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FACULDADE MERIDIONAL
PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E
URBANISMO

MESTRADO EM PROJETO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Ocupações Urbanas em cidades de Médio Porte

Denise de Azeredo Moreira

Orientador: Prof. Dr. Henrique Kujawa

Co-orientador: Prof. Dr. Alcindo Neckel

Passo Fundo

2018
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Denise de Azeredo Moreira

Ocupações Urbanas em cidades de Médio Porte

Dissertação apresentada à Faculdade Meridional - IMED, como parte das exigências


do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Linha I - Morfologia,
usos e apropriações das edificações e dos espaços construídos, para obtenção do
título de mestre.
.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Kujawa

Co-Orientador: Prof. Dr. Alcindo Neckel

Passo Fundo

2018
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CIP – Catalogação na Publicação

M838o MOREIRA, Denise de Azeredo


Ocupações urbanas em cidades de Médio Porte / Denise de Azeredo
Moreira. – 2019.

131 f., il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade


IMED, Passo Fundo, 2019.
Orientador: Prof. Dr. Henrique Kujawa.
Coorientador: Prof. Dr. Alcindo Neckel.

1. Direito da cidade. 2. Ocupação urbana. 3. Planejamento urbano. I.


Kujawa, Henrique, orientador. II. Neckel, Alcindo, cooriendador. III. Título.

CDU: 711.4

Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857


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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a minha família em especial ao meus pais Marlusa e


Reginadaldo e irmão Reginaldo, por financiar e me apoiar nas minhas decisões
acadêmicas e de futuro. Também agradeço a todos os outros familiares que
diretamente ou indiretamente buscaram me apoiar e incentivar durante esses 2
anos.

Eu dedico a minha gradidão aos meus professores orientadores Henrique


Kujawa e Alcindo Neckel por terem aceito trabalhar com um tema de vunerabilidade
social, e, portanto, complexo. Agradeço por serem a minha inspiração para me
tornar pesquisadora, além de serem exemplos a ser seguidos devido a ética e
forma de trabalho, quando eu crescer quero ser como vocês.

Quero agradecer em especial as pessoas que suportaram crises psicológicas


durante esse período: Kleyton, Christiane e Mateues. Muito obrigado, meus amigos
por estarem comigo, vocês são parte importante desse processo, e também na
minha vida. E a todos os outros amigos que estiveram presentes nesse período.

Agradeço a Ocupação Chácara Bela Vista por ter me autorizado a


compreender a dimâmica de trabalho, e de constituição de uma ocupação urbana.
E também por conhecer uma realidade que muitas vezes passa despercebida pela
sociedade em geral.

Ao fim dessa pesquisa eu posso com certeza afirmar que houve um grande
crescimento pessoal, e eu não tenho palavras para agradecer a todos que fizeram
parte desse processo comigo. Obrigada.
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RESUMO

O desenvolvimento urbano está vinculado diretamente ao crescimento


econômico, à preservação do meio ambiente original e aos investimentos em
políticas púbicas capazes de diminuir a desigualdade social. Porém, o modelo de
cidade no contexto da globalização capitalista viabiliza a concentração de renda,
especulação imobiliária e segregação social. As condições de informalidade e o
baixo nível de renda, o déficit habitacional e a fragilidade das políticas públicas que
afetam um grande contingente da população das cidades, além de pressionar para
o surgimento de bairros informais de baixa-renda, também contribuem para a criação
de espaços periféricos e de ocupações irregulares, com pouca infraestrutura,
renegando o direito à cidade. O trabalho apresenta o processo de surgimento,
formação e transformação da ocupação Chácara Bela Vista, na cidade de Passo
Fundo/RS. Para tanto, foi estudado o déficit habitacional, que em alguns casos é
sanado com a construção de estruturas urbanas irregulares, que vem se formando
nas cidades atualmente. Metodologicamente, utiliza-se como revisão bibliográfica o
geoprocessamento, a fim de identificar a área de estudo; aplicação de questionários
para a identificação e a caracterização dos moradores; entrevistas semiestruturadas,
com o intuito de compreender as relações sociais e políticas dos movimentos
envolvidos; e a observação in loco, para compreender a dinâmica do movimento.
Entende-se que as ocupações urbanas estão vinculadas ao déficit habitacional e à
constituição de vazios urbanos ao mesmo tempo, produzindo relações políticas,
sociais e culturais.

Palavras-chave: Direito à Cidade, Movimento pela Moradia, Ocupação


Urbana, Projeto Urbano Irregular.
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ABSTRACT

Urban development is directly linked to economic growth, preservation of the


original environment and investments in public policies capable of reducing social
inequality. However, the city in the context of capitalist globalization promotes
concentration of income, real estate speculation and social segregation. The
conditions of informality and the low level of income, the housing deficit and the
fragility of the public policies that affect a great contingent of the population of the
cities, besides pressing for the emergence of informal low-income neighborhoods,
also create peripheral spaces and irregular occupations with little infrastructure,
denying the right to the city. The following research intends to understand the
structuring of an urban occupation, focusing on the case study of the Bela Vista
occupation, located at Princesa Isabel Street, São Luiz Gonzaga Quarter, in the city
of Passo Fundo / RS-Brasil. To do so, we sought to reflect on the housing deficit,
which in some cases is remedied by the construction of irregular urban structures,
which has been forming in the cities today. Methodologically, geoprocessing was
used as bibliographical review to identify the study area; questionnaires for the
identification and characterization of the residents; semi-structured interviews with
the aim of understanding the social and political relations of the movements involved;
and on-site observation to understand the dynamics of movement. By means of the
partial results, it is understood that urban occupations are linked to the housing deficit
and to the constitution of urban voids at the same time, producing political, social and
cultural relations.

Key words: Urban Occupation, Movement for Housing, Irregular Urban Design,
Right to the City.
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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Organograma representando os passos metodológicos da


pesquisa. ................................................................................................................... 23
Figura 2: Localização da cidade de Passo Fundo – Rio Grande do Sul –
Brasil. ........................................................................................................................ 59
Figura 3: Localização da Ocupação Bela Vista – Passo Fundo. ................... 60
Figura 4: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano
de 2000. .................................................................................................................... 62
Figura 5: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano
de 2014. .................................................................................................................... 63
Figura 6: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano
de 2017. .................................................................................................................... 65
Figura 7: Mapa comparativ do adensamento da fração do bairro São Luiz
Gonzaga, anos de 2000, 2014 e 2017. ..................................................................... 66
Figura 8: Mapa da área com processo de retomada de posse na OCBV. ..... 67
Figura 9: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano
de 2014, 2015 e 2017. .............................................................................................. 68
Figura 10: Mapa da divisão de vias e lotes da OCBV. ................................... 70
Figura 11: Imagens internas das vias da OCBV. ........................................... 71
Figura 12: Mapa da distribuição das edificações da OCBV. .......................... 73
Figura 13: Imagem das habitações da OCBV. ............................................... 74
Figura 14: Planta Baixa da tipologia 1 das habitações. ................................. 75
Figura 15: Planta Baixa da tipologia 2 das habitações 2 dormitórios. ............ 75
Figura 16: Planta Baixa da tipologia 2 das habitações 3 dormitórios. ............ 76
Figura 17: Imagens da aplicação das placas térmicas efetuadas pelo
programa Brasil Sem Frestas. ................................................................................... 77
Figura 18: Gráficos sobre os chefes de família, idade média, e número de
filhos. ......................................................................................................................... 79
Figura 19: Gráficos sobre os motivos pelo qual levam as pessoas a irem
morar em uma ocupação........................................................................................... 79
Figura 20: Gráficos sobre a caracterização dos moradores. .......................... 80
Figura 21: Gráficos sobre a caracterização financeira dos moradores. ......... 82
9

Figura 22: Gráficos sobre a caracterização das unidades habitacionais. ...... 83


Figura 23: Gráfico expectativa de permanência na área da Ocupação. ........ 84
Figura 24: Nuvem de Palavras: contexto de constituição das Ocupações
Urbanas. .................................................................................................................... 93
Figura 25: Nuvem de Palavras: Direito à Moradia. ........................................ 98
Figura 26: Nuvem de Palavras: Ações desempenhadas das lideranças e
coordenações. ......................................................................................................... 104
Figura 27: Nuvem de Palavras: Vínculos desenvolvidos. ............................ 109
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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Produções públicas em Passo Fundo Anteriores ao ano de 2000. ....... 55


Quadro 2: Programas habitacionais concluídos em Passo Fundo anos 2002 a 2018.
.................................................................................................................................. 55
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LISTA DE ABREVIAÇÕES

APP - Áreas de Preservação Permanente;


BNH - Banco Nacional da Habitação;
CDH - Comissão de Direitos Humanos;
CDHPF - Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo;
CPC - Circuitos populares de Cultura;
CPT - Comissão Pastoral da Terra;
CRI - Cartório de Registro de Imóveis;
ECDHPF1 – Entrevistado Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo 1;
EL1 – Entrevistado da Liderança 1;
EL2 – Entrevistado da Liderança 2;
EMNLM1 - Entrevistado do Movimento Nacional de Luta pela Moradia 1;
EMNLM2 - Entrevistado do Movimento Nacional de Luta pela Moradia 2;
FCP - Fundo da Casa Popular;
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
FLM - Frente de Luta por Moradia;
FNHS - Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social;
IAP - Instituto de Aposentadoria e Pensão;
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
LGBT - Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais;
LMD - Movimento Nacional de Luta pela Moradia Digna;
MASTER - Movimento dos Agricultores sem Terra;
MEB - Movimento de Educação de Base;
MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia;
MTST - Movimento de Trabalhadores sem Terra;
OCBV - Ocupação Chácara Bela Vista;
ONG – Organização Não Governamental;
ONU - Organização das Nações Unidas;
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OVA - Ocupação Vista Alegre;


PAC - Programa de Aceleração do Crescimento;
PAR - Programa de Arrendamento Residencial;
PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida;
PMPF – Prefeitura Municipal de Passo Fundo;
PSH – Programa De Subsidio a Habitação de Interesse Social;
SAC – Sociedade de Amigos da Cidade;
SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo;
SFH – Sistema de Financiamento de Habitacional;
SHAB – Secretaria de Habitação;
SIG - Sistema de informação de gestão;
SNHI – Sistema nacional de Habitação de Interesse Social;
ULC - Unificação das Lutas de Cortiços;
UMM - União dos Movimentos de Moradia;
UNE – União Nacional dos Estudantes;
UNMP – união Nacional por Moradia Popular;
ZEIS – Zona Especial de Interesse Social.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14
METODOLOGIA 22
CAPÍTULO I – CIDADE PARA POUCOS: QUESTÃO URBANA E
AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS 28
1.1 URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA E DIREITO À
CIDADE 29
1.2 SISTEMAS DE HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL 33
1.3 MOVIMENTOS SOCIAIS: A BUSCA PELO DIREITO DA
TERRA 40
1.4 O POVO PRECISA MORAR: ALTERNATIVAS
POPULARES DE MORADIA NO BRASIL 46
1.5 CARACTERÍSTICAS DO DÉFICIT HABITACIONAL DA
CIDADE DE PASSO FUNDO. 51
CAPÍTULO II - SURGIMENTO DE UMA OCUPAÇÃO URBANA:
CASO OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA 58
2.1 CONSTITUIÇÃO DO VAZIO URBANO: OCUPAÇÃO
CHÁCARA BELA VISTA 59
2.3 CONFIGURAÇÃO SOCIAL: CARACTERIZAÇÃO DOS
MORADORES DA OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA 78
CAPÍTULO III. EXTRUTURAS SOCIAIS QUE COMPÕEM UMA
OCUPAÇÃO URBANA: CASO OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA 86
3.1 O CONTEXTO DA LUTA 87
3.2 A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO À MORADIA 94
3.3 ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO 99
3.4 RELAÇÕES ENTRE AS LUTAS 105
IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS 111
V. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 117
VII.ANEXOS 124
7.1 ANEXO A - QUESTIONÁRIO DE PERFIL
SOCIOECONÔMICO 124
7.2 ANEXO B – ROTEIRO PARA ENTREVISTAS COM
REPRESENTANTES DOS MOVIMENTOS QUE ATUAM NA
OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA 127
7.3 ANEXO C - ROTEIRO PARA ENTREVISTAS COM
REPRESENTANTES DA OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA 128
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I. INTRODUÇÃO

Dentre os estudos acerca do urbanismo contemporâneo, destacam-se aqueles


que se têm ocupado do processo de transformação do espaço em relação ao caráter
e ao desenvolvimento das cidades. As modificações no espaço urbano podem
influenciar de maneira direta a configuração das cidades, possibilitando alterações
em diversas áreas: no trabalho e na produção, podendo proporcionar a automação
no campo e na indústria (PEREIRA, 2004).

Nesse sentido, a cidade torna-se o fator primordial para estudo relacionado ao


urbanismo e qualifica-se como um conjunto de pessoas e de construções num
determinado espaço territorial. A formação das cidades, ocorre quando o local,
dentre outras coisas, oferece serviços diferenciados que possam favorecer a
habitação para a população (HARVEY, 2014).

A ideia de cidade concentra-se acerca como uma divisão administrativa


autônoma dentro de um Estado, caracterizando-se pelo local de concentração de
habitantes. Assim, os municípios necessitam dispor de uma sede administrativa (a
cidade), que possa definir e garantir o estabelecimento de ações voltadas, de
maneira igualitária para a população residente (HARVEY, 2014).

A configuração da cidade está frequentemente ligada à urbanização de um


local. Lefbevre (2013) entende que a urbanização está ligada ao aumento da
tecnologia disponível. Demograficamente, o termo significa a redistribuição da
população das zonas rurais para zonas urbanas, mas também pode indicar a ação
de criar uma área com infraestrutura e equipamentos urbanos, como água potável,
esgoto, gás, eletricidade e serviços urbanos – transporte, educação, saúde
(LEFBEVRE, 2013).

Diante desse contexto, as cidades, pela necessidade e em razão do aumento


demográfico, passaram por diversas transformações ao longo dos anos. Segundo
Maricato (2003), a maior parte da população brasileira encontrava-se nas zonas
rurais, onde a economia estava centrada em atividades agrícolas, até a metade do
século XX, quando se inicia a intensificação do êxodo rural. O aumento das
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atividades industriais nas áreas urbanas contribuiu para que parte das pessoas que
moravam em áreas destinadas para a agricultura migrassem para os centros
urbanos em busca de emprego (MARICATO, 2003).

Outro fator que impulsionou o êxodo rural foi a valorização de produtos


agrícolas destinados à importação em longa escala (MARICATO, 2003). Conforme
Maricato (2003), isso possibilitou o comércio de terra com o objetivo de aumentar as
áreas agricultáveis, com o uso da mecanização, produzido pelo setor industrial.

O aumento do número de pessoas que vivem nas cidades, seguido pelo


desenvolvimento do meio urbano, não se deve somente à deficiência da pequena
propriedade agrícola (DAVIS, 2016). Esse fenômeno, segundo Davis (2016), possui
diferentes motivadores: as secas, a industrialização, a globalização, as guerras, a
busca de melhores empregos, a saúde, as políticas públicas.

Entretanto, Davis (2016) aponta que o planeta Terra será todo urbanizado,
tendo, assim, a maioria de seu espaço tomado por moradias urbanas e não mais
rurais, como em gerações anteriores. Um dos efeitos da urbanização é a formação
das megacidades, cuja proliferação pelo mundo tem dois fatores principais: a intensa
urbanização e a acelerada metropolização, ou seja, a concentração das populações
urbanas nas grandes metrópoles de seus países (DAVIS, 2016).

Algumas dessas megacidades estão localizadas em países subdesenvolvidos,


como, por exemplo, Tóquio, no Japão, com população acima de 30 milhões, a
Cidade do México, no México, Mumbai, na Índia, e na região metropolitana de São
Paulo, no Brasil, com aproximadamente 20 milhões de habitantes (dados de 2018).
Outro dado importante acerca do aumento da população mundial é a estimava de
que serão aproximadamente 4 bilhões de pessoas na próxima geração urbana. Esse
dado põe os pesquisadores em alerta quanto à capacidade do meio urbano em
absorver algumas questões: a desigualdade social, a falta de planejamento urbano,
e a criação de metrópoles e megalópoles sem infraestrutura (DAVIS, 2006).

No contexto nacional, a contemporaneidade de técnicas de criação de


concepções e novos ambientes urbanos, para Harvey (2014), torna-se o ponto de
partida para pensar técnicas aplicadas para melhorias dos ambientes locais em
relação a qualidade da urbanização. Entretanto, as cidades brasileiras crescem de
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forma desordenada, problema agravado pela falta de implantação de projetos


urbanos adequados (VILAÇA, 1998; MARICATO, 2003; HARVEY, 2014).

No século XIX e início do século XX, com a abolição da escravatura, com a


crise da lavoura cafeeira e com o nascente processo de industrialização, uma massa
de trabalhadores é atraída para as grandes cidades, como Rio de Janeiro e São
Paulo. Essas cidades acabam por se converter em centros industriais e suportam
população maior do que poderiam acomodar (MARCICATO, 2004).

A normatização de controle sanitário empregada por médios higienistas no


período da proclamação da República (1889) ocasionou algumas políticas de
expulsão das classes pobres das áreas centrais da cidade. Assim, empresas de
iniciativa privada investiram na construção civil e no fornecimento de habitações.
Porém esses investimentos não se destinavam à população de baixa-renda
(OLIVEIRA SOBRINHO, 2013).

A política urbana adotada nessa época e ao longo da República Velha (1889 –


1930) visava ao embelezamento das cidades para atrair investimentos estrangeiros
na industrialização brasileira. Além disso, o centro das cidades passou a abrigar o
comércio e os serviços, expulsando dali as residências. Assim, o valor dos terrenos
próximos ao centro aumentou e somente as classes mais ricas conseguiam pagar
por essa localização privilegiada (MARICATO, 2004).

Desse modo, a política habitacional brasileira do século XX não atingiu o


objetivo de solucionar questões relacionadas à falta de moradia para a população de
baixa-renda. Também, viabilizou a expansão capitalista das áreas urbanas, definindo
o urbanismo brasileiro como um mercado urbano de terras e segregado
(MARICATO, 2004). Nas primeiras décadas do século XXI, foram instauradas
algumas políticas sociais no Brasil com o objetivo de retirar uma parte da população
da miséria. Como exemplo, pode ser citado o sistema de transferência de renda
(Bolsa Família). Além disso, houve a retomada do financiamento e da provisão de
crédito por parte dos bancos públicos, destinados aos programas sociais, como o
Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha
Vida (MCMV). Durante esse período, houve investimentos em saneamento, energia,
urbanização de favelas e construção de habitação (ROLNIK, 2015).
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Porém, não foram suficientes, segundo Rolnik (2015), para terminar com o
déficit habitacional brasileiro. Harvey sugere que o aumento populacional, aliado ao
descaso do poder público, põe os pesquisadores em alerta em relação à capacidade
do meio urbano em absorver algumas questões, como a desigualdade social e a
criação de metrópoles e megalópoles sem infraestrutura. Nessa mesma perspectiva,
o autor sugere que existem outras causas para o aumento da desigualdade social,
pois, além da migração da população para a cidade, as práticas capitalistas e a falta
de interferência do poder público na construção urbana segregam e criam déficits
habitacionais, gerando ocupações irregulares e moradias subnormais (HARVEY,
2013).

O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente


às deficiências do estoque de moradias. Engloba aquelas sem
condições de serem habitadas em razão da precariedade das
construções ou do desgaste da estrutura física e que por isso
devem ser repostas. Inclui ainda a necessidade de incremento do
estoque, em função da coabitação familiar forçada (famílias que
pretendem constituir um domicilio unifamiliar), dos moradores de
baixa-renda com dificuldades de pagar aluguel nas áreas urbanas
e dos que vivem em casas e apartamentos alugados com grande
densidade. Inclui-se ainda nessa rubrica a moradia em imóveis e
locais com fins não residenciais (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO,
2018, p 20).

Assim, segundo a Fundação João Paulo (FDP) (2018), existem 2 (dois) tipos
de caracterização de déficit habitacional: déficit por reposição de estoque e déficit
por incremento de estoque. O primeiro refere-se aos domicílios rústicos, aos quais
deveria ser acrescida parcela devida à depreciação dos domicílios.
Tradicionalmente, utilizando o conceito do IBGE, os domicílios rústicos são aqueles
sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada. Em decorrência das suas
condições de insalubridade, esse tipo de edificação proporciona desconforto e risco
de contaminação por doenças. O segundo contempla os domicílios improvisados1,
parte da coabitação familiar e dois tipos de domicílios alugados: os fortemente
adensados e aqueles em que famílias carentes (renda domiciliar até três salários
mínimos) pagam 30% ou mais da sua renda para o locador.

1 O termo Imóveis Improvisados refere-se a imóveis sem fins residenciais e lugares que servem
como moradia alternativa: imóveis comerciais, embaixo de pontes e viadutos, carcaças de carros
abandonados, barcos, cavernas, entre outros (FJP, 2018).
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Em contrapartida ao déficit habitacional, as ocupações urbanas vêm ganhando


espaço e são originárias de pessoas que lutam por direitos à moradia e o encontram
na ocupação de grandes propriedades que estão sem cumprir função social
(PERICLES, 2016). Nesse contexto, na Constituição Federal, a Lei Federal nº.
10.257/2001 e também o Estatuto das Cidades mencionam que a propriedade tem
que cumprir sua função social (BRASIL, 2001).

O alvo desta pesquisa é a cidade de Passo Fundo/RS, uma cidade de médio


porte, que se caracteriza pelo seu alto grau de especulação imobiliária e pela falta
de estratégias adequadas ou eficazes por parte do poder público relativas ao
crescimento urbano. Esse crescimento permitiu o surgimento de zona de vazios em
meio à cidade que, somados ao déficit habitacional, tem como consequência, muitas
vezes, o surgimento de ocupações irregulares (VILAÇA, 1998; PASSAMANI; REIS,
2013). No contexto de segregação social, déficit habitacional e vazios urbanos dão
origem a diversos tipos de ocupações urbanas: espontâneas, geradas por
especulação imobiliária e outras por movimentos sociais (VILAÇA, 1998;
PASSAMANI; REIS, 2013).

As ocupações espontâneas, segundo Pinto (2006), podem ser em grupo ou


individuais e ocorrem ao longo do tempo, sem organização prévia, apenas
gradativamente. No que se refere às ocupações geradas por especulações
imobiliárias, Harvey (2013) enfatiza que a infraestrutura urbana é realizada por
grandes empresas, que buscam o crescimento financeiro, e desta forma regulam o
modo que o solo é ocupado. Por outro lado, segundo Tagiba (2012), existem
ocupações organizadas por movimentos sociais que se caracterizam pela sua
dinâmica hierarquizada, capaz de articular em diferentes locais e regiões.

A quantidade de ocupações irregulares na cidade de Passo Fundo vem


aumentando gradativamente. Diego Ferreto (2012) e Lizandra Hoffmann Passamani
(2012) apontam em suas pesquisas a existência de aproximadamente 27 ocupações
irregulares. Os locais onde são pontuadas as maiores ocupações são as Áreas de
Preservação Permanente (APP) e nas vilas Bom Jesus, Victor Isler, Entre Rios e
Ipiranga.

Outro caso notório encontra-se ao longo da via férrea, que corta a cidade toda,
onde se pode verificar que se encontra a maior ocupação registrada na cidade. Em
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aproximadamente 15km de extensão, existem 1500 unidades habitacionais,


percorrendo mais de 5 (cinco) bairros e, ainda, seriam necessárias cerca de 10.000
residências para atender à demanda da parcela da população que hoje vive em
áreas irregulares e em condições inadequadas (CHDPF, 2017).

Segundo matéria publicada no jornal O Nacional (2015), foram computadas


mais de 50 ocupações na cidade, sendo 30 situadas em APP, e seriam necessárias
12.000 novas residências para suprir a demanda de deficiência de algumas
residências inapropriadas, ou seja, sem rede elétrica ou água potável, nem
recolhimento de esgoto e lixo, ou vias de acesso, e, em alguns casos, com a estrutura
comprometida.

Segundo Ferreto (2012), em Passo Fundo, desde a fundação do município,


houve especulação imobiliária, juntamente com a tendência de locar a sociedade de
baixa-renda para as extremidades da cidade. O sistema urbano evidencia o
espraiamento da cidade, bem como a permanência de loteamentos periféricos de
especulação imobiliária e implantação de loteamentos de baixa-renda nas periferias,
resultando em grandes vazios urbanos (FERRETO, 2012).

A partir do contexto descrito, o problema central desta pesquisa consiste em


desvendar os fatores que contribuem para a constituição de ocupações urbanas.
com as seguintes questões decorrentes: Em que medida o processo de especulação
imobiliária e constituição dos vazios urbanos são fatores que contribuem para a
constituição de ocupações urbanas? Como se constrói e caracteriza-se uma
ocupação urbana organizada por movimentos sociais? Qual é o papel dos
movimentos sociais, principalmente do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia,
na constituição das ocupações urbanas, e como se estabelecem as relações entre
os movimentos e os moradores de ocupações urbanas?

O objetivo geral deste trabalho é compreender a relação entre as


características políticas, sociais, culturais e econômicas que levam à constituição de
uma ocupação urbana, seguindo o processo estabelecido pelo movimento à
moradia, com enfoque na Ocupação Chácara Bela Vista, localizada no Bairro São
Luiz Gonzaga, na cidade de Passo Fundo/RS, Brasil.

Como objetivos específicos apontam-se: a) compreender o processo de


transformação do espaço urbano contemporâneo; b) interpretar a constituição da
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cidade de Passo Fundo, bem como a constituição dos vazios urbanos e a existência
de ocupações irregulares e, posteriormente, a evolução do bairro São Luís Gonzaga;
c) analisar a formação da Ocupação Chácara Bela Vista (OCBV), tendo em vista a
compreensão das infraestruturas urbanas; d) caracterizar os moradores que residem
no local; e) mapear e identificar atores sociais que são responsáveis pela
estruturação de diferentes funções desempenhadas no processo de formação e
dinâmica de organização e estruturação da ocupação.

A importância do trabalho aborda aspectos sociais (subsidiar a avaliação e a


formulação de políticas públicas e viabilizar uma questão que atinge um grande
número de pessoas). Além disso, há poucas pesquisas acadêmicas sobre o tema
ocupação urbana, principalmente quando se trata de ocupações organizadas. As
pesquisas científicas existentes se ocupam de grandes cidades, ou megalópoles, e
não de cidades de médio porte como o faz esta dissertação.

A hipótese central deste trabalho é que a crescente urbanização, baseada


numa sociedade economicamente desigual, na especulação imobiliária, no
financiamento da terra e da moradia provocam – mesmo em cidades médias como
Passo Fundo/RS, Brasil – a segregação espacial, os vazios urbanos, o déficit
habitacional. Os fatores relacionados, juntamente com a capacidade organizacional
dos movimentos, contribuem para o surgimento de ocupações urbanas estimuladas
e estruturalmente organizadas.

