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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

TATIANA LEAL ANDRADE E TEIXEIRA

REINSERÇÃO DE VAZIOS URBANOS:


Diretrizes para a política urbana municipal em
cidades médias e sua aplicação em Juiz de Fora /MG

Niterói
2010
TATIANA LEAL ANDRADE E TEIXEIRA

REINSERÇÃO DE VAZIOS URBANOS:


Diretrizes para a política urbana municipal em
cidades médias e sua aplicação em Juiz de Fora /MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: Projeto, Produção e Gestão do
Espaço Urbano. Linha de Pesquisa: Planejamento
e Gestão do Espaço.

Orientador: Profª. Drª Fernanda Furtado

Niterói
2010
Aos meus pais, com todo amor,
orgulho e gratidão de filha.
AGRADECIMENTOS

Tão importante quanto finalizar esta pesquisa é agradecer a todos aqueles que, direta
ou indiretamente contribuíram para o sucesso de mais uma etapa. Etapa árdua,
sofrida, solitária, mas imensamente gratificante no somatório das diversas
possibilidades que se evidenciavam a cada descoberta, a cada nova oportunidade.

Solidão inúmeras vezes interrompida pela dedicação incansável da querida professora


e orientadora Fernanda Furtado, sempre paciente e compreensiva diante das minhas
maiores dificuldades. Disponível para debates e sugestões, entre um café e um
cigarro, nossas orientações sempre terminavam em longas e agradáveis conversas,
incluídos os inúmeros puxões de orelha. Figura ímpar, a quem dedico imenso respeito
profissional, incomensurável admiração pessoal e grande parte do meu
amadurecimento docente.

Às professoras Andréa Borde e Vera Rezende, pela leitura cuidadosa do projeto e


pelos comentários e sugestões enriquecedores, esperando ter correspondido à
confiança depositada no avanço das idéias desta dissertação.

Aos professores do GEU Arq&Urb, pela competência, dedicação e doação ao ensino e


à pesquisa. Aos colegas de turma pela excelente relação pessoal, mesmo entre perfis
tão distintos. Aos colegas e amigos da Universidade Federal de Juiz de Fora pela
compreensão, disponibilidade e por tantas dicas valiosas.

A duas pessoas especiais, às quais hoje chamo de amigas, Carolina Hospodar e


Joelma Pereira. O curto período de convivência foi mais que suficiente para ratificar
que “almas simpáticas” existem, e mais, que sem a simplicidade do dia a dia, a
dedicação e a doação nos momentos mais difíceis, tornariam esta etapa muito mais
dolorida e, certamente, menos prazerosa.

Ao Giovani, meu eterno companheiro, por toda força, dedicação e cumplicidade


sempre incondicionais. Pela compreensão em todos os momentos de ausência que se
fizeram necessários ao longo deste período; pela companhia nas madrugadas de
trabalho e pela confiança na minha capacidade. Parceiro nas angústias, inquietações,
anseios, descobertas e vitórias. Sem a sua ajuda, mesmo quando silenciosa, este
resultado seria completamente diferente, com toda a certeza.
Por último, mas não menos importante ao meu querido pai e à minha querida mãe por
todo o carinho e dedicação de sempre. Pelo apoio incondicional e pela grande lição de
fé, força e perseverança durante esta longa e próspera jornada. Sem vocês tudo isso
ainda seria só um sonho.
RESUMO

Produto da cidade contemporânea e objeto relevante do quadro urbanístico brasileiro,


a noção de vazio urbano vem assumindo ao longo do tempo alterações conceituais
sobre seu papel no processo de desenvolvimento das cidades e da sociedade. Ao
serem diretamente associados tanto ao processo de esvaziamento das áreas centrais
como à retenção especulativa de terras ociosas, eles deixam de caracterizar espaços
livres, áreas de respiro e estoques de reservas para configurarem problema social com
dimensões econômicas advindas, principalmente, da demanda por habitação em
áreas já infra estruturadas. Após discussões formalizadas em diferentes instâncias da
sociedade civil, principalmente na década de 1970, o tema foi reconhecido no Capítulo
de Política Urbana da Constituição Federal de 1988 e ganhou, através do Estatuto da
Cidade em 2001, novo instrumental urbanístico capaz de melhor restringir ou induzir
as questões relativas à problemática social decorrente dos vazios urbanos. Entretanto,
os avanços normativos e legislativos não foram suficientes para a particularização do
tema, em contraste com a diversidade de situações de vazios urbanos presentes nas
cidades brasileiras. Este trabalho questiona a aparente coerência e uniformidade da
questão dos vazios urbanos, revisa conceitualmente o objeto e elabora critérios de
análise que permitam melhor caracterização e classificação, enfocando o caso das
cidades médias e em particular o município de Juiz de Fora, aqui tomado como estudo
de caso. Através de uma análise articulada entre as diferentes categorias de vazios
identificados no município e a utilização, exclusiva ou conjunta, de instrumentos
urbanísticos capazes de reinseri-los na dinâmica urbana, propõe-se uma
sistematização de diretrizes de política urbana municipal voltadas para a coletividade e
capazes de devolver à dinâmica da cidade os espaços ociosos.

Palavras-Chave: vazios urbanos; Estatuto da Cidade; instrumentos de intervenção


urbana; política urbana municipal; cidades médias; Juiz de Fora / MG.
ABSTRACT

Product of the contemporary city and relevant object of Brazilian urban context, the
notion of vacant land has assumed over time conceptual changes about its role in the
development of cities and society. When directly associated to both the process of
emptying the central areas as the speculative retention of idle land, they fail to
characterize empty spaces, respite areas and reserve stock to configure a social
problem with economic dimensions resulting mainly from demand for housing in areas
with pre-existing infrastructure. After formalized discussions in different instances of
civil society, especially in the 1970s, the issue was acknowledged in the Chapter of
Urban Policy of the Federal Constitution of 1988 and acquired, through the City Statute
in 2001, new urbanistic instrumental able to better restrict or induce the issues relating
to social problems arising from vacant lands. However, the regulatory and legislative
advances were not enough to the particularization of the issue, in contrast to the
diversity of the situations of vacant lands present in Brazilian cities. This research
questions the apparent consistency and uniformity of the issue of the vacant land,
revises the subject conceptually and develops the criteria for analysis that allow better
characterization and classification, focusing on the case of medium-sized cities and in
particular the city of Juiz de Fora, here broached as study case. Through an articulated
analysis between different categories of vacant lands identified in the city and the
application, solely or jointly, of urban instruments able to reintegrate them into urban
dynamic, it is proposed a systematization of municipal urban policy guidelines aimed at
collectivity and able to give back to the city's dynamic the idle spaces.

Keywords: vacant lands, the City Statute; instruments of urban intervention; municipal
urban policy; medium-sized cities, Juiz de Fora / MG.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilust. 1 Vazios Projetuais no Brasil, exemplos, pg. 026


Ilust. 2 Vazios Conjunturais, exemplos cariocas, pg. 027
Ilust. 3 Vazios Estruturais, a conteinerização em Long Beach, pg. 028
Ilust. 4 Vazios Estruturais, área portuária e linha férrea, pg. 029
Ilust. 5 Projeto e Planejamento em Barcelona, 1982, pg. 031
Ilust. 6 O caso de Bilbao, pg. 032
Ilust. 7 Paris – Haussmman e a cidade atual, pg. 032
Ilust. 8 Os vazios de Berlim e sua reconstrução, pg. 033
Ilust. 9 O vazio do “11 de setembro”, pg. 034
Ilust. 10 Puerto Madero, pg. 034
Ilust. 11 Mapa esquemático Ordenação do território – Juiz de Fora/MG, pg. 061
Ilust. 12 Primeiros registros cartográficos do município de Juiz de Fora, pg. 063
Ilust. 13 Imagens da cidade em meados do século XX, pg. 064
Ilust. 14 Cartões postais da cidade, pg. 067
Ilust. 15 Campus Universitário e Galeria Central, pg. 067
Ilust. 16 Mapa de Evolução Urbana – 1883 à 1990, pg. 069
Ilust. 17 Mapa de Evolução da Malha Urbana em 1998, pg. 070
Ilust. 18 Vetores de Crescimento Urbano, pg. 072
Ilust. 19 Mapa de áreas desocupadas, pg. 073
Ilust. 20 Lotes vagos e esvaziados no Vetor Noroeste, pg. 090
Ilust. 21 Reocupação de antigos vazios industriais, Vetor Noroeste, pg. 090
Ilust. 22 Vazios esvaziados e lotes vagos – Vetor Noroeste, pg. 091
Ilust. 23 Condomínios privados no Vetor Oeste, pg. 092
Ilust. 24 Uso e ocupação do solo no Vetor Oeste, pg. 093
Ilust. 25 Obra de recapeamento e infra estrutura da Via São Pedro, pg. 094
Ilust. 26 Empreendimentos no Vetor Sudoeste, pg. 095
Ilust. 27 La Rocca e Balbeck, pg. 096
Ilust. 28 Lotes subutilizados na área central da cidade, pg. 106
Ilust. 29 Lotes subutilizados com dimensões diminutas, pg. 107
Ilust. 30 Vazios esvaziados na área central, pg. 108
Ilust. 31 Gráfico explicativo do funcionamento dos CAs e da OODC, pg. 122
LISTA DE MAPAS

MAPA 01 Mapa ilustrativo dos Vazios Urbanos no Vetor Oeste, pg. 093
MAPA 02 Vazios como Manchas, pg. 097
MAPA 03 Mapa esquemático do vazio urbano da MRSS, pg. 099
MAPA 04 Mapa esquemático de grandes vazios públicos, pg. 101
MAPA 05 Vazios AP-Centro, pg. 103
MAPA 06 Vazios urbanos na região central, pg. 105
MAPA 07 Vazios Unidade Centro, pg. 110

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Ações de planejamento urbano em JF – linha do tempo, pg. 077


Quadro 02 Plano Estratégico x Plano Diretor – quadro comparativo, pg. 079
Quadro 03 Quadro resumo panorama dos vazios em JF, pg. 088
Quadro 04 Quadro resumo vazios urbanos na unidade centro, pg. 109
Quadro 05 Quadro resumo – Diretrizes urbanas, pg. 129
Quadro 06 Tabela alíquotas IPTU/JF, 2009, pg. 137
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 013


CAPÍTULO 1 – DOS VAZIOS URBANOS AOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA PÚBLICA .. 021
1.1. – A constituição e evolução da questão dos vazios .................................................... 021
1.2. – O vazio como resultado das transformações (espaciais e sociais) da cidade ...... 023
1.2.1. – O Projeto e o Planejamento Urbano como alternativa à situação de vacância.............. 029
1.3. – O vazio como questão social ....................................................................................... 037
1.3.1. – Reconhecimento dos vazios ........................................................................................... 042
1.4. – Instrumentos de Política Urbana ................................................................................. 045
1.4.1. – Origem e evolução dos instrumentos ............................................................................. 045
1.4.2. – A reforma urbana e os instrumentos de política urbana na Constituição Federal e no
Estatuto da Cidade .......................................................................................................... 051
CAPÍTULO 2 – OS VAZIOS URBANOS EM JUIZ DE FORA – formação histórica e
planejamento urbano ................................................................................................................. 060
2.1. – O município ....................................................................................................................... 060
2.1.1. – Localização e dados demográficos ................................................................................. 060
2.1.2. – Formação histórica .......................................................................................................... 062
2.1.3. – O desenvolvimento e a expansão urbana do município ................................................. 067
2.2. – O planejamento em Juiz de Fora: conceitos e diretrizes para os vazios urbanos no
PDDU/JF e no PlanoJF do município ....................................................................................... 077
CAPÍTULO 3 – A POLÍTICA PÚBLICA A FAVOR DA CIDADE E DA CIDADANIA:
reconhecimento e encaminhamento dos vazios urbanos ..................................................... 086
3.1. – O panorama dos vazios em Juiz de Fora....................................................................... 087
3.1.1. – Os vazios na área urbana: uma visão geral.................................................................... 089
3.1.2. – Vazios urbanos na Região Central ................................................................................. 098
3.1.3. – Vazios urbanos centrais: Unidade Centro....................................................................... 104
3.2. – A recuperação dos vazios urbanos através de instrumentos de política urbana ..... 111
3.2.1. – Instrumentos de política urbana aplicáveis aos vazios urbanos ..................................... 113
3.3. – Diretrizes de política urbana para a reinserção dos vazios urbanos / JF .................. 128
3.3.1. – O vetor Nordeste ............................................................................................................. 130
3.3.2. – O vetor Noroeste ............................................................................................................. 131
3.3.3. – O vetor Sudoeste ............................................................................................................ 133
3.3.4. – O vetor Oeste .................................................................................................................. 133
3.3.5. – Áreas Específicas ............................................................................................................ 135
CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 141
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................ 146
13

INTRODUÇÃO

Objeto integrante do quadro urbanístico brasileiro, o vazio urbano vem sofrendo


algumas alterações significativas, no tocante a sua conceituação e significação, ao
longo do processo de crescimento e expansão das cidades e da sociedade.

Anterior à crise estrutural do sistema produtivo (que atingiu primeiramente as cidades


européias de Londres e Paris1), os vazios eram considerados áreas de expansão das
cidades. Eram os espaços livres, as áreas verdes, as praças e parques, em um
contraponto contínuo e “equilibrado” com os cheios e edificados da cidade (Borde,
2006).

Os referenciais que estruturavam a cidade antiga sofreram um processo de


transformação assim como a cidade e a sociedade se transformou. Os vazios
deixaram de ter os mesmos significados e características (históricos) para abrigarem
significações simbólicas que nem sempre dialogam com o crescimento rápido e fugaz
dos grandes centros urbanos contemporâneos, mas são considerados ainda pontos
representativos das transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas em um
determinado lugar.

A partir de meados do século XIX, essas áreas passam a ser associadas ao processo
de esvaziamento2, deixando a caracterização de espaços livres para assumir uma
responsabilidade com dimensões econômicas e sociais. Passam a ser terrenos
economicamente ineficientes, socialmente injustos e incompatíveis (Furtado e Oliveira,
2002) com as necessidades de terra para atender as demandas sociais. Muda-se o
conceito e, com ele, também as abordagens referentes ao tema.

Diante deste novo quadro que se forma, diversos autores reformulam idéias e passam
a entender os vazios urbanos dentro da dinâmica local na qual estão inseridos. O que
antes era considerado elemento fundamental para o crescimento e expansão das
cidades – as áreas de “respiro” em meio à densificação construtiva e populacional, as
reservas públicas para inserção de novos equipamentos urbanos – torna-se problema
social a ser combatido nas mais diferentes esferas.

1
Para maior aprofundamento do tema ver Borde, 2006 – capítulo I.
2
Para a presente pesquisa, entende-se “esvaziamento” como processo pelo qual passam alguns imóveis,
localizados principalmente em áreas centrais, que em conseqüência das modificações econômicas e da
dinâmica urbana vão perdendo suas funções originais – tornando-se espaços ociosos.
14

Segundo Furtado e Oliveira (2002), a aproximação mais tradicional acerca do tema


reconhece os vazios urbanos como grandes extensões de terra sem uso, existentes
em locais já urbanizados, com acesso direto ou facilitado e dotados de toda infra-
estrutura básica.

Clichevsky (2002), num panorama latino americano, faz uso do adjetivo “tierra
vacante” e o define como duas possibilidades distintas: i) toda terra privada não
utilizada que se encontra subdividida em parcelas denominadas urbanas segundo a
legislação vigente, dentro de um perímetro pré-definido e podendo ser utilizada para
fins residenciais, industriais, comerciais ou de serviços; ii) toda terra de propriedade do
Estado que está em processo de perda dos seus usos originais. Economicamente, seu
conceito vai mais além: os vazios urbanos são o resultado do funcionamento do
mercado de terras com pouca, ou sem muita expressividade legislativa. Os diferentes
agentes que atuam neste mercado (proprietários e incorporadores) podem apropriar-
se da renda gerada pela retenção da terra, muitas vezes durante décadas,
desfavorecendo a coletividade e a produção da real função da propriedade urbana.

Uma vez relacionados diretamente aos problemas associados à urbanização das


grandes cidades capitalistas do século XX, os vazios entraram para o rol dos debates
urbanos – no Brasil, principalmente na década de 1970. Contemporânea ao
informativo Hábitat I, realizado em Vancouver (Canadá) em 1976, que entre suas
recomendações incluiu a necessidade de combater os vazios urbanos, a questão da
terra vacante em nosso país começa a se fazer presente em estudos acadêmicos e
oficiais. Segundo Furtado e Oliveira (2002), em diversos documentos3 as relações
convergem para a identificação dos problemas originados ou aumentados através da
manutenção dos vazios: a especulação do solo e a escassez de infra-estrutura e
serviços urbanos.

Este critério relativamente uniforme de reconhecimento dos vazios como problema


social se reflete na formulação do Projeto de Lei4 de Desenvolvimento Urbano,
apresentado ao Congresso Nacional em 1983. O documento contemplava as diretrizes
e avançava na definição de instrumentos de intervenção necessários ao controle da
urbanização pelo poder público, através de uma ação integrada de entidades nos
diferentes níveis da federação.

3
Artigos e seminários como o FUNDAP (1978) e o CNDU (1980 e 1982); diagnósticos oficiais PLAMBEL
(1978); COGEP (1980); estudos realizados por (ou para) instituições públicas como ASTEL (1978) e
CEPAM (1982); CNBB (1982). (FURTADO; OLIVEIRA, 2002).
4
Projeto de Lei Nº 775, de 1983 (do Poder Executivo).
15

A importância do tema como questão política é consolidada na Constituição Federal


de 1988 através do Capítulo II de Política Urbana e, mais especificamente, em seu Art.
182. Este ordena como diretrizes gerais, fixadas em lei e de responsabilidade do poder
público municipal, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia
do bem-estar de seus habitantes. Institui o Plano Diretor Municipal como instrumento
básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, além de garantir o
cumprimento da função social da terra sob pena, sucessivamente, de: i) parcelamento
ou edificação compulsórios; ii) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
progressivo no tempo; iii) desapropriação com pagamento mediante títulos da divida
pública, de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o
valor real da indenização e os juros legais, para os proprietários que mantivessem
seus terrenos urbanos não edificados, subutilizados ou não utilizados (BRASIL, 1988).

Nos anos seguintes, o debate ganhou força e a discussão do tema foi repassada a
outros níveis de governo, com a elaboração das Constituições Estaduais, das Leis
Orgânicas e dos Planos Diretores Municipais.

O Estatuto da Cidade5 trouxe algumas inovações com relação à promoção da


dinâmica da cidade, o que comprova o reconhecimento do poder público como
principal agente de regulação e transformação do espaço urbano. Mas, apesar dos
avanços jurídicos e legislativos, a questão dos vazios urbanos continua com a mesma
definição e classificação generalizada da Constituição Federal, apesar da instituição
de novo instrumental legislativo, jurídico, financeiro, tributário e político.

Objeto contemplado no Estatuto da Cidade, o Plano Diretor assume o papel de


instrumento fundamental para o diagnóstico e regulação do espaço urbano. É dele que
irão partir diretrizes para solucionar os diversos entraves para questões de ordem
social, econômica, urbana e, prioritariamente, para uma política de indução na
tentativa de modificação do estado de vacância e de recuperação das terras ociosas.

No entanto, apesar destes avanços jurídicos e legislativos, observa-se que a questão


dos vazios urbanos continua reproduzindo as mesmas definições e classificações
descritas na Constituição Federal. A aparente coerência do problema generaliza uma
série de medidas que se mostram incapazes de solucionar todas as situações de
vazios urbanos identificados. Dessa forma, evidencia-se que, a partir do momento em

5
Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os Arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
16

que uma área ociosa passa a ser considerada como um problema social ela precisa
necessariamente ser caracterizada dentro de um contexto local, e certamente, nem
todo instrumento urbanístico será capaz de revertê-la.

Com enfoque em estudos mais recentes, os vazios urbanos podem mesmo significar
diversas coisas. Para Borde (2006), por exemplo, eles podem assumir uma
caracterização de vazios projetuais, conjunturais e estruturais, de acordo com o seu
processo de formação. Seguindo outra lógica de pensamento, Furtado e Oliveira
(2002) afirmam que os vazios assumem características e significações diferentes se
levada em conta a sua localização na malha urbana e a consequente relação
estabelecida com o entorno. Ou podem ainda ser identificados pela sua mudança
funcional, como é o caso de edificações em alteração estrutural e econômica que
estão perdendo a sua função original e criando verdadeiros espaços ociosos em áreas
já consolidadas e bastante valorizadas da cidade, como abordado por Silva (2008).

Dessa forma, podem-se classificar os vazios urbanos quanto ao seu processo de


formação, quanto à sua localização no tecido urbano, suas dimensões, seus
proprietários, ou até mesmo levando em consideração as diferenças de escala das
cidades em que estão inseridos (cidades grandes e regiões metropolitanas ou cidades
médias, como é o caso do município de Juiz de Fora).

Diante desta problematização, surge o recorte pretendido por esta pesquisa. Tomando
como base as idéias de Borde (2006), que parte do pressuposto de que os vazios
podem sair de um estado de problema e passar a significar uma oportunidade, e de
Furtado e Oliveira (2002), que seguem o raciocínio de que os vazios precisam ser
entendidos na sua particularidade, a hipótese pretendida por esta pesquisa
fundamenta-se na idéia de que são necessárias políticas urbanas diferenciadas para
lidar com os distintos tipos de vazios. Dessa forma, torna-se imprescindível repensar o
processo de planejamento da cidade e reestruturar uma política de vazios urbanos no
intuito da melhor utilização do solo para a cidade como um todo, e não favorecendo
especificamente uma pequena parcela da sociedade. É buscar a real função social do
solo urbano. É mudar o paradigma do problema e enxergá-lo como solução. E para
que isso ocorra é de fundamental importância entender todos os processos de causa e
transformação envolvidos.

Com esta abordagem, entende-se que duas dimensões distintas podem ser
analisadas como propostas de modificação do estado de vacância dos vazios urbanos.
A elaboração de uma política urbana municipal consistente deve tanto abranger
instrumentos de intervenção urbana quanto favorecer a elaboração de projetos
17

urbanos capazes de auxiliar (dentro do planejamento das cidades) o favorecimento da


dinâmica social e econômica. A presente pesquisa assume a postura de
reconhecimento da importância dessas duas dimensões que, não sendo mutuamente
exclusivas, apresentam muitas complementaridades.

Como recorte espacial para o melhor entendimento de como esses processos se dão
no ambiente urbano, será focado o município mineiro de Juiz de Fora. Ele servirá
como suporte físico para uma investigação mais concreta desta problemática, levando-
se em consideração as questões históricas, de formação e conformação dos vazios
urbanos com todas as peculiaridades de uma cidade de médio porte brasileiro, pólo
regional do Estado de Minas Gerais.

Metodologia

O processo metodológico iniciou-se por uma revisão bibliográfica sobre os diferentes


conceitos utilizados sobre o tema dos vazios urbanos, com o intuito principal de
estabelecer aspectos teórico-conceituais imprescindíveis para uma classificação
prévia, baseada em diversos autores (nacionais e estrangeiros), que serviu de ponto
de partida para uma pesquisa empírica e norteadora no município de Juiz de Fora.

A questão legislativa diretamente relacionada com os vazios urbanos também foi


abordada. Todos os documentos envolvidos no processo de modificação do estado de
vacância de áreas ociosas foram compilados na tentativa de melhor entender de que
formas e com quais ferramentas o poder executivo exerce a sua função social. A
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Cidade (2001), o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora (PDDU/JF, 2000) e o Plano Estratégico de
Juiz de Fora (PlanoJF, 2001) foram criteriosamente estudados, sendo abordados
impactos, potencialidades e limitações de planos e instrumentos.

Com base nas questões teórico-conceituais identificadas e desenvolvidas durante a


revisão bibliográfica, partiu-se para uma análise direta no município de Juiz de Fora
onde, buscou-se o mapeamento dos vazios urbanos sobre dois aspectos distintos,
porém complementares: i) a identificação dos vazios já classificados pela literatura; ii)
identificação de possíveis novas “tipologias” de vazios encontrados na cidade. Foram
levadas em consideração todas as características de uma cidade de médio porte,
fundada em meados do século XIX e, portanto, com diversas particularidades na sua
formação, configuração e expansão urbanas.
18

A metodologia e a operacionalização se encaminharam, então, para um processo de


análise física, empírica e documental mais direcionada, na qual se buscou entender as
relações estabelecidas entre os vazios urbanos e a malha consolidada da cidade,
como se comportam as ações de planejamento dentro da dinâmica urbana do
município e quais são os agentes (e qual o seu grau de comprometimento) formadores
e transformadores desses espaços. Dessa forma, pretendeu-se criar uma base de
dados essencial para o estabelecimento das diretrizes de políticas urbanas capazes
de modificar os estados de vacância em áreas ociosas da cidade, consolidando a
inter-relação teórica entre os temas.

Cabe salientar que essas diretrizes propostas (como objetivo principal) não foram
pretendidas como solução específica para os terrenos vazios da cidade, mas sim
como bases orientadoras da formulação de uma política pública consistente para a
questão e necessária para o entendimento da dinâmica urbana.

Revisar, observar, levantar dados, analisar, sistematizar e elaborar alternativas se


tornaram passos fundamentais deste processo. Para tanto, foram estabelecidos
alguns procedimentos metodológicos para a análise das fontes de dados, tais como:

i) Revisão bibliográfica teórico-conceitual sobre a questão dos vazios e do


instrumental legislativo disponível;
ii) Pesquisa cartográfica;
iii) Levantamentos aerofotogramétricos;
iv) Observação empírica;
v) Elaboração de um banco de dados sobre os vazios urbanos do município;
vi) Sistematização de dados.

Facilitar o entendimento do que são esses vazios, provocar a discussão sobre o seu
papel e potencial para a cidade, gerar benefícios teóricos e práticos e buscar novos
parâmetros de planejamento urbano para lidar com as questões envolvidas são alguns
dos impactos esperados.

Dessa maneira, a presente pesquisa se justifica por estar diretamente ligada a um dos
assuntos mais discutidos recentemente com relação à questão urbana - o melhor
aproveitamento do espaço urbano para a promoção do verdadeiro valor social da
terra.

A relevância deste estudo se coloca, no âmbito municipal, para a discussão sobre o


planejamento urbano e sua ligação intrínseca com uma política urbana consistente e
19

desejável, assim como para a população de Juiz de Fora, que terá a oportunidade de
maior aproximação com as linhas de desenvolvimento produzidas pelo Poder Público
local.

Para o meio acadêmico, a relevância se faz em mais um avanço sobre o tema,


produzido a partir de estudos realizados para um recorte de cidade média – indo ao
encontro da maioria das pesquisas desenvolvidas até o presente momento para
cidades grandes e áreas metropolitanas.

Organização da dissertação

Essa dissertação encontra-se estruturada em três capítulos, além da parte introdutória


e da conclusiva. Sua formatação esboça uma intenção clara e objetiva de entender a
constituição e evolução da questão dos vazios urbanos; demonstrar como se
caracterizam estes vazios no município de Juiz de Fora; como se comporta o poder
público local diante de questões tão relevantes quanto a valorização econômica da
terra urbana frente a real função social da propriedade e, de que forma os
instrumentos de indução e regulação urbanos auxiliam na produção de uma política
pública a favor da cidade e da cidadania.

Para tanto, o Capítulo 1 foi concebido como revisão bibliográfica e estabelece um


paralelo teórico-conceitual entre os dois temas principais abordados nesta pesquisa:
os vazios urbanos e os instrumentos de política pública. Na primeira parte (seções
1.1, 1.2 e 1.3) o tema dos vazios é reconhecido tanto como produto das
transformações sócio-espaciais quanto como questão social produzida através da má
utilização da terra urbana, produzindo terrenos ineficientes, socialmente injustos e
incompatíveis com as necessidades de terra para as demandas habitacionais. A partir
dessas compreensões, o projeto e o planejamento urbano são reconhecidos como
ferramentas essenciais no processo de recuperação das áreas em situação de
vacância. Da mesma forma, o entendimento da trajetória e conformação dos
instrumentos urbanísticos tornaram-se essenciais para a consolidação (legislativa) das
questões da reforma urbana e de uma política pública voltada para a promoção da real
função social da propriedade urbana (seção 1.4.).

O Capítulo 2 apresenta o panorama da situação urbana de Juiz de Fora. Retoma


aspectos históricos e demográficos que se encontram, direta ou indiretamente,
relacionados à criação e à manutenção de alguns dos vazios urbanos identificados na
atualidade do município; ao mesmo tempo em que particulariza situações específicas
20

na produção dos vazios urbanos remanescentes, como no caso dos processos de


desenvolvimento e expansão da malha urbana através da estrutura viária. A seção
2.2. identifica na legislação municipal (Plano Diretor e Estratégico) conceitos e
diretrizes estabelecidos pelas ações do planejamento urbano, capazes (ou não) de
reconhecer e lidar com a questão dos vazios urbanos, assim como os instrumentos
urbanísticos (instituídos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade)
reproduzidos para a realidade física e urbana da cidade.

O terceiro capítulo faz uma descrição do panorama atual dos vazios urbanos na
cidade de Juiz de Fora, caracterizados através das questões de formação (histórica),
conformação (dimensão) e estruturação (localização na malha urbana). Identifica
dentro da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, quais os instrumentos de
caráter urbanístico e fiscal estão diretamente relacionados à questão da situação de
vacância e restabelece uma relação direta com o conceitual desenvolvido no capítulo
1 da presente pesquisa. A seção 3.3, ao confrontar as bases conceituais e práticas
desenvolvidas no município, demonstra que a variedade disponível de instrumentos
urbanísticos aplicáveis aos vazios urbanos não é suficiente se a análise partir do
pressuposto de uma igualdade na sua classificação. As características tipológicas
identificadas durante o processo de desenvolvimento desta pesquisa serviram de
embasamento para a elaboração de diretrizes de política pública específicas para o
município, apresentadas no quadro resumo. Nele, encontram-se relacionados os
instrumentos urbanísticos melhor identificados para a reinserção urbana de cada tipo
de vazio identificado na cidade, objetivando uma Política Pública capaz de promover a
real função social da propriedade urbana.

Na conclusão, são retomados os principais aspectos teórico-conceituais desenvolvidos


ao longo da dissertação, como a questão da formulação conceitual do tema dos vazios
urbanos; o seu reconhecimento como questão social por diversos autores; o projeto e
o planejamento urbano como ferramentas essenciais no processo de recuperação dos
vazios da cidade; o instrumental urbanístico e o seu papel fundamental na promoção
da dinâmica urbana. Através de hipóteses norteadoras, são estabelecidas diretrizes de
política urbana capazes de promover a dinâmica urbana e o cumprimento da real
função social da cidade e de toda propriedade urbana, através da recuperação e
reinserção de áreas ociosas ao tecido urbano do município, caracterizado como
cidade média aos parâmetros urbanísticos brasileiros.
21

CAPÍTULO 1 - DOS VAZIOS URBANOS AOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA


PÚBLICA

1.1. – A constituição e evolução da questão dos vazios

A que nos remete a idéia de vazio? Espaço desocupado, sem uso? Lugar do
indefinido, do ilimitado ou, simplesmente, um não lugar? Uma descontinuidade do
processo de formação e transformação do espaço urbano? Oposição aos “cheios” da
arquitetura? Uma negação ou uma impermanência6? Uma efemeridade das cidades
modernas ou um produto do homem contemporâneo? Questionamentos que surgem
da inquietação cotidiana do indivíduo que vive em um lugar de profundas e
permanentes mudanças; de experimentações que necessitam de vivência e,
principalmente, de troca constante.

O termo, geralmente, nos remete a sensações desagradáveis, de desconforto;


evidencia, quase sempre, idéias negativistas, de um ambiente deteriorado. É o
conhecido “mal-estar nascido dos vazios” 7, que une a significação conceitual, espacial
e semântica à construção psicológica sobre o “estado de vazio”.

