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Aprendizagem lexical: uma visão histórico-cultural


da realidade da sala de aula

Paula Silveira Gardel

1. Introdução

Este artigo pretende contribuir para o entendimento da


aprendizagem lexical em aulas de inglês como língua estrangeira. Como
professora de inglês há quinze anos, tive a oportunidade de perceber
uma queixa recorrente entre professores e alunos: a dificuldade de
desenvolver o vocabulário em língua estrangeira. Diante dessa
constatação, resolvi buscar respostas que pudessem explicar o motivo
dessa dificuldade.
Durante muitos anos os estudos sobre aprendizagem de línguas
priorizaram a sintaxe e a fonologia, pois acreditava-se que essas eram
as dimensões mais centrais e críticas para as pesquisas na área de
aquisição de segunda língua (Zimmerman,1997). O vocabulário era
visto como um “sub-produto” da língua e, portanto, não merecia igual
atenção. O resultado de tal posicionamento foi um ensino
descontextualizado e simplificado de vocabulário, que dominou o
ensino-aprendizagem de línguas durante décadas.
Atualmente, a questão do vocabulário no ensino em língua
estrangeira tem sido tema de várias pesquisas no Brasil e em outros
países (BERBER SARDINHA, 1999; BINON e VERLINDE, 1998,
RODRIGUES, 2003; NATION, 2002; LEFFA, 2000). Além disso,
novas abordagens de ensino de segunda língua como a Abordagem
Lexical (LEWIS, 1993) e a Abordagem por Exposição de Dados1
(JOHNS, 1994) têm enfatizado o papel do vocabulário. Na maior parte
das salas de aula, no entanto, professores parecem continuar tratando

Cadernos de Letras - n. 24 - p. 107-124 - mai. 2008


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a questão da aprendizagem lexical como um processo que ocorre


naturalmente através da leitura, e, portanto, não lhe dão a atenção
merecida.
Diante desse quadro, resolvi investigar o que realmente acontece
em sala de aula. Através da observação direta da interação de
professores e alunos no processo de aprendizagem de vocabulário pude
ampliar o meu entendimento das questões teóricas e práticas que
envolvem esse processo. O meu percurso foi norteado, principalmente,
pela teoria histórico-cultural desenvolvida por Vygotsky (1998) e por
estudos sobre aquisição de vocabulário em segunda língua (NATION,
2002). Neste trabalho, viso compreender o papel da interação no
processo de aprendizagem de vocabulário e traçar um quadro das
práticas conversacionais mais utilizadas durante esse processo.
Especificamente, procuro responder a seguinte pergunta de pesquisa:
Como o conhecimento lexical é construído na interação em uma aula
de inglês?

2. Arcabouço Teórico

A aprendizagem lexical, como qualquer outro conhecimento,


envolve processos cognitivos e interacionais. Segundo Vygotsky (1998),
a interação é o principal recurso para o desenvolvimento das capacidades
cognitivas. Dentro da perspectiva histórico-cultural preconizada por
Vygotsky, a aprendizagem é um mecanismo de mediação no qual o
indivíduo internaliza operações externas. Ou seja, o desenvolvimento
do aprendiz é construído, em um primeiro momento, socialmente na
interação; e depois esse conhecimento é internalizado e torna-se
parte integrante do indivíduo. Ohta (2001:53) afirma, que segundo
Vygotsky,

qualquer função no desenvolvimento cultural de uma criança aparece


duas vezes, ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social, e
depois no plano psicológico. Primeiro aparece na relação com o outro,
em uma categoria interpsicológica, depois internamente na criança, em
uma categoria intrapsicológica2.
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Pesquisas no ensino de línguas que se alinham a essa perspectiva