A estrutura da dissertação será de 3 capítulos distintos: Revisão bibliográfica,


Caracterização urbana, Relações políticas. A pesquisa, de origem descritiva,
observa, registra, analisa e correlaciona variáveis. Nesse sentindo, utiliza-se
metodologicamente de revisão bibliográfica acerca do tema ocupações urbanas, de
geoprocessamento para identificar a área deste estudo, questionários com o intuito
de caracterizar e de identificar os moradores, entrevistas semiestruturadas com o
objetivo de compreender as relações sociais e políticas dos movimentos envolvidos
e a observação in loco para compreender a dinâmica do movimento.

A revisão bibliográfica tem a finalidade de esclarecer alguns conceitos que


serão utilizados na dissertação. Do mesmo modo, serão escolhidos autores que
tratem do tema desta dissertação, suas causas e consequências, dentre outros
autores que poderão ser introduzidos ao longo da pesquisa.
21

O segundo capítulo tratará da localização geográfica do objeto de estudo, ou


seja, a cidade de Passo Fundo, explorando o adensamento urbano e como isso
afetou a área ocupada. Além disso, será caracterizada a área de modo a demostrar
como está atualmente o espaço, como a população se apropriou do local, bem como
as obras urbanas geradas pelos moradores.

Posteriormente à apresentação do local da pesquisa, serão analisadas as


relações políticas entre os membros da ocupação, as políticas públicas existentes
em torno da moradia e os órgãos sociais que estão envolvidos no processo de
ocupação da área.

Na conclusão, serão retomados os objetivos descritos anteriormente, a fim de


esclarecer os resultados. Além disso, nesta etapa do estudo, devem-se validar as
opiniões expostas ao longo do trabalho.
22

II. METODOLOGIA

A pesquisa, voltada para a compreensão das ocupações urbanas, abrange a


análise da constituição da Ocupação Chácara Bela Vista (OCVB), juntamente com a
caracterização social, cultural e econômica, a identificação e a estruturação da
ocupação (divisão física e de direito dos lotes, ruas, água, luz), visa, ainda,
compreender qual a interferência da consolidação dos vazios urbanos sobre as
ocupações urbanas, e, por fim, a influência dos agentes sociais que atuam no
espaço2.

Este trabalho, de origem descritiva, observa, registra, analisa e correlaciona


variáveis. É imprescindível que os dados não sejam manipulados, razão pela qual
se pretende identificar com precisão os fenômenos que ocorrem durante
determinado período, bem como a relação e a conexão com outros agentes, a
natureza e suas características (BARDIN, 2013). Desse modo, é necessário, que o
investigador siga vários passos ou etapas e que se organizem os procedimentos a
serem utilizados, visando à análise, à interpretação e à compreensão do problema
levantado anteriormente. As fases planejadas para a execução do processo
investigativo constituem-se na metodologia utilizada pelo pesquisador.

Nesse sentido, pretende-se conhecer as mais variadas situações e relações


que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos do
comportamento. Pretende-se analisar o indivíduo isoladamente da mesma forma que
em conjunto e em comunidades mais complexas, cujo registro não consta de
documentos. Para isso, optou-se pela escolha do Método de Análise de Conteúdo
(MAC).

Utilizaram-se cinco técnicas nesta proposta de pesquisa dissertativa:


primeiramente, a revisão bibliográfica acerca do tema das ocupações urbanas.
Posteriormente, o geoprocessamento, para identificar a área deste estudo. Em
seguida, foram aplicdos questionários, com o intuito de caracterizar e de identificar
os moradores, e entrevistas semiestruturadas, com a finalidade de compreender as

2 Não serão abordadas questões jurídicas, devido ao fato dessa pesquisa tartar de uma

analise arquitetônica e urbanística.


23

relações sociais e políticas dos movimentos envolvidos. Por fim, fez-se a observação
in loco contínua para compreender a dinâmica do movimento (Figura 03).

Figura 1: Organograma representando os passos metodológicos da pesquisa.

Fonte: Organizada pela autora (2017).

A revisão bibliográfica do tema ocupação urbana visou a tornar mais claros


alguns conceitos utilizados na pesquisa, dando enfoque às estruturas de ocupação
mundial, bem como ao adensamento urbano, elencando o que vem ocorrendo na
cidade de Passo Fundo. A bibliografia é construída no decorrer da dissertação,
sendo utilizados alguns autores como base: Ermínia Maricato (2010, 2011), Mike
Davis (2006), David Harvey (2014), Manuel Castells (2011), Raquel Rolnik (2015) e
Henri Leferbvre (2013).

É necessário, para a concretização desta pesquisa, identificar geograficamente


a área de ocupação e sua integração com o restante da cidade. Para isso, realiza-
se o mapeamento da Ocupação Chácara Bela Vista, que pertence ao sistema
organizacional do MNLM e que está localizada na cidade de Passo Fundo.

Desse modo, considera-se a constituição do espaço urbano por meio de


imagens georeferrenciadas, de modo que seja possível determinar os avanços do
meio construído e do vazio urbano anterior à ocupação, além de demonstrar o uso
atual do solo. Utiliza-se o Sistema de Informações Geográficas (SIG) para coleta de
dados e de imagens, manuseando-as e analisando dados que têm referência
24

espacial (georreferenciados), ligados a determinado sistema de referencial espacial


cartesiano, criando informações geoespaciais da área de estudo (DUTENKEFE,
2016).

Alguns dados serão baseados na percepção e na experiência dos


pesquisadores. Tais práticas são válidas e já foram aplicadas em outros
monitoramentos e avaliações. Portanto, a coleta de dados in loco possibilitará
garantir que as afirmações e análises descritas nesta dissertação sejam as mesmas
das condições existentes no local da pesquisa, os quais puderam ser conferidos
diretamente pela observação do pesquisador e pelo diálogo com os responsáveis
por aquele espaço (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002). A ferramenta a ser
aplicada tem como intenção observar, dentro da ocupação, as seguintes variáveis:
vias, uso do solo, material construtivo e instalações elétrica e hidráulica, abertura de
vias e integração com o entorno.

A observação, como instrumento a ser aplicado, foi feita de forma


assistemática, sem a preocupação com um roteiro ou uma organização prévia,
observando como os fenômenos aparecem naturalmente no local de observação.
Com isso, o observador agiu como um mero espectador, apenas contemplando os
fenômenos como lhes aparecem à observação (COPPETE, 2012). Dessa forma, no
local de estudo, foram feitos registros fotográficos e observações em reuniões
realizadas pela liderança, com o intuito de compreender a dinâmica organizacional
da ocupação Bela Vista.

Em outra etapa, foi aplicado um questionário (Anexo A), para a caracterização


do público que compõe a ocupação. A maior parte das perguntas é de múltipla
escolha – em que os participantes optaram por uma das alternativas ou por
determinado número permitido de opções (CHAER; DINIZ; RIBEIRO, 2013). Tais
questionários contêm perguntas que foram elaboradas levando em consideração
quesitos socioeconômicos visando, assim, à compreensão do sistema
organizacional da área analisada e das expectativas dos moradores da zona de
pesquisa.

Os questionários foram aplicados em forma de censo e, desse modo, pretende-


se que todos os moradores da ocupação sejam estudados. Censo é definido por
Sass (2012) como uma medida de comparação de algumas características
25

específicas, tendo embasamento a estatística para verificação dos elementos que


que compõem o questionário. Seu uso mais comum é para a área referencial e para
caracterização da população, tem como objetivo coletar, sistematizar e divulgar
dados demográficos de um determinado grupo de habitantes de um local.

A base para a criação do questionário foi o censo do IBGE (2010), utilizando-


se, assim, de questões para compor o perfil socioeconômico da ocupação.
Posteriormente, foram incluídas algumas questões sobre o grau de satisfação dos
moradores, bem como a permanência no local ocupado. Esse tipo de questionário é
utilizado quando são feitas inúmeras perguntas acerca do tema estudado, de forma
estruturada, o que possibilita a padronização do processo de coleta de dados
(MALHOTRA, 2001).

As informações retiradas no conjunto das perguntas foram elaboradas de


maneira a padronizar as respostas, no intuito de comparar os dados de forma precisa
e aumentar a velocidade, facilitando todo o processo de análise. Desse modo, a
análise dos dados descritos nos questionários foi dispstas em tabelas, de modo
estatístico.

Outra ferramenta aplicada são as entrevistas semiestruturadas, que têm o


objetivo de compreender o papel dos agentes que atuam na constituição de uma
ocupação urbana bem como a dinâmica constituída a partir dessas relações.
Rheingantz (2009) descreve entrevistas como o relato verbal ou uma conversação,
voltado a atender a um determinado objetivo.

Para isso, foram feitas entrevistas com a liderança do MNLM: um representante


do movimento em Passo Fundo, um líder estadual do movimento e, ainda, um líder
da CDHPF (Anexo B). Além disso, outra entrevista foi aplicada a três membros da
liderança da OCBV (Anexo C). Todos os líderes entrevistados, tanto dos movimentos
sociais apoiadores quanto da ocupação, são legitimados pelos movimentos ou pela
comunidade. Desse modo, as entrevistas foram agendadas previamente, em dias e
horários estabelecidos pelos entrevistados, gravadas e transcritas, seguindo a
autorização dos participantes3.

3Trabalho submetido e aceito ao comitê de ética em pesquisa da IMED pelo CAAE:


83969618.7.0000.5319
26

Tendo em vista que a entrevista é uma das ferramentas descritas para a


obtenção de dados, torna-se indispensável, para a realização de pesquisas
quantitativas, a utilização da análise de conteúdo, aliando técnicas descritas por
Bardin (2016), que indica alguns procedimentos especiais para o processamento de
dados científicos oriundos da comunicação verbal acessível ao entendimento. Nesse
caso, a metodologia mais utilizada é a categorização dos dados coletados durante a
pesquisa de campo.

A categorização dos dados pode ser entendida como uma operação que
classifica os elementos pesquisados por meio de critérios previamente definidos. A
divisão das repostas analisadas não é algo obrigatório na sistematização dos dados
obtidos, porém a maior parte dos procedimentos acabam gerando um processo de
categorização.

Esse modelo de agrupamento dos elementos permite que haja uma análise
mais rápida, eficaz e simples (BARDIN, 2016). Portanto a organização das
entrevistas abordará algumas categorias já determinadas: pertencimento; histórico;
ações; direito à moradia; relação entre lideranças e moradores; sustentabilidade;
relações políticas. Pode haver subcategorias, o que depende exclusivamente das
respostas dos entrevistados.

Na organização do resultado, foi utilizado como estratégia um programa


informatizado que produz uma nuvem de palavras, organizando-as em várias cores
e tamanhos, com base no número de menções feitas em categorias criadas pelos
pesquisadores e expressas nas entrevistas. As categorias utilizadas são as
seguintes: ações desenvolvidas; direito à moradia; motivo pelo qual as pessoas
decidem morar em uma ocupação urbana e relacionamentos entre os atores
internos e externos a ocupação.
As nuvens de palavras possibilitam registrar de forma artística os conceitos
e as similaridades entre as diversas respostas (PRAIS, ROSA, 2017). Para auxiliar
na geração das nuvens, foi utilizado um programa on-line chamado Wordle®4.

4 O Wordle é um programa de livre acesso (http://www.wordle.net/create) que cria as chamadas


"nuvens de palavras" para os usuários. Como se trata de uma ferramenta da Web, para utilizá-lo
necessário acesso à internet e um navegador atualizado. O funcionamento pode variar em
navegadores diferentes (Chrome, Mozilla Firefox, Safari e Edge ou Internet Explorer, por exemplo)
e sua utilização depende da disponibilização pelos desenvolvedores.
27

Em um último passo metodológico, houve a compilação dos resultados,


cruzando e comparando as informações retiradas por meio dos questionários e
entrevistas, com as informações obtidas no processo de observação e de
mapeamento do local. Dessa forma, as variáveis trabalhadas nas entrevistas farão
parte das verificações in loco, e através da participação do pesquisador nas
atividades referentes à organização da ocupação urbana.

Assim, a apresentação dos dados obtidos encontra-se organizada em três


capítulos, com a finalidade de apresentar a pesquisa de forma clara. Dessa forma,
serão apresentados, primeiramente, os conceitos que envolvem o tema das
ocupações urbanas, bem como as resultantes da urbanização contemporânea e
como a população garante o direito à moradia. Posteriormente, apresenta-se a
caracterização do estudo de caso, mais especificamente as características da
OCBV. Por fim, o objetivo é compreender as relações sociopolíticas dos agentes que
constituem uma ocupação urbana.
28

CAPÍTULO I – CIDADE PARA POUCOS: QUESTÃO URBANA E


AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

“A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades, é um


dos nossos direitos humanos mais preciosos, ainda que um dos mais
menosprezados”
(David Harvey, 2014, p. 28).

As discussões contemporâneas sobre o urbanismo enfatizam, além do caráter


e da forma da cidade, a transformação no pensamento e nas formulações sobre a
configuração das cidades. O processo de mudança da paisagem urbana acontece
gradativamente durante os anos. De forma indissociável a isso, estão presentes a
cidade e os processos de mudança que ela exerce sobre a paisagem natural e os
aspectos políticos, sociais e econômicos, tornando o espaço cada vez mais urbano
(ROLNIK, 2014).

Desse modo, questões a respeito da urbanização contemporânea, como o


crescimento desordenado das cidades, a conturbação, a criação de metrópoles e de
megalópoles e o aumento da desigualdade social tornam-se assuntos recorrentes
de urbanistas. Ainda existe um papel dominante do capitalismo sobre a urbanização.
Quando a cidade absorve o capital excedente, surgem as melhorias. Contudo, os
capitalistas acabam por produzir valores fictícios da terra, tornando a cidade
contemporânea dividida, pertencente a classes com melhor poder aquisitivo
(HARVEY, 2014).

Diante desse contexto, quem que a moradia torna-se um artigo de luxo, aliado
à falta de políticas públicas eficazes, a população de baixa-renda garante sua
habitação por meio da informalidade. A construção de favelas, loteamentos
clandestinos e ocupações irregulares torna-se a solução imediata para o exercício
do direito à moradia (MARICATO, 2014).

Este capítulo aborda o sistema de urbanização contemporânea e suas


resultantes, com enfoque nos conceitos que serão utilizados para melhor
compreensão da estruturação de uma ocupação urbana. Também será abordado o
tema das cidades informais e como elas vêm ganhando espaço em meio à
desigualdade social e à segregação urbana.
29

1.1 URBANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA E DIREITO À CIDADE

A cidade é o fator primordial para estudo do urbanismo e qualifica-se como um


conjunto de pessoas e construções num determinado espaço territorial. A formação
das cidades ocorre quando um local que oferece serviços diferenciados, que
favorecem seus habitantes, além de dispor da sede de autoridades (HAEVEY, 2014).

A urbanização também está ligada ao crescimento de um determinado espaço


em relação ao campo, ou seja, consiste na transformação do território rural para
urbano. Esse contexto refere-se ao aumento da população nas cidades, em relação
aos habitantes do campo. Portanto, quando a população urbana de um determinado
local cresce em número maior que a do campo, diz-se que está ocorrendo um
processo de urbanização (VILAÇA, 2011).

Outra relação que cerca a urbanização é o tipo de serviço que um determinado


local oferece, por exemplo, transporte, energia, telecomunicações e saneamento
ambiental. Esses itens influenciam diretamente no processo produtivo e no fluxo de
mercadorias e pessoas, proporcionando crescimento econômico.

Entretanto, verifica-se, ao longo dos últimos anos, uma inflação nas cidades,
seja em tamanho, população ou densidade, o que trouxe para ela a concentração de
alguns problemas que atingem os habitantes do local. A sociedade contemporânea
tornou-se essencialmente urbana a partir do período do final do século XIX, pós-
Revolução Industrial, e os problemas urbanos começaram a se acentuar, diante do
aumento da população nas cidades, decorrente do êxodo rural, em busca de
oportunidades de trabalho e sem condições dignas de qualidade de vida (SANTOS,
2015).

Assim, quando a população da cidade cresce além do esperado, existe, nesta


região, um processo de superurbanização. Além disso, a superurbanização pode ser
entendida não apenas crescimento acelerado, mas também como crescimento
desordenado das regiões urbana (VILAÇA, 2011).

Devido às atividades que os centros urbanos oferecem, algumas cidades


acabam atraindo maior número de habitantes. Porém, em alguns casos, a cidade
não é capaz de absorver o crescimento populacional, que se torna desordenado, e
30

chama-se inchaço urbano. O inchaço urbano é consequência da desqualificação do


processo de urbanização, na medida em que a população se transfere de maneira
acelerada, sem o processo qualificado de planejamento e de reestruturação da
região para adaptação dos habitantes (DAVIS, 2006).

Segundo Harvey (2014), o inchaço urbano remete a uma série de


consequências, que, por vezes, são negativas. A diminuição da população que
residente no campo, a ausência gradativa da diferenciação entre o urbano e o rural,
a recente urbanização desordenada, a abordagem capitalista e produtivista em torno
da produção, inclusive em relação à natureza, são algumas das características do
processo de urbanização contemporânea.

Aliado ao inchaço das grandes cidades, para Davis (2006), a busca de novos
mercados econômicos fortaleceu a globalização, sistema que estabelece uma
integração entre os países e as pessoas do mundo todo. Por meio deste processo,
as pessoas, os governos e as empresas trocam ideias, realizam transações
financeiras e comerciais e espalham aspectos culturais.

Existem diversos fatores que contribuem para a desordem nas cidades


contemporâneas. Segundo Harvey (2014), existe um papel influente do capitalismo
sobre a urbanização, quando a cidade absorve o capital excedente é que se tem
melhorias feitas, contudo, os capitalistas acabam aumentando o regime de
produção, que torna a cidade contemporânea dividida, pertencendo apenas a
classes com melhor poder aquisitivo em lugares privilegiados.

A sociedade desempenha uma nova concepção urbana no sistema capitalista.


Lefebvre (2013) afirma que, devido ao crescimento das cidades e ao fato de estas
não serem capazes de expandir a sua produção industrial e conquistar novos
mercados, acabam por adquirir dimensões gigantes, onde circula muito capital
financeiro. Esse sistema se sobrepõe ao direito humano à moradia, gerando
segregação, devido à valorização da terra. A partir disso, a forma com que a
população de baixa-renda consegue adquirir sua moradia é desigual, e sem
dignidade, pois quando esses cidadãos não conseguem habitação recorrem a
moradias irregulares (LEFEBVRE, 2012).

Para Davis (2006, p. 18) “o preço da nova ordem urbana será a desigualdade
cada vez maior, tanto dentro de cidades de diferentes tamanhos e especializações
31

econômicas quanto entre elas”. No geral, a desigualdade social ocorre diante da falta
de uma educação de qualidade, de melhores oportunidades no mercado de trabalho
e, também, da dificuldade de acesso aos bens culturais e de infraestrutura. Essa
desigualdade é gerada em um sistema em que o excedente de produção controla os
interesses urbanos.

Diante dessa realidade, em que o lucro se sobrepõe aos direitos humanos,


Lefebvre (2012) afirma que o direito à cidade não está vinculado ao poder da
população em visitar os centros de cidades históricas, ou do trabalhador passar o
dia na cidade da qual foi retirada contra sua vontade: trata-se de um direito à vida
urbana transformada e renovada. Nesse caso, o direito à cidade aborda o fim das
segregações sociais e espaciais, bem como a reconquista da cidade pelas classes
e pelos grupos dela excluídos.

Entretanto, o direito à cidade está ligado à habitação, consagrando-se como


um direito universal, que integra a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), que foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
em 10 de dezembro 1948. Em conjunto com a moradia, os direitos à saúde, à
alimentação, ao trabalho e ao bem-estar também estão incluídos na declaração. A
DUDH, no artigo 25, assegura que

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de
desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de
perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS, 1948).

Já, no Brasil, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a ordem


econômica e social tem como finalidade promover o desenvolvimento e a justiça
social, tendo como base a função social da propriedade. Ainda, de acordo com a
Constituição, a habitação é reconhecida como direito individual, bem como direito
social, cujo texto alterado pela Emenda Constitucional nº. 26, de 14 de fevereiro de
2000, em seu artigo 6º, dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
32

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL,


2000).

Apesar de protegido pela Carta Magna Brasileira, esse direito não é efetivado
de modo satisfatório pelo Estado, uma vez que as políticas públicas de acesso a
lotes e moradias têm-se mostrado pouco eficientes, restando às pessoas, assim,
como única alternativa, recorrer à ocupação de propriedades que não estariam
cumprindo sua função social (LIMA, 2012). Os cidadãos que ocupam essas
propriedades estão respaldados pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal e
também pela Lei Federal nº. 10.257/2001, o Estatuto das Cidades, que determina a
prioridade deve cumprir sua função social.

A habitação é, muitas vezes, negada em detrimento de grandes empreiteiras.


Na lógica da moradia, a especulação imobiliária produz valor fictício e cria uma ação
predatória no mercado imobiliário, expulsando a população de baixa-renda para
locais sem infraestrutura e sem suporte do poder público (HARVEY, 2013). A
qualidade da vida urbana tornou-se uma mercadoria entregue ao sistema
econômico, que visa apenas ao lucro de grandes empreiteiras, investidores e
políticos. Para Harvey (2013, p. 30), “a urbanização sempre foi, portanto, algum tipo
de fenômeno de classe, uma vez que os excedentes são extraídos de algum lugar
ou alguém, enquanto o controle desse lucro acumulado costuma permanecer na mão
de poucos (...)”.

No mesmo contexto, Rolnik (2015, p. 271) destaca o “empreendedorismo


urbano”, o modelo de Estado em que as grandes empresas financiam a urbanização
das cidades, porém sem o controle do governo. Desse modo, a autora afirma que os
direitos sociais foram substituídos pelos bens de consumo. Como problema histórico,
vê-se a entrega da cidade nas mãos de empreiteiros, que buscam apenas o benefício
próprio em detrimento da população de baixa-renda, quando, de fato, o papel do
setor público deveria ser regulamentar os investimentos.

Harvey (2013) cita o exemplo histórico da reconfiguração de Paris para explicar


o processo de requalificação urbana. Essas reestruturações foram feitas por meio da
sobra de capital monetário, impulsionando as construções urbanas de grande porte,
como tentativa de aquecimento da economia nos dois países. A reforma urbana
33

promovida por Haussmann5, concentrou esforços no sentido de promover melhorias


nas estruturas urbanas para facilitar as manobras militares, assim como a circulação
e a higienização da capital da França. As obras previstas na época eram de
alargamento de vias e criação de boulevards6, assim como jardins e parques. Essas
mudanças, na realidade, acarretaram consequências extremas para os moradores,
alguns foram expulsos de suas residências centrais, gerando suburnanizações7,
déficit habitacional, dentre outros problemas urbanos (HARVEY, 2013).

O capital imobiliário reunido por um número reduzido de pessoas, e por vezes


por empresas globais, visa à produção de novas obras urbanas. Desse modo, essas
obras estão principalmente localizadas na paisagem urbana das regiões
metropolitanas, como edifícios de escritórios, shopping centers e condomínios
fechados (HEIDRICH; MAMMARELLA, 2014).

Nesse contexto, a produção habitacional, que também é gerada por meio do


financiamento proveniente de agentes bancários e empreiteiras, torna o preço dos
terrenos exorbitantes, gerando lucro para os promotores imobiliários do sistema.
Existe um valor máximo no qual pode ser financiada para a população de baixa-
renda, ocasionando a inflação do valor do solo (ROLNIK; CYMBALISTA; NAKANO,
2011).

Desse modo, os locais que possuem maior infraestrutura e serviços restringem-


se às pessoas que possuem melhores condições financeiras, que podem pagar por
esses beneficiamentos urbanos. Assim, a habitação é um bem que só pode ser
adquirido por pequena parcela da população, com melhor poder aquisitivo, e a
massa maior necessita buscar na informalidade o seu direito de possuir residência
digna.

1.2 SISTEMAS DE HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL

5 Haussmann: Georges-Eugène Haussmann (Paris, 1809-1891), conhecido "artista demolidor", foi


prefeito do antigo departamento do Sena entre 1853 e 1870. Durante aquele período foi responsável
pela reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III.
6 Boulevard: é um termo que designa um tipo de via de trânsito, geralmente larga, com muitas pistas

divididas nos dois sentidos, geralmente projetada com alguma preocupação paisagística.
7 Suburbanização: é o processo de crescimento das cidades para fora dos seus limites, expandindo-

se a outras áreas urbanas. Verifica-se a descentralização de pessoas, indústrias e serviços das


áreas centrais da cidade para a periferia, portanto este processo leva ao crescimento dos subúrbios.
34

A questão habitacional brasileira tem suas origens no final do século XIX. Ao


final do período do império, ocorreram as primeiras manifestações sobre a forma de
morar. Até esse período, o Brasil tinha sua economia baseada na agricultura, e com
a maior parte da população rural formada por escravos. Entretanto, a partir da
implantação da Lei do Ventre Livre8, da proibição do tráfico negreiro e da alforria para
sexagenários9, houve o declínio do modelo escravagista que dominava o Brasil
(MARICATTO, 2004).

A partir desse momento, ou seja, do fim da mão de obra escrava, nota-se um


aumento nos povoados e em vilas de menor escala aos redores de grandes cidades.
Como características das residências, destacam-se unidades individuais,
construídas de taipa, adobe e palha, sem condições de higiene (MARICATTO, 2004).

Diante do contexto descrito acima, para satisfazer as necessidades dos


capitalistas da época, que produziam café, e finalizar a era escravista, houve reforma
na estrutura básica de moradia brasileira. Maricato (2004) cita como exemplo a
desapropriação de algumas habitações na cidade do Rio de Janeiro. Também houve
a demolição de várias habitações para dar espaço para a construção de 120 grandes
edifícios. A população, que até então ocupava o espaço, foi desalojada de suas
residências sem qualquer acompanhamento ou assistência governamental
(MARICATTO, 2004).

Depois da abolição da escravatura, os negros libertos, na sua maioria, não


foram inseridos no mercado de trabalho industrial. Desse modo, foram obrigados a
morar em bairros periféricos e em ocupações rurais. Houve a construção de
pequenos aglomerados no entorno das vias férreas, destinados primeiramente às
indústrias e ao comércio (BONDUKI, 2002).

