Você está na página 1de 19

A aquisição de uma segunda língua como processo estruturante da identidade social

Regina C. C. V. FONSECA (Professora PDE)


Kilda M. P. GIMENEZ (Orientadora)
2

Resumo

Este texto aborda questões sobre a aquisição de uma segunda língua como processo
estruturante da identidade social do aluno e o resultado da implementação de atividades
didáticas baseadas nesta visão. O pressuposto teórico desta investigação é o enfoque
histórico-cultural. Do ponto de vista metodológico, foi escolhida a abordagem qualitativa.
Por meio de um trabalho teórico, de observação e de análise das características
lingüísticas do próprio material didático, pretende-se explicitar quais as implicações
metodológicas, semânticas e comunicativas para a educação do aluno. Os objetivos
deste trabalho são constatar a relevância da imediatez discursiva do aluno no processo
de aquisição de uma segunda língua; a intervenção de elementos lingüístico-teóricos
neste processo para, enfim, sistematizar as implicações da aquisição da língua alvo no
processo estruturante da identidade social do aluno através de atividades específicas,
elaboradas pelo professor PDE.

Palavras-chaves: Aquisição de segunda língua. Imediatez discursiva. Identidade social.


3

Abstract

This text addresses acquiring a second language as a process of structuring social


identity and the result implementation of teaching activities based on this vision. The
theoretical assumption of this research is the historical-cultural approach. From the
methodological point of view, the qualitative approach was chosen. Through a theoretical
work, observation and analysis of the characteristics of the language learning materials,
we attempted to clarify the methodological, semantic and communication implications for
the education of students. The objectives of this study are to establish the relevance of
the immediacy of the student discourse in the process of acquiring a second language,
the speech-language theoretical elements in this process and finally, to systematize the
implications of the acquisition of the target language in the process of structuring social
identity of student through specific activities, developed by Professor PDE.

Key words: Acquisition of second language. Immediacy discourse. Social identity.


4

Introdução

Para refletir sobre a importância da aquisição de uma segunda língua como


processo estruturante da identidade social de um sujeito se faz plausível reflexões à luz
da teoria histórico-cultural.
Este texto reúne algumas investigações teóricas (LURIA, 1992, 2006;
VIGOTSKI, 1984, 2006; LEONTIEV, 2006; MELLO, 2004; OLIVEIRA, 1992, entre outros.)
que caracterizam as relações sociais como força motriz da aprendizagem e
desenvolvimento dos indivíduos em uma sociedade, cujo corolário viabiliza, a partir da
análise de um material didático voltado para a aquisição de uma segunda língua e
centrado na expressão pessoal do aluno, uma nova configuração tanto do papel do
professor como do espaço escolar.
Este texto também pretende observar os elementos lingüístico-teóricos que
norteiam a produção de atividades na língua alvo (LA), questionar as implicações dos
sintagmas, tanto no âmbito da fonética como da sintaxe, que constituem esse material
didático centrado na expressão pessoal da cotidianidade do aluno, no processo de
aquisição da segunda língua.
Com base nessas intenções, a produção didática em foco sugere um
processo de aquisição da segunda língua orientado para a intervenção no
desenvolvimento da identidade social do aluno e que se desencadeie na imediatez
discursiva deste como reflexo do mundo em que está inserido. Também visa o
desenvolvimento e execução de atividades estratégicas considerando o conhecimento
lingüístico da língua materna e da LA.
Na verdade, este artigo pretende uma análise das atividades de interação e
comunicação orientadas para o potencial da imediatez discursiva do aluno como fonte de
comunicação devida à sua projeção social e necessária ao seu desenvolvimento
psicológico a partir de sua cultura autóctone.
5