(ALJAAFREH e LANTOLF, 1994; OHTA, 2001) indicam que a
colaboração e a interação contribuem para que alunos alcancem maior
competência comunicativa. Nesse paradigma, o conhecimento deixa
de ser entendido como um processo individual, e passa a ser visto como
um produto elaborado dialogicamente por alunos e professor.
Apesar da importância da interação no desenvolvimento cognitivo
do indivíduo, ainda há escassez de pesquisas sobre o papel da interação
na aprendizagem lexical. Alguns trabalhos sobre aquisição de
vocabulário em língua materna demonstraram que a construção do
sentido das palavras ocorre na interação verbal e no diálogo que a criança
estabelece com o adulto (GÓES, 1997; CRUZ, 1997). Ao analisar a
construção de conhecimento de palavras por crianças no contexto
escolar, Góes (1997:21) concluiu que “é na dinâmica dos processos
interpessoais, nas trocas dialógicas com outras pessoas em torno de
objetos, nas instâncias de produção e compreensão da palavra, que o
aluno desenvolve o significado desta.”
No ensino-aprendizagem de língua estrangeira essa dinâmica se
repete. Algumas pesquisas sobre a interação e aprendizagem lexical
(ELLIS E HEIMBACH, 1997; LA FUENTE, 2002) indicaram que as
práticas de negociação, interação e as oportunidades de produção
criadas pelo professor têm efeitos benéficos na aquisição produtiva de
vocabulário. Porém, essas duas pesquisas foram desenvolvidas em
contextos artificiais; portanto é preciso confirmar a validade dessas
conclusões em um contexto natural de sala de aula.
Quando observamos uma aula, podemos perceber que a interação
é um dado central para o entendimento do processo de aprendizagem,
pois representa a concretização de um conjunto de reações geradas por
professores e alunos diante das várias propostas e práticas pedagógicas
que emergem durante a aula. Allwright e Bailey (1991) definem a
interação que se realiza na sala de aula como uma espécie de co-
produção entre alunos e professor. Tradicionalmente, a interação que
se realiza em sala de aula se caracteriza por ser assimétrica e controlada
pelo professor. Sinclair e Coulthard (1975) descreveram um modelo
de estrutura interacional detectado na maior parte das salas de aula na
Grã-Bretanha: o padrão IRA3 (iniciação-resposta-avaliação). Nesse
110 .

padrão, o professor tem o “poder da voz”: ele pode iniciar a interação,


interromper, quebrar o silêncio, falar em qualquer tom de voz e nomear
falantes. Atualmente, pode-se observar o surgimento de outros padrões
interacionais menos assimétricos em salas de aula de inglês. Nesses
novos padrões, os alunos têm direito a iniciar a interação, interromper
a fala de outro e trazer contribuições individuais. Às vezes, o discurso
de sala de aula é uma alternância entre o padrão IRA e um discurso
mais simétrico e menos institucional. Essa nova dinâmica cria dois
diferentes enquadres na sala de aula: o enquadre institucional e o
enquadre informal ou conversacional.
Segundo Goffman (1974:10) o enquadre é um conjunto de
“princípios organizacionais que governam os eventos – pelo menos os
eventos sociais – e o nosso envolvimento subjetivo neles.4” Na sala de
aula ocorre também um evento comunicativo que pode ser analisado
levando em conta a noção de enquadre. Neste estudo, utilizei o conceito
de enquadre para descrever as diferentes estruturas interacionais
observadas durante o processo de construção de conhecimento lexical.
Considerei como enquadre institucional o padrão tradicional de sala
de aula e o enquadre conversacional ou informal o padrão mais
colaborativo e autêntico.
Segundo a concepção histórico-cultural, a aprendizagem se
desenvolve em uma atividade dialógica ou seja, na interação entre os
participantes em um evento comunicativo. Essa atividade dialógica
foi observada por Wood, Bruner e Ross (1976, apud MERCER, 1993)
em um estudo sobre aprendizagem entre pais e filhos na idade pré-
escolar. A partir desse estudo, surgiu o conceito de andaimento que
descreve a assistência guiada dada ao aprendiz por um par mais
competente no processo de desenvolvimento cognitivo. No contexto
de uma sala de aula, este tipo de intervenção ocorre quando professor
ou alunos interagem com a finalidade de promover a aprendizagem e o
desenvolvimento cognitivo. O andaimento seria um mediador nesse
processo.
Além do andaimento, professores e alunos contribuem na
construção do conhecimento através de duas outras práticas
conversacionais: a conversa instrucional e a contribuição individual.
A conversa instrucional (THARP E GALLIMORE, 1991, apud
. 111

DONATO, 2001) é uma forma de interação verbal que contém


características conversacionais e metas instrucionais. Através da
conversa instrucional, o professor traz para dentro do contexto da sala
de aula a informalidade da conversa, sem deixar de lado o objetivo
pedagógico. A contribuição individual é a “fala” do aluno, a
verbalização do entendimento que ele faz do conhecimento que está
em construção. Podemos dizer que a contribuição individual ocorre
quando o aluno relata uma experiência pessoal ligada ao conteúdo do
programa. Ao verbalizar essa associação entre conhecimento novo e
vivência pessoal antiga, o aluno está num processo de elaboração de
conceito e significado. Góes (1997:17) descreve essas contribuições
individuais da seguinte forma:

Durante as atividades em sala, as crianças focalizam nas relações


interpessoais em ocorrência e também orientam a atenção para
outras vivências, não restritas ao ‘aqui-agora’. Há muitos
momentos em que elas se reportam as suas experiências, trazendo
como tópico de elaboração atributos pessoais e de conduta, ou
acontecimentos que envolvem a si e a outras pessoas. Mesmo
diante de situações em que se elabora sobre objetos instrucionais,
a criança busca inserir suas experiências anteriores, recorrendo
a uma abordagem eminentemente narrativa, apoiada na memória.

Neste trabalho, utilizo os termos andaimento, conversa


instrucional e contribuição individual para descrever as manifestações
de professores e alunos que emergem no discurso da sala de aula durante
as atividades de vocabulário.

3. Aspectos Metodológicos

O presente estudo foi baseado na literatura de diferentes áreas,


como Aquisição de Segunda Língua (ELLIS, 1994), Aquisição de
Vocabulário em Segunda Língua (NATION, 2002), Teoria Histórico-
Cultural (VYGOTSKY, 1998) e Lingüística Ecológica (KRAMSCH,
2002). Por ser um estudo multidisciplinar, busquei na Lingüística
Aplicada (VIEIRA-ABRAHÃO, 1997; MOITA LOPES, 1996;
112 .

DAVIES, 1999) e na Prática Exploratória (ALLWRIGHT E MILLER,


2001; MORAES BEZERRA, 2004) recursos que me permitissem
compreender o meu objeto de estudo – a aprendizagem de vocabulário
– em seu contexto natural: a sala de aula. Este artigo é parte da minha
Dissertação de Mestrado, intitulada A interação e as atividades
pedagógicas como mediadores na aprendizagem de vocabulário em
aulas de inglês como segunda língua, desenvolvida no período de 2004
a 2006.
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativista.
O objetivo desse tipo de pesquisa é entender a complexidade do objeto
de estudo em seu estado natural. Seguindo essa linha metodológica,
utilizei conceitos da pesquisa etnográfica para descrever, coletar e entender
o meu objeto de estudo. No caso desta pesquisa, fui participante e
observadora direta das interações na sala de aula.
A pesquisa foi conduzida em um curso de idiomas localizado em
um bairro classe média do Rio de Janeiro. O corpo docente é formado
por professores com cursos superiores em Letras ou áreas afins
(Pedagogia, Psicologia, Comunicação) e com especialização e mestrado
em áreas como Psicopedagogia, Letras, e Psicologia. Muitos desses
professores aprimoraram a proficiência em inglês em cursos na
Inglaterra e Estados Unidos.
O corpus deste estudo é formado por duas turmas de nível básico
de inglês. Os alunos têm em média 12 e 13 anos e já apresentam boa
familiaridade com o inglês. Cada uma das turmas possui uma professora
específica, uma delas sou eu, a pesquisadora, porém não há muita
diferença entre as práticas pedagógicas utilizada por nós. Essa
semelhança de abordagem em sala de aula me permitiu concentrar a
minha observação e análise na interação diante das atividades de
vocabulário propostas em sala de aula.
Para tal observação, gravei em áudio e vídeo as aulas das duas
turmas durante aproximadamente 2 meses. As gravações das aulas
foram examinadas para a feitura dos recortes e transcrição. Procurei
fazer recortes dos momentos em que o vocabulário alvo é apresentado,
recuperado, ou usado em atividades. Esses momentos foram transcritos
e analisados com o fim de verificar as práticas interacionais utilizadas
na construção de significado e aprendizagem lexical.
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4. Análise

A análise das transcrições indicou que as práticas que comumente


emergiram durante as atividades de introdução de vocabulário foram o
andaimento (WOOD, BRUNER & ROSS, 1976), a conversa
instrucional (THARP E GALLIMORE, 1991) e a contribuição
individual. Nas atividades de recuperação de vocabulário, essas práticas
também ocorrem. Porém, nas atividades de uso vocabulário, as práticas
acima mencionadas não ocorrem com a mesma regularidade, já que o
vocabulário não está destacado como nas atividades de introdução e
recuperação. Essas práticas conversacionais trazem mudanças de
enquadre no discurso em sala de aula, o que discutirei no decorrer da
análise.
Para melhor ilustrar cada uma dessas práticas nas interações
transcritas, lancei mão de alguns símbolos que identificarão na própria
transcrição o momento em que essas práticas emergem. O quadro 1
ilustra esses símbolos.
andaimento
conversa instrucional
contribuição individual
palavra alvo
Quadro 1: Legenda para a análise da interação