Além disso, o processo de industrialização acelerado, primeiramente na região


centro-sul e posteriormente no restante do Brasil, trouxe outra mudança na
organização urbana, com a construção das vilas operárias. Os trabalhadores das
indústrias instalavam-se com sua família próximos aos seus empregos, em

8 Lei do Ventre Livre: uma lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871 (assinada pela
Princesa Isabel). Esta lei, considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da
data da lei.
9 Alforria para Sexagenários: aprovada em 1885, previa liberdade aos sujeitos escravizados que

tivessem mais de sessenta anos de idade e estabelece também normas para libertação gradual dos
cativos, mediante indenização.
35

pequenas habitações, quase sempre sem energia elétrica e sem saneamento


básico. A necessidade dos operários de morar próximos ao seu local de trabalho
acabou gerando um novo mercado, o de aluguel. Inicia-se, nessa época, a
construção de cortiços, de forma precária, em terrenos abaixo do nível de
arruamento e com falta de cuidado na execução das obras (BONDUKI, 2002).

Segundo Maricato (2004, p. 28) “o rápido crescimento populacional urbano,


sem o acompanhamento de serviços de saneamento foi a causa de epidemias que
tomavam conta da cidade”. Como pretexto da higienização, a população de baixa-
renda novamente foi expulsa de suas residências. Dessa forma, efetivou-se o
urbanismo brasileiro: excludente, segregador10 quanto a classes sociais e
equipamentos urbanos, expulsando negros e brancos pobres para a periferia, para
morros ou várzeas.

Entre os anos de 1921 a 1927, a Lei do Inquilinato entrou em vigor, embora não
tenha sido muito efetiva. A lei foi criada para estabilizar o valor dos aluguéis, que
estavam muito altos e eram estabelecidos livremente. Esse processo contribuía para
a expansão da cidade clandestina, levando em consideração que o acesso à moradia
estava cada vez mais caro (BONDUKI, 2002).

Entre 1930 e 1940, ocorreu um avanço social: o Ministério do Trabalho passou


a tomar providências para que houvesse garantias trabalhistas e, além disso, houve
melhorias nos direitos sociais, políticos e civis. No início da década de 1930, foram
criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e, em 1933, expandiram-
se para diversos profissionais da época, responsabilizando-se com direitos
trabalhistas, e não se limitava aos aposentados (ALMEIDA, 2007).

Desse modo, deu-se início ao processo de intervenção do poder público no


setor moradia no Brasil, gerando interferências do estado em unidades habitacionais
e em grupos de casas construídas por indústrias (ALMEIDA, 2007).

Essa interferência do governo foi um passo importante para origem das


políticas públicas voltadas à moradia. Para Bonduki (2002, p.73) “o clima político,
econômico e social predominou durante a ditadura de Vargas (1930-1945) propiciou

10Segregar: verbo transitivo que significa separar, apartar, colocar de lado, isolar, expulsar ou
expelir.
36

avanços na questão da moradia, fazendo evidenciar a habitação social com uma


forma jamais vista anteriormente”.

Quanto ao déficit habitacional no Brasil, que seguia durante os anos, destaca-


se a exclusão de pobres de áreas de grande especulação imobiliária, e o êxodo rural.
Na década de 1940, 80% da população brasileira encontravam-se nas zonas rurais
e a economia estava centrada em atividades agrícolas. Na segunda metade do
século XX, o crescimento das atividades industriais e a mecanização do campo,
impulsionada pela revolução verde e pela exportação dos produtos agrícolas,
intensificaram o êxodo rural e o crescimento da urbanização (MARICATO, 2003).

Em 1946, foi criada a Fundação da Casa Popular (FCP), base para o Banco
Nacional da Habitação (BNH), criado anos mais tarde. O FCP tinha como objetivo
proporcionar a compra ou a construção da moradia própria, sendo ela urbana ou
rural, para brasileiros ou estrangeiros com mais de 10 anos de moradia no país.
Entretanto haveria preferência para funcionários públicos e agricultores que cultivam
produtos essenciais para sobrevivência. Posteriormente, a intenção era de que
houvesse a irradicação de favelas (AZEVEDO; ANDRADE, 2011).

Contudo, com a inflação do valor dos terrenos, a vizinhança urbanizada através


da Fundação, acabou por se valorizar consideravelmente, dificultando a obtenção
dos lotes. Além disso, durante a atuação da FCP, em aproximadamente 20 anos,
foram construídas cerca de 17.000 moradias, um número modesto diante da grande
demanda de habitação para a época, principalmente no que diz respeito às melhorias
nas favelas (AZEVEDO; ANDRADE, 2011).

Com o governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961), a habitação de interesse


social não teve avanços. O plano de metas da época chamava-se “50 anos em 5” e
dedicava toda a verba para a criação de uma nova Capital: Brasília. Para que isso
fosse possível, foram implementadas habitações para o funcionalismo público
financiadas pelas próprias empreiteiras que efetuavam a construção (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011).

A partir 1960, houve a luta pela reforma urbana, e progressistas da sociedade


brasileira reivindicavam reformas estruturais no que se diz respeito à questão
fundiária. A principal bandeira era a realização da reforma agrária, que já integrava
37

o plano das “Reformas de Base11” do governo do presidente João Goulart. A reforma


urbana foi inicialmente estruturada no Congresso, em 1963, promovida pelo instituto
de Arquitetos do Brasil (HEIDRICH; MAMMARELLA, 2014).

Dentre as propostas da Reforma de Base estavam presentes alterações nos


sistemas bancário, fiscal, urbano, administrativo, agrário e também de ensino. Ainda,
pretendia-se oferecer o direito de voto aos analfabetos. Para completar, as medidas
causariam uma participação maior do Estado em questões econômicas, regulando
o investimento estrangeiro no país. Dentre as mudanças pretendidas pelo projeto de
reforma apresentado, estava, em primeiro lugar, liderando os debates sobre o
processo, a reforma agrária. O objetivo era reduzir os conflitos por terras e possibilitar
que milhares de trabalhadores tivessem acesso a elas. Em 1962, o presidente João
Goulart criou o Conselho Nacional de Reforma Agrária, em março de 1963 o Estatuto
do Trabalhador Rural (AZEVEDO; ANDRADE, 2011).

Entretanto, no dia 31 de março, foi instaurado o período de ditadura militar no


país, que perdurou por anos, encerrando as reformas de base e estabelecendo uma
ditadura militar no país. Durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985),
houve rápida diversificação e industrialização, com a abertura ao capital estrangeiro.
Na questão habitacional, destaca-se a promulgação da Lei nº 4.380/64, que
estabeleceu a implantação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e a criação
do Banco Nacional da Habitação (BNH) (1967-1986), que foi responsável pela
produção de moradias (ROLNIK, 2015).

O BNH foi uma empresa pública brasileira que tinha sede em Brasília, apesar
de ter o nome de banco. Foi constituída com o intuito de financiar moradias e se
opunha frontalmente a todo o sistema de planejamento e execução orçamentária
montados no país, que até esse período era baseado na concentração de recursos
nas mãos do governo federal. Foi a principal instituição federal de desenvolvimento
urbano da história brasileira, na qualidade de gestor do FGTS e da formulação e da
implementação do SFH (ROLNIK; CYMBALISTA; NAKANO, 2011).

11Reformas de base: foi o nome dado pelo 24° presidente do Brasil, João Goulart, às reformas
estruturais propostas por sua equipe. Estas incluíam os setores educacional, fiscal, político e
agrário. A reforma traria em pouco tempo a diminuição da desigualdade social e a evolução do país.
(HEIDRICH; MAMMARELLA, 2014)
38

No entanto, o BNH só beneficiava trabalhadores com renda entre cinco e dez


salários mínimos. Então, ligado ao BNH, foi criado um órgão denominado COHAB
(Cooperativa Habitacional), beneficiando trabalhadores com renda salarial entre dois
e cinco salários mínimos (MARICATO, 2012). O BNH teve seu funcionamento
durante vinte e dois anos, e foram financiadas 4,3 milhões de unidades novas, para
o mercado de habitação para a classe média (BONDUKI, 2008).

O financiamento dependia da capacidade de arrecadação do Fundo de


Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE). O fim do BNH veio a partir do Decreto nº 2.291/1986. Por ele,
o presidente José Sarney decretou o fechamento do BNH e suas funções foram
incorporadas pela Caixa Econômica Federal (BONDUKI, 2008).

Desse modo, em alguns casos, esses programas não foram efetivos na


redução do déficit habitacional, e se reduziram apenas a burocracia, de forma a
cumprir legislações, sem investimentos políticos por parte do governo ou da
sociedade civil (ROLNIK; CYMBALISTA; NAKANO, 2011).

O modelo de desenvolvimento criado na ditadura militar de 1964-1984


mostrava cada vez mais o problema da moradia e consolidava o Brasil como uma
das sociedades mais desiguais do mundo. O principal problema social do país
acabou tornando-se a falta de moradia acessível, resultado da urbanização
extremamente rápida que ocorreu durante esse período (ROLNIK, 2015).

Após a constituição do regime político autoritário, inviabilizando as reformas


urbanas, houve um período de debates em torno da reforma urbana e que
reapareceu apenas nos anos 1970 e 1980, numa época em que os movimentos
sociais começavam, aos poucos, a ganhar espaço no cenário nacional (JÚNIOR;
UZZO, 2012).

Segundo Júnior e Uzzo (2012), somente em 1988 é que surgiu novamente o


tema reforma urbana, com alvo de propor uma lei a ser incorporada na Constituição
Federal, com o objetivo de modificar o perfil das cidades brasileiras, que era cada
vez mais excludente. Por outro lado, existia a resistência de grupos econômicos que
atuam no mercado imobiliário e na construção civil e do governo quanto à questão
do planejamento e da gestão urbana (JÚNIOR; UZZO, 2012).
39

A partir da Constituição de 1988, os municípios se constituíram com maior


capacidade política e financeira para atuar no campo das políticas públicas. No início
dos anos 1990, a consolidação deu-se com o processo da elaboração das leis
orgânicas municipais e dos planos diretores. Na Conferência dos Assentamentos
Humanos (Habitat II) (1996), realizada em Istambul, no ano 2000, os compromissos
assumidos pelo governo brasileiro com o direito à moradia possibilitaram o
reconhecimento deste na Constituição Brasileira como um direito fundamental o que
resultou, no ano 2001, na aprovação do Estatuto da Cidade (ROLNIK; CYMBALISTA;
NAKANO, 2011).

Apenas após a pressão de movimentos sociais da época é que pôde ser


implementada uma lei nacional que favorecesse os municípios, de fato, e a
sociedade civil. Cria-se, então, o Estatuto das Cidades (2001), com o intuito de
garantir direitos sociais aos cidadãos, por meio da Lei Federal n°. 10.257/01, que
define as diretrizes gerais que devem ser observadas pelos governos, a fim de
garantir o desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e da cidade,
o direito a cidades sustentáveis e o desenvolvimento de gestões democráticas nas
cidades (ROLNIK, 2015).

Anteriormente à entrada em vigor do Estatuto das Cidades, entre os anos de


1992-1994, o governo do presidente Itamar Franco tentou diagnosticar o problema
habitacional brasileiro. A partir disso, redefiniu-se o conceito de déficit habitacional,
incluindo áreas urbanas criadas ilegalmente. Portanto, passou-se a adotar a cidade
sob dois vértices: a legal e a ilegal, termo que denomina, neste caso, favelas e
cortiços. Diagnosticou-se, então, que as problemáticas habitacionais eram muito
graves e não poderiam ser custeadas pelo governo, principalmente quando se trata
das moradias voltadas à população de baixa-renda (ROLNIK, 2015).

Conforme Rolnik (2015, p. 268), “para se tornarem efetivas, as mudanças


sinalizadas pela nova ordem constitucional exigiam mais que o estabelecimento de
princípios jurídicos”. Desse modo, apenas com o início do governo Lula é que houve
uma tentativa de planejamento aliada a todos os ministérios, os quais mantinham
uma orientação esquerdista, impulsionando a criação de programas que deveriam
atingir a massa carente da população.
40

A partir desse instante, deu-se origem a diversos programas: alguns de


estruturação urbanística, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
outros que impulsionariam a construção de novas moradias como, por exemplo, o
do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Porém, apesar da promessa de
novos tempos para o mercado financeiro brasileiro, esse processo ocasionou a
inflação dos valores nos terrenos, a dificuldade na venda de mercadorias produzidas
na época, o que gerou distanciamento entre o projeto dos programas e o que
realmente foi efetivado (MAICATO, 2014).

Dessa forma, no Brasil, a tentativa de investir fortemente na construção da


infraestrutura visava à competitividade do mercado nacional no exterior, e não à
melhora das estruturas no país. Portanto a habitação foi tratada frequentemente
como uma mercadoria de valor, impossibilitando sua conquista pela população de
baixa-renda (MAICATO, 2014).

Em suma, o sistema urbano contemporâneo trata a moradia como uma


mercadoria, aumentando, assim, o déficit habitacional e dando espaço para as
moradias informais. (ROLNIK, 2015). Entretanto, o direito à moradia, além de
promover uma existência digna, assegura uma série de outros direitos, como ao lazer
e à privacidade, encontra-se protegido pela carta constitucional brasileira. Porém,
como enfatizado por Maricato (2014), não é efetivado de modo satisfatório pelo
Estado, uma vez que as políticas públicas de acesso aos lotes e às moradias têm
mostrando-se pouco eficientes, restando, assim, às pessoas, como única alternativa,
recorrer à ocupação de propriedades que não estariam cumprindo sua função social.

1.3 MOVIMENTOS SOCIAIS: A BUSCA PELO DIREITO DA TERRA

As cidades e as metrópoles, como decorrência do crescimento acelerado,


encontram-se em situação de dificuldade de urbanização. É como se o caos urbano,
as favelas, o transporte precário, a falta de saneamento e a violência fossem
características intrínsecas às cidades contemporâneas, justificando a enorme
dificuldade do poder público em resolver esses problemas e gerir a dinâmica de
produção urbana.
41

Diante da falta de resolução de problemas urbanos e sociais, a população tende


a se agrupar de forma organizada, ou desorganizada, em busca de melhora na
qualidade de vida. Em geral, dentre os fatores que levam à ordenação encontram-
se a insatisfação popular frente à má gestão dos líderes políticos eleitos pelo povo,
que reivindicam ações efetivas em áreas como saúde, educação, meio ambiente,
habitação, dentre outras demandas não atendidas, fomentando indignação no povo
e levando-o a realizar movimentos e manifestações populares (WARREN, 2006).

Movimento social tem sido considerado elemento de inovações e de mudanças


sociais e está presente em diferentes espaços de uma comunidade: do erudito,
acadêmico, passando pela arena política e dos políticos até o meio popular. Na teoria
e na prática, todo cidadão tem uma representação do que seja um movimento social,
que sempre envolve um coletivo de pessoas demandando algum bem material ou
simbólico (CASTELLS, 2000).

No que se diz respeito à população em geral, um levante pode ser considerado


um movimento social e pode ser definido como sistematização da sociedade civil,
que atua de forma coletiva, de modo a resistir contra as desigualdades e luta para a
inclusão social. Segundo Gohn (2010 p. 13), são: “[...] ações sociais coletivas de
caráter sociopolítico, e cultural que viabilizam distintas formas da população se
organizar e expressar suas demandas”.

As ações que esses grupos realizam apresentam as demandas sociais que


determinada classe social enfrenta, materializando em diversas atividades, a
exemplo de marchas, mobilizações, concentrações, passeatas, negociações,
distúrbios à ordem constituída e atos de desobediência (GOHN, 2003). Ainda
segundo Gohn (2012, p. 336), “ao realizar essas ações, projetam em seus
participantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos
passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo”.

Segundo Gohn (2012), os movimentos sociais caracterizam-se por quatro


aspectos. O primeiro trata-se do fato de que a ação de um grupo de pessoas, não
necessariamente é um movimento social e, por esse motivo, deve ser qualificado por
uma série de parâmetros. O segundo padrão designa-se como movimento à ação
histórica de grupos sociais, como, por exemplo, movimento da classe trabalhadora.
Porém a ação da classe não necessariamente é um movimento social. Terceiro traço
42

destaca que um protesto (pacífico ou não) uma rebelião, uma invasão ou uma luta
armada são modos de ação de um movimento social, mas por si sós, não são
movimentos sociais. E, por último, onde ocorre a ação coletiva, uma associação de
moradores que, se instucionalizada, é uma organização social, mas, se faz parte de
um movimento social mais amplo, é o movimento comunitário de bairros (GOHN,
2012).

Existe uma peculiaridade nos movimentos sociais: eles são cíclicos, ou seja,
renovam-se periodicamente e levam em consideração dois sentidos. Primeiramente,
respondem às circunstâncias, que variam segundo as mudanças econômicas,
políticas e ideológicas no contexto no qual estão inseridos. E, em segundo lugar, os
movimentos sociais tendem a ter ciclos de vida própria, ou seja, a mobilização, os
membros, a liderança e a força de são de caráter cíclico (GOHN, 2011).

Dessa forma, os movimentos sociais atuam de forma emancipatória, realizam


diagnósticos a respeito da realidade social e constroem propostas. Os atores da
sociedade civil organizada criam sujeitos sociais para essa atuação em rede,
articulam ações coletivas, de forma que haja resistência à exclusão. E, na atualidade,
utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a internet
(GOHN, 2010).

O caráter da organização popular é político, a mobilização é de enfrentamento


do estado atual do objeto que se reivindica, diferentemente de outros movimentos
reivindicatórios, que envolvem outras classes ou as camadas mais abastadas da
população. Movimentos por moradia, pela implantação ou melhora dos serviços
públicos, como transporte público de qualidade, saúde ou educação, são exemplos
de movimentos reivindicatórios urbanos de caráter popular, relacionados ao direito à
cidade e ao exercício da cidadania (LEFBEVRE, 2012).

No contexto dos movimentos sociais, existe um movimento que está ligado ao


direito à cidade e em prol de melhores condições de vida urbana: os chamados
movimentos sociais urbanos, cuja objetivo é sanar uma demanda gerada por uma
problemática urbana, e tem como diretrizes a distribuição e a apropriação do espaço
urbano. Desse modo, são movimentos sociais urbanos as manifestações que dizem
respeito à habitação, ao uso do solo, aos serviços e equipamentos coletivos de
consumo (WARREN, 2006).
43

Devido à capacidade de mobilização e de pressão que os movimentos urbanos


organizados são capazes de exercer, as estratégias de ação são diversificadas:
ocupação de prédios e terrenos públicos, participação em espaços institucionais, luta
por moradia no centro e construção por mutirão autogestionário (TAGIBA, 2012).
Esse tipo de movimento possui, atualmente, uma estrutura organizacional forte e
hierarquizada, capaz de articular diversas organizações em diferentes níveis e
escalas geográficas (local, regional, nacional e mesmo internacional).

No Brasil, existe uma história longa de movimentos sociais urbanos desde a


época da colonização e do império, tendo como principais agentes da mudança
negros e escravos. Os principais movimentos ocorreram entre os anos de 1630 a
1897, tendo-se como exemplos a Confederação dos Tamoios (1562), passando pela
Insurreição Pernambucana (1645), até a Inconfidência Mineira (1789) e a Guerra de
Canudos (1896) (GOHN, 2002).

No início do século XX, mais precisamente nas duas primeiras décadas, a


população reivindicava mudanças urbanas. A Revolta da Vacina (Rio de Janeiro,
1905), a Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910), a Revolta do Contestado
(Paraná, 1912), as ligas contra o analfabetismo (1915), as ligas nacionalistas pelo
voto secreto e expansão da educação (1917) são exemplos disso. No período entre
1930 a 1937, existiam vários outros movimentos sociais, alguns com o intuito de
ocupar terras, a exemplo do Movimento Pau e Colher (1935), cuja decadência
ocorreu a partir do Golpe do Estado Novo.

Em 1942, houve um processo de urbanização crescente no Brasil,


principalmente nas capitais. A primeira entidade de classe fundada no Brasil foi a
Sociedade de Amigos da Cidade (SAC), que tinha como objetivos a construção de
metrôs e a abertura de grandes avenidas na grande São Paulo. Em seguida à SAC,
foram criadas várias sociedades amigos de bairros (GOHN, 2000).

Posteriormente, o período entre 1945 e 1964 entrou para a história como a fase
do regime político populista. Havia, na época, uma situação de redemocratização no
país, produzindo espaços favoráveis aos projetos de desenvolvimento nacional.
Durante 1961 e 1964, inúmeras greves surgiram e vários movimentos foram criados,
a exemplo das Ligas Camponesas do Nordeste e o Movimento dos Agricultores Sem-
Terra (MASTER), no Sul do país, o Movimento de Educação de Base (MEB), os
44

Círculos Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Com
o golpe militar de 1964, poucos movimentos resistiram, estabeleceu-se novamente
uma medida repressão, pondo fim a um ciclo de organização social (GOHN, 2000).

Nas décadas de 1970 e 1980, o Brasil e os países latino-americanos tiveram


ascensão dos movimentos opositores ao regime militar existente da época. Segundo
Gohn (2012), destacam-se especialmente os movimentos de base cristã, sob a
inspiração da teologia da libertação e a reforma urbana passou a estar presente nos
debates. Em meados de 1980, surgiu, em São Paulo, como comunidade política e
sob forte influência das Pastorais da Moradia e das Comunidades Eclesiais de Base,
a União dos Movimentos de Moradia (UMM), que tinha como objetivo concentrar e
direcionar os cidadãos que participavam de ocupações generalizadas durante esse
período (CAVALCANTI, 2006).

Em 1988, o tema reforma urbana surgiu com o intuito de propor uma lei a ser
incorporada na Constituição Federal, a firm de modificar o perfil excludente das
cidades brasileiras (JÚNIOR; UZZO, 2012). O cenário político brasileiro transformou-
se no final dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990. Nesse período, teve início a
decadência das manifestações de rua, que tinham um grande papel e visibilidade
como movimentos populares e garantiram a conquista de vários direitos sociais, que
foram inscritos na Constituição Federal de 1988 (GOHN, 2012).

Destacam alguns movimentos urbanos paralelos: a UNMP (1989), que


organizava movimentos populares de moradia a partir dos estados. Neles, estão
movimentos de sem-teto, cortiços, favelas, loteamentos, mutirões e ocupações. O
movimento tomou corpo a partir do processo de coleta de assinaturas para o Primeiro
Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que criou o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social (SNHIS), o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
(FNHIS) e o Conselho Gestor do Fundo; o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST), criado em 1997, um movimento territorial, porque organiza trabalhadores
urbanos a partir da periferia (GOHN, 2012).

Em 1990, o movimento de luta pela moradia estruturou-se como resultado da


criação da Unificação das Lutas de Cortiços (ULC), constituída juridicamente em
1991 e que permanece até hoje. A ULC tinha como meta principal agrupar os
movimentos envolvidos na luta pela melhora nas condições de habitação coletiva na
45

área central e na região leste/sudeste, além de “denunciar as condições de vida nos


cortiços e encaminhar as reivindicações dos seus moradores para o poder público”
(NEUHOLD, 2009, p. 44).

Ainda nos anos de 1990, novos movimentos sociais voltaram a ter seu espaço,
fruto da demanda social da época: Movimento de Mulheres, Movimento LGBT
(Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), Movimento Negro, Movimento Indígena.
Também se destacam as ONGs (organizações não governamentais) e os
movimentos sociais para a Eco/92. E ainda um famoso movimento que ganhou a
mídia em 1992 o movimento popular “os caras pintadas”, que reivindicavam o
impeachment do presidente da república em exercício na época, Fernando Collor de
Mello (ALBERTI; PEREIRA, 2006).

Paralelamente aos movimentos mencionados acima, o Movimento Nacional de


Luta Pela Moradia (MNLN) também foi desenvolvido em 1990, por sem-teto,
inquilinos, mutuários e ocupantes. Na atualidade, o MNLM está presente em 18
estados. No Rio Grande do Sul, está em 25 municípios, tendo como principal eixo de
luta a Reforma Urbana (TAGIBA, 2012). Segundo Tagiba (2012), o MNLN incentiva
a classe trabalhadora a se organizar e a se articular com o objetivo de conquistar a
reforma urbana e políticas habitacionais de interesse social, sob o controle dos
trabalhadores e de forma igualitária e democrática.

A partir dos anos 2000, fruto das demandas jurídico-legais, houve a


promulgação do Estatuto das Cidades (2001), a Criação do Ministério das Cidades,
o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), a reivindicação de
recursos para habitação e saneamento no Programa de Aceleração do Crescimento
(2007) e a modalidade entidade no Programa Minha Casa Minha Vida (2009)
(ROLNINK, 2015).

Na atualidade, destacam-se os seguintes movimentos urbanos que têm como


motivadores a posse da terra: Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST),
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Movimento Luta por Moradia
Digna (LMD), Frente de Luta por Moradia (FLM), União Nacional por Moradia Popular
(UNMP), Comissão Pastoral da Terra (CPT) (LELIS, 2016).

Esses movimentos têm por objetivo ocupar terras e edificações vazias, com o
intuito de diminuir o déficit habitacional. Eles partem do pressuposto de que a
46

negação do direito à moradia está onde existe a manutenção de vazios urbanos


destinados à valorização imobiliária. E, diante do contexto em que grupos de famílias
estão em situação precária de moradia, os movimentos sociais passam a se articular
no sentido da luta-realização deste direito (LELIS, 2016).

1.4 O POVO PRECISA MORAR: ALTERNATIVAS POPULARES DE


MORADIA NO BRASIL

A população, em busca dos direitos básicos, encontra outras maneiras para


sobreviver ao sistema econômico de especulação imobiliária. Porém a maioria delas
é informal, sem infraestrutura e qualidade de vida, ou nas periferias. A criação de
conjuntos habitacionais isolados, ou distantes, torna a cidade cada vez mais
excludente, fragmentada e segregada (HEIDRICH; MAMMARELLA, 2014).

Segundo Maricato (2014), não se pode jogar a responsabilidade da moradia


sobre os trabalhadores. O problema da urbanização envolve o sistema econômico
capitalista que tenta ocultar a cidade informal. Em contrapartida, a busca do direito
à cidade também é algo histórico no Brasil, principalmente através dos grupos
sociais, que se organizam em sindicatos e associações e que vêm tendo como
objetivo o direito à moradia e o acesso às infraestruturas urbanas existentes
(MARICATO, 2011).

O acesso à moradia, com as devidas condições de infraestrutura, não atinge


todas as camadas da população brasileira, ocasionando o déficit habitacional. É cada
vez mais comum o uso desse termo, que se caracteriza por duas circunstâncias: a
inadequação de edificações urbanas, ou seja, condições impróprias de
habitabilidade, e a necessidade de construção de novas moradias (FUNDAÇÃO
JOÃO PINHEIRO, 2018).

Davis (2006) relata a necessidade de buscar a solução de problemas


relacionados ao déficit brasileiro, já que se observa, nos últimos anos, o aumento da
criação de moradias informais, distantes da cidade ou de serviços básicos. Um dos
tipos de moradia informais constituídos a partir do reflexo do processo de
empobrecimento e de desigualdade, fruto da urbanização precária de baixa
47

qualidade, é a criação de favelas. A favelização é um processo, ou seja, resultado


da ação de “favelizar” e corresponde ao aumento do número de moradias precárias
em uma determinada região, formando um conjunto habitacional assim conhecido
como (DAVIS, 2006).

