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AS TÉCNICAS PEDAGÓGICAS DE CÉLESTIN FREINET:

UM ESTUDO DE CASO COM O “JORNAL ESCOLAR”

Autores: CARLOS ADRIANO MARTINS / MARIANA ALOISI

RESUMO
O presente artigo demonstra, por meio de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, as aplicações
das metodologias propostas pelo educador Célestin Freinet (1896-1966). Algumas de suas
atividades e técnicas são discutidas entre autores conhecedores do pedagogo francês, bem como
a funcionalidade de suas idéias e ideais no âmbito educacional, mais detidamente no ensino das
crianças e dos adolescentes. Destaca-se o longo trabalho e o movimento em prol da renovação e
modernização da escola, fruto das discussões no movimento escola-novista, na primeira metade
do século XX. Freinet demonstrou, em suas pesquisas, formas de se resgatar a afetividade dos
alunos na escola, tornando-a mais prazerosa, na tentativa de formar uma identidade que
demonstre a real função social de uma escola inclusiva, construtora de conhecimentos, temas
pertinentes discutidos na atualidade, em que a educação passa pela famigerada globalização.
Dentre as diversas técnicas difundidas por Freinet, destaca-se o Jornal Escolar, desenvolvido em
uma escola de educação infantil no município de Piracicaba-SP. A dinâmica possibilitou aos
alunos que participaram do processo uma vivência e a posterior experimentação dos
procedimentos para a elaboração do Jornal Escolar. Houve seleção dos temas de acordo com o
currículo e os programas de ensino da escola, bem como da abordagem sociocultural e histórica
da região onde a instituição escolar está inserida. Foi feita visita ao jornal da cidade e verificação
do processo de trabalho de um editorial. O professor explorou os aspectos da comunicação entre
as crianças, seus sentidos, significados e expressões da descoberta, o encontro com o novo, o
desconhecido, o que, posteriormente, foi desdobrado em construções coletivas e sociais de novos
conhecimentos e aprendizados, estreitando ainda mais a relação aluno-professor e promovendo a
liberdade de expressão das crianças na educação infantil. Produções artísticas, culturais e
educativas foram realizadas, visando-se aos princípios da pedagogia de Freinet, por meio de
rodas de conversa, aulas-passeio, oficinas, álbuns, livro da vida, dentre outras atividades. A
elaboração do Jornal Escolar pelas crianças, em especial, mostra-nos que os alunos podem
vivenciar momentos de interdisciplinaridade, de produção coletiva do conhecimento, de
socialização de atividades e de integração ao grupo de colegas e professores e socializar esses
conhecimentos entre as famílias, os amigos e a comunidade onde vivem e interagem, valorizando
o conhecimento construído no sentido de formar cidadãos reflexivos, felizes e preparados para
viver em um mundo de constantes mudanças.

PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia freinetiana. Renovação da escola. Técnicas de ensino. Jornal


Escolar. Educação infantil.
INTRODUÇÃO

O pedagogo francês Cèlestin Freinet nasceu em 15 de outubro de 1896, no sul da França,

num vilarejo situado nos Alpes Marítimos.

Em 1920, Freinet iniciou seus trabalhos em uma escola instalada numa casa antiga, pobre

e escura, com carteiras em mau estado e alinhadas à maneira tradicional. Apesar de faltar

experiência pedagógica a ele, afinal não tinha terminado o curso normal por conta da guerra,

trazia consigo um profundo respeito pela criança.

Recomeçou a estudar sozinho, diariamente anotava aquilo que ouvia de seus alunos,

registrava as observações que considerava originais, o comportamento e características das

crianças, como seus fracassos e sucessos. Com isso, foi descobrindo os interesses, os problemas

e a individualidade de cada estudante.

Conhecendo assim, cada vez mais seus alunos, percebeu que existiam outras formas de

melhorar o relacionamento entre as crianças e seus professores. Começou então, a questionar a

eficiência das rígidas normas educacionais como: filas, horários e programas exigidos

oficialmente. Ficou claro para ele que, o interesse das crianças estava “lá fora”: nos bichinhos

que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, no vôo dos pássaros ou no zumbido das

abelhas.

