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.

Sir David Ross

..ARIST6TELES

i .

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE


LISBOA
1987

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1
I
FIC H A :
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I
,T ítulo: A r is tó te le s .

A utor: S ir D O l'id R o s s .

C olecção: O pus - B ib lio te c a de F ilu s u p a . n ." 3 .


1

I
@ 1 9 2 3 , 1 9 8 3 , M e th u e n & C o .. L td .

T ítulo origi~al: A r is to tle .

I!
T radução: L u ís F ilip e B r a g a n ç a S. S. T e ix e ir a , a p a r tir d a e d iç ã o in g le s a
p u b lic a d a por M e th u e n & C u ., L td ., L ondres.

C apa: F ernando F e lg u e ir a s .

I.a edição: F e v e r e ir o d e 1987. i


E dição n.O : 3 B F 1113.

D epósito legal n-": 1 4 0 7 3 /8 6 .

T odos os direitos para a língua portuguesa reservados por: ÍN D IC E


P u b lic a ç õ e s D om Q u ix o t~ , L d a .. R u a L u c ia n o C o r d e ir o , 119,
1 0 9 8 L is b u a C odex, P o r lU g a l.

Fotocom posição e M ontagem : C o r s in o & N e lo - G a b in e te de F o tu c d m p o s iç ã u , Lda. PR E FÁ C IO S ; . 9

Im pressão e A cabam ento: B e ir a D o u r o , L d a ..


I ~ A VIDA E A OBRA .4 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 0 .0 ••••••
13
em F e v e r e ir o de 1987.

D istribuição: D ig liv r o , Rua Ilh a d o P ic o , 3 -B , P o n tin h a , L is b o a ,


lI, L Ó G IC A . 31

e M o v ilil'r o , Rua do B o n fim , 98. r /c . P o r to . m FIL O SO FIA DA NATUREZA , . 71

IV B IO L O G IA . 119

V ~ PSIC O L O G IA . 137

VI - M E T A FÍSIC A . 161

.,hV II ,/.•<ÉJ}CA .........•. '.' .. ' , , .. I9~ ~ ';< r z ...{


" .
V iII :> PO L ÍT IC A '.' ' . .241
IX R E T Ó R IC A E PO É T IC A . 275

. PE Q U E N A B IB L IO G R A FIA ,' '};295

I C R O N O L O G IA D O S. SU C ~SSO R E S E DOS COM EN~ - ,.:

1 TADORES D E A R IST Ó T E L E S , -. --"


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I
A n. P O S l. = A n a l Y l i e a
PREFÁCIOS
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P o s le r io r a .
An. Pro = A n a ly lic a P r io r a .
C al. = C a le g o r ia e .
D e A n.
D e G en.
= De

et C orro
A n im a .

= D e 'G e n e r a lio n e el C o r r u p lio n e .


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D e In t. =. De ln le r p r e la lio n e .
D e Ju v . = De J u v e n lu le .
De

E .E .
E.N. =
M em .
D e R esp .
= E lh ic a
E lh ic a
=
=
De
De
M e m o r ia .
R e s p ir a lio n e .
'E u d e m ia .'
N ic o m a c h e a .
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I
G .A . ;:. D e G e n e r a l i o n e A n im a liu m .
H .A . = H iS to r ia A n im a liu m . \'
LA. = De ln c e s s u A n im a liu m .
'.M.A. = De M o lU A n im a liu m .
M et. = M e llip h y s ic a :

M e,teor.. ,= M e l e o r o l o K i c a :
. P .A . = De P a r lib u s A n im a liu m . L
P h y s. = P h y s ic a .
P oet. = P o e lic a .
P o l.
Rhet.,' =
S oph.
= P o /itic a .
R h e ,lo r ic a ..

E I. = S o p h is lic i E /e n c h i.
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i.
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Top. = T o jJ ic a .

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À primeira edição

V árias são. as espécies de livra sabre A ristóteles capazes de serem interes-


santes de escrever e, talvez, não. inúteis de ler. N um , paderia m astrar cam a quase
tada a seu pensam ento é um m osaico.de.influênciaS dos que a antecederam , e,
no entanto, transform adas pela força do seu génio num sistem a notariam ente
ariginal. N outra, situar-m e-ia a nível dum esboça do desenvolvim ento cronaló-
gico da seu pensam ento. E sta tarefa foi recentem ente levada a efeito, e cam um
grande suC esso, par W Jaeger, num livro a que paderia dever m uito m ais se não.
m e tivesse chegado às m ãos após o m eu estar já a ser im presso. N enhum a destas
tarefas fai par m im ([braçada. Tentei sim plesm ente dar conta dos aspectas prin-
cipais deste filósofo conform e estes se nos apresentam ao langa dos seus traba-
lhos. E screvi pouco pelos terrenos do criticism a. Se é verdade que «die
W eltgeschichte ist das W eltgericht», é particularm ente verdade que a história da
filosofia é um criticism a im plícito aos sistem as anteriores de pensam ento. Q.gyfL
!f.
verdadeirC d",.e}JLljJ:J.[;.U :j1.(Ç
t ()rnou-se.
I~s _um a~parJe,Jz.ii()pequena, 4K bera1'lçade
tQ Jt~íiiem _culto; o que é falso tem vindo, de form a g;aduõC ã ser rejeitada.
D aí que a criticism o explícito se torne agora m uito .necessário.
. O s m eus m aiores agradecim entos vão para os prafessores cam 'as quais
aprendi a m aior parte do que sei sobre A ristóteles: R . P . H ardie e J. A . Sm ith; a
seguir a eles cabe-m e expressar a m inha gratidão a Lt.-C al. A . S. L. F arquhar-
san, a qual leu as provas tendo feito m uitas sugestões valiosas. Q uanto a livras
recentes, cita aqueles que achei m ais úteis: H . M aier, Die Syllogistik des Aristo-
te~es, A . M ansion, Introduction à la Physique Aristotélicienne, e a edição. da
De Generatione et Corruptione levada a cabo. por H . li. Jaachim .

W~D. ROSS
15 de Setembro de. 1923

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A R IS T Ó T E L E S t
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À segunda edição
~
Ao e m itir e s ta s e g u n d a e d iç ã o r e v is ta . quero e x p r im ir a m in h a g r a tid ã o a ~
H. H.
e d iç ã o .
J o a c h im .
o s q u a is
F .B .A .. p e lo s
t e v e iJ g e n t i l e z a
c o m e n tá r io s
d e m e e n v ia r .
c u id a d o s o s
bem com o
e p r o fu n d o s
a
à p r im e ir a
UI: R h y s R o b e r t s e a !
H. UI: B . J o s e p h p o r a l g u n s v a l i o s o s p a l p i t e s .
e h r iq u e c id a , d e fo r m a c o n s id e r á v e l, com
E spero
a s s u a s s u g e s tõ e s
q u e e s ta e d iç ã o
bem com o com
te n h a
as dos
s id o
t
v á r io s r e v is o r e s . .
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À terceira edição
I
I
!
M a is a lg u m a s correcções fo r a m e x e c u ta d a s n e s ta e d iç ã o . Pus em d ia a I
b ib lio g r a fia .
a b r e v ia tu r a s
A r is tó te le s .
te n d o
por m im
a c r e s c e n ta d o .
u tiliz a d a s
para
n e s te
c o n v e n iê n c ia
liv r o no que
dos
se
le ito r e s
r ~ fe r e a~s
um a lis ta
tr a b a lh o s
das
de
I VIDA
CA PÍTU LO

E OBRA
I

À quarta edição A V ID A DE A RISTÚ TELES~I)

A ristóteles nasceu em 384 a. C. na pequena cidade de Estagiros, m oderna


M a is a lg u m a s correcções fo r a m fe ita s , te n d o a b ib lio g r a fia s id o de novo
Tassalónica, na costa nordest~ da península da Calcídica. Tem sido, por vezes,
a c tu a liz a d a .
levado a cabo um esforço.2.,para detectar um a linhagem não-grega no seu
carácter, bem com o para atribuir este facto à sua proveniência de terras do
N orte. N o entanto, Estagiros foi, no pleno sentido, um a cidade grega, colonizada
À quinta edição
I a partir de A ndrose de Cálcis, falando um a variedade do dialecto jónio. O seu
pai, N icóm aco, pertencia ao clã ou grupo de A sclépios, parecendo prováveP)
A b ib lio g r a fia fo i um a vez m a is .a c tu a liz a d a , sendo o m esm o v á lid o p a r a a que a sua fam ília tenha m igrado da M essénia durante os séculos VII ou.
sua r e im p r e s s ã o de 1953. . VIII. A fam ília da sua m ãe, Féstis, pertence à Cálcide onde, nos seus últim os
anos'de vida, A ristóteles se refugia dos seus inim igos. Seu pai era m édico e
am igo de A m intas 11 da M acedónia, sendo possível que parte da infân:cia de
A ristóteles tenha sido passada em Pela, .~idàde real. É possível descobrir o
interesse, por .parte de A ristóteles, nas ciências físicas, principalm ente na bi010~
gia, na sua descendência dum a fam íiia ligada à m edicina. G aleno conta-nos~.que
as fam ílias asclepíades educavam os seus filhos no trabalho de dissecação,

i sendo possível que A ristóteles tenha beneficiado desta form ação. M ais tarde,

. I A autoridade principal no que diz .respeito à vida de Aristóteles é Diógenes Laércio .(prim ór-
dios do século 111), Podem -se encontrar algum as inform ações na Prim eirá Carta de Dionísio de
Halicarnasso (30-38 a. C) a Am m aeus. As outras. biografias antigas são neoplatónicas ou bizan-
tinas. A cronologia de Diógenes baseia-se, na sua m aior parte, na autoridade de Apolodoro de
Atenas (144 a. C) .
.2 Por Bernays e W . von Hum boldt.

3 Cf.W ilam owitz-M õllendorff, A r i s / o / e i e s u n d A / h e n , I, 311.


4 A n o ta m . A d m i n i s t r . n, I, vol. 11, 280 K.

12
13
A R IS T Ó T E L E S V ID A E OBRA

pode ter auxiliado o seu pai nas suas cirurgias, e foi esta, porventura, a origem Ihou da 0plmao de Platão sobre a pobreza de pensamento de }sócrates, bem
da história que o acusa de ter sido um curandeiro. Os seus pais morreram como sobre o facto de este ter colocado o sucesso retórico acima da busca da
quando ele era ainda novo, e Aristóteles tornou-se pupilo de um parente deno- verdade; e, na sua juventude, isto levou-o a criticar este orador de um modo que
minado Proxeno, cujo filho, Nicanor, mais tarde veio a ser por ele adoptado. afectou, de forma ardorosa, a escola de }sócrates. Certamente, pertencem a este
',/ Aos dezoito anos entrou para a escola de Platão, em Atenas, e aí permane- período muitos dos seus escritos perdidos, nos quais expressa, de um modo mais
ceu durante dezanove anos, até à morte do mestre. Não devemos supor que foi ou menos popular, opiniões filosóficas não muito originais. Fora este pormenor,
qualquer atracção pela vida da filosofia que o arrastou para a Academia. parece ser neste período que foram iniciados alguns dos seus trabalhos hoje
Estava, simplesmente, a usufruir da melhor educação que a Grécia podia ofere- existentes.
cer. Qualquer que tenha sido o motivo porque aderiu à escola, torna-se evidente Quando em 348-47 a. C. Platão foi sucedido por Espeusipo, o qual represen-
-o/que encontrou na filosofia de Platão a principal influência da sua vida. Era tava as tendências do platonismo com as quais Aristóteles mais discordava -
impossível que um espírito tão poderoso aceitasse, implicitamente, a totalidade particularmente, a tendência para «transformar a filosofia em matemática», B -,
das doutrinas de Platão. Gradualmente, foram-se tornando mais evidentes, para sentiu, sem dúvida, relutância em continuar na escola. No entanto, não se
Aristóteles, as graves diferenças- em pontos importantes. No entanto, nos seus encontrava, aparentemente, consciente de uma qualquer vocação tendente ao
trabalhos filosóficos, opostamente aos científicos, não existe qualquer página início de uma escola própria. É também possível que o emergir, em Atenas, de
em que não seja evidente a marca do platonismo. M esmo quando ataca doutri- um sentimento antimacedónio devido à queda de Olinto, bem como a destruição
nas platónicas em particular situa-se, muitas vezes, entre aqueles que critica e da confederação grega, tenha transformado Atenas num 'lugar desconfortável
lembra-lhes os seus princípios comuns 5: Tal como outros grandes homens da para um estrangeiro que possuía ligações macedónicas. M as este motivo dificil-
Antiguidade, teve os seus caluniadores. Posteriormente, foi acusado de compor- mente afectou Xenócrates, seu companheiro académico que o acompanhou na
tamento insolente para com Platão. Por um lado, ascendeu alto nos favores de sua migração de Atenas. Quaisquer que tenham sido as suas razões, aceitou um
Platão, tendo sido por este chamado «o leitor» p a r e x c e /le n c e , e «o espírito da convite de um antigo companheiro q~__
~ s.tuçlQs.na Acadeq1Ía, Hermias, o qual
escola»; mais tarde, à medida que se foram evidenciando os seus próprios pontos tinha paSsicio de~~êravoagovernãdor de Atarneu e de Assos, na M ísia, onde
de vista, as suas relações podem ter-se tornado menos cordiais. Contudo, tinha reunido à sua volta um pequeno círculo platónico~ ..N!<lltç círculo passou'
enquanto Platão f(lÍ vivo, Aristóteles manteve-se um membro leal à Academia. Aristóteles três anos. Casou com Pítias, sobrinha e filha adoptiva de Hermias, a
Numa passagem~! bastante conhecida, fala delicadamente da desagradável quallhç_<teuuma filha'do mesnlo nOnle e que parece ter morrido no decurso da
[:
refa de criticar aqueles que lhe são tão queridos como a escola platónica. poster:iór estadia de Aristóteles em Atenas~ Após a morte da sua mulher, Aristó- ,
No entanto, não devemos supor que durante esses vinte anos ele foi um
,
teres manteve uma união permanente e afeCtuosa, ainda que ilegal, com uma
mero aluno. Estas escolas de filosofia antiga eram um corpo de homens unidos nativa de Estagiros, Herpílis, tendo tido um filho dela, Nicómaco, em honra d ~ j
por um espírito comum, partilhando das mesmas visões fundamentais, mas qual a É tic a a N ic o m a c o recebeu o nome. . .. . ..
seguindo as suas próprias vias de investigação com uma relativa independência. Ao fim destes três anos, Aristóteles mudou-se para M ltllene, na Ilha vlzmha
Particularmente, é possível supor que, durante esses anos, Aristóteles tenha de Lesbos. Não sabemos o que o levou até aí, mas parece provável que Teofrasto,
desenvolvido os seus estudos em ciências naturais a um nível muito para além um nativo da ilha e já seu conhecido por ter sido seu companheiro na Academia,
daquele que Platão, ou qualquer outro membro da Academia, o poderia ter lhe tenha arranjado uma residência conveniente. A sua estadia em Assos, e ainda
-(-conduzido. É t~IIl!?~J:!l~provável que tenha leccion.a90, mas talvez somente retÓ- mais à sua estadia em M itilene, pertencem muitas das suas investigações no
rica, e em oposição a Isócrates. Parece não ter estudado sob a alçada de Isócra- campo da biologia. Os seus trabalhos referem-se, com considerável frequência; a
tes; mas o seu estilo preciso e fluente, tão bem adaptado a exprimir o factos da história natural observados na vizinhança e, mais particularmente,
pensamento com exactidão e sem redundância, capaz de se elevar a uma impres- na lagoa da ilha de Pirr~i.)
sionante dignidadé2) deve muito «a esse velho elo quente» cuja influência no Uma referência de Isócrates~?I sobre esta época, ao falar dos filósofos que
,estilo grego e latino foi tão acentuada. Nenhum outro escritor (exceptuando se tinham estabelecido no .Liceu e que o tratavam com insuficiente respeito,
Homero) foi tantas vezes citado por Aristóteles na R e t6 r ic a . No entanto, parti-

8 M e /, 992a 32.
9 Outros locais mencionados são: o território da Antandria, as Arginusas, Lectum, Pordose-
Iene, Proconeso: o Escamandro, Sigeion, Xantos, Hélesponto, a Propôntide. Cf. Thompson, trad.
"6
5

7
Por ex. M e /. 990b 16.
E.N. 1096a 11-17. Cf. PaI. 1265a 10-12.
Por ex. no D e C a e /a , I, li; P.A.I.; M el. A ; E .N ., X; P a I . VII e VIII.
'da H is /: A n . p. VI~ ido. A r is /o lle a s a B ia la g is /, 12,
la 12. 18 segs,

14 15
I

A R IS T 6 T E L E S
VIDA E OBRA

~
parece referir~se, entre outros, a Aristóteles. Se assim é, então Aristóteles deve ~ consagrado a Apolo Lykeios * e às Musas, tendo sido, anteriormente, o lugar
ter visitado Atenas por esta época. Sobre esta visita os seus biógrafos nada lf ~ favorito de Sócrates2.2~)ALAÜ~lótele~ alugou alg\jnseçljfí.çiosI 3 )- con:O )(
sabem; mas esta conjectura parece ser infundada. Em 343-42 a. c., Filipe da " i: estrang~!~()_.'!.ª() .ospº.di::icornprar - efuI1<lQu.a ~ua esc()I.~:.T0das as manhas
Macedónia, o qual provavelmente conheceu Aristóteles quando ambos ainda i passea'va com os seus alunos 14\ na l o g g i a ou por entre as árvores, e com eles
eram jovens, e que, por certo. tinha tido notícias suas através de Hermias, ~ discutia as questões filosóficas mais profundas. À tarde, ou à noite, expunha
,Lconvidou-o. para dirigir a educação de Alexandre, nessa época com treze anos. assuntos menos difíceis para uma audiência mais vasta. No entanto, uma tradi-
Aristóteles, querendo renovar as antigas ligações com a corte macedónia, e dan- ção antiga distingue os acroamáticos, ou discursos esotéricos, dos exotéricos ou
do grande importância à educação de futuros governantes, tal como podemos populares. Tal distinção é, sem dúvida, suficientemente segura, mas não visa,
ver na P o l í t i c a , aceitou o convite. Este cargo deu-lhe grande influência na corte, como por vezes se pensa, nada de místico nos discursos acroamáticos, ou a
e permitiu-lhe interceder com sucesso sobre Estagiros, Atenas e Ereso, cidade prática duma economia de verdade para com o público. Os temas mais abstrac-
natal de Teofrasto, o qual o tinha acompanhado para Pela. Pouco ou nada se tos - lógica, física e metafísica - requeriam um estudo mais intensivo, e
sabe da educação que ministrou ao seu distinto pupilo. Provavelmente, o tema i~ieressavam um grupo mais restrito; enquanto que temas como a retórica, a
principal dos seus ensinamentos terá recaído sobre Homero e os dramáticos, os sofístic.a ou a política respondiam a uma procura mjlls vasta, e podiam ser
quais representavam o pilar da educação grega. Diz-se que Aristóteles reviu o e~p()stos de formá mais acessível ao grande público 15. '
texto da l l í a d a para Alexandre, mas o seu aluno tinha idade suficiente para Também aqui Aristóteles coligiu umas centenas de manuscritos; entre os
desfrutar de uma educação mais avançada. Em particular, é certo que Aristóteles quais se encontra a primeira das grandes bibliotecas e o modelo para as de
deve ter discutido com ele os deveres dos governantes, bem como a arte de Alexandria e de Pérgamo; alguns mapas e uma quantidade de objectos utiliza-
governar. Para Alexandre, escreveu um trabalho sobre a M o n a r q u i a e outro dos na ilustração das suas lições, principalmente as de história natural. Diz-
sobre as C o l ó n i a s , temas estes de especial interesse para quem se haveria de -se que Alexandre lhe deu 800 talentos ** para que lhe fosse possível formar a
tornar no maior dos reis e dos colonizadores gregos. Podemos supor que foi sua colecção, e diz-se, igualmente, ter ordenado a todos os caçadores, pas-
durante o seu convívio com Alexandre - primeiro em Pela e, mais tarde, no sarinheiros e pescadores do i'mpério macedónio que relatassem a Aristó-
castelo real de Mieza, nas suas vizinhanças - que a atenção de Aristóteles se teles todos os assuntos de que tivessem conhecimento e que fossem passíveis de
virou, especialmente, para temas políticos, devendo ter sido por essas alturas po'ssuir um qualquer interesse científico. Tudo isto é, sem dúvida, um exagero, e
que lhe surgiu a ideia da sua grande compilação de C o n s t i t u i ç õ e s . O génio de o conhecimento demonstrado por Aristóteles das partes mais longínquas do
Alexandre conduziu-o a uma vida de acção, e não de estudo - à subjugação da império não é assim tão elevado, como se poderia esperara partir de todas estas
Ásia, contra a qual Aristóteles tinha avisado Filipe,. e à tentativa, incompatível ordens. Mas a história possui, provavelmente, um qualquer fundamento. Tem-se
com as suas crenças sobre a incontestável superioridade dos Gregos sobre os conhecimento de uma constituição, imposta por Aristóteles. njlescQla, segun-.
bárbaros, de fundir a Grécia com a civilização oriental. As relações entre estes do a qual; por'e:K"emplo,' os membros «governavam» à vez, p.or .um período
dois' homens parecem nunca ter sido inteiramente quebradas, mas não existem de dez dias sucessivos; o que pode ter significado, entre outras coisas, que cada
sinais. duma verdadeira intimidade entre eles após Alexandre ter deixado de ser um, duraIÍte'es'se período, tinha a seu cargo a direcção dos'debates, sustentando
seu aluno por ter sido nomeado regente, em 340, em substituição de seu pai. as suas teses contra todos aqueles que se lhes poderiam contrapor, segundo o
Então, Aristóteles estabeleceu-se, provavelmente, em Estagiros. Não' existem

I
dúvidas de que fo"i durante a sua estadia com Alexandre que fez as suas amizades
mais permanentes entre os" Macedónios, a sua amÍzade com Antipatros.,' cedo • Antiga epíteta de Apala, que significa natural da Licia, na Ásia Menar. A este respeita, ver:
nomeado r~g.ente por Alexandre, durante a ~u~ ausência na Ásia, e ?:-ue,desse Guthrie, L e s G r e c s e t / e u r s d i e u x , Payat, Paris, 1956, pp. 100-1; e M. H. Racha Pereira, E s t u d o s
modo, se vIfla a transformar no homem maIS lml?0rtante da Grécia; 11) d e H i s t ó r i a d a C u l t u r a C l á s s i c a , Fundaçãa Calauste Gulbenkian, Lisbaa, 1976, p. 424. ( N d . T .) .
12 E u t h y p h . 2a; L y s i s , 203a; E u t h y d . 271a.
Em 335-34, logo a seguir à morte de Filipe, Árist6teles regressa ~ Atenas,
13 Na testamenta de Teafrasta, Diag. Laércia V. 51, lemas ,o ILOVCTELOV e ,o LEpÓV.
começando, então, o período mais frutífero da sua vida. Fora da cidade, para. (presumivelmente as santuárias das musas e de Apalo), e uma grande e uma pequena CT,oá
Noroeste, provavelmente entre o monte Licabeto e
o Ilisso, existe um bosque. .o u / o g g i a .
14 Daí a name de peripatéticas. .
15 Em J. o f P. xxxv. 191-203, a ProL Henry Jacksan recanstituiu, a partir das trabalhas de
Aristóteles, alguns aspectas interessantes das suas salas de aulas, bem cama das suas lições.
• General de Alexandre a Grande. (N.d. T.) •• Da grega ,á"av,ov . Pesa usada entre as Gregas (aprox. 26 kg na Ática) e as Ramanas.
. 11 Na s~u testamenta, Aristóteles calaca tadas as seus assuntas nas mãas de Antipatras. Na
O vaiar de uma quantia de aura .ou de prata, da pesa de um ta1enta (cerca de mil escudas fartes,
entanta, este facta parece ser apenas uma farma camum de invacar a pratecçãa legal. a t a l e n t o d e p r a t a ; e de dez mil escudas fartes, a t a l e n t o .d e o u r o ) . ( N .d . T .)

16 17
A R IS T Ó T E L E S V ID A E OBRA

método mais tarde adoptado nas universidades medievais"o/. Sabemos da --i'efeminada e indulgente. No que podemos, de forma justa, acreditar, tendo em
existência de refeições em comum e de um simpósio que se realizava uma vez atenção as suas próprias palavras, é que não possuía hábitos ascéticos. Foi-nos
por mês, para o qual Aristóteles compôs as regras. Apesar de tudo, do trabalho ainda transmitida a ideia de que possuía uma personalidade g.Qçist ll., a qual se
da escola, da divisão de trabalho, sabemos muito pouco. A organização das' manifestava no modo de se expressar; e muitas expressões que sãO sinal duma
aulas, das quais os trabalhos que nos restam de Aristóteles constituem apenas as personalidade completa foram citadas por Diógenes Laércio. ". .'. l .. <.c'
notas, pertence, provavelmente, na sua maioria aos doze ou treze anos da sua
chefia do Liceu; e o pensamento e pesquisa por elas exigido, mesmo se suposer-
mos que algum trabalho de campo foi efectuado para si pelos seus alunos, AS OBRAS DE ARISTÓTELES
implicam uma energia de espírito que não tem, talvez, paralelo. Durante cstc
o' tempo, Aüs!QteJes.fixo.u.as-l.inhau~erais fundamentais da classificação das ciên- A obra literária de Aristóteles pode ser dividida em três secções principais: a
J ç@s,.da forma que ainda hoje per~~~~~~, t~~d~ ~onduzido a maio~ 'part;d;;- primeira consiste em trabalhos de ordem mais ou menos popular, os quais foram
ciências a um grau de desenvolvim~nto muito para além do até aí registado. publicados por ele próprio; a segunda, de memorandos e colectâneas de material
Nalgumas delas, tal como a lógica.'-:} podemos afirmar de modo justo que não para trabalhos científicos; e a terceira, dos próprios trabalhos científicos. Para
possui nenhum predecessor e, mesmo durante séculos, nenhum sucessor de além da A th e n a io n P o lite ia , a totalidade do c o r p u s dos seus trabalhos exis-
mérito. Ao mesmo tempo, a escola, através do seu interesse por assuntos práti- tentes, enquanto trabalhos autênticos, pertence a esta terceira classe. Quanto aos
cos, tais como a ética e a política exerciam uma influência na vida quotidiana, outros, o nosso conhecimento assenta em fragmentos preservados pelos autores
comparável à exercida por S'oerates ou Platão, e bastante superior à exercida antigos, bem como em três listas provenientes da Antiguidade. Destas., a mais
pelos estudantes da academia contemporânea. antiga é a de Diógenes Laércio (primórdios do século III d.C.)~~} A sua
Aquando da morte de Alexandre, em 323, Atenas tornou-se, uma vez mais, lista começa -com dezanove trabalhos que parecem ter sido populares pela sua
o centro do sentimento antimacedónio, e as ligações macedónicas de Aristóteles natureza, a maior parte dos quais estava, à maneira de Platão, escrita
tornaram-se objecto de suspeita. É possível que a hostilidade das escolas platóni- em diálogo. De qualquer modo, estes diálogos parecem ter sido menos dramáti-
cas e isocráticas surja dentro desta linha, isto é, se conjugue com o sentimento cos do que os primeiros diálogos de Platão; mas foram, sem dúvida, escritos
político contra Aristóteles. De qualquer modo, uma carga absurda de impie- com mais cuidado no que respeita ao estilo literário do que as obras existentes, e
dade, com base num hino e num epitáfio escritos por Aristóteles sobre Hermias, deve ser a elas que se referem Cícero e Quintiliano quando, respectivamente, fa-
foi levantada contra ele. ~etetminado a não deixar os Atenienses «pecar segunda lam da jlu m e n o r a tio n is a u r e u m 2 Ç de Aristóteles e da sua e lo q u e n d i s u a v ita s :5 J :>
vez contra a filosofia»(LS; abandonou a escola a Teofrasto, e mudou-se para - É natural supor que o uso desta forma de composição pertence à sua juven-
Cálcis, a qual se encontrava sob forte influência macedónica. Aqui, em 322,. tude, quando era ainda um membro da escola de Platão; e isto é confirmado
/ morreude uma doença de que já sofÍ"ia há muito tempo. Diógenes preservo.ti-nos pelos títulos platónicos de alguns dos diálogos - P o lític o , S o fis ta , M e n e x e n o ,
o seu testamento, no qual Aristóteles concede legados escrupulosos.às pessoas S im p ó s io -, assim como pelo carácter geralmente platónico dos seus conteú-
das suas relações, assegura que os seus escravos não sejam vendidos e põe em dos. Entre os primeiros diálogos encontrava-se, provavelmente, o sobre R h e to -
?"Prática uma das prescrições da P o lític a , ordenando a emancipação de muitos' r ic a , também conhecido por G r y lu s . Grilo era o filho de Xenofonte que. foi
deles. Muitas vezes pensamos em Aristóteles como tratando-se simplesmente morto na batalha de Maltineia (362-61), e o diálogo é, provavelmente, datado de
dum intelecto incarnado.No entanto, o seu testamento fornece-n~s a provamai~ pouco depois .. Q.':ltro dos primeiros di~logos foi 9 E u d e m o , .ou D a A lm a , que
evidente de uma natureza agradecida e afeiçoada. . tomou o nome de um
amigo de Aristóteles, Eudemo deCipro, que morreu em
Pouco se sabe da sua aparência ou da sua maneira de viver 19, Umà 354-53. Este diálogo foi estruturado de forma muito semelhante ao F é d o n , e.
tradição credível descreve-o como sendo careca, magro; com olhos pequenos e aceita, sem questionar, as doutrinas platónicas da preexistência, da transmi-
-f-. expressando-se com um discurso balbuciante, andando notavelmente bem ves-
tido. A malevolência dos seus inimigos representa-'o como levando uma vida
.' .' . . .'

Ela não pode ter sido baseada na lista. feit~ por Andronico (primórdios do século 1 a. C.),
. 20
uma vez que omite muitas.das obras existentes, as quais estão referidas na lista de Andronico; nem
16 Blakesley, L ife o f A r is l., 6 3 .
pode ter tido como fim suplementar esta lista, pela simples razão que contém alguns dos trabalhos
17 S o p h . E I., l83b 34 - l84b 3.
existentes. Provavelmente é, ou baseada em, uma lista feita por Hermipo (200 a. C.), quando muitos
18 PS.-Ammonius, A r is lo le lis V ila .
dos trabalhos editados mais .tarde por Andronico tinham sido esquecidos.
19Mas F. Studniczka in E in B ild n is d e s A r is l. (Leipzig, 1908) teceu uma boa demonstração 21 A c a d . 2. 38.119.
considerando um grupo de estátuas existentes como representando Aristóteles.. . 22 10. I. 83.

18 19
A R IS T Ó T E L E S V ID A E OBRA

.---
g ração e da rem in iscên cia. P ro v av elm en te, o P r o r r e p tic u s ,.2 ;,,'p e r te n c e a este razo av elm en te co m p leta se b em q u e co n d en sad a.,i~ )T êm sid o d isp en d id as m U l-
m esm o p erío d o , e é um a ex o rtação d a v id a filo só fica d irig id a ao p rín cip e tas en erg ias, co m resu ltad o s, aliás, ap reciáv eis, n a ten tativ a d e se d esco b rirem
cip rio ta T em iso ; fo i m u ito p o p u lar n a A n tig u id ad e e fo rn eceu a lâm b lico m ate- . co n ex õ es p ro v áv eis en tre o s trab alh o s ex isten tes e os que se p erd eram . M as
rial p ara o seu p ró p rio P r o tr e p tic u s , co m o serv iu , ig u alm en te, a C ícero p ara o s p rim eiro s são , p o r si só , su ficien tes p ara n o s d ar u m a id eia b astan te clara d a
m o d elo d o seu H o r te n s iu s . D ev e ser atrib u íd a u m a d ata p o sterio r ao d iálo g o Da m u ltip licid ad e de assu n to s tratad o s por A ristó teles, ain d a que n ão da su a
F ilo s o fia , n o q u al A ristó teles d á co n ta d o p ro g resso d a h u m an id ad e, d e caracte- im en sa activ id ad e literária.
rísticas larg am en te p lató n icas. m as d iferin d o d e P latão no que d iz resp eito à D o s trab alh o s ex isten tes p o d em o s co n sid erar, p rim eiram en te, o g ru p o de
p reex istên cia etern a do m undo e onde se o p õ e, de m odo d efin itiv o , à d o u trin a tratad o s ló g ico s, co n h ecid o , p elo m en o s d esd e o sécu lo V I, por O rganon ou
d as Id eias c à d o s N ú m ero s Id eais. O d iáio g o d ata, ap ro x im ad am en te, d a m esm a in stru m en to d o p en sar. O p rim eiro d estes, seg u in d o a o rd em h ab itu al, é as C a te -
ép o ca d as p artes in iciais d a M e ta fís ic a . A u m p erío d o ain d a m ais tard io , isto é, g o r ia s . A au ten ticid ad e d este liv ro tem sid o n eg ad a. N ão ex istem referên cias
da su a estad ia n a co rte m aced ó n ia (o u p o sterio r), p erten ce o A le x a n d r e , ou claras so b re ele, n o s trab alh o s d e A ristó teles tid o s p o r g en u ín o s. C o n tu d o , sem
s o b ~ e C o lo n iz a ~ o r ~ s (? C o ló n ia s ) e a o b ra D a M o n a r q u ia . P ll~ r!l~ 9 i':Í:!o g o s, d o s X\ d ú v id a, na A n tig u id ad e_ : 8 ,A o i aceite e co m en tad o co m o tratan d o -se de um a
q u aIS p o u co ' m ais e co n h eC id o d o q u e o s n o m es, são o D a J u s tiç a , D o s P o e ta s ,. '. o b ra g en u ín a por um a série d e co m en tad o res, in ician d o -se n o sécu lo III d . C .
Da Saúde, Da O ração, Do Bom N a s c im e n to , Da E ducação, Do P razer, o ' co m P o rfírio ; d e facto , a ev id ên cia d a su a aceitação rep o rta-se a A n d ro n ico
N e r in to e o E r ó tic o . (p rim ó rd io s d o sécu lo I a. c.) !.i:':O s arg l.!,m en to s co n tra esta au ten ticid ad e, do
P ara além ' d estas o b ras p o d em ser n o m ead o s o s seu s p o em as, d en tre os p o n to d e v ista d a d o u trin a aristo télica.Jo ;)n ão são co n clu siv o s, e a su a fo rm a
q u ais fo ram p reserv ad o s três, e as su às cartas. D o s frag m en to s m ais tard io s que g ram atical J.f) e estilo são , de m odo d efin itiv o , aristo télico s. O s seis ú ltim o s
p o ssu ím o s, o s en d ereçad o s a A n tip atro s p o ssu em a m arca da au ten ticid ad e. cap ítu lo s, cju e tratam d o s u su alm en te d en o m in ad o s p ó s-p red icam en to s, têm p o r
.-l;'o u co h av erá a acrescen tar so b re o s m em o ran d o s e co lectân eas d e m ate- b ase u m fu n d am en to u m tan to d iferen te. A n d ro n ico su sp eito u d eles, e estão fo ra
rial 2 4 ) ou as o b ras cien tíficas que se p erd eram . M ais d e d u zen to s títu lo s de dos p ro p ó sito s d o liv ro . C o n tu d o , p o d e m u ito b em tratar-se de um trab alh o
o b ras q u e n aq u ele tem p o se acred itav a serem d e A ristó teles fo ram p reserv ad o s de A ristó teles.
em três catálo g o s an tig o s. M as o s títu lo s rep etem -se freq u en tem en te, e ex istem O De ln te r p r e ta tio n e p areceu , a A n d ro n ico , de um a au ten ticid ad e d u v i-
to d as as razõ es p ara se su p o r q u e se tratam d e listas d e m an u scrito s e n ão ' d e I d o sa, ap aren tem en te/.l2 ,} d ev id o a um a referên cia 3 3 \1 0 De A n im a , referên cia
o b ras
p rim eira
sep arad as. M u ito s
v ista d esco n h ecid o s,
d o s títu lo s
p arecem
m en cio n ad o s
referir-se,
n a lista d e D ió g en es
n o en tan to , a p artes
L aércio ,
d e o b ras
à
I
£
esta a q u e n ad a co rresp 'o n d e
lh o s, sem d ú v id a au tên tico s
n este trab alh o .
d e A ristó teles,
N o en tan to ,
m u itas
en co n tram o s
referên cias
n o s trab a-
d este g én ero , as
ex isten tes ~ S o b re isto d ev e n o tar-se que m u ito s d o s trab alh o s ain d a ex isten - ! q u ais p o d em ser ex p licad as d e m u ito s m o d o s. A p esar d e tu d o , p o ssu ím o s fo rtes
tes n ão sã6 , na su a g lo b al id ad e, u n itário s, m as an tes co lectân eas d e en saio s
so b re tem as in ter-relacio n ad o s, e q u e o s en saio s sep arad o s co n stitu em a u n id ad e
o rig in al~ a q u al fo i ju n ta, p o r v ezes, p o r A ristó teles e alg u m as o u tras (co m o é o
caso d a M e ta fís ic a ) p elo s seu s ed ito res'.í? D e alg u n s d o s liv ro s q u e se p erd eram
1 27 P artsch d efen d eu b em a o rig em aristo télica d o liv ro S o b r e a s C h e ia s d o N ilo (D e s A r is to t'e -

ex istem frag m en to s co n sid eráv eis citad o s p o r au to res an tig o s, e n esses caso s é I le s .B u c h 'Ü b e r d a s S te ig e n d e s N il', L eip zig , 1 9 0 9 ).
28 C o m ex cep ção d u m critico an ó n im o , ap aren tem en te citad o in S c h o l. 3 3 a 2 8 seg s.. (B erlin ,

p o ssív el fazer-se um a id eia b astan te p recisa dos seu s co n teú d o s. P elo m en o s, ed . d e A r is tó te le s , v o l. 4 ).


29 Isto p arece estar im p lícito n a su a rejeição d o s p ó s-p red icam en to s, S c h o l.; 8 1 a 2 7 seg s.
um a o b ra g en u ín a ch eg o u ao s n o sso s d ias, seg u n d o p arece, de um a fo rm a
A m 0 1 0 n iu s (S c ito /.. 2 8 a 4 0 ) afirm a q u e T eo frasto e E u d em o escrev eram C a te g o r ia s .im itan d o a o b ra
d e A ristó teles. .
30 O s arg u m en to s m ais recen tes fo ram ap resen tad o s p o r E . D u p réel em A r c h . f G esch. d.
P h il. X X II. 2 3 0 -5 1 . C h am a, co m razão , à aten ção p ara o estilo seco , co rtan te e d o g m ático d este
liv ro , o q u al é m u ito d iferen te d o m éto d o u su al d e A ristó teles q u an d o p ro ced e à liv re d iscu ssão d as
T em sid o m u ito d iscu tid o se este era u m d iálo g o o u u m d iscu rso escrito d e fo rm a co n tin u a.
23 d ificu ld ad es. In clin o -m e a ;'trib u ir esta característica (a q u al tam b ém se en co n tra n o D e In te r p r e -
O b alan ço d o s arg u m en to s p esa a fav o r d esta. ú ltim a p o ssib ilid ad e. ta tio n e e em m u ito s p asso s d o s P r im e ir o s A n a lític o s ) ao facto 'd e q u e a ló g ica é, n o p o n to d e v ista d e,
24 E stas cl'leetân eas d e m aterial fo ram , p o r v ezes, p ro d u zid as p o r A ristó teles em co lab o ração A ristó teles, u m estu d o 'p relim in ar d a ciên cia e d a filo so fia. O s liv ro s d estin ad o s a estu d an tes m en o ~
co m o u tro s au to res. U m a in scrição d élfica m o stra-n o s q u e u m a lista d e v .en ced o res n o s Jo g o s P ítico s av an çad o s. são , n atu ralm en te, m ais d o g m iU ico s. .
fo i p ro d u to d u m trab alh o co n ju n to d e A ristó teles e d o seu so b rin h o C alísten es. 31 U m a p ro v a. m ais d etalh ad a so b re a g ram ática de A ristó teles e d as o b ras p seu d o -
2S P o r ex em p lo o s n ú m ero s 3 1 , 3 2 , 5 3 , 5 7 -6 0 (R o se, A r is to te lis F r a g m e n ta , 1 8 8 6 ) cefec -aristo télicas p o d erá ser en co n trad a em E u ck en , D e A r is to te lis D ic e n d i R a tio n e e U e b e r d e n S p r a c h -
rem -se, p ro v av elm en te, a p artes d o s T ó p ic o s , e o n ú m ero 3 6 à M e l. A . gebrauch d e s A r is to 'te le s (resp ectiv am en te, so b re o u so d e p artícu las e d e p rep o siçõ es) ..
26 Isto é p o sto b em claro p o r Jaeg er in E n ts te h u n g s g e s c h ic h te d e r M e ta p h y s ik d e s A r is to te le s 32 S c h o l., 9 7 a 2 0 .
(1 4 8 -6 3 ), a q u al é. a m elh o r ex p o sição d o m o d o co m o A ristó teles p ro d u ziu o s seu s trab alh o s. 33 { J e In t., l6 a 8 .

20 21
ARISTÓ TELES

p ro v a s em abono d a a .u te n tic id a d e
'. d e sta o b ra : T e o fra sto e E udem o e sc re v e ra m n ã o -é c e rto
p ítu lo s não
q u e a lg u m a
se re p o rta m ,
v e z te n h a
de m odo
chegado
nenhum ,
a e sc re v e r.
a e ste a ssu n to .
VID A E O BRA

P o r c e rto , e ste s d o is c a -
liv ro s in sp ira d o s n e la e A m ó n io a firm a q u e A n d ro n ic o fo i o ú n ic o c rític o que
c o lo c o u a su a a u te n tic id a d e em q u e stã o 34. Por ú ltim o , o se u e stilo e a su a _ O tra ta d o D e Spiritu, o q u a l fe c h a e sta sé rie d e tra b a lh o s p sic o ló g ic o s, não
g ra m á tic a p a re c e m se r g e n u in a m e n te a risto té lic o s. O m a is q u e se p o d e re a l- é d e A ristó te le s p o is q u e a í e n c o n tra m o s a d istin ç ã o e n tre v e ia s e a rté ria s, a qual
m e n te a c re sc e n ta r c o n tra e la , d iz re sp e ito a o fa c to d e , e m m u ita s d a s su a s p a rte s, lh e e ra d e sc o n h e c id a . P a re c e re fle c tir o s e n sin a m e n to s d o c é le b re m é d ic o E ra sís-
se r d e m a sia d a m e n te e le m e n ta r; m a s A ristó te le s e x e c u ta v a , c e rta m e n te , a par de tra to , e d e v e se r, ta lv e z , d a ta d o por v o lta do ano 250 a. C .
liç õ e s a v a n ç a d a s, o u tra s d e c a rá c te r e le m e n ta r 35. A sé rie d e o b ra s p sic o ló g ic a s é se g u id a por um g ru p o d e tra b a lh o s so b re
O s Prim eiros e o s Segundos Analíticos sã o , d e c e rto , a u tê n tic o s, d o m e sm o h istó ria n a tu ra l. N o in íc io d e sta sé rie , a H istoria Anim a/ium , liv ro X ,'e p ro v a -
m odo que os Tópicos 36 e o s Sophistici Elenchi. A ristó te le s c ita e sta ú ltim a v e lm e n te ta m b é m os liv ro s V II, V III (2 1 -3 0 ) e IX sã o a p ó c rifo s, e d a ta m ,
o b ra so b o títu lo de Tópicos, e n te n d e n d o a su a c o n c lu sã o com o fo rm a n d o um a com to d a a p ro b a b ilid a d e , do 111 sé c u lo a. C. A H istoria Anim a/ium é
e sp é c ie d e e p ílo g o d o s Tópicos p ro p ria m e n te d ito s. u m a c o le c tâ n e a d e fa c to s. É se g u id a p e lo s tra b a lh o s e m q u e A ristó te le s expõe as
O s tra ta d o s d e físic a c o m e ç a m p o r u m g ru p o d e o b ra s in c o n te sta v e lm e n te su a s te o ria s a c e rc a d e ste s fa c to s. O p rim e iro d e n tre e le s é .o D e Partibus Anim a-
g e n u ín a s:
A Física, o D e Cae/o, o D e G eneratione et Corruptione e o s M eteoro- /ium , c u jo p rim e iro liv ro c o n stitu i u m a in tro d u ç ã o g e ra l à b io lo g ia . O D e M otu
/ogica. A Física, p rim itiv a m e n te , e ra c o m p o sta p o r d o is tra ta d o s d istin to s, um Anim a/ium fo i c o n sid e ra d o a p ó c rifo p o r m u ito s e stu d a n te s, e m g ra n d e m e d id a
c o m p re e n d e n d o os liv ro s I-IV ; o o u tro , os liv ro s V , V I, V III. C om e fe ito , d e v id o a u m a p re te n sa re fe rê n c ia q u e n e le se e n c o n tra a o D e Spiritu 3 9 ; m a s a
A ristó te le s re fe re -se u su a lm e n te a o p rim e iro g ru p o so b a d e sig n a ç ã o d e Física o p in iã o re c e n te abona em se u fa v o r; o se u e stilo é a ri'sto té lic o 40: e o s se u s
o u liv ro s
Sobre a Natureza, e a o se g u n d o c o m o tra ta n d o -se d o s liv ro s Sobre o c o n te ú d o s n ã o sã o in d ig n o s d ~ m e stre . O D e Incessu Anim a/ium e o D e G ene-
M ovim ento, d istin ç ã o e sta d e q u e e n c o n tra m o s in ú m e ra s re fe rê n c ia s e n tre os ratione Anim a/ium sã o dum a a u te n tic id a d e in c o n te stá v e l. O líltim o liv ro da
p e rip a té tic o s p o ste rio re s. No e n ta n to , ta m b é m u tiliz a o te rm o Física p a ra ú ltim a d e sta s o b ra s é u m e p ílo g o a o D e Partibus, b e m c o m o a o D e G eneratione.
in c lu ir, n ã o so m e n te to d o s e ste s liv ro s, com o ta m b é m o u tro s d o s se u s tra ta d o s O s tra b a lh o s so b re b io lo g ia sã o se g u id o s p o r u m c e rto n ú m e ro d e tra ta d o s
que se re p o rta m a q u e stõ e s de físic a . O liv ro V II fo i d e ix a d o de la d o por a p ó c rifo s. O D e C% ribus fo i a trib u íd o a T e o fra sto e a E stra tã o , e o D e Audibi-
E udem o n a su a re v isã o d a o b ra , e é c o m p o sto so b re tu d o p o r n o ta s p re lim in a - /ibus, com m a io r p ro b a lid a d e , a E stra tã o . Os Physiognom onica (m sé c u lo
re s 37. Os M eteor% gica, liv ro IV , n ã o sã o , q u a se de c e rte z a , g e n u ín a s 38 e a . C .? ) sã o u m a c o m b in a ç ã o d e d o is tra ta d o s, ta lv e z a m b o s p e rip a té tic o s. O De
devem te r to m a d o , se m d ú v id a , o lu g a r dum liv ro in e x iste n te . Plantis é , d e to d a s a s o b ra s d o corpus, a q u e la q u e p o ssu i um a h istó ria m a is
, O tra ta d o se g u in te n o corpus, o D e M undo, n ã o a p re se n ta a b so lu ta m e n te p e c u lia r. Segundo a s su a s p ró p ria s re fe rê n c ia s, A ristó te le s p a re c e te r e sc rito u m a
nada q u e a u to riz e a c o n sid e rá -lo com o se n d o v e rd a d e ira m e n te d e A ristó te le s. o b ra so b re a s p la n ta s, a qual tin h a d e sa p a re c id o n o te m p o d e A le x a n d re de
É u m _ tra b a lh o d e filo so fia p o p u la r, q u e c o m b in a o m u ito d o q u e é g e n u in a m e n te A fro d ísia . A o b ra q u e n o s c h e g o u à s m ã o s fo i tra d u z id a d u m a .tra d u ç ã o la tin a , a
a risto té lic o c o m o q u e p o ssu i u m a o rig e m e stó ic a e , e m p a rtic u la r, d e v e m u ito a q u a l, p o r su a v e z , se g u e a tra d u ç ã o á ra b e d u m tra b a lh o c u jo a u to r p ro v á v e l f~ i
P o sid ó n io . A su a d a ta p o d e se r, p ro v a v e lm e n te , fix a d a e n tre 5 0 a . C. e 1 0 0 d . C .' N ic o la u d e D a m a sc o , u m p e rip a té tic o d o te m p o d e A u g u sto . O tra b a lh o d iv e r-
Em se g u id a su rg e um a sé rie d e tra b a lh o s a u tê n tic o s d e p sic o lo g ia : o De tid o c o n h e c id o so b a d e sig n a ç ã o de D e M irabilibus Auscultationibus é c o n sti-
Anim a e o s tra b a lh o s c o n h e c id o s c o le c tiv a m e n te so b a d e sig n a ç ã o de
Parva tu íd o : (I) d e e x c e rto s d e o b ra s so b re a b io lo g ia d e T e o fra sto e d e o u tro s a u to re s;
Natura/ia: D e Sensu et Sensibi/ibus, D e M em oria et Rem iniscentia, D e Som no, (1 1 ) d e e x c e rto s h istó ric o s, e x tra íd o s, n a su a m a io r p a rte , a T im e u d e T a u ro m e -
D e Insom niis, D e D iviriatione per Som num , D e Longitude et Brevitate Vitae, n iu m (p o r v o lta d e 3 5 (}'2 6 0 a . C .) e tra n sn ú tid o s p o r P o sid ó n io . -E sta s d u a s p a rte s
De Vita et M orte, D e Respiratione. O s d o is p rim e iro s c a p ítu lo s do D e Vita não fo ra m , p ro v a v e lm e n te , re u n id a s a n te s do te m p o d e A d ria n o ; (1 1 1 ) d u m
fo ra m nom eados p e lo s e d ito re s so b a d e sig n a ç ã o d e D e Juventute et Senectute. a p ê n d ic e (p o r v o lta de 1 5 2 -7 8 ) q u e pode não se r a n te rio r a o sé c u lo V I. OS
C o n tu d o , a p e sa r d e A ristó te le s te r p ro m e tid o u m tra b a lh o so b re e ste a ssu n to , M echanica p a re c e m p e rte n c e r à p rim e ira e sc o la p e rip a té tic a - ta lv e z a E stra tã o
ou a um d o s se u s d isc íp u lo s. E sta ' o b ra d isc u te te m a s re fe re n te s à a la v a n c a , à
ro ld a n a e à b a la n ç a , e expõe, com u m su c e sso c o n sid e rá v e l, a lg u n s d o s p rin c í-

34 Schol., 9 7 a 1 3 .
p io s fu n d a m e n ta is d a e stá tic a ~a le i d a ~ v e lo c id a d e s v irtu a is," o p a ra le lo g ra -y
ma das fo r-ç a s e a le i d a in é rc ia . . -
- 35 A a u te n tic id a d e d e ste liv ro é d e fe n d id a . c o m su c e sso p o r H . M a ie r in Arch. f. G esch. d.
Phil. X III. 2 3 -7 1 . E ste a u to r su g e riu q u e a re fe rê n c ia e m 1 6 a 8 fo sse tra n sfe rid a p a ra 1 6 a 1 3 , re p o r-
ta n d o -se . a De An. III, 6 .
36 C o m a p o ssív e l e x c e p ç ã o d o liv ro V . 39 7 0 3 a 1 -0 .N a su a tra d u ç ã o , F a rq u h a rso n su g e riu o u tra s o b ra s' p a ra . a s q u a is e sta re fe rê n c ia
37 T a lv e z a n o ta d o p o r u m a lu n o . C f. E u c k e n , D e Ar. D ic. Rat., I 1 . p o d e a p o n ta r.
38 U m c rític o re c e n te a tri b u i-a a E stra tã o . 4 0 E u c k e n n ã o d e te c to u n a d a d e n ã o -a risto té lic o n a su a g ra m á tic a .

22 23
A R IS T 6 T E L E S
V ID A E OBRA

Os P r o b l e m a s , apesar de repousarem, na sua grande maioria, sobre premis- qualquer dos outros livros e forma um tratado independente sobre a Causa
sas aristotélicas, incluem numerosos traços dum materialismo característico da Primeira (com uma exposição preliminar sobre a substância física). .
última escola peripatética. A obra parece ter sido reunida talvez não antes do As partes mais antigas da M e t a f í s i c a são, provavelmente, A, Á , K (pn-
século v ou VI, a partir da compilação duma série de problemas _' meira parte), A .. N. K foi mais tarde substituído por B r E; M (uma versão
matemáticos, ópticos, musicais, fisiológicos e médicos - extraídos, na sua tardia e muito diferente de N) foi anexado a N; e A B r E Z H e I M N foram
maior parte, do c o r p u s de Teofrasto, mas também, e em larga medida, dos elaborados num todo orgânico, ligados entre si por um entrecruzar de referên-
escritos da escola hipocrática e, em poucos casos, dos trabalhos existentes de cias, as quais podem muito bem remontar ao próprio Aristóteles. ,I
Aristóteles. O interesse desta obra reside no pôr em evidência a variedade dos A seguir surge um grupo de tratados éticos, a É t i c a N i c o m a q u e j a '8 M a g n ª - \ . r r
estudos para os quais Aristóteles orientava os seus discípulos. Os P r o b l e m a s M o r a /ia e a É t i c a a E u d e m o . L sendo este último um trabalho posterior, escrito 1\
M u s ic a is , que são, na sua totalidade, os mais interessantes, consistem em duas 'por um discípulo de Aristóteles: Eudemo. Mas a hipótese mais provável acerca
colectâneas que foram datadas, respectivamente, uma como sendo de 300 a. C. dos títulos É t i c a N i c o m a q u e i a e É t i c a a E u d e m o é que estas são, respectiva-
e a outra do ano 100 d. C.
mente, edições de Nicómaco e de Eudemo, ediçõ~~ .~tas elaboradas a partir de
O D e L i n e i s I n s e c a b i l i b u s é dirigido antes de mais, contra Xenócrates e, dois cursos sobre ética proferidosrp-er Aristóteles\~JO investigador mais deta-
presumivelmente, a sua data não é muito posterior ao seu tempo. A sua doutrina lhado da gramática de Aristótele.s~s.chegou à conclusão de que a gramática da
assemelha-se à de Teofrasto, a quem Simplício a atribui. Também foi sugerido É tic a a E u d e m o era a de Aristóteles. Além disso, foi apontado recentemente que
ter sido Estratão o seu autor. O V e n t o r u m S i t u s é um excerto dum tratado, D e este tra balho segue CJIl linha recta o desenvolvimento que' vai do P r ó t r e p t i c u s à
S i g n i s , usualmente atribuído a Teofrasto, e data, mais ou menos, do seu tempo. É tic a N ic o m a q u e ia 46.'0 provável é que se trate de uma das primeiras obras de
O D e X enophane, Zenone. G o r g ia (mais propriamente, D e M e lis s o . X enop-
Aristóteles, datadas, tal como as primeiras partes da M e t a f í s i c a , da sua estadia
hane. G o r g i a ) é provavelmente baseado em tratados autênticos de Aristóteles; em Assas, entre 348 e 345. Um problema que tem exercitado a curiosidade e a
mas, de facto, é um trabalho dum eclético do século I.
subtileza de muitas pessoas consiste no facto de que no fim do terceiro livro da
A primeira referência que possuímos da M e t a f í s i c a sob este nome surge É tic a a E u d e m o (correspondendo ao ql:larto da É t i c a N i c o m a q u e i a ) , os mss.
em Nicolau de Damasco. Como o nome ocorre constantemente a partir dele, declararam que os três livros que se seguem são idênticos aos três seguintes da
podemos supor, de forma segura, que tal se deve ao trabalho de edição do seu É tic a N ic o m a q u e ia , e passam, desde logo, ao que chamam o sétimo livro. Perten-
velho contemporâneo Andronico, e que designa, simplesmente, os tratados colo- cerão estes livros à É t i c a N i c o m a q u e j g , ou à É t i c a a E u d e m o , ou em parte a uma
cados após as obras físicas na edição de Andronico. O catálogo de Hesíquio e em parte a outra? Terão, alguma vez, existido dois tratados sobre temas
sobre as obras de Aristóteles menci"ona uma M e t a f í s i c a em dez livros. Provavel- desenvolvidos nestes livros, ou é a versão que possuímos a única que sempre
mente, esta é a nossa M e t a f í s i c a com a omissão do I) livr~ a . . cujo título existiu? Quase todas as respostas possíveis a estas questões, já foram dadas,
mostra que foi incluído na M e t a f í s i c a apenas quando a numeração original muitas delas foram apoiadas em argumentos sedutores. A opinião permanece
estava completa. Este livro é uma introdução, não à metafísica mas à física ou à dividida no que se refere a este tema. Às muitas referências paralelas ou cruzadas
filosofia teorética em gerai. Possui um carácter aristotélico, mas uma tradição entre 'estes e os outros livros dos dois tratados, podemacrescentar-se-lhes outras
antiga atribui-a a Posícles, sobrinho de Eudemo 41, e esta pertença está mais igualmente justas. Contudo, os pontos seguintes não receberam a atenção que
perto de ser correcta do que qualquer outra que tome em consideração uma deviam: 1) o catálogo mais antigo das obras. de Aristóteles (o de Diógenes
pessoa mais conhecida. A . M e t a f í s i c a em dez livros excluía, sem dúvida 2) o livro Laércio) refere apenas uma É t i c a , à qual atribui cinco livros; apenas se pode
li, o qual aparece separadamente na lista de Hesíquio sob a designação S o b r e tratar da É t i c a a E u d e m o s e m os livros duvidosos. O catálogo mais antigo a
o s v á r io s s ig n ific a d o s d a s p a la v r a s ; e 3) o livro K, cuja primeira parte é, ~era- seguir a este refere só uma É t i c a , à qual atribui dez livros; apenas se pode tratar
mente, uma versão reduzida dos livros B r E, e a última, uma série de extractos da É t i c a N i c o m a q u e i a com os livros duvidosos. Se, tal como é em geral
da F í s i c a lI, III e V. A gramática de K é, em certos aspectos, não aristotélica 42
considerado, estas duas listas repousam na autoridade de Hermipo, vemos que '£.'
e representa, quase de certeza, as notas dúm aluno 43. Por 'último, a M e t a f í s i c a os livros duvidosos se réferem, desde 2 à É t i c a N i c o m a q u e i a , e não à !\
em dez livros exclui, provavelmente, 4) o livro A, o qual não faz alusão a

44 Alexandre diz-nos ( S c h o l . , 760b 20) que a M e ta fís ic a foi editada, igualmente, por Eudemo.
41 S c h o l., 589a 41.
Cf. Asclépio ( S c h o l . . 519b 38).
42 Eucken, D e ' A r . D i c . . R a t . , lO, 11. 45 Eucken.
43 Alexandre só comenta a primeira parte. 46 Jaeger, A r i s t . , 237-270; cf. Case, in E n c . B r i t . 11, 512-515.

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25
A R IS T O T E L E S
V ID A E OBRA

É tic a a E udem o. 2) Algumas peculiaridades gramaticais foram encontradas com a genuína, mas fragmentária, P o é t i c a . Das obras perdidas de Aristóteles,
'na É tic a a E udem o que não aparecem nos livros em questão 47. nenhuma é mais lastimada do que a sua descrição das ç o n s t i t u i ç i J e s dos 158
Por consequência, estes livros pertencem, provavelm'ente, à É t i c a N i c o m a - estados gregos. Um feliz acaso trouxe à luz no Egipto, em 1890, um papiro
Por certo, a É t i c a a E u d e m o teve uma secção correspondente
q u e ia . que lhe era contendo a prim~ii-a'<ielas: a C o n s t i t u i ç ã o d e A t e n a s .
própria. Com efeito, I) existem referências na É t i c a a E u d e m o que parecem Todas ou quase todas as obras existentes de Aristóteles são comummente
pressupor uma exposição muito diferente do conteúdo dos três livros centrais; e consideradas como pertencentes ao período em qU.e..dirigia o. Liceu, e. assim
2) a M a g n a M o r a / i a , que segue de muito perto a É t i c a a E u d e m o , introduz na surge natural a questão do relacionamento entre as suas obras escritas e o
, secção correspondente matéria que não encontramos nos três livros, tal como os seu .ensinamento oral. Muitas vezes sugeriu-se que a característica um pouco
possuímos. A M a g n a M o r a / i a parece ser datada do início do século III a. C. grosseira e inacabada de muitos dos seus trabalhos, as suas repetições e digres-
Contém 'traços da doutrina de Teofrasto, e a sua linguagem é, nalguns aspectos, sões, é devida a não se tratarem de trabalhos para publicação, mas sim das
mais tardia 48. O D e V i r t u t i b u s e t V i t ü s é uma tentativa de reconciliar a ética próprias notas das palestras de Aristóteles, ou então de notas tomadas por
peripatética com a platónica, e data, muito provavelmente, do primeiro século alunos seus. A última hipótese baseia-se em várias considerações. Custa a crer
antes ou do primeiro século depois de Cristo. que notas de alunos tenham produzido um resultado tão coerente e inteligível
A P o l í t i c a é um trabalho indiscutível de Aristóteles. Tem havido muita como o são os trabalhos no seu estado presente, ou que as notas de alunos
discussão sobre a ordem «correcta» dos seus livros. Contudo, consiste realmente diferentes (pois muito dificilmente se poderá supor que seja um único o resp~Q;;:
de um número de ensaios, originariamente iy.~pendentes, os quais não recebe- sável por todo o c o r p u s ) tenham conseguido uma tal uniformidade de estil~.:)
ram uma elaboração num todo homogéneó<'jl E também não é possível encarar os trabalhos como nada mais para além de
Dos O e c o n o m i c a , o primeiro livro é um tratado baseado no primeiro livro notas de Aristóteles para palestrlls, Um fragmento'de um dos seus livros apre-
da P o l í t i c a e no O e c o n o m i c u s de Xenofonte, e foi provavelmente escrito por senta, nitidamente, este caráctecS3;)e ~ossível que outr~s em ~ue. a (elt:¥ância é
Teofrasto ou por qualquer outro peripatético da primeira ou segunda geração. conduzida ao ponto da obscundade< S41tenham uma ongem sImI1a,.:31 Mas a
O segundo livro, uma colectânea de incidentes históricos ilustrando diversos maioria dos trabalhos não são assim. Éi~s evidenciam uma plenitude de expres-
estratagemas financeiros, é datado, provavelmente, do ano 300 a. C. O terceiro, são e uma atenção quanto à forma literária que os torna incompatíveis com o
que existe apenas numa tradução latina, deve ser idêntico às L e i s d o M a r i d o e facto de terem sido apenas memorandos para palestras. Têm sido citadas duas
d a M u lh e r mencionado no catálogo de Hesíquio, mas não é de Aristóteles. passagens como, provas de q~~l'ristóteles se dirige a auditores e ~ão a leitores,
Considera-se ser, em parte, um trabalho dum peripatético que viveu entre 250 e mas nenhuma é convincenté~~ Não pode haver qualquer dÚVIda, contudo,
300 a. C. e, em parte, dum estóico que viveu entre 100 e 400 d. C. acerca da estreit~ relação da maioria dos trabalhos escritos com o seu ensina-
A R e t ó r i c a é, no que respeita aos dois primeiros livros, um trabalho indis- mento no LiceúJ~ Aristóteles p o d e ter redigido completamente as suas palestras
cutível de Aristóteles. O terceiro livro foi contestado durant«,aJgum tempo, mas antes de as ter proferido, e os seus trabalhos escritos podem, neste sentidq, ser as
a sua autenticidade tem sido suficientemente comprovadá~.v' A R h e t o r i c a a d suas lições. Mas parece provável' que tenha ensinado de forma mais livre do que
A le x a n d r u m foi atribuída por alguns estudiosos ao contemporâneo de Aristóte- isso,. e que os livros, tal como nos chegaram, tenham sido escritos posterior-
les, Anaxímenes de Lâmpsaco. Contudo, contém elementos da doutrina aristo-
télica e data, provavelmente, do início do século lU a. C(y O c o r p u s termina

S2 P h y s . VIL, M e t . o - K são provavelmente, notas de discípulos das lições de Aristóteles.


S3 M e t . 11. 1-5, que contém apenas' uma referência a uma outra obra; e, por duas vezes (1069
47 Cf. Eucken, D e A r . D i c . R a t . , 9, 34; S p r a c h g e b . d e s A r . , 10. Estas particularidades são b35, 1070 a4) afirma lJ.E,à. ,O -u ,o . 0"" «de seguida devemos notar que». Cf. A n . P r o 2 4
devidas, talvez, a Eudemo. alO-15.
48 Mas a opinião de von Arnim (cfr. p. 999, i n f r a ) , segundo a qual se trata do primei'ro dos três S4 Por exemplo, D e A ' n . , lU.
tratados éticos, merece uma consideração cuidadosa. ss O Prof. H. Jackson, in J. o f P., XXXV. 196-200, realçou' bem, nos trabalhos de. Aristó-
49 Cf., pp. 1.9, 235 e segs. '. teles, um .p~ocedimento' similar ao utilizado pelos conferencistas.
so Diels mostrou ( A b h . d . p r e u s s . A k a d . , 1886) que o livro lU era, originariamente, um S6 a) $oph. El., 1'84 b3-8.miv,wv VlJ.wv i'l ,wv Tjxpoo.(J.Évw'Jdistingue os seguido-
tratado separado, provavelmente o 1tEP~ À.É!;EWC; que figura na lista de Diógenes. res do curso dum grupo mais alargado aos quais nos dirigimos - aparentemente leitores (cf.
SI Case, in E n c . B r i t . 1 I 515 segs., defende 'l..ue é uma obra autêntica, anterior à R e t ó r i c a . EJw:O"o.llli""cç "11L"). b) E. N. 1104 bl8 ,;"c; XO-L7tP~TJV ELT;O(J.EV . Mas,7tplpTJ" parece
A sua argumentação 'aponta para o facto de, se este tratado é anterior à R e t ó r i c a , então é neces- querer significar mais (<umpouco antes» do que «antes de ontem». .
sariamente de Aristóteles. Consequentemente, não pode ser de Anaxímenes., Contudo, a süa lin- 57 A F i s i c a é intitulada nos manuscritos «Curso sobre Física», e a P o l í t i c a foi, durante algum
guagem, em certos as pectos, parece pertencer a uma data p o s t e r i o r à de Aristóteles. tempo, designada por «Curso sobre Política».

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_. __ _- .. ... .
i

A R IST Ó T E L E S r
r
V ID A E OBRA

mente por si como memorandos para uso daqueles que perderam as suas lições,
diálogos, o seu protesto contra a «separação» platónica entre as Formas e as
e como meio de ter um arquivo mais adequado das suas ideias do que a memória
coisas sensíveis começou a fazer-se sentir. Provavelmente, os diálogos perten-
ou as notas produzidas pelos seus alunos. As repetições e'as ligeiras divergências
cem, na sua maioria, à época em que fazia parte da Academia. Ao período da
de ideias que têm vindo a ser observadas nos seus trabalhos devem explicar-se'
sua permanência em Tróade, em Lesbos e na Macedónia pertence a primeira
pelo facto de que não tratava de um assunto de forma definitiva, mas voltava a
forma das suas obras ainda existentes, as quais são de características tipicamente
ele uma e outra vez. Uma edição inexperiente tem conservado~ pela repugnância
platónicas - o O rg a n o n 65, a F ísica , o D e C a elo , o D e G en era tio n e et C o rru p -
em sacrificar algo do que o mestre escreveu, versões duplas ou triplas do seu
tio n e, o terceiro livro do D e A n im a , a É tica a E u d em o , as partes mais antigas da
pensamento sobre a mesma questão.
M eta física e da P o lítica 66; a estas devemos provavelmente juntar as partes
A conexão provável da maioria dos trabalhos existentes com a segunda
mais antigas da H isto ria A n im a liu m . Ao seu segundo períogs>ateniensepc<rtence
residência de Aristóteles em Atenas (por volta de 335-23) é confirmada no seu
o resto dos seus trabalhos de pesquisa - os M eteo ro lo g ica , os trabalhos sobre
todo pelos detalhes relativos ao tempo, que podemos. detectar nos próprios
psicologia e biologia, a série de C o n stitu içõ es e as suas outras grandes pesquisas
trabalhos. As alusões casuais - à viagem de Atenas a Tebas, à travessia para
históricas, das quais pouco mais sabemos do que os nomes. A este período
Egina, aos festivais dionisíacos e das targélias, à forma como o actor Teodoro
também pertencem a É tica N ico m a q u eia ,a P o ética , a R etó rica e o acabamento e
utilizava a sua voz 58 - pressupõem um auditório ateniense. A observação
'c'~mp~';iÇão' dos trabalhos existentes, iniciados no período intermédio 67. Podere-
sobre a posição da constelação Corona está mais de acordo com a latitude de
mos dizer que o movimento geral vai desde o estudo da realidade paralela até
Atenas do que com a de Pela 59. O segundo período da residência de Aristóteles
um intenso interesse pelos factos concretos, tanto naturais como históri~os, e a
em Atenas, de preferência ao primeiro, é sugerido por referências casuais ao
uma convicção de que a «forma» e o significado do mundo devem ser encon-
próprio Liceu 60. As referências a acontecimentos históricos apontam na
trados, não para além, mas embebidos na sua «matéria».
mesma direcção. Nos M eteo ro lo g ica Aristóteles refere-se ao arcontado de Nicó-
maco (341) 61. Na P o lítica refere-se ao assassínio de Filipe (336) 62; a R etó rica
refere acontecimentos em 338-36 63; a C o n stitu içã o d e A ten a s não pode ser
anterior a 329-28 64. As teorias astronómicas de Caliporeferidas na M eta física 65 Os T ópicos devem ter sido compostos segundo a ordem - 11 -VII 2, VII 3-5, L, VIII. É
esta a opinião de H'. Maier in Syllogistik des A ., 11 2. 78, n. 3. A maior parte da obra,
A não podem, rigorosamente, ser datadas antes de 330-25. Por outro lado,
lI-VII. 2., move-se no interior do circulo das ideias platónicas.
nos M eteo r. 371a 31, o incêndio do templo de Éfeso (356), e na P o l. 1321b 10, a
F. Solmsen sustentou no seu E ntw icklung der A ristotelischen
L ogik und R hetorik que Aristóte-
expulsão de Dionísio II de Siracusa por Díon (357-56) são referidos como tendo les elaborou primeiramente T ópicos) uma lógic~ da dialéctica;
(nos depois (nos Segundos A nalíti-
acontecido vüv ; disto deriva que estes trabalhos foram provavelmente co m e- cos) uma lógica da ciência; e, finalmente (nos P rim eiros A nalíticos), uma lógica formal aplicável,
ça d o s durante a primeira residência de Aristóteles em Atenas. simultaneamente, à dialéctica e à ciência. Cf. J. L. Stocks in C lass. Q u. XXVII (1933), 115-24. Este
ponto de vista é sedutor em m!litos aspectos. Mas ainda não foi suficientemente explorado de molde
Se perguntarmos por que ordem é psicologicamente mais provável que os
a que se possa extrair daí a sua verdade. Se os Segundos A nalíticos foram escritos antes dos
trabalhos de Aristóteles tenham sido escritos, a resposta deve ser que, presumi-
P rim eiros, então devem ter s'ido retocados ulteriormente.
velmente; os seus trabalhos devem reflectir um afastamento progr~ssivo da H. Maier sustém, no A rch. f.
G esch. d. P hil. XIII, 23-72; que o D e Inierpretatione é o último de
influência de Platão. Tomando esta ideia como vector principal, e utilizando as todos os trabalhos existentes, e que foi deixado inacabado por Aristóteles. No entanto, Case mos-
:>< escassas indicações de datas que temos ao nosso dispor, podemos afirmar que trou. na E nc. B rit. 11. 511 segs .. que a análise do juízo no D e Interpretatione é mais primitiva do que
nos P rim eiros A nalíticos. e mais próxima da elaborada por Platão no Sofista, 261 segs.
começou por escrever diálogos ao jeito de Platão; mas que, nos últimos destes
66 Recentemente, teve iugar uma discussão sobre dos livros da P olítica.
a idade comparativa
Os' protagonistas f.oram (A ristoteles, capo 6) e H .. von Arnim (~ ur E ntstehungsgeschichte
W. Jaeger
, der aristotelischen- P olitik). Jaeger defende a ordem 111, lI, VII, VIII; Iv', V, VI; 1;' von Arnim
58 P hys., 202 bl3; M et. Â . 1015 a25, 1025 a25, 1023 blO; R het., 1404 b22. Cf. P ol., 1336 b28, defende a ordem I, 111; IV, V; VI; 11; VII, VIII. Neste debate também participou B. Hochmiller
P oet. 1448 a31.
(in O puscula P hi~ ologa, 1928), que segue von Amim, bem como A. Mansion (m R evue N éo-Scolastique
59 M eteor., 362 b9. Contudo, existem razões para se duvidar da autenticidade desta passagem. de P hi/osophie, XXIX (1927),451-63), J. L. Stocks (in C /ass. Q u. XXI (1927),177-87), E. Barker (in
60 C at., 2 a I; P hys., 219 b21; R het., 1385 a28. Mas a aproximação do Liceu à agora. nas duas C lass. R ev. XLV (1931), 162-72), A. Rosenberg (in R h. M us. LXXXII (1933), 338-61), e W. Sieg-.
primeiras passagens, lembram-nos' que estes eram os lugares .favoritos ,de Sócrates para os ~eus fried (in P hi/ol. LXXXVIII (1933). 362-91). Todos estes seguem, no essencial, as propostas de
'passeios. A sua escolha como exemplos pode, por isso mesmo, ser anteríor à funda'ção da escola de Jaeger. Um estudo destes debates levou-me a pensar que a anterioridade de VII, VIII relativamente a
Aristóteles. .
. IV, V e VI estava estabelecida. Contudo, a relação entre os três tratados independentes dos livros I,
61 345 a!.
11 e 111, no que concerne aos outros livros, permanece duvidosa. A questão é muito complexa
62 l31I bl.
para aqui ser tratada. Cf. pp. 241 segs.
63 1397 b31, 1399 b12.
67 Parece~me convincente a brilhante argumentação desenvolvida por Jaeger no seu A ris-
64 Ver o capo 54, 7.
roreles.

28
29
C A P ÍT U L O II

LÓGICA

Segundo A ris tó te le s " a s c iê n c ia s d iv id e m -s e em te o ré tic a s , p rá tic a s e p ro -


d u tiv a s . O p ro p ó s ito im e d ia to de cada um a d e la s é o d e c o n h e c e r, m as os seus
p ro p ó s ito s . ú ltim o s são, re s p e c tiv a m e n te , o c o n h e c im e n to , a c o n d u ta e a p ro d u -
ção d e o b je c to s ú te is ou b e lo s . A ló g ic a , s e a fiz e rm o s e n tra r n e s ta c la s s ific a ç ã o ,
te m d e s e r in c lu íd a e n tre a s c iê n c ia s te o ré tic a s ; m as a s ú ilic a s c iê n c ia s te o ré tic a s
são as m a te m á iic a s , a fís ic a e a te o lo g ia ou m e ta fís ic a 2; e a ló g ic a não pode ser
in c lu íd a em q u a lq u e r um a d e s ta s . B } e fa c to , segundo A ris tó te le s , e la é, não um a
c iê n c ia s u b s ta n tiv a J, m as um a p a rte d a c u ltu ra g e ra l que cada um deve re c e b e r
a n te s de in ic ia r o e s tu d o . de q u a lq u e r c iê n c ia , bem com o a .ú n ic a capaz de
e n s in a r-lh e a conhecer qual a e s p é c ie d e p ro p o s iç õ e s que re q u e re m um a p ro v a e
qual a e s p é c ie de p ro v a s que são e x ig id a s p a ra e s s à s p ro p o s ic õ e s 4. Uma concep-
ção s im ila r e n c o n tra -s e na a p lic a ç ã o da p a la v ra Organon ou instrumento
(s u b e n te n d e n d o -s e : da c iê n c ia ) à d o u trin a ló g ic a 5 e, em ú ltim a in s tâ n c ia 6, à
s é rie d e . tra b a lh o s ló g ic o s de A ris tó te le s .
O nom e lógica é d e s c o n h e c id o d e A ris tó te le s , e não lh e p o d e m s e r e n c o n tra -
dos tr ,a ç o s a n te s da época de C íc e ro . M esm o a í; lógica quer m enos d iz e r
ló g ic a do q u e d ia lé c tic a . A le x a n d re é o p rim e iro e s c rito r a usar À o y tx 1 Í no sen-
tid o de « ló g ic a » . O p ró p rio te rm o de A ris tó te le s p a ra e s te ra m o do c o n h e c i-

I Mel. 1025 b 25.


2 Ih., 1026 a 18.
3 A pesar d e fa la r na « C iê n c ia a n a lític a » (Rhel., . 1 3 5 9 b 1 0 ) .
4 P.A., 6 3 9 a 4 ; . Mel., 1005 b 3, 1006 a 6 ; E. N., 1 0 9 4 b 2 3 .
5 Por A le x a n d re de A fro d is ia (2 0 0 d . c.).
6 N o . s é c u lo VL

31
r
I
A R IS T Ó T E L E S L Ó G IC A

m ento, ou pelo m enos para o estudo do raciocínio, é «analítica». Prim itivam ente, L ugar (p. ex. 'no L iceu').
isto refere-se à análise do raciocínio nas figuras do silogism o 7; m as talvez o D ata (p. ex. 'ontem ').
possam os alargar de form a a incluir a análise do silogism o em proposições e Postura (p. ex. 'sentado').
destas em term os. Posse (p. ex. 'é calçado').
O s tratados lógicos organizam -se em três grupos fundam entais: I) O s Pri- A cção (p. ex. 'corta').
m e ir o s A n a lític o s , nos quais A ristóteles pretende dem onstrar o que encara com o Passividade (p. ex. 'é cortado').
a estrutura com um a todos os raciocínios - o silogism o nas suas variedades
form ais, independentem ente da natureza própria do sujeito em questão. Isto E stas categorias - algum as ou todas elas - aparecem em quase todos os tra-
pode ser propriam ente designado com o tratando-se de lógica form al ou de balhos de A ristóteles, e a doutrina é sem pre tratada com o algo de já estabele-
lógica da consistência. 2) O s Segundos A n a lític o s , nos quais discute as outras cido. N o que respeita ao núm ero das categorias, não faz qualquer esforço para
características que o raciocínio deve possuir. se pretende ser, não apenas consis- ser consistente. A postura e a posse reaparecem apenas num dos outros presum í-
tente em si próprio, m as científico no pleno sentido da palavra. Isto é, nitida- veis prim eiros trabalhos 10; as outras oito são citadas com o form ando um a lista
m ente, um a lógica interessada, não na m era consistência, m as na verdade. 3) O s com pleta IJ. Surgem com o se tivesse chegado posteriorm ente à conclusão de
T ó p ic o s e os S o p h is tic i E /e n c h i, nos quais estuda aqueles m odos de raciocínio que a postura e a posse não são noções finais e inanalisáveis. '
que, apesar de estarem silogisticam ente correctos, não satisfazem um a ou m ais T em havido m uita controvérsia sobre o sentido desta doutrina" em larga
das condições requeridas pelo pensam ento científico'. As C a te g o r ia s e o D e m edida devido ao facto de em nenhum a das obras de A ristóteles nos ser dado
In te r p r e ta tio n e , que, em larga m edida, estudam , respectivam ente, o term o e a assistir à sua elaboração. T rendelenburg defendeu que as distinções entre as
proposição, podem ser considerados prelim inares. categorias derivam de diferenças gram aticais. É fácil aperceberm o-nos de que
A ristóteles tem , apesar de não ter explicitam ente discutido o problem a, um estudo das form as da linguagem foi um dos guias fundam entais de A ristóte-
um a ideia clara da diferença entre a lógica e os outros estudos com os quais tem les na form ulação da sua doutrina. Por exem plo: os relativos distinguem -se das
sido, por vezes, identificada ou confundida - a gram ática, a psicologia, a outra!! coisas pelo facto de os nom es que os designam estarem governados por
m etafísica. Para ele, é um estudo, não de palavras, m as do pensám ento, de que um a palavra no caso genitivo ou dativo 12. M as não existia um a lista das partes
-l/ . as palavras são signos; do pensam ento, não p.or referência à sua história natural, do discurso na qual pudesse basear-se um a lista das categorias. A s únicas partes
/';;,
t m as por referência ao seu sucesso ou insucesso em atingir a verdade; do pensa-
; m ento, não com o constituinte, m as com o apreensão da natureza das coisas.
do discurso
categorias reúne
tica reúne.
que reconhece com o tais eram o nom e e o verbo
coisas que a gram ática separa 14, e separa
13. E a doutrinadas
coisas que a gram á"'

-') U m a vez m ais, pensou-seiS que a doutrina das categorias se tivesse desen-
OS TERM OS volvido no interior da A cadem ia e não tivesse sido senão retom ada por A ristóte-
les. C óntudo, não' existe nenhum a prova real deste facto. A s categorias parecem
s C a te g o r ia s c çam , tal com o toda a lógica o deveria talvez fazer, pela ter pouco em com um , seja com os «géneros suprem os» do S o fis ta 16 -o ser, o
consi actos linguísticos. D istinguem as «coisas ditas sem com binação» m esm o, o outro, o repouso, o m ovim ento -, seja com as «propriedades com uns»
das «coisas ditas em com binação» 8, isto é, palavras e frases tais com o 'hom em ', do T e e te to á - sem elhança e dissem elhança, ser e não ser, identidade e dife-
'corre', 'no L iceu', das proposições tais com 'o 'hom em corre'. A s «palavras sem
'com binação» são ditas 9 para designar um a ou outra das seguintes coisas:

Substância (p. ex. 'hom em '). 10 T o p . , 103 b 23.


, Q uantidade (p. ex. 'dois cúbitos de com prim ento'). IJ An. 83 b 15. C f. P h y s . , 225 b 5-9, 226 a :23-25.
P o s t.,
C a t . , 6 b 6-11,8 a 17-28. A ssim , a C iência é um ,7tPÓC; .• L , m as não as ciências particulares,
Q ualidade (p. ex. 'branco'). 12

II a '23-32; a .• áuLC; é um 1t.PÓC; "L ,m as não .•6 Ea.•<ivaL, 6 b 11. ,


R elação (p. ex. 'dobro').
13 D e I m . , 2, 3. P o e t . , 20, cuja autenticidade está m uito em questão, acrescenta a conjunção
e o artigo.
14 Por exem plo, a quantidade e a qualidade incluem certos nom es com o adjectivos, 4 b 23,9
a 29.
7 An. P r ., 47 a 4; An. P o S t., 91 b 13, etc. IS Por exem plo, A . G ercke in A r c h . f. d . , G e s c h . d . P h i l . , IV , 424-441.
8 I a 16. 16 251 e segs., especialm ente 254 d.
9 I b25. 17 185.

32 33
A R ISTÓ TE LE S LÓ G IC A

ren ça, p ar e ím p ar, u n id ad e e n ú m ero . O q u e A ristó teles d ev e a P latão é m ais o p eça p articu lar do co n h ecim en to g ram atical, n ão o são 20. A ssim , a d istin ção
reco n h ecim en to d as n o çõ es ab stractas d e su b stân cia, q u alid ad e, q u an tid ad e, . d e p rim ária e d e secu n d ária (isto é, d e u n iv ersal e d e in d iv id u al) p o d erá ser tão
relação , activ id ad e e p assiv id ad e. A s alu sõ es a elas n ão O C o rrem sen ão acid en tal- b em m arcad a n as o u tras categ o rias co m o n a su a su b stân cia. M as A ristó teles
m en te em P latão , e n u n ca as lig a de fo rm a sistem ática. N o en tan to , o seu ' n ão a m arca ex p licitam en te.
reco n h ecim en to co m o asp ecto s g erais d a realid ad e d ev e ter aju d ad o co n sid era- _ O p rim ad o d a su b ~ tân cia in d iv id u al é u m d o s p o n to s m ais firm es d o p en sa-
v elm en te o p en sam en to de A ristó teles. m en to de A ristó teles - o p o n to so b re o q u al d iv erg e m ais d a d o u trin a de
É m u ito 'p ro v áv el q u e a d o u trin a ten h a co m eçad o p o r ser u m a ten tativ a de P latão . M as, ap esar da su b stân cia p rim eira ser p ara ele a co isa m ais real, a
reso lv er certas d ificu ld ad es so b re p red icação , as q u ais p reo cu p av am a esco la su b stân cia seg u n d a, e em p articu lar a infim a species, é o p o n to n o d al d a su a
m eg árica, b em co m o o u tro s p en sad o res an terio res ,". O p ro p ó sito d e A ristó te- ló g ica. C om efeito , a ló g ica é u m estu d o d o p en sam en to , e aq u ilo q u e o in d iv í- ,.
les p arece ter sid o o d e esclarecer o p ro b lem a,d istin g u in d o , p ara tan to , o s tip o s d u o co n tém p ara além d a su a n atu reza esp ecífica é d ev id o à m atéria p articu lar "
p rin cip ais d e sig n ificad o s d as p alav ras e d as frases q u e p o d em ser co m b in ad as n a q u al está in co rp o rad o , e assim escap a ao p en sam en to . A té onde se p o d e
p ara fo rm ar um a afirm ação . E , p ro ced en d o d esta fo rm a, fo i co n d u zid o à p ri- sab er, o s m em b ro s dum a infim a species são id ên tico s, e são ap en as aq u elas su as
m eira classificação co n h ecid a dos tip o s p rin cip ais d e en tid ad e en v o lv id o s na p ro p ried ad es q u e se d estacam d a su a n atu reza esp ecífica q u e p o d em ser ap reen -
estru tu ra da realid ad e.
d id as p ela ciên cia.
Por que m ad as categ o rias? O sig n ificad o o rd in ário de O resto d a p arte au ten ticam en te g en u ín a d as C ategorias 21 é o cu p ad o p ela
x O lT rly o P L a: as a p rim eira categ o ria tem por seu p rim eiro co m p aração d estin ad a a ev id en ciar as características d a su b stân cia, b em co m o o
m em b ro su b s Iv id u ais, as q u ais, seg u n d o a d o u trin a d e A ristó teles, d as o u tras p rin cip ais categ o rias. A s características fu n d am en tais d a su b stân cia
n u n ca são p ro p riàm en te p red icad o s m as sem p re su jeito s. D aí q u e se ten h a por são q u e: I) n ão está «num su jeito » ; 2 ) é p red icad a sem am b ig u id ad e (isto é
v ezes p en sad o que as su b stân cias p rim eiras n ão en tram p ro p riam en te na dou- v erd ad e ap en as p ara a su b stân cia seg u n d a); 3 ) é in d iv id u al (isto é v erd ad e
'.I
trin a d as categ o rias. M as n ão é este o caso . C o m efeito , 'S ó crates' n ão é, seg u n d o ",
ap en as p ara a su b stân cia p rim eira); 4 ) n ão tem co n trário n em g rau s; 5 ) ad ~ ite
o s p rin cíp io s aristo télico s, um v erd ad eiro p red icad o . M as, se p erg u n tarm o s o q u alificaçõ es co n trárias. A s o u tras categ o rias são co n sid erad as p o r r~ ferên ~ la à
q u e é S ó crates, a resp o sta ú ltim a, isto é, m ais g eral, é q u e ele é: « u m a su b stân cia» ; su a p o sse, o u n ão , d estas m esm as características. A ú ltim a característIca so zm h a
d o m esm o m odo q u e, se p erg u n tarm o s o q u e é o v erm elh o , a resp o sta ú ltim a é: . é v erd ad eira p ara to d as as su b stân cias, n ão o sen d o p ara m ais n en h u m a o u tra.
«um a q u alid ad e» . A s categ o rias são u m a lista d e p red icad o s m ais lato s, o s q u ais P o d em o s ag o ra v o ltar ao p ro b lem a d e sab er o q u e A ristó teles tem a d izer
são essen cialm en te p red icáv eis d as v árias en tid ad es n o m eáv eis, isto é, q u e nos d o acto n o q u al o s sig n ificad o s d e « p alav ras sem co m b in ação » se ap resen tam ao
d izem que esp écie de en tid ad es fu n d am en talm en te são . esp írito 22: a apprehensio sim plex da ló g ica p o sterio r~ A ristó teles d istin g u e-a
A categ o ria p rim eira é a su b stân cia, a q '-!..'!L é.
. .o sllb strato p ressu p o sto QQr ex p licitam en te d o ju ízo . É u m a esp écie d eco n tacto co m o seu o b jecto 23. E sta
_ to ~ ªs _ £ lS o u tl:as. A ristó teles d istin g u e 19 no in terio r d a su b stâh cia: I) a su b stân - co m p aração co n d u z-n o s à p sico lo g ia d a p ercep ção d e A ristó teles, n a q u al d istin -
cia p rim eira, a q u al n ão é < < n emafirm ad a d u m su jeito , n em p resen te n u m su jeito » . g u e en tre I) a ap reen são . d as q u alid ad es sen sív eis p ecu liares a cad a sen tid o -
P o r ex em p lo , um h o m em o u u m cav alo p articu lar; e 2 ) as su b stân cias seg u n d as, co r, so m , etc., e 2 ) a ap reen são dos « sen sív eis co m u n s» , tais co m o tam an h o e
isto é, as esp écies e o s g én ero s n o s q u ais as su b stân cias p rim eiras estão in clu íd as.
E stas são « afirm a< !as d u m su jeito m as n ão estão p resen tes n u m su jeito » . « A firm a-
d as dum su jeito » refere-se aq u i à relaç'ão d o u n iv ersal ao p articu lar; « P resen tes
num su jeito » àq u ela dum atrib u to ao seu p o ssu id o r: T o d as as categ o rias o u tras 20 I a 29,' 2 3 . E sta d istin ção ex p lícita' en tré as q u alid ad es in d iv id u ais, as q u an tid ad es, etc., e as
q u alid ad es g erais, as q u an tid ad es, etc., 'd as q u a'is são ex em p lo s, 'n ão o co rre, p en so , em A ristó teles.
que a su b stân cia,estão "p resen tes num su jeito » ; alg u m as d as co isas n elas, por
A ten d ên cia g eral, q u er em A ristó teles, q u er n a filo so fia su b seq u en te, fo i a d e n ão estab elecer q u alq u er
,ex em p lo o co n h ecim en to , são « afirm ad as dum su jeito » ; o u tras, tal co m o um a d istin ção en tre o u n iv ersal e o in d iv id u al, ex cep to n a categ o ria d e silb stân cia. C o n tu d o , o P ro L
S to u t (in P roc. of lhe B rit. A cad., v o l. X ) in sistiu recen tem en te n u m a d istin ção p recisam en te
sim ilar. « U m carácter caracterizad o p o r u m a co isa co n creta o u in d iv id u al é tão p articu lar co m o a
co iS a o u o in d iv íd u o p o r ele caracterizad o . S e co n sid erarm o s d u as b o las d e b ilh ar, cad a u m a d elas
p o ~ su i a su a, cir~ u larid ad e p articu lar, sep arad a e d istin ta d a p o ssu íd a p ela o u tra, tal co m o as d u as
b o las d e b ilh ar são , elas p ró p rias, d istin tas e sep arad as» .
21 C ap ítu lo s 5 -9 . O s cap ítu lo s 1 0 -1 5 são v isto s"g eralm en te, co m o ap ó crifo s.'
2 2 A ap reen são sim p les é d esig n ad a 'Jó l1 cn Ç , p o r ex em p lo , n o De An.,
IH, 6 . A su a ex p ressão
18 E ste p o n to d e v ista está b em ex p resso in O . A p elt, B eitráge zur G eschichte der G riechischen
n a 'lin g u ag em é D e In/., 1 6 b 2 7 , 1 7 a 1 7 ; M et., 1 0 5 1 b 2 5 . C o n tu d o , p o r v ezes, ycia-L Ç é
ycinç,
P hi/osophie.
u tilizad o co m o ' eq u iv alen te d a afirm ação e, n o u tras, co m o ab arcan d o a afirm ação ' e a n eg ação .
19 2 a 11.
23 Mel., 1051 b 24.

34 35
A R IS T 6 T E L E S L6GICA

fo rm a, e o s co n co m itan tes (co m o q u an d o a v isão d e u m o b jecto su g ere as su as rem ed eia a u n ilateralid ad e d esta d escrição acrescen tan d o q u e o ju ízo p o d e ser,
q u alid ad es tan g ív eis). A p rim eira esp écie de ap reen são é in falív el, a seg u n d a ig u alm en te, ch am ad o u m a sep aração 34 - a an álise d e co m p lex o s m istu rad o s 35

falív el. A ap reen são d o sig n ificad o d o s term o s d iz-se ser, tal co m o a p rim eira -, b em co m o o reen cad ear, n o to d o o rd en ad o d u m ju ízo , d e elem en to s assim
esp écie d e p ercep ção , in falív el; n em é v erd ad eira n em falsa 24, ou num sen tid o d esco b erto s. M as, n a m ed id a em q u e o ju ízo é d escrito , q u er co m o u m a sín tese
m ais lato d o co n ceito d e « v erd ad e» , é sem p re v erd ad eira 25. P o r v ezes, A ristó te- q u er co m o u m a sep aração d e co n ceito s, a d o u trin a su b jacen te d a ~ erd ad e e da
les fala co m o se a ap reen são d e to d as as en tid ad es, en ten d id as co m o d istin tas do falsid ad e d iz resp eito ao facto d e u m ju ízo ser v erd ad eiro q u an d o lig a d o is
ju ízo q u e as u n e, fo sse d este tip o sim p les e d irecto 26. N o u tra p arte, d escrev e a co n ceito s A , B , o s q u ais são resp ectiv am en te « à sem elh an ça» d e d o is elem en to s
ap reen são d e « en tid ad es sim p les» co m o sen d o d esta n atu reza 27. M as as en tid a- asso ciad o s d a realid ad e A , B ; o u d e ser falso n o s d o is caso s o p o sto s. C o n tu d o ,
d es sim p les d ev em p o ssu ir um dos d o is g rau s de sim p licid ad e. D ev em ser esta co n cep ção g ro sseira d a v erd ad e n ão rep resen ta o m elh o r p en sam en to de
I) in cap azes d e ser am ilisad as em term o s d e m atéria e d e fo rm a (co m o « cô n cav o » , A ristó teles so b re o assu n to . N o u tro lo cal, ab an d o n an d o in teiram en te a n o ção d e
p o r ex em p lo , o é; m as n ão « em p ertig ad o » , q u e im p lica u m a esp écie p articu lar de « co n ceito s» esp arso s n o esp írito , q u e se en co n tram lig ad o s o u sep arad o s u n s d o s(
m atéria - o n ariz) 28; o u 2 ) in cap azes d e ser an alisad as m esm o num elem en to o u tro s, fala d o p en sam en to co m o d irig in d o -se d irectam en te à realid ad e, e afirm a'\
g en érico e d istin to . E stritam en te, só a su b stân cia, a q u alid ad e e as o u tras categ o - sim p les e ju stam en te q u e o ju ízo é v erd ad eiro q u an d o co lo ca actu alm en te u n i-
J i./"--

rias o u s u m m a genera são sim p les n este sen tid o m ais co m p leto 29. S e lev arm o s d o s, elem en to s d o real q u e o são d e facto ; o u actu alm en te d iv id id o s elem en to s I
a sério a lin g u ag em d e A ristó teles q u an d o este afirm a q u e é a ap reen são d as q u e tam b ém o são d e facto 36. D izer isto é afirm ar, n u m certo sen tid o ,. u m p o n to
en tid ad es sim p les q u e co n stitu i a ap reen são sim p les, seg u e-se q u e a ap reen são de d e v ista co rresp o n d en te d a v erd ad e, m as sem a fazer d ep en d er d a id eia d e u m a
to d as as o u tras en tid ad es, d esd e q u e en v o lv a o reco n h ecim en to d e u m a u n ião d e estru tu ra d e p en sam en to , a q u al co p ia actu alm en te a estru tu ra d a realid ad e.
fo rm a e d e m atéria, o u p elo m en o s d e g én ero e d e d iferen ça, é u m ju ízo im p lí- N o que d iz resp eito à p ro p o sição o u à ex p ressão d o ju ízo n as p alav ras,
cito , tal co m o a d efin ição cau sal d e u m term o é u m silo g ism o im p lícito 30. M as A ristó teles co m eça p ela an álise p lató n ica da frase num su b stan tiv o e num
esta d o u trin a n ão ap arece no O rganon. A í, a ap reen são sim p les d e q u a lq u e r v erb o 37. N o en tan to , p ro ced e d e m o d o a estab elecer as su as p ró p rias d efin içõ es e
en tid ad e é d istin ta d o ju ízo ~ d istin çõ es. U m su b stan tiv o é « u m so m , o q u al p o ssu i u m sig n ificad o estab ele-
cid o p o r co n v en ção , sem referên cia ao tem p o , e em q u e n en h u m a p arte to m ad a
p o r si p ró p ria p o ssu i u m sig n ificad o » 38. U m v erb o é o q u e, p ara além d e ex p ri-
~) A P R O P O S IÇ Ã O m ir; co m o o su b stan tiv o , um sig n ificad o d efin id o , p o ssu i um a referên cia ao
tem p o e in d ica alg o afirm ad o d e q u alq u er o u tra co isa 39.

e ln te r p r e ta tio n e e ressa u m a v isão fran cam en te « rep resen tativ a» do P ara além d o su b stan tiv o e d o v erb o , A ristó teles reco n h ece o u tro s elem en -
co n h en to . A s af d a alm a são « sem elh an ças d as co isas» 31. D e aco rd o to s q u e, à falta d e m elh o res d esig n açõ es, ch am a d e « su b stan tiv o in d efin id o » e de
co m este p o n to d e v ista, o ju ízo é d escrito , n ão co m o a ap reen são d e co n ex õ es na « v erb o in d efin id o » (p o r ex em p lo , n ã o -h o m e m , n ã o -d Ó I) - in d efin id o s d ev id o a
realid ad e, m as co m o o estab elecim en to d e co n ex õ es (o u , n o caso d o ju ízo n eg a- p o d erem ser d ito s" d e q u alq u er esp écie de co isas, "q u er ex isten tes q u er n ão
tiv o , d e d iv isõ es) en tre estas afeccõ es d a alm a, as q u ais são tam b ém d esig n ad as ex isten tes 40. ODe ln te r p r e ta tio n e , q u e traça co m u m in teresse ap aix o n ad o as
« co n ceito s» 32. E , d ev id o ao facto d e a sep aração d e A e B p o d er ser v ista co m o a v aried ad es lin g u ísticas p o ssív eis d a p ro p o sição , o cu p a-se m u ito co m estas fo r-
co n ex ão d e A en ão -B , to d o o ju ízo , tan to n eg ativ o co m o afirm ativ o , é d escrito m as, m as A ristó teles d á-se co n ta d a p o u ca im p o rtân cia, n a v id a d o esp írito , da
n o D e A n im a 33 co m o u m a « co n ex ão d e co n ceito s co m o se fo ssem u m » "- co m o n eg ação p u ra, e n o s seu s o u tro s trab alh o s d e ló g ica estas fo rm as são q u ase
seo ju ízo co n sistisse "em lig ar co n ceito s até aí esp arso s n o "esp írito . A ristó teles co m p letam en te ig n o rad as". "

24 1 0 2 7 b 2 7 ; D e In /., 16 a 10.
25 M e t., 1 0 5 1 b 2 4 , 1 0 5 2 a "I; D e A n .; 4 3 0 b 2 8 .
26 D e I m ., 16 b 27, 17 a 17.
27 M e t., 1027 b 27, 1051 b 17.
34 430 b 3.
28 D e A n ., 4 2 9 b 1 4 , 4 3 0 b 3 0 , 4 3 1 b 1 3 ; M e t., 1 0 2 5 b 3 1 , 1 O ~ 5a 2 6 .
35 C f. P h y s ., 1 8 4 a 2 1 -b 1 4 .
29 1 0 4 5 a 3 6 ," "
36 M e t., 1 0 5 1 b 3 ; cf. 1 0 1 1 b 2 7 .
30 A n . P o s t., 7 5 b 3 2 , 9 4 a 2 , 1 2 .
37 1 6 a 1 7 , 1 7 a 1 0 , 1 9 b 1 0 ; cf. P I., S o p h ., 2 6 1 seg s.
31 16 a 7.
38 16 a 19 seg s.
32 Ib id ., 9 -1 4 .
"39 1 6 b 6 -8 , 1 9 -2 1 .
33 430 a 27.
" 40 1 6 a 3 0 -3 3 , b 1 2 -1 5 .