A favela torna-se uma consequência ao déficit habitacional e surge em áreas


de ocupação irregular, tanto públicas como privadas, e formam núcleos
populacionais densamente povoados (MARQUES, 2007). A partir de 2002, assume-
se oficialmente a definição de favela, partindo do encontro do UN-HABITAT12, em
Nairóbi, em que as Nações Unidas determinaram que a denominação se restringe
às suas características físicas e legais. No entanto, para a ONU, favela é uma área
superpovoada, pobre ou com residências informais, acesso inadequado à água
potável e condições sanitárias e posse insegura (DAVIS, 2006).

Em suma, quando a cidade não é capaz de absorver toda a população, ou


quando a disponibilidade de renda e de dinheiro não é praticada para todos os seus
habitantes, ocorre o processo de favelização, principalmente pelo crescimento
desordenado das cidades, o que é comumente chamado de inchaço urbano (DAVIS,
2006).

Davis (2006, p. 36) admite que existe dificuldade de se obter dados precisos
sobre a criação de favelas, segundo ele “[...] é difícil conseguir estatísticas exatas
pois é comum a população pobre e favelada ser sub calculada de forma deliberada
ás vezes maciça pelo poder público”. Estima-se que 6% da população urbana dos
países desenvolvidos sejam faveladas. Porém, quando essa medição é realizada em
países menos desenvolvidos, o número cresce para 78,2% dos habitantes, ou seja,
pelo menos um terço da população mundial (DAVIS, 2006).

No Brasil, a favelização é um problema histórico, surgido no século XIX,


vinculada à abolição da escravatura, que, simultaneamente, buscou afastar os
negros da população branca, obrigando-os a se instalarem em zonas afastadas,
normalmente de risco, ou seja, próximos aos morros, córregos, etc. A primeira favela
formada no Rio de Janeiro, foi o Morro da Província, que surgiu na década de 1880.

12Un - habitat: Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos é a agência da
ONU responsável por promover o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável dos
assentamentos humanos, tendo como meta principal assegurar moradia adequada (DAVIS, 2006;
MARICATO, 2010).
48

O crescimento demográfico inchou a área central da cidade, local onde instalam-se


vários cortiços. O prefeito da época, Barata Ribeiro, demoliu cortiços e desalojou
cerca de 2 mil pessoas, dando início aos primeiros aglomerados que mais tarde
seriam chamados de "favelas" (MARICATO, 2004).

A respeito da formação das favelas no Brasil, dados do IBGE (2010) apontam


que o país apresenta 6.329 favelas, sendo que 6% da população vive em moradias
irregulares, processo comum nos grandes centros, como São Paulo (SP), Rio de
Janeiro (RJ), Belém (PA), Salvador (BA), Recife (PE) e São Luís (MA). Merece
destaque a “Favela da Rocinha”, a maior favela do Brasil, situada na zona sul do Rio
de Janeiro (RJ) com aproximadamente 70 mil habitantes. No Rio Grande do Sul,
ainda segundo o IBGE (2010), 297.540 habitantes moram em favelas, isso significa
que 2,8% dos gaúchos habitam essas áreas e esses números representam um
crescimento de 29,8% com relação a 2000, quando o total era de 229.244.

No cenário atual, o espaço das favelas é ainda muito precário e desvalorizado


pelo poder público, com poucas exceções. Além da falta de estrutura básica, como
energia elétrica, água encanada, tratamento de esgoto, elas contam com índices de
violência muito altos, tráfico de drogas e atividades irregulares. O Estado não tem
sido efetivo no melhoramento dessas áreas, e muitos dos locais podem ser
acessados apenas pela polícia, que não coíbe totalmente a criminalidade e não leva
infraestrutura urbana (ROLNIK, 2015).

A especulação imobiliária gera algumas irregularidades urbanas além da


favela. Em busca da solução para o problema de moradia, alguns indivíduos acabam
por estruturar novos locais. O IBGE (2006) trata algumas áreas informais como
aglomerados subnormais que, nesse caso, é o conjunto habitacional, constituído por
51 ou mais unidades, sem possuir registro no cartório de imóveis. Suas
características são de irregularidade das vias de circulação e do tamanho e da forma
dos lotes e/ou carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de
esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública).

Porém este não é o único tipo de habitação. Existem os loteamentos, que se


caracterizam pela subdivisão de uma gleba13 em lotes, destinados à edificação, com

13 Gleba é a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei n°.
6.766/79, o que equivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi
loteada ou desmembrada sob a vigência da nova Lei.
49

abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,


modificação ou ampliação das vias existentes. Contudo, devem ser compostos por
uma série de infraestruturas que garantem a qualidade de vida aos seus usuários.

Nesse sentido, o parcelamento dos lotes exige que o proprietário do imóvel a


ser loteado execute os requisitos estipulados pela Lei nº. 6.766/79, que vão desde o
desmembramento do imóvel e a apresentação de projeto de loteamento a Prefeitura
até o registro no Cartório de Registro de Imóveis (CRI), que dará o direito de iniciar
as vendas (BRASIL, 2007). No entanto, devido aos custos dessa operação, em
alguns casos, o dono da área deixa de concluir algumas das etapas propostas para
regularização dos imóveis.

A partir disso, surgem duas principais tipologias de loteamentos: os


loteamentos irregulares, que possuem aprovação do Poder Público, registrados ou
não, mas cujo loteador não providenciou sua execução ou a execução foi contrária
ao projeto liberado na prefeitura, e os loteamentos clandestinos, que podem ser
definidos como espaços que não possuem aprovação do poder público e/ou o
registro no CRI competente, o que resulta na inviabilidade da matrícula e
individualização dos respectivos lotes (GROSTEIN, 2001).

Como alternativa ao déficit habitacional, existem alguns movimentos que


ocupam zonas urbanas, colocando em evidência aspectos relacionados à forma de
apropriação da cidade. As ocupações irregulares caracterizam-se como o terceiro
modo mais utilizado para se atingir a moradia própria para a população de baixa-
renda (CORRÊA, 2007). O mesmo é estabelecido a partir da entrada de um
determinado grupo de pessoas em um imóvel ou terreno urbano em situação de
abandonado, transformando o local em moradia por meio das decisões e ações de
um coletivo constituído pelas pessoas ocupantes (ASSUMPÇÃO; SCHRAMM,
2013).

Há outros atributos que descrevem uma ocupação urbana: a inexistência da


reserva de áreas de servidão, a rede viária descontínua, o baixo padrão construtivo
das habitações, a inexistência de biqueiras e de impermeabilização no entorno da
casa, a inexistência de drenagem das águas servidas e pluviais, a inexistência de
rede de coleta e de estações de tratamento de esgotos/fossas, a deficiência do
sistema de coleta do lixo domiciliar (ALHEIROS, 2003). As ocupações irregulares
50

geralmente se estabelecem em vazio urbano14 ou em imóveis vazios, estruturam-se


algumas ocupações a partir da visão de que aquele terreno ou imóvel está sem uso
e que, portanto, pode ser ocupado para fins sociais e da população menos
favorecida.

No que se refere às ocupações geradas por especulações imobiliárias, Harvey


(2013) acredita que as mudanças e as melhorias na infraestrutura urbana realizadas
por empreiteiras, visando ao lucro predatório, regulam a forma como que o solo é
ocupado, comercializando os lotes: “o acesso à moradia está ligado ao seu preço,
que, por sua vez, depende da sua localização na cidade” (MARICATO, 2004, p. 23).
A partir dessa premissa, busca-se compreender como o processo de especulação
imobiliária influencia na formação de novas ocupações urbanas.

Por outro lado, é comum que ocorram ocupações espontâneas, em áreas


públicas e privadas, remanescentes de loteamentos ou glebas, por iniciativa
individual ou coletiva, de modo gradativo, ou seja, o espaço vai sendo ocupado no
decorrer dos anos. O termo espontâneo não é sinônimo de desorganização ou
aleatoriedade. As ocupações são organizadas, porém não têm incentivo de nenhum
órgão social, e a população apenas toma o local como propriedade em razão da
necessidade (PEREIRA, 2015).

O processo de urbanização dessas áreas, conforme Pereira (2015), tem como


fator relevante a diversidade. Como a maior parte das edificações são fruto da
autoconstrução e de ampliações posteriores por parte dos moradores, pode-se
encontrar uma infinidade de tipologias arquitetônicas e formas de ocupação do
espaço. Essa diversidade é muito semelhante a das cidades “formais”, construídas
por arquitetos e engenheiros e, muitas vezes, possui instalação de usos residenciais,
comerciais e de serviços.

Essas ocupações por movimentos sociais têm, na sua origem, o ato coletivo na
busca de efetivação do direito à moradia. Depois das grandes ocupações de áreas
e conjuntos habitacionais nos centros urbanos, deflagradas na década de 80 por
comunidades que viviam em condições precárias, realizou-se, em 1990, o 1°

14Vilaça (1998) utiliza a expressão vazio urbano para explicar que uma gleba ou um espaço com
vários lotes vagos e com alguma infraestrutura urbana.
51

Encontro Nacional dos Movimentos de Moradia, dando origem ao Movimento


Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) (TATAGIBA, 2012).

A organização era articuladora, portanto criou uma espécie de “federação”,


determinando as lideranças políticas dos movimentos locais e regionais. Em cada
macrorregião, existem grupos menores, denominados “grupos de origem”, que
nesse caso são os bairros em que atuam os coletivos menores, gerando, assim, sua
estrutura política e de controle do movimento (TATAGIBA, 2012).

O espaço urbano é composto por várias faces e é complexo à medida que


envolve um relacionamento com o processo de urbanização, onde existem vários
papéis vividos e representados pelos diferentes atores nele inserido (MARICATO,
2014). No que se refere às habitações urbanas, Maricato (2014) relata que estas vão
além do número de residências produzidas e estão diretamente ligadas à oferta de
produtos e de redes de infraestrutura. O aumento da cidade informal, para Maricato
(2014), exigiu o crescimento de políticas públicas em torno da infraestrutura, porém
este fato não acontece, enquanto o governo tenta esconder a informalidade, ela
teima em aparecer diante da malha urbana contemporânea.

1.5 CARACTERÍSTICAS DO DÉFICIT HABITACIONAL DA CIDADE DE


PASSO FUNDO

Com uma disposição organizacional relevante, Passo Fundo constitui-se como


uma cidade polo na região do Planalto Médio, que exerce influência sobre as cidades
vizinhas. Contudo, além de possuir características de cidades influenciadoras,
também apresenta alguns fatores negativos para a sua urbanização, como, por
exemplo, o crescimento desordenado (TEDESCO, BATISTELA, NEUMANN, 2017).

De acordo com Bernardes (2018), isso representa o poder econômico e de


influência perante as cidades vizinhas por se caracterizar como Capital Regional.
Fator que contribui para o aumento da população sem moradia, que busca serviços
e trabalho em cidades que os ofereçam. Porém, ao chegarem na cidade, convivem
com a realidade do déficit habitacional, bem como enfrentam condições precárias
quanto à moradia (MARICATO, 2011).
52

A cidade de Passo Fundo estruturou-se nos caminhos dos tropeiros, que


buscavam uma rota alternativa ao comércio que faziam na época e que estruturam
vários povoados, que acabaram tornando-se municípios mais tarde. Os primeiros
habitantes que permaneceram na cidade foram militares, dentre eles se destacam
Cabo Neves e Joaquim Fagundes dos Reis. A emancipação de Passo Fundo, até
então pertencente ao município de Cruz Alta, concretizou-se em 1857 (TEDESCO;
BATISTELA; NEUMANN, 2017).

A partir disso, a ocupação do município estruturou-se em três linhas principais:


primeiramente, em 1827, ao longo da Estrada das Tropas (atualmente Avenida
Brasil), que fazia ligação de Passo Fundo com o restante do estado; posteriormente,
em 1898, com a construção da Estação Ferroviária de Passo Fundo e, num último
momento, em meados do século XX, com a criação dos primeiros loteamentos
periféricos (FERRETO, 2012).

Com a expansão do sistema viário e ferroviário e também com a exportação,


foi possível que houvesse a integração entre o sul e o centro do país. A economia,
que era baseada no extrativismo vegetal e mineral, no período de ocupação indígena
e paulista, passou para uma alta produtividade agropecuária (trigo, milho, soja, gado)
no final do século passado. Algumas agroindústrias foram instaladas: frigoríficos,
indústrias de processamento de grãos, indústrias alimentícias, laticínios e outras
empresas nacionais e multinacionais (BERNARDES, 2018).

Algumas indústrias de outras naturezas também foram introduzidas no


município e nos municípios vizinhos, tal como a indústria metalmecânica. A
população rural tornau-se cada vez mais urbana, em virtude de sua expulsão do
campo pela mecanização agrícola e pela reestruturação fundiária. A região sofreu
reestruturação produtiva em nível regional, deslocando o foco da produção do setor
agropecuário para os setores de comércio, indústria e de prestação de serviços,
interferindo no desenvolvimento econômico-social da região e de seus municípios e
provocando intenso processo de urbanização na região (KALIL, 2013).

O primeiro projeto de saneamento desenvolvido para Passo Fundo data do ano


de 1919, elaborado por Saturnino de Brito15. O objetivo era efetuar um plano de

15Saturnino de Brito: Francisco Saturnino Rodrigues de Britto, brasileiro, é considerado o "pioneiro


da Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil" pois realizou alguns dos mais importantes estudos
de saneamento básico e urbanismo em várias cidades do país (GOSCH, 2002).
53

saneamento que evidenciasse a importância regional e estadual da cidade, e


principalmente na consolidadação da rede urbana que atualmente estrutura a região
norte do estado (GOSCH, 2012).

No ano de 1952 foi elaborado e aprovado em 1953, o primeiro plano de


expansão de Passo Fundo. Na época, representava uma obra de grande importância
para o desenvolvimento da cidade, e tinha como objetivo principal orientar o
crescimento urbano e localizar grandes equipamentos de uso coletivo. O referido
plano de Passo Fundo contou com ideias implementadas em todo o país, espelhado
na ideologia funcionalista. Entretanto não estabeleceu índices para a ocupação do
solo, mas delimitava zonas de uso em central, comercial atacadista, comercial
varejista, as ruas comerciais e quatro centros comerciais locais (GOSCH, 2002).

No ano de 1979, foi implementado o segundo Plano Urbano da cidade, que


tinha como alvo limitar a expansão para dentro da área formada pelas vias
perimetrais sul e leste e, desse modo, a regulamentação de uso do solo foi uma
tentativa de consolidar a cidade como capital regional, em nível estadual,
beneficiando as indústrias tirando proveito da ferrovia e da rodovia já existentes.
Ainda, buscava a valorização do centro urbano da cidade com incentivo à
verticalização da área, ganhando uma nova escala urbana (GOSCH, 2002).

No que se no que se diz respeito às políticas púbicas em torno da habitação


em Passo Fundo, ressaltam-se três momentos. Primeiramente, a aprovação da Lei
Orgânica Municipal, ocorrida em 1990. A partir de 1993, o município passou a dar
prioridade ao atendimento da população de baixa-renda, com iniciativas por meio de
projetos no setor de habitação popular. Ainda em 1993, com proposta do Executivo
Municipal e aprovação da Câmara de Vereadores, foi criado o Conselho Municipal
de Habitação e do Bem-Estar Social (CMHBES) e o Fundo Municipal de Habitação
e do Bem-Estar Social (FUMHBES), por meio da Lei nº 2 862, de 30 de abril de 1993
(PASSAMANI, REIS, 2013).

No ano de 2000, no dia 28 de dezembro, foi instituída a Secretaria Municipal


de Habitação (SHAB), por meio da Lei nº 3.680, quee fazia parte do processo de
reestruturação ocorrida em diversas secretarias do governo municipal. A estrutura
da SHAB passou a funcionar em janeiro de 2001, e possui os mesmos moldes até
os dias atuais (KALIL, 2013).
54

Na sequência, no em 2006, foi aprovada a revisão do Plano Diretor do


município de Passo Fundo. Desse modo, a nova legislação trazia benefícios ligados,
principalmente, à sustentabilidade e à qualidade ambiental. Esse procedimento foi
impulsionado pela aprovação do Estatuto da Cidade, encorajado pela normativa
urbanística, que incentiva a expansão urbana sustentável (PASSAMANI, REIS,
2013).

Quanto aos investimentos na habitação de interesse social, no período


posterior aos anos 1964 houve alterações nos programas habitacionais. O BNH
assume o setor com a construção de moradias populares, através das COHABs, que
tinham como características direcionar a produção de moradias à população pobre,
com renda na faixa de zero a três salários mínimos (BONDUKI, 2002).

Em Passo Fundo, dois programas eram destinados à população habitacional


na época. O primeiro trata-se do Pró-Morar, que financiava moradias para população
de baixa-renda, e o segundo era o BNH, que financiava a partir de uma renda mensal
mediana. Esse programa deu origem a diversas vilas, das quais se destacam
Planaltina, Edmundo Trein, Luis Secchi, Lucas Araújo e Bairro José Alexandre
Zácchia. Nesse contexto, o conjunto habitacional “Zácchia” foi o último
empreendimento habitacional realizado pela COHAB/RS em Passo Fundo
(PASSAMANI; REIS, 2013).

Segundo Gosch (2002), a verticalização e a expansão urbana de forma


horizontal deu-se pelo fato da implementação de vários loteamentos para as classes
operárias. Durante um período de 1960 e 1990, a produção da habitação social no
município esteve dividida pelo Estado através da Cohab/RS, por programas
municipais e pela autoconstrução espontânea ou dirigida por técnicos da prefeitura.
Foram construídas 2.075 moradias, atendendo cerca de 4.000 pessoas (KALIL,
2013).

Os investimentos na política de habitação sofreram declínios no Brasil inteiro,


sobretudo em razão da falência do BNH nos anos 1980, e por sua vez, tais
racionamentos refletiram na realidade da habitação popular passofundense. Nos
idos de 1993 até 2004, surgiram programas como Habitar Brasil, Pró-moradia,
Melhor Morar, Subsídio à Habitação de Interesse Social e, em Passo Fundo, esses
programas atenderam pequenas aglomerações habitacionais, na perspectiva de
55

realocações ou na manutenção das famílias nos espaços de origem. Todas essas


iniciativas induziram a localização da população de menor renda na periferia da
cidade (PASSAMANI; REIS, 2011).

Quadro 1: Produções públicas em Passo Fundo Anteriores ao ano de 2000.


Período/Ano Nome
1980 COHAB I
1981 Lot. Jaboticabal
1982 COHAB II
1984 Pró-Morar
1993 Loteamento Alvorada
1993 Habitar Brasil
Década de 1990 Lot. Professor Schissler
Década de 1990 Lot. Bom Jesus
Década de 1990 Lot. Manoel Corralo
Lot. Cel. Massot da Brigada
Década de 1990
Militar
Fonte: PLHIS (2009), conforme dados repassados pela Seplan.

Na sequência, na década entre 2000 e 2010, os projetos realizados pela


prefeitura passaram a serem executados em menor porte e financiados com recursos
federais dos programas Programa de subsídio à habitação de interesse social (PSH),
Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e também com incentivos municipais.
Assim, foram construídos sete edificações em tipologia de unidades térreas isoladas
ou geminadas e cinco edificações em altura, ou seja, unidades multifamiliares de
quatro ou cinco pavimentos. Esses projetos foram implementados em várias áreas
da cidade, conforme dados da Tabela 2, e totalizaram 1.123 novas unidades
habitacionais (KALIL, Et all 2013).

Além disso, foram implementados, entre os anos de 2009 a 2018, 43


empreendimentos multifamiliares subsidiados pelo MCMV faixas 2 e 3, totalizando
2.357 novas habitações. Ainda estão em fase de construção sete edifícios:
Residencial Benessere, Residencial Manacá Modulo II, Residencial Manacá Modulo
I, Edifício Vila Farroupilha, Max Residencial, Imóvel Na Planta - Condomínio
Residencial Jardim Petrópolis, totalizando 1.319 novas unidades.

Quadro 1: Programas habitacionais concluídos em Passo Fundo anos 2002 a 2018.


Programa/núcleo habitacional
Ano Isolada Geminada Apartamento
ou Empreendimentos
2002 Morar melhor/Santa Maria 26
2002 PSH/ Santa Marta 10
2002 PSH/ Valinhos 9
2002 PSH/ Donária 72
2003 PSH/ Entre Rios 22
2004 PSH/ Jaboticabal 30
2004 PAR Petrópolis 96
56

2007 PAR Jardim Boqueirão I 160


2007 PAR Jardim Boqueirão II 160
2008 PAR Vera Cruz 180
2008 PAR Hélio Toldo 200
2009 PAC/ Parque do Sol 100
2009 Residencial Rivieira 65
2009 Condomínio Residencial Horizontes 88
2009 Edifício Laura 21
2010 PAC/FAR Donária 58
2010 Edifício Luiz Henrique 44
2010 Edifício Reinaldo Matte 27
2010 Condomínio Machado De Assis 40
Condomínio Residencial Nova Vera
2011 40
Cruz
2011 Edifício Vera Cruz 28
2011 Residencial Villanova 65
2011 Incoben - Edifício Bela Vista 86
2011 Residencial London Tower 111
Condomínio Residencial Nova Vera
2011 40
Cruz II
Apoio A Produção - Resid. Ilha Di
2011 56
Santorini
2012 Condomínio Jardim Azaleia (Lote 7) 23
2012 Recanto Das Flores 24
2012 Edifício Henrique Rebechi 15
2012 Condomínio Jardim Hortência 23
Condomínio Residencial Pasqual
2012 44
Alban
2012 Edifício Torres Da Duque 108
2012 Edifício Portobello 38
Residencial Ilha Di Santorini Ii -
2012 56
Zucchetti
2013 Condomínio Jardim Camelia 23
2013 Residencial Vila Mattos 12
Condomínio Jardim Jasmim -
2013 23
Lote 10
2013 Condomínio Jardim Roma - Lote 11 23
2013 Residencial Maggi 12
2013 Condomínio Jardim Araucária 90
2013 Splendido Residence 41
2013 Residencial Itália II 77
2014 Edifício Uruguaiana 61
2014 Edifício Residencial Milão 78
Condomínio Residencial Tarumans
2014 300
Modulo I
2014 Residencial Sonetto 32
2014 Residencial Ipê 100
2014 Residencial Garden - Modulo I 69
2014 Residencial Terrazza Di Roma 43
2014 Residencial Ipê Modulo II 20
2014 Residencial Figueiras 38
2015 Edifício Máximos I 30
2015 Residencial Ipê Modulo III 24
2016 Residencial Araucária - Modulo I 40
2016 Edifício Residencial Belo Horizonte 80
2016 Residencial Araucária 48
2018 Residencial Quintino Bocaiuva 48
57

Loteamento Canaã (MCMV-


2018 210
Entidades)
Total 206 234 3153
Fonte: Autora (2018).

Atualmente, não existem investimentos financeiro visíveis efetuados pelo


município na área habitacional, apenas financiamento do MCMV faixas 2 e 3, que
são financiados pela Caixa Econômica Federal, e implementados por empreiteiras.
Quanto a atuação da prefeitura juntamente com a Secretaria de Habitação, existe a
tentativa de regularização fundiária de uma parcela do bairro Victor Isler por parte da
prefeitura, e faz parte do Programa Papel Passado tem como objetivo apoiar à
Regularização Fundiária em Áreas Urbanas (PMPF, 2018).

Entretanto as políticas habitacionais fornecidas pelo Poder Público Municipal


não têm resolvido a situação do déficit habitacional. Com o agravante do acentuado
valor dos aluguéis e dos impostos sobre as necessidades básicas, como água, luz e
alimentação, a população acaba sendo levada à informalidade (MARICATO, 2011).

Segundo o jornal O Nacional (2015), existem 50 ocupações irregulares no


município, sendo 30 situadas em APP. Só no trecho de trilhos que passam pela
cidade são mais de 1500 famílias residindo em condições inadequadas, e estudos
preliminares apontam que, em toda a cidade de Passo Fundo, o déficit chega a cerca
de 10.000 residências para atender à demanda da população que vive em áreas
irregulares e em condições inadequadas (CDHPF, 2015).
58

CAPÍTULO II - SURGIMENTO DE UMA OCUPAÇÃO URBANA:


CASO OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA

“Ao lado da desorganização social que constatamos em alguns casos, podemos observar
comunidades altamente mobilizadas, [...] na busca de uma solução para os diversos problemas[...]”
(Manuel Castells, 2011, p.529-530).

O problema da moradia gerado pelo sistema econômico capitalista é um tema


que tem ocupado os debates sobre a geografia urbana e o planejamento das
cidades. As condições de informalidade generalizada e o baixo nível de renda, que
afetam grande parte da população das cidades pressionam para o surgimento de
bairros informais de baixa-renda, distantes do centro econômico e administrativo
(MARICATO, 2010).

Cidades de médio porte, classificação que inclui Passo Fundo, caracterizam-se


pelo seu alto grau de especulação imobiliária e pela falta de estratégias específicas
do poder público para o controle do crescimento urbano. Esse crescimento permitiu
o surgimento de zona de vazios, que, se somado ao déficit habitacional, tem como
consequência o surgimento de ocupações.

Percebe-se, em diversos locais, que a população se apropria de espaços na


tentativa de melhorar as condições de vida, muitas vezes instalando-se em terras
que estão desocupadas, mas que possuem proprietários. A cidade, por si só, por
meio de seus habitantes, busca, em determinadas ocasiões, estruturar-se de modo
autosustentável, utilizando recursos disponíveis subutilizados. Porém acaba criando
outros problemas, tais como o conflito pela propriedade e os processos de
urbanização não planejada.

Neste capítulo, evidencia-se uma das condições que propiciam a constituição


de uma ocupação irregular, além de tratar-se das características fundamentais da
constituição física do objeto de estudo, definindo os aspectos mais importantes da
ocupação: espacial, divisão de lotes e populacional. Desse modo, serão
apresentados, em sequência, a evolução do bairro, a divisão física da ocupação e o
senso, descrevendo as características socioeconômicas e culturais dos moradores
da Ocupação Chácara Bela Vista (OCBV).
59

2.1 CONSTITUIÇÃO DO VAZIO URBANO: OCUPAÇÃO CHÁCARA


BELA VISTA

A cidade de Passo Fundo está localizada no norte do estado do Rio Grande do


Sul e é considerada a captal da região norte, com população estimada em 201.000
habitantes, de acordo com o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(2018). Possui 780 km² de área territorial e 50 km² de área urbana, classifica-se como
uma cidade média, tendo-se tornado referência regional (FERRETO, 2012).

