspectos importantes como sendo os “causadores
dos nossos problemas urbanos” e os conseqüentes geradores desta situação de
desigualdade e contra-senso: (i) a industrialização com a formação concomitante de
uma massa marginal constituída por um excessivo exército industrial de reserva; (ii) o
bloqueio da formação da moderna cidadania; e (iii) a constituição de poderosos
interesses de mercado ligados à acumulação urbana (Ribeiro, 2003 apud Bassul,
2005).
Saindo do campo formal das discussões, alguns decretos, projetos de lei39 e emendas
populares formaram a base prática do desenvolvimento constitucional da Política
Urbana. A importância do tema é consolidada na Constituição Federal de 1988 - Título
VII da Ordem Econômica e Financeira/ Capítulo II de Política Urbana -, mais
especificamente, nos artigos 182 e 183.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á
o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
Nos anos seguintes, o debate ganhou força e formalizou-se a discussão, sendo esta
repassada a outros níveis de governo, com a elaboração das Constituições Estaduais,
das Leis Orgânicas e dos Planos Diretores Municipais.
Toda essa discussão resultou na elaboração do Estatuto da Cidade que, após onze
anos de debate foi aprovado com o intuito principal de estabelecer as diretrizes gerais
da política urbana, objetivando principalmente o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e a garantia ao direito a cidades sustentáveis (Câmara de
Deputados, 2002). Seu conteúdo regulatório é bastante complexo, assim como seus
instrumentos significam interferências em muitas instâncias do poder público – nos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal
– e da sociedade civil.
Ele trouxe algumas inovações com relação à promoção da dinâmica da cidade, o que
comprova o reconhecimento do poder público como principal agente de regulação e
transformação do espaço urbano. Essas inovações situam-se em três campos
56
a) plano diretor;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
b) contribuição de melhoria;
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
q) regularização fundiária;
Recuperando, mais uma vez, Carlos Nelson F. dos Santos, todo jogo é embasado por
regras específicas que norteiam diretrizes e objetivos. Mas, no ambiente urbano, onde
cada agente luta por seus interesses próprios, fica muito mais evidente a exclusão
social, a segregação espacial e a degradação ambiental como conseqüências do uso
indevido de poderes ou de mudanças na regra geral em benefício de um ou mais
agentes específicos.
2.1. – O município
60
Inserido na bacia do Rio Paraibuna (um dos principais afluentes do Rio Paraíba do
Sul), o município apresenta uma extensão territorial de, aproximadamente, 1.430km²,
o que corresponde 0.24% do território do Estado de Minas Gerais. Faz divisa com os
municípios de Rio Preto, Lima Duarte, Pedro Teixeira, Bias Fortes, Santos Dumont,
Ewbanck da Câmara, Piau, Coronel Pacheco, Chácara, Pequeri, Santana do Deserto,
Matias Barbosa e Belmiro Braga.
Além do distrito Sede, com aproximadamente 726km² de área, o município ainda conta
com outros três distritos (como mostra o mapa da ilustração 11) que são: Torreões
(374,6km²), Rosário de Minas (225,6km²) e Sarandira (103,8km²). De acordo com o
IBGE (2007) e o IPEA, o município conta com 513.348 mil habitantes, resultando
numa densidade populacional em torno de 359,8 hab/km². A população, segundo
dados do IBGE e do Anuário Estatístico (2004), cresceu acima dos 4% ao ano até a
década de 1960 e sofreu desaceleração entre as décadas de 1970 e 2000.
Ilustração 10: Mapa de ordenação do território - Perímetro Urbano, Sedes e Distritos. Fonte: PDDU/JF, 2004. pg. 29.
62
A década de 1830 foi marcante para a história regional devido à construção, entre
1836 e 1838, da Estrada do Paraibuna, que ligava Vila Rica à divisa com o Rio de
Janeiro. Em 31 de maio de 1850, o arraial surgido no (atual bairro) Alto dos Passos foi
elevado à categoria de Vila, com o nome de Santo Antônio do Paraibuna. Em 1856
esta vila constituiu-se cidade e em 1865 recebeu o nome de Juiz de Fora40
(ESTEVES, 1915 apud OLIVEIRA, 2006).
40
O “juiz de fora” era um magistrado nomeado pela Coroa Portuguesa para atuar onde não havia juiz de
direito. A versão mais aceita pela historiografia admite que um desses magistrados hospedou-se por
algum tempo em uma fazenda da região, passando esta a ser conhecida como a Sesmaria do Juiz de
Fora. Mais tarde, próximo a ela, surgiria o povoado que levaria o mesmo nome.
41
Planta desenhada por Fernando Halfeld (Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld), engenheiro do Estado
Imperial Brasileiro, considerado como um dos principais articuladores dos primeiros movimentos de
organização e expansão da cidade. Vide Ilustração 12.
63
Ilustração 11: Primeiro registro cartográfico (Fernando Halfeld / 1853) e o esquema de arruamento de Gustavo
Dodt (1860). Fonte: Juiz de Fora e seus pioneiros (1985).
O levantamento feito pelo engenheiro Gustavo Dodt em 1860 – a terceira planta oficial
da cidade42 – teve o mérito de registrar o pouco que havia e a finalidade de elaborar as
primeiras iniciativas de planejamento urbano, regularizando o alinhamento de ruas
ainda não existentes (então simples caminhos mal delineados) a fim de evitar que
construções que começavam a surgir indisciplinadamente viessem a prejudicar o
futuro da cidade.