Fundamentação teórica

Quando se questiona o processo de aprendizagem e desenvolvimento do


ser humano, as atenções se voltam para os métodos utilizados pelo mediador: o
professor. Contudo, a arte de ensinar é uma tarefa árdua que não apenas demanda
conhecimento lingüístico por parte do professor, no ensino da língua inglesa inclusive,
como também exige um profundo comprometimento do professor no que diz respeito aos
alunos (origem sócio-econômica, suas diferenças pessoais, etc) e ao material didático,
principalmente às metodologias empregadas neste.
Estas duas dimensões apontam para uma terceira que contempla as
abordagens docentes (ALMEIDA FILHO, 1999): pedra basilar na efetivação do processo
de aprendizagem e desenvolvimento do ser humano, e que pode ser discutida
posteriormente.
Logo, a necessidade do conhecimento lingüístico se faz verossímil tanto na
escolha do material didático quanto na produção de atividades que intervêm e
desencadeiam o processo de aprendizagem do aluno. Conhecimento este que baliza um
ensino mais complacente com as diferenças sociais e/ou individuais, além de permitir
situações de observação e reflexão sobre eventos, cenas, imagens e que também
contribui para a produção de motivação e automotivação no aluno. Além disso, leva-se
em consideração que o grau de dificuldade da atividade deve objetivar a maior porção da
heterogeneidade na sala de aula, isto é, o calibre da atividade (KRASHEN, 1993) deve
atender à zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1984) do maior número de
alunos num mesmo grupo.
Segundo a teoria histórico-cultural, a aprendizagem e o desenvolvimento do
ser humano se desenvolvem a partir das práticas de seu cotidiano, em seu grupo social.
São elas que efetivam os interesses, valores e crenças de cada indivíduo na medida das
relações interpessoais. Essa medida pode ser estabelecida com base na capacidade
discursiva, de expressão de cada um.
Desse modo, as condições de vida e de educação de cada sujeito devem
coordenar os traços culturais que caracterizam cada grupo social. Para Mello:
6

A teoria histórico-cultural parte do pressuposto de que, na


presença de condições adequadas de vida e de educação as
crianças desenvolvem intensamente, e desde os primeiros anos de
vida, diferentes atividades práticas, intelectuais e artísticas e
iniciam a formação de idéias, sentimentos e hábitos morais e
traços de personalidade que até pouco tempo atrás julgávamos
impossível (2004, p.135).

Este texto, portanto, pretende discutir elementos lingüístico-teóricos que


efetivamente evidenciam uma metodologia eficaz no ensino da Língua Inglesa centrada
na expressão pessoal do aluno como “reflexo de experiências compartilhadas e
comunicadas através de seu sistema lingüístico” (LURIA, 2006, p.48). Elementos que
subsidiam a geração de atividades pedagógicas direcionadas à aquisição da língua alvo
(LA) e responsáveis pela evolução da “interação dialética do homem e seu meio sócio-
cultural” (VYGOTSKY, 1984).
Não obstante, os estudos de Vigotski1 e seus colaboradores superam,
através da teoria histórico-cultural, a concepção de que a criança traz, ao nascer, o
conjunto de aptidões e capacidades dadas como potencialidades que ela vai desenvolver
mais ou desenvolver menos à medida que cresce e de acordo com o meio em que vive.
Deste ponto de vista, portanto, o papel da escola e o papel do professor mudam de
configuração, passam a exigir uma nova postura, um comportamento social mais
direcionado e mais definido, tende a tornar o comprometimento profissional, professor-
aluno, mais consistente.
Para Leontiev, o que determina o desenvolvimento da atividade da criança,
quer a atividade aparente, quer a atividade interna é sua própria vida e o
desenvolvimento dos processos reais desta vida:

Uma criança reconhece sua dependência das pessoas que a


cercam diretamente. Ela tem de levar em conta as exigências, em
relação a seu comportamento, das pessoas que a cercam, porque
isto realmente determina suas relações pessoais, íntimas, com
essas pessoas. Não apenas seus êxitos e seus malogros
dependem dessas relações, como suas alegrias e tristezas

1
Em virtude das diferentes formas de escrita do nome do estudioso russo Lev Semenovich Vigotski, neste
trabalho opto pela grafia VIGOTSKI, salvas as referências bibliográficas.
7

também estão envolvidas com tais relações e têm a força de


motivação (2006, p.60).