Segundo o IBGE (2017), a cidade de Passo Fundo foi classificada como capital
regional de primeiro nível, concentrando serviços como hospitais, centros
universitários, comércio especializado, espaços públicos, facilidades de emprego,
fatores que contribuem para que moradores das proximidades busquem recursos
não disponíveis nas suas cidades de origem.

Figura 2: Localização da cidade de Passo Fundo – Rio Grande do Sul – Brasil.

Fonte: Adaptado de Brandli, Prietto e Neckel (2014).

Em comparação com regiões mais populosas, assim como regiões


metropolitanas e megalópoles, Passo Fundo exerce a função de cidade
estruturadora na região do Planalto Médio. Além dos benefícios de cidade grande,
também existem as preocupações que ela acarreta para o meio urbano. O fato de
60

possuir características de cidade grande, em Passo Fundo estão presentes fatores


que influenciaram no seu crescimento desordenado, que tambem influenciaram as
cidades maiores (BERNARDES, 2018).

Dentro dos limites demográficos definidos pela Lei Municipal nº. 143/2005,
Passo Fundo conta com 22 setores. No entorno desses setores estão concentrados
vilas e loteamentos, providos do surgimento de espaços irregulares, na medida em
que o espaço urbano foi-se desenvolvendo. Esses espaços, considerados
irregulares, muitas vezes já consolidados, geralmente não estão previstos em lei, e
são territórios que agrupam assentamentos e habitações populares em condições
insalubres de moradia (FERRETO, 2012).

Diante do contexto, de aumentos explosivos na formação de ocupações


irregulares, este estudo apresenta um panorama geral da habitabilidade em um
desses locais, bem como as articulações sociais e políticas que cercam esses
espaços. O estudo de caso será realizado na ocupação Bela Vista, localizada na
Rua Princesa Isabel, no Bairro São Luiz Gonzaga (Figura 02) na cidade Passo
Fundo. A escolha do local da pesquisa deu-se pelo fato de a estrutura criada ser
recente e ter atuação do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), bem
como de outros movimentos sociais, incluindo a supervisão da Comissão de Direitos
Humanos de Passo Fundo (CDHPF), criando um cenário distinto do restante da
cidade a partir da óptica da ocupação urbana organizada.

Figura 3: Localização da Ocupação Bela Vista – Passo Fundo.

Fonte: Modificado pela Autora (2017).


61

Assim a cidade de Passo Fundo, sofre com avanços do mercado imobiliário


sobre espaços de industrialização, vêm possibilitando o surgimento de condomínios
criados para satisfazer a necessidade de moradores com alto poder aquisitivo.
Entretanto, as comunidades carentes são expurgadas para longe das regiões
economicamente mais valorizadas, contribuindo para o déficit habitacional e para o
espraiamento urbano, deixando falhas, também conhecidas como vazios, na malha
urbana (PADULA, 2014).

Os vazios urbanos são espaços vagos dentro do perímetro urbano que podem,
dependendo das circunstâncias, não ser grandes causadores de problemas para o
poder público (PADULA, 2014). E, eles sempre serão o resultado da apropriação e
da ocupação do espaço na dinâmica urbana. Segundo o Manual de Reabilitação de
Áreas Urbanas Centrais (2008), os vazios urbanos:

[...] consistem em espaços abandonados ou subutilizados


localizados dentro da malha urbana consolidada em uma área
caracterizada por grande diversidade de espaços edificados, que
podem ser zonas industriais subutilizadas, armazéns e depósitos
industriais desocupados, edifícios centrais abandonados ou
corredores e pátios ferroviários desativados (BRASIL, 2008, p.
142).

Os vazios urbanos são frequentemente vistos sob duas perspectivas. Num


primeiro momento, representam uma desordem na cidade e, ainda, deterioração
socioeconômica e abandono. Simbolizam, também, estagnação econômica e podem
chegar à decadência urbana por não corresponderem ao ideal da cidade. Porém,
vistos numa segunda perspectiva, são apenas deixados ao acaso, visando ao
aumento do valor econômico dos lotes (SANTOS, 2011).

Segundo Santos (2011), a descontinuidade ocorre porque, mesmo que exista


permissão para que novos loteamentos sejam implementados, geralmente o são
sem seguir a continuidade da malha urbana existente, interferindo no desenho
urbano e criando áreas com pouca infraestrutura e de vazios. O autor ainda
considera que, do ponto de vista urbano, os vazios são maléficos, podendo gerar
ineficiências no funcionamento e na prestação de serviços nas cidades.

O surgimento desses vazios urbanos, também tem outro fator: deve-se a áreas
que foram desocupadas em bairros, nas quais são mantidas visando a agregar
62

valores no mercado imobiliário. Esse mesmo fenômeno de especulação imobiliária


é entendido como promotora da valorização do espaço, buscando apenas atingir
interesses do capital, criando esses espaços ociosos, também classificados como
vazios urbanos (MARICATO, 2004).

Além disso, existe outro tipo de vazio, fruto das edificações que estão à espera
de demolição, devido à sua degradação ou obsolescência. Nesse caso, os espaços
podem ou não deixar de ser vazios, dependendo do uso posterior que recebe e a
influência das expectativas econômicas (CAVACO, 2007).

Em suma, os vazios urbanos podem ser terrenos pequenos ou grandes,


ocupados ou não por edificações, sem uso determinado, pertencente ao interior do
perímetro urbano de uma cidade que, por estarem desocupados, não cumprem sua
função social. Para Santos (2011), mesmo com várias definições de vazios urbanos,
eles se estabelecem como espaços de transição temporal, com potencialidades para
transformação, podendo tornar-se oportunidade de novos usos.

Dessa forma, o estudo de caso analisa, primeiramente, a constituição do vazio


urbano nas proximidades da atual OCBV que, por ter proximidade com o centro da
cidade, possui infraestrutura e foi ocupada pela população que buscava um lugar
para morar. Quando se compara a evolução de uma parcela do bairro São Luiz
Gonzaga, identifica-se um grande vazio urbano na área onde se localiza a OCBV.

A investigação iniciará apartir do ano de 2000 e se expandira até o ano de 2017.


Pode-se notar na figura 04, a primeira imagem da confuguração urbana existente.
Primeiramente nota-se via bem definidas, e a presença de edificações na área
observada.

Durante o ano de 2000, percebe-se que já existem várias edificações,


principalmente no lado esquerdo do rio Passo Fundo. Nessa época, aquela região já
estava consolidada, com vias bem definidas e serviços. É importante mencionar que
neste ano houve obra de asfaltamento e abertura de algumas vias, próximas ao trilho
do trem, direcionando o crescimento para aquela área

Figura 4: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano de 2000.
63

Fonte: Base da PMPF, modificado pela Autora (2017).

Conforme a figura 05 que corresponde ao ano de 2010, percebe-se que houve


um adensamento significativo no local. Pode-se verificar a concentração de
edificação foi expandindo gradativamente, inclusive houve abertura de novas vias de
acesso. Entretanto a área ocupada pela Chácara Bela Vista permaneceu inacta
durante os anos.

Figura 5: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano de 2014.
64

Fonte: Base da PMPF, modificado pela Autora (2017).

Observa-se, na Figura 06, que o adensamento do bairro em análise foi


ocorrendo gradativamente, ampliando a quantidade de edificações comerciais, de
residências e de infraestruturas. Porém, a gleba, mais tarde ocupada pelos
moradores da OCBV, permanecia intacta. Nota-se, ainda, que a Rua Princesa Isabel
está consolidada desde o primeiro momento como principal via de ligação entre os
bairros Petrópolis e São Luiz Gonzaga, e existe edificações em toda a área, com
exceção do vazio apontado.
65

Figura 6: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano de 2017.

Fonte: Base da PMPF, modificado pela Autora (2017).

Observa-se que, entre 2000 e 2017, houve o adensamento no entorno da área


de estudo (Figura 07). O local consolida-se como uma área predominantemente
residencial, com casas de baixo padrão, de madeira e alvenaria, e serviços, como
borracharias e mecânicas de automóvel, além de pequenos comércios, a exemplo
de padarias e minimercados. A região, que foi destinada à implementação de
loteamentos populares, possui infraestrutura viária bem definida, sistema de
transporte nas ruas Princesa Isabel e Caramuru.

Junto à consolidação da região, o vazio mostra-se cada vez mais claro a cada
imagem, permanecendo sem uso até o momento em que se torna uma ocupação.
Na imagem de 2014, o vazio fica evidente até que a ocupação se apropriasse do
66

espaço. A última imagem de 2017 mostra a consolidação da OCBV, que se localiza


ao sudoeste da Rua Princesa Isabel.

Figura 7: Mapa comparativ do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, anos de
2000, 2014 e 2017.

Fonte: Base da PMPF, modificado pela Autora (2017).

Segundo relatos de um dos lideres da OCBV, sem condições financeiras de


adquirir imóveis ou de pagar aluguel um grupo de proximandamente 10 familias,
ocuparam um terreno vazio. Na avaliação desses cidadãos, a área não estava
cumprindo a função social e se apresentava como uma oportunidade de viabilizar o
direito de morar e buscar uma vida digna.

Foi nesse contexto, que deu origem a ocupação em maio de 2015 descreve
outro lideres da OCBV. Assim o grupo de habitantes dirigiu-se ao local efetivando a
OCBV, onde atualmente residem cerca de 100 famílias16 que ocupam uma área de
62.000,00m² ou seja 6,2 hectares de terra.

O imóvel possui vários proprietários17, entretanto, não há informação de


quantos proprietários existem no total. Sendo propriedade particular, no instante em
que ocorreu a ocupação do terreno, houve o pedido de retomada de uso de alguns
donos. Atualmente, encontram-se duas áreas em processo de retomada de posse,

16 Ainda há alguns terrenos sem edificação e algumas edificações que não possuem moradores,
razão pela qual, mesmo realizando o censo, não é possível afirmar o número exato de famílias.
17 Os proprietários são Pessoas Físicas, ao que consta no processo de retomada de posse.
67

o que corresponde a 24.592,322m². A zona é composta de dois lotes que estão


inscritos sob as matrículas 107.822 e 59.552 junto ao CRI.

Figura 8: Mapa da área com processo de retomada de posse na OCBV.

Fonte: Autora (2017).

Houve reintegração de posse para uma área de cinco lotes, que estão
ilustrados na Figura 05, correspondente aos terrenos de 10 a 15. Cada um dos lotes
possui área de 300m², equivalente ao lote mínimo estipulado pelo Plano Diretor da
Cidade de Passo Fundo (2015). Hoje, o perímetro dos terrenos está fechado com
placas de concreto, impedindo que haja novos moradores na área.

Além disso, existe outra ocupação que se instalou no local do grande vazio
urbano, trata-se da Ocupação Vista Alegre (Figura 06). Inicialmente, a Ocupação
Vista Alegre (OVA) instalou-se em frente à OCBV, porém, devido a uma ordem de
despejo efetivada, os moradores acabaram por concentrarem-se onde permanecem
até hoje.

A OVA conta com lideranças definidas pela comunidade, que organizam a


infraestrutura urbana que compõe a ocupação. A OVA possui as mesmas
características organizacionais da OCBV, com residências de madeira, terrenos bem
definidos, vias abertas, um sistema de apoio do MNLM e da CDHPF e de advogados
que cuidam da parte jurídica da área. As instalações elétricas, hidráulicas e sanitárias
são precárias. Contudo, nota-se a preocupação da população com a manutenção do
68

meio ambiente, pois todas as habitações estão locadas fora da área de APP e
possuem fossa séptica para conter os dejetos.

Figura 9: Mapa do adensamento da fração do bairro São Luiz Gonzaga, ano de 2014, 2015 e
2017.

Fonte: Base da PMPF, modificado pela Autora (2017)


69

Diante dessas informações, pode-se evidenciar algumas das condições que


propiciam a constituição de uma ocupação. A existência de vazios urbanos, que
possuem infraestrutura e estão destinados a especulação imobiliária, tendem a ser
ocupados pela população atingida pelo déficit habitacional.

De acordo com Harvey (2013), o capitalismo trouxe consequências na


urbanização contemporânea, e a qualidade da vida urbana tornou-se uma
mercadoria e não algo controlado pelo poder público para garantir qualidade de vida
à população. Segundo Maricato (2010, p. 155), “(...) a invasão de terras é parte
integrante do processo de urbanização do país (...)”. O poder público despreza a
produção atrasada e irregular de moradias, obrigando a população a multiplicar as
zonas de precarização urbana.

2.2 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL: DIVISÃO DE LOTES, VIAS E


TIPOLOGIA DAS HABITAÇÕES

Conforme demonstrado no item anterior, a área onde se localiza a OCBV


tratava-se de uma gleba não urbanizada, sem destinação imediata, que possui
infraestrutura, próxima ao centro da cidade e oferece serviços, comércio e transporte
coletivo18. Segundo Maricato (2004), quando as características descritas acima
somam-se à ausência de alternativas para habitação popular, propiciam a formação
de ocupações urbanas irregulares.

Diante desse contexto de negação do direito à moradia e de consolidação de


um vazio urbano, constitui-se a Ocupação Chácara Bela Vista. A ocupação tem como
principal característica a articulação, a condução e o apoio de movimentos sociais e
profissionais técnicos. Estão presentes o Movimento Nacional de Luta pela Moradia
(MNLM), a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)19, além de
advogados que cuidam da parte jurídica 20de retomada de posse do terreno, como
mencionado anteriormente.

18 Os coletivos urbanos que passam pela área, pertencem às empresas Coleurb e Codepas, nas
linhas São Luís x BR 285, Lucas Araújo x Parque Farroupilha, Morada do Morada do sol x São Luís.
19 O MNLM e a CDHPF stes estão presentes desde o inicio da Ocupação.
20 Os advogados foram surgindo conforme a necessidade de eloborar uma defesa jurídica.
70

Os moradores da OCBV, mesmo sem conhecimento técnico de planos


diretores ou planejamento urbano, construíram uma estrutura organizada e
planejada, que propõe a continuidade da malha urbana, divisão igualitária dos lotes
e destinação dos resíduos. Além disso, há uma organização política interna que
possibilita a execução dessas ações de melhora da infraestrutura coletiva, um
sistema de hierarquia com líderes21, que foram legitimados pela comunidade e
esquematizam cronogramas de ações para beneficiar a ocupação e a sociedade.

Seguindo as diretrizes do Plano de Diretor do Município (2017, p. 10):

(...)as vias previstas no plano de arruamento do loteamento devem


ser articuladas com as vias adjacentes oficiais, existentes ou
projetadas, e devem manter no caso de prolongamento
de vias o gabarito mínimo destas, a critério do órgão competente.

A estrutura de vias construídas na OCBV sugere que haja prosseguimento da


malha urbana existente no bairro, possui vias distintas e terrenos bem divididos. As
vias abertas no interior da ocupação dispõem-se paralelamente à Rua Princesa
Isabel (Ruas D, E, G). Também existem vias que interseccionam (Ruas, A, B, C, F),
representadas na Figura 10.

Figura 10: Mapa da divisão de vias e lotes da OCBV.22

Fonte: Autora (2017).

21 A organização social da ocupação será abordada no próximo capítulo.


22 Numeração dos lotes realizada pela liderança da OCBV, conforme a necessidade.
71

Segundo o Anexo 01 do Código de Obras de Passo Fundo (2016), que trata


das larguras de vias mínimas estipuladas para o município, as vias a serem
confeccionadas na área são denominadas vias locais. Nesse caso, correspondem a
um total de 14 metros dispondo de 6 metros para a faixa de rolamento, 2,5 metros
para estacionamento, localizado em uma das laterais da pista, e mais 2,75 metros
nas duas extremidades destinados ao passeio público (CÓDIGO DE OBRAS DE
PASSO FUNDO, 2016).

A OCBV tem dimensões parecidas com as previstas no plano diretor. Assim o


acesso interno à ocupação se dá por meio de ruas que foram abertas pela própria
comunidade e possuem de 9 a 12 metros de largura. Entretanto não existe
pavimentação ou passeio público. As vias, de chão batido, possuem buracos que
dificultam o acesso de pedestres e de veículos, não possuem qualquer
acessibilidade devido à situação insatisfatória em que as ruas se encontram (Figura
11).

Figura 11: Imagens internas das vias da OCBV.

Fonte: Acervo Pessoal da autora (2017).

A instalações elétricas foram feitas pelos próprios moradores, com postes de


madeira e tábuas que sobraram da construção das residências. Alguns postes
encontram-se podres, o que gera, esporadicamente, quedas de energia. Uma
parcela do problema foi resolvida, pois, em junho de 2018, foram trocados alguns
postes, o que possibilitou certa melhora da distribuição elétrica. Contudo ainda
existem postes inadequados em alguns locais. Além disso, não existe iluminação
nas vias do interior da ocupação, apenas as luzes instaladas no exterior das
residências geram iluminação nas ruas.
72

Quanto à instalação hidráulica, existem duas entradas de água, uma na Rua


Princesa Isabel e outra na Rua Caramuru, que distribuem água para toda a OCBV.
As ligações de água são clandestinas, fato que contribui para a falta de água
contínua no interior da ocupação, as famílias chegam a ficar 24 horas sem
abastecimento, dificultando o preparo de alimentos e a higiene pessoal.

Um fator que contribui para a precariedade na moradia de locais como a OCBV


é descrito por Maricato (2004): as empresas que fornecem energia e água alegam
que, por se tratar de lotes informais, ou seja, sem escritura, não podem regularizar a
distribuição desses recursos.

Uma preocupação das famílias que se instalaram no local era em relação à


destinação do esgoto, devido ao fato de existir o rio Passo Fundo nas proximidades.
Cerca de 80% das residências possuem sumidouro individual (um sumidouro por
edificação), o restante utiliza sumidouros coletivos. Quanto ao recolhimento de lixo,
é feito três vezes por semana (segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras).
Porém o caminhão de lixo não acessa as vias internas da ocupação: a população
leva os resíduos até uma lixeira comunitária, localizada na Rua Princesa Isabel.

No que se refere à ocupação dos lotes, 97% possuem habitações e o restante


está vazio, ou seja, existem 151 lotes divididos de tamanhos variados23 que
compreendem as dimensões de 8m x 20m a 20m x 30m, e 7 estão vagos (Figura
12). Os lotes estão disponíveis devido à exigência da prefeitura, que solicitou o
cadastro de todos os moradores do local, na tentativa de conter a expansão da
ocupação e evitar fraudes. Por essa razão, há um ano, aproximadamente, não
ingressam novos moradores no local.

Segundo a Lei de Parcelamento de Solo (2016, p. 4) da cidade de Passo Fundo,


o parcelamento do Solo de Interesse Social “é o fracionamento de um ou mais lotes
urbanos em dois ou mais lotes com um ou mais de um lote com área inferior ao Lote
Mínimo da zona onde se localiza”. Ainda, conforme descrito no plano, a OCBV
encontra-se na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), que possui lotes mínimos
de 200m². Verifica-se, portanto, que existe uma certa regularidade no que diz
respeito aos lotes, pois todos estão respeitando a metragem mínima estipulada pela

23Os lotes são de tamanhos variados, entretanto todos respeitam a metragem mínima exigida delo
Plano Diretor do Munucipio que determina o lote mínimo com 200m².
73

lei municipal, além de possuir divisão por cercas e alguns ainda se encontram com
paisagismo.

Embora não haja preocupação inicial, nota-se que outros índices do Plano
Diretor foram, na sua maioria, respeitados, o que demostra um padrão de
regularidade dentro da OCBV. Existe um recuo de 4 metros previsto pelo Plano
Diretor no Município (2017) em 90% das habitações (Figura 12).

Figura 12: Mapa da distribuição das edificações da OCBV.

Fonte: Autora (2017).

Outro fator previsto no Código Florestal atual, no seu art. 4º, estabelece como
áreas de preservação permanente: as faixas marginais de qualquer curso d'água
natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito
regular, em largura mínima de: 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos
de 10 (dez) metros de largura. A OCBV possui 90% das residências fora da faixa
não edificável. Esse contexto evidencia a tentativa de manter a ocupação regular
conforme as legislações vigentes.

Quanto à tipologia das edificações, a predominância é de habitações de


madeira, sem acabamento (Figura 13). Porém, encontram-se residências mistas, de
alvenaria com madeira, com acabamentos e pinturas, o que demostra as diferenças
econômicas dos moradores. Os tamanhos são variados, conforme a necessidade de
74

cômodos para o bem-estar da família. Além disso, por vezes, as habitações são
utilizadas por mais de uma família.

Figura 13: Imagem das habitações da OCBV.

Fonte: Acervo pessoal da autora (2017).

No que se refere ao programa de necessidades existente, nota-se que a


prioridade se encontra nas áreas de serviço, como cozinha, ainda verificou-se que
muitas vezes a residência possui o dormitório a sala de estar e cozinha conjugada.
Outro fator considerável é o sanitário, agumas moradias possuem banheiros
internos, outras apenas bainheiros externos, ou fossas.

Ainda pode-se caracterizar 2 tipologias de habitações. A primeira tipologia


identifica-se por habitações que não possuem cômodos separados, ou seja, o
dormitório, cozinha, salas de estar e jantar são conjugados. A tipologia 1 atinge 23%
das moradias, e possuem de 2 cômodos onde o banheiro é separado (figura 14).
75

Figura 14: Planta Baixa da tipologia 1 das habitações.24

Fonte: Acervo Pessoal da Autora (2018).

A segunda tipologia trata-se que moradias que possuem cômodos separados,


dessa forma possuem quartos separados da cozinha e salas de estar e jantar. O tipo
2 possui um montante de 77% das residências e é caracterizado por 4 a 6 cômodos,
sendo geralmente cozinha e 1, a 4 dormitórios, mais banheiro (figura 15 e 16).
Figura 15: Planta Baixa da tipologia 2 das habitações 2 dormitórios. 25

Fonte: Acervo Pessoal da Autora (2018).

24 Nem todas as plantas baixas tem o mesmo lyout, entratanto verificou-se in loco que a maior parte
das habitações possiu a disposição representada na Figura 13.
25 Nem todas as plantas baixas tem o mesmo lyout, entratanto verificou-se in loco que a maior parte

das habitações possiu a disposição representada na Figura 14.


76

Figura 16: Planta Baixa da tipologia 2 das habitações 3 dormitórios.26

Fonte: Acervo Pessoal da Autora (2018).

Outra característica trata-se dos banheiros, geralmente são configurados como


anexos a residência, podendo variar o material constrtutivo, ou seja, por vezes de
madeira, por vezes de alvenaria (figura 13).

Apesar das descrições feitas anteriormente deve-se observar que as


habitações podem ter configurações diferentes conforme a necessidade das
famílias. Desse modo as imagens apresentadas nessa dissertação são de plantas
baixas que demostram uma maioria das edificações, entretando podem haver outros
lyouts de planta baixa.

Além disso durante a pesquisa pode-se observar que os moradores fazem


mudança nas unidades habitacionais conforme a necessidade. Em alguns casos
foram construídos novos dormitórios, em outros casos houve a ampliaçãp das áreas
de convivência, como: cozinha e sala de estar.

Também se destaca que conforme há melhorias na condição financeira


também são feitas melhorias nas habitações. As primeiras extruturas que ganham
melhorias são telhados e bainheiros, seguidos de acrésimos.

Outra característica marcante trata-se do material construtivo utilizada para


autoconstrução das unidades, em geral são confeccionadas de madeira. O uso da

26Nem todas as plantas baixas tem o mesmo lyout, entratanto verificou-se in loco que a maior parte
das habitações possiu a disposição representada na Figura 15.
77

madeira tem 2 motivos principais: material abundante na região, e a fácil remoção


da edificação caso ocorra um pedido de retomada de posse.

Outro fator importante a respeito das habitações é a presença de grandes


frestras, devido ao fato de que o material utilizado geralmente não tem um bom
acabamento. Assim a OCBV efetuou uma parceria com o Programa Brasil Sem
Frestas27, para efetuar algumas melhorias no condicionamento térmico das casas.

Figura 17: Imagens da aplicação das placas térmicas efetuadas pelo programa Brasil Sem Frestas.

Fonte: Acervo Pessoal da Autora (2018).

Constatou-se também que existe certo cuidado dos seus moradores, mantendo
as residências limpas, o que resulta em casas sempre bem apresentadas, com certo
conforto. Em geral, os terrenos são cercados e possuem algum paisagismo na área
interna, com exteriores também bem cuidados. Destaca-se que não há presença de
lixo ou entulhos no interior da OCBV.

As 141 habitações presentes na OCBV tratam-se de autoconstrução. A


autoconstrução de unidades habitacionais de baixo custo é feita pelos próprios
usuários, que assumem o compromisso com gestão e produção de moradias, bem
como compra de materiais construtivos ou contratando profissionais informais da

27 Programa Brasil Sem Frestras: Grupo de voluntariado, iniciado na cidade de Passo Fundo
- RS, com o intuito de melhorar o conforto térmico de habitaçãoes em condições precárias. São
confeccionadas placas com embalagens tetra pak, que são cortadas e costuras. A iniciativa permitiu
que as famílias pudessem ter um conforto imediato, sem depender de grandes investimentos ou
auxilio governamental. A partir daí foi criado o Brasil Sem Frestas, logo o projeto se espalhou para
várias regiões do Brasil.
78

área. Desse modo, evidencia-se que a autoconstrução é a forma predominante de


garantir o acesso à moradia pela população de baixa-renda, cujo volume superou
tanto o mercado formal quanto os investimentos do poder público (SÁ, 2009).

Maricato (2010) afirma que o controle sobre o uso do solo é muito precário e,
quando existe, o saneamento, a habitação e o transporte não têm nenhuma
regulamentação do poder público. Maricato (2013) ainda afirma que a essência
individualista/capitalista atribui os custos da habitação apenas como
responsabilidade dos trabalhadores, entendendo a moradia como um produto de
luxo, ocasionando a autoconstrução de residências e ocupações de espaços
inutilizados, como é o caso da OCBV.

2.3 CONFIGURAÇÃO SOCIAL: CARACTERIZAÇÃO DOS


MORADORES DA OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA

Para a caracterização social dos moradores locais, definiu-se que seria


aplicado um questionário, cujos números referentes ao censo realizado serão
apresentados no presente item. O questionário foi aplicado durante o período da
tarde em dois sábados distintos, das 14 horas às 18 horas. Nenhum morador foi
obrigado a respondê-lo, e 73 famílias das 100 aceitaram participar do trabalho 28 de
caracterização. Preferencialmente os questionários foram aplicados aos chefes de
família, nunca com as crianças.

A primeira questão busca identificar quem são os chefes das famílias,


correlacionando com a idade e o número de filhos das famílias que residem na
OCBV. No que diz respeito à faixa etária dos entrevistados, a maioria apresenta 30
a 35 anos, a média de idade é de 33,7, com desvio padrão de 12,92%, em que 4%
têm até 18 anos, 38% têm entre 19 e 29 anos, 22% têm entre 30 e 39 anos, 18%
têm entre 40 e 49 anos, 12% têm entre 50 e 59 anos e 6% têm acima de 60 anos.