Um mundo mergulhado em profundas transformações sociais, políticas e econômicas


tem refletidas no seu espaço físico as novas formas de produção da cidade –
resultado do aprofundamento das relações capitalistas e a conseqüente imposição do
consumo como regra geral a toda a sociedade. Como objeto integrante do quadro
urbanístico contemporâneo, o vazio vem assumindo transformações significativas,
tanto no tocante à sua conceituação e significação, quanto aos seus processos de
formação e permanência (como espaço físico configurado). Isso ocorre, em grande
medida, devido ao crescimento das cidades e da sociedade que inserem uma
dinâmica acelerada, interferindo diretamente na velocidade temporal e espacial das
transformações e influenciando diretamente a compactação, a expansão territorial e o
aumento da densidade populacional e da ocupação e uso do solo.

6
O termo impermanência é extraído da análise conceitual que Borde (2006) faz dentro de duas
concepções distintas de vazios – a dos textos religiosos cristãos, que ajudaram a construir o pensamento
ocidental, e a dos textos sagrados budistas para os quais “tudo está em permanente mudança”. Dentro
deste pensamento Borde ainda complementa: “O vazio está, portanto, no âmago das coisas concebidas
como impermanentes; ele não é a realidade, mas a concepção de realidade que a mente é capaz de
formar; ele não pode ser descrito, definido, apontado ou capturado, ele deve ser alcançado e, para ser
conhecido, precisa ser experimentado”. (Borde, 2006. pg. 36)
7
Segundo Da Poian (2001) apud Borde, 2006.
22

Inicialmente considerados como elementos fundamentais ao crescimento das cidades,


os vazios urbanos configuraram durante muitas décadas os espaços livres de
construção, ou seja, as praças, os parques, os jardins e até mesmo os espaços
destinados à circulação de veículos e pedestres. Conformavam um sistema de
espaços livres, as “áreas de respiração” das cidades em crescimento e transformação.
Significavam a composição de um “cenário” propício ao encontro das diferenças
sociais, da criação das imagens mentais – referenciadas por Lynch (1999) – e das
transformações obtidas através do uso coletivo do espaço e das oportunidades que os
projetos urbanos apresentavam.

Mas, se entendermos os vazios por outra ótica - como sendo um dos resultados das
transformações sofridas e produzidas pelas cidades – podemos afirmar que a década
de 1990 estabelece uma nova maneira de reconhecimento destes – como problema
que deve ser enfrentado. O debate se desloca, então, um pouco da temática
conceitual e prioriza o estabelecimento de ações mais diretas por parte do poder
público, na tentativa de minimizar os efeitos perversos da manutenção dos vazios e
recuperar para a cidade e para a sociedade áreas tão importantes para a dinâmica
urbana contemporânea. Os vazios que faziam parte da cidade começam a ser
encarados como vazios na cidade, uma conotação muito mais abrangente do que a
simples significação simbólica agregada anteriormente. A partir daí, os vazios urbanos
não necessitam somente de classificação, mas de ação direta que os reconheça como
espaços a serem recuperados à dinâmica social, econômica e urbana.

É no campo da prática que os vazios começam a ser questionados, e pode-se


entender tal problemática através de dois processos principais. Com o crescimento
das cidades, eles passam a ser diretamente associados ao desequilíbrio que se
instaura entre a escassez de terra urbana e as demandas sociais e habitacionais. A
partir de meados do século XX, começam a ser também diretamente vinculados ao
processo de esvaziamento – caracterizando imóveis ociosos localizados,
principalmente, em áreas centrais com infra-estrutura consolidada. Em ambos os
processos percebe-se a descaracterização dos espaços livres para a conformação de
vazios urbanos sociais e econômicos, características que perduram até os dias atuais.
23

1.2. – O vazio como resultado das transformações (espaciais e


sociais) da cidade

O panorama urbano visível aos olhos do espectador contemporâneo é capaz de narrar


a história recente das grandes cidades, mas é provável que ele não consiga
representar tudo aquilo que um determinado lugar significa, ou significou. O tecido
urbano é, além de uma configuração espacial, uma construção social e econômica em
que se pode identificar – em um determinado recorte temporal – permanências e
rupturas8 em seu processo de formação, e o vazio urbano é um dos elementos
principais que participam contínua e ininterruptamente das transformações das formas
urbanas. Borde (2006) sobre este assunto, ainda acrescenta:

“Do ponto de vista do processo de formação e


transformação da forma urbana, os vazios
urbanos são situações que perfuram, por vezes,
várias camadas do tecido urbano, atravessando
décadas, concepções urbanísticas e
arquitetônicas e práticas espaciais; esgarçando,
liberando ou engessando a forma urbana que se
concebia, tal como um tecido, flexível, estruturado
e maleável; e apontando para a existência de
alteridades, descontinuidades e rugosidades”9
(Borde, 2006. pg.24).

Os referenciais que estruturavam a cidade antiga não são os mesmos da cidade


contemporânea, assim como os vazios urbanos da primeira são conceitual e
caracteristicamente diferentes dos vazios urbanos da segunda. No entanto, alguns
remanescentes de vazios (históricos) perduram na configuração espacial das cidades,
abrigando significações simbólicas que nem sempre dialogam com o crescimento
rápido e fugaz dos grandes centros urbanos, mas são considerados ainda pontos
representativos das transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas em um
determinado lugar.

8
Adjetivos usados por Borde (2006) para identificar os conceitos envolvidos no processo de formação e
transformação dos vazios urbanos como elementos morfológicos que organizam, desorganizam e
reorganizam o tecido existente.
9
Categorias desenvolvidas pela autora; conceitos mais elaborados no segundo capítulo da sua Tese de
Doutorado intitulada: Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. PROURB. Rio de Janeiro. 2006.
24

Dentro desta panorâmica, Andréa Borde sistematiza uma classificação desses


espaços, primeiro para entender como se comportam esses remanescentes de vazios
históricos na malha urbana contemporânea configurada, para depois sistematizar que
tipos de transformações são sofridas por eles e, também, a partir de qual evento eles
passam a representar um problema para a sociedade. Dessa forma, a pesquisadora
identifica três categorias básicas de vazios urbanos: os projetuais, os conjunturais e os
estruturais10.

Seguindo um recorte historicista, pode-se perceber a conformação e a permanência


dos “vazios projetuais”, ou seja, aqueles associados ao urbanismo modernista desde o
início do século XX. Esses vazios podem ser considerados os vazios do modernismo;
a grande oposição aos ‘cheios’ das arquiteturas; a monumentalidade estabelecida
também para os espaços públicos; o lugar do automóvel – agora o grande estruturador
dos espaços ditos comuns.

Assim como as áreas livres e verdes das cidades antigas, o vazio modernista é
concebido como parte de um projeto que não estabelece uma revisão conceitual do
tema, ou seja, ele é parte integrante das novas intervenções. O que muda é a
concepção do espaço público, agora compreendido de forma a potencializar os
espaços edificados, dando destaque e conformando uma monumentalidade que
somente pela arquitetura não seria alcançada. A ressalva a ser feita é que o mesmo
caráter inovador dos projetos modernistas possibilitou a configuração, também, dos
‘vazios sociais’11, pois uma nova forma de concepção espacial implicaria também na
elaboração de novas formas de inter-relações pessoais; o conceito não previa o que
na prática se transformou em problema.

Vários exemplos de “vazios projetuais” podem ser identificados no Brasil e no mundo.


Apesar da mesma concepção ideológica, ainda pode-se perceber os diferentes
impactos (visuais, espaciais e tipológicos) originados pelas intervenções que os
geraram. Referenciando-os conceitualmente, os vazios urbanos assumem
nomenclaturas (significados) diferentes se levados em consideração o contexto em
que se inserem, assim como seu local de origem. Por exemplo, o Congresso de UIA,
realizado em Barcelona no ano de 1996, identifica-os como terrain vague; no contexto

10
A autora apresenta uma série de quadros explicativos, com critérios de classificação desenvolvidos
para um melhor entendimento sobre o tema. A sistematização de suas idéias e conclusões está
apresentada no capítulo 1 da sua Tese de Doutorado (2006).
11
Entende-se por ‘vazio social’ todo e qualquer espaço remanescente da ligação não estabelecida entre
uma intervenção modernista (pontual) e a morfologia urbana existente. Dessa forma, somente algumas
partes da cidade tornam-se modernas e espaços ociosos surgem dessa confluência não pensada.
25

inglês, eles ficaram conhecidos como derelict área; nos Estados Unidos da América,
vacant land; na França, após a década de 1970, como friche urbaine; assim como os
vazios viários ficaram conhecidos, no contexto norte-americano, após o urbanismo
modernista e rodoviarista, como os lost spaces (Borde, 2006).

Consideradas grandes áreas periféricas dedicadas, exclusivamente, à conformação de


estruturas viárias e aos complexos de estacionamentos, que se reproduziriam nas
diferentes cidades do mundo, os lost spaces também podem ser identificados no
cenário brasileiro como categoria de vazio projetual – ressalvadas características
distintas quanto à localização e porte. A cidade do Rio de Janeiro12 – por exemplo – na
tentativa de melhoramento das interligações físicas entre os diferentes pontos da
cidade, protagonizou uma série de intervenções que geraram como conseqüência,
também, áreas de grandes vazios físicos e sociais.

Ainda segundo Borde (2006), no contexto brasileiro algumas expressões podem ser (e
foram) utilizadas para a categorização das situações (projetuais) de vacância urbana.
O termo “terras devolutas”13, por exemplo, define as terras públicas sem uso ou
serviço do Estado; são as “terras vagas, vazias, ermas, não ocupadas” e por isso,
consideradas públicas. Para “áreas obsoletas” tem-se a definição de lugares com
defasagem espaço-temporal do ponto de vista dos processos produtivos; “áreas
insalubres”14 significam locais sem condições de saneamento e salubridade no tecido
consolidado. O Urbanismo carioca deu origem ao termo “esplanada” que significa área
plana resultante dos desmontes dos morros do Castelo e de Santo Antonio15.
“Espaços, áreas, ou tecidos degradados” são utilizados como justificativa de ações de
renovação urbana; já “terreno baldio” significa terreno não ocupado ou não utilizado –
em estado de abandono –, ou espaço livre abandonado que integra lotes de
edificações abandonadas16.

12
Nos referimos aqui às intervenções como a construção das Linhas Vermelha e Amarela; às conexões
intermunicipais como a ligação da Ponte Rio-Niterói com a área central e zona sul da cidade do Rio de
Janeiro (configuração do Elevado do Gasômetro) assim como as conexões estabelecidas com as cidades
da Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Nova Iguaçu etc.).
13
Brasil. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Mais conhecida como Lei de Terras.
14
Brasil. Higienismo. Planos do início do século XX.
15
Neste contexto, esplanada remete ao vazio que não consegue ser preenchido apesar dos vários
projetos elaborados para essas áreas. Brasil. Rio de Janeiro, Comissão do Plano da Cidade, 1938.
Brasília, década de 1960. Esplanada designa o grande vazio projetado para a contemplação do poder
emanado pelos prédios públicos que a conformam (Borde, 2006. pg. 51).
16
No primeiro caso, são mais comuns nas áreas de expansão urbana e, no segundo, nas áreas urbanas
já consolidadas, abrangendo tanto o contexto brasileiro quanto latino-americano (Borde, 2006. pg. 51).
26

Ilustração 1: Exemplos de vazios projetuais no Brasil. A cidade planejada de Brasília, o Campus Universitário da
Universidade Federal de Juiz de Fora e o Campus Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fontes:
www.ufjf.br; www.static.blogstorage.hi-pi.com. Acesso em 12.01.2010.

Já os “vazios conjunturais” são típicos da cidade contemporânea, conceitualmente


formalizados no final da década de 1970, quando o processo de desindustrialização
começou a atingir diversas cidades européias. Podem ser descritos como áreas
“desfuncionalizadas” por um evento específico, ou seja, grandes espaços que se
tornam obsoletos por uma ocorrência funcional, estrutural ou econômica que acarreta
em abandono e degradação de áreas – geralmente importantes na estrutura da cidade
– do tecido urbano consolidado. Seu surgimento acompanha a dinâmica urbana e a
economia mundial que regem as transformações do espaço físico, normalmente como
conseqüência de falência financeira, esvaziamento econômico e modificações
conceituais de estruturas antigas.

Tais fenômenos iniciaram-se na Inglaterra e na França (Borde, 2006), quando as


primeiras cidades começaram a sentir as conseqüências do fechamento – ou
transferência – de antigas indústrias e empresas fundamentais ao processo de
produção e comercialização. Surgem através de situações geradoras de tensões,
obsoletização das atividades industriais, desvitalização econômica e,
conseqüentemente, a impossibilidade de reinserção na dinâmica urbana de grandes
áreas industriais e comerciais.
27

O que os franceses intitularam de “friche urbaine”17 pode ser caracterizado, no Brasil,


tanto pelos vazios comerciais e residenciais (de pequenas e médias dimensões),
quanto pelos vazios comerciais e institucionais de maior porte; em sua grande maioria
caracterizados por edificações que perderam seu uso ao longo dos anos.

Segundo Borde (2006), o mesmo processo pode ser identificado em edificações


representativas do patrimônio arquitetônico carioca, como o antigo Cine Palácio e o
Teatro Dulcina18, assim como se repetem em diversas outras áreas da mesma cidade.
Silva (2008) identifica o mesmo processo conjuntural na área central da cidade de São
Paulo, onde classifica de “vazios esvaziados”19 as edificações que se encontram em
estado de vacância. Nesse contexto, a autora abrange sua classificação a toda e
qualquer edificação vazia e não somente às de relevância arquitetônica ou histórica.

Ilustração 2: Teatro Dulcina e Cine Palácio. Fontes: www.teatrodulcina.blogspot.com;


www.theurbanearth.wordpress.com. Acesso em 12.01.2010.

17
O termo ‘friche’, inicialmente utilizado para identificar características exclusivamente rurais, foi
apropriado pelos franceses para identificar novos usos das áreas urbanas classificadas pelas
descaracterizações industriais e comerciais. Para melhor entendimento do termo e maior
desenvolvimento do tema ver Borde (2006), páginas 42-43.
18
Ambos localizados na área central da cidade e que representam situação semelhante dos demais
exemplares arquitetônicos do patrimônio do município.
19
Os “vazios esvaziados” que Silva (2008) identifica na área central da cidade de São Paulo fazem parte
de um estudo realizado para quantificar áreas obsoletas em locais infra-estruturados com fins de
requalificação para moradia popular.
28

Na medida em que este processo de vacância perdura no tecido urbano por tempo
indeterminado, o vazio conjuntural começa a adquirir responsabilidades sociais ao
provocar reflexos em sua área de abrangência, pois os problemas gerados
“fisicamente” em uma determinada área começam a atingir o entorno imediato,
“desfuncionalizando” também outras atividades comerciais e residenciais – e assim
ampliando a área física do vazio original.

Como terceira categoria definida por Borde (2006), os vazios estruturais, na maioria
das vezes, encontram-se intrinsecamente ligados às situações que geram também os
vazios conjunturais. São formados pelas grandes modificações urbanas concebidas
através da renovação das estruturas produtivas, sociais e econômicas. Significativas
interferências espaciais originaram os vazios de função, entendidos (ou que se
definem) como espaços ociosos em conseqüência de uma nova ordem estrutural e
econômica.

Dois grandes exemplos desta categoria


de vazios são configurados através de
processos relacionados ao urbano e
mundialmente conhecidos como o
rodoviarismo e a “conteinerização” –
característicos da sociedade moderna e
da cidade contemporânea. Devido a
esses processos, os antigos pátios de
manobra das estações ferroviárias e o
grande número de galpões utilizados no Ilustração 3: A "conteinerização" no Porto de Long
Beach. Fonte: www.biinternacional.com.br. Acesso em
armazenamento de mercadorias nas 15.01.2010.

áreas portuárias passam a ficar obsoletos


em função de uma estrutura econômica que não existe mais (ou perdeu grande parte
de sua força social e política).

Este evento também atinge algumas cidades de médio porte, porém, com
características específicas de outra organização espacial e urbana. Eles normalmente
encontram-se associados a outros processos de cunhos sociais e econômicos que
auxiliam na descaracterização e na perda de função de determinada área. Mas,
apesar de guardar características distintas de cidade para cidade, o vazio estrutural
apresenta como forma definida e incontestável o seu tamanho físico e a dimensão dos
problemas ocasionados.
29

Ilustração 4: Os vazios portuários e ferroviários – Rio de Janeiro e Juiz de Fora, respectivamente. Fonte:
www.trensecia.fotopages.com. Acesso em 12.01.2010.

A partir das últimas décadas, estes vazios assumem novo papel associado às novas
formas de planejamento, as quais por sua vez se consolidam como uma das ações
principais na prática do combate à situação de vacância. Para uma maior
compreensão das implicações destas classificações – que guardam relações diretas
com os propósitos desta pesquisa – as questões envolvidas serão melhor
caracterizadas e aprofundadas no Capítulo 3, com associação direta entre os vazios
estruturais que também podem ser classificados como conjunturais, em situações
observadas na cidade de Juiz de Fora - MG.

1.2.1. - O Projeto e o Planejamento Urbano como alternativa à


situação de vacância

A transformação do entendimento sobre os vazios, passando de problema a


oportunidade, para a criação de uma nova cidade, estaria promovendo uma mudança
na significação simbólica dos vazios urbanos associados, até então, principalmente à
degradação e à retenção especulativa.

“As grandes cidades contemporâneas se


conformaram a partir de processos que se
desenvolveram quase que concomitantemente
entre meados da década de 1970 e o início do
século XXI: transformações nas estruturas
produtivas, enfraquecimento e empobrecimento
do Estado e da população com a implementação
das políticas neoliberais, urbanização do mundo
em grandes centros urbanos, emergência de
novas estruturas, mas também da formação e
30

transformação dos vazios urbanos” (Borde, 2006.


pg. 53).

O entendimento do surgimento de uma nova ordem mundial20 – criada pelas


demandas econômicas e sociais – implica a busca de novas estruturas urbanas
capazes de responder a contento aos questionamentos da cidade contemporânea. Um
emergente sistema urbano estruturado em redes é configurado e cidades inteiras são
transformadas em pontos nodais, onde terrenos livres e infra-estruturados, mão-de-
obra especializada, ações pontuais e de planejamento estratégico (por exemplo) são
vistos como oportunidades à configuração de um pensamento único – essencial na
manutenção da nova ordem (Borde, 2006). Neste novo sistema urbano, os vazios
deixam de significar somente retenção especulativa para serem identificados com
oportunidades cada vez mais ligadas ao capital internacional.

“... o projeto urbano tornou-se um instrumento


para fazer emergir cidades atraentes a partir das
estratégias urbanas relacionadas aos vazios
esvaziados do tecido urbano” (Borde, 2006. pg.
56).

Neste novo mundo, os vazios urbanos se constituem em outro lugar – mais justo e
mais diversificado – viabilizando a articulação das questões locais e globais nos
âmbitos sociais, políticos, simbólicos e econômicos. São capazes de transformar a
imagem decadente e deteriorada de espaços ociosos (e até cidades inteiras) em
oportunidade, em uma sociedade que privilegia a visibilidade e a imagem como formas
de poder.

Algumas intervenções concebidas com estes propósitos reafirmam (cada vez mais)
que é através dos seus vazios urbanos que a cidade se redefine e consolida seu poder
econômico frente ao capital globalizado. A reutilização dos vazios históricos da cidade
de Barcelona, Bilbao, Paris e Berlim, por exemplo, tornaram-se expoentes desta nova
ótica quando propiciaram (com sucesso) a reestruturação, a recuperação e a
construção/ desconstrução de processos emblemáticos, que serviram mais tarde como
exemplo a ser seguido e disseminado por todo o mundo.

Barcelona aproveitou os vazios urbanos gerados pela demolição de suas muralhas –


por Ildefonso Cerdá, em 1854 – para expandir sua malha urbana segundo a
20
Entende-se o termo “nova ordem” como sinônimo do processo de globalização que atingiu e conectou
as mais diversas cidades do mundo entre o fim do século XX e início do século XXI.
31

racionalidade moderna do Plan Eixample (Borde, 2006) – e, em outra intervenção


transformadora, se apropriou das modificações necessárias aos Jogos Olímpicos de
1982 para articular uma série de espaços públicos que fariam a ligação da cidade
como um todo e a transformaria em um dos mais importantes exemplos do urbanismo
contemporâneo – com a reestruturação de bairros centrais, a reativação de vazios
intersticiais e a conseqüente inserção da cidade no competitivo mercado de capitais.

Ilustração 5: O caso Barcelona. Fonte: www.clicrbs.com.br. Acesso em 15.01.2010.

Já Bilbao, diferentemente da cidade de Barcelona, associou a arquitetura de grife ao


marketing urbano no processo de recuperação da área portuária e industrial através
da construção de uma filial do Museu Guggenheim – projeto do arquiteto Frank Gehry.
Fazendo uso da metáfora de Nuno Portas (1998) para aquilo que ele identificou como
“acupuntura urbana”21, a construção do museu desencadeou uma série de outros
projetos na mesma linha de reestruturação que confirmaram a nova imagem
estabelecida para a cidade. Norman Foster e suas estações metroviárias, assim como
Santiago Calatrava com sua ponte de desenho arrojado, concretizaram a imagem de
cidade modernizada, capaz de atrair novos negócios e inseri-la no circuito das grandes
cidades mundiais. Este modelo se configurou em uma das principais referências que
seriam seguidas e reproduzidas por diversas cidades em todo o mundo.

21
Entende-se por “acupuntura urbana” a capacidade que tem uma intervenção (projetual ou urbanística)
de multiplicar seus ganhos em outras áreas da cidade, ou seja, requalificando uma determinada área,
subentende-se que suas melhorias surtam efeitos, também, em outros locais de condições similares.
32

Ilustração 6: O caso de Bilbao. Fontes: www.wikimedia.org; www.thespanishjourney.wordpress.com. Acesso em


15.01.2010.

Paris, subdividida em setores (Borde, 2006), estabelece a reestruturação viária como


ponto inicial de sua requalificação urbana, e a articulação de vários projetos realizados
em vários períodos e diversas etapas insere novamente na dinâmica urbana áreas
desfuncionalizadas da malha consolidada – com intervenções capazes até mesmo de
transpor barreiras físicas naturais, como a conexão entre as margens do Rio Sena.

Ilustração 7: A Paris de Haussmman e a cidade atual. Fonte: www.fraca-turismo.com. Acesso em 15.01.2010.


33

Berlim, por sua vez, dialoga com vazios históricos muito marcantes pelos diversos
momentos de construção e desconstrução da sua malha urbana. As duas grandes
guerras, a renovação urbana de 1950, a queda do muro (1989) e a reunificação (1993)
constroem na cidade um panorama único, que a reconhece como lugar em
permanente transformação (Borde, 2006). Huyssen afirma que a associação da cidade
de Berlim com um grande vazio “é mais do que metáfora, e não é somente uma
condição transitória” (Huyssen, 2000 apud Borde, 2006. pg. 61). São vazios culturais e
simbólicos utilizados nas recuperações que extrapolam (em vários condicionantes) a
simples reestruturação do tecido urbano.

Ilustração 8: Os vazios marcantes de Berlim e a sua "reconstrução". Fonte: www.releitura.wordpress.com. Acesso


em 15.01.2010.

Podemos considerar os quatro exemplares projetuais de recuperação de vazios,


anteriormente citados, como “pontos de partida” de uma prática que se disseminaria
no mundo inteiro em fins do século XX e característico também do início do século
XXI. Os Estados Unidos da América – com a reconstrução do grande vazio resultante
do ataque terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center (2001) – e a Argentina,
com o desenvolvimento do projeto de Puerto Madero (1992 - com inspiração direta
barcelonesa), são alguns dos exemplares mais recentes e concebidos no continente
americano para a recuperação (em grandes cidades) de áreas ociosas.
34

Ilustração 9: O vazio do "11 de setembro" e sua superação na transformação espacial. Fontes: Andrea Borde, 2005 e
www.gardia.co.uk/world/gallery. Acesso em 12.01.2010.

Ilustração 10: A recuperação dos vazios de Puerto Madero. Fonte: www.alacartatour.com. Acesso em 12.01.2010.

Mas, podemos generalizar essas ações práticas do mesmo modo que identificamos o
mundo globalizado? Se a formação histórica é tão importante na identificação dos
lugares, como afirmar que o projeto urbano seria capaz – por si só – de preencher
novamente os vazios remanescentes do tecido urbano? Segundo Borde (2006):

“... alguns exageros e omissões cometidos nas


últimas décadas no campo das práticas e das
intervenções urbanísticas contribuíram, ao
contrário do que se poderia supor, para a
formação de novos vazios urbanos ...” (pg. 57).

Esta afirmação evidencia a inexistência de uma possibilidade de atuação em situações


de vazio urbano e, também mostra que tais ações, quando não vêm associadas
conceitualmente aos processos que levaram à conformação do estado de vacância e
suas articulações com a malha urbana, acarretam não só a frustração de uma
35

intervenção mal sucedida, mas a formação de novas áreas vazias na cidade. A


questão passa a não ser exclusivamente a intervenção projetual e pontual nos vazios
(centrais ou periféricos) e sim a elaboração de estratégias de atuação conjunta
capazes de rearticular todo o tecido urbano novamente. Assim, “a opção pelo projeto
urbano não deve ser hegemônica, automática, sem planejamento, mas uma opção
conseqüente integrante de um escopo de ações planejadas” (Borde, 2006. pg. 64).

A consolidação do projeto urbano como proposta de intervenção associada a planos


estratégicos e parcerias público-privadas se transforma na mais importante linha de
atuação para a solução dos terrenos ociosos em áreas valorizadas das cidades
contemporâneas. O capital financeiro e as novas formas de produção baseadas na
informatização da tecnologia estruturada em redes de comunicação de grande escala
criam novas demandas urbanas.

Nuno Portas (1998) alerta para a transformação da “oportunidade econômica”,


diretamente ligada aos projetos urbanos de recuperação/ requalificação, em fator de
perturbação na tradicional lógica sistêmica (estática e conservadora). Para ele, os
diferentes graus de certeza existentes no momento da aprovação de um projeto ou
plano conduzem a configurações urbanas que raramente consideram “tempos, atores
e recursos”, acarretando conflitos entre previsão e ocasião.

O Planejamento Urbano assume, então, seu papel como ferramenta principal para a
solução dos problemas citadinos, agora, partes integrantes de um contexto
globalizado. A resposta não é mais local, imediata. Aquilo que se propõe faz parte de
uma rede totalmente interligada, que generaliza soluções ao mesmo tempo em que
observa passiva e pacientemente seus resultados, já pré-estabelecidos.

E essas “soluções” começam a deixar de ser exclusividade dos grandes centros


urbanos e das áreas ditas metropolitanas. O que Françoise Choay (1994) observou
como ambigüidade, mobilidade, reversibilidade, instantaneidade, precariedade e
indeterminismo da cidade do final do século XX e início do século XXI, vão se
transformar nos grandes conceitos inquietantes que perdurarão sobre a questão dos
vazios urbanos – agora incidindo sobre a problemática social, questão que deve ser,
veementemente, combatida.

Diante deste novo quadro que se configura, diversos autores reformulam idéias e
passam a entender os vazios urbanos dentro da dinâmica local na qual estão
inseridos, pois, apesar do mundo globalizado as cidades ainda apresentam suas
36

especificidades; e os vazios urbanos apresentarão características distintas que


implicarão em soluções particularizadas.

Andréa Borde afirma que para inserir os vazios urbanos novamente na dinâmica das
cidades é preciso, antes de qualquer coisa, considerá-los como elementos do tecido
urbano; partes integrantes de um sistema consolidado e passível de constantes
transformações.

“Atuar sobre os vazios urbanos não significa, portanto,


reconstituir o que já não existe mais, nem construir o
novo de maneira desarticulada do existente. Significa,
sobretudo, não considerar o vazio urbano como um
fragmento de um quebra-cabeça que, ao ser desprovido
de uma de suas peças, torna-se incompleto, caso não se
reconstitua a peça em todos os seus aspectos, mas como
um dos elementos do tecido urbano cuja reativação pode
significar a incorporação de uma etapa flexível, mais
facilmente articulável aos outros elementos morfológicos,
à sua organização” (Borde, 2006, pg. 24-25).

Se analisarmos os vazios partindo do princípio de que eles são elementos do tecido


urbano e os condicionarmos a contextos específicos, podemos afirmar que tais
elementos devem receber classificações distintas. Dessa forma, podem ser
considerados (conceitualmente) como vazios projetuais, conjunturais ou estruturais –
como discutido anteriormente –, de acordo com o seu processo histórico de formação;
podem ser categorizados de acordo com as suas características físicas, ou até mesmo
sua localização na malha urbana – estabelecendo relações diretas com o seu entorno
imediato; podem adquirir a classificação de “desfuncionalização” ou até mesmo
representar tensões de lados opostos – como público x privado, políticas públicas x
economia de mercado e coletividade x individualidade.22

Borde (2006) chama a atenção para uma nova categoria de vazio urbano que poderia
estar emergindo nas cidades contemporâneas – o reflexo da urbanização
descontinuada. Ou seja:

22
Reconhecidas como parte da questão social, essas classificações serão melhor detalhadas na seção
seguinte.
37

“... criação de ilhas urbanas em áreas ainda não


urbanizadas desconectadas entre si por áreas com baixa
densidade de ocupação. Um processo no qual o vazio é
parte integrante da sua configuração espacial” (Borde,
2006, pg. 40).

Este reflexo se daria tanto no sistema de circulação de transportes, quanto no fluxo de


capitais. As cidades dos países em desenvolvimento – São Paulo, por exemplo – se
caracterizam pela deficitária rede de transportes coletivos, portanto, essa problemática
atingiria, basicamente, a população de baixa renda.

Mas como ainda é considerado um processo recente, esta nova categoria merece ser
avaliada com mais consistência antes de inseri-la no quadro dos vazios urbanos das
cidades contemporâneas. A presente pesquisa apenas se aterá a citá-lo como
referência de categoria, concentrando as questões nos entendimentos mais
consolidados sobre os problemas e as alternativas de solução para os vazios urbanos.

1.3. – O vazio como questão social

Ao serem considerados como questão social, os vazios urbanos passam por uma
diferenciação conceitual e tipológica, passando a ser caracterizados como vazios das
cidades e não como vazios nas cidades. Isso significa que o vazio urbano passa a ser
considerado como um dos produtos do meio urbano contemporâneo e não como mais
um elemento estruturalmente (e fundamental) do meio físico, somente. A sociedade os
produz e é diretamente afetada pelas implicações que deles derivam.

Como colocado por Furtado e Oliveira (2002), eles passam nesta nova conceituação a
significar terrenos economicamente ineficientes, socialmente injustos e incompatíveis
com as necessidades de terra para atender às demandas sociais. Transformam-se em
vazios social e fisicamente produzidos pela sociedade; são vazios urbanos que terão
um estatuto diferenciado daqueles integrantes do sistema de espaços livres de uma
cidade (totalmente favoráveis à dinâmica urbana), pois atuariam como pontos
geradores de desequilíbrio, de instabilidade e de modificação da forma urbana, com
funções, valores e significados distintos na produção e também na percepção do
espaço da cidade.

Em meados do século XX, as questões relativas à problemática habitacional passam a


ser associadas à escassez de terra para a inclusão social da população de baixa
38

renda nas grandes cidades23, ao mesmo tempo em que se identificam grandes


extensões (físicas ou quantitativas) de terrenos vagos ou espaços ociosos em locais
com infra-estrutura já consolidada. Na década de 1970, é possível perceber uma
inflexão no processo de entendimento dos vazios urbanos. É nesta época que estes
começam a ser caracterizados como problemas diretamente associados à
urbanização, principalmente das grandes cidades (Furtado e Oliveira, 2002).

O informativo Hábitat I, realizado em 1976 na cidade de Vancouver, no Canadá,


estabelece um marco na discussão sobre a questão dos assentamentos humanos no
mundo e todos os problemas gerados em função da distribuição desigual da terra
urbana. Ao propor um plano de ação embasado em estratégias políticas para o
ordenamento do solo, este documento que, entre outras diretrizes, recomenda o
controle dos vazios urbanos (identificado como um dos problemas gerados), surge
como aporte teórico para as discussões já iniciadas e assume papel fundamental no
reconhecimento deste elemento – o vazio urbano – como problema social a ser
combatido.