36
37
A R IS T Ó T E L E S L Ó G IC A

o que o cu p a so b retu d o A ristó teles no D e ln te r p r e ta tio n e é o traçar d as p o ssu in d o u m m esm o p eso q u e o su jeito o u o p red icad o , m as ap en as afirm a ser
o p o siçõ es p o ssív eis en tre p ro p o siçõ es. C o n sid era o ju ízo ex isten cial co m o a ela sim p lesm en te a ex p ressão d o acto d e assev erar u m a co n ex ão , d istin tam en te
fo rm a p rim o rd ial. A qui o b tém as seg u in tes v aried ad es p o ssív eis: d o s elem en to s d a realid ad e cu ja co n ex ão é assev erad a. N os P r im e ir o s A n a líti-
c o s , que rep resen tam o p en sam en to m ais m ad u ro d e A ristó teles, a có p u la ap a~
Um (i. e . , alg u m ) h o m em ex iste.
rece (co m o fo i ex p resso em term o s felizes) co m p letam en te sep arad a do
Um h o m em n ão ex iste.
p red icad o . Q u an d o as p ro p o siçõ es são co n sid erad as co m o p rem issas d e silo -
Um n ão -h o m em ex iste.
g ism o , q u e é o p o n to d e v ista d o s P r i m e i r o s A n a l í t i c o s , to rn a-se n ecessário em
Um n ão -h o m em n ão ex iste 41.
q u a lq u e r p ro p o sição u m p red icad o q u e p o ssa to rn ar-se o su jeito d e o u tra p ro p o -
(A s o u tras v aried ad es q u e ap arecem q u an d o lem o s to d o p ara IX tam b ém são $ ição ; e, em co n seq u ên cia, A ristó teles fo rm u la to d a s as p ro p o siçõ es so b a fo rm a
n o tad as.) Toda a p ro p o sição sim p les d o tip o su b stan tiv o -v erb o , fo rn ece as m es- 'A é B ' ou 'B p erten ce a A' 46.

m as v aried ad es: > .7 A d iv isão fo rm al p rim ária d o s ju ízo s é a su a d iv isão em afirm ativ o s e
n eg ativ o s. A afirm ação e a n eg ação são g eralm en te tratad as co m o co o rd en ad as,
Um h o m em an d a.
m as por v ezes a afirm ação é d escrita co m o an terio r à n eg ação 47. C om isto
Um h o m em n ão an d a.
A ristó teles n ão p reten d e afirm ar ser ela p sico lo g icam en te an terio r. A n eg ação
U m n ão -h o m em an d a.
n ão é a rejeição dum a afirm ação p rév ia. É a rejeição d u m a co n ex ão su g erid a,
Um n ão -h o m em n ão an d a 42.
m as tam b ém é v erd ad e, d e ig u al m o d o , q u e a afirm ação é a aceitação dum a
M as h á u m o u tro tip o d e p ro p o sição 43 q u e ad m ite u m a m aio r v aried ad e de co n ex ão su g erid a 4S • As d u as atitu d es são co lo cad as ao m esm o n ív el, b em
fo rm as: co m o a acção d e p esq u isar e a d e ev itar 49. C o n tu d o , A ristó teles tin h a, p ro v a-
v elm en te, três razõ es p ara aceitar a afirm ação co m o an terio r. I) É m ais sim p les
Um h o m em é ju sto .
q u an to à fo rm a lin g u ística. 2) U m a co n clu são n eg ativ a ex ig e u m a p rem issa
U m h o m em n ão é ju sto .
afirm ativ a, en q u an to u m a co n clu são afirm ativ a n ão req u er, n em p o d e co m p o r-
Um h o m em é n ão -ju sto .
tar, um a p rem issa n eg ativ a 50. (N o en tan to , um a n eg ação n ão p o d e fu n d ar-se
Um h o m em n ão é n ão -ju sto .
num a b ase p u r a m e n t e afirm ativ a; um a co n clu são n eg ativ a d ev e p o ssu ir, em
Um n ão -h o m em é ju sto .
to d o o caso , u m a p rem issa n eg ativ a. E , d esse m o d o , d ev em h av er'aí, n ecessaria-
Um n ão -h o m em n ão é ju sto .
m en te,. n eg açõ es ú ltim as in d em o n stráv eis n ão m en o s d o q u e afirm açõ es, n o m ea-
Um n ão -h o m em é n ão -ju sto .
d am en te, aq u elas q u e .ex p ressam a ex clu são m ú tu a d o s. s u m m a genera ou
Um n ão -h o m em n ão é n ão -ju sto .
categ o rias 51 ). 3 ) A afirm ação p o ssu i m ais v alo r d<? que a n eg ação p o is fo r-
P ro p o siçõ es d o tip o d e 'u m h o m em é ju sto ' são p ro p o siçõ es n as q u ais « o é é n ece-n o s m ais in fo rm ação so b re o seu su jeito do que a n eg ação 52.

u m terceiro elem en to afirm ad o em ad ição » , « u m ,terceiro su b stan tiv o -o u -v erb o A ristó teles ev ita d o is erro s que o s ló g ico s p o sterio res têm m u itas v ezes
acrescen tad o ao s o u tro s d o is» . U m hom em e ju s to são as « co isas su b jacen tes» , e co m etid o . I) R ep u d ia to d a a ten tativ a d e red u zir a n eg ação à afirm ação d i-
o é é um a « ad ição » 44. A ristó teles lu ta aq u i - n ão co m m u ito su cesso - co m a zen d o q u e 'A n ão é B ' sig n ifica realm en te 'A é n ão -B ' - co m o se p u d éssem o s
n o ção d e có p u la. E stá co n scien te d a d istin ção en tre o é ex isten cial e o co p u la- ev itar a n eg ação « co m eçan d o por n eg ar e, en tão , afirm an d o o q u e já n eg á-
tiv o 45. M as n ão tem aÍn d a n en h u m a id eia m u ito clara d as su as relaçõ es. V ê que m o s» 53. E 2) n ão reco n h ecê o ju ízo « in fin ito » co m o um a esp écie p aralela do
a an álise d a p ro p o sição em term o s d e su b stan tiv o e d e v erb o n ão é sem pre ju ízo afirm ativ o e do n eg ativ o ; 'A é n ão -B ' é~ n o seu p o n to d e v ista, um a
su ficien te. M as n ão faz n en h u m esfo rço p ara an alisar to d a s as p ro p o siçõ es em afirm ação co m um p red icad o dum a esp écie p articu lar e sem im p o rtân cia 54.

su jeito , p red icad o e có p u la. V ê q u e a có p u la n ão é u m elem en to d a p ro p o sição

46 Isto é b em ev id en ciad o p o r C ase in E n c . B r i t . 11 11, 512.


47 D e I n t., 1 7 a 8 e seg s,; A n . ' P o s t . , 8 6 b 3 3 ~ 3 6 ; M e t . , 1 0 0 8 a 1 6 -1 8 .
48 M e t .: 1 0 1 7 a 3 1 ~ 3 5 .' . .
49 E. N.: 1 1 3 9 a 2 1 seg s.
41 1 9 b 1 4 -1 9 . 50 An. P o s t . , 8 6 b 3 7 -3 9 .
42 2 0 a 3 -1 5 . 51 An. P o s t . , I, 15.
43 Q u e o s ló g ico s p o sterio res 'd esig n aram p o r « p ro p o sição d o 'terceiro ad jacen te» . 52 M e t., 9 9 6 b 1 4 -1 6 .
44 1 9 b 1 9 -2 0 a 3 , 2 1 b 2 6 -3 3 . " 53 B rad l~ y , P r i n c i p i e s o f L o g i c , I, 1 1 L
45 II a 2 4 -3 3 . 54 D e I n / . , 1 9 b '2 4 -3 5 , 2 0 a 2 3 -2 6 ; A n . P r : , 2 5 b 2 2 seg s., 5 1 b 3 1 "3 5 , 5 2 a 2 4 -2 6 .

38 39
A R IS T Ó T E L E S
L Ó G IC A

.--" A su a d iv isão d o s ju ízo s a resp eito d ""q u an tid ad e é seg u in te: I) Ju ízo s sum m a genera -, acrescen ta q u e « o s arg u m en to s e p esq u isas são , n a su a m aio r
so b re um u n iv ersal, que são a) u n iv ersais .o h o m em é b ran co ', ou p arte, so b re co isas d este ú ltim o tip o » . O D e In te r p r e ta tio n e , q u e co n sid era o
b) n ão -u n iv ersais - 'ex iste um h o m em b ran co ' .o u 'alg u m h o m em é b ran co '; ju ízo em si p ró p rio , reco n h ece o ju ízo sin g u lar co m o u m a esp écie in d ep en d en te;
2 ) ju ízo s so b re in d iv íd u o s - 'S ó crates é b ran co ' 55. E stas três esp écies n ão fo r- o s P r im e ir o s A n a lític o s , q u e co n sid eram o s ju ízo s so b .o p o n to d e v ista d o seu
m am um a escala d ecrescen te d e g en eralid ad e; o ju ízo n ão -u n iv ersal so b re um v alo r n o racio cín io , d ão co n ta d o facto q u e o racio cín io cien tífico co m o d ia-
u n iv ersal é v erd ad eiro m esm o se h o u v er, por ex em p lo , ap en as um h o m em léctico d iz resp eito , n a su a m aio r p arte, a classes e n ã.o a in d iv íd u .o s.
b ran co . O s ju ízo s so b re u n iv ersais e o s ju ízo s so b re in d iv íd u o s são d e esp écie .-~ lé~ lid ad e e d a q u an tid ad e d o s ju ízo s, A ristó teles co n sid era as
d iferen te d e en tid ad e 56. E stájá aq u i im p lícita a d o u trin a dos Segundos A n a líti- su s ffiÕ d a1 id ad es. m eçan d o , co m o é h áb ito , n ão p elas d istin çõ es m etafísicas,
c o s , n a q u al o u n iv ersal é p en sad o co m o alg o d e p u ram en te n ã.o q u an titativ o . m as S Im p o r aq u elas q u e se m an ifestam n .o u so o rd in ário d a lin g u ag em , d istin -
P o r o u tro lad o , o ju ízo n ão é p en sad o co m o ex p ressan d o a in clu sã.o d o su jeito g u e o s ju ízo s 'A é B ', 'A d ev e ser B ', 'A p o d e ser B ' 63. M as o s d .o is ú ltim .o s tip .o s
n o p red icad .o , m as m ais a caracterizacão d o su jeito p elo p red icad o . O p red icad o são , n o m esm o in stan te, co n sid erad o s ju íz.o S d e seg u n d a .o rd em . S ão red u zid .o s
n u n ca é q u an tificad o e, em p articu lar, q u an d o A ristó teles ten ta ju stificar e às fo rm as 'É n ecessário q u e A seja B ', 'É p o ssív el q u e A seja B ', e sã.o co o rd en a-
estab elecer as reg ras d a co n v ersão 57, n u n ca se refere, co m o o faz a ló g ica fo rm al, d o s c.o m a fo rm a 'É v erd ad e q u e A seja B ' 6 4 . A n o çã.o d e p o ssív el co m p reen d e
à d istrib u ição ou n ão -d istrib u ição d o p red icad o . É só q u an d o ch eg a ao silo - d o is m o m en to s. O p o ssív el d ev e ser alg o q u e n ão en v .o lv a q u alq u er co n seq u ên cia
g ism o que o p o n to d e v ista d o ju ízo d e « in clu são » é p o sto em ev id ên cia 58, e im p o ssív el; m as d ev e ser tam b ém alg o cu jo c o n tr á r io n ão é n eces:;ariam en te
q u an d o p assa do silo g ism o à d em o n stração , ele d esap arece de novo. falso 65. C .o n tu d o , n ão é o co n trad itó rio d o im p o ssív el. É aq u ele q u e n ão é n em
N os P r im e ir o s A n a lític o s 59 en co n tram o s um a classificação d iferen te dos im p .o ssív el n em n ecessário e, em co n sid eração d a ú ltim a característica, 'A p o d e ser
ju íz.o S , d o p o n to d e v ista q u an titativ o . S ão d iv id id o s em u n iv ersais, p articu lares e B ' é co n v ertid o em 'A pode n ão ser B ' 66. A lg u m as d as d ificu ld ad es n o trata-
in d eterm in ad o s; o s ju ízo s in d eterm in ad o s são aq u eles d o g én ero 'o p razer n ão é m en to aristo télico d o p o ssív el resu ltam d o facto d e este seg u n d o m o m en to n a su a
u m b em '. d n d eterm in ad o » p arece ser ap en as u m a d escrição p ro v isó ria d o s ju ízo s n atu reza ser m u itas v ezes p o r si ig n o rad o . A ssim ; q u er 1 ) o n ecessári.o , 2 ) o
que são , realm en te, ou u n iv ersais ou p articu lares, m as n ão são claram en te n ão -n ecessári.o e 3 ) o cap az-d e-ser são d ito s serem p o ssív eis 67. M as d estes, o
ex p resso s co m o tal. A té q u e esta am b ig u id ad e seja esclarecid a, estes ju ízo s têm , p rim eiro ap en as satisfaz u m a d as co n d içõ es d a p o ssib ilid ad e d e u m a co isa ser:
c.o m o p rem issas d e silo g ism .o , ap en as o v alo r d e ju ízo s p articu lares; e o s P r im e i- n ã.o é im p o ssív el. N ão satisfaz a seg u n d a co n d ição e, assim , ap en as é co n sid e-
r o s A n a lític o s , que p reserv am o p o n to d e v ista silo g ístico , trata-o s co m o tal 60. rad o num sen tid o p o ssív el secu n d ário 68 •. É n u m sen tid .o ig u alm en te im p ró p rio
M as, realm en te, u m ju ízo co é u m b em ' é u m u n iv ersal cien tí- que .o actu al pode ser d ito p o ssív el 69. Q u an d o p assam o s à d istin ção en tre o
fico d o tip o ex am in ad o . s Segundos A n a lític o s , q u al a co m p letu d e q u an ti- n ão -n ecessário e o cap az-d e-ser, v em o s q u e A ristó teles d esig n a p o r este ú ltim o
tativ a do su jeito , ap esar d e In . ,. o e o p o n to fu n d am en tal, e a o s caso s, n o m u n d o d .o acaso e d a m u d an ça, d a p o sse u su al, m as n ã.o in v ariáv el,
fo rm u lação v erd ad eira n ão é 'to d o o A é B ' m as 'A co m o tal é B '. . dum atrib u to p .o r u m su jeito ; e p ela p rim eira, .o s casas n o s q u ais, o u n en h u m a
D ev em o s n o tar q u e .o s P r im e ir o s A n a lític o s n ão reco n h ecem .o ju ízo sin g u - reg ra é su scep tív el d e ap licar-se ao g eral, .o u u m a tal reg ra é ex cep cio n alm en te
lar co m o um a esp écie in d ep en d en te. N a d iscu ssão d as fig u ras d o silo g ism o 61, v io lad a 70. É ex cessiv am en te p en .o so sab er co m rig o r q u an d o A ristó teles p en sa
n en h u m ju ízo sin g u lar ap arece n em co m o u m a p rem issa n em co m o u m a co n clu -. q u e ex iste u m a esfera d e co n tin g ên cias reais n o m u n d a 71. P o r v ezes fala co m .o
sã.o . A razão p ara esta o m issã.o d o ju ízo sin g u lar ap arece num a p assag em 62 na se ad m itisse q u e a n ecessid ad e reg e a m u n d o celeste e a co n tin g ên cia a reg iãa
. q u al A ristó teles, ap ó s ter reco n h ecid a três esp écies d e en tid ad e -in d iv íd u o s, su b lu n ar. M as, m esm a no m undo su b lu n ar, ex istem can ex Õ es n ecessárias - as
. sum m a g e n e r a , e as classes q u e co m p reen d em as in d iv í~ u o s e são in clu íd as nos co n ex õ es erttre u m su jeito e a seu g én ero , assu as d iferen ças e as.sm l.s p r.o p ried a-

63 D e In l.,2 1 a 3 4 -3 7 ; cf. A n . P r ., 2 5 a I seg s., 2 9 b 2 9 -3 2 .


55. D e In r ., 7 . 64. D e In r ., 2 1 b .2 6 -3 3 , 2 2 a 8 -1 3..
56 D e In i., 1 7 a 3 8 ; A n . P r ., 4 3 a 2 5 -3 2 . 65 An. P r ., 3 2 a 1 8 -2 0 ; M e l., 1 0 1 9 b 2 8 -3 0 .
57 A n . P r ., 2 5 a 1 4 -2 6 . 66 P o r ex em p lo , D e In /., 2 1 b 3 5 -3 7 .
58 P o r ex em p lo , n as frases \m o ",o 1\ d 'V a l ,E 'V QÀ.41 "'41 A E !'V a l 67 An. Pr., 2 5 a 3 7 -3 9 .
59 2 4 a 1 7 -2 2 . 68 32 a 20.
602 6 a 2 8 -3 3 . 6 9 M e l., 1 0 1 9 b 3 2 ; D e In r ., 2 3 a 6 -1 8 .
61 A n . P r ., I, 4 -2 2 . 70 An. P r ., 2 5 a 3 7 -b Ili, 3 2 b 4 -1 8 ; D e In l., 1 9 a 7 -2 2 .
62 4 3 a 2 5 -4 3 . 71 C f. p p . 7 5 -7 8 , 8 0 seg s., 1 6 4 , 2 0 1 .

40 41
A R IS T 6 T E L E S
• L 6 G IC A

des .. E, mesmo na região celestial existem contingências - um planeta que está teria podido reconhecer a existência de inferências não-silogísticas tão fortes
aqUI e capaz de estar ali. Mas a contingência que se liga aos corpos celestes, quanto o silogismo - aquelas que implicam, já não a relação de sujeito a
contudo, é apenas uma capacidade de movimento, en'quanto as coisas terres- predicado, mas as relações tais como a igualdade, «à direita de», e outras seme-
tres p~ss~em também a éapacidade de mudarem em qualidade, de crescere~ lhantes; as matemáticas estão cheias de tais inferências relacionais. A d e fin iç ã o
e de dimInuírem, e de virem ao ser e de desaparecerem. aristotélica de silogismo é bastante geral: é «um argumento no qual, certas coisas
Apesar de Aristóteles mencionar na sua lógica estas distinções metafísicas, tendo sido supostas, qualquer coisa de diferente resulta da necessidade da sua
o seu tratame~to actual dos tipos de juízo modal e de silogismo, leva-as pouco verdade, sem ser necessário outro. termo exterior» 77. Mas é suposto, sem prova
em conslderaçao. Contenta-se em observar que os três tipos dejuízo existem, e suficiente 78, que isto só pode acontecer quando uma relação s u je ito - p r e d ic a d o
em analisar as Inferências que se podem extrair por oposição 72 por conver- entre dois termos é inferida de relações s u je ito - p r e d ic a d o entre eles e um terceiro
são 7.' e por silogismo 74. ' termo. A justificação para o ignorar dos outros tipos de inferência referidos
Aristótel,es. não trata os juízo~ h!potéticos e os disjuntivos como tipos distin- acima, na medida em que o pode justificar, resulta do facto de 1) usarem a
tos do categonco. Com efeito, distIngue entre a proposição simples e a com- relação sujeito-predicado tanto como a relação especial em que se fundamen-
plexa 75, mas por esta última designa proposições do tipo 'A e B são C' 'A é B tam; a relação sujeito-predicado é a forma comum a todo o juízo e a todo o
e ~', ou 'A .é B, e C é O'. O seu tratamento da hipótese será estudada com raciocínio e, em consequência, o objecto primordial do estudo lógico; e 2) apesar
maIOr propnedade no capítulo sobre o silogismo. das variedades do silogismo poderem ser completamente exploradas e as suas
regras determinadas definitivamente, qualquer tentativa 'de enumerar todas as
variedades possíveis da inferência relacional está condenada ao fracasso.
O SILOGISMO
É um facto digno de nota que uma grande parte da terminologia de Aris-
tóteles nesta parte do seu trabalho possui um ar matemático -- vxiílJ.G.
. ~ doutrina do silogismo, pode dizer-se com clareza, deve-se inteiramente a
(<<figura»), bLcicr'tT1lJ.G. «<distâ ncia», empregue para a proposição), opOC;
~nstoteles. A palavra cruÀ.À.oYLcrlJ.ÓC; ocorre em Platão, mas não no sen-
(<<limite», empregue para o termo). É no mesmo espírito que representa cada
tido em que .Aristóteles a emprega>e nenhuma tentativa f . a efeito antes
figura do silogismo por uma figurá geométrica diferente, na qual as linhas
del~ no ,sentido de dar uma visão geral do processo Inferência. A tentativa
representam as proposições e os pontos os termos. Mas a terminologia é tirada,
mais prox~ma, talv~z, foi a formulação platónica do pr Ivisão lógica
não da geometria em geral, mas sim da teoria da proporção. Não só é.XDlJ.G. ,
que ~nstoteles deSigna de «silogismo impotente» 7"; mas apenas reside aí u~
bLá.cr'tT1lJ.G., opOC;, mas também ãxpov e .lJ.Écrov eram termos técnicos nesta
.:;!
I
prlI~elro esboço do processo geral de inferência. Se nos interrogarmos sobre
teoria, e podemos admitir que, no pensamento de Aristóteles, as premis-
. S I.'V quais as razões precisas que levaram Aristóteles a tratar dest~ problema, a
sas nas várias figuras - 'A predicado de B, B predicado de C' (primeira
S-\fJ~ . .\ respost.a. d_eve ser provave.lm.ente que o seu primeiro. interesse era o de deslindar figura), 'B predicado de A, B predicado de C' (segunda figura), 'A predicado de
. ~ as condl~o~s fun~a~.entals do conhecimento científico. É o que anuncia como
B, C predicado de B' (terceira figura) - tinham uma certa analogia 79 com as,
\.(~r seu propoSlto no I~ICIOdos P r im e ir ~ s A n a l! tic o s , e o estudo formal do silogismo várias proporções (ou, como as chamaríamos, progressões): 'A: B B : C, 'A - B = =
V
{'rJr'"" C ri"' representa ~ primeiro passo nesta -vIa. Quaisquer que sejam as outras condições
=B -C', etc.
(;0 ~" que deve aInda satisfazer, a ciência deve pdo menos, parece ser dito estar
Nalguns casos, a terminologia de Aristóteles é confusa. O termo que se
r> ' "~I ,o-segura da valid.ade. de cada passo que empreende, e isto é, precisamente: o que
torna o predicado da conclusão é' conhecido, em cada figura, como sendo o
", ).J'V as .re~ras do sl~oglsmo asseguram. Não podemos afirmar que o método de
«primeiro» termo, e. aquele .que se torna o sujeito da conclusão 'como sendo o
v'{) \ Anstoteles.:on~lste no e.stu~o, efec~uado com um grande zelo, do procedimento
«último» termo. Isto 'é devido ao modo como formula a primeira figura, a saber:
~t.et _lflactu,al ~a .clen~_Ia;.se assim tivesse SIdo - se até mesmo tivesse estudado de per-
.;-P ~ ' to so a uruca ~Ienc~a exacta po~ ele (o.u po~ nós) conhecida - teria podido escrever A é verdade (ou não é verdade) de B,
J ,J.lJG- _ -; de forma mUito dIferente. Tena podIdo dIzer mais acerca do método analítico, e B é verdade de C,
. .
. ....
. . . logo, Aé verdade (ou não é verdade), de C, em que A é mencionado pn-
~ . . . . .

meiro ~ C em último.
72 D e I m ., 12.
7) De Im., 13.
74 An. P r ., I. 8-22. 77 An. P r ., 24 b 18-22; cf. T o p ., 100 a 25-27. '
75 D e i m ., 17 a 20-22. 78 An. Pr., I. 23. ,
76 An. P r ., 46 a 33., 79 Somente uma analogia muito geral, claro.

42 43
A R IS T Ó T E L E S L Ó G IC A

N a segunda fig u ra a o rd e m dos te rm o s é: m é d io e, sendo a s s im , nenhum d o s e x tre m o s s e o fe re c e a s i m e s m o in e v ita v e l-


m e n te c o m o s u je ito d a c o n c lu s ã o . Is to é v e rd a d e iro , p e lo m e n o s , quando am bas
B é v e rd a d e (o u não é v e rd a d e ) de A ,
a s p re m is s a s são u n iv e rs a is : nem N enhum A é B , nem Todo o C é B , nem
B não é v e rd a d e (o u é v e rd a d e ) de C ,
N enhum A é C , ou N enhum C é A s e a p re s e n ta m com o a c o n c lu s ã o in e v itá v e l.
lo g o , A não é v e rd a d e de C .
U m a o b s e rv a ç ã o s e m e lh a n te é v e rd a d e ira p a ra os m odos a fir m a tiv o s d a te rc e ira
M as o p re d ic a d o da c o n c lu s ã o (A ) é a in d a cham ado p rim e iro te rm o , p o is q u e fig u ra . O u, p a ra a p re s e n ta r o p ro b le m a de o u tro m odo, n e s ta s duas fig u ra s
ta l é a s u a p o s iç ã o n a p rim e ira ou fig u ra p e rfe ita . e x is te u m a c e rta in a tu ra lid a d e n o s e n tid o e m q u e , e m re la ç ã o a u m te rm o , te m o s
Do m esm o m odo, o p re d ic a d o d a c o n c lu s ã o é cham ado o g ra n d e o u m a io r de m udar a nossa a titu d e e c o n s id e ra r c o m o p re d ic a d o d a n o s s a c o n c lu S ã o o que
e x tre m o , e n q u a n to o s u je ito d a c o n c lu s ã o o pequeno o u m e n o r. E s ta te rm in o lo - a p a re c e com o s u je ito na sua p re m is s a , ou com o s u je ito o que p rim e ira m e n te

g ia a p e n a s é e s trita m e n te a p ro p ria d a no m odo u n iv e rs a l a firm a tiv o d a p rim e ira a p a re c e com o p re d ic a d o . A p a rtic u la rid a d e d a q u a rta fig u ra é q u e n e la c o m b i-
fig u ra , nam os e s te s d o is m o v im e n to s in a tu ra is d o p e n s a m e n to e , p io r a in d a , fa z e m o -lo
g ra tu ita m e n te . N a segunda e n a te rc e ira fig u ra s som os o b r ig a d o s a in v e rte r a
A é v e rd a d e d e to d o o B,
nossa a titu d e em re la ç ã o a um te rm o , s e q u e re m o s o b te r um a c o n c lu s ã o ; na
B é v e rd a d e d e to d o o C,
I m a io r p a rte dos m odos d a q u a rta fig u ra 81, fa z e m o -lo d e s n e c e s s a ria m e n te , um a
lo g o , A é v e rd a d e d e to d o o C.
vez que um a c o n c lu s ã o n a tu ra l das m esm as p re m is s a s é o b tid a p e la p rim e ira
A q u i, A deve te r, p e lo s , m e n o s , ta n ta e x te n s ã o com o C e n o rm a lm e n te te m fig u ra . ' ,

m a is . N os o u tro s m odos, não se supõe q u e o p re d ic a d o d a 'c o n c lu s ã o s e ja ' m a is D o m odo com o A ris tó te le s tra ta a s p re m is s a s e m e x te n s ã o re s u lta o seu não

e x te n ~ o d o q u e o s u je ito , m a s a c o n c lu s ã o é c o n s id e ra d a com o m a lo g ro (q u a n d o re c o n h e c im e n to d a q u a rta fig u ra . S e o s e u fu n d a m e n tu m d iv is io n is d a s fig u ra s


n e g a tiv a ) ou com o sucesso p a rc ia l (q u a n d o p a rtic u la r) dum a te n ta tiv a d e in c lu ir i. fo s s e a p o s iç ã o d o te rm o m é d io , e le te ria s id o o b rig a d o a re c o n h e c e r com o um a
I' q u a rta p o s s ib ilid a d e o c a s o e m q u e é o p re d ic a d o d a p re m is s a m a io r e s u je ito d a
o s u je ito n o p re d ic a d o , e d a í q u e o p re d ic a d o s e ja a in d a d e n o m in a d o d e e x tre m o i'
m a io r. I
t~
m e n o r. M as o s e u fu n d a m e n tu m d iv is io n is é a e x te n s ã o do te rm o m é d io em

A p a rtir e -s e c o n s ta ta r que o p o n to d e v is ta d e A ris tó te le s é aqui


I c o m p a ra ç ã o com o s e x tre m o s , e a q u i e x is te m apenas trê s p o s s ib ilid a d e s : o u te m
~i
l~ rg a m e q u a n tita tiv o . s to re s s a lta c la ra m e n te da sua fo rm u la ç ã o do p rin c í- m a is e x te n s ã o de que um d e n tre e le s e m e n o s d o q u e o o u tro ; ou possui m a is

p IO d a p a - «quando trê s te rm o s e s tã o re la c io n a d o s e n tre e le s d e e x te n s ã o do que am bos; o u te m m enos, do que am bos.


~ o rm a que o ú ltim o e s tá in c lu íd o no m é d io com o um to d o , e o m é d io e s tá -> M as A ris tó te le s não ig n o ra a p o s s ib ilid a d e das in fe rê n c ia s que fo ra m
m c lu íd o , ou não, no p rim e iro com o um to d o , e x is te a í' n e c e s s a ria m e n te um m a is ta rd e c la s s ific a d a s com o os m odos d a q u a rta fig u ra . R econhece im p lic ita -
s ilo g is m o p e rfe ito lig a n d o o m os» 80. A q u i, o s trê s te rm o s s ã o tra ta d o s de m e n te F esapo e F re s is o m quando o b s e rv a que N enhum C é B e Todo (o u a lg u m )

fo rn : a e v id e n te , ~ u a n to 'e x te n s ã o M a s d e v e s e r re le m b ra d o q u e n ã o e s tá a q ~ i a B é A pode s e r, p e la c o n v e rs ã o d a s p re m is s a s , in fe rid o A lg u m A não é C 82. E

te O rIa g e ra l d o J U íz o d e . e le s , m a s s im um a fo rm a p a rtic u la r de ver os re c o n h e c e im p lic ita m e n te B ra m a n tip , C am enes e D im a ris quando o b s e rv a que,
ju íz o s , fo rm a e s ta q u e p e n s a s e r a c o n v e n ie n te quando s e tra ta d e p ro c u ra r o que d a s c o n c lu s õ e s d e B a rb a ra , C e la re n t e D a rii n a p rim e ira fig u ra , Todo o Cé A,
pode ser in fe rid o d e le s . N enhum C é A , A lg u m C é A , podem os, p o r c o n v e rs ã o , o b te r o u tra s c o n c lu s õ e s

E s te p ri~ c íp io q u e ~ c a b a d e s e r fo rm u la d ~ é p a ra A ris tó te le s o p rin c íp io no re s p e c tiv a m e n te : A lg u m A é C , N enhum A é C e A lg u m A é C 83. T e o fra s to

qual s e b a s e l~ to d o . o s ilo g is m o . C om e fe ito , a s o u tra s fig u ra s não tê m p a ra si tra ta e s te s c in c o s m o d o s 'c o m o m o d o s a d ic io n a is d a p rim e ira fig u ra . D a í fo i u m
. q u a l~ u e r ,v a lId a d e In d e p e n d e n te da p rim e ira . As c o n c lu s õ e s que se podem pequeno passo a té a o tra ta m e n to , p o r G a le n o , dos m odos d a q u a rta fig u ra . M as

e x tra Ir d e la s n ~ o s e ~ e g u e m d ire c ta m e n te d a s p re m is s á s , m a s d e p ro p o s iç õ e s que fo i u m passo q u e e n v o lv e u a adopção de um n o v o fu n d a m e n tu m d iv is io n is d a s


s e lh e s e g u e ~ lm e d la ta ~ e n te e que e s tã o c o n fo rm e s à s c o n d iç õ e s d a p rim e ira fig u ra s .
fig u ra , quer d iz e r, a o d lc tu m de om ni e t n u llo a c im a fo rm u la d o . É d is c u tív e l s e A o tra ta r da p rim e ira fig u ra , A ris tó te le s a p e rc e b e -s e q u e a d is c rim in a ç ã o

A ris tq t~ le s e s tá c e rto ao negar re c o n l;ie c e r a segunda e a te rc e ira fig u ra c o rn o d a s fig u ra s v á lid a s e n ã o v á lid a s é um a q u e s tã o d e in tu iç ã o d ire c ta - o u s e ja ,

m odos In d e p e n d e n te s d e a rg u m e n to . No to d o , não p a re c e . A p rim e ira fig u ra q u e n o s a p e rc e b e m o s im e d ia ta m e n te q u e n a lg u n s cas~ s seseguc u m a c o n C lu s ã o e

p a r.e c e s e r s u p e rio r à s o u tra s , não p e lo fa c to de ser m a is d ire c ta , m as por ser n o u tro s não. A v a lid a d e dos m odos v á lid o s n a s o u tra s fig u ra s é p ro v l,\d a a lg u -

m a is n a tu ra l. N e la , o .m o v im e n to do p e n s a m e n to p ro c e s s a -s e num a m esm a
d i~ e c ç ã o - d~ te rm o m e n o .r. a o m a io r a tra v é s do m é d io . N a segunda fig u ra
81 B ra m a n tip , C a m e n e s , D im a ris .
e X is te u m m o v im e n to a p a rtIr de cada um d o s e x tre m o s e m d ire c ç ã o a o te rm o
82 An. P r., 2 9 a 1 9 -2 6 .
80 A n . P r ., 2 5 b 3 2 -3 5 . 83 5 3 a 3 -1 2 ,

~ "A C lT O L ~ ::)
44 45
'; '. '
Il!lUOTECA U t,m :F .R sn .Ã R III
A R IS T Ó T E L E S

m as v ezes p o r co n v ersão , o u tras p o r r e d u c tio a d im p o s s ib ile , o u tras p o r « ex p o si-


I
J
co n clu são
silo g isticam en te)
de que
que
d aí resu lta
A lg u m
alg o
C n ão
falso
é A.
d e) T o d o o C é A , co n clu ím o s
L Ó G IC A

(n ão

i
ção » 84. A n atu reza d este ú ltim o p ro ced im en to é a seg u in te: se, p o r ex em p lo ,
2 ) A p ro v a o rd in ária e x h y p o th e s i tam b ém se d iv id e em d u as p artes. T en d o
Todo o S é P e Todo o S é R , « to rn ai» u m d o s S , p o r ex em p lo N , e en tão N será.
d e se p ro v ar u m a certa p ro p o sição , « in tro d u z-se» o u « su b stitu i-se» esta p o r u m a
sim u ltan eam en te P e S, de m odo q u e a co n clu são A lg u m R é P será co n fir-
m ad a 85. O ap elo aq u i n ão é à ex p eriên cia actu al m as à im ag in ação ; n ão p arece I o u tra de
in tro d u zid a
um a p ro v a
é d em o n strad a
m ais faC ilm en te
por silo g ism o ;
d em o n stráv el.
b) a p ro p o sição
E n tão a) a p ro p o sição
o rig in al é estab ele-
q u e este tip o d e lig ação ten h a u m g ran d e v alo r 86, e A ristó teles ap en as u sa este
I cid a « p o r aco rd o o u p o r u m a q u alq u er o u tra h ip ó tese» 90. Q u er d izer, a seq u ên -
arg u m en to
v álid o s me
p ara
.
co n firm ar a v alid ad e
são ou p ela
dos m odos
r e d u c ti
q u e p o d em ser p ro v ad o s
. ile .
serem
I cia d a p ro p o sição
m ero aco rd o en tre
o rig in al
p esso as
p ara a p ro p o sição
q u e arg u m en tam ,
in tro d u zid a
q u er dum a
d ep en d e,
nova
q u er
h ip ó tese.
dum
No

I
D o' silo g ism o s p u ro s ssa ao s '---;;g lsm o s m o d ais. x am in a co m o
p rim eiro caso estam o s p eran te a co n tin g ên cia, sen d o n ela q u e p en sa A ristó te-
m áx im o - s que pode tir rtir d as co m b in açõ es
les 91, e o arg u m en to e x h y p o th e s i é, p o r co n seg u in te, p ara ele, essen cialm en te
d e p rem issas ap o d ícticas co m p rem issas ap o d ícticas, d e p rem issas ap o d ícticas
u m arg u m en to d ialéctico e n ão cien tífico . M as q u an d o a seq u ên cia n ão d ep en d e

i
co m p rem issas assertó ricas, d e p rem issas p ro b lem áticas co m p rem issas p ro b le-
dum m ero aco rd o , m as dum a co n ex ão real, o arg u m en to e x h y p o th e s i pode
m áticas, d e p rem issas p ro b lem áticas co m assertó ricas, e d e p ro b lem áticas co m
ap ro x im ar-se d a co n clu siv id ad e q u e ap en as p erten ce p len am en te a u m a d as su as
ap o d ícticas 87. E x istem erro s de ló g ica fo rm al n esta p arte da su a o b ra, e a
fo rm as, a r e d u c tio a d im p o s s ib ile .
d o u trin a d o s silo g ism o s m o d ais é m u ito sim p lificad a e m elh o rad a p ela ad o p ção ,
A ristó teles está co n scien te d a o b jecção q u e tem sid o ' feita ao siio g ism o 92,
por p arte de T eo frasto , do p rin cíp io seg u n d o o q u al « a co n clu são seg u e a
I isto é, q u e im p lica u m a p e titio p r in c ip iL S e arg u m en to q u e 'T o d o o B é A , To-
p rem issa
são é n eg ativ a
m ais fraca» ,
e, q u an d o
isto é, tal co m o q u an d o
um a p rem issa
u m a p rem issa
é p articu lar,
é n eg ativ a
a co n clu são
a co n clu -
é p articu lar, I d o o C é B , L o g o to d o
d e afirm ar que Todo
o C é A ', p o d erão
o B é A a m en o s
o b jectar-m e
q u e já saib a
q u e n ão ten h o
q u e o C (q u e
o d ireito
é um dos
tam b ém , q u an d o um a d as p rem issas é assertó rica, n ão p o d em o s tirar u m a co n -
elem en to s d e B ) é A , e q u e n ão ten h o o d ireito d e afirm ar que Todo o C é B a
clu são ap o d íctica, e q u an d o , um a p rem issa é p ro b lem ática, n ão p o d em o s ex -
m en o s que já saib a que C é A (o q u e está im p lícito no seu ser B ). E stas'
. trair sen ão um a co n clu são p ro b lem ática.
o b jecçõ es assen tam em p o stu lad o s errad o s. I) A p rim eira rep o u sa n o p o stu lad o
V im o s que A ristó teles n ão trata a p ro p o sição h ip o tética co m o u m tip o à
seg u n d o o q u al a ú n ica m an eira d e sab er q u e T o d o o B é A é ex am in ar to d o s os
p arte d e p ro p o sição . D aq u i seg u e-se q u e A ristó teles n ão p o ssu i um a teo ria do
caso s d e B . A o en co n tro d este p o n to d e v ista, A ristó teles tem co n sciên cia d e q u e,
silo g ism o h ip o tético em co o rd en ação co m o s categ ó rico s. C o n tu d o , reco n h ece
em certas m atérias (p o r ex em p lo n as m atem áticas), u m a v erd ad e u n iv ersal pode
d u as fo rm as d e « arg u m en to s e x h y p o th e s i» 88. I) P o d em o s to m ar p rim eiram en te
ser estab elecid a p ela co n sid eração dum ex em p lo iso lad o - q u e a u n iv ersali-
a r e d u c tio a d im p o s s ib ile , p o r ele d iv id id a em d u as p artes - u m a n a q u al u m a
d ad e g en érica é d iferen te d u m a en u m erativ a. 2 ) A seg u n d a o b jecção rep o u sa no
co n clu são falsa é d ed u zid a p o r silo g ism o , e u m a em q u e a p ro p o sição a p ro v ar
p o stu lad o seg u n d o o q u al, p ara se sab er que Todo o C é B , tem tam b ém de
é-o e x h y p o th e s i 89. A h ip ó tese aq u i referid a é a h ip ó tese a p artir d a q u al a fal-
se sab er q u e C p o ssu i to d o s o s atrib u to s en v o lv id o s n o ser B . E sta o b jecção é por
sa co n clu são é d ed u zid a (isto é, a p ro p o sição o p o sta à p ro p o sição a p ro v ar).
ele rejeitad a atrav és d a sú a d istin ção en tre p ro p ried ad e e essên cia. E n tre os
O .p o n to d e v ista d e A ristó teles é q u e a in ferên cia de que um a p ro p o sição , de
atrib u to s n ecessariam en te en v o lv id o s n o ser B , d istin g u e u m certo lo te d e atrib u -
cU Jo o p o sto se seg u e alg o falso silo g isticam en te, é v erd ad eira, n ão é ela m esm a
to s fu n d am en tais, o s q u ais são n ecessário s e su ficien tes p ara d istin g u ir "B d e tu d o
. silo g ística. A ssim , a an álise é a seg u in te: é req u erid o d em o n strar-se, p o r ex em -
<> q u e n ão é B ; e o lh a p ara o s seu s o u tro s atrib u to s n ecessário s co m o d esco lan d o
p lo , q u e d e A lg u m B n ão é A e d e T o d o oB é C se seg u e q u e A lg u m C n ão é A .
d estes, sen d o por eles d em o n stráv eis. P ara sab er q u e C é B , b asta sab er que
a) S u p o m o s que Todo o C é A ; d isto e de Todo o B é C in ferim o s p o r silo g ism o
p o ssu i o s atrib u to s essen ciais de B - o g én ero e as d iferen ças. N ão é n ecessário
que Todo o B é A (q u e se sab e ser falso ); b) ad m itin d o q u e (isto é, ch eg an d o à
sab er q u e p o ssu i as p ro p ried ad es d e B . A ssim , cad a p rem issa p o d e ser co n h e-
cid a in ~ ep en d en tem en te d a co n clu são . E m esm o am b as p o d em ser co n h ecid as
sem que se saib a q u al a co n clu são . P ara tirar um a co n clu são , é p reciso um a
« co n tem p lação co n ju n ta» d as p rem issas, e se n ão as v irm o s n as su as relaçõ es
lI\ú tu as, p o d em o s' ig n o rar a co n clu são e m esm o su p o r u m a su a co n trA ria sem ,
84 • ExO Ecnc;.
85 2 8 a 2 2 -2 6 .
86 N a g eo m etria, a ExO Ecnc; o u ex p o sição d o s d ad o s p articu lares é m u ilo im p o rtan te.
90 4 1 ' a 3 7 -b I.
87 A n . P r ., I, 8 -2 2 .
91 50 a 16-19.
88 An. P r .; 4 0 b 2 5 seg s., 4 1 a 2 2 -b l.
. 92 S ex t: E m p ., P h y r r h . H y p o t., 1 1 , 1 9 5 seg s. C f. M ill, S y s te m 'o f L o g ic , liv ro lI, cap o '3 , ~ 2 .
89 4 1 a 2 3 -2 7 , 5 0 a 2 9 -j2 .

47
46
A R IS T Ó T E L E S L Ó G IC A

I
com isto, violar explicitamente a lei da contradição. A progressão das premissas I
I: mos por vezes, a descrição da indução, nesta passagem baseada numa enumera-
à conclusão é um movimento genuíno do pensamento, a explicação do que ção completa 98, está longe de ser adequada à noção aristotélica de indução tal
estava implícito, a actualização do conhecimento que era apenas potencial 93, como aparece noutros lados. Encontramos numerosos argumentos definidos
E o silogismo distingue-se da p e titio p r in c ip ii pelo facto de enquanto no como indutivos nos quais a conclusão é baseada num ou num pequeno número
primeiro ambas as premissas conjuntamente implicam a conclusão, no último, de exemplos 99. E se, como nos diz, os primeiros princípios da ciência são
uma única premissa é suficiente para tal 94. aprendidos por indução Ilio, é óbvio que proposições duma tal generalidade ~ão
podem estar baseadas sobre uma indução p e r fe ita . Parece, então, que no sentido
de apoiar a sua tese que todo o argumento válido é silogístico 101, Aristóteles
INDUÇÃO, EXEMPLO, ENTIMEMA, REDUÇÃO parece dirigir-se aqui para a descrição da indução em termos que apenas se
aplicam a um caso extremo, aquele em que to d o s os casos particulares dum~
Encontramos repetidamente em Aristóteles uma oposição entre silogismo universalidade são examinados antes de ser tirada uma conclusão sobre o UnI-
(ou dedução) e indução 95 enquanto dois modos fundamentalmente diferen- versal. Deve-se notar que os particulares não são indivíduos, mas espécies - não
tes de progressão no pensamento - o primeiro progredindo do universal para o este homem e aquele cavalo, mas o homem e o cavalo; a indução é geralmente, em-
particular, o último progredindo do particular para o universal; o primeiro, bora não sempre, tratada por Aristóteles como indo da espécie ao género 102. Es-
sendo anterior e mais inteligível por natureza, Q~ms_ºmo mais incómodQ,. o te facto toma-lhe mais fácil o tratamento da indução perfeita como o ideal para
último «mais claro aos nossos olhos», mais persuasivo, mais inteligível em termos o qual tende toda a indução. Com efeito, I) na lógica e na matemática' é possível
de sensação, e acessível a um maior número 96. Nestas condições, é pouco construir disjunções que a p r io r i parecem exaustivas; por exemplo, as dos
surpreendente ver Aristóteles demonstrar que a indução, tal como qualquer triângulos em equiláteros, isósceles e escalenos. Um atributo do triângulo po-
outro argumento científico, dialéctico ou retórico, é no fundo silogística 97. derá, então, ser inferido por indução perfeita se se encontra verificado em cada
A característica da indução é <digar um extremo ao termo médio por intermédio uma das três espécies de triângulo. E 2) sustentando, como o fez, a ideia dum
do outro extremo». Aristóteles ilustra-o do seguinte modo: . número limitado de espécies biológicas fixas, achava possível examinar todas as
'O homem, o cavalo, a mula (C) vivem longamente (A). espécies de animais sem ódio, apesar de não pensar ser possível examinar todos
O homem, o cavalo, a mula (C) são animais sem ódio (B). os exemplos dessas espécies. A indução perfeita de espécie para género pres-
Logo ( s e . B é m e n o s e x te n s o q u e C ) , todos os animais sem ódio (B) devem supõe ,uma indução imperfeita do indivíduo para a espécie.
viver longamente (Ar. _"/ Se considerarmos os argumentos aCtuais apresentados por Aristóteles e
descritos como indutivos, vemos que vão da indução perfeita aos argumentos
Devemos notar ser esta a «indução perfeita» da lógica moderna. O silogismo
nos quais uma regra geral é suportada por referência a apenas um exemplo.
é válido apenas se a premissa menor é convertível simplesmente. Mas, se é assim
A natureza da indução parece ser, para ele, a possibilidade de uma pessoa ser
convertível, a conclusão não possui maior extensão que as premissas. Pode
«guiada» 103 por outra, de um conhecimento particular para um universaL A ne-
então parecer, numa primeira .abordagem, que não possuímos nenhuma infe-
rência real do particular para o universal; mas .isto seria uma crítica errada.
O universal 'todos os animais sem ódio' não é mais extenso que 'o homem, o
cavalo, a mula' (supondo serem estes, todos os animais sem ódio), mas existe 98 68 b 23, 27, 69 a 16; Cf. An. 92 a 37.
P o s t.,
realmente uma progressão real no pensamento, e não apenas ria expressão, 99 Por exemplo, T o p ., 105'a I:H6, 113 b 17 segs., 29-36; M e t. 1025 a 9-11, 1048 a 35-b 4.
, quando' passamos de uma afirmação a Qutra; pois desde o momento em que 100An. P o s t., 100 b 3; E . N.,
1139 b 29-31. '
podemos afirmar que todos os animais sem ódio vivem longamente, 101 A n . P r ., 68 b 9-13. .
102 Por exemplo, T o p ., 105 a 13-16; mas a partir dos indivíduos in T o p ., 103 b 3-6,105 b 25-29,
encontramo-nos mais perto da apreensão duma conexão racional. Contudo,
156 a 4-7; R h e t., 1398 a 32 segs.
apesar da indução perfeita s'er assim menos ineficaz do modo como a representa- '03 E7tá.YELV,E7tá.YECTeCH são empregues por Platão como .«alegação» de testemu-
nho ou exemplos, por ,exemplo e r a t., 420.d 2, R e p ., 364 c 6;'Também em P .A ., 673 a 15, M e t., 995 a 8.
Mas em Aristóteles o complemento do verbo designa, mais usualmente, a pessoa que é «guiada» '--
93 67 a 12-b 11; A n , P o s t.; 71 a 24-b 8, 86 a 22-29.
A n .' P r .,
A n . P ~ s t., 71 'a 21,24, 81 b 5; M e t., .,989 a 33; Cf. PI., P o lit., 278 a 5, e o uso de E1ta.ywy6<; =
94 An, 65 á 10-25.
P r .,
=«atraente». Daqui par~ce resultar o uso deE7tá.YELV sem complemento = «fazer uma indução»,
95 Sobre a indução em Aristóteles cf.Consbruch in A r c h f. G e s c h . d . P h il., V, 302-321;
T o p ., 156 a 4, 157 a 21, 34; e daqui provém o uso de 'tO xa.eóÀ.ov 1:7tá.YEW,ib id ., 108 b 10.
P. Leuckfeld, ib id ., VIII, 33-45; G. E. Underhill in C /a s s o R e v ., XXVIII, ,33-35.
E7ta.YWyi} é utilizado por outros autores (p. ex., Dem. 19. 322) no sentido de «acção de guian>
.9 6 A n . P r ., 68 b 35; A n , P o s to , 72 b 29; T o p ., 105 a 16, .157 a 18.
(aparentementl' nunca no .sentido de «alegar»); Platão emprega E7ta'vaywyi) num sentido
97 An. Pr., lI, 23.
similar, R e p ., 532 c 5.

48 49
A R IS T 6 T E L E S
r
I' L 6 G IC A

I
cessidade de um, de poucos, de muitos ou de todos os exemplos depende da t causas 112. A redução 113 é interessante, pois possui o seu correspondente no
inteligibilidade relativa da matéria à qual se aplica. Quando afirma que os método analítico da matemática, mediante o qual os matemáticos suspendem
primeiros princípios da ciência são apreendidos por indução ou por percep- um teorema a demonstrar em benefício de outro de mais fácil prova, o qual
ção 104, Aristóteles não pretende afirmar residirem aí os métodos fundamental"' conduz à prova do primeiro: mas Aristóteles não indica aqui qualquer sentido
mente diferentes de os apreender. Quando a forma é facilmente separada no da grande importância deste método. Noutro sítio, parece concluir tratar-se do
pensamento da matéria, tal como na matemática, o espírito passa da percepção método típico da descoberta matemática 114.
da verdade num exemplo isolado à certeza da sua aplicabilidade a todos os casos
semelhantes; quando a forma é mais difícil de separar da matéria, uma indução
A LÓGICA DA CIÊNCIA
fundada em muitos exemplos torna-se necessária. Mas em ambos os casos está
envolvida a mesma actividade de «intelecção» 105. No que diz respeito a esta
Quando passamos dos P r i m e i r o s para os S e g u n d o s A n a l í t i c o s , passamos
actividade, Aristóteles nem sempre está de acordo consigo mesmo. Por vezes,
do estudo da forma comum a todo o raciocínio para o estudo dos caracteres que
representa-a como obra de um vouç que, apesar de interior à alma, não faz
diferenciam o raciocínio científico do dialéctico ou, se preferirmos, popular. Os
parte dela, mas é qualquer coisa trazido à alma embriónica desde fora 106.
conteúdos dos S e g u n d o s A n a l í t i c o s podem dividir-se nas seguintes cinco partes
Outras vezes, representa-a como a última fase dum desenvolvimento contínuo a
fundamentais 115; I) Primeiro, Aristóteles infere da natureza da ciência as con-
partir da sensação, através da memória e da experiência 107, e a própria sensa-
dições que devem ser satisfeitas pelas proposições que se co.njugam para forma-
ção é representada como referida já no universal, isto é, como apreendendo um
rem as suas premissas (I, 1-6). 2) Em seguida, demonstra as características
carácter universal no seu objecto, sem, contudo, separar o universal da sua
distintivas da demonstração como tal, isto é, tanto quanto esta pretende mostrar
manifestação individual 108.
porque tais propriedades pertencem aos seus sujeitos (I, 7-34). 3) Em seguida,
Contudo, considerando a teoria da indução de Aristóteles, não nos deve-
examina as características da demonstração considerada como uma d e f i n i ç ã o de
mos deixar influenciar muito pela passagem nos P r o An. 11, 23, apesar de ser esta
propriedades (11, 1-10).4) Na secção seguinte, Aristóteles trata com maior deta-
a única passagem em que trata deste problema com alguma amplitude. Essen-
lhe uma série de temas que foram examinados apenas por alto nas secções prece-
cialmente, a indução é para ele um processo, não de raciocínio, mas de visão
dentes (11, 11-18). Por último, acrescenta ao seu estudo da demonstração uma
directa, mediada psicologicamente por uma revisão dos exemplos particulares,
exposição do processo pelo qual as -p!oposições imediatas que lhe serviram de
Mas nos P r i m e i r o s A n a l í t i c o s o seu interesse por esta sua nova descoberta, o
ponto de partida chegam a ser conhecidas (11, 19).
silogismo, condu-lo ao tratamento da indução como um silogismo e, por conse-
quência, ao tratamento na sua forma menos importante, aquela na qual a re-
visão dos particulares é exaustiva.
-----'/ DEMONSTRAÇÃO
Pouco há a dizer dos outros modos de argumento que Aristóteles reduz à
forma de silogismo 109. O exemplo e o entimema são as formas retóricas,
Todo o ensinamento e toda a aprendizagem, observa Aristóteles, começam
respectiva~ente, da indução e do silogismo 110. O exemplo difere da indução
por um conhecimento prévio. Este conhecimento prévio é.de dois tipos de f~ct~;
(perfeita) I) por não proceder a partir de t o d o s os exemplos; e 2) por acabar por
é conhecimento «de que tais e tais coisas são» ou conheCimento do «que slgm-
aplicar uma conclusão geral a um novo particular 111. O entimema difere do"
ficaa palavra usada». No que diz respeito acertas coisas, sendo absolutamente
silogismo (ou, melhor, do silogismo científico, porque a s u a / a r m a ébastante
claro o sentido das palavras, tudo o que necessita de ser explicitamente pressu-
silogística) por inferir" uma conclusão I) de premissas simplesmente prováveis;
posto é que a coisa é isso; isto é verdade, por exemplo, da lei segundo a qual, a
ou 2) de signos - isto é, por inferir as causas dos efeitos, e não os efeitos das
propósito de toda a coisa, a verdade está ou na sua afirmação ou na sua ne-.
gação. Para outras coisas (por exemplo, o triângulo), basta saber-se explici-

104 E. N ., 1098 a 3; cf. An. P o s t., 78 a 34.


105 An. P o s t., 88 a 12-17. 100 b 3-.15. 112 A n . P o s t .• Il. 27; 'R lr e t.; 1357 a 32.
106 G.A: 736 b 28.
113 ciitexywy1Í, An. P r ., lI, 25. Isto parece confundir-se, em definitivo, com. os silogismos
107 An. P o s t., Il, 19; M e t., A. I.
ex I rI ' p o t h e s i . ap~ar de Aristóteles" não os ter, explicitamente, relacionado. Contudo, tra-
108 A n . P o s t., 87 b 28, 100 a 17.
ta a' ci1tClYWY-r'J" dç "t:o ciÓÚ"Cl"t:O" como uma espécie particular de" argumento ex
109 An. Pr., lI, 24-27.
Ir y p o th e s i.
110 An: P o s t., 71 a 9-11; R lr e t.• 1356 b 2-5.
114 E.. N., 1112 b 20-24. Cf. in fr a , p. 199. "
111 An. Pr., 69 a 16~19.
115 A divisão é de Zabarella.

50 51
ARISTÓTELES LÓGICA

ta m e n te O s ig n if ic a d o d o n o m e , e , p o r is s o , to r n a - s e s u f ic ie n te m e n te ó b v io que a ___
'I E s te s p o n to s d e p a r tid a e x tr e m o s d a c iê n c ia são d e tr ê s e s p é c ie s . I n c lu e m :
c o is a e x is te , sem s e r n e c e s s á r io q u e ta l s e e s ta b e le ç a e x p lic ita m e n te . A r e s p e ito I) o s a x io m a s - a s p r o p o s iç õ e s que devem os conhecer se q u e re m o s conhecer
d e o u tr a s c o is a s , é - n o s e x p lic ita m e n te n e c e s s á r io saber am bas, quer o que o nom e a lg u m a c o is a . E n tr e e s ta s , A r is tó te le s in c lu i, sem d is tin ç ã o , as p r o p o s iç õ e s
s ig n if ic a quer o que a c o is a é . I s to é v á lid o , por e x e m p lo , p a ra a u n id a d e 116. v e r d a d e ir a s do que quer que s e ja , ta l c o m o a s le is d a c o n tr a d iç ã o e d o te r c e ir o
E s ta passagem p o d e -se c o m b in a r com a q u e la n a q u a l A r is tó te le s r e le v a os e x c lu íd o "9; e p r o p o s iç õ e s com uns a v á r ia s c iê n c ia s , m as não sem lim ite s
s u je ito s p o s s ív e is da p e s q u is a c ie n tíf ic a \1 1 . E s te s são: 'o q u e ', 'o p o r q u ê ', 's e a q u a n to a o s e u â m b ito , com o a q u e a f ir m a que um a ig u a ld a d e s u b s is te s e r e tir a r -
c o is a é ', 'o q u e e la é '. N o s c in c o o b je c to s d e c o n h e c im e n to há: I ) o s ig n if ic a d o m os ig u a is de ig u a is - a qual não possui q u a lq u e r s ig n if ic a d o s e .n ã o fo r
dum nom e~ 2) o que o o b je c to c o r r e s p o n d e n te é ; 3 ) o q u e é ; 4 ) o f a c to d e p o s s u ir a p lic a d a a q u a n tid a d e s . De to d o s os a x io m a s , o b se rv a que cada c iê n c ia os
d e te r m in a d a s p r o p r ie d a d e s ; 5 ) a ra z ã o p o r q u e p o s s u i e s s a s p r o p r ie d a d e s . T al é a assum e, não n a su a fo rm a u n iv e r s a l, m a s s o m e n te n a m e d id a e m q u e s e a p lic a m
o rd e m n a tu r a l p e la qual chegam os a o s e u c o n h e c im e n to . A primeira d a s c in c o a o s o b je c to s d a c iê n c ia . E , d a s le is d a c o n tr a d iç ã o e d o te r c e ir o e x c lu íd o , o b se rv a
nunca é um o b je c to d e p e s q u is a , is to p o r q u e to d a ª- l! - t:g } ! ! i~ ª- ~ s ü n i~p üo rl u m a _ que não s ã o n o r m a lm e n te in c lu íd o s e n tr e a s p r e m is s a s d a d e m o n s tr a ç ã o . R a c io -
base d e c o n h e c im e n to , e não e x is te nenhum a b a s e a n te r io r a e s ta . A última c in a m o s , não a p a r tir d e la s , m as de a c o rd o com e la s \2 0 .

I
nunca se rv e de base a p e s q u is a s p o s te r io r e s , is to p o rq u e não e x is te nenhum a O s p o n to s d e p a r tid a d a c iê n c ia in c lu e m 2 ) « te s e s » p e c u lia r e s à s v á r ia s c iê n -
p e s q u is a p o s te r io r a e s ta . É e s ta a ra z ã o p e la q u a l apenas a s q u a tr o ú ltim a s são c ia s . E s ta s s u b d iv id e m - s e e m a) « h ip ó te s e s » , is to é , a s p r e m is s a s a c im a r e f e r id a s , e
nom eadas p o r A r is tó te le s quando e n u m e ra o s o b je c to s d e p e s q u is a , e apenas as q u e a f ir m a m « q u e ta is e ta is c o is a s s ã o o u n ã o » ; e b) « d e f in iç õ e s » , q u e d iz e m o q u e

I
q u a tr o p r im e ir a s são r e f e r id a s quando e n u m e ra o s o b je c to s d e p r e c o g n iç ã o ; e ta l o u ta l c o is a é. A c iê n c ia a d m ite a s d e f in iç õ e s d e to d o s o s s e u s te r m o s , m as
m esm o e n tã o , s ó o s d o is p r im e ir o s s ã o m e n c io n a d o s e x p lic ita m e n te . O p ro c e sso apenas a d m ite a e x is tê n c ia d o s s e u s o b je c to s p r im á r io s (p o r e x e m p lo , a a r itm é -
to ta l d ~ c iê n c ia é , e n tã o , o s e g u in te : com eça p o r f ix a r - s e u m o b je c to d e p e s q u is a , tic a a q u e le d a u n id a d e , a g e o m e tr ia o d a g ra n d e z a e s p a c ia l) , p ro v a n d o a e x is tê n -
c o n h e c id o p e lo nom e. O s nom es, sendo p u r a m e n te s ím b o lo s c o n v e n c io n a is , não c ia d o r e s to . A s s im , e x is te m tr ê s o b je c to s d a c iê n c ia - o g é n e r o ; d o q u a l a d m ite
n e c e s s ita ~ que se in te r r o g u e so b re os seus s ig n if ic a d o s ; b a s ta que e s te s e ja ' a e x is tê n c ia ; os a x io m a s com uns p r e s s u p o s to s p e la p ro v a ; e o s a tr ib u to s , c u ja
e s ta b e le c I d o . E n tã o , a p r im e ir a q u e s tã o é : « E x is te a lg u m a c o is a q u e c o r r e s p o n d a posse p e lo g é n e ro é p ro v a d a p e lo s s ig n if ic a d o s dos a x io m a s . Por o u tr a s p a la -
a e s te nom e?» E s ta deve ser a p r im e ir a q u e s tã o , a te n d e n d o ao f a c to de ser v ra s, a q u ilo a . r e s p e ito do que p ro v a m o s, a q u ilo so b re o qual s e f u n d a m e n ta a
a b su rd o p e r g u n ta r o que é um a c o is a , que p r o p r ie d a d e s p o s s u i, ou por que as p ro v a , e a q u ilo gue p ro v a m o s 121. .

p o s s u i, se não so u b e rm o s que e x is te . Do m esm o m odo, devem os saber o que é ~ O s tr ê s tip o s d e p r o p o s iç õ e s p r e s s u p o s ta s p e la c iê n c ia devem d is tin g u ir - s e
a n te s de p e s q u is a r m o s as suas p r o p r ie d a d e s , p o is que é do c o n h e c im e n to da dum o u tr o tip o que A r is tó te le s não s e p e r m ite p re ssu p o r, a sa b e r, o s « p o s tu la -
sua d e f in iç ã o que p ro v a m o s as suas p r o p r ie d a d e s . E , f in a lm e n te , s e r ia a b su rd o dos», o qual é u m a s u p o s iç ã o c o n tr á r ia à o p in iã o d o a lu n o ( is to é , n ã o u n iv e r s a l-
p e r g u n ta ~ a ra z ã o por que possui c e r ta s p r o p r ie d a d e s se não soubéssem os que m e n te a d m itid o ) , ou um a p r o p o s iç ã o q u e d e v e se r p ro v a d a e m v e z d e a d m itid a .
as p O S S U i. Por o u tr o la d o , devem os ta m b é I ] 1 d is tin g u i- I a s das s u p o s iç õ e s que apenás se r-
A d e m o n s tr a c ã o é um s ilo g is m o c ie n tíf ic o , is to é, um s ilo g is m o que é, de vem p a ra f a c ilita r . a v e r d a d e dum a c o n c lu s ã o , m a s c u ja v e r d a d e n ã o é r e q u e r id a
p a r te a p a r te , c o n h e c i_ m e n to e não o p in iã o . D a í q u e a s p r e m is s a s d a d e m o n s tr a - p e la p ro v a . Por e x e m p lo , a s u p o s iç ã o do g e ó m e tr a de que a lin h a que tr a ç a
ção devam se r: 1) v e r d a d e ir a s , e n q u a n to as do s ilo g is m o em g e ra l podem ser possui um d e te r m in a d o c o m p r im e n to ou é d ir e ita 122. •

f a ls a s . 2 ) P r im á r ia s ,. n o u tr a s p a la v r a s : im e d ia ta s e in d e m o n s tr á v e is ; p o is s e f o s - E s ta e x p o s iç ã o d o s p r e s s u p o s to s d a c iê n c ia p ro v o c a um a c o m p a ra ç ã o com
s e m d e m o n s tr á v e is , n e c e s s ita r ia m d e s e r d e m o n s tr a d a s e , p o r c o n s e q u ê n ç ia , não a s p r e s s u p o s iç õ e s e s ta b e le c id a s p O r E u c lid e s . Ao d e sc re v e r a ~ iê n c ia : c o m o p a :s ~
.p o d e r ia m s e r p r in c íp io s primeiros. 3 ) M a is in te lig ív e is d o q u e a c o n c lu s ã o tir a d a sando do m enos f a m ilia r , m a s m a is in te lig ív e l, p a ra o m a is f a m ilia r , m as m enos
. e a n te r io r e s a e s ta - não n o s e n tid o em que n o s to r n á m o s p r e v ia m e n te cons- in te lig ív e l, A r is tó te le s te m n itid a m e n te e m v is ta um a c iê n c ia q u e já n ã o e s tá no
c ie n te s d e la s na nossa v id a m e n ta l, m as no s e n tid o em que, quando e s ta m o s s e u p r im e ir o e s tá d io , a q u e le da p e s q u is a , m as que s e d e s e n v o lv e u o s u f ic ie n te
c o n s c ie n te s d e la s , p e rc e b e m o s m a is c la r a m e n te a sua v e rd a d e . 4) C ausas da p a ra ser capaz d e s e r e x p o s ta dum a fo rm a c o n tín u a . E o ú n ic o m o d e lo dum a ta l
c o n c lu s ã o , is to é , d e v e m e s ta b e le c e r o s f a c to s que são as causas d o f a c to e s ta b e ~ c iê n c ia que p o s s u ía d ia n te de si e ra o das m a te m á tic a s , e p a r tic u la r m e n te a
le c id o n a c o n c lu s ã o , e , s im u lta n e a m e n te , o nosso c o n h e c im e n to d e la s deve ser a g e o m e tr ia . E u c lid e s é apenas u m a g e ra ç ã o m a is v e lh o q u e A r is tó te le s , e na époc~
causa do nosso c o n h e c im e n to da c o n c lu s ã o 118. -

119 « A n ã o p o d e s e r s im u lta n e a m e n te B e n ã o - B » , « A d e v e s e r B o u n ã o - B ,,:


116 An: Post., I, I. 12072 a 1 6 -1 8 , 7 6 a 3 8 -b 2 , 7 7 a 1 0 -1 2 , 2 2 -2 5 . ..
117 lbid, lI, I. 12t 72 a 1 4 -1 6 , 1 8 -2 4 , 7 6 a 3 2 -3 6 , b 3 -2 2 .
118 Ibid, 7 1 b 9 - 7 2 a 7. 1 2 2 .7 6 b 2 3 - 3 4 , 3 9 - 7 7 a 3 . .

52
I

ARISTÓTELES
LÓGICA

de A ristóteles Ja possuía os seus Elementos de Geometria, os quais apenas


que não pertencem ao seu sujeito, nem segundo a m odalidade a) nem segundo a
aum entou e refundiu. U m facto digno de nota é que quase todos os exem plos de m odalidade b), constituem m eros acidentes ou factos concom itantes. c) P as-
pressuposições e de provas no prim eiro livro dos Segundos Analiticos foram
sando agora das proposições predicativas para as existenciais, A ristóteles acres-
extraídos das m atem áticas 123. É -nos dito expressam ente que a palavra
centa que um a coisa é per se quando não é afirm ada de um sujeito outro que ele
«axiom a» é tirada das m atem áticas 124. O s axiom as de A ristóteles correspondem
m esm o. O s term os «branco» e «andando» im plicam um sujeito outro que eles
às N oções C om uns de E uclides, e o seu exem plo favorito de um axiom a - «se a m esm os, algo que é branco ou está andando. M as um a substância individual
duas igualdades retirarm os elem entos iguais, os restos serão iguais» - é um a das
não pode, de m odo nenhum , ser usada com o predicado, e um a substância
três N oções C om uns que, ao que parece, rem ontam ao tem po de E uclides 125.
segunda apenas pode ser predicado de um sujeito que não é diferente de si, m as
A s ÓPLCTlJ,oL (D efinições) de A ristóteles correspondem aos ÕPOL de E uclides;
sim plesm ente um a espécie ou um m em bro individual. d) E stas proposições são
as H ipóteses de A ristóteles correspondem , de certo m odo, aos P ostulados
per se quando afirm am , não a inerência de um atrib~ to na totalidade de u_m
de E uclides pois, dos cinco P ostulados, dois são, com efeito, P ostulados de
sujeito, m as sim a conexão entre a causa e o seu efeIto. P or outro lado, sao
existência - da existência da linha recta e do círculo 126.
acidentais quando afirm am a m era concom itância entre dois acontecim entos. As
A ristóteles afirm a haver dois erros que assentam num a base com um . P ri-
m odalidades a) e d) são apenas definidas por A ristóteles com o um a form a de
m eiro, o de supor que o conhecim ento im plica, ou um a regressão ao infinito, de
fornecer um a exposição com pleta do sentido de per se. É -nos dito que as prem is-
prem issa cm prem issa, a fim de nada se adm itir que não tenha sido provado; ou
sas da ciência devem ser per se, quer na m odalidade a) quer na b)..
a aceitação de prem issas não provadas e, por conseguinte, desconhecidas.
M as, para ser no sentido estrito universal, um a proposição deve 3) ser
S egundo, o erro que consiste em supor que o conhecim ento é possível m as sob a
verdadeira quanto ao seu sujeito qua ipsum. O predicado deve pertencer ao
form a de um círculo - sendo a verdade reduzida assim a um a m útua im plica-
sujeito, não apenas necessariam ente, m as em virtude da natureza específica do
ção de proposições, das quais nenhum a pode ser conhecida independentem ente
sujeito, não em virtude do carácter segundo que com partilha com as outras
com o verdadeira. A base com um dos dois, erros consiste no adm itir-se que a
espécies, pois apenas deste m odo o' sujeito não conterá nada de irrelevante ao
dem onstração é o único m odo de conhecim ento. C ontra isto, A ristóteles afirm a
predicado. D evem os «exaurir» todo o sujeito que nos é proposto de todas as
o seu princípio de que há prem issas prim eiras que não precisam nem adm item
diferenças irrelevantes até que se chegue àquele sujeito adequado ao predicado.
qualquer dem onstração 127.
As prem issas da ciência são proposições recíprocas ou convertíveis de m odo
------> Q uando conhecem os algo, conhecem os a im l?os_~ ibilidade de iss9~ se.~ .Q e
sim ples. S ó elas possuem a elegância requerida pelo ideal ci~ ntífico 128.
outro m odo e, se as nossas conclusões devem possuir este carácter de necessi-
D estas condições que as prem issas da ciência devem preencher, seguem -se
dade, as nossas prem issas tam bém devem ser necessárias. T al facto im plica que
certas propriedades dessas prem issas. A prim eira de todas diz respeito ao facto
sejam 1) verdadeiras para todas as particularizações do seu sujeito; e 2) que a
de deverem ser próprias ou particulares do sujeito da ciência em questão. Em
relação entre sujeito e predicado deva ser um a relação per se, ou um a relação
prim eiro lugar, não devem ser extraídas de um a outra ciência, pois se ~ ~ eio-
essencial. E xistem quatro casos de per se. a) N o prim eiro tipo, um term o está
-term o' é um universal, isto é, à m edida do género, então não pode constitU Ir-se
contido na essência de um outro e na sua definição. P or exem plo, a linha, na
com o um predicado com ensurável dum outro género. A ssim , as proposições
essência e na definição do triângulo. U m predicado que é per se relativam ente ao
geom étricas não podem ser dem onstradas a partir de prem issas aritm éticas; só
seu sujeito é, neste sentido, a definição, o género, ou a diferença do sujeito.
podem ser dem onstradas se as grandezas espaciais forem núm eros. O s extrem os
b) N o segundo tipo, um term o é um atributo de um outro e com preende essoutro
'e o m eio~ term o devem pertencer ao m esm o género. A s prem issas de um a ciência
na sua definição., P or exem plo, toda e qualquer linha é «direita ou c~ rva", e apenas podem ser usadas por um a outra se a m atéria que constitui o sujeito
«direito" e «curvo» não podem ser definidos sem referência à linha. U m predicado
desta Ú ltim a se ligar ao da prim eira, tal com o acontece com as da óptica e da
que é per se relativam ente ao seu sujeito é, neste sentido, um a propriedade, ou
harm onia, as quais se ligam , respectivam ente, às da geom etria e às da aritm ética.
,um a disjunção estabelecendo propriedades alternativas do sujeito. A tributos
M as, de facto, a óptica não é um a ciência distinta da geom etria, nem a harm onia
da aritm ética. A óptica e a harm onia são sim plesm ente aplicações, respectiva-
m ente, da geom etria e da aritm ética 129. ' ,

123 V er o s cap ítu lo s 7, 9 , 1 0 , 1 2 , 2 7 ; cf. 7 1 a3 , 79 a 18.


124 Mel., 1005 a 20.
125 H eath , HiSI. of Gk. Malh., I, 3 7 6 .
126 Ibid., 374.
127 An. POSI., I, 3 . 128 I. 4 , 5 .
129 I, 7 . C f. p. 7 0 .

54
55
ARISTÓTELES

Em
p a r tic u la r
segundo
não podem
lu g a r , e p e la m esm a
s e r d e m o n s tr a d a s
ra z ã o ,
a p a r tir
as p r o p o s lç o e s
d e p r e m is s a s
de um a c le n c ia
g e r a is . A te n ta tiv a
I
I

I s á r io s
Q uando
e n tr e d o is te r m o s ,
A r is tó te le s
o s q u a is
s e e x p r im e
p r e te n d e m o s
d e s ta fo rm a
lig a r c o m o
e s tá a p e n s a r
s u je ito
n o m é to d o
LÓGICA'

e p r e d ic a d o .
d a c iê n c ia
de B ry so n de r e a liz a r a q u a d r a tu r a do c ír c u lo to m a n d o por base o p r in c íp io [, com o a n a lític o , com o p ro p o n d o -se u m te o r e m a a d e m o n s tr a r o u u m p r o b le m a
segundo o q u a l « a s c o is a s q u e s ã o , r e s p e c tiv a m e n te , m a io r e s e m e n o re s do que ~s d e c o n s tr u ç ã o a r e s o lv e r , e p ro c u ra n d o - q u a is são a s p r e m is s a s r e q u e r id a s , ou
m esm as o u tr a s c o is a s são ig u a is » e s tá in c o r r e c to , p o is e s te p r in c íp io é v á lid o s e ja , as c o n d iç õ e s da s o lu ç ã o . M as, ta lv e z , na m a io r p a r te , pensa n a c iê n c ia
ta n to p a ra n ú m e ro s com o p a ra g ra n d e z a s e s p a c ia is e não le v a em c o n ta a [1 com o s in té tic a , com o p a r tin d o de p r e m is s a s im e d ia ta s e c o m b in a n d o - a s de
n a tu r e z a e s p e c ia l do que c o n s titu i o s u je ito d a g e o m e tr ia . S e g u e -se que o s p r i- r m odo a chegar a c o n c lu s õ e s m e d ia ta s . O p r im e ir o p r o c e d im e n to é , d e f a c to , o
m e ir o s p r in c íp io s p e c u lia r e s a O r n a c iê n c ia não podem s e r d e m o n s tr a d o s , p o is s e li m é to d o d e in v e s tig a ç ã o ; o segundo, o d e e x p o s iç ã o . C o n tu d o , am bos desem pe-
o pudessem se r, ta l só s e r ia p o s s ív e l p a r tin d o de p r e m is s a s g e r a is . Por o u tr o nham um papel no p r o c e d im e n to a c tu a l da c iê n c ia .
la d o ,
são
se g u e -se
p r e m is s a s
que
das
o s « a x io m a s » ,
c iê n c ia s , m as,
que são
m e lh o r ,
«com uns»
p r in c íp io s
a m a is d e u m a
em v ir tu d e
c iê n c ia ,
_ _q
_d_Q ~ u ~ i~ .J l~
não li T endo e m v is ta a s u a c o n c e p ç ã o g e r a l a c e r c a d a n a tu r e z a d a c iê n c ia , A r is tó -

c o n c lu s õ e s su rg e m com o s e g u in d o - s e das p r e m is s a s 130.


í' te le s ,e s tá a p to
e x a c ta e s u p e r io r
a c o lo c a r
a) um a
133 a s c o n d iç õ e s
o u tr a . I s to
d e b a ix o
a c o n te c e
d a s q u a is
I) se u m a
um a
conhece,
c iê n c ia é « m a is
s im u lta n e a -
a id e a l do c o n h e c im e n to c ie n tíf ic o é . d e f in id o m a is a d ia n te m e d ia n te a
f'
m e n te , o f a c to e a ra z ã o e n q u a n to a o u tr a conhece apenas o f a c to - a a s tr o n o -
d is tin ç ã o e n tr e o c o n h e c im e n to do «que», ou' do f a c to , e o do « p o rq u ê » . E s ta m ia , a qual a b a rc a ta n to a m a te m á tic a com o a o b se rv a ç ã o , é s u p e r io r à
d is tin ç ã o pode s e r e s ta b e le c id a : I) n o s lim ite s d e u m a c iê n c ia p a r tic u la r . T em os r
I a s tr o n o m ia o b s e r v a tiv a ; 2) se um a e s tu d a o s c a r a c te r e s a b s tr a íd o s d o s u b s tr a to ,
c o n h e c im e n to do « q u e )), e n ã o do « p o rq u ê » , p r im e ir a m e n te quando as nossas e n q u a n to a o u tr a é c o n c r e ta ; 3 ) s e in v o lv e r poucas p r e s s u p o s iç õ e s . A a r itm é tic a
p r e m is s a s não são im e d ia ta s , m as e la s p r ó p r ia s re q u e re m um a d e m o n s tr a ç ã o . é s u p e r io r à g e o m e tr ia , p o is a u n id a d e n ã o p o s s u i p o s iç ã o e n q u a n to o p o n to s im .
Segundo, quando in f e r im o s a causa d o e f e ito , o r n a is in te lig ív e l d o m a is f a m ilia r . Uma vez que a p e rc e p ç ã o o é apenas d e f a c to s p a r tic u la r e s , nunca pode
Podem os in f e r ir a p r o x im id a d e d o s p la n e ta s d a s u a n ã o c in tila ç ã o , m a s e s ta m o s e x e c u ta r o tr a b a lh o d e d e m o n s tr a ç ã o . S e tiv é s s e m o s e s ta d o n a lu a e v ís s e m o s a
a s s im a in v e r te r a v e r d a d e ir a o rd e m ló g ic a : a causa essendi ta m b é m d e v e r ia ser a te r r a in te r p o r - s e à lu z d o s o l, e s te f a c to n ã o b a s ta r ia p a ra c o n h e c e rm o s a causa
causa cognoscendi. Q uando, ta l c o m o a q u i, o s te r m o s m é d io e m a io r são con- d o s e c lip s e s lu n a r e s . T e r ía m o s c o n s ta ta d o u m a f a lta te m p o r á r ia d e lu z , m a s n ã o
v e r tív e is , podem os s u b s titu ir u m a in f e r ê n c ia d o e f e ito à c a u s a p o r o u tr a da causa c o n h e c e r ía m o s a causa g e ra l do fe n ó m e n o . M as, apesar de A r is tó te le s fa z e r
a e f e ito . M as quando o não são, não podem os p ro c e d e r d e s te m odo, e e s ta m o s r e s s a lta r o s lim ite s d o c o n h e c im e n to p e r c e p tiv o , d á -se c o n ta do papel desem pe-
a s s im lim ita d o s ao c o n h e c im e n to do « q u e ). nhado p e la p e rc e p ç ã o no d e s e n v o lv im e n to d a c iê n c ia 134. Q uando um s e n tid o
2) U m a c iê n c ia p o d e conhecer o « q u e » e o u tr a o « p o rq u ê » . A s m a te m á tic a s f a lh a , ta m b é m a c iê n c ia f a lh a , um a v e z q u e a s v e rd a d e s u n iv e r s a is a p a r tir das
fo rn e c e m a s ra z õ e s p a ra o s f a c to s e s tu d a d o s p e la ó p tic a , h a r m o n ia e a s tr o n o - ç :..I a is p r o c e d e a c iê n c ia s ã o o r e s u lta d o d e u m a in d u ç ã o fu n d a d a n a s p e rc e p ç õ e s
m ia , e m esm o p a ra a lg u n s f a c to s e s tu d a d o s p e la s c iê n c ia s que não lh e são s e n s o r ia is . E m esm o se não conhecem os a s ra z õ e s d a s c o is a s d ir e c ta m e n te p e lo s
« s u b a lte r n a s » , ta l com o a m e d ic in a . A s s im , a q u e le que fo r, s im u lta n e a m e n te , s e n tid o s , é a p a r tir d e le s q u e a s a p r e n d e m o s . A pós um c e r to n ú m e ro de expe-
g e ó m e tr a e m é d ic o e s tá a p to a . e x p lic a r , so b re bases g e o m é tr ic a s , «por que as r iê n c ia s dum f a c to , a e x p lic a ç ã o u n iv e r s a l m a n if e s ta - s e e m n ó s p o r u m a c to da
f e tid a s c ir c u la r e s c ic a tr iz a m m a is le n ta m e n te do que as o u tr a s » 131.
ra z ã o in tu itiv ~ 135. A r is tó te le s re c o n h e c e c la r a m e n te a im p o r tâ n c ia a im a g in a -
A c r e s c e n ta r e m o s que a im p o s s ib ilid a d e de a tin g ir - s e o c o n h e c im e n to do ção c ie n tíf ic a , m e d ia n te a qual nos « a p e rc e b e m o s in s ta n ta n e a m e n te do m e io ~ _
« p o rq u ê » d e v e -se à v io la ç ã o de um a ou d e o u tr a das duas re g ra s p r e v ia m e n te - te r m o » 136 _ /

e s ta b e le c id a s no que d iz r e s p e ito à s p r e m is s a s d a c iê n c ia --a sa b e r, que devem . N o f im d o p r im e ir o liv r O d o s Segundos Analíticos 137, A r is tó te le s c o n c e n tr a -


s e r im e d ia ta s e m a is in te lig ív e is q u e a c o n c lu s ã o . a c o n h e c im e n to do «que» não é, a S U a a te n ç ã o r ia d is tin ç ã o , ~ u ito im p o r ta n te p a ra si com o p a ra P la tã o , e n tr e o
a s s im , a c iê n c ia p r o p r ia m e n te d ita ; a c iê n c ia p r o p r ia m e n te d ita é u m s is te m a no c o n h e c im e n to e a o p ~ n iã o . P r im e ir o , d is tin g u e - a s a p o n ta n d o a d if e r e n ç a e n tr e o s
qual tu d o o que é c o n h e c id o , s a lv o o s p r ó p r io s p r im e ir o s p r in c íp io s , é -o c o m o s e u s o b je c to s . a c o n h e c im e n to é d o â m b ito d o n e c e s s á r io , a o p in iã o d o d o c o n tin -
s e g u in d o - s e n e c e s s a r ia m e n te dos p r im e ir o s p r in c íp io s . g e n te , do v e r d a d e ir o q u ~ - p o d e s e r f a ls o ou do f a ls o que pode s e r v e r d a d e ir o .
Uma v e z q u e a s p r e m is s a s d a c iê n c ia devem s e r im e d ia ta s , a d e m o n s tr a ç ã o N in g u é m , o b se rv a e le , d ir á q u e p e ~ s a q u e A é B , q u a n d o pensa que A não o pode
c ie n tíf ic a pode s e r r e p r e s e n ta d a com o tr a ta n d o - s e de um p ro c e sso d e « e m p a c o ta -
m e n to » 132, is to é , c o m o c o n s titu in d o U m a in te r p o la ç ã o - d e m e io s - te r m o s neces-

133 An. Post., I , 2 7 .


134 C f . De Caelo, 2 9 3 a 2 5 -3 0 , 3 0 6 a 5 -1 7 ; De Gen. et Corr., 3 1 6 a 5 -1 0 .
130 1 ,.9 , li, 77 a 1 0 -1 2 , 2 2 seg s. 135 An. Post., I , 3 1 .
131 An. Post., I, 1 3 . 136 I, 3 4 .
132 79 a 30, 84 b 35. 137 I, 3 3 .

56 57
A R IS T Ó T E L E S L Ó G IC A

ser de outro m odo. E ntão, dirá que sabe que A é B . M as, podem os dizer, que extensão de sentido, sim plesm ente para «causa essencial». A ristóteles pretende
duas pessoas podem , respectivam ente, um a saber e a outra pensar exactam ente afirm ar que perguntar se A é equivale a interrogar se possui um a essência
nas m esm as prem issas, e saberem e pensarem nas m esm as conclusões que delas inteligível correspondente a este nom e; e perguntar o que é A equivale a procu-
se seguem . A isto A ristóteles responde, prim eiram ente, dizendo que m esm o que rar o desdobram ento desta essência num a definição. M asa aplicação integral da
seja assim , tal não im plica o abolir da distinção entre conhecer e pensar. M esm o questão «por que» e da noção de m eio-term o às substâncias é um tanto inatural.
se os seus objectos são os m esm os, a atitude m ental é diferente: um a reconhece a N o que A ristóteles está £ealm ente interessado em sustentar é a procura da
sua prem issa, por exem plo, com o estabelecendo a essência e a definição do seu definição dum a tr ib u to , a qual equivale à procura dum m eio-term o religando o
sujeito; a outra, com o colocando m eram ente um facto que acontece ser verda- atributo a um sujeito. e m ostrando a razão por que tal sujeito poS sui esse
deiro do sujeito. M as, em segundo lugar, os objectos do conhecim ento e da atributo. S e a lua se eclipsa devido à intercepção da luz do sol antes de lhe
opinião não são os m esm os, de m odo nenhum , daqueles da opinião verdadeira chegar por interposição da terra, a definição do eclipse lunar afirm a que «a
ou falsa. A opinião verdadeira e falsa são-no «do m esm o» se disserem respeito a privação da luz da lua deve-se à interposição da terra». A verdadeira definição de
um m esm o sujeito; m as são-no «de coisas diferentes», na m edida em que afirm am um atributo, a única definição que é m ais que um a m era exposição do uso da
predicados diferentes dum sujeito. D e igual m odo, quer o conhecim ento quer palavra, é aquela que estabelece a causa eficiente, ou final, da ocorrência do
a opinião podem am bos julgar que o hom em é um anim al, m as para um «ani- atributo. A ssim , a d e m o n s tr a ç ã o do atributo, com o derivando necessariam ente
m al» faz parte da essência do hom em , enquanto para outra, «anim a!> , é um de algum a causa, requer apenas um a alteração verbal para que seja ol;> tida a sua
atributo que ocorre no «ser hom em ». d e fin iç ã o .
-;:-- A pós um a discussão dialéctica visando m ostrar que não podem os provar o
que é um a coisa por silogism o, por divisão, por definição da coisa ou do seu
-"';"' D E F IN IÇ Ã O contrário, ou por qualquer outro m eio 140, A ristóteles procede 141 a-um a expo-
sição positiva da relação entre dem onstração e definição. S e querem os chegar a
N o segundo livro dos Segundos A n a lític o s , A ristóteles volta a considerar a .um a definição a partir da ajuda dum a dem onstração, devem os com eçar por um
dem onstração com o um instrum ento m ediante o gual atingim os a d e fin iç ã o . Os conhecim ento parcial da natureza do d e fin ie n d u m , isto é, dum a definição nom i-
quatro grandes tipos de problem a *, o «que», o «por que», o «se» e o «que é» 138,
nal com o a da do eclipse por um a falta de luz. E m seguida, devem os saber se
dizem todos respeito ao m eio-term o. P erguntar se A é ou se A é B equivale a existe algum m eio-term o pelo qual possam os dem onstrar que a lua sofre de tal
perguntar se existe um m eio-term o susceptível de explicar o seu ser, ou o seu ser falta. P odem os encontrar o m eio-term o: «incapacidade de projectar U m a som bra,
B . P erguntar o que é A ou porque A é B equivale a perguntar o que é o m eio- apesar de não haver nada entre a lua e nós»; isto é, podem os inferir a privação da
-term o 139. A noção d~m elO -term o ~plica-se m ais facilm ente à questão de saber luz lunar do que constitui um sintom a. Isto não nos ajuda achegar a um a
se (ou porque) A é B . P ara resolver este problem a devem os procurar o elem ento definição real do eclipse, m as podem os ir de encontro ao m eio-term o que estabe-
na essênC ia de A que dem onstra que, e com o, A possui a propriedade B . P or lece a causa do eclipse. P odem os esboçar o silogism o: «T udo aquilo que possua
outro lado, o que é que pretende afirm ar A ristóteles quando fala dum m eio- um outro corpo a interpor-se entre si e a sua fonte de luz, perde a sua luz. A lua
-term O susceptível de-dar conta da existência de A s im p lic ite r ? A qui; não está em possui outro corpo (a terra) interposto entre si e a sua fonte de luz. L ogo, a lua
causa um m eio-term o silogístico, pois não há dois term os entre os quais o perde a sua luz». E esta dem onstração da existência do eclipse a partir da sua
possam os colocar. A penas há o term o A . O «m eio-term o» é usado aqui, por um a causa necessita apenas de ser reform ulada para fornecer um a definição do
eclipse por referência à-sua causa --,--«um eclipse é a perda da luz lünar devido à
interposição da terra entre si e o so!> ,. A ssim , sendo dada um a definição nom inal
de um atributo ou dum acontecim ento per g e n u s 'e t s u b je c tu m , podem os avan-
*
N um a nota à tradução dos S e g u n d o s A n a l í t i c o s , T ricot acrescenta: «A ristóteles exprim e-se
com concisão. O seu pensam ento deve ser estabelecido com o se segue: os quatro m odos de pesquisa çar para um a definição real per genus e t s u b je c tt,á n et çausam . P rocedendo deste
dizem respeito a: I) ao o'n l q u o d s i t ) - : - há um a atribuição de tal predicado a tal sujeito (o m odo, ainda não dem onstrám os a definição, m as atingim o-la com a ajuda da
hom em é b r a n c o " ! ) ; 2) ao ~ ~ 6~ ~ ( c u r s i t ) . - qual é a razão da- atribuição ( p o r q u e é o h o m e m dem onstração.
b r a n c o ? ) ; 3) ao E L EC T~. ( a / l s i t ) - <> sujeito existe (o h o m e m e x i s t e ? ) ; 4) ao ~ ~ EC T~~ ( q u i d

s it)- qual é a natureza do hom em ? A s duas prim eiras questões constituem um grupo 'à parte
relativam ente às duas últim as: quando ó O ~~ é conhecido, querem os conhecer o ÔLÓ~~ ;
quando o €L Ea--::l é conhecido, querem os conhecer o-r~ ECT~~'" (livro 11, I, pp. 161-62,
nota- 3, V rin, P aris, 1970). (N.d. T.) . -
138 11, I. 140 11, 3-7.
139 fi, 2. 141 11, 8.