Assim, surgiu a noção de escola ativa, ou seja, a escola que toma como ponto de partida,

a atividade espontânea, pessoal e produtiva da criança, bem como, sua atividade manual,

construtiva, mental, suas ações, afeições, interesses, gostos predominantes, suas manifestações

sociais, entre outros.

Freinet colaborou com mudanças necessárias e profundas na educação, e acreditava que

elas deveriam ser feitas pela base, ou seja, pelos próprios professores. O movimento pedagógico

fundado por ele caracteriza-se por sua dimensão social, evidenciada pela defesa de uma escola
centrada na criança, que é vista não como um indivíduo isolado, mas, fazendo parte de uma

comunidade, modificando a relação tradicional entre professor e aluno.

Um dos aspectos mais relevantes de seu trabalho foi sem dúvida, o fato de abrir todos os

caminhos possíveis para que alunos e professores pudessem se expressar livremente, tendo a

oportunidade de apresentar suas idéias e também de divulgar suas experiências.

Nesse sentido, acreditava que todos, adultos e crianças, deveriam ter seus direitos

garantidos. À criança, sobretudo, era preciso dar o direito de viver plenamente como criança, sob

todos os aspectos. Era necessário respeitá-la para que pudesse desenvolver suas capacidades e

personalidade, sem afastar-se de uma finalidade social e humana mais ampla, sendo acima de

tudo, um humanista.

O respeito ao ser humano, expresso pelo respeito à criança, era a garantia para as

realizações futuras, era a certeza de que a criança quando adulta estaria pronta a defender os

direitos de todos, aprendendo a trabalhar pela coletividade.

Ele procurava nos educadores de sua época, o respaldo de uma pedagogia preocupada

com a alegria de viver, mas em todos eles, só encontrava o acúmulo do saber como eixo

principal. Para ele, isso era um reforço para continuar sua busca, pois cada vez mais se sentia no

caminho certo, um novo caminho, que outros não ousavam trilhar.

Para os alunos dele, a curiosidade e a ânsia de saber mais o levavam a encontrar soluções

para seus inúmeros problemas, até descobrir pormenores que certamente acirravam ainda mais o

descontentamento da educação tradicional.

E assim, lutou combativamente e com todo entusiasmo contra a situação das escolas de

sua época, criticou o fato de que nas condições em que os alunos são postos em contato com a

vida, tornam-se incapazes de julgar, propor novas idéias, criticar artigos de jornais ou até mesmo

compreendê-los:

Obstinar-se em fazer pedagogia pura seria na atual conjuntura um erro e um crime. A


defesa das nossas técnicas faz-se simultaneamente em duas frentes... Obedecer de olhos
fechados, não julgar nem argumentar de forma lógica, só ouvir e repetir, eram essas as
marcas da pedagogia tradicional. Era uma educação que conduzia à ditadura, pois
incentivava o acúmulo de conhecimentos, favorecia uma conduta dogmática, impunha
uma disciplina autoritária... (FREINET apud SAMPAIO, 1989, p.63).

OS SABERES DE FREINET

Realizamos esta pesquisa com o intuito de compartilhar e socializar a possibilidade de,

nos tempos atuais, utilizarmos as ciências da educação, bem como algumas das técnicas de

trabalho difundidas pelo pedagogo francês Célestin Freinet (1896-1966). Sua proposta tem uma

concepção diferenciada de educação, que prevê a modernização e a renovação da escola popular,

o rompimento de idéias autocráticas e autoritárias defendidas pela escola tradicional, bem como

traz à tona o poder transformador da escola.

Desse modo, a proposta de Freinet está em consonância com a visão de que o estudante é

um cidadão com responsabilidades, autônomo, um ser pensante, ativo e criativo, que

experimenta, que vivencia as diversas situações cotidianas, que age e interage com seu meio. A

partir dessa perspectiva, as técnicas difundidas por Freinet ganham sentido e significado no

contexto escolar, pois foram construídas com base na experimentação e documentação,

oferecendo ferramentas para que a criança aprofunde seus conhecimentos e progrida em suas

ações.