No Brasil, a partir de então, diversos órgãos, fundações e instituições reforçam a


preocupação com o destino do uso da terra urbana e iniciam uma discussão que
resultaria na publicação de diversos artigos e na elaboração de seminários em todo o
território nacional acerca do destino da produção do espaço construído em meio à
dinâmica econômica global. Conforme Furtado (1996), artigos e seminários como os
produzidos no âmbito do FUNDAP (1978)24 e do CNDU (1980)25; diagnósticos oficiais
realizados pelo PLAMBEL (1978)26, em Belo Horizonte e pela COGEP (1980), em São

23
No Brasil, tal problemática ganhou respaldo sendo tema principal do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana (IAB/ IPASE) – Proposta de Lei (1963), mais conhecido como Seminário do Quitandinha,
realizado na cidade de Petrópolis-RJ. Para maior entendimento do tema ver Bassul (2005), Anexo I –
Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (1963). Pg. 183.
24
Fundação do Desenvolvimento Administrativo. Documento publicado em evento realizado em 1978 na
cidade de São Paulo, tendo como tema principal a Renda Fundiária na Economia Urbana. Documento
considerado como marco para a temática no Brasil, segundo Furtado (1996).
25
Conselho Nacional de Desenvolvimento urbano. Referência do documento apresentado no Seminário
sobre Problemas Fundiários Urbanos em Brasília, 1980. Este documento retrata a problemática da
questão fundiária brasileira com foco na insuficiência de instrumental jurídico-tributário; sugerindo a
implementação de uma política fundiária subordinada à política urbana em vigor, combatendo
prioritariamente o crescimento desordenado e a excessiva densificação, juntamente com a valorização
crescente do preço da terra. Ver Furtado (1996).
26
Órgão de planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG. Relatório de pesquisa
publicado como documento oficial do Governo Estadual em 1978 com objetivo principal de “conhecer as
relações entre o funcionamento do mercado de terras e o processo de estruturação urbana; identificando
as variáveis presentes na dinâmica da ocupação, para definir critérios de avaliação e formulação de
políticas públicas.” Ver Furtado (1996).
39

Paulo; estudos realizados por (ou para) instituições públicas como os da ASTEL
(1978)27 e do CEPAM (1982)28 e a CNBB (1982)29, demonstram a preocupação
comum com os problemas urbanos e sociais surgidos tanto do aparecimento quanto
da manutenção intencional de áreas vazias nas cidades brasileiras entre as décadas
de 1970 e 1980. A especulação fundiária e a escassez de infra-estrutura para fazer
face à expansão e ao crescimento urbano foram os grandes temas publicados e
debatidos.

Dentre eles, podemos destacar como de grande relevância o documento da CNBB


(1982) que aborda a questão da valorização do solo como principal ferramenta de
dominação da especulação imobiliária, atingindo áreas bastante valorizadas do
território urbano e com proporções preocupantes já no início dos anos 1980. O
documento apresenta um panorama das grandes cidades brasileiras nas duas
décadas anteriores à sua publicação, construindo um paralelo entre a dinâmica da
apropriação do solo e a especulação imobiliária como causas determinantes do
problema do déficit de moradia popular. Define ainda critérios para a formação de uma
postura ética diante da realidade apresentada e sugere algumas linhas de ação que
apontam, claramente, para a necessidade de reformas jurídicas capazes de garantir o
uso social da terra; tais reformas são delineadas de modo bastante abrangente, de
natureza sócio-culturais, sócio-políticas ou sócio-econômicas. Conforme Furtado
(1997), elas recomendam o “combate à especulação imobiliária e ao abuso do poder
econômico no mercado imobiliário” ao passo em que “incentivam políticas de função
social e um controle permanente do uso do solo”. Observa-se que se trata de questões
que se fazem presentes até os dias atuais, assim como a natureza de algumas
soluções.

Como evidenciam esses documentos, ao longo de todo o século XX, no Brasil como
em quase todos os países da América Latina (Furtado, 1997), manter uma situação de
vacância urbana em área valorizada é tão, ou mais, rentável, do ponto de vista do

27
Assessores técnicos Ltda. Pesquisa sobre evolução de preços de terrenos e seu impacto na formação
do preço das moradias. Relatório publicado em 1978 sobre a Experiência do Município do Rio de Janeiro.
28
Fundação Prefeito Faria Lima. Documento apresentado no II Seminário de Problemas Fundiários
Urbanos, Brasília 1982, que vislumbra uma série de possibilidades e limitações de vários instrumentos de
intervenção estatal voltados para a implementação de uma política fundiária que facilite o acesso à terra
urbana pela população de baixa renda. Ver Furtado (1996).
29
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Documento da XX Assembléia Geral da CNBB realizada na
cidade de São Paulo, 1982, apresentando como tema principal a dificuldade de acesso à terra urbana
pela população menos favorecida; com vastas informações sobre preço, lotes vazios, densidades
habitacionais e concentração da propriedade urbana.
40

mercado de terras urbanas, quanto ocupá-la ou reutilizá-la. Tal afirmação pode ser
considerada como resposta à pergunta que identifica – como marco conceitual –
quando e por que os vazios começaram a ser considerados problema de ordem social.

Mas, qual é a conjuntura que leva a dinâmica urbana a essa situação? Quando se fala
em área valorizada da cidade o quê exatamente está sendo referenciado? A dinâmica
urbana é feita e exercida por diversos agentes específicos. Carlos Nelson F. dos
Santos (1988) já os identificava quando afirma ser a cidade um “jogo de cartas”. O que
normalmente acontece é que alguns ‘jogadores’ possuem informações (ou poder de
persuasão) privilegiadas para a construção da dinâmica espacial. Isso se reflete na
valorização excessiva do solo urbano, na escassez social da terra, na retenção
especulativa de lotes e imóveis; ou seja, o lado com maior “potencial financeiro de
jogo” acaba por favorecer seus próprios interesses em detrimento do coletivo e do
bem comum.

Com a valorização do solo urbano, as situações de vazio começam a ser produzidas,


reproduzidas e mantidas. Elas passam a ser orientadas pela lógica da retenção
especulativa do solo urbano, auxiliada pela ausência de iniciativas de captação desta
valorização pelo setor público, na forma de políticas fiscais e tributárias. Vale ressaltar
que embora especular seja um elemento inevitável do competitivo mercado de terras
urbanas, a retenção especulativa, isto é, a manutenção da vacância do solo urbano na
expectativa que o seu valor aumente no futuro, atua como causa e conseqüência das
situações de vazio urbano nas grandes cidades. E mesmo que ela não seja a
motivação inicial para a criação de vazios urbanos ela é, ainda, um dos seus principais
desdobramentos.

Diante da problemática instaurada, inicia-se uma série de discussões de cunho político


a fim de que os problemas urbanos sejam reconhecidos e, de certa forma,
resguardados também no âmbito legislativo; a redefinição do papel e das
competências do poder federal converge para uma preocupação de descentralização,
na qual as cidades são incentivadas a assumir o controle de seu desenvolvimento e,
conseqüentemente, seu crescimento (Furtado, 1997). Para o Brasil, assim como para
os países de economias ditas emergentes, significa ainda uma reestruturação de
bases ideológicas antigas (e rígidas) até então à frente das decisões.

“Para as cidades latino-americanas, tratar-se-ia de


aprimorar formas tradicionais e desenvolver
formas alternativas de atuação do setor público
que possibilitassem a um só tempo avançar em
41

duas linhas prioritárias e convergentes: de um


lado, o fomento ao desenvolvimento urbano na
busca de novos (ou renovados) fatores de
atratividade e competitividade; de outro, o
atendimento a necessidades sociais acumuladas,
magnificadas em função da crise30 dos últimos
anos” (Furtado, 1997. pg 166).

A preocupação da sociedade como um todo fez com que o Poder Legislativo Brasileiro
transferisse o assunto para as pautas emergenciais, o que deu início a uma série de
discussões que culminaram na elaboração de diversos Seminários, Decretos, Projetos
de Lei, Emendas Populares e Leis31 – todos de cunho urbanístico. Entre eles, o
Projeto de Lei de Reforma Urbana (1964), a Constituição Federal (1988) e o Estatuto
da Cidade (2001) confirmaram diretrizes para uma reforma eminente e necessária,
que priorizaria o direito à cidade para todo e qualquer cidadão, assim como a
verdadeira prática da função social da propriedade urbana.

Esta discussão, que se iniciou na década de 196032, esclarece a importância que o


tema conquista na prática cotidiana das administrações públicas, e em especial das
Administrações Municipais, na tentativa de suprir a ausência – até então – de políticas
públicas (e instrumentos) capazes de captar para si a valorização do solo urbano
gerada pelas práticas privadas de especulação imobiliária. Inicia-se, então, um esforço
legal de controle da forma de utilização e apropriação dos usos do solo e, com isso, a
criação de mecanismos de captação das mais-valias fundiárias urbanas. Sobre a
prática de tal mecanismo Furtado (1997) acrescenta:

30
Crise econômica mundial que atingiu os paises da América Latina de maneira especial na década de
1990, quando o agravamento da miséria urbana alavancou as discussões citadas anteriormente.
31
Referimo-nos aqui, mais especificamente, ao Seminário de Habitação e Reforma Urbana (IAB/IPASE) –
Proposta de Lei (1963); ao Projeto de Lei de Reforma Urbana (1964); ao Projeto de Lei Nº775 de 1983; à
Emenda Popular da Reforma Urbana (1987); ao Projeto de Lei do Senado Nº181, de 1989; e à Lei
Nº10.257, de 10 de Julho de 2001.
32
O Seminário de Habitação e Reforma Urbana – mais conhecido como Seminário do Quitandinha –,
realizado em 1963, na cidade de Petrópolis/RJ, e posteriormente, a Promulgação do Projeto de Lei de
“Reforma Urbana” no ano de 1964, foram considerados os eventos mais importantes na compreensão da
questão urbana como ponto a merecer destaque tanto quanto às questões habitacionais ou agrárias, por
exemplo. O Art. 1º do Projeto de Lei (1964) decreta: “Fica instituído, junto à Presidência da República, o
Conselho de Política Urbana (COPURB), sediado em Brasília, com o objetivo de estudar os problemas
urbanos do País e elaborar as diretrizes de uma política de desenvolvimento urbano equilibrado,
harmônico e estético, sincronizado com a expansão econômica e social do País” (Bassul, 2005, pg.193).
42

“... Sob o critério da recuperação de gastos com


melhoramentos públicos, esses mecanismos
podem ser acionados tanto para agilizar a busca
de novas formas de financiamento de
investimentos urbanos e de provisão de infra-
estrutura e serviços, quanto para atuarem como
coadjuvantes na definição de padrões mais
eficientes de usos do solo” (pg. 167).

Ou seja, a recuperação de mais-valias fundiárias – para a sociedade – também seria


re-apropriada pelo setor privado e, com isso, transformar-se-ia em mecanismo de
estímulo à autonomização; ao mesmo tempo em que contribuiria para a regulação do
funcionamento do mercado. Dessa forma, pode-se dizer que a lógica se aplicaria a
toda e qualquer administração pública e abriria precedente para que grandes projetos
de intervenção urbana fossem amplamente disseminados como uma das alternativas
de requalificação das áreas degradadas – ou ociosas, ou abandonadas, ou vazios
urbanos – e a sua conseqüente reinserção na dinâmica urbana.

Encarados como questão social, os vazios urbanos precisam, necessariamente, de


uma classificação que os identifique em um contexto específico e que seja capaz de
estabelecer diretrizes para a requalificação e reinserção dessas áreas novamente na
dinâmica urbana. A seguir, são elencadas algumas classificações elaboradas por
pesquisadores renomados, tanto no panorama brasileiro quanto no latino-americano, a
fim de reconhecer as diversas situações de vazios, assim como suas distintas
características.

1.3.1. – Reconhecimento dos vazios

Segundo Furtado e Oliveira (2002), uma forma de reconhecer os vazios urbanos é


classificá-los segundo suas características físicas e as diferentes significações se
levada em consideração sua localização na malha urbana e a conseqüente relação
estabelecida com o entorno imediato. Podem entrar nesta classificação também as
grandes áreas vazias existentes num entorno já urbanizado ou em processo de
parcelamento que estejam sujeitos – em curto prazo – ao acesso à infra-estrutura
básica; enquanto um estimula a ocupação extensiva das cidades, ocasionando a
queda do preço da terra em função do aumento da oferta, o outro promove a
densificação urbana aos custos de uma otimização da infra-estrutura urbana já em
43

utilização. Tal situação é claramente observada na cidade do Rio de Janeiro, objeto de


estudo da pesquisa apresentada por Furtado e Oliveira, onde as áreas portuárias e os
vazios remanescentes da abertura da Avenida Presidente Vargas – na década de
1940 – são exemplos claros das duas situações em questão.

Outra situação, levantada no mesmo recorte espacial acima citado, é a possibilidade


de diferenciar e classificar os vazios de acordo com as Regiões de Planejamento33 em
que estão inseridos. A partir desta observação é possível analisar, diretamente, quais
são as possibilidades de intervenção pública na questão dos terrenos vazios, seja em
áreas centrais consolidadas – com lotes de dimensões mais reduzidas, seja em áreas
de ocupação mais recente – configurando grandes extensões de terra à espera de
uma ocupação efetiva.

Se for considerado o panorama brasileiro, é claramente possível a distinção de tais


classificações também levando em consideração as características físicas e de política
desenvolvidas em cada Unidade da Federação. No Rio de Janeiro, por exemplo, para
fins de cobrança do IPTU Progressivo no Tempo são considerados os terrenos vazios
com mais de 250m², enquanto no Município de Porto Alegre adotou-se como política
de reconhecimento dos vazios urbanos os lotes com dimensões superiores a 3.000m²
(Furtado e Oliveira, 2002). Já num panorama de cidade média, por exemplo, o
município de Juiz de Fora/ MG considera para efeito de aplicação do instrumento a
cobrança em áreas onde o Poder Público tem manifesto interesse social ou a intenção
de promover o adensamento em lotes com área superior a 450 m² (PDDU JF, 2004).

Outra classificação observada no quadro urbanístico brasileiro é o surgimento daquilo


que Silva (1999) denomina como o vazio esvaziado. Trata-se de espaços edificados
que podem ser identificados pela sua mudança funcional, como é o caso de
edificações em mudança estrutural e econômica que estão perdendo a sua função
original e criando verdadeiros espaços ociosos em áreas já consolidadas e bastante
valorizadas da cidade. Uma categoria exclusiva da dinâmica contemporânea, muito
comum na área central da cidade de São Paulo e nas demais regiões metropolitanas
do país.

Clichevsky (2002), em um panorama latino americano34, faz uso do adjetivo “tierra


vacante” e define-o com duas possibilidades distintas: i) toda terra privada não

33
Forma com que o governo subdivide o território municipal, em zonas homogêneas, para melhor
classificação do seu espaço e diferenciação das políticas públicas de intervenção urbana.
34
“Tierra vacante en ciudades latinoamericanas. Lincoln Institute of Land Policy. Cambridge,
Massachusetts. 2002.
44

utilizada que se encontra subdividida em parcelas denominadas urbanas segundo a


legislação vigente, dentro de um perímetro pré-definido e podendo ser utilizada para
fins residenciais, industriais, comerciais ou de serviços; ii) toda terra de propriedade do
Estado que está em processo de perda dos seus usos originais. Economicamente, seu
conceito vai mais além: os vazios urbanos são o resultado do funcionamento do
mercado de terras com pouca, ou sem muita expressividade legislativa. Os diferentes
agentes que atuam neste mercado (proprietários e incorporadores) podem apropriar-
se da renda gerada pela retenção da terra, muitas vezes durante décadas. É a nossa
velha conhecida “especulação imobiliária”, que atuou abertamente nas cidades
argentinas, se apropriando das mudanças estruturais nos planos econômico, social e
político, almejando articulação forte com o novo modelo internacional de urbanização.

A área metropolitana de Lima, capital do Peru, também reconhece as “tierras


vacantes” como resultados da produção e transformação do espaço pelos mais
diferentes agentes; encontram-se localizadas em áreas dotadas de infra-estrutura
básica – zonas centrais, entorno imediato ou periferias – e diretamente ligadas às
políticas municipais de intervenção. Apesar de não existir, oficialmente, uma tipologia
para as “tierras vacantes” no país, Cockburn (2002) as identifica como diretamente
ligadas a três dimensões distintas: a urbanística, a econômica e a legislativa que,
juntas, ditam as regras do jogo do mercado de terras.

No mesmo panorama latino-americano, Carrión (2002) reconhece na cidade de Quito


as “tierras vacantes” como elementos do tecido urbano capazes de gerar problemas
de ordem social e econômica, necessitando de uma política urbana de combate
efetivo. O outro considera como “tierra vacante” os lotes urbanos com variadas
dimensões, localizados em áreas com infra-estrutura básica e acessível e que se
encontram sem uso específico ou sem edificações permanentes. Para os efeitos de
cobrança de IPTU essas áreas são classificadas como “solares no edificados”,
podendo ser de propriedade privada ou grandes reservas de propriedade pública.

“La existencia de tierra vacante afecta más


directamente a los sectores de bajos niveles de
ingreso, produciendo una (aparente) escasez de
terrenos adecuados para la vivienda que, por
ende, induce los precios al alza. Así, por falta de
alternativas, se producen los conocidos procesos
de segregación espacial y de urbanización
45

precaria em las periferias urbanas ...” (Carrión,


2002, pg. 107).

Esta situação se agrava ao passo que a topografia do Equador incapacita grande


parte do seu território habitável. Uma possível solução, apontada pelo autor, para o
problema da escassez do solo para construção de unidades residenciais para a
população de baixa renda (prioritariamente), é justamente aproveitar esses vazios
urbanos com grandes potenciais construtivos.

Para uma significação tão diversificada se faz necessária uma classificação tão
abrangente quanto ela. Dessa forma, podem-se classificar os vazios urbanos quanto
ao seu processo de formação; quanto à sua localização no tecido urbano; suas
dimensões; seus proprietários; ou até mesmo levando em consideração as diferenças
de escala das cidades em que estão inseridos (grandes cidades, regiões
metropolitanas ou cidades médias).

Tão importante quanto a elaboração de uma classificação é o entendimento de quais


são as formas possíveis de intervenção para a modificação do contexto que dá
suporte ao estado de vacância de tais elementos. Dessa forma, veremos na próxima
seção que os instrumentos urbanísticos configurados ao longo do processo político de
urbanização das cidades brasileiras se configuram em uma das várias alternativas
para a recuperação das mais-valias fundiárias ao poder público local e à sociedade de
maneira geral.

1.4. – Instrumentos de Política Urbana

1.4.1 - Origem e evolução dos instrumentos

Se reconhecermos a cidade como um jogo de cartas, como afirma Carlos Nelson


Ferreira dos Santos (1988), e entendermos que o tabuleiro deste jogo é composto
basicamente por política e vivência35, podemos estabelecer duas forças antagônicas
que transformam tal jogo em algo complexo e, muitas vezes, injusto e desleal para
uma das partes. De um lado os mais diferentes agentes formadores e transformadores
do espaço urbano em busca, na maioria das vezes, de resultados com retorno
econômico e financeiro. Do outro, um poder público detentor de regras e capaz de
controlar ações e interesses, buscando sempre a afirmação da função social da

35
Visão do filósofo e sociólogo Henri Lefebvre.
46

propriedade e do direito à cidade, mas que muitas vezes se vê rendido às vantagens


da economia de mercado do mundo globalizado.

A metáfora, além de identificar os diversos agentes (jogadores), propicia entender que,


como todo jogo, regras específicas são estabelecidas para nortear e estabelecer
critérios visando ao bom funcionamento do espaço da cidade. No tabuleiro urbano o
jogo se configura: poder público x poder privado; os instrumentos de política urbana
ora estão no papel de intermediador, ora ditando as regras do jogo.

Mas de que regras estamos falando especificamente? Os instrumentos de política


urbana, como os que temos hoje na legislação brasileira, têm origem na Europa, como
parte do ferramental necessário para garantir a transição da ordem feudal para a
capitalista, quando o processo de expansão do sistema econômico em busca de
novos mercados obrigou o capitalismo a qualificar a mão-de-obra, com vistas a
garantir sua disponibilidade e sua reprodução, e a regulamentar cada vez mais as
formas como se davam as interações sociais e, em essência, o próprio consumo
(Ferreira e Motisuke, 2007).

“As intervenções urbanas de Haussmann em


Paris, que se deram na década subseqüente às
revoluções liberais burguesas européias de 1848,
visavam, com o combate à insalubridade,
melhorar a qualidade de vida e as condições de
reprodução da classe trabalhadora, garantindo a
capacidade produtiva da industrialização
nascente, e controlar os movimentos sociais, por
meio da construção de avenidas nas quais as
tropas pudessem circular com mais facilidade”
(Topalov, 1988 apud Ferreira e Motisuke, 2007.
pg. 35).

Relatos mais fidedignos desse período destacam quando, “pela primeira vez, o poder
público investe na ordenação espacial das cidades, até então abandonadas à ação
dos atores privados” 36, e o ideário daquilo que seria reconhecido mundialmente como
reforma urbana definia cada vez mais os princípios do direito à cidade.

36
Pinon, 2002 apud Ferreira e Motisuke, 2007. pg. 35.
47

No âmbito brasileiro, José Roberto Bassul (2005) identifica o Seminário de Habitação


e Reforma Urbana (1963) como o principal evento que deu início, efetivamente, às
discussões sobre a reforma urbana nos anos de 1960. O documento gerado, apesar
da ênfase declarada na questão da moradia, já defendia preceitos de maior justiça
social no território das cidades. E dizia mais:

“... embora se voltasse para a idéia de que as cidades


deveriam oferecer condições de vida socialmente mais
justas, predominava nos documentos produzidos nessa
época o enfoque do planejamento calcado na boa técnica
urbanística, sem menção a processos participativos que
incorporassem, à formulação e à implementação das
políticas públicas, as demandas e opiniões dos diferentes
segmentos da população urbana, princípios que
fundamentariam a proposta da reforma urbana vinte anos
mais tarde” (Bassul, 2005. pg. 37).

Diferentemente do entendimento que lhe é atribuído hoje, a expressão “reforma


urbana37” serviu como instrumento e, também, como justificativa das mais diversas
intervenções do Estado, de cunho altamente autoritário e antipopular, como a Reforma
Passos na cidade do Rio de Janeiro (1902 – 1906), de inspiração declarada no
“urbanismo higienista” realizado por Hausmann na Paris do final do século XIX. É
marcante, portanto, que o urbanismo e seus instrumentos funcionavam como forma de
controle social e político do espaço urbano.

A crise de 1929 evidenciou a contradição estrutural do capitalismo, pela qual é


impossível a sobrevivência sem crise de um sistema que se estruture
concomitantemente em bases absolutamente antagônicas: a exploração da força de
trabalho e a busca da mais-valia, por um lado, que pressiona os salários para baixo; e
a necessidade de vender a produção para garantir a realização do ciclo de reprodução
do capital, que depende da manutenção de níveis de salários mais altos, para dar
capacidade de consumo à população (Ferreira e Motisuke apud Bueno, Cymbalista,
2007).

As décadas de ideologia liberal, em que valia a mão invisível do laissez-faire,


associadas a uma forte crise especulativa nas bolsas de valores, levaram à quebra do

37
Atualmente entende-se por reforma urbana como sendo o ideário político de natureza transformadora
das relações sociais vigentes (Bassul, 2005).
48

sistema. A saída para a crise foi a entrada – no jogo – do Estado, como mediador
entre os interesses do capital, por um lado, e do trabalho, de outro, de forma a garantir
a sobrevida do sistema. O New Deal, do presidente Roosevelt, marcou no início dos
anos 1930 a intervenção maciça do Estado na criação de empregos, por meio de
grandes obras públicas como barragens, estradas de ferro e rodovias, e a
regulamentação de direitos trabalhistas que, em suma, garantiam os níveis de
emprego e a elevação da capacidade de consumo da classe trabalhadora. Na Europa,
já no período do entre guerras, direitos trabalhistas como as férias anuais, o descanso
semanal remunerado, a limitação da jornada de trabalho, delineavam o que viria a ser,
com o atraso gerado pela Segunda Guerra, a base do sistema do Estado do bem-estar
social. Junto com o modo de produção fordista-taylorista, ambos alavancariam trinta
anos de crescimento da produção capitalista, baseada em um sistema em que o
Estado garantia as condições mínimas de vida e de consumo para sua população
(Ferreira e Motisuke, 2007).

Nessa época, instrumentos urbanísticos para a regulação dos direitos de construir, do


uso e da ocupação do solo, da valorização imobiliária, entre outros, contribuem para o
controle do Estado sobre a produção do espaço urbano, somando-se aos esforços de
construção de um capitalismo altamente industrializado, mas socializante – medida
que mantinha razoavelmente alto o nível de vida da classe trabalhadora, que era
também a grande massa consumidora.

Se era necessário dar condições de vida e de consumo à população, era


conseqüentemente importante garantir-lhe moradia digna em um ambiente urbano
adequado, o que pressupunha esforços para a generalização da provisão habitacional,
e instrumentos de gestão urbana capazes de assegurar o acesso à moradia e a
ordenação socialmente equilibrada – dentro dos limites impostos pela matriz por
natureza desequilibrada do capitalismo – do território38.

Conforme Villaça (2005), não é difícil perceber que tal papel dos instrumentos
urbanísticos não teria como ser reproduzido no Brasil. Enquanto no contexto europeu
os instrumentos serviam – e ainda servem – para que o Poder Público pudesse, no
âmbito urbanístico, promover o bem-estar social e mediar os interesses do capital em

38
De acordo com Ferreira e Motisuke, o Movimento Moderno, começando nas reflexões e
experimentações da Bauhaus e de arquitetos como Mae, Gropius e Taubt para a produção habitacional
industrializada e de massa, já na década de 1930, insere-se nesta mesma lógica. Neste caso, se os
instrumentos urbanísticos surgiram com expressivo caráter de controle social no século XVIII, o período
da social democracia européia, cem anos depois, os transformou em instrumentos da consolidação
espacial do Estado do bem-estar social.
49

face do bem público urbano, no Brasil eles teriam de enfrentar modelos históricos de
sociedade e de cidade fortemente antagônicos ao do Estado burguês europeu, já que
se encontram organizados de forma propositalmente desigual e excludente. Como
explica Villaça (2005), uma das prováveis razões para a ineficiência prática da maioria
dos planos urbanos tecnocráticos propostos nas décadas de 1960 e 1970 em várias
cidades brasileiras.

A concentração da população em núcleos urbanos – especialmente nas décadas


anteriormente referidas – caracterizou o Brasil a partir do segundo quarto do século
XX. Conforme Bassul (2005), os municípios começam a sofrer os efeitos de uma
urbanização desenfreada e conturbada. Os recursos financeiros eram escassos, os
meios administrativos e os instrumentos jurídicos não possuíam força suficiente e o
governo era fortemente influenciado pelos setores da economia urbana – que por
vezes ditavam as regras do jogo, adotando normas e padrões urbanos referidos nos
movimentos do capital imobiliário.

“Tanto quanto ocorria com a renda econômica


nacional, a “renda” urbana concentrou-se. A
cidade cindiu-se. Para poucos, os benefícios dos
aportes tecnológicos e do consumo afluente. Para
muitos, a privação da cidadania e a escravidão da
violência” (Bassul, 2005. pg. 25).

Ainda acrescenta:

“A urbanização combinava a concentração


econômica e regional com um elevado grau de
flexibilidade na expansão das fronteiras físicas e
sociais do território urbano. A chamada
“urbanização por expansão de periferias”,
decorrência da constituição de um pólo moderno
na estrutura produtiva, implicava, em contraponto,
“a manutenção e expansão de pólos atrasados” –
como mecanismos com a função de acomodar na
cidade a “massa marginal” produzida pelo
dinamismo do desenvolvimento” (Ribeiro, 2003
apud Bassul, 2005. pg. 35).
50

Como a configuração do espaço urbano é sempre o reflexo de uma conjuntura


complexa, é justamente nessa época que o tema dos vazios começa a adquirir caráter
especulativo, no qual a valorização do solo urbano – também pela falta de uma política
eficiente e eficaz no combate à especulação – transforma o elemento do tecido urbano
em problema a ser discutido e resolvido.

Os novos instrumentos ligados à luta pela Reforma Urbana, que dariam origem ao
Estatuto da Cidade, desenhados a partir da década de 1980 e ligados aos objetivos da
democratização das cidades e supostamente livres do ranço tecnocrático, surgem,
entretanto como uma tentativa tardia de reação. A respeito do tema, João Sette
Ferreira e Daniela Motisuke acrescentam:

“A reboque, historicamente, das estruturas sociais


arcaicas e desiguais que pretendem combater,
têm seu potencial e seu possível alcance
comprometidos desde sua gênese, já que
dependeriam de um Estado forte e comprometido
com a justiça social” (Ferreira e Motisuke, 2007.
pg. 37).

Pode-se concluir que, os instrumentos urbanísticos deveriam dar ao Estado a


capacidade de enfrentar os privilégios urbanos adquiridos pelas classes dominantes
ao longo de sua hegemônica atuação de quinhentos anos, o que significaria reverter, a
posteriori, um processo histórico-estrutural de onipotência política e segregação
espacial.

Esses instrumentos, então, começam a assumir objetivos distintos. De acordo com a


sua natureza eles podem ser entendidos – e até mesmo classificados – como
instrumentos que “trabalham” para restringir ou incentivar as práticas urbanas, e de
certo modo, pode-se afirmar que esta linha de pensamento perdura sobre os
instrumentos da Constituição Federal e – reafirmados ou reproduzidos - no Estatuto da
Cidade – legislações recentes e em vigor no território nacional nos dias atuais. Dessa
forma, o direito de preempção, as zonas definidas para urbanização especial, a
desapropriação para fins de moradia, o controle do preço da terra são alguns entre
muitos instrumentos que permitiram ao Estado coordenar com certo vigor as
dinâmicas fundiárias e imobiliárias, garantindo um padrão habitacional mínimo, da
mesma maneira com que a socialdemocracia garantia também o acesso universal à
educação e à saúde gratuitas. Porém, são critérios configurados de forma geral, sem
51

levar em consideração as particularidades dos municípios brasileiros. Pode-se dizer


que a lei é para todos, porém nem todos usufruem desta lei.

1.4.2. – A Reforma Urbana e os instrumentos de política urbana


na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade

“A legislação urbana age como marco delimitador


de fronteiras de poder” (Raquel Rolnik apud
Bassul, 2005. pg. 56).

Esta afirmação de Raquel Rolnik declara, objetivamente, o papel que a legislação


urbana tem desempenhado ao longo da história; ela demarca o lugar dos que têm
acesso aos bens e serviços coletivos assim como o lugar daqueles comumente
encontrados na chamada cidade informal, ou ilegal.

Seguindo a formulação de Ventura (2001) sobre as “cidades partidas”, Bassul (2005)


complementa:

“De um lado, a cidade dos integrados na


sociedade informacional (Castells, 1999), feita de
espaços dotados dos serviços e equipamentos
urbanos característicos das nações e grupos
sociais mais afluentes. De outro, a negação da
cidade, marcada pelo desemprego; pela ausência
do poder público; pela dificuldade do acesso à
terra, à segurança jurídica, aos serviços de
saneamento, educação e saúde, aos sistemas de
transporte e aos espaços de lazer e
entretenimento ...” (pg. 56).

Mas, seria papel da política pública urbana estabelecer diretrizes que visem (ou
favoreçam) apenas à segregação física e social? Senão, porque então tornou-se
prática comum? Segundo Bassul (2005), a legislação adotada nas áreas urbanas tem
por objetivo uma configuração idealizada de cidade, capaz de ordenar os padrões de
ocupação e as modalidades de utilização desses espaços. Porém, quando definem
áreas de planejamento ou intervenção acabam por fazer distinção entre lugares
específicos e, com isso, acabam por criar barreiras (reais ou virtuais); a cidade então
52

se divide em duas: a que está ao lado da lei e a que acaba por perecer pela falta da
mesma.

“O quadro de contraposição entre uma minoria


qualificada e uma maioria com condições
urbanísticas precárias é muito mais do que a
expressão da desigualdade” (Câmara de
Deputados, 2002. pg. 23).