58 59
ARISTÓTELES
LÓGICA
. A penas os atributos e os acontecim entos são susceptíveis de ser assim defi-
nI?os., ~or outro lado, os objectos prim ordiais dum a ciência, com o a unidade na _/ características são tom adas na ordem correcta. P odem os dividir os anim ais em
antm et~c~, _não po~suem outra causa que eles m esm os, 'e apenas é possível um a dom esticados e selvagens, m as não podem os dividir coisas dom esticadas em ani-
sua defInIçao nom m al. T al facto deve sim plesm ente ser afirm ado ou enunciado' m ais e outras coisas, um a vez que os anim ais são as únicas coisas passíveis
sob a for~a_ qu.e passam os, a descrever 142. E xistem três espécies de definicões: (estritam ente falando)de serem dom esticáveis. S e usarm os o m étodo de divisão,
I) A definIçao m dem onstravel de um term o prim ordial; 2)a definição real ou evitarem os desse m odo o erro que consiste em definir o hom em num a ordem
c~usal de um a~ributo ou acontecim ento, a qual inclui os conteúdos dum silo- irracional, tal com o «dom esticado, anim al, bípede> !; serem os obrigados a enum e-
g~sm o num a única proposição; 3) a definição nom inal de um atributo ou aconte- rar, pela ordem correcta, as suas características - «anim al, dom esticado; bípede!!.
C im ento, a qual corresponde à conclusão dum silogism o sem as prem issas 143. 2) A divisão assegura ainda um a outra vantagem : diz-nos quando a nossa defini-
P odem os acrescentar ~ue estas três espécies de definições se ligam um as às ção dum a ínfima species se encontra com pleta. S e, ao definir, passam os dum
outras, tal com o as leis da natureza de M ill, leis derivativas e leis em píricas. género a um a diferença que não lhe é próxim a, constatam os que a totalidade do

I....•
D e segui~a 144,. ~ristóteles dem onstra que cada um a das quatro causas _ género não é exaurida, ~m por esta diferença nem por todas aquelas que a ela se
form al, m atenal, efiC iente ou final - pode funcionar com o m eio-term o tendente ligam : nem todo o anim al é, quer totalm ente alado quer com asas divididas. Se
a rr;os.trt r a existência daquilo de que é a causa. D evem os notar que a causa perderm os constantem ente de vista o problem a da divisão do género, devem o-
~a ena surge nesta passagem (talvez a prim eira em que ocorre) sob traços nos precaver contra a om issão das diferenças interm édias necessárias à definição
diferentes daqueles com que se reveste usualm ente em A ristóteles. É descrita da espécie. A s três coisas a ter em conta são: I) tom ar apenas com o' m arcas da
com o ~as .cond~ções de~aixo d~s quais resulta a existência dum a coisa dada!!, e ~ espécie os atributos que pertençam à sua essência; 2) tom á-Ias na ordem cor-
e~tas sao Identificadas as prem issas necessárias à dem onstração dum a conclu- 'c,.
recta, procedendo constantem ente do determ inável ao determ inado; 3) tom ar
sao. No_/ocus classícus das quatro causas, «as hipóteses (ou prem issas) dum a todas as m arcas requeridas para distinguir o definíendum de tudo o resto.
conclusao!! ocorrem com o exem plo da causa m aterial 145, em com panhia de -> T endo sido estabelecido o m odo de auxiliar a definição por interm édio da
outros ~xem plos m ais ordinários - o bronze da estátua, as letras incluídas divisão, A ristóteles passa à exposição 148 do que falta ainda fazer para obter-se
num a sllaba, :tc. P ~rece q~e, nos S,egundos Analitícos, estam os em presença a definição de um género. O necessário é que, quando o género tiver sido
dum a conce~çao m ais restnta. a partir da qual se atinge m ais tarde a noção de dividido nas suas ínfima species e estas sido definidas, procurem os os elem entos
ca.usa ~atenal, pelo reconhecim ento de um a analogia entre a relação das' pre- com uns às suas definições, rejeitando com o irrelevantes ao género todos os ele-
m ~ssa~ a conclusão e da m atéria à coisa form ada. O capítulo parece ser um dos m entos que não são com uns à totalidade' das espécies. E ste processo não deve,
pnm elros ~rodutos do seu pensam ento, pois apresenta confus'õesconsideráveis. m ais do que o da divisão, pro< ;:eder per sa/tum. D evem o-nos contentar com
D epol~ d~ ter m ostra~o com o passam os dum a definição não causal a outra proceder gradativam ente, passando em cada estádio para o género im ediata-
caus~l, A nstoteles e.x~m m a 146 com o é estabelecida a prim eira. U m a ínfima m ente superior à espécie de cuja definição estam os certos, de form a a só se
specle~ ?eve se~. definida enum erando um a série de atributos que lhe sejam atingir o género definível m ais elevado após um processo gradual de generaliza-
esse.n~lals, e cU Ja extensão, se os tom arm os separadam ente, ultrapassa a da ção. E devem os estar preparados para, por vezes, descobrir que as espécies que
especle, m as. se. os tom ~rm os colectiv~m ente, será com ela co-extensiva. A pesar esperávam os encontrar com o espécies de um género o são de géneros diferentes,
de tudo,;A nst~te~es nao. adopta o m etodo platónico da definição por divisão. e que é apenas devido a um a am biguidade que são designadas pelo m esm o
,O seu m
, etodo
. e sim plesm
.. ente o de.' reunir os atributos. _. um
__ a
_ um
_, .,.~
~_ ~e"..
possm r .I nom e. S uponham os que pretendem os definir orgulho. O que caracteriza o'orgu-
um a. sene :o-ext~nslv~ com a cO isa a ser definida .. C ontudo, quando passa à lho em A lC ibíades, A quiles e A jax é a incapacidade para suportar o insulto; em
conS lderaçao m ais C U idadosa do m étodo de atingir as definições 147 dá L isandro e S ócrates é a indiferenÇ a a respeito da fortuna. C onsequentem ente, o
u
certo valor à divisão. É verdade que esta nada prova, m as I) assegu:a que : term o não possui um único sentido, nem apenas um a definição.
N este capítulo, A ristóteles descreve bem , apesar de nem sem pre o seu sen-
tido ser de fácil apreensão, o processo da divisão e da generalização com bina-
,dos, o qual é actualniente o verdadeiro m étodo de se obterem definições não
causais correctas. .
1~2 lI, 9; cf. infra.
143 li, 10; cf. 75 b 31. A ristóteles, no início dos Segundos Analitícos, insistiu que, devido à ciência
144 lI, 11.
145 Phys., 195 a lK
146 An. Post., li, 13.
147 96 b 15-97 b 6.
148 97 b 7.

60
61
• ARISTÓTELES
LÓGiCA

pretender chegar a proposlçoes universais, isto é, convertíveis, nas quais o A APREENSÃO DOS PRIM EIROS PRINCípIOS DA CI~NCIA
sujeito e o predicado são co-extensivos, as suas prem issas tam bém devem ser
proposições convertíveis. Exam ina agora o problem a de saber se a causa e. o Na sua m aior parte, os Segundos Analíticos ocupam -se com a dem onstra-
efeito são necessariam ente co-extensivos. Na sua nova form a, o problem a é: ção, a qual pressupõe o conhecim ento das prim eiras prem issas, elas próprias não
«pode a existência da causa ser inferida da do efeito, assim com o a do efeito da conhecidas por dem onstração. No fim do livro 152, Aristóteles regressa ao pro-
da causa» 14"; ou (por outras palavras), «pode haver m ais do que um a causa
blem a de saber com o estas prim eiras prem issas são conhecidas. Qual é a facul-
para um efeito?» 150. A resposta de Aristóteles é que o verdadeiro sentido da
dade pela quai as conhecem os - e este conhecim ento é adquirido,. ou está
causa im plica que a presença desta possa ser inferida da do efeito. Se um latente em nós, desde o início das nossas vidas? É difícil pensar-se que este
efeito é produzido na ausência da sua causa suposta, isto apenas dem onstra que conhecim ento, o qual deve ser o m ais certo de todos, existe em nós desde o início
a causa suposta não é a causa real. Todo o problem a científico é um problem a sem que o conheçam os. É igualm ente difícil ver com o, se não está presente
universal, um problem a segundo o qual o sujeito e o predicado são co-extensivos. desde o início, pode ser adquirido, um a vez que (exceptuando o conhecim ento
Se perguntarm os «porque é que o sujeito C possui o atributo A», subentende- dem onstrativo) deve ser adquirido sem estar fundado em qualquer conheci-
m os ser precisam ente C (e não quaisquer outras coisas com o tal) que possui o m ento prévio. Para escapar a esta dupla dificuldade, devem os supor um a facul-
atributo A. Considerem os agora o seguinte silogism o:
dade m ais m odesta a partir da qual este conhecim ento pode desenvolver-se.
Todo o B é A, U m a tal faculdade encontra-a Aristóteles na percepção, no, poder discrim inativo
Todo o C é B, inato em todos os anim ais. O prim eiro estádio no desenvolvim ento da sensação
Logo, Todo o C é A. ao conhecim ento reside na m em ória, na «persistência da im pressão», aquaI surge
no m om ento em que é ultrapassada a percepção. O estádio seguinte é a «expe-
Aqui, B é um atributo essencial de C e é causa da propriedade A. Se a conclusão riência», ou construção dum conceito, baseada na repetição de recordações de
é convertível sim plesm ente, constata-se facilm ente que as prem issas tam bém o
um a m esm a coisa, na fixação de um universal. Por seu turno, esta é a origem a
devem ser e, por consequência, a causa B é co-extensiva com o efeito A.
partir da qual são desenvolvidas quer a arte - na m edida em que o nosso
Devem os fazer notar que esta doutrina é válida se estabelecida, com o o faz interesse diz respeito ao devir -, quer a ciência - na m edida em que visa o ser.
Aristóteles, relativam ente ao ideal da ciência, pois a ciência visa o estabeleci-
A passagem dos particulares aos universais assem elha-se ao m ovim ento de um a
m ento de juízos convertíveis, e não pode contentar-se com um a pluralidade de
tropa em cam panha, quando se dá o posicionam ento de um e outro hom em até
causas. M as Aristóteles não se deu conta das dificuldades contra as quais a
ao m om ento em que todo o exército se encontra na sua posição ordenada.
ciência tem de lutar no decurso do seu desenvolvim ento. Sóraram ente está apta
A transição torna-se possível pelo facto de a própria percepção possuir um ele-
a ,especificar inteiram ente o sujeito ao qual pertence um dado atributo. Constata
m ento do universal. É verdade que percebem os um a coisa particular, m as o que
que o atributo ocorre em tal sujeito e tam bém num outro, m as não sabe em qual
percebem os nela são caracteres com uns a todas as outras coisas com que se
dos dois pode ocorrer, m uito m enos qual o género que os abar,ca a todos. Então,
assem elha. Deste prim eiro elem ento de universalidade passam os, de form a con-
tem de, perguntar «porque é que este sujeito C possui o atributo A», e contentar-
tínua m ediante extensões de universalidade cada vez superiores, aos universais
-se com um B co-extensivo, não com todo o A, m as com ,«A em C». Isto é m uitas
m ais ~Ievados de todos: os «'inanalisáveis». A passagem dos particulares im plíci-
vezes diferente do que constitui a causa de !<Aem D». Então, a presença de B não
tos neles é descrita com o indução; a apreensão dos universais que se tornam nas
poderá ser inferida em todos os casos da presença de A, e A terá de tet m ais de
prim eiras prem issas da ciência deve, afirm a AristÓteles, ser obra dum a faculdade
um a causa. Esta possibilidade de reconhecim ento de causas não recíprocas dum
superior à ciência, e aqui apenas se pode tratar da razão intuitiva. ,
efeito antes de poderm os reconhecer a causa recíproca, é apontada claram ente
Nesta m agnífica exposição do desenvolvim ento contínuo dos sentidos à
por Aristóteles J5J.
razão, um ponto (entre outros) perm anece obscuro. O que são exactam ente as
«coisas prim e.iras», gue são conhecidas pela razão intuitiva? Um á parte im por-
tante da linguagem refere-se à apreensão de conceitos, e as coisas prim eiras
'devem , então, ser osobjectos suprem os, os objectos inanalisáveis do conceito, as
categorias. M as um conhecim ento das categorias nã.o é um ponto de partida
suficiente para o pensam ento dem onstrativo. Os prim eiros princípios da ciência
149 11, 16.
150 lI, 17.
151 98 b 25-31, '99 a 3Q-b 8.' 152 11, 19, cf. Ml!t., A, I:

62
63
t

A R IS T Ó T E L E S f
I
LÓGICA

são o s a x io m a s ,
o b je c to s p rim o rd ia is
a s d e fin iç õ e s
da c iê n c ia
e a s « h ip ó te s e s » ,
153. Pode ser
o u p o s tu la d o s
que A ris tó te le s
d a e x is tê n c ia
re c o n h e ç a aqui
dos
I
I
d is tin g u e -s e
ta m e n te das
d o s ilo g is m o
p re m is s a s
m e ra m e n te
que lh e são
c o n tro v e rs o
re a lm e n te
p e lo fa c to d e s e g u ir-s e c o rre c -
p ro v á v e is , e n q u a n to o o u tro
e s ta d is tin ç ã o .
a té aos c o n c e ito s
A p ó s te r d e s c rito
u n iv e rs a is ,
a ascensão
a firm a 154
d o e s p írito
« s e r c la ro que
d o s s e n tid o s
é por
p a rtic u la re s
in d u ç ã o » (is to é,
!., re s u lta d e p re m is s a s
ra c io c ín io s in c o rre c to s
q u e lh e p a re c e m
159. A d ia lé c tic a
m e ra m e n te
não possui
p ro v á v e is ,
o v a lo r
o u a in d a
s u p re m o ,
d e o u tro s
o qual
i
p e la g e n e ra liz a ç ã o dos p a rtic u la re s ) « q u e re c o n h e c e m o s a s " c o is a s p rim e ira s " , !: p e rte n c e à c iê n c ia , m a s n ã o é u m e s fo rç o desnudado d e .v a lo r, u ~ a rg u .~ e n ta r
p o is ta m b é m é d e s ta fo rm a que a p e rc e p ç ã o p ro d u z o u n iv e rs a l em nós». O u I p e lo m e ro g o s to d a a rg u m e n ta ç ã o . O s e u e s tu d o p O S S U iu m a tn p l~ u tl~ ld a d e :
s e ja , A ris tó te le s p a re c e re c o n h e c e r, p a ra le la m e n te à p ro g re s s ã o da p e rc e p ç ã o I) re p re s e n ta um a g in á s tic a m e n ta l; 2 ) p e rm ite -n o s e s ta r a p to s a d is c u tir co~
d o s .p a rtic u la re s a o s c o n c e ito s u n iv e rs a is , u m p ro g re s s o d o s ju íz o s p a rtic u la re s pessoas que conhecem os. S e e s tiv e rm o s fa m ilia riz a d o s p re v ia m e n te c o rri a s O P I-
- ta is com o « e s ta c o is a não pode te r c o re s d ife re n te s na m esm a p a rte de si
[: n iõ e s c o m u n s e com a s s u a s c o n s e q u ê n c ia s , e s ta re m o s a p to s a a rg u m e n ta r com
p ró p ria » - a o s ju íz o s u n iv e rs a is , ta is com o a le i d a c o n tra d iç ã o e o s o u tro s p e s s o a s p a rtin d o d a s s u a s p ró p r~ a s p re m is s a s . 3 ) A te rc e ira u tilid a d e ~ iz re s ~ e ito
p rin c íp io s p rim o rd ia is da c iê n c ia 155.
I -,
:! à s c iê n c ia s
m o s a p to s 'a
e d e s d o b ra -s e
a rg u m e n ta r por
e m d O IS c a s o s : a) S e , s o b re u m a d a d a q u e s ta o ,
e c o n t r a , p o d e re m o s re c o n h e c e r m e lh o ro
e s tiv e r-
v e rd a d e iro
e o fa ls o quando com e le s n o s c o n fro n ta m o s ; e b) o s p rim e iro s p rin c íp io s das
OS T 6 P IC O S c iê n c ia s " um a vez que não podem s e r, e le s p ró p rio s , d e m o n s tra d o s c ie n tific a -
m e n te , p o d e rã o ser a p ro x im a d o s de m a is p e rto a p a rtir de um e s tu d o das
Os T ó p ic o s podem ser e s tu d a d o s m a is b re v e m e n te . O tra b a lh o p a re c e o p in iõ e s com uns ta l c o m o a d ia lé c tic a p e rm ite 160. O e s tu d o a c tu a l d a d ia lé c tic a
re p a rtir-s e em duas p a rte s fu n d a m e n ta is : I) o s liv ro s 1 1- VII, 2 , o tra ta d o o rig i- nos T ó p ic o s fa z -s e , d e fa c to , s e g u n d o e s te s d o is p o n to s d e v is ta 161. A ris tó te le s
n a i, um a s é rie de -rÓ 1 tO t ou lu g a re s -c o m u n s de a rg u m e n to s e x tra íd o s , na p re o c u p a -s e pouco e m m o s tra r com o e la p o d e a ju d a r-n o s . n o e s tu d o d a s c iê n -
sua m a io r p a rte , da A c a d e m ia 156. E s ta secção p a re c e te r s id o e s c rita a n te s da c ia s . A p o s s ib ilid a d e d e o s p rim e iro s p rin c íp io s d a c iê n c ia s e re m a p ro x im a d o s
d e s c o b e rta do s ilo g is m o 157. 2) O s liv ro s I, VII, 3 -5 , VIII, um a in tro d u ç ã o e p e la d ia lé c tic a não é, em nenhum la d o , re la c io n a d a c o m e s ta o u tra d e o ? o d e re m
um a c o n c lu s ã o e s c rita s após a d e s c o b e rta d o s ilo g is m o , m a s a n te s d a re d a c ç ã o ser por in d u ç ã o . M a s d e v e m o -n o s le m b ra r q u e a in d u ç ã o ~ u m d o s d O IS .m ? ~ o s
dos A n a lític o s . O s S o p h is tic i E /e n c h i s ã o , p ro v a v e lm e n te , p o s te rio re s aos T ó p i- p ró p rio s à d ia lé c tic a 162. (O m e lh o r e x e m p lo dum e s ta b e le c l~ e n to d e p n n ~ I~ lO s
cos m as a n te rio re s aos A n a lític o s . p e la d ia lé c tic a é o a p re s e n ta d o na M e ta fís ic a [' p a ra a s le iS d a c o n tra d lç a o e
O p ro p ó s ito dos T ó p ic o s é « e n c o n tra r um m é to d o capaz d e c o n c e d e r-n o s do te rc e iro e x c lu íd o .)
um m odo de a rg u m e n ta ç ã o s o b re q u a lq u e r p ro b le m a p ro p o s to , p a rtin d o de A ris tó te le s com eça p o r c o n s id e ra r a v a rie d a d e d a s re la ç õ e s e n tre s u je ito e
p re m is s a s p ro v á v e is , e d e , p o r o u tro la d o , e v ita r a a firm a ç ã o d e a lg o q u e lh e s e ja p re d ic a d o que podem ser e x p re s s a s , ou nas p re m is s a s de c u jo s a rg u m e n to s
c o n trá rio ~ ) 158. Is to é, um m é to d o capaz de s u s te n ta r, com sucesso, quer as p ro c e d e m , ou nos p ro b le m a s p ro p o s to s à d is c u s s ã o . O p re d ic a d o d e q u a l.q u e r
p a rte s im p líc ita s em to d a a .d is c u s s ã o d ia lé c tic a - a p a rte do « a rg u e n te » p ro p o s iç ã o é , o u n ã o , c o n v e rtív e l c o m o s u je ito . S e o é , o u e x p rim e a e s s ê n C ia d o
(o p ro ta g o n is ta p rin c ip a l que c o lo c á q u e s tõ e s a o s e u o p o n e n te e a rg u m e n ta as s u je ito - e , n e s te caso, é a sua d e fin iç ã o -, o u n ã o o e x p rim e e , e n tã o , é um a
re s p o s ta s re c e b id a s ) -, quer a do « d e fe n s o r» . Por o u tra s p a la v ra s , o nosso p r o p r ie d a d e . S e n ã o fo r c o n v e rtív e l, o u b e m q u e é u m e le m e n to n a d e fin i.ç ~ o _ -
o b je c tiv o d iz re s p e ito a o e s tu d o d o ' s ilo g is m o d ia lé c tic o . O s ilo g is m o d ia lé c tic o e , n e s te caso, é ogénero d o s u je ito 163 -, ou não é um e le m e n to n a d e fIn Iç a ~ ,
d is tin g u e -s e d o c ie n tífic o p e lo fa c to d e a s s u a s p re m is s a s n ã o s e re m v e rd a d e ira s e sendo e n tã o um a c id e n te 164. R e s id e aqui a c la s s ific a ç ã o a ris to té lic a d o s p re d l-
. im e d ia ta s , m as m e ra m e n te p ro v á v e is ; quer d iz e r, ta l com o e la s p ró p ria s se 'c á v e is q u e , m a is ta rd e , P o rfírio c o n fu n d e , s e m d e la p o d e r s a ir, is to n a te n ta tiv a
im p õ e m a to d o s , à m a io r p a rte o U ' a a lg u n s dos hom ens. Por o u tro la d o , d e d a r c o n ta da e s p é c ie com o tra ta n d o -s e de um q u in to p re d ic á v e L O lu g a r d a
e s p é c ie na e x p o s iç ã o d e A ris tó te le s não é com o um dos p re d ic á v e is m a s s im

153 I, 10.
154 100 b 3.
155 C f. Mel., 9S1 a 7, onde A ris tó te le s a trib u i a £ 1 -t1 tE L p £ a a fo rm a ç ã o d o s . ju íz o s , ta is
com o « a q u e le C á lia s , S ó c ra te s , e tc ., 'q u a n d o s o fria m à e s ta doença, fo ra m tra ta d o s por e s te 159 Ib id , 2 1 ' b 25.

tratamenttm. 160 I, 2 .
156 E . H a m b ru c h tra to u bem e s te p o n to in L o g i s c h e R e g e l n d . P ia I. S c h u le in d e r A r is l. T o p ik 161 C f. por e x e m p lo 105 a 9.

(B e rlin , 1 9 0 4 ). _ 162 T o p .; I, 1 2 . . . . .
163 O u- um a d iffe r e n tia , que A ris tó te le s m c lU l aqU i no g e n e ro .
157 M a ie r, S y /l. des A r. 11. 2. 7S, n .3 p ro d u z bons a rg u m e n to s n e s te s e n tid o .
158 1 0 0 a IS . 164 I, 4 , S .

65
64
A R IS T 6 T E L E S
L6GICA

como sujeito, pois tem sempre em vista (exceptuando o caso dos juízos atributi- teórico, e ser de tal modo que a seu respeito haja, ou nenhuma opinião corrente,
vos de qualidades acidentais) juízos sobre espécies, e não sobre indivíduos. ou uma diferença de opinião entre o vulgar e os doutos, ou entre os vulgares, ou
--:") Sobre um ponto, o próprio Aristóteles modifica posteriormente
trina dos predicáveis. Na passagem em questão, não aparece a distinção entre
a sua dou-
! entre os doutos. Do mesmo modo, nem todo o problema constitui uma tese.
Uma tese é «uma opinião paradoxal relativamente a alguns dos filósofos consa-
género e diferença. A diferença, como o género, é tratada como possuindo uma I: grados», ou um ponto de vista que, apesar de talvez ninguém o possuir; pode ser
maior extensão do que aquela de que é a diferença. A doutrina implícita é uma suportado por argumentos. Nem todos os problema$ nem todas as teses, acres-
das que também encontramos nos S e g u n d o s A n a lític o s 165, segundo a qual uma centa Aristóteles com o bom senso que lhe é peculiar, valem a pena.ser,dis-
definição é construída a partir de uma série de atributos, em que cada um é mais cutidos, mas apenas aqueles que podem ser propostos por aqueles em busca
extenso que o termo a ser definido, mas sendo, se tomado em conjunto, co-exten- de argumentos, não por aqueles em procura de castigo ou desprovidos de senso.
sivo com ele. Por outro lado, na M e ta fís ic a 166, Aristóteles afirma que toda a Não pretendemos discutir se devemos honrar os deuses e amar os nossos pais,
diferença estabelecida deve ser uma diferenciação da diferença prévia, e que a nem se a neve é branca 169.
última diferença deve ser co-extensiva com o d e fin ie n d u m . E os S e g u n d o s A n a - Não temos espaço nem o desejo de seguir Aristóteles na sua exploração
lític o s 167 mostram-no sobre a via desta doutrina. laboriosa dos ,Ó1tOt, o ficheiro a partir do qual o raciocínio dialéctico tira
Toda a premissa e todo o problema relaciona-se com um ou outro dos os seus argumentos. A discussão pertence a um modo de pensar já ultrapassado.
predicáveis. Quer dizer, os problemas que podem ser postos a discussão são É um dos últimos esforços do movimento do espírito grego tendente a uma
todos do seguinte tipo: «é ou não a n im a l, c o m p é s , b íp e d e a definição de cultura geral, tentativa esta levada a cabo para discutir toda a ordem de temas
homem?», «é ou não a n im a l o género de homem?»; e as questões que o arguente sem estudar os seus primeiros princípios apropriados, que conhecemos sob a
pode colocar ao defensor (tomando as suas respostas como premissas) são do designação de movimento sofístico. O que distingue Aristóteles dos sofistas,
mesmo tipo. Paralelamente às premissas e aos problemas relacionando-se estri- pelo menos daqueles descritos por si e por Platão, é que a sua finalidade consiste
tamente com os predicáveis, são agrupados outros que se ligam com eles de em ajudar os seus auditores e leitores, não no sentido do ganho de lucros ou da
forma mais frouxa. Assim, apesar de nenhuma palavra singular poder constituir glória a partir duma falsa aparência de sabedoria, mas a discutir questões tão
a definição de uma outra palavra, contudo, uma proposição tal como 'o belo é o sensatamente quanto isto o pode ser sem qualquer conhecimento especial. Con-
conveniente' possui uma relação com o problema da definição de belo. De novo, tudo,ele próprio abriu uma via melhor: a da ciência. São os seus próprios
as questões como as da identidade numérica de duas coisas se relacionam com o A n a lític o s que tornaram os seus T ó p ic o s antiquados.
problema da definição. A identidade numérica não deve implicar a utilização de
uma para definição da outra, mas a diferença numérica mostra esta impossibi-
lidade 168. Por esta via, todos os problemas podem ser colocados debaixo de um OS S O P H IS T IC I ELENCHI
ou outro dos predicáveis, e estes últimos formam a estrutura de todo o estudo
dos problemas e dos lugares-comuns utilizáveis na sua discussão. Os livros 11 e Um interessante apêndice aos T ó p ic o s é constituído pelos S o p iz is tic i E le n -"
111 tratam dos problemas relativos ao acidente; os livros IV e V, respectiva- ch io Literalmente, esta expressão significa «refutações sofísticas», sendo o sofis-
mente, dos do género e da propriedade; os livros VI - VII, 2 dos da definição. ta visto, sobretudo, como o espírito negativo que se apraz em embaraçar o
>- Três dos termos principais empregues na técnica da dialéctica são os d~ homem comum mediante uma aparente refutação das suas opiniões mais caras.
«premissa», «problema» e «tese». Uma premissa dialéctica é «uma questão» (no Mas os métodos da refutação sofística são precisamente os utilizados pelo
sentido estrito, claro, uma resposta) «que, ela própria, "se Impõe como "provável sofista para provar .as su.as próprias teses. A partir disto, o livro é um. estudo da "
quer a todos os homens, quer à sua maior parte, quer aos sábios». Nem toda a falácia em geral. A classificação aristotélica das falácias, na qual se baseiam
questão susceptível de ser perfeitamente colocada a um adversário no meio de todas as outras classificações, é a seguinte. Existem duas espécies de falácias, as
uma discussão pode ser tomada, propriamente, como constituindo uma base que dependem do uso da linguagem e as que não possuem a sua base nela. As
para discussão. Com efeito, um "problema deve possuir um interesse prático ou falácias in d ic tio n e são 170:
1) O equívoco, isto é, a ambiguidade numa única palavra.

165 96 a 24-b 14. Cf. s u p r a , p. 52.


166 Z, 12. "
167 96 b 30-32, 97 a 28-b 6.
168 T o p ., I, 5.
169 I, 11.
170 Capo 4.

66 67
r
ARISTÓTELES LÓGICA

qual
2 ) A a n fib o lia ,
Ilu s tra d a n a lín g u a
a p a la v ra que
is to é , a a m b ig u id a d e
g re g a , n a q u a l a o rd e m
desem penha o papel
n a e s tru tu ra dum a
d a s p a la v ra !! n ã o m o s tra ,
d e s u je ito e qual
fra s e (fa c ilm e n te
à e v id ê n c ia ,
a d e c o m p le m e n to ).
I
l.
não o pode
5 ) O c o n s e q u e n te .

p e rc e p ç ã o
ser desse m odo.
(p o r e x e m p lo ,
C o n s is te

com o
e m c o n v e rte r
Is to é ilu s tra d o
quando um a
s im p le s m e n te
p o r in fe rê n c ia s
s u b s tâ n c ia
u m a p ro p o s iç ã o
e rró n e a s
a m a re la , que
tira d a s
que
da
é re a l-
3 ) A c o m p o s iç ã o , q u e c o n s is te e m a c o p la r p a la v ra s d e fo rm a e rró n e a . Um
I m e n te fe l, é to m a d a p o r m e l d e v id o a ta m b é m e s te s e r a m a re lo ), e n o e m p re g o
I
h o m e m é c a p a z d e a n d a r q u a n d o e s tá ' s e n ta d o , m a s n ã o s e s e g u e a s u a p o s s ib ili- I e rró n e o da d e m o n s tra ç ã o por s ig n o s .
dade de andar quando
. 4 ) A d iv is ã o ,
Ig u a l à a d i~ o
e s tá s e n ta d o .
is to é , a s e p a ra ç ã o
d e d o is e d e trê s ,
d e p a la v ra s
m as não
d e u m a fo rm a
s e s e g u e s e r c in c o
e rró n e a .
ig u a l,
C in c o é
s im u lta n e a -
I 6) Non causa pro causa. R a c io c ín io
a le g a d a com o
d a s p re m is s a s
fo rm a d e s e re fu ta r
d a q u a l s e s e g u e a c o n c lu s ã o .
um a
n o q u a l a fa ls id a d e
p ro p o s iç ã o que não
P o r e x e m p lo ,
dum a c o n c lu s ã o
é , re a lm e n te ,
« s e a a lm a e a v id a s ã o
um a
é

m e n te , a d O IS e a trê s . a m esm a c o is a , e n tã o , um a v e z q u e a v in d a a o s e r é c o n trá ria à d e s tru iç ã o , o


5 ) A a c e n tu a ç ã o , o u s e ja , a m á in te rp re ta ç ã o dum d is c u rs o e s c rito a p a rtir c o n trá rio dum a d e s tru iç ã o p a rc ia l é u m a v in d a p a rc ia l a o s e r; m a s a m o rte é um a
d u m a a c e n tu a ç ã o in c o rre c ta dum a p a la v ra (p o r e x e m p lo , com um a c e n to c in - d e s tru iç ã o , e é c o n trá ria à v id a . Logo, a v id a é um a v in d a a o s e r. M as is to é
c u n fle x o e m v e z d e u m a g u d o ). im p o s s ív e l. L o g o , a v id a e a a lm a n ã o s ã o id ê n tic a s » . A p ro p o s iç ã o q u e p re te n -
6 ) A fig u ra d e e s tilo , is to é , in fe rê n c ia s e rró n e a s e x tra íd a s d a fo rm a g ra m a ti- dem os re fu ta r não fo i u s a d a c o m o u m a d a s p re m is s a s e , c o n s e q u e n te m e n te , não
cal - por e x e m p lo , c re r q u e « s o fre d o r» é um a acção p e lo fa c to d e p o s s u ir a fo i re fu ta d a p e la fa ls id a d e do re s u lta d o .
m esm a in fle x ã o de « c o rta d o f» ou « c o n s tru to r» . 7) A p lu ra lid a d e d e q u e s tõ e s , por e x e m p lo , « s ã o to d a s e s ta s c o is a s boas
As fa lá c ia s extra dictionem são 171: ou não?», quando, d e fa c to , a lg u m a s s ã o -n o e o u tra s não.
1 ) O a c id e n te , a s u p o s iç ã o de que tu d o o que é v e rd a d e iro dum a c o is a é A d o u trin a a ris to té lic a d a s fa lá c ia s não possui u m v a lo r h o m o g é n e o . A lg u -
v ~ lid o p a ra ~ u a lq u e ~ d o s s e u s a c id e n te s , o u v ic e -v e rs á . S e C o ris c o é o u tro que m a s d e la s s ã o m e ro s jo g o s d e p a la v ra s q u e n ã o s ã o le v a d a s a s é rio n e m p e lo m a is
S o c ra te s e S o c ra te s e um hom em , não s e s e g u e s e r C o ris c o o u tra c o is a q u e u m in o c e n te . O u tra s , apesar de m a is e n g a n a d o ra s , são a lta m e n te a rtific ia is . M as,
hom em . n a lg u m a s d a s fa lá c ia s - secundum quid ad dictum
e q u ív o c o , a c id e n te , adicto
, . ~lA d!.cto sec~ndum quid ad dictum simpliciter. S e o q u e n ã o é é o b je c to d e simp/iciter, ignoratia e/enchi. petitia, principii, c o n s e q u e n te , lian causa pro causa
o p .m la o , nao s e s e g u e q u e o s e ja , s im p le s m e n te . D o m esm o m odo s e u m a c o is a - A ris tó te le s to c o u com o dedo n a to ta lid a d e d a s fa lá c ia s m a is im p o rta n te s , as
possui q u a lid a d e s o p o s ta s e m d ife re n te s p a rte s d e s i, n ã o é c o r;e c to p re d ic a r q u a is não s ã o u tiliz a d a s p a ra enganar o s o u tro s , m as que enganam o s p ró p rio s
am bas a s s u a s q u a lid a d e s d e fo rm a a b s o lu ta . o ra d o re s 173. O seu e s tu d o dá c o n ta d e , m u ito s dos p e rig o s s u b tis li que o
3} A ignoratio e/enchi. C o n s is te e m n ã o c o n c lu ir o q u e im p lic a a re fu ta ç ã o . ra c io c ín io e s tá e x p o s to . E , n is to , c o m o em quase to d a s a s p a rte s d a s u a ló g ic a ,
O a tn b u to q u e é p ro v a d o n ã o s e r p o s s u íd o p e lo s u je ito d e v e s e r e x a c ta m e n te o e le é u m p io n e iro 174.

m esm o d o q u e lh e tin h a s id o a trib u íd o p e la c o n c lu s ã o e rró n e a e n ã o u m o u tro N o e n ta n to , a s u a c la s s ific a ç ã o n ã o é p e rfe ita . O p ró p rio A ris tó te le s o b s e rv a
a trib u to d e s ig n a d o p e lo m e s m o nom e, ou por um nom e a m b í~ o . A re fu ta ç ã o q u e a lg u n s a rg u m e n to s fa ls o s p o d e m s e r c la s s ific a d o s d e b a ix o d e v á ria s d a s s u a s
d e v e ~ o s tra r q lle e le n ã o p e rte n c e a o s u je ito n a m e s m a p ro p o rç ã o , sob a m esm a fa lá c ia s 175, bem com o q u e to d a s a s fa lá c ia s podem s e r tra ta d a s com o v a rie d a -
re la ç a o , m odo e te m p o , em que lh e fo i a trib u íd o p e la fa ls a c o n c lu s ã o ' e a des da ignoratia e/enchi 176. M as o s te ó ric o s p o s te rio re s ju lg a ra m n e c e s s á rio
re fu ta ~ ã o ~ e v e s e g u ir-s e , n e c e s s a ria m e n te , d a s p re m is s a s dadas. N ã o p ro v ~ m o s s e g u ir a s lin h a s fu n d a m e n ta is d o s e u e s tu d o e, quando d iv e rg ira m , ra ra m e n te
s e r d O IS " S Im u lta n e a m e n te , o d o b ro e n ã o d o b ro s e d e m o n s tra rm o s s e r e le o fo rn e c e ra m m e lh o re s s o lu ç õ e s . Em m u ito s casos, o seu p e n s a m e n to não fo i
d o b ro ' d a ' u n id a d e m a s n ã o o d o b ro d e ' trê s . ' , c o m p re e n d id o , e n o u tro s fo i m e s m o o b s c u re c id o p e la a p lic a ç ã o 'o b s tin a d a dos
4) A petitio. p:incipii.a) A p ro v a dum a p ro p o s iç ã o a firm a n d o , p re c is ~ - s e u s te rm o s ' a fo rm a s in te ira m e n te d ife re n te s d e fa lá c ia s . '
m e n ~ e , ~ p ro p o s lç a o a p ro v a r; ou b) p ro v a n d o -a a p a rtir d e p re m is s a s que
p re C Is a m d e s e r d e m o n s tra d a s p o r m e io d e s ta p ro p o s iç ã o . P o r e x e m p lo , quando
s e c o n s tr~ e m p a ra le la s com o a u x ílio de um m é to d o q u e , e le p ró p rio , p re s s u p õ e a
c o n s tru ç a o d e p a ra le la s . A s v a rie d a d e s fo rm a is da petitio principii, ta n to d a re a l
com o, da a p a re n te , s ã o ,e x p lic a d a s por A ris tó te le s n o u tro lo c a l 172.

173 167 b 35.


174 C f. .a s u a a firm a ç ã o d e q u e , n o tra ta m e n to d a d ia lé c tic a (d e m o d o d ife re n te d a re tó ric a ,
. p o r e x e m p lo ), e s ta b e le c e u o s p ila re s d a c iê n c ia n o s s e u s p ró p rio s fu n d a m e n to s , Soph. E/., 1 8 3 b
1 6 -1 8 4 b 3 . '
171 C ap. 5.
175 167' a 35, 182 b 10.
172 An. Pr., lI, 1 6 ; Top., V III, 13. 176 C apo 6.

68
69
C A P ÍT U L O III

A FILOSOFIA DA NATUREZA

C om o v im o s , a c la s s ific a ç ã o das c iê n c ia s p ro p o s ta por A ris tó te le s c o n s i-


d e ra , p rim e ira m e n te , a s te o ré tic a s - que v is a m o c o n h e c im e n to por s i p ró p rio ;
d e p o is ; as p rá tic a s - que v is a m o c o n h e c im e n to com o um g u ia d e c o n d u ta ; e,
por ú ltim o , as p ro d u tiv a s - que v is a m o c o n h e c im e n to no s e n tid o de e s te ser
u tiliz a d o p a ra p ro d u z ir a lg o d e ú til o u b e lo . A s c iê n c ia s te o ré tic a s e s tã o s u b d iv i-
d id a s em « te o lo g ia » (o u m e ta fís ic a ), fís ic a ' e m a te m á tic a . A fís ic a tra ta d e c o is a s
qye possuem um a e x is t~ s e p a ra d a , m as não são im u tá v e is (is to é , « c o rp o s
n a tu ra is » que c o n tê m em si um a fo n te d e m o v im e n to e d e re p o u so ); a m a te m á tic a
tra ta de c o is a s que são im u tá v e is , m as não possuem um a e x is tê n c ia se p a ra d a
(q u e r d iz e r, n ú m e ro s e fig u ra s e s p a c ia is que apenas possuem um a e x is tê n c ia
a d je c tiv a , com o s u b s tâ n c ia s q u a lific a tiv a s ); a te o lo g ia tra ta de c o is a s que pos-
suem , s im u lta n e a m e n te , e x is tê n c ia s se p a ra d a s e são im u tá v e is (is to é , s u b s tâ n -
c ia s q u e e x is te m in d e p e n d e n te m e n te d e q u a lq u e r re la ç ã o com a m a té ria ); o seu
nom e d e v e -se ao fa c to de a . p rim e ira dessas s u b s tâ n c ia s p u ra s ser D eus I.

A « fís ic a » , ta l c o m o é d e firiid a , é o b je c to de um a lo n g a s é rie d e tra b a lh o s d e A ris tó -


te le s . Q ue e s ta s e ja pensada com o fo rm a n d o um a u n id a d e .é in d ic a d o na
a b e rtu ra dos Meteorologica. A í, A ris tó te le s a firm a te r tra ta d o 1) das p rim e ira s

causas da n a tu re z a (is to é, os e le m e n to s c o n s titu in te s que, na Física I, lI,


m o s tra se re m im p líc ita s a to d a a m udança) e do m o v im e n to n a tu ra l em g e ra l
(Física III-V III); 2) da o r 'd e m e m o v im e n to ' das e s tre la s (De Caelo, I, 1 1 ), d o
n ú m e ro e n a tu re z a dos e le m e n to s te rre s tre s e. das suas tra n s fo rm a ç õ e s U ns nos
o u tro s (De Caelo; 111, I V ) ; .3 ) d a g e ra ç ã o e c o rru p ç ã o em g e ra l (De Generatione

71

.. j
I

A RIS T6 TELES A FILOSOFIA DA NATUREZA

et Corruptione). P ropõe-se tratar 4) das «coisas que acontecem de acordo com a SUBSTRATO, FORM A, P R IV A Ç Ã O
natureza, m as com um a natureza m enos ordenada do que a do prim eiro ele-
m ento (ou celestial), na região que toca m ais de perto o m ovim ento das estre-. A s doutrinas dos «filósofos naturais» (por oposição aos eleáticos que,' em
las» 2 (Meteorologica); e 5) dos anim ais e plantas em geral, de acordo com as princípio, negam a existência da natureza) são principalm ente de duas espécies.
suas espécies (os trabalhos biológicos). A lguns defendem a existência de um corpo subjacente a partir do qual são
''": C om o verem os, o m ovim ento vai do geral para. o particular 3. A Física geradas todas as outras coisas segundo um processo de condensação e de rare-
( "trata, de facto, do corpo natural em geral, da natureza com um de todos esses facção. O utros, defendem a existência de diferenças qualitativas fundam entais
1/ corpos que contêm em si a fonte do m ovim ento e do repouso. Isto inclui não entre as coisas, m as que todas elas provêm de um a única m assa na qual todas as
) som ente os corpos vivos com o tam bém os elem entos e os seus com postos inor- ('«contrariedades» estão presentes. A ristóteles critica esta segunda doutrina 7.

'I gânicos. T am bém estes possuem um a tendência inata para o m ovim ento - quer \ O que A ristóteles encontra de com um em todas as escolas anteriores é o seu

1
! em círculo, quer a partir do centro do universo ou em sua direcção. M esm o as reconhecim ento dos contrários com o prim eiros princípios. R aro e denso, vazio e
i coisas m anufacturadas possuem um m ovim ento natural, porquanto os seus cheio, ser e não-ser, alto e baixo, frente e trás, direito e curvo, todos estes
I m ateriais são constituídos por corpos naturais. M as o m ovim ento com o coisas contrários desem penham um im portante papel em todas as teorias anteriores.
I m anufacturadas é algo que lhes é im posto pela m ão do artesão que as fabrica e E ste facto segue-se da natureza dos prim eiros princípios. 1) N ão devem ser
lpela do que as utiliza 4. " gerados um do outro, nem de qualquer outra coisa; e 2) todas as outras coisas
A Física apresenta-se com o tratando da «ciência da natureza», m as não devem gerar-se a partir deles. O s contrários prim ordiais, quaisquer que sejam ,
propõe no seu início qualquer explicação sobre o que se entende por «natureza». satisfazem evidentem ente estas condições. C ontudo, a doutrina pode ser confir-
A ntes dela, existe toda um a série de trabalhos «sobre a natureza», pois este foi o m ada por um único argum ento m ais elaborado. T udo no m undo requer a
títuI.O favorito dos pré-socráticos; ~ à luz dest~ s prim eiros trabalhos A ristó~ eles presença de um carácter particular a partir do qual em erge, isto se puserm os de
) podIa esperar que este term o estivesse suficientem ente claro. P or este titulo parte as conexões acidentais. O branco pode provir do m usical apenas porque o
pretenderia designar, quer \lm a intenção de tratar da realidade últim a de que são não-branco acontece ser m usical. R igorosam ente falando, provém do não-

t feitos os corpos
váveis. A im portância
da experiência
m ateriais,

são representados
quer a natureza
da descoberta
das causas das m udanças
das causas é sublinhada
com o um a m assa confusa
neles obser-
no início. O s factos
que deve ser anali-
-branco,
interm édios
fundo,
isto é, do que é preto,
são form ados
o que se transform a
por
ou interm édio
um a
num qualquer
m istura
entre o branco
de contrários,
estado pressupõe
e o preto,
de form a
ser o contrário
E os
que, no
desse
sada até que encontrem os as suas últim as im plicações, as «origens», as «causas» ou m esm o estado 8.

os «elem entos» que são «claros por natureza», apesar de para nós o serem inicial- P ortanto, existem pelo m enos dois prim eiros princípios, m as não pode
m ente obscuros E stas causas originárias podem ser encaradas de pontos de haver um núm ero infinito pois, I) se assim fosse, o ser seria incognoscível; 2) a

1
5.

vista. diferent~ s. M as existe um ponto de vista, afirm a A ~ istóte~ e~ , ~ ue .co~ d~ z à substância é um género, e um géneroapenas pode possuir um contrário funda-
abolIção da filosofia natural - o que pretende que a realIdade e um ca, Indivisa e m ental; 3) é possível derivar a re.alidade de um núm ero finito de princípios, e
im utável. D evem os tom ar com o estabelecido pela experiência que a m udança um a explicação sim ples, quando é possível, é m elhor do que um a m ais com -
existe, e tal deve ser tom ado com o nosso fundam ento. C ontudo, o eleatism o plexa; 4) alguns contrários são obviam ente derivados, m as os prim eiros princí-
desem penhou um papel tão grande no pensam ento gr~ go que A ristóteles não o pios devem ser eternos, não-derivados. C ontudo, não podem os reduzir os nossos
pode apagar por u"m m ero apelo à experiência. P rossegue, aponfando as várias princípios a dois, com o a econom ia parece.sugerir, poi0a densidade nãoactua
coriJusões em que esta doutrina se funda 6. .'" no rarefeito, nem vice-versa; o am or não une a discórdIa, nem a discórdia separa
o am or. D eve haver um a terceira coisa a partir da qual um a une e a outra separa.
2) N ão parece existir nada cuja substância seja, inteiram ente, um de dois contrá-
rios. O s contrários são, essencialm ente, adjectivos. P ressupõem um a substância
à qual são inerentes. 3) A substância nunca é contrária à substância. T ratar os
contrários com o prim eiros princípios é, então, derivar a substância de não-
-substâncias. C ontudo, não pode haver nada anterior à substância. E ntão, deve-
2 Me/eor., 338' a 26-b 3.
3 Phys., 184 a 23, 200 b 24.
4 192 b 9-20. .
5 Ibid, I, I. 7 1.4.
6 1.2, 3. 8 1.5.

72 73
A R lS T Ó T E L E S i
r
A F lL O S O F lA DA NA TUREZA

I
m os p re ssu p o r um te r tiu m q u id re c o rre n d o , p a ra isso , ao p o n to d e v ista dos n o e sta d o p u ro , m a s é se m p re c o n stitu íd a d e u m a fo rm a . P e lo m e n o s, e x iste c o m
p rim e iro s p e n sa d o re s q u e a d m itia m um ú n ic o su b stra to m a te ria l p a ra to d a s as ta n ta fo rm a , o u c a rá c te r d e fin id o , c o m o a q u e e stá im p líc ita n o fa c to d e se r, q u e r
c o isa s. M as não devem os id e n tific a r e ste ú ltim o su b stra to com q u a lq u e r dos é te r, q u e r fo g o , a r, á g u a o u te rra . E ste s sã o o s « c o rp o s n a tu ra is» m a is sim p le s, e
c o rp o s e le m e n ta re s ó b v io s. O fo g o , o a r, a te rra e a água in c lu e m c o n trá rio s na se , p o r v e z e s, a fo rm a e x iste n o e sta d o p u ro , não se tra ta d a fo rm a d a s c o isa s
su a n a tu re z a - por e x e m p lo , o fo g o m o v e -se e m d ire c ç ã o a o a lto , a te rra ao [ físic a s. A s ú n ic a s fo rm a s p u ra s sã o D e u s, a s in te lig ê n c ia s que m ovem a s e sfe ra s
b a ix o . S e ria m a is ra z o á v e l id e n tific a r o su b stra to com a lg o d e in te rm é d io e n tre
t e , ta lv e z , a ra z ã o hum ana a n te s e d e p o is d o se u p e río d o d e u n iã o c o m u m c o rp o .

I
o s q u a tro « e le m e n to s» . E m se g u n d o lu g a r, devem os n o ta r q u e a p riv a ç ã o não é u m te rc e iro e le m e n to
--" Um ú n ic o su b stra to , e os c o n trá rio s d ife rin d o por e x c e sso e d e fe ito de e n v o lv id o n a n a tu re z a d e u m a c o isa c o m o s e r . T e r u m a fo rm a é, ip s o fa c to , se r
a lg u m a q u a lid a d e , - sã o e ste s o s p rin c íp io s q u e u m e stu d o sim p le s da m udança

I
d e sp ro v id o d a fo rm a o p o sta , e e ste ú ltim o fa c to não n e c e ssita d e se r m e n c io -
re v e la , e sã o e ste s, d e fa c to , o s p rin c íp io s a q u e o p e n sa m e n to a n te rio r chegou. nado, ta l com o o p rim e iro . É n o e stu d o do d e v ir das c o isa s que te m de
N ada se g a n h a , e a lg o é p e rd id o , p e lo re c o n h e c im e n to d e m a is d e trê s p rin c íp io s. re c o n h e c e r-se a fa se d a p riv a ç ã o - d a í a su a im p o rtâ n c ia n a F í s i c a e a su a p o u c a
D os p rin c íp io s p a ssiv o s, um é su fic ie n te m e n te c la ro . C o n tu d o , se p e rm itirm o s
, im p o rtâ n c ia , em te rm o s c o m p a ra tiv o s, na M e ta fís ic a .
m a is d e u m par d e p rin c íp io s a c tiv o s c o n trá rio s, cada p a r re q u e re rá u m p rin c í- A ristó tt:le s a c re sc e n ta q u e o su b stra to não vem n e m d e sa p a re c e n o se r. S e
p io p a ssiv o d ife re n te so b re o qual tra b a lh a r. P a ra a lé m d isto , a su b stâ n c ia , fo sse g e ra d o , im p lic a ria u m su b stra to p e rm a n e n te a p a rtir d o q u a l fo sse g e ra d o
se n d o u m g é n e ro ú n ic o , apenas pode p o ssu ir p rin c íp io s q u e se d istin g u e m p e la - m as re sid e p re c isa m e n te a í a su a n a tu re z a . S e fo sse d e stru íd o , a lg u m o u tro
su a o rd e m de p rio rid a d e , e não por p rin c íp io s fu n d a m e n ta is g e n e ric a m e n te su b stra to p e rsistiria . A ssim , te ria q u e s e r a n te s d e v ir a o se r, e se r d e stru íd o a n te s
d ife re n te s. E n tã o , podem os se g u ra m e n te d iz e r q u e não e x iste m , nem m enos de de poder se r d e stru íd o 12.

d o is, nem m a is d e trê s p rim e iro s p rin c íp io s 9.

O « d e v in > é e n c a ra d o de duas fo rm a s d ife re n te s: d iz e m o s «o hom em to rn a -se NATUREZA


m ú sic m > e « o n ã o m u sic a l to rn a -se m u sic a l» . N o p rim e iro c a so , a q u ilo q u e se to rn a
p e rsiste ; n o se g u n d o , d e sa p a re c e . M a s, quer d ig a m o s « a to rn a -se b» o u « n ã o -b O se g u n d o liv ro d a F í s i c a d iv id e -se e m trê s p a rte s p rin c ip a is. O c a p ítu lo I
to rn a -se b » , o q u e a c o n te c e se m p re é que a -n ã o -b se to rn a a b . O p ro d u to c o n té m tra ta do sig n ific a d o d e « n a tu re z a » ; o c a p ítu lo 11 d a d istin ç ã o e n tre a físic a e a
d o is e le m e n to s (u m su b stra to e um a fo rm a ), m as é p r e s s u p o s to um te rc e iro m a te m á tic a ; o s c a p ítu lo s I1 I-IX das « c a u sa s» que devem se r re c o n h e c id a s p e la
e le m e n to p e la m udança (a p riv a ç ã o d a fo rm a ). O su b stra to , a n te s da m udança, físic a . A ristó te le s com eça p o r d istin g u ira s c o isa s q u e e x iste m p o r n a tu re z a , das
e ra n u m e ric a m e n te u m , m a s in c lu ía d o is e le m e n to s d isc e rn ív e is - o q u e p e rsiste o u tra s. A s p rim e ira s sã o : I) o s a n im a is e a s su a s p a rte s; 2 ) a s p la n ta s; 3) os
p a ra a lé m da m udança e o q u e é sU b stitu íd o p e lo se u o p o sto . D aqui e x tra e m -se c o rp o s sim p le s. A d istin ç ã o ó b v ia é a d e e sta s, com o ta l, p o ssu íre m e m si u m a
trê s p re ssu p o sto s de m udança: a m a té ria , a fo rm a e a p riv a ç ã o 10. O s p rim e iro s - fo n te de m o v im e n to ou d e re p o u so , e n q u a n to a s c o isa s m a n u fa c tu ra d a s tê m
p e n sa d o re s e sta v a m enganados q u a n to ao p ro b le m a do d e v ir: a q u ilo que é um a te n d ê n c ia p a ra o m o v im e n to (p o r e x e m p lo , p a ra c im a o u p a ra b a ix o ), não
a p a re n te m e n te não pode p ro v ir d a q u ilo que é , nem d a q u ilo q u e n ã o é . A ristó - com o ta l m a s e m v irtu d e d o m a te ria l d e q u e sã o fe ita s. A ristó te le s n e m se m p re
te le s re so lv e a q u e stã o a firm a n d o : I) q u e nada vem ao se r sim p le sm e n te p e lo in c lu i n a ~ u a n o ç ã o d e « n a tu re z a » a n o ç ã ~ d e u m p rin c íp io de re p o u so , e , se g u n d o
n ã o -se r. Uma c o isa vem ao se r a p a rtir da su a p riv a ç ã o , o que é re a lm e n te e le , o s c o rp o s c e le ste s n ã o p o ssu e m ta l te n d ê n c ia . M a s e ste s n ã o sã o a q u i m e n -
s im p lic ite r n ã o -se r; m as vem ao se r, não s im p lic ite r , m as por a c id e n te . N ão c io n a d o s e n tre _ a s « c o isa s q u e e x iste m p o r n a tu re z a » , e , p o r o u tro la d o , n ã o tin h a
- p o d ia v ir a o se r a p a rtir dum a m e ra p riv a ç ã o ; m as apenas p e la p riv a ç ã o num a in d a e sta b e le c id o a su a e x istê n c ia .c o m o c o isa s nunca re p o u sa n d o , ou se ja ,
su b stra to . E, um a v e z m a is, n a d a vem a o se r s i m p l i c i t e r p e lo se r. V e m a o se r a _se m p re em m o v im e n to . Todos o s p ro c e sso s n a tu ra is, com excepção do m o v i-
p a rtir do que é a c id e n ta lm e n te , m as não a p a rtir d e le c o m o se r, m a s c o m o não m e n to -d o s c o rp o s c e le ste s - o m o v im e n to p a ra c im a e p a ra b a ix o d o s e le m e n to s
se n d o a c o isa p a rtic u la r que vem à e x istê n c ia . 2 ) A d ific u ld a d e é u ltra p a ssa d a te rre stre s e dos se u s c o m p o sto s, o c re sc im e n to das p la n ta s e dos a n im a is, a
p e la d istin ç ã o d e g ra u s d e se r - p o te n c ia lid a d e e a c tu a lid a d e : u m a c o isa p ro v é m m udança q u a lita tiv a -, p o ssu e m um te r m in u s ad. quem p a ra o qual n a tu ra l-
de a lg o q u e . é p o te n c ia lm e n te m as n ã o _a c tu a lm e n te 11.
m e n te se d irig e m p a ra re p o u sa r.
->A m a té ria e a fo rm a d a s. c o isa s físic a s, d e v e -n o ta r-se , sã o e le m e n to s d isc e r- A ristó te le s e x p rim e -se u su a lm e n te com o se , no m o v im e n to a sc e n d e n te e
n ív e is p e lo p e n sa m e n to , m a s in se p a rá v e is n a re a lid a d e . A m a té ria nunca e x iste d e sc e n d e n te dos e le m e n to s e se u s c o m p o sto s, e no. dos a n im a is, h o u v e sse um
com eço de m o v im e n to p e lo in te rio r, re sid in d o a q u i, d e fa c to , a d istin ç ã o que

9 1.6_
10 I. 7 .
.1 1 1 .8 . 12 1.9_

74 75
A R IS T 6 T E L E S
A F IL O S O F IA D A N A T U R E Z A

estabelece entre objectos naturais e m anufacturados. M as, quando exam ina se Por detrás destes usos da palavra «natureza» em A ristóteles, tem os de reco-
o .m O V im ento pode algum a vez com eçar ou cessar, observa que esta im pulsão nhecer o seu uso em m uitas outras frases, de que a expressão «a natureza não faz
. aparente do m ovim ento não é um im pulso real. I) O s m ovim entos locais dos nada em vão» representa um exem plo típico. A qui, deve considerar-se a na~u-
anim ais devem -se aos m ovim entos im pressos nos seus corpos pela com ida e reza, não com o u'm princípio transcendente, m as com o um term o col~ctlvo
alim entação, bem com o pelos processos consequentes da sensação e desejo abarcando as naturezas de todos os «corpos naturais» trabalhando Juntas
introduzidos nas suas alm as /3. E 2) os m SV }}llentos <m aturais» dos corpos inani-
harm oniosam ente.
m ados são iniciados por si próprios, m a s . a c i d e n t a l m e n t e por aquilo que rem ove
o obstáculo contrário ao seu m ovim ento natural; e, d i r e c l a m e n t e , por aquilo que FÍSIC A E M A TEM Á TIC A
os gera e os fez, respectivam ente, leves ou pesados (isto é, presum ivelm ente,
pelos «contrários prim ordiais» quente e frio, os quais são os princípios operativos D e seguida 16, A ristóteles define o carácter da física: I) com parando o seu
na produção de corpos leves a partir dos pesados, ou de pesados a partir dos objecto com a das m atem áticas; 2) considerando quando é que esta estuda a
leves). A ssim , os corpos inanim ados possuem em si próprios «um princípio de natureza com o m atéria ou com o form a. I) N a prim eira questão debate-se com
ser-m ovido», m as não um «princípio de m otricidade» 14.
'um a dificuldade. O s corpos estudados pela física com portam «planos e volum es,

I
Então a natureza é um «im pulso inato para o m ovim ento». A sua existência é linhas e pontos», o!: quais são objecto de estudo das m atem áticas. O s objectos das
óbvia à experiência, não necessitando de dem onstração. Q uerer dem onstrar a
duas ciências são, então, num sentido, idênticos. Então, com o podem os
sua existência equivaleria a porm o-nos na posição de um cego que fosse obri- distingui-los? A resposta é que o m atem ático estuda, de facto, estas coisas, m as
gado a argum entar sobre as cores devido a não as poder apreender direetam ente.. não com o «lim ites de um corpo físico». O objecto das m atem áticas, apesar de
A ristóteles observa haverem duas opiniões fundam entais acerca da «natureza»
inseparável do corpo físico m óvel, é estudado abstraindo do m ~vim ent.o, : esta
das coisas. A lguns pensadores fundam entam -na na m atéria, na «qual está direc- abstracção não envolve erro. O erro levado a efeito pela teona das Idelas de
tam ente presente um a coisa dada, num ser em si próprio inform ado». O vulgo Platão é a tentativa de ~bstrair da m atéria, entidades em cuja natureza ao contrá-
fala da m adeira com o sendo a «natureza» dum a cam a, a sua m atéria que persiste rio do que acontece com os objectos m atem áticos, está envolvida a m atéria. Par e
relativam ente inform ada. C ontudo, a própria m adeira pode possuir um carácter
ím par, direito' e curvo, núm ero, linha e figura podem ser estu~,ad~s fora das suas
transiente se disser respeito a algo m ais fundam ental, por exem plo, a terra, a
relações com o m ovim ento. M as a carne, os ossos e o hom em Ja ~ao o po~em ser.
qual seria então a ,m .atureza» dlr m adeira. D evido a este facto, o fogo, o ar, a água-
São para o objecto das m atem áticas - para usar o exem pl~ favon~o de A nstóteles
e a terra são todos descritos com o constituindo a natureza das coisas, a m atéria ~ o m esm o que «em pertigado» é para «curvo». «Em pertlgad~» e um term o que
eterna da qual tudo o resto não passa. de m odificações passageiras. O utros, apenas pode ser definido por um a certa qualidade - ~ concaV idade - dum certo.
identificam a natureza das coisas às suas form as, tal com o esta é estabelecida . objecto físico -um nariz; .«curvO » pode ser .defim do, e .podem est~belecer-se
pela sua definição, ou seja, com o carácteÍ' por elas possuído quando atingem o proposições sobre ele sem serem .introduzidas quaisquer referência~ ~estas 17. Uma
seu pleno desenvolvim ento. Para A ristótele~, a nature"za de um a coisa reside é.o resültado de um a abstracção, a outra o resultado de um a adlçao ou concre-
m ais aqui do que na sua m atéria, pois um a coisa é o que é, possui a sua natureza, ção 18. O m atem ático fazabstracção de todo o sensível.J!- por exem plo, do p:so e
de m odo m ais pleno, desde o m om ento em que existe com o acto, quando atinge leveza do duro e m oleza, do quente'e frio 19. N um a C O Isa dada, apenas conSidera
a sua form a, m ais do que no m om ento em que apenas existe em potência, isto é, o qua~titativo e <> continuo, bem . com o. os seus atributos. A aritm ética, trata da
quandei existe apenas a sua m atéria /5. H abitualm ente, identifica a natureza'
quanÚ dade discreta ou' sem extensão; a geom etria da qua~t~dade contín~a ou
enquanto capacidade' de m ovim ento com a natureza com o form a. A form a, ou
. extensa 20. O s objectos geom étricos possuem um a certa m atena, m a~ esta e pura
m odo de' estrutura de um a coisa - por exem plo, dum anim al -, é aquilo extensão, m atéria inteligível, não sensível, física ou sujeita ao m ovim ento 21. É
justam ente em virtude do qual se m ove, cresce, se altera, e atinge o repouso
quando chega ao term o .do seu m ovim ento. E, inversam ente, o poder de m over-
-se, crescer e de alterar-se num certo sentido definido é justam ente a form a, ou
carácter, de cada coisa.

16 11. 2.
17 M e l . , 1025 b 30-1026 aiO .
18 D e 299 a 15. ele ..
C a e /o ,
13 253 a 7-20, 259 b 1-16. 19 M e l , ' , 1061 a 28-b 3.
14
254 b 33-256 a 3. çf. D e C a e /o , 311 a 9-12. 20 C a l" 4 b 2Ô segs,; M e l . , .1020 a 7-14.
15 li. 1. .2 1 M e l., 1036 a 2-12. b 32-1037 a 5; D e A n ., 403 b 17.

7.6 77
N o u tro lad o , trata estas C iên cias co m o n itid m n cn le su b o rd in ad as às m ate-
isto q u e to rn a p o ssív el a p lu raJid lJd t: tIo s IlIld ig lv c:is, d o lllesn W n liH I\l IP i!' ti m áticas p u ras, n o sen tid o em q u e o p eram co m alg u m as esp écies p articu lares de
m atéria sen sív el to rn a p o ssív el a p lu ralid ad e d o s sen sív eis. M as, n em UH m alt ln l!l' lin h as ou co m alg u m as esp écies p articu lares de n ú m ero s 26. C o n tu d o , reco -
ticas n em a física lev am em lin h a d e co n ta as d iferen ças in d iv id u ais: () o b jeclO dv h ece um a nova co m p licação ao d istin g u ir a ó p tica m atem ática, que é um a
to d a a ciên cia é o u n iv ersal; a esp écie. A física estu d a, n ão a m atéria d estl~ iH l ~ P licação esp ecial d a g eo m etria, d a ó p tica física, q u e é ~ ~ a a!,licação esp ecia~ d a
d aq u ele h o m em , m as o tip o d e m atéria co m u m a to d o s o s h o m en s, a qual ó p tica m atem ática - sen d o o m esm o v álid Q p ara a d ~ stm çao en tre h ar~ o m a e
co n stitu i o su b strato u n iv ersal d a fo rm a d ~ h o m em -'- o q u e S . T o m ás d esig n u astro n o m ia 27. N um a tal h ierarq u ia, a ciên cia su p en o r estu d a as razo es dos
d e m a t e r i a s e n s i b i l i s c o m m u n i s , o p o sta à '~ a te r ia i n d i v i d u a l i s . A p esar d e, reg r;. facto s co n stitu tiv o s d o o b jecto d as ciên cias in ferio res 2 8 :.. . '.

g eral, a m atéria se o p o r à d efin ição , a d efin ição física.d o h o m em , o u d e q u alq u cl' 2) O p ap el do físico é estu d ar a n atu reza nos d O IS sel).tld o s aC im a es-
o u tra esp écie, d ev e in clu ir um a m en ção à m atéria p ró p ria às esp écies d efin i" p ecificad o s - m atéria e fo rm a. A ristó teles ~ firm a q u e, se o lh arm o ~ .p ara o s
d as 22. N esta m atéria sen sív el tratad a p ela física, p o d em reco n h ecer-se d iv erso s seu s p red ecesso res, p o d erem o s su p o r q u e a fíS ica a~ en as ~ stu d a a m aten a. C on-
g rau s. S e p artirm o s. d a en tid ad e física m ais co m p lex a, um a co isa v iv a, a su u tu d o , b astam três co n sid eraçõ es p ara se m o strar n ao ser IS to v ~ rd ad e. a~

m atéria - q u e n ecessita d e ser esp ed ficad a num a d efin ição física co m p leta _. é (g u e n ão é sen ão u m a im itação d a n at~ reza) req u e~ ~ m co n h e~ lI:n en to , S im u lta-
um a certa co m b in ação d e « p artesh eteró m eras» , o u ó rg ão s _ p artes d iv isív eis n eam en te, d a fo rm a e, n u m a certa m ed id a, d a m aten ;'fU m m ed iC O d ev e co ~ h e-
em su b p artes d iferen tes em carácter, sim u ltan eam en te, d as p rim eiras e u m as d as ersim u ltán eam en te; a n atu reza d a saú d e e a d a « b 1 Íis e, fleu J.!} a» n ~ s q u ais a
o u tras -, n as q u ais, e ap en as n as q u ais, a fo rm a d a esp écie p o d e ser in co rp o ~ ~ ad d e se in co rp o ra. b) C ab e à m esm a ciên cia estu d ar o fim e o s m eio s. N o caso
rad a. Por seu lad o , a m atéria d estas é co n stitu íd a p o r certas « p artes h o m ó m e~ q u e n o s o cu p a, a n atu reza-co rn o -fo rm a de u~~ c?isa é o . fim p ara o q u al ten d e?
ras» , ou teC id o s, cu ja m atéria são os q u atro elem en to s 23. Os elem en to s 'seu d esen v o lv im en to ; a n atu reza-co m o -m aten a e o m elO d e esse fim ser reali-
. co n stitu em o s ex em p lo s m ais sim p les d a' m atéria sen sív el, p o is a ú n ica an álise zad o . A co n clu são q u e se ex trai d aq u i é q u e a física d ev e.es~ u d ar ta~ to a fo rm a
p assív el de lh es ser ap licad a é a que d istin g u e en tre m atéria p rim eira e os o rn O a m atéria. C o n tu d o , o arg u m en to su g ere (o q u e A n sto teles afirm a n o u tro
co n trário s tais co m o q u en te e frio , seco e flu id o . P o r o u tro lad o ; a m atél"iu ~ o calco m term o s p ró p rio s 29.l q u e o seu estu d o tem por o b jecto ' p rim eiro a
. p rim eira n ão é sen sív el,n u n ca se en co n tra so zin h a n a ex p eriên cia, sen d o ap el'!as fo rm a d as co isas, n ão s.e o cu p an d o d a m atéria sen ão n a m ed id a .em q u : tal:é
reco n h ecív el p e,lo p en sam en to ab stracto 24. ex ig id o p ara a realização d a fo rm a, c) A m atéria é alg o d e rel~ tlv ~ , p O IS q u e
~'-? S e a d istin ção g eral estab elecid a por A ristó teles en tre as m atem áticas e a fo rm as d iferen tes req u erem m atérias d ife.ren tes p ara a su a realIzaçao . C o n se-
física é satisfató ria, ap resen ta-se um a d ificu ld ad e esp ecial n o q u e' co n cern e às q u en tem en te, u m a v ez q u e o co n h ecim en to d u m term o relativ o im p lica o co n h e-
m atem áticas ap licad as - astro n o m ia, ó p tica, h arm o n ia, m ecân ica _, as « p artes cim en to do seu co rrelativ o , a física d ev e estu d ar am b as. M as ela ap en as
m ais físicas d a m atem ática» 25. A p aren tem en te, estas ciên cias tratam d e co rp o s co n sid era as fo rm as q u e, ap esar-d e sep aráv eis p elo p en sam en to ; estão in co rp o -
físico s, co n tu d o são m atem áticas n o s seu s m éto d o s, e A ristó teles ap erceb e-se rád as n a m atéria. A fo rm a v erd ad eiram en te sep aráv el é o o b jecto , n ão d a física,
de que são g eralm en te tratad as co m o ram o s d as m atem áticas. N o en tan to , na m as d a filo so fia p rim eira. . '. . .
p resen te p assag em , trata-as a to d as co m o ciên cias físicas. «A g eo m etria co n si-, Q u al é a fo rçá d esta ex p o sição , m u ito ab stracta, d o o b Jecto d a flslca? A .su ~
d era u m a lin h a física, m as n ão e n q u a n t o q u e física; a Ó p tica ~ ô n sid era u m a lin h a in ten ção é d istin g u ir a física de d u as esp écies de estu d ? en tre as q u ais e
m atem ática, m as n ão e n q u a n t o q u em ate'm ática, m as sim e n q u a n t o q u e física» . in term éd ia. D ev em o s d istin g u i-la, por um lad o , da m etafIslca, d o estu d o da
N o en tan to , a su a ex p licação n ão se ap resen tá de um m odo in teiram en te claro . fo rm a p u ra ex istin d o sep an id am en te 3 0•. P o u cas são as fo rm as, n o p en sa~ en to
U m p o u co an tes; p arece q u erer 'd izer q u e co isas co m o ' a fo rm a d o so l e d a lu a d e A ristó teles, que ex istem p u ras: D eu s é u m a fo rm a p u ra, talco m o o sao as .
p o d em ser co n sid erad as,: sim u ltan eam en te, p elo físico e p elo m at,em ático ,'"'
tratan d o -as este ú ltim o . « n ão co m o o lim ite de um co rp o físico » . P o r o u tras
p alav ras, a astro n o m iá m atem ática e as ciên cias su as p aren tes são aq u i tratad as
co m o sen d o ex actam en te d a m esm a n atu reza d as m atem áticas p u ras, n o sen tid o
.2 6 An. P o s t., 75 b 14, 76 a 9, 22, 87. a 31~37;
em q u e ,o p eram co m realid ad es co n cretas, m as tratam -n as co n sid eran d o . certo s 21 I b i d . , 7 8 b 3 5 -7 .9 a '1 3 . _
'atrib u to s, ab straíd o s d a su a realid ad e co n creta. . . 28 I b id ., 7 6 a 9 -1 3 , 7 8 b 3 4 , 7 9 a 1 0 - I3 . C f. p . (5 5 ).

29 1025 b 27.
M e t" . .. .,. d 'fi Id d
22 D e A n ., 4 0 3 a 2 5 -b 1 2 ; M e t., 1 0 3 5 b 2 7 -3 1 , 1 0 3 7 a 5 -7 , 1 0 4 3 a 1 4 -1 9... 30 S en d o a fo rm a e a m atéria term o s co rrelativ o s, n ão p o d em o s adm itIr .sem _I IC .U a_ e,::
23 P. A" 6 4 6 a 1 2 -2 4 . v isão d e A ristó teles, -q u e a fo rm a ex ista, p o r v ezes, n o estad o p u ro . D e facto , Isto n ao e sen ao .u
24 D e G en. et C o ~ r ., 3 2 9 a 2 4 -2 6 . .m o d o d e d izer-se q u e, p o r v ezes, aig o ex iste so zin h o , o q u al; co m o o elem en to fo rm al n as cO Isas
co n cretas, é In telig ív el d e p arte em p 8 :rte.
25 An. 7 5 b 1 4 -1 7 , 7 6 a 2 2 -2 5 ,. 7 8 b 3 5 -3 9 , 8 7 a 3 1 - 3 7 ; P h y s . ,
P o s t., 1 9 3 b 2 5 -3 0 , 1 9 4 a 7 -1 2 ;
M e t.; 9 9 7 ti 2 0 -9 9 8 a 6 , 1 0 7 3 b ~ 8 , 1 0 7 7 a 1 -6 , 1 0 7 8 a 1 4 -1 7.

. 78
79
i--'
ARISTÓTELES A FILOSOFIA Df'! NA TUREZA

inteligências que m ovem as esferas ou o elem ento racional na alm a do hom em . dito ser «um hom em profissional» com o «um m édico». 4) Se A é um concom itante
A física não se ocupa com nenhum a destas form as. M as, por outro lado, a física de B que, por sua vez, é a causa de C , pode dizer-se que A é per accidens a causa
distingue-se de um estudo concentrado inteiram ente na m atéria, a qual reduz l:lm de C . A verdadeir<L Ç ~usa de um a estátua-é._~u.IIL t:S.C .U 11mm:»,
as se o escultor é
corpo vivo, por exem plo, ou um com posto quím ico inanim ado, aos seus elem en- policleto, devem os dizer ser Policleto a sua causa. 5) Podem os estabelecer a
tos, sem levar em linha de conta a estrutura que faz do corpo vivo, ou do causa de um efeito B , quer com o um A , o possuidor da faculdade, quer com o um
com posto, aquilo que ele é. D e facto, A rist6teles pronuncia-se a favor da teleo- «A exercendo a faculdade». A causa da construção de um a casa é tanto «um
logia e contra o mero m ecanicism o, a favor do estudo das partes à luz do todo, construtom com o «um construtor construindo». 6) A s causas em actoe indivi-
em lugar de se considerar o todo com o um a m era som a de partes. A física é o duais são sim ultâneas em origem e paragem relativam ente aos seus efeitos.
estudo, não da form a nem da m atéria sozinhas, m as da m atéria inform ada ou da O m esm o já não se passa com as causas potenciais. U m a casa e o seu construtor
form a m aterializada 3'. não necessitam de desaparecer sim ultaneam ente, m as se um construtor estiver
em vias de construir um a casa, essa casa deve ser construída, e vice-versa.
-/ AS QUATRO C A U SA S 7) D evem o-nos preocupar com o estabelecim ento da causa precisa. Por exem plo,
podem os dizer ser um hom em a causa de um a casa, não por ser um hom em , m as
A rist6teles passa agora 32 ao problem a da determ inação das causas que antes por ser um construtor; e um construtor constrói um a casa unicam ente
operam na natureza - o problem a está posto desde o início da Física. C onhecer porque possui a arte da construção. Isto, em virtude do qual outras coisas são a
é conhecer as causas 33. E ntão, a física tem por papel o estudo dlls~ªusas das causa do efeito, designa-se de sua causa precisa.
,,- / m utações físicas. É necessário espeéificar que espécie de causas o. físico 'd-eve _/ D eve notar-se que, das quatro causas de A rist6teles, apenas duas, a efi-
procurar. E A ristóteles responde a esta questão dizendo existirem quatro espé- ciente e a final, respondem ao significado natural de «causa~)em português. Pensa-
cies, a saber: 1) o term o «causa» é dito aplicar-se prim eiro «àquilo de que um a m os na m atéria e na form a, não com o relativas a um acontecim ento por elas cau-
coisa é feita e que se encontra aí presente com o um constituinte do produto», tal sado, m as com o elem entos estáticos que a análise descobre num a dada coisa
com o acontece com um a estátua e com o bronze de que é feita. '2) A plica-se à com plexa. Isto resulta do facto de pensarm os na causa com o algo de sim ulta-
«form a ou m odelo, isto é, à fórm ula da quididade e seus géneros da coisa em neam ente necessário e suficiente para produzir um certo efeito. C ontudo, para
questão»_ A ssim , a relação 2: I é a fórm ula da oitava. 3) É aplicado àquilo «de que A rist6teles, nenhum a das quatro causas é condição suficiente para produzir um
provém a origem im ediata do m ovim ento ou do repouso». E sta causa deve ser acontecim ento, E , dum m odo geral, podem os afirm ar que, segundo o seu ponto
procurada no dom ínio da conduta (aquele que aconselha um acto é a causa deste de vista, são precisas as quatro causas para que se dê a produção de qualquer
acto) e no da naturéza (o pai é a causa da criança). E m geral, a relação é a de efeito. E ntão, tem os de pensar nas suas «causas» com o condições necessárias, m as
agente à coisáfeita, de produtor de m udança à coisa que a sofre. 4) O term o não independentem ente suficientes, para. dar conta da existência'de um a coisa.
«causa» é aplicável ao «fim ou objectivo». N este sentido; a nossa saúde é a causa E se as olharm os deste m odo, deixarem os de nos surpreender por a m atéria e a
do nosso passeio. form a serem designadas causas, pois, por certo, sem elas nenhum a coisa pode
A lguns pontos im portantes são tratados com parativam ente com as quatro ser ou tornar-se. Na realidade, A rist6teles reúne aqui sob o título geral de
causas. 1) U m a coisa tem causas pertencendo a m ais de um a destas espécies. «causa», isto é, condição necessária, os' dois elem entos internos ou constitutivos
2) D uas coisas podem ser a causa um a da outra.fO exercício é a causa eficiente da já descobertos pela análise do devi r, sendo por isso om itida (a .privação, que é um a
sa'úde, a saúde a causa final do exercício'. Por butras palavras, o m ecanism o e a condição prévia, m as não um elem ento constitutivo), e as duas condiçõeS externas
teleologia não são trJ.utU am ente exchislvos. Q uando A determ inam ecanica- que se m anifestam naturalm ente ao espírito: a causa eficiente, ou vis a lergo, 'e a
m ente B , tam bém deve ser verdadeiro que B determ ina teleologicam ente A. causa final, ou vis a fronte.
3) E m qualquer dos casos das quatro causas, podem os determ inar quer a causa Para A rist6teles, a «m atéria» não é um a certa espécie de coisa, com o quando
pr6xim a dum a coisa, proporcionada a esta, quer a sua causa longínqua, um falam os de m atéria por oposição a espírito. É apenas um term o puram ente
qualquer género que com preende 'a ca~sa pr6xim a. A causa da saúde pode ser relativo - relativo à form a 34. D esigna os m ateriais' de um a coisa' com o
opóndo-seà estrutura que os m antém reJInidos, o .determ inável com o oposto ao
determ inante. E a distinção entre m atéria e form a reside em níveis m uito dife-
rentes no interior da coisa concreta. N o dom ínio da arte, o ferr(),'_que é um
3',De An. 403 a 29-b 9; P. A., 645 a 30-36.
32 Phys,. 11, 3.

33 An. Post., 71 b 9-12. 94 a 20; Phys., 184 a 10-14.


34 194 b 9.

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80

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A R IS T Ó T E L E S A F IL O S O F IA DA NA TUREZA

produto finito para o ferreiro, constitui um a m atéria para o fundidor. E no alm a»; e a form a que está na sua alm a é aquilo que o im pulsiona ao trabalho de
dom ínio da natureza, os elem entos - que são o produ~o determ inado da m atéria incorporação na m adeira ou no m árm ore. E , na natureza, a form a que deve
prim eira + os contrários prim ordiais quente e frio, seco e fluido -, são, eles encontrar um novo incorporam ento está já presente, sendo a causa do
próprios, m atéria relativam ente aos seus com postos sim ples, os tecidos. E stes, m ovim ento.
por seu turno, são m atéria relativam ente aos órgãos, e estes últim os relativa- O principal exem plo deste m ovim ento natural é o envolvim ento na repro-
m ente ao corpo vivo. A m atéria prim eira, deve notar-se, nunca existe isolada. Os dução. A qui, o parente m acho, cuja função na reprodução é considerada apenas
elem entos são as coisas físicas m ais sim ples, e neles, a distinção entre m atéria e com o sendo a da form a, encontra na m atéria fornecida pelo parente fêm ea um
form a apenas pode ser efectuada m ediante um a abstracção do pensam ento. novo incorporam ento para a form a da espécie. .
A m atéria segunda existe isolada em todos os seus graus. N a experiência, por M as o m ovim ento, ou processo natural, possui form as m enos radicais que a
exem plo, encontram os não apenas tecidos com binados em órgãos, com o tam - produção de um a nova substância individual. E xiste a m udança de lugar, de
bém tecidos não com binados dessa form a. E a m atéria segunda pode ser sepa- qualidade e de tam anho. E m que sentido a causa form al-final é, tam bém aqui, a
rada de facto, e não m eram ente concebida com o separada da sua form a. Por causa eficiente? C ada tipo de coisa m aterial tem , segundo A ristóteles, um m ovi-
exem plo, os órgãos podem ser decom postos nos seus tecidos com ponentes. m ento natural, o qual se produz quando não existe qualquer interferência. E le
-;> Para A ristóteles, a «form a» abarca um a série de significados. Por vezes é tende para um a região definida do universo - o fogo para a circunferência, a
usada para designar o m odelo sensível, com o quando dizem os que o escultor terra para o centro. E star nessa região faz parte da sua própria form .a 35, e este
im põe um a nova form a ao seu m aterial. M as, a m aior parte das vezes, talvez, ela facto opera, quer com o causa final quer com o causa eficiente. N a m udança
é pensada com o algo que é m ais um objecto de pensam ento do que dos sentidos, de qualidade, e no crescim ento ou decadência, aplica-se o m esm o princípio.
com o a natureza íntim a de um a dada coisa expressa na sua definição: o plano da A qualidade e o tam anho que acom panham a realização do desenvolvim ento
sua estrutura. E m esm o os m odelos sensíveis podem expressar-se por um a pleno de um a qualquer coisa estão incluídas na sua form a, e operam com o
fórm ula m atem ática, em bora esta deva ser necessariam ent~ m uito com - um a causa final e, portanto, com o um a causa eficiente.
plexa. No seu todo, ~oPY 1Í relaciona-se com o m odelo sensível e EtOOÇ, com
a estrutura inteligível, sendo esta últim a o elem ento fundam ental na no-
ção aristotélica de form a. A ssim , À .óyoc; (fórm ula ou definição) e A C A SO
.", ,L i'jv dva.t: (< < o"que continua a ser o que era"», isto é, a essência) são.
utilizados constantem ente com o sinónim os de doos/M as, A ristóteles in- A ristóteles passa à consideração de algo que é visto usualm ente com o um a
dica am iúde a identidade entre a form a e as causas eficiente e final. C ontudo, causa adicional às quatro já m encionadas, a saber, a sorte e o acaso 36. T enta
se am bas se identificam , «o seu ser não é o m esm o> vA form a é o plano daestru- estabelecer a existência dum a tal coisa observando que: I) por detrás das

.
37

tura considerada com o inform ando um produto particular da natureza ou da coisas que a c o n te c e m sem pre do m esm o m odo, e daquelas .que a c o n te c e m na
arte. A .causa final é o m esm o plano m as ainda não incorporado na coisa par- m a io r p a r te dos casos, existem , por um acordo universal, acontecim entos que
\

ticular, ou seja, com o .constituindo o fim para que tende a natureza ou a arte. constituem e x c e p ç Õ e s às regras haQ ituais da nature~ O s m esm os acontecim en-
N o entanto, falar deste m odo, com o o faz m uitas vezes A ristóteles, é exprim ir-se tos, que A ristóteles descreve com o não acontecendo (~~!!!J;em pJ.e.ne.O L na.JJl-ªl.oL .
de .m odo abstracto. N em a natureza nem a arte são, para ele, forças existindo parte dos casos», EO tam bém caracterizados com o surgl~do p e r a c ç id e n s , ist()~ ..
por si. A natureza é a designação cblectiva em pregue para nom ear as naturezas «em virtude de um concom itante». Se B produz C , e A é um concom itante de B, .
respectivas de todos os .objectos niJ,turais; a arte um a designação do conheci- ou se A produz B, e C é um concom itante de B, A diz-se produzir C p e r a c c id e n s .
m ento actual residente em artistas individuais. A causa final na arte representa Se um a e a m esm a pessoa é um arquitecto e um a pessoa pálidaJ~álido.»
assim , de um m odo estrito, um a certa estrutura que alguns artistas se esforçam torna-se p e r a c c id e n s a causa de um a casa. U m a vez q~ não existe um a.r.azão
conscientem ente por incorporar num m aterial particular. A causa final na natu- pãrticular para gue um arguitecto neç_essite de ~-f.Jlm a_p.essoa-pálida,-ou-f'aI= a-
reza representa lim a estrutura com um a toda a ir ifim a s p e c ie s , para a qual os q~a pessoa pálida necessite de ser um arquitecto, um a produção de casas
. . - - - - - - - - - - - - - - - ~ - - - - - - - - - - - :- "--'
m em bros individuais da espécie tendem , sem qualquer propósito consciente de
renovar o seu corpo individual.
E sta causa form al-final é tam bém , evidentem ente, a causa eficiente. Para
A ristóteles, o. espírito é algo de totalm ente inform ado, caracterizando-se por
35 D e C a e /o , 311 a 1-6.
aquilo que conhece. A form a de um a cam a, ou de um . H erm es, tal com o é
36 P h y s ., 11, 4-6 .
. im aginariam ente apreendida por um artista, diz-s.e estar actualrnente «na sua 37 lI, 5.

82 83

,
,
A F IL O S O F IA Df't NATUREZA
A R IS T Ó T E L E S

~ A p esar d e ser este o u so estrito , d ev em o s n o tar q u e A ristó teles p o r v ezes


por p esso as p álid as n ão p o d e aco n tecer « n em sem p re n em n a m aio r p arte dos
em p reg a.-rú X T 1 \(so rte) no sen tid o g eral e,"o a.ú .• ó!J;a. .• o v (o fo rtu ito ) no sen -
S a.sos».. .
tid o d a esp écie 2 ).
M as, 2 ) n em to d o s os aco n tecim en to s ex cep cio n ais, ou acid en tais, são
E x iste u m a d iscu ssão d o fo rtu ito na M e ta fís ic a , a q u al n ão é fácil d e ser
aco n tecim en to s fo rtu ito s. O s aco n tecim en to s fo rtu ito s, p o r tu d o Jsto « ten d em
en q u ad rad a co m o ap o n tad o na F ís ic a . A í, d istin g u e d u as esp écies d e fo rtu ito :
p ~ ra u m fiI!l..l>Q
, u er d izer, p ro d u zem u m resu ltad o d ~ sejáv elq ~ p ~ d :rá co n sti-
o s q u e sim u lam , resp ectiv am en te, acçõ es d a arte e d a n atu reza. G rosso m odo,
tlllL ll.a tu r a lm e n te _ _ºI!Liim, < iu eL P L p ~ l1 !._ ~ ~ ~ .<. :>
< :l.e.I!
b e!:ad a d e ag en tes h u m an o s,
resp o n d em , m as ap en as grosso m odo, ao s caso s 1) e 2 b ) acim a referid o s.
q y er b ) p el~ esfo rço in co n scien te d a n atu reza. . .. ---- .. - . .
l) A ristó teles o b serv a 40 q u e a saú d e, q u e p o d e ser p ro d u zid a p o r u m ex ercício
. 'j D esd e o m o m en to que as co n d içõ es I) e 2 ) são reu n id as o b tem o s um a
co n scien te do m éd ico , tam b ém pode ser esp o n tân ea. A activ id ad e do m éd ico
relação d e « acaso » . P o r ex em p lo , u m h o m em v ai ao m ercad o . A i en co n tra o seu
d iv id e-se em d u as secçõ es: u m a, d e retro ced er, p elo p en sam en to , d o fim d ese-
cred o r a re~ e.b er u m d ad o m o n tan te d e u m a terceira p esso a q u e, tam b ém ela,
jad o até ao sen tid o im ed iato a ser ad o p tad o ; e a o u tra, d e ag ir p artin d o d estes
estav a em d iv id a. Isto é u m a relação d e « acaso » p o is 1 ) a reco lh a d o em p réstim o é
sen tid o s im ed iato s até ser atin g id o o efeito d esejad o . O seg u n d o d estes p ro cesso S '
ap .en as d e facto . u m co n co m itan te ex cep cio n al d o q u e co n stitu ía o o b jecto p ró -
p o d e ter lu g ar sem o p rim eiro , e d á-se q u an d o o co rp o d o d o en te in icia p recisa-
pn~ d a s~ a acção ; m a~ 2 ) p o d eria co n stitu ir razo av elm en te u m o b jecto d a su a
m en te aq u elas séries de m u taçõ es p rescritas p elo m éd ico - por ex em p lo ,
acça~ se tiv esse co n h eC im en to d e q u e isto iria aco n tecer. A so rte p o d e en tão ser
q u an d o o seu calo r n atu ral in icia a m esm a série d e m etab o lism o s p assív eis d e
d efim d a co m o « a cau sa per a c c id e n s na d iv isão d as co isas-p ara-u m -fim que
terem sid o p ro v o cad o s p o r u m a m assag em d o m éd ico . E , sim ilarm en fe, 2) pode
en v o lv em um p ro p ó sito d e acção » 38. S eg u e-se que as co isas que p o d em to r-
h av er aí um a g eração esp o n tân ea, ou fo rtu ita, sim u lan d o a g eração n atu ral,
n ar-se cau sas de um resu ltad o fo rtu ito são b astan te in d eterm in ad as. N ão p o d e
d esd e o m o m en to em q u e ex iste aí u m a m atéria cap az d e p ro d u zir em si u m a
estab elecer-se n en h u m a reg ra p ara as lim itar, e a o p in ião p o p u lar é assim ju stifi-
série id ên tica d e p ro cesso s v itais sem elh an tes ao s q u e, n a g eração n atu ral, são
cad a q u an d o vê o acaso co m o alg o de in d eterm in ad o e de o b scu ro p ara o
in tro d u zid o s p elo elem en to m ach o n o elem en to fêm ea 4 \. A ristó teles acred ita
h o m em . P o r o u tro lad o , tem sen tid o a afirm ação seg u n d o a q u al n ad a aco n tece
que m u itas d as fo rm as in ferio res d e v id a são p ro d u to de um a tal g e n e r a t i o
por acaso . O acaso n ão é u m a cau sa o p erativ a, m as ap en as u m a d esig n ação p ara
a e q u iv o c a d a m atéria so b a acção d o calo r so lar 4 2 .
um a certa esp écie d e relação en tre aco n tecim en to s.
S ão ev id en tes o s d efeito s d o tratam en to aristo télico d o acaso . A d istin ção
A ristó teles. esfo rça-se 39 por d istin g u ir a so rte do fo rtu ito . M ais p ro p ria-
en tre o .u su al e o ex cep cio n al é in satisfató ria. T rata a e~ n cia d 9 .~ ~ p ciJm ilJ
~ en t,e, « o fo rtU ito » é o term o
lS tO _e, àq u ele~ aco n tecim en to s
m ais lato , e ap lica-se
fo rtu ito s q u e aco n tecem
I) ao s aco n tecim en to s
a seres cap azes
felizes,
de um a
cO l!1 o _ d ev en d tl-se-à-cap _ a~ id ad e ºª--
m atéria p ara receb er m ai.~ .Q e.1 1 m ;i
d eterm in a-
Ç ~ 9 ~ C o n tu d o , é ó b v io q u e a m até;i~ -~ an d o s'o 'fre a acção d as m esm as fo rças
acçao p ro v en Ien te d e u m a esco lh a d elib erad a. A so rte é a o co rrên cia co m o um
d ev e receb er a m esm a d eterm in ação . A su a in d eterm in ação n ão en v o lv e a co n -
m ero co n co m itan te do resu ltad o actu al dum a acção d elib erad a, d~ que d ev e
tin g ên cia. H á ex cep çõ es às reg ras, m as estas ex cep çõ es d ev em estar d e aco rd o
~ atu .ralm en te ter co n stitu íd o o o b jecto de um a acção . N ão se ap lica a co isas
co m as reg ras. Isto é reco n h ecid o por A ristó teles p elo m en o s num a p assa-
I~ a~ m ad as, a an im ais in ferio res e li crian ças)O fo rtu ito ab arca 2 ) a)' resu ltad o s
g em 43. E , em su m a, o tratam en to d o acaso na F ís ic a n ão im p lica a ex istên cia
sl'ffiilarm e~ te co n c~ m itan tes d a activ id ad e d e co isas n ã o p o ssu in d o a p o ssib ili-
d a co n tin g ên cia. Todo o aco n tecim en to é rep resen tad o co m o seg u in d o -se, de
d ad e d .e ag ira p artir d e u m a esco lh a d elib erad a, p o r ex em p lo , q u an d o u m 'cav a-
m odo d eterm in ad o , d as cau sas que lh e são p ró p rias. A v ai. ao m ercad o por
lo se h b erta d o s tratad o res v o ltan d o , p o r acid en te, ao lo cal 'o n d e se en co n tra
razõ es su ficien tes, assim p ro ced en d o B . M as, d o p o n to d e v ista d e A , a p resen ça
o seu . d o n o . A q u i,.a cau sa d o reg resso d ~ cav alo n ~ ta d irecção é alg o q u e lh e é
aíd e B (sen ão a su a p ró p ria p resen ça) é u m aco n tecim en to d o acaso ,. u m a v ez
ex ten o r. M as a d iferen ça en tre o fo rtU ito e a so rte é v ista d e m elh o r fo rm a
que é um p ro d u to d e cau sas d esco n h ecid as d e A . O m esm o é v álid o p ara a
acrescen ta_ A ristó teles, n o s b) caso s em q u e a cau sa é in terio r - p o r ex em p lo :
p resen ça de A do p o n to d e v ista de B. O acaso é sim p lesm en te um nom e
n a p ro d u çao « p ela n atu reza» (q u er d izer, p elo p o d er g erad o r in eren te ao p aren te
em p reg u e p ara se d ar co n ta d o en co n tro im p rev isto d e d o is en cad eam en to s rig o -
m ach o ) d e seres m o n stru o so s, o s q u ais n ão são « co n fo rm es à n atu reza» , u m a v ez
ro so s d e. cau sas. D aí n ão nos ser lícito atrib u ir Ín d eterm in ism o ' a A ristó -
que a. fo rm a facu ltad a p elo p aren te m ach o falh o u o co n tro lo so b re a m atéria.
teles 44.
fo rn ecid a p elo p aren te fêm ea' T ais p ro d u çõ es são ' fo rtu itas m as n ão ev id en te-
m en te, felizes. .' .,
40 1 0 3 2 a 2 7 -2 9 , 1 0 3 4 a 9 -2 1 .
4\ 1 0 3 2 a 3 0 -3 2 , 1 0 3 4 b 4 -6 .
42 H.A., '5 3 9 a 1 5 -2 5 ; G.A., 7 4 3 a 3 5 , 7 6 2 a 8 -1 5 .
38 197 a 5. 43 Mel., 1 0 2 7 a 2 5 segs.
39 lI, 6 . 44 M as cf. p p . (8 7 -8 8 , 2 0 7 r

\
A F IL O S O F IA DA NATUREZA
A R IS T Ó T E L E S

T E L E O L O G IA E N E C E S S ID A D E v is ta , p ro v a v e lm e n te , c o rn o um a v is o e u rn a c o n c e s s ã o aos m odos v u lg a re s de
p e n s a r.
Segundo A ris tó te le s , a filo s o fia d a n a tu re z a d e v e d a r c o n ta d e c a d a u rn a d a s D e s e g u id a 50, A ris tó te le s passa ao exam e de saber s e a n e c e s s id a d e e x is -

q u a tro causas e re fe rir-s e a to d a s e la s p e la s e x p lic a ç õ e s q u e d ã o d o s a c o n te c i- te n te n a n a tu re z a é « h ip o té tic a » o u « s im p le s » . A v is ã o p o p u la r e x p lic a o s fa c to s d a

m e n to s 45. C o n tu d o , d e b a te -s e 46 com u rn a d o u trin a que nega a e x is tê n c ia de n a tu re z a c o rn o d e v e n d o -s e a u rn a s im p le s n e c e s s id a d e , sendo o s e fe ito s c o n s id e -

causas fin a is na n a tu re z a . E m p é d o c le s tin h a p ro p o s to a b rilh a n te d o u trin a ra d o s c o m o d e te rm in a d o s m e c a n ic a m e n te por causas p re e x is te n te s . Is to é , d iz -

segundo a q u a l a e x is tê n c ia d e e s p é c ie s a n im a is , m au g ra d o a a d a p ta ç ã o a p a re n te -n o s e le , c o rn o s e d is s é s s e m o s q u e u rn a p a re d e to rn a a fo rm a por e la p o s s u íd a

d a s s u a s p a rte s a o s fin s , d e v e -s e s im p le s m e n te a o re s u lta d o d a s e le c ç ã o n a tu ra l, d e v id o à s p e d ra s . e m q u e s e fu n d a m e n ta e s ta re m e rig id a s p e lo s e u p e s o , V in d o a

p e la s o b re v iv ê n c ia d o s m a is a p to s . U rn a te o ria segundo a q u a l a n a tu re z a p ro d u - te rra a o c u p a r o lu g a r in te rm é d io e a m a d e ira o s e u lu g a r n o c u m e . A firm a r is to

z iu u rn a e n o rm e v a rie d a d e d e e s p é c ie s - « g a d o à fa c e d o h o m e m » , e o re s to - é não le v a r e m lin h a d e c o n ta o fa c to d e a p a re d e e x is tir p a ra um fim . N ã o é

em que apenas o s m a is a p to s a s o b re v iv e r c o n s e g u ira m s u b s is tir. O p o s ta m e n te a ~ ria d a p e lo s .s e u s m a te ria is , n ã o o b s ta n te n ã o p o d e r s e r c ria d a s e m e le s . E n tã o , a

e s ta te o ria , A ris tó te le s te n ta d e m o n s tra r a e x is tê n c ia da te le o lo g ia no s e io d a n e c e s s id a d é a q u i e n c o n tra d a é u rn a n e c e s s id a d e h ip o té tic a . N ão é que B deva ser

n a tu re z a . A s a d a p ta ç õ e s que s e o b s e rv a m (p o r e x e m p lo , a d o s d e n te s a o tra b a - p o rq u e A fo i, m a s q u e A d e v a s e r p o rq u e é p re c is o q u e B s e ja . A m a té ria te m d e

lh o d e d e g lu tiç ã o ) são s e m p re , o u n a m a io r p a rte d o s c a s o s , e n c o n tra d a s . C on- e s ta r aí p o rq u e a fo rm a a re q u e r p a rá a sua re a liz a ç ã o . A s s im , o p rim e iro

tu d o , o s re s u lta d o s do acaso não podem e x is tir s e m p re , o u n a m a io r p a rte dos tra b a .lh o do fís ic o d iz re s p e ito ao e s ta b e le c im e n to da fo rm a , da d e fin iç ã o ou

casos. Logo, as a d a p ta ç õ e s o b s e rv a d a s não são re s u lta d o do acaso. A ú n ic a do fim c o n s titu tiv o s do o b je c to das suas in v e s tig a ç õ e s , p o is é a p a rtir d e s ta s

a lte rn a tiv a é a de s e re m le v a d a s a e fe ito te n d o em v is ta um fim . M as, por q u e p o d e rá d e d u z ir a m a té ria d e s te o b je c to . C o n tu d o , ta m b é m é n e c e s s á rio es-

h ip ó te s e , são n a tu ra is . Logo, c e rta s c o is a s n a tu ra is s ã o -n o e m v is ta s d e u m fim . ta b e le c e r a m a té ria .