Dentre essas técnicas, o jornal escolar foi discutido significativamente como um

instrumento que se constitui em um elo entre a classe e o grupo social em que a criança está

inserida. Representa a expressão viva de personalidades que se estão formando e torna-se reflexo

de fontes permanentes de emoção. Propicia-se, então, com essa técnica, a formação ética e o

senso crítico das crianças e adolescentes, possibilitando a intervenção na vida da escola.

Para Sampaio (1989), a pedagogia freinetiana tem como alvo principal o atendimento da

necessidade vital da criança, envolvendo aspectos primordiais como o senso de responsabilidade,

o senso cooperativo, a sociabilidade, a reflexão individual e coletiva, a criatividade, a expressão,

a comunicação, o “saber fazer”, os conhecimentos úteis e a capacidade de reduzir os pontos de

desigualdades socioculturais. Assim, esses elementos reunidos podem garantir à criança seu
pleno desabrochar como um indivíduo autônomo, um ser social responsável, co-detentor e co-

edificador de uma cultura.

Nesse sentido, como aponta Dias (1994), a pedagogia freinetiana afasta-nos de duas

tendências dominantes: o infantilismo, que deixa a criança aquém de suas possibilidades, e o

escolarismo, com que se pretende preparar a criança precocemente para o ensino fundamental. É

apontado, ainda, que Freinet acreditava na aquisição do conhecimento, mas de forma

significativa. Sua proposta pedagógica, em que se mesclam teoria e prática, aborda instrumentos

e meios primordiais para possibilitar a participação e o interesse da criança. Estes instrumentos e

meios também são mediadores do despertar da motivação para o trabalho. A experiência é a

possibilidade para que a criança chegue ao conhecimento, assim, a criação, o trabalho e a

experiência, por sua ação conjunta, resultam na aprendizagem. Freinet enfatizava que a educação

das crianças devia extrapolar os limites da sala de aula e explorar as experiências vividas por elas

em seu meio social.

Assim sendo, de acordo com Kramer (1999), as crianças são vistas como pequenos

cidadãos, que com acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade

através do trabalho escolar, se constituirão em indivíduos críticos, criativos, autônomos e

capazes de agir no seu meio e transformá-lo.

Cèlestin Freinet trabalhou suas metodologias por meio de atividades como: aula-passeio,

roda de conversa, elaboração de álbuns e de livro da vida, oficinas (ateliês), por exemplo:

casinha, recorte e colagem, desenho, modelagem (massa de modelar), sucata, pintura, jogos

pedagógicos e blocos de construção, biblioteca, estudos do meio etc.

Seguindo a proposta metodológica de Freinet, procuramos restringir a pesquisa ao estudo

e à aplicação do Jornal Escolar na educação infantil.

Freinet sempre buscava atividades espontâneas, pessoais e produtivas de cada criança,

deixando que a vida entrasse na sala de aula, mediante anotações. No entanto, ele não

concordava com o fato de que essas atividades que se tornavam produções ficassem guardadas
nos armários e, sim, que pudessem ser úteis para outras pessoas. Foi então que surgiu a idéia do

jornal escolar, que era editado cooperativamente pela classe, com textos trabalhados

coletivamente e ilustrações individuais, impressos e duplicados em limógrafos (utensílio usado

por professores adeptos da pedagogia freinetiana para a impressão, feito de madeira, pedaços de

náilon, dobradiças e goma laca), mimeógrafos e impressoras. Assim, as crianças que ainda não

sabiam ler nem escrever contavam suas histórias e ilustravam-nas com diferentes materiais. A

importância do jornal, segundo Freinet, era valorizar a expressão e o trabalho individual e

coletivo dos grupos, promoverem a ampliação da comunicação e a interação do grupo e permitir,

a cada criança, pensar, criar e expressar-se em diversas situações.

Com isso, o trabalho do jornal proporciona uma forma de os alunos participarem de

experiências de um fazer completo: ao mesmo tempo intelectual e manual / individual e coletivo,

possibilitando descobertas e diferentes leituras e interpretações. Dessa forma, a organização de

uma escola que trabalhe com a pedagogia freinetiana deve conter, em suas classes, cantos de

trabalhos correspondentes aos ateliês, separados por armários, de forma que as crianças se

instalem de maneira confortável e o material possa estar ao alcance delas. Nesses cantos, as

crianças terão uma maior liberdade de ação, permitindo um relacionamento mais amplo entre

elas, bem como trocas de experiências com a professora.