Esta reflexão de Leontiev permite a compreensão de que a criança tem de


levar em conta as exigências, em relação a seu comportamento, das pessoas que a
cercam, mas também é mister o entendimento do papel do professor nas relações de
mediação, ou seja, relações profissionais.
Manter a filiação com a teoria histórico-cultural, entretanto, requer
elucidação da aprendizagem como um processo puramente exterior, paralelo, de certa
forma, ao processo de desenvolvimento da criança, mas que não participa ativamente
neste e não o modifica absolutamente. Isto é, para Vigotski “a aprendizagem utiliza os
resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar a sua
direção” (2006, p.103). Também, pode-se entender esses resultados do desenvolvimento
como resultados do desenvolvimento biológico e psicológico, portanto o objeto de estudo
em questão pressupõe uma relação interpessoal comprometida com as dificuldades
individuais do aluno tanto no âmbito biológico quanto no social no que concerne ao
processo de avaliação.
Um outro elemento lingüístico-teórico trazido à baila no que tange à
aquisição de uma segunda língua e a estruturação da identidade social do aluno é o
papel da imitação no aprendizado, pois, segundo Luria (2006, p.195), “não são os
processos internos nas estruturas receptoras que se refletem na consciência, mas é o
mundo exterior que sempre se reflete”.
Desse modo, a imitação oferece a oportunidade de reconstrução interna
daquilo que o indivíduo observa externamente, experiencia com o outro indivíduo em
suas relações interpessoais em seu cotidiano, em seu grupo social. A partir daí, observa-
se a importância e necessidade de situações direcionadas à imitação, observação e
reprodução de modelos no processo de aquisição da LA. Surge, então, da função dos
signos lingüísticos, a necessidade de se admitir as peculiaridades fonéticas e sintáticas2
da LA, cuja eficácia se torna obstáculo para o aluno.

2
Sons como /æ/, /ŋ/, /Ə/, /θ/, /Λ/, /ai/, etc e o emprego anterior dos adjetivos (a red fish), o uso de auxiliares
temporais (She will go), o emprego do apóstrofo-s nas contrações (He’s been learning) e no caso genitivo
(My father’s profession), etc.
8

O material pedagógico em questão, cujo objetivo é efetivar a aquisição da


língua inglesa, conseqüentemente, contribuir com a construção da identidade social do
indivíduo, pode ser observado tanto pelo controle de vocabulário3 quanto pela peculiar
construção sintagmática4 na LA que caracterizam seu escopo: a inclusão e projeção
social. Estas características desse material pedagógico contemplam, num primeiro plano,
a mobilidade da consciência no que concerne à aquisição da LA como instrumento de
comunicação e, concomitantemente, à manutenção da produção lingüística individual.
Por outro lado tanto a comunicação quanto a valorização da produção
lingüística do aluno serão julgadas e avaliadas por outro (o professor e/ou outros
membros de seu meio), pois ele mesmo não pode ser o autor do seu próprio valor, da
mesma forma que não pode levantar-se pelos cabelos, conforme Bakhtin (2003, p.51).
Nesse sentido pode-se dizer que o homem tem uma necessidade estética
absoluta do outro, do seu ativismo que vê, lembra-se, reúne e unifica, que é o único
capaz de criar para ele uma personalidade externamente acabada; tal personalidade não
existe se o outro não a cria; a memória estética (BAKHTIN, 2003, p.33) é produtiva, cria
pela primeira vez o homem exterior em um novo plano da existência.
Conseqüentemente, a língua inglesa não exerce sua hegemonia
comunicativa no âmbito global por acaso, entretanto, o uso deste instrumento de
comunicação exige, no mínimo, sua aquisição, isto é, o domínio de signos lingüísticos
suficientes para comunicar o que se deseja. E é no processo de aquisição voltado para
as dificuldades individuais que convergem o controle de vocabulário, a construção de
sintagmas próprios da imediatez discursiva (BAKHTIN, 2003), e modelos axiomáticos da
LA, a fim de viabilizar o processo de imitação (VIGOTSKII, 2006; BENJAMIN, 1970).
Vigotski ainda assegura que “[...] com o auxílio da imitação na atividade coletiva guiada
pelos adultos, a criança pode fazer muito mais do que com a sua capacidade de
compreensão de modo independente” (p.112).
A aquisição de uma segunda língua serve às relações interpessoais. O uso
da prática da linguagem verbal, escrita e oral, centrada nas atividades cotidianas do