--'> O a rg u m e n to não re s is te a um p rim e iro exam e, p o is a s s e n ta s o b re a h ip ó -
A o m e s m o te m p o , m u ito s fe n ó m e n o s n a tu ra is d e v e m -s e à n e c e s s id a d e s im -

te s e de a a d a p ta ç ã o a p a re n te e x is tir « s e m p re ou na m a io r p a rte dos casos», p le s o u a b s o lu ta . S u rg e m in e v ita v e lm e n te da n a tu re z a da m a té ria ~ P o r vezes,

e n q u a n to a te o ria de E m p é d o c le s a firm a que as a d a p ta ç õ e s são p ro d u z id a s e s ta n e c e s s id a d e a b s o lu ta s e rv e u m fim . A lu z d e v e a tra v e s s a ra la n te rn a p o rq u e .


àS su as p a rtíc u la s s ã o m a is fin a s q u e o s p o ro s d o c o rn o . M a s , p ro c e d e n d o d e s te
num a m in o ria de casos, e que a s in a d a p ta ç õ e s m o rre ra m d e v id o a u rn a n e c e s s i-
dade m e c â n ic a . C o n tu d o , A ris tó te le s pode a rg u m e n ta r n o s e n tid o d e p e rg u n ta r: m odo; p re s e rv a -n o s dum tro p e ç ã o 51. Do m esm o m odo, a n a tu re z a u s a , c o rn o

p o rq u e é q u e .o s c re s c im e n to s m o n s tru o s o s não c o n tin u a m a ser p ro d u z id o s p ro p ó s ito d o fa z e r c o rn o s , a m a té ria em excesso que, dum m odo o u d e o u tro ,

com a fre q u ê n c ia d o s re g is ta d o s p a ra o s c re s c im e n to s n o rm a is ? P o rq u e éque os deve e s ta r p re s e n te no m a io r n ú m e ro de a n im a is 52. O m esm o se passa em

a n im a is são c ria d o s c o n fo rm e o tip o ? A p e rm a n ê n c ia d o s tip o s é , n o fu n d o , o m u ito s o u tro s casos 53. C o n tu d o , fo ra d o s c a s o s e m q u e o m e c a n is m o e a te le o lo -

seu p rin c ip a l a rg u m e n to . Os o u tro s a rg u m e n to s , que aduz 47, não podem ser g ia a g e m c o n ju n ta m e n te , h á o u tro s onde apenas tra b a lh a o m e c a n is m o . N em
s e m p re devem os p ro c u ra r u rn a c a u s a fin a l. C e rta s c o is a s s ã o e x p lic á v e is apenas
aqui e x p o s to s por fa lta de espaço.
A ris tó te le s s e rv e -s e m u ito d a lin g u a g e m a n tro p o m ó rfic a quando d is c u te o por causas e fic ie n te s e m a te ria is 54. O s a n im a is devem te r o lh o s p a ra v e r, m a s a

p ro b le m a d a te le o lo g ia n a n a tu re z a . « A n a tu re z a , c o rn o u rn a b o a d o n a de casa, sua cor d e v e -s e a c irc u n s tâ n c ia s p a rtic u la re s .d o s e u n a s c im e n to , n ã o s e rv in d o

te m por h á b ito n ã o d e ita r fo ra a q u ilo que pode p o s s u ir q u a lq u e r u tilid a d e » . «A q u a lq u e r fim 55. Por o u tro la d o , a lg u m a s v e z e s a n e c e s s id a d e o p õ e -s e à te le o lo -

n a tu re z a n ã o fa z n a d a em vão, nada d e s u p é rflu o » . « A n a tu re z a p ro c e d e c o rn o s e g ia . N o caso dos n a s c im e n to s m o n s tru o s o s , is to d e v e -s e a u rn a m a té ria d e fe i-

p re v is s e o fu tu ro » 48. N um a la rg a m e d id a , is to c o n s titu i m e ra m e n te u m ju íz o tu o s a 5 ( N o u tro s ," d e v e -s e à in te rfe rê n c ia d e q u a lq u e r causa e fic ie n te e x te rn a ,

dum a te le o lo g ia d e fa c to . O m undo, p re te n d e A ris tó te le s , e s tá bem o rd e n a d o , c o rn o p o r e x e m p lo quando o a .r e o fo g o s e d e s lo c a m e m tu rb ilh ã o p e lo m o v i-

is to é , tu d o n e le e s tá d is p o s to de m odo a a s s e g u ra r o s e u p ro g re s s o e m d ire c ç ã o m e n to d o s c é u s e , a s s im , n ã o s e g u e m a s s u a s d ire c ç o e s n a tu ra is 57. N o e n ta n to ,

a o s e u m e lh o r e s ta d o . S ó ra ra m e n te p re s c re v e u rn a acção d e lib e ra d a a D eus 49,

. e u rn a ta l a trib u iç ã o é in c o n s is te n te com a te le o lo g ia da M e ta fís ic a . D eve ser

5 0 P h y s ., 1 1 , 9 , c f. i'.A ., 639 b 21 segs.


51 An: P o s /:, 9 4 'b 2 7 -3 1 . .
52 P .A ., 6 6 3 b 2 0 -3 5 , c f. 6 7 7 a 1 5 -1 7 .
53 P o r e x e m p lo , D e R e s p ., 4 7 7 a 1 4 -3 0 ; P .A ., 6 4 2 a 3 1 -b 2 , 6 6 3 b 1 3 s e g s .; G .A ., 7 3 1 b 2 0 -3 1 .
45 P h y s ., 1 1 , 7 .
46 11, 8. 54 P.A., 6 4 2 a 2 , 6 7 7 a 1 7 -1 9 ; G.A., 7 4 3 b 1 6 ,7 8 9 b 19.

41 1 9 9 a 8 -b 3 2 . _ 5 5 G .A ., '7 7 8 à 1 6 -b 1 9 .
56 lb id ., 7 6 7 b \3 -2 3 .
48 G .A ., 7 4 4 b 1 6 , a 3 6 ; D e C a e /o , 2 9 1 b 1 3 , a 2 4 ; P .A ., 6 8 6 a 2 2 , e tc ..
49 D e C a e /o , 2 7 1 'a 3 3 ; D e G e n . e / C o r r ., 3 3 6 b 3 2 . 57 M e /e o r ., 341 a I segs.

87
.I

. A F IL O S O F IA DYt NA TUREZA
A R IS T 6 T E L E S

este m ovim ento inatural desem penha um papel im portante no aquecim ento dos O M O V IM E N T O
corpos na terra, fazendo parte do curso da natureza ..
A ristóteles não é um determ inista absoluto. N o D e ln te r p r e ta tio n e 58 nega Sendo a natureza um princípio de m ovim ento, A ristóteles passa 61 ao
a aplicabilidade da lei do terceiro excluído aos juízos sobre acontecim entos exam e do que é o m ovim ento; Partindo daqui, exam ina de seguida certas noções
futuros particulares. A firm ar a sua aplicabilidade é dizer que nada se passa por im plícitas no m ovim ento. O m ovim ento é c o n tín u o , e o contínuo é m uitas vezes
acaso. Se quer o juízo de que A será B ou estoutro segundo o qual não.o será, definido com o aquilo passível de ser divisível a d in fin itu m . O lu g a r , o te m p o , o
fossem agora verdadeiros, então A seria necessariam ente B ou necessariam ente v a z io tam bém são pensados com o im plícitos no m ovim ento.
não-B . E ste facto constituiria um contra-senso. C ontra isto, A ristóteles refere O s eleáticos negaram a existência do m ovim ento (ou da m udança) em
que a deliberação e a acção constituem os verdadeiros princípios para os aconte- geral. O sem ieleatism o dos m ecanicistas (E m pédocles, A naxágoras, os atom istas)
cim entos subsequentes. C ontudo, para pôr a questão de um m odo m ais geral, as negara a existência da m udança de qualidade. Segundo estes, apenas haveria
coisas que não estão sem pre em acto são capazes, quer de agir quer de não agir. «m istura e divórcio» 62. Por outro lado, a E scola M egárica aboliu a continui-
O u seja, existe contingência m esm o fora da acção hum ana. N alguns casos a dade do m ovim ento pela sua divisão. em m ovim entos unitários indivisíveis 63.

as.serção não é m ais verdadeira que a negação, e vice-versa; noutros, um a possui Podem os com parar esta opinião com a sugerida por Platão segundo a qual o
um a grande tendência para ser verdadeira, m as a outra p o d e igualm ente sê-lo. m ovim ento tem lugar descontinuam ente «no instante» 64. A ristóteles m antém
É necessariam ente verdadeiro que um a coisa seja ou não. M as não se pode afir- am bas, a realidade e a continuidade do m ovim ento. Segundo ele, o m ovim ento
m ar, sim ultaneam ente, o seu poder de ser e de não-ser. A m anhã, necessaria- não é a substituição súbita de um estado por outro, m as sim a passagem entre
m ente haverá ou não um a batalha naval. M as não pode dizer-se que deva haver eles.
um a e que não deva haver algum a. O m ovim ento é «a actualização do que é potencialm ente com o tal», isto é, se
Sim ilarm ente, na M e ta fís ic a 59, lem os que um a cadeia de causas necessárias existe algo que é actualm ente x e potencialm ente y , o m ovim ento é esta actuali-
podem rem ontar a um certo ponto, não podendo ir m ais além . E ste ponto zação da qualidade y . O m ovim ento cham ado, por exem plo, de construção de
representa um a causa sem . qualquer outra causa. D esde agora, existem condi- um a casa consiste na colocação de tijolos e de cim ento passível de levar a
ções que tornam certo o facto de todo o hom em dever m orrer; m as, que dev ll construtividade-dum a-casa ao seu estado de casa. A ntes que a casa tenha sido
m orrer de doença ou por acção dum a violência é algo que não está ainda iniciada, o construtível não foi ainda actualizado. Q uando a construção está
determ inado, só o podendo ser quando existir um a causa não causada - um pronta, o construtível com o tal deixa de ser actualizado: Só. quando a constru-
acto de escolha. ção está em vias de o ser é que o construtível com o tal é actualizado, sendo a
N um a outra passagem 60, A ristóteles afirm a que alguns acontecim entos construção precisam ente a sua actualização. E o m ovim ento em geral é a actuali-
são claram ente não necessários. A penas podem os dizer deles que «devem ser» e zação do potencial. A ssim , faz parte da natureza do m ovim ento o facto de ,o
não que «serão». E ntão, pergunta A ristóteles, existirão
q u a is q u e r outros aconte- potencial não ter perdido ainda com pletam ente a sua potencialidade nesse
cim ccntos passíveis de serem absolutam ente necessários?
O s únicos acontecim en- . tornar-se actulll. E reside aí a diferença entre o m ovim ento e a actividade 65.

tos cuja necessidade absoluta pode ser predicada são aqueles que fazem p~rte E m cada m om ento da actividade, a potencialidade está com pietam ente anulada,
dum a série recorrente - seja dum a série literalm ente circular, com o o é das sendo transform ada em actualidade; no m ovim ento, a transform ação não está
órbitas dos corpos celestes, seja dum a série m etaf9ricam ente cíclica, com o.o é a com pleta enquanto o m ovim ento não tiver acabado. Por outras palavras, o
sucessão de estações ou a série nuvens-chuva-nuvens-chuva ... , ou hom em ~ m ovim ento difere da actividade na m esm a ptoporção em que o com pleto difere
-esperm a-criança-adolescente-hoIIÍem ... Perm anecem , evidentem ente, m uitos do incom pleto; ou, se quiserm os, o m ovim ento é actividade incom pleta e a
detalhes na história do m undo (m esm o excluindo o livre arbítrio) subm etidos actividade m ovim ento com pletado. O m ovim ento não pode ser classificado s im -
à contingência. N o entanto, é duvidoso que resida aí o pensam ento real de p lic ite r com o potencialidade ou com o actividade. É um a actualização, m as um a
A ristóteles. actualização que im plica a sua própria incom pletude e a presença contínua da
potencialidade.

61 P h y s ., 11I, I.
62 Por exem plo, D e G e n . e l C o r r ., 325 a 23-34.
58 C ap. 9. 63 P h y s ., 232 a 6-10, 240 b 30-241 a 6.
59 E . 3.
64 P o r m ., 156 d, e.
60. D e G e n .. e l C o r r .• lI, 1L 65 .ÉvÉpyEtC X

88
" A FILO SO FIA DA NATU REZA
ARISTÓ TELES

m en to : o s resp eitan tes à qualidade, quant.iLe lugar, em cad a um d o s q u ais


O s elem en to s en v o lv id o s n a m u d an ça são : o q u e p ro d u z o m o v im en to , o
o p era a o p o sição req u erid a. A q u alid ad e;. acrescen ta ele, d ev e to m ar-se, ~ ão n o
que é m o v id o , o tem p o em que é m o v id o , aq u ilo donde p arte e p ara onde é
sen tid o d as q u alid ad es essen ciais co n stitu tiv as d as d iferen ças d as cO isas (a
m o v id o (estes d o is ú ltim o s n ão in clu em ap en as o s d o is lu g ares en v o lv id o s na
m u d an ça d estas n ão seria u m m o v im en to , m as u m a g eração -d estru i~ o ),. ~ as
lo co m o ção , co m o tam b ém o s d o is caracteres su b stan ciais im p lícito s n a g eração -
sim n o sen tid o d as q u alid ad es « afectiv as» a resp eito d as q u ais um a co ~ sa e d ita
-d estru ição , as d u as d im en sõ es im p lícitas n o crescim en to e d estru ição , as d u as
ser afectad a o u im p assiv a, isto é, as q u alid ad es que co n stitu em o o b Jecto d~s
q u alid ad es im p lícitas n a alteração ) 66. A m u d an ça p ro d u z-se sem p re en tre co n -
sen tid o s esp eciais 69. D as q u atro esp écies d e m u d an ça, a lo co m o ção é. a ~ als
trário s, o u en tre um co n trário e u m in term ed iário (q u e d esem p en h a o p ap el do
fu n d am en tal, v isto estar im p lícita em to d as as o u tras. E a m u d an ça q u ah tatlv ~ e
o u tro co n trário ), o u en tre co n trad itó rio s. D eix an d o d e lad o a m u d an ça acid en -
a g eração -d estru ição estão im p lícitas n a m u d an ça d e tam an h o . C o n tu d o : ~ n s-
tai (a m u d an ça referen te a a p o r cau sa d a co n co m itân cia d e a co m b, o su jeito
tó teles, ap esar d e ap o n tar estas in teracçõ es, n u n ca ten ta red u zir u m a ~ sp ecle d e
real da m u d an ça) e a m u d an ça referen te a a p o rq u e b, o su jeito real d a m u -
m u d an ça a u m a o u tra. A d iferen ça d e categ o ria rep resen ta um a b arreira co n tra
d an ça, é u m a p arte d e a, co n clu i-se q u e o m o v im en to p ró p rio d ev e p ro d u zir-se:
to d a a ten tativ a d este g én ero .
1) dum term o p o sitiv o a um ten n o p o sitiv o (seu co n trário );
2) dum term o p o sitiv o ao seu co n trad itó rio ;
3) dum term o n eg ativ o ao seu co n trad itó rio ; ou, O IN F IN IT O
4) dum term o n eg ativ o a um term o n eg ativ o .
A d istin ção p relim in arm en te fu n d am en tal ex ecu tad a aq u i p o r A ~ ist~ teles é
M as, o caso 4 n ão rep resen ta um a m u d an ça d ev id o a n ão d izer resp eito
en tre I) o in fin ito a resp eito d a" co m p o ~ ção , o q u e n ão pode se~ ~ t~ n g ld o p o ~
a term o s o p o sto s. O caso 3 ) é o d a g eração , o 2 ) o d a d estru ição . O terceiro
caso rep resen ta um a m u d an ça m as n ão u m m o v im en to , p o is só o q u e é, e tem
q u alq u er ad ição d e p artes a p artes, e 2 ) o in fin ito a resp eito d a d lv lsa~ , ? q u e:
d iv isív el ad infiniturn 70. E m b rev es p alav ras, o p o n to d e v ista d e A n sto teles e
lu g ar, pode ser m o v id o . O caso 2 ) rep resen ta um a m u d an ça m as n ão u m m o v i-
q u e o n ú m ero é in fin ito n o p rim eiro caso , o esp aço n o seg u n d o e o . tem p .o ~ ~ .
m en to , p o is o co n trário do m o v im en to é m o v im en to o u rep o u so , en q u an to o
am b o s. P rim eir.o , co n cen tra a su a aten ção n a q u estão m ais ap ro p n ad a a flsl-
co n trário d e g eração é d estru ição . P o r tu d o isto , só o caso 1 ) é.m o v im en to 67.
ca: a d e sab er se ex iste u m corpo in fin itam en te g ran d e, e fo rn ece razõ es p ara o
__ ) D e m odo a d esco b rir as d iferen tes esp écies d e m o v im en to , d ev em o s p erg u n -
p o n to d e v ista n eg ativ o 71. E stas razõ es são ex traíd as, n a su a m aio r p arte; ?a
tar a que categ o rias se rep o rtam 68. N ão ex iste m o v im en to a resp eito d a subs-
su a teo ria d o s « lu g ares n atu rais» d o s q u atro elem en to s, sen d o , em co n seq u ên cla,
tância, u m a v ez q u e esta n ão p o ssu i co n trário ; n em a resp eito d a relação, u m a v ez
m u ito p .o u co co n clu siv as. C o n tu d o , se n ão ex iste um in fin ito d e to d o , acres-
q u e se a, q u e está em relação co m b, m u d a, o term o ex p rim in d o a relação pode
cen ta 72, seg u em -se resu ltad o s im p o ssív eis. I) T eria d e h av er u m .co m eço e um
d eix ar d e ser ap licáv el a b, ap esar d e b n ão ter d e to d o m u d ad o . D e facto , a
fim d o tem p o ; 2 ) as g ran d ezas seriam d iv isív eis n o q u e n ão co n stitu em g ran d e-
m u d an ça d e relação é sem p re acid en tal a q u alq u er o u tra esp écie d e m u d an ça e
n ão fo rm a um a esp écie in d ep en d en te. N ão ex iste m o v im en to d o agente ou do zas; 3 ) o n ú m ero n ão seria in fin ito . .. -
A ssim n u m sen tid o ex iste in fin ito n o u tro n ão . A s g ran d ezas esp actals n ao
paciente, p o is n ão ex iste m u d an ça d a m u d an ça, isto é, n ão ex iste m u d an ça de
são in fin it~ s em acto , m as são -n o em d iv isib ilid ad e. N o en tan to , esta p o ten ciali-
cu ja "m u d an ça p o ssa ser q u er o su jeito o u term inus a quo"ou ad quem ; A ristó te-
d ad e n ão é su scep tív el d e ser n u n ca co m p letam en te actu ~ lizad a, co m o se p assa.'
les afirm a, tacitam en te, a in ex istên cia d e" m o v im en to "a resp eito d e tem po - sem
p o r ex em p lo , co m o b ro n ~ e que se tran sfo rm a num a estátu a. N en h ~ m a ~ ran -
"d ú v id a" p o rq u e reco n h eceu ser o tem p o um elem en to em to d a a m u d an ça e,
d eza esp acial p o d e alg u m a v ez ser actu alm en te d iv id id a n u m n ú m ero m fiO lto d e
p o rtan to , n ão p o d en d o serv ir d e elem en to d istin tiv o d e q u alq u er esp écie p articu -
p artes. O in fin ito , co m o o d ia ou um a lu ta, ap en as ex iste co ~ o su _ ces~ ão d e
lar d e m u d an ça. S eg u e-se, en tão , a ex istên cia d e ap en as três esp écies d e m o v i-
p artes em d ev ir; ex iste, p ara em p reg ar a lin g u ag em d e S . T o m as, n ao In actu
perm anente. in facto, m as sucessive. in fieri.

66 V , I.
, ~7 Em IIl. I A ristó teles em p reg o u « m o v im en to » co m o sin ó n im o d e « m u d an ça» , e co m o
69 E ste p o n to é elab o rad o em V II. 3 .
"m clu m d .o ~ eração e. d estru ição (2 0 0 b 3 2 -2 0 "1a 1 6 ). A q u i atin g e u m a m aio r p recisão d e lin g u ag em ,
70 2 0 4 a 6. .
~ o restn n g Jr ~ sen tId o d e « m o v im en to » d e m o d o a ex clu ir « a m u d an ça a resp eito d a su b stân ciID > ,
7\ 2 0 4 b 1 -2 0 6 a 8 .
Isto é , a g eraçao e a d estrU Ição . A s d u as ex p ressõ es o co rrem m u itas v ezes n o s seU so u tro s trab alh o s
~~2. "." . 72 111, 6.

91
ARISTÓTELES A FILOSOFIA D14 NATUREZA

O s casos r e f e r e n te s a o te m p o e à sucessão d a s g e ra ç õ e s s ã o semelhantes aos O LUGAR


da g ra n d e z a e s p a c ia l n o s e n tid o em que, ta m b é m a q u i, o in f in ito e x is te «por
um a p a r te após a o u tr a te r s id o to m a d a » , e e n q u a n to que « o q u e é to m a d o » é A e x is tê n c ia do lu g a r p ro v a -se , no p o n to de v is ta d e A r is tó te le s 74, p e lo
se m p re f in ito , as novas p a r te s p o d e 'm to m a r - s e ad injinitum. A s s im , o in f in ito f a c to d e , o n d e e x is te um c o rp o , poder e s ta r u m o u tr o , d e ta l m o d o q u e o lu g a r
não é um a s u b s tâ n c ia in d iv id u a l com o o são um hom em ou um a casa. E s te s d e v e s e r a lg o d e d if e r e n te d e q u a lq u e r d o s c o rp o s que o ocupam . O f a c to d e , n ã o
casos diferem da g ra n d e z a ~ p a c ia l p o rq u e , n e s ta ú ltim a , cada p a r te to m a d a s ó e x is tir , m as « p o s s u ir um s ig n if ic a d o » p ro v a -se , segundo e le , p e la te n d ê n c ia
p e r s is te , e n q u a n to n o te m p o e na sucessão d a s g e ra ç õ e s ta l n ã o a c o n te c e - cada n a tu r a l d o s e le m e n to s se m o v e re m c o n tr a , e p e rm a n e c e re m e m , c e r to s lu g a r e s .
p a r te to m a d a d e sa p a re c e , nunca lh e f a lta n d o s u b s titu to . O a lto e o b a ix o n ã o s e r e la c io n a m m e r a m e n te a n ó s . O « a lto » é a d ir e c ç ã o p a ra
A s e g u ir , A r is tó te le s o b se rv a q u e o in f in ito a r e s p e ito d a c o m p o s iç ã o é, num onde s e d ir ig e o fo g o , e o « b a ix o » a q u e la p a ra onde s e d ir ig e a te r r a .
c e r to s e n tid o , id ê n tic o a o in f in ito a r e s p e ito d a d iv is ã o . C o n s id e r e m o s u m to d o A r is tó te le s e s ta b e le c e um a d is tin ç ã o 75 e n tr e o « lu g a r com um » c o m p a r ti-
f in ito . T om ando um n ú m e ro s u f ic ie n te m e n te e le v a d o d e p a r te s ig u a is d e le , p o r lh a d o por um a c o is a com o u tr a s c o is a s e o s e u lu g a r p r ó p r io o u p e c u lia r . De
m u ito pequenas q u e s e ja m , acabam os por e x a u r ir o to d o . M a s s e , p e lo c o n tr á - f a c to , c a d a c o is a f a z p a r te d e u m e m a r a n h a d o d e lu g a r e s , u n s d e n tr o d e o u tr o s ,
r io , c o n s id e r a r m o s p a r te s s u c e s s iv a s d im in u in d o segundo u m a ra z ã o c o n s ta n te , m a s o s e u lu g a r p r ó p r io é a q u e le e m q u e e s tá c o n tid a im e d ia ta m e n te , o u s e ja ,
ja m a is c o n s e g u ir e m o s e x a u r ir e s s e to d o . O to d o , q u e é f in ito , é , c o n tu d o , « in f i- a q u e le q u e n ã o c o n té m q u a lq u .e r o u tr a c o is a . I s to p o d e r á s e r to m a d o com o um a
n ito p o r c o m p o s iç ã o » , n o s e n tid o p a r tic u la r em que não o podem os c o n s tr u ir por p r im e ir a d e f in iç ã o d e lu g a r .
a d iç ã o de p a r te s diminuindo numa razão constante. O u s e ja , A r is tó te le s re c o - O lu g a r deve ser um a d e q u a tr o c o is a s : fo rm a , m a té r ia , o in te r v a lo e n tr e
nhece a e x is tê n c ia de s é r ie s in f in ita s c o n v e r g in d o p a ra um a som a f in ita . P a ra e x tr e m o s ou a s p r ó p r ia s e x tr e m id a d e s 76. C o n tu d o , I) n ã o é forma. A s e x tr e -
e le , o e s p a ç o é um a s é r ie c o n v e r g e n te in f in ita ; o te m p o e o n ú m e ro s ã o s é r ie s m id a d e s do c o n tin e n te e do c o n tid o , apesar d e c o in c id ir e m , são d if e r e n te s , e
d iv e r g e n te s in f in ita s . A penas o f a c to d e a s é r ie p o d e r s e r d iv id id a sem lim ite s a fo rm a de um a c o is a é o lim ite d e s s a c o is a , e n q u a n to o s e u lu g a r é o lim ite d o
im p lic a a p o s s ib ilid a d e d e o n ú m e ro poder c r e s c e r s e m lim ite . O n ú m e r o te m u m c o rp o c o n tin e n te . 2 ) D e v id o ao f a c to de o c o n tid o m udar c o n s ta n te m e n te ,
m ín im o m as nenhum m á x im o ; o espaço te m u m m á x im o m as nenhum m ín im o . e n q u a n to o c o n tin e n te p e rm a n e c e , o intervalo e n tr e a s e x tr e m id a d e s ( is to é , a s
O s m a te m á tic o s , a c r e s c e n ta 73, não n e c e s s ita m de um a lin h a in f in ita , m as apenas e x tr e m id a d e s e x te r n a s d o c o n tid o o u a s e x tr e m id a d e s in te r n a s d o c o n tin e n te ) é
de um a lin h a f in ita , tã o e x te n s a q u a n to o d e s e je m . N e s te p o n to a s u a te o r ia é um c o n s id e r a d o , por vezes, com o e n tid a d e d is tin ta . M as is to não se passa a s s im ,
pouco o b sc u ra . S u s té m que o m undo f ís ic o é um a e sfe ra d e d im e n s ã o f in ita . p o is o in te r v a lo e x is te , não p o r s i p r ó p r io , m .a s c o m o um a c id e n te d o s c o rp o s
O m a te m á tic o não p o d e te r , p r e s e n te a e le n a s e n s a ç ã o , u m a lin h a r e c ta m a io r q u e q u e s u c e s s iv a m e n te enchem o r e c ip ie n te . S e houvesse a í u m in te r v a lo e x is tin d o
o d iâ m e tr o da s u a e s f e r a . I s to d e v e q u e r e r d iz e r q u e n ã o é liv r e d e imaginar ta l p o r s i p r ó p r io , e que em si m esm o p e rm a n e c e sse , a) h a v e r ia u m n ú m e ro in f in ito
lin h a , m esm o que a s s im q u e ir a ou possa. d e lu g a r e s no m esm o lu g a r . C om e f e ito , quando a água e o a r tr o c a m d e lu g a r
A c o n c lu s ã o da te o r ia de A r is tó te le s a p o n ta p a ra a in e x is tê n c ia de um a num dado r e c ip ie n te , c a d a u m a d a s p a r te s d a á g u a p ro c e d e do m esm o m odo em
q u a lq u e r fo rm a d e in f in ito c o m o um dado e x is tin d o , s im u lta n e a m e n te , e m to d a s te r m o s d a to ta lid a d e dessa m esm a á g u a e x is te n te n o r e c ip ie n te , is to é , to d a s e la s
a s s u a s p a r te s . N enhum a extensão é « in f in ita a r e s p e ito d a c o m p o s iç ã o » , in c a p a z d e ix a m o s lu g a r e s que, p o r d e tr á s d e la s , s u b s is tir ã o em si m esm os. E, b) se o
d e s e r c o n s tr u íd a por um n ú m e ro f in ito d e p a r te s ig u a lm e n te f in ita s . N enhum a r e c ip ie n te f o s s e m o v id o , o lu g a r d a c o is a c o n tid a te r ia s id o m o v id o , d e ta l m o d o
e x te n s ã o é , n a lg u m m o m e n to , a c tu a lm e n te d iv id id a num n ú m e ro in f in ito de. que um lu g a r te r ia v in d o a ocupar o u tr o lu g a r . C o n tu d o , no nosso p o n to de
.p a r te s , apesar de poder s e r d iv id id a , a lte r n a d a o u s u c e s s iv a m e n te , num n ú m e ro . v is ta , . o lu g a r e x a c to ou im e d ia to da c o is a c o n tid a não s e a lte r a quando o
in f in ito d e p o n to s . O iempo não e x is te com o um to d o dado in f in ito , um a vez . r e c ip ie n te é m o v id o . O r e c ip ie n te é r e m o v id o p a ra um n o v o lu g a r , m a s o lu g a r
que não é c o n s titu tiv o d a n a tu r e z a das suas p a r te s o p o d e re m c o e x is tir . C on- d o s s e u s c o n te ú d o s p e rm a n e c e o m esm o, a sa b e r, a s u p e r f íc ie in te r io r d o r e c i-
tu d o , de m odo d if e r e n te à e x te n s ã o , o te m p o é p o te n c ia lm e n te in f in ito a r e s p e ito p ie n te . 3) A matéria p o d e p a r e c e r c o n s titu ir lu g a r s e c o n s id e r a r m o s o caso de
do c r e s c im e n to . O te m p o , com o a e x te n s ã o , é in f in ita m e n te d iv is ív e l, m as não um a c o is a a) p e rm a n e c e n d o num e s ta d o d e re p o u so ; e b) c o n tín u a com o seu
in f in ita m e n te d iv id id o . O número, .c o m o o te m p o , é p o te n c ia lm e n te in f in ito a c o n tin e n te . A m a té r ia possui as m esm as duas q u a lid a d e s : o re p o u so ( q u e r d iz e r ,
r e s p e ito d o c r e s c im e n to . A d if e r e n ç a e n tr e a e x te n s ã o e o te m p o r e s id e n o f a c to
dé não s e r in f in ita m e n te d iv is ív e l, um a v e z q u e . é d is tin ta e a u n id a d e c o n s titu i
um lim ite à sua d iv is ib ilid a d e .

74 IV , I.
75 2 0 9 a 3 1 - b 2 ..

73 2 0 7 b 2 7 -3 4 . 76 2 1 1 b 6 -9 .

92 93
A R ISTÓ TE LE S A F ILO SO F IA DA N A TU R E ZA

a persistência através da m udança) e a continuidade. O fenóm eno que faz crer sada com o capaz de perm ltlr quer a tese acerca do. lugar, quer a do vazio 82.

no lugar assem elha-se ao que faz crer na m atéria: acreditam os na m atéria por- C ontudo, o m ovim ento não im plica um vazio, pois os corpos podem tom ar o
que o que era ar é agora água; e no lugar porque onde estava o ar está agora lugar uns dos outros sem que haja aí um intervalo separador desses corpos.
água. M as a m atéria de um a coisa não é, nem separável dela, nem a contém , P oder-se-á constatar este facto no caso do m ovim ento em turbilhão dos líqui-
enquanto o lugar de um a coisa, pelo contrário, é separável dela e contém -na. dos 83. Do m esm o m odo, os corpos podem ser «em pilhados» pela expulsão de
D aí a m atéria não ser o lugar. coisas contidas neles (por exem plo, do ar contido na água). O argum ento em
P or tudo isto, 4) o lugar é o lim ite de um corpo continente 77. M as deve-se favor do vazio a partir da expansão dos corpos pelo crescim ento conduz a certas
estabelecer um a distinção entre o recipiente que contém um a coisa, ou corpo dificuldades: arrasta a consequência, quer de 1) nem todas as partes de um corpo
-continente, e o seu lugar. P odem os designar o recipiente de lugar m óvel e o lugar em crescim ento participarem nesse crescim ento; quer 2) se elas aí participarem ,
de recipiente im óvel. U m a corrente é m ais o recipiente que o lugar do barco por então, é porque a) as coisas crescem de um m odo diferente à com posição do seu
ela arrastado. A ssim , chegam os à definição de lugar: é o prim eiro lim ite im óvel corpo; ou b) pode haver aí dois corpos no m esm o lugar; ou c) a totalidade do
do continente 78. Isto é, o lugar de um a coísa é o lim ite interior do prim eiro corpo deve estar vazia, se tiver crescido em toda a parte e por m eio dum espaço
corpo im óvel que o contém (prim eiro, considerando o exterior à coisa). D onde vazio interior a si. T odas estas consequências são im possíveis.
resulta que, enquanto tudo no universo físico está situado num determ inado A ristóteles acha-se no dever de dem onstrar 1) a inexistência de vazio sepa-
lugar, o próprio universo não 79. rado dos corpos 84. A lguns dos seus argum entos giram em torno da sua noção
É im portante lem brarm o-nos que A ristóteles não pretende oferecer um a errónea de «m ovim ento natural». C ontudo, o argum ento m ais ela boiado pode
teoria do espaço. R ara é a vez em que em prega o term o grego para designar reduzir-se à seguinte form a: a velocidade de um m ovim ento varia a) com a
espaço 80. O seu ponto de vista acerca do espaço deve procurar~ se na discussão densidade do m eio; b) com o peso do corpo m ovido. N o ponto de vista de a),
que faz da IJ.EyÉ81l ou grandezas espaciais. A qui, discute a noção diferente de qualquer coisa que atravessasse o vazio deveria fazê-lo num tem po nulo; no de
lugar, e é im possível exagerar a ingenuidade com que tenta dar justiça ao im plí- b),um corpo pesado deveria atravessar o vazio (tal com o acontece no m eio
cito na noção de lugar de um a coisa sem «se m ultiplicarem as entidades para am biente) m ais depressa que um corpo leve. C ontudo, nada se m ove num tem po
além das necessárias». N o lim ite interior do corpo continente encontra algo com nulo, e'quando não existe m eio possível de ser «dividido», não há razão para que
todos os requisitos, recusàndo, consequentem ente, reconhecer qualquer outra U m corpo pesado possa m over-se m ais rapidam ente que um leve 85.

entidade com o im plícita nesta noção.

O V A Z IO

82 214 a 22.
A ristóteles com eça 81 por notar. que aqueles que falam do vazio pensam -no 83 Isto é o que A. denom ina de 6.v'n7tE péC T ,C lC T L C ;'
com o um a espécie de lugar. E xiste um a plenitude quando um lugar contém a 84 214 b 12-216 a 26.
m assa possível de ser por ele contida; existe o vácuo quando tal não se torna 85.G alileu adm itiu' que A ristóteles afirm ava que, no vazio, os corpos pesados caíam m ais

possível. O vácuo, a plenitude eo lugar são a m esm a coisa, m as «o seu ser não é o depressa
pesos do
do que os le~es, e é o seu cepticism o
alto .da T orre de P isa, e,eom isto,
a este respeito
a revolucionar
que o leva a lançar
a dü~âm ica. M as,
corpos
de facto,
de diferentes
A ristóteles
m esm o». P or outro lado, aqueles que pretendem refutar a. existência do vazio
tenta provar a inexistência'do vazio ao dem onstrar que, neste, os corpos pesados eos leves deveriam
tentam provar, experiencialm ente, a corporeidade do ar. N o entanto, assim pro- m over-se, de um ponto de vista, com 'um a velocidade igual, de outro, com um a desiguaL 'O ponto de
cedendo, passam ao lado do seu objectivo, pois o que pretendem afirm ar todos vista de A ristóteles sobre a velocidade do m ovim ento < m ão natura!> , ou im prim ido artificialm ente,
aqueles que adm item a existência do vazio é a existência de lugares onde não há pode ser retirado dà P hys., 249 b 30-250 a 7; D e C ae/o, 301 b 4-11, onde enuncia o que se encontra
em germ e no princípio das velocídades virtuais. «S e A for o m ovim ento, B a coisa m ovida, C a
nem ar nem qualquer outra m atéria. A existência do m ovim ento local foi pen-
distância através da qual é m ovida, D o tem po dispendido, então:
A m overá 1/2 B sobre a distância 2 C no. tem po D.
A m overá. 1/2 B sobre a distânci~.
C no tem po 1/2 D .
A m ov~rá.B sobre a distância 1/2 C no tem po 1/2 D .
77212 a 5. 1/2 A m overá 1/2 B sobre a distância C no tem po D .
78 Ibid., 20. É neste princípio que se baseia a teoria da balança e da alavanca na M echanica (848 a 11-19,
79 21 2 b 20-22. 850 a 36-b 6). M as A ristÓ teles constata não ser sem pre o caso de A poder m over 2 B (ou de 1/2 A
80 x-Gpa poder m over B ), sobre a distância 1/2 C no tem po D , pois A pode ser incapaz de m over de todo 2 B
81' 1\'. 6, (P hys., 250 a 9-19).

94 95
I

A RIST6TELES A FILOSOFIA DA NA TUREZA

2 ) N ão h á v azio ocupado p o r co rp o s 86. S e co n sid erarm o s a m assa de um o TEM PO


co rp o co m o alg o d istin to d as su as q u alid ad es sen sív eis.(m esm o se fo r sep aráv el
ap en as p elo p en sam en to ), já n ão p recisam o s d e ad m itir a ex istên cia d e u m v azio . A p ó s ter ap o n tad o as p articu larid ad es ex isten tes n a n atu reza d o tem p o , as
3 ) N ão há interstíCios v azio s nos co rp o s 87. Em fav o r da ex istên cia do q u ais sU g erem a id eiaq u er d a su a irrealid ad e q u er d a su a « d ifícil realid ad e» ,
v azio tem sid o d efen d id o q u e, se ex istem d iferen ças d e d en sid ad e en tre o s co rp o s, A ristó teles p assa à co n sid eração da su a n atu reza 91. Uma h ip ó tese p lau sív el
tem d e ex istir aí u m v azio ; e q u e se não ex istem essas d iferen ças, d eix a d e h av er co n siste em id en tificá-lo co m o m o v im en to o u a m u d an ça. C o n tu d o , assim n ão
um a co isa co m o a co m p ressão , sen d o , por isso m esm o , o m o v im en to im p o ssí- pode ser, p o is só ex iste um tem p o en q u an to são n u m ero so s o s m o v im en to s
v el. E m face d este arg u m en to , A ristó teles d em o n stra p rim eiro q u e o v azio n ão ex isten tes e, p o r o u tro lad o , o tem p o n ão p o d e ser ráp id o o u len to . N o en tan to ,
s~ rv e p ara ex p licar o s facto s. E m seg u id a, ten ta fo rn ecer u m a ex p licação p o si- o tem p o implica m u d an ça 92 p o rq u e q u an d o o n o sso estad o d e esp írito n ão
tiv a 88. A co n d en sação e a rarefacção o co rrem , m as n ão p o d em o s in ferir d aí a m uda o u estam o s in co n scien tes d a m u d an ça, n ão d am o s p elo p assar d o tem p o .
ex istên .cia dum v azio . E x iste um a m atéria p articu lar d e o p o sto s q u e, sen d o Q u an d o n o tam o s u m a m u d an ça p en sam o s ter-se esg o tad o u m lap so d e tem p o , e
p o ten C ialm en te, d ig am o s calo r, v em a to rn ar-se n isso actu alm en te. D o m esm o v ice-v ersa. A ssim sen d o , q u al é a relação d o tem p o ao m o v im en to ? A g ran d eza
m odo, a m esm a m atéria é v álid a p ara um co rp o g ran d e e p ara um p eq u en o . esp acial é co n tín u a, co n stitu in d o o co n tín u o p rim o rd ial. O m o v im en to é co n tí-
Q u an d o a ág u a se tran sfo rm a em ar, a m esm a m atéria, sem q u alq u er ad ição nuo p o rq u e o é atrav és do esp aço co n tín u o ; e o tem p o é co n tín u o p o rq u e é
p ro v en ien te do ex terio r, to rn a-se actu alm en te o q u e era em p o tên cia. S u ced e o cu p ad o p o r u m m o v im en to co n tín u o . D o m esm o m o d o , « o .an terio r» e. « o p o ste-
o m esm o q u an d o o ar se en co n tra co n traíd o o u é ex p an d id o . C om o a m esm a rio r» referem -se, em p rim eira in stân cia, ao esp aço , em seg u n d a ao m o v im en to e
m atéria q u e era fria se to rn a q u en te, assim tam b ém a m esm a m atéria, q u e era em terceira ao tem p o . R eco n h ecem o s o esb o ro ar d e u m lap so d e tem p o q u an d o ,
q u en te, se to rn a m ais q u en te, sem q u e q u alq u er d as su as p artes aq u ecid as n ão o n o m o v im en to , d am o s co n ta d e u m a d istin ção en tre u m an tes e u m d ep o is. Q u er
fo sse já q u an d o o q u en te era m en o r. S im ilarm en te, a d im en são dum a m assa d izer, q u an d o d istin g u im o s d o is « ag o ra» e u m in terv alo en tre eles, p o is o tem p o é,
sen sív el pode ex p an d ir-se sem ad ição p ro v en ien te d o ex terio r, d ev id o à m esm a p recisam en te, o q u e é lim itad o p o r u m ag o ra. O tem p o é « o n ú m ero d e m o v im en to
m atéria ser cap az d e o cu p ar um esp aço m aio r o u m en o r. É d este m o d o que a resp eito do an tes e do d ep o is» , p o is d iscrim in am o s o m ais e o m en o s p elo
A ristó teles ex p lica a ex p an são e a co n tracção d o s co rp o s, b em co m o as m u d an - n ú m ero , e o m ais e o m en o s d o m o v im en to p elo tem p o . C o n tu d o , o tem p o é
ças q u alitativ as p ro v en ien tes d a cap acid ad e, por p arte d a m atéria, d e assu m ir n ú m ero , n ão n o sen tid o d aq u ilo p elo q u al en u m eram o s (isto é, n o sen tid o do
v ário s estad o s, isto é, « d e p reen ch er o esp aço co m to d o s o s g rau s d e in ten sid ad e n ú m ero p u ro ) m aS n o sen tid o d o en u m erad o , o u seja, o asp ecto n u m eráv el do
p o ssív eis» 89. R esid e aq u i a su a d o u trin a, estab elecid a co n tra a d o u trin a do m o v im en to .
v azio . N o u tro lad o 90, assin ala um a an alo g ia en tre o v azio e o in fin ito .. N ão h á S eg u e~ se, en tão , um a p assag em , tão in teressan te q u an to d ifícil 93, cu jo
in fin ito n em v azio actu ais. C o n tu d o , assim co m o « a d iv isão nu n ca ch eg a a u m o b jecto é o d e assin alar q u e, assim co m o o m o v im en to se reco n h ece p ela o b ser-
fim » , tam b ém a lin h a (p o r ex em p lo ) é in fin itam en te d iv isív el, sen d o tam b ém v ação su cessiv a d e u m m esm o co rp o m ó v el, to m an d o p o r referên cia p o n to s de
p o ssív el im ag in ar u m co rp .o m en o s d en so q u e u m q u alq u er o u tro d ad o . A m até- v ista d iferen tes, tam b ém o d ecu rso d o tem p o se reco n h ece q u an d o p erceb em o s
ria é co n tín u a atrav és d e to d o o u n iv erso , m as n ão ex iste lim ite à su a ten u id ad e q u e o carácter p articu lar d o « ag o ra» estev e lig ad o a m ais d e u m aco n tecim en to
p o ssív el. ex p erien ciad o . O tem p o d ep en d e do ag o ra q u er p ela su a co n tin u id ad e co m o
p ela su a d iferen ciação em p artes, d o m esm o m odo q u e o m o v im en to d o co rp o
m o v id o e a.lin h a .d o p o n to , E , aC rescen tá A ristó teles, se é em v irtu d e d es.tes
ag o ra q u e o tem p o p o d e ser m ed id o , n ão d ev em o s su p o r q u e o s ag o ra co n sti-
tu em p artes d o tem p o em m aio r g rau q u e o s p o n to s o são a resp eito d a lin h a. N o
que resp eita ao tem p o e à lin h a, n ão ex iste « o m ais p eq u en o » 94:

86 216 a 26-b 21.


87 IV , 9 .
88 217 a Io-b 20. 91 IV , 10.
. Jo ach im so b re n ...e.G en. ~t Corr., p . 1 2 4 ; este au to r.co m p ara ju stam en te esta co n cep ção d a
8~
92- IV ,II.
m atén a co m a co n cep çao k an tIan a d e « rea1 » n as « A n tecip açõ es d a P ercep ção » . . 93 219 b 9-220 a 24.
90 Met., 1048 b 9.-17. 94 220 a 27-32.

96
A R IS T Ó T E L E S
A F IL O S O F IA D A N A TU REZA

D e se g u id a , A ristó te le s v o lta a e x a m in a r o sig n ific a d o d a a firm a ç ã o se r « n o


da m e sm a " c la sse e stá e n tre e le s. A e stá em c o n ta c to com B quando a s su a s
te m p o » 95. Ser n o te m p o deve sig n ific a r: I) se r q u a n d o o te m p o é ; 2 ) se r u m a
e x tre m id a d e s e stã o no m e sm o lu g a r im e d ia to . A é c o n tín u o a B quando os
p a rte ou um a trib u to do te m p o ; ou 3 ) se r por e le " m e n su rá v e l. C o n tu d o , a
lim ite s, p e lo s q u a is se to c a m , se c o n fu n d e m . O c o n ta c to im p lic a u m a c o n se c u ti-
a firm a ç ã o de um se r no te m p o se m p re que e ste é não d ife re d e sto u tra que
v id a d e , m as não v ic e -v e rsa (p o r e x e m p lo , o s n ú m e ro s podem se r c o n se c u tiv o s
a firm a o se r em m o v im e n to , ou o e sta r num lu g a r, se m p re que e ste s s ã á ."
m as não podem to c a r-se ). E a c o n tin u id a d e im p lic a o c o n ta c to , m a s n ã o v ic e -
O p re se n te , o p a ssa d o e o fu tu ro sã o n o te m p o com o su a s p a rte s; o s a c o n te c im e n -
-v e rsa .
to s d ã o -se no te m p o no se n tid o em que sã o por e le m e n su rá v e is. E stã o n e le
D e sta d e fin iç ã o d e c o n tín u o re su lta que nenhum c o n tín u o p o d e c o m p o r-se
c o n tid o s a ssim com o a s c o isa s situ a d a s num dado lu g a r o sã o p o r e ste . D e v id o a
de in d iv isív e is - nenhum a lin h a , por e x e m p lo , de p o n to s 100. C om e fe ito :
se re m no te m p o , se g u n d o e ste se n tid o , deve aí haver um te m p o m a io r que
I) u m in d iv isív e l não p o ssu i e x tre m id a d e s; e , 2 ) se u m a lin h a fo sse c o m p o sta de
q u a lq u e r o u tra c o isa q u e se ja n o te m p o . C o n se q u e n te m e n te , a s c o isa s q u e o sã o
p o n to s, e ste s d e v e ria m , ou se r c o n tín u o s, ou e sta r em c o n ta e to . C o n tín u o s,
se m p re n ã o e stã o n o te m p o , p o is n e m e stã o n o te m p o n e m sã o p o r e le m e d id a s.
c o m o v im o s, n ã o p o d e ria m se r, n e m p o d e ria m e sta r e m c o n ta e to . E fe c tiv a m e n te ,
Uma v e z q u e o te m p o é a m e d id a d o m o v im e n to , ta m b é m o é d o re p o u so ; e só
a) a to ta lid a d e d e u m d e v e ria e sta r e m c o n ta c to com a to ta lid a d e d o o u tro ; ou
a q u e la s c o isa s q u e e stiv e re m e m m o v im e n to ou em re p o u so (isto é , q u e e stã o ou
e n tã o b) u m a p a rte de um com um a p a rte d o o u tro ; o u a in d a , c ) u m a p a rte de
podem e sta r em m o v im e n to ) sã o no te m p o . O te m p o nunca fa z fa lta p o rq u e o
um com a to ta lid a d e d o o u tro . A s h ip ó te se s b) e c ) sã o im p o ssív e is, u m a v e z q u e
m o v im e n to n u n c a fa z fa lta , e p o rq u e c a d a a g o ra é , p e la su a n a tu re z a , ta n to o
os p o n to s não p o ssu e m p a rte s. M as se , c o m o em a), a to ta lid a d e e stá em
c o m e ç o d e u m fu tu ro c o m o o fim d e u m p a ssa d o 9 6 .
c o n ta c to com a to ta lid a d e , d e ix a ria de haver aí c o n tin u id a d e p o is o que é
A ristó te le s fa z re ssa lta r, se m um a re sp o sta m u ito d e fin itiv a , um a im p o r-
c o n tín u o te m d e p o ssu ir p a rte s se p a ra d a s q u a n to ao lu g a r.
ta n te q u e stã o quando se in te rro g a so b re se o te m p o e x istiria se n ã o h o u v e sse
~ P o r o u tro la d o , o p o n to n ã o p o d e se r c o n se c u tiv o a um o u tro p o n to (o q u e
a lm a 97. Podem os su ste n ta r, d iz e le , q u e se n ã o e x istisse a lg u é m p a ra c o n ta r,
c o n ~ titu i um a c o n d iç ã o p ré v ia p a ra que h a ja c o n ta c to ), nem o m o m e n to ao
d e ix a ria d e h a v e r a lg o q u e p u d e sse se r c o n ta d o e , c o n se q u e n te m e n te , d e ix a ria de
m o m e n to , u m a v e z q u e e x iste u m a lin h a e n tre q u a isq u e r d o is p o n to s e um
e x istir o n ú m e ro . Tudo o q u e p o d e ria e n tã o e x istir e ra , n ã o o te m p o , m a s o se u
te m p o e n tre q u a isq u e r d o is m o m e n to s.
su b stra to , o m o v im e n to . Q u e r d iz e r, c o n tin u a ria a e x istir o m o v im e n to m as
3) Se o c o n tín u o fo sse c o m p o sto de in d iv isív e is, to rn a r-se -ia p o ssív e l
d e ix a ria d e e x istir o a sp e c to m e n su rá v e l.
d iv id i-lo e m in d iv isív e is. C o n tu d o , se a ssim fo sse , o in d iv isív e l e n tra ria em con-
O m o v im e n to , de que o te m p o c o n stitu i o n ú m e ro , pode se r a g e ra ç ã o -
ta c to com o in d iv isív e l, o que, com o v im o s, é im p o ssív e l.
-d e stru iç ã o , o c re sc im e n to , a m udança q u a lita tiv a o u a lo c o m o ç ã o . M a s o m o v i-
4 ) S e a e x te n sã o fo sse c o m p o sta d e in d iv isív e is, o m o v im e n to a tra v é s d e sta
m e n to é n a tu ra lm e n te m e d id o com a a ju d a da su a e sp é c ie p rim o rd ia l, a
e x te n sã o p o d e ria -se r c o m p o sto d e m o v im e n to s in d iv isív e is, q u e r d iz e r (c o m o o
lo c o m o ç ã o , a ú n ic a e sp é c ie d e m o v im e n to que não n e c e ssita de m udar o se u
d e m o n stra A ristó te le s), d e m o v im e n to s c o m p le to s, o s q u a is nunca e sta ria m em
lu g a r 98. E a e sp é c ie p rim o rd ia l d a lo c o m o ç ã o é a q u e se e fe c tu a e m c írc u lo . D aí
v ia s de se r e x e c u ta d o s. A ssim , a q u ilo que é m o v id o c o n tin u a m e n te ta m b é m
a concepção p rim itiv a que id e n tific a v a o te m p o com o m o v im e n to da e sfe ra
d e v e rá e sta r c o n tin u a m e n te . e m . re p o u so .
c e le stia l, b e m c o m o a q u e la q u e d e sc re v e a s o c u p a ç õ e sh u m a n a s, to d a a m udança
5 ) A ristó te le s a c re sc e n ta um a p ro v a m u ito e le g a n te d a d iv isib ilid a d e in fin ita
e o p ró p rio te m p o com o c íc lic a s.
d o te m p o e do e sp a ç o A é m a is rá p id o q u e B, e q u e B
101. Suponham os que
p e rc o rre u u m a d istâ n c ia C D n u m te m p o EF. A p e rc o rre u e n tã o e sta d istâ n c ia
n u m te m p o m e n o r EG. L o g o , B, rio te m p o EG, p e rc o rre u u n ia d istâ n c ia m e n o r
.A C O N T IN U ID A D E
. C H . Logo, A p e rc o rre u a d istâ n c ia C H n u m te m p o m e n o r, e a ssim a d in ftn itu m .

S e m q u a lq u e r lim ite , so m o s c o n d u z id o s a te m p o s e a d istâ n c ia s cada v e z m a is


E m je ito d e in tro d u ç ã o à su a d isc u ssã o a c e rc a d a c o n tin u id a d e , A ristó te le s
c u rta s.
d e fin e a lg u n s te rm o s fu n d a m e n ta is 99. A é c o n s e c u tiv o a B quando, q u a lq u e r
D e p o is se g u e -se um a b re v e d isc u ssã o d o s p a ra d o x o s u tiliz a d o s por Z enão
q u e se ja o p o n to d e v ista (d e p o siç ã o , e sp é c ie , e tc .), é p ro d u z id o após 11e nada.
p a ra d e m o n stra r a im p o ssib ilid a d e do m o v im e n to 102. A ristó te le s d isc u te -o s
c o m m a is d e ta lh e n o u tro lo c a l 103. A e ssê n c ia d a su a re sp o sta é q u e , e n q u a n to é
95 2 2 0 . b 3 2 -2 2 2 a 9 .
96 2 2 2 a 2 9 -b 7 .
100 V I, 1 ..
97 2 2 3 a 2 1 -2 9 .
"101 2 3 2 a 2 3 -2 3 3 a 2 1 ..
9 8 2 2 3 a 2 9 -2 2 4 a 2 .
1022 3 3 a 2 1 -b 15.
99. V , 3.
103 V I, 9 ; 2 6 3 a 4 -2 6 4 a 6 .

98
99
ARISTÓTELES A FILOSOFIA DA NATUREZA

im possível atravessar um espaço infinito num tem po finito, é possível atravessar c) S e suposerm os um tem po exacto para o retorno ao repouso dum a coisa,
um espaço infinitam ente divisível num tem po finito, um a vez que um tem po concluirem os que regressa ao repouso em cada parte desse tem po.
finito é, ele próprio, infinitam ente divisível. . d) N ão há tem po exacto para um a coisa retornar ao repouso.
O resto do livro V I da Física possui um duplo interesse. D esenvolve a e) N ão há tem po exacto para o repouso de um a coisa.
doutrina da continuidade e da infinita divisibilidade do espaço, do m ovim ento e 8. 239a 23 - b 4. U m a coisa não está, durante o tem po exacto gasto pelo
do tem po num a série de proposições adm iravelm ente deduzidas dos seus princí- seu m ovim ento, em qualquer lugar exacto.
pios fundam entais. E , procedendo deste m odo, estabelece algum as das prem is- (C ap. 9. S olução .dos argum entos de Z enão contra o m ovim ento.)
sas necessárias à dem onstração da existência dum prim eiro m otor im óvel. 10. 240b 8 - 241a 26. A quilo que não possui partes não pode estar em
T alvez que a noção m ais im portante a reter, no sentido de tornar o seu pensa- m ovim ento.
m ento inteligível, seja a refer.ente ao «prim eiro» tem po de um m ovim ento. Um 10. 241a 26 - b 20. N ão há um a única m udança infinita, excepto o m ovi-
acontecim ento dá-se num a série de tem pos, do m esm o m odo que um corpo m ento em circulo.
se encontra num a série de lugares: a m orte de C ésar teve lugar em M arço de
44 a. C ., e tam bém no ano 44 a. C ., e tam bém no I século a. C . O «prim eiro»
tem po de um acontecim ento é precisam ente o tem po por ele ocupado, o seu O P R IM E IR O M OTOR
tem po exacto ou o que lhe serve de m edida. A este respeito, existe um a analo-
gia estreita entre os tratam entos que A ristóteles dá ao tem po e ao lugar.

A qui, devem o-nos contentar com expor o essencial do livro sob a form a de O s conteúdos do livro V III podem ser igualm ente expostos a partir de um a
um esquem a: série de proposições:
C apo 3. O m om ento é indivisível, e nada se m ove ou está em repouso num C aps. I e 2. O m ovim ento existiu sem pre e sem pre existirá.
m om ento. C apo 3. Há coisas que, por vezes, estão em m ovim ento e por vezes em
4. 234b 10-20. O que quer que seja que m ude é divisível. repouso.
4. 234b 21 - 235a 13. O m ovim ento é divisível: a) relativam ente ao tem po C apo 4. T udo o que está em m ovim ento é m ovido por algum a coisa.
que ocupa; b) relativam ente aos m ovim entos separados das partes do corpo em 5. 256a 4 - 257a 31. O prim eiro m otor não é m ovido por nada de outro
m ovim ento. que ele próprio.
4. 235a 13 - b 15. O tem po, o m ovim ento, o facto de o corpo ser m ovido, o 5. 257a 31- 258b 9. O prim eiro m otor é im óvel.
corpo em m ovim ento e a distância em que se m ove, tudo isto possui divisões 6. 258b 10 - 259a 20. O prim eiro m otor é eterno e um co.

I[
correspondentes. 6. 259a 20 - b 31. O prim eiro m otor não é m ovido, m esm o acidentalm ente.
5. 235b 6-32. Q ualquer coisa que tenha m udado é, desde o m om ento em 6. 259b 32 - 260a 19. O primum mobile é eterno.
que se m uda, aquilo em que foi m udada . 7. 260a 20 - 261a 28. A locom oção é a prim eira espécie .de m ovim ento.
.
5. 235b 32 - 236a 7. O tem po exacto gasto por um a coisa para com pletar a 7. 261a 28 - b 26. N enhum m ovim ento (ou m udança) é contínua excepto
I
I sua m udança é indivisível (isto é, um m om ento). a locom oção.
r
5. 236a 7 - b 18. E xiste um tem po exacto gasto por um a coisa para com ple- 8. 261b 27- 265a 12. S ó o m ovim ento circular pode ser contínuo e infinito.
tar a sua m udança, m as não existe tem po exacto para o com eço da sua C apo 9. O m ovim ento circular é a prim eira espécie de locom oção.
fI m udança. C apo 10. O prim eiro m otor não tem paites. ou grandeza, e encontra~se na
6. 236b 19 - 32. U m a coisa m uda em todas as partes do tem po exacto gasto circunferência do m undo.
pela sua m udança. Q ue o prim eiro m otor esteja na circunferência do m undo resulta, segundo
6. 236b32 - 237b 22. T udo o que está em vias de sofrer um a m udança já A ristóteles: a) do facto de o m ovim ento dever partir ou do centro ou da circunfe-
m udou, e toda 'a .coisa que m udou sofre.u previam ente um a m udança. rência, sendo estes os únicos «com eços» possíveis; b) do facto de o m ovim ento
C apo 7. a) N ada pode gastar um tem po infinito para realizar. um m ovi- diréctam ente im presso pelo prim eiro m otoi:. dever ser o m ais rápido de todos
m ento finito. . os m ovim enteis, um a vez que o ím peto deve extinguir-se no decurso da transm is-
b) N ada pode realizar um m ovim ento infinito num tem po finito. são; e c) do facto (supestam ente) observado de o m ovim ento da esfera das
8. 238b 23 - 239a 22. a) O que vem ao repouso está em m ovim ento. estrelas fixas ser o m ovim ento m ais rápido de todos. A tingim os assim o ponto
b) O vir ao repouso tem lugar no tem po. de vista segundo o qual o m ovim ento no .m undo é transm itido pelo «prim eiro
(isto é, m ais exterior) céu»; e que o prim eiro m otor, um a vez que actua directa-

100 .
101
ARISTÓTELES
A FILOSOFIA DA NATUREZA

m e n te n e ste c o rp o , deve situ a r-se no e x te rio r do u n iv e rso . N o u tro lo c a l 104,


m e n to c irc u la r d ife re n te d o d a p rim e ira e sfe ra , p o is « u m m o v im e n to ú n ic o da
A ristó te le s te n ta c o n c re tiz a r e sta a rro ja d a g e n e ra liz a ç ã o m o stra n d o com o os
to ta lid a d e d o c é u n e c e ssita ria dum a re la ç ã o id ê n tic a d o s e le m e n to s d o s c o rp o s
c o rp o s c e le ste s (e e m p a rtic u la r o s-o l) p ro d u z e m , p e lo s se u s m o v im e n to s,. os
e n tre si» . O u se ja , se o so l e a lu a fo sse m c o n d u z id o s n a re v o lu ç ã o p e lo p rim e iro
fe n ó m e n o s m e te re o ló g ic o s, o s q u a is fo rm a m o q u a d ro d a v id a te rre stre e , p e lo
c é u , e n tã o , « se o so l e stiv e sse em C â n c e r, te ría m o s um V e rã o p e rp é tu o , e se
ritm o d o d ia e d a n o ite , d o te m p o d a s se m e n te ira s e d a s c o lh e ita s, fo rn e c e m aos
e stiv e sse em C a p ric ó rn io , um In v e rn o p e rp é tu o » 109. A s in flu ê n c ia s a lte rn a d a s
a c o n te c im e n to s te rre stre s o se u m o d e lo e c a rá c te r. M a s a c o n c lu sã o d a Física
d e c a lo r e frio , a s q u a is sã o a s c a u sa s a c tu a is d a g e ra ç ã o e d e stru iç ã o , e sta ria m
d e ix a -n o s com d o is p ro b le m a s se m re sp o sta . I) C o m o pode o p rim e iro m o to r a u se n te s 110.
in c o rp ó re o e in e x te n so , a p e sa r d e tu d o isto , e sta r n a c irc u n fe rê n c ia d o u n iv e rso ?
O siste m a a stro n ó m ic o d e A ristó te le s é , e m te rm o s b re v e s, o se g u in te . Os
2) C om o é que um se r in c o rp ó re o pode im p rim ir m o v im e n to ? O s ú n ic o s d ()is
c o rp o s c e le ste s c o n siste m n o s c in c o e le m e n to s, liv re s d a g e ra ç ã o e d a d e stru iç ã o ,
m odos d e im p rim ir m o v im e n to , re c o n h e c id o s e m ú ltim a a n á lise p o r A ristó te le s,
da m udança de q u a lid a d e e ta m a n h o , e m o v e m -se , não com o o s e le m e n to s
sã o o d e e m p u rra r e o d e a tira r 105. O ra , o q u e é in c o rp ó re o não pode c a ir e m
te rre stre s e m lin h a re c ta , m a s e m c írc u lo 111. O u n iv e rso c o n siste n u m a sé rie d e
q u a lq u e r d e sta s duas c la sse s. A ristó te le s te n ta fo rn e c e r um a re sp o sta a e sta s
e sfe ra s c o n c ê n tric a s. A te rra é um a e sfe ra d e d im e n sõ e s re la tiv a m e n te m e d ío -
q u e stõ e s n a Metafísica 106. O p rim e iro m o to r é d e sc rito com o c a u sa n d o m o v i-
c re s 112, em re p o u so no c e n tro do u n iv e rso 113. A concha m a is e x te rn a do
m e n to «com o um o b je c to d e d e se jo » o u d e a m o r, isto é , n ã o c o m o u m q u a lq u e r
u n iv e rso - o « p rim e iro céu» - é u m a e sfe ra fin ita c o n te n d o o q u e h o je d e sig n a -
a g e n te físic o , não se n d o por isso n e c e ssá rio situ á -lo num d o m ic ílio p a rtic u -
m o s d e e stre la s fix a s 114. E sta s e stre la s n ã o p o ssu e m m o v im e n to p ró p rio , m as a
la r 197• C o n tu d o , e sta so lu ç ã o n ã o le v a n ta m enos p ro b le m a s d o q u e a q u e le s que
ro ta ç ã o u n ifo rm e do p rim e iro céu fa z re a liz á -la s um a re v o lu ç ã o em v in te e
re so lv e .
q u a tro h o ra s 115. N o q u e d iz re sp e ito a o s m o v im e n to s m a is c o m p le x o s d o so l,
d a lu a e d o s p la n e ta s, A ristó te le s a d o p ta , c o m a lg u m a s m o d ific a ç õ e s, a te o ria d e
DE CAELO
/ Eudoxo ta l c o m o e sta fo i d e se n v o lv id a p e lo se u p ró p rio a m ig o C a lip o 116. Eudoxo
tin h a chegado, a p a rtir d e c u rio so s a rtifíc io s m a te m á tic o s, à d e c o m p o siç ã o do
P a ssa n d o d a F(sica a o De Cae/a, p a ssa m o s d o e stu d o da m udança e m g e ra l
m o v im e n to a p a re n te d o so l e d a lu a e m trê s m o v im e n to s d e ro ta ç ã o . Suponha-
ao e stu d o d o m o v im e n to lo c a l. O s d o is p rim e iro s liv ro s tra ta m d o m o v im e n to
m os d iz e le um a e sfe ra ro d a n d o u n ifo rm e m e n te e p o ssu in d o , fix o s à su a
dos c o rp o s c e le ste s, o s d o is ú ltim o s do dos c o rp o s te rre stre s.
su p ;rfíc ie e d istin to s d o s se u s p ó lo s, o s p ó lo s de um a e sfe ra c o n c ê n tric a m a is
N um dos se u s e n sa io s m a is a rro ja d o s em c o n stru ç ã o a priari, A ristó te le s
pequena, e la m e sm a a n im a d a d e u m m o v im e n to d e ro ta ç ã o . Suponham os um a
te n ta d e m o n stra r p o rq u e é q u e a e stru tu ra g e ra l d o u n iv e rso d e v e se r ta l q u a l
te rc e ira e sfe ra re la c io n a d a à se g u n d a n a m e sm a p ro p o rç ã o q u e e sta é à p rim e ira .
é 108. A a c tiv id a d e d e D e u s é a v id a e te rn a . T am bém o m o v im e n to do céu, que é
U m c o rp o no equador d a te rc e ira e sfe ra te rá u m m o v im e n to c o m p o sto p e la s trê s
um c o rp o d iv in o , d e v e se r e te rn o , e p o r e sta ra z ã o o c é u d e v e se r u m a e sfe ra e m
ro ta ç õ e s; e dando c e rta s v e lo c id a d e s e d ire c ç õ e s à s trê s ro ta ç õ e s, p o d e re m o s
ro ta ç ã o . M as o c e n tro de um c o rp o em ro ta ç ã o e stá e m re p o u so . Logo, deve
o b te r u m m o v im e n to c o m p o sto c o n fo rm e o m o v im e n to o b se rv a d o a re sp e ito do
haver um a te rra .e m re p o u so n o c e n tro d o u n iv e rso . U m a v e z q u e h á a í te rra ,
ta m b é m d e v e h a v e I: fo g o , p o is o fogo (q u e se e le v a ) é o c o n trá rio d a te rra (q u e se
m o v e p a ra b a ix o ), e é , c o n se q u e n te m e n te , a n te rio r a e la e m n a tu re z a , o q u e n te
se n d o a fo rm a d e c u jo frio é a p riv a ç ã o . Uma v e z q u e h á a í o fo g o e a te rra ,
109 S im p lício , in loc.
ta m b é m _ d e v e h a v e r o s in te rm e d iá rio s ar e água. A e x istê n c ia d e ste s e n v o lv e a -110 E m -lI,' 1 2 , A ristó teles fo rn ece um a ex p o slçao sim ilar a priori d a razão p ela q u al o s
v in d a -a o se r e a m o rte , p o is o s c o n trá rio s p re se n te s n o s in te rm e d iá rio s te n d e m a m o v im en to s d as esferas 'p lan etárias d ev em ser tal co m o são .
d e stru ir-se m u tu a m e n te . M as a e x istê n c ia da v in d a a o se r im p lic a um m o v i- III I, 2 . 3 .

112 A ristó teles m en cio n a co m ap ro v ação (2 9 8 a 1 5 ) u m a estim ativ a d a su a circu n ferên cia d e
ap ro x im ad am en te 46000 m ilh as - n ão ex actam en te d u as v ezes o seu co m p rim en to actu al.
A o p in ião d e A ristó teles, ex p ressa n esta co n ex ão (2 9 8 a 9 -1 5 ), seg u n d o a q u al n ão d ev e h av er u m a
g ran d e d istân cia en tre E sp an h a e a Ín d ia a p artir d o O cean o O cid en tal, fo i u m a d as cau sas p rin cip ais
p o r'q u ~ C ristó v ão C o lo m b o em p reen d 'eu a su a v iag em d e d esco b erta. D aí q u e o s n o m es d e.« Ín d io s
104 De Caelo, 1 I,- 3 ; De Gen. et Corr., lI, lO ; Meteor., I-I lI, passim.
'O cid en tais» e' d e « Ín d io s P eles-V erm elh as» sejam d ev id o s, in d irectam en te, a A rist6 teles.
105 VII, 2, onde «atira0) é considerado como um modo de\empurrar, {(transportao) como um
113 lI, 1 3 , 1 4 . A ristó teles ex p õ e co rrectam en te alg u m as d as p ro v as fu n d am en tais d a esferíci-
m o d o o casio n al d e ser em p u rrad o , arrastad o o u ro d ad o , e a rO t-ação co m o u m a co m b in ação de
em p u rrar e d e arrastar. d ad e d a T erra, e estab elece o p rin cíp io seg u n d o o q u al li su a fo rm a é d ev id a ao m o v im en to d as su as
106 A . 7. p artes em d irecção ao seu cen tro . C f. a su a p ro v a d a esfericid ad e d a su p erfície d a ág u a, 1 1 , 4 .
114 I, 5 , 1 1 . .4 .
IO T C f. De- Caelo, 2 7 9 a 1 8 -2 2 .
115 11, 6, 8.
108 De Caelo, lI, 3 .
116 Mela.,A. 8.

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i0 3
A R IS T Ó T E L E S A F IL O S O F IA DA NA TUREZA

sol eda lu a . De m odo s im ila r, o m o v im e n to de cada um dos p la n e ta s pode ser c o n h e c im e n to d iv in o . C o n tu d o , os m o v im e n to s p ró p rio s do s o l, da lu a e dos
d e c o m p o s to em q u a tro ro ta ç õ e s 117. p la n e ta s e n v o lv e m a ro ta ç ã o d a s e sfe ra s e m d ire c ç õ e s d ife re n te s d a s d o p rim e iro
C a lip o p a rte de o b se rv a ç õ e s m a is e x a c ta s , e acha necessano supor c in c o ç é u , e e s te m o v im e n to e x p lic a -s e p e la acção, não de D eus, m as de um a g e n te
e sfe ra s n o s e n tid o d e d a r c o n ta dos m o v im e n to s d a lu a , d o s o l, d e M e rc ú rio , de m o to r d is tin to de cada e sfe ra - a s « in te lig ê n c ia s » d o s e s c o lá s tic o s 120. Por c e rto ,
V énus e de M a rte . A os o lh o s de Eudoxo e de C a lip o a te o ria p a re c e te r s id o p re te n d e s ig n ific a r com is to um s is te m a m o n is tic o . A d o p ta p a ra s i a m á x im a
p u ra m e n te m a te m á tic a , is to p o rq u e não e x tra e m q u a lq u e r c o n c lu s ã o q u a n to a b o m é ric a segundo a qual « o g o v e rn o d e m u ito s não é bom ; que h a ja apenas um
um m e c a n is m o capaz d e e x p lic a r o m o v im e n to dos c o rp o s c e le s te s . Por o u tro c h e fe » 121. As in te lig ê n c ia s devem s e r in fe rio re s ao p rim e iro m o to r, m ~ s a sua
la d o , o m o v im e n to de cada um d e s te s c o rp o s (e x c e p to o das e s tre la s « fix a s » ) fo i re la ç ã o a c tu a l a D eus é d e ix a d a na o b s c u rid a d e , da m esm a fo rm a que o seu
tra ta d o com o um p ro b le m a à p a rte . M as A ris tó te le s d á -se c o n ta d e a lg o na m odo de o p e ra r nas e sfe ra s. C om o são se re s in c o rp ó re o s , p re s u m iv e lm e n te ,
s u g e s tã o da ro ta ç ã o c o n c ê n tric a das e sfe ra s capaz d e a d a p ta r-s e a o s e u s is te m a agem ta m b é m não com o a g e n te s fís ic o s m as com o o b je c to s de d e s e jo .
g e ra l d e p e n s a m e n to , e a d o p ta -o com o re p re s e n ta n d o o m e c a n is m o a c tu a l dos A ris tó te le s passa à p a rte s u b lu n a r d o s e u s is te m a n o s liv ro s III e IV . A q u i,
céus. Ao to m á -lo , d e b a te -s e com um a d ific u ld a d e . Se to d o o u n iv e rs o é um tra ta d o s q u a tro e le m e n to s c o n s id e ra d o s a re s p e ito d o s s e u s p e s o s e le v e z a s , is to
s is te m a d e e sfe ra s c o n c ê n tric a s em c o n ta c to (e d e v e m e s ta r em c o n ta c to , um a vez é, das suas te n d ê n c ia s p a ra a lo c o m o ç ã o . O D e G e n e r a tio n e e s tu d á -Io s -á re la ti-
que não e x is te a í v a z io ), a e sfe ra que tra n s p o rta um c o rp o c e le s te a rra s ta rá , no v a m e n te a o s se u s p o d e re s d e in te ra c ç ã o e de, por is s o , p ro d u z ire m a s o u tra s trê s
s e u m o v im e n to d e ro ta ç ã o , a e sfe ra e x te rio r do s is te m a do c o rp o s e g u in te (c o n -. e s p é c ie s de m udança - g e ra ç ã o , m udança de q u a l i d a d e ,- m u d a n ç a .d e ta m a -
ta n d o a p a rtir do in te rio r), e in te rfe rirá com a e x p lic a ç ã o dada por Eudoxo na nho 122. A ris tó te le s p re o c u p a -se com e s ta b e le c e r a e x is tê n c ia do peso e d a le v e z a
sua te o ria a c e rc a do m o v im e n to de cada c o rp o . P a ra p re v e n ir is to , A ris tó te le s a b s o lu ta s , ou s e ja , p re o c u p a -se com a te n d ê n c ia d e c e rto s c o rp o s p a ra se re m
a d m ite a e x is tê n c ia de e sfe ra s d e s tin a d a s a re a g ir, m o v e n d o -se em d ire c ç õ e s m o v id o s p a ra o c e n tro e n q u a n to o u tro s o sã o p a ra a c irc u n fe rê n c ia d o u n iv e rs o .
c o n trá ria s às das e sfe ra s o rig in a is , e que apenas p e rm ite m ao m o v im e n to da A s bases da sua te o ria a s s e n ta m : I) n o fa c to de a m a té ria de c e rta s e s p é c ie s .
e sfe ra e x te r io r de cada s is te m a (a ro ta ç ã o d iá ria de E s te p a ra O e s te ) p ro - te n d e r p a ra a ascensão (o u queda) no m e io de c e rta s o u tra s , in d e p e n d e n te -
p a g a r-se p a ra fo ra de to d o o s is te m a s itu a d o n e la s . A s s im , o b té m ao to d o 55 m e n te dos seus v o lu m e s re la tiv o s ; e, por o u tro la d o , 2 ) n o fa c to , s u p o s ta m e n te
e sfe ra s; Se a c re s c e n ta rm o s q u a tro p a ra o fo g o , a r, água e te rra , o b te m o s um e m p íric o , de um a g ra n d e q u a n tid a d e d e m a té ria de um tip o p a rtic u la r m a n ife s -
u n iv e rs o c o m p o s to de 5 9 e sfe ra s c o n c ê n tric a s 118. M u ita s vezes acusam os A ris - ta r o c a rá c te r p e rte n ç a d o tip o m a is c o m p le to de que é um a pequena q u a n tid a d e
tó te le s de te r c o m p re e n d id o m al a te o ria de Eudoxo. C o n tu d o , não podem os - é m a is pesado s e o tip o fo r pesado, é m a is le v e s e o tip o fo r le v e 123. Uma
c e n s u rá -lo por te n ta r fo rn e c e r um a e x p lic a ç ã o m e c â n ic a do m o v im e n to dos te o ria s u s te n to u que um c o rp o pesado c o n té m s im p le s m e n te um n ú m e ro m a io r
.c o r p o s c e le s te s , nem por b a se á -Ia na te o ria m a te m á tic a m a is v á lid a 119. d e p a rte s s im ila re s d o q u e a s a p re s e n ta d a s p o r u m c o rp o le v e . C o n tu d o , s e a s s im
O m o v im e n to do p rim e iro c é u d e v e -se à acção de D eus, o p e ra n d o com o um fo s s e , a rg u m e n ta A ris tó te le s , um a m a io r q u a n tid a d e d e fo g o d e v e ria e le v a r-s e
o b je c to de am or e de d e s e jo . C om o, p a ra A ris tó te le s , o espaço é fin ito , não m a is le n ta m e n te que um a pequena, e n q u a n to que, d e fa c to , vem os s e r o c o n trá -
e x is te a í .v a z i o , o m o v im e n to u n ifo rm e d e v e s e r o u e m lin h a re c ta o u e m c írc u lo , rio . D o m esm o m odo, um a q u a n tid a d e s u fic ie n te m e n te g ra n d e d e a r d e v e ria ser
e a ro ta ç ã o u n ifo rm e de um a e sfe ra é o ú n ic o m o v im e n to p a s s ív e l d e d u ra r m a is p e s a d a que a água, m a s d e fa c to o a r e le v a -s e se m p re quando em p re se n ç a
e te rn a m e n te , sem m udança de d ire c ç ã o e sem re q u e re r quer o v a z io quer um da água. Uma o u tra te o ria p re te n d e u d e fe n d e r a te s e s e g u n d o a qual o v o lu m e e
espaço in fin ito . A s s im , to rn a -s e p o s s ív e l a A ris tó te le s d e d u z ir a e x is tê n c ia da o peso nem se m p re ' se c o rre sp o n d e m . na p re se n ç a do v a z io nos c o rp o s le v e s .
e sfe ra c e ie s tia l e e x p lic a r a sua ro ta ç ã o côm o sendo a m a io r á p ro x im a ç ã o M a s , e n tã o , um a q u a n tid a d e s u fic ie n te m e n te pequena dum tip o d e c o rp o pesado
p o s s ív e l de um a c o is a c o rp ó re a à a c tiv íd a d e e te rn a im u tá v e l' do a u to - d e v e ria s e r m a is le v e q u e um a q u a n tid a d e s u f i 'c i e n t e m e n t e g ra n d e dum tip o de
c o rp o m a is le v e . -O q u e não é o caso. E não s e rv iria de nada fa z e r depender o
peso da re la ç ã o e n tre o s ó lid o e o v a z io num dado c o rp o p o is ; e n tã o , um a
pequena p o rç ã o d e fo g o d e v e ria m o v e r-se tã o ra p id a m e n te q u a n to um a g ra n d e .
A ú n ic a s .o l u ç ã o , s u s té m A ris tó te le s , é re c o n h e c e r a e x is tê n c ia de e s p é c ie s de
117 P " - r a m a i s d e t a l h e s v e r H e a t h , A r is ta r c iz u s o fS a m o s , c a p o .1 6 ; D " r e y e r , P la n e ta r y S y s te m s ,
capo 4.
118 M a s o s q u a tro ú ltim o s s ã o u m p o u c o id e a is , p o is q u e e x is te m , e n tre o s q u a tro e le m e n to s ,
tra n s fo rm a ç õ e s c o n s ta n te s em v ia s d e re a liz a ç ã o , e u m a p o rç ã o d e u m e le m e n to p ro d u z id o p 'e l a
tra n s fo rm a ç ã o d e u m o u t r o e l e m e n t o n ã o é ,- p o d e m o s d iz ê -lo , le v a d a a b o m te rm o im e d ia ta m e n te . 120 M e t., 1 0 7 3 a 2 6 -b I ; D e C o e lo , 2 7 9 a 1 8 -2 2 .
E m p a rtic u la r, A ris tó te le s n e g a a e x is tê n c ia d e e s fe ra s d e fin id a s d e fo g o e a r. O fo g o p re d o m in a 121 M e t., 1076 a 4.
apenas n a p a rte s u p e rio r d a .a tm o s fe ra , o ar na p a rte in fe rio r. 122 H á um a pequena d is c u s s ã o a c e rc a d a g e ra ç ã o n o D e C a e /o , 1 1 1 .
119 C o n t u d Q , n ã o n o ta q u e , n a s u a te o ria p e s s ()a l, a e s fe ra e x te rio r d e c a d a s is te m a é s u p é rflu a . 123 IV , 2 .

105
A R IS T Ó T E L E S A F IL O S O F IA D A N A T U R E Z A

m a té ria s q u a lita tiv a m e n te d ife re n te s . Se apenas houvesse um a ú n ic a m a té ria , O s a to m is ta s fo rn e c e ra m um a fo rm a m a Ís d e fin id a à s u a te o ria a o e x p li-
nada p o d e ria ser a b s o lu ta m e n te pesado o u le v e . D o m esm o m odo, se apenas c a re m a g e ra ç ã o e a d e s tru iç ã o p e la a s s o c ia ç ã o e d is s o c ia ç ã o de á to m o s 127.

houvesse um a ú n ic a m a té ria e um s e u c o n trá rio , nenhum a ra z ã o p o d e ria ' ser O a rg u m e n to q u e p a re c e ju s tific a r a e x is tê n c ia d e á to m o s é o s e g u in te : « S e s u p o m o s


dada a re s p e ito da le v e z a e peso r e la tiv o s do ar e da água. a p o s s ib ilid a d e de um c o rp o ser in te ira m e n te d iv is ív e l, e s te deve, num dado
O fa c to é que a ascensão do fo g o e o m o v im e n to d e s c e n d e n te da te rra m o m e n to , e n c o n tra r-s e num e s ta d o d e in te ira d iv is ã o , is to é , d e v e e n c o n tra r-s e
a s s e m e lh a m -s e à te n d ê n c ia n a tu ra l d a s c o is a s d e d e s e n v o lv e re m u m a c e rta n a tu - d iv id id o em p a rte s sem e x te n s ã o , C o n tu d o , nenhum a d e s ta s p a rte s , q u a lq u e r
re z a s u b s ta n c ia l, o u c e rta s q u a lid a d e s , o u , a in d a , d e c re s c e re m a té u m d e te rm i- q u e s e ja o s e u n ú m e ro , p o d e c o n s titu ir um c o rp o e x te n s o . Logo, um c o rp o não
nado ta m a n h o 124. «O m o v im e n to de um c o rp o p a ra o seu p ró p rio lu g a r é o p o d e s e r in te ira m e n te d iv is ív e l. D e v e h a v e r a í c o rp o s in d iv is ív e is .» N o e n ta n to , a
m o v im e n to a té à s u a p ró p ria fo rm a » . F a z p a rte d a n a tu re z a in trín s e c a d a te rra o c re n ç a na e x is tê n c ia dos á to m o s conduz a c o n s e q u ê n c ia s im p o s s ív e is , a s q u a is
e s ta r n o c e n tro do u n iv e rs o , e, em c o n s e q u ê n c ia , não pode e n c o n tra r re p o u s o fo ra m e s tu d a d a s por A ris tó te le s num o u tro lo c a l 128. E le a d o p ta um m e io -
a n te s d e a í te r c h e g a d o - o u d e a í e s ta r tã o p e rto q u e lh e p e rm ita p o s s u ir o u tra s -te rm o e n tre a s te o ria s o p o s ta s , in s is tin d o n o fa c to d e u m c o rp o poder s e r d iv i-
p o rç õ e s de te rra . P e rg u n ta r p o rq u e é que o fo g o se m ove a s c e n s io n a l m e n te d id o e m q u a lq u e r p a rte , m as não em to d a a p a rte . Pode s e r d iv id id o e m q u a l-
e q u iv a le a p e rg u n ta r p o rq u e é q u e o c u rá v e l, e n q u a n to ta l, a tin g e a saúde e não a q u e r p a rte . N enhum a d a s s u a s p a rte s re s is te à d iv is ã o , c o m o o fa ria m o s á to m o s ,
b ra n c u ra . C o n tu d o , e x is te aí um a d ife re n ç a : a te n d ê n c ia p a ra s e e le v a r o u c a ir M as não pode s e r d iv id id o e m to d a a p a rte , p o is is to s ig n ific a ria que possui um
p a re c e m a is in te rn a a o s e u p o s s u id o r, m enos d e p e n d e n te d e u m a g e n te e x te rn o , n ú m e ro fin ito d e p o n to s ju s ta p o s to s , ,b e m c o m o q u e o c o rp o pode s e r d iv id id o
que a te n d ê n c ia e m s o fre r um a m udança q u a lita tiv a o u q u a n tita tiv a . A ra z ã o é e m to d o s e s te s p o n to s e re d u z id o a nada, a te n d e n d o a q u e p o s s u i p o te n c ia lm e n te
q u e a m a té ria o u p o te n c ia lid a d e p a ra a lo c o m o ç ã o e s tá « m a is p e rto d a s u b s tâ n - um n ú m e ro in fin ito de p o n to s , nenhum d e le s ju s ta p o s to aos o u tro s .
c ia » ; é a ú ltim a d a s te n d ê n c ia s à m udança a s e r g e ra d a (c o m o podem os c o n s ta ta r N ão e x is te , e n tã o , nenhum a d is s o c ia ç ã o dum a c o is a e m á to m o s , m as ape-
nos pequenos a n im a is ), e is to d e m o n s tra s e r a p rim e ira n a o rd e m do ser - no nas em p a rte s re la tiv a m e n te pequenas. C o n tu d o , a a s s o c ia ç ã o e a d is s o c ia ç ã o ,
s e n tid o e m q u e fa z p a rte in te g ra n te , m a is d o q u e q u a is q u e r o u tra s te n d ê n c ia s , da m esm o sob e s te s novos p ris m a s , não b a s ta m p a ra e x p lic a r a m udança de um a
n a tu re z a d o s e u p o s s u id o r. A s s Ím , « q u a n d o o a r n a s c e d a á g u a , o le v e d o p e s a d o , c o is a « d is to p a ra a q u ilo , com o um to d o » , a m udança a fe c ta n d o não apenas as
d irig e m -s e p a ra o a lto . S im u lta n e a m e n te , to rn a -s e le v e , o s e u d e v Ír a tin g e um q u a lid a d e s d e u m a c o is a m a s ta m b é m o s fa c to re s fo rm a l e m a te ria l q u e , c o n ju n -
fim , e nesse lu g a r possui s e r» . A e le v a ç ã o e a queda dos c o rp o s re p re s e n ta m ta m e n te , fa z e m de um a c o is a o que e la é.
s im p le s m e n te a a c tu a liz a ç ã o da p o te n c ia lid a d e . Os in te rm e d iá rio s ar e água E x is te m duas d ific u ld a d e s , a c re s c e n ta A ris tó te le s , re la tiv a s a o « d e v ir in q u a -
possuem um a d u p la p o te n c ia lid a d e : a s s im com o o m esm o c o rp o é p o te n c ia l- liíu ::a d o » , o d e v ir d e u m a s u b s tâ n c ia p o r o p o s iç ã o à a q u is iç ã o dum a n o v a q u a li-
m e n te saúde e doença, ta m b é m o a r te n d e p a ra s e e le v a r n a te rra ou na água e dade por p a rte de um a s u b s tâ n c ia 129, 1) C om o pode d e v ir um a s u b s tâ n c ia ?
p a ra descer quando em p re s e n ç a do fo g o ; por seu tu rn o , a água te n d e p a ra A penas pode d e v ir, a p a re n te m e n te , d a q u ilo que é apenas p o te n c ia lm e n te subs-
a ascensão quando em p re s e n ç a da te rra e p a ra a queda quer no fo g o quer tâ n c ia ; m a s , s e s u p o s e rm o s q u e e s ta s u b s tâ n c ia p o te n c ia l não possui q u a is q u e r
n o a r 125. a trib u to s a c tu a lm e n te , e n tã o supom os a e x is tê n c ia in d e p e n d e n te de um ser bas-
ta n te in d e te rm in a d o , e, desse m odo, esquecem os a m á x im a «nada p ro v é m do
D E G E N E R A T IO N E E T C O R R U P T IO N E nada», Por o u tro la d o , s e s u p o s e rm o s que possui a c tu a lm e n te a trib u to s não-
-s u b s ta n c ia is , e n tã o d e fe n d e m o s a te s e im p o s s ív e l segundo a q u a l a s p ro p rie d a d e s
. A ris tó te le s re c o n h !:c e nos s e u s p re d e c e s s o re s d o is p o n to s d e v is ta fu n d a - podem e x is tir in d e p e n d e n te m e n te d a s s u b s tâ n c ia s . 2 ) Q u a l é a c a u s a d o c a rá c te r
m e n ta is no que d iz re s p e ito à g e ra ç ã o e à d e s tru iç ã o 126, Os ~ o n is ta s são' p e rp é tu o d o d e v ir? A causa e fic ie n te fo i d e te rm in a d a na F ís ic a 130; é o p rim e iro
o b rig a d o s a re d u z ir e s te s p ro c e s s o s às m udanças q u a lita tiv a s d e u m a s u b s tâ n c ia m o to r e o p r im u m m o b ile ; A q u i, p ro c u ra m o s a causa m a te ria l.
ú n ic a ; o s p lu ra lis ta s s ã o o b rig a d o s a c o n s id e rá -lo s com o d ife re n te s da m udança
d e q u a lid a d e , m as e x p lic a m a g e ra ç ã o c O m o a a s s ó c ia ç ã o d e d ife re n te s c o rp o s
e le m e n ta re s num a g re g a d o , e a d e s tru iç ã o com o a sua d is s o c ia ç ã o .

127 I, 2 .
128 P h y s ., 2 3 1 a 2 1 s e g s .; D e C a e lo , 303 a 3 segs.
124 IV , 3 . 129 I, 3 . D o is o u tro s s e n tid o s a c e rc a da d is tin ç ã o e n tre to rn a r-s e q u a lific a d o e to rn a r-s e
125 3 1 2 a 1 7 -2 1 .. in q u a lific a d o s ã o a s s in a la d o s e m 3 1 8 a 3 1 -3 5 .
126 I, i. 130 258 b 10 segs.

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A R IS T Ó T E L E S A F IL O S O F IA DA NA TUREZA

A r e s p o s ta à s n o s s a s d u a s q u e s tõ e s a s s e n ta n o s e g u in te : a d e s tr u iç ã o de um a p r im e ir o p o n to r e s u lta q u e o c r e s c im e n to n ã o é a e m e r g ê n c ia dum a g ra n d e z a a
s u b s tâ n c ia é a g e ra ç ã o d e o u tr a , e v ic e - v e r s a . I s to é , a c a u s a m a te r ia l d a g e ra ç ã o - p a r tir d e a lg o q u e n ã o é g r a n d e z a . A m a té r ia p o r e la p r e s s u p o s ta , apesar de não
- d e s tr u iç ã o , e d o s e u c a r á c te r p e r p é tu o , d iz r e s p e ito à m a té r ia q u e p o d e a s s u m ir s e r s e p a r á v e l, d is tin g u e - s e d a p r e s s u p o s ta p e la g e r a ç ã o o u p e la a lte r a ç ã o . O que
p r im e ir o um a e d e p o is o u tr a fo rm a s u b s ta n c ia l. A g e ra ç ã o p a re c e in tr ig a n - p re ssu p õ e é um c o rp o s e n s ív e l, e to d o o c o rp o s e n s ív e l é u m to d o in d iv is ív e l d e
te p o r q u e p a re c e p r o v ir do nada, m as a g o ra vem os que não se passa a s s im . s u b s tâ n c ia , q u a lid a d e e ta m a n h o . M as o que o p e n s a m e n to d is tin g u e com o
O c a r á c te r p e r p é tu o d a g e ra ç ã o p a re c e in tr ig a n te p o rq u e a som a d a s e x is tê n c ia s m a té r ia de c r e s c im e n to é a d im e n s ã o do c o rp o p r e e x is te n te .
p a re c e d is s ip a r - s e no c o n s ta n te r e to r n o das c o is a s ao nada; m as vem os a g o ra Podem os e s ta b e le c e r c e r to s p r in c íp io s o r ie n ta d o r e s da nossa in v e s tig a ç ã o
q u e a d e s tr u iç ã o não é is s o - o q u e é im p e r c e p tív e l a o s s e n tid o s não é necessa- so b re o c r e s c im e n to . I ) N o c r e s c im e n to , d á -se o c r e s c im e n to d e to d a s a s p a r te s
r ia m e n te nada. A g e ra ç ã o e a d e s tr u iç ã o são os d o is a s p e c to s dum a ú n ic a d a c o is a q u e c r e s c e . 2 ) U m a c o is a e m c r e s c im e n to c r e s c e p e la a c e ita ç ã o d e a lg o .
tr a n s f o r m a ç ã o d a s u b s tâ n c ia e m s u b s tâ n c ia . N o e n ta n to , e n tr e e s ta s tr a n s f o r m a - E s te a lg o deve ser um c o rp o , um a vez que não e x is te um a ta l c o is a com o um
ç õ e s , a lg u m a s são m a is p r o p r ia m e n te d e s ig n a d a s d e d e v ir , a sa b e r, a q u e la s em v a z io s e p a r a d o . C o n tu d o , o se u c o rp o p a re c e e n v o lv e r o p a ra d o x o d a e x is tê n c ia
que a s u b s tâ n c ia p r o d u z id a possui um g ra u de r e a lid a d e m a is e le v a d o , um d e d o is c o r p o s no m esm o lu g a r . 3 ) P a r a d is tin g u ir o c r e s c im e n to d o d e v ir q u e é
c a r á c te r m a is p o s itiv o do que a o u tr a . A s s im , a p ro d u ç ã o do fo g o a p a r tir da acom panhado p e la expansão ( p o r e x e m p lo , o d o a r a p a r tir d a á g u a ), devem os
te r r a é u m d e v ir in q u a lif ic a d o , e apenas p o d e s e r d e s ig n a d o d e d e s tr u iç ã o d e v id o a c r e s c e n ta r que, no c r e s c im e n to , a c o is a que c re sc e p e r s is te na sua n a tu r e z a
a o q u e n te ser a fo rm a d e c u jo f r io é a m e ra p r iv a ç ã o . p r ó p r ia .
D e s e g u id a , A r is tó te le s p ro c u ra d e s lin d a r com m a io r p r e c is ã o a s d if e r e n te s O c r e s c im e n to , n o s e u s e n tid o p r ó p r io , é u m a p r o p r ie d a d e d a s c o is a s v iv a s , e
e s p é c ie s de m udança 131. A a l t e r a ç ã o te m lu g a r quando: a ) e x is te u m s u b s tr a to se q u e re m o s a p re e n d e r a sua causa devem os n o ta r q u e : 1 ) p r im itiv a m e n te , são os
p e r c e p tív e l que p e r s is te ; e b) a n o v a q u a lid a d e é um a q u a lid a d e d o s u b s tr a to te c id o s que c re sc e m (o s ó rg ã o s são c o n s titu íd o s por e le s ) ; e 2 ) o s te c id o s tê m ,
que p e r s is te . A m bas a s c o n d iç õ e s se rv e m p a ra d is tin g u ir a a lte r a ç ã o d o d e v ir , 's im u lta n e a m e n te , u m a m a té r ia e u m a fo rm a , o u u m p la n o d e e s tr u tu r a . O te c id o
p o is a) e m to d o o d e v ir e x is te u m s u b s tr a to p e r s is te n te , m a s u m s u b s tr a to que é e n q u a n to m a té r ia não c re sc e em to d a s as suas p a r te s , p o is as suas p a r tíc u la s
im p e r c e p tív e l, a sa b e r, « a m a té r ia p r im e ir a » ; b) e n q u a n to , n a lg u m a s e s p é c ie s d e m a te r ia is e s tã o c o n s ta n te m e n te a a f lu ir e a r e f lu ir . O q u e p a r e c e id ê n tic o , e no
d e v ir , um a q u a lid a d e p e r c e p tív e l p e r s is te (p o r e x e m p lo , a tr a n s p a r ê n c ia , na e n ta n to é e x p a n d id o , é a sua fo rm a ou e s tr u tu r a . A causa e f ic ie n te do c r e s c i-
g e ra ç ã o da água a p a r tir d o a r), a n o v a g e ra ç ã o ( p o r e x e m p lo , o f r io ) n ã o é u m a m e n to é a a lm a n u tr itiv a , q u e m is tu r a n d o a c o m id a , q u e é c a r n e p o te n c ia lm e n te ,
q u a lid a d e d a p r im e ir a ( a tr a n s p a r ê n c ia ) , m a s s im u m a s u a q u a lid a d e a s s o c ia d a . com a c a rn e do c o rp o , tr a n s f o r m a e s ta c o m id a em c a rn e a c tu a l. A fo rm a c u ja
'N o u tr o lo c a l 132, A r is tó te le s in s is te no f a c to de a a lte r a ç ã o ser se m p re expansão é o c r e s c im e n to é « a e s p é c ie d e p o d e r im e r s o n a m a té r ia - com o um
m udança a r e s p e ito d a te r c e ir a d a s q u a tr o q u a lid a d e s r e c o n h e c id a s nas C a te g o - c a n a l» n o q u a l c o rre a n o v a m a té r ia . Q u a n to m a io r . é e s te p o d e r d e a b so rç ã o da
r ia s 133: « e s ta d o e d is p o s iç ã o » , « p o d e re s n a tu r a is e im p o tê n c ia s » , « q u a lid a d e s a fe c - m a té r ia n e c e s s á r ia p a ra com pensar o d e s p e r d íc io do te c id o , ta n to m a io r é o
tiv a s e a f e c ç õ c s » ( is to é , a s q u a lid a d e s p e r c e b id a s p e lo s s e n tid o s e s p e c ia is ) , « f ig u r a c r e s c im e n to . M as quando o p o d e r é e n f r a q u e c id o p e lo u s o , a p e s a r d e a n u tr iç ã o
e fo rm a » ; m as a q u i, a a lte r a ç ã o é tr a ta d a com o in c lu in d o ta n to a m udança a c o n tin u a r , o c r e s c im e n to p á ra , e cedo com eça o d e c lín io .
r e s p e ito da p r im e ir a com o da q u a r ta e s p é c ie d e q u a lid a d e s 1 3 4•. A pós te r d is tin g u id o a g e ra ç ã o da a lte r a ç ã o e do c r e s c im e n to , A r is tó te le s
A m a té r ia , na sua acepção m a is p r ó p r ia , é o s u b s tr a to e n v o lv id o na m udança passa à d is c u s s ã o das suas causas e , p r im e ir a m e n te , ao e s tu d o da sua ~ usa
s u b s ta n c ia l. M as os s u b s tr a to s e n v o lv id o s na lo c o m o ç ã o , na a lte r a ç ã o e na m a te r ia l - não. o seu ú ltim o s u b s tr a to d is tin g u ív e l lo g ic a m e n te , a sa b e r, a
m udança d e ta m a n h o ta m b é m são, num c e r to 's e n tid o , m a té r ia . m a té r ia p r im e ir a , m a s « o q u e d e s ig n a m o s d e e le m e n to s » , o s c o rp o s s e n s ív e is q u e
O c r e s c im e n to d if e r e d a g e r a ç ã o - d e s tr u iç ã o e d à a lte r a Ç ã ~ : 1 ) ~ o s e n tid o em são o s . m a te r ia is d o s te c id o s ' c u ja g e r a ç ã o d e v e e x p lic a r 136. E s te s c o n s titu e m os
que é m udança a r e s p e ito do ta m a n h o , não d e s u b s tâ n c ia ou d e q u a lid a d e ; e 'te c id o s por c o m b in a ç ã o q u ím ic a ~ E s ta im p lic a acção e p a ix ã o ; a acção e a
2 ) p o r e n v o lv e r um a m udança d e lu g a r . A m u d a n ç a d e lu g a r q u e e n v o lv e é d e u m p a ix ã o im p lic a m c o n t a c t o . P o r c o n s e g u in te , to d a s e s ta s c o is a s d e v e m s e r c o n s i-
tip o e s p e c ia l, d if e r e n te da tr a n s la c ç ã o e. da r o ta ç ã o : é um a expansão 135. Do d e ra d a s.
1) D uas c o is a s , com o v im o s , e s tã o em c o n ta c to quando « o s s e u s e x tr e .m o s
e s tã o ju n to s » 137. C o n tu d o ; n o s e n tid o m a is e s tr ito , o c o n ta c to apenas é p o s s ív e l
a p lic a r - s e a c o is a s que possuem p o s iç ã o e lu g a r , quer d iz e r ( u m a v e z q u e « a c i-
131 I, 4 •

.'3 2 P h y s " 2 4 5 b 3 segs.


