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1590/CC251549
RESUMO: Oferecer uma educação emancipatória e que reconheça a importância da expressão livre
por parte dos estudantes é tarefa desafiadora, mas possível. Como objetivo deste artigo, apresentamos
ARTIGOS | TRABALHO DOCENTE E PEDAGOGIA FREINET
experiências vivenciadas na escola pública, nos anos iniciais do ensino fundamental, pautadas na
perspectiva freinetiana, com destaque à organização em rodas: de conversa, de jornal de parede e de
textos livres. Tal organização apresenta-se como possibilidade de ouvir a voz dos estudantes e viabilizar
a participação efetiva no ambiente escolar e em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.
Palavras-chave: Pedagogia Freinet. Práticas pedagógicas. Livre expressão. Rodas de conversa.
Escola pública.
ABSTRACT: Enabling emancipatory education, which recognizes the importance of the students’
free expression, is a challenge, but possible task. As an objective of this article, we present experiences
lived in the public school, in the first years of elementary school, guided by the Freinetian
perspective, emphasizing the organization in circles: conversation, mural journal and free texts.
Such organization presents itself as a possibility to hear the students’ voice and to make possible
the effective participation in the school environment and in its development and learning process.
Keywords: Freinet pedagogy. Pedagogical practices. Free expression. Conversation circles.
Public school.
Introdução
“Praticar a livre expressão e a convivência cooperativa significa inverter a metodologia”
Elias.
Neste artigo, pretendemos abordar possibilidades de trabalho na escola pública, com base na teoria
freinetiana, sobretudo no tocante à livre expressão, nos anos iniciais do ensino fundamental, referencial que tem
norteado nossas práticas pedagógicas, bem como os nossos projetos individuais de pesquisa na área de educação.
Para dar conta de nosso objetivo, de início, entendemos ser importante situar Freinet e sua pedagogia. O pedagogo
francês Célestin Freinet (1896-1966) elaborou uma proposta pedagógica pautada na cooperação, na livre expressão,
no trabalho e na autonomia (FERREIRA, 2003) e formulou também instrumentos e técnicas que (re)organizam os
tempos e espaços escolares de modo que esses princípios fossem contemplados, respondendo ao anseio de escutar a
criança, legitimar sua voz e produzir meios e espaços concretos para que ela possa participar ativa e conscientemente
de seu processo de aprendizagem e dos espaços de tomada de decisão e construção da/na vida escolar.
Essa é a perspectiva que orientou nosso encontro e nossas práticas enquanto professoras. Fomos aos
poucos, e por diferentes caminhos, conhecendo e encantando-nos com as ideias de Freinet, e foi no chão da
escola pública que nosso encontro aconteceu. Somos professoras dos anos iniciais do ensino fundamental de
uma escola que, nos últimos anos, tem fundamentado seu projeto político-pedagógico nos princípios dessa
pedagogia e que conta com um coletivo de professoras que estuda a pedagogia Freinet e lança mão de seus
instrumentos na rotina escolar.
Destacamos neste artigo três práticas: as rodas de conversa, como instrumento potencializador
de diálogos que inserem a vida das crianças na escola; as rodas de leitura do jornal de parede, momento
privilegiado para, identificados os problemas, propostas e/ou outras questões pelas crianças, discutirmos
e encaminharmos resoluções; e, por fim, as rodas de texto livre, espaço em que cada estudante compartilha
textos produzidos em uma proposta de liberdade de escrita.
Ao explicitar essas três possibilidades de trabalho com rodas, entre tantas outras possíveis,
pretendemos evidenciar a importância dessa forma de organização pedagógica, que corrobora trocas
significativas. Dado que as instituições escolares, de maneira geral, ainda estão focadas no ensino “bancário”,
como já há muito denunciado por Paulo Freire (2005), em que o professor “deposita” o saber e o aluno, por
conseguinte, não participa desse processo dialogicamente, esperamos, por meio dessa discussão, contribuir
para o debate acerca do legado de Freinet e de um trabalho pedagógico pautado no princípio da livre expressão
para a formação humana integral.
obras brasileiras, muitas são as que se referem à pedagogia Freinet, constituindo marcos significativos sobre
sua relevância para a educação em nosso país ainda hoje.