3
Pretende-se, desse modo, não extrapolar nos insumos com relação ao conhecimento prévio do aluno,
além de contribuir para o processo assimilatório do mesmo.
4
Sujeito, verbo e objeto + expressão temporal ou especial.
9

aluno lhe permite, portanto, sua expressão pessoal e denota a realidade em que está
inserido. A projeção desse contexto viabiliza, a partir de um vocabulário controlado,
sintagmas curtos e marcadores discursivos na expressão de adição, contraste,
causa/conseqüência, tempo, seqüência cronológica, etc., a produção da imediatez
discursiva na língua alvo.
A tese básica do material didático em estudo – foco na expressão pessoal
do aluno – pressupõe que a condição mais fundamental exigida para que o aluno de 5° a
8° série seja capaz de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase na LA é que algum
estímulo, ou insinuação particular, que, em si mesmo, nada tem a ver com está idéia,
conceito ou frase, “é empregado como um signo auxiliar (LURIA, 2006, p.144) cuja
percepção leva o aluno a recordar a idéia, etc, à qual ele se refere”.
Sakharov (apud LURIA, 1992, p.54), um talentoso colaborador de Vigotski
que morreu muito jovem, descobriu que a função nomeadora das palavras, que parece
ser constante nas diferentes idades, na verdade passa por profundas mudanças no curso
do crescimento. Nos primeiros estágios, as palavras designam conjuntos complexos de
referentes, que incluem não só o objeto mencionado, mas os sentimentos da criança em
relação a esse objeto. A seguir, as palavras se referem aos objetos nos seus contextos
concretos, e só mais tarde passam a se referir a categorias abstratas.
Assim, o domínio do gênero primário (BAKHTIN, 2003) configura
habilidades para a construção do gênero secundário (idem) e gera implicações para o
desenvolvimento sócio-intelectual do aluno. Pois, para Bakhtin,

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os


empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a
nossa individualidade (onde isso é possível e necessário),
refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da
comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o
nosso livre projeto de discurso (2003, p.285).

Portanto, o que se diz concernente ao processo de aprendizagem e


desenvolvimento do ser humano, do ponto de vista da teoria histórico-cultural, está
intimamente relacionado às relações travadas entre os indivíduos sociais, isto é, neste
caso, entre o professor e o aluno: tanto na formação da identidade social do aluno
10

quanto em sua própria habilidade discursiva – uma vez que a aquisição da língua inglesa
ampliará sua capacidade comunicativa e lhe fornecerá diferentes parâmetros para
comparação, promovendo assim sua capacidade de reflexão.
A relevância deste trabalho está na tentativa de observação e reflexão
acerca de estudos e pesquisas relacionados à aquisição de uma segunda língua como
processo estruturante da identidade social. Leontiev (2006, p.82) ainda enfatiza que as
“relações que se estabelecem entre a criança e o mundo circundante são, por natureza,
relações sociais, pois é precisamente a sociedade que constitui a condição real, primária,
de sua vida, determinando tanto seu conteúdo como sua motivação”.
Luria (2006) também assevera que a qualidade das futuras gerações
depende do que se faz hoje. E reitera que

É com base na linguagem que se formam complexos processos de


regulação das próprias ações do homem, embora, no início, a
linguagem seja uma forma de comunicação entre o adulto e a
criança, a linguagem vai assim gradualmente se transformando em
uma forma de organização da atividade psicológica humana
(p.197).