Ainda se constatou que, no que se refere a os chefes de família, 62% são


femininos e 38% do sexo masculino. A média de número de filhos é de 3 filhos por

28 Nenhuma família foi obrigada a responder o senso, portanto 73 familias responderam as


perguntas do questionário.
79

pessoa, média que aumenta conforme o estado civil: quem é separado tem em média
4 filhos, quem é viúvo tem em média 5 filhos.

Figura 18: Gráficos sobre os chefes de família, idade média, e número de filhos29.
Chefe da Família Idade Nº de Filhos

6% 4% Até 18 anos 4%
13%
19 á 29 anos
Até 3
38% Homem 30 á 39 anos 18%
36% 4á6
62% Mulher
18% 40 á 49 anos
78% 7a9
23% 50 á 59 anos
Acima de 60

Fonte: Autora (2018).

Para identificar a razão pela qual as pessoas decidem ir morar em uma


ocupação urbana, foi elaborada uma série de questões. Primeiramente, perguntou-
se em qual cidade os moradores viviam antes de ingressar na ocupação, em um
segundo momento a questão é qual foi o grande motivador da vinda para a OCBV.

Sendo assim, o gráfico da Figura 19 relaciona os motivadores com a situação


na qual o ocupante morava anteriormente. No que diz respeito a qual cidade os
moradores residiam antes de ingressarem na ocupação, 83% das pessoas já eram
residentes de Passo Fundo, e inclusive moravam nas proximidades da ocupação, o
restante da população existente é de pessoas que moravam em cidades do entorno,
como Marau, Carazinho e Erechim.

A maioria dos participantes, 63%, residia em casas ou apartamentos alugados


com suas famílias. Além disso, 83% alegam que entraram para a ocupação devido
à falta de moradia própria. Porém, outras questões também foram apontadas como
incentivo da família ou de conhecidos, incentivo do movimento de luta pela moradia
e facilidade de acesso do bairro.

Figura 19: Gráficos sobre os motivos pelo qual levam as pessoas a irem morar em uma ocupação.

29A respeito do número de filhos, trata-se total de filhos que o questionado possui, e não a
quantidade de filhos que residem com ele no local do estudo.
80

Onde e como você morava antes de vir


Motivo de Ingressar na OCBV
pra cá você morava?
3% 7%
Incentivo MNLM
14% 2%

Incentivo Família
e Conhecidos
86% Facilidade de
acesso
88%
Falta de Moradia
Passo Fundo Fora de Passo Fundo

Fonte: Autora (2018).

As próximas questões comparam o número de habitantes em cada residência


com a situação geral dos moradores, se possuem alguma deficiência ou não e qual
o grau de escolaridade. No que se refere ao número de pessoas que residem nas
habitações, 52 famílias vivem com até 3 moradores por casa e a maior parte dos
moradores tem suas esposas (os), filhos e algum parente próximo residindo na
mesma casa.
Além disso, destaca-se que 10% das famílias que vivem no local têm um de
seus membros com algum tipo de deficiência motora ou intelectual. Assim existem
moradores tem dificuldades de locomoção, e inclusive usam cadeira de rodas.
Outro dado importante extraído do questionário diz respeito à escolaridade dos
ocupantes da OCBV: 58% dos moradores têm o ensino fundamental incompleto,
18% têm o ensino fundamental completo, 11% têm o ensino médio incompleto e 12%
têm o ensino médio completo. Quanto maior o nível de escolaridade, menor é o
número de pessoas que vivem na residência.

Figura 20: Gráficos sobre a caracterização dos moradores.


Mora com? Escolaridade

3% 6% 1% Analfabeto
4% Mãe/Pai
7% 11%
Outros Parentes Fundamental
12% Incompleto
Irmãos
36% Fundamental
Filhos Completo
18% 58%
44% Esposa (o) Médio Incompleto
Sozinho
Médio Completo

Fonte: Autora (2018).


81

Percebe-se que morar em uma ocupação nunca é a primeira escolha para um


cidadão, mas, devido a dificuldades financeiras, muitas vezes, essas pessoas são
obrigadas a se dirigir para esse tipo de local. Para Rolnik (2015, p. 181), “(...) altos
padrões e parâmetros urbanísticos provocam elevação do preço da terra, o que
dificulta – ou impossibilita – o acesso dos pobres a moradia urbana”.

No tocante ao trabalho dos residentes na OCBV, constatou-se que 82% dos


habitantes locais já trabalham com carteira assinada antes de ingressar na
ocupação.

Quanto à ocupação atual, destaca-se o trabalho informal, que atinge 25%, e os


trabalhadores domésticos, que são 19%. Na sequência, existem os trabalhadores
em indústrias, na construção civil e no comércio, e outros serviços chegam a soma
de 20%. Entretanto, o dado mais alarmante dessa categoria é que 36% da população
que respondeu o questionário não está trabalhando atualmente.

Segundo os dados coletados a respeito dos trabalhadores, geralmente um dos


membros da família trabalha, mas não necessariamente a pessoa que trabalha é o
chefe da família. Nesse caso, o chefe de família é qualificado como a pessoa
responsável por administrar a rotina do lar. Desse modo, pode-se considerar que
90% das famílias têm pelo menos um dos seus membros que trabalham, seja de
carteira assinada ou de forma informal.

Quanto à renda familiar, devido aos 36% dos participantes que não possuem
trabalho atualmente, é possível constatar que a média mensal é baixa, sendo que
82% dos moradores recebem até um salário mínimo (Figura 20). Além disso,
aproximadamente metade recebe meio salário mínimo. A renda se complementa em
33% dos casos com auxílio de programas sociais do governo (Bolsa Família,
Benefício de Assistência Social, etc.).
82

Figura 21: Gráficos sobre a caracterização financeira dos moradores.


Ocupação Atual Renda Familiar Possui Auxílio de
Prog. Sociais
8% 4% Indústria 1%
Até 1 salário
7%
Construção 17% min.
36% 33%
8% Civíl Até 2 salários Sim
Comercio min.
19% Não
82% Acima de 2
14%
4% Trab. salários min. 67%
Informal

Fonte: Autora (2018).

Atualmente, mesmo o trabalhador de classe média, que possui carteira


assinada, não tem acesso ao mercado formal da habitação. Portanto, regularizar o
salário com o preço da moradia é uma questão social, política e econômica. A
população deveria ter seu direito à moradia assegurado por políticas públicas.
Porém, dificilmente os trabalhadores terão acesso a esse bem se não houver
aumento no estoque geral de habitações (MARICATO, 2010).

As próximas questões tratam da satisfação dos moradores, primeiramente


quanto ao lote, seja dimensão ou localidade. Em segundo, a satisfação diz respeito
à forma de organização da OCBV e à autonomia de expressar opiniões e
participação.

Dos entrevistados, 71% concordam que o terreno é de bom tamanho. Os lotes


variam de 8m x 20m a 20m x 30m. 25% dos participantes não tinham noção da
metragem de seu terreno e alegaram que as medidas foram feitas por meio de
passos, e não com trenas, fato que impede de precisar o tamanho dos lotes.

No que diz respeito à acessibilidade, existe discordância: 31% disseram que


sentem às vezes dificuldade de acesso e 47% expuseram que nunca sentem
dificuldades de acesso. Esse aspecto tornou-se uma surpresa devido ao fato de não
existir pavimentação interna na OCBV, o chão batido que compõe a infraestrutura é
irregular e há alguns buracos causados pela ação da chuva30.

A infraestrutura foi um dos itens mais questionados, tanto para saber o grau de
satisfação, quanto para identificar a tipologia das habitações. A primeira pergunta
avalia o nível de satisfação pelo modo como a distribuição de lotes foi feita na

30Este dado diz respeito a sensação que os moradores têm em relação as ifraestruturas existentes
na ocupação.
83

ocupaçã e 61% dos moradores encontram-se satisfeitos com a distribuição de seus


lotes.

Outra pergunta relacionada à infraestrutura das habitações sinalizava quais


estruturas são existentes em cada residência visitada. Seguindo nesse mesmo
contexto, porém direcionado à moradia, 97% das habitações eram de madeira e
tinham piso de madeira. Em geral, as residências possuem três cômodos.

Figura 22: Gráficos sobre a caracterização das unidades habitacionais.


Material Construtivo Nº de Cômodos

3%

37%
4a6
2a3
63%

97%

Alvenaria Madeira

Fonte: Autora (2018).

A categoria seguinte relaciona o grau de satisfação com 3 questões importantes


para o funcionamento de uma Ocupação: a satisfação quanto à iluminação existente,
com a segurança presente no local e com a tipologia de transporte utilizado pelos
moradores.

No caso da satisfação quanto à organização da OCBV e à autonomia de


expressar opiniões, as mulheres sentem que têm mais autonomia e 44% da
população consideram o local bem organizado e estão satisfeitos com a forma de
atuação e organização da liderança para com a comunidade. Em geral, os
moradores que se sentem satisfeitos com a organização também se sentem
satisfeitos com a iluminação e a segurança do local ocupado; 49% revelam que se
sentem seguros no bairro e na OCBV, entretanto, 49% refere que a iluminação
existe, mas não é suficiente.

Nas perguntas relacionadas a categorias de moradia e de expectativa quanto


à permanência no local de estudo, o grau de satisfação foi muito bom. Grande parte
84

dos residentes da OCBV (73%) está contente pelo fato de ter moradia prorpia,
mesmo que ilegal, e, principalmente, pelo fato de não precisar pagar aluguel.

Alguns participantes admitem que querem melhorar seus domicílios,


principalmente quanto aos acabamentos, porém, devido à instabilidade daquela
área, os habitantes acabam deixando as residências cruas. O fato de não haver
segurança quanto a permanência no local na qual a ocupação está instalada, gera
insegurança quanto a realizar benfeitorias nas habitações, ou construção em
alvenaria.

Em geral, os moradores acreditam na regularização dos terrenos ocupados,


entretanto, existe grande preocupação por parte dos moradores quanto à
permanência no local.

Figura 23: Gráfico expectativa de permanência na área da Ocupação.


Espectativa quanto ao lote

16%

84%

Novo Terreno Regularizar

Fonte: Autora (2018).

Tagiba (2014) menciona em sua pesquisa que uma grande parte das pessoas
entra para o movimento de luta pela moradia independentemente de tê-la ou não
conquistado, ampliando a percepção da demanda como coletiva, a partir de
experiências que fortaleceram a relação entre a identidade individual. Esse
fenômeno é constatado na realidade da OCBV, quando os moradores alegam ter
adquirindo amizades e apreço pelos seus vizinhos.

A grande maioria dos residentes acredita que irão conseguir regularizar o


loteamento e permanecer com os atuais moradores. Destaca-se que 82% dos
moradores querem permanecer na área, enquanto 18% acham que terão que
negociar com o poder público e encontrar um outro terreno/região para construir sua
85

moradia e nenhum dos moradores acredita que terão ordem de despejo e serão
obrigados a buscar novos locais para morar.

Segundo Maricato (p. 50, 2004),

Os baixos salários pagos aos trabalhadores, além da abundante


oferta de mão de obra liberado do campo completam o quadro:
reprimidos em suas iniciativas reivindicatórias, sem poder aquisitivo
para compra a moradia no mercado imobiliário privado, sem oferta
significativa de moradia subsidiada financiada pelas políticas
públicas, incapaz de atender ao aumento dos aluguéis, a massa
trabalhadora urbana recorre a compra do terreninho ilegal, ou
constrói no terreno de parentes, ou invade terras que geralmente
são públicas (MARICATO, 2004, p. 50).

A exclusão social é a marca registrada do processo de urbanização (DAVIS,


2006). Com base nos instrumentos de coleta de dados (aplicação de questionário e
visitas in loco), verificou-se como é grande a desigualdade social, pois, a partir desse
questionário, foram realizadas perguntas a respeito das infraestruturas básicas
(saneamento básico, drenagem das águas pluviais, pavimentação asfáltica) que
existem no local de estudo.

Em suma, a população residente da OCBV encontra problemas enfrentados no


dia a dia, como a falta de água e de energia elétrica. Entretanto, mesmo com as
dificuldades muitos moradores tem a sesação de que conquistaram mais um lar,
alegando terem adquirido dignidade31.

Esses locais irregulares têm mais que valor monetário. A aquisição da casa
própria, além de melhorar a estabilidade financeira, possibilita a realização de coisas
simples, como alimentar seus filhos (MARICATO, 2004).

31 Sensação dos moradores.


86

CAPÍTULO III. EXTRUTURAS SOCIAIS QUE COMPÕEM UMA


OCUPAÇÃO URBANA: CASO OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA

“[...] as vozes que ecoavam nas ruas vinham de movimentos coletivos e pessoas que expressavam
um múltiplo e vasto campo de dissenso em relação as cidades e aos países que vivem”
(Raquel Rolkink 2015, p. 372).

A falta de um bem indispensável à vida humana geralmente é resultante na


organização sociopolítica de pessoas que reivindicam seus direitos negados. O
fenômeno de união é bastante presente na América Latina e em diversos países do
hemisfério sul. À luta pela habitação segue-se a luta pelo acesso aos serviços
urbanos, aos equipamentos comunitários necessários à educação, à saúde e à
mobilidade urbana. Essas condições são indispensáveis para a integração do
ambiente e ao exercício do direito à cidade (LEFEBVRE, 2012).

Os direitos sociais que constam na Constituição brasileira revelam uma


normativa que se preocupa com os menos favorecidos, visando a solucionar os
problemas que atingem o corpo social da nação. Entretanto, vê-se que essa
legislação é constantemente negada a uma parcela da população e, diante desse
contexto, os movimentos sociais têm caráter de luta e de esperança, buscam a
modificação da uma realidade, procuram levar aos cidadãos igualdade,
solidariedade e humanização (MARICATO, 2011).

No Brasil, os movimentos surgidos após o regime militar são caracterizados,


especialmente, pelas reivindicações por terras urbanas e rurais diante de um modelo
econômico que privilegia as áreas urbanas para as pessoas que possuem capitais e
excluindo várias famílias do direito à habitação (ROLNIK, 2015). Desse modo, esses
movimentos veem a necessidade de modificação do modelo de sociedade atual,
encontrando na organização um modo de serem mais participativos nas questões
políticas que envolvem o país (TAGIBA, 2014).

Esse capítulo trata da forma como os agentes sociais ligados à dinâmica da


moradia se estruturam e será dividido em categorias, para melhor compreensão das
percepções dos entrevistados. Assim, será evidenciada a forma de adquirir moradia
apropriada à população que não a possui. Para tanto, serão apresentadas
87

entrevistas semiestruturadas (Anexos B e C) com lideranças do MNLN, da CDHPF


e da OCBV, na intenção de compreender a constituição de uma ocupação urbana
em diferentes perspectivas. Como síntese, das entrevistas serão apresentados
mapas conceituais através de nuvem de palavras, na tentativa de unir as concepções
de todos os entrevistados.

3.1 O CONTEXTO DA LUTA

O enfoque que será tomado para essa pesquisa, a partir desse momento, trata
do contexto no qual a ocupação foi implementada. Para tanto, serão analisadas as
falas dos membros da liderança da OCBV, assim como dos coordenadores dos
movimentos e das entidades apoiadoras. Verifica-se que o fator primordial da
constituição de uma ocupação urbana são os altos valores pagos pelo aluguel.

Antes de entrar de fato no diagnóstico sobre a formação da OCBV, é necessário


identificar os atores (além dos moradores) que estão envolvidos nesse contexto. A
equipe de liderança da OCBV hoje é composta por quatro integrantes que vivem o
cotidiano da comunidade e, portanto, tomam as decisões mais complexas e passam
para os demais moradores. Também existem apoiadores externos, que fazem parte
do núcleo de gestão e são incumbidos de dar assistência técnica, como, por exemplo,
advogados que fornecem auxílio jurídico e militantes do direito à moradia, que têm
experiência com a dinâmica dos movimentos de luta por direitos humanos básicos.

Dessa forma, foram realizadas entrevistas com dois membros da liderança que
estão vivenciando todos os dias a complexidade da organização. Devido a uma série
de fatores externos à ocupação, como problemas familiares e de saúde, não foi
possível entrevistar todos os líderes. Entretanto, considera-se que, ainda assim, foi
possível compreender o sistema de atuação da liderança com o conjunto de visitações
e observação in loco e entrevistas semiestruturadas.

O Entrevistado da Liderança 1 (EL1) é morador, está presente na ocupação


desde o princípio e “O que fez eu entrar aqui e ser hoje uma liderança foi a
necessidade, e eu me identifiquei com ela”. Por outro lado, o Entrevistado da
Liderança 2 (EL2) não é morador da ocupação, é participante de uma antiga ocupação
88

próxima à OCBV, que atualmente possui os lotes legalizados e com infraestrutura.


Dessa forma, esse líder é considerado pelos demais de suma importância para a
consolidação da ocupação, devido aos conhecimentos anteriores de gestão que já
havia exercido.

Ainda existem os movimentos apoiadores, dentre eles destaca-se o MNLM e a


CDHPF. Cada entidade tem o seu papel fundamental na existência da ocupação.
Desse modo, as entrevistas realizadas com estes apoiadores (roteiro no Anexo B) têm
como objetivo compreender o papel da entidade ou movimento social na constituição
e consolidação da OCBV.

Foram realizadas 3 entrevistas com membros de entidades apoiadoras, 2


membros do MNLM e 1 membro da CDHPF. Hoje, existem vários apoiadores
individuais, ou seja, que não respondem por nenhuma entidade ou movimentos
sociais, são apenas pessoas que são solidárias à luta pelo direito à moradia.

O primeiro entrevistado foi o representante estadual do Movimento Nacional de


Luta Pela Moradia (EMNLM1) no diretório nacional do movimento. O segundo
entrevistado também pertence à coordenação estadual do Movimento Nacional de
Luta Pela Moradia (EMNLM2). O terceiro entrevistado é membro da coordenação da
Comissão dos Direitos Humanos de Passo Fundo (ECDHPF1).

O ponto inicial a analisar, a partir das entrevistas, é o contexto que contribuiu


para a formação em que está inserida a ocupação. Maricato (2004) relata as causas
que geralmente levam a população a ocupar um espaço de terra, dentre os quais
destacam-se o pagamento do aluguel que consome grande parte da renda familiar,
falta de políticas de habitação, acesso à moradia dificultado, moradores que residem
de favor em casas de familiares ou de terceiros, pessoas que vieram de outras cidades
e de outros estados em busca de melhores condições de vida.

Na compreensão da EL2 (2018), a constituição de ocupações urbanas está


relacionada com o alto custo da moradia: “O pessoal não tinha mais como pagar
aluguel, não tinha mais como sobreviver. Daí, chega um momento em que a gente se
obriga. Eu, aqui, também naquele tempo, eu tinha meus filhos, não tinha onde morar,
então me obriguei também a morar em uma ocupação e é isso que acontece.”
89

Esse aspecto é validado para o caso da OCBV, tendo em vista que, conforme
dados retirados dos questionários, 88% dos moradores alegam estar vivendo em uma
ocupação porque não possuem moradia própria. E ainda se destaca que 82% da
população que mora na ocupação têm a renda familiar de até 1 salário mínimo.

Essas questões também são descritas pelos entrevistados, afirmando que a


situação financeira é o grande motivador da existência de ocupações urbanas: “(...)
Mas na maioria das vezes, na nossa compreensão, na nossa escuta, quem vai para
uma ocupação é porque não tem alternativa, é esse o limite, não consegue mais pagar
aluguel, ou marido, esposo e a mulher ficaram desempregados (ECDHPF1, 2018). ”

Maricato (2003, p. 161) enfatiza que “A sociedade brasileira protelou longamente


as providências para o enfrentamento dos problemas urbanos, dos quais a questão
fundiária/imobiliária citada aqui é central, mas não a única”.

Desse modo, dificilmente as políticas públicas de moradia, sejam em esferas


nacionais, estaduais ou municipais, conseguem atender às faixas de renda baixa,
apenas facilitam a moradia média e média baixa. O Sistema Financeiro da Habitação
(SFH) e o Plano de Arrendamento Residencial (PAR) são exemplos de programas que
prometeram financiamento para uma faixa de renda e acabaram por beneficiar outra
(MARICATO, 2004).

Como visto anteriormente, a busca pelo acesso à moradia é o principal fator que
leva alguns cidadãos a buscar ingressar em uma ocupação urbana, segundo os
entrevistados. Entretanto existem outros fatores que estão ligados à falta de política
pública eficiente: “A miséria, a falta de política pública, a falta de atenção do poder
público para com o povo mais pobre desse país (EMNLM1). ”

Deve-se compreender o papel do Estado como um dos principais produtores do


espaço urbano, e as consequências causadas pela falta de cuidado desses espaços.
Para Harvey (2014), deve-se considerar responsabilidade do poder público os
investimentos em infraestrutura e também os efeitos da negligência no que se refere
às ações que contribuem para a diminuição da desigualdade social, que ocorre nesses
locais informais.

Entende-se, a partir das entrevistas, que o poder público constantemente se


abstém da responsabilidade pela moradia. Segundo EMNLM1:
90

“(...) o poder público está encarregado de] todas as relações que


isso representa: a dignidade de viver, a construção de moradia, a
disputa judicial para que a justiça não faça reintegração de posse,
a responsabilização do poder público municipal, de que ele é,
segundo a Constituição, responsável pela produção de moradias,
ao cuidado e zelo com o seu povo e todas as relações pessoais que
isso representa (EMNLM1, 2018). “

Assim, as políticas públicas acabam tornando-se ferramentas relevantes para


atingir bens básicos à sobrevivência. Sen (2010) reitera que as políticas públicas têm
um papel fundamental, pois propiciam o maior equilíbrio social e desenvolvimento
humano, pela possibilidade de garantir acesso a bens imprescindíveis para a vida
humana.

Dessa forma, fica claro que para acessar o mercado legal da moradia é
necessário atingir rendas médias é esse é o maior fator que inviabiliza as políticas
públicas voltadas às faixas de menor renda, que são os moradores das ocupações
urbanas (MARICATO, 2004).

O papel do governo nesse processo é de suma importância, criando, nesse caso,


programas de assistência à moradia. Entretanto, salienta-se que o acesso à moradia
é dificultado pelas vias institucionalizadas, porque é necessária a comprovação de
renda como um dos pré-requisitos. Isso se torna impossível em alguns casos, tendo
em vista que muitas dessas pessoas estão fora do mercado de trabalho (BATTAUS e
OLIVEIRA, 2016).

A exemplo desse contexto, a OCBV possui 100 famílias, dessas apenas 39%
encontra-se empregadas em vias formais, ou seja, com carteira assinada. O ECDHPF
ainda destaca que os moradores das ocupações têm a pretensão de arcar com as
despesas da sua moradia. Porém, desde que ela seja condizente com sua situação
financeira: “[...] a gente não quer de graça, a gente quer apenas que seja criado algo
acessível dentro das condições que nós temos, ou seja, ninguém está pedindo nada,
o pessoal quer pagar, mas quer pagar dentro daquilo que é as suas condições
financeiras.”

Outra questão levantada pelos entrevistados trata-se da especulação imobiliária


que ocorre em todo o país e acaba inflacionando o valor dos lotes. A especulação
imobiliária tem como característica obter lucros acima da média dos demais
investimentos, tardando a venda ou o aluguel de um imóvel ou lote para um momento
91

futuro. Isso promove da valorização do espaço e atende aos interesses do capital,


criando esses espaços ociosos (LELIS, 2015).

O ECDHPF1 fala a respeito da especulação imobiliária existente em Passo


Fundo:

E com isso também nós fazemos a denúncia da especulação


imobiliária, né? Que também... porque existem terrenos no centro
da cidade de Passo Fundo, por exemplo, e não se vende, estão ali
de modo econômico pensado e tal. E, por outro lado, nós temos
cidades pensadas vazias, quando você olha a Cidade Nova32
(ECDHPF1).

Além disso pode-se observar que existe uma discordância entre os diferentes
atores que produzem o espaço urbano e dos interesses que os motivam. As cidades
brasileiras têm o resultado de um conjunto de interesse entre ganho do capital
econômico, e por outro lado, necessidades sociais. Essa conjuntura, por vezes, cria
espaços vazios na malha urbana (HARVEY, 2014).

Esses espaços dificultam a dinâmica urbana. Embora existam investimentos


públicos em infraestrutura, não existem moradores para ocupar aquelas áreas pois
seus proprietários aguardam a valorização da área. Esse é um dos motivos pelo qual
a população é expulsa dos centros com infraestrutura, além de propiciar a formação
de ocupações urbanas (LELIS, 2015).

As cidades de médio porte, a exemplo de Passo Fundo (RS, Brasil) (IBGE,


2017), também se caracterizam pela especulação imobiliária e pela segregação
espacial. Provocando, assim, o surgimento de zona de vazios não planejados, que,
se somados ao déficit habitacional, têm como consequência, muitas vezes, o
surgimento de ocupações irregulares (VILAÇA, 1998; PASSAMANI E REIS, 2013).

A liderança da OCBV tem sua visão a respeito da situação dos vazios urbanos
e da especulação imobiliária que ocorrem na cidade de Passo Fundo:

O único jeito é ocupar se eles [o poder público] não estão cumprindo


com a palavra deles, com o que é para eles fazerem o pessoal tem
que ocupar mesmo. Eu acho assim que tem que ocupar mesmo.
Se as pessoas não ocupam, olha quantos terrenos tem “aí” que o

32 Cidade Nova: bairro planejado da cidade de Passo Fundo, que atualmente tem 20% de ocupação.
92

pessoal compra e deixam aí abandonado e não usam. Se eles não


vão usar, então dê pra alguém (EL2, 2018).

Isso significa que existe um papel na criação dos vazios urbanos nessa dinâmica
de ocupações. Segundo EMNL2, existem vazios urbanos e esses devem cumprir a
função social da terra, e, para isso, são ocupados pela população que se encontra em
déficit habitacional.

Então, é o papel fundamental do movimento, a gente analisa que


tem grandes vazios urbanos nos grandes centros urbanos, nas
cidades de porte médio, onde a terra serve para ser especulada, e
tem grandes vazios urbanos que devem ser ocupados para que a
aterra cumpra com a sua função social, conforme determina a
Constituição de 1988 nos artigos 182 e 183, que garante o acesso
à moradia e o acesso à terra urbana para que as pessoas tenham
uma melhor qualidade de vida (EMNLM2, 2018).

O urbanismo contemporâneo não se trata do chamado urbanismo funcional, ou


seja, pensado e planejado. Pode-se referir ao urbanismo atual como cidade medieval
e não como cidade moderna, devido à formação orgânica e espontânea que surge da
cidade informal. Entretanto as características desse urbanismo vão além da
disposição e do formato da malha urbana. Existem questões de circulação viária, falta
de rede de vias de pedestre, falta de infraestrutura, como coleta do lixo de forma
adequada, entrada de ambulâncias e fornecimento de energia elétrica e agua potável
(MARICATO, 2003).