133 8 b 2 5 -1 0 a 2 6 .
1 -3 4 3 1 9 b 1 2 -1 4 . 136 I, 6 .
135 I, 5 . 137 P h y s ., 226 b 23.

108 109
ARISTÓTELES A FILOSOFIA DA NA TUREZA

m a d e » e « a b a ix o d e » c o n s titu e m a s d ife re n ç a s p rim o rd ia is d o lu g a r), a c o is a s q u e , m udança, n ã o e m p a rte s p a rtic u la re s o n d e re s id e m o s p o ro s e o s v a z io s , m a s p o r


n a tu ra lm e n te , se m ovem p a ra c im a o u p a ra b a ix o . O ra , o s c o rp o s pesados o .u to d o o la d o , não o b s ta n te p o d e re m haver v e ia s d e m a io r s u s c e p tib ilid a d e a
le v e s s ã o d e ta l m o d o que podem a g ir o u s o fre r u m a a c ç ã o . P o r o u tra s p a la v ra s , a tra v e s s á -ia s 141.

o c o n ta c to d iz p ro p ria m e n te re s p e ito a o s c o rp o s s u b lu n a re s m u tá v e is . M as, num 3) A p o s s ib ilid a d e d e combinação fo i n e g a d a por a lg u n s p e n s a d o re s sob


segundo s e n tid o , p e rte n c e a) a o s o b je c to s m a te m á tic o s , o s q u a is podem , num p re te x to d e , s e a) a m b o s o s c o n s titu in te s p e rs is te m in a lte ra d o s , ou se b) a p e n a s
c e rto s e n tid o , ser c o n s id e ra d o s com o p o s s u in d o um lu g a r 138; e b) a q u a lq u e r u m é d e s tru íd o , não podem os a firm a r e s ta re m c o m b in a d o s ; e n q u a n to que, se
c o is a (A ris tó te le s e s tá , p ro v a v e lm e n te , a pensar n a re la ç ã o e n tre o c é u e x te rio r e c) am bos tiv e s s e m s id o d e s tru íd o s , eles n ã o p o d ia m e x is tir c o m b in a d o s , um a
a e s fe ra c e le s tia l q u e s e lh e s e g u e ) q u e m o v e s e m s e r re c ip ro c a m e n te m o v id a , e v e z q u e n ã o e x is te m d e to d o 142. A is to , A ris tó te le s re s p o n d e d iz e n d o que na com -
sem a g ir nem re c e b e r q u a lq u e r acção, is to é, sem causar nem s o fre r q u a lq u e r b in a ç ã o não s e re a liz a q u a lq u e r d e s ta s a lte rn a tiv a s . A s o lu ç ã o a s s e n ta n o re c o -
m udança qualitativa. Um ta l c o rp o to c a rá sem ser to c a d o , no e n ta n to , no n h e c im e n to de os c o n s titu in te s nem p e rs is tire m a b s o lu ta m e n te n o s e u e s ta d o
m undo s u b lu n a r o c o n ta c to é re c íp ro c o . p rim itiv o , nem s e re m c o m p le ta m e n te d e s tru íd o s . N a c o m b in a ç ã o p e rm a n e c e m
2 ) O s p re d e c e s s o re s d e A ris tó te le s d e fe n d e ra m , quer a te s e s e g u n d o a qual p o te n c ia lm e n te o que e ra m a n te s , podendo a í v o lta r por m e io de a n á lis e .
. apenas o d is s e m e lh a n te a g e s o b re o d is s e m e lh a n te , quer e s to u tra de que apenas A c o m b in a ç ã o , c o n tin u a A ris tó te le s , não deve ser in te rp re ta d a com o a
o s e m e lh a n te age s o b re o s e m e lh a n te 139. M as um a c o is a não pode p ro d u z ir ju s ta p o s iç ã o d e p a rte s d e u m c o n s titu in te com a s p a rte s d e o u tro - n e m a) d e
q u a lq u e r m udança n o q u e lh e é e x a c ta m e n te s e m e lh a n te ; n e m p o d e a g ir s o b re o p a rte s tã o pequenas q u e s e to rn e m im p e rc e p tív e is , nem b) d e p a rte s a tó m ic a s .
que não possui nada em com um com e la - u m a lin h a não p o d e , e n q u a n to ta l, N ã o e x is te m á to m o s , e nenhum a d e s ta s te o ria s p o d e e x p lic á r a p ro d u ç ã o de um
a g ir s o b re a b ra n c u ra . O agente e o paciente devem p e rte n c e r ao m esm o g é n e ro c o rp o hom ogéneo g e n u ín o , no qual cada p a rte é e x a c ta m e n te ig u a l a o to d o e a
e a e s p é c ie s d ife re n te s . Q uer d iz e r, devem s e r o u c o n trá rio s o u in te rm e d iá rio s e ? .d a o u tra p a rte . O p ro d u to d a c o m b in a ç ã o n ã o d e v e s e r u m q u a lq u e r m o s a ic o ,
e n tre o s c o n trá rio s . Sendo is to a s s im , e um a vez que o d e v ir é um p ro c e s s o por m a is pequenas que suponham os a s p e d ra s do m o s a ic o 143. A s c o is a s que
te n d e n te 'a u m e s ta d o c o n trá rio , deve to m a r a fo rm a que o vem os to m a r - a de podem s e r c o m b in a d a s devem s e r: a) d e ta l m o d o q u e a ja m u m a s o b re a o u tra ;
um a a s s im ila ç ã o d o p a c ie n te p e lo a g e n te . O ra , p o r v e z e s fa la m o s d o s u b s tra to , b) fa c ilm e n te d iv is ív e is (p o r e x e m p lo , o s líq u id o s ); e c ) e m q u a n tid a d e s e x a c ta -
o u tra s de um c o n trá rio , com o tra ta n d o -s e d a q u ilo que s o fre a acção (p o r m e n te p ro p o rc io n a is . Q uando e s ta s c o n d iç õ e s e s tã o p re e n c h id a s , cada um a das
e x e m p lo , «o hom em e s tá e m v ia s d e s e r a q u e c id o » , « o q u e é frio e s tá e m v ia s d e s e r c o is a s m o d ific a rá a o u tra d e m o d o a c o n d u z i-la a u m a n a tu re z a in te rm é d ia e n tre
a q u e c id o » ). Os p a rtid á rio s de um a das te o ria s c o n c e n tra m a sua a te n ç ã o no as suas n a tu re z a s o rig in a is , sendo e s ta a lte ra ç ã o a causa da c o m b in a ç ã o .
s u b s tra to ; os da o u tra , n o s c o n trá rio s . A p a rtir d is to , c o n c lu i-s e q u e a c o m b in a ç ã o , n o p o n to d e v is ta d e A ris tó te -
E n q u a n to te n d o lu g a r e n tre c o is a s da m esm a e s p é c ie , a a c ç ã o im p lic a um a le s , é n o fu n d o a u n iã o q u ím ic a p o r o p o s iç ã o à m is tu ra m e c â n ic a . C o n tu d o , e le
re a c ç ã o , p o is ta is c o is a s possuem a m esm a m a té ria ou p o te n c ia lid a d e de opos- v a i m a is lo n g e que a q u ím ic a m o d e rn a , a q u a l p re s s u p õ e q u e o s âtomospersis-
to s . O a g e n te A e o p a C ie n te B s ã o re a lm e n te x-a e x-b, e x-a, q u e c o m u n ic a a te m im u tá v e is ,. q u a is q u e r q u e s e ja m as u n iõ e s em que possam e n tra r.
q u a lid a d e «a» a x-b, é e la m e s m a c a p a z d e s e r x-b, e d e v e to rn a r-s e n is s o q u a n d o A ris tó te le s re g re s s a a g o ra à causa m a te ria l d a g e ra ç ã o , « o q u e d e s ig n a m o s
e n tra em c o n ta c to c o m . x-b. M a s ; p o r o u tro la d o , o s primeiros a g e n te s , o s d e e le m e n to s » 1 '4 4 . P rim e iro , in te rro g a -s e s e s e tra ta m v e rd a d e ira m e n te d e e le -
« p o d e re s a c tiv o s c u ja s fo rm a s não e s tã o in c o rp o ra d a s na m a té ria » (A ris tó te le s m e n to s , e n tid a d e s ú ltim a s irre d u tív e is . Em s e g u id a , tra ta de saber q u a l d e n tre
p a re c e re fe rir-s e às a rte s e o fíc io s , d is tin g u in d o a acção in te lig e n te da fís ic a ), e la s é a n te rio r à s o u tra s . I) A s u a re s p o s ta à p rim e ira q u e s tã o é q u e n ã o e x is te ,
. podem a g ir sem s o fre re m um a acção re c íp ro c a . A c o m id a in g e rid a p o r. u m com o o p re te n d e ra m a lg u n s p e n s a d o re s , um q u a lq u e r c o rp o a n te rio r a o s e le -
d o e n te s o fre ,. e la m esm a, a acção da s u a d ig e s tã o ; a a rte d e c u ra r c u ra -s e -s e m m e n to s . A sua e x is tê n c ia im p lic a a d m itirm o s um s u b s tra to com um , um a p ri-
s o fre r a c ç ã o . . .
m e ira m a té ria . M as, e s ta não possui e x is tê n c ia in d e p e n d e n te , apenas e x is te
D e p o is d e te r d is c u tid o as duas te o ria s c é le b re s a c e rc a d a a c ç ã o -p a ix ã o - a com o q u a lific a d a por um a o u o u tra d e c e rta s q u a lid a d e s c o n trá ria s , a s q u a is ,
te o ria dos « p o ro S » d e E m p é d o c le s e a dos « á to m o s e do v a z io » d e L e u c ip o e p o r s e u tu rn o , apenas e x is te m n e s s e s u b s tra to . O s c o n trá rio s (o u a fo rm a e a
D e m ó c rito 1 4 0 -, A ris tó te le s in s is te n o fa c to d e o s c o rp o s s e re m s u s c e p tív e is de p riv a ç ã o ) e o s u b s tra to s ã o d is c e rn ív e is lo g ic a m e n te , m a s s ã o e le m e n to s in s e p a -

138 A ris tó te le s não d iz c o m o , m as quer p ro v a v e lm e n te d iz e r « n o s e n tid o e m q u e a s c o i-


s a s s e n s ív e is . d a s q u a is são a b s tra íd a s , tê m lu g a r» , o u que, do m esm o m odo que possuem 141 1, 9.
V O l]" .fJ .v À .l] , ta m b é m s ã o lo c a liz a d a s p e lo p e n s a m e n to no espaço im a g in á rio . 142 1, 10.
139 1 , 7 . 143 A fra s e é d o P ro f. J o a c h im .
'140 1 , .8 . 144 lI , 1 .

110 III
ARIST6TELES
A FILOSOFIA DA NA TUREZA

ráveis a respeito do fogo, do ar, da água e da terra, que, apesar de não constituí-
Todos se transform am indiferentem ente uns nos outros segundo um ciclo. a) A
rem elem entos no sentido estrito - um a vez que são logicam ente analisáveis _,
transform ação m ais rápida é a de um elem ento num outro seu vizinho, na qual
constituem os corpos sensíveis m ais sim ples. .
está envolvida a m udança num a única qualidade prim ária. b) A transform ação
Estes contrários prim ários devem ser qualidades tangíveis, um a vez que as
m ais difícil é aquela em que se regista o salto de um passo, e que está envolvida
qualidades tangíveis são as únicas qualidades com uns a todas as coisas perceptí-
em am bas as qualidades. c) U m a terceira transform ação possível verifica-se
veis 145. D as qualidades tangíveis, algum as, tais com o pesado-leve ou duro-
quando dois elem entos, tom ados conjuntam ente, passam a um terceiro pela
m ole, não im plicam um poder para agir ou para sofrer um a acção. Contudo, os
perda, por parte de cada um deles, de U m a qualidade. A ssim , o fogo + a águã
elem entos devem agir e reagir uns nos outros, um a vez que se com binam conjun-
podem produzir ou a terra ou o ar. Contudo, os elem entos com binados não
tam ente, sendo transform ados uns nos outros. Por isto, devem caracterizar-se
devem ser consecutivos, pois então a perda de um a qualidade por cada um deles
pelas qualidades quente e frio e seco e húm ido. O quente não só deve tem perar o
deixaria subsistir ou duas qualidades idênticas, ou duas contrárias.
seco e húm ido, e vice-versa, com o tam bém o quente-frio desem penha em geral o
D epois, A ristóteles assinala as dificuldades com que se debateu Em pédocles
papel de agente, e o seco e húm ido o de paciente. O quente associa coisas da
ao defender a incapacidade de transform ação por parte dos quatro elem en-
m esm a espécie' e dissocia coisas de espécies diferentes; enquanto o frio associa
tos 149, e m ostra em que m edida a sua própria distinção entre o que é absoluta-
coisas, tanto hom ogéneas com o heterogéneas. A parte activa. desem penha-
m ente e o que é relativam ente quente, frio, seco e húm ido, bem com o o 'seu
da pelo calor e pelo frio na construção das coisas inanim adas é exam inada
reconhecim ento da acção recíproca dos contrários, lhe perm ite explicar a com bi-
com detalhe no quarto livro dos Meteorologica; e os trabalhos biológicos aludem
nação dos elem entos em corpos hom óm eros 150.
constantem ente à acção do «calor inato», salvaguarda do processo vital 146.
Todos os corpos hom óm eros devem conter o elem ento terra, um a vez que
A digestão, por exem plo, é descrita consi~tentem ente com o um a espécie de
esta predom ina na região sublunar, a única onde pode ser encontrada 151.
cozinhar. A qui, A ristóteles contenta-se com m ostrar com o as qualidades tan-
Todos devem conter o elem ento água, um a vez que os com postos devem possuir
gíveis m enores derivam das quatro qualidades m aiores.
um contorno definido e, entre os elem entos, som ente a água é facilm ente adaptá-
A s quatro qualidades prim árias, tom adas aos pares, podem perm itir seis
vel a um a form a, e (por outro lado) a terra não possui qualquer poder de coesão
com binações 147. M as os contrários quente e frio, e seco e frio recusam ser
sem a sua ajuda. A observação actual m ostra que todas'as coisas vivas necessi-:
acopulados. A ssim , existem quatro com binações, as quais são descritas por
tam de terra e de água para se alim entarem . E, um a vez que os com postos são
A ristóteles do seguinte m odo:
constituídos de contrários, devem conter os elem entos ar e fogo, os respectivos
A do quente e do seco ao fogo; contrários da terra e da água.
A do quente e do húm ido ao ar; D e seguida, A ristóteles exam ina; de form a sum ária, a sua explicação acerca
A do frio e do húm ido à água; das causas da geração 152. A causa m aterial - a que torna a geração possível - é
A do frio e do seco à terra. «aquela que pode ser e não ser», isto é, a substância transiente m utável. A causa
form al e, ao m esm o tem po, final é «a fórm ula exprim indo a natureza essencial»
O u m elhor, estas com binações referem -se aos corpos sim ples dos quais os
que designam os de fogo, de ar, de água e de terra constituem form as im puras ou das coisas que vêm ao ser. Q uer dizer, a fórm ula que estabelece a razão dos
exageradas. Por exem plo, o que designam os de fogo é um excesso de calor, tal elem entos num com posto servirá, sim ultaneam ente, para o definir e para indicar
com o o gelo o é de frio. Por outro lado, em cada um dos quatro' corpos .predo- o fim para que tende a sua form ação. N o entanto, a estrutura do corpo com -
m ina Lim a qualidade - a secura na terra, o frio na água, a hum idade no. ar e o plexo não representa apenas um fim em si m esm o. A continuidade do devir, um a
calor no fogo. vez que fornece às coisas sublunares a única eternidade para a qual, devido à sua
distância da m ola real do universo, podem tender - isto é, a eternidade das
2) A ristóteles passa à discussão da sua segunda questão fundam ental acerca
dos elem entos 148. N enhum dos quatro é prim ário, não derivado, im utável. espécies -, acrescenta algo à perfeição do universo, o qual representa o verda-
deiro fim .últim o 153.

145 11, 2.

146Sobre o grande papel desem penhado na teoria fisiológica de A ristóteles do


a-1Í1-La.v",o"
e EPI-LÓ V 'O u 7t"EV [la., 'e s'obre a conexão de A ristÓ teles com as teorias
149 lI, 6.
pneum áticas antigas e m odernas, cf. o im portante artigo d W . W . Jaeger'in Hermes, X LV III, 150 lI, 7.
29-74, o qual lança m uita luz sobre estas questões.
151 11, 8.
147 lI, 3.
152 11, 9.
148 lI, 4, 5.
153 336 b 26-34.

112
113
A F IL O S O F IA D A N ATU REZA
A R IS T Ó T E L E S

M a s, u m a c a u sa m a te ria l e u m a c a u sa fin a l n ã o . b a sta m . A s fo .rm a s e te rn a s M E T E O R O L O G IC A

p la tó n ic a s, c o .m b in a d a s c o .m o .s p a rtic ip a n te s e te rn o .s, n .ã o . d ã o . c o .n ta d o . fa c to . d e
T êm sid o . to .m a d o .s d ife re n te s p o .n to .s d e v ista p e lo .s c o .m e n ta d o .re s a c e rc a d o .
a g e ra ç ã o . te r lu g a r n e s te m o m e n to e não. num o u tr o . N e m a v a n ç a re m o .s m a is se
m o .d o . p re c iso . c o .m o .o .s M e te o r o lo g ic a e n tra m n o .. e sq u e m a g e ra l d o .s tra b a lh o .s
e x p lic a rm o .s o . p ro .c e sso . re c o .rre n d o . a p e n a s à m a té ria . É c a ra c te rístic o . d a m a té ria
físic o .s d e A ristó te le s. O s c o .m e n ta d o .re s g re g o .s e S . T o .m á s d iv id ira m o .s a trib u to .s
o . se r m o .v id a ; m o .v e r p e rte n c e a u m p o .d e rd ife re n te , q u e r c o .n sid e re m o .s a s c o .isa s
d o .se le m e n to .s em :
fe ita s p e la a rte c o .m o . p e la n a tu re z a . A água n ã o . p ro .d u z , a p a rtir d e si m e sm a ,
I) A trib u to .s n a tu ra is a o .s e le m e n to .s, a) c o .m o . c o .rp o .s n a tu ra is, isto . é , q u a li-
um a n im a l, nem a m a d e ira um a cam a. É v e rd a d e q u e o . q u e n te d isso .c ia e o . frio .
dades re la c io .n a d a s c o .m o . m o .v im e n to . n o . e sp a ç o ., a sa b e r, o . p e so . e a .Ie v e z a ;
a sso .c ia , m as apenas p ro .c e d e m a ssim quando. agem c o .m o . in stru m e n to .s da
b) c o .m o . m a té ria a p a rtir da qual sã o . fo .rm a d o .s o .s c o .m p o .sto .s, isto . é , q u a lid a -
fo .rm a . A trib u ir a g e ra ç ã o . à s p ro .p rie d a d e s da m a té ria so .z in h a e q u iv a le ria a
d e s re la c io .n a d a s c o .m a m u d a n ç a q u a lita tiv a , a sa b e r, o . q u e n te e o . frio ., o . se c o .
c o .n sid e ra r a se rra c o .m o . tra ta n d o .-se d a ú n ic a c a u sa d o .s o .b je c to .s fa b ric a d o .s p e lo .
e o . h ú m id o ..
c a rp in te iro . É um a c o .n d iç ã o . n e c e ssá ria m as n ã o . su fic ie n te .
2 ) O s a trib u to .s e n g e n d ra d o .s p o .r u m a g e n te e x te rn o ..
A e x p lic a ç ã o . dada p e lo . p ró p rio . A ristó te le s da c a u sa e fic ie n te é a
E le s p re te n d ia m q u e , e n q u a n to . o. D e C a e lo tra ta de I a ) e o. D e G e n e r a tio n e
se g u in te . 154. N o .u tro . Io .c a l 155, d e m o .n stro .u que o .s c o .rp o .s c e le ste s e stã o . em
de Ib), o .s M e te o r o lo g ic a tra ta m d e 2 ). P o .r o .u tro . la d o ., Z a b a re lla d e fe n d e u que, a
e te rn o . m o .v im e n to .. E ste m o .v im e n to . fa z c o .m q u e o . so .l se a p ro .x im e e se re tire
n a tu re z a e a s c o .n d iç õ e s d e m istu ra o .u c o .m b in a ç ã o . te n d o . sid o . d isc u tid a s no. D e
a lte rn a d a m e n te de um q u a lq u e r p o .n to . d a d o . so .b re a su p e rfíc ie da te rra ,
G e n e r a tio n e , o . o .b je c to . d o .s M e te o r o lo g ic a é o . d e e stu d a r: I) a s m istu ra s'im p e rfe i-
p ro .d u z in d o .-se a ssim a g e ra ç ã o . p e rp é tu a . É m a is ra z o .á v e l d e sc re v e r a g e ra ç ã o ., o .
ta s (e , p o .r c o .n se q u ê n c ia , tra n sie n te s), isto . é , a q u e la s que o .u n ã o . c o .n tê m a
d e v ír do. que n ã o . é , c o .m o . se n d o . d e v id a a o . m o .v im e n to . Io .c a l d o . q u e é , d o . q u e
to .ta lid a d e d o .sq u a tro . e le m e n to .s o .u c o .n tê m -n o .s c o .m b in a d o .s d e fo .rm a im p e r-
c o .n sid e ra r o . m o .v im e n to . Io .c a l c o .m o . u m a c o .n se q u ê n c ia d a g e ra ç ã o .. N o . e n ta n to .,
fe ita (Iiv s. 1 -1 1 1 ); e 2 ) a s m istu ra s p e rfe ita s in a n im a d a s (liv . IV ), e n q u a n to . o .s
um m o .v im e n to . ú n ic o . n ã o . p o .d e e x p lic a r o. d u p lo p ro .c e sso . d a g e ra ç ã o . e da
tra b a lh o .s b io .ló g ic o .s se o .c u p a m d a s m istu ra s p e rfe ita s a n im a d a s, q u e r d iz e r, d o .s
d e stru iç ã o .. D eve haver a í d o .is m o .v im e n to .s, o .p o .n d o .-se q u e r p e la su a d ire c ç ã o .
te c id o .s e ó rg ã o .s b e m c o .m o . d a s c ria tu ra s v iv a s c o .m p o .sta s p o r e le s. P o .d e m o -n o .s
quer p e la su a d ife re n ç a d e v e lo .c id a d e . E sta s sã o ., d e fa c to ., a s d u a s m e ta d e s do.
in te rro .g a r se A ristó te le s p e n so .u n o . te m a num a d e sta s duas fo .rm a s. A o .b ra
m o .v im e n to . d o . so .l a o . lo .n g o . d a e c líp tic a , n o . d e c u rso . d o . q u a l, su c e ssiv a m e n te , se
a p re se n ta -se c o .rp o . a su a c o .n trib u iç ã o . p a ra a c iê n c ia , já re c o .n h e c id a , m e te re o .ló -
a p ro .x im a e se a fa sta d e q u a lq u e r p o .n to . d a d o . so .b re a te rra e , a p a rtir d isto ., m u sa
g ic a , o . e stu d o . d a s « c o .isa s d o . a lto .» . O se u o .b je c to . p rin c ip a l é c o .n stitu íd o . p e lo .s
a g e ra ç ã o e a d e stru iç ã o . - o . c re sc im e n to . das p la n ta s, o . d e se n v o .lv im e n to . e
fe n ó m e n o .s a tm o .sfé ric o .s, ta is c o .m o . o . v e n to . e a c h u v a , o . tro .v e ja r e o . re la m p e ja r,
d e c lín io . d o .s a n im a is, a s a lte ra ç õ e s sa z o .n a is de q u e n te e de se c o . c o .m frio . e
bem c o .m o . p o .r c e rto .s fe n ó m e n o .s a stro .n ó m ic o .s (ta is c o .m o . o .s c o .m e ta s e a V ia
. chuva 156. D o . m e sm o . m o .d o . q u e , p e la s su a s su c e ssiv a s a p ro .x im a ç õ e s, o . so .l
L á C te a ), tid o .s p o .r A ristó te le s n ã o . c o .m o . a stro n ó m ic o .s, m a s sim c o m o . m e te o .ro ló g ic o .s.
p ro .v o .c a o . d e se n v o .lv im e n to . a té à m a tu rid a d e d o .s a n im a is e d a s p la n ta s, a ssim
M a s o . q u a rto . liv ro . o .c u p a -se d e u m c e rto . n ú m e ro . d e fa c to .s d e u m a o .u tra o .rd e m
ta m b é m , p e lo .s se u s su c e ssiv o .s re c u o .s, p ro .d u z o .s se u s d e c lín io .s. O se u m o .v i-
_ de c o .rp o .s c o .m p o .sto .s c o .m o . o .s m e ta is, e das su a s q u a lid a d e s se n sív e is.
m e n to . fix a um lim ite à v id a n o .rm a l de cada e sp é c ie , u m lim ite q u e e sta s nem
A re sp e ito . d e u m p o .n to ., A ristó te le s tra ç a o . d o .m ín io . p rim itiv a m e n te re fe rid o . à
se m p re a tin g e m d e v id o . à s v a ria ç õ e s a c id e n ta is e x iste n te s n a su a c o .n stitu iç ã o ..
m e te o .ro .lo .g ia , d istin g u in d o .-a da a stro .n o .m ia . S o .b re u m o .u tro ., a la rg a -lh e o . d o .-
A tra Q sfo .rm a ç ã o . p e rp é tu a d o .s e le m e n tb s\ºp s n o .s o .u tro .s p ro .d u z id a p e la
m ín io . q u a n d o . in c lu i n e la o . e stu d o . d a s su b stâ n c ia s te rre stre s 157. A o .s se u s o .lh o .s,
a p ro x iI!la ç ã o . e re c u o . d o . so .l e x p lic a - o . q u e fo d I(fo . p o .r u m p ro .b le m a e m b a ra -'
e la to .rn a -se um e stu d o . das c o .m b in a ç õ e s e das m ú tu a s in flu ê n c ia s d o .s q u a -
ç a n te - a ra z ã o . p o .r q u e o .s q u a tro . e le m e n to .s n ã o 'fi* a ra m , dum m o .d o . p e rm a -
tro . e le m e n to .s.
n e n te , o . se u d o .m ic ílio . n a s q u a tro .e sfe ra s c o .n c ê n tric a < ''à s)lu a is p e rte n c e m e p a ra
A c a u sa e fic ie n te d o .s fe n ó m e n o .s c o .n sid e ra d o .s, le m b ra -n o .s A ristó te le s, é a
q u e te n d e m se m p re . É o . m o .v im e n to . d o . so .l q u e p ro .d u z a tn 'lid a n ç a e n tre e le m e n -
in flu ê n c ia d o .s c o .rp o .s c e le ste s; e , e n tre e ste s, u m p a p e l p re p o .n d e ra n te é n a tu ra l-
to .s e m a n té m a c o .e sã o . d o . m u n d o . su b lu n a r. E , e m d e fin :iÚ v q , u m a vez que o.
m e n te re se rv a d o . a o . so .l. A s c a u sa s m a te ria is sã o . o . fo .g o ., o . a r, a te rra e a á g u a 158,
te m p o . é c o .n tín u o . e é a e x te n sã o . m e n su rá v e l d o . m o .v im e n to ., im p lic a u m m o .v i-
O p rim e iro . p ro b le m a q u e A ristó te le s le v a n ta 159 é o . se g u in te : O q u e é q u e p re e n -
m e n to . c o n tín u o . e , c o .n se q u e n te m e n te , c irc u la r, d e ta l m o .d o . q u e 'ü .m o .v im e n to .
das e sfe ra s c e le stia is é o. que to rn a o . p ró p rio . te m p o . c o .n tín u o .. '.
. c h e a re g iã o . q u e é o . te a tro . d o .s fe n ó m e n o .s a tm o .sfé ric o .s, a -re g iã o . e n tre a te rra ea
lu a ? A su a d e sc riç ã o .. d e sta re g iã o . b a se ia ~ se na d o .u trin a , h e ra c litt:a n a n a su a
o .rig e m , se g u n d o . a qual e x iste m duas « e x a la ç õ e s» p ro .d u z id a s p e la a c ç ã o . d o .s

154 11, 10. 157 Isto é , se o liv ro IV fo r g e n u ín o .


155 P h y s ., V III, 7 -9 ••• 158 3 3 9 a 2 7 -3 2 .
1 '5 6 C f. M e te o r ., .1 , 9 . 150 I. ~.

115
114
A F IL O S O F IA DA NATUREZA
A R IS T 6 T E L E S

ra io s so la re s so b re a su p e rfíc ie d a te rra . Q uando o s ra io s so la re s caem so b re o D e p o is, p a ssa a o s a c o n te c im e n to s p ro d u z id o s n a s re g iõ e s a é re a e te rre stre d e v i-

so lo se c o , p ro d u z e m u m a e x a la ç ã o q u e n te e se c a , a q u a l é m u ita s v e z e s c o m p a - d o s à e x a la ç ã o se c a - o s v e n to s, o s tre m o re s d e te rra , o tro v ã o e o s re lâ m p a g o s,

ra d a por A ristó te le s a o fu m o , m a s ta m b é m a o fo g o ~ a o v e n to . Q uando e le s a s te m p e sta d e s e o ra io 165, e v o lta a o g ru p o e sp e c ia l d e fe n ó m e n o s d e v id o s à

caem so b re a á g u a , p ro d u z e m u m a e x a la ç ã o que é, com o a á g u a , h ú m id a e fria , e x a la ç ã o h ú m id a , a sa b e r, a q u e le s e m q u e e stá e n v o lv id a a re fle x ã o e a re fra c ç ã o

e que e le d e sig n a d e e x a la ç ã o v a p o ro sa , em o p o siç ã o à e x a la ç ã o fu m e g a n te . _ o h a lo , o a rc o -íris e o s p a ré lio s 166. P o r to d o o la d o e n c o n tra m o s o b se rv a ç õ e s

A e x a la ç ã o se c a c o n siste em pequenas p a rtíc u la s d e te rra e m v ia s d e se tra n sfo r- a b u n d a n te s e p re c isa s, m a s, n u m a la rg a m e d id a , to rn a d a s v ã s p o r se b a se a re m

m a re m e m fo g o , e m a n ife sta m já , a p e sa r de em pequeno g ra u , a s p ro p rie d a d e s num a e x p lic a ç ã o a p r io r i. A e x p lic a ç ã o d o s a rc o -íris é a m a is in te re ssa n te , e

d o fo g o - o c a lo r e a se c u ra . A e x a la ç ã o h ú m id a c o n siste em pequenas p a rtíc u - tra ta d e fo rm a c o rre c ta e ste fe n ó m e n o com o um e fe ito d e re fra c ç ã o ..

la s d e á g u a e m v ia s d e se to rn a re m a r, m a s m a n ife sta n d o so b re tu d o a s q u a lid a - De se g u id a , A ristó te le s o c u p a -se dos e fe ito s p ro d u z id o s p e la s e x a la ç õ e s

des da água - o frio e a h u m id a d e 160. A p a rte su p e rio r d a á tm o sfe ra c o n té m quando « a p risio n a d a s» na te rra , isto é, dos m in e ra is. E ste s sã o d iv id id o s em

apenas a e x a la ç ã o se c a ; a p a rte in fe rio r c o n té m am bas a s e x a la ç õ e s, e m a n ife sta m e ta is, fo rm a d o s p e la e x a la ç ã o h ú m id a , e « fó sse is» , fo rm a d o s p e la e x a la ç ã o se c a .

o c a lo r d e u m a e a h u m id a d e d a o u tra . E sta s d u a s p a rte s d a a tm o s fe ra c o n sti- A m a io r p a rte d e ste s ú ltim o s, a firm a A ristó te le s, sã o o u « p o e ira s c o lo rid a s» ou

tu e m re sp e c tiv a m e n te o q u e d e sig n a m o s d e fo g o e d e a r. M a s a p a rte su p e rio r p e d ra s fo rm a d a s a p a rtir d e sta s p o e ira s 167.

não é , rig o ro sa m e n te , fo g o (isto é , c h a m a , a qual é u m a e sp é c ie d e « e x c e sso d e O liv ro IV tra ta e m d e ta lh e da acção e x e rc id a p e la s q u a lid a d e s a c tiv a s,

c a lo r, ou d e e b u liç ã o » ), m as sim um a su b stâ n c ia in fla m á v e l c u jo m o v im e n to q u e n te e frio , e d a s m o d ific a ç õ e s so frid a s p e la s q u a lid a d e s p a ssiv a s, a se c u ra e a

p ro d u z o fo g o fa c ilm e n te 161. D e v e a c re sc e n ta r-se que nenhum a d e sta s e x a la ç õ e s h u m id a d e 168. O p rim e iro e fe ito p ro d u z id o p e lo c a lo r e p e lo frio , q u a n d o e s te s

e x iste a b so lu ta m e n te se m a o u tra . N o e n ta n to , p o d e v e rific a r-se o p re d o m ín io de se e n c o n tra m n a d e v id a p ro p o rç ã o , é a g e ra ç ã o dum a nova s u b s tâ n c ia a p a rtir

um a o u d e o u tra . E sta s d u a s e x a la ç õ e s, u m a v e z q u e p re e n c h e m a to ta lid a d e do d a m a té ria dada. O o p o sto d a g e ra ç ã o é a p u tre fa c ç ã o , a q u a l se d e v e a o frio n a

e sp a ç o c o m p re e n d id o e n tre a te rra e a lu a , sã o , e v id e n te m e n te , a m a té ria de p ró p ria c o isa se m p u tre fa c ç ã o , e a o c a lo r fo ra d e la 169. O e fe ito d o c a lo r so b re a s


s u b s tâ n c ia s já e x is te n te s d e sig n a -se so b o nom e g e ra l de concocção, a qual
to d o s o s fe n ó m e n o s m e te o ro ló g ic o s. O s trê s p rim e iro s liv ro s d o s M e t e r e o l o g i c a
c o n siste m num a sé rie d e te n ta tiv a s in g é n u a s p a ra d e m o n stra r com o é que as c o m p re e n d e trê s tip o s - a concocção p o r m a tu ra ç ã o , a concocção p o r e b u liç ã o

d u a s e x a la ç õ e s, so b a in flu ê n c ia d o c a lo r, d o frio , o u d o m o v im e n to , p ro d u z irã o e a concocção p o r c a lc in a ç ã o , o s d o is ú ltim o s te rm o s te n d o sid o tra n sfe rid o s das

os d iv e rso s fe n ó m e n o s, to m a n d o , d e sse m odo, a s v á ria s fo rm a s. A ristó te le s o p e ra ç õ e s d a a rte p a ra se re m a p lic a d o s à s o p e ra ç õ e s c o rre sp o n d e n te s d a n a tu -

o c u p a -se p rim e iro com o s fe n ó m e n o s q u e to m a m lu g a r n a re g iã o su p e rio r, ou re z a ; a d ig e stã o , p o r e x e m p lo , é d e sc rita com o u m p ro c e sso de concocção por

re g iã o íg n e a - as e stre la s c a d e n te s, a a u ro ra e a c o lo ra ç ã o das n u v e n s, os e b u liç ã o 170. D a q u i, A ristó te le s p a ssa à s c a ra c te rístic a s e a o s fe n ó m e n o s re la -

c o m e ta s, a V ia L á c te a 162. D e se g u id a , p a ssa à re g iã o in fe rio r, o u re g iã o a é re a , e c io n a d o s m a is c o m a s q u a lid a d e s p a ssiv a s - a d u re z a e a m o le z a , a se c u ra e a

e x p lic a o s e fe ito s n e la p ro d u z id o s p e la e x a la ç ã o h ú m id a - a chuva, as nuvens e h u m id a d e , a so lid ific a ç ã o e a liq u e fa c ç ã o , o a m o le c im e n to ea d e n sid a d e 171.

a n e b lin a , o o rv a lh o e a geada b ra n c a , a n e v e e o g ra n iz o 163. D a q u i, p a ssa a o s D iv id e a s q u a lid a d e s d o s c o rp o s c o m p o sto s, se ja m e le s a n im a d o s o u in a n im a -

fe n ó m e n o s p ro d u z id o s so b re e so b a su p e rfíc ie d a te rra . P rim e iro ', tra ta d a q u e le s d o s, e m q u a lid a d e s im p lic a n d o um poder de acção so b re o s se n tid o s - «os

que sã o d e v id o s à e x a la ç ã o h ú m id a ~ o s rio s, a s fo n te s, a s m a ré s e o m a r 164.


se n sív e is e sp e c ia is» d o D e A n i m a - e e m q u a lid a d e s im p lic a n d o a c a p a c id a d e ou
in c a p a c id a d e d e su p o rta r u rn a a c ç ã o . D e ste ú ltim o tip o , d is c u te e d e fin e d e z o ito
p a re s d e q u a lid a d e s -so lú v e l, in so lú v e l, fle x ív e l, n ã o fle x ív e l, e tc . 172 F in a lm e n -
te , c la ssific a o s c o rp o sh o m ó m e ro s d e a c o rd q < ;.ó ma p re d o m in â n c ia n e le s d a te rra

160 A n a tu re z a g e ra l das e x a la ç õ e s é in d ic a d a em 340 b 2 3 -2 9 , 341 b 6 -2 2 , 359b 2 8 -3 6 0 a 27.


Em 3 4 0 b 2 7 , a te x to . a d m itid a d e sc re v e a e x a la ç ã o . h ú m id a cam a q u e n t e , e a m e sm a p a n to d e v ista
e stá im p líc ita em D e G e r . e t C o r r ., 330 b 4. M as e m 3 6 0 1 1 2 3 . 3 6 7 a 3 4 , é d e sc rita cam a se n d a fria , e a
. ló g ic a da p a ssa g e m 340 b 2 3 -2 9 re q u e r que le ia m a s IjJv x p ó v na .lin h a 27, ande é a c tu a lm e n te
e n c a n tra d a em d a is b o .n s m 'a n u sc rita s. D e fa c to ., A ristó te le s p e n sa n a e x a la ç ã o . h ú m id a cam a 'in te r- 165 lI, 4 -1 1 1 , I.
m é d ia , na que re sp e ita à te m p e ra tu ra e n tre a água e o. ar (3 4 7 a 2 4 ), e in siste a ra n a su a a fin id a d e 166 IH , 2 c 6 , '3 7 8 a 14:
cam um d e ste s e le m e n ta s, a ra na su a a fin id a d e cam a a u tra . .
167 378 a 1 5 -b 6 .
161 341 b 19.
168 378 b 2 6 -2 8 .
162 I, 4 -8 . 169 IV , I.
163 I, 9 -1 2 .
170 IV , 2 , 3 .
164 I, 1 3 -1 l, 3. Par a c a so ., I, 1 3 fa rn e c e um e sb o .ç o . m u ita in te re ssa n te das id e ia s g e o .g rá fic a s. 171 IV , 4 -7 .
da épaca. 172 IV , 8 -9 .

116 117
A R IS T 6 T E L E S

ou da água, e d e a c o rd o com a s u a te m p e r a tu r a e s p e c íf ic a 173. C o n tu d o , a s s in a -


la que o s te c id o s , não m enos que os ó rg ã o s, e m b o ra d e m a n e ir a m enos e v i-
d e n te , são o que são, n ã o s o m e n te e m ra z ã o d e c e r ta s ' q u a lid a d e s m a te r ia is por
e le s p o s s u íd a s , m a s ta m b é m e m v ir tu d e d e d e se m p e n h a re m u m a c e r ta f u n ç ã o no
o r g a n is m o 174. O c a m in h o e s tá a s s im p re p a ra d o p a ra o tr a ta m e n to te le o ló g ic o
do c o rp o v iv o no De P a r tib u s A n im a liu m , o qual s e p r e te n d e , e v id e n te m e n te ,
e s tu d a r a s e g u ir .

C A P ÍT U L O IV

A BIOLOGIA

Segundo o p o n to d e v is ta d e A r is tó te le s , a B io lo g ia e a P s ic o lo g ia não são


d u a s c iê n c ia s d is tin ta s . A s su a s o b ra s p s ic o ló g ic a s e b io ló g ic a s c o n s titu e m um
ú n ic o g ru p o , g ru p o e s te d iv id id o ta lv e z por e le d a s e g u in te fo rm a . A H is to r ia
A n im a liu m c o n s titu i um tr a b a lh o p r e lim in a r , l;u ja f in a lid a d e é r e g is ta r os
p r in c ip a is f a c to s d a v id a a n im a l. O s o u tr o s tr a ta d o s p r e te n d e m d e d u z ir a te o r ia
a p a r tir dos f a c to s r e g is ta d o s . A te o r ia o c u p a -se , em p r im e ir o lu g a r , com a
m a té r ia d a s c o is a s v iv a s ( D e P a r tib u s A n im a liu m , D e ln c e s s u A n im a liu m ); em
segundo, com a su a fo rm a e s s e n c ia l (D e A n im a ); e , e m te r c e ir o , com as suas
p r o p r ie d a d e s d e r iv a d a s (P a rv a N a tu r a lia , D e M o tu A n im a liu m , D e G e n e r a tio n e
A n im a liu m ). N o e n ta n to , a te n d e n d o a o d e s e n v o lv im e n to p o s te r io r d a s c iê n c ia s ,
s e r á c o n v e n ie n te tr a ta r s e p a r a d a m e n te a sua b io lo g ia e a sua p s iC o lo g ia .
E ra n a tu r a l q u e A r is tó te le s , c r ia d o com o f o i n o in te r io r d e u m a f a m ília d e
m é d ic o s , s e in te r e s s a s s e p e la B io lo g ia , e o s s e u s tr a b a lh o s m o s tr a m s e r e s te ,.d e
f a c to , u m d o s s e u s m a io r e s in te r e s s e s . E n q u a n to n a s c iê n c ia s m a te m á tic a 's e s ta v a
f a m ilia r iz a d o c o r il a m a io r p a r te do c o n h e c im e n to da sua época I, apesar de,
segundo c re m o s, não te r f e ito d e s c o b e r ta s o r ig in a is n e s te c a m p o , n a ' B io lo g ia ,'
quer c o n s id e r e m o s o seu poder d e o b se rv a ç ã o , o seu m odo d e c o n J r o n ta r os
te s te m u n h o s d e o u tr o s o b se rv a d o re s o u a s s u a s d is c u s s õ e s te o r é tic a s , e le e s ta v a ,
d e f a c to , avançado n o q u e s e r e f e r e a o c o n h e c im e n to 'd o s e u te m p o . E le é , s e m
d ú v id a , o m a io r dos b ió lo g o s a n tig o s ; e o m a io r b ió lo g o m o d e rn o pôde d iz e r
d e le : « L in e u e C u v ie r fo ra m os m eus d o is deuses, apesar d e o te r e m 's id o de

173 IV , 1 0 , I I. I A p e s a r d e in c o r r e r e m s é r ia s in c o m p r e e n s õ e s . C f . G 4 M ilh a u d in A r c J z . f d . G e s c 1 ,. d . P ltil.,


174 IV , 1 2 . X V I, .3 6 7 -9 2 .

118 119 i
ARISTÓ TELES A BIO LO G IA

tes 1.'. D etectou, na copulação dos cefalópodes, um a notável particularidade, a


m odos diferentes. N o entanto, eles não foram senão discípulos no que respeita
qual só no século X IX foi redescoberta 14. A s suas descrições do Lophius
ao velho A ristóteles» ~.
piscatorius e dos torpedos ou trem elgas são m inuciosas I;, e a m aior pa~te
A ristóteles refere pelo m enos quinhentos tipos diferentes de anim ais, o que
dos seus detalhes fundam entais foram confirm ados pelos observadores posterio-
não deixa de constituir um núm ero considerável relativam ente ao conhecim ento
res. O seu estudo dos costum es (ainda que não da estrutura) das abelhas é
da sua época. C ontudo, as suas referências possuem um valor bastante desigual.
excelente 16. A sua descrição do sistem a vascular dos m am íferos, não obstante
M uitas delas são m eras alusões sem qualquer detalhe; outras, são m eras repeti-
conter certos porm enores que perm anecem obscuros, é, no essencial, bastante
ções (m uitas vezes com reservas expressas ,) de histórias de viajantes ou de
acertado 17.
crenças lendárias 4. A pesar de tudo, m uitas delas evidenciam , igualm ente, um
rigor e m inúcia que supõem um a observação atenta e pessoal. S em dúvida,
A SCALA NA TU RAE
A ristóteles aprendeu de seu pai a arte da dissecação, e parece ter dissecado
anim ais pertencentes a cinquenta espécies diferentes 5. P rovavelm ente, nunca dis-
A ristóteles não só foi a prim eira pessoa a recolher a inform ação acessível
secou um corpo hum ano 6, m as dissecou em p'arte um em brião hum ano 7.
sobre as espécies anim ais, com o foi, igualm ente, a prim eira a tentar resolver o
S em pre que não possuía um conhecim ento directo, buscava a sua inform ação
problem a da sua classificação. No De Partihus IX existe um a interessante dis-
onde esta podia ser recolhida - junto de pastores, de caçadores, de passarinhei-
cussão do problem a da classificação. O m étodo platónico de divisão por dicoto-
ros, de boticários e, acim a de tudo, de pescadores do m ar E geu x. O s lugares a
m ia perm ite três objecções fundam entais: I) S e, com o é próprio na divisão,
que faz m ais referência são duas regiões que conhecia pessoalm ente bem - a
cada diferença descola da diferença anterior (os anim ais «cobertos de penas»
M acedónia e a T rácia, a T róade e suas ilhas adjacentes 9. C om m enor regula-
dividem -se, por exem plo, nos que possuem penas rasgadas e nos que não pos-
ridade, refere outros distritos onde passou partes da sua vida: as vizinhanças de
suem penas deste tipo, e não em anim ais selvagens e dom ésticos), então, a
A tenas e as de C álcis.
dicotom ia im plica que cada inflm a species seja caracterizada por apenas um a
M uitas das suas observações provocaram a adm iração dos investigadores
diferença específica - a form a com pleta de determ inação de um a qualquer
que se lhe seguiram . P or exem plo, A ristóteles identificou os cetáceos com a
coisa determ inável. C ontudo, se assim for, ao procederm os por dicotom ia,
espécie dos m am íferos lO - um facto que escapou a todos os outros autores até
som os obrigados a rom per, necessariam ente, com os grupos naturais cujos
ao século X V I. D istinguiu os peixes cartilagíneos daqueles possuidores de ossos,
m em bros possuem m ais de um atributo em com um . P O r exem plo, som os obriga-
tendo-os descrito com um a profunda exactidão 11. D escreveu cuidadosam ente
dos a classificar alguns pássaros entre os anim ais terrestres, e outros entre os
o desenvolvim ento do em brião da galinha, tendo detectado, no quarto dia após a
aquáticos. 2) N a dicotom ia, um a das diferenças específicas em cada par é pura-
postura do ovo, a presença do coração «com o um a m ancha de sangue no ovo
m ente negativa, não adm itindo qualquer diferenciação posterior: «N ão existe
branco, palpitando e m ovendo-se com o se fosse dotada de vida» 12. P rocede a
nenhum a espécie daquilo que não é». S ó um determ inável positivo é susceptível
um a excelente descrição dos quatro com partim entos doestôm ago dos rum inan-
de determ inação. 3) Q ualquer que seja o determ inável, cedo chegarem os à sua
com pleta 'determ inação. 'S e nos confinarm os a cada estádio das duas form as
alternativas de um único determ i~ável, não possuirem os diferenças específicas
2 D arw in, Life and Lelters, IH ,. 262. suficientes para abraçar todas as espécies existentes actualm ente.
3 P or exem plo, H.A., 501 a 25. C f. as suas críticas a H erodoto'e a C tésias in 523 a 17,26. . S e, agora, 'para escap'ar a estas dificuldades, adoptarm os. no decurso da
.• P or exem plo, a divertida descrição do «M artícoras» ou tigre, 50 I a 25-b I. O s livros apócri- nossa divisão um novo fundam entum divisionis, dividindo os anim ais cobertos
fos incluem m uitas coisas deste género; cf. as descrições da pàntera e do bisonte, 6.'2 a 7~ 15,630 a 18
b-17.
5 V er a lista in Aristotele's Researches in N atural Science, 106.
C f. o seu aval de ignor.ância in H.A., 494 b 22-24, e as indicações desta ignorância in 491 b I,
6
494 b 33-495 a' I, 495 b 24-26, 496 a 19. .
BH .A .. 507 a 33-b 12; P.A., 674 b 7-15.
Isto parece resultar de passagens tais com o 5.13 a 32 segs.; P.A., 666 b 7 segs., 671 b 6-9,
T H.A., V , 6 .
14 .
676 b 31-33. C f. O gle, A. on the Parts of Anim ais, 149. 15620 b 11-29; P.A., 696 a 27-33.
8 C f. H.A., 572 a 33; 597 b 25; 487 b 30; 594 a 23; 528 a 32, 5j2 b 20, 533 b 29, 535 a 20, 557 a 16 H.A., V , 21, 22; V III, 27; IX , 40.
32, 591 a 16, 602 b 9, 603 a 7; M eteor., 348 b 35; G .A., 720 b 34, 756 a 32. 17 H .A., 513 a 15-515 a 26; P.A., 111,4,5. E ncontrarem os boas exposições de algum as das
9 A s alusões a esta últim a região. são particularm ente frequentes in H.A., V. observações m ais notáveis de A ristóteles sobre os anim ais na obra de S inger, SlU dies in the H is/ar)'
'-w7L4., '489 a 34-b 2, 521. b 21-25, 566 b 2-17.
and M e/llO d of Science; vol. 11,assim com o no artigo sobre as C iências N aturais escrito por D 'A rcy
11 489 a 34-b 13, V I, 10; G.A:, 733.a 6-17.
W . T hom pson in The Legac)' of G reece.
12 H .A ., V I, 3.
18 I, 2-4.

120 121
'._ 1'.-

A BIOLOGIA
ARISTÓTELES

to d a s as suas p a rte s 22. Por o u tro la d o , e x is te m a in d a fo rm a s e x c e p c io n a is ,


de penas, por e x e m p lo , em s e lv a g e n s e d o m é s tic o s , in tro d u z im o s a lg o d e b a s -
m e io a n im a is m e io v e g e ta is : as aném onas d o m a r, a s e s p o n ja s e a s a lfo rre c a s .
ta n te irre le v a n te na nossa d iv is ã o , e a fa s ta m o -n o s d o p rin c íp io e m q u e s e b a s e ia
C ada um d e s te s g é n e ro s a p re s e n ta n u m e ro s a s d ife re n ç a s e s p e c ífic a s e, con-
a d ic o to m ia . É p o is p re fe rív e l in tro d u z ir v á ria s d ife re n ç a s e s p e c ífic a s desde o
s e q u e n te m e n te , podem a g ru p a r-s e d e m u ita s fo rm a s " -'. A p e s a r d e tu d o , o p ro -
in íc io , re c o n h e c e n d o a e x is tê n c ia d e fa c to d e v á ria s c la s s e s n a tu ra is ta is c o m o
c e s s o m a is in te re s s a n te d e n tre a q u e le s s u g e rid o s p o r A ris tó te le s é a q u e le q u e s e
« p á s s a ro » e « p e ix e » , d is tin ta s um as d a s o u tra s por um a s é rie d e d ife re n ç a s espe-
fu n d a m e n ta no m odo de g e ra ç ã o 14. Os a n im a is podem ser h ie ra rq u iz a d o s
c ífic a s , m u ita s d e la s com o m esm o peso no que re s p e ita à s c a ra c te rís tic a s .
num a scala naturae, d e a c o rd o com o g ra u d e d e s e n v o lv im e n to a tin g id o p e la s u a
A ris tó te le s re c o n h e c e que n o p rin c íp io e n c o n tra m o s no re in o a n im a l trê s
d e s c e n d ê n c ia n o m o m e n to d a e x p u ls ã o d o c o rp o d a m ã e . Is to d e p e n d e d o g ra u
g ra u s d e s im ilitu d e . P rim e iro , e x is te a c o m p le ta id e n tid a d e d e tip o , re fe re n te ao
d e c a lo r v ita l p o s s u íd o p e la m ã e . A ris tó te le s e s ta v a im p re s s io n a d o com o papel
in te rio r de um a m esm a e s p é c ie . No s e io da e s p é c ie e x is te m v á ria s d ife re n ç a s
desem penhado p e lo c a lo r no a c to de chocar os ovos 25, e c o n c lu i s e r e s te o
e n tre o s in d iv íd u o s , m a s n ã o s e rv e m nenhum fim , e p ro d u z i-lo s 'o u p e rp e tu á -lo s
a g e n te e s s e n c ia l d e to d o o p ro c e s s o d e d e s e n v o lv im e n to . O ra , n o q u e d iz re s p e ito
não fa z p a rte d o p la n o d a n a tu re z a . E m segundo lu g a r, e x is te a s im ilitu d e e n tre
a o c a lo r, a d ife re n ç a s u p re m a é a q u e la e x is te n te e n tre o s a n im a is com sangue
a s e s p é c ie s d o m e s m o « g é n e ro s u p e rio r» ; ta is e s p é c ie s p o s s u e m as m esm as p a rte s
(is to é , s a n g u e v e rm e lh o ) e o s a n im a is p o s s u id o re s de um líq u id o a n á lo g o m as
d o c o rp o , d ife rin d o apenas e m g ra u - d e n ú m e ro , d im e n s ã o , m o le z a o u d u re z a ,
m a is frio . E n tre o s a n im a is s a n g u ín e o s , A ris tó te le s a d m itiu q u e a q u e le s p o s s u i-
lis u ra ou ru g o s id a d e , e tc . Em te rc e iro lu g a r, e x is te a s im ilitu d e por a n a lo g ia
d o re s d e p u lm õ e s são m a is q u e n te s do que a q u e le s que. os não possuem , is to
e n tre o s p ró p rio s « g é n e ro s s u p e rio re s » , p o is A ris tó te le s c o m p re e n d e u p e rfe ita -
p o rq u e , segundo e le , o s p u lm õ e s s e rv e m p a ra m o d e ra r o c a lo r e x c e s s iv o .
m e n te a h o m o lo g ia e n tre b ra ç o , p a ta s a n te rio re s , asas e b a rb a ta n a s , bem com o
Os tip o s m a is e le v a d o s de a n im a is são o s v iv íp a ro s , is to é , a q u e le s que
e n tre ossos e e s p in h a d e p e ix e e e n tre penas e escam as 19.
possuem um c a lo r v ita l s u fic ie n te p a ra p ro d u z ire m um a d e s c e n d ê n c ia q u a lita ti-
C om o é q u e e le , n a p rá tic a , a p lic a e s s e s p rin c íp io s à c la s s ific a ç ã o a c tu a ld o s
v a m e n te s e m e lh a n te à d o s s e u s p a is . A ris tó te le s n ã o d e te c to u o o v o d o s v iv íp a -
a n im a is ? N o s s e u s e s c rito s não e n c o n tra m o s um a c la s s ific a ç ã o d e fin itiv a , p o is
ro s , e c o n s id e ro u o e m b riã o com o um p ro d u to d ire c to da c o p u la ç ã o . O tip o
e s tá c o n s c ie n te das d ific u ld a d e s que e s ta a c a rre ta , d ific u ld a d e s e s ta s causadas
s e g u in te é o d o s a n im a is que p ro d u z e m um o v o « p e rfe ito » , is to é , u m o v o c u jo
em p a rtic u la r p e la e x is tê n c ia d e e s p é c ie s is o la d a s que não s e d e ix a m a b ra n g e r
v o lu m e não c re s c e após a sua p o s tu ra . A s e g u ir s u rg e a g ra n d e fa m ília dos
por nenhum dos « g é n e ro s s u p e rio re s » c o n h e c id o s , e por e s p é c ie s in te rm é d ia s
a n im a is que põem um o v o « im p e rfe ito » . A qui s u rg e um d o s fa c to s q u e to rn a a
e n tre o s d o is g é n e ro s s u p re m o s . M a s a c la s s ific a ç ã o p o r s i c o n c e b id a é s u fic ie n -
c la s s ific a ç ã o d o s a n im a is b e m d ifíc il p a ra A ris tó te le s , b e m c o m o p a ra to d o s o s s e u s
te m e n te c la ra nas suas lin h a s fu n d a m e n ta is , de ta l m odo que, no seu to d o ,
s u c e s s o re s . C om e fe ito , um a vez que a m a io r p a rte dos p e ix e s p õ e o v o s im p e r-
re s is tiu com e fic iê n c ia a o te s te d o te m p o . C o n s titu iu u m g ra n d e p ro g re s s o s o b re
fe ito s , e x is te n e le s um g ru p o - o s p e i~ e s c a rtila g ín e o s - que não põe ovos,
tu d o o q u e a p re c e d e u , e nenhum p ro g re s s o fo i le v a d o a c a b o a n te s d e L in e u . As
m a s , n o e n ta n to , p ro d u z a lg o d e v iv o . Podem os s e r te n ta d o s a c o n s id e ra r e s te
suas d iv is õ e s d e m a io r e x te n s ã o c o n s titu e m -s e p e lo s a n im a is s a n g u ín e o s e p e lo s
fa c to c o m o um a m a rc a d o c a lo r v ita l, bem com o a c la s s ific a r e s ta s c ria tu ra s sob
não s a n g u ín e o s , c o rre s p o n d e n d o à d iv is ã o m o d e rn a e n tre « v e rte b ra d o s » e « in v e r-
o g ru p o d o s p e ix e s e d o s ré p te is . M a s , p ro c e d e r d e s te m o d o s e ria c o m e te r o e rro
te b ra d o s » . N o g ru p o d o s a n im a is s a n g u ín e o s , o s g é n e ro s p rin c ip a is são: os qua-
de usar apenas um a d ife re n ç a e s p e c ífic a . A ris tó te le s c o m p re e n d e q u e , n a re a li-
d rú p e d e s v iv íp a ro s , os c e tá c e o s ,. os p á s s a ro s , os q u a d rú p e d e s o v íp a ro s , os
dade, o lu g a r d e s ta s c ria tu ra s é a o la d o d o s o u tro s p e ix e s , e e x p lic a que a sua
ápodes (ré p te is e a n fíb io s ) e o s p e ix e s 20. P a ra a lé m d e s ta s , e x is te m a s e s p é c ie s
p ro d u ç ã o de pequenos s e re s v iv o s s e d e v e , n ã o ao excesso d e c a lo r, .m a s s im à
is o la d a s «hom em » 21 e c e rta s e s p é c ie s in te rm é d ia s . O s a n im a is d e s p ro v id o s de
s u a fa lta . E s te s s e re s p ro d u z e m o v o s m a s n ã o s ã o s u fic ie rlte m e n te q u e n te s . p a ra
sangue são d iv id id o s d e a c o rd o com a c o n s is tê n c ia das suas p a rte s in te rn a s e
p o d e re m e n d u re c e r a s u p e rfíc ie e x te rio r do ovo num a concha. P o r is s o , d e v e m
e x te rn a s . Há os m a la c o d e rm e s '(c e fa ló p o d e s ), o s q u a is 'p o s s u e m um e x te rio r
re te r os ovos no c o rp o dos seus p a is , com o fo rm a d e o s p ro te g e r a té q u e se
m o le , e c u ja ú n ic a s u b s tâ n c ia d u ra re s id e n o in te rio r; o s m a la c ro s tá c e o s (c ru s tá -
d e s e n v o lv a m em pequenos s e re s v iv o s 26.
c e o s ), q u e p o s s u e m o e x te rio r m a is d u ro e o in te rio r m o le ; o s o s tra c o d e rm e s ou
te s tá c e o s (to d o s o s m o lu s c o s e x c e p to o s c e fa ló p o d e s ); que possuem u m e x te rio r
a in d a m a is d u ro e um in te rio r m o le ; e , p p r ú ltim o , o s in s e c to s , o s q u a is (A ris tó -
te le s é le v a d o a d iz e r a p a rtir e lo p rin c íp io d e d iv is ã o a d o p ta d a ) são d u ro s em

22 H.A .• I. 6, IV . I: P.A .. IV , 6 -9 .
2J Por e x e m p lo , segundo o m odo de re s p ira ç ã o . o u 's e g u n d o o h a b ita t. H.A .• V III, 2.
24 G.A.~ 732 a 25-733 b 16.
19 H.A., 486 a 1 4 -b 22: 497 b 6 -1 3 ; P.A., 644 a 1 6 -2 3 . 25 O c a lo r ta m b é m e ra . p a ra A ris tó te le s . o p rin c ip a l a g e n te n a p ro d u ç ã o de m udança, m esm o

20 H.A., \, 6. li, 15; P.A., IV . 1 '0 -1 3 . no mundo inorgânico. .


11 H.A., 490 b 1 6 -1 9 . . 26 G.A., 718 b 3 2 -7 1 9 a 2.

123
122
A RIST6TELES
• A BIOLOGIA

A s criaturas inferiares devem passar par um terceira estádio., anteriar ao. do REPRO D U ÇÃ O
avo. e dI) praduta viva - a estádio. de verm e. A ristóteles não. cam preende que o
própria verm e se desenvalveu a partir de um avo, m as descreve-a cam a O s fenóm ~nas da vida, pensa A ristóteles, padem ser divididas em três
transfarm anda-se num quase-avo., a qual se distingue de um verdadeira avo. grupas fundam entais: a crescim ento. e a repraduçãa, a sensação. e a m avim enta
pela facto. de nenhum a das suas partes ser sim plesm ente alim enta, m as a sua lacal. D estes três, a prim eiro é a principal, aquele que pade existir sazinha -
tatalidade se desenvalver num ser viva. cama é a casa nas plantas -, enquanto. as autras dependem dele. E, entre as
M ais abaixa, surgem as testáceas, as quais não. praduzem , igualm ente, um fenóm enas que canstituem este canjunta, se a natureza e as órgãa~ da nutrição.
verm e. A lguns praduzem , sem acapulam enta, um fluida viscasa a partir da qual interessavam sabrem aneira A ristóteles, a pracessa de repraduçãa parece tê-la
se desenvalvem as m ais pequenas; nautras, estes pequenas seres pravêm sim ~ interessada ainda m ais. N ão. só um grande núm ero. das suas abservações m ais
plesm ente das pais 27. Finalm ente, em tadas as tipas inferiares, e acasianal- natáveis, camo m uitas das suas discussões m ais penetrantes referem -se a este
m ente nas tipas superiares, cam a na casa das peixes, acarre um a geração. tem a. D e acarda cam a sua perspectiva, a repraduçãa pade ter lugar segunda trê.s
espantânea a partir de um a m atéria inerte tal cam a a lado.. m adas diferentes: espantaneam ente, a partir de um única pragenitar au a partir de
A sca/a naturae resultante apresenta-se da seguinte m ada: dais pragenitares. O facto. de ter acreditada na geração. espantânea não. é surpreen-
dente se atenderm as aas m étadas de abservaçãa ao. seu dispar, não. senda senão.
bastantes séculas depais que a sua apiniãa sobre este panta pôde ser refutada.
Animais sanguíneos A repraduçãa assexual par um única progenitar tem lugar, pretende ele, nas plan-
tas e nas anim ais que, cama as plantas, são. estacianárias .10.C antuda, a que lhe
I. H om em . despertau um m aia r interesse fai a determ inação. da natureza da repraduçãa
sexual. A ristóteles discute canjuntam ente.11 dais prablem as interligadas -
V ivíparos 2. Q uadrúpcdcs com pêlo
(m am íferos terrestres). qual é a cantribuiçãa de cada progenitar, e será que a sua cantribuiçãa surge (cama
a pcnsava H ipócrates .12)da tatalidade da seu carpa dissem elhante, au apenas
3. C etáceos (m am íferos m arinhos). dum a parte determ inada? O principal argum enta a favar da prim eira panta de
vista fai extraído da sem elhança entre a filha e as seus pragenitares em tadas as
4. Pássaros.
suas partes, m esm a (cama se supunha na.épaca) a respeita das m utilações e das
C om ovo

1
perfeito 5. Q uadrúpedes com escam as e características adquiridas. A isto. A ristóteles abjecta que: I) A descendência
ápodes (répteis 28 ~ anfíbios). evidencia sem elhanças cam as seus pragenitares que não. padem ser explic~das
pela transm issão. do que quer que seja de m aterial, praveniente da parte da
6. Peixes 29.
carpa em questão. - sem elhanças na voz, nas unhas, na cabelo., na andar; 2) as
O víp~ros ham ens que ainda não. são. barbudas, nem passuem cabelo. grisalha, engendram
C om ovo Animais não sanguíneos
im perfeito
crianças que se tarnarãa barbudas au passuidares de cabelas grisalhas; 3) Par
7. M alacoderm es .(cefalópodes). vezes, as crianças assem elham -se, não. aas seus pais, m as a antepassadas rem a-
tas, a partir de quem não. paderiam ter herdada qüalquer parte m aterial directa-
8. M alacrustáceos (crustáceos). m ente; 4) M uitas vezes, as plantas assem elham -se às plantas de que pravêm .a
. respeita das partes que a planta-m ãe. não. passuía aquanda da reprodução.. Par
9. I nsectos.
autro. lado., 5) padem as perguntar se a sém en pravém de «partes ham agérieas» -
V erm íparos
as tecidas - da pragenitar, au de «partes heteragéneas» - as órgãas. A sem e-

Produzidos por um fluido viscoso, em 10. O stracoderm es (m oluscos dife-


rebento. ou geração espontânea. rentes dos cefalópodes).

Produzidos por geração espontânea. 11. Zoófitas.

27 H.A., 546 b 15-547 a.l; G.A., 761 a 13-19, b 23-762 a 9.


.10G.A.; I, I.
28 Contudo, as víboras são internamente ovíparas e extern~m ente vivíparas. i, I; 17, 18.
29 M as os. peixes cartilagíneos e os Lophius piscatorius são ovíparos internam ente e vivíparos 32 C f. a «pangénese» de D arw in; Variation, capo 27.
externam ente, para além de
alguns m em bros das classes 6-9 serem gerados espontaneam ente.

124 125

. lo'.
A BIOLOGIA
ARISTÓTELES

d o a n im a l, in d if e r e n c ia d a , e a q u ilo que cada um d e s te s te r m o s é em a c to , o


Ih a n ç a é m a is m a rc a d a n e s te s ú ltim o s , m as e s te s não são senão te c id o s
c o m p o s to s de um m odo e s p e c ia l, e nenhum a tr a n s m is s ã o de p a r te s m a te r ia is s é m e n é - o e m p o tê n c ia » 3 7 .
O q u e n a fê m e a c o rre sp o n d e ao sém en do m acho é a d e sc a rg a m e n s tr u a l,
pode dar c o n ta da s e m e lh a n ç a no m odo de c o m p o s iç ã o . «Se a lg o c r ia , m a is
is to é, o excesso de sangue que a fê m e a , d e v id o ao s e u c a lo r v ita l ín f e r io r , é
ta r d e , e s ta c o m p o s iç ã o , deve ser apenas is to , e n ã o o f a c to d e o s é m e n v ir d e to d a s
in c a p a z d e tr a n s f o r m a r em sém en. O sém en, sendo a s s im m a is « f o r m a d o » que a
a s p a r te s do c o rp o , que é a causa da s e m e lh a n ç a » 33. A r is tó te le s p re p a ra aqui o
m e n s tr u a ç ã o , age com o causa fo rm a l ou e f ic ie n te , e n q u a n to a m e n s tr u a ç ã o
c a m in h o p a ra a c o n c lu s ã o segundo a qual o c o n tr ib u to do p r o g e n ito r - m a c h o
desem penha o papel de causa m a te r ia l. O e le m e n to m acho a g e so b re o e le m e n to
n ã o c o n s is te em nada d e m a te r ia l, r e d u z in d o - s e o s e u p a p e l à im p r e s s ã o de um a
fê m e a do m esm o m odo q u e o c o a lh o a g e so b re o le ite , c o a g u la n d o - o . D e p o is ,
c e r ta fo rm a na m a té r ia . f o r n e c id a p e la fê m e a .
e x is te um a a n a lo g ia e n tr e a p ro d u ç ã o n a tu r a l e a a r tís tic a . «Q uando o m acho
Por s e u tu r n o ( d e ix a n d o d e la d o o u tr o s a r g u m e n to s que m e r e c ia m , ig u a l-
e m ite s é m e n , is to n ã o c o n s titu i nenhum a p a r te d o ~ m b r iã o r e s u lta n te , do m esm o
m e n te , s e r e s tu d a d o s ) , 6) s e , d a s e m e lh a n ç a e x is te n te e n tr e a d e s c e n d ê n c ia e os
m odo que nenhum a p a r te m a te r ia l é a c r e s c e n ta d a p e lo c a r p in te ir o ao m a te r ia l
s e u s p r o g e n ito r e s n a s p a r te s e s p e c íf ic a s d o c o rp o , c o n c lu ir m o s que o sém en deve
e m q U 6 tr a b a lh a . A f ig u r a e a fo rm a são c o m u n ic a d a s p e lo c a r p in te ir o ao seu
in c lu ir a lg o de cada p a r te , devem os d e fe n d e r, ig u a lm e n te , que, d e v id o a o f ilh o
m a te r ia l por in te r m é d io do seu m o v im e n to à m a té r ia . São as suas m ãos que
usar h a b itu a lm e n te s a p a to s com o o s e u p a i, o s é m e n d o s e u p a i d e v e c o n te r a lg o
m ovem o s s e u s in s tr u m e n to s , s ã o o s s e u s in s tr u m e n to s que m ovem o m a te r ia l; é
q u e p ro v é m d o s s e u s s a p a to s . A s p a r te s d o c o rp o não são senão o in v ó lu c r o que
o s e u c o n h e c im e n to da s u a a r te e a s u a a lm a , n a q u a l r e s id e a f o r m a , que m ove
o g e rm e f a b r ic a p a ra s i p r ó p r io , sendo s u f ic ie n te o f a c to de o sém en p r o v ir «da
as suas m ãos, ou q u a lq u e r o u tr a p a r te , com um m o v im e n to de um a - q u a lq u e r
p a r te c r ia tiv a - com o a o b ra p ro v é m do o b r e ir o e não do m a te r ia l por e s te
e s p é c ie d e f in id a , um m o v im e n to v a r ia n d o c o n fo rm e a n a tu r e z a do o b je c to p ro -
tr a b a lh a d o » 34. «Por q u e n ã o d iz e r q u e a s c a r a c te r ís tic a s do sém en to r n a m p o s s í-
d u z id o . O m esm o se passa a r e s p e ito da n a tu r e z a . No m acho d a s e s p é c ie s q u e
v e lo e x tr a ir d e le sangue e c a rn e , em v e z d e d iz e r m o s ser e le p r ó p r io sangue e
e m ite m sém en, a n a tu r e z a usa o sém en com o um in s tr u m e n to , com o a lg o pos-
c a rn e ? » 35.
s u in d o m o v im e n to em a c to » 38. Na c ó p u la , o s a n im a is r e a liz a m e s ta u n iã o dos
A pós te r r e f u ta d o a d o u tr in a da pangénese, A r is tó te le s passa 36 a o u tr a
p r in c íp io s d e g e ra ç ã o m a te r ia l e e f ic ie n te , a qual é p e r m a n e n te n a s p la n ta s : «O s
q u e s tã o : qual é a n a tu r e z a a c tu a l da c o n tr ib u iç ã o de cada p r o g e n ito r p a ra a ge-
a n im a is a s s e m e lh a m - s e a p la n ta s d iv id id a s » 39. E s ta u n iã o , c o n d iç ã o d a re p ro -
ra ç ã o ? R e s id in d o n o c o rp o , o sé m e n d e v e se r ou u m a d a s s u a s p a r te s n a tu r a is (u m
dução, é p e r m a n e n te n a s p la n ta s p r e c is a m e n te p o rq u e o c r e s c im e n to e a re p ro -
te c id o ou um ó rg ã o ), ou a lg o de a c id e n ta l com o um tu m o r , ou um p r o d u to
dução c o n s titu e m to d a a s u a v id a . N o s a n im a is , q u e ta m b é m tê m a v id a s u p e r io r
e x c e d e n te , ou um a se c re ç ã o m ó r b id a , ou um a lim e n to . D e s te s , não é d if íc il
da sensação e do m o v im e n to , a u n iã o é apenas te m p o r á r ia .
c o n c lu ir que apenas pode ser um p r o d u to e x c e d e n te . D eve r e p r e s e n ta r um
De s e g u id a , A r is tó te le s tr a ta 40 de um a q u e s tã o que, no p r in c íp io , se
e x c e d e n te de a lim e n to , ú til ou in ú til, is to é, um e x c e d e n te quer d a q u e le s
c o n fu n d e com a q u e já f o i d is c u tid a sob a d e s ig n a ç ã o de pangénese, q u e s tã o
e le m e n to s n a c o m id a q u e se rv e m p a ra f a b r ic a r te c id o s sãos, quer d a q u e le s que
e s ta q u e d e s e m p e n h o u um papel r e le v a n te n a h is tó r ia d a B io lo g ia . S e rá q u e a s
não se rv e m e s te f im ; e o f a c to . d e s e r e m o s a n im a is jo v e n s e sãos quem possui
p a r te s d o jo v e m a n im a l e x is te m já p re fo rm a d a s no g e rm e , o u , o u tr o s s im , são
m a io r q u a n tid a d e de sém en p ro v a a v e r a c id a d e d a p r im e ir a h ip ó te s e . D e f a c to ,
p r o d u z id a s s u c e s s iv a m e n te p e la e p ig é n e s e , com o a c o n te c e com a s m a lh a s de um
é o e x c e d e n te d e a lim e n to ú til s o b a s u a f o r m a f in a l q u e c o n tr ib u i d ir e c ta m e n te
f io ? A s u a r e s p o s ta a f ir m a q u e a s p a r te s não e s tã o to d a s p r e s e n te s n o e m b r iã o .
p a ra a c o n s titu iç ã o do te c id o . E s ta fo rm a f in a l a s s u m id a p e lo a lim e n to é, nos
O p r o b le m a não é o d e e s ta r e m p r e s e n te s , m a s s im o d e s e r e m tã o p e q u e n a s que
a n im a is s a n g u ín e o s , o sapgue, e n o s a n im a is n ã o s a n g u ín e o s , u m f lu id o a n á lo g o .
d if ic ilm e n te s ã o v is ta s , p o is o p u lm ã o é m a io r q u e o c o ra ç ã o e só su rg e a p ó s e s te .
C o n tu d o , o s é tn e n n ã o é ,.o b v ia m e n te , sangue. D .e v :e m o s , p o r is s o , a d m itir s e r e le
M as a p a r te que su rg e p r im e ir o não p ro d u z a s e g u in te , p o is s e a s s im fo sse
] J m d e r iv a d o d ir e c to do sangue. A m a io r p a r te do sangue n o a n im a l se rv e p a ra
d e v e r ia te r já a fo rm a d e s ta ú ltim a , o que, e v id e ilte m e n te ,n ã o a c o n te c e .
fo rm a r o s s e u s te c id o s ; o d e s n e c e s s á r io a e s ta o p e ra ç ã o c o n s titu i o sém en. Por
A o r ig e m d o d e s e n v o lv im e n to d e v e p ro c u ra r-se n o p r o g e n ito r m acho, m a s e s te
tu d o is to o d e s c e n d e n te a s s e m e lh a - s e s im p le s m e n te aos seus p r o g e n ito r e s p e lo
d e ix a d e e s ta r e m c o n ta c to com o e m b r iã o n o d e c u rso d o s e u d e s e n v o lv im e n to .
f a c to d e o e x c e d e n te s e a s s e m e lh a r a o c o n ju n to . «O sém en n e c e s s á r io à fo rm a ç ã o
O p r o g e n ito r m acho concede m o v im e n to ao sém en; o sém en concede m o v i-
da m ão, d a f a c e o u d a to ta lid a d e d o a n im a l é já a m ã o , o u a f a c e o u a to ta lid a d e

377 2 6 b 1 5 -1 8 .
33 722 b 1 -3 .
34 723 b 2 7 -3 2 . 38 730 b 1 0 -2 1 .

35 723 a 1 4 -1 7 . 39 731 a 21.

36 724 a 9. 40 733 b 23.

127
126

--,. -.-P_ ..• _


i ARISTÓTELES

m ento
com unica-o
m áquina.
m elhor
à parte
a um a
da m atéria
outra
«H oje não podem os»,
form a. A penas podem os
fornecida pela
e assim sucessivam ente,
com o observa
fêm ea;

P latt
dizer que o esperm atozóide
por
tal com o
41,
seu lado,
se passa

penetra
esta parte
com um a
«resolver este enigm a'de
no ovário,
: 'les regressa em m uitas das suas obras 46, enquanto

.
querer m anter a continuidade
Uma
noutras passagens
entre a razão e a sensação 47.
vez que o crescim ento representa a função
A BIOLOGIA

vital m ínim a, a prim eira


parece

:parte do corpo que surge à existência deve ser um a que possua um «princípio de
provocando neste últim o um a série de m ovim entos que diferenciam e desenvol-
crescim ento» 48. E ste «princípio», afirm a A ristóteles baseando-se na observação
vem as partes, um a após outra». O calor é o instrum ento, m as apenas o instru-
e na teoria, é o coração. «C om efeito, um a vez o jovem anim al separado de
m ento, do desenvolvim ento. «L ogo, a dureza e m oleza,' a elasticidade e
am bos os seus progenitores, deve ser capaz de viver um a vida própria, till com o
fragilidade, bem com o todas as outras qualidades, fundam -se nas partes que têm
o'sepassa quando um filho se estabelece fora da casa de seus pais. E ntão, deve
vida e alm a, podendo ser causadas pelo m ero calor e frio. C ontudo, quando
haver um princípio prim eiro a partir do qual deriva, em larga escala, a ordem do
procuram os o princípio em vinude do qual a carne é carne e o osso osso, já nada
corpo ... O ra, no caso do crescim ento do anim al, o alim ento, na sua form a final,
se passa assim . O que os constitui é o m ovim ento provocado pelo progenitor
é o sangue ou um seu análogo, e os vasos sanguíneos constituem o seu receptá-
m acho, o qual é na realidade aquilo que está potencialm ente na descendência. O
;éulo, enquanto o coração é, de igual m odo, a origem destes» 49. O crescim ento
processo é idêntico ao que encontram os nos produtos da arte. O quente e o frio
'sucessivo de outras partes pode, num a certa perspectiva, explicar-se com o sen-
podem tornar o ferro duro ou m ole, m as o que produz um a espada é o m ovi-
'do devido à acção do calor e do frio. N o entanto, esta explicação é unilateral.
m ento dos utensílios em pregues, m ovim ento este que contém o princípio da arte.
.'É necessário levar-se em linha de conta, de igual m odo, a sua causa final, o papel
C om efeito, a arte é o princípio e a form a do produto, m as este existe num a
"que são cham ados a desem penhar na vida do organism o. A perspectiva de
outra coisa, enquanto o m ovim ento da natureza reside no próprio produto e
:'A ristóteles a respeito da ordem do desenvolvim ento baS eia-se, sem dúvida, na
provém de um a outra natureza possuidora da form a em acto» 42.
observação de em briões. C ontudo, tam bém ele é capaz de fornecer um a explica-
A ristóteles antecipa-se a von B áer ao reconhecer que, no desenvolvim ento,
ção a priori. N o entanto, A ristóteles acreditava na suprem acia da observação.
o carácter m ais geral precede o m ais' específico. A ssim , a alm a nutritiva (parti-
'«O s factos [acerca da geração das abelhas] não foram ainda suficientem ente
lhada por nós com as plantas e os anim ais) precede a alm a sensitiva (partilhada
! deslindados; se o forem um dia, será necessário fiarm o-nos m ais na observação
com os anim ais), e esta a alm a racional 43. A alm a, quando possui um a base
do que nas teorias, e só nos devem os fiar m ais nestas últim as se concordarem
m aterial, requer algo de «m ais divino» diferente dos quatro elem entos, e, nos
corh os factos observados» 50.
casos da alm a nutritiva e da sensitiva, essa tal base reside no pneum a que fornece
A causa da determ inação do sexo foi m uito discutida antes de A ristóteles.
ao sém en a sua propriedade espum osa --,--qualquer coisa diferente do ar e do
S egundo ele 51,nenhum dos seus predecessores se aproxim ou dos factos. N este
fogo, m as «análoga aos elem entos das estrelas» 44. A razão em si não possui
sentido, ele próprio elabora um a teoria que considera m ais satisfatória. É um
qualquer conexão com a m atéria; ««unicam ente provém , acim a e abaixo, do
erro, pensa ele, supor que os órgãos m asculinos podem desenvolver-se num
exterior, sendo apenas divina» 4S. T em -se discutido m uito acerca de saber
em brião, os fem ininos noutro, sem que haja antes um a qualquer diferença no sis-
quando é que A ristóteles adm ite a penetração da razão no sém en. N o seu
tem a vascular, no sentido em que este últim o representa a estrutura sobre a qual
pensam ento não encontram os nada de concreto a este respeito, A com pleta
é erigida a totalidade do corpo. A s partes sexuais não são a causa do sexo, m as
distinção a respeito da relação entre, sim ultaneam ente, o carácter, a origem e o
os concom itantes de um a diferença m ais profunda. Um m acho é produzido
destino da razão e as outras faculdades da alm a, é um a doutrina à qual A ristóte-
,quando o em brião possui um calor suficientem ente elevado para «cozen) o sangue
excedente, transform ando-o em sém en;' um a fêm ea é produZ ida' quando não
possui este poder; e o sangue excedente perm anece sangue (com o se pode
dem onstrar pela descarga m enstrual nas fêm eas). P or outro lado, o em brião é
41 T rad. de G.A., 734 b 16 n. .'m ais quente ou m ais frio de acordo com o facto de' o sém en do m acho ter, ou
42 734 b 31.735 a 4.
não, conseguido dom inar o m aterial fornecido pela fêm ea. A ssim , a determ ina-
43.736 a 35-b' 5.
44.N outra parte (11, 5), Ihistóteles afirm a (argum entando a. partir dó facto de os ovos sem '
germ e serem , num certo sentido, dotados de vida, pois se assim não fosse. com o poderiam apodre-
cer?) que o elem ento fem inino p"ossui um a alm a nutritiva. residindo a contribuição específica do 46 P or exem plo, De An~, lIi, 4, 5; Af,et., 1070 a 26; E. N., 1178 a 2)..
progeriit';~ m asculino na alm a sensitiva. T am bém a fêm ea possui pneu m a, apesar de este não 47 An .. Post., 11, 19; Met., A . I.

. ser suficientem ente poderoso para coier o sangue, transform ando~o em sém en. C f. p. 112, nota 48 G.A., 735 a 15.
146. 49 740 a 5-23.
4S 736 b 27-737 a I. 50 760 b 30-33.
51 IV , I.

128
129
T
A BIOLOGIA
A RIST6TELES

ção se x u a l e stá , em p rin c Ip IO , p re se n te d e sd e o m o m e n to d o c o ito . A s p a rte s a n im a l a ssim o re q u e r), m a s d e v e p o ssu ir um o lh o e m v irtu d e de um a o u tra
se x u a is sã o fo rm a d a s m a is ta rd e e m re sp o sta à n e c e ssid a d e , p o r p a rte d o o rg a - e sp é c ie p a rtic u la r d e n e c e ssid a d e » 55. E x iste , p o is, u m lim ite a o u so a risto té lic o
n ism o , d e u m a e sp é c ie d e ó rg ã o , se tiv e r o p o d e r d e p ro d u z ir sé m e n , o u d e u m a d e c a u sa s fin a is. A ristó te le s e stá c o n sc ie n te d a s v a ria ç õ e s e sp o n tâ n e a s q u e se
o u tra , se n e c e ssita r de a c o m o d a r-se a um a g ra n d e q u a n tid a d e d e sa n g u e em e x p lic a m p o r c a u sa s d e o rd e m m e c â n ic a .
e x c e sso q u e n ã o p o d e tra n sfo rm a r e m sé m e n . T o d a v ia , o se u m o d o d e tra ta r o s p ro b le m a s d a v id a o rg â n ic a é , a n te s d e
O s fa c to s d a h e re d ita rie d a d e sã o e x p lic a d o s por p rin c íp io s sim ila re s 52. m a is, te le o ló g ic o . E ste fa c to é m a is e v id e n te De Partibus
nos se u s tra b a lh o s
Se o m acho p re v a le c e c o m p le ta m e n te so b re a fê m e a , o filh o é m acho, Animalium, e n o q u e p o d e se r v isto c o m o u m se u a p ê n d ic e , a o b ra De Motu
a sse m e lh a n d o -se , ig u a lm e n te , a o p a i n o u tro s a sp e c to s. Se o m acho p re v a le c e , Animalium. N o in íc io d a p rim e ira d e sta s o b ra s 56 e sta b e le c e q u e , p a ra o s b ió lo -
m a s o im p u lso que em ana é m o d ific a d o p e la re a c ç ã o d a fê m e a , o filh o é com o o g o s, a s c a u sa s fin a is sã o m a is im p o rta n te s q u e a s e fic ie n te s. « C o n sid e ra i com o o
a v ô e m v e z d e se a sse m e lh a r a o p a i; o u , se o im p u lso é m o d ific a d o m a is p ro fu n d a - m é d ic o o u o a rq u ite c to c o n stro e m a s su a s o b ra s. C om eçam p o r fo rm a r p a ra si
m e n te , e le a sse m e lh a -se a um a n te p a ssa d o m a is d ista n te do la d o d o p a i. S e o p ró p rio s u m a id e ia b e m d e fin id a ... d o fim q u e p e rse g u e m ... , e e sta id e ia é a ra z ã o
m acho p re v a le c e e n q u a n to in d iv íd u o , m a s n ã o e n q u a n to m acho, o filh o é fê m e a e a e x p lic a ç ã o de cada p a sso re a liz a d o su b se q u e n te m e n te ... O ra , n a s o b ra s da
m a s a sse m e lh a -se a o p a i; se , p e lo c o n trá rio , p re v a le c e e n q u a n to m acho m as não n a tu re z a o b o m fim e a c a u sa fin a l d o m in a m a in d a m a is d o q u e n a s o b ra s d e a rte
e n q u a n to in d iv íd u o , e n tã o é do se x o m a sc u lin o m a s a sse m e lh a -se à m ãe. Se a c o m o e sta s» 57. A ristó te le s a ssim ila d e p e rto o p ro c e d im e n to d a n a tu re z a com o
fê m e a p e rm a n e c e , o filh o é fê m e a e a sse m e lh a -se a e la . S e o e le m e n to fe m in in o , d a a rte , e in c lu i, n e sta p a ssa g e m , o e stu d o d a n a tu re z a ta n to e n tre a s c iê n c ia s
a in d a q u e p re v a le c e n d o , é m o d ific a d o n o p ro c e sso , o fIlh o é se m e lh a n te a a lg u m c o n stru tiv a s, com o e n tre a s te o ré tic a s. «O m odo d e n e c e ssid a d e e o 'm o d o de
a n te p a ssa d o do la d o m a te rn o . S e o s im p u lso s p ro d u z id o s p e lo s p ro g e n ito re s se ra c io c ín io sã o d ife re n te s n a c iê n c ia n a tu ra l e n a s c iê n c ia s te o ré tic a s [isto é , n a
c o n fu n d e m , o filh o não se a sse m e lh a a nenhum a n te p a ssa d o , m as apenas p re - m e ta físic a e n a s m a te m á tic a s] ... p o is, n e sta s ú ltim a s, o p o n to d e p a rtid a é o que
se rv a as c a ra c te rístic a s da e sp é c ie . F in a lm e n te , se a c o n fu sã o é a in d a m a is é , e n q u a n to n a s p rim e ira s é o q u e é p a ra se r. P o is, é o q u e é p a ra se r ~ a sa ú d e ,
c o m p le ta , o filh o nada m a is p re se rv a p a ra a lé m do c a rá c te r g e n é ric o d e se r p o r e x e m p lo , ou um hom em ~ q u e , p o ssu in d o ta is e ta is c a ra c te rístic a s, n e c e s-
a n im a l. Por o u tra s p a la v ra s, sã o m o n stro s n a fro n te ira e n tre a e sp é c ie à q u a l sita a p re e x istê n c ia , o u a p ro d u ç ã o p ré v ia , d e ste e d a q u e le a n te c e d e n te ; não é
p e rte n c e m o s se u s p ro g e n ito re s e a um a o u tra e sp é c ie . e ste e a q u e le a n te c e d e n te q u e , p o r c a u sa d e e x istire m , o u d e te re m sid o g e ra d o s,
to rn a m n e c e ssá ria a e x istê n c ia a c tu a l o u fu tu ra d a sa ú d e o u d e u m h o m e m . N e m
é p o ssív e l tra ç a r re tro sp e c tiv a m e n te a sé rie d o s a n te c e d e n te s n a c e ssá rio s a té u m
d a d o p o n to d e p a rtid a , a p a rtir d o q u a l p o ssa m o s a firm a r q u e , e x istin d o d e sd e a
T E L E O L O G IA
e te rn id a d e , d e te rm in o u a su a e x istê n c ia com o se u c o n se q u e n te » 58. A ssim , a
o rd e m q u e se d e v e se g u ir n a in v e stig a ç ã o não é a de com eçar p e lo p ro c e sso de
A ristó te le s e sta b e le c e u m a im p o rta n te d istin ç ã o e n tre a s c a ra c te rístic a s dos
fo rm a ç ã o de cada a n im a l, m a s a n te s a d e c o n sid e ra r p rim e iro a s su a s c a "ta c te -
a n im a is 53. A lg u m a s q u a lid a d e s c a ra c te riz a m a to ta lid a d e da e sp é c ie , o u tra s
rístic a s a c tu a is, e d e p o is in v e stig a r a su a e v o lu ç ã o . Isto é a ssim « p o is o p ro c e sso
(p o r e x e m p lo , e m c e rto s c a so s, a c o r) v a ria m n o in te rio r d a e sp é c ie . E ste s d o is
d e e v o lu ç ã o te m p o r fim a c o isa e v o lu íd a , e n ã o é e sta q u e te m p o r fim o p ro -
g ru p o s sã o e x p lic a d o s d e fo rm a d ife re n te . O s p rim e iro s sã o e x p lic a d o s por um a
c e sso » 59. E m p é d o c le s a d o p to u o m é to d o o p o sto . D e fe n d ia , p o r e x e m p lo , que a
c a u sa fin a l o u , p o r o u tra s p a la v ra s, p o r u m a c a u sa fo rm a l. O s a n im a is p o ssu id o -
c o lu n a v e rte b ra l se d iv id e e m v é rte b ra s, 'n ã o e m v ista s d e u m q u a lq u e r fim , m a s
re s d e o lh o s, p o r e x e m p lo , tê m -n o s p o rq u e a se n sa ç ã o é u m d o s fin s p e lo q u a l o s
« p o rq u e . se p a rtiu d e v id o à p o siç ã o . c u rv a do fe to no v e n tre m a te rn o » 60 •
. a n im a is e x iste m , um a d a s c a ra c te rístic a s e sse n c ia is dum a n im a l. «Q uando ope-
O u tro s, d e fe n d e ra m « q u e a á g u a e x iste n te n o c o rp o c a u sa , p e la su a c o rre n te , a
ra m o s c o m p ro d u to s d e fin id o s e o rd e n a d o s d a N a tu re z a , n ã o d e v e m o s d iz e r q u e
fo rm a ç ã o d o e stô m a g o e d o s o u tro s re c e p tá c u lo s d a c o in id a o u d a e x c re ç ã o ;
cada um é de u m a c e rta q u a lid a d e p o rq u e se torna ta l, m a s a n te s q u e se tornam
e q u e a re sp ira ç ã o a b re , p e la su a p a ssa g e m , o s o rifíc io s d o n a riz » » 61. Isto é c o m o
a ssim p e la ra z ã o d e se re m a ssim , isto p o rq u e o p ro c e sso d e d e v ir a c o m p a n h a o
se r e te m o se r p o r se u fim , n ã o v ic e -v e rsa » 54. P e lo c o n trá rio , a s c a ra c te rístic a s
v a riá v e is devem e x p lic a r-se p e la c a u sa m a te ria l o u p e la e fic ie n te . « O a n im a l d e v e
p o ssu ir um o lh o e m v irtu d e de um a n e c e ssid a d e (p o is a id e ia fu n d a m e n ta l de 55 b !6 -1 8 .
56 C f. a d e fe sa do e stu d o dos a n im a is, 645 a 7 -2 6 .
57 6 3 9 b 1 6 .2 1 .
5X Ibid., 3 0 -6 4 0 a 8 .
596 4 0 a
18.
52 IV , 3 .
53 778 a 1 6 -b 1 9 . 60 lbid., 21.
61 b 1 2 -1 5 .
54 b 1-6.