Observa-se a configuração da Avenida com o nome de Rua Direita (atual Avenida Rio
Branco), formando um “v” com a Estrada da Cia. União e Indústria (atual Avenida
Getúlio Vargas). Entre elas já se observa a trama urbana de ruas paralelas e
transversais que configuram o espaço central da cidade nos dias atuais, assim como o
traçado do córrego Independência que, mais tarde se transformaria em Avenida e
42
A segunda, elaborada a pedido da Câmara dos Deputados, foi extraviada e dela só restam descrições
difíceis de serem entendidas (LESSA, 1985).
64
A produção cafeeira, que era a base econômica da maioria dos municípios da região,
cedeu lugar à industrialização no final do império. A introdução da eletricidade (energia
hidrelétrica), viabilizada pelo industrial Bernardo Mascarenhas em 1889, constituiu
outra grande novidade, significando o mais importante marco para a cidade,
chamando Juiz de Fora de “Manchester Mineira” – uma referência à cidade inglesa, na
época, um dos mais importantes pólos industriais do mundo (ESTEVES, 1915 apud
OLIVEIRA, 2006).
Ilustração 12: Imagens da cidade entre o início e meados do século XX. Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal.
Consultado em julho de 2009.
65
43
Aqui caracteriza-se a substituição das indústrias de fiação e tecelagem pelas malharias.
66
Neste momento, novas áreas de expansão são incentivadas e espaços até então
ociosos na infra-estrutura urbana consolidada iniciam um processo rápido e contínuo
de transformação da paisagem. O surgimento de áreas com características e usos
bem definidos dinamiza a economia e o comércio local. Os até então considerados
vazios urbanos (de acordo com as definições pré-estabelecidas no Capítulo 1)
começam a ser transformados e passam a ter um valor não só urbano, mas também
simbólico.
67
Ilustração 14: Cartões postais da cidade. A vista panorâmica do mirante do Morro do Cristo (2005), o Centro Cultural
Bernardo Mascarenhas (2004) e a Rua Halfeld (2004). Fonte: TEIXEIRA, 2007.
Ilustração 14: Vista aérea do Campus Universitário da UFJF (2005) e a Galeria Constança Valadares - área central
(2007). Fonte: TEIXEIRA, 2007.
Refletindo sobre o crescimento urbano, Netto (1994) deixa bem claro que, geralmente:
44
Termo usado pelo PDDU/ JF para identificar novas áreas e direções de expansão da cidade,
caracterizado pela Ilustração 18.
45
Os “espaços abertos” aqui referidos nada têm a ver com os vazios urbanos e sim com grandes
extensões de áreas verdes (por exemplo) consideradas de proteção ou locais de difícil (ou onerosa)
implantação de infra-estrutura urbana em decorrência da topografia.
71
1
“... dispersa, privada de una imagen dibujada y no sostenida por uma adecuada red de infraestructuras y
de servicios. Se difunde a partir de los centros habitados preexistentes, más o menos antiguos, más o
menos grandes, interesando al conjunto del território, sin directrices predominantes, ni siquiera en
mancha de aceite, porque muy a menudo está caracterizada por soluciones de continuidad”. Indovina,
2004 in Lo Urbano. pg. 50.
2
O termo em inglês sprawl identifica essa forma de crescimento de algumas cidades, principalmente
relacionado ao aparecimento dos subúrbios norte-americanos.
3
Exceto as cidades planejadas que surgiram a partir de 1960.
72
Ilustração 1: Vetores de crescimento do município de Juiz de Fora. Fonte: PDDU/JF, 2004. pg 30.
73
Ilustração 2: Identificação de áreas desocupadas, próprias ou não, para futuras ocupações. Fonte: PDDU/JF, 2004.
pg. 231.
74
Este aporte vem de encontro à afirmação do município como cidade média, em uma
leitura na escala urbana que o coloca no patamar de centro regional. Tal situação
figura-se bastante relevante no tocante à formação e manutenção dos vazios urbanos,
sendo necessário conceituá-la de forma adequada.
Elas surgem dentro de um sistema capitalista onde a terra tem valor (característica
das cidades em meados do século XIX) e correspondem a uma perspectiva
funcionalista, que reconhece a cidade média como elemento estratégico no
estabelecimento de redes urbanas equilibradas, funcionando como motores do
75
Diante dessa conjuntura emergente, o governo federal elabora uma série de iniciativas
de financiamento e desenvolvimento de áreas urbanas, na tentativa de firmar o caráter
estratégico territorial, econômico e político. No Estado de Minas Gerais, a cidade de
Juiz de Fora já demonstrava bases sólidas para o desenvolvimento de um importante
centro regional (A Zona da Mata) e recebeu incentivos para consolidar seu papel
polarizador e de prestação de serviços.
Em 1979, através do Projeto Cidades de Porte Médio - CPM/ BIRD4, foi firmado um
empréstimo entre o Brasil e o referido banco para a implantação de um projeto para o
município que previa a implantação de 771 lotes urbanizados e também uma série de
4
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento.
76
programas de cunho social nas zonas oeste e norte do município (áreas identificadas
como expansão). Apesar das iniciativas, os projetos acabaram por acentuar uma
disparidade (nascente) habitacional que insistia em não atingir as classes menos
favorecidas o que, em contrapartida, reforçava os assentamentos irregulares.
Este aporte histórico nos serve de referência para algumas configurações de vazios
ainda remanescentes na malha urbana, seja por decisões políticas, econômicas ou até
mesmo sociais. A predisposição histórica para o transporte, a industrialização e a
ordenação da malha urbana através do seu planejamento – ainda que em estágio
inicial, possibilitaram a transformação de algumas áreas de localização importante no
traçado da cidade em locais urbanisticamente ociosos na atualidade – a configuração
dos vazios processuais e conjunturais (de acordo com a classificação apresentada no
Capítulo 1).
77
Quadro 01: Ações de planejamento urbano em Juiz de Fora. Linha do tempo elaborada com base no PDDU / JF.
TEIXEIRA, 2010.