Considerando o caso da OCBV, no capítulo anterior caracterizou-se a


infraestrutura existente. Assim destaca-se a ausência de pavimentação das vias de
veículos e pedestres, deficiência de saneamento básico. Sobre essa perspectiva o
EL1 descreve a realidade que se enfrenta em uma ocupação: “(...) ninguém iria querer
viver sofrendo, aguentando desaforo, ficando sem água, sem luz porque quer.
Ninguém iria querer isso, [as pessoas] foram [para a ocupação] porque não tinham
como se manter.

Sobre essa perspectiva, ainda o EMNLM2 destaca que não existe acesso a bens
e infraestruturas públicas devido à irregularidade do local:

(...) urbanização dela [da área ocupada] para que as famílias


possam ter acesso aos bens e serviços públicos com dignidade.
Então, aqui, no nosso município, a gente vê que são 3 anos e meio,
de luta, e que é negado inclusive com acesso a água, para essas
93

famílias que moram lá. Então são questões básicas que as famílias
não estão sendo atendidas, nem médico entra lá (...) (EMNLM2,
2018).

Para sintetizar a opinião dos entrevistados a respeito do contexto no qual se


constitui uma ocupação urbana, dando enfoque ao caso Chácara Bela Vista, foi
efetuada uma nuvem de palavras com as que mais foram mencionadas pelos líderes
e apoiadores.

Figura 24: Nuvem de Palavras: contexto de constituição das Ocupações Urbanas.

Fonte: Autora (2018).

Observa-se que existe uma série de fatores que foram apontados como os
causadores de uma ocupação urbana. Como visto anteriormente, por meio da
bibliografia, e também dos questionários e entrevistas, é unânime a condição do
pagamento do aluguel como o principal motivador.

Além disso, pontuam-se outros temas que estão relacionadas às finanças,


como a necessidade de escolher entre pagar o aluguel ou comprar alimentos, a
dificuldade do acesso à moradia por vias institucionalizadas, a falta de políticas
públicas voltadas à moradia.

Por outro lado, também foram mencionadas questões que remetem ao


direito de ocupar a terra abandonada. Os entrevistados apontaram que existe um
meio de garantir direito à moradia, e este seria ocupando a terra que não cumpre
com a função social. Entretanto ocupar a terra não garante condições dignas de
94

moradia, é necessário identificar que o acesso à moradia adequada só é possível


quando existe o acesso a outros bens. Nesse caso, o acesso as infraestruturas
básicas como água, luz, ou seja, meios que criam uma condição digna de moradia.

Num parâmetro geral, a desigualdade social acarreta muitas consequências,


a mais importante delas é a segregação urbana. Existe uma dificuldade de acessos
a moradia, infraestrutura e serviços (transporte precário, saneamento deficiente,
drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de
saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e
desmoronamentos etc.) (BATTAUS e OLIVEIRA, 2016).

Ainda, pode-se mencionar menos oportunidades de trabalho e


profissionalização, discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças,
difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista de estruturas e direitos que
são negados a pessoas que vivem em locais irregulares é interminável (MARICATO,
2003).

3.2 A (IN) EFETIVIDADE DO DIREITO À MORADIA

A segunda categoria propõe uma análise sobre a efetivação do direito à moradia.


Assim, será retomado o estudo da legislação que garante esse direito, bem como a
opinião dos atores inseridos no contexto da ocupação.

O direito à moradia é um direito essencial para permitir a possibilidade de uma


vida digna e o cumprimento dos direitos fundamentais, garantindo condições mínimas
como o direito à cidade, a questão do saneamento básico, higiene, o convívio
comunitário e a privacidade familiar. Com o estudo de caso apresentado nesta
dissertação é possível verificar distanciamento entre a moradia adequada e o direito
fundamental do ser humano, reconhecido por diferentes tratados e convenções
internacionais e nacionais, e a real e efetivação desses conceitos nas políticas
públicas.

Os direitos sociais são efeito de mobilizações sociais, que reforçaram a


importância de se compreender a necessidade de garantir o mínimo para uma vida de
95

qualidade. Esses direitos são reconhecidos no âmbito internacional em documentos


como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 (LEFBEVRE, 2012).

Como visto anteriormente, o direito à moradia, também está garantido na


Constituição Federal de 1988. O artigo 182, em seu inciso 2º, trata da função social
da propriedade urbana, assim: “A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor”. E no artigo 183 garante-se a usucapião33 da terra:

Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e


cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Para a coordenação da CDHPF, o direito à moradia é algo básico à


sobrevivência:

O direito à moradia já está prescrito desde a Declaração Universal


dos Direitos Humanos, né? Depois, ela vai ganhar força com a
Constituição de 1988. Então o Direito Humano é um direito
inviolável, a gente entende, enquanto instituição, que a garantia da
moradia ela vai além de ter uma casa. Então, é direito de morar
bem, comer bem, de dormir e de estudar (ECDHPF1, 2018).

Sob a mesma perspectiva encontra-se uma parcela da população que não tem
onde morar. E ainda se percebe que não existem avanços reais para a população que
mais necessita de moradia adequada, nem responsabilidade integrada do poder
público no sentido de usar de todos os esforços necessários para respeitar, proteger,
promover e realizar, adequadamente, o direito humano à moradia (KALIL, 2006).

A respeito do direito à moradia a liderança da OCBV é bem clara: “O direito à


moradia existe, mas acontece que não é cumprido. Existe faz tempo, faz muitos anos,
mas não é cumprido com a função que teria que cumprir com as famílias, né? (EL2)”.
Sob essa perspectiva é que terrenos ou edificações ociosas em área urbana que não
atendem à sua função social tendem a ser ocupados.

33Usucapião é o direito que o indivíduo adquire em relação à posse de um bem móvel ou imóvel
em decorrência da utilização do bem por determinado tempo, contínuo e incontestadamente.
96

Sobre esse aspecto, a ocupação do solo segue uma estrutura informal e se


constituem diversas ocupações urbanas. Para os movimentos sociais, a terra deve
cumprir com a função social e, em razão disso, a efetivação do direito à moradia está
em ocupar terras vazias:

Primeiro que é direito. Ocupar terra hoje é respeitar a Constituição


brasileira, no seu artigo 5º, que diz que terra tem de cumprir sua
função social. Então, o que o movimento como o MNLM faz é fazer
com que a Constituição brasileira seja transportada na vida
concreta do direto fundamental à moradia (EMNLM1, 2018).

Segundo o EL1 a OCBV, é de forma organizada e definida em terrenos ociosos


que não estão cumpridos a função social, desrespeitando, assim a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade.

A Ocupação Bela Vista está cumprindo um direito que é o direito da


moradia, que é o direito do uso da terra. A terra tem que cumprir
com a sua função social, e nós estamos cumprindo com a função
social da terra, que é ocupando ela, por ser uma terra abandonada,
e estamos morando nela. Nós ocupamos, era uma terra de anos, e
nunca teve nada nessa terra, estão nós estamos cumprindo a
função da terra mesmo, que é o direito à moradia (EL1, 2018).

Um elemento positivo que foi constatado é o conhecimento que a liderança tem


sobre a legislação, levando em consideração que muitos deles nunca tiveram contato
com a parte jurídica da questão moradia. Além disso, salienta-se a importância no
estudo do Direito e sua aplicação como área de conhecimento.

Essa peculiaridade demostra o trabalho efetivo da CDHPF e do MNLM na


formação de autores capazes de compreender diferentes situações, tanto as mais
complexas quanto as mais acessíveis. E no que se refere ao direito à moradia, é
essencial que os atores saibam como agir num contexto desfavorável.

Além disso, o direito à moradia representa muito mais que ter um lugar para
morar, mas conduz a uma perspectiva de recomeço, tornando-se uma conquista de
direitos para moradores de ocupações urbanas. “Moradia essa que não é só teto, e
sim tudo que é necessário para uma família viver com dignidade. Portanto é saúde,
educação, é infraestrutura, equipamento público, transporte, trabalho, lazer, ou seja,
tudo aquilo que compõe a dignidade do ser humano (EMNLM1, 2018) ”.
97

Assim, o direito à moradia é um direito social e que tal direito cabe ao Estado
efetivá-lo. Para Maricato (p. 160, 2003),

A questão central não está na lei em si, ou seja, na sua


inadequação, mas na sua aplicação arbitrária. Estamos
questionando a justiça e não a lei embora seja preciso reconhecer
que a clareza e a precisão do texto legal nunca está completamente
desvinculado de sua aplicação (MARICATO, p. 160, 2003).

Isso significa que existem leis que garantem o direito à moradia, mas não são
efetivas. Primeiramente, porque as leis não são de fácil aplicação. Maricato (2003)
destaca dois grandes obstáculos para o cumprimento das legislações vinculadas à
moradia. O primeiro é a reforma urbana preconizada pelos movimentos sociais, que
conseguiram incluir na redação alguns detalhes que remeteram à aplicação de alguns
instrumentos, como o IPTU progressivo para imóveis não utilizados ou subutilizados,
via lei complementar (MARICATO, 2003). Isso significa que existem diretrizes para a
aplicação da lei do IPTU progressivo. Entretanto, a prefeitura de cada município deve
criar uma lei específica quanto a valores cobrados e fiscalização de áreas em desuso.

O segundo obstáculo é que um dos instrumentos de reforma urbana foi a


elaboração do Plano Diretor, criado de outras legislações, o que acabou dificultando
o cumprimento e o entendimento do que está escrito na Constituição de 1988, que
deveria ser a legislação superior a todas as outras (MARICATO, 2003).

A respeito do IPTU progressivo, a CDHPF tem sua opinião:

(...) nós temos uma grande crítica quando a gente olha para as
ocupações urbanas de Passo Fundo. É que nós temos sinalizado
para o próprio município e temos feito essa reflexão que tem muitos
vazios urbanos, que não estão cumprindo com a sua função social
porque não paga o IPTU progressivo (ECDHPF1, 2018).

Diante das entrevistas, pesquisa bibliográfica e estudos realizados in loco, pode-


se afirmar existe uma dificuldade de cumprimento da Constituição de 1988 nos artigos
182, e 183 que tratam do direito à moradia. Segundo Harvey (2014), o mundo está
cheio de obstáculos que devem ser resolvidos e superados para efetivar
verdadeiramente o direito à moradia digna para todos.

Assim pode-se entender que a ilegalidade das ocupações urbanas não é


resultado de uma atitude de confrontação em relação à legislação, mas sim resultado
98

da falta de opções (MARICATO, 2004). Segundo Maricato (2004), a produção


capitalista costuma pagar pequenos salários aos seus trabalhadores. Com isso, o
mercado de trabalho informal cresce, do mesmo modo que a moradia obtida via
mercado informal.

A coordenação do MNLM menciona dados importantes sobre a fata de escolha


no que se refere ao acesso à moradia:

São 6 milhões de pessoas que não têm onde morar, e 8 milhões de


pessoas que moram em condições indignas, que não têm acesso a
água, a luz, a saneamento. Então, é uma realidade problemática,
por conta de uma sociedade capitalista, perversa que não permite
o acesso à moradia (EMNL2, 2018).

A nuvem de palavras a seguir contém um conjunto de palavras mencionadas


várias vezes pelos coordenadores das instituições apoiadoras e líderes da OCBV.
Esse exercício tem o intuito de resumir a ideia dos entrevistados a respeito do direito
à moradia e como as ocupações urbanas estão inseridas nesse contexto.

Figura 25: Nuvem de Palavras: Direito à Moradia.

Fonte: Autora (2018)

Por meio da nuvem de palavras acima, percebe-se que o Direito à Moradia


pode ser alcançado de várias formas: através da legislação, que garante o acesso
a esse bem, ocupando terras vazias, com organização dos movimentos à moradia.
99

Primeiramente, pontua-se o conhecimento de legislação que os


entrevistados demostram ter. Foram citadas a Constituição Federal de 1988, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e o IPTU progressivo. Esses itens
mencionados, garantem o direito à moradia por meio de leis, entretanto, são um
conjunto de normativas que não são cumpridas.

Dessa forma, com a fata de efetividade do cumprimento da legislação


vigente, a população encontra alternativas de usufruir do direito à moradia.
Também foi denunciada a especulação imobiliária que ocorre em Passo Fundo,
criando vazios urbanos. Dessa forma, ocupar a terra com moradias é uma forma
de utilizar a terra abandonada, e, portanto, garantir o direito à moradia. A busca dos
direitos básicos só será possível através da organização, ou seja, com coletividades
entre ocupações, moradores, entidades e movimentos sociais.

Segundo Battaus e Oliveira (2016), a Política Nacional de Habitação tem


alvos práticos, diretrizes e estratégias para viabilizar uma série de elementos em
relação à cidade. Os fatores principais são ter acesso a condições de moradia
digna, urbanizada e integrada à cidade, a todos os segmentos da população e, em
especial, à população de baixa-renda.

Entretanto, mesmo com essas diretrizes, o direito à moradia não é efetivado de


modo satisfatório pelo Estado, uma vez que as políticas públicas de acesso a lotes e
a moradias têm-se mostrado pouco eficientes, restando às pessoas, como única
alternativa, recorrer à ocupação de propriedades que não estariam cumprindo sua
função social (LIMA, 2012).

3.3 ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO

A terceira categoria trata da sistematização de atividades que existe entre os


movimentos e as entidades que apoiam e ajudam na existência da OCBV. O objetivo
é compreender como se estruturam os diferentes movimentos e entidades que
compõem a organização, juntamente com a própria liderança da OCBV.

O movimento de moradia é, hoje, um dos principais movimentos populares no


Brasil. A bibliografia refere que suas origens são firmadas nas lutas de moradores de
100

cortiços contra as altas taxas de água, luz e IPTU, os abusos dos intermediários, os
despejos sem aviso prévio e pela regulamentação de loteamentos no final dos anos
1970 e início dos anos 1980 (GOHN, 2010).

E, em referência a esse cenário de negação de um direito básico de cidadania


que existe durante um longo período de tempo no Brasil, o movimento de moradia
surge como ator coletivo, sob a chave do direito à moradia digna. A OCBV é um
exemplo desses movimentos que existem em torno da situação de negligência quanto
ao contexto habitacional.

A OCBV tem várias características: pensar estratégias de resistência, negociar


com o poder público, fazer enfrentamento judicial. Entretanto a principal peculiaridade
que foi verificada no decorrer do trabalho é a sistematização de ações.

Nesse contexto, constatam-se duas dimensões de atuação: interna e externa,


ambas desenvolvidas pela liderança juntamente com os apoiadores. Primeiramente,
a programação consiste em atender às demandas a serem executadas dentro OCBV
a exemplo de implementação do desenho urbano, melhorias na infraestrutura,
resolução de conflitos entre moradores e comemorações. E, em um outro segmento,
existem as ações desenvolvidas fora da ocupação: mediações com o poder público
municipal e Judiciário, arrecadação de doações, mobilização junto a outras ocupações
da cidade.

Dessa forma, foi evidenciada, no capítulo anterior, a ordenação do desenho


urbano existente na OCBV e, com isso, foi possível perceber a regularidade dos lotes
e vias. Além disso, existe a característica de seguir algumas diretrizes propostas no
Plano Diretor municipal como lotes maiores que 200m² e recuo frontal de 4m. Essas
características foram possíveis através de um conjunto de lideranças que atuou na
composição da ocupação.

Dessa forma, existe um sistema de líderes que cumprem o papel de gestores.


As principais tarefas exercidas por eles são a garantia de direitos de moradia e
saneamento básico e melhora na infraestrutura existente. Desse modo, as entrevistas
têm como objetivo responder como ocorre o funcionamento administrativo e político
da ocupação. O roteiro das entrevistas semiestruturadas com a liderança está no
Anexo C desse trabalho.
101

Denomina-se, nesse caso, liderança como um conjunto de pessoas que


cumprem o papel de gerenciamento e de coordenação da OCBV. Não existe um
comando hierarquizado, ou seja, não existe presidente ou vice-presidente, todos os
líderes têm o mesmo peso quanto a quaisquer decisões que ocorrem interna e
externamente à ocupação. A liderança é caracterizada por um coletivo de pessoas
que cumprem com papéis específicos, como finanças, publicidade, organização de
atos, arrecadação de doações, melhora na infraestrutura.

O EL1, morador da OCBV, tem a função de divulgar o trabalho realizado pela


ocupação na garantia da moradia, assim como eventos internos e eventuais atos em
busca de direitos: “Eu tive a clareza de logo quando cheguei que eu só ia conseguir
alguma coisa se eu fizesse parte desse grupo, somasse junto[...]. Então eu pensei na
criação de uma página [web], para a divulgação de imagens, e me interessei pela luta
cada vez mais. ” (EL1).

O papel que a liderança exerce é observado pelo EL2 como de colaboração: “O


nosso papel da liderança é construir, ajudar as pessoas se organizarem a melhorar a
ocupação, a melhorar as famílias e ajudar. ”

Nota-se que cada líder possui uma função determinada. Entretanto foi possível
observar que os cargos ocupados pela liderança não são fixos, podendo ser trocados
em determinados momentos e conforme a necessidade da conjuntura.

Segundo Gohn (2014) existem movimentos sociais reivindicatórios. Nessa casa,


os atores focam suas ações em exigências imediatas. A OCBV se caracteriza como
um movimento social reivindicatório. Esses movimentos utilizam da pressão pública
para efetivar seus direitos. Essa característica é mencionada pelo EL1:

(...) a gente botou o povo na rua, somou, o momento mais histórico


e dramático foi ficar uma semana acampado na rua em frete à
prefeitura. Isso marcou muito, marcou nossa sociedade. Outro
momento foi mostrar à sociedade quem são os ocupantes da terra,
porque se dizia que eram muitos vagabundos, indigentes, pessoa
que se aproveitam, e quando criamos a página, começamos a
mostrar para a sociedade quem a gente realmente era. A partir do
primeiro que botou mais de 500 pessoas na rua, foi um dos
momentos mais históricos e marcantes para nós (EL1, 2018).

A união de movimentos sociais, entidades, pessoas físicas e jurídicas como


apoiadores é uma característica da OCBV. Esses movimentos são responsáveis pela
102

organização e pela formação de lideranças. Nesse segmento, destaca-se o MNLM e


a CDHPF, que estão presentes no cotidiano da ocupação. Ainda existem pessoas
físicas e jurídicas que geralmente fornecem doações de roupas, materiais escolares,
alimentos, brinquedos, dentre outras coisas, além de fornecer ajuda técnica quando
necessário, através de auxílio jurídico ou na divulgação das atividades realizadas pela
ocupação.

O MNLM é conhecido por estar à frente de ocupações urbanas por todo o país,
mais precisamente em 18 estados do país. Segundo o EMNLM1: “O MNLM tem como
objetivo fundamental organizar o povo sem teto, organizar o povo que mora nas
cidades e não tem o direito à cidade reconhecido, para buscar deste reconhecimento
do direito fundamental à moradia. ”

O movimento ainda cria uma análise da situação urbana e de moradia e, em


alguns casos, sugere que haja uma ocupação urbana, geralmente proveniente de uma
terra vazia. Em conjunto com a ocupação, o MNLM trabalha com a gerência, ou seja,
implementando um sistema hierárquico, e ações para garantir o direito à moradia.

O EMNLM2 caracteriza as ações desenvolvidas em conjunto com a OCBV:

Nós ajudamos a coordenar a ocupação, montamos a coordenação,


montamos a organização lá dentro da ocupação, e articulamos a
ocupação com as outras ocupações da cidade para que elas se
fortaleçam. A gente busca junto à prefeitura para que a prefeitura
cumpra seu papel do poder público de garantir o direito ao acesso
à moradia para as famílias que não têm onde morar. Então através
das reivindicações, de pautas de reivindicações, a gente
encaminha para o poder público municipal, esse é o nosso papel
junto ao Poder Público, cobrar para que o direito à moradia seja o
direito reconhecido pelo Poder Público municipal, estadual e federal
(EMNL2, 2018).

O MNLM identifica-se como um “movimento social progressista”. Para Gohn


(2014), esse tipo de movimento atua segundo uma agenda emancipatória, realizando
diagnósticos sobre a realidade social e construindo propostas, com vistas a articular
ações coletivas que atuem como resistência à exclusão e lutem pela inclusão social.

Por outro lado, a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) é


uma entidade da sociedade civil que articula indivíduos para apoiar organizações
sociais que lutam pela garantia e pela promoção dos direitos humanos.
103

A CDHPF trata-se de uma ONG. As OGNs são descritas por Gohn (2010) como
instituições criadas sem ajuda ou vínculos com o governo, geralmente de fundo social
e sem fins lucrativos. A partir dos anos 2000, fortaleceram-se as ONGs e entidades
do terceiro setor. Atualmente, elas tomaram a dianteira na organização da população.

Nota-se que a CDHPF tem uma atribuição mais abrangente, buscando denunciar
onde existe violação de qualquer direito humano. Entretanto, em Passo Fundo, a
Comissão tem três grandes áreas de atuação, segundo ECDHPF1:

(...) tem três grandes questões que a comissão atualmente tem


assumido, que é a questão das mulheres, que em Passo Fundo
junto à Comissão de Direitos Humanos, e temos a questão da
moradia, outra demanda muito grande. E, nas demais questões que
vêm, seja na questão do presídio, que traz algumas demandas, ou
seja da questão das crianças, que diversifica um pouco mais a
demanda, e agora a questão da formação. Não estamos com um
curso para formação de pessoas pra futuros ou atuais também
agentes defensores de direitos humanos (ECDHPF, 2018).

Após verificar o sistema organizacional da OCBV, é necessário que seja feito o


confronto da visão dos líderes e apoiadores que organizam juntamente com a
população residente. Assim, pode-se concluir que, para os moradores, a OCBV tem
um sistema organizacional bom: 62% deram uma nota superior a 7 para a
organização.

Há uma dinâmica complexa incorporada em uma ocupação urbana. Existe um


conjunto de atividades que são desenvolvidas internamente, dentre as quais se
destacam a constituição de uma coordenação, formação de líderes, constituição de
vínculos entre outros movimentos urbanos. Entretanto existem atividades que são
realizadas fora da ocupação, tais quais transferir informações sobre os direitos dos
cidadãos e informações jurídicas, responsabilização do governo perante a situação
individual de cada local ocupado.

Dessa forma, foi criada uma nuvem de palavras para identificar as ações
realizadas pelas lideranças da OCBV e os demais apoiadores.
104

Figura 26: Nuvem de Palavras: Ações desempenhadas das lideranças e coordenações.

Fonte: Autora (2018).

A nuvem de palavras acima tem como ponto principal, além do direito à


moradia, uma série de ações que são desenvolvidas pela liderança, em conjunto
com a coordenação dos movimentos apoiadores. Dentre elas se destacam a
organização e as atuações elaboradas juntamente com as famílias moradoras.

O primeiro item a se considerar é a organização, pela qual é possível efetuar


várias conquistas. Existe uma sistematização de ações as quais foram relacionadas
com maior frequência: agir junto e para a comunidade, ou seja, a coletividade pode
oportunizar o direito à cidade.

Por outro lado, só é possível que haja essa organização se houver


conhecimento. Logo, foram pontuadas outras questões como a formação de
líderes. Outro fator importante mencionado é o papel dos coordenadores dos
movimentos apoiadores, tendo em vista que boa parte da dinâmica da ocupação é
proporcionada por eles, através dos conhecimentos adquiridos em outras ocasiões
de luta.
105

A organização gera a capacidade dos sujeitos de atuar como protagonistas de


suas histórias. Esse é um processo necessário e fundamental, para a análise de
possíveis formas de enfrentar e resistir, frente às questões que violam a existência
desses indivíduos, assim como elementos que fazem parte da cidade e também são
negados (SEN, 2010).

Nesse contexto, considera-se que as classes populares têm sua participação na


cidade mesmo que lhes seja negada, reivindicando os direitos sociais básicos, que
deveriam ser capazes de sanar algumas de suas principais necessidades no contexto
urbano. A organização e a mobilização da sociedade, com o intuito de enfrentar o
estado em busca de reivindicações de moradia, envolve várias classes e camadas da
população. Os movimentos de luta pela moradia procuram a melhora ou a implantação
de serviços públicos e estão relacionados ao direito à cidade e ao exercício da
cidadania (LEFBEVRE, 2012).

3.4 RELAÇÕES ENTRE AS LUTAS

A quarta categoria trata dos vínculos entre o Estado, os apoiadores, e os


moradores em relação à liderança e à infraestrutura da OCBV. O objetivo é
compreender os diferentes papéis cumpridos pela variedade de atores que estão
inseridos no contexto de uma ocupação urbana.

Primeiramente, procura-se compreender como se estabelecem as relações com


os demais movimentos que apoiam e atuam junto à OCBV. Na visão do EL1, quanto
mais pessoas estiverem dispostas a apoiar, maior será a força da ocupação:

A gente convida as pessoas para somarem, na questão de outras


ocupações, mostrando que o que a gente está lutando é um direito
nosso, direito básico à moradia, esquecendo bandeira política,
entendeu? E a questão da organização com outra entidade, outros
movimentos, é a mesma coisa, também, se diz que cada um no
fundo tem um interesse pessoal ou partidário, mas a gente tenta
colocar em primeiro lugar a moradia, unindo esses grupos (EL1,
2018).

O que interessa, nesta parte da dissertação, é a conjuntura que ocorre a partir


das complexas redes políticas e instituições nas quais está inserido o direito à
106

moradia e sobre as quais atuam, no esforço de produzir mudanças na sociedade.


Percebe-se que, no caso da OCBV, existem dois fatores principais que buscam a
melhora no campo da moradia: a união com movimentos e a comunhão entre os
moradores.

Destacam-se, primeiramente, os relacionamentos entre a entidade e o


movimento social, juntamente com a comunidade, que se pode considerar que, em
geral, é muito boa. Os entrevistados do MNLM destacam que o movimento que
organiza uma ocupação tem a obrigatoriedade de poder se sensibilizar com o dia a
dia do local ocupado, além do que deve possuir uma conexão com os cidadãos que o
movimento lidera.

A CDHPF, que também está presente continuamente na OCBV, destaca que é


necessária a formação constante de líderes. Além disso, existe a obrigação de
comemorar as conquistas anteriores para que permaneça a vontade de continuar na
luta:

Assim, nós temos uma relação muito boa, nós colocamos em


primeiro momento a questão ali da formação, depois uma agenda
de trabalho para dar diversidade e movimentação. Uma coisa,
dentro da ocupação, a vida não é linear, tem momentos que você
tem que se reunir constantemente, tem momentos que você vai
reunir menos. (...) E que também pode se celebrar, então a questão
das festas, então, isso mobiliza na perspectiva humana, cultural,
enfim, então, tudo isso faz com que a relação se aproxime (...)
(ECDHPF1, 2018).