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ARISTÓTELES A BIOLOGIA

tu b a rõ e s possuem a sua boca na s u p e rfíc ie in fe rio r de m odo a que, quando se


se um e s c u lto r de m a d e ira , quando in te rro g a d o s o b re a s ra z õ e s p e la s q u a is a
v o lta m p a ra m o rd e r, a sua p re s a p o s s a e s c a p a r-s e - m a s ta m b é m com o fo rm a
m ão que e s tá a e s c u lp ir re c e b e a s u a fo rm a , re s p o n d e s s e q u e « é e m v irtu d e do
de os p re c a v e r c o n tra o excesso de c o m id a ! 66. O p rin c íp io g e ra l é o de «a
m achado e da pua». A re s p o s ta é v e rd a d e ira m as in s u fic ie n te . «N ão lh e b a s ta
n a tu re z a nunca fo rn e c e r um ó rg ã o a u m a n im a l s e e s te n ã o fo r c a p a z de o usar
d iz e r que p e la fo rç a das suas fe rra m e n ta s e s ta p a rte re c e b e u a fo rm a de um a
c o n v e n ie n te m e n te » .
c o n c a v id a d e , e e s ta o u tra a de um a s u p e rfíc ie p la n a . D e v e a c re s c e n ta r a in d a as
Q uando A ris tó te le s d e s c re v e a e s tru tu ra d o s a n im a is com o sendo d e v id a a
ra z õ e s p e la s q u a is d e s fe riu ta l g o lp e de m odo a o b te r ta l e fe ito , e q u a l fo i o s e u
u m fim , s u rg e desde lo g o um p ro b le m a : fim d e q u e m ? N ada p e rm ite supor que
o b je c to fin a l» 62. O e rro dos v e lh o s p e n s a d o re s p ro v é m do fa c to d e , e n q u a n to
e s te fim o s e ja e m v is ta s d o a n im a l in d iv id u a l. G e ra lm e n te , é a n a tu re z a que é
dão c o n ta das causas m a te ria l e e fic ie n te , ig n o ra re m to ta lm e n te as causas fo r-
d e s c rita com o a g in d o em te rm o s d e u m fim . M a s a n a tu re z a não é um a g e n te
m a is o u (o q u e v a i d a r ao m esm o) as causas fin a is . J u s ta m e n te quando D em ó-
c o n s c ie n te . É a fo rç a v ita l p re s e n te em to d o s o s s e re s v iv o s . N um a passagem ,
c rito com eçou a in s in u a r a noção d e e s s ê n c ia , S ó c ra te s (o b s e rv a A ris tó te le s com
a c re s c e n ta o te rm o D eus: «D eus e a n a tu re z a n ã o fa z e m nada ao acaso» 67. M as
a g ra d o ) d e s v ia a sua a te n ç ã o da n a tu re z a p a ra a p o lític a e p a ra a é tic a 63.
o D eus em que A ris tó te le s a c re d ita v e rd a d e ira m e n te (te s te m u n h a -o a Metafí-
M esm o D e m ó c rito c o m e te u o e rro d e c o n s id e ra r « a c o n fig u ra ç ã o e a cor com o
c o n s titu tiv o s d a e s s ê n c ia d o s d iv e rs o s a n im a is e d a s s u a s v á ria s p a rte s » 64. P ro -
sica) é u m D e u s a b s o rv id o n a c o n te m p la ç ã o d e S i e o p e ra n d o s o b re o m undo
com o o b je c to do Seu d e s e jo . A e x p re s s ã o «D eus e n a tu re z a » p a re c e ser um a
ceder d e s te m odo é e n fa tiz a r a e s tru tu ra e esquecer a fu n ç ã o . Uma m ão m o rta
concessão a o s c a m in h o s o rd in á rio s d o p e n s a r, e A ris tó te le s p a re c e c o n ~ e n ta r-s e ,
possui a m esm a e s tru tu ra de um a v iv a , m as não é , d e fa c to , um a m ão um a vez
com o m u ito s p e n s a d o re s a n te s d e s i, c o m a n o ç ã o , p o r c e rto in s a tis fa tó ria , dum
que não pode re a liz a r o tra b a lh o p a ra q u e fo i c o n c e b id a . O b ió lo g o d e v e le v a r
e m c o n s id e ra ç ã o a q u ilo q u e d ife re n c ia to d a li c ria tu ra v iv a , e to d o o ó rg ã o v iv o ,
fim d ife re n te do de q u a lq u e r o u tro e s p irito .

d a q u ilo q u e e s tá m o rto , e is to c o n s titu i a a lm a . N ã o q u e d e v a e x p lic a r to d a s as


A sua te le o lo g ia não e s tá c o m p le ta . É o b rig a d o a a d m itir a e x is tê n c ia de
m u ita s im p e rfe iç õ e s na e s tru tu ra dos a n im a is . E s ta s não podem a trib u ir-s e ,
fo rm a s de a lm a . A a lm a ra c io n a l, p ró p ria ao hom em , e s tá p a ra a lé m do
com o o podem os fa z e r c o m a s im p e rfe iç õ e s num a o b ra d e a rte , a u m d e fe ito do
s e u a lc a n c e . M as deve e x p lic a r o s p o d e re s da a lm a m e d ia n te o s q u a is a s c o i-
s e u a u to r. D e v e m -s e a um d e fe ito d o m a te ria l, não n o s e n tid o e m q u e e x is te a lg o
s a s v iv a s c re s c e m e re p ro d u z e m a sua e s p é c ie , bem c o lh o possuem sensação e
d e v ic io s o na m a té ria com o 'ta l, ou num a dada m a té ria em p a rtic u la r, m as no
m o v im e n to . P a ra A ris tó te le s , a re p ro d u ç ã o te m o in te re s s e e s p e c ia l d e p e rm itir a
s e n tid o e m q u e m u ita s v e z e s a n a tu re z a te m d e o p e ra r com m a té ria s que, apesar
p e rp e tu a ç ã o do tip o , o qual é p a ra s i a p ro v a m a is e v id e n te da fin a lid a d e da
de boas p a ra o u tro s fin s , n ã o o s ã o p a ra o fim e m v is ta . E x is te m d o is tip o s de
n a tu re z a . « S e m p re q u e e x is te , d e fo rm a e v id e n te , u m fim ú ltim o p a ra q u e te n d e
im p e rfe iç õ e s com um in te re s s e p a rtic u la r. P rim e iro , há as im p e rfe iç õ e s nos
o m o v im e n to , se não s u rg ir q u a lq u e r o b s tá c u lo , a firm a m o s s e m p re q u e o fim
m e m b ro s in d iv id u a is de um a e s p é c ie . Q uando a n a tu re z a desem penha com
ú ltim o é a fin a lid a d e d o m o v im e n to ; d a í q u e s e to rn e e v id e n te a n e c e s s id a d e de
sucesso a fe itu ra d e c e rto s in d iv íd u o s p e rfe ito s , a que s e d e v e (p o d e re m o s p e r-
haver a í a lg o d e v e rd a d e ira m e n te e x is te n te c o rre s p o n d e n d o a o q u e s e d e s ig n a
g u n ta r) o s e u fa lh a n ç o a re s p e ito d a p e rfe iç ã o d e o u tro s ? P o r c a u s a d a v a ria b ili-
sob o nom e d e N a tu re z a . U m dado g e rm e não fa z n a s c e r u m s e r v iv o q u a lq u e r,
dade da m a té ria , re s p o n d e A ris tó te le s . O s céus obedecem p e rfe ita m e n te à le i
n e m , tã o -p o u c o , e le p ró p rio p ro v é m dum q u a lq u e r acaso. C ada g e rm e p ro v é m de
e te rn a p o rq u e são fe ito s da s u b s tâ n c ia p u ra do « q u in to e le m e n to » ; as c o is a s
p ro g e n ito re s d e fin id o s e d e s e n c a d e ia um a d e te rm in a d a p ro g e n itu ra . A s s im , é o
te rre s tre s e s tã o s u je ita s à v a ria ç ã o p o r c a u s a d a s u a m a té ria n u n c a s e r p u ra te rra ,
g e rm e que re g u la a in flu ê n c ia do d e s c e n d e n te , fa b ric a n d o -o » '6 5 .
água, a r o u fo g o , m a s c o n s titu ir-s e p e la c o m b in a ç ã o d e s te s d e u m a fo rm a ~ u ito
A . te le o lo g ia d e A ris tó te le s é, com o v e re m o s , um a te le o lo g ia « im a n e n te » .
v a ria d a . C om e fe ito , A ris tó te le s não possui nenhum a te o ria a c e rc a d e a fin id a d e s
O fim d e c a d a e s p é c ie 'é in te rn o à e s p é c ie ; o s e u fim c o n s titu i-s e n o s e r e s s a e s p é c ie
de c o is a , ou de m odo m a is p re c is o , de c re s c e r e re p ro d u z ira sua e s p é c ie , de
q u ím ic a s d e fin id a s , e a in d a m enos d o fa c to d e o s e le m e n to s apenas s e p o d e re ~
c o m b in a r em p ro p o rç õ e s fix a s . .
p o s s u ir sensação e m o v im e n to de um m odo tã o liv re e e fic a z q u a n to lh e p e rm i-
Em segundo lu g a r, devem os e x p lic a r a e x is tê n c ia dos ó rg ã o s ru d im e n ta re s
ta m a s c o n d iç õ e s d a s u a e x is tê n c ia - p o r e x e m p lo , o s e u h a b ita t. É apenas um a
q u e s e rv e m um p ro p ó s ito n a m a io r p a rte d a s e s p é c ie s d u m g é n e ro , m a s n o u tro s
vez, p o rv e n tu ra , que A ris tó te le s s u g e re (e com re s e rv a s ) a h ip ó te s e de um a
c a ra c te rís tic a de um a e s p é c ie p o d e r .s e r d e s ig n a d a e m b e n e fíc io d e u m a o u tra . Os

62 641 a 5- 14. 66 6 9 6 b 2 4 -3 2 . N a Pulítica. 1 2 5 6 b 1 5 -2 2 . A ris tó te le s a d m ire a p o s iç ã o s o c rá tic a segundo a


63 7 4 2 a 2 4 -3 1 . q u a l a s p la n ta s e X is te m p a ra s a lv a g u a rd a r o s a n im a is e o s a n im a is in fe rio re s p a ra s a lv a g u a rd a r os
64 6 4 0 b 2 9 -3 1 . hom ens. C o n tu d o . a o e s c re v e r is to n ã o e s tá a fa z e r b io lo g ia .
65 6 4 1 b 2 3 -2 9 . 67 De Caelo. 271 a 33.

132 133
ARISTÓTELES A BIOLOGIA

são tão pequenos ou fracos para poderem servir para algo. D estes, tudo o que método teIeológico perm itiu-lhe detectar factos que nenhum tratam ento m ecâ-
A ristóteles pode dizer é que estão presentes com o form a de «servirem de indí- nico seria capaz de descobrir. E se a sua teleologia é por vezes dem asiado
cio» 68, com o m odo de indicarem a intenção norm al da natureza ainda que, em fácil, e cham a m eram ente a atenção dum a causalidade genuinam ente m ecânica,
tais casos, esta intenção não seja realizada. ' este facto é um erro que deve ser desculpado em vistas da enorm e superioridade
A s explicações teleológicas de A ristóteles não possuem todas o m esm o da sua B iologia a respeito de tudo o que o precedeu, bem com o de todas aquelas
valor no respeitante aos seu sucesso. P or vezes, explica as partes externas dos ,que se lhe seguiram durante m uitos séculos 76.

anim ais de um a form a possível de atribuir-se a um evolucionista m oderno.


C uvier não recebeu m uítos elogios pela sua form a de explicar a adaptação das
partes visíveis dos anim ais às suas várias condições de vida. Q uando trata das
partes internas, em baraça-se bastante devido à falta dum a diss~ cação suficiente-
m ente m inuciosa e de um a com pleta ausência, no seu tem po, de ideias precisas
sobre anatom ia e fisiologia. P or exem plo, não se apercebe da existência do
sistem a nervoso, nem da im portância prim ordial do cérebro. A função do cére-
bro é, segundo ele, a de m oderar um excesso de calor. M ais válidas que as suas
explicações detalhadas neste dom ínio, são algum as das grandes generalizações a
que chegou. P or exem plo, concebe a continuidade de toda a vida. V iu que
existem algum as plantas com um m ínim o de vida, e que dificiím ente podem
distinguir-se da m atéria inanim ada; que há criaturas que form am um a transição
entre as plantas e os anim ais; pressentiu a existência de anéis ligando entre si os
diferentes géneros de anim ais; e que o hom em é, a respeito de tudo m enos da sua
razão, um a espécie contínua dos quadrúpedes superiores 69. É o prim eiro a
form ular o princípio de hom ologia, por exem plo, entre pernas, asas e barbata-
nas, ou entre penas e escam as 70. E stabelece a lei dos equivalentes orgânicos,
explicando a ausência de qualquer órgão pelo facto de a m atéria disponível ter
sido usada para form ar um outro órgão 71. D etecta a lei da divisão do trabalho
na natureza, a repartição deum órgão para cada função, e de um a função para
cada órgão 72, em bora acrescente que, por vezes, a natureza produz um órgão
em vistas de um fim determ ínado, usando-o no desem penho de um segundo 73.

S abe ilustrar bem a relação existente entre as diferenças de regim es alim entares e,
as diferenças nos órgãos ~ e nutrição 74. O bserva que nenhum anim al possui
m ais de um m odo adequad() de defesa 75. N este e em m uitos outros casos, o

, 68 H.A., 502 b 23, 611 a 31; P.A., 669 b 29', 670 b 12,689 b 5.
69 C f.H.A., V III, I; P.A., 681 a 9-b 8, etc.
70 H.A., 486 b 17-22; P.A., 693 b 2-5, 695 b 20-25. 696 a 25-27; I.A .. 709 b 30, 713 a I, 714 b 3.
A hom o\ogia é m ais de função que de estrutura, e o seu reconhecim ento por parte de A ristóteles não
se baseia em qualquer estudo 'aprofundado' de anatom ia.
71 P.A., 651 b 13,655 a 27, 658 a 35, 663 a 32, 664 a 1,685 a 25.689 b 30. 694 a 27, b 18,695 b
.7; I.A., 714a 16. N o entanto. G oethe reclam ou a originalidade do seu princípio, segundo o qual «a
N atureza deve salvaguardar por um lado, de m odo a poder dispender por outro».
72 P.A., 683 a 22; Pai .. 1252 b I.
7.1 P.A., 659 a 20, 662 a 18, 688 a 22, 690 a 2.
. 74 P.A., 111, 14. . 76 O m odo. notável com o a teleologia de A ristóteles 'antecipa e é confirm ada por D arw in está
75 663 a 17. C f. H.A .. 487 b 26, 504 b 7. bem 'evidenciado na obra de F. W. B ain., B{)(fl' and Soul.

134 135
C A P ÍT U L O V

PSICOLOGIA

A ALM A E AS SUAS FACULDADES

. .. da . s ic o lo ia c o n s is te n o « d e s c Q b rir a jn a tu re z a a ';e s s ê n c ia 'd a


~ a ~ n t-;;m o -~ ~ s _ e ~ ~ \!..tr~ b ~ ü tõ S ..;O
> ;~ .I? é to d o d e p e s q u is a c lp s à trib u fó ~ ~
r-e s id e n a d e m o n s tra c ã o . S e rá q u e e x is te , p e rg u n ta A ris tó te le s , u m m é to d o c o r-
~ s p o n d e n te p a ~ ã d e s c ó 'b rir a e s s ê n c ia ? A ris tó te le ~ .~ 4 g e rç l!.ld iv is ã o L ç 9 .!T I 0.. Hm
m é to d o p o s s ív e l, a d o p ta n d o -o d e fa c to . O p rir~ tç iro p a s s o c o n s is te e m d e te rm i-
nar a gual d a s d iv is õ e s p rin c ip a is do ser - a ~ .c a te g o ria s . - p e rt~ n c e a a lm â :
d e c i'd in d ~ " s o b re " o . fa c Ú ; . d e e s ta ser um a p o te n c ia lid a d e ou um a a c tu a lid a c te .
C o n tu d o , n ê s te p o n to , s u rg e U m a d ific u ld a d é . S u p o n h a m o s 'q u e 'e x is te m p a rte s '
d ife re n te s d a a lm a c u ja p re s e n ç a e m c o m b in a ç õ e s v a ria d a s o rig in a e s p é c ie s , e
ta lv e z m esm o g é n e ro s , d ife re n te s . E n tã o , é p o s s ív e l a. não e x is tê n c ia de um a
e £ !.iç ã o d ~ a lm a . Pode a c o n te c e r que o s 'fa é to s ' p rim á riô ;c o ~ ;ú itia ~ e ~ p é é le s
d ife re n te s d e " â lm il. e q u e n ã o e x is ta , e m g e ra l, u m a c o is a c h a m a d a « a lm a » , m a s .
apenas pequenos n ú c le o s 'd e um a n a tu re z a com um n a s d iv e rs a s a lm a { .2 )
A re s p o s tâ d e A ris tó te le s t, d e fa c to , ~ 3 .~ ~ ~ p ç ~ iç !!. < !~ a lm a J iã 2 .~ ã ()J ã o .
s ç m e \h a n te s ao p o g to e le q u a lq u e r s im p le s .d e fin iç ª:Q fie .a lm a .p o Q e r ,.g~!f
__ um a_
id é T a s u ii" c ie 'l1 ie d a ~ s u a s v a rie d a d e s , d e s d e a s u a h llT I;l.ild e .m a n if~ s ta ç ã ~ l1 a U } la J l= .
. ta ; ~ -[J P S z o ó fita s a té a o s e u g n l.l.Í'm itis ~ le 'v ,a d o 'n Q f{ ()ll1 .e m o u e m D e u s ; n e m tã p
d ife re .~ te ~ q 4 ~ não possam os re c q l1 h e c e ru m a n a tllJ t;z a c o m ;iIm 'e m tÕ (h ls 'a s '~ m is
v a rie d a d e s . lA .s fig u ra s g e o m é tric a s podem s e r c o lo c a d a s num a o rd e m , com e-

..~.....~s.t::~~ •. lL o ~ ? ... ..

1 De Anima, 4 0 2 a 7 .
2402 a IQ -b 8 .

137
~r'
ARISTÓTELES PSICOLOGIA

çando pelo triângulo e prosseguindo em direcção a formas cada vez mais com- das suas qualidades tangíveis que a comida alimenta. Também o gosto, que é
plexa;4.. cada uma das quais contendo potencialmente todas as prec~s. uma modificação do tacto, é indispensável pois representa uma forma de reco-
'Ãssim, também as formas de alma constituem uma sérIe com uma ordem defi- nhecimento das qualidades mediante as quais a comida atrai o animal e o que
, nida, de tal modo ue cada es écie de alma ressu õe todas as anteriores, sem não o é repele-o.
ser por estas implicada. A alma mínima é a alma nutritiva,. pois existe em' sentidos são meios, não tanto ara existir, mas ara existir bem.
todos os seres vivos ou «animados» I- tal1l~O_.nasplantas como nos animais. A erce ão distância, ainda ue não indis ensável, constitui um auxílio para
\Á seguir, surge a alma sensitiva, que eilste '(;~ todos os animais/Na alma sensitiva os ais acharem comida, evitando o que lhes é nocivo. Por q.lltr:()lado, o
~eâparece o mesmo esquema, póis o tacto é uma forma mínima de sensação ouvido e a vista, nas suas várias manifestações, contnbuem para a existência do
, ~ressuposta por todas as outras, estando presente sempre que elas o estão e, por pensamento. O ouvidop'ossui uin valor peculiar no sentido em'que a utilização
11'. 'r 1J vezes, mesmo na sua ausência J. E talvez não seja de mais afirmar que, para do discurso constitui o principal instrumento do ensino e da aprendizagçm: a
.<J.,y~ Aristóteles o tacto, o olfacto, o ouvido e a vista formam uma série em que a vista; pela precisão com que revela as diferenças entre as coisas, e não apenas no
?JJ'/ .•......
natureza distinta da sensação - a de «receber a forma sem a matéria» dos seus que re9li.êita' ao próprio objecto, mas também ao seu número, tamanho, forma e
inõVimento 7.
ob'ectos - se manifesta de uma forma crescente 4. " .'

"\.A Ima sensitiv não se resume apenas à função de perceber, mas, como
consequência natural disto, tampérn possui a de sentir prazer ou doce, por- ALMA E CORPO ~. o.'

tanto, de desejar, a qual se encontra em todos os animais. Existem também mais


duas fatuidades derivadas da faculdade sensitiva que se encontram na maior Aüs.t,ót~les levanta, desde o início do De Anima, uma outra questão que nos
parte dos animais mas n&o,emJ9,Q.oS. I) Do seu lado cognitivo provém o que' conduz ao coração da psicologia. P~g!:1.n~a ele: ~_o t.?~O!. o_~.~.t,r~butosda al~a
Aristóteles designa de\im.<!ginação \ (~cx.v-rcx.aÚx l, da qual a memória repre- comul}s. a9.seu possuidor, à unidade alma e corpo a que chamamos um ser VIV~
senta um seu desenvolvime'nto. E 2) do seu lado apetitivo provém a faculdade do' 'ou~~utrossim, ape"Ílas alguns deles são específicos à alma? R Se a alma pO~SU1
movimento 5. Finalmente, existe uma faculdade específica ao homem, a da atributos específicos, deverá ser separável do corpo; se tal não for verdadelrú,
~6. Esta é tratada como sendo genericamente disti,~ta da percepção. Con-' apenas será pensável como separada do corpo mediante um acto de abstracção
tudo, à percepção, quando actua indeperidêntementé' de qualquer uma das suas semelhante àquele com que separamos os atributos matemáticos dos corpos do
formas especializadas, tais como a vista, o ouvido, etc., mas segundo a sua seu carácter físico. A maiori;! dos fenómenos mentais são acompanhados por ~
natureza geral, isto é, enquanto percepção, são atribuídas várias funções, as uma/q,ualquer afecção co~poral. E, antecipando uma célebre teoria moderna,
quais tendem a estabelecer uma ponte entre os sentidos e a razão. a"ti'"escenta que, quando as ~~~ições necess~rias a?corp,9 estão pr:esen.tes, ~s
Aristóteles tenta: mostrar a necessidade desta ordem" nas faculdades da emoções tais comõ'aira e ô medo, são produzidas' pela causa mental m;!ls leve,
alma. A vida de todas as coisas vivas, se se quer manter, deve ser mantida ~esni~à'âiisê;:;-cía de'uma~'Os'fênórtreI16nrfênfais 'sãó, portanto, «formas 7<.
através do processo de crescimento e decadência, e a função nutritiva deve estar eriV(;lv-;nd~ a m'atÚia». A 'su'a verdadeira definição nãodeverã omitir nem a sua
"em funcionamento em todas as coisas vivas como forma de preservar a sua forma ou fim (as suas causas racionais) nem a sua matéria (as suas condições
existência. A sensação não é igualmente necessária. As plantas e os seres que não fisiológicas). Assim, ou a alma ou, pelo menos, esta espécie de alma, cai na esfera
se movem encontram a sua comida automaticamente no solo onde crescem. Mas . do físico. ,Não devemos -definir a ira, nem do modo como o fazem os dialécticos,
o poder do movimento pressupõe a se.nsação, uma vez que sem ela deixar~' encarando-a meramente como um desejo de retaliação, nem como o faz o físico,
ter qualquer utilidade .. De 'nada serve a. um animal mover-se se não puder' poIimm, encarando-a mer~o:ente <:00:0 a ebulição do .s~ngue ~as veias. As ~o~~
reconhecer a.'sua comida quando a encontra. Além disso, o tacto é o mais más incorp~radas na Taten~ nEcessitam de uma especle particular de mate na

2' .' . ' . ..'. . . . .' . . .


indispensável de todos os sentidos. Não é necessário que um animal reconheça, à Rara a sua lllcorporaçao, e e tao Importante conhecer ISto como conhecer as
distância, o que é bom e o que é mau para si, mas é necessário que proceda a esta próprias formas 9. , . .

distinção quando entra de facto em contacto com. o objecto. Mais, é em virtude A partir disto, constata-se que Aristótelesn- o defende uma doutnna

~. *
baseada em duas 'substâncias. A alma e o cor o ao ão duas su tânc' mas
ti'

3414 a 2-4, 415 a 3-6, 435 a 12.


..-"./ &y" 4 Beare, Greek Theofies of Elementary Cognition, 230 segs. Cf. De Anima, 429 a 2.

:.:.rr ~'.
?r
I!!" 5 A frase de. Hamlet «Sense, sure, you have. Else could you not have motion» (111, 4. 71) 7 IH, 12, 13; De Sensu, 436 b 10-437 a 17; Mel., 980 a 21-b 25.
provém, provavelmente, de Aristóteles (G. G. Greenwood in Class. Rev., XVII. 463 segs.). 8 403 a 3-5.
6413 a 22-b 27, 414 a 29-415 a 12. 9 403 a 5-b 19; 412 b 6-9, 413 a 4-9.

138 139
ARISTÓTELES PSICOLOGIA

"t element()s iflseparáveis de uma únicq. Contudo, a palavra «inseparável» necessita


agui de uma cuidadosa análise. A alma e o corpo, tal como em geral a forma e a
m~, são em certo sentido separáveis. A matéria, que está agora ligada a uma
uma potencialidade; e que, quando apreende esse universal, se caracteriza intei-
ramente por essa apreensão, de tal modo que se pode afirmar ter-se tornado una
com o seu objecto. Isto não é idealismo mas realismo extremo, pois não permite
alma para formar um ser vivo, existia antes do começo da união e existirá para qualquer modificação, nem qualquer construção do objecto pelo espírito.
além do momento da sua cessação. É apenas da forma, e não desta forma, que Existem três. espécies de alma gue.Aristótel~s .Gonstatou terem sido reco.-
esta matéria é inseparável. E, de novo, esta forma pode existir separada desta nhecidâ's pelos seus predecessores. Aceita estas três espécies, mas rejeita todas as
matéria, uma vez que, segundo o ponto de vista de Aristóteles, é uma forma que 'fêóiÍas anteriores que se lhes ligam. A alma é a causa do movimento. mas não do
está incorporada em todos os membros duma espécie, podendo existir independen- automovimento. M ove sem ser movida; conhece, mas não deve, por estar;izãq,
temente de cada um deles, ainda que não de todos! Portanto, para a sua eXlstên- ser periSàda como sendo composta dos mesmos elementos por ela conhecidos.
Á.~'cia, e.la reqller, .ni!oesta mllt~ria, mas esta espécie de matéria ...Reque~_l1!11cõrp~ E'incorpórea, mas as teorias anteriores não conceber.am a sua incorporeidade
~ .?IO P com uma certa espécie de construção química e uma certa configuração, não de um modo suficie.ntemente claro.
1- K~~\V~~ podendo exisÚr lncorp()rada noütra espécie de corpo.1£.a!ar ,de tfan~..migração Um outro ponto importante surge da crítica às teorias anteriores, e que
?,r~oJ/" ' . das almas humanas para corpos de animais eqUival.e a pretender s!l.~tçn.t.ª.r..que a ocupa o livro I do De Anima. Estará a totalidad~ da alma, pergunta Aristóteles,
~ d arte da carpintaria se exerce por meio de flautas e não pela ..u!!!i?ação de envolvida em cada uma das suas actividades, ou deverão estas ser atribuídas a
oDv ~ ciséis 10. T.ambém a alma não pode existir fora de um corpo - apesar de partes diferentes? 15 Deverá a vida ser atribuída a uma ou a mais desta~ partes,
~. (> Aristóteles colocar aqui uma reserva a favor do elemento mais elevado da alma ou terá ela uma causa distinta? Se a alma é divisível, o que é que a mantém
'J, '" humana: o intelecto activo. Este, como «vem do exterior» ", continua a existir unida? Não pode ser o corpo (que é, pelo contrário, unido pela alma). Q.que
~~" após a morte' do corpo 12. No entanto, Aristóteles não especIfIca se essa eXlstên- mantém a alma unida deve ser aquilo que possui o melhordireito.de ser desig'-
,J, cia se dá sob uma forma individual ou se está imersa numa unidade esplntual nado de «alma». Se isto possui unld'adé, por que não atribuir unidade à própria .,.;r-
"':b mais alargada. alma desde o inlcio? Se é divisível, o que é que a mantém junta? Do mesmo modo, ,,.r
\ v\ Desta teoria geral da relação entre alma e corpo conclui-se que 'Aristóteles será que cada p~rte da alma mantém unida uma 'parte dOi;o..!:p.0?As plantas e ~
~ não concebeu a noção de eu * como tratando-se de um ser puramente espi- algunsinsectos, após a divisão, possuem todas as pa.rtes da sua a.Ima em. cada um ~ ~>!_~).J
( ritual, para o qual o seu corpo constitui, de igual modo, uma parte do mundo dos fragme.nto.s do seu corpo. Assim, a cisão adrI1iti~~J?~)~ªlmanã~o é e~ ~v Xr
~.) J exterior, tal como as outras coisas físicas. Pelo contrário, Rara Aristóteles, .
(a alma e o corpo formam uma união que é completa enquanto dgra, e na quaLf
'.pan:~~
. ..9uahtatIvamente
a qualIdade do todo.
dIferentes m._
...a....
s..~IJl p~rte.s,e ..~ q~~. ~~<l.~_.UrIl:.gelas
De facto, a alma, aInda que Anstoteles nao coloque a
..p...o ssul . ~
r ¥"".'
~-

alma cJLcorpo constituem aspectos meramente diséei-níveis à visão filosófica:- qll.e.s.t!<loesteste.rmos é homóríiera 'como um tecido e~ão comoumórgã9~:. ~. t'Jri';.
Uma noção como a de Descartes, para o qual a existência da alma represe'rüaa ãI.üdà .._ que empregue. a!TIiúde a expre~são tradiciQoaL«par.tes ..da ..almID>"<l sua__ :"" .'
primeira certeza e a existência da matéria uma inferência posterior, seria e.Jmressãü preferida é «faculda,de~). A sua psicologia é uma psicologia de faculda-
\, absurda para Aristóteles. A,totalidad~~_o_~1 simult~Eeamente_~~a e corg9.'.é .._ des, não no sentido enl qUe'nega a explicação genuína dos factos por referência a
.algo de dado e de inquestiop.ávelJO mesmo é válido para o mundo físico. Por uma faculdade mística de fazer isto Ou aquilo. Aristóteles refere simplesm~ntç: .. º.
vezes, Aristóteles utiliza a Iinguag'Cm sugestiva do idealismo. M as, de um modo factQ..de a <!Ima exibir uma série de operações, e que, por'detrás de cada uma.
geral, deve talvez ser incluído entre os realistas ingénuos. A linguagem que. qestas coeeJ:ações intermitentes, devemo~pressupor a o'pérà1ividaâedê um poder
sugere o idealismo. surge quando representa o pensamento como idêritico ao seu ê.,ermanente? .~o..~tudo, estas facu~d:ldes nãÕ-"éíJéxisferrCcom:o carneiros 'num
objecto 13. Contudo, o ponto de vista predominante não é o de qu~ o objecto é rebanho. Elas possuem uma ordçm ..definida, umll:<:)~c!em~~~,..s:.ll.!J1a 0E~.!!!.
constituído pelo pensamento, mas o que de o espírito é «o lugar das formas» ou contrária ao seú d~senvolvimento no"inaívíõú'õ'. Para além disto"possue'm uma
«a forma das formas» 14, algo que, até apr,eender algum ~niversal, não é 'senão ~tei-fstiCa que poderemos ...Q~signar,dê'TõriTIã sii!lp.fíji~':~'d.~.
interpenetraçã9,
o.
As;i;:;;'~"p-;;-;'exemplo, o int~'lecto .~. d'esejo çonsift~em faculdades distint!i~, .~a~_
as espéêies'mais elevadas de desejo apenas se .Qodem manifestar em seres possuí.-
dos"de intelecto, sendo em si próp'rias intelectua~s 16. A escolha ou a vontade

10 407'b 24.
11 G.A., 736 b 28.
1.2430 a 22; cf. .as alusões in 413 a 4-7, b 24-27.
(*) No original, self. (N.d. T)
13 Por exemplo, 429 b 6, 430 a 3. IS 411 a 26 segs.
14 429 a 27, 432 a 2.
16 432 b 5, 433 a 22.25,' b 28.

. 140 141
ARISTÓTELES PSICOLOGIA

>( odem ser, de i ual ~odo, designadas de intelecto desejante ou de' desejo reflec- seja actualidade de qualquer corpo 18. No entanto, Aristóteles não nos explica,
tido, e nela está envolvida a totalidade do homem 17.. (;., r .p li como é possível que, .sendo a alma uma 'tal actualidade, possa haver uma sua
No livro segundo,' Arist'óteles inicia propriamente a exposição positiva da parte que deixe de o ser. A relação entre a razão e as outras faculdades constituí
sua teoria. Primeiramente, define a alma. A categoria a que esta pertence é algo uma das partes mais obscuras da sua psicologia.
de demasiadamente claro. Com efeito, os corpos, mais que qualquer outra coisa, Uma definição tão abstracta como esta não nos ajuda muito no que con-
estão universalmente condenados a ser substâncias; e, entre os cOrpos, muito cerne à compreensão da variedade do fenómeno da alma. Consciente disto,
particularmente os corpos naturais pois estão na origem de todos os outros, Aristóteles procede de modo a fornecer um ponto de vista mais concreto, um
tanto mais que os corpos artificiais são constituídos a partir deles. Ora, entre os ponto de vista em que se especificam, como se expôs acima, as principais fa-
corpos naturais incluem-se não só os elementos e os seus compostos inanimados, 'culdades envolvidas n.a.alma. Seguidamente, passa ao seu traíámento deta-
como -também os corpos animados. E os corpos animados são substâncias, não .. --_.-~
ií1;:;fo';'começaiíclo .pela n~t~ição.
.. --- ---"'- ~~_. ...:~'-- ~ -~--
no sentido secundário tomado pela matéria (ou potencialidade) e pela forma (ou
actualidade), as quais, como são em realidade elementos da substância, podem
ser designadas de substância; elas são substâncias individuais independentes
feitas de matéria e de forma. Nesta unidade concreta torna-se evidente que o NUTRIÇÃO
corpo desempenha o papel de matéria, ou possuidor de atributos, e a alma o de
forma, ou atributo essencial. Aristóteles é aqui influenciado pelo facto de a É um erro, observa Aristóteles, restringir o crescimento dos seres vivos à
e::,pressão comum em grego 'para designar (~s~r vivo» EJ..L\jJVXOV crWJ..La: . «cor: ... mera acção dos elementos nele contidos 19. Mesmo o fogo ou' o calor não
po animado», em que «animado» designa evidentemente um atributo distin- passam de uma causa auxiliar da nutrição. Em todas as totalidades naturais
tivo dos corpos vivos relativamente aos outros corpos, a saber o poder de (no existe «um limite e uma proporção de crescimento e de tamanho» - um limite
mínimo) se auto-alimentar, quer seja ou não acompanhado das outras faculda- de tamanho próprio a um animal de qualquer espécie dada, e uma proporção a
des que distinguem os seres vivos superiores dos inferiores.\A alma é, assim, a ser observada entre as partes do seu corpo; e este limite e proporção pertencem à
)(forma ou actlialidade do ser vivo. Contudo, esta «actualidade); é ambígua. Com~ forma e não à matéria, à alma e não ao corpo. A verdade é, não que o fogo ou o
parado com um leigo, um homem de ciência possui a actualidade do conheci- calor constituem as causas do crescimento, mas que a alma actua nas substân-
Q mento, mesmo ~uando ~ão pensa de modo científico; ~a.s possui-a em maior cias quentes do corpo 20, o que origina mudanças qualitativas na comida, assim
~Q. grau quando esta absorvIdo por essa forma de pensar. SImIlarmente; a alma é a como o timoneiro, ao mover a sua mão, produz o movimento do leme, origi-
~~.,f\J tualidade primeira dum corpo vivo, enquanto o exercício da sua função repre- nando a rriHdahç~ de rumo do navio. ,A almaéuIl1 motor imóvel, a substânciaj
O senta a sua actualidade segunda, ou actualidade mais completa. Um homem quente move .sen.d.o movida, a comida simplesmente movid~~{isto._é,alteradl!- e
\.~~.' possui alma. mesmo quando d~rme, apesar de, nest:.caso, est~ não estar total- quimicamente). ;
.;fI mente actuante; as suas funçoes, salvo a. sua funçao vegetatIva, permanecem .,-.--Tem-se discutido se a nutrição é afectada «pelo semelhante» e «pelo dife-
\..,,~ . adormecidas. Ora, um corpo vivo não é outra coisa senão um corpo provido de rente». Aristóteles resolve esta questão afirmando que a~utrição~um processo,
~ órgãos, isto é, contep.do uma diversidade de partes perfeitamente adaptadas às de assimilação consistindo em tornar semelhante o quese"â'presentava <!if~rt::.Q!.e.~1
_______ - -- . - ,- .. ' - .' .-.-_r"'; __ ;-
. - , - •...•• " _'"" •••. "._ •••. _.~J~_ .• o

. -Idiversas acti.vidades\,Assi~; a alma_~_ «a. actualidade .'primeirâ, <!.eu.m. corpo O propósito último da nutrição reside na preservação; não da VIda ln,dlVl- 'i,i
natural prOVIdo de órgãos)jc No ser vivo distinguimos o corpo, que é matéria, e a dua'l ='que de quaIquer ~odo"estã
condenada a uma rápi<!ª~xtin.çã~,mªs..da '\ ..,..
. alma, qúe' é formá~taíêomo num machado distinguimos a matéria e a qualidade ~ill~-ixn:~~.a"ví'á~".pelá
-qüãI: 'õ'"s.. seres'
vivos' p.()dem «,c<?~partilhar: .do. e~erno.-e,".d:~ '. ~
de ser-machado, ou no olho a pupila do poder da visão; e distinguimos a div.Ln.o~),.
~~~p~oduÇãO é atribuída po~r._Arist9teles ~ mesma faculdade que.a
actualidade primeira, a alma, da actualidade segunda, o estado de vigília, assim ~l~~o;~'Qn~n1~.~t!!I~ªPO,_P}J..r,,);i; para ..~esigna.rªJ::9.1.!!d~d'S'p:in;ária ou
como distinguimos a qualidade de ser-machado do acto de cortar e a faculdade mínima da alma é o de «faculdade da nutrIção e dá reproduçao». A~ ,~"""
' ... ---_ •... ,.. 4.1'
. da visão do acto de ver. Então, obviamente, a alma.é inseparável do corpo, a
/<menos que exista alguma parte da alma - Aristótelt~s'pensa na razão ~ quenão
18 Noutro lugar, Aristóle!es assi~ala (415 b 7.28) que a alrria não é apenas a actualidade ou
causa formal do corpo, mas (de acordo com o princípio geral das causas formal, final e eficiente) a
sua causa final' e causa eficiente de todas as mudanças originadas pelo corpo, quer se trate de
mudanças de lugar, de qualidade ou de tamanho. .
iQ 11. 4.
20 Cf. p. 112, nota 146.

142 143
P S IC O L O G IA
A R IS T Ó T E L E S

absorvida,
--- na Q .rim eira apenas
,,-,-- - - a form a -é -recebida
- -sem
--.-a' m--atéria. -f
28/O ra ' se esta
SENSAÇÃO
assÍm ilação do órgão-ao objecto tem lugar, então ela nada -fai:'por explicar o
facto essencial sobre a percepção, a saber que nesta alteração física é acrescen-
A sensação foi tratada pela m aior parte dos predecessores de A ristóteles
tado algo de m uito diferente, a apreensão pelo espírito de algum as qualidades do
~ ~ ~ m _ose_ndo.
e~ sençiªll1J~ n-.!.lôllm ~ oc:~ ss~ o pas..siv().. n()..slec~ -!s()~ .< J_q~ .a.L
0..sórgão~
objecto. Isto é apenas assim se a recepção das form as significa to m a r.,e Q n sc iê n c ia
,dos sentidos são qualitativam ente alterados p~ lo. obje-':.to.. P O ~ Q P "ºsiçãO ã'êsié
da form aq~ ~ ji()dé £< > '_IlS tituir:
um a descrição exacta da percepção; e dizer que o
ponto de vista 21, A ristóteles afirm a que li sens~ ção deve serco~ siderada com ô
úiliá ãlteração, sendo, portanto, necessário prºceder-s~ a tim ~ dlsii~ çã-;;.'A 's'êÍ1:
~ õe " i[u a lifie a d o pela form a do seu objecto torna-se irrelevante. A expressão
«receptor da form a» cobre um a am biguidade radical.
sação não é um a alteração de espécie, á qual é apenas um a substituição dum
A ssim , existe um a certa dose de confusão entre a psicologia e a fisiologia no
estado pelo seu oposto .. ~ la é arealização da potencialidade, o avanço de algo
que respe~ ta à exposição da percepção fornecida por A ristóteles. N o sentido de
(~ IT l direcção a si própriaeasuá aC tua,.lidadé»'22;'oiÇ sC gündo a linguag~ rrrda
se entrar em detalhe na sua fisiologia, vejam os qual é o seu ponto de vista. C ada
F ísic a 23, ~ m .ªperfeiçoam ento, A distinção é justa m as não deve ser conside-
um dos órgãos dos sentidos é sensível a um ou a m ais grupos de qualidades,
rada suficiente. A construçK ü de um a parede tam bém é um aperfeiçoam ento 24
escalonadas entre extrem os. P or exem plo, a vista é sensível à cor, que, para
e a distinção entre as duas espécies de alteração, ainda que nos m ostre o facto d;
A ristóteles, form a um a série na qual cada term o interm édio se com põe de
o acto de sensação ser a razão por que existem os órgãos dos sentidos e a
branco e de preto, com binados segundo um a certa proporção. P ara ser sensível
faculdade da sensação, não evidencia a natureza incorporai e especificam ente
a toda a gam a destas qualidades, o próprio órgão deve caracterizar-se por um a
m ental do acto. E ste ponto é tratado de m elhor form a num a outra passagem 25
m istura destas, de tal m odo que nenhum dos extrem os exerça um a grande
em que A ristóteles insiste na diferença entre as m odificações físicas das
'.--' preponderância sobre o outro, ~ im , o sentido é um m eio.ou.pr9pgrção. P ara
plantas, ou entre os seres inanim ados sob a acção das qualidades sensíveis, e o
que <> órgão .E .º1i.~ ser
a- aJectado por 'um object9 < ;:)(Jerno,d evem ser satisfeitas três
facto m ental da sensação produzida nos anim ais por estas m esm as qualidades.
(s,t() é ainqa. m elhor explicado quando d~ screve 26a sensação (;O m O um poder
C illidíC -~.~~Q .f;i\
alteraçã()prqduz;ida pelo objecto no m ~ iod~ v~ p()~ suir um a
~ !_~ i':l.te~ sidade,- senão a inércia do órgão im pedi-lo-ia de ser afectado. A qui
.de. d~ scrim inação ()~ _iL elevados-de,..cogniçã.o::S ã Q
a parti~ :do. q.u~ I_.< J_~ _.!:l:~!I@
reside a razão pela qual os objectos coloridos m uito pequenos, ou os sons m uito
atm gldos por um desenvólvim ento contínuo.
fracos, não podem ser percebidos separadam ente, apesar de, quando form am
M ';'~ "fi-ãose-'p'ode afifrriarque'A rl~ tó'tel~ ~ -- foi bem sucedido ao defender a
partes de objectos m aiores ou de sons m ais potentes, poderem ser percebidos
noção de sensação com o um a actividade puram ente m ental, não possuindo nada
potencialm ente, devido a poderem ser reconhecidos pelo pensam ento com o
em com um com qualquer coisa física. A ristóteles perm anece ligado às influências
do m aterialism o antigo. Um certo núm ero de pensadores tinham descrito a
tratando-se de elem entos constitutivos do objecto percebido. I(í}; a proIJorção
~ < r::~ .I.,---º~ c,O ntráJ.:jº-s
se com binam no objecto devem ,num ~ ~ ' c_çfi~ --~ ~ did-;',
percepção com o tratando-se da percepção do sem elhante pelo sem elhante;
diferi!:".d a"proporç;iQ da sua com binação no órgão. A ssinÍ,a m ão não percebe
o~ tros, descreveram -na com o tratando-se da percepção do dissem elhante pelo
,~ m o ~ uente ou frio aquilo que possui a m esm a tem peratura que ela. C ontudo,
dlssem elhante. ~ ~ s~ s .t.eºri-ª~ estava,.m de,acordo ª() consi~ erareJna.percepsão
~ _~ _~ !f~ xençª, entre as proporçÕ es não deve ser m uito elevada. Uma certa
.£Q .!?o.,;_u~ am ()~ ificaçãO do ~ orpo do. s~ ~ eito ~ a perc~ pção por u~ $-Q r:po_e~ teri0:~
v~ riação na proporção das qualidades contrárias é com patível com a existência
\ ~ Q .~ toteIe.s resolve a questao, com o Ja o tm ha feito a respeito do problem à
contT iiíX ã':':-i!,O
órgão, m as, se a proporção for m uito desequilibra< :ia, o órgão
an~ logo ,da nutrição, cle::> cre"~ l1d()
o_pr:ocesso da p'~ r< :epçã()_£.9~ rnga,I!W --no-q!Jal
as
c9}s.a,s ~ I~ ~ ~ :n.elhantes se. tor:nam sem elhantes, _,em ' qU e _o.' órgão dos .sentidos" e < -ªéstruído 29. E , um a vez que o tacto representa o sentido -indispensável, um

~ ~ ~ ~ rnilado, aó objecto.A ::'ll1ãºtorn~ -sequénte, ..~ 0Iho_ca"lorid9_-,2Ç ~ '..:.... ac-reS: excess(j" dê certas qualidades tangíveis - calor, frio ou dureza 30~ , ao destruir
o órgão, destruirá sim ultaneam ente o anim al 31,
c~ n~ a ele - a língu~ s_aborosa, o nariz odoroso e o ouvido sonoro.\< \ percepç~ o.
~ _actllalização da perC epção é, ao m esm o tem po, a actualização do objecto:
_dlstm gue-se da nutnçao pelo facto de, enquanto na últim a a m atéria da com ida é
. ,. .. ---_ .------ O som em acto e a audição apenas são dois aspectos distintos dum único
acontecim ento. F ora da audição não existe som , a 'não ser potencialm ente.
S im ultaneam ente, A ristóteles opõe-se à visão tradicional, para a qual «não existe
21 11. 5.
_22 417 b 6, 16.
23 246 b 2, 247 a 2_
24 246 a 18-20. 28 424 a 18,
29 424 a 2-10, 26-b 1,426 a 27-b 8, 429 a 29-b 3, 435 a 21.
2S 424 a 32-b 18,-
26 424 a 5, 432 a 16; A n . P o sto , 99 b 35 e segs_ 30 P o'r que não tam bém a m oleza? -

27 425 b 22. 31 435 b 7-19_

144 145
1
A R IS T Ó T E L E S P S IC O L O G IA

branco nem preto sem vista» 32. A sua ideia deve ser que, acima das suas qualitativa sobE~. Q._m~Í2_actualment~ transparente, tornando-se assim actual-
qualidades primárias, o objecto possui, na ausência de seres dotados de percep_ mente 'cõloi-ld9, e produzindo a visão actual. Alexandre de Afrodísia ao admitir
ção, uma qualificação definida em virtude da qual são capazes de produzir- os do!s ~~tád.iQ.~!iY2Ivi,!o~ na teoria de Aris.tóteies -kprg9ução de 'luze de cor
sensações quando estes seres estão presentes. Mas não entra nas dificuldades - vai ITlél.~19..!1,..g~e designa a cor como «um.a espécie de segunda luz». Ofogo e os
apresentadas por estas «possibilidades permanentes da sensação». corpos celestes são as únicas coisas capazes de produzir tanto a primeira
Aristóteles divide os objectos da percepção em três classes 33. Duas delas mudança no meio como a segunda. Podem ser vistos «no escuro» precisamente
são ~rcebidas 'di~êct~'meiifé' - as 9.tIalidades sensíveis peculiar:t:s a c"il_d,Ú~niidõ porque são os primeiros a tornar a escuridão luminosa.
e as que são comuns a todos J-';-
ou .-pêfi:) menos à vista e ao .tacto 35. No que Até aqui, o transparente figurou apenas como um me~o externo, mas ho D e
concerne às primeiras, o erro é impossível, ou pelo menos pouco frequente. S e n s u 41 o seu significado é alargado em duas direcções.'I) Aristóteles observa
A lista completa dos sensíveis comuns reconhecidos por Aristóteles compreende: o como um resultado de certas investigações que o órgão ~~;i-d~'~i~tanã06
movimento e o repouso, o número e a unidade, a figura, o tamanho e (podemos constituído pela superfície externa do olho, mas por algo existente no interior da
provavelmente acrescentar) o tempo 36. A t frceira espécie de objectos da per- cabeça. Um meio transparente deve, por isso mesmo, alargar-se directamente ao
cepção é o percebido .acidental,mente como-lHnconcomitanteâe"üin «sensível órgão interno e, por consequência, as lentes cristalinas devem compor-se de uma
especial». Se virmos um objecto bra~co que é o filho de Diares, percebemos substância transparente, a água. E \2)~a transparência é agora tratada como
acidentalmente o filho de Diares. estando presente, em maior ou menor grau, em todos os corpos quaisquer que
No estudo que Aristóteles consagra aos sentidos especiais e aos seus objec- estes sejam, e a cor é descrita como constituindo o limite do transparénte nos
tos 37, há outros pontos que apresentam mais do que um simples interesse c o r p o s (isto é, no sentido em que o transparente está aprisionado nos corpos
histórico. U!TIpon~o a que dá lI,m interesse especial é o da constituição do. órgão opacos), enquanto a luz constitui a actualidade do transparente n a s u a c o n d iç ã o
e do meio - e, a este' 'respeito, defende que mesmo o tacto utiliza um meio (~- n ã o lim ita d a , isto é, tal como existe nos meios transparentes, como acontece
carne), ~,!TIavez que o seu órgão não é a carne mas «qualquer. coisa no seu com o ar e a água.
interior» 38. No quecohterne à vista, fundamenta a sua teoria 39 nos factos
observados: I) Um objecto colocado sobre a vista não é por esta visto (o que
SEN SU S C O M M U N IS
demonstra a necessidade de um meio); e 2) enquanto o fogo pode ser visto, seja à
luz seja na obscuridade, os objectos coloridos não luminosos apenas podem ser
A explicação fornecida por Aristóteles a respeito dos sentidos especiais,
vistos na presença de luz 40. A partir disto, defende que o fogo (tal.como os
apesar de conter muitos raciocínios penetrantes, apresenta-se grandemente
corpos celestes) possui um poder inexistente nos objectos não IU,minosos, o'de
viciada pelo facto de depender estreitamente de uma física e de uma fisiologia
«torn3;r actualmente transparente a potencialidade transparente». A 'tiànsparên-~'
. insustentáveis. Devemos voltar à sua teoria da percepção não especializada,
cia potencial representa um carácter comum ao ar, à água 'e muitos sólidos. a
° estado de transparência actual num tal corpo é constituído pela luz. Assim, a luz
não é um movimento mas uma actualidade ou estado, resvltando, não de um
~ (p m m u n is .
IMel.l1e.w~,l)tt:
Esta expressão é rara e~ Aristóteles 42, mas r~sume conve-
.u1T!agr..'.l:.llde
parte da sua doutnna, desde que não a !nt!<rpretemos
CQJ!19de~!g,nando um'~~ti~' sentido sobrepost~--a.~; (;'úti()s~in~6, eço~p~eeii.-=
movimento, mas duma mudança qualitativa instantânea produzida num .meio
dendo um grupo de objectos mais diversitícarlos, mas sim, entendendo-a como
potencialmente transp~rente. ~<: ~_~, primeir? eSJAé.o.; O•.seguIJqo,.~. aql!~~,~m
. t~ataiª?:,:se<ia .natur,ez~ comym iner~nt~ a'os~~~i.o~tjeveTIioscoiIsiderarlt"~e!,1si:-,
que um. corpo pott:nclalmente colonao age, IStO ~,pr9duz umá novlLmudançil'
. . . ---_._- "-. ~~~o~o lJrJ1~u1!~c~,r.ac~lda<:i~,__
a qual produz certas funções e~ ,virtude da.
sua nature?~ .genérica, ma'sque, para:"çêitôidins~ se reparte nos cinco sentidos ,.'
es'~cíflc~s, ,:r}~'!1d.o'a:~partlr.'de si órgãos adaptados às suas funções 'especiais.i
.'1425 b 25.426 a 27; Cal., 7 b 35.8 a 12; Mel., 1010 b 31.1011 a 2, Cf. p. 162 e segs.
33 11, 6. As funções em que opera a faculdàdé pe~ceptíva, sob a sua forma não
34 418 a 10. especializada, são as seguintes: I) A percepção dos «sensíveis comuns» 43. Todas
35 D e S e n s u , 442 b 5.7. estas são, sustenta Aristóteles, percebidas graças ao movimento, ,quer dizer, a
36 418 a 17,425.a 15; D e S e n s u , 437 a 9, 442b 5; D e M e m ., 450 a 9, 451 a 17; cf. D e A n .,
433 b 7.
37 11. 7.11; D e S e n s u , 3 .5 .
38 442 b 19-23, 34-423 a 17, 423 b 1.26. 41 438 a 12-16, b 5-16, 439 a 21.b 14.
39 11,7. Cf. H.W.B. Joseph in C la s s . R e v .., XVIII, 131 segs. 42 Encontra-se em 425 a 27; D e M e m ., 450 aIO; P .A ., 686 a 31; cf. D e M e m ., 455 a 15.
40 Mesmo' no que respeita aos objectos fosforescentes, a «cor própria» não pode ser vista nO 43 418 a 10-20; 425 a 13.b 11,428 b 22-30; D e S e n s u , 442 b 4-10; D e M e m ., 450 a 9-12, 451 a
escuro, 419 a 2.6. '. . 16, 452 b 7-13.

146 147
"r.,.:
-

A RISTÓTF.I.F.5
P S IC O L O G IA

u m m o v im en to m en tal co n sid erad o p o r el~ (d e m o d o u m tan to o b scu ro ) co m o escu rid ão , ain d a que n ão a v ejam o s.. E q u e ii) aq u ilo que ve e , num sen tid o ,
p ro p o rcio n ad o ao o b jecto . O s sen sív eis co m u n s aco m p an h am a títu lo acid en tal co lo rid o , p o is o ó rg ão d o sen tid o receb e o o b jecto sen sív el sem a su a m atéria,
os sen sív eis esp eciais 4 4 , d esig n ad o s tecn icam en te de « acid en tais» . C o n tu d o , q u er d izer, to rn a-se q u alificad o p ela m esm a q u alid ad e,.e é assi~ q u e as p erce~ -
A ristó teles estab elece u m a d istin ção en tre u n s e o u tro s p o is, en q u an to a co in ci- çó es e im ag in açõ es p erm an ecem n o s ó rg ão s dos sen tid o s ap o s o d esap arecI-
d ên cia, por ex em p lo , en tre o b ran co e o d o ce, o u en tre o b ran co e o filh o d e m en to dos o b jecto s que as p ro v o caram .
D iares, se assu m e ap en as co m um carácter o casio n al, to d o o o b jecto - p elo , A ristó teles afirm a, co m efeito , ser p ela v isão q u e p erceb em o s a,V isão d as
m en o s to d o s aq u eles p erceb id o s p ela v ista e p elo tacto - p o ssu i u m tam an h o ,
co isã~ n ;;;P clã'v isã-o ', n ão en q u an to v isià:,.in ,..à.~ '~ ijg ú ~ n .t~ ~ p erçep ç1 i.?Jr~ t_ ~ :-sec1 ~..
u m a fig u ra, um a d u ração , q u er em rep o u so q u er em m o v im en to , q u er em u n i-
.u~;d as p rim eiras p as~ ~ g en s_ d é, u J!l ..9 .t.I.al9 ..l!~~! !J~ < ?r
..}~ n ~ .(':.,sª.2 ...A is~ ü ti.~ as.as.
d ad e q u er em n ú m ero . P erceb em o s o s sen sív eis co m u n s p ela v ista, n ão en q u an to d rfi~ ~ id .ad es en v o lv id as n a id eia Q ~ co n sciên c!a. c1 ,~s~,4 8 ~ . ri~ t< ?teles n ão ,atrib u i
v ista, m as em v irtu d e d a facu ld ad e p ercep tiv a g eral, a q u al, p ara além d as su as tõd~' a co n sciên cia d e si a u m a ú n ica facu ld ad e cen traI.~ ..< :()n h ecim e~ to ,. a, . ~
fu n çõ es esp ecializad as d e v isão , au d ição , etc., p o ssu i u m a fu n ção n ão esp eciali-
P l:~ rc_ ee£ ~ ~ ,.ao p in ião e o raci(~ cín io , ain cla q u e.e.r:.i,?~ ir~ rn eI!t~ lig ad o s a.~ ~ Je.~ to s .
zad a relativ a às q u alid ad es co m u n s a to d o s o s o b jecto ssen sív eis.
;u tro s q u e eles m esm o s, cad a u m au to -ajJreen d e-se em passagem / . .< = Q J 1 t u d .o ,
2 ) A p ercep ção d o s « sen sív eis acid en tais» . P rim eiram en te, isto é ilu strad o n 'õ u iro lo ~ al, esta activ id ad e reflex iv a l d escrita co m o sen d f) aq 6 ilo 9ue dá
p ela p ercep ção de que o o b jecto b ran co v isto é o filh o d e D iares 4 5 .C o n tu d o ,
v ãT iaad é à v id a 4 ~ ,e ,av id :~ .~ iy in a é rep resen tad a co m o p u ro au to co n h ecim en to ,
de seg u id a 4 6 , estab elece um a d istin ção en tre: a) as p ercep çõ es tais co m o a
< iêõ i1 h et:;im en t~ d o co n h eçirn ~ n to » . 5 °l ..
d a d o çu ra p ela v ista, q u an d o as d u as q u alid ad es o co rrem co n ju n tam en te (q u er c 5 ) A d iscrim in ação en ú e o s' o b jecto s d o s d o is sen tid o s 5 1 , E sta d iscrim in a-
d izer, n u m o b jecto q u e v im o s e p ro v á m o s an terio rm en te, m as q u e ag o ra ap en as ção , m o st~ ~ -A risfó teles,'rião p o d e ser iev ad a a cab o ap en as p o r u m sen tid o , n em
v em o s); e b) as p ercep çõ es, tais co m o a d o filh o d e C léo n , p ela v ista. E m am b o s p o r am b o s o p eran d o sep arad am en te. T em d e ser a o b ra d e u m a ú n ica facu ld ad e,
o s caso s a p sico lo g ia m o d ern a afirm a a in terv en ção d a m em ó ria e d a asso ciação , o p eran d o num ú n ico m o m en to - u m a u n id ad e sin tética d a ap ercep ção , co m o
b em co m o a d a p ercep ção . O s caso s d iferem a resp eito d a co m p lex id ad e do que
fo i p o sterio rm en te d esig n ad a. f\ri~ _ t< ?.!-.el.e~ _ s~ g ~ ~ '::-,9
a !-1
sí~et~ s: ..~ _ ~ .t.rab ~ lh () ,~ ~ .
é ev o cad o p ela asso ciação so b re o estím u lo d a p ercep ção co n sid erad a. A o atri-
u m a faq Jlciad e n o p o n to d e v ista-d o lu g ar e d t:> n. ú ~ ero ? m ~ s" ap r~ ~ en .ta ,< :iiferen -
b u ir a ap reen são d o s sen sív eis acid en tais e co m u n s à p ercep ção sem reco n h ecer Ç 'ãS 'cfe asp ecto ou o p era,ç~ O . C o n tu d o , acrescen ta ele, se u m a co isa pode ser
d efin itiv am en te o p ap el d esem p en h ad o p ela asso ciação , A ristó teles d eix a por P õ i'é;;'cialm en te p reta e b ran ca, já n ão p o d e ser actu alm en te am b as, e d o m esm o
ex p licar (ap esar d e n o tar a su a ex istên cia) a falib ilid ad e d e tal p ercep ção , co m - m o d o , u m sen tid o o u u m ó rg ão ú n ico n ão p o d e ser q u alificad o sim u ltan eam en te
p arad a co in a p ercep ção d o s sen sív eis esp eciais.
p ela b ran cu ra o u d o çu ra, o q u e co n stitu i um a co n d ição p rév ia n ecessária p ara
3 ) A p ercep ção d a n o ssa p ercep ção 4 7 . S erá p ela v ista, p erg u n ta A ristó te- q u e p o ssa d estrin çar essas q u alid ad es. E A ristó teles ap en as pode opor a esta
les, q u ep erceb em o s.q u e v em o s, o u p o r q u alq u er o u tro sen tid o ? a) S e é p o r u m o b jecção a an alo g ia d o p o n to , o q u al é, sim u ltan eam en te, actu alm en te o co m eço
q u alq u er o u tro sen tid o , en tão i) u m a v ez q u e o sen tid o q u e p erceb e a v ista d ev e de um a lin h a e o fim de um a o u tra.
p erceb er a co r q u e é o o b jecto d a v isão , d ev em h av er d o is sen tid o s q u e p erceb em N o u tra p assag em 5 2 v ai m ais lo n g e e m o stra q u e a p ercep ç~ o sim u ltân ea
a co r; e ii) d ev em o s ig u aln G n te su p o r um terceiro sen tid o m ed ian te o q u al d e d u as q u alid ad es, em b o ra d e g én e~ o s id ên tico s (b ran co e p reto ), o u d e g én ero s
p erceb em o s a p ercep ção d a v ista, e assim a d in jin itu m , ch eg am o s, a lim ite, a u m d ife'ren tes (b ran co e d o ce), en v o lv e a o p eração do sensus c o m m u n is .
sen tid o q u e se au to p erceb e. S e ad o p tam o s esta ú ltim a p o sição , tam b ém p o d e-
5) .•A ri~ tó teles,afi!'m ª ..•q !t!= ..--ª_ il)ª,ctiv id ad .eJ i_ ~
..t p d q s ( ) 5 . s~ n tid o s n o d ~ .cu rsQ
m o s atrib u ir já ltsºn sciên £ ia_ º.ç_ ~ ~ 2 . sen tid o o rig i.H aL < !~ L y ~ b ) P o r o u tro d o so n o n ão . co n stitu i' u m a. m era co in cid ên cia, an tes sç d ev e à' in ãd iy id acie.
lad o , se ad m itim o s s~ '~ '~ lav istaq u e p erceb em o s"á n o ssa v isão , en tão , u m a v ez.
da fáéu ld àd ~ p e;c~ 'p tiv ~ cen tral, _ _~ a q u aL .rep rest':~ t~ ~ s d '~ ~ :~ :~ .éi~ _ çõ .e.s,5
_ _3~_ _
q u e p erceb er p ela v ista é v er, e q u e a v isão ap en as pode ter p o r o b jecto a co r o u in activ id ad ~ p ara a q u al ten ta en co n trar q u er as razõ es fisi().1 ó g icas 5 4q u er u m a
o s o b jecto s co lo rid o s, co n clu i-se que o que é o rig in ariam en te v isto tem d e ser cau sa fin al 5 5 . ." . ..,'
co lo rid o . A esta d ificu ld ad e A ristó teles resp o n d e q u e: I) « p erceb er p ela v ista»
co n stitu i um a ex p ressão m ais am p la q u e « v em . É p ela v ista q u e p erceb em o s a
48 C f P latão , C a r m ., 1 6 8 d , e.
49 E. N., 1170a 2 5 -b - 10.
. 44 425 a 15.
50 M e t.: 1074 b 34 .
45 418 a 21. 51 426 b 1 2 -4 2 7 a 14.
4 ó .4 2 5 a 2 2 -b 4. 52 De S e n s u , 447 b 1 7 -4 4 8 a 19, 448 b '1 7 --4 4 9 a 2 0 .

47 425 b 1 2 -2 5 ; D e 5 0 i1 1 n o , 455 a 1 2 -1 7 ; cf. 4 2 9 b 2 6 -2 9 , 4 3 0 a 2 -9 , so b re o au to co n h ecim en to 53 De Som no, 454 b 2 5 -2 7 , 455 a 2 0 -b 13.


da razão . 54 455 b 2 8 -4 5 8 a 25.
55 455 b 1 4 -2 8 .

148
149
A R IS T Ó T E L E S P S IC O L O G IA

IM A G IN A Ç Ã O transm itida, com o sangue, pelo «espírito conato», ao órgão sensorial actual,
o coração 59.
A s funções principais da q ; a v r a a la ,para além das interpretações da
A tingim os agora um a f~ g)lJdade que é, no pontO de vista de A ristóteles
sensação preseriIê~ 'são; '1) A {órriúição d~ 'illi"~ ge;:;sp;;;is't~ ~ té's: das'qu;is A ristó-
um a e~ pécie .d~ produt()de~ .i~ ~ ~ = d~ s~ ç~ _~ ~ _ <1- ~ abe;"~ -«im agl!i~ £.~ o» 56:
O .,~ e,nt~ do ongm al d e fJ la v r a a ta es,tárelacionado de m uito perto. com .õde tefes-~ êfere', quer a espécie positiva com o a' negativa 60. ." •

q ; a lP e a O a t, «aparecen> , e designa quer a' aparição de um objecto quer o ~-i)'A m em Ó ria. A ristóteles com eça 61 por enfatizar a referência à m em ória

processo m ental, o qual está para a aparição com o o ouvir para a produção dé' do pass';í< fÕ ;--eiii:fere ser esta um a função da faculdade pela qual percepcionam os

som . A este uso pertencem as passagens em que A ristóteles fala d" q ; a v r a a la o tem po, isto é, da «faculdade prim eira da percepção», o s e n s u s c o m m u n is .
com o obrando na presença do objecto sensíve.l, bem co~ o quando a distingue, A m em ória, acrescenta ele, é im possível sem um a im agem ..portanto, é um a função
P ?r exem plo, da opinião, fazendo notar que apesar de o sol parecer ter apenas a aãc!üerã"'parte da alm a a quepertencé' a im aginação. M as não é a im agem
dim ensão de um pé, acreditam os ser ele m aior do que o m undo habitado 57
pr-esente, m as sim o acontecim ento passado evocado pe.l.a m e.m órüi. C O ~ ,9 pode
istô"acontecer? A ristóteles afirm a que o que é produzido na alm a pela percepção
A pa.re.nte.m en~ e, isto ~ quivale a at!"i.?uir ~ .. q ; a v r a a la o J)apel, anteriorm en~
t:, at~ lbU ld~ a, sensaçao, deper~ eber os sensíveis com uns. E 'esta T ntefpreta~ tonstitui um a espécie de pintura ou im pressão do objecto dessa percepção, tal
çao e confirm ada por um a passagem 58 onde estabelece um a distinção entre com o acontece com um a im pressão dum anel de sinete. O ra, ao verm os um a
q ; a v r a a la a respeito dos sensíveis especiais, ,dos sensíveis acidentais e dos pintura, poderem os afirm ar que nos tornam os conscientes do seu originaL Do
sensíveis com uns, e na qual refere que,. enquanto no prim eiro caso a m esm o m odo, é possível, ao estarm os conscientes de um a im agem , estarm os cons-
q ;a v ra a {a é infalível desde que em presença da sensação nos outros dois cientes dela com o representante d e algo, e de algo p a s s a d o . Q ,I,l~ !ldoestij,(),preenchi,-

está sujeita ao erro, m esm o na presença da sensação. E st~ facto equivale a das estas duas condições, não possuím os um a m era im agiriação, m as um acto m ais
reportar à q ;a v ra a {a o trabalho de apreender os acidentais, 'e m esm o os êõm plexo designado por m em ória. Q uanto m ais perto estivere~ ' es'tas duas opera-
, sensíveis especiais tanto com o os com uns, bem com o a reduzir a sensação ao çÕ es, acrescenta ele, m aior é a possibÜ idade de se ter um a' im agem m nem ónica,
plano de um a m era afecção passiva, a qual tem de ser interpretada pela tornandó:-a por um a m era im agem , ou, inversam ente, de se ter um a m era im agem :
q ; a v r a a la antes de poder dar qualql!er inform ação, exacta ou falsa, sobre os t< > ii1ando-a por um a im agem m nem ónica: '
obJectos. ---"Da m em ória, A ristóteles passa à rem iniscência 62, distinguindo esta quer

C ontudo, na m aior parte dos casos, A ristóteles descreve a im aginação de d.l!.Jnem ::q~ ªâáctilal contínuaqlJç:r q~ ,rç:ç9rdaç1ío do já co~ plétá~ ~ nté-êsquecidó.
um m odo q~ e não im plica um a tal inversão da sua doutrina da sensação; e A rem inis~ ência'- éa~ âct~ ~ Íização, com o~ sem e~ forço, da m é'm Ó ~ ia tornaC '
podem o-nos m terrogar se estas passagens que acabam de ser referidas represen- dã-Si'm'-p l~ sm e~ te -potencial:'_j~ to."'é,'d ~ 'n;ª- I:~ ~ o'~ daçãp .êl uS C ,Q
t~ .d~ ':consciênc:"ia,
Õ 'prm 9piõ~ J(P I!Ç ª1i"-Q _d.o. ac~ o.dç rem iniscência reside no facto de os m ovim entos
tam o seu verdadeiro ponto de vista. U sual.~ ~ !!t_t..= J.!i_9'~ V T açla.,é".dÇ ~ f!.~ t;,t
c~ ~ .?. operando apenas ~ pq~ o.desaparecim ento doobjectosensíveL ' O «m ovi- < !eixâd~ s "n()~ .pos~ .os._.9.rgii12S
.pélas. percepções t~ nderem para se~ sucede,r s~ g~ ndo
m en~ o da. alm a através < f,o.cO !g?;> ~ êonstl"tütrvo "d;; percepção, produz uina~ ~ pe;: um a'ord~ rp r~ K lJJ~ r. -A. associaçã09e.i< iei~ s - pois é distó que esta"passagem nos
cussao, slm ~ ltaneam ente, no corpo e na alm a - apesar de, no que respeita à iõm ece-~ m a das prim ~ I;:as'form ulações 63_ procede por sim ilittide, por con-
trariedade ou porcontiguidade; a rem iniscência de um objecto tende a suceder-
alm a,~ o.efe.lto ser po,tencial.~ ~ ,~ ~ i!.l~ eryeºçªQ ~ .!'-f~ m lIiiscência, qu~ r.,ºlzer~ '
C :O ~ ~ tltU l,nao. um estado de consciência, m as. um a m odificação inconsciente do -se a um a rem iniscência de um seu sem elhante, ou de um seu contrário, ou de algo
espírito. M ai~ tarde, logo~ q'u'e, 'põr:-éxem pi~ , se dã .;;:s~ ptêssã~ d~ s-e~ ~ ação no que lhe era contíguo na experiência originaL E ste princípio que opera na rem i-
sono, o m ovim ento torna-se actual', isto é, form a-se' um a ,im agem sim ilar à niscência involuntária, constitui o guia a ser adôptâdó'í1arem iniscê!lciavohintá.
.....""'--._,. .... ,_.:- ~...•..... -'- .' .. -'~" ~. - ~.. ~ '- .. -. .,- .. , .. --~ .. -. .,.,., --- , -~-,_ ...•.• ~
sensação: e~ bor~ m :nos viva e m enos digna de confiança enquanto guia de um
f~ cto obJectlvo. ~ J!lstO .que consist.c: ,~ ..êÇ ~ iL 9."L .im agin4.ç.ª9.A condição fisioló-
59 D e I n s o m n i i s , 459 b 7, 461 a 3-8, 25-b I~ ; P.A., 659 b 17-19; G .A ., 744 a 3. S obre as razões
gica deste fenóm enositua-se na repercussão no órgão sensorial a qual tem de ser
que' levam A ristóteles a considerar o coração; e não o cérebro, com o o órgão sensorial central, cf.
D e S o m n o , 458 a 15; D e J u v ., 467 b 28 segs.; D e Vila, 469 a 4.23; D e R e s p .; 478 b 33 segs.; P .A ., ,
666 a 14 segs.; G.A., 781, a' 20 segs. S obre este problem a m ostra-se r~ trógrado, e o seu ,erro
atrasará o conhecim ento durante séculos.'
60 D e ln s o m n iis , 459 b '5 segs.
61 D e M e m ., I. S obre a teoria aristotélica da m em ória e da rem iniscência, cf. B ergem ann in

56 427 b 27 c 429 a 9. A rch. f G e s c h : d . P h i / ., V III, 342-52..

, 57 428 a 24-b 9; D e I n s o m n i i s , 458 b 28, 460 b 3-27. 62 D e M e m ., 2.

58 428 b 18-30, 63 N um a certa m edida, A ristóteles é antecipado por P latão, Fédon, 73 d-74 a.

150 151
A R IS T O T E L E S
P S IC O L O G IA

ria. A ristó teles fo rn ece um a ex p licação d etalh ad a e in teressan te d o p ro cesso de em m o v im en to se eles p ró p rio s fo ram p o sto s em m o v im en to p elo o b jecto de
rem in iscên cia e do p ap el n ele d esem p en h ad o p elo sen tid o da d istân cia no d esejo , de m odo q u e ap en as h á aí u m a facu ld ad e real q u e n o s im p u lsio n a ao
tem p o . m o v im en to , a sab er a d o d esejo \N o en tan .to , .9 . ..c !~ s..ej~ L ~ L Q ~ .< :iu as~ sp écies:a
3 ), ..9 s . ~.çm h9~ 6 4 . O facto d e o co n teú d o d o s so n h o s ser sen sív el, ap esar de v o n tad e.-º.!1 ..q e~ _ ej< ?r acio n al, q u e d tsej;;-õ ~ 'b éII1 ; e o ap etite o u d esejo 'irraC Ío n al,
o s p ro p rio s sen tid o s p erm an ecerem in activ o s (p o is A ristó teles n ão reco n h ece o iU e d ~ iet~ ..o ~ ~ ap ar~ n ~ e/C ?u , p .arat< lIn b ~ ~ .~ x p .~ } .m ~ r à a~ ií~ e,se.'a v o rit< ;t.ct~
t e~ '
co n trib u to d as sen saçõ es p re se n te s n o fab rico d o s so n h o s), d em o n stra, seg u n d o R o r d esejo o b em (u tu rô , en q u an to o ap etite rep o rta-~ ~ ao p razer p res~ n te
ele, q u e o s so n h o s são o b ra d a im ag in ação , isto é, são u m p ro d u to d eriv ad o da c~ 'n fu ~ d id o ~ o m o p razer ab so lu to e co m o 'b .em ab so íl'ito .-P o < ie'n ío s 'd istlI1 gl.1Ír
sen sação an terio r. N a au sên cia d e estím u lo s ex terio res, o esp írito fica m ais liv re . < iétro '~ ~ isa,s.n o ~ o v im en to d o s an im ?-is< > (:1):0 o b jecto v is~ d ~ ,'q ;';e ~ ó~ ~ ,~ ~ tii
p ara p restar aten ção às ,im ag en s e, ao m esm o tem p o , m ais su jeito a ser p o r elas . ser m o v id o ; 2 ).a facu ld ad e d e d esejo , q u e m o v e p elo facto d e ser m o v id a; 3) o
en g an ad o , u m a v ez q u e,a))n ão t~ ,!!1 ,co m o n o estad o d e v ig ília, o p o rtu n id ad e de an im al q u e é ~ o v id o ; 4') o ó rg ão co rp o ral p elo q u al o d esejo m o v e o an im aI;isto
test~ r um sen tid o por o u tro ; e ;b n a facu ld ad e crítica en co n tra-se em su sp en so é, u m ó rg ão q u e, en q u an to ele p ró p rio p em an ece em rep o u so (sen d o ap en as
?ev ld o à p ressão d o san g u e so b re o .Ç ~ 9 ão , o _ Q I:g ão .cen tral d a p ercep ção . Por « m o v id o » p elo d esejo n o sen tid o em q u e so fre u m a m u d an ça q u alitativ a), m ove
Isto , n o so n o , to m am o s h ab itu alm en te as'im ag en s por p e'rcep çõ e's;'-é p ro ced er as p artes ad jacen tes p o r in term éd io d e u m em p u rrão o u d e u m p u x ão . A ristó te-
d este m o d o é so n h ar. les ilu stra este facto co m a acção d as articu laçõ es, n as q u ais u m a d as su p erfícies
A ristó teles acrescen ta à su a teo ria d o s so n h o s um a in teressan te d iscu ssão co n tíg u as se en co n tra em rep o u so e a o u tra em m o v im en to ro tativ o , isto é,
d a A d iv in h a ç ã o n o so n o , n a q u al m an tém um a ad m iráv el o scilação en tre a é sim u ltan eam en te em p u rrad a e p u x ad a 6 9.. l'v 1 as o ó rg ão q u e, em Ú Jtim aªl1 ª'-isJ< ,
cred u lid ad e e o cep ticism o ex cessiv o . p ro d u z o m o v im en to é,..p aril ~ le, o co ração , o . q u al co n stitu i.o n ú cleo ~ e to d o o
4 ) _ ~ .jrp .ag in ação t;n l r:e1 ação ao d esejo e 5 ) a im ag in ação em relação ao co rp o , o p o n to n o q u al a alm a actu a so b re o co rp o 7 0.
p c:: n sa I1 ].en to d ev erão ..seI:m elh o r tratad o s q ú an d o Tiós referirm o s"à'9 (j"ésej~ -~ ~õ'" . '\A ssiJ;1 1 , o d esej~ .é.~ L ~ alg ;a,.g 9 .rn .9 y i~ e_ n ~ 0 '~ ?!1 t~ d ~ , d e~ ejo . p res~ u p õ e a ?
p en sam en to . Im ag In ação d o b em .o .u . o .,p razer. a.ser atIn g ld o ...,..,a Im ag m açao , q u e p o d e. ser
~ l~ u lativ a (isto é, d elib erativ a) o u m eram en te sen sitiv a 7 1 . N o ú ltim o caso , o

O M O V IM E N T O
an i~ al ag e so b re~ a~ ~ ~ g ~ s < ;i~ ~ iiri~ çõ és» d esd e o m o m én to em q u e estas lh e
su rg em (e, n este sen tid o , tam b ém o s an im ais in ferio res p o ssu em im ag in ação e

A s q u at!:£ ~ ~ llS :õ es p rin cip ais reco n h ecid asp o r A ristó teies fo ram a d a n u tri- d esejo ) .. ~ L Q ._ p _ rim eiroc< l~ ~..o
, ~ .p e,n .s..i m ~ g in ,< l.4 .o ssã,Q _ m ,eQ i..q 2...P
.~ .9 Lc9 I} y .a~ t~ ,l:m s
~ o ,~ ~ i:"l;f~ ~ ~ I1 .~ ~ ..£ .~ o :'ã(jõ '.m ó v lm en io ' e --a ..~ o p en ;;~ ~ ~ t'~ .~ 5 .' A ti;g ilT lo ; ~ ~ o -r;-; co m o s o u tro s.E X istém três p o ssib ilid ad ~ ~ :)J)A . acção irracio n al p ro v en ien te d o
terceira d estas fu n ç.õ ésÕ 6 ~ "S era'ó "'m o v lm eiIto o rig ln ac{ C ;-p éla to talid ad e d a alm a, ap eT ile;'í)\ v it6 rl'a aT tern ad a d o ap etite so b i-~ a v o n tad e e d esta so b re o ap etite

ou por alg u m a d as su as p artes, e, n este ú ltim o caso , será por um a su a p arte (isto é,'-a' in co n tin ên cia 7 2 )/W a acção p ro v en ien te do d esejo « n atu ralm en !e

d istin ta a q u al n ão p o ssu i q u alq u er o u tra fu n ção ? É claro q u e, n ão se .d ey £ à su p erio r» , a sab er, a v o n ta~ 7 J.
E n tão , o ..< !~ sejo eo m o v im en to d Q ._ Ç .9 f1 ?.o
p o d em ~ ~ ry is.to s,C O m 9 ~ feito ~..
!~ ~ ~ ~ ~.'3.,~!:r~tJ':,a,
~ p .?i~ g k ~ g ~ ~ s~ .s~ E JJ?:e ~ .u m f~ ~ , e~ ilv .3 > !V e~ 9 u t;L '!,
im .1 i..g ~ ~ açã;;-
secu ii.ããi:iQ s" d a s~ ~ S à:çãõ :-A sq u aú õ ~ f;cu ld ad e~ " p r"liici'p iis..red u zem -se assi~ ~ '
q u ero d e~ eJ.?, e, p ara alem d lst9 '.'l.~ y "h ln ~ as 'iJ.ãô à p o ss.u em .J~ iem se d eveà .ft 1 zã Ó,'
p o is a razão , m ~ sm o q u ~ .!!< :iop en sa q u e alg o d ev e.ser.ev itad o o u p rO S .1 !raq .o ~ '~ em ':::-
tI1 s: ";'n u triçã;;:-~ '~ ;n s~ 'ção
~""<-" --".-.-.
êü p~~s'à'~;';t~'.
T r~ t~ ~ e~ ()!'_ iIo g Q ;a.destã::i:ííti.m a"i4:
-- .• ".~ .••.••...•••..•....
-

sem p re n o s irn P l:llsio n à.~ .!iss!m p ro ced e~ ~ fectiv am en te; eril to éfü "'(;caso , o d ~ ;;jo
p arece n ecessário . N em se d év e~ ~ :'(le"fõ 'in laseg u ra,-;;:~ 'des-;jo, p .o is.q ~ ~ d .o se
p o ssu i o co n tro lo 'd e si'- a razão o b ed ece co n tra o d esejo } .
~ ?tão , p rim a fa c ie , as c~ u sa~ .A o .rrI0 y i1 1 ]~ .!.l.!..o
~ õ n stitu em -se p elo d ese'o e
p elo p éIlsáin erlío p r~ ti~ _ o Jse p o d em o s co n sid erar a im ag m açao co m o u m a fo rm a
de p .en sam en to ) 6 7 . C o n tu d o , o p en sam en to e a im ag in ação ap en as n o s p õ em

68 C f. a an álise d 'a n u trição , 4 1 6 b 2 0 -2 9 .


69 P h y s., 2 4 4 a 2 ; M .A ., 6 9 8 a 1 4 -b 7 .
70 P.A., 6 6 5 a 1 0 -1 5 .
64 De In so m n iis, 1 -3 .
71 4 3 3 b 2 9 , 4 3 4 a 5 -1 0 .
654 1 3 a 2 3 , b 1 1 -1 3 .
72 M ais p ro p riam en te, n a lin g u ag em d a É tic a , altern ân cia d a co n tin ên cia e d a in co n tin ên cia.
6 6 III, ~ .
73 4 3 4 a 1 2 -1 5 . .
6 7 III, 10.
74 IlI, 3 -8 .

152
153
A RIS TO TEf.ES P S IC O L O G IA

PEN SA M EN TO veI. b ) A quilo que é in d iv is ív e l em e s p é c ie , um a in fim a s p e c ie s , a qual é igual-


m ente apreendida num tem po indiviso e por um certo indiviso da alm a.
9 pensam ento.é receptivo à form a inteligível do n:esm o m odo que asensa- íc»A quilo qúe é in d iv is ív e l e m g r a n d e z a , por exem plo, um ponto, o qual é conhe-
ção o. é àJorm a sensível 75. N ão pode ter urrui"form â--ilO sitlva de si próprio pois" ~do por um acto de negação. O ponto apenas é conhecido com o tratando-se

isto im pedi.-Io-ia de. se assim ilar ao seu objecto:~~.ll~.~nica niltureza é a de ser daquilo destituído de com prim ento, de largura e de profundidade; a linha, com o
aquilo destituído de largura e de profundidade; o m om ento, com o aquilo desti-
llm a C apaC I?:l:<t~ ..! .W Q..!.,~P:~~ n~~_~?<: .~ctual antes de. p'ensar .1'õr isso, deve ser'
totalm ente Independente do corpo. Se não o for, deve exis\ir um a qualidade tuído de duração, etc. _~_ªR .rç;o~lJ,~;,i.(.u1~~t~s
difen:ntesespécies ..deoobjectos indivi-
particular
- .
anterior
!:,~essencIa, .en,qu.anto a sensação
ao pensam ento actuaI. ..É a faculdade
é aquela
. -pela qual
"

apreendem os
.----..
pel;:cquaLapxeendem os
a-essência
sos_= __ à . q~alpodem os
õiitro tipo de
cham ar intuição dirçc~
conhecim ento,
-::-, A ristóteles distingm (i)
o juízo, que une dois c~;.}ceitose:'a~"m esm oie;;';'po,
o

incõ-r'põrãa'a'~nà 'm atÚ ia~ . .'. . -- analisa um todo dado nos seus dois elem entos, o sujeito e o atributo. E, do.
'o' Podem levantar-se duas objecções a esta explicação. I ~ Se a razão não m esm o m odo que se estabeleceu a distinção entre a percepção infalível dos
possui nada em com um com qualquer dos seus objectQ ~, com o pode conhecer- sensíveis especiais e a percepção falível dos sensíveis com uns e acidentais, tam -
será o conhecim en,t..~ um m odo de ente em acção? 2):Se a razão é ela própria bém aqui A ristóteles observa que enquanto o juízo é falível, a intuição directa -
cognoscível, entã~' a}l.se o é pela sua própria natureta'específica, e se o cognoscí- a apreensão da essência de um objecto único - já não o é,
vel é todo uno na espécie, então as outras coisas que são conhecidas devem -no D e s~guida, A ristóteles m ostra de que m odo a razão se encontra relacio-
ser através de um a m istura nelas de razão; en ruanto" b)/.se n ã o for cognoscível ~g-ª_ocom aim agin.ação 77: .V lU o.pensam ento nãó éum álm agê"~;:m as" não
pela sua natureza .específica, deve possuir em si um a'1ÍÍ.istura da qualidade que p()<!em ~~~.!!sar sem im agens 78. D e form a m ais precisa, «a faculdade do pensa-
torna as outras C O Isas cognoscíveis. A ristóteles resolve a prim eira destas dificul- m ento p'~.flsa.as form as n a s im agens» 79. U m a im agem é um a ocorrência. m ental
~~.aN ~S,
,tal c~m ,o. o fez a re~peito do prõblem aslm ilàrda iúitrição, °di;end~ q~-;a ~ticuJ~.E.c...!.<'!Jcol1).oum a sensação. ~ _ p .- ; ~ ~ a m p ) tQ .o.c.orreprim eiro. quando o
r;lzao e, ono InIC IO , potencIalm ente idêntica aos seus objectos (do m esm o m odo espíQ .t.9..discerna um ponto de identidade entre. duas ou .m ais im ag~ns ~o. M as,
que um pedaço de cera contém potencialm ente aquilo que posterio~m ~nte vai ser m esm o quando U m universal foi apreendido desse m odo, a d~utrina de A ristóte-
~el~. inscr~to),'.~ apenas se torna' actualm ente nos seus objectos qu~ndoos les defende ainda a necessidade de um a im agética pelo espírito. «A alm a n u n c a
pensa sem um a i~33.:,g~!.lUA~:.
ssim com o, na dem onstração geom étriêa:ãpesã;:'>d~
çonhece: ~_~!.& ~fldatEes.!'.?~de pela a.:ceitação, num certo sentido, <!.a.~~g~p.da
~~!~!:.~~~~v.a.
PE~posta - .~EI!:~':l.q ~~.oespírit(). é ~ogn()scível no nW .~m º'gr~ dos
não fãie-firios us'ü
de um tam anho particular de triângulo, desenham os um com
seus ..?bJectos .. A o. conhecer as form as im ateriais; o espírito ..Lllno com Q s~u um a determ inada dim ensão, tam bém no pensam ento em geral, apesar de estar-
~~.@ .~.t?~'A 'totã1ioade' do'espírito é preenchida pel~t'odo do objecto, não ex-i~- m os a pensar em algo.de não quantitativo, im aginam os de igual m odo algo de
tm do ~a.da no ob~ecto que o espírito não possa apreender, nem nenhum a parte quantitativo, e. se o nosso objecto é algo de quantitativo m as indefinido,
do esplnto que nao possa ser ocupada pelo objecto. A ssim , ao conhecer o seu im aginam o-lo com o sendo de um a quantidade definida, N ada pode ser pensado
.ot>j~.?tQ q ~spíritQ con!lece-se~os~J~róR rio. Então, o.esp"írítop6ssui-em si a ~esrrià senão em conexão com um contínuo, e nada, de igual m odo, m esm o que indepen-
quahdadequ~. t()rna as outras cooisas cognoscíveis, m as isto 'constitui um não dente do tem po, pode ser pensad'o sem ser por referência ao tem po 81. A ristóte-
elem ento estranho a si, m as antes a quaI1dad~'d;;-ser um a form a sem m atéria les parece situar-se aqui contra o ponto de vista de Platão, ponto de vista este
co~stitutiva d~ natureza essencial do espírito .. Por isso, pod~m 9S rejeitar a pri- expresso na Linha D ividida 82, e segundo o qual, enquanto o pensam ento

~<l ..~lterlla~Iva. A s cois<l;s.~~teriores não PO ~~:~épi"em "si espírito: ii~ezquê' científico necessita qa ajuda dum a im agética, o pensam ento filosófico ocupa-se
com as form as puras, sem ' qualquer ajuda deste género. O uso da im ag~tica
~~o cO ~~~..?~,~cretas eiri'o~~~..lis form as apenas e.st~c.;::~.!!~plici!-ª...m enteI:!-ies~A , o
enquanto e as form as puras que o espíritó"epotenci.atm en~dêntico._ rep!(:o~ç.P1a-ü.-..2!..~ç2.2.._~nt-ª-_ I\ri~tóteles, ..q ue araião tem o de :pag'âj2"
P~~!;.star'
~..às..fª.çl}!~ê!i..(:~m ~~tais- i~feriores. . ..
O .'p.~_~~~~~.nto divide-se e~. ?uas espéc.ies principa~i6LY '<J~~sam ento
~o ~~e e m Ô lvIso, na qual A nstoteles consIderaM aquIlo que é a c tu a lm e n te
m c :/ v 1 s o e m q u a n tid a tJ .e ~pes~r de divisível, isto ~,..'as grandezas nas quais, se
qU lserm ?S, podem os dlStIngU lrpartes. D esde que asssim procedam os; estas são
apreendIdas por um acto único do espírito num tem po indiviso, em bora divisí- . 77 111, 7,8.
78 427 b 14-16,431 a 16,432 a 7-14; D e M e m ., 449 b 31.
79 431 b.2.
80 434 a 9. C f. A n . P o s t., 100 a 4-16; M e t., 980 b 28-981 a 12.
75 111, 4. 81 D e M e m ., 449 b 30-450 a 9.
76 IlI, 6 82 R e p ., 510 b-511 d.

154 155
f

A R IS T Ó T E L E S P S IC O L O G IA

A RAZÃO A C T IV A E P A S S IV A 8 3 ..Q ~ _ jllg Q ...q ,~ _ st< tjL e .!T I a c to J> R 7._.~ .. ~ ~ V i9 q u e chegam os a o c o n h e c im e n to de
c o isa s que, no se n tid o o rd in á rio , não c o n h e c ía m o s a n te rio rm e n te . C om o,
F in a lm e n te , devem os c o n sid e ra r o p o n to m a is im p o rta n te d a p sic o lo g ia de in tÚ f9 g a -se A ristó te le s, pode isto p a ssa r-se ? N ão im p lic a rá a tra n siç ã o do
A ristó te le s. «D eve h a v e ~ » , su ste n ta e le 8 4 , <mo in te rio r d a a lm a um a d istin ç ã o ' c ~ n h e c im e n to p o te n c ia l a o a c tu a l a e x istê n c ia d e a lg o e m n ó s < :J.u jeá c o n h e c e
c o rre sp o n d e n te à d iS tín ç ã o g e rà I e n ú e a m a tid a q ú e se ~ y e d e b a s~ a ê a d à é fà sse "ã ê ii;;l'm e n t~ , q u a lq u e r e le m e n to e x c lu íd o d a n o ssa c o n sc iê n c ia o rd in á ria , d e ta l
d e c o isa s, e é p o te n d a lm e n te c a .d a 'ü m a 'd e la s, e a ~ a u sa e fic ie n te que as r'~oduz -m o d O q u e n ã o e sta m o s c o n sc ie n te s d e ste c o n h e c im e n to p re e x iste n te , m as que,
- d istin ç ã o e sta d a q u a ia e x iste n te e n tre a a rte e o ~ e u m a te ria l re p ,re sê n ta 'u m " p e lo m e n o s, e sta b e le c e u m a q u a lq u e r c o m u n ic a ç ã o c o m a c o n sc iê n c ia o rd in á ria
m e ro e x e m p lo » . D evem re fe rir-se a q u i d u a s c o isa s{ l), A d istin ç ã o e n tre a râ'Zãõ o u ra z ã o 'p a ssiv a , c o n d u z in d o ~ a a té a o c o n h e c im e n to ? E quando A ristó te le s se
a c tiv a e a p a ssiv a * c a i n < )'in te rio r d a a lm a 8 5 , Istó é fa ta l a q u a lq u e r in te rp re - ,re fe re lS g --a o s m o m e n to s nos q u a is podem os v iv e r um a v id a se m e lh a n te à de
ta ç ã o que id e n tifiq u e a ra z ã o a c tiv a com a ra z ã o d iv in a , c a in d o in te ira m e n te D e u s, d e v e (se g u n d o e sta in te rp re ta ç ã o ) e sta r a p e n sa r n o s m o m e n to s em que a
fo ra d a a rç a d á d ó se r h u m a n o in d iv id u a l, m a s n ã o 'à q u e Ia q u e v ê n a ra z ã O àEi'ivã se p a ra ç ã o e n tre ra z ã o a c tiv a e p a ssiv a é c o rta d a , e e m q u e n o s to rn a m o s c o n s-
\im a 'ra z ã o d iv in a im a n e n te à s a lm a s h u m a n a s. A p rin c ip a l d ific u ld a d e com que c ie n te s d a n o ssa u n id a d e a re sp e ito d o p rin c íp io p o ssu íd o p o r u m c o n h e c im e n to
se d e b a te e ste ú ltim o m odo d e e n c a ra r o p ro b le m a , re sid e n o fa c to d e a ú n ic a se m p re a c tu a l e c o m p le to .
p a ssa g e m na qual A ristó te le s tra ta e x p lic ita m e n te d a n a tu re z a d iv in a - liv ro A D e a c o rd o com e sta lin h a d e ra c io c ín io , a q u ilo so b re q u e a g e a ra z ã o a c tiv a
d < :!;M e ta físic a - d e sc re v e D eus em te rm o s que não su g e re m a im a n ê n c ia , é c o n s1 liU :id o p e la ra z ã o p a ssiv a , a q u a l é u m a e sp é c ie d e rp .a te ria l p l~ stic o no'
2 )'A ra z ã o a c tiv a n ã o é u m a ra z ã o q u e c ria a p a rtir d o n a d a . T ra b a lh a so b re u m 'q ,u a l a r~ z ã o a c tiv a im p rim e a s fo rm a s dos o b j'e c to s c o g n o sc ív e is. M a s, na
m a te ria l que lh e é d a d o , e q u e e le v a d a p o te n c ia lid a d e à a c tu a lid a d e ,,~ 6 , O q u e m e sm a (ra se , A ristó ú :le s in tro d u z u m a o u tra lin h a d e ra c io c ín io , a q u a l p a re c e
p re te n d e sig n ific a r por isto é a lg o q u e te re m o s d e v e r a p a rtir, d a sc .o n c .!u sõ e s, te r sid o su g e rid a p e lo u so que P la tã o fa z d o so l c o m o sím b o lo da Id e ia de
« E x .i~ te u m a ra z ã o » , p ro sse g u e A ristó te le s, « a n á lo g a à m a té ria , p o rq u ~ S c :, t9 rn a D e u s 8 9 . U m a d a s ra z õ e s é a n á lo g a à m a té ria , p o r se to rn a r e m to d a s a s c o isa s;
t'o d a s a ~ c o isa s; e u~a o u tra a n á lo g a à c a u sa e fic ie n te , p o rq u e p ro d u _ z to d a s as a o u tra é a n á lo g a à c a u sa e fic ie n te , p o r p ro d u z ir to d a s a s c o isa s, à m a n e ira de
c o _ i~ a s» .A 'p rím e ir'ã a e sta s'd ú ã :s-a firn ia ç õ e sre "(~ r:e ~ sé à a .c ç ã o .o ,id jl1 ªria d a ªp re e n - '
um e sta d o p o sitiv o se m e lh a n te à lu z . C om e fe ito , num c e rto se n tid o , a lu z
~ ã o , D ~ ~ e sm o m o d o 'q u e a fa c u ld a d e se h sitiv a se id e n tific a com o s se u s o b je c ": p ro v o c a a e x istê n c ia a c tu a l d a s c o re s que a té aqui e x istia m p o te n c ia lm e n te .
t< ;~ : n o se n tid o e m q u e a su a fo rm a é tra n sm itid a a o su je ito se n sív e l to rn a n d o -se , A lg u m a s d a s c o n d iç õ e s d a c o r e stã o p re se n te s n o e sc u ro , m a s p a ra se p ro d u z ir a
por um m o m e n to , to d a a n a tu re z a d e sse su je ito se n sív e l, a ssim ta m b é m , no v isã o a c tu a l d a s c o re s é n e c e ssá ria u m a o u tra c o n d iç ã o , a sa b e r, a lu z . A ra z ã o
.,c o n h e c im e n to , a ra z ã o to rn a -se id ê n tic a a o s se u s o ~ je c to s. O a c to d e a p ~ ~ ~ ~ sã O ê
a c tiv a e stá p a ra 0 in te lig ív e l com o a lu z p a ra o v isíy e L A a n a lo g ia d ã h ii nãO
~ ir.ib Jjid o , e n tã o , à r;'lz ã o p a ssiv a . Q ual é o papel a trib u f< fá à d ú :ã o a ç tiv a ? Em' d e v e 'se ~ "t~ m ;:d ~ d e ;;';u 'ito p e rió : A ra z ã o a c tiv a n ã o re p ~ ê s"e n ta 'u m m e io e ritie a
ql,l<;: 's,ê ~ tfd ~ p ro d u z e la to d a s a s ,c o isa .s? A a rte p ro d u z o s se u s o b je c to sJ~ z e n d ,O o
t:.~ Z ã o p a ssiv a e o se u -o b j~ ~ to ~ ~ e g u n d O A ristó te !e s,_ o c o n h e c im e ~ to é u r~ a
m i!!~ ~ ia l to rn a r-se n e le s, E se a a n a lo g ié l: p O d e c 2 .,!sJ~ < :.!"_ a ,["~ ~ e .e )ç a .c ta .,-~ :u ? ªp e l..d a re la ç ã o d ire c ta , e não m e d la d ~ C o n tu d o , a p e sa r ,d e n a o se r u m m e lO , a ra z a o
'ra z ,ã .Q a ç tjy a ,d e v e se r o d e fa z e rç o z n ,q u e a ra z ã Q ,p a ssiv a .se to rn e .n Q :L o .h je ç to s'" ~ e tiv a c o n stltu i':'se com o um t~ rc ~ i'rô "e ie m e Q to , p a ra a lé m d a ra z ã o p a ssiv a .e
~ e d ia n te a su a a p re e n sã o . A ssistim o s a q u i'â u~;;a p lic a ç ã o d o p rin c íp io g e ra l d e
dôo o b je ~ to , o q u ~ l d e v e se r le v a d o e m c o n ta s.e .,,,~ e !.:~ £ .~ .~ ? ~ p ~ ~ .e .n d e r o C O - .
'A ristó te le s
.
se g u n d o o q iIa l « o q u e é p o te n c ._-_
ia lm..e_.,---~.""
,
n te t_ o rn ~ .~ ~ e m -._-
a c to .. p_.~
e la .a c ..ç ã o rih e c im e n to , d o m e sm o m o d o q u e a lu z C O P S tltU lu m !e I,:c e lfo e le m e n to , p ,a rª,
iíéfu da v ista e do o b je c to , q u e d e v e se r le v a d o e m c o n ta se q u e re m ,Q s C .O m -
p re 'é n d e r ,o fe n 6 m é h o d a v isã o . A lú i: é a c o n d iç ã o d e u m m e io q u e fo i to rn a d o
83 Aristóteles fala da «razão passiva)) .mas, de facto, não utiliza a expressão «razão activa». , á C iü a lm e n te tra rtsp a re rtte p e 1 a p re se h ç a de um ilu m iIla º!.{ :~ 9 ~ ~ ..é ._..~
~ ~ <..I.a c !u a li-
84 111, 5.
dade q u e p e rm ite à v ista q u e p o d e. y e r, v e r re a lm ~ Ilte ,e a o o b je c to v isív e lse ~
• R o ss
fa la a q u i d e rea so n (ra z ã o ) a p e sa r d e o te rm o e m p re g u e p o r A ristó te le s se r
ré ã lm e n te v isto \p e m odo sim ila r, o fa C to d e 'á ' ~ ã z ã o a c .~ _ i~ I!~ 0 _ ri!t~ { :c ~ fJ6 a õ ~ .~ s;
É V 't'E À .É X E Lal, o q u a l, p o r v ia la tin a , é u su a lm e n te tra d u z id o p o r « in te le c to » . N o e n ta n to , a q u i
tra ta -se d e tra d u z ir R o ss e n ã o A ristó te le s. D a í te r-se o p ta d o p e lo e m p re g o d o te rm o « ra z ã o » e m v e z
o b je c to .~ ,in te lig íV 'e is to rn a p o ss} v e l, à ra z ã p P < i.!'s.!y a,e, m ,S I m e sm a -u m a p o te n ~ la X !:.l

---.... _ •..•..~ ..~._~-


d e « in te le c to » . É d e re ssa lv a r, c o n tu d o , e sta p 're c isã o h e rm e n ê u tic a , n o q u e d iz re sp e ito a o p e n s,!, d a d e ,o conhecer a c tu a lm e n te , e à a c tu a lid a d e c o g n .? -~ c í~ L o . ..~ _ ~ .r,.~ .o n h e ~ ~ a i '
. . . .". ,----.- .-
m e n to d e 'A ristó te le s. (N. do T.).
851É v 't'i'í ljIuxi'í p o d e a p ~ n a s q u e re r sig n ific a r < m o c a so d a a lm a » . U m a ' u ~ iã o .te m p o rá ria
d a s d u a s ra ~ õ e s n o in te rio r d e u m a p e rso n a lid a d e é im p lic a d a p o r X w pLcredç \ I. 2 2 . D o
m e sm o m o d o , T e o fra sto a firm a (a p . T h e m ., 1 0 8 , 2 3 ) \\.LE LX 't'O V yáp 1tW ç O voüç E X 't'E 87 M e t., 1049 b 24.
:roü 1tO LTl't'LX O ÜxaL 't'O ü Ó U V ci~E L 88 M e t., 1 0 7 2 b 1 4 , 2 4 ; E .N ., 1 1 7 7 b 2 6 -1 1 7 8 a 8 , 1 1 7 8 b 1 8 -3 2 .
xo A ssim : T e o fra sto d e sc re v e () V O Ü c; 'le tiv o c o m ,) 6 X W ~V , o que o b rig a o ';oüç p a s- 89 R e p ., 5 0 7 b -~ 0 9 d ,
S iV O a o p e ra r (a p . P ri,l(,, 2 9 . 1 4 , a p , lh e m .. 1 0 8 , 2 4 ), 90 418 b 12.

156 157
I
ARISTÓTELES PSICOLOGIA

«A razão activa», continua A ristóteles; «sendo [isto é, por que é] um a actuali- ~o~.~~~<!o_seJ:l.p~ss uidor'l1(llI}~~}~~_.9~(~s..!~~~jJ.o.~':I.i: I;,poI:,iss.()
dade, é se.parável, im passível e sem m istura, pois o activo é sem pre de m aior que 9l,!llnd.2,o ,slljcjto.per.ece,deixade te~ quer m em ~~ia qllex am or; P9i~t:.stes
valor que o passivo, do m esm o m odo que o princípio criador é superior à pertencem , não à razão, m as ao ser com posto. que m orreu . ..A ..razão....é,.:>J;m
m atéria». A qui, o significado de «separável» pode ser deduzido da ocorrência diíVlda:' algo' dem ais divino, sendo im passívél». 1 luz 'destapassagem parece
posterior da expressão «quando foi separado». Significa que a razão activa, unida clar() ..que A ristóteles prey:,nd.e afirm ar aqui que a m em ória não sobrevive à
por um m om ento à passiva, pode ser separada desta, e refere-se claram ente à m orte. O m otivo é este:j,l) A razão activa i; im passível; não sofre qualquer
destruição, à m orte desta últim a e à perm anência da prim eira. N outra passa- im pressão das circunstâncias da vida. O seu conhecim ento não possui quaisquer
gem 91, A ristóteles fala de «razãm >, sim plesm ente com o perm anência após a m arcas de data ou circunstância. E nquant<{2)a razão passiva, que é im pressa
m orte, m as isto passa-se quando a distinção entre a razão activa e a passiva não por circunstâncias, m orreu aquando da m orte do indivíduo.
está presente no seu espírito. Q uando o está, pensa evidentem ente na razão A s últim as palavras do capítulo são susceptíveis de um a série de interpreta-
passiva com o fazendo, tal com o a sensação e a im aginação, parte integrante da ções, a saber:
alm a, a qual é a actualidade de um corpo particular, não lhe podendo sobrevi- !
passiva, a razão activa não conhece nada».
I) «e, sem a razão
ver. A s outras expressões utilizadas nesta frase para caracterizar a razão activa 2) «e, sem a razão activa, a razão passiva não conhece nada».
enfatizam o facto de ser inteiram ente independente do corpo, e de não conte; passiva, nada é conhecido».
3) «e, sem a razão
qualquer potencialidade não realizada, m as de sem pre conhecer o que já activa,nada é conhecido».
4) «e, sem a razão
conheceu.
«O conhecim ento actual», continua A ristóteles, «é idêntico ao seu objecto; Podem os ver facilm ente que nenhum a destas interpretações nos pode
o conhecim ento potencial, quando considerado individualm ente, é anterior perm itir ligar propriam ente estas palavras ao princípio sobre o qual se funda a
segundo o tem po, m as, em geral, não o é. A razão não pode funcionar num expressão «não nos lem bram os». L im itam -se a resum ir o ensinam ento do capí-
t~IIlPo,eIl?':l.tr9 . .9ªq ..» J~~1l.!sacim a vim os que~:!1;~m çeitô sentido, a ;~~ã~~stã~(~~ tulo ao afirm ar que «sem , a razãq.a.ç~iva, nada é conhecido».
alm a», m as não estam os dela conscientês, ói! apenas o estam os em m om entos d~ tlex~!l.'!.r.e.i~t:llt!fi~-;;",~"ii~<L llctiv; com ' D eus, e este ponto de vista ~
ilum inação; ,assim , num certo senfidó, o conl1ecim ento potencial. num .indivíduô' adoptaõõ' por zabarella, cujo argum ento 93 pode resum ir-se com o se sfgue: «E
;\ p!,ecede o conhecim ento actual:-C ontudo, «no todo» não se passa assim . A ra~ão claram ente estabelecido que a razão activa existe inteiram ente independente a;:-
~c!i.~a~~onh.~ce àêtua(m entt:' .quando a ra~ã~, p~siyà,ai.l}~~ ,.çQ.Qjiiç!L.aÍ>enas" i!!-ªtéJ:!;>;94. O ra, na' Metafísica A , o único local onde A ristóteles' discute
, potencialm ente. E stá claram ente im plícito que a razão activa em bora na' a'i;;ã ' deliberadam ente o que se deve entender por form as im ateriais puras, as únicas
)--.- ....
~Itrapassa o indivíduo; podem os m uito bem supor que A ris~ótei~~' consid~rà-~ form as por si reconhecidas com o tal são D eus e as inteligências~ A razão activa
'/:'. iqêntica em todos os indivíduos. não pode ser ql!alquer destes seres inferiores, pois estes possuem , ãpãr~~te~
/", ',' ,lI ~~9~ando foi separada torna-se apegas aquilo qu~. é esse nci;l1!pen.te..•
_e ~penas m ente,
-----...---.
por
---'
till'icatllrição'ü' m ovim ento das suas esferas respectivas, E ntão, a
razao activa deve ser D eus, ,que, enquanto «prim eiro inteligível» representa
' ,

95,
. ;,.:~,;'I'~sto
e Im ortal,e eterno (no c:ntal1to, não nqsl~m bram os porque ist().é"Ü 1}pª~sível
: /e ~ razão passiva .é perecível); e, sem , a razão activa, nada é conhecido». 'N ão ãõrlg~~ da. inteligibilidadeem todos os inteligíveis, E ntão, é D eus enquanto
______
/ obstante a r~zão activa ser sem pre 'im passível e sem m istura, está im plícit~ que a razão.llC !iva que torna o objecto potencial de conhecirriento num 'objecto actual
\. sua verdadelra natureza perm anece obscura durante a sua associação com o de~<::onhecim ento: e, sim ultaneam ente, perm ite à razão passiva, ~ quai em si
~orp~, ~as apresenta':'se na sua pureza quando esta associação cessa. Será que m esm a apenas possui a potencialidade docóniiêcim ento,' conhécer''ã'êtiiál- .
Isto Im plIca quea' razão desincorporada é consciente da totalidade extensiva do m ente, tal com o a i~z:d~--soltorna o visível em potência, visível em "acto, e
seu conhecim ento, enquanto a razão incorporada o não é? perm ite à vista, que não vê senão em potência, ver em act<»). '
A observação enigm ática <m ão nos lem bram os» esclarece-se um pouco à luz -- 'A opinião de zabarella m erece sem pre a m ais séria atenção. C ontudo,
de um a passagem anterior existente no livro, e em que A ristóteles fala da parece que, no seu esforço para conseguir um perfeito acordo entre ó De Anima

i~fluênci~ da velh~ce na vi~a m ental 92., ~<.?,p ensam ~nt(), ~ntuitiyo_e_~ e a Metafísica, fornece um a interpretação
lho. A razão aêtiva é apresentada
um pouco forçada do prim eiro traba-
nitidam ente no De Anima com o existindo na
~~.~!.~~~~:ent!io'f~J~ª,y.,es da ,ge.strU l~o.de_ a!gº lnt(;:IJQ !..(ao c()rP5ü,~ão,
eles propnos, lm passlv~~S .._C ontudo, o raciocínio e o am oI' ou.ódio.são_afecçõês;-
J ~---'''-''
91 Met., 1070 a 26.
if 93
94
De Reb. Nat., «D e M ente agente», caps. 12, 13.
De An., 430 a 17.
92 408 b 24-30. 9S Met., 1072 a 26-32.

J58 159
A R ISTÓ TE LE S

alm a hum ana. E XW PLCT,ÓÇ, que zabarella considera significar «separado»,


significa m ais provavelm ente <<separável». O m odo de ser da razão activa du-
rante a vida do indivíduo parece contrastar com o seu estado quando exis-
te XW PLa{)EÍ.Ç, após a m orte do indivíduo. Por outro lado, é difícil de
supor, com o o faz zabarella, que é .no seu carácter de vOT},év, m ais do que
no devowv, que é representado com o tornando possível o conhecim ento in-
dividual.
Um a representação de Deus no D e A nim a com o im anente ao indivíduo não
estaria necessariam ente em desacordo com a Sua representação com o transcen-
dente fornecida pela M etafísica. M as um a Sua descrição com o possuindo todo o
nosso conhecim ento antes m esm o de o possuirm os, e com unicando-o a nós,
estaria em desacordo com a Sua descrição apresentada em A com o apenas se
conhecendo a Si próprio. É possível que os dois livros representem m odos
divergentes do pensar de Aristóteles acerca da Deidade. Contudo, não é necessá-
rio supor isto. Aristóteles não faz nenhum a m enção explícita a Deus nesta CAPíTULO VI
passagem do D e A nim a, e ainda que a actividade pura e incessante do pensa-
m ento aqui descrita seja, sob certos asp~ctos, sem elhante à atribuída a Deus na M ETAFÍSICA
M etafísica, provavelm ente Aristóteles não identifica as duas. É m ais provável
que acreditasse num a hierarquia elevando-se de m odo contínuo dos seres infe-
O m otivo que inspira toda a M etafísica de Aristóteles é o desejo de adquirir
riores, aqueles que se encontram m ais im ersos na m atéria, até ao . hom em , aos
aquela form a de conhecim ento capaz de m erecer em m aior grau a designação de
corpos celestes, à inteligências e a Deus. A razão a~tiva no hom em constitu.i um
sabedoria. O desejo de conhecer, afirm a Aristóteles, é inato ao hom em . No grau
dos m e'!1bros.rnais elevados desta hierarq'uíã,~âsp{)ssui outros acim ª,_taLc;o;o \
Deus.' ~ esta a interpretação do rú A nim a sugerida pela doutrina puram ente \
m ais baixo, m anifesta-se
O estádio im ediatam ente
no prazer que sentim os em utilizar' os nossos sentidos.
superior em direcção ao conhecim ento pleno, é aquele
.deístiéit da M etafísica 96.
que está envolvido no uso da m em óriJ!., e que nos diferencia d~s ~nim ais inferio-
res. O estádio seguinte, apenas atingido pelo hom em , constituI-se pela«exjJ~:-
riência», por ipterm édio da qual, através da coalescência de vári~~recor4ações
da m esm a espécie de objecto - por exem plo, daquilo que curou Cálias, Sócra-
tes e outros quando estes sofriam de um a certa doença -, adquirim os, sem disso
conhecerm os as razões, um a regra prática. Nüm estádio superior surge a «arte»,
o conhecim ento das regras p-GuIç,asrepo~sando sobre princípios gerais, Acim a
de todos estes situa-se a «ciência», o puro conhecim ento das causas. Este estádio
constitui o grau m ais elevado por não estar, com o a arte, sujeito a qualq~er fim
prático ulterior; m as antes procurar o 'conhecim ento pelo conhecim ento. E este o
últim o e m ais elevado produto da 'civilização I.
A «sabedoria» não deve ser apenas ciência ou conhecim ento das causas, m as
sim o conhecim ento das causas prim eiras e m ais universais. Com efeito, isto
satisfaz, de form a m ais com pleta, o critério de sabedoria de que fazem os uso
naturalm ente. É o conhecim ento m ais'profundo, oconhe"cim ento do que é m ais
difícil de conhecer, um a veZ que os seus objectos, sendo os m ais uni~ersais,
constituem aquilo que se encontra m ais distante dos sentidos; é o conhecim ento
96 Existem boas exposlçoes das diversas interpretações na edição do D e A nim a de Hicks,
LXIV-L~IX; bem com o in Adam son, D evelopm ent of G k. P hil., 249-54; W ebb, Studies in
th:: H Ist.. of N at.171eol., 264--73; Kurfess, Zur G esch. d. E rklarung d. A rist. Lehre vom sog.
vouç 1tOLTJ"LX6C; !-L. 1ta.6TJ"LX6ç . I M et., A. I.

160 161
T

A R IS T Ó T E L E S
M E T A i--íS IC A

m ais p recisa, p ais a s seu s ab jectas são . a s m ais ab stractas, a s m en as ca~ p lex ?s;
tração . - as leis d a co n trad ição . e da terceiro ex clu íd o .. M as a m etafísica n ão .
a m ais in tu itiv a; a m ais au ta-su ficien te a u in d ep en d en te; e a q u e p assu I m aIO r
p ad e d ed u zir o . d etalh e da realid ad e a p artir d este~ , o .u d e q u aisq u er o .u ~ ro .s,
au tarid ad e, um a v ez q u e é, i n t e r a l i a , a can h ecim en ta d a cau sa fin al d e tad as as
- p rin cí p io .s cen trais. E x istem esp écies d istin tas d e reah d ad e; cad a u m a p o .ssu m d o .
caisas. A filo .safia n asce da esp an ta p rim itiv a, m as p racu ra a su p ressão . d este'
.a su a p ró p ria n atu reza e o .s seu s p rin cíp io .s p rim eiro .s n ão . d ed u zid as, m as
esp an ta, a cam p reen sãa cam p leta e ad eq u ad a da m u n d o ., d e far~ a a n a~ a
ap reen d id as d irectam en te, tal c a m a se p assa a resp eita d o .s p rim eiro .s p rin cíp io .s
ex istir n a realid ad e d as caisas, tal c a m a estas se ap resen tam , q u e se situ e fara d a
u n iv ersais. P o .r o .u t r a lad o , a n atu reza essen cial d a realid ad e n ão . se m an ifesta
esp an ta 2 . .. .
p len a e eq u itativ am en te em t u d o . a q u e é. O ser n ão . é u m atrib u to . p erten cen te,
N a F í s i c a , A ristó teles en u m erau aq u ilo . q u e can sld era ser as p n m elras cau -
n a m esm a razão ., a tu d o . o . q u e é. E x iste u m a esp écie d e ser q u e é n o . sen tid o .'m ais
sas - a cau sa m aterial, farm al, eficien te e fin al. P raced e d e farm a a d em an strar
estrito . e p len o .: a sab er, a su b stân "cia. T o d o .s a s o .u tro s o .b jecto .s s ã o sim p lesm en te
a ex actid ãa d a su a an álise cam eçan d a p o .r ex am in ar se a s filó safas p reced en tes
em v irtu d e dum a certa relação d efin id a c a m a su b stân cia - co .m o . q u alid ad es da
d etectaram q u aisq u er cau sas p ara além d estas. Na esq u em a g eral d a su a in v esti~ .
su b stân cia, relaçõ es en tre su b stân cias, e assim su cessiv am en te. E o . q u e é v erd a-
g açãa farn ece um a ex p o .sição . d etalh ad a da filasafia an teriar, a q u al acu p a 0.
d eiro d o . ser é-o . ig u alm en te d a u n id ad e. Tudo o . q u e é, é u n o ., e tu d o . o . q u e é u n o .
resta da liv ra A . A su a can clu sãa, an tecip ad a p ar n ó s, é a de que n en h u m '
é, e o . term o . u n id ad e p o .ssu i sen tid o .s d iferen tes, ain d a que co .n ex o .s, co .n so .an te
p en sad ar an tes d e si d etectau q u alq u er cau sa além d as q u atro ., as q u ais faram
'seja u n id ad e da su b stân cia, da q u alid ad e, da q u an tid ad e, etc. 8. O « ser» e a
sem p re tratad as de m o .d a « v ag a» au « g ag u ejan te» 3.
« u n id ad e» ex p ressam o .s term as situ ad o .s ab aix o d a d istin ção . d ~ categ arias.' sen d o .
N a liv ro B , A ristó teles p ro ced e ao . estab elecim en to . d a s p ro b lem as fu n d a-
ap licáv eis a cad a um a d elas 9. A estes d ev em o .s acrescen tar o . term o . « b em » .
m en tais cam que se d ev e d eb ater a ap ren d iz d e filó safa. P ara A ristó teles, a
C a n t u d o ., este n ão . p o .ssu i o . m esm a p eso .. É ap licáv el a cad a categ o .ria 10, m as
m etafísica é, d e u m a p an ta a o .u tra e d e farm a m ais cam p leta q u e q u alq u er a u tr o
n ão . a tu d o . o . q u e é. O p o .n to . d e v ista d e A ristó teles ap o .n ta m ais p ara o facto . d e
d am ín io . d a p en sar, u m lu g ar d e « p rab lem as» a u d e « d ificu ld ad es» 4. S e p ad em as
« b em e m al» co .n stitu írem u m a o .p asiçãa q u e d ev e ser en co .n trad a n a in te~ io .r.d e
v er a su a ap in iãa estab elecid a num certa n ú m ero . d e p an tas, na can ju n ta, a su a
cad a categ o .ria. É a p artir d e in d icaçõ es c a m o . estas q u e o .s c;:sco .lástico .s_
d esen v o .l-
ex p asiçãa, lan g e d e rep resen tar u m sistem a d ag m ática, can stitu i um a série d e
v eram a d o .u trin a d o .s « tran scen d en tia» - ens, unum , verum , bonum , r e s , a liq u id .
ten tativ as ten d en tes a d escab rir a v erd ad e num a reg ião . q u e sen te estar ch eia d e
M as esta lista, ap esar d e se b asear n as referên cias de A ristó teles, n ão . p o .ssu i
ab scu rid ad e. P o .d em as d izer que n a s liv ras r, E -I, M N n ão . p erd e d e v ista as
q u alq u er au to .rid ad e aristo .télica.
I p ro .b lem as calacad as na liv ra B , ao . q u al faz referên cias acasian ais 5. O liv ra 11.
E x istem três o .rd en s d e en tid ad es: as que p o .ssu em ex istên cia su b stan cial
can stitu i u m tratad a in d ep en d en te, m as acid en talm en te en can tram as aí resp asta
sep arad a, m as estão . su jeitas à m u d an ça; as q u e estão . liv res d a m u d an ça, m as
a alg u n s d a s p rab lem as d e A ristó teles .. A p en as a s liv ras ~ e K saem fara da
ap en as ex istem co .m o asp ecto .s p o .ssív eis d e d istin g u ir n as realid ad es co n cretas; e
~~~~ - as q u e, sim u ltan eam en te, p assu em ex istên cia sep arad a e estão . liv res de
D u as q u estõ es fu n d am en tais acu p am a esp írita de A ristó teles 7. I) E . a
m u d an ça. E stas, são . estu d ad as p o .r três ciên cias d istin tas: a física, a m atem ática
m etafísica p assív el en q u an to . ú n ica ciên cia su p rem a - q u er d izer, en q u an to .
~ea teo .lo .g ia o .u m etafísica 11. A física e a m atem ática p o d em su b d iv id ir-se. P o .r
ciên cia sin ó p ticaestu d an d a a n atu reza, n ão . d esta au d aq u ela realid ad e, m as d o
ex em p lo ., a m atem ática, n o s d o .is ram o .s fu n d am en tais co .n stitu íd o .s p ela aritm é-
real c a m o . tal, e d ed u zin d o . a n atu reza d etalh ad a d a u n iv erso . a p artir d e alg u m
tica e p ela g eo .m etria, b em co .m o . p elas su as v árias ap licaçõ es. E , assim co .m o .
p rin cíp io . cen tral? A su a resp asta, cam b ase n a s elem en tas farn ecid as so b retu d o .
ex istem p rin cíp io .s co .m u n s a to .d as as m atem áticas' (p o .r ex em p lo ., que ig u ais
p elas liv ro s r e E , e co m a aju d a dos S e g u n d o s A n a lític o s , afirm a ser p o .ssív el
to m ad o .s d e ig u ais p erm an ecem ig u ais), tam b ém ex istem p rin cíp io .s p ró p rio .s à
um a ciên cia da m etafísica. Tudo o. que é, p assu i u m a' certa n atu reza que lh e
aritm ética e o .u tro .s à g eo .m etria. '. .
p erten ce sim p lesm en te cam a ser, e isto . p o .d e ser can h ecid o .. E x istem certo .s
A ristó teles m astra q u e, n o . 'resp eitan te ao . o b jecto . d a m etafísica, é p o .ssív el
p rin cíp io .s v erd ad eiro .s d e tu d o . o . q u e é, o .s q u ais estão . n a b ase d e to .d a a d em o .n s-
estab elecerem -se d o .is p o .n to .s d e v ista: p o .d em o .-n o .s in terro g ar se a filo so .fia p ri-
m eira p erseg u e um fim u n iv ersal o .u se se refere a um a esp écie p articu lar de
realid ad e. N o . en tan to ., o .s d o .is p o .n tas d e v ista são reco .n ciliáv eis. S e ex iste u m a
2 A. 2.
3 A. 10.
4 á 7 tO p L C U .