São identificados pelo autor três aspectos importantes como sendo os “causadores
dos nossos problemas urbanos” e os conseqüentes geradores desta situação de
desigualdade e contra-senso: (i) a industrialização com a formação concomitante de
uma massa marginal constituída por um excessivo exército industrial de reserva; (ii) o
bloqueio da formação da moderna cidadania; e (iii) a constituição de poderosos
interesses de mercado ligados à acumulação urbana (Ribeiro, 2003 apud Bassul,
2005).

Diante desta conformação histórica e do agravamento subseqüente dos problemas


urbanos, habitacionais, sanitários e dos serviços públicos observados nas diversas
cidades do país, o poder legislativo federal reconhece a urgência na solução de tais
questões e propõe o Projeto de Lei de “Reforma Urbana” em 1964. Considera a
necessidade de unificação das atividades dos órgãos públicos, a urgência na tomada
de providências de ordenamento e incentivo às atividades privadas e, principalmente,
a elaboração de pesquisas, estudos e análises que precedam toda e qualquer decisão
(Bassul, 2005). Formaliza-se, assim, o que Souza chamou de o “paradigma da reforma
urbana”:

“... conjunto articulado de políticas públicas, de


caráter redistributivista e universalista, voltado
para o atendimento do seguinte objetivo primário:
reduzir os níveis de injustiça social no meio
urbano e promover uma maior democratização do
planejamento e da gestão das cidades” (Souza,
2002 apud Bassul, 2005. pg. 42).

O Art. 1º do referido Projeto de Lei decreta a instituição do Conselho de Política


Urbana (COPURB), com o principal objetivo de estudar e avaliar os problemas
urbanos do país, elaborando diretrizes para um desenvolvimento “equilibrado,
harmônico e estético, sincronizado com a expansão econômica e social do país”. Este
53

conselho fica também incumbido de realizar planos de financiamento para a fixação da


população de baixa renda através da aquisição de terrenos e de materiais de
construção, assim como prestar consultoria aos processos de empréstimos tanto de
companhias privadas quanto de órgãos internacionais.

A ligação direta entre o déficit habitacional e o reconhecimento dos vazios urbanos


como questão social chega aos trâmites políticos e ganha força no reconhecimento
(pela primeira vez) da obrigação pública na solução dos problemas urbanos e sociais.
Abre-se o precedente de toda a discussão que levaria ao amadurecimento das
questões urbanas no âmbito legislativo (e que agregaria diferentes grupos e entidades
representativos da economia e da sociedade urbanas), culminando na inclusão do
capítulo de política urbana na Constituição Federal de 1988.

Saindo do campo formal das discussões, alguns decretos, projetos de lei39 e emendas
populares formaram a base prática do desenvolvimento constitucional da Política
Urbana. A importância do tema é consolidada na Constituição Federal de 1988 - Título
VII da Ordem Econômica e Financeira/ Capítulo II de Política Urbana -, mais
especificamente, nos artigos 182 e 183.

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder


Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para


cidades com mais de 20.000 habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende


às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.”

§ 3º - Disposições preliminares – Propriedade em Geral e Art. 1275, V,


Perda da Propriedade, Desapropriações por Utilidade Pública;
Desenvolvimento Urbano; Política de Desenvolvimento Urbano.
39
Referência ao Projeto de Lei Nº 775, de 1983 (do Poder Executivo). De fundamental importância ao
contemplar diretrizes e avançar na definição de instrumentos de intervenção necessários ao controle da
urbanização pelo poder público, através da ação integrada de entidades nos diversos níveis de governo
da federação (Furtado e Oliveira, 2002). Ao discriminar em capítulos aspectos da urbanização, da
promoção do desenvolvimento urbano, do regime urbanístico e do planejamento urbano fundamenta
bases sólidas que ratificarão o capítulo de Política Urbana da Constituição Federal, sancionada em 1988.
54

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica


para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do
proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:

- I – Parcelamento ou edificação compulsórios;

- II – Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo


no tempo;

- III – Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública


de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á
o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao


homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de


uma vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”


(BRASIL, Constituição Federal, 1988).

Esta, considerada um marco na discussão das questões de política urbana, formaliza


o objetivo de ordenar o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes”. Cria instrumentos que adotam o princípio de
sucessividade na adoção de parcelamento e edificação compulsórios, o imposto
progressivo e a desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública;
estabelece certa autonomia municipal frente às decisões a serem tomadas, apesar da
utilização dos instrumentos ficar submetida a regras que seriam definidas em
legislação complementar (Cardoso, 1997).
55

Nos anos seguintes, o debate ganhou força e formalizou-se a discussão, sendo esta
repassada a outros níveis de governo, com a elaboração das Constituições Estaduais,
das Leis Orgânicas e dos Planos Diretores Municipais.

“Além dos instrumentos já tradicionais, como o


zoneamento e o estabelecimento de densidades
máximas, que disciplinam o tipo de uso e a
intensidade da ocupação do solo, desde meados
dos anos 70, começa-se a propor a utilização de
outros instrumentos com vistas a dotar a
administração local de maiores recursos para
disciplinar e orientar a expansão urbana ou
mesmo para criar maiores facilidades para a
atuação dos órgãos públicos na provisão de infra-
estrutura” (Cardoso, 1997. pg. 98).

Dentro deste panorama, alguns princípios básicos foram estabelecidos na tentativa de


delimitar melhor a função social da propriedade e recuperar para a coletividade os
ganhos obtidos com a valorização imobiliária. São eles: coibir a retenção especulativa
da terra; corrigir as distorções da valorização do solo urbano; assegurar a justa
distribuição dos ônus e encargos decorrentes das obras e serviços de infra-estrutura
urbana; assegurar a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de
urbanização, assim como a democratização do acesso ao solo urbano e à moradia;
adequar o direito de construir às normas urbanísticas; instituir a regularização fundiária
e a urbanização específica para áreas ocupadas por população de baixa renda; assim
como preservar o meio ambiente (Cardoso, 1997).

Toda essa discussão resultou na elaboração do Estatuto da Cidade que, após onze
anos de debate foi aprovado com o intuito principal de estabelecer as diretrizes gerais
da política urbana, objetivando principalmente o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e a garantia ao direito a cidades sustentáveis (Câmara de
Deputados, 2002). Seu conteúdo regulatório é bastante complexo, assim como seus
instrumentos significam interferências em muitas instâncias do poder público – nos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal
– e da sociedade civil.

Ele trouxe algumas inovações com relação à promoção da dinâmica da cidade, o que
comprova o reconhecimento do poder público como principal agente de regulação e
transformação do espaço urbano. Essas inovações situam-se em três campos
56

principais: i) um conjunto de instrumentos de natureza urbanística, voltados para


induzir – mais do que normatizar – as formas de uso e ocupação do solo; ii) uma
concepção de gestão democrática das cidades que incorpora a idéia de participação
direta do cidadão nos processos decisórios sobre seus destinos; iii) ampliação de
possibilidades de regularização das posses urbanas, até hoje situadas na ambígua
fronteira entre o legal e o ilegal.

“O Estatuto da Cidade oferece aos governos


municipais e aos movimentos sociais um conjunto
expressivo de diretrizes e instrumentos que
buscam materializar os princípios constitucionais
da função social da propriedade e da cidade”
(Bassul, 2005. pg. 26).

Ficam então instituídos os seguintes instrumentos que direcionarão os próximos anos


da política pública urbana brasileira, descritos no Art. 4º da Seção I - Capítulo II:

“Art. 4º - Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros


instrumentos:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e


de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e


microrregiões;

III – planejamento municipal, em especial:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social;


57

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos


sociais menos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;


58

§ 1º - Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela


legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.

§ 2º - Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse


social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública
com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso
de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente.

§ 3º - Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio


de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de
controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e
entidades da sociedade civil.” (BRASIL, Estatuto da Cidade, 2001).

O grande leque de opções instrumentais que se abre na nova lei estabelece


ferramentas de planejamento, institutos fiscais, financeiros, jurídicos e políticos que, ao
mesmo tempo em que inovam ao acrescentar outros (não expostos pela Constituição
Federal) não esgotam de maneira nenhuma o ferramental disponível pelos municípios
(Bassul, 2005); ao contrário, responsabilizam o poder municipal pelo direcionamento
da sua política urbana através das escolhas mais adequadas ao seu perfil particular.

Tais instrumentos podem ser classificados em duas categorias distintas – na tentativa


de agrupá-los conceitualmente – ou seja, os com caráter de incentivo e os de base
restritiva. Estes conceitos serão melhor exemplificados mais adiante, quando forem
relacionados (no Capítulo 3) diretamente aos vazios urbanos característicos da cidade
de Juiz de Fora. Para o momento basta identificá-los como vertentes distintas que ora
podem ser relacionadas com a democratização de direitos e a universalização de
condições básicas de acesso a bens e serviços urbanos (distributivos), ora podendo
destinar a captura e a redistribuição de mais-valias fundiárias, com o objetivo de
reduzir desigualdades sociais (redistributivos).

Recuperando, mais uma vez, Carlos Nelson F. dos Santos, todo jogo é embasado por
regras específicas que norteiam diretrizes e objetivos. Mas, no ambiente urbano, onde
cada agente luta por seus interesses próprios, fica muito mais evidente a exclusão
social, a segregação espacial e a degradação ambiental como conseqüências do uso
indevido de poderes ou de mudanças na regra geral em benefício de um ou mais
agentes específicos.

Apesar dos avanços no instrumental jurídico e legislativo, observa-se que a questão


dos vazios urbanos continua com a mesma definição e classificação abrangente da
Constituição Federal. Assim, a aparente coerência e consistência do tema, visto como
59

um problema a ser encaminhado prioritariamente pela via legal e fiscal acaba


generalizando uma seqüência de soluções incapazes de solucionar todas as
situações, ao serem aplicadas a todo e qualquer tipo de vazio urbano identificado.
Como vimos, há diferentes origens e razões para o surgimento e a manutenção dos
vazios urbanos, assim, a partir do momento em que uma área ociosa passa a ser
considerada como um problema social ela precisa, necessariamente, ser caracterizada
dentro do seu contexto, e nem todo instrumento urbanístico será capaz de combatê-la.

No próximo capítulo, veremos como essas diferenças na formação e manutenção dos


vazios urbanos se concretizam, e caracterizam o caso específico da cidade de Juiz de
Fora, assim como o poder público local reconhece a questão – explicitada (ou não)
através das políticas de planejamento e desenvolvimento urbano.

CAPÍTULO 2 – OS VAZIOS URBANOS EM JUIZ DE FORA – formação histórica e


planejamento urbano

2.1. – O município
60

2.1.1. – Localização e dados demográficos

Situada no Estado de Minas Gerais, na região da Zona da Mata, Juiz de Fora é


atualmente a quarta maior cidade do estado, superada apenas por Belo Horizonte,
Uberlândia e Contagem.

Atualmente um dos principais pólos industriais, culturais e de serviços do país, o


município encontra-se distante 272 km da capital Belo Horizonte e 184km da cidade
do Rio de Janeiro. Está situada a uma altitude de 678m distribuídos em topografia
bastante acidentada. Sua área de influência estende-se por toda a Zona da Mata, uma
pequena parte do Sul de Minas e também do Centro Fluminense; destacando-se como
centro da mesorregião da Zona da Mata, com 82 (oitenta e dois) municípios e 7 (sete)
microrregiões.

Inserido na bacia do Rio Paraibuna (um dos principais afluentes do Rio Paraíba do
Sul), o município apresenta uma extensão territorial de, aproximadamente, 1.430km²,
o que corresponde 0.24% do território do Estado de Minas Gerais. Faz divisa com os
municípios de Rio Preto, Lima Duarte, Pedro Teixeira, Bias Fortes, Santos Dumont,
Ewbanck da Câmara, Piau, Coronel Pacheco, Chácara, Pequeri, Santana do Deserto,
Matias Barbosa e Belmiro Braga.

Além do distrito Sede, com aproximadamente 726km² de área, o município ainda conta
com outros três distritos (como mostra o mapa da ilustração 11) que são: Torreões
(374,6km²), Rosário de Minas (225,6km²) e Sarandira (103,8km²). De acordo com o
IBGE (2007) e o IPEA, o município conta com 513.348 mil habitantes, resultando
numa densidade populacional em torno de 359,8 hab/km². A população, segundo
dados do IBGE e do Anuário Estatístico (2004), cresceu acima dos 4% ao ano até a
década de 1960 e sofreu desaceleração entre as décadas de 1970 e 2000.

Diretamente influenciada, econômica e socialmente, pelas cidades do Rio de Janeiro,


Belo Horizonte e São Paulo, Juiz de Fora consolida cada vez mais seu papel de pólo
econômico regional. Sua participação no PIB estadual é de relevância (principalmente
nos setores industrial e de serviços) e sua estrutura econômica é voltada,
particularmente, para as atividades urbanas (OLIVEIRA, 2006).
61

Ilustração 10: Mapa de ordenação do território - Perímetro Urbano, Sedes e Distritos. Fonte: PDDU/JF, 2004. pg. 29.
62

2.1.2. – Formação histórica

A história do município se confunde com a do Estado de Minas Gerais, pois suas


origens remontam ao Ciclo do Ouro. Situada numa zona de mata densa, então
habitada pelos índios Puris e Coroados, a região foi desbravada quando da abertura
do Caminho Novo, estrada criada em 1707 para o transporte do ouro da região de Vila
Rica (Ouro Preto) para o Porto do Rio de Janeiro. Às suas margens surgiram diversos
postos oficiais de registro e fiscalização de ouro, que era transportado em lombos de
mulas, dando origem às cidades de Barbacena e Matias Barbosa. Outros pequenos
povoados foram surgindo em função de hospedarias e armazéns, ao longo do
caminho, como o de Santo Antônio do Paraibuna (1713), que daria origem,
posteriormente, à cidade de Juiz de Fora (LESSA, 1985).

Com o declínio da exploração do ouro, a expansão pecuária deu continuidade à


ocupação do interior do Estado. A cultura cafeeira, introduzida no Vale do Paraíba por
volta de 1830, intensificou este processo de ocupação e firmou, cada vez mais, a
condição dos povoados agrícolas se transformarem em vilas e sedes de municípios.

A década de 1830 foi marcante para a história regional devido à construção, entre
1836 e 1838, da Estrada do Paraibuna, que ligava Vila Rica à divisa com o Rio de
Janeiro. Em 31 de maio de 1850, o arraial surgido no (atual bairro) Alto dos Passos foi
elevado à categoria de Vila, com o nome de Santo Antônio do Paraibuna. Em 1856
esta vila constituiu-se cidade e em 1865 recebeu o nome de Juiz de Fora40
(ESTEVES, 1915 apud OLIVEIRA, 2006).

Mas o delineamento da cidade iniciou-se em meados da década de 1843, quando o


tenente Antônio Dias Tostes (figura ilustre da história da região) deixou para seus
filhos, em testamento, as terras que mais tarde comporiam o centro da cidade. Tem-se
aqui o primeiro registro cartográfico41 da cidade que começava a se formar. Essas
terras ficavam ao longo da “Estrada Nova” - desvio do Caminho Novo para a margem
direita do Rio Paraibuna. Este primeiro registro cartográfico, apresentado por uma
comissão designada pela Câmara, recém-empossada, incluía um plano de arruamento

40
O “juiz de fora” era um magistrado nomeado pela Coroa Portuguesa para atuar onde não havia juiz de
direito. A versão mais aceita pela historiografia admite que um desses magistrados hospedou-se por
algum tempo em uma fazenda da região, passando esta a ser conhecida como a Sesmaria do Juiz de
Fora. Mais tarde, próximo a ela, surgiria o povoado que levaria o mesmo nome.
41
Planta desenhada por Fernando Halfeld (Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld), engenheiro do Estado
Imperial Brasileiro, considerado como um dos principais articuladores dos primeiros movimentos de
organização e expansão da cidade. Vide Ilustração 12.
63

da vila, contemplava três praças, dezesseis ruas transversais à Estrada do Paraibuna


e duas ruas paralelas. A extensão da vila chegava aos 3.000m de norte a sul em
meados de 1853.

Ilustração 11: Primeiro registro cartográfico (Fernando Halfeld / 1853) e o esquema de arruamento de Gustavo
Dodt (1860). Fonte: Juiz de Fora e seus pioneiros (1985).

O levantamento feito pelo engenheiro Gustavo Dodt em 1860 – a terceira planta oficial
da cidade42 – teve o mérito de registrar o pouco que havia e a finalidade de elaborar as
primeiras iniciativas de planejamento urbano, regularizando o alinhamento de ruas
ainda não existentes (então simples caminhos mal delineados) a fim de evitar que
construções que começavam a surgir indisciplinadamente viessem a prejudicar o
futuro da cidade.

Observa-se a configuração da Avenida com o nome de Rua Direita (atual Avenida Rio
Branco), formando um “v” com a Estrada da Cia. União e Indústria (atual Avenida
Getúlio Vargas). Entre elas já se observa a trama urbana de ruas paralelas e
transversais que configuram o espaço central da cidade nos dias atuais, assim como o
traçado do córrego Independência que, mais tarde se transformaria em Avenida e

42
A segunda, elaborada a pedido da Câmara dos Deputados, foi extraviada e dela só restam descrições
difíceis de serem entendidas (LESSA, 1985).
64

acabaria por compor o “triangulo central” da área urbana e comercial da cidade –


principal ligação da cidade com a BR-040 nos dias atuais.

Evidencia-se claramente através desses documentos a preocupação urbanística de


composição, ordenação e expansão da cidade que, se aproveitando das terras planas
da Bacia do Rio Paraibuna, ordenou sua ocupação territorial a partir deste limite
natural que, ao mesmo tempo, atuou como norteador e limitador do espaço urbano do
município.

Entretanto, a polarização estabelecida pelo município só começou a ser ampliada com


a criação da Cia. União e Indústria, que tinha como objetivo dinamizar o comércio do
café. As atividades desta empresa permitiram a construção da rodovia União e
Indústria, ligando Paraibuna a Petrópolis, promovendo assim a modernização do
sistema de transporte.

A produção cafeeira, que era a base econômica da maioria dos municípios da região,
cedeu lugar à industrialização no final do império. A introdução da eletricidade (energia
hidrelétrica), viabilizada pelo industrial Bernardo Mascarenhas em 1889, constituiu
outra grande novidade, significando o mais importante marco para a cidade,
chamando Juiz de Fora de “Manchester Mineira” – uma referência à cidade inglesa, na
época, um dos mais importantes pólos industriais do mundo (ESTEVES, 1915 apud
OLIVEIRA, 2006).

Ilustração 12: Imagens da cidade entre o início e meados do século XX. Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal.
Consultado em julho de 2009.
65

No fim do século XIX, Juiz de Fora já apresentava ares de um dinâmico centro


econômico, político, social e cultural e a cidade começava a ganhar as primeiras
melhorias urbanas, como: um plano de demarcação e nivelamento de ruas, telégrafo,
imprensa, bancos e bondes.

Entretanto, toda essa vocação para o empreendedorismo e polarização econômica e


de serviços não foi capaz de sustentar uma base sólida que mantivesse a estabilidade
da cidade frente às graves crises econômicas que atingiriam o país no decorrer dos
anos que seguiriam. Em 1930 a economia local entrou em crise, principalmente pela
estrutura familiar que atingia as então, pouco numerosas, indústrias locais43. Isso
acarretou um baixo nível de concorrência que fragilizou todo o setor econômico do
município frente às indústrias (muito mais competitivas) de outras regiões (OLIVEIRA,
2006).

“Juiz de Fora tornou-se um centro de fabricação


de artigos de vestuário, o que culminou no
fechamento das grandes fábricas de tecidos e na
multiplicação de pequenos e médios
estabelecimentos. O movimento empresarial do
passado, caracterizado por iniciativas de
indivíduos das altas camadas econômicas,
grandes comerciantes e fazendeiros, cedeu lugar
a empresários de origem modesta, da pequena
burguesia urbana, pequenos comerciantes,
operários, representantes e profissionais liberais,
com capital reduzido e de procedência interna ...”
(PDDU, 2004. pg. 164).

O declínio da produção cafeeira e a crise industrial que só veio a se agravar durante


as décadas de 1950 e 1960, foram suficientes para modificar o perfil econômico da
cidade. O município, naquele momento, era reconhecido pelo desenvolvimento e
ampliação do setor terciário, “garantindo à cidade o papel tradicional de centro regional
distribuidor de serviços” (OLIVEIRA, 2006. pg. 31).

“Nos anos 1950, os setores que passaram a


liderar o crescimento econômico brasileiro foram
os de bens de capital e de bens de consumo

43
Aqui caracteriza-se a substituição das indústrias de fiação e tecelagem pelas malharias.
66

durável (siderurgia, metalurgia, química e


automobilística), em detrimento dos setores
tradicionais. Juiz de Fora esteve ausente dos
grandes projetos de investimentos idealizados
pelo Plano de Metas, sendo apenas beneficiada
marginalmente com a instalação da Facit S.A.
Máquinas de Escritório e da Becton Dickinson
Indústrias Cirúrgicas Ltda., de capital
internacional, sem alterar a tendência de
decadência industrial da cidade. O capital local
entrou num processo de falência, com várias
indústrias tradicionais fechando suas portas e os
novos empreendimentos não foram seguidos de
similares, razão pela qual não possibilitaram a
dinamização da estrutura produtiva da cidade”
(BASTOS, 2002. pg. 6 apud OLIVEIRA, 2006. pg.
31).

A década de 1970 é considerada como marco para a economia do município, que


recebe incentivos do II Plano de Desenvolvimento Nacional. Algumas indústrias
multinacionais (siderúrgicas e metalúrgicas) são instaladas na cidade, revitalizando o
mercado de empregos e a dinâmica interna da economia urbana local. O processo,
porém, se desenvolve sem os efeitos multiplicadores esperados.

A partir da década de 1990, a cidade passa por um novo processo de reativação da


sua economia (seguindo os moldes da economia nacional), intensificando os atrativos
para os novos empreendimentos industriais. A qualidade de vida e a infra-estrutura
urbana tornam-se incentivos não só para indústrias e empresas, como também de
famílias que “migram” em busca de melhores oportunidades.

Neste momento, novas áreas de expansão são incentivadas e espaços até então
ociosos na infra-estrutura urbana consolidada iniciam um processo rápido e contínuo
de transformação da paisagem. O surgimento de áreas com características e usos
bem definidos dinamiza a economia e o comércio local. Os até então considerados
vazios urbanos (de acordo com as definições pré-estabelecidas no Capítulo 1)
começam a ser transformados e passam a ter um valor não só urbano, mas também
simbólico.
67

Ilustração 14: Cartões postais da cidade. A vista panorâmica do mirante do Morro do Cristo (2005), o Centro Cultural
Bernardo Mascarenhas (2004) e a Rua Halfeld (2004). Fonte: TEIXEIRA, 2007.

Ilustração 14: Vista aérea do Campus Universitário da UFJF (2005) e a Galeria Constança Valadares - área central
(2007). Fonte: TEIXEIRA, 2007.

2.1.3. – O desenvolvimento e a expansão urbana do município

“... o que vem primeiro, o desenvolvimento urbano


ou a infra-estrutura; a demanda por infra-estrutura
(a expansão urbana) ou a oferta dela (as pontes,
ferrovias, avenidas, túneis ou redes de
saneamento)?” (VILLAÇA, 2001. pg. 69).
68

Para caracterizar o desenvolvimento urbano das cidades (brasileiras), um conjunto de


fatores políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais precisam ser levados em
conta para que, no patamar estatístico, esta ou aquela cidade possa ser considerada
(ou não) desenvolvida. Ao assumir uma tensão constante entre oferta e demanda de
infra-estrutura, é possível estabelecer alguns parâmetros locais capazes de identificar
causas e consequências das direções assumidas, tanto pelo desenvolvimento, quanto
pela expansão urbana em determinada área.

Refletindo sobre o crescimento urbano, Netto (1994) deixa bem claro que, geralmente:

“... é a partir das causas motivadoras dos agentes


– públicos e privados – que atuam nos
empreendimentos urbanísticos que podemos
compreender a ação dos fatores físico-territoriais
nas transformações do tecido urbano” (NETTO,
1994 apud PDDU/ JF, 2004 pg. 18).

Em Juiz de Fora não foi diferente. De topografia bastante acidentada, a ocupação da


área do município se deu, predominantemente, às margens do rio Paraibuna – no
sentido norte-sul – encontrando numerosos obstáculos físicos à sua expansão
horizontal. Em decorrência disso, logo se caracterizou a área central – adensada e
verticalizada – como ponto de convergência e de partida para os novos vetores de
crescimento44 identificados pelo poder público.

A evolução da malha urbana caracterizou um crescimento, a princípio, linear.


Posteriormente, muito em função dos transportes, a cidade iniciou um crescimento
induzido pelos vários caminhos de penetração que “parecem desejar configurá-la
como estrela, radioconcêntrica com espaços abertos45 entre os corredores de
desenvolvimento que se estendem em projeção” (PDDU / JF, 2004. pg. 18).

44
Termo usado pelo PDDU/ JF para identificar novas áreas e direções de expansão da cidade,
caracterizado pela Ilustração 18.
45
Os “espaços abertos” aqui referidos nada têm a ver com os vazios urbanos e sim com grandes
extensões de áreas verdes (por exemplo) consideradas de proteção ou locais de difícil (ou onerosa)
implantação de infra-estrutura urbana em decorrência da topografia.
71

Há quem considere esta configuração muito próxima ao conceito de cidade difusa,


desenvolvida por Francesco Indovina1 (2004). Caracterizada conceitualmente como
objeto da urbanização difusa que, apesar de apresentar-se como grande consumidora
em termos de território deixa bastante comprometida a sua qualidade espacial, pode-
se comparar, de forma sucinta, ao crescimento do município de Juiz de Fora sob a
forma de tentáculos2, ou seja, várias localidades foram surgindo ao longo dos anos
sempre mantendo vínculo direto com o centro histórico consolidado, mas nem sempre
estabelecendo relações de vizinhança entre si.

Tal evento acarretou um déficit considerável na infra-estrutura dessas localidades,


problema que vem demandando soluções a partir da tentativa de estruturação da
expansão urbana da cidade. Configurou-se, então, uma característica marcante de
ocupação densa e compacta na área central e bastante esparsa nas demais áreas do
território – tendo o município grandes possibilidades de expansão territorial.

No entanto, assim como podemos observar na maioria das cidades brasileiras3, a


expansão e a fixação da população e dos investimentos são, por via de regra,
anteriores a qualquer tipo de intervenção por parte do poder público.

Diante de numerosos problemas decorrentes dessa falta de planejamento e


fiscalização, o poder público local inicia uma série de medidas encarregadas de
ordenar as novas ocupações territoriais, estabelecer novos parâmetros de uso e
ocupação do solo, identificar novas áreas com vocação de adensamento e,
principalmente, pensar no controle do espaço urbano a longo prazo. São identificadas
na fase de “Proposições” do Plano Diretor Municipal (2000) áreas desocupadas com
grande potencial para novas ocupações, assim como o reconhecimento das áreas já
configuradas e com possibilidade de adensamento populacional. São caracterizados,
então, os “vetores de crescimento”, onde cada região com características próprias
responde ao planejamento de ordenação e expansão do território. Essas duas fases
podem ser melhor exemplificadas através das ilustrações 18 e 19 a seguir.

1
“... dispersa, privada de una imagen dibujada y no sostenida por uma adecuada red de infraestructuras y
de servicios. Se difunde a partir de los centros habitados preexistentes, más o menos antiguos, más o
menos grandes, interesando al conjunto del território, sin directrices predominantes, ni siquiera en
mancha de aceite, porque muy a menudo está caracterizada por soluciones de continuidad”. Indovina,
2004 in Lo Urbano. pg. 50.
2
O termo em inglês sprawl identifica essa forma de crescimento de algumas cidades, principalmente
relacionado ao aparecimento dos subúrbios norte-americanos.
3
Exceto as cidades planejadas que surgiram a partir de 1960.
72

Ilustração 1: Vetores de crescimento do município de Juiz de Fora. Fonte: PDDU/JF, 2004. pg 30.
73

Ilustração 2: Identificação de áreas desocupadas, próprias ou não, para futuras ocupações. Fonte: PDDU/JF, 2004.
pg. 231.
74

Na década de 1970, com o estabelecimento de novas diretrizes por parte do Governo


Federal para propiciar um melhor ordenamento econômico, a indução do crescimento
e o controle urbano, o município assina o primeiro contrato de financiamento de obras
para o controle urbanístico. Para tanto, a elaboração de uma análise macro-econômica
e fisico-territorial era de fundamental importância para identificar as áreas com
potencial de intervenção.

Este aporte vem de encontro à afirmação do município como cidade média, em uma
leitura na escala urbana que o coloca no patamar de centro regional. Tal situação
figura-se bastante relevante no tocante à formação e manutenção dos vazios urbanos,
sendo necessário conceituá-la de forma adequada.

Característica dos paises em desenvolvimento, a noção de cidade média passa por


critérios quantitativos que as diferenciam das pequenas e grandes cidades
principalmente pela extensão territorial e número populacional. No entanto, a
heterogeneidade de realidades encontradas, assim como a temporalidade dos
fenômenos sócio-econômicos indicam um conceito mais elaborado, que foge do senso
comum.

Desenvolvido na França, em meados dos anos 1970, o conceito de cidade média


serviu para identificar a passagem da organização territorial rural para as grandes
cidades industriais, decorrentes da revolução industrial. Vistas como território de
equilíbrio físico e populacional, as cidades médias abrigavam a função principal de
concentração de serviços e oferta de empregos, na tentativa de servir como desafogo
das áreas mais populosas – reconhecidas décadas depois como áreas metropolitanas
(COSTA, 2002).

No Brasil, as cidades médias sugem dentro de uma conjuntura política e econômica


bastante diferente, afirmando uma hierarquia urbana distinta dos moldes europeus.
Constatou-se na década de 1990 uma mudança nas escalas da metropolização e na
própria complexidade do fenômeno urbano sobre o território. Verificou-se a
emergência de novos conjuntos espaciais polarizadores do crescimento da população
urbana que passaram a desempenhar o papel de centros metropolitanos à escala
regional (SOARES, 2003).

Elas surgem dentro de um sistema capitalista onde a terra tem valor (característica
das cidades em meados do século XIX) e correspondem a uma perspectiva
funcionalista, que reconhece a cidade média como elemento estratégico no
estabelecimento de redes urbanas equilibradas, funcionando como motores do
75

processo de desenvolvimento regional. Naquele momento, a localização da cidade no


sistema urbano torna-se critério fundamental para a sua classificação, no entanto os
valores quantitativos, demográficos e funcionais ainda se apresentam insuficientes
para a elaboração de um conceito mais abrangente.

Duas formas principais de concentração são então definidas: as regiões


metropolitanas institucionalizadas e as aglomerações urbanas não-metropolitanas. As
27 (vinte e sete) regiões metropolitanas institucionalizadas no Brasil, nos anos 1970
concentravam mais de 60 (sessenta) milhões de habitantes e cerca de 40% da
população urbana do país, destacando-se as “metrópoles nacionais”, as regiões
metropolitanas instituídas naquela década.

Mais recentemente, essas metrópoles constituem os núcleos de concentrações


urbano-industriais, bastante afetadas pelas políticas de ajuste, austeridade e
desmonte do aparelho estatal, bem como pelas mudanças estruturais da economia
brasileira na década de 1990. Verifica-se também um novo dinamismo sócio-espacial
das aglomerações polarizadas pelas cidades médias (entre 200 mil e 1 milhão de
habitantes) do interior do país. Com as economias dos núcleos metropolitanos cada
vez mais vinculadas aos serviços e às atividades de gestão, as cidades médias
passam a assumir o papel de centros industriais. A indústria brasileira vem assumindo
crescimento exponencial nas cidades médias e nas franjas perimetropolitanas,
convertendo esses territórios em pólos de atração de migrações internas e inter-
regionais (VILLAÇA, 2001).

Diante dessa conjuntura emergente, o governo federal elabora uma série de iniciativas
de financiamento e desenvolvimento de áreas urbanas, na tentativa de firmar o caráter
estratégico territorial, econômico e político. No Estado de Minas Gerais, a cidade de
Juiz de Fora já demonstrava bases sólidas para o desenvolvimento de um importante
centro regional (A Zona da Mata) e recebeu incentivos para consolidar seu papel
polarizador e de prestação de serviços.