O JORNAL ESCOLAR

O jornal escolar é uma das diversas técnicas propostas por Freinet e, de acordo com

Sampaio (1989), constitui-se como elo entre a classe e o grupo social em que a criança está

inserida e a comunidade. Desse modo, o jornal escolar será portador da vida de cada estudante

que produziu um poema, que redigiu um texto ou que fez uma ilustração. Torna-se, então, mais

que um apelo, um grito ou um comunicado, ele representa a expressão viva de personalidades

que se estão formando, torna-se reflexo de fontes permanentes de emoção. O jornal certamente

contribui para a cidadania das crianças e adolescentes, pois oferece a possibilidade de intervir na
vida da escola e da cidade, além de oferecer aos adultos a tomada de consciência de problemas e

atitudes aos quais não davam tanta importância. Sampaio aponta ainda que essa técnica

possibilita o desenvolvimento do senso crítico dos estudantes, indispensável para a formação de

cidadãos responsáveis.

É por meio do texto impresso que o pensamento e a cultura são consagrados. Assim, um

jornal bem feito não precisa do estímulo de notas ou prêmios, ele é em si o próprio objetivo, isto

é, cada classe terá seu jornal, com suas características próprias.

De acordo com essa perspectiva, o jornal também está dirigido a outras pessoas além

daquelas que o produziram, por exemplo, a outras classes, a outras escolas, ao grupo de amigos,

à família, enfim, ele é uma mensagem afetiva, que se transforma em arquivo vivo da vida das

crianças, de suas reações perante o mundo e de suas hesitações.

Freinet (1974) aponta que o movimento da escola moderna se empenhou em transformar

em realidade novos recursos que surgiam principalmente por conta da vida ativa e criadora das

crianças. Então, por volta de 1964, a proposta era que se substituísse a rotina dos antigos

manuais, dos trabalhos de casa e das lições, impostos autoritariamente pelos adultos, pelo texto

livre, pela observação, pela experiência, pelos desenhos, pelas pinturas e músicas.

O texto livre era, então, a expressão natural inicial da vida infantil no seu meio ambiente

normal, já a observação e a experiência eram indispensáveis para a aquisição de conhecimentos

em ciências, cálculos, história e geografia. Mas, para a efetivação do uso desses novos recursos,

tornou-se necessária a criação de novos utensílios ou técnicas de trabalho. Essa motivação

necessária para a concretização dos recursos ocorreu a partir do jornal escolar, base da

correspondência interescolar. Era então uma nova técnica de trabalho que timidamente ia

conquistando os professores da década de 1960 e que “pressupõe a criação de utensílios que

aperfeiçoamos incessantemente e na utilização dos quais se têm iniciado progressivamente os

educadores.” (FREINET, 1974). Freinet aponta que a escola tradicional dava início ao trabalho

pedagógico pelas paredes e tetos para avançar mais depressa e mais rapidamente poder abrigar
os que a utilizavam, e só ocorreria melhoria pedagógica, neste esquema, à medida que o

dinamismo das novas forças triunfasse sobre essas resistências e soubesse construir, pedra a

pedra, o mundo novo com que se sonhava.

Ijuim (2001) aponta que o jornal escolar favorece significativamente o processo de

humanização de seus participantes, educadores e educandos, e sua construção está relacionada à

valorização do processo jornalístico, ou seja, é algo além de uma narrativa de fatos, é a

valorização da expressão das ações humanas. Este autor compreende que a técnica do jornal

escolar, difundida por Freinet, tinha de importante a espontaneidade e a livre expressão dos

alunos, desenvolvendo, conseqüentemente, o potencial e o desejo de exteriorização de seus

pensamentos. Ao mesmo tempo, estimulava os estudantes a situarem-se no mundo, a exprimirem

seus sentimentos, observações, reflexões, criando um ambiente favorável de aventura e

cooperação.