No que diz respeito aos esforços realizados em conjunto com o grupo de


apoiadores, ainda se destaca a fala do EL2: “No começo foi difícil, até a gente
conseguir confiar neles, mas, no momento que a gente teve confiança neles, (...) com
o tempo, nós fomos conversando, conversando e conseguimos, agora estamos junto
há três anos e meio, e está sendo muito bom”.

Outro fator é a capacidade instigar os moradores a participarem das atividades


que ocorrem internamente na ocupação, como melhorias na infraestrutura, e
externamente, como protestos em busca do direito à moradia. Em relação aos
moradores: “a gente precisa trabalhar a questão da organização popular junto com as
famílias que moram, cobrando a participação dentro do coletivo (EMNLM2, 2018).”
107

Evidencia-se que a existência de um grupo de interessados é condição


necessária para que haja uma ação coletiva. Porém, é necessário que outros fatores
ocorram para que uma mobilização seja efetiva, como, por exemplo, o
compartilhamento de uma identidade coletiva. Assim, finaliza-se com o argumento de
que a liderança pode consistir num fator fundamental para a constituição de
movimentos sociais. Entretanto que não existe diferenciação entre líderes e liderados
(LERBACH, 2012).

Contudo, o pano de fundo dessa dinâmica urbana descrita anteriormente, ou


seja, da ocupação ilegal e por vez predatória de terra urbana, é, sem dúvida, a falta
de alternativas habitacionais, seja via mercado privado, seja via políticas públicas
sociais (MARICATO, 2003). A autora ainda afirma: “A orientação de investimentos dos
governos municipais revela um histórico comprometimento com a captação da renda
imobiliária gerada pelas obras (em geral, viárias), beneficiando grupos vinculados ao
prefeito de plantão. ” (MARICATO, p. 158, 2003). Esse contexto gera uma sociedade
desigual e marcada pela privatização de diversos direitos (MARCIATO, 2003).

O EMNLM1 analisa com similaridades a atuação dos governos a respeito da


moradia:

Agora, se perguntarem para a gente a vinculação nas três esferas,


federal, estadual e municipal, é uma dissociação brutal. O município
não tem recurso, o estado está se lixando e o governo federal que
entrava, vamos dizer, com Minha Casa Minha Vida. Então a maioria
das produções feitas nos últimos doze anos, foram frutos de
recursos federais. Não teve um município que investiu o orçamento
público municipal em produção habitacional. (...) se fosse diferente,
em três anos de ocupação, já tinha havido uma ação de
desapropriação por parte do município na terra, porque, se há dois
anos esse povo já tivesse a terra, esse povo já teria acessado
recursos do governo federal, para construir infraestrutura e
construir sua moradia (EMNLM1, 2018).

Dessa forma, nota-se a tolerância que os governos brasileiros têm em relação


às ocupações ilegais de terra urbana. Existe uma enorme quantidade de pessoas que
migraram para zonas urbanas nesse século, e a maior parte acabou por se instalar de
forma irregular. Esse processo foi ocasionado pela falta de acesso ao mercado
imobiliário privado, e principalmente porque não foi atendida pelas políticas públicas
de habitação. A partir disso, considera-se que é admitido o direito à ocupação, mas
não o direito à cidade (LELIS, 2015). A autora ainda ressalta que a maior tolerância e
108

condescendência em relação à produção ilegal do espaço urbano vem dos governos


municipais. Cabe ao município controlar a maior parcela da ocupação do solo urbano.
Entretanto, a gestão pública urbana não admite que haja incorporação ao orçamento
público.

Existem ações pontuais definidas em barganhas políticas ou períodos pré-


eleitorais. Essa situação constitui, portanto, uma inesgotável fonte para o clientelismo
político (MARICATO, 2003). Essa situação é relatada pelo ELM2 em sua entrevista:

(...) agora, no final, que tem outros entrando aí, querendo se


aproveitar, da situação, com certeza por conta das eleições, pra se
aproveitar. Sempre acontece isso, a hora que tu está ali com a
dificuldade maior tu vai à procura de ajuda eles não te ajudam,
quando eles veemm que o problema está quase se solucionando,
sendo cumprido, daí aparecem muitos querendo se aproveitar
(EL2, 2018).

Através das entrevistas, pôde-se concluir que o relacionamento entre os


movimentos e entidades com o restante da sociedade é estável. Entretanto as
relações políticas sempre são um obstáculo, devido à burocracia existente no
sistema público.

A exemplo dos tópicos anteriores, foi produzida uma nuvem de palavras (Figura
20) para identificar as opiniões dos entrevistados a respeito dos vínculos que
ocorrem na OCBV. As relações avaliadas são internas à ocupação, com moradores,
externas com o poder público municipal, Poder Judiciário e apoiadores. Pode-se
identificar que existem duas espécies de relações muito fortes que foram descritas:
com o governo e com os movimentos de suporte.

Quanto às relações com os governos, é unânime, na opinião dos entrevistados,


a ineficiência do governo. Entretanto, foram pontuadas outras questões, como a falta
de recursos para a moradia e a atual conjuntura política no país, sendo os
causadores dessa situação de descaso com a moradia para a população de baixa-
renda.
109

Figura 27: Nuvem de Palavras: Vínculos desenvolvidos.

Fonte: Autora (2018).

Pode-se verificar que as ações desenvolvidas em conjunto, ou seja, com os


apoiadores, têm maior efetividade na garantia dos direitos básicos. Os apoiadores
atuam como base, para trazer a clareza dos direitos dos moradores, e esse fator
contribui para a formação de novas lideranças. Ainda, destacam-se questões
subjetivas, como a confiança entre os moradores e apoiadores, a solidariedade
existente entre as famílias que têm a mesma condição de ocupantes de terras
urbanas, a busca por lazer, cultura.

Com o agravamento da situação de crise urbana, os ativistas dos movimentos


sociais passaram a explorar alternativas para a efetivação de um direito à cidade.
Uma das estratégias adotadas por esses movimentos sociais é a ocupação, seja ela
de espaços públicos abandonados pelos poderes governamentais ou de imóveis que
não cumprem sua função social.

Nesse contexto, o papel dos movimentos sociais e das entidades apoiadoras


faz-se indispensável para a resistência da OCBV e de muitas outras ocupações
urbanas. Observa-se a incorporação de várias demandas: a ausência de
reconhecimento ou a baixa prioridade com que os direitos básicos tratados.
110

Entretanto, neste estudo, o destaque de reivindicação é o direito à moradia, que


aparece na maior parte dos casos como de baixa prioridade.

Desse modo, os movimentos sociais e entidades sociais são vistos como


resultado de oportunidades políticas. Independentemente de sua ideologia, são
organismos que definem estratégias e tomam decisões. As lideranças dos
movimentos sociais são como atores, cuja atuação faz diferença dentro de contextos
específicos. Além disso, a liderança impacta as ações coletivas e influencia nos
resultados obtidos pelas ações que ela propõe (LERBACH, 2012).
111

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento, o texto objetiva retomar os resultados produzidos nesta


pesquisa. Dessa forma, destaca-se que não existe um contingente significativo de
pesquisas científicas em torno do tema ocupações urbanas organizadas e
principalmente no que se refere a cidades de médio porte, como se configura Passo
Fundo.

O primeiro ponto de destaque é que o estudo específico sobre a OCBV


demonstra que um dos fatores que influenciam na criação das ocupações irregulares
é a forma de ocupação do solo contemporâneo, que privilegia a lógica especulativa,
financeirista do mercado e as pessoas com mais condições financeiras, em
detrimento das que não possuem tantas condições.

Nesse sentido, cidades de médio porte encontram-se no mesmo contexto


apontado por vários autores, dentre eles Harvey, Lefebvre e Davis, relacionando o
capitalismo como forma de construção da cidade. Os autores ainda mencionam que
a qualidade da vida urbana transformou-se em mercadoria, ou seja, existe uma
grande liberdade de escolha de serviços, lazer e cultura, desde que se tenha dinheiro
para pagar.

No que se refere à moradia a conjuntura é parecida. A negação do direito à


moradia está presente na composição da paisagem urbana, estimulada pelo
fenômeno de especulação imobiliária, que promove a valorização da terra.
Entretanto, cada vez mais pessoas encontram-se em situações precárias ou até sem
moradia. É apartir desse contexto que se concebem algumas ocupações urbanas.
Apartir desse senário foram expostos nessa dissertação as causas da contrução da
OCBV, objeto desse estudo: a constituição de vazios urbanos, falta de politicas
publicas eficazes em torno da moradia, altos valores dos alugueis, e condições
financeiras desfaforáveis.

A OCBV é proveniente de um vazio urbano, localizado no bairro São Luís


Gonzaga, na cidade de Passo Fundo/RS. Como demostra a pesquisa, o entorno da
área ocupada foi-se adensando conforme os anos passavam, e assim constitui-se o
vazio urbano. Outa característica do local é a disponibilidade de serviços, ou seja,
112

possui infraestrutura como comércio, escolas, água, energia elétrica, colheta de lixo
e áreas verdes de convivência.

A área em questão foi ocupada por moradores que não tinham mais condições
de pagar o valor dos altos aluguéis praticados na cidade. Além do fator financeiro
muitas moradias são casas antigas e sem manutenção, pequenas e distantes do
centro da cidade. Fatores que constribuiu para cormação da OCBV.

Além disso a inadequação de políticas públicas estruturantes, objetivando


garantir o direito à moradia para a população de baixa-renda, contribui sobremaneira
para a manutenção do déficit habitacional e para a submissão dos espaços urbanos
à lógica especulativa. A área da OCBV, segundo o PDDI de Passo Fundo, é uma
zona de ocupação especial de interesse social (ZEIS). Dessa forma, o espaço
deveria ser ocupado para moradia, principalmente de famílias de baixa-renda, ou até
mesmo para a implantação de loteamentos populares. Contudo se consolidou como
um vazio urbano utilizado como mecanismo de valorização financeira.

Além disso, pode-se perceber que não há controle do uso da terra urbana por
parte do governo. O poder público abdicou de utilizar mecanismos jurídicos, como o
IPTU progressivo ou mesmo a desapropriação para garantir a função social da terra
e viabilizar construção de habitações sociais.

Nesse contexto, ressalta-se a falta de políticas públicas eficazes no combate


ao déficit habitacional, em primeiro momento no Brasil e por consequência na cidade
de Passo Fundo. Dessa forma, a gestão municipal ainda não conseguiu construir
uma política habitacional associada a uma política urbana que ofereça soluções
efetivas para quem não tem onde morar.

Como referido anteriormente, a produção de habitações para a população de


baixa-renda na cidade de Passo Fundo foi insuficiente para sanar o déficit.
Destacam-se os anos de 1980 a 1990, quando foram construídos novos loteamentos
para a população de baixa-renda, mas em locais periféricos da cidade, criando
problemas urbanos, como os vazios, e dificuldade na mobilidade.

Posteriormente, a partir dos anos 2000, houve o declínio da produção


habitacional por parte da prefeitura municipal. Atualmente, as construções de
113

unidades habitacionais confeccionadas na cidade são financiadas pelo programa


MCMV e têm características de serem multifamiliares em altura.

Hoje em dia, os investimentos para o setor de habitação em Passo Fundo são


inexistentes e cobrem apenas os gastos administrativos. Esse contexto demostra o
descaso com as políticas públicas habitacionais e também a segregação espacial
causada pela implementação de loteamentos periféricos.

A análise realizada demonstra que a cidade, por meio dos seus habitantes,
busca, em determinadas ocasiões, utilizar os recursos disponíveis subutilizados.
Ainda, pode-se constatar que existe uma relação entre o baixo salário dos
trabalhadores e a falta de moradia. A falta de subsídios governamentais, combinada
ao baixo salário da população brasileira, gera incapacidade de pagar aluguel,
sujeitando-se a moradias irregulares, ou seja, no caso desta pesquisa, a ocupações
urbanas.

Deve-se enfatizar o importante papel desenvolvido pelos movimentos sociais


urbanos na conquista de alguns direitos básicos, em especial o direito à moradia. É
por meio deles que a população se organiza e ganha força para reivindicar seus
direitos.

Diante desse contexto é que se formou a OCBV, organizada pelo movimento


social. O grande diferencial dessa ocupação está presente na confuguração
hieranquica desenvolvida juntamente com o MNLM que organiza a ocupação,
levanta as lideranças.

A população, nesse caso, preferiu determinar um vazio urbano para ocupar.


Partir disso foi encontrado uma área que tenha infraestrutura urbana, como água,
energia elétrica, escolas, acesso rápido ao centro da cidade. Posteriormente é que
se implementam as habitações.

No caso da OCBV houve a população ocupou a área vazia, e em seguida,


quese que simultaneamente, houve sua estruturação segundo as diretrizes do
MNLM. E posteriormente a redivisão de lotes, abertura de vias e construção das
residências houve o pedido de retomada de posse. Dessa forma, a OCBV é um
exemplo de local ocupado para moradia em primeiro momento, que posteriormente
precisou se reconfigurar como um movimento de resistência contra a reromada de
114

posse. Existe uma diferença entre o movimento que ocupa, e o movimento que
resite.

Primeiramente considera-se que a terra estava vazia, e, portanto, não cumpria


a sua função social. Assim originou-se o movimento que ocupa, determinando o
espaço ocioso, e ocupando para a moradia. Entratanto, logo após a construção das
unidades habitacionais houve a reconfiguração do movimento, tornando-se de
resistência.

Assim, para que os moradores continuem residindo na ocupação, existem


vários apoadores que ajudam a extruturar o movimento de resitência e permanência
na área ocupada além do MNLM. Iniciando pela CDHPF, que tem o trabalho,
juntamente com a liderança, de esclarecer questões jurídicas, criar agendas de
mobilizações e oferecer cursos de formação de liderança.

A OCBV também possui pessoas físicas como apoiadores, e apoiadores


flutuantes, ou seja, que contribuem com doações. Entretanto essas pessoas não
fazem parte do núcleo que faz a gestão da OCBV e que, por esse motivo, não foram
abordadas nesse trabalho.

Dessa forma a OCBV tem como característica a busca do respaldo na


legislação, apesar de não serem somente as leis que garantem o direito à moradia.
O movimento teve o cuidado de reconfigurar a organização espacial por meio das
normas do Plano Diretor do município.

Em razão disso, os lotes têm o padrão mínimo estabelecido pelo Plano Diretor:
área de 300m² ou superior. Além disso existe recuo de ajardinamento de 4 metros
em 95% das edificações. Quanto às vias, possuem de 9 a 12 metros de largura.
Todas essas características construtivas estão descritas no Plano Diretor da Cidade
de Passo Fundo (2015), o que indica a tentativa de configurar a OCBV conforme a
legislação vigente na época em que a área foi ocupada.

Quanto à tipologia das habitações, destaca-se a possibilidade de remoção das


edificações do local ocupado. Por esse motivo, as casas são de madeira, material
construtivo abundate na região que possibilita a fácil remoção e reconstrução em
outro local. No que se diz respeito à infraestrutura de água e luz, elas são
clandestinas, devido ao fato de ser uma área invadida. Entretanto houve cuidado
115

quanto aos dejetos, tento em vista que cada edificação possui uma fossa séptica e
sumidouro.

Nota-se um crescimento pessoal nos moradores, principalmente no que se diz


respeito à melhoria na alimentação. Existem relatos de famílias que tinham apenas
1 (uma) refeição por dia, e também de crianças que voltaram a estudar, pois agora
possuem roupas e material escolar. Outros moradores conseguiram efetuar cursos
profissionalizantes ou fazer a certeira de motorista, por exemplo, após ingressar na
ocupação.

Nesse contexto, criam-se problemas decorrentes da urbanização não


planejada, como falta de canalização de esgoto, apropriação de espaços em áreas
de preservação permanente, ou até mesmo moradias em locais que promovem
algum risco à vida. Entretanto, os locais irregulares proporcionam melhora na
qualidade de vida dos moradores, possibilitando a realização de coisas simples que
lhes permitem viver em dignidade.

Assim essa pesquisa contruibue para a compreensão do sistema de


organização para a obtenção do direito a moradia. Embora a moradia seja irregular,
no decorrer do trabalho pode-se perceber que em alguns casos essa é a única forma
de conseguir uma moradia.

Salienta-se que a OCBV, é uma ocuapçaõ urbana organizada por um


movimento social MNLM, juntamente com a CDHPF, e outros apoiadores. Não
existem pesquisas acadêmicas significativas em torno de ocupações urbanas
organizadas por movimentos sociais em cidades de médio porte.

Outro fator importante abordado nesse trabalho diz respeito a configugação


arquitetônica existentes nas unidades habitacionais. Dessa forma foi possível
compreender o programa de necessidades das residências, bem como a
complexidade e os níveis de transforação que ocorrem dentro de uma ocupação
urbana.

Prestar atenção nas habitações de interesse social, mesmo que


confeccionadas via autoconstrução, é algo que deve ser considerado pelos
arquitetos. A forma com que a população gestiona suas habitações podem trazer
resultados consideráveis quanto a formulação de projetos arqutetônicos de
116

intereresse social. Dessa forma o profissional tem a possibilidade de replicar projetos


arquitetônicos eficientes, ou seja, com funcionalidade, possibilidade de ampliações,
eficiência térmica e energética.

Ao concluir esta etapa da pesquisa, percebe-se que há a possibilidade e a


necessidade de continuidade de investigação. Enumeram-se algumas hipóteses: Há
o indicativo de que em Passo Fundo existem mais de 50 ocupações irregulares,
contudo não existem mapeamento e caracterização das referidas ocupações.
Perguntas simples ainda não têm respostas: em que locais da cidade estão essas
ocupações? Quais estão em terras públicas e quais em terras privadas? Qual é o
perfil dos moradores?
117

VII. REFERÊNCIAS

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em 15/07/2018.
124

VIII. ANEXOS

7.1ANEXO A - QUESTIONÁRIO DE PERFIL SOCIOECONÔMICO


Todas as questões visam à coleta de informações para o trabalho de dissertação que procura
entender a formação desse conjunto habitacional. Portanto, por favor, não deixe nenhuma questão
sem resposta. Todos os dados obtidos deste questionário serão confidenciais, e utilizados apenas
para formulação de gráficos. Desde já agradeço sua disponibilidade.

Data de nascimento ____ / ____ / ____Sexo: ______________________


Estado civil:____________________ Nº de filhos:__________________

01) Onde e como você morava antes de vir pra cá você morava?
[ ] Passo Fundo, qual bairro?_______________________________
[ ] Fora de Passo Fundo, qual cidade?_____________________________

02) Onde e como você morava antes de vir pra cá?


[ ] Em casa ou apartamento, com sua família.
[ ] Em casa ou apartamento, sozinho(a).
[ ] Em quarto ou cômodo alugado, sozinho(a).
[ ] Em casa de outros familiares.
[ ] Em casa de amigos.
[ ] Outra situação, qual?

03) Porque você optou por morar neste local? (pode marcar mais de uma opção)
[ ] Falta de moradia própria.
[ ] Incentivo da família ou conhecidos.
[ ] Incentivo do movimento de luta pela moradia.
[ ] Incentivo de algum partido politico.
[ ] Facilidade de acesso do bairro.
[ ] Infraestrutura do bairro (pavimentação, água, luz, esgoto, escolas, ambulatórios)?

04) Quantas pessoas moram na sua residência? ________________

05) Quem mora com você? (pode marcar mais de uma opção)
[ ] Moro sozinho(a) [ ] Pai [ ] Mãe [ ] Esposa / marido / companheiro(a)
[ ] Filhos [ ] Irmãos [ ] Outros parentes [ ] Amigos ou colegas

06) Na sua residência possui algum morador com deficiências?


[ ] Sim. Qual? _____________________________________________ [ ] Não.

07) Você e sua família residem?


[ ] Imóvel próprio [ ] Imóvel alugado

08) Qual seu grau de escolaridade?


[ ] Não alfabetizado [ ] Ensino fundamental incompleto [ ] Ensino fundamental completo
[ ] Ensino médio incompleto [ ] Ensino médio completo [ ] Ensino superior incompleto
[ ] Ensino superior completo.

09) Você trabalha com carteira assinada ou já trabalhou?


[ ] Sim [ ] Não [ ] Já trabalhei algum dia, quanto tempo? ___________

10) Em que você trabalha atualmente? (marque apenas uma resposta)


[ ] Na agricultura, no campo, na fazenda.
[ ] Na indústria.
125

[ ] Na construção civil.
[ ] No comércio, banco, transporte, hotelaria ou outros serviços.
[ ] Como funcionário(a) do governo federal, estadual ou municipal.
[ ] Como profissional liberal, professora ou técnica de nível superior.
[ ] Trabalho fora de casa em atividades informais (pintor, eletricista, encanador, feirante, ambulante,
guardador/a de carros, reciclador).
[ ] Trabalho em minha casa informalmente (costura, aulas particulares, cozinha, artesanato,
carpintaria etc.).
[ ] Faço trabalho doméstico na casa de outras pessoas (cozinheiro, babá, faxineiro, acompanhante
de idosos etc.).
[ ] No lar (sem remuneração).
[ ] Outro.
[ ] Não trabalho atualmente.

11) Qual o tamanho do lote que você mora atualmente? __________________

12) Quanto a distribuição dos lotes na ocupação, você considera: (pode marcar
mais de uma opção)
[ ]Distribuição justa.
[ ]Distribuição injusta.
[ ]Distribuição feita por ordem de chagada.
[ ]Possuía rede de esgoto e luz.
[ ]Não possuía rede de esgoto e luz

13) Existe alguma dificuldade de acesso a sua residência?


[ ] Sempre. [ ] Quase sempre. [ ] Às vezes. [ ] Raramente. [ ]Nunca.

14) Marque as características que melhor descrevem a sua casa atualmente.


(pode marcar mais de uma opção)
[ ] Residência com acabamento.
[ ] Residência sem acabamento (sem reboco, pintura, piso, banheiros inacabados, etc.)
[ ] Residência de Madeira.
[ ] Residência de Alvenaria.

Possui: [ ] Rede de Esgoto [ ] Fossa [ ]Banheiro [ ] Chuveiro [ ] Água [ ] Luz


[ ] Varanda.
Cobertura: [ ] Laje [ ] Telha [ ] Outros.
Piso: [ ] Cimento [ ] Madeira [ ] Cerâmica [ ] Chão Batido [ ] Outros.
Número de Cômodos: _______________

15) Quanto a iluminação do bairro:


[ ] Existe. [ ] Não existe. [ ] Existe mas não o suficiente. [ ] Não sou capaz de opinar.

16) Quanto a segurança do bairro, você se considera:


[ ] Existe. [ ] Não existe. [ ] Existe mas não o suficiente. [ ] Não sou capaz de opinar.

17) Qual o principal meio de transporte que você utiliza?


[ ] A pé/carona/bicicleta. [ ] Transporte coletivo. [ ] Transporte próprio(carro/moto).

18) Qual a renda mensal de sua família? (considere a renda de todos os integrantes da
família, inclusive você)
[ ] Até 01 salários mínimos.
[ ] Até 02 salários mínimos.
[ ] De 02 até 04 salários mínimos.
[ ]Superior a 05 salários mínimos.
126

19) Você ou algum membro de sua família são beneficiários de Programas


Sociais (Bolsa Família, Benefício de Assistência Social, etc.)?
[ ] Sim. Qual? _____________________________________________ [ ] Não.

20) Quanto a organização existente na ocupação: (pode marcar mais de uma opção)
[ ] Você possui algum direito? Qual?_________________________________________
[ ] Você possui algum dever? Qual?
[ ] Você ocupa algum cargo na liderança? Qual?
[ ] Tem autonomia para expressar a sua opinião diante de acontecimentos internos da ocupação?

21) Sinalize o seu grau de satisfação quanto:

a) Organização da ocupação:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

b) quanto ao tamanho do terreno:


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

c) Quanto a vizinhança:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

d) Quanto a sua moradia:


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

e) Quanto a expectativa de regularizar a moradia nesta ocupação:


1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

21) Na tua opinião qual é o cenário de futuro mais provável para a ocupação:
[ ] Conseguir regularizar o loteamento e permanecer com os atuais moradores;
[ ] Ter uma ordem de despejo todos serem obrigados buscar novos locais para morar;
[ ] Negociar com o poder público e encontrar um outo terreno/região para fazer a moradia.

22) Mapa Mental, faça o mapa de como você enxerga a ocupação.


127

7.2 ANEXO B – ROTEIRO PARA ENTREVISTAS COM


REPRESENTANTES DOS MOVIMENTOS QUE ATUAM NA OCUPAÇÃO
CHÁCARA BELA VISTA

1. Descreva a qual movimento social você pertence, e a sua atividade de


liderança.

2. Como surgiu o Movimento/entidade e quais são os objetivos dela.

3. Que ações desenvolve junto à ocupação Bela Vista

4. Como o movimento/entidade analisa o direito à moradia e as


ocupações urbanas

5. Na compreensão do movimento/entidade o que leva as pessoas


participarem das ocupações

6. Como o movimento/ entidade estabelece relação com as lideranças da


OCBV e com o conjunto dos moradores

7. Na compreensão do movimento/entidade como se estabelece as


relações entre os representantes do Estado (executivo, legislativo e judiciário) com
as ocupações urbanas no geral e especificamente no caso da OCBV.

8. Como o Movimento/entidade obtêm sua sustentabilidade financeira

9. Que relações política o Movimento/entidade estabelece com governos


e partidos políticos

10. Na compreensão do movimento/entidade quais são as maiores


dificuldades na relação com as lideranças da ocupação Bela Vista e com outros
Movimentos/entidades que apoiam a referida ocupação.
128

7.3 ANEXO C - ROTEIRO PARA ENTREVISTAS COM


REPRESENTANTES DA OCUPAÇÃO CHÁCARA BELA VISTA
1) Como iniciou a sua participação na OCBV e como se tornou um líder

2) Como aconteceu/se constituiu a OCBV? Como iniciou? Teve diferentes


etapas/momentos?

3) Quais são as principais ações desenvolvidas pelas lideranças na OCBV

4) Como você compreende o Direito à Moradia? Qual é o papel/função da


OCBV na efetivação deste direito

5) Na sua compreensão o que leva as pessoas participarem da OCBV?

6) Como a OCBV estabelece relação com os demais movimentos que


atuam/apoiam junto a OCBV

7) Na sua compreensão como se estabelece as relações entre os


representantes do Estado (executivo, legislativo e judiciário) com as ocupações
urbanas no geral e especificamente no caso da OCBV.

8) Como OCBV obtêm sua sustentabilidade financeira

9) Que relações política a OCBV estabelece com governos e partidos


políticos

10) Na sua compreensão quais são as maiores dificuldades na relação com


os participantes e com outros Movimentos/entidades que apoiam OCBV.

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