Em 1979, através do Projeto Cidades de Porte Médio - CPM/ BIRD4, foi firmado um
empréstimo entre o Brasil e o referido banco para a implantação de um projeto para o
município que previa a implantação de 771 lotes urbanizados e também uma série de

4
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento.
76

programas de cunho social nas zonas oeste e norte do município (áreas identificadas
como expansão). Apesar das iniciativas, os projetos acabaram por acentuar uma
disparidade (nascente) habitacional que insistia em não atingir as classes menos
favorecidas o que, em contrapartida, reforçava os assentamentos irregulares.

Na leitura de Ribeiro (2002), estes dados permitem-nos entender que na cidade de


Juiz de Fora ocorreu um processo histórico que culminou no surgimento do termo
reconhecido pela produção capitalista como “acumulação urbana”, havendo na cidade
uma reestruturação da ação pública e a modernização da estrutura urbana para
garantir o seu crescimento e desenvolvimento.

Mas, apesar de todo o histórico de planejamento e ordenação urbana, o poder público


não foi capaz de coibir o desenvolvimento desigual e o surgimento dos problemas que
são comuns à maioria (senão todas) das cidades brasileiras. O aparecimento e a
manutenção de vazios urbanos no perímetro infra-estruturado da cidade acarretam
problemas de ordem econômica e social, e grande parte deles reportam ao
desenvolvimento e crescimento do município.

Este aporte histórico nos serve de referência para algumas configurações de vazios
ainda remanescentes na malha urbana, seja por decisões políticas, econômicas ou até
mesmo sociais. A predisposição histórica para o transporte, a industrialização e a
ordenação da malha urbana através do seu planejamento – ainda que em estágio
inicial, possibilitaram a transformação de algumas áreas de localização importante no
traçado da cidade em locais urbanisticamente ociosos na atualidade – a configuração
dos vazios processuais e conjunturais (de acordo com a classificação apresentada no
Capítulo 1).
77

2.2. – O planejamento em Juiz de Fora: conceitos e diretrizes para


os vazios urbanos no PDDU/JF e no PlanoJF do município

Após anos de decadência econômica e um crescimento espontâneo e desordenado5,


o município de Juiz de Fora encontrou-se, em fins do século XX em uma situação na
qual planejar a cidade era a única alternativa para a crise urbana que se instaurava.

Segundo Almeida, o poder público local vem, historicamente, reproduzindo “idéias


urbanas” (grifo nosso) de forma incipiente, cheias de conflitos e falhas de interpretação
que, na maioria das vezes, “apenas resolvem ou regulamentam problemas que
necessitam de atenção emergencial” (ALMEIDA, 2005. pg. 05). Tal afirmação
evidencia a concepção tecnocrática do planejamento urbano como força motriz do
desenvolvimento da cidade, que perdurou até meados da década de 1990, quando o
pensamento participativo e abrangente mudou o enfoque das intervenções urbanas.

Quadro 01: Ações de planejamento urbano em Juiz de Fora. Linha do tempo elaborada com base no PDDU / JF.
TEIXEIRA, 2010.

A linha do tempo esquematizada acima demonstra as principais ações e intervenções


urbanas ocorridas no município desde a elaboração da sua planta em 1843 até o
desenvolvimento do Plano Estratégico (PlanoJF, 2001) e do Plano Diretor (PDDU/ JF -
2000), os dois instrumentos de ordenação e expansão do território atualmente em

5
Esta crise se refere à falência industrial que o município sofreu por volta dos anos 1970, acompanhada
da baixa de poder aquisitivo de grande parcela da população; ocasionando problemas como falta de
moradia, inchaço (populacional) de áreas centrais, o sub-dimensionamento da infra-estrutura urbana e a
consequente expansão desordenada da cidade.
78

vigor. Estabelece uma correlação histórica entre as iniciativas urbanísticas municipais


e as principais ações normativas e legislativas do governo (império e república),
aplicáveis ao território nacional como tentativas da promoção do ordenamento,
expansão e desenvolvimento do solo urbano.

Nota-se que até a década de 1970 – quando o governo federal iniciou o programa dos
Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), as iniciativas urbanísticas eram todas
voltadas para a ordenação territorial, de caráter normativo. A partir de 1970, o
município iniciou uma série de intervenções pontuais na tentativa de resolver
problemas gerados pelo crescimento desordenado da cidade. São dessa época os
Planos de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI,1975) que buscavam,
principalmente, a ampliação da rede viária, que naquela época já apresentava graves
problemas infraestruturais. Estes planos locais, de cunho meramente paleativo,
estavam diretamente ligados ao programa do governo federal que instituiu os PNDs
(Planos Nacionais de Desenvolvimento), aos quais, financiados pelo Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) forneciam subsídios
para que cidades de médio porte elaborassem ações de planejamento como
estratégias de desenvolvimento que as elevasse como pólos de crescimento
econômico e populacional.6

Em Juiz de Fora, esses recursos foram usados na modernização do sistema viário, no


incentivo aos setores agropecuário e industrial e no reforço da infraestrutura urbana.
Porém, foram incapazes de resolver problemas como o do crescimento populacional,
que aumentava cada vez mais o déficit habitacional e de infraestrutura urbana, assim
como a carência do setor de serviços de consumo coletivo, como saúde, educação e
transporte (OLIVEIRA, 2006).

Diante de tentativas frustadas, se levadas em consideração as consequências


imediatas das intenções de planejamento, observa-se a adoção de duas vertentes de
pensamento que levam o poder público a adotar, ao mesmo tempo, dois planos
conceitualmente distintos para o desenvolvimento urbano do município.

6
Não é intenção desta seção descrever minuciosamente todos as intenções de planejamento urbano
ocorridas no município. Para maiores detalhes sobre o assunto, aqui apresentado de forma sucinta, ver
ALMEIDA, 2005.
79

Inicia-se, no município, um período que OLIVEIRA (2006) intitulou de “aparente


esquizofrenia político-administrativa”7, no qual o mesmo órgão público permitiu a co-
existência de dois modelos de planejamento. Foram elaborados então, logo após a
aprovação da Lei Orgânica do Município (1990), o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano (PDDU/JF, 2000) e o Plano Estratégico de Juiz de Fora (PlanoJF, 2001), o
primeiro abordando a política social como questão do desenvolvimento e da
organização territorial, e o segundo como questão da política econômica na
globalização iminente.

Em termos conceituais existe uma grande diferença entre o Plano Estratégico e o


Plano Diretor. O primeiro, se propõe a ser um plano de ações visando a soluções de
problemas atuais e concentrando-se nas possíveis articulações de agentes urbanos
com o objetivo de explorar as reais possibilidades da cidade. O segundo apresenta-se,
fundamentalmente, como um plano normativo, mais preocupado com a
regulamentação de futuras e eventuais intervenções urbanas. Conforme Borja e
Castells (apud OLIVEIRA, 2006), o quadro abaixo identifica, objetivamente, tais
diferenças.

Quadro 02: Plano Estratégico x Plano Diretor. Fonte: BORJA e CASTELLS, 1997 apud OLIVEIRA, 2006. pg. 101.

Após um longo processo de discussão, o PDDU/JF foi elaborado pelo Instituto de


Planejamento (IPPLAN) - órgão diretamente ligado à secretaria de planejamento do
município - muito mais como obrigatoriedade instituída pela Constituição Federal de

7
É bem verdade que este estado de esquizofrenia político-administrativa não foi exclusivo do município
de Juiz de Fora, uma vez que podemos observar – a partir dos anos 1990 – uma série de cidades
brasileiras elaborando e adotando os dois modelos de planejamento concomitantemente.
80

1988 do que como linha de pensamento, ordenamento, expansão e desenvolvimento


territorial da cidade.

Para o desenvolvimento do plano, uma equipe interprofissional e interinstitucional


realizou um delineamento futuro para a cidade a partir de três cenários principais: a
continuidade do comportamento evolutivo dos últimos cinco anos, a perspectiva da
vinda de empresas de médio porte e a implantação de uma empresa de grande porte
(na época, a montadora Mercedez Benz).

Dentro dessa conjuntura, o Plano foi instituído no ano de 2000, estabelecendo quatro
tipos de Instrumentos de Planejamento Urbano: i) diretrizes setoriais de
desenvolvimento; ii) macrozoneamento; iii) projetos gerais de urbanificação; iv) planos
locais de urbanificação. A partir destes, foram priorizadas grandes intervenções
urbanísticas na cidade como um todo, assim como a recuperação ou criação de novos
sistemas viários – com função estrutural ou local.

“O PDDU de Juiz de Fora, na sua estruturação,


contempla um roteiro de princípios, objetivos,
instrumentos e políticas voltados à orientação dos
agentes públicos e privados na gestão e produção
da cidade, baseados no princípio da função social
da propriedade urbana. O PDDU de forma a
ajustar as leis urbanas – leis de parcelamento e
uso e ocupação do solo – às suas determinações,
determina que sejam revistas e adequadas pelo
detalhamento e regulamentação dos Instrumentos
de Planejamento, de Intervenção e de Gestão da
Política Urbana do municipio” (OLIVEIRA, 2006.
pg. 55).

A questão dos vazios urbanos é identificada de maneira superficial. Tais elementos


são considerados como o resultado do processo de expansão e parcelamento do solo
urbano que originou áreas de grandes extensões que se mantêm vazias e glebas de
propriedade pública que foram desfuncionalizadas por motivos políticos ou
econômicos – como o pátio ferroviário da atual MRSS Logística na área central da
cidade. Dessa forma, os vazios urbanos são entendidos como áreas que devem ser
infra-estruturadas ou adensadas dentro do processo de consolidação de uso e
ocupação do solo urbano, ou até mesmo inseridos em algum projeto urbano de
reestruturação ou requalificação.
81

Os inúmeros lotes vagos ou subutilizados, facilmente reconhecidos na área central da


cidade (região infra-estruturada e de valor econômico mais alto) não configuram, para
o Plano Diretor, vazios sociais. Ao instituir a função social da propriedade, reconhecer
que os direitos individuais do cidadão devem ser subordinados aos interesses da
coletividade, que o uso da terra deve permitir o aproveitamento do solo urbano através
de usos e densidades compatíveis com as capacidades dos equipamentos e serviços
públicos (Juiz de Fora, 2004), instala-se uma discrepância conceitual que não abrange
a ociosidade inerente à situação específica e característica do centro urbano do
município.

O próprio poder público local admite não possuir uma política fundiária, com o intuito
de manter um “estoque regulador” no mercado de terras, muito em função da
escassez de terrenos vazios de propriedade pública (Juiz de Fora, 2004). Apenas
transcreve os instrumentos de intervenção urbana já instituídos pelo Art. 182 da
Constituição Federal (1988), ou seja, o Parcelamento e Edificação Compulsórios, o
IPTU Progressivo e a Desapropriação, assim como se apropria (no discurso
normativo) de alguns dos instrumentos urbanísticos instituídos pelo Estatuto da Cidade
(2001)8. Sem uma análise crítica voltada para a realidade do município, os indicativos
legislativos de intervenção urbana apresentam-se tão abrangentes na especificação
quanto na sua aplicabilidade.

O que se observa, no caso de Juiz de Fora é que desde a publicação do Plano Diretor
(2000) nenhum dos instrumentos indicados pela lei foi efetivamente colocado em
prática. As grandes glebas do poder público permanecem vazias e os espaços ociosos
na área central da cidade se multiplicam a cada dia, agravando os problemas sociais e
infra-estruturais. Nesta mesma área, pode-se observar atualmente pequenos
proprietários de terra subutilizando seus lotes vagos como áreas de estacionamento,
reproduzindo e consolidando vazios sociais. As grandes extensões de propriedade
particular iniciam um processo lento de ocupação – em função da expansão do
território e ocupação de novas áreas comerciais e residenciais (situação melhor
caracterizada na seção 3.1).

8
Percebe-se aqui uma incoerência temporal entre teoria e prática. Elaborado entre os anos de 1996 e
2000, o Plano Diretor Municipal aborda instrumental urbanístico que só seria identificado em 2001,
quando da regulamentação do Estatuto da Cidade. Especula-se, muito em função da normatização do
plano, que a equipe tenha se baseado na escolha dos instrumentos a partir de práticas isoladas que
estavam sendo reconhecidas em outros municípios brasileiros, como no caso das Operações Urbanas da
cidade de São Paulo. Vale ressaltar que após a implementação da Lei 10.257 não houve
complementação ou revisão das diretrizes propostas até o presente momento.
82

A área central do município registra, ainda, o surgimento de novos vazios na mesma


velocidade em que a valorização imobiliária cresce, sem nenhuma preocupação
política com o surgimento, desenfreado, de vazios caracterizados, principalmente, pelo
estado de obsolescência dos imóveis privados.

Apesar de toda uma fundamentação teórico-conceitual na elaboração das análises e


diagnósticos e da preocupação de mapear o território urbano como um todo nas
proposições elaboradas, o plano diretor recaiu em um problema bastante comum: a
dependência da elaboração de leis complementares para a regulamentação dos
instrumentos. Dessa forma, o PDDU/JF nunca conseguiu ser implementado de fato
(apesar de instituido como lei), e com isso não logrou ainda atingir os objetivos
traçados.

Na mesma época da instituição do PDDU/ JF (2000), outra equipe da Prefeitura


Municipal idealizava o Plano Estratégico – PlanoJF (2001) – com objetivos claros de
elevar a cidade a novos padrões econômicos e urbanísticos, acompanhando o
desenvolvimento das cidades mundiais contemporâneas9.

Concebido dentro da secretaria de planejamento do município, o PlanoJF delineava


elementos estratégicos10 que abrangiam um planejamento a médio e longo prazo,
como: a inclusão social, políticas de educação, habitação e saneamento de áreas
carentes, e ainda, preocupações claras com o meio ambiente, a cultura e o turismo
(ALMEIDA, 2005).

“Elevar Juiz de Fora a novos padrões de


referência em serviços de educação e saúde,
cultura, equilíbrio social e qualidade de vida,
consolidando seu papel integrador do entorno.
Desenvolver uma cidade com equilíbrio do espaço
urbano, respeitosa da coisa pública e do meio
ambiente, pólo econômico e logístico da Região
Sudeste-Sul, orientada para os novos campos do

9
Juiz de Fora se tornou município integrante do CIDEU – Centro Ibero-americano de Desenvolvimento
Estratégico Urbano – que prestava assessoria técnica através de seminários de capacitação, fóruns de
debates e intercâmbio das experiências de planejamento bem sucedidas. De origem catalã, disseminou a
experiência bem sucedida da cidade de Barcelona para os jogos Olímpicos de 1996, que buscava a
funcionalidade urbana através da competitividade mercadológica (OLIVEIRA, 2006).
10
O caráter estratégico é assumido na tentativa de recomposição do tecido urbano e o estabelecimento
de novas formas de articulação entre os setores públicos e privados.
83

conhecimento e da tecnologia” (PlanoJF, 2001.


pg. 28).

Era pretendido alcançar tais objetivos através de um processo participativo, através do


qual seriam questionados e analisados aspectos sociais, espaciais e ambientais do
município com objetivos claros de promoção regional, nacional e internacional.
Percebe-se a preocupação em desencadear um processo contínuo – e duradouro – de
atração de capitais à dinâmica de reconstrução dos valores sociais e das funções
urbanas.

Caracterizado como um plano de ação, baseado no consenso e na participação social,


o PlanoJF – além do objetivo principal de política econômica – ainda institui três
estratégias distintas: i) Juiz de Fora, Cidade de Oportunidades; ii) Juiz de Fora, Pólo
Regional; iii) Juiz de Fora, Cidade de Qualidade.

A primeira estratégia buscava o dinamismo da cidade através da promoção


econômica, respaldada no apoio à implantação de novas indústrias, no
desenvolvimento da infra-estrutura urbana para as atividades industriais, no fomento
do agronegócio, na ampliação de equipamentos e serviços de apoio às atividades
empresariais, no estímulo à implantação de programas de qualidade, no apoio aos
pequenos empreendedores e na ampliação das oportunidades de capacitação
profissional e educacional.

A segunda, primava pela promoção e melhoria de novos acessos, pela revitalização e


requalificação do centro da cidade, pela ampliação de cursos universitários e pela
elevação da qualidade dos serviços de saúde. A terceira e última estratégia enfatizava
o avanço dos indicadores sociais, o melhoramento dos serviços públicos e a
requalificação do espaço urbano através da recuperação do meio ambiente degradado
e, principalmente, da tentativa de aumentar o poder de regulamentar e fiscalizar todas
essas ações. No entanto, deixa de fora um objeto relevante na recuperação da
promoção social e urbana – o vazio social construído e mantido no tecido infra-
estruturado da cidade – e, consequentemente, todo o ferramental legislativo que
proporciona a efetivação dessas intervenções.

Todo esse planejamento deveria obter respaldo financeiro das três esferas
governamentais e da iniciativa privada. Segundo dados do relatório de situação do
PlanoJF11, o município arcaria com, aproximadamente, 18% dos investimentos

11
Este relatório abrange o período de 2000 a 2002.
84

necessários; o estado de Minas Gerais com cerca de 42% do montante exigido; o


governo federal com, aproximadamente, 1%, e a iniciativa privada com os 39%
restantes. É nítida a parceria público-privada entre os governos do estado e do
município com empreendedores locais, assim como com os passíveis de futuras
instalações. Isso resume muito bem o caráter de recuperação econômica através da
reestruturação produtiva do mercado, possibilitando uma superação que beneficiasse
não só os empreendedores mas também toda a população.

Apesar de propostas audaciosas para a realidade local da época, reconfigurando o


território urbano em uma escala mais abrangente do que seus limites físicos, o
PlanoJF apresenta uma prioridade da competitividade econômica sobre a distribuição
social, mas não deixa escapar questões como o planejamento descentralizado e
participativo, que redivide o território urbano em pequenas porções passíveis de
intervenção física e imediata, muitas vezes aproveitando (ou criando correspondências
explícitas com) iniciativas do PDDU/JF.

“Acreditamos que o PlanoJF pode ser entendido


enquanto um novo instrumento, destinado a
resolver novos problemas decorrentes de um
contexto marcado pela elevada competitividade
entre cidades e territórios, pela intensa mobilidade
das empresas e pela necessidade de combinação
dos esforços entre o setor público e o privado.
Além disso, pode ser entendido também enquanto
um instrumento de planejamento complementar a
outras modalidades de planejamento territorial
como o urbano” (OLIVEIRA, 2006. pg.100).

Surge então uma pergunta fundamental: é possível conceber um planejamento que


dissocie as abordagens social e econômica? Como se comportariam pequenas
porções do território com a inserção de grandes projetos urbanos, diretamente
associados ao planejamento estratégico?

Ao propor uma série de projetos urbanos – principalmente os de intervenção viária – o


PlanoJF orientou o crescimento e a expansão da cidade, com a implantação de
infraestrutura em locais antes desconsiderados na malha urbana. Com isso, grandes
extensões de terras vazias sofreram parcelamento e configuraram os novos
empreendimentos imobiliários da cidade. O que antes era considerado como zona de
expansão do território municipal passou a configurar – dentro do enfoque da presente
85

pesquisa – verdadeiros vazios urbanos. Esta situação estabelece um paradoxo, uma


vez que é através da recuperação destes vazios – pelos grandes projetos urbanísticos
elaborados pelo planejamento estratégico – que a cidade pode redefinir e consolidar
seu poder econômico (como visto na seção 1.2.1).

Era de se esperar que a inserção de diversos projetos de intervenção pontual –


principalmente na área central – contribuissem para a modificação do estado de
vacância dos terrenos ociosos do município. No entanto, isso não aconteceu. Os
projetos direcionados à área central foram incapazes de solucionar a vacância gerada
pelos pequenos lotes vagos (muitos, atualmente, com dimensões fora da legislação,
incapazes de retornar ao mercado de terras), de propriedade particular, localizados em
área valorizada da cidade e com características próprias e diferentes dos já
consolidados na malha urbana. Estes só agravam a situação de vazio urbano ao
passo em que muitos se encontram no estoque da valorização imobiliária.

Analisando os dois planos desenvolvidos e implementados no município, pode-se


dizer que existem contradições e complementaridades entre eles (OLIVEIRA, 2006).
Ao passo em que o PDDU/JF exibe uma abordagem do urbano como questão do
desenvolvimento e o PlanoJF com o planejamento como questão da globalização,
utilizam-se de técnicas de ação e escalas de articulação totalmente diferenciadas.

Na questão relativa aos vazios urbanos, pode-se concluir que há uma certa
correspondência entre eles, pois nenhum dos dois foi capaz de abordar o tema na sua
importância e, com isso, criar subsídios para a solução da questão de vacância; muito
pelo contrário, percebe-se claramente a manutenção e um aumento significativo no
número de vazios urbanos como consequência de intervenções estimuladas ou
encaminhadas pelos Planos.

De maneira geral, pode-se afirmar que o planejamento em Juiz de Fora caracteriza-se


pela atuação tardia do Poder Público, buscando sempre soluções paleativas ao invés
do pensamento em médio e longo prazo. Até mesmo as iniciativas mais dinâmicas
encontram dificuldades de implementação; um “ranço” histórico difícil de ser superado.
Ambos os planos necessitam ser revistos e complementados para que as soluções
indicadas sejam passíveis de implementação. Verifica-se que as vitórias conquistadas
no campo legal tornam-se frágeis quando transportadas à execução; os instrumentos,
então, caracterizam-se pela total ausência de efetividade e, muitas vezes, contribuem
para a ratificação dos insteresses privados, favorecendo a especulação imobiliária.
86

CAPÍTULO 3 – A POLÍTICA PÚBLICA À FAVOR DA CIDADE E DA CIDADANIA:


reconhecimento e encaminhamento dos vazios urbanos

Promover o bem-estar social, assim como um ambiente urbano de qualidade é


prerrogativa do Poder Público que, além de garantir a real função social da terra e da
propriedade urbana, precisa enfrentar certos privilégios urbanísticos adquiridos (ao
longo dos anos) pela classe dominante. Neste panorama, a legislação urbana é
ferramenta necessária tanto como marco delimitador das fronteiras de poder, quanto
no estabelecimento de diretrizes que impeçam tamanha disparidade entre os setores
econômico e social. Condição necessária, mas ainda não suficiente para promover a
modificação no quadro atual.

Com início nos anos 1970, a luta pela construção de um marco regulatório federal que
promovesse (no âmbito municipal) o direito à cidade, à defesa, à função social da terra
e da propriedade e à democratização da gestão urbana, culminou nos princípios da
política urbana que, atualmente, gerencia toda e qualquer intervenção, dosando
parâmetros quantitativos e qualitativos na dinâmica das cidades. No entanto, o
planejamento (estabelecido através de planos e zoneamentos) institui uma cidade
virtual, incapaz de relacionar as condições reais de produção da cidade com a
dinâmica do mercado imobiliário, pois, instituído de forma abrangente e generalista
incapacita o reconhecimento e a resolução de problemas pontuais.

“A visão tecnocrática dos planos e do processo de


elaboração das estratégias de regulação
urbanística completa o quadro. Isto significa o
tratamento da cidade nos planos como objeto
puramente técnico, no qual a função da lei é
estabelecer padrões satisfatórios, ignorando
qualquer dimensão que reconheça conflitos, como
a realidade da desigualdade de condições de
renda e sua influência sobre o funcionamento dos
mercados urbanos” (Câmara de Deputados, 2002.
pg. 25).

A necessidade de se construir uma nova ordem urbanística, com parâmetros


redistributivos e mais includentes fez culminar em uma legislação especificamente da
cidade, com instrumentos capazes de induzir ou restringir o crescimento urbano, assim
87

como propiciar desdobramentos (leis municipais) capazes de enfrentar os problemas


locais.

Este capítulo vai tratar, especificamente, do reconhecimento dos diferentes tipos de


vazios urbanos no panorama municipal e, diante da diversidade de instrumentos
urbanísticos, buscar estabelecer uma correlação entre esses dois objetos – na
tentativa de elaborar diretrizes para uma política pública dos vazios que contribua para
uma política urbana municipal a favor da cidade e da cidadania.

3.1. – O panorama dos vazios em Juiz de Fora

Como se caracterizam os vazios urbanos no município de Juiz de Fora? Problemas ou


tensões? Dois conceitos diferentes aplicáveis ao mesmo objeto, mas capazes de
modificar os tipos de relações estabelecidas entre a cidade e sua população.

Como visto no Capítulo 1, os vazios podem ser favoráveis à dinâmica urbana da


cidade quando o coletivo é privilegiado sobre o individual, permitindo que as tensões
estabelecidas promovam impactos positivos no uso e na ocupação do território,
oferecendo estoques de reservas e áreas de “respiro” em meio à densificação em
geral cada vez mais crescente. Porém, quando a real função social da propriedade
não é legitimada e os vazios caracterizam conflitos de ordem social, espacial ou
econômica, eles passam a representar problemas que devem ser combatidos.

A partir de um levantamento inicial no território urbano do município, pode-se concluir


rapidamente que os vazios urbanos identificados apresentam características bastante
diversificadas, se levados em consideração condicionantes como a sua formação,
conformação, localização, dimensão e situação atual12. Aliado a estas características,
tem-se o processo histórico de crescimento, expansão e consolidação do espaço
urbano da cidade, diretamente ligado às questões de ordem natural (o rio Paraibuna e
a topografia bastante acidentada), estrutural (ferrovia e rodovias) e econômica
(principalmente no setor industrial), favorecendo conformações distintas de vazios no
território da cidade.

Historicamente, a expansão territorial lenta e sem muita continuidade proporcionou,


além de grandes déficits de infra-estrutura nas novas ocupações, muitos vazios
urbanos identificáveis até os dias atuais. Paralelamente às questões históricas de
12
Entende-se como situação atual o tipo de uso que o vazio apresenta dentro da dinâmica da cidade; seja
ele configurado como lote vago ou terreno subutilizado.
88

crescimento e expansão do território estão as questões que relacionam, diretamente,


os vazios urbanos às ações do poder público, às provocadas pela dinâmica imobiliária,
e até mesmo os impactos sócio-econômicos ocorridos no território ao longo de 153
anos de ocupação e consolidação.

Diante de tantos condicionantes, optou-se por apresentar os vazios urbanos do


município em três níveis de aproximação distinto: i) o primeiro, abrangendo todo o
território municipal, identifica os vazios como manchas, classificando-os de acordo
com processos históricos e políticos; ii) o segundo aborda os vazios da área central do
município, relacionando-os com os vazios conceituais descritos no primeiro capítulo
desta pesquisa; iii) o terceiro nível trata dos vazios na Unidade Centro – local de
ocupação antiga, com infra-estrutura consolidada e expressiva atividade econômica –
apresentando o maior número de vazios urbanos, com características bastante
diversificadas. Dessa forma, pretende-se uma identificação mais fidedigna de quais
vazios funcionam, hoje no município, como elementos benéficos ao crescimento e
expansão da cidade, os que se caracterizam como tensão e ainda, quais deles se
identificam como problemas ou entraves à dinâmica urbana e, consequentemente, à
real função social da terra.

Quadro 03: Quadro resumo do panorama dos vazios urbanos em Juiz de Fora, elaborado com base em parâmetros
do PDDU/JF 2004. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
89

3.1.1. Os vazios na área urbana: uma visão geral

O mapa que caracteriza os vazios urbanos como manchas (MAPA 02 à pg. 95),
utilizando a infra-estrutura como parâmetro urbano, identifica áreas com grande
concentração de vazios, instituídos por processos históricos de expansão do território
e ações do poder público na tentativa de reorganização do espaço urbano da cidade.
Classifica as diferentes áreas, principalmente, quanto à formação histórica de
expansão do município, identificando terras parceladas e ainda vazias – mas em
processo de ocupação lenta – estabelecendo um paralelo direto com os vetores de
crescimento13 identificados, em 1996, quando dos primeiros estudos para o Plano
Diretor Municipal (2000).

Acompanhando o processo histórico de formação e expansão da cidade, pode-se


identificar, nas direções noroeste e nordeste14, a conformação dos vazios mais
antigos. Nesta porção definida do território municipal pode-se identificar como vazios
urbanos uma grande quantidade de lotes vagos – remanescentes industriais e
habitacionais (vetor noroeste) do tempo áureo da economia da cidade; grandes
porções de terras ainda não parceladas – áreas das antigas fazendas de gado e café
(vetor nordeste), em contraposição com extensas Áreas de Especial Interesse
Ambiental (AEIAs), sendo estas subdivididas em Parques Municipais, Áreas de
Proteção Ambiental (APA), Estações Ecológicas, Reservas Biológicas e Reservas
Ecológicas (PDDU, 2004. pg. 99-100).

As áreas compreendidas pelo vetor noroeste abrigavam parte das antigas indústrias
que fizeram o município florescer economicamente durante os séculos XIX e XX e,
consequentemente, também as vilas de seus operários. Quando o bairro de Benfica –
ponto extremo do vetor – consolidou-se como pólo de moradia, comércio e serviços,
as áreas adjacentes e de ligação dessa região com o centro da cidade iniciaram um
processo gradativo de desocupação. O mesmo ocorreu no vetor nordeste,
transformando em ociosas as áreas compreendidas entre o bairro Grama (ponto
extremo do vetor) e o centro histórico do município.

Com o fechamento das últimas indústrias, remanescentes da crise econômica, a


situação se agravou ainda mais e os antigos pátios e galpões industriais tornaram-se

13
Os vetores de crescimento, apresentados na seção anterior, identificam a forma como o poder público
local entende e direciona o crescimento e a expansão da cidade. Vide ilustração 18.
14
No MAPA 01, os vazios urbanos nos vetores noroeste e nordeste podem ser mais bem identificados
pela cor marrom, com a respectiva legenda: vazios de formação antiga, identificados no plano de
expansão urbana (PEU), ainda remanescentes.
90

áreas, cada vez mais, obsoletas. Como caracterizavam grandes extensões de terra,
em grande maioria de propriedade particular, sua reocupação tornou-se inviável sem
um novo parcelamento do solo ou, até mesmo, modificação na legislação de uso e
ocupação.

Atualmente, com os mesmos parâmetros urbanísticos de fins do século XIX – que


caracteriza a área quase que exclusivamente industrial de grande porte, pode-se
observar a inserção de novas indústrias reaproveitando antigas instalações (vazios
esvaziados) e pequenas vilas operárias obsoletas até então, assim como o uso
esporádico de alguns lotes vagos para a realização de eventos municipais, como no
caso do Parque de Exposições da cidade, e a instalação de grandes atacadistas. O
restante da área caracteriza-se, fisicamente, pelo completo abandono de pequenas
propriedades particulares, por grandes e médias extensões de terras em estado de
vacância (de propriedade pública e privada) e, principalmente, pela ocupação informal
que cresce de forma desordenada e cada dia mais veloz. Apesar de presente nos
planos de expansão e adensamento do Plano Diretor Municipal (2000), a área ainda
não despertou interesse privado para novos usos e ocupações.

Ilustração 20: Exemplos de lotes vagos e construções particulares esvaziadas no vetor de crescimento noroeste, às
margens da Avenida Juscelino Kubitschek. Fonte: TEIXEIRA, 2009.

Ilustração 21: Antigas instalações industriais atualmente ocupadas pelo Exército Brasileiro com a fabricação de
armamento bélico. A antiga vila operária também foi recuperada para a moradia militar. Ambas localizadas também às
margens da Avenida Juscelino Kubitschek, no vetor noroeste. Fonte: TEIXEIRA, 2009.
91

Ilustração 22: Antigas instalações fabris caracteristicamente obsoletas, assim como os pequenos lotes vagos que se
multiplicam no entorno imediato a elas. Fonte: TEIXEIRA, 2009.

Outra área de conformação de grandes vazios urbanos facilmente identificável,


atualmente, é o vetor oeste. Localizado na chamada “cidade alta”15, ele conforma a
inserção de um novo eixo viário ligando o centro da cidade a uma das principais
rodovias da região, a BR-040. Com o objetivo principal de desafogar o trânsito de
veículos que já se apresentava como um dos maiores problemas do município em
meados dos anos 1990 e, também, de controlar e direcionar o crescimento
desordenado que a região já apresentava, deu-se prosseguimento aos estudos de
análise e diagnóstico do local para a consequente implementação deste eixo viário.