Oliveira (1998), em obra resultante do centenário de seu nascimento, resgata:
Como muitos ex-combatentes, jovens pertencentes a uma geração sacrificada, [...] [Freinet]
voltou profundamente imbuído de princípios pacifistas e também com o desejo de questionar
radicalmente um sistema econômico cujos interesses constituíram a verdadeira raiz do
conflito. Este ideário constitui, sem dúvida, o substrato da sua proposta pedagógica
(OLIVEIRA, 1998, p. 47).
Do seu lugar de professor, Freinet percebia a importância de viver uma sociedade outra no ambiente
escolar, de fazer da escola um lugar potente de convivência com as diferenças, de desenvolvimento de saberes
em cooperação, de trabalho significativo e desalienado.
Esse novo jeito de pensar e de fazer escola permite (assim como permitiu em sua época) que as
crianças da classe trabalhadora encontrem (e busquem) seus lugares de fala em uma sociedade que se fortalece
na desigualdade, às custas da exploração do homem pelo homem, em que os mais pobres são ensinados a
obedecer e se calar. Devem aprender desde cedo a se adequar, enquanto marginalizados, ao sistema vigente e
às suas mazelas. Contrário a esse modelo opressor, Freinet ensinou a importância de aprender a expressar-se
livremente, estabelecer debates respeitosos, ouvir e ser ouvido. Ensinou também o valor do trabalho em
cooperação, objetivando o bem comum, do desenvolver-se respeitando e valorizando as diferenças. São, entre
outras, lições preciosas para a sociedade atual.
Para que tais objetivos pudessem ser aplicados na escola, o pedagogo cunhou instrumentos
de trabalho que favorecessem a autonomia e a autogestão dos alunos e que propiciassem aos docentes
“rever a própria postura em relação ao ensino e à educação, abrindo todos os caminhos possíveis para que
alunos e professores pudessem refletir sobre a realidade e expressarem-se livremente sobre ela” (ELIAS,
1997, p. 15).
sentido dos periódicos progressivamente criados para que esses textos circulassem: “Freinet defende que o
texto livre libera o pensamento da criança, facilita sua expressão, está na origem de uma literatura infantil
autêntica, das quais La Gerbe e Enfantine (estórias de crianças reais ou imaginárias) são uma demonstração
já positiva” (FREINET, 1979, p. 31).
Em 1927, no congresso que reuniu professores, estes puderam demonstrar que a “livre expressão
da criança encontrava-se na origem de uma inversão do conceito de educação, fenômeno generalizado, que
superava a mera prática escolar dos programas e da aquisição de saber” (FREINET, 1979, p. 30). Isso foi um
marco histórico para a pedagogia Freinet. Santos (1991) afirma:
O ponto de partida para o trabalho educativo é sempre a expressão livre do aluno, nas mais
diferentes formas. Entre estas, as atividades de linguagem oral e de desenho acabam assumindo
um papel de especial importância, principalmente no que se refere ao aprendizado da leitura
e da escrita (SANTOS, 1991, p. 220).
A inversão começa quando a escola passa a ver a criança não mais como um ser que não tem
conhecimento e ao qual o professor tudo precisa ensinar. Na Escola Moderna, o professor
parte da tendência natural da criança para a ação, criação, a vida; permite que ela se expresse,
exteriorize seus conhecimentos (ELIAS, 2003, p. 116).
Essa inversão relaciona-se a uma proposta libertadora de homem. Oliveira (1995) enfatiza que
Freinet não denuncia apenas o caráter artificial da escola, mas também:
Esta escola [...], além do papel ideológico que desempenha ao incutir, pelos valores
veiculados, valores estranhos à classe proletária, educa subliminarmente esta para a
passividade e a autodepreciação, mediante toda uma gama de práticas (OLIVEIRA, 1995,
p. 144, grifos nossos).