Ao discutir, já num segundo plano do objeto de estudo, sobre o


comprometimento do professor no que diz respeito ao aluno: sua origem sócio-
econômica, seus valores e crenças pessoais, sua capacidade de expressão pessoal e a
realidade em que está inserido, entre outros fatores sócio-culturais, delimita-se um
campo de forças que se interpõe entre o professor e sua ação pedagógica como um
divisor de águas, ou seja, entre sua vida pregressa e sua aptidão para lidar com as
mudanças de comportamento decorrentes de uma sociedade em permanente ebulição
social, um organismo vivo.
Não obstante, essa mobilidade social própria das diferentes sociedades
humanas evidencia um processo de aprendizagem e desenvolvimento social puramente
exterior. Isto é, para o aluno adolescente, conforme Leontiev (2006, p.62), “a transição
para um novo estágio no desenvolvimento da vida e da consciência está associada com
uma inclusão nas formas de vida social acessíveis a ele”. Ainda segundo Leontiev,
11

A mudança do lugar ocupado pela criança no sistema das relações


sociais é a primeira coisa que precisa ser notada quando se tenta
encontrar uma resposta ao problema das forças condutoras do
desenvolvimento de sua psique. Todavia, esse lugar, em si
mesmo, não determina o desenvolvimento: ele simplesmente
caracteriza o estágio existente já alcançado. O que determina
diretamente o desenvolvimento da psique de uma criança é sua
própria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida –
em outras palavras: o desenvolvimento da atividade da criança,
quer a atividade aparente, quer a atividade interna. Mas seu
desenvolvimento, por sua vez, depende de suas condições reais
de vida (2006, p.63).

Cumpre observar que o todo metodológico em que se perfaz esse objeto de


estudo não é só espacial e temporal, mas também de sentido para o aluno. As atividades
voltadas para a aquisição da LA se distanciam do acontecimento e ganham acabamento
profissional; a escolha de certos elementos teórico-lingüísticos no acontecimento
determina a relação professor/aluno.
Essa correlação entre os elementos teórico-lingüísticos e o processo de
aquisição da LA coaduna o comprometimento do professor no que concerne ao aluno e
ao material didático, principalmente às metodologias empregadas neste.
A partir daí, o campo de forças que se interpõe entre o professor e sua
ação pedagógica – na relação entre professor e aluno – não apenas responde pelo seu
comprometimento com seu público alvo, como também permite viabilizar benefícios que
a aquisição de uma segunda língua – neste caso a língua inglesa – pode trazer ao
processo estruturante da identidade social do aluno.
Um material didático que pretende atividades significativas, reflexivas e
mobilizadoras dos traços culturais através da imediatez discursiva e que viabiliza a
construção de gêneros do discurso mais complexos como descrição, comparação,
cartas, artigos, etc; um material que visa constatar a efetividade de elementos lingüístico-
teóricos, como a expressão pessoal na construção da identidade social do aluno por
meio do processo de aquisição de uma segunda língua (ASL), projeta-se
necessariamente na edificação das relações interpessoais, com o intuito de promover
seu escopo: a inclusão e projeção sociais, nos moldes da cultura do grupo.
12