Antes da identificação do local como potencial para a inserção de um Grande Projeto


Urbano, a região se desenvolveu a passos lentos. Os bairros, de formação antiga,
ocupavam pequenas extensões da área, de forma bastante compacta, com pouca ou
nenhuma infra-estrutura, caracterizando um local muito mais rural do que urbano.
Quando da instalação do Campus Universitário (década de 1960), a valorização
imobiliária não ocorreu como se esperava. A infra-estrutura criada para conectar o
novo equipamento urbano com as demais áreas da cidade favoreceu o surgimento de
bairros e loteamentos, mas por outro lado, limitou-se a abranger, fisicamente, apenas
o entorno imediato do campus. O comércio de atividades locais e a escassez de
equipamentos urbanos, principalmente os de educação e saúde, favoreceram ainda
mais a manutenção das áreas vazias, dos bairros de classe média baixa e das
ocupações irregulares.

Tais características mantiveram-se por longos anos, até que o Plano Diretor adotou
para a área o Grande Projeto Urbano da Via São Pedro. Para a cidade, os impactos

15
Local de instalação das primeiras colônias de imigrantes alemães que se referiam ao local de moradia
em função da diferença topográfica que existia para o então configurado centro da cidade.
92

seriam de articulação e desafogamento do trânsito, mas para o local eles ofereceriam,


principalmente, a oportunidade de ocupação do longo trecho compreendido entre o
campus universitário e a represa São Pedro.

A obra, considerada de grande impacto urbano contemplava, também, consequências


de ordem sócio-econômica. Transformar um local sem infra-estrutura urbana em eixo
articulador do sistema viário da cidade, despertou o interesse dos grandes
proprietários privados no parcelamento e venda de suas terras. Com a apropriação do
mesmo projeto pelo Plano Estratégico Municipal, as expectativas se confirmaram.
Logo foram lançados os primeiros empreendimentos imobiliários voltados para a
população de alta renda, caracterizados como condomínios residenciais privados,
ocupando as partes mais altas da topografia local.

Ilustração 23: Fotos representativas de dois importantes condomínios privados no vetor oeste – Portal da Torre e
Spina Ville, respectivamente. Fonte: TEIXEIRA, 2010.

No entanto, toda a expectativa criada em decorrência das esperadas iniciativas do


poder público municipal foram engavetadas juntamente com os planos. As obras, cujo
início todos aguardavam em curto a médio prazo, por problemas financeiros, de
planejamento e, principalmente, políticos, foram adiadas por tempo indeterminado.
Uma infra-estrutura mínima foi disponibilizada para o local, acarretando (mais uma
vez) uma ocupação dispersa e caracterizada (em grande maioria) pela presença dos
condomínios residenciais de alto padrão.

O que se observa, atualmente, ainda é a predominância da ocupação residencial, a


topografia acidentada, a baixa densidade populacional e grandes extensões de terra
sem, ou com pouquíssima, infra-estrutura, apesar do parcelamento efetivo do solo. As
obras da nova via (instalada sobre o córrego São Pedro), realizadas em pequenas
etapas ao longo dos últimos anos, favoreceram a ratificação da divisão do espaço
territorial em dois lados opostos, onde bairros consolidados, comunidades carentes e
93

condomínios fechados de alto padrão dividem a paisagem urbana com grandes


extensões de terras vazias.

Ilustração 24: Disparidade de uso e ocupação do solo. De um lado o bairro adensado e consolidado, do outro grandes
extensões de terras vazias. Fonte: TEIXEIRA, 2010.

O mapa abaixo representa um esquema mais aproximado da situação característica


do local nos dias de hoje. Pode-se observar a separação da área em dois lados
opostos e distintos, tanto pela topografia, quanto pela conformação urbana; grandes
extensões de terras ocupadas por loteamentos privados de alto padrão (baixa
densidade construtiva e populacional), geralmente localizados nas áreas mais altas e
privilegiadas (como é o caso do entorno imediato da Represa São Pedro); médias e
grandes áreas ainda desocupadas tanto em meio aos novos empreendimentos
imobiliários, quanto inseridas na malha urbana já consolidada (com média densidade
construtiva e populacional) e com localização prioritária às margens da nova via de
acesso.

MAPA 01: Mapa ilustrativo da situação dos vazios urbanos (lotes vagos) na região do vetor de crescimento oeste.
Elaboração própria, com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
94

As obras da nova estrutura viária foram retomadas durante o desenvolvimento desta


pesquisa, permitindo uma avaliação superficial das mudanças sócio-econômicas que
poderão ocorrer. No entanto, no que se refere aos vazios urbanos presentes neste
espaço físico, pouca coisa vem se modificando. A herança histórica se mantém e as
mesmas extensões de terra permanecem vazias, ao passo que a população local
continua carecendo de infra-estrutura urbana. A paisagem, uma verdadeira
disparidade sócio-econômica, parece não estar sendo modificada com a retomada das
obras.

Ilustração 25: Obra de recapeamento do córrego São Pedro e construção da nova via de articulação viária. Fonte:
TEIXEIRA, 2010.
INSERIR FOTOS DA OBRA

Quarto e último vetor de crescimento identificado pelo Plano Diretor Municipal, o vetor
sudoeste apresenta os mais novos vazios urbanos da cidade, se levarmos em
consideração sua história de crescimento e expansão urbana.

A área em questão iniciou sua ocupação logo após o término das construções e
inauguração do campus universitário em cujo acesso sul se conformou um bairro
novo, com características predominantemente residenciais e baixas taxas de
ocupação e adensamento populacional. O bairro, próximo das instalações
universitárias e da região central, ainda privilegiaria um novo acesso ao município pela
BR-040 – existente, porém em condições precárias. Consolidaria um novo corredor de
acesso, favorecendo novas áreas de crescimento e expansão da cidade.

Até então, a região de características predominantemente rurais foi sendo ocupada e


expandida em direção à BR-040. A infra-estrutura urbana foi instalada aos poucos,
mas a característica de ocupação lenta e esparsa se manteve como nas demais áreas
de expansão da cidade, promovendo a identificação de grandes extensões de terras
vazias.
95

Com o advento da duplicação da Avenida Deusdedith Salgado – ligação do Bairro


Cascatinha com o Bairro Salvaterra – a dinâmica imobiliária começou a se transformar
na área e novos empreendimentos surgiram em um curto espaço de tempo.
Diferentemente do que ocorreu no vetor oeste, a legislação urbana e o parcelamento
do solo nesta região da cidade favoreceram a implantação de grandes complexos
comerciais e empresariais, e não de unidades residenciais. Atualmente, pode-se
observar a implementação de grandes atacadistas do ramo de alimentação,
numerosas agências automotivas, estabelecimentos como hotéis, haras e
restaurantes, unidades de ensino superior e casas noturnas – que promovem
atividades diversas e fluxos diferenciados (diurno x noturno / dias de semana x final de
semana) bem característicos desta região da cidade.

Ilustração 26: Empreendimentos no vetor sudoeste, novas ocupações e situações de vazio urbano. Fonte: TEIXEIRA,
2010.

Os vazios urbanos do vetor sudoeste se apresentam, então, de duas formas bastante


distintas atualmente. De um lado pequenos lotes vagos, remanescentes da antiga
ocupação e expansão do bairro Cascatinha, localizados em áreas com infra-estrutura
consolidada, de potencial residencial e comércio local. Por outro lado, têm-se os
96

vazios da nova área em expansão – Avenida Deusdedth Salgado – que se


apresentam nas mesmas proporções físicas dos equipamentos já instalados, ou seja,
grandes extensões de terras vagas, ainda não parceladas (ou em processo de
parcelamento) e com grande potencialidade para o uso comercial e institucional.

Ilustração 27: La Rocca e Balbeeck, exemplos de casas de eventos na região do vetor sudoeste. Fonte: TEIXEIRA,
2009.

O fato da região estar distante do centro administrativo e comercial (e até mesmo do


bairro residencial mais próximo) e de não apresentar núcleos de moradia – formais ou
informais – desfavorece a impressão de que esses vazios são (ou devem ser)
encarados como problema. Ao que parece, as grandes extensões de terras vazias do
vetor sudoeste encontram-se à “espera” de empreendimentos muito específicos, de
difícil instalação em outro local da cidade, como por exemplo as casas de show La
Rocca, Balbeck e Cultural, assim como as inúmeras agências automotivas. Por esta
razão, não provocam tensão negativa no que diz respeito à dinâmica imobiliária do
município direcionada, atualmente, aos novos lançamentos residenciais e à
consolidação das Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS). A área se comporta,
então, mais como um vetor de expansão urbano do que como ociosidade acarretada
pela presença de vazios urbanos.

Pode-se concluir que o MAPA 02 – Vazios Urbanos como Manchas – trata, quase que
exclusivamente, dos vazios históricos produzidos pela dinâmica da cidade ao longo de
seu processo de ocupação e expansão territorial. A remanescência de muitos deles
nos dias atuais provoca uma reflexão crítica sobre a eficiência legislativa da política e
da gestão urbana do município diante de tensões e problemas diretamente
relacionados às questões de moradia e valorização da terra.
VETOR
NOROESTE

VETOR
NORDESTE

VETOR
MAPA SEM ESCALA
OESTE MAPA 02 - VAZIOS COMO MANCHAS DEZEMBRO 2009

LEGENDA:

BR-040 - Ligação Rio de Janeior/ Belo Horizonte

PRINCIPAIS VIAS DE ACESSO


VETOR
SUDOESTE VAZIOS EM ÁREA COM POTENCIAL RESIDENCIAL

VAZIOS EM ÁREA COM POTENCIAL COMERCIAL, DE SERVIÇOS E LAZER

GRANDES EXTENSÕES DE ÁREAS VAZIAS DE ENTORNO RESIDENCIAL

VAZIOS DE FORMAÇÃO ANTIGA, IDENTIFICADOS PELO PEU, AINDA REMANESCENTES.

ÁREA CENTRAL
98

3.1.2. – Vazios urbanos na Região Central

Seguindo os mesmos parâmetros (e limites) instituídos pelo Plano Diretor Municipal


que configura a região de Planejamento Centro, identifica-se através do MAPA 05 –
Vazios AP Centro (vide pg. 101) – características e potencialidades dos vazios
inseridos nesta região. Na tentativa de uma aproximação mais fidedigna em termos
espaciais, elabora-se um paralelo com as questões conceituais desenvolvidas no
Capítulo 1 que identifica os vazios como projetuais, estruturais ou conjunturais, e
busca-se o entendimento do comportamento destes dentro da dinâmica urbana da
cidade.

O primeiro vazio que chama a atenção, não só por sua dimensão física mas sobretudo
pela característica benéfica para a cidade, é o vazio urbano instituído pelo campus
universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Construído na década de 1960
com base no conceitual modernista, o campus oferece hoje para a cidade uma
verdadeira “área de respiro”; um vazio que, na verdade, não gera nem tensão nem
problema, mas sim um ganho em espaço público e área verde para toda a população.

Diferentemente dos vazios considerados projetuais nas grandes cidades, o campus


não está localizado em área periférica, e sim em área considerada central e de
crescente valorização imobiliária. Também não configura remanescentes da
conformação de estruturas viárias ou grandes complexos de estacionamentos (como
foram caracterizados os vazios projetuais pelo mundo), ao contrário, serviu como
limitador para assentamentos informais e alavanca para o lançamento de novos
empreendimentos imobiliários.

Outro grande vazio (caracterizado ainda por parâmetros físico-espaciais) a ser


considerado é a linha férrea que atravessa toda a cidade e divide a área central em
dois lados com características físicas e construtivas muito distintas. Vazio de função,
em consequência de uma nova ordem estrutural e econômica, a linha férrea é tida,
atualmente, como um dos principais vazios estruturais do município mineiro.

Apesar de manter a rota de cargas em funcionamento, a cidade transferiu seu papel


estratégico de recebimento e distribuição de mercadorias para funcionar apenas como
infra-estrutura de transporte. Essa característica favoreceu ainda mais a obsolescência
de toda a rede, o que, atualmente, acarreta, além dos transtornos físicos, os de
caráter sócio-urbano-espacial. Seu entorno imediato caracteriza-se por baixa
densidade construtiva e populacional, baixa qualidade arquitetônica e grandes lotes
vazios ou em estado de subutilização. Esta situação se configura de forma uniforme
99

em todo o perímetro central e acarreta também a obsolescência dos pátios


ferroviários, hoje totalmente descaracterizados e desfuncionalizados dentro da
dinâmica da cidade.

Pode-se observar, no mapa esquemático abaixo, uma extensa área que configura um
dos maiores pátios ferroviários de manobra que o município contempla. Localizada em
local privilegiado em termos de infra-estrutura urbana, faz divisa com um dos
equipamentos de lazer mais importantes para a cidade – o Museu e Parque Mariano
Procópio. Além deste equipamento de grande relevância, o entorno imediato desse
vazio urbano é composto por características bastante diversificadas. Usos
residenciais, industriais e comerciais de pequeno porte e baixa densidade construtiva
complementam a paisagem desta área específica.

MAPA 03: Mapa ilustrativo da situação dos vazios urbanos na região do pátio de manobra da MRSS Brasil, na
região da AP Centro. Elaboração própria com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
100

Também identificado no mapa esquemático encontra-se um outro limite importante


deste vazio estrutural e que, na realidade, configura uma situação ainda mais
específica. Trata-se de um extenso lote vago, de propriedade particular, que se
encontra subutilizado há várias décadas. Este, juntamente com o pátio ferroviário,
conforma uma grande extensão de terras desocupadas que favoreceriam tanto a
implantação de um grande equipamento urbano por iniciativa do poder público, quanto
iniciativas empreendedoras do mercado imobiliário. No entanto, apesar do potencial
econômico e funcional que apresentam, estes vazios ainda não despertaram o
interesse nem do poder público nem da iniciativa privada para a modificação do seu
estado de vacância. Em parte, talvez, devido à visão patrimonialista que a população
nutre pelo pátio de manobra e pela estação ferroviária; ou apenas a certeza de que
somente um Grande Projeto Urbano seja capaz de ocupar, efetivamente, esta área tão
privilegiada.

Continuando a identificação de lotes vagos em grandes extensões, o MAPA 04


identifica uma expressiva área desocupada, de propriedade do poder público,
localizada às margens da principal via de ligação do centro urbano com a zona norte
da cidade – a Avenida Brasil, marginal ao Rio Paraibuna. Uma das poucas glebas
(com grandes dimensões) de propriedade da prefeitura municipal que se encontram
desocupadas, este vazio funciona com o objetivo principal de manter estoques para a
construção de equipamentos públicos de grande porte. Atualmente, cogita-se a
instalação de uma nova unidade hospitalar que favorecerá toda a população da zona
norte do município, e imediações.

O mapa a seguir, localiza este importante vazio e caracteriza seu entorno imediato
com vazios urbanos de médias e grandes dimensões, de propriedade particular, que
possivelmente podem se articular na implementação de equipamentos ou operações
urbanas, restabelecendo a real função social da terra.
101

MAPA 04: Mapa esquemático identificando a área de um dos grandes vazios urbanos de propriedade da Prefeitura
Municipal de Juiz de Fora e as peculiaridades do seu entorno imediato. Elaboração própria com base em observação
empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.

Outra área de propriedade pública com grandes extensões físicas, localizada na área
central do município e limítrofe ao edifício da Prefeitura Municipal, também encontra-
se em estado de vacância há um longo período. Este vazio urbano, apesar de
configurar estoque de reserva e estar inserido na área central, nunca foi objeto de
intenção projetual que modificasse seu estado de subutilização urbana. No MAPA 05,
ele encontra-se dentro da grande mancha que caracteriza a área central mais
valorizada (em termos imobiliários), com infra-estrutura urbana consolidada e alvo de
grandes iniciativas de planejamento que, até o momento, não sairam do papel.

Esta grande mancha, identificada no MAPA 05, identifica uma primeira aproximação e
apresenta as características mais recorrentes da área, levando a uma leitura uniforme
da situação dos vazios na região central do município. Pode-se dizer que os vazios
urbanos identificados dentro deste limite apresentam dimensões diminutas, muito
próximas dos pré-estabelecidos pelo parcelamento do solo nesta região; encontram-se
(muitas vezes) desarticulados na malha urbana e em grande maioria são de
propriedade particular. Muitos destes exemplares ainda se configuram como lotes
102

vagos; poucos caracterizam edificações em estado de abandono; no entanto, a grande


maioria apresenta-se com a função de estacionamentos particulares, um serviço cada
vez mais necessário mas que só atribui renda ao seu proprietário – desfavorecendo o
coletivo e subutilizando a infra-estrutura pública do local.

Esta mancha será melhor detalhada no MAPA 07 – Vazios Unidade Centro (pg. 108) –
na tentativa de uma aproximação mais fidedigna da situação real em que se
encontram esses vazios, caracterizando as peculiaridades de cada um na tentativa de
reinserí-los na dinâmica urbana local.
MAPA 05 - VAZIOS AP CENTRO

LEGENDA:

BR-040 - LIGAÇÃO JUIZ DE FORA/ RIO DE JANEIRO.

PRINCIPAIS VIAS DE ACESSO.

VAZIO PROJETUAL - CAMPUS UNIVERSITÁRIO DA UFJF.

LOTES VAGOS DE GRANDES DIMENSÕES E PROPRIEDADE PARTICULAR.


N
VAZIO CONJUNTURAL - PÁTIO DE MANOBRA DA ATUAL MRS.

VAZIOS DE PEQUENAS DIMENSÕES, DE PROPRIEDADE PARTICULAR, ORA COMO


TERRENOS VAGOS, ORA SUBTILIZADOS COMO ESTACIONAMENTO PRIVADO.

MAPA SEM ESCALA ÁREA CENTRAL

LOTE VAGO DE GRANDES DIMENSÕES E PROPRIEDADE PÚBLICA


104

3.1.3. – Vazios urbanos centrais: Unidade Centro

A escolha da Unidade Centro como limite físico para uma maior aproximação do
comportamento dos vazios urbanos no município de Juiz de Fora deveu-se,
principalmente a três fatores distintos, porém, complementares: i) sua localização, seu
caráter histórico, em área provida de infra-estrutura consolidada e alvo das principais
atividades imobiliárias; ii) a diversidade de exemplares de vazios urbanos; iii) o caráter
antissocial mais perverso decorrente da ociosidade de terras em áreas mais
valorizadas.

Após observação e levantamento in locu, pode-se afirmar que a Unidade Centro do


município configura três tipos de vazios urbanos: i) lotes vagos; ii) lotes subutilizados;
iii) vazios esvaziados1.

Analisando de forma mais concreta os lotes vagos, percebe-se claramente que eles
ainda podem ser classificados quanto à sua dimensão, localização2 e propriedade.
Configura-se, então, um panorama com três situações distintas: grandes lotes vagos,
de propriedade pública e privada e localizados nas áreas adjacentes ao triângulo
central; lotes vagos com dimensões medianas, de propriedade tanto pública quanto
particular, encontrados dentro do perímetro do triângulo central e também nas suas
áreas adjacentes; e pequenos lotes vagos, de propriedade particular, identificados
tanto no entorno imediato ao triângulo central quanto nas áreas adjacentes. Estes
últimos, apesar de localizados fora do limite físico do triângulo central, apresentam-se
em maior número – considerando a área estudada – e concentram-se em bairros
tipicamente residenciais, totalmente favoráveis à inserção de novas unidades
habitacionais.

Cabe esclarecer que, para efeitos desta pesquisa considera-se como pequeno lote
vago os terrenos compreendidos entre 300 m² e 3.000m²; os lotes vagos de médio
porte com dimensões entre 3.000m² e 6.000m²; e os considerados grandes lotes
vagos a partir de 6.000m².

Os lotes vagos de propriedade particular, com dimensões medianas e inseridos no


limite do triângulo central encontram-se em área adensada, infra-estruturada, de uso
misto e grande concentração de população, tanto diurna quanto noturna. São

1
Edificações de relevância arquitetônica em estado de abandono.
2
Esta localização faz referência direta com a área do triângulo histórico, conformado pelas Avenidas Rio
Branco, Getúlio Vargas e Independência.
105

favoráveis à instalação de áreas livres de lazer, potencializando a diminuição de um


déficit da área central do município em áreas verdes e permeáveis. Os que encontram-
se fora deste limite físico estão diretamente relacionados (ou muito próximos) aos lotes
vagos com dimensões medianas e de propriedade pública, favorecendo uma possível
desapropriação para a inserção de equipamentos públicos urbanos.

O grande lote vago, de propriedade do poder público, localizado em área adjacente ao


triângulo central conforma uma grande possibilidade de instalação de equipamento (s)
urbano (s) de grande porte. Em contrapartida, o lote vago de propriedade particular,
também inserido em área adjacente ao centro histórico da cidade, pode servir tanto
aos interesses públicos quanto aos privados. Sua localização e relação estabelecida
com os equipamentos e construções vizinhas propiciam uma versatilidade de
utilização, podendo ser caracterizado como um bem coletivo ou privado com
contrapartidas públicas.

MAPA 06: Vazios na região central. Em detalhe localização e características de um dos maiores vazios urbanos de
propriedade pública do município. Elaboração própria com base em observação empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
106

Isso implicaria em modificações legislativas de uso e ocupação do solo pré-


estabelecidos para a área e, muito provavelmente, a utilização de instrumentos
urbanísticos que propiciem contrapartidas pelo proprietário no decorrer das
negociações.

Os vazios urbanos caracterizados como subutilizados concentram-se no limite físico


do triângulo histórico, têm em geral dimensões bastante diminutas – muitas vezes
menor do que o lote mínimo instituído pela legislação vigente, e funcionam com a
prestação de um serviço necessário, porém com obtenção somente de renda privada
– os estacionamentos rotativos.

De propriedade particular e instalações precárias, a presença desses estacionamentos


em uma área urbana de infra-estrutura consolidada, alta valorização imobiliária e com
altos déficits de moradia e área livre, instituem a forma mais perversa de vazio urbano
encontrado no município mineiro. Em decorrência de sua atividade tipicamente diurna,
esses vazios urbanos ainda favorecem uma outra característica da área central da
cidade, a obsolescência dos espaços públicos no período noturno, acarretando o
aumento dos índices de violência e de população de rua.

Ilustração 28: Exemplares de lotes subutilizados pela prática de estacionamentos particulares e muitas vezes em
instalações precárias. Localização: Av. Rio Branco e Rua Santo Antônio, respectivamente. Fonte: TEIXEIRA, 2009.

No entanto, a grande maioria desses lotes vem sofrendo, ao longo dos anos,
processos de parcelamento do solo sucessivos que acarretaram na impossibilidade de
reinserí-los no mercado de terras atual. Suas dimensões reduzidas desfavorecem o
cumprimento de exigências básicas, como afastamentos, dimensões mínimas dos
compartimentos, circulação interna e externa, gabarito e relações estabelecidas entre
a edificação e a cidade. Seu aproveitamento, portanto, merece discussões mais
107

profundas de como reinserir na dinâmica urbana da cidade estes vazios que tanto
desfavorecem o cumprimento da real função social da terra e da propriedade. Esta
questão, no entanto, ultrapassa as intenções da presente pesquisa.

Ilustração 29: Referências do uso de estacionamentos em lotes não reinseríveis na legislação urbana atual.
Utilizando, normalmente, fundos de lotes, estes espaços tornam-se incapazes de reestruturação através da mudança
de uso. Fonte: TEIXEIRA, 2009.

Os vazios esvaziados de Juiz de Fora são de propriedade particular, encontram-se no


entorno imediato do triângulo central e também conformam vazios urbanos de
pequenas dimensões. Em número bastante reduzido, eles conformam o estado de
abandono em duas situações bastante distintas: i) um exemplar caracteriza uma
edificação histórica, não tombada pelo Patrimônio Histórico local e que encontra-se em
estado precário de conservação, oferecendo risco às edificações vizinhas e à
população que transita pelo local; ii) dois exemplares configuram o abandono de obras
de grande porte que foram paralisadas (por motivos legislativos ou financeiros) e
encontram-se com seus terrenos ociosos em área de alta valorização imobiliária.
Estes vazios são mais facilmente (em princípio) reinseríveis na dinâmica urbana, pois
encontram-se com dimensões apropriadas segundo a legislação atual, não necessitam
de grandes intervenções urbanas e nem de muitos agentes envolvidos para reverter
sua situação; podendo seu aproveitamento configurar-se em solução imediata para o
estado de vacância em que se encontram.
108

Ilustração 30: Exemplos de vazios esvaziados no centro urbano do município. Obra embargada e paralizada desde o
ano de 2002, localizada na Av. Rio Branco; e propriedade privada, sem uso e subutilizada como estacionamento
rotativo, localizada na Rua Espírito Santo. Fonte: TEIXEIRA, 2010.

Dentro dos limites da presente pesquisa, não se trata de elaborar um inventário


unitário e particular para cada vazio urbano identificado na cidade. O que se buscou foi
uma análise mais generalizada, agrupando os vazios com características similares, de
forma a entender como esses elementos morfológicos organizam, desorganizam e,
possivelmente, reorganizam o tecido urbano existente.

Como esta situação perdura por muitos anos na malha urbana da cidade, houve a
necessidade de atribuir relações entre a situação de vacância provocada e as
características principais que agrupam os vazios urbanos nas diferentes
classificações, assim como as possíveis causas diretamente ligadas à manutenção
desses vazios na dinâmica urbana do município. O quadro a seguir identifica,
resumidamente, a estrutura que norteou a identificação e a classificação dos vazios
urbanos na área física delimitada para o aprofundamento das questões, melhor
visualizada no MAPA 07 – Vazios Unidade Centro.
109

Quadro 04: Quadro resumo dos Vazios Unidade Centro. Elaboração própria com base em observação empírica.
Fonte: TEIXEIRA, 2009.
MAPA 07 - VAZIOS UNIDADE CENTRO

LEGENDA:

AVENIDA INDEPENDÊNCIA LINHA FÉRREA N

AVENIDA GETÚLIO VARGAS RIO PARAIBUNA

AVENIDA RIO BRANCO LOTE VAGO DE PROPRIEDADE PÚBLICA


MAPA SEM ESCALA
DEZEMBRO 2009
LOTES VAGOS DE PROPRIEDADE PRIVADA LIMITE FÍSICO DA ÁREA CENTRAL - TRIÂNGULO CENTRAL HISTÓRICO

VAZIOS SUBUTILIZADOS PELO USO DE VAZIOS ESVAZIADOS DE PROPRIEDADE PRIVADA.


ESTACIONAMENTOS
111

3.2. – A recuperação dos vazios urbanos através dos instrumentos


de política urbana

Após este panorama da situação real dos vazios urbanos na cidade de Juiz de Fora,
procura-se entender as posições do poder público local com relação aos problemas e
tensões ocasionados diante deste cenário.

Na tentativa de comparar o município com a situação das demais cidades brasileiras,


a prefeitura identifica um percentual de vazios de, aproximadamente, 40%,
relacionando o índice de lotes vagos com o número total de lotes no território urbano
considerado (PDDU/JF, 2000). Estes dados confirmam, em Juiz de Fora, as mesmas
tendências especulativas e de desvalorização social ligadas à questão da terra
urbana, observadas nas grandes cidades e áreas metropolitanas. Isto implicaria,
automaticamente, a inclusão de instrumentos específicos de combate a esta situação,
conforme elencados na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade (2001).

Observam-se alguns indicativos desta posição, publicados juntamente com as análises


e diagnósticos do município desenvolvidos para o Plano Diretor Municipal (2000) e
para o Plano Estratégico (2001). O que se observa é, na verdade, uma grande
generalização dos vazios no território urbano, sem grandes possibilidades de
aprofundamento, particularização e, principalmente, de caracterização sobre seus
mais diferentes condicionantes.

Segundo dados da prefeitura municipal, no ano de 1986, a relação entre o número de


lotes vagos e o número de edificações existentes em Juiz de Fora era de 1 para 2, o
que significava que a estrutura urbana possuía potencial de adensamento para
absorver acréscimo de um terço das edificações de então e, mantendo-se as mesmas
proporções de edificações/ população, isto implicaria um terço da população
(PDDU/JF, 2000).

O Plano Diretor Municipal identifica, de forma generalizada, a presença de grandes


detentores de glebas na cidade, públicos e privados. Verificam-se algumas glebas de
propriedade pública, com destaque para as da Rede Ferroviária Federal S.A., cujos
remanescentes vêm sendo ocupados, gradativamente, pela população carente ou
configuram-se em espaços ociosos e degradados em locais nobres ou centrais na
malha urbana. A Prefeitura detém poucas glebas. Tampouco possui uma política
fundiária, como em algumas cidades, destinada a manter um “estoque regulador” no
mercado de terras ou até mesmo garantir as “áreas de respiro” para a dinâmica
urbana. O setor imobiliário formal atua, quase que exclusivamente, nas atividades de
112

loteamentos de terras, com dimensões razoáveis, parceladas ou disponíveis em forma


de condomínios para as camadas de maior poder aquisitivo (PDDU/JF, 2000).

Segundo dados do cadastro de IPTU, no ano de 1995 constava-se a presença de


aproximadamente 37.000 (trinta e sete mil) lotes vagos com área inferior a 5.000m²,
além dos vazios intra-urbanos e extensas áreas ociosas dentro do perímetro urbano.
Este diagnóstico serviu, portanto, para justificar o potencial de expansão e
adensamento das diversas Regiões de Planejamento1 já configuradas; apesar da
ausência de preocupações sociais com o que essas áreas poderiam trazer para a
dinâmica urbana e imobiliária do município.

“Percebe-se no município de Juiz de Fora uma


expansão urbana estabelecida segundo a lógica
capitalista, ocorrendo aos saltos, mantendo vazios
urbanos que serviram como reservas à
especulação tendo seu valor ampliado com a
chegada da infra-estrutura básica, criando e
garantindo a existência de graus diferenciados de
valorização” (OLIVEIRA, 2006. pg.41).

Em relação à Unidade de Planejamento Centro, adensada sob os parâmetros


construtivos e populacionais, de infra-estrutura urbana consolidada e com grande valor
histórico e patrimonial, o poder público limita-se a descrever seus vazios urbanos
como uma situação comum, instituída e sem maiores problemas causados à dinâmica
urbana da cidade.

A caracterização desigual em termos econômicos, arquitetônicos e espaciais, a


saturação do tráfego de veículos e o eterno conflito entre o patrimônio histórico e a
renovação urbana tensionam ainda mais uma área onde a valorização imobiliária é
agente ativa da dinâmica urbana, aumentando as tensões estabelecidas entre o poder
público e os diversos agentes privados.

“Embora o fenômeno ocorra dispersamente em


toda área urbana, destaca-se o grande número de
lotes ociosos e/ ou subutilizados, especialmente

1
O PDDU de Juiz de Fora identifica como Regiões de Planejamento áreas do município com
especificidades, peculiaridades, potencialidades e conflitos comuns, ou de características físicas
semelhantes, para que possam ser estudadas e avaliadas, particularmente, dentro da análise da estrutura
espacial da cidade.
113

nas áreas centrais. É notório o grande número de


estacionamentos situados no centro da cidade
que, sem chamar atenção para a ociosidade e
desperdício da área, oferecem, em troca, um
serviço ‘socialmente necessário’” (Juiz de Fora,
2004. pg. 178).

Com uma abordagem analítica bastante descritiva da situação dos vazios no território
municipal, torna-se clara a ausência de uma preocupação na obtenção de soluções
para os problemas encontrados. Pode-se afirmar que não existe (e nunca existiu) uma
preocupação em utilizar a legislação vigente para modificar não só a situação dos
vazios, mas todos os problemas de caráter urbano que a cidade enfrenta no decorrer
de longos anos. Isso ocorre, em parte, pelo caráter obsoleto de uma legislação
bastante permissiva quanto aos parâmetros urbanísticos de construção, uso e
ocupação do solo, que não condizem com a complexidade da cidade no século XXI e
não se faz capaz de solucionar os problemas que surgem no dia a dia do município.

Em uma equação que transporta a teoria à prática cotidiana, a seção seguinte busca
um maior entendimento dos instrumentos urbanos que efetivamente proporcionam a
substituição da situação de vacância em casos particulares de vazios urbanos, em
áreas específicas do território urbano municipal; almeja o estabelecimento de diretrizes
políticas e legislativas para a recuperação dos vazios urbanos em Juiz de Fora,
promovendo a real função da cidade e da sociedade.