5
Esta crise se refere à falência industrial que o município sofreu por volta dos anos 1970, acompanhada
da baixa de poder aquisitivo de grande parcela da população; ocasionando problemas como falta de
moradia, inchaço (populacional) de áreas centrais, o sub-dimensionamento da infra-estrutura urbana e a
consequente expansão desordenada da cidade.
78
Nota-se que até a década de 1970 – quando o governo federal iniciou o programa dos
Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), as iniciativas urbanísticas eram todas
voltadas para a ordenação territorial, de caráter normativo. A partir de 1970, o
município iniciou uma série de intervenções pontuais na tentativa de resolver
problemas gerados pelo crescimento desordenado da cidade. São dessa época os
Planos de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI,1975) que buscavam,
principalmente, a ampliação da rede viária, que naquela época já apresentava graves
problemas infraestruturais. Estes planos locais, de cunho meramente paleativo,
estavam diretamente ligados ao programa do governo federal que instituiu os PNDs
(Planos Nacionais de Desenvolvimento), aos quais, financiados pelo Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) forneciam subsídios
para que cidades de médio porte elaborassem ações de planejamento como
estratégias de desenvolvimento que as elevasse como pólos de crescimento
econômico e populacional.6
6
Não é intenção desta seção descrever minuciosamente todos as intenções de planejamento urbano
ocorridas no município. Para maiores detalhes sobre o assunto, aqui apresentado de forma sucinta, ver
ALMEIDA, 2005.
79
Quadro 02: Plano Estratégico x Plano Diretor. Fonte: BORJA e CASTELLS, 1997 apud OLIVEIRA, 2006. pg. 101.
7
É bem verdade que este estado de esquizofrenia político-administrativa não foi exclusivo do município
de Juiz de Fora, uma vez que podemos observar – a partir dos anos 1990 – uma série de cidades
brasileiras elaborando e adotando os dois modelos de planejamento concomitantemente.
80
Dentro dessa conjuntura, o Plano foi instituído no ano de 2000, estabelecendo quatro
tipos de Instrumentos de Planejamento Urbano: i) diretrizes setoriais de
desenvolvimento; ii) macrozoneamento; iii) projetos gerais de urbanificação; iv) planos
locais de urbanificação. A partir destes, foram priorizadas grandes intervenções
urbanísticas na cidade como um todo, assim como a recuperação ou criação de novos
sistemas viários – com função estrutural ou local.
O próprio poder público local admite não possuir uma política fundiária, com o intuito
de manter um “estoque regulador” no mercado de terras, muito em função da
escassez de terrenos vazios de propriedade pública (Juiz de Fora, 2004). Apenas
transcreve os instrumentos de intervenção urbana já instituídos pelo Art. 182 da
Constituição Federal (1988), ou seja, o Parcelamento e Edificação Compulsórios, o
IPTU Progressivo e a Desapropriação, assim como se apropria (no discurso
normativo) de alguns dos instrumentos urbanísticos instituídos pelo Estatuto da Cidade
(2001)8. Sem uma análise crítica voltada para a realidade do município, os indicativos
legislativos de intervenção urbana apresentam-se tão abrangentes na especificação
quanto na sua aplicabilidade.
O que se observa, no caso de Juiz de Fora é que desde a publicação do Plano Diretor
(2000) nenhum dos instrumentos indicados pela lei foi efetivamente colocado em
prática. As grandes glebas do poder público permanecem vazias e os espaços ociosos
na área central da cidade se multiplicam a cada dia, agravando os problemas sociais e
infra-estruturais. Nesta mesma área, pode-se observar atualmente pequenos
proprietários de terra subutilizando seus lotes vagos como áreas de estacionamento,
reproduzindo e consolidando vazios sociais. As grandes extensões de propriedade
particular iniciam um processo lento de ocupação – em função da expansão do
território e ocupação de novas áreas comerciais e residenciais (situação melhor
caracterizada na seção 3.1).
8
Percebe-se aqui uma incoerência temporal entre teoria e prática. Elaborado entre os anos de 1996 e
2000, o Plano Diretor Municipal aborda instrumental urbanístico que só seria identificado em 2001,
quando da regulamentação do Estatuto da Cidade. Especula-se, muito em função da normatização do
plano, que a equipe tenha se baseado na escolha dos instrumentos a partir de práticas isoladas que
estavam sendo reconhecidas em outros municípios brasileiros, como no caso das Operações Urbanas da
cidade de São Paulo. Vale ressaltar que após a implementação da Lei 10.257 não houve
complementação ou revisão das diretrizes propostas até o presente momento.
82
9
Juiz de Fora se tornou município integrante do CIDEU – Centro Ibero-americano de Desenvolvimento
Estratégico Urbano – que prestava assessoria técnica através de seminários de capacitação, fóruns de
debates e intercâmbio das experiências de planejamento bem sucedidas. De origem catalã, disseminou a
experiência bem sucedida da cidade de Barcelona para os jogos Olímpicos de 1996, que buscava a
funcionalidade urbana através da competitividade mercadológica (OLIVEIRA, 2006).
10
O caráter estratégico é assumido na tentativa de recomposição do tecido urbano e o estabelecimento
de novas formas de articulação entre os setores públicos e privados.
83
Todo esse planejamento deveria obter respaldo financeiro das três esferas
governamentais e da iniciativa privada. Segundo dados do relatório de situação do
PlanoJF11, o município arcaria com, aproximadamente, 18% dos investimentos
11
Este relatório abrange o período de 2000 a 2002.
84
Na questão relativa aos vazios urbanos, pode-se concluir que há uma certa
correspondência entre eles, pois nenhum dos dois foi capaz de abordar o tema na sua
importância e, com isso, criar subsídios para a solução da questão de vacância; muito
pelo contrário, percebe-se claramente a manutenção e um aumento significativo no
número de vazios urbanos como consequência de intervenções estimuladas ou
encaminhadas pelos Planos.