5 r. 1004 a 33. I. 1053b !O , M . 1076 a 39, 1 0 8 6 a 3 4 (? ), b 15.


8 E sta s fo rm a m o te m a de M e l. l.
6 C f. rr. 2 4 se g s.
.9 r.l; 2.
7 Ao lo d o , h á p e rIo d e q u in z e p ro b le m a s c o lo c a d o s em B . I. e d isc u lid o s d ia Je c tic a m e n te em
lO E.N., 1096 a 19.
B. 2-6.
11 M e l" E. I.

162
163
J
A R I S T Ó T E L E S M E T A F í S I C A

obra do espírito, m ais do que o eram as F orm as para P latão. M as A ristóteles


qualquer substância im utável, o seu estudo constituirá a filosofia prim eira, a
convida-nos a atribuir-lhes apenas aquele m odo de existência próprio aos uni-
qual será universal porque prim eira 12. A o estudar a prim eira espécie de ser a
versais, a saber, a existência com o característica dos indivíduos. N ão devem os
m etafísica estuda o ser com o tal. A verdadeira natureza do ser m anifesta-se não
colocar a hipótese de um m undo separado de universais. N em devem os supor
naquilo que pode apenas existir com o um elem ento num a totalidade condreta
quI:: podem os explicar o m undo, que é um m undo de m udança, pela m era
nem naquilo que é infectado pela potencialidade e m udança, m as apenas naquil~
operação de universais. A form a do hom em é, num certo sentido, o que opera no
que é;~ sim ultaneam ente, substancial e im utável.
nascim ento de cada hom em individual, m as é a form a do hom em tal com o está
N o livro 1\ a m etafísica surge lim itada ao estudo de um dom ínio do ser (e a
incarnada no seu pai. A form a da casa opera na construção de cada casa, m as é a
outros som ente na m edida em que devem o seu ser a este). P rim eiram ente, o seu
form a da casa tal com o é apreendida por um construtor individual.
objecto restringe-se à substância, enquanto «prim eira parte» do universo. Em
P ode-se perguntar se P latão «separava» assim o universal dos seus particula-
se~ uida, a substância é dividida, não, com ó em E , em duas espécies, o m utável e
res. D istinguir o universal dos particulares é, num certo sentido, proceder à sua
o im utáv~ l, m as em três: o sensível eterno (os corpos celestes), o sensível perecí-
separação, é pensá-los com o tratando-se de um a entidade d i s t i n t a . S e P latão
vel e o m sensível. A s du.as prim eiras form am o objecto da física Ú, donde
tam bém pensava neles com o um a entidade possuindo e x i s t ê n c i á s s e p a r a d a s , é
resulta que os capítulos 2-5, que tratam da substância sensív61, devem ser vistos
algo difícil de concluir. M uitas vezes, grande parte da sua linguagem presta-se a
com o prelim inares aos capítulos 6-10, que tratam da substância insensível. No
equívocos, m as é possível que tenha apenas querido exprim ir, de um m odo
entant~ , não som ente 1\ 2-5, com o a m aior parte de Z - e, trata dos princípios
enfático e pitoresco, a doutrina segundo a qual os particulares im plicam sem pre
envolV idos na substância sensível, e não deverá ser visto senão com o prelim inar
um universal. N o entanto, é difícil supor-se que A ristóteles pudesse ter com etido
à m etafísica, se a form a, o princípio que é sobretudo discutido nestes livros não
um erro tão grave, a respeito. da interpretação dum m estre com quem esteve,
fosse tam bém aquilo que existe separado e im utável em D eus e nas «inteligê~ cias»
presum ivelm ente, em estreito contacto durante anos, tendo tom ado por um a
que m ovem as esferas planetárias. N ão podem os dizer que, na prática, A ristóte-
diferença fundam ental de ponto de vista aquilo que constituía, na realidade,
les .m antém a distinção entre a física e a m etafísica. D eve-se notar que, no
apenas um a diferença de ênfase e de expressão.
co_nJunto, a sua F í s i c a constitui o que poderíam os designar de m etafísica 14.
P or outro lado, A ristóteles atribui a P latão a crença na existência de objec-
N ao re?resenta u~ ~ pesquisa indutiva das leis naturais, m as um a análise a p r i o r i
tos m atem áticos, considerados com o qualquer coisa de «interm ediário» entre as
das C O isas m atenais e dos acontecim entos que aí se produzem ..
Ideias e os particulares 15. A própria concepção de A ristóteles acerca dos objec-
2) Q uanto à segunda questão fundam ental que preocupa o espírito de
A ristóteles, já lhe tocám os por antecipação. R eferim o-nos à questão de saber se tos da geom etria atribui-lhes um a posição interm édia, ainda que não os consi-
dere com o um a classe de entidades separadas entre duas outras classes de
existem substâncias não-sensíveis, tal com o existem substâncias sensíveis e se
assim . for, qual o seu tipo. O s universais-são, tal com o o pretendia P latão n~ sua entidades separadas. S egundo ele, os objectos da geom etria são coisas sensíveis,

teoria das Ideias, entidades substanciais, auto-subsistindo? E m particular, serão consideradas por abstracção das suas qualidades sensíveis. C onsiderai as coisas

os universais de m aior extensão, o ser e a unidade, substâncias? P or outro lado, . sensíveis sim plesm ente com o possuindo lim ites dum a certa form a e tereis os
objectos da geom etria 16•. M as é possível levar m ais longe a abstracção. P odeis
serão os objectos das m atem áticas substâncias? A estas três questões, A ristóteles
responde com um a firm e negação. A polém ica contra as F orm as P latónicas isto fazer a abstracção, não som ente da «m atéria sensível». das coisas sensíveis, com o
tam ~ ém da «m atéria inteligíveh> , da extensão 17 dos objectos geom étricos. A ssim
é: contra.a ~ ubstancialidade dos universais, constitui um dos l e i t m o t i v da M ~ t a f í -

Slca, polem ica esta li que A ristóteles regressa constantem ente. S eria fastidioso procedendo; obtet:eis a essência da linha recta, do círculo,. etc., asa.ber, o princí-

seguir esta polém ica até aos seus detalhes. O s argum entos possue~ um valor pio sobre o qual são construídos. C ontudo, diria A ristóteles, o que constitui à
diferença total entre o seu ponto de vista e o de P latão é o facto de não atribuir
bastante .~ esi~ u~ l.. O ponto funda~ ent~ l é. o. seg~ int€ m undo que nos é dado
na expenencia e um m undo de C O isas m dividuais concretas, agindo e reagindo qualquer existência separada, nem ao resultado interm édio, nem ao resultado

um as sobre .a~ outras. A o contem plá~ las, tornam o-nos conscientes das caracte- final da abstracção, enquanto os P latónicos a atribuem a am bos. N a apreciação

rísticas. com uns a um grande núm ero de indivíduos. P ara A ristóteles estas desta controvérsia,. com o na da discussão relativa às F orm as, trata-se sem pre de

. características são reais, objectivas, individuais. N ão são, em qualquer s~ ni:ido, saber se .os P latónicos entendiam por «separação» o reconhecim ento de um a.
separação factual, ou apenas um a diferença operada éntre. as coisas ~ (separadas» .


12 Ibid.
15.A . 987 b 14.
13 1069 a 36. 16 M. 2, 3.
14 S om ente um a m etafísica da natureza, claro. 17 Z . 1036 a I t:
164 165
ARISTÓTELES
METAFíSICA
Não obstante Aristóteles negar que, quer os universais quer os objectos «hom em ». Se ele a disser, evidentem ente, pretende designar algo por ela, e um a
m atem áticos, sejam substâncias, sustenta a existência de substâncias não-sensí- única coisa. Na palavra que pronunciou está já im plícito que 'ser hom em ' é algo
veis. Em prim eiro lugar, existe Deus, m otor im óvel do universo 18; em segundp, de definido e não é, sim ultaneam ente, 'não ser hom em '. Dito de outro m odo,
as inteligências que, m ovidas por Deus, m ovem as esferas planetárias 19; em reconhece im plicitam ente que aquilo que é hom em não é, igualm ente, e m an-
terceiro, indica que a razão hum ana (ou o seu elem ento <lactivo») é capaz, após a tendo sem pre o m esm o sentido de «hom em », um não-hom em . O nosso oponente
m orte do indivíduo, de existir separada de qualquer corpo 20.
adm ite, assim , a verdade da lei da não contradição, Um cepticism o consequente
consigo deve ser m udo 24. Por outro lado, negar a lei é apagar todas as distin-
ções no universo. Se um hom em tam bém é um não-hom em , afortiori (um a vez
OS PRIM EIROS PRINCÍPIOS DE DEM ONSTRAÇÃO que há m ais oposição entre «hom em » e «não-hom em ) que entre «hom em » e <m ão-
-barco»), ele não é um barco e, por consequência (se a lei não é verdadeira), ele
Tendo estabelecido que a m etafísica deve estudar os prim eiros princípios de é um barco e, do m esm o m odo, é tudo o resto, seja isto o que for 25.
dem onstração, Aristóteles procede 21 ao estabelecim ento dos dois princípios
A negação da lei deve ser total ou parcial. Se parcial, adm itim os a sua boa
fundam entais que estão na base de toda a dem onstração, os «prim eiros princí- aplicação em certos casos. Se total, então, apresentam -se duas possibilidades: a)
pios com uns» dos Segundos Analíticos - a lei da não contradição e do tercei- Tudo o que pode ser afirm ado pode ser negado, e tudo o que pode ser negado
ro excluído. O prim eiro é expresso, inicialm ente, sob a form a: 'o m esm o atributo
pode ser afirm ado; ou b) tudo o que pode ser afirm ado pode ser negado, m as
não pode pertencer e não pertencer à m esm a coisa, sim ultaneam ente, a respeito
nem tudo o que pode ser negado pode ser afirm ado .. Contudo, a últim a alterna-
do m esm o.' Sem dúvida que este princípio é estabelecido, de form a bastante
tiva im plica que algo de definido não é, e o seu oposto é. Quer dizer, adm itim os
objectiva,com o um a lei do ser. M as dele segue-se um a lei psicológica: pensar que a lei possui um a boa aplicação em certos casos. E se o nosso oponente
que o m esm o atributo pertence e não perten.ce à m esm a coisa, no m esm o
adopta a prim eira alternativa, afirm a por isso m ~sm o que nada possui um a
m om ento e a respeito do m esm o, equivaleria a ter em si os atributos contrários, qualquer existência definida, isto é, que nada é. Afirm a a veracidade de todas as
no m esm o m om ento e a respeito do m esm o. Ora, isto é im possível 22.
proposições e a falsidade (incluindo a sua própria negação da lei) ,de todas elas,
Aristóteles não tenta, e tem razão para assim proceder, provar esta lei. Não afirm a nada de definido, e não podem os esperar argum entar com ele 26,
Pedir um a prova disto, afirm a ele, significaria denunciar um a falta de exercício
Pelas suas acções, os hom ens m ostram não pensarem assim . Se a m esm a
lógico. Exigir um a prova de tudo equivale a exigir um a regressão infinita; e não
coisa é hom em ' e não-hom em , segundo o m esm o princípio, a m esm a coisa é,
devem os'forinulár um a exigência que, pela sua própria natuJ:c::?a~_n.ãopode ser
sim ultaneam ente, boa e não-boa para um hom em . M as nenhum hom em , ao
satisfeita. E se algo deve ser conhecido sem prova, o que é que pode existir de
pensar poder fazer qualquer coisa, se abstém de a fazer pela razão de tam bém a
m ais apropriado ao conhecim ento do que a lei da não contradição, um a lei que, poder não fazer 27, . •
com o vim os, é im possível de pôr em dúvida pelo pensam ento, apesar de a
2) A negação da lei está de. acordo com a proposição de Protágoras
poderm os negar por palavras? O que podem os fazer para aceitar esta lei é:
segundo a qual todas as vezes que A aparece com o sendoB,é B. Aqueles que
1) refutar aqueles que a negam , m ostrando-lhes.que ao negá-la estão a adm itir a
negam a lei por càusa da dificuldade real que experienciaram quando tentaram
sua verdade; 2) m ostrar a insuficiência das razões que alegam os para a negar 23.
fazer um a ideia da natureza do m undo (distinguindo-se daqueles que a negam
I) O nosso oponente deve estar preparado para dizer algo; se se recusar, não
m eram ente pelo gosto do argum entar), procedem deste m odo porque obser-
podem os' esperar convencê-lo m ais do quepodem os es'perar convencer um vege- .
varam que, no decurso da'n:üureza, os contrários podem provir da m esm a coisa.
tal. Não necessitam os de lhe exigir a form ulação de um a proposição. Apenas
Argum entam que, devido a ex nihilo nihilfit, a coisa deve ter atributos contrá-
necessitam os de lhe pedir que pronuncie um a única palavra, por exem plo,
rios. Isto pode ser refutado: a) pela distinção entre potencialidade e actualidade
- a m esm a coisa pode ter potencialm ente, m as não actualm ente, atributos
contrários; e b) fazendo notar a existência de um a outra espécie de substância,
18 A . 7.
inteiram ente .livre da potencialidade e da m udança 28,
19 A'. 8.
2(1 l\. 1070 a 24-26; De An.. 111. 5.
;'
llr. 3-9.
24
l~ r. 4. 1006 a 11 - b 34.
25 1007 b 18-1008 a 2.
23 Apenas tenho espaço pa~a indicar alguns dos pontos m ais salientes do co~plicado argu- 26 1008 a 7. b 2.
m ento que se segue. Um a discussão m ais com pleta pode ser encontrada: em M aier, Svll. d. Arist. I. 27
41-101. '. . 1008 b 12-27.
28 1009 a 6-38.

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167
METAFíSICA
ARISTÓTELES

D o m esm o m odo, para alguns, a crença na verdade das aparências provém é a seguinte: a percepção sensível propriam ente dita, livre de toda a m istura
da observação das coisas sensíveis. N otam que a m esm a coisa parece a algum as de associação e de interpretação, é infalível. C onsiste na consciência de algo
pessoas doce, a outras am arga, e constatam que a verdade não pode ser determ i- .(~m «t~8T]"t"ó\l) distinto da consciência e que é concom itante (m i80ç) 32

nada pela m era contagem das opiniões. N otam que a m esm a coisa parece sensi- .de um objecto ( ú1toxd Il£ \lO \l ). C ada coisa sentida possui o seu próprio carác-
velm ente diferente ao m esm o hom em , em tem pos diferentes, e pensam não haver ter distinto do seu oposto. «D oce», por exem plo, designa um a certa espécie
um a sensação da qual possam os afirm ar ser m ais verdadeira que um a outra 29.
definida de sentido. Q ualquer coisa sentida, qualquer que seja o m om ento em
que for experienciada, deve possuir este carácter para poder ser designado de
A causa do erro assenta na identificação das coisas sensíveis, onde existe
«doce», e não pode ser designada de «am arga» desde que possua este carácter.
um a larga percentagem de variável com o todo da realidade. E stes pensadores
O sentido jam ais se autocontradiz a respeito da coisa sentida. A ssim , no que
vêem que as coisas sensíveis estão em constante m udança, e inferem nada poder
concerne aos sentidos, não há razão para se duvidar da lei da não contradição.
ser dito verdadeiram ente sobre elas._ E squecem -se que aquilo que perde U IQ a
O sensível, apesar de distinto da sensação (aX er8n1 nç ou ater8T]tJ.« ),
qualidade perm anece sem pre com algo do que perdeu, bem com o que há já
está dependente do sujeito da percepção. D e facto, é o resultado do encontro
urna parte de ser naquilo que devém . E squecem -se que as coisas que m udam em
de um certo objecto e de um sujeito de percepção. S e, ou o objecto ou o
quantidade podem ser estáveis em qualidade. E squecem -se que o m undo sublu-
corpo do sujeito de percepção sofrerem certas m udanças, produz-se um sensível
nar da m udança constitui apenas um a pequena parte do universo físico.
diferente. É ainda deste m odo que, m esm o quando nos referim os ao objecto
E squecem -se, por fim , que para além do universo físico existem coisas que não
físico, não há razão para duvidarm os da lei da não contradição. O facto de agora
m udam 30.
cham ar doce a um objecto, antes designado de am argo, apenas dem onstra que
D evem os notar que, m esm o se a sensação das qualidades «especiais» peculia-
.Q U o objecto ou algo no m eu corpo sofreu um a m udança 33. E o facto de quer a
res a cada sentido é infalível, a «im aginação», envolvida em todas as operações.
sensação quer o sentido serem am bos relativos a um sujeito de percepção, não
dos sentidos, não o é. D evem os perguntar a estes pensadores se crêem realm ente
podendo existir se-não houvessem sujeitos de percepção, tam bém não prova a
no facto de os tam anhos e as cores serem tal qual com o nos aparecem ao longe
inexistência de algo que não seja relativo a um sujeito de percepção - ou seja,
ou ao perto, ao hom em doente ou ao são, ao adorm ecido ou ao em estado de
que «o hom em é a m edida de todas as coisas»; pois a percepção não resulta dum
vigília, ao especialista ou ao profano. A s suas acções m ostram assim não pensa-
rem . P or outro lado, nenhum sentido fornece, ao m esm o tem po, .inform ação
acto da nossa própria volição. É estim ulada por algo, e este algo deve ser
qualquer coisa independente daquilo que a estim ulou. E , dizendo que «estim u-
oposta sobre o objecto que lhe é próprio. N em m esm o, em m om entos diferentes,
lante» e «estim ulado», ou «percebido» e «perceptivo», são term os relativos um ao
fornece opostos sobre a qualidade sensível, m as apenas sobre o objecto que a
outro, não se prova que o que estim ula e é percebido não possui um a natureza
possui. O m esm o vinho pode, se ele. próprio ou o corpo. daquele que o prova
própria, independente do facto de estim ular e de ser percebido 34.
sofreu um a m udança, parecer num dado m om ento doce e noutro não; m as a
E xiste ainda outro elem ento no ponto de vista. de A ristóteles. E xistem
doçura não m udou. A quilo que é doce deve cum prir sem pre as m esm as condi-
certas condições favoráveis à percepção de objectos tal com o estes são real-
ções. A autocontradição aparente da sensação desaparece se procederm os às
m ente, a saber, a proxim idade do ob]ecto, um estado são do córpo e o estado de
necessárias distinções. A m esm a coisa não aparece diferente ao m esm o sentido,
vigília 35. S e analisarm os isto de perto, parece im plicar não haver apenas o
a respeito do m esm o, debaixo das m esm as condições, no m esm o m om ento.
sentir verm elho ou doce, por exem plo, m as tam bém qualidades correspondentes
P odem os adm itir que sem seres perceptivos .não existem , nem qualidades sensÍ-
pertencendo aO s objectos físicos, e que. debaixo de condições favoráveis de
. veis . nem sensações; m as os objectos que estim ulam a percepção devem ser
percepção, .apreendem os um sensível quando o objecto possui a qualidade cor-
independentes da percepção. S e nenhum a coisa fosse o que ela é fora do pensa-
respondente, enquanto, debaixo de condições desfavoráveis, percebem os, diga-
m ento, o próprio esse do hom em residiria no que é pensado ser um hom em , e
"m os, um sensível am argo quando o objecto possui um a qualidade doce M as
não poderia, por consequência, residir no pensam ento; o seu esse seria percipi, 36.

podem os duvidar do facto de A ristóteles ter professado um a teoria tão com -


e não - com o todos sabem ser - percipere 31.

. V em os que, tendo com eçado pela discussão da lei da não contradição, A ristó-
teles foi levado a atacar- o sensualism o ou idealism o. subjectivo. A sua posição

32 JO IO b 20 segs.
33 Ihid. 19-26_
34 1010 b 30-1011 a 2.

29 1009 a 38 - b I L . 35 1010 b 3-1 L

30 1010 a 1- b I.
36 e. 1047 a 4-7 im plica tam bém que as qualidades secundárias (calor. doçura) perlença"l

311010 aos objectos independentem ente da sensação.


b 1-lO llb 12.

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168
A RIST6TELES
METAFíSICA

plexa como esta, e de ter extraído todas as implicações daquilo que afirma. Sem talvez também noutros casos, Aristóteles reconhece uma contingência real, a
dúvida, a respeito do calor e do frio, a sua teoria implica, à parte do calor e do qual nunca pode tornar-se em objecto de conhecimento 43. Se um homem se
frio sensíveis, a existência de um calor e de um frio inteiramente objectivos, pois comporta de uma certa maneira, é conduzido, inevitavelmente, a uma morte
a formação de todos os corpos complexos, incluindo os órgãos dos sentidos é violenta. Mas não há nada que o leve, necessariamente, a comportar-se desse
atribuída à operação do calor e do frio. E, de facto, Aristóteles estabelece u~a modo, e enquanto não se comportar desse modo, não sabemos, de modo deter-
distinção entre o calor físico e o calor sensível 37. Contudo, é duvidoso se minado, se morrerá de morte violenta 44.
reconheceu uma distinção similar a respeito, digamos, da cor ou do odor. 2) O outro sentido de ser não estudado pela metafísica é o de «Ser como
O argumento aqui resumido contém, em princípio, tudo o que pode ou deve verdade». A metafísica não o estuda por que pertence, não a objectos, mas a
ser dito a respeito da refutação do cepticismo absoluto ou do sensualismo. - estados de espírito. É estudado, devemos supor, não pela metafísica, mas pela
O argumento a favor da lei da não contradição não está livre, em todos os seus lógica 45. Aristóteles admite, de facto, a noção de «coisas falsas» e, presumivel-
pontos, da acusação de cair em circularidade; mas, no fundamental, Aristó-' mente, sem dúvida, a de «coisas verdadeiras». Contudo, quer a) uma «coisa falsa»
teles restringe-se ao método que lhe é próprio e que consiste em provar que a ne- signifique uma coisa não existente, e uma coisa verdadeira uma existente, em
gação da lei da não contradição implica a sua afirmação. O argumento a favor ambos os casos, «falso» e «verdadeiro» não são usados no seu sentido próprio, e
da lei do terceiro excluído 38 segue linhas similares. lidamos, não com «o ser como verdade», mas com o ser como existência. Ou, b)
uma coisa falsa é aquela que produz a aparência de algo não presente,.como é o
caso de um quadro ou de um sonho 46. Presumivelmente, constituem objectos,
NOVA DETERMINAÇÃO DO OBJECTO DA METAFÍSICA não da metafísica, mas da psicologia.
Restam ainda dois sentidos fundamentais de ser: o ser ç1e cujasçateg91:tas
Após ter mostrado que o estudo do ser separado e imutável constitui o constituem uma .classificação, e o ser potenciª1 e actual. O primeiro é estudado
estudo do ser enquanto ser, o livro E determina certos sentidos de «ser» irrele- nos livros ZH, o segundo no livro e .
vantes à metafísica, a saber: 1) ser por acidente ou acessório 39; e 2) ser como
verdade 40. 1) A metafísica não estuda.o ser--ª.Çjqemal porque este não pode ser
de todo estudado. Uma casa, por exemplo, possui um número infinito de atribu- SUBSTÂNCIA
tos acidentais. A ciência não pode embarcar no estudo destas séries indefinidas
de atributos; a ciência da construção, por exemplo, concentra-se na construção Na Metafísica Aristóteles não fornece qualquer exposição acerca das cate-
duma casa destinada a ser o que uma casa essencialmente é, um «abrigo para gorias no se~ conjunto. As categorias outras que a substância são, por assim
coisas vivas e para bens» 41, e ignora os seus atributos acessórios. Do mesmo diz~r, meros <<renovos e concomitantes do ser» 47. A substância é-lhes anterior de
modo, a geometria estuda, não todo e qualquer atributo do triângulo, mas três modos 4X: I) «porque pode existir à parte, enquanto elas não»\jsto não quer
apenas aqueles que lhe pertencem enquanto triângulo. E a metafísica não estuda dizer que pode existir independentemente delas enquanto estas não podem exis-
aquelas conexões entre sujeito e atributo nas quais o atributo não deriva da tir sem ela. Uma substância desprovida de qualidades é algo tão impossível
natureza do sujeito, mas lhe é acessório. Não estuda estas conexões pois estas quanto o é uma qualidade que não pressuponha uma substância. A su.bstância é
não constituem objectos de todo o conhecimento. Aristóteles parece contemplar a totalidade da coisa, incluindo as qualidades, as relações, etc., as quais formam
duas possibilidades: a) o acidental, a excepção à lei,. pode obedecer a uma I~i a sua essência, e isto' não podeexistir à parte. A substância implica qualidades,
que lhe é própria. Se A é usualmente a,
pode 'haver uma 'Iei em virtude da qual, mas estas não lhe são algo de exterior e dás quais ela necessita como de ulp
debaixo de certas condições, A é sempre ou usualmente não-B 42. Se esta lei for suplemento. Por outro lado, uma qualidade constitui uma abstracção apenas
descoberta, constatamos que o acidente aparente não é acidente, e que, conse- podendo existir na substância. Obviamente, se é isto que Aristóteles pretende
quentemente, não há conhecimento do acidental. Mas, b) na acção humana, e

43 Cf. pp. 87 segs., 194-195, 207-208.


' . .17 P.A., 648 b 12-649 b 7. 441027 a 32-b 14.
r, 7.
e . 10. o qual
.1,
45 Contudo. o «ser como verdade» é discutido em não ocupa, provavelmente. o
39 E. 2, 3. seu lugar na Metafísica.
'40 E. 4.
40 A :1024 b 17-26.
41 H. 1043 a 16.
47 É Oque Aristóteles afirma acerca da relação in £. N .• .1096 a 2 L
42 E. 1027 a 25. 4" Z. 1028 a 32 - b 2,

170
171
METAFÍSICA
ARISTÓTELES

dizer, a substância surge a seus olhos com o um a coisa individual. A s substâncias qualidades, m as tam bém um elem ent.o irraci.onal e desconhecida designado por
segundas (isto é, os géneros e as 'espécies), sendo universais, não podem , de si de m atéria .ou substrato. E, em particular, é a m udança que o leva a distinguir
acordo com a sua própria doutrina, existir à parte, antes, devem ser com pletadas entre a qualidade e a substância. U m a qualidade não pode m udar. É o que é, nã.o.
pelas qualidades especiais dos seres individuais. podendo devir .outra coisa. A penas pode ser substituída por outra qualidade. Se
2) A substância é anterior à definição. A o definirm os um m em bro de um a existe aí um a m udança distinta da sucessã.o pura e sim ples, deve existir, igual-
outra qualquer categoria devem os incluir a definição da substância subjacente. m ente, um a substância distinta das qualidades. M as A ristóteles não se c.ontenta
A ristóteles supõe que a definição de um a substância não im plica a definição de em insistir na diferença entre as coisas individuais e as suas qualidades e relações
um qualquer m em bro pertencente a outra categoria. éontudo, isto não é ver- (apesar de ser este um das m .om ent.os principais da seu pensam ent.o, sobretud.o
dade, um a vez que todas as diferenças de um a substância constituem um a na que respeita à sua oposição ao platonism .o). Pretende saber .o que, num a
qualidade. substância individual, faz dela um a substância - se é a sua m atéria .ou a sua
3) A substância é anterior ao conhecim ento. C onhecem os m elhor um a coisa form a (ou essência). Esta oposição, e a da potencialidade e actualidade, form am
quando conhecem os o que ela é, m ais do que quando conhecem os a sua quali- os traços dom inantes da m etafísica de A ristóteles. A s duas antíteses ligam -se
dade, quantidade ou lugar. C om efeito, se pretendem os conhecer algo perten- estreitam ente, 'm as, de um m odo geral, num a o m undo é vista estaticam ente, tal
cente a um a categoria diferente da substância, tem os de perguntar, não pelas com a é num dado m om ento da sua história; enquanto na outra, .o m und.o é vista
suas qualidades, etc., m as pelo que ela é, pela sua quase-substância, pelo que a dinam icam ente, com a processa de m udança.
constitui tal qual com o é. Neste argum ento, a substância é concebida, evidente-
m ente, não com o coisa concreta, m as com o natureza essencial. Encontram os
este duplo sentido ao longo do exam e consagrado por A ristóteles à substância. M A TÉR IA E FO R M A
Para A ristóteles, a existência de substância, e distinção entre a substância e
as outras categorias, constitui algo de evidente.~bntes de m ais, a «substância» O m und.o surge a A ristóteles com a um a hierarquia em que os m em bras
significa «o que não pode ser afirm ado dum sujeito, m as daquilo de que tudo o m ais elevados são c.onstituídos por substâncias im ateriais, enquanto todas as
resto é afirm ado»:'~ Existem term os susceptíveis de figurar, quer com o sujeitos outras cais as efectivam ente existentes sã.o constituídas par seres com plexos, em
quer com o prediéâdos. Por exem plo, podem os dizer: «o branco é um a com ; e que a f.orm a está, par assim dizer, em bebida em cam adas, m ais ou m en.os
podem os dizer, igualm ente: «a trave é branca». C ontudo, há outr,os, acrescenta num er.osas, de m atéria, e nas quais a m atéria se apresenta com o m oldada em
A ristóteles, que apenas podem figurar com o sujeitos. «A (coisa) branca é um a form as m ais ou m enos com plexas. C ada um destes m .od.os de ver o problem a
travc» não é um a predicação propriam ente dita, m as um a atribuição acidental 49. requer um a certa atenção. I) S,ccQ .m eçam .os por c.onsjderar um .objec.to,.1err.e.s.tre.
Esta doutrina lógica parece-nos errada 50. N o entanto, apesar da inexactidão da c.oncret.o, um corpo vivo par exem plo, constatam os ser ele capaz de m udat;lça.a
doutrina lógica, a distinção m etafísica entre substância e não-substância está .~espeit.o de quatro p.ont.os. pode nl"0ver-se no cs.pa.ç.o;pQ ge}uudar de qualidade;
correcta. B asta reflectirm os num a proposição do género: 'Sócrates é pálido' para pode t.ornar-se m aior .ou m enor; pode ser destruLd,o (após ter sido engendrado).
nos darm os conta de que o que é dito pálido não é palidez, nem tal ou tal i\ m atéria (và ,,) senda, para A ristóteles, aquilo que pressupõe a m udança,
qualidade que, em Sócrates, está associada' à palidez. N em , tão-pouco, o con- um a coisa que p.ode m udar a respeito de t.odos estes pontas é considerada c.om o
junto des'tas qualidades em que a palidez se integra, m as sim algo possuído de em bebida, par assim dizer~ nas quatro cam adas de m atéria - «m atéria locab> .ou
todas estas qualidades, a coisa individual representada pelo seu' substrato e ria m atéria para l.oc.om oçã.o, 'm atéria para a alteraçã.o, para m udançii de tam anho,
'qual elas são reunidas. R eside aí, incontestavelm ente, a concepção ,do «hom em para advir e desaparecer. Existe um a .ordem lógica definida para elas: a segunda
ordináriO l>. A inda hoje é debatido pelos filÓ sofas .o problem a de saber quando é pressupõe a prim eira 51; a terceira a segunda 52. A terceira e a ~uarta
que a substância im plica, m ais do que um a som a de qualidades, um a «qualquer im plicam -se m utuam ente 5\ D e facto, as três últim as existem sem pre c.onJunta-'
c.oisa desc.onhecida», c.onstitutiva da substrat.o dessas qualidades. A ristóteles m ente, pertencem todas aos c.orpos su blunares. C .ontudo, a « m atéria loca},>não é
ç.ol.oca-se no plana da h.om em .ordinária. Para si, um a substância é (se puserm .os apenas l.ogicam ente independente das .outras três, m as p.ode existirá p.arte dela~,
de lado D eus e .os .outras espíritas) um a unidade env.olvendo, nã.o apenas as e existe efectivam ente assim nas esferas celestes. D aí ,que estas sejam «m aIS

49 An. Posto 83 a 1.17,


51 Plzys, , 260 b 4,
52 260 a 29,
50 Este erro parece provir do facto dO e A ristóteles não estabelecer um a com pÍeta distinção
53 . H . 1042 b 3; Gen, et Corr., I. 5,
entre a relação lógica de sujeito-predicado e a relação m etafísica de substância-atributo,

173
172
M ETA F ÍS IC A
A R IS T Ó T E L E S

estado separado. C onstitui apenas um elem ento na natureza das coisas indivi-
divinas» do que as coisas terrestres 54. T odos os objectos individuais existentes
duais concretas, as quais se com põem de m atéria e de form a. E xiste apenas um a
no m undo, salvo os espíritos, são um a união deJorm a e de, pelo m enos, «m atéria
união com um dos contrários prim ordiais, calor e frio, e com um dos outros
locab>. M as o pensam ento pode distinguir um a m atéria ainda m ais subtil, apesar'
contrários prim ordiais, seco e húm ido. O s corpos terrestres m enos com plexos
de esta jam ais poder existir sem «m atéria sensível», isto é, sem , pelo m enos,
são já terra, água, ar ou fogo. E stes quatro «corpos sim ples» constituem , por seu
«m atéria local». R efere-se à «m atéria inteligível» 55 - por outras palavras, à
lado, os m ateriais de que são form ados os corpos xtotalm ente hom ogéneos» ou
extensão espacial. O reconhecim ento disto surge posteriorm ente no pensam ento
hom óm eros. Em geral, os m inerais são corpos hom óm eros, o m esm o sendo
de A ristóteles, e está confinado, pelo m enos de um a form a explícita, à M e ta fí-
válido para as partes m ais sim ples, m enos organizadas, das plantas e dos anim ais,
s ic a . D e toda a coisa sensível podereis abstrair toda a sua m atéria sensível. N o
. a saber, os tecidos. E stes fornecem o m aterial para a form ação de outras partes
caso das coisas terrestres, podereis fazer abstracção da posse das suas qualidades
das plantas e dos anim ais, partes estas organizadas em vista de funções m ais
fundam entais, tais com o o calor e o frio, a secura ou fluidez - e de todas as
elevadas - para servir, por exem plo, à sensação ou à locom oção. E stas últim as
qualidades derivadas. N o caso das coisas celestes, podereis fazer abstracção da
partes são ditas não hom óm eras, ou órgãos. A ssim com o os tecidos constituem
sua capacidade de rotação. M au grado estas abstracções, am bas conservarão a
o m aterial dos órgãos, tam bém os próprios órgãos são o m aterial da totalidade
sua figura e tam anho. Podereis passar da abstracção dos corpos reais à dos
do corpo vivo, o qual representa um a unidade ainda m ais com plexa, um a uni-
objectos m atem áticos. Podereis pensar, prim eiro, nos corpos reais sim plesm ente
dade form ada m ais com pletam ente que os órgãos, tal com o estes o são a respeito
com o objectos tridim ensionais. D e seguida, podereis considerar as secções pl~-
dos tecidos, e estes do que os «corpos sim ples» 59. Finalm ente; no hom em , o ser
nas destes sólidos, sem levar em linha de conta a terceira dim ensão da qual são,
m ais altam ente organizado ou form ado de todos os anim ais, é acrescentada um a
de facto, inseparáveis. D o m esm o m odo, podereis considerar separadam ente as
form a que não representa o princípio da estrutura do corpo, ou de um a qualquer
secções lineares destes planos, apesar de estas não possuírem , de igual m odo,
sua parte, nem utiliza nenhum órgão corporal, podendo sobreviver ao corpo.
ur~a existência separada 56. M as, apesar de terdes feito abstracção de tudo o que
E staform a é a razão ou, m ais precisam ente, a razão activa - aquela entidade
a Im guagem corrente designa de m atéria, ainda não chegásteis à form a pura. É
m isteriosa que assegura o pensam ento da razão passiva. N um grau acim a sur-
que um a linha recta, um plano ou um sólido particulares distinguem -se da form a
gem as inteligências que m ovem as esferas planetárias - substâncias puras,
?a li~~a recta, do plano ou do sólido (que certos platónicos, de form a ingénua,
totalm ente independentes do corpo, m as operando sobre as suas esferas respecti-
Identificam respectivam ente com os núm eros 2, 3 e 4 57, e que os m atem áticos
vas a b e x tr a . A cim a de tudo encontra-se a substância pura, D eus.
m odernos representam , de form a m ais exacta, por equações), pelo facto de
T oda a substância no U niverso é individual. O universo é sem pre, para
eS,tarem incorporados na extensão. Fazei a abstracção da extensão, ou da.«m até-
A ristóteles, algo que, apesar de perfeitam ente real e objectivo, não possui exis-
ria inteligíveh>, e apenas ficareis com a form a pura.
tência s e p a r a d a . A s substâncias puras, tal com o as substâncias concretas com -
Platão tratou do espaço corno elem ento m aterial ou substrato das' coisas
postas de m atéria e de form a, são individuais. C ontudo, sobre este ponto surgem
sensíveis, com o o m aterial a partir do qual as coisas são m oldadas a partir da
dificuldades. I) N as substâncias concretas A ristóteles encontra .o «princípio de
entrada em si das figuras. sem elhantes aos existentes eternos: as Form as 5R.
individuação» na m atéria. R epresenta, pelo m enos de um a m aneira geral, a
Para A ristóteles, a extensão, apesar de im plícita nas 'coisas sensíveis, não consti-
form a de cada in fim a s p e c ie s com o sendo idêntica em todos os m em bros da
tui o m aterial a partir do qual são construídas. E sta concepção aproxim a-se
espécie. D aqui resulta que a form a não pode servir para diferenciar um indiví-
m ais da nossa noção corrente de m atéria, algo possuído, sim ultaneam ente; de
duo de 'um outro. É à m atéria que é atribuído este papel 60. E ntão, sobre que é
m ovim ento e de extensão. E a m atéria das coisas sublunares possui, por outro
que se 'baseia a individualidade das substâncias puras? A penas pode repousar
lado, a capacidade de sofrer os outros três m odos de m udança.
sobre um a diferença d e fo r m a , e os escolásticos 'concluíram logicam ente quando
2) A ssim , podem os com eçar por outro lado, pela «m atéria prim eira» - um a
trataram D eus e as inteligênciãs com o m em bros únicos de ín fim a s p e c ie s separa-
expressão, ~eve ser dito, bastante rara em A ristóteles, em bora os seus seguidores
das. M as isto não suprim e de todo a dificuldade. E m bora um a espécie possa, de
a tenham V isto, e com razão, com o correspondendo a um dos elem entos m ais
facto, possuir apenas um m em bro, é da natureza de um a espécie o ser capaz de
im portantes do seu sistem a. A m atéria prim eira não existe' em nenhum lado no
possuir m ais de um . N estas condições, com o éque cada um a destas inteligências.

54 H. 1044 b 7: e. 1050 b 21; Ph)'s. 260 a 28.


55 Z. 1036 a 9, 1037 a 4. C f. K. 1059 b 15.
56 M. 1077 b 17-30. 59 Z. 1040 b 5-16.
60 ~; 1016 b 32; Z . 1034 a 5-8, 1035 b 27-31; 1. 1054 a 34; 1074 a 31-34; O e C a e /o , 278 a
57 D e A n ., 404 b 18-25, 429 b 18-20; H. 1043 a 33.
5R T im ., 50 c, 52 a. 6.- b 3.

174
175
ARISTÓTELES
METAFíSICA

se distingue dos m em bros pensáveis, em bora não-existentes, da m esm a espécie?


. não se prestarem a um a definição, podem ser conhecidos com a ajuda do pensa-
N em pela m atéria nem pela form a, então por quê?
o m ento intuitivo ou da percepção: os indivíduos inteligíveis com o «este círculo»
2) Fora desta dificuldade, som os obrigados a .reconhecer com o insatisfató_
podem ser conhecidos pelo prim eiro, os indivíduos sensíveis pela segunda 64.
rio o procedim ento segundo o qual se relega à m atéria, ao que é «em si m es~o
Fora do procedim ento abstracto e discursivo da ciência, existem m odos de
incognoscível» 61, o princípio de individualidade das substâncias concretas. Isto
.apreensão m ais concretos e directos m ediante os quais nos é perm itido apreen-
conduz-nos à conclusão paradoxal em que as coisas m ais reais do m undo (à
der, por um único acto, toda a natureza do indivíduo. A ristóteles insiste aqui
parte as substâncias puras) não são plenam ente cognoscíveis.
num ponto im portante, a saber, que o nosso conhecim ento de indivíduos,
Estas dificuldades m erecem um exam e m ais profundo. I) A tendência aris-
'por exem plo, de pessoas, não é nem pode ser form ulado com base num a série de
totélica de encontrar na m atéria o princípio de individualidade deve-se ao facto
proposições universais. M as em nenhum lado dos seus trabalhos encontram os
de o seu espírito estar dom inado pela ideia de infima species, quer dizer, pela
um a teoria do pensam ento intuitivo na qual esta função seja relacionada com as
noção de que existem com binações fixas de características form ando o ponto
outras funções por ele atribuídas a este pensam ento - o conhecim ento dos
nodal de todos os indivíduos nos quais estão presentes, e segundo a qual apenas
prim eiros princípios da ciência e conhecim ento das essências e das substâncias
estes constituiriam aquilo que a natureza procuraria assegurar e perpetuar.
incom pósitas 65. _
Todas as diferenças de m enor im portância e de m enor perm anência do que estas
b) N outro lugar 66, avança com um a solução diferente. E apenas o conhe-
não m erecem ser designadas de form a, e são tratadas com o resultado da união
cim ento enquanto que existindo potencialm ente, quer dizer, tal com o está no
de um a form a idêntica com um a m atéria diferente. N o entanto, a origem da
espírito do hom em de ciência quando este não está a pensar no objecto da sua
pluralidade dos m em bros de um a espécie reside, não na m atéria inform e, m as na
ciência, que constitui o conhecim ento do universal; o conhecim ento actual é da
m atéria qualificada - no facto de a espécie requerida existir em m aior quanti-
ordem do individual. O u ainda, do m esm o m odo que a visão é, directam ente,
dade do que a necessária para um a realização única da form a específica 62. A
visão «desta com , e apenas acidentalm ente da cor em geral, porque esta cor é
form a do hom em une-se a um a certa espécie de carne e de osso. M as, se duas
um a cor, assim tam bém " o conhecim ento gram atical o é directam ente «desta
quantidades de carne e de osso, unidas à form a, apresentam um a identidade
instância de alfa», e apenas acidentalm ente «de alfa». Esta afirm ação tam bém
qualitativa, não são m ais capazes de produzir dois hom ens distintos do que se
contém um a certa verdade. Para tom ar o próprio exem plo de A ristóteles, a
fossem porções da m atéria prim eira. D evem diferir em carácter, isto é, em
actualidade do conhecim ento gram atical não pode estar confinada à apreensão
form a. Sócrates e C álias, apesar de se assem elharem quanto à form a específica,
de um a série de leis universais. A lguém que. interprete um a passagem particular
devem diferir na form a das suas m atérias. Seguindo esta linha de pensam ento,
está a pensar gram aticalm ente, no pleno sentido da palavra. E o que é verdade
chegarem os à noção de um a essência do individual, a qual inclui, além da form a
para esta ciência é verdade para todas. Podem os m esm o ir m ais longe e dizer que
específica, outras características perm anentes existentes na m atéria de que são
o pensam ento científico actual nunca se ocupa com os universais separados dos
feitos os diversos indivíduos. E levando em conta a correlação que A ristóteles
seus casos particulares, m as sim , preocupa-se com os universais na m edida em
estabelece no seu sistem a entre a form a e o fim , deveríam os pensar q4 e o fim de
que estes Q são dos seus particulares. É im possível conceber-se unia lei geral que
. cada indivíduo não consiste apenas em atingir a perfeição típica da espécie, m as
não seja acom panhada de um a certa dose de consciência, perceptiva ou im ag~na-
tam bém na sua realização segundo o m odo particular determ inado pela sua
tiva, de casos particulares, os quais caem debaixo dessa lei. Q uando os particu-
form a individual. C ontudo, é pouco provável que A ristóteles tenha visto o
lares tiverem sido com pletam ente perdidos de vista, a lei deixa de ser um objecto
problem a deste m odo 63.
do conhecim ento genuíno para se tornar num a memoria technica, a qual apenas
2) D iversas passagens de A ristóteles sugerem um a resposta ao .problem a de
pode ser revitalizada ou, com o A ristóteles afirm a, actualizada por um novo
. saber com o podem os indivíduos. ser conhecidos. a) O s indivíduos, 'apesar de .
contacto com os particulares.
M as isto não elim ina toda a dificuldade, pois apesar de o trabalho científico
61 Z. 1036 a 8. se referir aos casos particulares, não se ocupa deles em toda a sua particulari-
62 De .Cae/o, loc. cit. o

dadeO hom em de ciência considera-os com o exem plos de um universal,.e


.63 A passagem fundam ental é A . 1071 a 27-9: «as causas e os -elem entos dJ' indivíduos
apen~s pr~sta um a vaga atenção às diferenças das suas naturezas individuais .
diferentes são diferentes; a tua m atéria eforma e a tua causa m ovente são diferentes das m inhas".
C f. Z. 1038 b 14; De An., 412 a 6-9. .
[M as o texto de A ristóteles explicita algo que é excluído da .citação de R oss. O textoé o
seguinte: ií"tE :n) ü"l] xaL ,0 ErOOÇ xaL ,o xLvüaav xaL. 1)' Éll1) .,~ xaeóÀolJ OE
64 Z. 1036 a 2-8.
},óY '¥ ,aú,á. O u 'seja, apesar da m atéria, da form a e da causa m ovente variare~ de individuo
para indivíduo, a sua «fórm ula universah> é a m esm a.' (N.d. T.)]
65 6. 10. .
66 M . "1087 a 1.0-25; C f. De An., 417 a 21-29.

176
177
A R IS T Ó T E L E S
•• •• M E T A F ÍS IC A

U m conhecim ento adequado destas exige tanto a percepção ou o pensam ento !C oncretam ente, por vezes, com o causa final e noutras com o causa eficiente.
intuitivo quanto a ciência.
iN orm alm ente, trata-se dum a causa final. A razão por que esta carne e estes
O longo debate do livro Z sobre o problem a de. saber o que constitui. o :;ossos constituem um hom em reside no facto de serem inform ados pela form a do
elem ento substancial das coisas, term ina 67 com a declaração de ser este a 'Shom em , a alm a hum ana; m as um a resposta que vá m ais ao fundo do problem a
form a ou essência. O m odo de aproxim ação é o seguinte. É acordado que a ~afirm a ser «devido a estarem organizados de m odo a servirem os fins para os
substância representa um a fonte e um a causa originativa, bem com o ser ela que 'iquais o hom em existe, a actividade intelectual e m orab>. N a sua biologia, A ristó-
faz com que as coisas sejam o que realm ente são. C onstitui a resposta à per- iteles procura explicar sem pre a estrutura pela função. O m esm o se passa a
gunta: «porquê?», por exem plo, «por que é que troveja?», ou «por que é que estes .irespeito dos a r te fa c ta . O que é que faz destes tijolos e destas pedras um a casa?
tijolos e estas pedras perfazem um a casa?». Em todos estes casos procuram os ',O facto de serem assim organizados, no sentido de servirem de abrigo às coisas
um a causa que, para falar de um m odo abstracto, constitui a essência, m as vivas e aos bens 68. Então, porm alm ente, a causa form al constitui tam bém um a
representa, em alguns casos, com o no da casa (e nas produções artificiais em '(causa final 69. C ontudo, na produção das substâncias naturais e dos a r te fa c ta ,
geral), o fim a ser atingido e, noutros (tal com o no caso do trovejar), a causa certos produtos acessúrios em ergem do que não pode ser designado de causa
m otriz. A nossa pergunta é sem pre: «o que é que transform a a m atéria num a ,;final 70, e que deve ser explicado m ecanicam ente por referência a um a causa
coisa particular?» A resposta é: é a presença da essência de um a coisa particular, 'm otriz. Sem dúvida, o trovão, com o os pitagóricos afirm avam , pode servir para
a qual não constitui um outro elem ento nessa coisa sobreposto aos seus elem en- 'atem orizar os habitantes do Tártaro, m as é m ais seguro explicá-lo pelo.resfria-
tos m ateriais, nem , tão-pouco, algo com posto de elem entos. É isto que faz com m enta do fogo nas nuvens ou por qualquer outra explicação m ecânica ".
que certos elem entos sejam carne e outros um a sílaba. E m esm o aquilo que é devido a um a causa final pode-o ser, de igual m odo, a
O ponto no qual A ristóteles insiste aqui m ais particularm ente diz res- respeito de um a causa m ecânic;;t. A luz proveniente de um a lanterna serve para
peito ao facto de não deverm os pensar a essência nem com o um com ponente nos im pedir de tropeçar, m as deve-se ao facto de o que é com posto de pequenas
existindo ao lado de outros com ponentes m ateriais, nem com o sendo ela própria , partículas passar necessariam ente através do que possui poros m ais largos, ou a
form ada de com ponentes m ateriais. Segundo o prim eiro ponto de vista, necessi- um a outra qualquer razão física 72. Esta dupla acção da causa final e daneces-
taríam os de um outro princípio estrutural para se explicar com o a essência é sidade opera norm alm ente nas substâncias naturais tal com o nos a r te fa c ta 73.

unida aos com ponentes m ateriais; no segundo, precisaríam os de conhecer com o O livro Z , além de identificar a substância, aquilo que faz com que um a
é que estes com ponentes são reunidos no sentido de form arem a essência, isto é, coisa seja o que ela é, com a essência, tende para um a explicação m enos abs-

• seríam os
form ulada
obrigados
anteriorm ente
a form ular, a propósito
a respeito da coisa concreta:
da essência, a m esm a
o que é que faz dela o que
pergunta 'tracta e m ais satisfatória
'conjuntam ente.
a partir das causas finais ou m ecânicas, ou por am bas

ela é? D evem os repudiar qualquer com preensãom alerialista da essência, e tratá-


-la com o princípio de estrutura da coisa concreta. É-nos perm itido pensar que
A A N Á LISE DO D EV IR
Platão insistiu suficientem ente neste ponto na sua doutrina das Form as, contra
os pontos de vista m aterialistas dos pré-socráticos. N o entanto, é verdade que
É natural passarm os de seguida à análise aristotélica do devir 74. O seu
A ristóteles, ao rejeitar a doutrina platónica da form a transcendente, insistiu
objectivo principal consiste em m ostrar que cada um dos três m odos de produ-
na natureza, igualm ente im aterial, da form a im anente, na qual ele próprio
'ção -,- natural, artística e espontânea - pressupõem condições sem elhantes.
acredita.
I) Por: n a tu r e z a A ristóteles entende aqui o poder, inerente a todas as coisas vivas,
Será de notar que, em bora designando a essência por referência à resposta à
de inici~r a m udança e, em particular, de reproduzir a sua espécie. N a geração
. pergunta «Q ual é. a causa do ser de um a coisa, logo, .qual é a sua essência?»,
natural, com o em todas as outras, «tudo o que se torna, torna-se por qualquer
A ristóteles indica ser esta resposta abstracta. Se perguntarm os o que é que faz
desta' carne e destes ossos um hom em , destes. tijolQ s e destas pedras um a casa,
destas nuvens um trovão, tem os razão quando respondem os ser devido «à pre-
sença da essência do hom em , de' um a casa, de um trovão». M as a resposta não
68 H . 1043 a 16; 33.
nos, conduz m ais além . A ristóteles abre cam inho a um a explicação m ais real ao 69 1044 b I.
afirm ar que, o descrito abstractam ente G om o tratando-se da essência, é visto 70 lh id . 12.

71 A n . P o s t., 94 b 33.
72 Ib id . 2 7 -3 1 .
73 l b i d . 3 4 -3 7 .
67 Z . 17.
74 Z. 7-9.

178 179
A R IS T Ó T E L E 5
M E T A F ÍS IC A

co isa e a p artir d e alg o , to rn an d o -se alg o » 75. O u seja, o que está en v o lv id o na ;p reto su rg e in stan tan eam en te so b re o b ran co 85. O s co n tacto s, co m o as fo rm as,
g eração é: a) u m in d iv íd u o p o ssu íd o já d e fo rm a esp ecífica, a q u al d ev e ser p o s- \« são e n ão são , sem se to rn arem o u p erecerem » 86; e a fo rm a d a casa in d iv id u al
su íd a p ela p ro g en itu ra, isto é, o p ro g en ito r m ach o 76; b ) um a m atéria su scep tí_ ~ ;io rn a-se in stan tan eam en te a p artir d o ú ltim o co n tacto in stan tân eo en tre d u as
v el d e ser o v eícu lo d a fo rm a esp ecífica, isto é, a m atéria fo rn ecid a p elo p ro g en i'_ telh as, d o m esm o m odo q u e a fo rm a d o v aso in d iv id u al d e b ro n ze su rg e in stan -
to r fêm ea 77; c) u m n o v o in d iv íd u o co m a m esm a fo rm a esp ecífica. 2 ) N a p ro d u - .;tan eam en te a p artir d o ú ltim o co n tacto en tre o m artelo e o b ro n ze. D e m odo
ção artística a p reex istên cia d a fo rm a é m en o s ev id en te. A co n stru ção de um a sim ilar, a fo rm a in d iv id u a l do an im al in d iv id u al su rg e in stan tan eam en te no
casa n ão p ressu p õ e a ex istên cia p rév ia d e u m a casa actu al, tal co m o se p assa a "ú ltim o m o m en to d a tran sfo rm ação v italizan te d o elem en to fêm ea p elo m ach o .
.resp eito da g eração , a q u al tem por co n d ição a ex istên cia p rév ia de um p ai O q u e se to rn a to rn a-se b o cad o a b o cad o ; m as a fo rm a n ão tem p artes:' é a
actu al. N o en tan to , num certo sen tid o , ex iste u m a casa p reex isten te, a sab er, a 'estru tu ra da to talid ad e n.
fo rm a d a casa tal co m o é co n ceb id a p elo co n stru to r 78. 3 ) A p ro d u ção esp o n tâ- M esm o onde a fo rm a e s p e c ífic a p reex iste realm en te (isto é, n a g eração
n ea é d e d u as esp écies: u m a im itan d o a n atu reza, a o u tra im itan d o a arte. Uma actu al), n ão ex iste à p arte d as in stân cias in d iv id u ais. A fo rm a é etern a ap en as
p esso a n ão esp ecializad a p o d e, acid en talm en te, o rig in ar um tratam en to tão em v irtu d e d a série in in terru p ta d o s seu s in co rp o ram en to s. A fo rm a im p lica um
eficaz q u an to o p rescrito por um m éd ico so b b ases cien tíficas 79. E a rep ro d u - « ta!> ', n u n ca u m « isto » , u m a característica, n u n ca u m a co isa co n creta p o ssu íd a
ção , que n as esp écies m ais elev ad as de co isas v iv as req u er a u n ião sex u al, ,d esta característica. R esid e aq u i a razão por que as fo rm as p lató n icas n ão
realiza-se n as in ferio res (é esta, p elo m en o s, a o p in ião d e A ristó teles) esp o n ta- 'd esem p en h am q u alq u er p ap el n a ex p licação dos facto s da g eração 88.

n eam en te 80. E , em am b o s os caso s, A ristó teles ten ta m o strar q u e, tan to na A esta ex p licação do d ev ir co n v ém acrescen tar a d ad a' p elo liv ro ' A X9.

p ro d u ção n atu ral co m o n a artística, d ev e p reex istir um a p arte do p ro d u to 81. P ara além d as três cau sas in tern as - fo rm a, m atéria e p riv ação 90 -, o liv ro
N a g eração , a fo rm a n ão é m ais g erad a q u e a m atéria. S e a p ró p ria fo rm a A p resta aten ção a três cau sas ex tern as, a sab er, I) a p ro x im id ad e d a cau sa
fo sse p ro d u zid a, sê-lo -ia d e q u alq u er co isa d iferen te, isto é, p ela im p o sição de m o triz, isto é, n a p ro d u ção d a arte, a arte aí su p o sta, e n a g eração n atu ral, o
o u tra fo rm a a um a o u tra m atéria; e se e s t a ú ltim a fo rm a fo sse p ro d u zid a p ela p ro g en ito r m ach o 91; 2 ) n o caso d a g eração n atu ral, a cau sa m o triz rem o ta e
im p o sição de um a o u tra m atéria, e assim ad in fin itu r n 82. A in terp retação m ais co m u m , a sab er, o so l q u e se d eslo ca ao lo n g o d a eclíp tica e p ro d u z a seq u ên cia
ó b v ia d esta p assag em seria a p ro clam ação d a etern id ad e d a fo rm a. M as, por d as estaçõ es 92; 3 ) a cau sa m o triz ú ltim a o u p rim eira, a q u al ag e, n ão m ecan ica-
v ezes, A ristó teles fala da fo rm a co m o ad v in d o e d esap arecen d o io stan tan ea- m en te, m as p elo d esejo ou am o r que p ro v o ca 9.1. O liv ro A v ai en tão m ais
m en te 83. D ev em o s d istin g u ir, p arece, en tre a g eração p ro p riam en te d ita (a lo n g e q u e o liv ro Z . O in teresse d e Z acerca d o d ev ir refere-se à lu z q u e p ro jecta
p ro d u ção dum a nova su b stân cia) e as fo rm as m en o res d e m u d an ça (m u d an ça so b re a relação en tre a fo rm a e a m atéria; o in teresse d e A co n siste n o p ro b lem a
d ~ q u alid ad e o u d e tam an h o , co m p reen d en d o to d a a p ro d u ção de a r te fa c ta ) .N o d e sab er em que m ed id a é p o ssív el d izer-se que to d as as co isas p o ssu em as
. p rim eiro caso , a fo rm a d ev e p reex istir actu alm en te no p ro g en ito r m ach o ; no .m esm as cau sas 94. A ristó teles o b serv a q u e, ex cep to a resp eito da cau sa p ri-
ú ltim o , ap en as n ecessita de p reex istir p o ten cialm en te 84. N este caso , n ão é m eira, as co isas p erten cen d o a g én ero s d iferen tes p o ssu em as m esm as cau sas
etern a, m as n ão é co n d u zid a ao ser p o r efeito d e u m p ro cesso . S u rg e in stan ta- ap en as an alo g icam en te. R eco n h ece, m ais n itid am en te d o q u e em q u alq u er o u tro
n eam en te n o d ecu rso d e u m p ro cesso . N u m m o m en to d ad o n ão é, n o u tro é, m as lad o , a ex istên cia da fo rm a in d iv id u al co m o d istin ta da fo rm a esp ecífica,
n u n ca se to rn a. U m a co isa b ran ca pode to rn ar-se p reta, m as o b ran co n u n ca se q u an d o afirm a: « A tu a m atéria, a tu a fo rm a e a tu a cau sa m o triz são d iferen tes
to rn a p reto . A co isa b ran ca to rn a-se p reta b o cad o a b o cad o , em cad a p arte, o d as m in h as, ap esar d e, n a su a' d escrição g eral, co rresp o n d erem ao m esm o » 95.

E .é n o m esm o esp írito q u e in siste n o facto d e « as cau sas u n iv ersais n ão ex istirem ; o

75 1032 a 13. 85 H . 1 0 4 4 b 2 1 -2 6 ; Phys .. V I. 4.


76 1 0 3 4 a 2 I-b I, 1 0 3 2 a 2 5 , 86 De C a e / o , 2 8 0 b 2 7.. ,:. ,
77 H . 1044 a 35. X7 A I~ x , in Mel ....4 8 6 . 1 3 -3 3 . CLA 1 0 7 0 a 2 1 -2 4 .
78' Z . 1 0 3 2 b r. 'xx Z . 1 0 3 3 b 1 9 .2 9 .
.79 1 0 3 4 a 2 0 . X9 A. 4. 5.
B O1 0 3 2 a 3 0 , 1 0 3 4 b ' 4 -6 : 90 1 0 6 9 b 3 2 -3 4 . 1 0 7 0 b 1 8 . 2 2 .
81 1 0 3 4 a 2 4 -3 0 . 91 1071 a 14. 28.
82 1 0 3 3 a 2 4 -b 19. 92 I h i d .. 15.

83 1 0 3 9 .b 2 6 ; H . 1 0 4 4 b 2 1 , 1 0 4 3 b 1 5 . 9.1 I h i d . . . 3 6 .

84 Z. 1034 b 18. .9 4 1070 a 31.


95 1071 a 27.

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A RIS T6 TELES METAFÍSICA

individual e a causa dos individuais; o hom em é a causa do hom em universal, presentes algum as das condições do estado B; se assim não fosse, A jam ais se
m as o hom em universal não existe: Peleu é a causa de A quiles, e o teu pai de tornaria B. U m hom em que aprendeu a arte da construção pode, quando isto lhe
ti» 96. A ssim , tam bém a causa prim eira não constitui um princípio geral, m as dá prazer e quando possui os m ateriais apropriados, com eçar a construir; um
um espírito individual 97.
hom em que nunca aprendeu esta arte, jam ais a pode iniciar. Então devem os
reconhecer que o prim eiro possui um a faculdade de construção de que carece o
outro. O u ainda, eis dois hom ens em que nenhum deles ouve o que quer que seja.
PO TEN CIA LID A D E E A CTU A LID A D E M as, suponham os um a cam painha que toca junto deles. U m ouve-a e o outro
não. Este sim ples facto pode obrigar-nos a adm itir a existência de um a diferença
N o livro Z a distinção entre a form a e a m atéria é tratada, na sua m aior entre as suas condições prévias, a diferença por nós expressa quando dizem os
parte, com o um a distinção existente no interior dum a coisa individual num que um pode ouvir e o outro não. N ão podem os explicar a m udança sem
dado m om ento da sua história, com o a distinção entre a essência de um a coisa, recorrerm os à potencialidade 99.
tal com o é form ulada na definição, e o substrato incognoscível; sem o qual a Contudo, não a podem os explicar exclusivam ente pela potencialidade.
essência não pode existir. M as à m edida que a discussão avança, A ristóteles N ada passa da potencialidade à actualidade sem a acção de algo actual. E a
presta um a m aior atenção à passagem das coisas de um a condição relativam ente actualidade é anterior à potencialidade. É logicam ente anterior, um a vez que «ser
inform e a um estado relativam ente form ado, e as expressões «potencialidaden e capaz de ser B» constitui um a noção m ais com plexa do que «ser B». M as tam bém
«actualidade» com eçam a ser em pregues. N o livro e regressa à discussão desta é anterior num outro sentido. A não é potencialm ente B, 'a m enos que possa
distinção. D istingue dois sentidos de OÚVC;q.l.LÇ <J~. Um é aquele utilizado tornar-se actualm ente B, e um a vez que isto apenas se pode passar a partir da
vulgarm ente na língua grega, a saber, o de poder, poder existente num a coisa acção de algo já actual, a sua própria potencialidade de ser B pressupõe um a
capaz de produzir um a certa m udança num a outra. N o outro sentido, sendo actualidade. Com efeito, a potencialidade pressupõe sem pre, e em todos os
aquele em que está m ais interessado, designa a potencialidade de um a coisa casos, a actualidade, possuindo nesta as suas raízes. Por exem plo, sou capaz de
única que passa de um estado a outro. V ê claram ente que a noção de potenciali- conhecer aquilo que agora desconheço, e isto precisam ente porque já sei qual-
dade é indefinível; apenas pode indicar a sua natureza recorrendo a exem plos quer coisa. Todo o conhecim ento provém de um conhecim ento preexistente. Por
particulares. Em geral, a actualidade está para a potencialidade com o um outro lado, a explicação últim a das coisas, para A ristóteles, reside no fim para o
hom em que constrói está para aquele que sabe com o construir, com o o acor- qual estão vocacionadas. O ra, a actualidade é o fim para que tende a potenciali-
dado está para o adorm ecido, com o aquele que vê está para o possuidor de vista, dades, e não vice-versa. O s anim ais não vêem a fim de possuírem a faculdade de
m aS que m antém os olhos fechados, com o o objecto form ado de um a m atéria ver, m as p'ossuem esta faculdade a fim de poderem ver 100.
está para a m atéria de que é feito, com o o produto acabado está para a m atéria Contudo, aprova principal da prioridade da actualidade é a seguinte 101: o
bruta. que é eterno é anterior em natureza ao perecível; e nada é eterno em virtude da
A escola M egárica negou a existência da potencialidade. U m a coisa, diziam potencialidade, pois aquilo que possui a potencialidade de ser tam bém possui a
.eles, está ou não num certo estado,.e é.tudo o que podem os dizer a seu respeito. potencialidade de não-ser, enquanto o que é eterno, pela sua própria natureza,
O ra, no que insiste A ristóteles é no facto de isso não ser tudo o que podem os nunca pode deixar de .ser. Segundo um a ordem de ideias, podem os dizer que
dizer a seu respeito. Parece um m ero truÍsm o afirm ar que antes de estar todas as entidades prim ordiais do universo estão isentas de potencialidade. D eus
actualm ente no estado B, A devia ter sido. assim potencialm ente, E écerto que se é actual no sentido pleno, um a veZ que é sem pre o que sem pre foi em todos os
responderm os à pergunta «porque é que A . se tornou B actualm ente» afirm ando m om entos, não possuin<;lo um único elem ento potencial irrealizado. Tam bém a
ter sido «devido a ser já B potencialm ente», estam os a fornecer um a resposta que form a é perfeitam ente actual. N ão existe nenhum a form a específica que tenha
não o é. A concepção da potencialidade tem servido m uitas vezes para encobrir com eçado ou deixado de ser; apenas se torna actualizada em novos indivíduos.
o sim ples vazio de pensam ento. Contudo, m antendo <::om insistência este con- M esm o a m atéria, quesc;:gundo um certo ponto de vista é pura potencialidade,
ceito,A ristóteles coloca em evidência um pontQ real, a 'saber, que a m udança . está iseritil do tipo de potencialidade m ais radical: a potencialidade do não-ser.
não.é catastrófica. N ão devem os acreditar que A , sendo absolutam ente não-B, . Ela é eterna. E, tal com o vim os, todas as coisas individuais existentes no m undo
se torna subitam ente B. Considerai A m ais atentam ente e descobrireis aí já

96 Ibid., 19-23. 99 e. 3.
97 1015 a 11-15. 100 1049 b 4- 1050 b 2.
98 1045 b 35 - 1046 a 11, 1048 a 25 - b 4. 101 1050 b. 6 - 1051 a 2.

182 183
M E T A F íS I C A
A R IS T Ó T E L E S

podem ser ordenadas de acordo com o grau de potencialidade de - . ainda, constatamos o seu conformismo a respeito dos pontos de vista do seu
cont . dO' que estao
. amma as. s corpos celestes são (e não falamos aqui de Deus n tempo 107. Nos seus primeiros escritos, parece ter formulado «provas da existên-
t r' . em das
I~ e.lgenclas) os menos contaminados por ela; não possuem nenhuma poten icia de Deus» bastante diferentes das existentes no livro A . Afirma-nos que no
clahdade de devir ou de perecer, ou de mudança de tamanho, ou de qualidade~ "diálogo S o b r e F ilo s o fia forneceu o que pode ser designado de uma antecipação
m~s apenas daquela que se refere ao movimento local. E mesmo esta não .' ao argumento ontológico: «onde exist". o melhon>, afirma ele, «existe o óptimo;
tu! u ma po t'encla I'd
I a e
d d e mover-se ou denão-mover-se.
. Pela sua pro' pna. constl-
_' . natu- ora, entre as coisas existentes, uma é 'melhor que a outra; logo, existe aí um
reza, e.stao necessanamente sempre em movimento, e a única potencialidade . óptimo que deve ser o divino» lO". Não se cansou de empregar o argumento
envolvida consiste no facto de o seu movimento poder ser de A para B, ou de B . tCleológico. No mesmo diálogo descreve uma raça de homens que contemplam
par~ .C, ou de C ~ara A. Todas as coisas sublunares estão sujeitas às quatro pela primeira vez a beleza da terra e do mar, a majestade dos céus estrelados,
especles d~ potenclahdade, mas,. mesmo aí, existe algo que é puramente actual, a concluindo do que vêem tratar-se tudo isso de obra dos deuses 109. Os sonhos, as
saber, as tn fim a s p e C le s , as quais são eternas em razão da sucessão ininterr premonições IIOe o instinto animal 11I são por si usados como evidência para a
das gerações. upta existência dos seres divinos. Contudo, nas obras que chegaram até nós, e que
Por último, a doutrina de Aristóteles a respeito da anterioridade da actuali- exprimem um pensamento mais maduro, a adaptação geralmente é atribuída a
dade condu-lo a negar a existência de um qualquer princípio do mal uma teleologia inconsciente da natureza, mais do que à realização dum plano
mundo 102 . O q'u.e e pot~ncla. I e. tao _ supenor . à má actualidade quanto é inferiorno
divino.
ao bon:. ~e aquilo que e. eterno pode ser desprovido dum qualquer elemento de Contudo, no livro A I", vemos Aristóteles argumentar a favor da exis-
po.tenclahdade, a fo r llO r t, pode ser desprovido de todo o elemento de mal. «Não tência de um Deus tão distante das ideias religiosas populares que não podemos
eXiste ~ualquer ma~ f.ora das coisas particulares». Noutros termos, o mal não é suspeitar da introdução aí de qualquer elemento em prol dos preconceitos ou do
um atnbuto necessano do universo, mas um subproduto do processo cósmico, espírito dos seus auditores. Aristóteles extrai estes argumentos dos princípios
al~o ~ue emerge .c,:sualmente no decurso do esforço das coisas individuais para profundamenteenraízados na sua metafísica. Primeiramente, serve-se duma
atmglrem a ~erfe,~ao que lhes é .acessível, para assim se aproximarem, tão perto espécie de argumento cosmológico, que pode ser descrito do seguinte modo: as
quanto lhes e posslvel, da Vida divina, «para se tornarem tão imortais quanto Ih substâncias são as primeiras coisas existentes 11.1. Logo, se todas as substâncias
'I
é posslve» '. S e f alham em tal tarefa, Isto
101 ." deve-se em larga medida à mate' es . são perecíveis, todas as coisas são perecíveis. Mas há duas coisas que são impere-
o' .d d * M " . na
~ ~ece.ssl a e. as tal não constitui um mau princípio, mas antes um princí. cíveis, a saber, a mudança e o tempo. O tempo não pode advir ser nem pode
pIO mdlferen:e ao bem e ao mal. E, para Aristóteles, o processo cósmico aspira deixar de ser, uma vez que isto significaria a existência aí de um tempo antes de
de t~l.modo a forma ou ao bem, que por vezes atribui esta tendência à própria o tempo ter sido, ou a existência de um tempo após este ter cessado. Também a
mate na 104 mudança deve ser contínua com o tempo, um seu concomitante 114. Ora, a
única mudança contínua é a mudança de lugar 115; e a única mudança contínua
A TEOLOGIA DE ARISTÓTELES de lugar é o movimento circular "". Então, deve existir um movimento circular
eterno 117.
O livro A é visto, com razão, como constituindo a pedra angular da M e ia - Para que se produza o movimento eterno é preciso: I) uma substância
jis ic .a : Aristóteles designou de «teologia» a ciência mais elevada, a ciência 'daquela eterna. Até aqui, as Formas Plaiónicas eram suficientes. Mas 2) esta substância
especle de ser na qual a existência .substancial, autónoma, se encontra combi-
nada com a ausência de mudança 105. É neste livro que encontramos o seu
único ensaio sistemático acerca de teoÚ)gia. Noutros trabalhos seus existem 1fI7 Estas pod~m. muitas vel.es. ser reconhecidas quand"o Aristóteles se refere aos «deuses)) no
_passagens que projectam alguma luz sobreas suas ideias teológicas 1<1/,. Noutros, plural. Cf. E.N. 1099 b 11, 1162 a 5. 1179 a 25.
"I' Fr. 1476 b 22-24.
lO" I h i" - . ci 34-b 11. Cf. a 11-32.
102 1051 a 4-21. IliJ Fr. 1475 b 36- 1476 a 9.
10.1 E. N. 1177 b 33. "i Cic. de N. D. 11. 49. 125.
* A respeito da necessidade veja-se o excele' . ". 112 Caps. 6. 7.
dade',~~nptlinuidade na H ,ic a de A:istóteles», in A n á l7 .,~ ~~~~g20(~;8~a~.~,~.ppap~7:j_~~e~ss;~~~e'(Nete/Tni-) 113 1069 a 19-26, cf. Z. I.
'Y 5 . 192 a 16-23. ' ., ..i .. 114 A saber «o número de mudança», P h ,r s .. 219 b I. etc.