Mello (2004, p.142) pondera que “as relações do indivíduo com a cultura5
constituem condição essencial para seu desenvolvimento, uma vez que criam aptidões e
capacidades que não existem no indivíduo no nascimento”.
Desse modo, mais uma vez este texto, fundamentado na teoria histórico-
cultural, retoma o papel do mediador da língua inglesa como uma possibilidade de
intervenção no desenvolvimento do aluno a partir das atividades propostas. A
possibilidade de viabilizar uma aprendizagem coerente com o nível de desenvolvimento
psíquico já alcançado pelo mesmo. Nesse sentido, o bom ensino acontece num processo
colaborativo entre o professor e o aluno. Pois, segundo Ellis (1998, p.42), “a aquisição de
uma segunda língua é bem sucedida quando o aluno é capaz de evocar ou construir uma
identidade que o capacita a impor seu direito de ser ouvido e assim se torna o sujeito do
discurso6”.
O aluno de 5° a 8° série, da rede pública de ensino, também traz consigo
seu universo próprio para a tarefa de aprender uma segunda língua. Para começar, ele já
fala uma língua (sua língua materna) que lhe favorece, de certa forma, no lidar com os
signos lingüísticos da LA (PEIRCE, 1995).
A proposta defendida nesse objeto de estudo visa, a princípio, a
verbalização de atividades pessoais, de experiências cotidianas e comuns à cultura
autóctone, bem como da prática das relações mantidas pelo aprendiz com aqueles dos
diferentes grupos que este transita.
Um elemento lingüístico-teórico preponderante no processo de aquisição
de uma segunda língua, no entanto, se perfaz no filtro afetivo (ALMEIDA FILHO, 1999).
Segundo este autor as forças envolvidas na operação de ensino e aprendizagem –
abordagens de terceiros, dos autores do material didático adotado, o nível psicológico
dos envolvidos na operação e a cultura autóctone – confluem substancialmente nos atos
responsivos ora do professor, ora do aluno. E, são essas forças que regulam o filtro
afetivo tanto do mediador quanto do aluno no processo de ensino e aprendizagem da LA.

5
Aqui, entende-se por cultura, também, os aspectos semióticos das relações interpessoais travadas entre
os indivíduos de um mesmo grupo social.
6
T. da autora
13

Mello (2004, p.145) respalda esta linha de raciocínio ao afirmar que “a


criança só tem condições de aprender a fazer sozinha num futuro próximo aquilo que ela
consegue fazer hoje com a colaboração de alguém mais experiente”.
Contudo, é mister destacar que, a título de esclarecimento, na proposição
‘o uso da colher para comer, da forma como socialmente a utilizamos7’ não quer dizer
necessariamente que o aluno utiliza a colher da mesma forma que o professor, ainda que
o propósito seja o mesmo. Isto é, axiomaticamente as condições reais de vida do aluno
não são as mesmas do professor; os interesses, valores e crenças são outros; a posição
social que um ocupa não é a mesma do outro, embora ambos utilizem a colher para
comer.
Esta reflexão evidencia a necessidade de um mediador da língua inglesa
mais colaborativo com aquele que aprende, com aquele que quer se identificar
socialmente; evidencia, também, a importância de atividades para a aquisição da LA
acessíveis ao aluno devido sua cotidianidade; de um processo de avaliação flexível às
diferenças individuais e à heterogeneidade social; de valores e interesses sociais que
contemplem o bem-estar do coletivo; e da manutenção das relações interpessoais na
isenção do discurso, da expressão pessoal.

7
MELLO, 2004, 145.
14

Contextualização e Metodologia
Com o intuito de pôr em prática a teoria estudada e conseqüentemente verificar a
sua eficácia, foi elaborado um material didático denominado Folhas a respeito do meio
ambiente com o título “Planet in danger – Is there a solution for the Global Warming?” e
também uma proposta de implementação aplicada no Colégio Estadual “Professor Sílvio
Tavares”, no período matutino, para sextas séries do Ensino Fundamental. Este colégio
atende alunos de classe social econômica média-baixa e fica no centro da cidade de
Cambará – Paraná.
Os objetivos e passos da implementação serão descritos abaixo:
Primeiramente o professor diagnosticou o grau de informação dos alunos através
de um questionamento oral com pergunta inicial do material Folhas “Is there a solution for
the Global Warming?”. Os alunos fizeram seus comentários e a professora pôde
perceber a participação total dos educandos, houve opiniões diversas e a professora
propôs um estudo mais aprofundado sobre o assunto. Foi muito interessante a interação
dos alunos com o tema e com os colegas, pois, como afirma FACCI - 2004, o jovem
busca, na relação com o grupo, uma forma de posicionamento pessoal diante das
questões que a realidade impõe à sua vida pessoal e social, construindo sua identidade.
O professor, pôde perceber também que esta rica experiência de comunicação nos
adolescentes favoreceu o despertar da consciência ecológica e crítica. Outras questões
também foram exploradas oralmente como:
- É importante manter-se informado sobre o Brasil e o Mundo? Por que?
- De que forma você, em seu dia-a-dia, está se atualizando?
- O que você já ouviu falar ou leu sobre o Aquecimento Global?
- Quais as fontes de poluição?, dentre outras.
Os alunos adoraram participar e contar suas experiências.
Com o intuito de ampliar o conhecimento dos alunos, a professora propôs uma
atividade de pesquisa sobre o assunto em casa para ser entregue na próxima aula, na
qual também houve uma participação maciça. Os alunos, antes de entregarem os
trabalhos comentaram sobre o que não havia sido dito na aula passada e as novidades
de suas pesquisas, como por exemplo, reciclagem, bio combustíveis, etc. Como os
alunos estavam envolvidos com o tema, foi um momento muito propício para iniciar as
15