Com início nos anos 1970, a luta pela construção de um marco regulatório federal que
promovesse (no âmbito municipal) o direito à cidade, à defesa, à função social da terra
e da propriedade e à democratização da gestão urbana, culminou nos princípios da
política urbana que, atualmente, gerencia toda e qualquer intervenção, dosando
parâmetros quantitativos e qualitativos na dinâmica das cidades. No entanto, o
planejamento (estabelecido através de planos e zoneamentos) institui uma cidade
virtual, incapaz de relacionar as condições reais de produção da cidade com a
dinâmica do mercado imobiliário, pois, instituído de forma abrangente e generalista
incapacita o reconhecimento e a resolução de problemas pontuais.
Quadro 03: Quadro resumo do panorama dos vazios urbanos em Juiz de Fora, elaborado com base em parâmetros
do PDDU/JF 2004. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
89
O mapa que caracteriza os vazios urbanos como manchas (MAPA 02 à pg. 95),
utilizando a infra-estrutura como parâmetro urbano, identifica áreas com grande
concentração de vazios, instituídos por processos históricos de expansão do território
e ações do poder público na tentativa de reorganização do espaço urbano da cidade.
Classifica as diferentes áreas, principalmente, quanto à formação histórica de
expansão do município, identificando terras parceladas e ainda vazias – mas em
processo de ocupação lenta – estabelecendo um paralelo direto com os vetores de
crescimento13 identificados, em 1996, quando dos primeiros estudos para o Plano
Diretor Municipal (2000).
As áreas compreendidas pelo vetor noroeste abrigavam parte das antigas indústrias
que fizeram o município florescer economicamente durante os séculos XIX e XX e,
consequentemente, também as vilas de seus operários. Quando o bairro de Benfica –
ponto extremo do vetor – consolidou-se como pólo de moradia, comércio e serviços,
as áreas adjacentes e de ligação dessa região com o centro da cidade iniciaram um
processo gradativo de desocupação. O mesmo ocorreu no vetor nordeste,
transformando em ociosas as áreas compreendidas entre o bairro Grama (ponto
extremo do vetor) e o centro histórico do município.
13
Os vetores de crescimento, apresentados na seção anterior, identificam a forma como o poder público
local entende e direciona o crescimento e a expansão da cidade. Vide ilustração 18.
14
No MAPA 01, os vazios urbanos nos vetores noroeste e nordeste podem ser mais bem identificados
pela cor marrom, com a respectiva legenda: vazios de formação antiga, identificados no plano de
expansão urbana (PEU), ainda remanescentes.
90
áreas, cada vez mais, obsoletas. Como caracterizavam grandes extensões de terra,
em grande maioria de propriedade particular, sua reocupação tornou-se inviável sem
um novo parcelamento do solo ou, até mesmo, modificação na legislação de uso e
ocupação.
Ilustração 20: Exemplos de lotes vagos e construções particulares esvaziadas no vetor de crescimento noroeste, às
margens da Avenida Juscelino Kubitschek. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
Ilustração 21: Antigas instalações industriais atualmente ocupadas pelo Exército Brasileiro com a fabricação de
armamento bélico. A antiga vila operária também foi recuperada para a moradia militar. Ambas localizadas também às
margens da Avenida Juscelino Kubitschek, no vetor noroeste. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
91
Ilustração 22: Antigas instalações fabris caracteristicamente obsoletas, assim como os pequenos lotes vagos que se
multiplicam no entorno imediato a elas. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
Tais características mantiveram-se por longos anos, até que o Plano Diretor adotou
para a área o Grande Projeto Urbano da Via São Pedro. Para a cidade, os impactos
15
Local de instalação das primeiras colônias de imigrantes alemães que se referiam ao local de moradia
em função da diferença topográfica que existia para o então configurado centro da cidade.
92
Ilustração 23: Fotos representativas de dois importantes condomínios privados no vetor oeste – Portal da Torre e
Spina Ville, respectivamente. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
Ilustração 24: Disparidade de uso e ocupação do solo. De um lado o bairro adensado e consolidado, do outro grandes
extensões de terras vazias. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
MAPA 01: Mapa ilustrativo da situação dos vazios urbanos (lotes vagos) na região do vetor de crescimento oeste.
Elaboração própria, com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
94
Ilustração 25: Obra de recapeamento do córrego São Pedro e construção da nova via de articulação viária. Fonte:
TEIXEIRA, 2010.
INSERIR FOTOS DA OBRA
Quarto e último vetor de crescimento identificado pelo Plano Diretor Municipal, o vetor
sudoeste apresenta os mais novos vazios urbanos da cidade, se levarmos em
consideração sua história de crescimento e expansão urbana.
A área em questão iniciou sua ocupação logo após o término das construções e
inauguração do campus universitário em cujo acesso sul se conformou um bairro
novo, com características predominantemente residenciais e baixas taxas de
ocupação e adensamento populacional. O bairro, próximo das instalações
universitárias e da região central, ainda privilegiaria um novo acesso ao município pela
BR-040 – existente, porém em condições precárias. Consolidaria um novo corredor de
acesso, favorecendo novas áreas de crescimento e expansão da cidade.
Ilustração 26: Empreendimentos no vetor sudoeste, novas ocupações e situações de vazio urbano. Fonte: TEIXEIRA,
2010.
Ilustração 27: La Rocca e Balbeeck, exemplos de casas de eventos na região do vetor sudoeste. Fonte: TEIXEIRA,
2009.