No Brasil, essa técnica foi vivenciada em iniciativas isoladas até os anos 1970. Já a partir

da década seguinte, com o advento da educação como função renovadora, houve certa abertura

para a experimentação de métodos e técnicas considerados inovadores para a época, inclusive a

técnica do jornal escolar, que passou a ser sugerida pelas Diretrizes Curriculares da Secretaria de

Educação de São Paulo.

Esses experimentos, no entanto, descreve Ijuim (2001), ficaram restritos às atividades

relacionadas à disciplina de Língua Portuguesa, como instrumento de desenvolvimento da

expressão oral e escrita, sendo que o tecnicismo predominava na educação escolar. Avançando

no tempo e seguindo uma tendência mundial, iniciativas norte-americanas e européias

influenciaram empresas jornalísticas a adotarem campanhas educativas, recomendando às

escolas o uso de jornais em sala de aula. Este autor enfatiza a experiência de produção de jornal

escolar sob dois ângulos: conhecer e produzir o jornal, ou seja, reconhecer o jornal não apenas

como um veículo de comunicação e sim concebê-lo como uma ferramenta que propicia a

integração de pessoas, de assuntos, de interesses etc.


Diante dessa perspectiva, o jornal escolar propicia condições favorável para uma série de

conquistas desejadas pelo ensino formal, como: clima de motivação e envolvimento, cooperação,

distinção e reconhecimento (auto-estima), conexão escola e realidade dos alunos, emoção e

afetividade entre os participantes. O jornal escolar tem seu envolvimento com a produção

cultural, que, por sua vez, não tem limites de conceitos e informações para serem quantificados

em uma avaliação periódica, mas tem incorporado a experiência vivida, ou seja, mais que

aprender um assunto, o estudante aprendeu mais a aprender, a buscar significados e sentidos, a

traduzir o que aprendeu em novos conhecimentos para si, para o outro e para o mundo.

ESTUDOS DE CASO

O relato de experiência desta pesquisa está sustentado na teoria pedagógica de Freinet,

bem como na técnica do jornal escolar. O que se propõe, então, é compartilhar e socializar a

possibilidade de desenvolver essa técnica de trabalho no contexto da Educação Infantil.

Essa experiência ocorreu em uma escola particular de educação infantil, no município de

Piracicaba-SP, com 18 crianças de 05 anos de idade, em média, mediante a aplicação dessa

técnica, que não oferece apenas ao estudante informação, mas alegria e prazer no processo de

ensino-aprendizagem.

Desse modo, pode-se dizer que teoria e prática caminham juntas, bem como a valorização

da experimentação, o respeito à individualidade, o incentivo à cooperação, à coletividade, ao

trabalho em equipe, proporcionando a aquisição e a apropriação do conhecimento de forma

significativa. Assim sendo, acredita-se que a criança é um sujeito que pode protagonizar sua

aprendizagem, que é ativa, dinâmica, criativa, um ser pensante, que se posiciona, que toma

decisões, que exprime seus sentimentos e emoções, que concorda, discorda, compara, estabelece

relações, entre outros.

Do ponto de vista metodológico, o desenvolvimento do jornal escolar teve seu início em

uma roda de conversa (técnica preciosa e imprescindível na rotina da educação infantil), em que
todos, alunos e professores, conversaram e exploraram a utilidade desse meio de comunicação,

sua importância, elementos e aspectos que chamaram a atenção.

Foi sugerida, então, pelos professores, a idéia de se construir um jornal escolar. O grupo,

motivado pela idéia, foi composto e escolheu temas pertinentes, que já tinham sido discutidos ao

longo do ano letivo. Dentre as diversas temáticas que surgiram e foram estudadas no decorrer do

ano, selecionaram-se, para fazer parte do jornal escolar: “Aula-passeio à redação do Jornal de

Piracicaba”, “120 Anos da Escola”, “Classificação dos Animais”, “Terrário”, “Gravação do CD

de Músicas da Escola”, “O Corpo Humano”, “Extração de Pigmentos de Plantas”, “Receitas

Culinárias com Mandioca” e “Amigo”.