Em nossa prática, portanto, procuramos dar a ver possibilidades outras de uma escola que, em vez
de educar para a passividade, busque o caminho da emancipação, da autoria e do protagonismo, de uma
pedagogia que, em vez da autodepreciação, (re)afirme o valor humano de todos. Inspirada nas pesquisas
narrativas que dão a ver os saberes da experiência profissional, essa escola valoriza a autoria do professor,
além de ter forte caráter autoformativo (LIMA; GERALDI; GERALDI, 2015). É assim que recorremos aos
nossos registros e memórias pessoais para destacar práticas em/nas rodas de conversa, nas quais há encontro
de olhares e vozes que, entrelaçados, produzem conhecimentos.
Rodas de conversa
Rodas de conversa são práticas frequentes nas escolas de educação infantil, mas ainda pouco
presentes no ensino fundamental, o que revela certa ruptura entre esses dois níveis de ensino e nos faz pensar
na concepção de infância que sustenta nossas práticas. Partimos do pressuposto de que cada criança é um
sujeito integral que, desde o seu nascimento, participa de diversas práticas sociais. Disso decorre que a escola
de ensino fundamental deve também ser lugar para a expressão da sua vida. Entendemos que as técnicas
pedagógicas criadas por Freinet nos ajudam a garantir isso.
O texto escrito é digitado, impresso e lido para a turma. A autora deve sinalizar se está correta
a forma escrita de suas palavras ditas na roda. Feito isso, as crianças recebem uma cópia desse texto para
ilustrá-la e colocá-la em seu caderno. Já a versão da autora é publicada num painel na parede da sala, onde
ficará exposta, e a publicamos também no jornal escolar sempre que possível, ampliando o acesso a leitores
para além da turma e da escola. O texto publicado costuma ser motivo de orgulho para as crianças e gera
envolvimento muito especial na turma toda, até mesmo nas crianças que ainda não viram muito sentido
na aprendizagem da leitura e da escrita. Os desenhos que acompanham esses textos costumam ser bem
elaborados pelas crianças, sobretudo pela criança autora. “Pelo desenho cada criança revive a narrativa
elaborada em comum; e, coisa maravilhosa, ela a completa, a adapta a sua personalidade, apropria-se dela
intimamente” (FREINET, 1979, p. 46).
Durante o ano letivo, buscamos garantir que todas as crianças tenham, pelo menos, um texto
publicado nesse painel. Entendemos que, com esse trabalho, “a vida da criança é colocada em palavras”2.
Por último, vale ressaltar a forma como as crianças interagem com esses textos, no painel ou no
caderno: enquanto estão na etapa inicial da alfabetização, elas recorrem a eles quando vão escrever uma
palavra que já foi assunto compartilhado na roda e sabem que ficou registrada no texto. Esses textos acabam
funcionando como um importante material de apoio em outras situações de leitura e escrita, um referencial
de palavras e de histórias conhecidas por todos, repletas de sentidos compartilhados.
Rodas de leitura do jornal de parede (ou jornal mural) também são momentos privilegiados de
trabalho pautado na livre expressão. As crianças escrevem livremente conforme suas necessidades, durante a
semana, em bilhetes que vão para um mural dividido em envelopes, para separar críticas, elogios e propostas/
perguntas. Num dia combinado da semana, num momento organizado como uma assembleia, os alunos
leem os bilhetes, que são sempre assinados, a fim de buscarmos transparência nas conversas, os discutem e
(re)elaboram combinados com base neles. Essa reunião é registrada no livro da vida (uma espécie de diário
de bordo da turma), ou em caderno próprio para isso.
Esse tipo de atividade pode ser realizado já na educação infantil. Em Portugal, a técnica chamada
diário de turma, que tem o jornal de parede freinetiano como antecedente histórico, aparece como importante
para o desenvolvimento pessoal e social (GARCIA, 2010).