Pode-se concluir que o MAPA 02 – Vazios Urbanos como Manchas – trata, quase que
exclusivamente, dos vazios históricos produzidos pela dinâmica da cidade ao longo de
seu processo de ocupação e expansão territorial. A remanescência de muitos deles
nos dias atuais provoca uma reflexão crítica sobre a eficiência legislativa da política e
da gestão urbana do município diante de tensões e problemas diretamente
relacionados às questões de moradia e valorização da terra.
VETOR
NOROESTE
VETOR
NORDESTE
VETOR
MAPA SEM ESCALA
OESTE MAPA 02 - VAZIOS COMO MANCHAS DEZEMBRO 2009
LEGENDA:
ÁREA CENTRAL
98
O primeiro vazio que chama a atenção, não só por sua dimensão física mas sobretudo
pela característica benéfica para a cidade, é o vazio urbano instituído pelo campus
universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Construído na década de 1960
com base no conceitual modernista, o campus oferece hoje para a cidade uma
verdadeira “área de respiro”; um vazio que, na verdade, não gera nem tensão nem
problema, mas sim um ganho em espaço público e área verde para toda a população.
Pode-se observar, no mapa esquemático abaixo, uma extensa área que configura um
dos maiores pátios ferroviários de manobra que o município contempla. Localizada em
local privilegiado em termos de infra-estrutura urbana, faz divisa com um dos
equipamentos de lazer mais importantes para a cidade – o Museu e Parque Mariano
Procópio. Além deste equipamento de grande relevância, o entorno imediato desse
vazio urbano é composto por características bastante diversificadas. Usos
residenciais, industriais e comerciais de pequeno porte e baixa densidade construtiva
complementam a paisagem desta área específica.
MAPA 03: Mapa ilustrativo da situação dos vazios urbanos na região do pátio de manobra da MRSS Brasil, na
região da AP Centro. Elaboração própria com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
100
O mapa a seguir, localiza este importante vazio e caracteriza seu entorno imediato
com vazios urbanos de médias e grandes dimensões, de propriedade particular, que
possivelmente podem se articular na implementação de equipamentos ou operações
urbanas, restabelecendo a real função social da terra.
101
MAPA 04: Mapa esquemático identificando a área de um dos grandes vazios urbanos de propriedade da Prefeitura
Municipal de Juiz de Fora e as peculiaridades do seu entorno imediato. Elaboração própria com base em observação
empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
Outra área de propriedade pública com grandes extensões físicas, localizada na área
central do município e limítrofe ao edifício da Prefeitura Municipal, também encontra-
se em estado de vacância há um longo período. Este vazio urbano, apesar de
configurar estoque de reserva e estar inserido na área central, nunca foi objeto de
intenção projetual que modificasse seu estado de subutilização urbana. No MAPA 05,
ele encontra-se dentro da grande mancha que caracteriza a área central mais
valorizada (em termos imobiliários), com infra-estrutura urbana consolidada e alvo de
grandes iniciativas de planejamento que, até o momento, não sairam do papel.
Esta grande mancha, identificada no MAPA 05, identifica uma primeira aproximação e
apresenta as características mais recorrentes da área, levando a uma leitura uniforme
da situação dos vazios na região central do município. Pode-se dizer que os vazios
urbanos identificados dentro deste limite apresentam dimensões diminutas, muito
próximas dos pré-estabelecidos pelo parcelamento do solo nesta região; encontram-se
(muitas vezes) desarticulados na malha urbana e em grande maioria são de
propriedade particular. Muitos destes exemplares ainda se configuram como lotes
102
Esta mancha será melhor detalhada no MAPA 07 – Vazios Unidade Centro (pg. 108) –
na tentativa de uma aproximação mais fidedigna da situação real em que se
encontram esses vazios, caracterizando as peculiaridades de cada um na tentativa de
reinserí-los na dinâmica urbana local.
MAPA 05 - VAZIOS AP CENTRO
LEGENDA:
A escolha da Unidade Centro como limite físico para uma maior aproximação do
comportamento dos vazios urbanos no município de Juiz de Fora deveu-se,
principalmente a três fatores distintos, porém, complementares: i) sua localização, seu
caráter histórico, em área provida de infra-estrutura consolidada e alvo das principais
atividades imobiliárias; ii) a diversidade de exemplares de vazios urbanos; iii) o caráter
antissocial mais perverso decorrente da ociosidade de terras em áreas mais
valorizadas.
Analisando de forma mais concreta os lotes vagos, percebe-se claramente que eles
ainda podem ser classificados quanto à sua dimensão, localização2 e propriedade.
Configura-se, então, um panorama com três situações distintas: grandes lotes vagos,
de propriedade pública e privada e localizados nas áreas adjacentes ao triângulo
central; lotes vagos com dimensões medianas, de propriedade tanto pública quanto
particular, encontrados dentro do perímetro do triângulo central e também nas suas
áreas adjacentes; e pequenos lotes vagos, de propriedade particular, identificados
tanto no entorno imediato ao triângulo central quanto nas áreas adjacentes. Estes
últimos, apesar de localizados fora do limite físico do triângulo central, apresentam-se
em maior número – considerando a área estudada – e concentram-se em bairros
tipicamente residenciais, totalmente favoráveis à inserção de novas unidades
habitacionais.
Cabe esclarecer que, para efeitos desta pesquisa considera-se como pequeno lote
vago os terrenos compreendidos entre 300 m² e 3.000m²; os lotes vagos de médio
porte com dimensões entre 3.000m² e 6.000m²; e os considerados grandes lotes
vagos a partir de 6.000m².
1
Edificações de relevância arquitetônica em estado de abandono.
2
Esta localização faz referência direta com a área do triângulo histórico, conformado pelas Avenidas Rio
Branco, Getúlio Vargas e Independência.