4.1. Introdução de vocabulário

A cena 1 é um recorte de uma aula em que a professora introduz


a palavra legend. O tema da unidade da aula é Stories, e a discussão
até o momento girava em torno de tipos de histórias. Quando a
professora faz a pergunta aberta sobre o significado da palavra legend,
fica implícito que essa palavra representa um tipo de história. Mesmo
assim, a professora reforça a idéia da categorização quando faz a
pergunta “what kind of story is it?” A aluna Patrícia toma o turno e
tenta explicar o significado da palavra legend através de uma explicação
em inglês, porém o alongamento da vogal permite que Marcelo tome o
turno e complete a frase com uma tradução. Essa fala funciona como
114 .

andaime na compreensão do conceito legend. Embora o uso do inglês


seja uma norma dentro de sala de aula, a professora não descarta a
contribuição do aluno e segue na construção do conceito criando outro
andaime, só que agora, através de um questionamento. Os alunos se
voluntariam nomeando lendas da cultura brasileira, trazendo para a
aula de inglês a sua vivência e cultura. Embora a definição enciclopédica
de legend não tenha sido dada, os alunos parecem ter compreendido,
através da associação com português e exemplos, o significado da
palavra legend. Essa compreensão se desenvolve na interação à medida
que alunos fazem suas contribuições conduzidos pela assistência guiada
da professora e dos exemplos dados pelos alunos.

Cena 1:
139 Professora: look, what about a legend? what kind of
story is it?
140 Patrícia: It’s a::
141 Marcelo: lenda
142 Professora: can you give me examples of legends?
143 Bianca: Saci-pererê
144 Patrícia: Curupira, saci-pererê, mula sem cabeça
145 Professora: do you like reading legends?
146 Rodrigo: when I have five I watched eh Hercules eh
eh 8 times.
147 Professora: ok, Hercules has these great things ((alunos
148 começam a discutir entre eles se Hercules é
uma lenda ou um mito))

Podemos observar também na cena 1, que depois de trabalhar o


conceito da palavra legend dentro de um enquadre institucional, a
professora parte para uma pergunta mais informal, buscando relatos e
experiências pessoais dos alunos para reforçar a compreensão da
palavra-alvo. Ao perguntar “do you like reading legends?”, a professora
inicia uma conversa instrucional com a turma. A resposta do aluno
Rodrigo é uma contribuição individual espontânea, que demonstra que
o aluno está construindo o conceito através de associações e vivências
pessoais.
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4.2. Recuperação de vocabulário

A cena 2 é um recorte de um momento de correção de dever de


casa. O exercício que os alunos estão corrigindo é direcionado para a
recuperação do vocabulário apresentado em uma unidade da aula sobre
Stars (celebridades). A correção está inserida em um enquadre
institucional, onde a professora faz intervenções para corrigir ou ratificar
os enunciados do aluno, e onde há pouco espaço para a interação. Porém
a atividade serve como gatilho para a contribuição de uma aluna sobre
o conceito que envolve a palavra villain.
Ao ler a sinopse do filme Titanic, o aluno Walter tem a fala
sobreposta pelo comentário da aluna Maria Clara que não concorda
com a afirmação do exercício. Como não consegue tomar o turno
naquele momento, a aluna retoma o seu comentário no final da correção
do exercício quando diz “there is a villain ah::” , e com isso estabelece
um enquadre conversacional, que é ratificado pela professora e pelo
aluno Pedro, que concorda com a colocação da Maria Clara
complementando o comentário com uma contribuição individual “yes,
there´s a villain, he wants to..he takes the girl´s collar and put it in
Jack’s pocket. I remember..”

Cena 2:
948 Professora: ok
949 Walter: can I? Titanic /titanic/
950 Professora: how do you pronounce it?
951 Walter: Titanic
952 Professora: very good
953 Walter: Titanic is a historical and romantic film .. the
954 two main characters are
955 Professora: ahn ahn how do you pronounce?