tarefas do Folhas. Este material didático possui textos e gráficos informativos, atividades
de ampliação de vocabulário e pesquisa, além de questões reflexivas para auto análise e
mudança de postura em favor do processo de mitigação. A última tarefa deste material
proposto é para o aluno elaborar um texto em inglês, com o auxílio do professor, com
base em tudo que foi comentado, lido, analisado e proposto, respondendo a questão
inicial do material e contando como ele pode e deve contribuir com o meio ambiente.
Este texto foi construído com a participação de todos os alunos da classe, escrito na
lousa e cada um anotou em seu caderno. Esta atividade também foi muito enriquecedora
pois houve a fixação do vocabulário e o professor pôde auxiliar os alunos quanto a
colocação correta dos elementos das frases.
Ao concluir as tarefas propostas pela professora, foi entregue aos alunos um
questionário para avaliar os pontos positivos e negativos do trabalho da professora e dos
alunos, como por exemplo: opinião sobre os textos e atividades, grau de dificuldade,
motivação, aprendizagem, contribuição do assunto para a vida pessoal, etc.
As respostas foram surpreendentes, como:
-Amei! As aulas foram ótimas. Fique muito interessado. Sou muito mais
consciente hoje, etc. Em nenhum momento houve crítica negativa por parte dos alunos.
Para a execução desta proposta, a professora utilizou o data show e a TV pen
drive para mostrar gravuras relacionadas ao meio ambiente com o intuito de instigar o
envolvimento e participação dos alunos na discussão dos textos, estes foram duplicados
através de xérox. Durante as atividades os alunos utilizaram também dicionários (apoio
para os textos), recortes de jornais, revistas e material pesquisado na internet para a
realização dos trabalhos de pesquisa.
Alguns alunos encontraram dificuldades nas pesquisas por não possuírem internet
e não poderem freqüentar uma LAN house, principalmente os da zona rural. Outro ponto
negativo é que nós professores de inglês encontrarmos dificuldade em reproduzir
material escrito, pois ainda não há um material de apoio neste sentido para o Ensino
Fundamental e nenhuma verba específica para reprodução de materiais.
Os pontos positivos podem ser constatados em vários momentos pela consciência
ecológica, porque houve um envolvimento dinâmico dos alunos, eles realmente
vivenciaram a experiência de pôr em prática o conteúdo estudado, contribuindo
16

significativamente com o processo de mitigação, pois influenciaram não só a comunidade


escolar e a família como amigos e vizinhos. A criticidade dos alunos também foi aguçada
e trabalhada, pois acompanharam os noticiários relacionados ao tema em TV, jornais e
revistas e discutiram em sala de aula e em casa. A professora pôde analisar estes dados
pelo empenho e participação dos alunos nas atividades orais e escritas.