Em nossas salas, temos podido, ao longo do tempo, observar diversas situações que demonstram
a importância desse trabalho; para este artigo, elencamos em primeiro lugar a confiança que percebemos
nas crianças com relação a esse momento, confiança que vai se evidenciando de formas diversas, como, por
exemplo, na quantidade de bilhetes escritos, que tende a ir aumentando no decorrer do ano, e na participação
de todos nas discussões, fato que faz com que, algumas vezes, uma hora por semana para tal atividade seja
insuficiente. Esse tipo de questão deve ser refletido com as próprias crianças, analisando se tudo o que foi
posto era de fato necessário de ser discutido naquela instância, situação também relatada por Garcia (2010),
que aponta que algumas “queixinhas” podem ser resolvidas de/em outras(os) formas/espaços, aprendizado
que precisa de tempo para ser consolidado, como muitos outros.
Outra questão importante que logo aparece ao nos propormos pensar esse trabalho é a questão da
(in)disciplina: sem oferecer solução milagrosa, as rodas de jornal de parede constituem espaço privilegiado
e seguro em que todos e cada um podem (re)ver suas atitudes e, com a ajuda do grupo/classe, refletir sobre
as consequências delas e buscar melhorar. Nesse sentido, é interessante a fala de um de nossos alunos: “Sem
o jornal de parede, iria aumentar a fofoca” (registro de arquivo pessoal), argumentação que foi apoiada por
outros colegas, inclusive por aqueles que tinham atitudes muito criticadas no jornal de parede. Novamente,
aqui encontramos outra evidência da confiança nesse instrumento/espaço.
Como na maioria dos casos não lidamos com alunos que tenham vivenciado tais práticas na
educação infantil, algumas vezes, antes de iniciar o uso formal desse instrumento, valemo-nos de outras
formas para organizar e avaliar o trabalho com a turma, conforme o relato da professora Viviani (2019,
registro de arquivo pessoal):
Como professora de 1.º ano do ensino fundamental, eu não costumava fazer jornal de parede,
acreditava que as crianças de 1.º ano necessitavam de respostas mais imediatas para tudo aquilo
que acontecia no seu cotidiano e também por ter aprendido dessa forma com outras professoras
freinetianas. Então, diariamente eu fazia com as crianças a roda inicial, em que, além de ser
uma roda de conversa, era também um momento de planejamento do dia, e a reunião final ou
roda final, como passei a chamar mais recentemente. Era um momento de sentar para conversar
sobre como foi o dia, fazer uma autoavaliação e resolver possíveis conflitos que aconteceram
no decorrer daquele dia.
No desenrolar do trabalho dessa professora com uma turma de 1.º ano em 2018, o jornal de
parede foi iniciado em meados do segundo semestre, e ela registrou: “Já nas primeiras semanas pude perceber
um movimento diferente na sala de aula, tanto em relação à importância da escrita quanto em relação ao
autocontrole das crianças” (registro de arquivo pessoal).
Outro relato que reforça o sentimento de confiança e importância que as crianças dão a essa prática
diz: “Eu adorei o jornal de parede. [...] A parte que eu mais gostei foi na hora que a L. desabafou. [...] Eu senti
em mim que quando ela desabafou ela ficou mais feliz” (2020, registro de arquivo pessoal). Isso sugere a
sensibilidade da aluna em perceber o clima emocional da sala/dos colegas e valorizar a felicidade e o bem-
estar da colega, não apenas seus próprios sentimentos e emoções.
Temos enfrentado a questão de conviver com o coletivo e de fortalecê-lo sempre orientando as
crianças no sentido de que o objetivo não é formular sanções, mas sim “reparar o mal” que foi feito (FREINET,
2001, p. 75). Para tal, não há receitas prontas: é algo que se aprende a fazer fazendo e sempre (re)avaliando o
feito. Comporta, assim, a imaginação e (re)criação de novos modos de ser e (con)viver.