3.2.1. – Instrumentos de política urbana aplicáveis aos vazios


urbanos

A questão urbana, consolidada na Constituição Federal de 1988, estabelece através


do Capítulo II de Política Urbana a importância de contemplar diretrizes básicas de
intervenção, assim como a definição de instrumentos urbanísticos necessários ao
controle da urbanização nas cidades brasileiras, objetivando a promoção do
desenvolvimento social, urbanístico e a real função social da cidade e da propriedade
urbana.

Para tanto, o Art. 182 – em seu § 4º - consolida o reconhecimento dos vazios urbanos
como questão social (problema que deve ser combatido) ao criar instrumental
específico como solução para a situação de vacância identificada em áreas com infra-
114

estrutura urbana consolidada, reconhecidas na grande maioria dos centros urbanos


brasileiros.

“Art. 182 § 4º - É facultado ao Poder Público


municipal, mediante lei específica para área
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob
pena, sucessivamente de: i) Parcelamento ou
edificação compulsórios; ii) Imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo; iii) Desapropriação com pagamento
mediante títulos da dívida pública de emissão
previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor
real da indenização e os juros legais” (BRASIL,
Constituição Federal, 1988).

Instituídos como um conjunto de instrumentos a serem aplicados de maneira


complementar, uma vez acionado pelo parcelamento ou edificação compulsório, o
proprietário de lote urbano teria um prazo, definido por lei municipal, para o efetivo
loteamento, construção ou utilização social do imóvel. Se, ao final desse prazo, este
permanecer com sua área incompatível com a legislação vigente, o poder público deve
lançar mão da cobrança do IPTU progressivo no tempo como mais uma tentativa de
cumprimento das obrigações urbanas. Se ainda assim a ocupação do vazio urbano
não for efetivada, cabe ao poder público o direito de exercer a desapropriação, como
última alternativa à modificação da situação de vacância.

A criação destes instrumentos pelo princípio da sucessividade estabelece não só a


possibilidade efetiva de ocupação dos lotes ociosos inseridos na malha urbana infra-
estruturada, mas também a promoção do crescimento e do adensamento urbano em
áreas de interesses específicos. Segundo Raquel Rolnik (2002), ao serem utilizados
em conjunto estes instrumentos (assim como outros do Estatuto da Cidade) podem
promover uma verdadeira reforma urbana que, aliada a uma política fundiária
consistente é capaz de garantir a função social da cidade e da propriedade.
115

No entanto, apesar do grande avanço legislativo conseguido através da inserção das


questões de urbanização e de políticas públicas na Constituição Federal, estes
instrumentos demonstraram alguns empecilhos importantes (e preocupantes) quando
da efetiva implantação.

“A urbanização e edificação compulsória são


instrumentos de complexa implantação. Estes
exigem a montagem de um sistema de cadastro
dos imóveis urbanos, que seja permanentemente
atualizado, a cada nova autorização de ocupação,
possibilitando o monitoramento dos imóveis vazios
e de sua ocupação. Exigem também a existência
de uma planta genérica de valores imobiliários, a
partir da qual se possa aplicar o imposto e sua
progressividade” (Câmara de Deputados, 2002.
pg. 64).

É sabido, também, que toda área de interesse público para aplicação do parcelamento
ou edificação compulsórios deve encontrar-se mapeada e delimitada fisicamente pelo
Plano Diretor Municipal. Através de legislação específica, o poder público local deve
declarar as condições de uso e ocupação do solo para as áreas em questão,
atividades, prazos e sanções, assim como evidenciar todas as formas de punição
decorrentes do não cumprimento.

“No caso de descumprimento destes prazos o


Município poderá aplicar o IPTU progressivo no
tempo, mediante a majoração da alíquota pelo
prazo de cinco anos consecutivos. A alíquota
máxima que poderá ser aplicada é de quinze por
cento do valor do lançamento fiscal do imóvel, até
que o proprietário cumpra com a obrigação”
(Câmara de Deputados, 2002. pg. 101).

No entanto, sabe-se que o imposto progressivo é politicamente desgastante e sua


aplicação apresentou altos índices de rejeição em experiências instituídas nos
diversos municípios brasileiros. Outro problema que pode decorrer da cobrança
progressiva do IPTU é o aumento da inadimplência, principalmente por parte dos
pequenos proprietários que se encontram em graves problemas financeiros ou em
processos jurídicos que inviabilizam o cumprimento de suas funções. Para esses
116

casos específicos, outros instrumentos poderiam ser acionados como tentativa de


modificação de situação de vacância, ou ainda em processo acordado entre o poder
público e o privado.

De modo independente dos mecanismos de parcelamento e edificação compulsórios,


e do IPTU progressivo, o município poderia ainda lançar mão da Desapropriação em
sua versão tradicional, por utilidade pública ou interesse social. De delicada
implantação, este instrumento requer a abertura de um processo com cálculo para
indenização do proprietário, com valores de mercado, que muitas vezes significa
considerar tudo o que o terreno ou imóvel representa potencial ou virtualmente. Para
sua adequada aplicação, faz-se necessário o estabelecimento de critérios
diferenciados para apurar o valor a ser pago, assegurando excluir expectativas de
ganhos, lucros cessantes ou juros compensatórios. No entanto, qualquer que seja o
valor instituído, o montante sairá de recursos públicos, obrigando a destinação de
significativa parcela orçamentária para o pagamento desses processos de
desapropriação.

Tratando-se da desapropriação-sanção (outra modalidade do instrumento vinculada


aos demais instrumentos constitucionais), a indenização correspondente pode ser
paga por meio de títulos da dívida pública. De acordo com o § 1º do artigo 8º do
Estatuto da Cidade, que ratifica o disposto no Art. 182 da Constituição Federal, estes
deverão ter aprovação prévia do Senado Federal e poderão ser resgatados no prazo
de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas. Trata-se, enfim, de
processo longo e possivelmente desgastante do ponto de vista administrativo e cuja
implantação ainda requer um acúmulo de experiências municipais que possa facilitar
sua regulamentação.

Além de todas as limitações de complementaridade, morosidade e desgaste no


processo de aplicação dos instrumentos acima descritos, uma questão de grande
relevância foi observada. A diversidade de situações de vazios urbanos observados
nas cidades brasileiras é muito maior que a capacidade de solução oferecida pelos
instrumentos referenciados no Art. 182 constitucional.

Uma vez constatada a fragilidade dos instrumentos tradicionais de regulação urbana,


procedem-se a análise de novo instrumental de indução e regulação urbanísticas
capazes de auxiliar no combate às diversas características e situações de vazios
urbanos presentes nas cidades brasileiras. Dessa forma, o Consórcio Imobiliário, o
Direito de Preempção, a Transferência (TDC) e a Outorga Onerosa (OODC) do Direito
de Construir, e a Operação Urbana Consorciada (OUC), instrumentos instituídos pelo
117

Estatuto da Cidade (2001)2 objetivam respostas ao desafio de reconstrução da ordem


urbana, agora sob novos princípios, métodos, concepções e ferramentas.

“Nesse sentido, o Estatuto da Cidade oferece um


conjunto de instrumentos que, incorporando a
avaliação dos efeitos da regulação sobre o
mercado de terras, oferece ao poder público uma
maior capacidade de intervir – e não apenas
normatizar e fiscalizar – o uso, a ocupação e a
rentabilidade das terras urbanas, realizando a
função social da cidade e da propriedade”
(Câmara de Deputados, 2002. pg. 62).

Vejamos sob quais conceitos e para quais objetivos estes instrumentos foram
elaborados, na tentativa de entender como cada um pode ser aplicado aos vazios
urbanos característicos da dinâmica urbana da cidade de Juiz de Fora.

O Consórcio Imobiliário

Instituído pelo Estatuto da Cidade (2001) e utilizado como procedimento alternativo ao


parcelamento e edificação compulsórios e ao IPTU progressivo no tempo, o Consórcio
Imobiliário pode ser utilizado em casos bastante específicos.

“Art. 46 – O Poder Público municipal poderá


facultar ao proprietário de área atingida pela
obrigação de que trata o caput do art. 5º desta Lei,
a requerimento deste, o estabelecimento de
consórcio imobiliário como forma de viabilização
financeira do aproveitamento do imóvel.

§ 1º Considera-se consórcio imobiliário a forma de


viabilização de planos de urbanização ou
edificação por meio da qual o proprietário
transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e,

2
Apesar de não serem os únicos instrumentos do Estatuto da Cidade estes, de caráter urbano, foram
estabelecidos por esta pesquisa como fundamentais e prioritários na valorização do espaço da cidade e
na modificação da situação dos vazios urbanos. A listagem completa de todos os instrumentos
(urbanísticos, legislativos e jurídicos) instituídos pelo Estatuto da Cidade consta na seção 1.4 da presente
pesquisa.
118

após a realização das obras, recebe, como


pagamento, unidades imobiliárias devidamente
urbanizadas ou edificadas.

§ 2º O valor das unidades imobiliárias a serem


entregues ao proprietário será correspondente ao
valor do imóvel antes da execução das obras,
observado o disposto no § 2º do art. 8 desta lei”
(BRASIL, Estatuto da Cidade, 2001).

Encarregado de viabilizar planos de urbanização ou edificação, o Consórcio Imobiliário


é estabelecido como instrumento de cooperação entre o poder público e a iniciativa
privada na promoção da dinâmica urbana. O proprietário acionado pelo poder público
municipal a cumprir com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar de forma
consistente seu imóvel e que não se encontrar em condições financeiras de fazê-lo
pode propor parceria público-privada como tentativa de solucionar tal situação. Por
outro lado, se é a coletividade a beneficiária de uma área carente de infra-estrutura,
equipamentos e serviços, o instrumento pode viabilizar a troca dos lotes e edificações
ociosas em obras de recuperação, ampliação ou reestruturação urbana.

“... é um recurso a ser utilizado para viabilizar


empreendimentos em casos nos quais o
proprietário não pode fazê-los sozinho ... transfere
ao Poder Público Municipal um imóvel, e este se
responsabiliza pela realização de obras” (Câmara
de Deputados, 2002. pg. 64).

No entanto, a simples proposta de um Consórcio Imobiliário por parte da iniciativa


privada não é suficiente para a modificação da situação de vacância de lotes e
edificações ociosas. É necessário que o poder público demonstre interesse pela área
em questão, que deve se apresentar mapeada (previamente) no Plano Diretor
Municipal, e possuir recursos financeiros para a realização do empreendimento.

Utilizado como uma das (várias) alternativas de recuperação dos vazios urbanos, o
Consórcio Imobiliário, normalmente, apresenta na prática uma abrangência bastante
restrita. É reduzido (quase que exclusivamente) aos casos de lotes sem possibilidade
de aproveitamento individual ou com problemas jurídicos-registrários, ou seja, aqueles
119

com penhoras por ação trabalhista, dimensões reais distintas das registradas, disputas
ou problemas de titularidade, ou mesmo inexistência no RGI3 (FURTADO, 2009).

Este instrumento ainda esbarra em uma dificuldade bastante comum apresentado


pelas políticas fiscais e tributárias desenvolvidas nas cidades brasileiras, que é a
dependência de uma situação fundiária urbana bem definida para sua aplicação
efetiva. Ele só é, realmente, colocado em prática se houver um conjunto importante de
vazios urbanos nessas situações, inseridos em local onde o poder público esboce
interesses urbanísticos, sociais ou patrimoniais; em função de lei complementar que
modifique os parâmetros de uso e ocupação do solo, quando necessário.

O Direito de Preempção

Outra alternativa – por parte do poder público – ao desgastante processo de


desapropriação seria a utilização do instrumento do Direito de Preempção. Este
consiste na preferência de compra de qualquer imóvel urbano (lote vago ou edificado)
por parte do poder público local, com a finalidade de concretizar projetos que visem à
coletividade em áreas específicas da cidade.

Instituído pelo Estatuto da Cidade, o instrumento tem regulamentado pelos Arts. 25 e


27 direitos e atribuições do poder público e de proprietários de imóveis urbanos.

“Art. 25. O Direito de Preempção confere ao


Poder Público municipal preferência para
aquisição de imóvel urbano objeto de alienação
onerosa entre particulares.

§ 1º Lei Municipal, baseada no plano diretor,


delimitará as áreas em que incidirá o direito de
preempção e fixará prazo de vigência, não
superior a cinco anos, renovável a partir de um
ano após o decurso do prazo inicial de vigência.

...

Art. 27. O proprietário deverá notificar sua


intenção de alienar o imóvel, para que o

3
Registro Geral de Imóveis.
120

Município, no prazo máximo de trinta dias,


manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo”
(BRASIL, Estatuto da Cidade, 2001).

Mais restritivo que o Consórcio Imobiliário, este instrumento só pode ser aplicado
através da demarcação de um perímetro ou de áreas específicas, instituídas pelo
Plano Diretor Municipal e com duração máxima de cinco anos4, para uso exclusivo de
projetos de regularização fundiária, programas habitacionais de interesse social,
reserva fundiária, implantação de equipamentos comunitários, espaços públicos e de
lazer ou áreas de preservação ambiental. Deve, ainda, priorizar a instalação de Zonas
Especiais de Interesse Social, almejando o interesse coletivo.

No entanto, a precária situação orçamentária dos municípios pode se configurar na


maior dificuldade de implementação efetiva deste instrumental urbanístico, podendo
inviabilizar ações dessa natureza. Por essa razão, o Direito de Preempção é
reconhecido por alguns autores5 mais como uma possível ferramenta auxiliar no
regulamento e controle dos preços imobiliários no mercado de terras do que como
instrumento de recuperação dos vazios urbanos. Dessa forma, o poder público estaria
(pelo menos) a par do preço que estaria sendo praticado em determinada área da
cidade, podendo dificultar as transações de compra e venda entre os particulares e
frear ações de especulação imobiliária.

Apesar disso, este instrumento não deve ser instituído de maneira arbitrária, devendo
sempre ser associado a outros instrumentos de indução do desenvolvimento urbano
como, por exemplo, o das Operações Urbanas Consorciadas.

Outorga Onerosa (OODC) e Transferência do Direito de Construir (TDC)

Definida pelo Estatuto da Cidade de forma geral e abrangente, a OODC necessita de


lei complementar (Plano Diretor Municipal) para o seu detalhamento e consequente
aplicação. Este instrumento instituído para regulamentar as diferentes potencialidades
de construção nas diversas áreas da cidade ou orientar usos e atividades, prioriza a
instituição de coeficientes básicos de aproveitamento acima dos quais será cobrada
concessão onerosa como contrapartida ao direito de construção.

4
Podendo ser restabelecido após 1 (um) ano de intervalo.
5
Entre esses autores está Eurico Azevedo. Para maiores esclarecimentos sobre a utilidade deste
instrumento desenvolvidos pelo autor ver Câmara de Deputados, 2002. pg. 94.
121

Definido pela relação entre a área edificável e a área do terreno, o coeficiente de


aproveitamento pode ser estabelecido como valor único para a cidade como um todo
ou ser diferenciado pelas zonas de interesse e planejamento especiais. Pode, ainda,
ser definido como: i) básico – no qual resulta em potencial construtivo inerente aos
lotes e parcelas urbanas; ii) máximo – limite que não deve ser ultrapassado; iii) mínimo
– abaixo do qual o imóvel deve ser considerado subutilizado (FURTADO, 2008).
Através desses parâmetros, o poder público reafirma índices já consolidados ou institui
novos coeficientes para determinadas áreas da cidade, regulamentando a garantia da
qualidade de vida para toda a comunidade através da utilização racional da infra-
estrutura urbana existente, da promoção do adensamento, da verticalização e o
exercício do potencial virtual de construção.

“Em muitas cidades, os índices básicos adotados


são de modo geral os delimitados pela regulação
urbanística anterior às novas regras, sobretudo
quando eles eram relativamente baixos. Este é o
caso, por exemplo, em Curitiba e Porto Alegre,
cidade que já tem uma certa tradição com
aplicações do solo criado. Quanto aos índices
máximos, podem também ser variáveis segundo
as áreas urbanas, como vem sendo estabelecido
na maioria das cidades, ou pode ser único para
todas (ou quase todas) as áreas, como é o caso
de Porto Alegre” (FURTADO, 2007. pg. 252).

As contrapartidas geradas pela OODC podem ser calculadas por diversas maneiras,
mas em geral todas elas estão diretamente relacionadas à intensidade de uso, ou
seja, quantitativamente ao aproveitamento econômico do terreno (valor de mercado do
m² do lote). Os recursos devem ser destinados a um fundo municipal, instituído
juntamente com órgão específico de gerenciamento, e revertidos para investimentos
públicos de caráter redistributivo – habitação de interesse social, construção e
implantação de equipamentos públicos ou comunitários. (FURTADO, 2007). A
ilustração a seguir, elaborada por FURTADO e JORGENSEN (2006), explicita de
maneira didática todos os condicionantes e objetivos envolvidos na instituição dos
coeficientes de aproveitamento (CA) a partir da implementação da OODC.
122

Ilustração 31: Gráfico explicativo da dinâmica urbana instituída através dos CAs e a reversão da concessão onerosa
de construção para o FMDU (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano). Fonte: FURTADO, 2008.

Ratificado pelo Art. 35 do Estatuto da Cidade, o instrumento da Transferência do


Direito de Construir alcança objetividade de uso e implementação ao garantir que os
direitos de propriedade e construção sejam exercidos ao mesmo tempo em que sejam
resguardados os interesses públicos.

“Art. 35. Lei Municipal, baseada no plano diretor,


poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano,
privado ou público, a exercer em outro local, ou
alienar, mediante escritura pública, o direito de
construir previsto no plano diretor ou em
legislação urbanística dele decorrente, quando o
referido imóvel for considerado necessário para
fins de: i) implantação de equipamentos urbanos e
comunitários; ii) preservação, quando o imóvel for
considerado de interesse histórico, ambiental,
paisagístico, social ou cultural; iii) servir a
programas de regularização fundiária,
urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda e habitação de interesse social.

§ 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao


proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel,
123

ou parte dele, para os fins previstos nos I a III do


caput.

§ 2º A lei municipal referida no caput estabelecerá


as condições relativas à aplicação da
transferência do direito de construir” (BRASIL,
Estatuto da Cidade, 2001).

O instrumento pode ser regulamentado através de cinco premissas básicas, são elas:
i) transferência direta, com o potencial redistribuído para o mesmo terreno, para lotes
vizinhos ou para outra zona urbana; ii) compensação por restrições, ambientais e
patrimoniais; iii) pagamentos por indenizações, normalmente advindas de obrigações
urbanísticas ou obras públicas; iv) por controle público direto, onde são
regulamentadas as diretrizes básicas de planejamento urbano; v) a compra e venda
entre particulares, com regulação pública direta ou indireta (FURTADO, 2008).

De forma mais objetiva, o potencial virtual de construção gerado pela instituição deste
instrumento seria assegurado ao proprietário (por lei municipal complementar ao Plano
Diretor) caso alguma medida preservacionista ou mudança significativa nos
coeficientes de uso e ocupação do solo fossem necessários. Assim sendo, o
proprietário não sairia prejudicado, podendo transferir o seu direito de construir para
outra área de sua propriedade, para terceiros ou simplesmente lucrar com a parcela
cedida ao poder público ou a empresas concessionárias, por exemplo – podendo
sempre agregar ou subtrair valor à sua propriedade.

Ao ser utilizada de forma complementar à OODC (e vice versa), a TDC pode servir
como instrumento acelerador do adensamento ou da verticalização em áreas bastante
específicas; garantir a manutenção e a preservação de imóveis ou áreas de interesse
público ou coletivo; e até mesmo proporcionar mudanças de uso e ocupação do solo,
necessárias à implantação de projetos específicos, prioridades urbanas ou de
planejamento. No entanto, é preciso levar em consideração alguns pontos
desfavoráveis à implantação conjunta desses instrumentos.

Ao instituir coeficientes de aproveitamento e promover a separação entre a


propriedade urbana e o direito de edificação, o poder público aumenta sua capacidade
de intervir sobre os mercados imobiliários, mas permite que a transferência deste
potencial possa ser livremente negociada. É preciso lembrar que a simples
verticalização obtida através do aumento do coeficiente de aproveitamento não
124

pressupõe o adensamento populacional e a otimização da infra-estrutura; podendo


ainda acarretar problemas diretamente relacionados ao conforto urbano e à
capacidade física da infra-estrutura existente no local.

Outro argumento é que a OODC é sempre limitada aos novos empreendimentos, não
sendo, portanto, capaz de gerar recursos importantes para áreas com deficiência de
infra-estrutura já comprovada na cidade. No entanto, possibilita novos desenhos
urbanos e tipologias arquitetônicas, superando padrões obsoletos que, normalmente,
seriam remodelados através da tradicional operação de alteração de uso e
zoneamento urbano (FURTADO, 2007).

No entanto, o Art. 29 do Estatuto da Cidade abre precedente para que o instrumento


seja implantado de forma a promover a infra-estrutura em novas áreas de expansão
da cidade, bastando que a OODC venha acompanhada de uma alteração de uso.

“Art. 29. O plano diretor poderá fixar áreas nas


quais poderá ser permitida alteração de uso do
solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo
beneficiário” (BRASIL, Estatuto da Cidade, 2001).

Torna-se necessária a definição da área em expansão (normalmente com


características mais rurais do que urbanas) como região urbanizável a partir da
instituição de uma OODC específica, capaz de modificar o uso residencial em
comercial, institucional ou misto; sendo instituídos também pelo Plano Diretor os
valores e de que forma serão aplicadas as contrapartidas geradas.

A questão da geração de recursos, advindos da valorização fundiária, para o


financiamento de programas com caráter social (através da OODC) é ao mesmo
tempo benéfica e problemática – uma vez que se faz necessária lei complementar
para organizar minuciosamente recolhimentos e gestão. No entanto, a TDC tem se
mostrado (pelos municípios que a implementaram) ferramenta ágil e indispensável aos
projetos que envolvem a desapropriação, favorecendo o uso combinado dos dois
instrumentos.

Apesar de todas as dificuldades de implementação, os municípios6 que já


consolidaram o uso desses instrumentos (em seus respectivos planos diretores)

6
Para maior esclarecimento dos municípios brasileiros que implementaram os instrumentos da Outorga
Onerosa e a Transferência do Direito de Construir ver artigo publicado por FURTADO, REZENDE,
OLIVEIRA, JORGENSEN, BACELLAR, intitulado: Outorga Onerosa do Direito de Construir: panorama e
avaliação de experiências municipais. Belém do Pará, 2007.
125

reconhece-se a inegável contribuição da OODC e da TDC para a consolidação de um


conjunto de instrumentos de gestão urbana capazes de permitir que o poder público
promova, eficazmente, a redução das desigualdades espaciais nas cidades brasileiras
(FURTADO, REZENDE, OLIVEIRA, JORGENSEN, BACELLAR, 2007).

Operações Urbanas Consorciadas (OUCs)

Instituída pelos Arts. 32, 33 e 34 do Estatuto da Cidade (2001), a Operação Urbana


Consorciada é normalmente acionada para a reutilização de grandes áreas ainda não
infra-estruturadas ou que necessitam de complementação em suas infra-estruturas
para possibilitar sua re-inserção urbana. Almeja transformações que alterem a
realidade urbana, recuperem grandes extensões degradadas (como áreas centrais) ou
caracterizem a implantação de projetos urbanos de interesses sociais e especiais.

O Art. 32 objetiva o instrumento como ferramenta capaz de viabilizar intervenções


urbanas em maior escala, dentro de uma ação conjunta entre o poder público e a
iniciativa privada; institui a obrigatoriedade de lei municipal específica e regulamenta
finalidades específicas.

Ao discriminar requisitos e efeitos do instrumental, o Art. 33 prioriza ações


imprescindíveis à instalação das Operações Urbanas Consorciadas, como a definição
prévia da área a ser atingida, a instituição de programas básicos para a ocupação da
área com ênfase no atendimento econômico e social, e a exigência do pagamento de
contrapartidas por todos os agentes beneficiados pelas melhorias proporcionadas pela
operação.

Considerado como um conjunto de intervenções e medidas, este instrumento de


indução do desenvolvimento urbano é particularizado pela atuação coordenadora do
poder público, envolvendo a participação de investidores privados, proprietários,
moradores e usuários da área em questão. Assim, é de total responsabilidade do
poder público local a sua instituição, coordenação e elaboração de diretrizes de
atuação durante o processo de desenvolvimento e finalização da operação em
questão. No entanto, faz-se necessária lei municipal que institua tal instrumento,
dispondo de critérios para sua aplicação, delimitando fisicamente áreas de interesse e
resguardando a coletividade de apropriações privadas indevidas.

“Na prática, as bases de seu funcionamento são


as seguintes: i) delimita-se um perímetro de
126

atuação da OUC; ii) faz-se o inventariado dos


usos e calcula-se o potencial construtivo prévio do
conjunto da área (tal como se encontra na
situação original); iii) elabora-se um plano de
melhorias e transformações da área, envolvendo
infra-estruturas, serviços e equipamentos urbanos;
iv) estimam-se os novos usos desejados e o novo
potencial construtivo a ser alcançado, que se
constituirão no estoque público da OUC; v)
estabelecem-se as contrapartidas a serem
exigidas como pagamento pela utilização de itens
do estoque público (envolvendo tanto direitos de
uso como de construtibilidade)” (FURTADO, 2007.
pg. 256).

Essas contrapartidas exigidas são automaticamente aplicadas na mesma área de


abrangência da operação urbana, garantindo os recursos necessários à realização do
empreendimento por parte do Poder Público.

Ao realizar o inventariado dos usos e o cálculo do potencial construtivo original e


possível, o Estatuto da Cidade prevê outra ferramenta de intervenção – agora por
potencial construtivo – capaz de garantir a captação dos recursos necessários à
realização dos projetos e melhorias instituídos pela Operação Urbana Consorciada –
os CEPACs.

Conhecidos como Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) e


regulamentados, em 2003, pelo Colegiado da Comissão de Valores Imobiliários
(CVM), os CEPACs nada mais são que títulos públicos livremente negociados no
mercado, tendo seus recursos depositados em conta exclusiva e diretamente
vinculada à Operação Urbana a que se destinam (FURTADO, 2007).

Regulamentados pelo Art. 34 do Estatuto da Cidade, os CEPACs são alienados em


leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria
operação. Serão livremente comercializados, mas somente conversíveis em direito de
construir na área física instituída por lei complementar, quando da regulamentação da
OUC.

“Na prática, o CEPAC é um papel que, segundo a


divisão setorial da área da OUC, dá direito ao seu
127

possuidor de construir “x” m² no setor A ou “y” m²


no setor B” (FURTADO, 2007. pg. 256).

Diretamente ligada a Projetos Urbanos (ou Grandes Projetos Urbanos), a Operação


Urbana Consorciada constitui um tipo de intervenção urbanística voltada para a
transformação estrutural de um setor da cidade, envolvendo redesenho e transação de
direitos de uso e aproveitamento do solo no setor em questão; caracterizando um
instrumento muito mais voltado para a implementação e gestão do que para o controle
urbano.

Poderão ser previstas como medidas cabíveis às operações urbanas a modificação de


índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, e a
regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com
a legislação vigente; ou seja, institui para área específica um marco regulatório
diferenciado do restante da cidade – possibilitando maior flexibilização e adequação
da legislação.

Cabe ao Plano Diretor Municipal fixar todas as medidas necessárias à instituição das
operações urbanas na cidade; garantir que as contrapartidas obtidas sejam revertidas
para a mesma área, assim como assegurar que a população atingida seja beneficiada
e não prejudicada pelas intervenções.

A experiência brasileira7 deste instrumental indica que as primeiras operações urbanas


consorciadas localizavam-se em áreas onde o mercado imobiliário já declarava grande
interesse, sem preocupação com a redistribuição dos incentivos na promoção de
áreas carentes de infra-estrutura e habitação. Isso levou à argumentação de que a
OUC nada mais seria que um mecanismo de resposta às novas formas de atuação do
capital imobiliário, agindo a favor do aumento do preço de terras e facilitando até
mesmo empreendimentos irregulares. No entanto, essa questão vem sendo superada
através da reestruturação do poder público que, por sua vez, busca solucionar um
problema antigo de falta de recursos para a requalificação de áreas urbanas
(FURTADO, 2007).

7
Como exemplos de Operações Urbanas Consorciadas estão a Operação Urbana Água Branca/SP e a
Operação Urbana Água Espraiada/SP, assim como as operações realizadas nas cidades de Belo
Horizonte, Campo Grande, Mauá, Natal e Santo André (Câmara de Deputados, 2002).
128

3.3. – Diretrizes de política urbana para a reinserção dos vazios


urbanos / JF

A caracterização e particularização dos vazios urbanos na cidade de Juiz de Fora


auxiliam no direcionamento de ações diversificadas para o combate às situações de
vacância instituídas no município. Estas ações estão diretamente ligadas às escolhas
dos instrumentos urbanísticos capazes não só de devolver à dinâmica urbana os
espaços ociosos, mas também de planejar, prover, regular e gerir o espaço da cidade
de forma pontual e específica (Furtado, 2007).

O quadro que se segue oferece uma gama de instrumentos urbanísticos pré-


estabelecidos com uma intenção de sistematização, partindo das diferentes
características dos vazios urbanos observados (empiricamente) na cidade de Juiz de
Fora, e os instrumentos urbanísticos julgados mais adequados para a reversão da
condição de vacância em cada situação particularizada. Resume, de forma objetiva, os
critérios utilizados para o delineamento das possibilidades para a política urbana do
município e estabelece situações onde a concorrência de dois ou mais instrumentos é
necessária na configuração de áreas muito específicas; organizando (possíveis) ações
de planejamento capazes de recuperar a dinâmica urbana e trazer um melhor
aproveitamento da terra.
129

Quadro 05: Quadro resumo das possibilidades urbanísticas e legislativas para a política pública em Juiz de Fora.
Elaboração própria com base nos resultados obtidos em pesquisa empírica. Fonte: TEIXEIRA, 2010.
130

3.3.1. – O vetor Nordeste

Considerado área de expansão e crescimento da cidade, remanescente das antigas


áreas rurais do município, o vetor Nordeste ainda apresenta vazios urbanos como
grandes extensões de terras e, por isso, o melhor instrumento a ser utilizado nesta
área seria o Parcelamento Compulsório, caracterizando a inserção de novos índices
de uso e ocupação do solo, na tentativa de ocupar essa porção do território.

No entanto, este instrumento declara complexidade tanto na implantação quanto na


prática. Incluído no Plano Diretor Municipal (2000), este se limita, apenas, a descrever
seus objetivos e caracterizar seus desdobramentos. Nenhuma lei complementar foi
aprovada para a efetiva implantação deste recurso no município até o término da
presente pesquisa, caracterizando uma ineficiência legislativa inerente.

O instrumento, no caso particular de Juiz de Fora, foi concebido para atuar


cumulativamente sobre o número de lotes ou glebas de um mesmo proprietário; ou
seja, este irá responder financeiramente pela ociosidade de quantos forem os lotes de
sua propriedade que se encontrem em situação de vacância urbana. Isso, sob a
justificativa de inibir ou impedir os mecanismos especulativos decorrentes da
manutenção desses vazios urbanos em áreas de interesse público – social ou de
adensamento (PDDU/JF, 2004). Estão fora dos limites instituídos para aplicação deste
instrumento as AEIAs (Áreas de Especial Interesse Ambiental) e as AEISs (Áreas de
Especial Interesse Social), assim como os lotes com área inferior a 450 m².

Uma alternativa ao não cumprimento do parcelamento compulsório seguido da


cobrança do IPTU Progressivo seria a inclusão do proprietário na dívida ativa do
município, penalizando-o com a perda do imóvel que iria a leilão para o pagamento
das dívidas fiscais. O poder público, dessa forma, encontraria caminho mais viável do
que a implementação desgastante e onerosa da desapropriação. Para tanto, o prazo
para o efetivo parcelamento deve ser estabelecido por lei municipal e, caso o
proprietário não cumpra com suas obrigações, deve ser lançado mão do instrumento
da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e do Direito de Preempção, de
forma complementar, regulatória e com indicativos de alteração de uso (Art. 29 do
Estatuto da Cidade).