Em relação ao tema “Aula-passeio”, pode-se dizer que o interesse surgiu no início do ano

de 2001, devido ao estudo dos meios de comunicação pelo grupo. O assunto surgiu por causa de

um aparelho telefônico que havia na “oficina da casinha”, que trabalha a representação simbólica

do real, a reprodução de situações vividas (socialização, dramatização, expressão corporal), e

contém utensílios de uma casa, com suas devidas proporções às crianças (armários, fogão,

telefone, roupas etc). A partir disso, novos interesses surgiram. Começamos a pesquisar e foram

descobertos diferentes formas e instrumentos utilizados na comunicação escrita e oral: telefones

fixo e celular, computador, fax, carta, telegrama, e-mail, recado, bilhete, jornal, revista, livro,

gibi, entre outros.

Dentre esses meios de comunicação, o que mais interessou ao grupo foi o jornal, bem

como foi despertada a curiosidade de se aprender como ele é feito e produzido. Decidimos,

então, conhecer todo o processo de produção do jornal até sua impressão, o que ocorreu na aula-

passeio ao Jornal de Piracicaba. As idéias, opiniões e sugestões das crianças sobre essa temática

foram expressas durante rodas de conversas e organizadas em forma de um texto coletivo pelos

professores, votado pelas crianças e publicado no jornal.


Figura 1 - Editorial do Jornal “Mundo da Criança”, 2001.

Já com relação ao “Terrário”, pode-se dizer que foi a continuidade da temática

“Classificação dos animais”. Percebemos que podíamos cuidar na nossa própria sala, de alguns

animais pequenos que gostavam de viver na terra, como caracóis, tatu bolinha e besouros.

Estudamos e pesquisamos um pouco mais sobre eles e construímos um terrário. Os detalhes

sobre sua construção e estudo constam no texto coletivo organizado pelos professores e

publicado no jornal, a partir do voto das crianças.


Figura 2 - O Terrário, 2001.

Em outra atividade da escola, decidimos gravar um CD em comemoração ao aniversário

de seus 120 anos. O grupo de alunos foi até o laboratório de comunicação da Universidade

Metodista de Piracicaba (UNIMEP) para gravar uma música escolhida e ensaiada pela professora

de música. Em seguida, as crianças exprimiram o que sentiram e o que acharam, e esse registro

deu-se em um texto coletivo que foi organizado pelos professores, votado pelas crianças e

publicado no jornal.
Figura 3 - CD do Colégio, 2001.

O tema “Receitas culinárias” gerou efervescência porque uma criança levou para a escola

algumas mandiocas de seu sítio. Conversamos sobre esse alimento, sua utilidade, sua

importância, vimos algumas fotos de plantação de mandioca em livros, contando com o suporte

do professor de ciências naturais da escola. O grupo decidiu, então, fazer algumas receitas para

provar a mandioca trazida pela amiga. Com o professor de ciências, pesquisamos algumas

receitas e as crianças votaram em duas: bolinhas de mandioca e bolo de mandioca.


Providenciamos mais algumas mandiocas e fizemos esses pratos na cozinha experimental da

escola.

Figura 4 - Nossas Receitas, 2001.

Podemos afirmar que, no momento em que as atividades aconteciam, as conversas, os

bate-papos, as opiniões, as sugestões, as vivências, os pensamentos, as expressões e os

sentimentos eram compartilhados coletivamente nas rodas de conversa. Os professores anotavam

o que era discutido e contemplavam a fala e a opinião dos estudantes em organização de textos

coletivos. Os educadores, então, tinham a função de escribas, uma vez que as crianças da faixa

etária de 05 anos não têm, ainda, domínio da leitura e escrita.


A fase seguinte foi a ilustração do jornal escolar com base em diversas técnicas: pintura,

desenho, colagem, recorte, dobradura, entre outros, e com diversificados materiais: giz de cera,

lixa, papéis de variadas cores e tamanhos, tesoura, cola, canetas coloridas, lápis de cor, tinta

guache, esponja etc. Cada estudante ilustrou as páginas de seu jornal, da maneira que quisesse.