956 Grupo: characters


957 Walter: characters are Rose, Kate Winslet and
958 Jack, Leonardo DiCaprio. there isn’t a
villain in the story, expect
959 Maria Clara: teacher .. there is
116 .

960 Walter: maybe the iceberg, the special effects


961 is are brilliant. I thought it was a really
exciting film but the beginning was a
bit boring
962 Professora: that’s it
963 Maria Clara: there is a villain ah::
964 Professora: who is the villain in Titanic?
965 Maria Clara: the man with eh::
966 Pedro: yes, there’s a villain. he wants to .. he 967
takes the girl’s collar and put it in Jack’s
pocket. I remember ..
968 Professora: ah:: her fiancée, he puts it in Jack’s
969 pocket. what’s the opposite of villain?
970 Grupo: hero
971 Walter: depois ele tenta matar a Rose

As contribuições individuais e a conversa instrucional dessa cena


trabalham a recuperação da palavra villain e o conceito que ela envol-
ve. Ao fazerem suas contribuições individuais, os alunos demonstra-
ram que grande parte da aprendizagem lexical acontece fora do contex-
to delimitado pelo exercício do livro. Na construção de conhecimento
de uma palavra, os alunos buscam associações e vivências, que são
compartilhadas na interação.

4.3. Produção e uso de vocabulário

A cena 3 ilustra um recorte de uma atividade de apresentação


oral que os alunos fizeram em uma aula no final da unidade, cujo tema
era histórias. Um dos objetivos desse tipo de atividade é a recuperação
e uso do vocabulário trabalhado. As práticas interacionais que ocorrem
nesta cena são, em grande parte, conduzidas pelos próprios alunos.
Durante a atividade, os alunos se sentem em um círculo fechado. A
apresentação desta cena é a história dos Três Porquinhos. Podemos
observar nessa apresentação, que as práticas de andaimento e contri-
buições individuais emergem em alguns momentos da interação. O
andaimento ocorre quando o aluno Antônio introduz o vocabulário da
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história. Para tal, o aluno faz uso de dois recursos semióticos: a mími-
ca e o português. As palavras introduzidas por Antônio foram quase
todas utilizadas para recontar a história dos Três Porquinhos, o que
parece indicar que a introdução das palavras pode ter servido como
andaime na compreensão da história. Também nessa cena, temos um
exemplo de contribuição individual na construção do conceito da pala-
vra brick, quando o aluno Marcio Vicente, que adora música e rock, faz
a associação da palavra brick com a música do grupo Pink Floyd
“Another brick on the wall”.
Cena 3:
872 Antônio: the three little pigs
873 Ana Amélia: the three little what?
874 Antônio: the three little pigs ... type of story fairy tale,
875 main ca character .. how do you spell?
876 Marcio Vicente: quê?
877 Antônio: char char..
878 Carlota: character
879 Antônio: the three little pigs and the bad wolf .. eu tenho
880 que falar, I say the important words?
881 Marcio Vicente: claro
882 Carlota: yes
883 Antônio: brick /braik/, construct, house, wolf, blow
884 Marcelo: blow?
885 Antônio: ((soprando)) blow, straw, brick /braik/
886 Marcelo: braik?
887 Rodrigo: o que é /braik/?
888 Professora: what’s the pronunciation?
889 Antônio: brick? tijolo
890 Marcio Vicente: é pode crê eh another brick on the wall
/…/
899 Antônio: one day three little pigs .. no .. one day the
yellow pig build one..
900 Marcelo: the yellow pig?
901 Antônio: yellow pig (( mostrando o desenho )) ok. the
902 pig with a yellow t-shirt
903 Rodrigo: the yellow pig ((risos))
118 .

904 Antônio: one day the yellow pig build ((risos)) a


905 straw house and the bad wolf blow the
906 straw house and it destroy .. after that the
907 green pig build one wood house and the
908 bad wolf blow ((soprando)) and destroy it
909 too .. the the red pig .. the red pig build a
910 brick house but the bad wolf can’t destroy
911 it and .. the bad wolf has .. and the bad wolf
912 enters in the house to by the chimney but
913 the three little pigs think it first and put one
big cauldron, big hot cauldron under the
chimney and the bad wolf and the bad wolf
is burn is burn. after that, any day, any pig
see the bad wolf (( mostrando a ilustração
que fez para a turma ))
Nas apresentações orais, a interação espontânea não foi muito
comum, uma vez que há uma organização interacional já estabelecida:
quem fala é o apresentador. Portanto, não foi possível descrever a dinâ-
mica dos enquadres interacionais.