105
MAPA 06: Vazios na região central. Em detalhe localização e características de um dos maiores vazios urbanos de
propriedade pública do município. Elaboração própria com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
106
Ilustração 28: Exemplares de lotes subutilizados pela prática de estacionamentos particulares e muitas vezes em
instalações precárias. Localização: Av. Rio Branco e Rua Santo Antônio, respectivamente. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
No entanto, a grande maioria desses lotes vem sofrendo, ao longo dos anos,
processos de parcelamento do solo sucessivos que acarretaram na impossibilidade de
reinserí-los no mercado de terras atual. Suas dimensões reduzidas desfavorecem o
cumprimento de exigências básicas, como afastamentos, dimensões mínimas dos
compartimentos, circulação interna e externa, gabarito e relações estabelecidas entre
a edificação e a cidade. Seu aproveitamento, portanto, merece discussões mais
107
profundas de como reinserir na dinâmica urbana da cidade estes vazios que tanto
desfavorecem o cumprimento da real função social da terra e da propriedade. Esta
questão, no entanto, ultrapassa as intenções da presente pesquisa.
Ilustração 29: Referências do uso de estacionamentos em lotes não reinseríveis na legislação urbana atual.
Utilizando, normalmente, fundos de lotes, estes espaços tornam-se incapazes de reestruturação através da mudança
de uso. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
Ilustração 30: Exemplos de vazios esvaziados no centro urbano do município. Obra embargada e paralizada desde o
ano de 2002, localizada na Av. Rio Branco; e propriedade privada, sem uso e subutilizada como estacionamento
rotativo, localizada na Rua Espírito Santo. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
Como esta situação perdura por muitos anos na malha urbana da cidade, houve a
necessidade de atribuir relações entre a situação de vacância provocada e as
características principais que agrupam os vazios urbanos nas diferentes
classificações, assim como as possíveis causas diretamente ligadas à manutenção
desses vazios na dinâmica urbana do município. O quadro a seguir identifica,
resumidamente, a estrutura que norteou a identificação e a classificação dos vazios
urbanos na área física delimitada para o aprofundamento das questões, melhor
visualizada no MAPA 07 – Vazios Unidade Centro.
109
Quadro 04: Quadro resumo dos Vazios Unidade Centro. Elaboração própria com base em observação empírica.
Fonte: TEIXEIRA, 2009.
MAPA 07 - VAZIOS UNIDADE CENTRO
LEGENDA:
Após este panorama da situação real dos vazios urbanos na cidade de Juiz de Fora,
procura-se entender as posições do poder público local com relação aos problemas e
tensões ocasionados diante deste cenário.
1
O PDDU de Juiz de Fora identifica como Regiões de Planejamento áreas do município com
especificidades, peculiaridades, potencialidades e conflitos comuns, ou de características físicas
semelhantes, para que possam ser estudadas e avaliadas, particularmente, dentro da análise da estrutura
espacial da cidade.
113
Com uma abordagem analítica bastante descritiva da situação dos vazios no território
municipal, torna-se clara a ausência de uma preocupação na obtenção de soluções
para os problemas encontrados. Pode-se afirmar que não existe (e nunca existiu) uma
preocupação em utilizar a legislação vigente para modificar não só a situação dos
vazios, mas todos os problemas de caráter urbano que a cidade enfrenta no decorrer
de longos anos. Isso ocorre, em parte, pelo caráter obsoleto de uma legislação
bastante permissiva quanto aos parâmetros urbanísticos de construção, uso e
ocupação do solo, que não condizem com a complexidade da cidade no século XXI e
não se faz capaz de solucionar os problemas que surgem no dia a dia do município.
Em uma equação que transporta a teoria à prática cotidiana, a seção seguinte busca
um maior entendimento dos instrumentos urbanos que efetivamente proporcionam a
substituição da situação de vacância em casos particulares de vazios urbanos, em
áreas específicas do território urbano municipal; almeja o estabelecimento de diretrizes
políticas e legislativas para a recuperação dos vazios urbanos em Juiz de Fora,
promovendo a real função da cidade e da sociedade.
Para tanto, o Art. 182 – em seu § 4º - consolida o reconhecimento dos vazios urbanos
como questão social (problema que deve ser combatido) ao criar instrumental
específico como solução para a situação de vacância identificada em áreas com infra-
114
É sabido, também, que toda área de interesse público para aplicação do parcelamento
ou edificação compulsórios deve encontrar-se mapeada e delimitada fisicamente pelo
Plano Diretor Municipal. Através de legislação específica, o poder público local deve
declarar as condições de uso e ocupação do solo para as áreas em questão,
atividades, prazos e sanções, assim como evidenciar todas as formas de punição
decorrentes do não cumprimento.
Vejamos sob quais conceitos e para quais objetivos estes instrumentos foram
elaborados, na tentativa de entender como cada um pode ser aplicado aos vazios
urbanos característicos da dinâmica urbana da cidade de Juiz de Fora.
O Consórcio Imobiliário
2
Apesar de não serem os únicos instrumentos do Estatuto da Cidade estes, de caráter urbano, foram
estabelecidos por esta pesquisa como fundamentais e prioritários na valorização do espaço da cidade e
na modificação da situação dos vazios urbanos. A listagem completa de todos os instrumentos
(urbanísticos, legislativos e jurídicos) instituídos pelo Estatuto da Cidade consta na seção 1.4 da presente
pesquisa.
118
Utilizado como uma das (várias) alternativas de recuperação dos vazios urbanos, o
Consórcio Imobiliário, normalmente, apresenta na prática uma abrangência bastante
restrita. É reduzido (quase que exclusivamente) aos casos de lotes sem possibilidade
de aproveitamento individual ou com problemas jurídicos-registrários, ou seja, aqueles
119
com penhoras por ação trabalhista, dimensões reais distintas das registradas, disputas
ou problemas de titularidade, ou mesmo inexistência no RGI3 (FURTADO, 2009).