Vale lembrar que as ilustrações foram feitas uma por dia e durante o momento em que as

crianças se ocupavam das oficinas de trabalho. Depois de todos os jornais prontos, eles foram

socializados entre os alunos. Cada um contou que materiais e/ou técnicas utilizou, que idéias

tiveram e de que maneira se organizaram. Posteriormente, as crianças distribuíram o jornal em

outras salas da escola e depois o levaram para suas casas, estendendo a dinâmica às famílias,

amigos e comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos considerar, ao final das atividades e após as discussões, que há a possibilidade

de se produzir um jornal escolar por meio da metodologia proposta por Freinet, na sala de aula,

com crianças ainda não-alfabetizadas e, ainda mais, conseguir contemplar os assuntos, as

expressões, as sugestões, os estudos, as pesquisas relevantes e significativas para o grupo,

presentes na trajetória de vida dessas crianças. Além do mais, podemos contribuir para a

formação de cidadãos reflexivos, críticos e atuantes, que se interessam pela pesquisa, que são

investigativos e que estabelecem relações afetivas, cooperativas e solidárias com o outro, com

seu grupo e com sua comunidade.

O desenvolvimento de atividades por meio da metodologia freinetiana não esgota um

leque imenso de outros métodos de ensino, portanto a escola que tem a pedagogia freinetiana

como eixo sustentador de seu trabalho pedagógico, bem como uma outra que busque elevar os

padrões de qualidade da educação nacional, pode priorizar, em suas ações educativas, atitudes

relacionadas à cooperação e à solidariedade. Partindo dessa perspectiva, a criança é protagonista

de seu processo de ensino-aprendizagem e construtora de seu conhecimento. A sala de aula, por


sua vez, precisa fixar-se como um espaço democrático, o lugar das diferenças e das

complementaridades. Já o professor precisa estar atento às demandas dos estudantes, àquilo que

os motiva, que os incita, enfim, àquilo que sentem e expressam.

A tentativa de re-visitar o legado de Célestin Freinet teve o intuito de questionar diversos

aspectos depreciativos do tradicionalismo e propor novas perspectivas para a educação.

Pretendeu-se, também, contestar o autoritarismo, a obediência e a submissão sem razões

concretas, as atividades e lições descontextualizadas, sem sentido e significado, que não

correspondiam às necessidades e demandas genuínas dos alunos e da realidade em que se

inseriam. Tivemos como escopo demonstrar alternativas efetivas para o resgate da função social

da escola, propor elementos para sua renovação, modernização e transformação, como, por

exemplo, as técnicas de trabalho pesquisadas, que favorecem o desenvolvimento dos métodos

naturais da linguagem (desenho e escrita), da matemática, das ciências naturais, sociais e

humanas. A produção do jornal escolar confirmou sua possibilidade de aplicação, sendo

preservados seus ideais desde que surgiu, com o educador e seus alunos. Enfim, a partir desta

pesquisa, fica clara a oportunidade de, por meio dessas dinâmicas, possibilitar às crianças uma

experiência, um fazer individual e coletivo ao mesmo tempo, construindo “páginas da vida” do

grupo de estudantes.
REFERÊNCIAS

DIAS, Ruth Jofflily. O cotidiano na pedagogia de Freinet. Idéias, São Paulo, n. 2, p. 69-78,

1994.

ELIAS, Marisa Del Cioppo. Pedagogia Freinet: teoria e prática. Campinas: Papirus, 1996.

FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da escola moderna. Lisboa: Estampa, 1975.

__________. O jornal escolar. Lisboa: Estampa, 1974.

__________. Para uma escola do povo. Lisboa: Presença,1969.

IJUIM, Kanehide Jorge. Jornal Escolar e Vivências Humanas. INTERCOM – Sociedade

Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Campo Grande, 2001. Disponível em:

<http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4882/1/NP11IJUIM.pdf> Acesso em:

14 mar. 2008.

KRAMER, Sônia. Com a pré-escola nas mãos. São Paulo: Ática, 1999.

SAMPAIO, Rosa Maria Whitaker Ferreira. Freinet: evolução histórica e atualidade. São Paulo:

Scipione, 1989.

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