5. Considerações finais
Neste estudo busquei verificar como a aprendizagem lexical ocor-
re na interação dentro de uma sala de aula de inglês e confirmar se a
queixa dos professores em relação ao ensino de vocabulário corresponde
à realidade observada na sala de aula. Ao analisar a interação, verifi-
quei que as atividades de vocabulário conduzidas em sala normalmente
induziam alunos e professora a interagir dentro de um enquadre
institucional. Porém, o enquadre institucional muitas vezes foi quebra-
do por práticas conversacionais que geraram outro enquadre: o enqua-
dre conversacional ou informal. A principal implicação dessa dinâmica
interacional foi trazer para o contexto de sala de aula duas práticas pe-
dagógicas de desenvolvimento cognitivo: a conversa instrucional e a
contribuição individual. Segundo pesquisas (DONATO, 2001; GÓES,
1997), tanto a conversa instrucional quanto a contribuição individual
têm papel fundamental no ensino-aprendizagem de língua, pois, ao imi-
. 119

tar a conversa autêntica, criam um ambiente de socialização para alu-


nos em situações mais próximas da realidade.
Além das práticas conversacionais mencionadas, a análise demons-
trou que o andaimento é uma prática recorrente por parte da professora e
dos alunos nas mais variadas atividades. Esse tipo de assistência guiada
revelou-se fundamental para o desenvolvimento lexical, pois, ao invés
de prover respostas prontas e correções a professora utilizou-se das con-
tribuições dos alunos para construir o conhecimento lexical.
Diante dessas reflexões, volto à questão que motivou a minha
pesquisa: a dificuldade de desenvolver o vocabulário em língua estran-
geira. Talvez para entender essa questão precisemos rever nossas cren-
ças sobre o que é o processo de aprendizagem. Muitas vezes, como
professores, esperamos que a aprendizagem ocorra de uma forma
linear e, conseqüentemente, deixamos de observar o processo de uma
forma holística. Para van Lier (2002:159) os caminhos que levam ao
desenvolvimento de uma língua são surpreendentes, e raramente
conseguimos entender como acontece. Segundo o autor o processo de
aprendizagem de uma língua
é um processo não linear que envolve fases e transformações. Nem
toda fase e transformação parece ser indubitavelmente um passo em
direção a proficiência do uso da língua.Fazendo uma analogia, nem toda
fase do processo de transformação de uma lagarta em uma borboleta
parece, para um observador ingênuo e leigo, um passo em direção ao
resultado final – muito pelo contrário.

A queixa dos professores diante do ensino-aprendizagem lexical


pode estar relacionada com a dificuldade de perceber que as fases e trans-
formações no decorrer do processo de aprendizagem lexical, também
são irregulares, que ora parecem estar avançando ora retrocedendo. O
importante parece ser dar continuidade a esse desenvolvimento através
do que essa pesquisa demonstrou ser o caminho para a geração de opor-
tunidades de aprendizagem: a expansão dos limites do conhecimento atra-
vés da assistência guiada ou seja, das conversas instrucionais e o an-
daimento. Não esquecendo, obviamente, das contribuições individuais.

Paula Silveira Gardel


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Resumo
Nesta pesquisa, investigo o processo de aprendizagem lexical em língua es-
trangeira no contexto de uma sala de aula. Meu objetivo é entender como a
interação influencia a construção de conhecimento lexical dos alunos. Para tal
investigação, conduzi trabalho de campo em duas turmas de inglês básico cons-
tituídas de alunos entre 12 e 13 anos. Gravei e transcrevi em audio e vídeo
aulas durante dois meses. A análise das interações indicou que alunos e profes-
sores recorrem com freqüência a práticas conversacionais como a conversa
instrucional, o andaimento e a contribuição individual para a construção de
significado.

Palavras-chave
Ensino-aprendizagem lexical em segunda língua, interação.

Abstract
This research investigates the process of learning vocabulary in a second
language in a classroom environment. Its objective is to understand how the
classroom interaction affects the construction of lexical knowledge. To achieve
this, two classes of basic English formed by 12 and 13 year-old students have
been analysed. The data include field observation, video-tapes and transcription
. 123

of interactions. The analyses of the classroom interaction have indicated that


students and teachers often use conversational strategies, like instructional
conversation, scaffolding and individual contribution, to construct meaning.

Key words
Teaching-learning vocabulary in second language, interaction.

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