O Direito de Preempção
...
3
Registro Geral de Imóveis.
120
Mais restritivo que o Consórcio Imobiliário, este instrumento só pode ser aplicado
através da demarcação de um perímetro ou de áreas específicas, instituídas pelo
Plano Diretor Municipal e com duração máxima de cinco anos4, para uso exclusivo de
projetos de regularização fundiária, programas habitacionais de interesse social,
reserva fundiária, implantação de equipamentos comunitários, espaços públicos e de
lazer ou áreas de preservação ambiental. Deve, ainda, priorizar a instalação de Zonas
Especiais de Interesse Social, almejando o interesse coletivo.
Apesar disso, este instrumento não deve ser instituído de maneira arbitrária, devendo
sempre ser associado a outros instrumentos de indução do desenvolvimento urbano
como, por exemplo, o das Operações Urbanas Consorciadas.
4
Podendo ser restabelecido após 1 (um) ano de intervalo.
5
Entre esses autores está Eurico Azevedo. Para maiores esclarecimentos sobre a utilidade deste
instrumento desenvolvidos pelo autor ver Câmara de Deputados, 2002. pg. 94.
121
As contrapartidas geradas pela OODC podem ser calculadas por diversas maneiras,
mas em geral todas elas estão diretamente relacionadas à intensidade de uso, ou
seja, quantitativamente ao aproveitamento econômico do terreno (valor de mercado do
m² do lote). Os recursos devem ser destinados a um fundo municipal, instituído
juntamente com órgão específico de gerenciamento, e revertidos para investimentos
públicos de caráter redistributivo – habitação de interesse social, construção e
implantação de equipamentos públicos ou comunitários. (FURTADO, 2007). A
ilustração a seguir, elaborada por FURTADO e JORGENSEN (2006), explicita de
maneira didática todos os condicionantes e objetivos envolvidos na instituição dos
coeficientes de aproveitamento (CA) a partir da implementação da OODC.
122
Ilustração 31: Gráfico explicativo da dinâmica urbana instituída através dos CAs e a reversão da concessão onerosa
de construção para o FMDU (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano). Fonte: FURTADO, 2008.
O instrumento pode ser regulamentado através de cinco premissas básicas, são elas:
i) transferência direta, com o potencial redistribuído para o mesmo terreno, para lotes
vizinhos ou para outra zona urbana; ii) compensação por restrições, ambientais e
patrimoniais; iii) pagamentos por indenizações, normalmente advindas de obrigações
urbanísticas ou obras públicas; iv) por controle público direto, onde são
regulamentadas as diretrizes básicas de planejamento urbano; v) a compra e venda
entre particulares, com regulação pública direta ou indireta (FURTADO, 2008).
De forma mais objetiva, o potencial virtual de construção gerado pela instituição deste
instrumento seria assegurado ao proprietário (por lei municipal complementar ao Plano
Diretor) caso alguma medida preservacionista ou mudança significativa nos
coeficientes de uso e ocupação do solo fossem necessários. Assim sendo, o
proprietário não sairia prejudicado, podendo transferir o seu direito de construir para
outra área de sua propriedade, para terceiros ou simplesmente lucrar com a parcela
cedida ao poder público ou a empresas concessionárias, por exemplo – podendo
sempre agregar ou subtrair valor à sua propriedade.
Ao ser utilizada de forma complementar à OODC (e vice versa), a TDC pode servir
como instrumento acelerador do adensamento ou da verticalização em áreas bastante
específicas; garantir a manutenção e a preservação de imóveis ou áreas de interesse
público ou coletivo; e até mesmo proporcionar mudanças de uso e ocupação do solo,
necessárias à implantação de projetos específicos, prioridades urbanas ou de
planejamento. No entanto, é preciso levar em consideração alguns pontos
desfavoráveis à implantação conjunta desses instrumentos.
Outro argumento é que a OODC é sempre limitada aos novos empreendimentos, não
sendo, portanto, capaz de gerar recursos importantes para áreas com deficiência de
infra-estrutura já comprovada na cidade. No entanto, possibilita novos desenhos
urbanos e tipologias arquitetônicas, superando padrões obsoletos que, normalmente,
seriam remodelados através da tradicional operação de alteração de uso e
zoneamento urbano (FURTADO, 2007).
6
Para maior esclarecimento dos municípios brasileiros que implementaram os instrumentos da Outorga
Onerosa e a Transferência do Direito de Construir ver artigo publicado por FURTADO, REZENDE,
OLIVEIRA, JORGENSEN, BACELLAR, intitulado: Outorga Onerosa do Direito de Construir: panorama e
avaliação de experiências municipais. Belém do Pará, 2007.
125
Cabe ao Plano Diretor Municipal fixar todas as medidas necessárias à instituição das
operações urbanas na cidade; garantir que as contrapartidas obtidas sejam revertidas
para a mesma área, assim como assegurar que a população atingida seja beneficiada
e não prejudicada pelas intervenções.
7
Como exemplos de Operações Urbanas Consorciadas estão a Operação Urbana Água Branca/SP e a
Operação Urbana Água Espraiada/SP, assim como as operações realizadas nas cidades de Belo
Horizonte, Campo Grande, Mauá, Natal e Santo André (Câmara de Deputados, 2002).
128
Quadro 05: Quadro resumo das possibilidades urbanísticas e legislativas para a política pública em Juiz de Fora.