O Consórcio Imobiliário pode também ser considerado como alternativa ao proprietário


descapitalizado cujo terreno tenha sido atingido pelo instrumento do Parcelamento
Compulsório, possibilitando maior poder de negociação tanto do poder público, quanto
do proprietário privado.
131

Estabelecendo novos coeficientes de aproveitamento (CAs) para a área, o poder


público pode promover incentivos (fiscais e construtivos) que favoreçam o
parcelamento, a ocupação e a construção efetiva de novos empreendimentos. Para
tanto, o instrumento da OODC deve ser implementado mais como regulador do
mercado de terras do que como incentivador de uma possível densificação construtiva.
O Direito de Preempção garantiria ao poder público certo controle do preço das terras
no mercado imobiliário, dificultando a especulação excessiva e também a reserva de
estoques para a construção futura de novos empreendimentos e equipamentos
urbanos. O Direito de Preempção não foi inserido no quadro dos Instrumentos de
Intervenção urbana do Plano Diretor Municipal (2000), cabendo revisão do Plano e
instituição de lei complementar para sua inserção e regulamentação.

3.3.2. – O vetor Noroeste

Outra grande área considerada de expansão e crescimento do município, o vetor


noroeste caracteriza-se pela presença de grandes e médios lotes vagos e alguns
remanescentes industriais desocupados na atualidade. Diferentemente do vetor
nordeste, a presença de infra-estrutura urbana prioriza para este local instrumental
legislativo diferenciado para a recuperação e ocupação de seus vazios urbanos.

Em uma rápida observação, percebe-se que o instrumento da Edificação Compulsória


não traria grandes mudanças caso fosse aplicado na área e, consequentemente, o
IPTU Progressivo e a Desapropriação. Apesar de infra-estruturado, este vetor
condiciona um corredor de serviços e transportes, ligando o centro da cidade à região
de Benfica (bairro mais afastado da zona norte da cidade), caracterizando ocupação
esparsa e usos bastante específicos.

Uma alternativa interessante para a promoção da reinserção dos vazios urbanos nesta
área seria a instituição de uma Operação Urbana Consorciada aplicada em toda a sua
extensão. Acionada em locais onde a infra-estrutura urbana é ausente ou precária,
este instrumento, além de objetivar a recuperação de grandes áreas degradadas,
através da implantação de projetos urbanos de interesse social ou especial, ainda
possibilita a participação de proprietários, moradores, usuários e investidores privados
em uma iniciativa conjunta com benefícios para a área em questão, mas que podem
ser revertidos para toda a cidade.
132

Para uma melhor eficiência deste instrumental, entende-se a necessidade da


aplicação de outros instrumentos que, utilizados de forma complementar auxiliam a
recuperação e também a ocupação efetiva dos vazios urbanos.

A OODC como ferramenta auxiliar pode, também, propiciar alteração nos índices de
uso e ocupação do solo estabelecido pela legislação vigente. Para tanto, é necessário
que ela seja praticada conforme regulamentação do Art. 29 do Estatuto da Cidade,
que trata especificamente do uso do instrumento através da alteração de uso. No
entanto, a OODC e a OUC são alternativas excludentes quando aplicadas no território
físico da cidade, cabendo ao poder público local identificar qual o melhor instrumento
capaz de produzir os objetivos esperados.

Complementar à OUC encontra-se a Transferência do Direito de Construir e o Direito


de Preempção. Estes terão ação imediata sobre o controle do preço das terras
negociadas, com a finalidade de construir um sistema de informações públicas sobre
as alienações voluntárias, instituir um banco de áreas públicas e controlar o preço dos
terrenos em um planejamento de médio e longo prazo e garantir que as contrapartidas
financeiras advindas das OUCs sejam aplicadas na área especificada. No entanto,
para que todos os instrumentos citados acima sejam incorporados à dinâmica urbana
e à política pública de recuperação dos vazios urbanos é necessário que leis
complementares sejam criadas e regulamentadas. Isso implicaria a revisão do Plano
Diretor Municipal, com a demarcação das respectivas áreas de OUC. Em Juiz de Fora,
o instrumento da Transferência de Potencial Construtivo, por exemplo, foi instituído
pela Lei Municipal 9.327/98, mas restringe-se apenas aos imóveis tombados pelo
patrimônio histórico e artístico municipal (2000). Dessa forma, sua abrangência
territorial limita-se ao centro da cidade, devendo haver modificação na legislação para
que ele possa instituir, também, áreas de adensamento populacional, verticalização
construtiva ou inserção de equipamentos públicos específicos.

O município de Juiz de Fora, através do seu Plano Diretor (2000) também aborda a
Operação Urbana Consorciada como instrumento de intervenção urbana, porém limita-
se a caracterizá-la como um conjunto de intervenções a serem realizadas em prazo
determinado (não especificado), coordenado pelo poder público, mas de proposição
da iniciativa privada e dos cidadãos comuns. Dessa forma, torna-se visível a
despreocupação pública na instituição de áreas específicas com potencial para
grandes intervenções, assim como no entendimento deste instrumento como indutor e
regulador do planejamento urbano. Isso acaba por inviabilizar a prática antes mesmo
da sua instituição, ao passo em que o poder público transfere para a iniciativa privada
133

a responsabilidade das ações, promovendo a atividade da promoção imobiliária como


a grande reguladora do mercado de terras.

3.3.3. – O vetor Sudoeste

Identificado pelo Plano Diretor Municipal (2000) como uma das áreas de crescimento e
expansão da cidade, o vetor sudoeste pouco se desenvolveu dentro do período
temporal abordado por esta pesquisa. Como caracterizado na seção 3.1, a área ainda
apresenta a particularidade de eixo viário articulador, principalmente com o centro da
cidade, e a transformação gradativa de grandes extensões de terra (ainda com
características rurais) na ocupação de grandes empreendimentos comerciais e de
lazer – agências automotivas, grandes atacadistas do ramo alimentício e casas
noturnas.

A recente obra de duplicação viária do trecho compreendido entre o bairro Teixeiras e


a BR-040 resultou, também, em maior qualidade na infra-estrutura urbana e a
confirmação da área com uso predominantemente comercial. Dessa forma, as grandes
extensões de terras vazias, características dessa região, não são reconhecidas –
dentro dos parâmetros estabelecidos por esta pesquisa – como vazios urbanos sociais
que necessitam ser reinseridos na dinâmica urbana. A região em questão continua
sendo caracterizada como área de expansão da cidade, cabendo ao município ações
de planejamento urbano capazes de estabelecer os melhores índices de ocupação do
solo e garantir que o uso da terra não transforme (ao longo dos anos) áreas potenciais
em vazios urbanos sociais. O reconhecimento do vetor como área de expansão do
município e o consequente não estabelecimento de instrumentos urbanísticos
aplicáveis nessa porção do território reconhece, também, uma ocupação recente e
gradativa das áreas vazias em questão.

3.3.4. – O vetor Oeste

Último grande vetor de crescimento e expansão da cidade reconhecido pelo Plano


Diretor Municipal e, também contemplado no Plano Estratégico com um grande projeto
urbano de intervenção viária, a região acompanhou os mesmos processos lentos de
ocupação observados nos demais vetores de crescimento do município. No entanto,
sua conformação física, proximidade relativa com o centro urbano e um conjunto de
ações de iniciativa privada, induziu uma ocupação esparsa e o consequente
134

aparecimento de grandes vazios urbanos – em área de uso predominantemente


residencial unifamiliar.

As características de uso e ocupação do solo observadas na região reportam aos


exemplares de vazios urbanos identificados na atualidade. Podem ser observadas
grandes extensões de terras vazias sem infra-estrutura urbana (corredor da Via São
Pedro) tanto quanto pequenos lotes vagos inseridos na malha urbana já consolidada
(bairros adjacentes). De propriedade particular, ambos caracterizam vazios sociais,
pois se encontram inseridos em uma região de grande e crescente valorização
imobiliária (vide MAPA 01, pg. 91), considerada por esta pesquisa, local de maior
modificação estrutural desde o diagnóstico realizado para o Plano Diretor Municipal
(2000).

Diante deste panorama tão específico, surgem dois instrumentos, julgados mais
adequados, para promover uma efetiva recuperação da área e reinserir na dinâmica
urbana os espaços ociosos: o Parcelamento Compulsório e a Operação Urbana
Consorciada.

Para a recuperação das grandes extensões de terras, de propriedade particular, que


atualmente encontram-se como estoque de reserva do mercado imobiliário, poderia
ser instituído o instrumento do Parcelamento Compulsório. Ele obrigaria o
desmembramento efetivo das inúmeras glebas ociosas, partindo de um ordenamento
pré-estabelecido por lei complementar, no qual a promoção da ocupação unifamiliar
estaria sendo garantida pela instituição de baixas taxas de ocupação e adensamento.
Essa necessidade de restrição de uso se dá, principalmente, pela questão ambiental,
muito presente na área, por configurar entorno imediato da Represa São Pedro –
considerada pelo Plano Diretor Municipal como área de preservação ambiental.

Para normatizar todas essas questões, resguardar a preocupação ambiental e garantir


usos e ocupações bem definidos, a instituição de uma Operação Urbana Consorciada
para a área só vem a somar aos esforços para a reinserção dos vazios urbanos à
dinâmica da cidade, caso o parcelamento compulsório não alcance rapidamente os
objetivos propostos. Além disso, o instrumento estaria promovendo aumento e
melhoramento da infra-estrutura urbana existente, ao mesmo tempo em que
contemplaria os pequenos lotes vagos (também de propriedade particular) dificilmente
atingidos pela ação do parcelamento compulsório. Percebe-se, então, a necessidade
da adoção de um coeficiente de aproveitamento básico restrito para toda a região da
Via São Pedro, a fim de que possam ser mantidas as características de lotes menos
adensados (principalmente junto às áreas de preservação ambiental) dificultando o
135

aumento construtivo e populacional e garantindo a ocupação esparsa – ou até mesmo


inexistente – no entorno imediato (delimitado por lei complementar) dos mananciais
naturais compreendidos na região.

3.3.5. – Áreas Específicas

Eixo Paraibuna

Elemento estruturador da ocupação urbana do município, consagrada posteriormente


com a implantação do “Caminho Novo” e da rede ferroviária, o Rio Paraibuna vem
perdendo seu papel de destaque ao longo dos anos, transformando-se em objeto de
degradação e desintegração física, urbana e sócio-econômica. Elemento reconhecido
tanto pelo Plano Diretor (2000) quanto pelo Plano Estratégico (2001) como área de
grande potencial ambiental e de requalificação urbana através de projetos específicos,
apresenta diferentes situações de vazios urbanos, decorrentes da diferenciação de
uso e ocupação do solo ao longo do extenso trecho que corta (e divide) a cidade.

Além de suas margens e de alguns trechos de áreas non aedificandi, a presença de


pequenos e médios lotes vagos, em grande maioria de propriedade privada,
localizados no entorno próximo ao eixo natural do rio, conformam o panorama dos
vazios urbanos instituídos nesta área específica da cidade. Por se tratar de percurso
longo e amplamente diferenciado em termos de uso, ocupação e adensamento, a área
do Rio Paraibuna favorece a instituição de uma ou mais Operações Urbanas
Consorciadas na tentativa da recuperação de seus vazios urbanos à dinâmica da
cidade, reestruturando viária e infra-estruturalmente as duas margens do rio (onde
possível), requalificando ambientalmente toda a sua extensão e promovendo situações
reais para a execução dos mais variados projetos de recuperação para a área,
contemplados tanto no Plano Diretor quanto no Plano Estratégico do município.

Este instrumento urbanístico (OUC) deve ser respaldado com a criação de


contrapartidas financeiras que, revertidas para a mesma área de implementação,
garantam os recursos necessários à realização de obras e projetos. Essas
contrapartidas podem ser estabelecidas tanto como valor financeiro a ser revertido aos
cofres públicos em fundo específico quanto em títulos a serem negociados com os
proprietários privados, ambos aplicáveis na mesma área de inserção da OUC. Para
garantir que áreas com interesses específicos (sociais, ambientais ou urbanos) sejam
136

resguardadas, pode-se lançar mão do Direito de Preempção como instrumento


controlador do poder público sobre o preço da terra e da manutenção das áreas de
Especial Interesse Ambiental, garantindo assim, que os vazios urbanos existentes
sejam efetivamente ocupados de forma restritiva, valorizando, recuperando e
garantindo a legitimidade do manancial natural.

Cabe lembrar a necessidade de elaboração de lei complementar que delimite,


fisicamente, áreas para a inserção de ambos os instrumentos, promovendo, ou não, o
uso conjunto e complementar entre eles.

Av. Independência

Identificada como um dos corredores viários mais importantes da cidade, a Av.


Independência apresenta vazios urbanos de pequeno e médio porte, caracterizados
como lotes vagos, de propriedade privada, inseridos em meio urbano infra-estruturado,
com elevadas taxas de ocupação e densidade – populacional e construtiva.

Após configurar panorama tão específico e analisar o instrumental urbanístico


disponível, conclui-se que, para a recuperação dos vazios urbanos desta área
específica cabem os instrumentos da Edificação Compulsória, IPTU Progressivo e
Desapropriação, instituídos pelo Art. 182 constitucional – acionados de forma
sucessiva e complementar. No entanto, algumas questões precisam ser revistas para
que a implementação deste instrumental seja efetivamente consolidada.

Seria necessária uma revisão nas regras de parcelamento e edificação, tornando mais
rígidos seus objetivos e atribuições. A instituição de coeficientes básicos para a área,
objetivando o pagamento pela concessão do direito de construção e a consequente
possibilidade de transferência deste potencial construtivo, promoveria maiores
possibilidades àqueles proprietários que não se encontram em condições (jurídicas ou
financeiras) de edificar seu lote. Todas essas ações, no entanto, estariam diretamente
ligadas à atualização da planta cadastral e de valores do município, possibilitando
aumento nos valores unitários e dificultando a morosidade na implementação de todo
o processo.

Outra alternativa (complementar) seria o estabelecimento de alíquotas mais altas para


os terrenos que se encontram vagos ou subutilizados, situação já instituída pela
prefeitura local. A tabela a seguir traz informações oficiais para a cobrança do IPTU no
137

município, classificando o tipo e a alíquota referenciada pelo valor venal8 do imóvel, já


para o exercício de 2010.

Quadro 06: Tabela referente às alíquotas discriminadas para a cobrança do IPTU em Juiz de Fora no ano de 2010.
Fonte: www.pjf.mg.gov.br/sf/iptu2010/Informacoes.pdf. Acesso em 06.03.2010.

Considerando que a centralidade é um dos fatores mais importantes para a


valorização de um imóvel ou terreno, pode-se concluir que as alíquotas referentes à
cobrança de IPTU para os lotes vagos na área central do município gira em torno de
2,0% a 3,0%. Esse valor equivaleria, aproximadamente, ao dobro da alíquota cobrada
para imóveis edificados e inseridos na mesma área física já infra-estruturada. Solução
equivalente foi adotada pela prefeitura de Niterói/RJ, quando o percentual exigido para
a cobrança de IPTU teve sua alíquota duplicada nos casos de lotes vagos, neste caso
com o objetivo principal de ocupação e adensamento populacional.

Essa diferença de alíquotas para imóveis edificados e lotes vagos (independente de


sua localização na malha urbana) já é um procedimento consolidado pelo poder
público municipal há várias gestões. No entanto, a permanência do estado de
vacância dos lotes vagos e subutilizados (principalmente) na área central reporta ao
questionamento de se a diferença de alíquotas instituída, por si só, é suficiente para
induzir a ocupação dessas áreas. Mais uma justificativa para a utilização dos
instrumentos de forma complementar e sucessiva, almejando que o processo não

8
Para os efeitos desta pesquisa, o valor venal é obtido pela soma de valores do terreno e da edificação x
fator de comercialização (estabelecido através de uma planta de valores) x fator de posição (exclusivo
para lojas), segundo dados da Secretaria da Fazenda da cidade de Juiz de Fora. Para os cálculos do
valor do terreno ou edificação são consideradas condicionantes físicas, topográficas, de uso e ocupação
do solo (zoneamento), tempo de construção, condições de manutenção, entre outras.
138

chegue às vias da desapropriação, onerando para o poder público a resolução do


estado de vacância dos vazios urbanos deste corredor de tráfego e comércio,
objetivando a ocupação e o adensamento efetivos.

Unidade Centro

Com características físicas, históricas e estruturais marcantes e com a presença de


grande concentração e diversidade de vazios urbanos em local infra-estruturado e
altamente valorizado, esta área tornou-se objeto principal de uma maior aproximação
sobre a questão da situação de vacância no município de Juiz de Fora e a
consequente recuperação dessas áreas à dinâmica urbana.

Identificados quanto ao tamanho físico, parâmetros conceituais (projetuais, estruturais,


conjunturais), questões de propriedade e relações estabelecidas com o entorno
imediato, pode-se caracterizar os vazios urbanos da Unidade Centro como lotes vagos
(pequeno, médio e grande porte), subutilizados (pequeno e médio porte) ou
esvaziados (pequeno e grande porte). A caracterização destes vazios quanto à
propriedade da terra torna-se ponto fundamental na escolha dos instrumentos
urbanísticos a serem aplicados para a reintegração dessas áreas na dinâmica da
cidade.

Partindo do reconhecimento dos vazios urbanos, instituído pela seção 3.1 através da
caracterização do panorama vacante da área em questão, são estabelecidos alguns
instrumentos de recuperação e indução da dinâmica urbana específicos para cada
situação.

Para os lotes vagos ou subutilizados, de propriedade privada e considerados de médio


e grande porte, ou seja, passíveis de serem reinseridos no mercado de terras através
da legislação vigente, institui-se o Parcelamento e Edificação Compulsórios seguidos
do IPTU Progressivo e da Desapropriação-Sanção. Utilizados sobre os mesmos
parâmetros estabelecidos para o corredor viário da Av. Independência, este conjunto
de instrumentos constitucionais deve ser aplicado de maneira objetiva e pontual, como
primeira alternativa à modificação da situação de vacância observada.

Nos casos em que os vazios urbanos se apresentam com dimensões diminutas,


impedindo que sejam facilmente reinseridos no mercado de terras (sejam eles lotes
vagos ou subutilizados de propriedade privada) a instituição de coeficiente básico e da
Transferência do Direito de Construir (TDC) configuram a melhor alternativa
139

instrumental para a recuperação e requalificação de vazios, também pontuais, pelo


poder público local. A situação ideal se configuraria com a instituição de coeficiente de
aproveitamento igual a 1 para a área compreendida como triângulo central
(identificada e demarcada no MAPA 07, pg. 108). Para a aplicação da TDC, se faz
necessário quantificar o montante de m² excedente e o montante de m² receptor para
viabilizar parâmetros de correspondência entre o potencial construtivo e o valor de
mercado – que se faz diferente para cada lote, mesmo estando em uma área física
delimitada como central.

Esta conformação gera a possibilidade de utilização de outro instrumento, a Operação


Urbana Consorciada (OUC). Utilizado na área central de maneira bastante específica,
este instrumento torna-se capaz de promover não só a reinserção dos vazios urbanos
caracterizados como os mais perversos do município, mas também a requalificação da
área como um todo, fixando que as contrapartidas financeiras sejam aplicadas na
mesma área, conforme estabelecido pelo Estatuto da Cidade, promovendo
melhoramento na infra-estrutura existente e a possibilidade de inserção de
equipamentos urbanos e de lazer. No entanto, para que isso ocorra efetivamente, faz-
se necessário que o poder público local desenvolva – antes mesmo da preocupação
com a recuperação dos vazios urbanos – um Projeto Urbano de recuperação da área,
levando em consideração todas as especificidades que o centro da cidade congrega,
objetivando ocupação e adensamento do perímetro especificado, mas com
consequências sentidas por toda a área central.

Apesar da grande variedade de instrumentos urbanísticos aplicáveis na área do


triângulo central, é preciso levar em consideração a particularidade de cada um deles
e suas possíveis incompatibilidades legais, jurídicas e políticas se utilizados de forma
sobreposta.

Após esta breve análise das características dos vazios urbanos e do potencial do
instrumental urbanístico no município de Juiz de Fora, algumas medidas podem ser
instituídas de forma complementar, objetivando maior facilidade de reinserção das
áreas ociosas na dinâmica urbana, através da compreensão do território municipal na
sua esfera física, política, econômica e social e em um panorama de médio e longo
prazo.

A instituição da OODC em todas as áreas urbanas da cidade proporcionaria a


manutenção de recursos financeiros necessários à realização de obras públicas e de
infra-estrutura urbana nas áreas de urbanização precária. No entanto, deve ser
instituído comitê específico para estabelecer os percentuais a serem cobrados e
140

garantir transparência na administração e redistribuição destes fundos. O


estabelecimento de um coeficiente de aproveitamento único para todo o território
urbano deve excluir as áreas atingidas pelas Operações Urbanas Consorciadas, nas
quais o poder público local deve estabelecer critérios e parâmetros condizentes com
os objetivos de cada área em operação de reestruturação. Além disso, o poder público
municipal deve instituir regras de parcelamento mais rígidas para que a promoção
imobiliária não obtenha os maiores lucros com empreendimentos que conferem ao
poder municipal contrapartidas insignificantes, quando existentes. Isso parte do
principio básico de que uma atualização da planta cadastral e de valores dos imóveis e
dos lotes urbanos torna-se imprescindível diante de qualquer iniciativa do poder
público de garantir a real função da cidade e da propriedade urbana.

O exposto apresentado nessa seção não tem a pretensão de ditar regras ao


planejamento urbano do município; ao contrário, tenta entender através da
conformação de um elemento urbano (presente na grande maioria das cidades
brasileiras de médio e grande porte) situações e ações de gestão e de planejamento
urbano capazes de estabelecer e manter a dinâmica da cidade, incondicional para a
promoção de diretrizes de política pública voltadas à promoção da boa utilização da
terra e da propriedade urbana.

Reconhece o papel fundamental e a necessidade iminente da elaboração de um


Projeto de Cidade que estruture todas as iniciativas de planejamento e gestão urbana
apresentadas neste capítulo, respaldando, inclusive, a leitura da cidade desenvolvida
como base para a escolha do instrumental urbanístico, diversificado e específico para
cada área de planejamento. Passo incondicional para a viabilização do planejamento
da cidade como um todo, partindo da leitura e do reconhecimento de suas partes, tão
distintas e tão cheias de especificidades, visando um planejamento estruturador e
estratégico, não somente paliativo.
141

CONCLUSÃO

Objeto integrante do quadro urbanístico contemporâneo, o entendimento do vazio


urbano sofreu grandes alterações ao longo do processo de crescimento e expansão
das cidades brasileiras. Deixou de significar espaços verdes, áreas livres para a
conformação do crescimento e expansão das cidades, para ser diretamente associado
ao processo de esvaziamento – característico das dimensões econômicas e sociais,
agregadas ao sentimento de espaço desocupado.

Configurando, dessa forma, terrenos economicamente ineficientes, socialmente


injustos e incompatíveis com as necessidades de terra para atender as demandas
sociais (Furtado e Oliveira, 2002), os vazios urbanos passam a ser entendidos como
um problema, resultado das transformações sofridas e produzidas pelas cidades,
almejando ações diretas e eficientes para a reversão da situação de vacância
instalada. Dentro dessa ótica foram sistematizadas algumas classificações desses
espaços na tentativa de confirmação da hipótese norteadora desta pesquisa, que
passa pela necessidade de identificação das particularidades de cada vazio urbano
para a inserção de instrumentos urbanísticos capazes de devolvê-los à dinâmica
urbana.

Identificados como o resultado das ações e transformações históricas sofridas pelas


cidades ao longo dos tempos e caracterizados como produtos do meio (projetuais,
estruturais e conjunturais), eles puderam ser diferenciados através da sua localização
na malha urbana, sua dimensão física, propriedade e tempo de vacância. No entanto,
reconhecidos como problema social, os vazios assumem, nas mais diversas esferas,
intenções de planejamento capazes de identificar problemas urbanos originados ou
aumentados através da manutenção destes, desfavorecendo a coletividade e a
produção da real função da propriedade urbana.

O entendimento dos vazios urbanos passando de problema à oportunidade


possibilitou, ainda, a criação de uma nova cidade, a partir das transformações nas
estruturas produtivas e de um emergente sistema urbano estruturado em redes. Este
foi capaz de transformar cidades inteiras em pontos nodais, onde terrenos livres e
infra-estruturados, mão-de-obra especializada, ações pontuais e de planejamento
(estratégico) foram vistos como oportunidades à configuração de um pensamento
único, onde o projeto e o planejamento urbano instituíram alternativa eficaz à situação
de vacância.
142

Esta análise (global) propiciou a estruturação de um quadro teórico-conceitual-


metodológico que buscou entender, conceitualmente, os vazios urbanos para
possibilitar a indicação de diretrizes de intervenção para a resolução dos problemas
acarretados por eles em uma escala local – o município de Juiz de Fora. Foi
estabelecida uma classificação orientadora para as futuras ações de intervenção,
embasadas nas questões pertinentes ao processo de formação dos vazios, seu
preenchimento ou a manutenção do seu estado de “esvaziamento”, almejando a
reinserção destes elementos na dinâmica urbana.

No entanto, o mundo globalizado, ao não reconhecer importância na identificação e na


formação histórica dos vazios urbanos acabou por responsabilizar o projeto e o
planejamento urbano (reconhecidos como alternativa eficiente) pela produção de
novos exemplares de vazios. Utilizados como ações práticas de intervenções
generalizadas, tanto o projeto quanto o planejamento urbano contribuíram para o
aparecimento de novas áreas ociosas nas cidades, resultado de intervenções mal
sucedidas e iniciativas frustradas na obtenção de novas articulações na malha urbana.

“... alguns exageros e omissões cometidos nas


últimas décadas no campo das práticas e das
intervenções urbanísticas contribuíram, ao
contrário do que se poderia supor, para a
formação de novos vazios urbanos ...” (BORDE,
2006. pg. 57).

No entanto, entender que os vazios urbanos são partes integrantes de um sistema


consolidado e passível de constantes transformações, que atuar sobre eles não
significa reconstituir o que já não existe mais e nem construir o novo de maneira
desarticulada do já existente, foi de fundamental importância para a proposta de
incorporação das reativações das áreas ociosas de forma flexível e articulada;
considerando inclusive as questões relativas à política pública desenvolvida nas
cidades brasileiras, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.

Diretamente relacionados à problemática habitacional, os vazios urbanos entraram


para o rol das discussões políticas em 1976 com a publicação do informativo Hábitat I
(em Vancouver). No âmbito brasileiro, nesta mesma época, a questão ganhou
discussão com caráter social através da publicação de vários artigos e na elaboração
de diversos seminários que esboçavam a preocupação crescente com os problemas
urbanos e sociais surgidos tanto do aparecimento quanto da manutenção intencional
de áreas vazias em locais com infra-estrutura urbana consolidada.
143

A especulação imobiliária surgia como grande tema articulador desta problemática, a


qual ganha respaldo constitucional com o capítulo de política urbana, da Constituição
Federal de 1988, através dos Arts. 182 e 183, que reconheciam a presença de lotes
vagos, subutilizados ou esvaziados em área infra-estruturada e indicavam
(preliminarmente) instrumentos urbanísticos para a regulação do direito de construir,
do uso e ocupação do solo e da valorização imobiliária. Dessa forma, era esperado
que tais iniciativas contribuíssem para o controle do Estado sobre a produção do
espaço urbano, somando-se aos esforços da construção de um sistema capitalista
altamente industrializado, porém socializante.

Ao reativar esses lotes e construções vacantes, entendidos dentro de um contexto


cultural de transformações permanentes, buscava-se a reversão do significado
negativo a eles associado; minimizando as desigualdades sociais e espaciais e
contribuindo para a construção uma nova sociedade urbana.

Neste contexto, a Lei nº 10.257 – Estatuto da Cidade (2001) reafirma o solo urbano
como bem coletivo e prioriza a função social da propriedade em detrimento do
exercício privado. Estabelece novo marco regulatório, com maior diversidade de
instrumentos urbanísticos capazes de dinamizar o uso social das funções do território
urbano, dando ao poder público municipal maior controle das ações de indução e
regulação das transformações espaciais.

Neste momento, o reconhecimento dos vazios urbanos como questão social


diretamente relacionada às políticas públicas de regulação do território, levou à
aplicação do quadro metodológico instituído como ferramental conceitual no âmbito do
município de Juiz de Fora. Objetivando confirmar a classificação existente (escala
global) e reconhecer quais instrumentos urbanísticos seriam capazes de realmente
promover a reestruturação física do solo urbano em um panorama de cidade média
brasileira (escala local), sistematizou-se um quadro resumo com indicativos de ações
de políticas públicas direcionadas à recuperação dos vazios urbanos e à consequente
promoção da função social da propriedade urbana, diretamente vinculada às
características físicas, históricas e estruturais dos vazios urbanos encontrados no
município.

Tal sistematização confirma a necessidade de particularização das diversas situações


encontradas para a promoção de ações de planejamento urbano, conceituadas e
direcionadas à modificação da estrutura e da dinâmica urbana em determinadas áreas
do tecido urbano – consolidado ou em expansão. No entanto, não pretende criar um
manual rígido para a resolução dos problemas urbanos em detrimento da má
144

utilização do solo. Pelo contrário, almeja o entendimento da necessidade primordial de


ações conjuntas entre o poder público e a iniciativa privada na promoção de objetivos
claros e definidos, dentro de um planejamento urbano (seja tradicional ou estratégico),
sem esquecer jamais que a cidade é configurada pelos mais diversos atores, que por
sua vez, acompanham as iniciativas globais de reconhecimento e construção de uma
unidade urbana mais plural.

A elaboração e explicitação de um “Projeto de Cidade” torna-se condição primeira para


a reestruturação das ações governamentais no município de Juiz de Fora, criando
condições para o desenvolvimento de um planejamento macro, que vise à dinâmica da
cidade através de iniciativas estratégicas, dinamizando o crescimento, a expansão, a
ocupação e a ordenação do solo urbano de maneira favorável a efetivar a real função
da propriedade urbana, que se dá, também, através da recuperação dos vazios
urbanos identificados.

Essa leitura do território municipal, feita a partir de observação empírica para a


identificação e o levantamento dos vazios urbanos serviu de base para um
entendimento global da situação de vacância instituída na cidade, sem criar condições
de classificação ou hierarquização dos pontos mais problemáticos nas áreas de vazios
urbanos encontrados, independente da sua localização na malha urbana. Entende-se
que tal iniciativa deva ser explicitada e servir de base para um entendimento a médio e
longo prazo das intervenções propostas, no qual o projeto e o planejamento urbano
sejam ferramentas de um desenvolvimento macro e articulado, e não apenas paliativo
com intervenções estritamente pontuais.

Esta dissertação objetivou, principalmente, que o entendimento dos vazios urbanos no


município mineiro e o seu reconhecimento particular, como alvo de ações de projeto e
planejamento urbanos, podem ser transformados em iniciativas propositivas de uma
dinâmica urbana baseada na coletividade. Apesar de analisar de modo aprofundado
as características físicas e conceituais, assim como as diversas possibilidades
legislativas para a reinserção dos vazios urbanos do município de Juiz de Fora, não
esgota intenções e ações do planejamento urbano; pelo contrário, promove uma
discussão sobre a gestão da cidade e dá indicativos para a construção de uma política
pública voltada à promoção da justa utilização da terra urbana. Objetivo almejado por
muitos e alcançado por poucos, ainda.

Deixa claro que questionamentos como: A que nos remete a idéia de vazio? Espaço
desocupado? Lugar do indefinido? Uma negação? Uma impermanência? Uma
descontinuidade dos processos de formação e transformação das cidades? São
145

indagações que se fazem necessárias na busca constante das melhores iniciativas de


intervenção, havendo sempre lugar para as novas classificações e entendimentos
advindos da multiplicidade que é a dinâmica urbana.

Talvez a única afirmação cabível até o momento seja a de que os vazios urbanos são,
na sua maior essência, uma efemeridade das cidades modernas, assim como um dos
produtos do homem contemporâneo. Objeto a ser analisado, discutido, caracterizado e
combatido, os vazios urbanos alcançam uma dimensão sócio-econômica-espacial que
precisa ser entendida na sua particularidade, almejando ações diretas na tentativa de
reversão do quadro de degradação que se forma. Trabalho árduo, mas estritamente
necessário.
146

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