Por último, destacamos o papel significativo dessas rodas como um dos espaços que concretizam
e oficializam o disposto na invariante 27: “A democracia de amanhã se prepara pela democracia na escola”
(SAMPAIO, 1989, p. 97).
As rodas de leitura de texto livre são um desdobramento da prática da escrita livre por parte das
crianças. O texto livre, conforme já dito, apresenta-se como uma proposta de escrita significativa, que parte
do interesse da criança, sem nenhuma sugestão de tema ou direcionamento do professor. Por meio desse
instrumento, a palavra da criança é expressa sem filtros ou amarras, oportunizando a exteriorização daquilo
que a criança deseja compartilhar (com o outro ou apenas com o caderno), dando sentido à escrita, que,
segundo Freinet (2001), deve servir à vida, e não a modelos predeterminados. Concordamos com Oliveira
(1995) quanto aponta:
O que torna um trabalho ou um texto livre para as crianças concretas da escola pública, para
os filhos das classes populares, é em primeiro lugar, a possibilidade de dizer sua concepção de
mundo, em oposição àquela veiculada pelo ensino oficial. É poder refletir sobre essas visões
opostas e fazer desta reflexão uma arma em favor da sua libertação: texto livre, texto libertador
(OLIVEIRA, 1995, p. 147-148).
Nessa proposta, é comum que os estudantes escrevam sobre situações vividas por eles, suas famílias
e amigos; expressem sentimentos, anseios, opiniões; criem histórias, poemas, músicas; ou reescrevam histórias
conhecidas de memória. Esse instrumento, portanto, permite “que a criança se expresse da forma mais
genuína possível, tendo a palavra e o direito à expressão, o que, muitas vezes, não acontece, pois ela é silenciada
pelas práticas escolares nas quais cabe apenas reproduzir as lições do professor” (BUSCARIOLO, 2015, p. 63).
O momento da escrita também é escolhido pelas crianças e pode acontecer nos ateliês de trabalho,
na escola, ou mesmo fora dela. Costumamos, em nossa prática, disponibilizar um caderno específico para tais
escritas, mas elas podem acontecer em outros suportes. O uso do caderno, no entanto, ajuda a professora a
organizar a correção (individual ou coletiva), a reescrita e o compartilhamento de tais textos.
Uma das formas de compartilhamento dessas produções é o momento da roda de leitura. Em um
dia predeterminado, em geral semanalmente, sentamo-nos em círculo para a atividade. Em nossa escola, é
comum que as rodas aconteçam entre turmas, por vezes unindo idades diferentes, possibilitando o intercâmbio
de saberes nas várias fases do ensino. Como a reunião agrupa um número grande de estudantes em uma
mesma sala, o leitor pode utilizar o microfone para facilitar o entendimento por parte dos colegas, bem
como para ajudar a compor o clima de anúncio e escuta. Iniciamos com as inscrições: um aluno voluntaria-se
para secretariar e organizar as inscrições e os comentários.
Tudo organizado, começamos a sessão de leituras. Os alunos inscritos leem os textos que produziram
e, posteriormente, ouvem as colocações dos colegas sobre seu texto. Nesse momento, acontecem importantes
mediações vindas dos próprios colegas. Estes fazem sugestões, corrigem palavras que se repetem, elogiam,
relatam a parte que mais lhes agradou ou chamou a atenção e pedem continuações de histórias e contos.
É comum, após a leitura de uma história, ouvirmos comentários como: “você se esqueceu de colocar o título!”,
“o que aconteceu com o personagem do início? Você não falou mais dele”, ou ainda “gostei muito da história!
Escreve a parte 2?”.
Desse exercício, surgem atividades em parcerias, reescritas, escritas colaborativas e diversas
reflexões sobre a vida, que deixam de ser individuais e passam a ser compartilhadas. Destacamos na
Fig. 1 uma situação em que a aluna descreveu em seu texto livre um conflito que estava vivenciando com
o nascimento do irmão mais novo.