Elaboração própria com base nos resultados obtidos em pesquisa empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
130
Uma alternativa interessante para a promoção da reinserção dos vazios urbanos nesta
área seria a instituição de uma Operação Urbana Consorciada aplicada em toda a sua
extensão. Acionada em locais onde a infra-estrutura urbana é ausente ou precária,
este instrumento, além de objetivar a recuperação de grandes áreas degradadas,
através da implantação de projetos urbanos de interesse social ou especial, ainda
possibilita a participação de proprietários, moradores, usuários e investidores privados
em uma iniciativa conjunta com benefícios para a área em questão, mas que podem
ser revertidos para toda a cidade.
132
A OODC como ferramenta auxiliar pode, também, propiciar alteração nos índices de
uso e ocupação do solo estabelecido pela legislação vigente. Para tanto, é necessário
que ela seja praticada conforme regulamentação do Art. 29 do Estatuto da Cidade,
que trata especificamente do uso do instrumento através da alteração de uso. No
entanto, a OODC e a OUC são alternativas excludentes quando aplicadas no território
físico da cidade, cabendo ao poder público local identificar qual o melhor instrumento
capaz de produzir os objetivos esperados.
O município de Juiz de Fora, através do seu Plano Diretor (2000) também aborda a
Operação Urbana Consorciada como instrumento de intervenção urbana, porém limita-
se a caracterizá-la como um conjunto de intervenções a serem realizadas em prazo
determinado (não especificado), coordenado pelo poder público, mas de proposição
da iniciativa privada e dos cidadãos comuns. Dessa forma, torna-se visível a
despreocupação pública na instituição de áreas específicas com potencial para
grandes intervenções, assim como no entendimento deste instrumento como indutor e
regulador do planejamento urbano. Isso acaba por inviabilizar a prática antes mesmo
da sua instituição, ao passo em que o poder público transfere para a iniciativa privada
133
Identificado pelo Plano Diretor Municipal (2000) como uma das áreas de crescimento e
expansão da cidade, o vetor sudoeste pouco se desenvolveu dentro do período
temporal abordado por esta pesquisa. Como caracterizado na seção 3.1, a área ainda
apresenta a particularidade de eixo viário articulador, principalmente com o centro da
cidade, e a transformação gradativa de grandes extensões de terra (ainda com
características rurais) na ocupação de grandes empreendimentos comerciais e de
lazer – agências automotivas, grandes atacadistas do ramo alimentício e casas
noturnas.
Diante deste panorama tão específico, surgem dois instrumentos, julgados mais
adequados, para promover uma efetiva recuperação da área e reinserir na dinâmica
urbana os espaços ociosos: o Parcelamento Compulsório e a Operação Urbana
Consorciada.
Eixo Paraibuna
Av. Independência
Seria necessária uma revisão nas regras de parcelamento e edificação, tornando mais
rígidos seus objetivos e atribuições. A instituição de coeficientes básicos para a área,
objetivando o pagamento pela concessão do direito de construção e a consequente
possibilidade de transferência deste potencial construtivo, promoveria maiores
possibilidades àqueles proprietários que não se encontram em condições (jurídicas ou
financeiras) de edificar seu lote. Todas essas ações, no entanto, estariam diretamente
ligadas à atualização da planta cadastral e de valores do município, possibilitando
aumento nos valores unitários e dificultando a morosidade na implementação de todo
o processo.
Quadro 06: Tabela referente às alíquotas discriminadas para a cobrança do IPTU em Juiz de Fora no ano de 2010.
Fonte: www.pjf.mg.gov.br/sf/iptu2010/Informacoes.pdf. Acesso em 06.03.2010.
8
Para os efeitos desta pesquisa, o valor venal é obtido pela soma de valores do terreno e da edificação x
fator de comercialização (estabelecido através de uma planta de valores) x fator de posição (exclusivo
para lojas), segundo dados da Secretaria da Fazenda da cidade de Juiz de Fora. Para os cálculos do
valor do terreno ou edificação são consideradas condicionantes físicas, topográficas, de uso e ocupação
do solo (zoneamento), tempo de construção, condições de manutenção, entre outras.
138
Unidade Centro
Partindo do reconhecimento dos vazios urbanos, instituído pela seção 3.1 através da
caracterização do panorama vacante da área em questão, são estabelecidos alguns
instrumentos de recuperação e indução da dinâmica urbana específicos para cada
situação.
Após esta breve análise das características dos vazios urbanos e do potencial do
instrumental urbanístico no município de Juiz de Fora, algumas medidas podem ser
instituídas de forma complementar, objetivando maior facilidade de reinserção das
áreas ociosas na dinâmica urbana, através da compreensão do território municipal na
sua esfera física, política, econômica e social e em um panorama de médio e longo
prazo.
CONCLUSÃO
Neste contexto, a Lei nº 10.257 – Estatuto da Cidade (2001) reafirma o solo urbano
como bem coletivo e prioriza a função social da propriedade em detrimento do
exercício privado. Estabelece novo marco regulatório, com maior diversidade de
instrumentos urbanísticos capazes de dinamizar o uso social das funções do território
urbano, dando ao poder público municipal maior controle das ações de indução e
regulação das transformações espaciais.
Deixa claro que questionamentos como: A que nos remete a idéia de vazio? Espaço
desocupado? Lugar do indefinido? Uma negação? Uma impermanência? Uma
descontinuidade dos processos de formação e transformação das cidades? São
145
Talvez a única afirmação cabível até o momento seja a de que os vazios urbanos são,
na sua maior essência, uma efemeridade das cidades modernas, assim como um dos
produtos do homem contemporâneo. Objeto a ser analisado, discutido, caracterizado e
combatido, os vazios urbanos alcançam uma dimensão sócio-econômica-espacial que
precisa ser entendida na sua particularidade, almejando ações diretas na tentativa de
reversão do quadro de degradação que se forma. Trabalho árduo, mas estritamente
necessário.
146
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