Considerações finais

Visto que, a partir da teoria histórico-cultural, impõe-se um novo conceito de


mediador no processo de ensino e aprendizagem da língua inglesa, surge a
oportunidade efetiva de se intervir na formação social do aluno. Pois, sua identidade
social deve contar com a participação daqueles que o cercam, além de sua capacidade
de comunicação, sua expressão pessoal.
Cabe ao professor, portanto, ampliar seu próprio conhecimento lingüístico e
comprometimento com o material didático e a metodologia deste, bem como um maior
comprometimento com o processo de aprendizagem do aluno, seu estágio de
desenvolvimento psicológico, suas dificuldades individuais e sua realidade social.
Os elementos lingüístico-teóricos apontados neste texto devem subsidiar o
processo de aquisição de uma segunda língua e, conseqüentemente, confluir para a
construção da identidade social do aluno, preparando o para a mudança de lugar no
sistema das relações sociais, na formação complexa de processos de regulação de suas
próprias ações e, gradualmente, transformando a linguagem em uma forma de
organização da atividade psicológica humana.
Numa prerrogativa de tratar a identidade e a inclusão sociais do aluno, esse
enfoque histórico-cultural visa a cotidianidade do aluno como reflexo de seu meio e
característica de sua zona proximal, do mesmo modo que investe na imediatez
discursiva para desenvolver gêneros mais complexos, mais expressivos.
As atividades do material didático sob análise viabilizam questionamentos
de sua mobilidade sócio-comportamental em seu próprio meio, contemplam a expressão
pessoal do mesmo, seus interesses, valores e crenças. Também, atentam para uma
amenização tanto das diferenças fonéticas quanto sintáticas da LA, considerando sua
17

eficácia obstáculo para o processo de aquisição pelo aluno no que tange à comparação
de sua língua materna, conseqüentemente causando a desmotivação.
Por fim, da ótica do enfoque histórico-cultural descrito neste texto, com o
auxílio dos signos, o homem pode controlar voluntariamente sua atividade psicológica e
ampliar sua capacidade de atenção, memória e acúmulo de informações, desde que o
assunto tratado tenha significado e relevância para a vida do aluno.
Sugiro pesquisa e visitas à fábricas e indústrias local, a fim de verificar o
destino do lixo, bem como propostas de alternativas viáveis, se for o caso. Poderá
também ser realizado excursões em parques, trilhas ou sítios ecológicos, para
potencializar a conscientização dos alunos, e por fim, escreverem suas conclusões -
frases ou redações na LA com o auxílio do professor.
18

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, J. C. P. de (org.). Análise de abordagem como procedimento fundador


de auto-conhecimento e mudança para o professor de língua estrangeira. In: O professor
de língua estrangeira em formação. Campinas, SP: Pontes, 1999.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BENJAMIN, W. A capacidade mimética. In Humanismo e comunicação de massa. Ed.


Tempo Brasileiro, 1970.

ELLIS, R. Second language acquisition. Oxford University Press, 1998.

FACCI, M. G. D. A periodização do desenvolvimento psicológico individual na


perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 64-
81, abril 2004. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br

KRASHEN, S. The Input Hypothesis: Issues and Implications. Laredo Publishing


Company 1993.

LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In:


VIGOTSKII, L. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone,
2006.

LURIA, A. R. A construção da mente. Trad. Por Marcelo B. Cipolla. São Paulo: Ícone,
1992.

____________. Diferenças culturais de pensamento. In: VIGOTSKII, L. S. et al.


Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 2006.

____________. O cérebro humano e a atividade consciente. In: VIGOTSKII, L. S. et al.


Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 2006.

____________. O desenvolvimento da criança na escrita. In: VIGOTSKII, L. S. et al.


Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 2006.

MELLO, S. A. A escola de Vygotsky. In: Kester Carrara (Org.) Introdução à psicologia da


educação: seis abordagens. 1 ed. São Paulo: AVERCAMP, 2004, v. único. p. 135-155.

OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: LA TAILLE, I.


de et al. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo,
Summus, 1992.

PEIRCE, C. S. Semiótica. (The Collected Papers of Charles Sanders Peirce). São Paulo,
SP: Perspectiva, 1995.
19

VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:


VIGOTSKII, L. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone,
2006.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

Você também pode gostar