A dinâmica de sentimentos era clara em sua escrita. A aluna compartilhou esse texto tão íntimo com
as crianças da roda, que prontamente se puseram a contar suas próprias experiências com situações como a
dela. Conforto, empatia, escuta… Vivências possíveis e necessárias no ambiente escolar. Segundo Scarpato
(2017, p. 623), “a criança, em sua espontaneidade sempre é criativa e a escola precisa dar-lhe oportunidade
de expor, de maneira livre, seus pensamentos, sonhos e alegrias”.
Considerações finais
A pedagogia Freinet, como movimento pedagógico, só foi possível pela cooperação entre os
educadores que ao longo dos anos reafirmaram o compromisso de comunicar/compartilhar e discutir suas
práticas. Portanto, por meio da cooperação o movimento se mantém vivo até os dias de hoje.
Pensamos que a verdadeira solução para ajudar alguém a fazer pedagogia Freinet é convidá-lo
para a nossa classe. [...] É convidar alguém para ver sua classe Freinet e lhe mostrar que
não somos um supermestre. Somos alguém que reflete sobre as crianças, sobre as condições
de trabalho, que tenta progredir e que é feliz por fazer isso. O que um professor pede para
outro professor é que lhe mostre as razões de sua alegria de viver ou de sua satisfação
(UEBERSCHLAG, 1987, p. 11-12).
Assim, cremos que contribuímos nós também para o movimento, bem como para todos os
interessados no tema, a partir do momento em que tivemos neste artigo os objetivos de dar a ver nossas
práticas relacionadas à livre expressão e de discuti-las à luz dos autores com que elas dialogam. Nesse exercício
de escrita, tentamos convidar o leitor para a nossa classe.
Insistimos em dizer que o relato de nossa prática não deve servir de modelo, pois não se trata de
copiar esta ou aquela ideia por melhor que seja, mas de inspirar. Toda ação pedagógica deve ser objeto
de planejamento e reflexão diante da turma com a qual se está trabalhando, dos objetivos de trabalho e das
condições em que este se realiza. A esse respeito, Freinet insiste e discute sobre a questão de método e técnica
em diferentes publicações (FREINET, 1979). Nas palavras de Oliveira (1998, p. 49), sua proposta, “longe de
ser um ‘método’ codificado ela é, sem dúvida, uma pedagogia do movimento”.
Nesse mesmo sentido, na proposta freinetiana, não se trata apenas de utilizar esta ou aquela técnica;
deve-se procurar construir, em cada grupo/classe, um coletivo cooperativo em que, unidos pelo trabalho,
os princípios da livre expressão se façam presentes em todos os momentos possíveis, de modo que nossas
práticas favoreçam a emancipação, e não a passividade.
Feitas essas ponderações, reafirmamos nossa defesa das rodas de conversa, das rodas de jornal de
parede e das rodas de leitura de textos livres como valiosas oportunidades de garantir a livre expressão das
crianças, por oportunizar diálogos sobre suas vidas pessoais e a vida da turma, além de compartilhar ideias,
expectativas, experiências e sonhos, elementos essenciais para o fortalecimento de uma educação democrática
e participativa que, baseando-se nos interesses e nas necessidades das crianças, pode contribuir para uma
educação alinhada aos interesses das classes populares.
Financiamento
Não se aplica.
Não se aplica.
Notas
1. Conhecido internacionalmente como Movimento da Escola Moderna. Mais informações disponíveis em: https://
www.fimem-freinet.org/fr/node/11. Acesso em: 16 maio 2020.
2. Comentário em aula proferido pela professora doutora Ana L. B. Smolka, na disciplina EP854A, oferecida pela
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em dezembro de 2020.
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Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
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Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.
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Editoras Associadas:
Izabel Galvão e Maria Silvia Pinto de Moura Librandi da Rocha