105 E. 1026 a 10-19; K.I064 a 33-b 3. . 115 P h ,r s ., 261 a 31 - b 26.


106Sobre o problema de saber quando a - '. 116 261 b 27 - 263 a 3. 264 a 7 - 265 a 12.
_ com Deus, cf: pp. 155-160. . «ra7.ao act,va» do De A n im a deve ser identificada
117 A.. 1071 b 4c I I.

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184
A R IS T Ó T E L E S M E T A F íS IC A

e te rn a deve se r c a p a z d e c a u sa r o m o v im e n to , a q u ilo de que a s F o rm a s e ra m c o rp o s c e le ste s sã o se re s v iv o s 125. O s m o v im e n to s d o so l, d a lu a e d o s p la n e ta s


in c a p a z e s 118. 3) D eve não só p o ssu ir e ste p o d e r, c Ç Jm o e x e rc ê -lo . 4 ) A su a sã o e x p lic a d o s p e la h ip ó te se d e u m « e n c a ix e » e n tre e sfe ra s c o n c ê n tric a s, p o s-
e ssê n c ia deve c o n sistir, não no p o d e r, m as n a a c tiv id a d e , p o is d e o u tro m odo su in d o cada um a o s se u s p ó lo s fix o s n a c o n c h a d a e sfe ra situ a d a im e d ia ta m e n te
não lh e se ria p o ssív e l e x e rc e r e ste p o d e r, e a m udança não se ria e te rn a isto é . fo ra d e la . A ssim , cada e sfe ra c o m u n ic a o se u p ró p rio m o v im e n to à e sfe ra
n e c e s s a r ia m e n te p e rp é tu a . 5) U m a ta l su b stâ n c ia d e v e se r im a te ria l, um a ~ez qu~ situ a d a im e d ia ta m e n te a se g u ir d e n tro d e la , e o p rim e iro m o to r, ao m over a
deve se r e te rn a 119. e sfe ra m a is e x te rio r, p ro v o c a o m o v im e n to sim u ltâ n e o d e to d a s a s o u tra s. É e le
E ste re su lta d o é c o n firm a d o p e la e x p e riê n c ia 120, que n o s m o stra a e x istê n - a c a u sa d o m o v im e n to d o so l e m to rn o d a te rra em cada v in te e q u a tro h o ra s,
c ia de q u a lq u e r c o isa a m o v e r-se com um m o v im e n to c irc u la r in c e ssa n te , a p ro d u z in d o o ritm o do d ia e da n o ite , bem com o de tu d o o que na t'e rra é
sa b e r, o s c é u s e stre la d o s. D eve haver a í q u a lq u e r c o isa q u e o s m o v e . O ra , o q u e a fe c ta d o p o r e ste fe n ô m e n o . M a s o ritm o d a s e sta ç õ e s, c o m a s su a s c o n se q u ê n -
m ove e é m o v id o c o n stitu i um in te rm e d iá rio que não nos p o d e rá c o n te n ta r. c ia s n o te m p o d a s se m e n te ira s e d a s c o lh e ita s, bem com o n o ritm o d a re p ro d u -
D eve haver a í q u a lq u e r c o isa que m ove se m se r m o v id o 121. E o m o to r im ó v e l ç ã o d o s a n im a is, d e se m p e n h a um papel m a is im p o rta n te n a e c o n o m ia te rre stre ;
a ssin a la d o p e la e x p e riê n c ia , deve se r o e te rn o , o su b sta n c ia l, se r p u ra m e n t~ e isto d e v e -se a o m o v im e n to anual d o so l n a e c líp tic a . A g e ra ç ã o e m q u a lq u e r
a c tu a l, c u ja e x istê n c ia fic o u já p ro v a d a . lo c a l p a rtic u la r te n d e p a ra o c o rre r quando o so l se a p ro x im a d e sse lo c a l da
O ra , com o pode q u a lq u e r c o isa c a u sa r o m o v im e n to se m se r m o v id a ? te rra , e a d e stru iç ã o quando e le se a fa sta 126. E e ste m o v im e n to , ta l c o m o os
A p ro d u ç ã o físic a d o m o v im e n to im p lic a o c o n ta c to m ú tu o e n tre o m o to r im ó v e l o u tro s m o v im e n to s e s p e c ia is d o so l, d a lu a e d o s p la n e ta s, d e v e -se à s « in te lig ê n -
e o m o v id o e , c o n se q u e n te m e n te , um a re a c ç ã o do m o v id o so b re o m o to r 122. c ia s» . E sta s ta m b é m se m o v e m «com o fin s» 127, quer d iz e r, .m o v e m pór se re m
O m o to r im ó v e l d e v e , e n tã o , c a u sa r o m o v im e n to de um m odo n ã o -físic o p o r se r d e se ja d a s e a m a d a s. A s su a s re la ç õ e s a o p rim e iro m o to r n ã o e stã o e sp e c ific a d a s,
um o b je c to d e d e se jo . N um a p a ssa g e m , a p ro d u ç ã o d o m o v im e n to p e lo p rim e iro m as um a vez que o p rim e iro m o to r é o ú n ic o le g isla d o r d o u n iv e rso 128, a q u e le
m o to r é p e n sa d a com o p o ssu in d o um c a rá c te r q u a se -físic o ; A ristó te le s não de que «dependem o c é u e to d a a n a tu re z a » 129, devem os su p o r q u e e le ta m b é m
a firm a sim p le sm e n te que o p rim e iro m o to r o p e ra d ire c ta m e n te so b re a e sfe ra m o v e a s in te lig ê n c ia s com o o b je c to d o se u d e se jo e a m o r. O s d e ta lh e s d o siste m a
e x te rio r do u n iv e rso e apenas in d ire c ta m e n te so b re a s e sfe ra s in te rio re s, m as que p e rm a n e c e m um pouco o b sc u ro s, m as devem os p ro v a v e lm e n te p e n sa r em cada
re sid e e fe c tiv a m e n te n a p e rife ria d o u n iv e rso 123. No e n ta n to , isto c o n stitu i um a e sfe 'ra c e le ste com o tra ta n d o -se de um a u n id a d e de a lm a e c o rp o d e se ja n te ,
e x p re ssã o im p ru d e n te , não devendo se r le v a d a m u ito a sé rio . O p o n to d e v ista se n d o am ada p e la su a « in te lig ê n c ia » c o rre sp o n d e n te .
g e n u ín o d e A ristó te le s c o n stitu i-se n o fa c to d e o p rim e iro m o to r não re sid ir no C om o é que o am or o u o d e se jo podem p ro d u z ir o s m o v im e n to s físic o s q u e
e sp a ç o 124. tê m d e se r e x p lic a d o s? A te o ria p ro p o sta a firm a que cada um a d e sta s e sfe ra s
M u ito se te m d isc u tid o a c e rc a do p ro b le m a d e sa b e r se , p a ra A ristó te le s, d e se ja u m a v id a p ró x im a , o m a is p o ssív e l, d a d o se u p rin c íp io m o to r. A v id a d o
D eus é apenas a c a u sa fin a l, ou ta m b é m a c a u sa e fic ie n te , da m udança. se u p rin c íp io m o to r é um a v id a e sp iritu a l, c o n tín u a e im u tá v e l. A s e sfe ra s sã o
A re sp o sta é que D eus c o n stitu i a c a u sa e fic ie n te p o r se r a c a u sa fin a l, e n ã o p o r in c a p a z e s d e a re p ro d u z ir, m a s a p ro x im a m -se o m a is p o ssív e l d e la a o re a liz a re m
q u a lq u e r o u tra ra z ã o . M a s E le é a c a u sa fin a l, não n o se n tid o d e se r q u a lq u e r o ú n ic o m o v im e n to p e rfe ita m e n te c o n tín u o , a sa b e r, .0 m o v im e n to em c ír~
c o is.a que nunca é, m as deve .se m p re se r. É um se r e te rn a m e n te v iv o , c u ja c u lo 130. O m o v im e n to re c tilín e o fo i e lim in a d o por A ristó te le s p e lo fa c to de
in flu ê n c ia se irra d ia a tra v é s d o u n iv e rso d e ta l m o d o q u e tu d o o q u e a c o n te c e - e ste m o v im e n to , por se r c o n tín u o , re q u e re r um e sp a ç o in fin ito , no qual não
se p u se rm o s to ta lm e n te de p a rte o re in o o b sc u ro do a c a so e do li~ re a rb ítrio a c re d ita 131.

~ depende d e S i. M ove d ire c ta m e n te o « p rim e iro céu», quer d iz e r, é a c a u sa da Podem os v o lta r a g o ra à d e sc riç ã o d o p ró p rio p rim e iro m o to r. Sendo a a c ti-
ro ta ç ã o d iá ria d o s a stro s e m to rn o d a te rra . U m a v e z q u e m o v e in sp ira n d o a m o .r v id a d e físic a in c o m p a tív e l com a su a n a tu re z a . im a te ria l, A ristó te le s apenas lh e
e d e se jo , p a re c e e sta r im p líc ito que o « p i-im e iro c é u > } p o ssu í um a a lm a . E isto é a trib u i U m a a c tiv id a d e m e n ta l, e apenas a q u e la e sp é c ie d e a c tiv id a d e m e n ta l que
c o n firm a d o por a firm a ç õ e s e x iste n te s n o u tra s p a ssa g e n s, e~ que é d ito que os nada te m a v e r c o m o c o rp o , a sa b e r, o c o n h e c im e n to ; e apenas a q u e la e sp é c ie d e

. 118 ('f. 9 9 1 a 8 -i \, b 3 -9 , 9 9 -2 a 2 9 -3 2 ; Z . 1033 b 26 - 1034 a 5. 125 I b id ., 2 8 5 a 2 9 , 2 9 2 a 2 0 , b I.


119 A . 1 0 7 1 b 1 2 -2 2 . 126 -D e G e n . e t C o r r ., 336 a 32, b 6.
120 \0 7 2 a 2 2 . 127 A. 1074 a 23.
121 C f. P h y s ., 2 5 7 a 3 1 - b 1 3 . 128 1076 a ~.
122 I b id ., 2 0 2 a 3 -7 . 129 1072 b 13.
1 2 ) I b id ., 267 b 6 -9 . 130 P h v s ., 2 6 5 b I.

124 D e C o e lo , 2 7 9 a 18. 131 265 a 17.

186 187

: .~ .-
ARISTÓTELES METAFÍSICA

c o n h e c im e n to n ã o e n v o lv e n d o nenhum p ro c e sso , nenhum a tra n siç ã o d e p re m is- d e si d e D e u s d e v e se r, a o m e sm o te m p o , u m c o n h e c im e n to d e to d a s a s o u tra s


sa s a u m a c o n c lu sã o , m a s se n d o , isso sim , d ire c to e in tu itiv o . O p rim e iro m o to r c o isa s. Isto é u m a lin h a d e p e n sa m e n to p o ssív e l e fru tu o sa , m as não é a adop-
não é apenas fo rm a e a c tu a lid a d e , m a s v id a e e sp írito , e o te rm o D e u s, p o r n ó s. ta d a por A ristó te le s. P a ra si, c o n stitu e m a lte rn a tiv a s I'X o fa c to de D eus dever
a in d a n ã o e n c o n tra d o , c o m e ç a a se r p o r si a p lic a d o 132.
c o n h e c e r-se a S i p ró p rio , ou dever conhecer to d a s a s o u tra s c o isa s e , a o a firm a r
O ra , o c o n h e c im e n to , q u a n d o n ã o d e p e n d e n te , com o no hom em , d o s se n ti-
a p rim e ira a lte rn a tiv a , n e g a im p lic ita m e n te a se g u n d a . C o m e fe ito , n e g a e x p lic i-
d o s n e m d a im a g in a ç ã o , d e v e c o n stitu ir-se n o c o n h e c im e n to d o m e lh o r; e o que
ta m e n te m u ito d a q u ilo q u e a se g u n d a p o d e ria im p lic a r; re c u sa a D e u s to d o o
'é m e lh o r é D e u s. O o b je c to do se u c o n h e c im e n to é , e n tã o , E le p ró p rio . «O
c o n h e c im e n to do m al e to d a a tra n siç ã o de um o b je c to de p e n sa m e n to a
e sp írito c o n h e c e -se a si p ró p rio p e la p a rtic ip a ç ã o n o c o n h e c id o ; to rn a -se conhe-
o u tro 139. E ste d e se jo d e e x c lu ir d a v id a d iv in a to d a e q u a lq u e r re la ç ã o ' c o m o
c id o p e lo c o n ta c to e p e lo q u e c o n h e c e , de m odo q u e a m e sm a c o isa é o e sp írito e
m a l, b e m c o m o q u a lq u e r « so m b ra de m udança», a tin g e a id e ia im p o ssív e l e e sté -
o o b je c to d o e sp írito » 133. O u se ja , n a in tu iç ã o o e sp írito e stá c o m o se e stiv e sse
ril d e um c o n h e c im e n to se m o u tro o b je c to que si m e sm o .
em c o n ta c to d ire c to com o se u o b je c to ; e n tã o , não conhece um a c o isa p e lo
A concepção d e D e u s a p re se n ta d a n o liv ro A n ã o é , p o r c e rto , sa tisfa tó ria .
sig n ific a d o de o u tra que su rg e com o m e io -te rm o . Do m e sm o m odo que, ta l
T al com o é c o n c e b id o p o r A ristó te le s, D e u s p o ssu i u m c o n h e c im e n to que não o
com o n a se n sa ç ã o , a fo rm a se n sív e l p e n e tra n o e sp írito abandonando a m a té ria
é d o u n iv e rso , e e x e rc e so b re o u n iv e rso u m a in flu ê n c ia n ã o p ro v e n ie n te do Seu
a trá s d e si 134, a ssim ta m b é m a fo rm a in te lig ív e l p e n e tra n o c o n h e c im e n to . E o
c o n h e c im e n to , um a in flu ê n c ia que d ific ilm e n te pode se r e n c a ra d a com o um a
c a rá c te r d o e sp írito c o n siste n o fa c to de não p o ssu ir um c a rá c te r p ró p rio , m as
a c tiv id a d e , um a v e z q u e é d o tip o d e in flu ê n c ia que um a p e sso a p o d .e e x e rc e r
por se c a ra c te riz a r in te ira m e n te p o r a q u ilo que n o m o m e n to conhece. S e p o s-
in c o n sc ie n te m e n te so b re o u tra s, ou m e sm o d a q u e le tip o d e in flu ê n c ia que um a
su ísse um c a rá c te r p ró p rio , isso in te rfe riria com a p e rfe ita re p ro d u ç ã o do
e stá tu a ou um a p in tu ra podem e x e rc e r so b re o s se u s a d m ira d o re s. N ão há nada
o b je c to n o e sp írito c o g n o sc e n te , d o m e sm o m odo q u e u m e sp e lh o p o ssu id o r de
d e e sp a n to so n o fa c to d e o s c o m e n ta d o re s te re m achado d ifíc il a c re d ita r se r e ste
u m a c o r p ró p ria re p ro d u z m enos p e rfe ita m e n te a c o r d o o b je c to e sp e lh a d o 135. É v e rd a d e ira m e n te o p o n to d e v ista de A ristó te le s, e te re m te n ta d o le r a lg o de
a ssim que, n o c o n h e c im e n to , o e sp írito e o se u o b je c to devem te r u m c a rá c te r
d ife re n te d a q u ilo por e le a firm a d o . M e sm o A le x a n d re te n to u e n c o n tra r n o se u
id ê n tic o , e conhecer u m o b je c to é conhecer o se u p ró p rio e sp írito , ta l c o m o e ste
m e stre vm q u a lq u e r re c o n h e c im e n to da p ro v id ê n c ia d iv in a , e os e sc o lá stic o s
se a p re se n ta quando conhece o o b je c to .
m a is a n tig o s c o n c o rd a ra m com e sta o p in iã o de A le x a n d re . M e sm o A v e rró is,
E sta e x p lic a ç ã o d a c o n sc iê n c ia d e si te m por p rim e iro o b je c tiv o e x p lic a r a
a p e sa r de re c u sa r a D eus to d a a a c tiv id a d e c ria tiv a e to d o o liv re a rb ítrio ,
c o n sc iê n c ia d e si q u e acom panha o c o n h e c im e n to de um o b je c to . É n o e p e lo a trib u i-L h e - p e n sa n d o se g u ir A ristó te le s a ssim p ro c e d e n d o - um c o n h e c i-
c o n h e c im e n to d e q u a lq u e r o u tra c o isa q u e o e sp írito se to rn a o b je c to d e e sp írito .
m e n to d a s le is g e ra is d o . u n iv e rso . S. T om ás e D uns E sc o to , a p e sa r d e se e x p re s-
N ão devem os su p o r que a q u ilo que o e sp írito conhece p rim e ira m e n te é a si
sa re m c a u te lo sa m e n te , te n d e ra m a in te rp re ta r o D e u s d e A ristó te le s se g u n d o um
p ró p rio , p o is se n ã o e sta e x p lic a ç ã o do se u to rn a r-se o se u p rÓ p rio o b je c to
se n tid o te ísta . N os n o sso s d ia s, te m o s a ssistid o a um a lo n g a c o n tro v é rsia e n tre
c o n stitu iria um a petitio principii. M a s o q u e A ristó te le s a trib u i a D eus é o
B re n ta n o e Z e lle r, o p rim e iro m a n te n d o , o se g u n d o negando, a in te rp re ta ç ã o
.c o n h e c im e n to que apenas te m si-p ró p rio p o r se u o b je c to . T e n to u -se to rn a r a
te ísta . Som os o b rig a d o s a re c o n h e c e r o fa lh a n ç o da te n ta tiv a de B re n ta n o 140.

concepção de A ristó te le s a c e rc a do c o n h e c im e n to d iv in o m a is to le rá v e l
A ristó te le s n ã o p o ssu i n e n h u m a te o ria , q u e r d a c ria ç ã o d iv in a q u e r d a p ro v id ê n -
a firm a n d o que e ste c o n h e c im e n to é, ao c o n trá rio do o rd in á rio , um c o n h e c i-
c ia d iv in a . M as há tra ç o s n e le de um a fo rm a d e p e n sa r m enos á rid a do que
m e n to d ire c to d e si p ró p rio e in d ire c ta m e n te Nec tamen sequitur, d iz
do m undo.
a q u e la que, com o acabám os d e v e r, c o n stitu i a su a p ró p ria te o ria .
S . T o m á s; quod omnia alia a se ei sunt ignota; nam intel/igendo se intel/igit Q ue a a c tiv id a d e d e D e u s se ja u m a a c tiv id a d e d e c o n h e c im e n to ', e apenas de
omnia alia 136. M u ito s o u tro s e sc o lá stic o s.e x p rim e tn o m e sm o p o n to d e v ista , e
c o n h e c im e n to , n ã o c o n stitu i apenas a te o ria 'e x p o sta n o liv ro A ;' p a re c e c o n sti- .
B re n ta n o . c ita -o em a p o io de um a p a ssa g e m 137 na qual A ristó te le s a firm a
tu ir u m a p a rte d o p e n sa m e n to p e rm a n e n te d e A ristó te le s,' e e n c o n tra -se e x p re ssa
p a ssa r-se o m e sm o a re sp e ito d o c o n h e c im e n to d o s c o rre la tiv o s. T odas a s o u tra s
com a m e sm a c la re z a n o u tra s o b ra s 141. P o r o u tro la d o , a o c ritic a r E m p é d o c le s
c o isa s p a ra a lé m de D eus devem o se u se r a D e u s, a ssim com o o c o n h e c in ie n to

I3X A. 1074 b' 22.


139 Ibid., 2 5 , 3 2 , 2 6 .
132 A. 1072 b 25. 140 F o i e x a m in a d a e m d e ta lh e p o r K . E lse r in Die Lehre des A. über das Wirken GOlfes,
133 Ibid., 20. M ü n ste r, 1 "8 9 3 .P a ssa e m re v isia o s p o n to s fu n d a m e n ta is d o a rg u m e n to d e B re n ta n o in « M iild » ,
134 De An., 424 a 18. X X III, 2 8 9 -2 9 1 .
135 Ibid., 4 2 9 a 1 3 -2 2 . 141 De Caelo, 2 9 2 a 2 2 ; b 4 ; E.N., 1 1 5 8 b 3 5 , 1 1 5 9 a 4 , I 1 7 8 b 1 0 ; Pai. 1 3 2 5 b 2 8 . A 7tpã!;L C ;

136 In Mel., liv . X II, le c c X I. é a trib u íd a a D e u s in E.N., !;5 4 b 2 5 , Pai., 1 3 2 5 b '3 0 , m a s n u m se n tid o m a is la to , n o q u a l
137 Top., 1 0 5 b '3 1 -3 4 . 8E w p(a é u m a e sp é c ie d e 7tpa!;L C ; (1 3 2 5 . b 2 0 ).

188 189
ARISTÓTELES METAFíSICA

p o r e ste te r e x c lu íd o p a rte d a re a lid a d e d o c o n h e c im e n to d e D e u s, A ristó te le s a trib u ir a e ste p o n to d e v ista . S e rá q u e p re te n d e a firm a r I) q u e a e stru tu ra e a


com e fe ito , c ritic a a su a p ró p ria lim ita ç ã o d o c o n h e c im e n to de D eus ao Se~ h istó ria d o u n iv e rso re p re se n ta m a re a liz a ç ã o d e u m p la n o d iv in o ? O u 2 ) q u e se
p ró p rio c o n h e c im e n to I'~. Q u a n d o A ristó te le s c o n sid e ra a n a tu re z a de D eus d e v e a o tra b a lh o c o n sc ie n te d e se re s in d iv id u a is te n d e n te s a u m fim ? O u 3 ) q u e
d á -se c o n ta de que a a trib u iç ã o a S i d e q u a lq u e r in te re sse p rá tic o no m und6 e x iste n a n a tu re z a u m a a sp ira ç ã o in c o n sc ie n te te n d e n d o p a ra fin s? I) A p rim e ira
d im in u i-L h e a Sua p e rfe iç ã o . M as quando c o n sid e (a o m undo, te n d e a p e n sa r a lte rn a tiv a n ã o é c o m p a tív e l c o m a te o ria d o liv ro . A e m q u e a ú n ic a a c tiv id a d e
D eus de um m odo que o c o lo c a em re la ç ã o e stre ita com o m undo. d e D e u s c o n siste n o a u to c o n h e c im e n to . M a s m e sm o n e sse liv ro , e x iste m tra ç o s
Se a p e rg u n ta fo r: se rá que A ristó te le s p e n sa D eus com o c ria d o r do d e u m a lin h a d e p e n sa m e n to d ife re n te . Q uando D e u s é c o m p a ra d o a u m c a p itã o
m undo?, a re sp o sta deve se r: c e rta m e n te que não. P a ra si, a m a té ria é não- de um a a rm a d a , a quem é d e v id a a o rd e m n a a rm a d a , o u a o le g isla d o r. de um
-g e ra d a , e te rn a ; a rg u m e n ta e x p re ssa m e n te c o n tra um a c ria ç ã o do m undo I". povo, ou quando o u n iv e rso é c o m p a ra d o a o g o v e rn o de um a c a sa , em que as
E ste fa c to n ã o e x c lu i n e c e ssa ria m e n te o p o n to d e v ista se g u n d o o q u a l a m a té ria fu n ç õ e s m a is o u m e n o s d e fin id a s sã o a trib u íd a s a to d o s o s m e m b ro s d a fa m ília ,
é m a n tid a n a e x istê n c ia a tra v é s d a e te rn id a d e p o r D e u s. C o n tu d o , n ã o e n c o n tra - do to p o à b a se 146, é d ifíc il não su p o r que A ristó te le s e stá a p e n sa r em D eus
m os em A ristó te le s nenhum tra ç o de um a ta l d o u trin a . Por o u tro la d o , as com o c o n tro la n d o p e la S u a v o n ta d e a s lin h a s fu n d a m e n ta is d e d e se n v o lv im e n to
in te lig ê n c ia s a p a re c e m com o se re s in c ria d o s, p o ssu íd o s d e u m a e x istê n c ia in d e - da h istó ria do m undo. E pode e n c o n tra r-se um a lin g u a g e m sim ila r n o u tra s
p e n d e n te . E a te n ta tiv a d e B re n ta n o d e m o stra r q u e a ra z ã o d e c a d a se r h u m a n o p a ssa g e n s. A le x a n d re a trib u i a A ristó te le s a c re n ç a n a a c tiv id a d e p ro v id e n c ia l,
in d iv id u a l é c ria d a por D e u s, aquando do n a sc im e n to do in d iv íd u o , m a n ife s- no se n tid o em que se tra ta da c o n se rv a ç ã o das e sp é c ie s. E sta ín te rp re ta ç ã o
ta -se c o n tra os te x to s em que a p re e x istê n c ia e te rn a da ra z ã o é c la ra m e n te b a se ia -se n a p a ssa g e m 147 e m q u e A ristó te le s a firm a q u e p a ra a q u e le s se re s q u e ,
m a n tid a I". d e v id o à su a d istâ n c ia do p rim e iro p rin c íp io , sã o in c a p a z e s dum a e x istê n c ia
E x iste u m a p a ssa g e m no liv ro A na qual A ristó te le s p a re c e , à p rim e ira p e rm a n e n te (isto é , p a ra o s h o m e n s, a n im a is e p la n ta s, e m c o n tra ste com as
v ista , su g e rir a e x istê n c ia d e D e u s, ta n to im a n e n te m e n te ao m undo c o m o tra n s- e stre la s), D eus p ro v id e n c io u o m e lh o r a se g u ir a o a sse g u ra r a c o n tin u id a d e da
c e n d e n te m e n te . «D evem os c o n sid e ra r em qual dos d o is m odos a n a tu re z a do g e ra ç ã o .' D e m odo sim ila r, o e lo g io d e A n a x á g o ra s 148, p o r e ste te r in tro d u z id o
to d o p o ssu i o b e m e o m e lh o r - o u c o m o a lg o e x istin d o se p a ra d a m e n te e p o r si a ra z ã o com o c a u sa da o rd e m no m undo, im p lic a a a trib u iç ã o a D eus de
p ró p rio , ou com o o rd e m d o to d o . T a lv e z devam os a firm a r q u e p o ssu i o bem e o um a o rd e n a ç ã o g e ra l do u n iv e rso , a trib u iç ã o ig u a lm e n te e x p re ssa em fra se s
m e lh o r d o s d o is m o d o s, ta l c o m o a c o n te c e num a a rm a d a . C om e fe ito , ta n to é com o «D eus e a n a tu re z a não fa z e m nada em vão» 149. No e n ta n to , o m a is
v e rd a d e que n o c a so d a a rm a d a o se u bem re sid e n a su a o rd e m , com o o se u n o tá v e l é a e sc a sse z d e tra ç o s a re sp e ito d e ste m o d o d e p e n sa r, se d e sc o n ta rm o s
com ando é o se u b e m , c o n stitu in d o e sta ú ltim a u m g ra u m a is e le v a d o , p o is n ã o é a s p a ssa g e n s e m q u e A ristó te le s p ro c u ra e le p ró p rio c o n fo rm a r-se com a s o p i-
o c o m a n d a n te q u e e x iste e m ra z ã o d a o rd e m , m a s sim e sta q u e e x iste g ra ç a s ao n iõ e s c o rre n te s. N unca e m p re g a a e x p re ssã o « p ro v id ê n c ia .) d e D e u s, com o fiz e -
c o m a n d a n te » 145. M as a p e sa r d e A ristó te le s a firm a r que o bem e x iste , sim u lta - ra m S ó c ra te s e P la tã o 150; não a c re d ita , de m odo sé rio , nos c a stig o s e re -
n e a m e n te , com o e sp írito tra n sc e n d e n te e com o um a o rd e m im a n e n te , não
c o m p e n sa s d iv in a s; não p o ssu i q u a lq u e r in te re sse , com o P la tã o tin h a , em
a firm a que Deus e x iste n e ste s d o is se n tid o s. P a ra si, n o liv ro A , D e u s é e sse n - ju stific a r a a titu d e de D eus a re sp e ito do hom em 151.
c ia lm e n te a c a u sa p rim e ira ; e se g u n d o o p o n to d e v ista d a d o u trin a d a p rio ri-
2 ) A se g u n d a a lte rn a tiv a p a re c e dever se r p o sta d e p a rte p e lo fa c to de a
dade da su b stâ n c ia , a c a u sa deve se r p a ra si u m a su b stâ n c ia e não um a te le o lo g ia na n a tu re z a se r d e fin itiv a m e n te o p o sta ao tra b a lh o do p e n sa -
a b sfra c ç ã o , ta l c o m o a o rd e m o é . N "o e n ta n to , fa la d a o rd e m com o se n d o d e v id a m e n to 152. 'E m ú ltim a ' a n á lise , p a re c e que o p o n to d e v ista 3 ) é a q u e le que
a D e u s, d e fo rm a que podem os d iz e r v e rd a d e ira m e n te q u e o .se u D e u s o p e ra no
. p re v a le c e 'n o e sp írito d e A ristó te le s,. p o is, p a ra u m a p a ssa g e m e m q u e a firm a que
. m undo, e, neste se n tid o , é im a n e n te ."
Uma d a s p a rtic u la rid a d e s' m a is c o n sp íc u a s d o p o n to d e v ista d e A ristó te le s
a c e rc a do u n iv e rso d iz re sp e ito à su a te le o lo g ia u n iv e rsa l. À p a rte d a s c o in c i-
d ê n c ia s o c a sio n a is, tu d o o que e x iste ou a c o n te c e e x istir, a c o n te c e em v ista s
de um fim . M a s já n ã o se to rn a tã o c la ro sa b e r q u a l a in te rp re ta ç ã o p o ssív e l de 146 1 0 7 5 a iS , 1076 a 4, 1075 a 19.
147 De Cien. el Corr., 336 b 31.
148 A. 984 b iS .
. 149 De Coelo, 2 7 1 a 3 3 .
150 'X e n . Mem. "I. 4 , 6 , e tc .; P 1 ., Tim., 30 c, 44 C.

142 Mel .. B 1 0 0 0 b 3 ; De An., 4 1 0 b 4. 151 A su a so lu ç ã o do p ro b le m a do m al fu n d a -se num a re fe rê n c ia ao 'to Xo;X01tOLOV


14~ D l' Coelo. 3 0 1 h 3 1 . 2 7 9 b 1 2 se g s. in e re n te à m a té ria (Phys., 1 9 2 a .1 5 ). N ão q u e a m a té ria p o ssu a um a p re d isp o siç ã o p a ra o m a l; m a s,

144 D e sig n a d a m e n te , De An., 4 3 0 a '2 3 . se n d o um a p o té n c ia lid a d e d e o p o sto s, c o n stitu i um a p o te n c ia lid a d e , ta n to do m a l q u a n to do bem .


145 1075 a 1 1 -1 5 . 152 Phys., 1.99 b 26. .

190 191
A RIST6TELE5

D eus e a natureza não fazem naoa 'em vão, existem m uitas outras nas quais
afirm a sim plesm ente que a natureza não faz nada em vão. A noção de teleologia
inconsciente é, com efeito, insatisfatória. Se concebennos a acção, não m era-
m ente com o produzindo um resultado, m as com o visando a sua produção, .
devem os conceber o agente, quer com o im aginando o resultado e visando atingi_
-lo, quer com o instrum ento de qualquer outra inteligência, a qual se serve dele
para realizar os seus propósitos conscientés. A teleologia inconsciente im plica
um propósito, o qual não se constitui com o propósito de qualquer espírito, não
sendo, consequentem ente, de todo um propósito. M as fl linguagem de A ristóte-
les sugere que ele (à sem elhança de m uitos pensadores m odernos) não se dá
conta desta dificuldade, e que, na m aioria das vezes, contenta-se em trabalhar
com a noção de um propósito inconsciente na própria natureza.

CA PÍTU LO V II

A ÉTIC A

Segundo A ri'stóteles, existem .!rês tipos essenciais deconhecjm ento' o teo-


rético, o prático e ~cL'!0vo, consoante for procurado por si m esm o,
com o um a regra de conduta ou com o um a regra para fabricar algo de útil ou
belo.
A ciência prática suprem -ª ~ em relação à qual todas as outras estão
subordm adas e sao ãU X .iliar~ ~ é ap-olíti~<U !. com o nós, com a nossa plena
consciência de que o hom em é m em bro de com unidades, outras que o estado,
estarem os m ais inclinados a cham ar, a ciência social. D esta cjênciª~a ética
apenas representa um ª.~ua_I@ I!~_~,_ po;i';~~:-A ~~~~ca fala 'dá ;:it~a»
. Çom o um a ciência independente, !Ilª~_E~JÇ~~S.e-_ªp_e.!!ª-s-ª9-~<.estudo
do caráctem ou
. das <m ossas discussões ãcerc~-d'~ caráetem 1.'-----"'-' -.--.-- ..• --_.-'

- '~~iê~~ia «p~lític-;;:;;:_~~-;;:~~d.a-nasüiTõU Ü iâade, divide-se em duas partes


que,~por con~e~~ podem os designaI" de ética e de políticª./A ética de
A ristóteles é, sem ºúyida, social, e a sua políti~ª_~_é.!ica. N a Bica, não se esquece
queo11O 'm effi1~IdU al é._essencialm ente um m ~m bro da sociedade.-N em x..ua "0"

.'-POlitiCã; que à' virtude d-º-<ê~1!!.<:l_Q


ç~~ª_co.!!fQ r!:ne;_às.irtudc-dos.-sells_cidad~os.:I
>Contudo, não tinhã-;:f~idas sobre o facto de existir um a diferença entre os dois
tipos de investigação. Já não é tão claro a repeito da natureza da relação entre
elas. N o início da Ética descreve o bem do .estado com o sendo «m ais im portante e
m ais perfeito» gue ()do indivíduo, e este últim o com o constituindo aquilo com
• que tem os de nós contentar se não conseguim os atingir o prim eiro 2. M as o seu
(

I An. Post., 89 b'9; Pol., li61 a 31, etc.. A palavra «ética» (ij i]O LX 1Í) significaria a Ciência
J do carácter.
2 E.N., 1049 b 7-10;

193
192

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ARISTÓTELES A ÉTICA

sentido do valor da vida individual parece crescer à medida que a vai discutindo, 50. Nem sempre é claro se pretende afirmar a existência de acontecimentos
e no fim do livro exprime-se como se o estado estivesse meramente ao serviço obJectivamente indeterminados, ou se está a distinguir a necessidade que
d'a vida moral de ~ada indivíduo, fornecendo-lhe o elemento de compulsão que é . noS surge daquela que nos escapa. Mas, aparentemente, acredita que na acção
necessário se os desejos do homem devem obedecer à sua razão 3. '.humana, em todos os acontecimentos, existe uma contingência efecti'l@..Con-
A ideia fundamental da Ética está contida na primeira frase.:...«Toda a ar1e.e

t
t;:;do, mesmo se admitimos I) que as consequências físicas dos nossos actos não
toda alnvesti'ga.çã~, t~'d;;"~'~-~çã;;'e~~';Wlha-p'ii=;;;;mtendeLP-ar.~~
podem ser exactamente previstas, e, 2) que as acções futuras são actualmente
isso ...;;'b~m tem sido correctamente definido como aquilo_£!!.!:fUl!!0o~~_as indeterminadas, Aristóteles parece enganar-se ao supor que estes factos
cois~s tendem». Toda aacçã6terict"ê'.p.~r~ ~i'go-difêi:é-nteeft;"iaprópria, e da sua
diminuem a exactidão possível à filosofia moral. Tornam impossível afirmar
.tendê~cia para produzir isto deriva o seu valor. A ética de Aristóteles é nitida-
com precisão quais as acções que poderão produzir os melhores resultados. Mas
menteheleológica} Para si, a moralidade consiste n.a execução de certas acções, a ciência que é afectada por isto constitui a ética aplicada ou casuística, a
não porque as consideremos como correctas em SI mesmas, mas porque reco- tentativa de afirmar o que devemos fazer em dadas circunstâncias, e não a ética
nhecemos serem as capazes de nos aproximar mais do «bem para o homem» 4. abstracta, que investiga o significado de «dever», e por que devemos fazer o que
No entanto, este ponto de vista não pode realmente ser reconciliado com a
devemos fazer.
distinção por ele estabelecida entre acção ou conduta, a qual é válida em si A diferença entre a ética e as ciências exactas é melhor expressa noutro
própria, e a produção, a qual deduz o seu valor do «trabalho,> - a rédea, a local. As razões éticas consistem, não em partir dos primeiros princípios, mas
estátua, ou o que quer que seja produzido. Se tivesse aderido completamente a sim em atingi-los; ela parte, não do que é inteligível em si próprio,glas do que
esta distinção, teria atingido uma teoria de tipo mais kantiano. A distinção não ';os é familiar, isto é, os factos puros, e procede retrospectivamente destes até às
deixa de provocar influências sobre a sua ética, mas, de um modo geral,~ razões que lhes são subjacentes; e, para obter o conhecimento necessário dos
categoria de .IDeio e de....fi:m ..qu.e..interpreta a acção huma na. faCtos, é necessária uma~ As matemáticas operam com uma maté-
-.--.-~ara o qual uma acção particular tende pode ser apenas ~m:.io
ria cujos primeiros princípios são adquiridos mediante uma fácil abstracção dos
para"-u'm;~t~o.fimmals IÓngínqlio~ "rri:;ls(fe~eiá~~~lstir.um.termQíJã~~~sta .sér~e: dados sensíveis. A substância das matemáticas consiste na dedução das conclu-
Cada acção tem -<ie'ijõssüir um fim ultimo, válido em si próprio, e Aristóteles
sões destes primeiros princípios. Os primeiros princípios da ética encontram-se
infere sem hesitar que o fim último de todas as acções deve ser o mesmo. Então, muito profundamente imersos nas circunstâncias da conduta para serem, desse
surgem duas questões: qual é este fim? qual é a ciência que o investiga?/ modo, deslindados, e a substância da ética consiste, precisamente, em deslindá-
Responde-se facilmente à segunda pergunta.1Cabe à ciência política estabelecer -los. Para isto, são necessárias duas condi ões. Primeiramente o estudante deve
quais as ciências que devem ser estudadas, e por quem. As capacidades ~ais ter sjdo levado a aceitar as opiniões gerais acerca de problemas morais, os quais
firmemente reconhecidas, como a estratégia, estão subordinilc:las à ciência polí-
representam a sabedoria colectiva da raça, Estas opiniões ~ão são, ~e.m muito "
tica. Cabe à ciência política dizer-nos o que devemos, ou não, fazer. Então, cabe claras nem muito consistentes, mas, tal como são, constituem o UOlCOdado ~
à ciência política o estudo do bem para o ..homem 5, A outra questão é mais pelo ~ual nos é possível atingir os pfimeiros princípios. A segunda condição
complicada e exige para a sua inteira resolução, todo o desenvolvimento da cons'lste em éxaminar estas crenças, comparando-as enfresi, purificando-as das
Ética. Na nossa resposta, devemo-nos contentar com o grau dt; precisão permi- suas inexactidões e inconsistências, no sentido de se encontrarem as verdades
tido pelo rlosso objecto de estudo. A ética ocupa-se de «coisas que são geralmente «mais inteligíveis em si próprias», não aparentes ao primeiro olhar, mas evidentes
tais», «coisas capazes de serem de outro modo», e não devemos esperar dela a
em si próprias desde o momento e~ue as at.in~im_os7. Se a ética não é
consecução de demonstrações perfeitaS, possíveis numa. ciência que como l!. demonstrativa, será ela. então (par a dlstlnçao frequentemente.esta-
. matemática, opera com «coisas gue o são necessariamente» 6. Aristóteles distin- belecida na ló 'ca de Aristót dialéctica? m sentido, sim. Um dos usos da
gue frequentemente entre o elemento necessário e o cóntingenteno univer- dialéctica consiste precisame e uzir-nos até aos primeiros princí-
pios 8. Em consecjuência, Aristóteles raciocina muitas vezes dialecticamente, não
a partir dos princípios conhecidos como verdadeiros, mas das opiniões, d~ «mui-
tos;, ou do «sábiü>', e particularmente das apresentadas pela escola platomca. No
entanto, daqui não resulta que a .Ética seja um prolongado argumentum ad
3 1179 a 33 segs.
4. Contudo, por vezes .3 Sl,la teleologia é incoerente; o acto bo~' é um meio para- .alcançar o
bem, no sentido em que forma um elemento da vida ideaL .
5 1094 a I - b I l. 1095 a 2-11, 30 b 13, 1098 a 33 - b 4, 1142 a 11-20, 1145 b 2-7.
/
6 b 1.1-27. Top., 101 a 36- b 4. I

194 195
ARISTÓTELES A ÉTICA

hominem, fundado sobre opm lO es não aceites pelo próprio A ristóteles. Por «bem » não possui um significado com um a todas as suas aplicações. N o entanto,
certo, não pensou que um a tal tarefa m erecesse o seu esforço. E m geral, faz Suas não vai ao ponto de afirm ar a equivocidade do uso deste term o .. C ontenta-se
as opiniões da A cadem ia e, quando não as aceita, não hesita em dizê-lo. com um com prom isso, sugerindo que todos os bens tendem , ou denvam , de _um
. bem único (o bem na categoria da substância, a bondade de D eus ou da razao),
ou que são unos por analogia - que o bem num a categoria está .para .outras
coisas desta categoria assim com o o bem num a seg\lnda catego:la esta para
o FIM DA V ID A HUMANA
outras coisas desta m esm a categoria. A rgum enta 2) que não eX iste qualquer
Form a de bem independente das suas m anifestações particulares - argum ento
A ristóteles aceita do «vulgo» o ponto de vista segundo o qual o fim

1
este que pode ser invocado a propósito de. qualquer Form a Pl_atónica:.e
é a Eúocz.t1..l.o\lLa 9. O riginariam ente, o adjectivo correspondente significa-
,3) m esm o que houvesse um a form a de bem m dependente, esta nao servlI:!a
va «velado por um bom génio», m as, no grego com um , a palavra designa
':!'para fins práticos. O bem para o homem é o bem m ais lato, cuja contem plaçao
sim plesm ente a sorte, m uitas vezes com referência especial à prosperidade exte-
deve ajudar-nos na nossa vida diária 11.
rior. A tradução convencional por «felicidade» é im própria a respeito da Ética,
O bem para o hom em deve apresentar duas características. D eve ser final,
pois, enquanto «felicidade» designa um estado de sentim ento, diferindo do «pra-
!q;;r dizer, ser sem pre escolhido por si. próprio e n.unca com o um m ~io ?e se
zen, apenas pela sua sugestão de perm anência, de profundidade e de sere-
, . atingir outra coisa. E deve ser auto-suficiente, quer dlz~r, .algo que por SI propno
nidade, A ristóteles insiste no facto de Eúocz.t1..l.o\lLa ser um a espécie de
, torne a vida digna de ser escolhida. E stas duas caractenstlcas .pe~tencem ao be.~-
actividade, e não qualquer espécie de prazer, apesar de este a acom panhar
'\ -estar. M as precisam os ainda de nos interrogarm os so.bre o .slgm fica_do da ~eh.cI-
naturalm ente. Por isto, será preferível traduzir m ais prudentem ente por «bem -
dade. Para responder a esta questão, A ristóteles faz m tervlr a noçao platonlca
-estan). Se colocarm os a pergunta: foi A ristoteles um hedonista?, é m elhor optar-
de obra ou de função. N o fundo, procura qual"ã. espécie de vida que pode dar ao
m os pela sua afirm ação, repetida e deliberada, segundo a qual o fim para que
hom em um a m aior satisfação, m as para responder a esta questão julga necessá-
tende a vida é a actividade, m ais do que sobre o em prego que faz, por falta de
rio investigar qual a função característica do hom em .' E sta se~un.d~ questão é
um term o m elhor, de um a palavra sugerindo, não a acção, m as o sentim ento.
extraída do dom ínio das artes, no interior da qual se torna m ais facIl encontrar
D izer que o bem para o hom em é a Eúocz.~(...l.o\lLa não nos leva m uito
um a resposta. N ão existe qualquer dificuldade em ver que a função de ~m
longe, reconhece o próprio A ristóteles. É preciso conhecerm os ainda que
tocador de flauta com o tal, reside no tocar flauta, e que a de um m achado reSide
espécie de vida está subjacente à Eúocz.~(...l.o\lLa . m. hom em parece escolher,
. no cortar. M esm 'o no que diz respeito às partes do corpo vivo - o olho .• a m ão
de facto, quatro espécies fundam entais de vida. ~ m aior parte dos hom ens
_ é fácil concluirm os quais são as suas funções. Já não se torna tão fáC il ver-se
visám ojiprazer.J M as este constitui um fim para os escravos ou para as bestas. O s
,. qual é a obra do hom em . A ristóteles procuraresolver esta questão interrogand~-
m elhores visam a honra. É este o objecto d~ vida política' M as a honra depende
-se sobre qual é a coisa que apenas pode ser execut~da ?elo hom em . O crescI-
m ais de quem a dá do que daquele que, a recebe, enquanto o fim para o ,qual
m ento e a reprodução é com partilhada com os am m al~ e. com as plantas,. a
tende a nossa vida deve ser constituído por algo que nos seja próprio. A honra
sensação com os anim ais. N enhum a destas po~em c~nstltU lr a obra caractens-
parece ser procurada com o form a de nos assegurarm os da nossa própria virtude, .
tica do hom em . C ontudo, no hom em , com o tm ha ficado dem onstrado no De
e a virtude é, talvez, m ais verdadeiram ente o fim da vida política. C ontudo, a
, Anima. existe um a faculdade m ais elevada sobreposta às precedentes. faculdade
virtude é com patível com a inactividade e, com a m iséria, e: em am bas, não pode.
esta q~e A ristóteles designa' aqui de ;:0 À ,óY O 'll' Exo'll «aquilo que possui um
ser 'considerada com o constituinelo o verdadeiro fim . A lguns hom ens procuFam
plano ou regra». N o seu interior, existe um a subfaculdade. que com preende o
tam bém aJriquezaj m as isto constitui um m eio e não um fim . A\vida\contemplatiVlil
.. plano, e um a outra que lhe obedece. O bem -estar deve ser a V ida des~a :aculdade .
é reenviada para o livro X , onde A ristóteles tenta dem onstrar ser ela constitutiva
. E m segundo lugar, deve ser um a actividade, não um a m er~ ~ote~clal~dade. Em
do fim m ais elevado l0 . '
','terceiro, deve estar de acordo com a virtude, ou, se eX istir ai m m s de um a
Platão propôs algo de m ais abstruso do que estes bens óbvios - um a
. virtude; estar. de ac.ordo com a m elhor e m ais perfeita de entre elas. E m quarto
Form a de B em que' constituÍria a raiz de toda a bondade, -onde qu~r queoesta se
iuga~, deve' m anifestar-se, não som ente durante pequen,os períodos, m as em
encontrasse no universo. C ontra isto, A ristóteles argum enta: l~/que o term o
toda um a vida 12.

9 1095 a 14-20.
11 1096 a 11 - 1097 a 14.
10 1095 b 14- 1096 a 10.
12 1097 a 13 - 1098 a 20.

196
197
,
A ÉTICA
ARISTÓTELES

Esta definição é confirmada por pontos de vista comuns acerca do bem- tocando, assim também nos tornamos. justos ou tem .. perantes pel.a práti~a .de L
-~star, e, ao mesmo tempo, corrige-os. Alguns afirmam que o bem-estar é a actos justos ou temperados tados de carácter são formadospQLªÇJIYJd.a - )
des similares» 17. rimeira ~ . stab'elecid-a- ~ ~~sp~Ú;;-<k;t~~ actividades é
virtude. Nós dizemos ser uma espécie de acção para a. qual tende a virtude
Alguns afirmam ser o prazer. Nós dizemos ser acompanhada necessariament~ que o excesso e o _ÍtQ..Qeye campos evi!.'!.,!os. Tal como o excesso ou o
pelo prazer. Alguns afirmam ser a prosperidade externa. Nós dizemos que, sem defeito de exercício corporal ou de ingestão de comida são igualmente nefastos
uma certa dose de prosperidade, um homem não pode exercitar esta boa ac~ para o corpo, assim também, se tivernJ9.s_n:L~c!()...ge tudo ~~~-nos coba!-~es e
dade que é o bem-estar. Assim, os elementos principais que figuram na no~ ~, inversamente, nada temermos tornamo-noLºeu~a.J~.l!le~iC!"a(fe l?uca. ~.fu
comum de bem-estar também entram na nossa definição. A virtude constitui a nenhum dos casos desenvolvemos a coragem em nós, e os actos por nos realiza-
raiz donde descola a acção conforme o bem, o prazer é o seu acompanhamento' dos quando adquirimos a virtude devem possuir o mesmo carácter de modera-
natural e a prosperidade a sua condição prévia normal 13. Não obstante, Aris- ção existente naqueles onde a virtude foi desenvolvida. Aqui IH reside Q germe
. tóteles tem o cuidado de acrescentar 14 que a finura de carácter pode «brilhar da doutrina do msto meio * , cuja discussão pode ser deixada para mais tarde.
através» de circunstâncias adversas. -~ A melhor indicação de uma disposição interna no homem reside no praze
Sendo o bem-estar uma actividade conforme a virtude, Aristóteles ou na dor qüe seniG-;;..9.g~d()_Q~~.'~~;s~ç:~ç-ª,ode
actos, respectivamenü:, yirtu()s()s
preocupa-se de seguida 15 em procurar a natureza da virtude, problema. que o ou viciosos. O prazer e a dor_PC!d_<:..~:.comefeito, ser designados de matéria da
ocupa até ao fim do livro VI. Vimos que, para além da razão propriamente dita virtud~ moral. A prossecu.ção do prazer e a fuga à dor constituem as raízes
desta parte de nós capaz de conduzir uma argumentação ou de estabelecer u~ fundam~ntais da acção viciosa. A virtude está relacionada com as acções e com
plano, existe em nós uma outra parte capaz de seguir o plano. Sendo uma parte os sentimentos, e todas estas são acompanhadas pelo prazer ou dor. ~a dor
intermédia, pode ser classificada como parte, em nós, quer do elemento racional que a acção viciosa se corrige. Mesmo os outros motivos da acção diferenteSOo-
quer do não ~al. A sua verdadeira natureza é-nos agora revelada. É a prazer - o nobre e o útil - arrastam o prazer no seu seio. A tendência para
f~culdade do~ ~ qu~l, no. homem senhor de si mesmo, obedece à regra da sentir prazer a respeito de certos objectos enraíza-se em nós desde o nosso
. vida que ele propno Impos a SI, mas, no homem incontinente, desobedece-lhe. nascimento; tendemos a julgar todas as acções segundo o prazer ou a dor por
Então, há duas espécies de virtude: as virtudes do elemento racional propria- elas provocadas em nós. É mais difícillutarm<>..s..s:2I1tra o p'r_~~~~.do.,!u..:_~o~_t.ra
a
mente dito e as do elemento intermédio, as virtudes do intelecto e as do carácter. cólera. E a vitória sobre ele constitui o objecto essencial da virtude. Contudo,
Das primeiras trata o livro VI, das segundas os livros 11 a V. Os livros lI-lIl ~-devem-õs-dizer q~virtuck ~;;:;-;ist~'nalíbertaçãodo prazer e da dor. As
1115 a 3 debatem a natureza geral do bom carácter e da boa acção; os livros lU tendências para sentir prazer e dor devem ser, não suprimidas, mas moldadas em
1115 a 4 - IV fim. discute, de forma detalhada, as principais virtudes reconhecidas torno de uma figura conveniente. Devemos aprender a sentir o prazer de modo
pelos' Gregos do tempo de Aristóteles; o livro V discute a justiça com um detalhe certo e no tempo conveniente. Aristóteles nem louva nem condena as tendências
ainda maior. inerentes ao homem. Emsl próprias são indiferentes. Apenas se tornam boas ou
más ,consoante estão submetidas ou permitem afirmar-se contra a «regra cor-

A VIRTUDE DE CARÁCTER
17 1103 'a 14- ,b 25.:
. . Aristóteles começa 16 por discutir'como é produzida a virtude de caracter 18 b 26 - 1104 b 3.
.~ . • Apesar de no original inglês o termo empregue ser mean. (,meio», achou-se por bem
. .em quê e~uemodo se manifesta~Não é nem naturaL ne.m.inatural ao homem:
~ascernos. ~.gI_lJ.ma.-eapacidade. paraa ..adqUÍl::Ír.-!Jlas esta capacidade deve ser traduzi-lo .por (<justo meio», pois é em torno do conceito de {l-ECTO"t"1)C;, mais do que de
{l-É"t"PO\l,que se organiza toda a moral de Aristóteles. Com efeito, tal como Aristóteles referencia,
des5nvülvlda_ pel<l,.;.pr.ª.ti.çª,~Nii()segssemelha àsfac.uldades ...d.o.s_sentidos que
por exemplo em 1106 b 36- 1107 a 2-8, I) a virtude é um estado habitual dirigindo a decisão;
estao presentes, afirma Aristóteles, e plenamente desenvolvidas desde o início. 2) consiste numa justa medida relativamente a nós, em que a norma é a regra moral; logo
Tal como aprendemos a ser construtores construindo, ou tocadore~ de harpa 3) a virtlllj'e, éum justo meio(llECTO"t"1)C;>
num' du'plo sentido: i) no de meio entre duas coisas: il) no
de atingir o próprio'meio. '
Pelo primeiro sentido obtemos a essência da virtude; pelo segundo, ela assume-se como um
extremo enquanto justo meio. Assim, ela é justiça" be~, etc. (veja-se Gauthier-Jolif'- E.N., Comm,
13 1098 b 9-1099 b 8. 11, I, p. 150, Louvain, 1970; Gauthier, La morale D'ArislOte, Presses Universitaires de France, Paris,
14 1100 b 30. 1958). Não será demais realçar a importância deste conceito no interior do pensamento grego.
15 1102 a 5 - lI03 a 10. No caso de Aristóteles, essa {l-ECTO"t"1)C;é apanágio de tudo o que realiza a sua forma
16 1103 a 14 - 1105 b 18. ('10py1Í) e não a simples determinação quantitativa. (N.d. T.)

198 199
A É T IC A
A R IS T Ó T E L E S

recU o> que a n a s s a natureza racianal apreende par si m esm a e pracura im por_ para t a d a s . Toda a arte e ofício procura atingir um m eio deste génera. N ada
-lhes 19. pode ser acrescentado au tom ado de um a abra ~e arte sem a destruir. D o ~esm o
~sua afirm ~de que no.s _~ºrnam os bans-m eq!!lnte a prática dc...ac.w s <m odo, a virtude m oral deve tender para um Justo m eIO , tanto em sentIm ento
_ba~ElY ~um paraª()_~g: com o é qgt:.R od.!E~C ls..pr~t}~a~ . ~ ( ; ~ a s , _ b~m s se nós quanta 'em acção, sendo por isto que a padem as ~efinir c a m o «um a d~sposição
próprio.~-ª£,(~r....~9~ b a n s ? A ristóteles procura m astrar que existe aí u'm ã-alfê- , para escalher: consistindo. essencialm ente num m eIO re.latlvam ente a n a s , de.ter-
rença entre o.S actas 'que criam um a baa disposição. e aqueles daí resultantes. 'm inada por um a regra, a qual é racianalm ente determ Inada c o m a a determ Ina-
M esm a na dam ínia das artes, existe um paralelo parcial. Padem a-nas, por ria o h a m e m prudente» 23.
exem plo., exprim ir correctam ente sem canhecerm os as regras da gram ática, O significado. da últim a parte desta definição. de virtude pade ser abanda-
M as, nas artes, apenas im parta a cum prim enta de um a caisa bem feita nada até chegarm as ao. livro V I, onde se discute a sabedaria prática. B asta
enquanto
ente,
que não
a m enas que
podem as
cum pra
dizer
a
que um hom em
acto cansiderada:
é virtuasa
I) canhecenda
au age virtuosa~
a que faz;
ª,penas natarm as
virtude intelectual.
que a definição. de virtude m aral envalve ~m ~ re:erência
A virtude m aral não. é cam pleta em SI propna ..Pll!,a s\,:~
a um a
'*-
iS 2~ esc~l~enda
Ispaslçaa
a acta e exec~tanda-o
perm anente.
zem _.!!...:vir:!!!de--assem elham =s.e
A SSIm , desaparece
à;;,.P.LQ dU _zj9ª~
por si própria;

p ela virt,u<:l~."
a paradaxo.
e 3) c a m a

!l..!2-PelasulL !}.aturez.L
resultada de um a
,A s---a~€& -.q-U e-pJ:M g-
~ ~aralm ente
'õu seguirm as
virtuaso é precisa passuírm as em nós m e s m a s a sabedaria prá,tica,

ção. de princípias
a exem plo. au preceito. de alguém
gerais, par um pracessa
que a passua,
de raciocínio,
pois é pela aplica-
às circunstâncias parti-
íntim a, m as apenas pela seu aspecto. exteriar. A qui 20' A ristóteles taca com culares que determ inam as a acçãa canveniente. M ais tarde 24, verem as que a
precisão. na diferença entre a s dois elem entas envalvidas num a acçãa cam pleta- , ~irtude m aral, na plena sentida d a t e r m o . , im plica a.p.(),s_~.e.d_::LgJ>e<!g.ri_1!.'p!,áti<?~
m ente b a a : a ) a facto. de a coisa feita dever canstituir a que de m ais canveniente pela própria h.oITI.!ê.m
v irtl!.Q s.Q .6 'outroelem éi-ita nava na definiçã?, a referê~ci~
se podia fazer dadas as circunstâncias; e b) a facto. de ser feita a partir de um ,J!2Jus.t~_T!!~a, deve ser agara cansiderada. Isto., devem as le,~bra-Ia, canstltU l
bam m ativa. para A ristóteles aquilo. que diferencia a virtude m aral d a V IC IO .N a panta .de
~ O cam inha está agara aberta para um a definição. de virtude. Prim eira- vista da excelência, sem dúvida, a virtude canstitui um extrem a, «m as a respeIta
m ente, deve determ inar-se cam precisão a génera a que pertence. D eve ser um a da sua essência e da sua definição. canstitui um justa m eio» 25. A ristóteles não.
d<:~rês ca.is~~ =-,
U IT! sentim ento., ,um a capacidade o.U.. !-Im a sijsPQ ~jÇ ~9,:~ , n a s está sim plesm ente a avisar para dirigirm os a nassa tranquilidade de m a d a a
A distinção. entre virtude e vício., p a r um lado., e as caisas indiferentes, par autro, é nas salvaguardarm as dos extrem as. H á m uita m ais de tearia par detrás da sua
aqui perseguida cam um m aiar detalhe. A virtude não. pade ser um sentim ento. definição. da que a que está par detrás dum a sim ples m e d i u l U l Í s s i m u s i b i s . Em
~m elhante ªR ._!!p.!!.!te-par-prazer, à cólera, ao. m e d o . . N ão. cansiderãm ãS-o.s parte, já vim os em que cansiste a tearia. Ela é, sim ultaneam ent~, um protesta
ho.m ens b a n s o.U m ~-;:;s: hã-;;' a s lauvam as au ~ensuram o.s, por sentirem tais cantra a cancepçãa ascética, m aniqueísta, que candena ta d a s a s Im pulsas natu-
afecções; nem im plicam esco.lha, nem são. o. m anter de um a atitude, m as sim ples rais, e contra a panta de vista naturalista que a s eleva acim a de tada .a crítica,
afecções passivas. N em , par razões sem elhantes, a vitude pade ser um a sim ples a d a p ta n d a -a s com o guias da vida. O enhum deles é b a m au m au em SI m esm a.
capacidade. Então, deve ser um a disposição. resultante do. desenvalvim ento. de Para cada um deles existe um grau canveniente, um m a d a canveniente, objectos
um a capacidade, pela exercício inerente a essa capacidade 22. ' canvenientes. Na entanto., não. é absalutam ente certa que a doutrina da justa
A té aqui, o no.ssa raciocínio. é válida, de igual m a d a , para a vício.. Q ual é a m e iaseja (, m a d a c a r r e c t a de expressar este pa~to de. vista são. e v~rdadei[« ~)
diferença específica da virtude?.£.r!lt.odo o contínuo dixisiY el (e os m ateriais da N a m edida em que a virtude envalve um a certa IntenSidade de sentIm ento., air a
virtude -o sentim ento e a 'acção - são deste gén~ro) existe um m ais um m enas dispêndio. de um a certa quantidade de dinheiro, au algo de sem ,elhante, a s.ua,
---'t:::> !:.. um_I?ei~.::.~e~~:IO ~á u~rt.:I,eio _2Q j~£!iva au ari!rn.éticoe:--~tante~.iY .a= de,scriçãa c o m a justo m eio torna-se
__ bastante aprapriada. M as o tem po., o
,_m ente aos ~~~. N o entanto., ~Ill~m há 1.!U l.,!!1eio,..i<rclatiC \laIU ent.e..anós>4-.º--_ abjecta e ' a m oda tam bém devem ser ascanvenientes, e a tentativa de A ristóteles
qualº!f~!~,~_p~ssaa para pessaa. D ez quilos de alim ento podem ser m uito e dois de aplicar a ~stelem entos um a nação quantitativa c a m . o a d~ justa m ei~ n~o é
quilos m uita pouco. D ista não. se segue que seis constitua a' quantidade correcta de t a d a feliz )' em sem pre se dá a casa de a acçãa convenIente canstItU lr o
justa m eio. '. m a adm itindo que a s sentim entos instintivos sejam independen-
tes, na abstracto,' há ocasiôes em que um sentim ento. particular deve ser cam ple- .
tam ente supri~ido, eautras em que esse sentim ento. particular deve ser levado
19 1104 b 3. 1 105 a 16.
20 1 105 a 17. b J 8.
21 A ' quarta' espécie de qualidade reconhecida nas C a l., 8-a figura-é claram ente irre- Ú 1106 a: I~ - 1 107 a ~
levante. 24 1143 b 18-1145 a li.
22 1105 b 19-1106'a 13. 25 1107 a 6-8.

200 201
ARISTÓTELES A ÉTiCA

até ao fim. Parece ser um acidente, apesar de um aCidente~'to frequente, da A doutrina do justo meio é de seguida 29 ilustrada por um breve exame das
ac~ão conveniente o facto .de ser intermé,dia entre extren:o. 3~ essencial não virtudes e dos principais vícios. Este exame é posteriormente retomado com um
reside no facto de os sentimentos possUlrem tal ou tal mt' (jade particular' maior detalhe, e será mais conveniente examiná-lo quando atingirmos a secção
mas no estarem inteiramente submetidos à «regra correcta»' ou, poderemo~ III 1115 a 4 - V fim. Aristóteles acrescenta 30 que os vícios opostos o são mais por
dizer, conformes ao sentido dp dever. Mas Aristóteles previne esta objecção pela op'()~ição um ao outro do que à virtude situada entre eles. Este ponto de vista
última parte da sua definição. 4) Mesmo à luz da renúncia de Aristóteles acerca foi criticado por Kant no que concerne à existência de uma maior diferença
da sugestão de que um simples cálculo matemático poderia dizer-nos o que entre o motivo moral e todos os outros do que entre dois outros motivos
deveríamos fazer, é fácil darmo-nos conta de que, a seus olhos, conhecemos quaisquer, bem como, de facto, a passagem de um vício a outro é mais fácil do
primeiro os extremos e deles inferimos o justo meio. Provavelmente, existem que de um vício a uma virtude. A avareza e a prodigalidade estão igualmente
casos em que isto se passa assim. 'Se me interrogo sobre quanto devo subscrever envolvidas na atitude conveniente a respeito do dinheiro, e é por isso que um
para uma obra de caridade, posso começar por considerar que uma subscrição homem, pródigo na sua juventude, está mais apto a tornar-se um avaro na sua
de 100 libras estaria acima das minhas posses, e que uma subscrição de uma velhice do que a usar o seu dinheiro de forma conveniente. A crítica éjustificada.
meia-coroa representaria algo de mesquinho 26. Operando entre estes dois limi- É apenas no seu aspecto exterior, no resultado da acção e não quanto à disposi-
tes, acabaria por decidir da justa quantia a fo~necer. Mas constituiria um . ção do espírito do seu autor: que os vícios contrários se opõem mais um ao outro
erro tomar este exemplo como forma de explicar o modo como decidimos que à virtude. '. . - L.,.
~ sempre ou normalmente o que devemos fazer. Nem é assim que Aristóteles o Finalmente, Aristóteles assinala ClIJ.eayir.tude está,. POT. ',:'ezes, f!li!isjJer~o do~
,f representa. De acordo consigo, «percebemos» directamente o correcto e o excesso e, noutras:--~ai'i.l2~!o ""(lo-defeito, e isto por duas razões. Em ce~tos-'-
errado. '"casos, o resultado deriva da própria natureza dos factos. A coragem, pela sua
O valor desta teoria provém do reconhecimento da necessidade de intro- natureza própria, opõe-se mais à cobardia do que à temeridade. Noutros casos,
duzir um sistema ou, como Aristóteles afirma 27, de estabelecer uma simetria deriva de «nós próprios». A virtude não se assemelha mais a tal vício que a outro,
entre as múltiplas tendências existentes em .nós. A simetria é uma noção quanti- mas
_____temQs-tendência a_.:Ql2ô~i~.
ao-VTciop"orq
.. . ue
esfamos'mais'-íi-iClinadosa-assim
..... . ..0_- ,", ' .. ~ .•

tativa, mas a boa acção possui o seu lado quantitativo. Não deve ser nem muito proceder._Deste modo, opomos a temperança mais à depravação do que ao VICIO
pequena nem muito grande. Os Gregos tinham razão em acreditar que para contrário. Disto segue-se o aviso prático de se salvaguardar I) do vício que se opõe
produzir qualquer coisa de bom no seu género ~ um corpo são, uma obra de mais à virtude correspondente; e 2) do vício para o qual estamos mais inclinados e
arte bela, uma acção virtuosa - são requeridas certas relações quantitativas: a pelo qual sentimos maior prazer. Mas, em definitivo, nenhuma regra geral poderia
qualidade funda-se na quantidade. Aplicada à virtude, a doutrina não é, talvez, ajudar-nos muito a conhecermos o que devemos fazer. Devemos esperar até nos
muito esclarecedora, mas contém um elemento de verdade. encontrarmos em circunstâncias particulares, considerando-as a todas. «A decisão
Aristóteles procura defender-se de um mal-entendido, assinalando que depende da percepção» 31.
nem todos os sentime.ntos ou acções passíveis de serem nomeados admitem um
meio. esm<Jo-n-olneâe-ãIguns, como por~e-mplõ)õ impudQr~ajD:Yri<1,'o
A ACÇÃO VOLUNTÁRIA E A ESCOLHA
ultério, o roubo, o assassínio, implicam a sua maldade' Isto é, são nomes nã~
apliCãvei-S-ãos'~'-entímentos moralmente indiferentes, matiria da virtude, mas a um Aristóteles considera de seguida as condições debaixo das quais um homem
repreensível excesso ou deféito destes sentimentos; não às acçõe's que operam pode ser tido como responsável pelá sua acção. É apenas pelas suas acções
,.
com uma certa classe de objecto, mas às acç'ões repreensíveis operando com uma voluntárias que os homens podem ser louvados ou censurados. As acções dizem-o JL..
/' tal classe. O impudor é um defeito repreensível de vergonha; o roubo é um -se i.!}YoiJlntárias~e forem devidas ou à coacção ou àignorâricia. As acções coerci- -,..
excesso repreensível na aquisição de riqueza.OJ.ystPJ!1eio opõe-se ao excesso e vas são aquelas cuja origem vem de fora, o agente (ou melhor, o paciente) não

t .ao defe~t.C>._.tô2P_or
,1:~~t;;,~oomoob~o"""",
c()fl~~QJ!~nciª~.-não existe justo meio de ~cesso
no~h"~~",=,',:.,,m ooohom d,foitode om
ou de um contribui nada nela, isto é, são aquelas em que o corpo é manobrado por uma
força exterior irresistível. As acções realizadas por medo de um grande mal, tal
como deitar fora de bordo um carregamento durante uma tempestade, podem
ser pensadas como coercivas,' podendo ser designadas de «acções mistas», mas
'- .------- aprox'imam-se mais da acção voluntária. Tomada' absolutamente, a acção de

26 Devo este exempl~ ao Prof. J. A. Smith. 29 a 28 - 1108 b .10.


27 1104 a 18. 30 1108 b 11-30.
28 1107 a 8-27. 31 1108 b 30 ~ 1109 b 26.

202 203
ARISTÓTELES A ÉTICA

deitar fora de bordo um carregam ento é um a acção que nenhum hom em sen- é, evidentem ente, co-extensiva com a acção voluntária. As acções das crian-
sato realizaria voluntariam ente, m as são as acções particulares tom adas e ças e dos anim ais inferiores, e ainda as acçÕes praticadas pelo im pulso do
. _' . m
c~rcunstanclas particulares que interessam à m oral e, situado nas suas circuns~ m om ento, são voluntárias m as não escolhidas. A escolha tinha sido identificada,
tanelas reaiS, um taJ acto pode ser levado a cabo sem que ninguém necessite de se por outros pensadores, com um a form a de desejo (apetite, cólera ou desejo
envergonhar de assum ir a sua responsabilidade. Tam bém está claro que a ori- racional) ou com um a espécie particular de opinião. M as Aristóteles não tem
gem efectiva do m ovim ento do corpo deriva do próprio hom em . Tais acções são qualquer dificuldade em a diferenciar de tudo isto. É quase com o o desejo
p~r vezes louvadas. Por vezes, quando um hom em faz algo que não deveria ter racional, m as I) podem os desejar o im possível, m as não podem os escolhê-lo.
feito, por m edo de castigos im possíveis de suportar, perdoam os-lhe. M as exis- . 2) Podem os desejar algo que não depende da nossa própria acção, m ás não 'pode-
tem alguns actos aos quais até a m orte é tida por preferível e, por consequência m os escolhê-lo. 3) O desejo é-o de um fim , a escolha de um m eio. Finalm ente, é
nenhum a desculpa os pode perdoar. Do m esm o m odo, não poderem os afirm a; sugerid.o gue o o~jecto ~e ~scolha é aq~ele sobre? qual se decidiu por delibera-N~
que todos os actos realizados em vista do prazer ou por fins nobres são coerci- ção 34. Ora, a dehberaçao e sobre .;lqlll1-º~g!!e_e..~!-ª-<:!o
-'105S0 alcance ~ pode ser \
vos, sob pretexto de serem devidos a qualquer coisa de exterior a nós. Se assim feitó, diz respeito aos m eios e não aos fins, pressupõe um determ inado fim e
fo~se, todas as acções seriam coercivas. Por outro lado, o prazer que acom panha debruça-se sobre o m odo com o este pode ser alcançado~ E, tendo trabalhado a
tais actos m ostra não serem eles coercivos. A sua causa reside no próprio agente. partir do fim para os m eios, recua ainda m ais procurando o m eio para alcançar
No que diz respeito à outra raiz da involuntariedade, a ignorância, devem o m eio, procedendo deste m odo até obter um m eio capaz de ser adoptado aqui e
esta~elecer-se algum as distinções. I) Se a acção praticada por ignorância é agora. Este procedim ento pode ser com parado ao do m atem ático, que trabalha
seguidam ente causa de arrependim ento, diz-se involuntária. Senão, pode a partir do problem a a ser resolvido até obter um problem a sim ples,' cuja solu-
apenas ser deSIgnada de não-voluntária. Esta distinção não é satisfatória. ção lhe perm ita resolver o outro, e assim sucessivam ente, até chegar a um
Realm ente, não existe um a diferença de sentido entre «involuntária» e «não- problem a passível de ser resolvido com .o conhecim ento quejá tem à sua disposi-
'-voluntária». Pode ser sugerido que por.áxoúcJLo\l Aristóteles queria significar ção. (cO últim o passo da análise é, de facto, o prim eiro a ser levado em linha de
«contra-vontade», e por oUX ÊXOÚCTtO\l'
«involuntária», m as torna-se claro que os consideração)}. Quer dizer, a deliberação assem elha-se ao processo de descoberta
actos contra-vontade e os m eram ente involuntários não podem ser diferenciados m atem ática, opondo-se ao da exposição dedutiva. Com o está lim itada no seu
pela atitude subsequente do agente .'2. 2) O hom em que age sob o efeito da bebida princípio por' argó-que lhe é alheio, isto é, o desejo de um objecto determ inado, é
ou da ira age por ignorância, m as não devido a ela. A "Ignorância constitui a lim itada no seu fim por algo outro que ela própria; a saber, a percepção das
causa .próxim a, m as deve-se ela própria à bebida ou à ira. Generalizando, pode- circunstâncias actuais. Na sua totalidade, o processo pode ser form ulado com o
m os dizer que todos os hom ens m aus agem por ignorância daquilo que deveriam segue:
fazer, m as as suas acções não são por isso involuntárias. A segunda distinção
conduz à terceira. 3) A ignorância que torna um a acção involuntária não o é Desejo
da~uil() que é bom para nós. Esta «ignorância na escolha», ou «ignorância
. Deliberação
uOlversa!>" não constitui a condição da acção involuntária, m as sim da m aldade.
A ignorância que desculpa diz respeito às circunstâncias particul;lres. A acção é
Percepção
voluntária, então, quando: I) a sua origem reside no agente, e 2)jeie conhece. as Escolha
circun'stâncias nas quais age .'.'.' J Acto
A noção de 1tpoatpEo-~ç, escolha preferencial, foi já dada quando se de-
Eu desejo A.
finiu .a virtude *. Aristóteles prossegue agora explicitando-a. A escolha não __ ..
B é o m eio para alcançar A.
C é o m eio para alcançar B.
n Apesar de esta poder m ostrar se üm acto foi. ou não. conform e o carácter geral do agente .
.'J 1 109 b 30 - I I 1 1 b 3. .
N é o m eio para alcançar M .
*
Cf. nota 22. A virtude e o vício não determ ina~ se O nom em é bom ou m au. 1-106" a 2: não
N éalgo que posso fazer aqui e agora.
há virtude sem um qualqüer tipo de 'decisão i'ntencional. I;nquanto a cólera. por exem plo, é um a
Eu escolho N.
paixão forluila (não intencional). só é virtuoso quem escolhe; quem decide ínrencionalrnenle
Eu faço N.
(7tpoa£p£crtc;) essa via de acção. A virtude implica uma disposição. Ela consiste no desabrochar
da nos.sa natureza (Met. f!, • 16. 1021 b 20-23: xal. it ap£"it "ú..dwcrtc; "LC; «e a excelência (vir-
tude) e a consum ação da perfeição»). Com efeito, ela representa a consum ação da perfeição por
. relação à form a da sua própria excelência (6.P£"1')." Nisto consiste a sua grandeza. Veja-se a nota 66.
(N.d. T.) . .'. . J4. 1111 b 4 - 1112 a 17.

204 205
A RIS T6 TELES A ÉTICA

A s s im , a e s c o lh a .é «o d e s e jo d e lib e ra d o de c o is a s que e s tã o ao nosso . te n ta m p e rs u a d ir as pessoas, p e la re c o m p e n s a ou p e lo c a s tig o , a a g ire m v irtu o -


a lc a n c e .1 5 .O ra , ta l com o A ris tó te le s re fe re n o u tra passagem 3 6 ,« é u m a ra ~ ã ~ 's a m e n te , im p lic a n d o c la ra m e n te que a v irtu d e e o v íc io e s tã o ao nosso a lc a n c e .
d e s e ja n te ou um d e s e jo ra c io n a l, e e s ta e s p é c ie de o rig e m p a ra a acção é um T ra ta m m esm o a ig n o râ n c ia , da qual o p ró p rio hom em é a causa, com o não
hom em ». .'-.' c o n s titu in d o d e s c u lp a p a ra o m au p ro c e d im e n to . Se um hom em a firm a não
_ M u i!a s vezes te m -s e a firm a d o que a p s ic o lo g ia de P la tã o e d e A ris tó te le s conhecer a le i, re s p o n d e m o s : « d e v e ria s te r to m a d o m e d id a s p a ra a conhecem . Se
nao c o n l!\m q u a lq u e r concepção d is tin ta d a v o n ta d e . A d o u trin a d a e s c o lh a de a firm a ser c o n s titu c io n a lm e n te d e s c u id a d o a c e rc a de ta is c o is a s , re s p o n d e m o s :\-
A ris tó te le s é c la ra m e n te um a te n ta tiv a p a ra fo rm u la r um a ta l c o n c e p ç ã o . A lg u - « s im , m a s to rn a s te -te a s s im d e v id o à tu a v id a d is s o lu ta , p o is é a p e n a s d e v id o ao
m as das a p re s e n ta ç õ e s d e s ta d o u trin a re p re s e n ta m um g ra n d e avanço s o b re c u rs o d a a c ç ã o que o c a rá c te r s e p ro d u z » . E s ta v a a o a lc a n c e do hom em v ic io s o o
to d o o p e n s a m e n to a n te rio r a c e rc a do te m a - a d is tin ç ã o e n tre a e s c o lh a o n ã o s e te r to rn a d o a s s im , m as não lh e é s u b s e q u e n te o fa c to de poder d e ix a r de o )
a p .e tite e o d e s e jo ra c io n a l; a s u a lim ita ç ã o a c o is a s nem n e c e s s á ria s nem im p o ;s í- s e r.
v e lS , m a s q u e e s tã o d e n tro (d e v e ría m o s a n te s d iz e r: pensadas com o d e n tro ) do Uma o u tra te n ta tiv a pode s e r le v a d a a caho p a ra escapar à re s p o n s a b ilid a d e
nosso p ró p rio p o d e r: o s e u re c o n h e c im e n to com o im p lic a n d o o d e s e jo e a ra z ã o , . da acção. P o d e -s e d iz e r que, e n q u a n to to d o s os hom ens p ro c u ra m o seu bem
e não m e ra m e n te o d e s e jo + a ra z ã o , m as s im o d e s e jo g u ia d o p e la ra z ã o e a a p a re n te , e le s não são re s p o n s á v e is p e lo que lh e s p a re c e ser o bem . A is to
ra z ã o e s tim u la d a p e lo d e s e jo . A s u a d e fin iç ã o d e e s c o lh a com o d e s e jo d e lib e ra d o re s p o n d e A ris tó te le s que s e , ta l com o v im o s , «um hom em é d e a lg u m a fo rm a
e rra por a tra ta r com o um a e s p é c ie d e d e s e jo , o que e la e v id e n te m e n te não é. re s p o n s á v e l p e lo s e u e s ta d o m o ra l, e le é d e a lg u m m odo re s p o n s á v e l p e lo q u e lh e
M as a sua d e c la ra ç ã o de que e la pode s e r a p e lid a d a quer por ra z ã o d e s e ja n te p a re c e ser bem : e n q u a n to que, se não é re s p o n s á v e l, a v irtu d e não' é m a is
quer por d e s e jo ra c io n a l im p lic a não s e r o d e s e jo o s e u g é n e ro , que e la é u m a v o lu n tá ria que o v íc io , s e n d o o fim d e c a d a hom em d e te rm in a d o p o r s i, n ã o p o r
nova c o is a , d ife re n te de cada um a d a s s u a s c o n d iç õ e s p ré v ia s . U m o u tro p o n to e s c o lh a , m as por n a tu re z a ou de q u a lq u e r o u tro m odo» 4 0 . E s ta é , .t< ;ll" e z ~ a
d e v e s e r n o ta d o . A ris tó te le s d e c la ra q u e a e s c o lh a s e re fe re a u m m e io e n ã o a u m m a io r a p ro x im a ç ã o , em A ris tó te le s , a um a d is c u s s ã o s o b re o liv re a rb ítrio , e o
fim . E s ta é um a lim ita ç ã o , nem n a tu ra lm e n te s u g e rid a p e la p a la v ra g re g a nem re s u lta d o é um ta n to in c o n c lu s iv o . N ão é ta n to um a a s s e rç ã o s o b re '0 liv re
p e la in g le s a , p o is pode haver um a e s c o lh a e n tre fin s ta l com o e n tre m e io s . a rb ítrio , m as um a re s p o s ta a o s q u e e v ita ria m a re s p o n s a b ilid a d e das m ás acções,
De fa c to , e x c e p tu a n d o duas passagens em que 7tPOCtÍ.pEO'"LÇ é fo rm a lm e n te e n q u a n to g u a rd a v a m 'o c ré d ito p e la s boas. R evendo a a titu d e g e ra l d e A ris t.ó te ~
d .is c u tid a 1 7 , m u ito ra ra m e n te se re fe re aos m e io s .1 X .Q u e r no c ô m p u to da le s e m re la ç ã o ao liv re a rb ítrio , devem os le v a r em c o n s id e ra ç ã o o s s e g u in te s
Etica quer nos o u tro s tra b a lh o s de A ris tó te le s , e la s ig n ific a g e ra lm e n te " p ro - p o n to s : I) A e x e c u ç ã o de um a c to p a rtic u la r s e g u e -s e (ta l com o s u s te n ta por
p ó s ito » , e re fe re -s e , não aos m e io s , m as a um fim .1 9 .A d o u trin a e s p e c ífic a v e z e s ) n e c e s s a ria m e n te à a p re e n s ã o d a s p re m is s a s a p ro p ria d a s . « S e tu d o o que é
da 7tPOcx.LPEO'"LÇ c o n s titu i p a rte in te g ra n te da te o ria de A ris tó te le s ; m as te m doce deve ser p ro v a d o , e e s te o b je c to p a rtic u la r é doce, um h O I1 1 ~ m q u e pode
pouco e fe itu s o b re a sua u tiliz a ç ã o g e ra l da p a la v ra . p ro v á -lo sem q u a lq u e r im p e d im e n to deve por fo rç a fa z ê -lo » 4 1 •. 2 )/ I!m a vez o
Sendo as a c tiv id a d e s v irtu o s a s não apenas v o lu n tá ria s , m as ta m b é m .d e c a rá c te r e s ta b e le c id o , não pode s e r a lte ra d o segundo a v o n ta d e 4 2 < .~ /A « v o lu n -
a c o rd o com a e s c o lh a , s e g u e -s e que a v irtu d e e o v íc io e s tã o ao nosso a lc a n c e . ta rie d a d e » em A ris tó te le s não possui q u a lq u e r c o n o ta ç ã o com o liv re a rb ítrio ,
A fra s e d e S ó c ra te s <<nenhum hom em é v o lu n ta ria m e n te m au» n ã o é v e rd a d e ira a p o is ta m b é m se a p lic a à c o n d u ta dos a n im a is 43. Por o u tro la d o , deve
não ser q u e ,e s te ja m o s p re p a ra d o s p a ra d iz e r que o hom em _não é .a -fo n te -:'.e ' o a c re s c e n ta r-s e que I) A ris tó te le s p a re c e a c re d ita r num a c o n tin g ê n c ia o b je c tiv a , a
p ro d u to r das acções. N in g u é m te n ta ria a lg u m a v e z p e rs u a d ir um hom em a não qual não re p re s e n ta um m e ro e u fe m is m o p a ra a nossa ig n o râ n c ia a c e rc a do
s e n tir. frio ou fo m e , um a v e z q u e ta l n ã o e s tá a o s e u a lc a n c e .. M a s o s le g is la d o re s fu tu ro .. A ris tó te le s não p o s s u ía um a concepção c la ra de um a le i d a c a u s a lid a d e
u n iv e rs a l 4 4 •. '/2); T o m a . um a a titu d e d e c id id a conúa o p o n to d e v is ta :s o c rá tic o
segundo o qual n in g u é m é m au por v o n ta d e p ró p ria , p o is ta l acção s e g u e -s e
n e c e s s à ria m e n te da nossa c re n ç a 4 5 . E m te rm o s g e ra is , devem os d iz e r q u e p a rti-
,'5 1112 a 18 - I 113 a 14 .
.1 6 1139 a 4.

.H 1111 b 4 .-1 1 1 3 a 14. 1139 a l7 -b 13. .

3X A s ú n ic a s passagen~ nas q :u a is p a re c e fa z ê -lo n ilid a m e n te ~ão Met., 1025 b 24, £ ,;.;:, 1145 a'
4, 1162 b 36, Rhet., 1363 a 19. 40 11 13 b j -1 I 15 a 3 ..
.1 9 Os e x e m p lo s m a is c la ro s são: Top., 1 7 2 b lI; Meteor., 3 3 9 a 9 ;. Met., 1 0 0 4 b 25; PaI., 1269 b 13, 4 1 1 1 4 7 a 2 6 -3 1 .c L 1 1 3 9 a 3 1 -3 3 .
1 2 7 1 a 3 2 ,1 3 0 1 a 19. 1324 a 21; Rhet., 1 3 5 5 b 18, 1374 a li, b 14; E.N., 1 1 0 2 a 1 3 1110 b31 1 1 I1 b 5 42 1114 a 1 2 -2 1 . 1137 a 4 .9 .
1117 a 5, 1136 b 15, 1151 a 7, 30, 1152 a 17, 1163 a 22, 1164 b I, 1 1 7 9 a 3 5 , e e s ~ c ia lm n e te "144 a 20: 4 .1 llll a 25. b8.
A lg u m a s d e s ta s passagens não são a b s o lu ta m e n te d e c is i~ a s em si m esm as m a s 'a e v id ê n c ia 44 De 111/., 18 a 3 3 .1 9 b 4; Met., 1027 b 1 0 .J 4 . c f. p r.8 7 s e g s ., 1 7 0 -1 7 1 .
acumulativa é irresistível. . . 451113 b 1 4 -1 7 ,1 1 4 4 b 1 7 -3 0 .1 1 4 5 b 2 2 .2 8 .

206 201
T\
J
ARISTÓTELES A ÉTICA

lh av a p len am en te d a cren ça, p o r p arte d o h o m em , n o liv re arb ítrio , m as q u e n ão


ex am in o u este p ro b lem a d e fo rm a m u ito cu id ad o sa, n ão se ten d o ex p rim id o .ê o
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co m u m a p erfeita co n sistên cia. ,..-..--. ----..
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p articu larm en te, a d o u trin a d o ju sto m eio , m ed ian te u m ex am e d etalh ad o d as o
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v irtu d es. E stas são tid as co m o estan d o lig ad as ao s sen tim en to s e às acçõ es. ~ lU
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A lg u m as v ezes, o seu d o m ín io é d efin id o p o r referên cia a u m tip o d e sen tim e;' O '"
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d e co n v en iên cia. Uma v irtu d e é um a ten d ên cia p ara co n tro lar u m a certa classe E

d e sen tim en to s e p ara ag ir co rrectam en te num a certa esp écie d e situ açõ es. A listá
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d as v irtu d es 46 pode ser resu m id a co n fo rm e 'as ap resen tam o s no q u ad ro da O-
~
p ág in a seg u in te. A ssim , tem o s: 1 ) três v irtu d es co n sistin d o n as atitu d es co n ectas
'g'"
em relação ao s sen tim en to s p rim itiv o s de m ed o , p razer e ira 47; 2) q u atro ... ... ,'"
v irtu d es resp eitan tes a d o is d o s o b jectiv o s p rin cip ais d o h o m em n a so cied ad e: a ~ -g ~ ~ .~ o ~ ~ '=e'
.'"~- ~..."
00
o '" ~ "ê ~ ~ .2
'"
-e'='" ''''
o
.!::
C IJ .- CJ ~
N
riq u eza e a h o n ra; 3 ) três v irtu d es d e carácter so cial; 4 ) d u as q u alid ad es q u e n ão .;" g . ~ - g :º :- ê ~
~
e ~,~~ E ~ ~ '" '"
.o,=,
ri) .~ .~
~ .o ~ E e v'-'~
se p o d em co n sid erar v irtu d es, v isto n ão serem d isp o siçõ es d a v o n tad e. E stas U o ~ '"
.o o o .9.9 ~
;.< U -<. :::i 0 ..:2 » -< _ ....• NU ;:1 - -
ú ltim as co n stitu em estád io s in term éd io s e são d e lo u v ar, m as são estad o s m éd io s ~ ---......- . --...--.- ~
d e sen tim en to e n ão acto s d e v o n tad e em relação ao s sen tim en to s. S ão en g en h o -
sam en te tratad as n a Ética a Eudemo co m o q u alid ad es in stin tiv as a p artir d as '='"~'
....'"e
48

q u ais a tem p eran ça e aju stiça são , resp ectiv am en te, d esen v o lv id as. A ex p licação '"E
'"Z o '2
dos o p o sto s d a ju sta in d ig n ação fo rn ecid a n a Ética a Nicómaco 49 é b astan te o.
'R E ""
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cr'
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co n fu sa, e, n o liv ro IV , este « ju sto m eio de sen tim en to » de m odo n en h u m '"~
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ap arece. '" '"~ ~ "v; E
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E sta p arte d a Ética ap resen ta u m q u ad ro v ív o , e m u itas v ezes d iv ertid o , d as o o ~ .~ '"
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q u alid ad es reco n h ecid as o u d esp rezad as p elo s G reg o s cu lto s d o tem p o d e A ris- '"e
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208 209

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ARISTÓTELES
• • A ÉTICA

q u a lq u e r te n ta tiv a a re sp e ito de um a e x a u stiv a d iv isã o ló g ic a , quer dos se n ti-


ssim to rn a -se n o se u tra ta m e n to d e ta lh a d o , u m in tu ic io n ista . A te o ria
m e n to s quer das a c ç õ e s. A o rd e m é fo rtu ita . D uas das v irtu d e s c a rd in a is sã o e, a, , A' . I
"fo rm a l p e rm a n e c e n o a r, e fic a m o s c o m a im p re ssã o q u e q ~ a n d o . n sto te e s se
a b o rd a d a s p rim e iro , e de m odo c o n sid e ra v e lm e n te d e ta lh a d o (fic a n d o as duas
. e n c o n tra fa c e a fa c e com o s fa c to s da m o ra l, se n te a su a m o p e ra n c la .
o u tra s re se rv a d a s p a ra u m tra ta m e n to n o s liv ro s V e V I). A s o u tra s v irtu d e s sã o
Segundo a firm a A ristó te le s, e x iste m c in c o e sp é c ie s ~~ c o ra g e m , se m se r
tra ta d a s à m e d id a que vão o c o rre n d o ao e sp írito de A ristó te le s, se m d ú v id a ,
p ro p ria m e n te a c o ra g e m m o ra l. E x iste a) a c o r.a g e m p o h t.lc a , a c o ra ~ e m que
um a su g e rin d o a o u tra à m e d id a que avança. E x iste m d o is p o n to s e sp e c ia is a se r
e n fre n ta o p e rig o no in tu ito de ganhar h o n ra n a s c o n c e d id a s p e la . le i e p a .ra
n o ta d o s na d e sc riç ã o das v irtu d e s. São e le s: I) a lu z que la n ç a na d o u trin a
e sc a p a r à d e g ra d a ç ã o q u e a le i im p õ e , re sp e c tiv a n :e n te , à c o ra ~ e m ~ a c o b a r~ la .
do ju sto m e io ; e 2) a in c lu sã o de e le m e n to s n ã o -m o ra is, e n tre os q u a is é de
Isto a sse m e lh a -se m a is à v e rd a d e ira c o ra g e m , p O IS o se u m o tiv o ~. um m o t.lv o
e v id e n c ia r a e x p o siç ã o a c e rc a da « m a g n ific ê n c ia » , do re sp e ito p ró p rio
n o b re , a sa b e r, a h o n ra . Uma fo rm a in fe rio r de c o ra g e m p o h tlc a c o n siste
( p.EYa.À.O~VX~~) e da a le g ria . A m a g n ific ê n c ia , por e x e m p lo , tra n sfo rm a -se na
n a q u e la c u jo m o tiv o a sse n ta no m edo da p u n iç ã o . E x iste b~ a c o ra g e m de
m a té ria p rin c ip a l do bom g o sto e sté tic o . E ste s d o is p o n to s se rã o su fic ie n te m e n te
e x p e riê n c ia , ta l com o a d e m o n stra d a p e lo s so ld a d o ~ . p ~ o fissl~ n a ls: D e sd ~ o
ilu stra d o s se c o n sid e ra rm o s a e x p o siç ã o a c e rc a d a c o ra g e m , d a te m p e ra n ç a e do
m o m e n to em que p e rc a m a c o n fia n ç a n a sc id a d a e x p e n e n c la ,. se ra m a is p ro v ~ v e l
re sp e ito p ró p rio .
to rn a re m -se c o b a rd e s do que os c id a d ã o s-so ld a d o s a n te n o rm e n te d e sc n to s.
I) A c o ra g e m . Todos o s m a le s sã o n a tu ra lm e n te te m id o s, m a s a lg u n s (ta is
E x iste c) a c o ra g e m in sp ira d a p e la ira o u p e la d o r, c o m p a rá v e l à d e m o n st:a ? a
com o a má re p u ta ç ã o ) p o ssu e m um te m o r ju stific a d o . O c o n tro lo de um ta l
p e lo s b ru to s. E sta é a fo rm a « m a is n a tu ra l» d e c o ra g e m ; se a e sc o lh a . e o p ro p o ~ lto
m edo não é p ro p ria m e n te c o ra g e m . O u tro s (ta is com o a p o b re z a , a doença, o
ju sto fo re m a d ic io n a d o s, d e se n v o lv e r-se -ã o em c o ra g e m p ro p n a m e n te d ita .
in su lto c o n tra a fa m ília do in d iv íd u o , a in v e ja ), ta lv e z não d e v e sse m se r te m i-
E x iste d) a c o ra g e m d e u m te m p e ra m e n to .sa n g u ín e o . D e sd e o m ? m e ~ to em ~ue
d o s. M as o c o n tro lo de ta is te m o re s a in d a não pode se r c o n sid e ra d o com o
a e sp e ra n ç a cai em d e sa p o n ta m e n to , ta l c o r.a g e m . d e ~ a p a ~ e c e p O IS n a o p O S S U io
c o n stitu in d o um a c to de c o ra g e m p ro p ria m e n te d ito . A c o ra g e m deve e sta r
m o tiv o c e rto . e) E x iste a in d a a c o ra g e m d e Ig n o ra n c la , a lO d a m enos d u ra d o u ra
lig a d a ao m a io r de to d o s os m a le s, p rin c ip a lm e n te à m o rte . C o n tu d o , com a
do que as das e sp é c ie s a n te rio re s 5.1. .
m o rte , m as nem em to d a s a s c irc u n stâ n c ia s; um a, por e x e m p lo , no m ar ou por
E m b o ra a c o ra g e m se ja a a titu d e p ró p ria em re la ç ã o ao se n tim e n to de
d o e n Ía , m a s sim c o m a m o rte n a s m a is n o b re s c irc u n stâ n c ia s, isto é , e m b a ta lh a .
c o n fia n ç a , ta l com o em re la ç ã o ao d~ m edo, m a n ife sta -se m a is c 1 a ra ~ e n te e~
O hom em c o ra jo so é a q u e le que não te m e um a m o rte n o b re . S e rá , por isso ,
c irc u n stâ n c ia s que in sp ira m m edo. E e sse n c ia lm e n te o e n c a ra r d a q U ilo que e
c o ra jo so no m ar ou p e ra n te a doença, m as em ta is c irc u n stâ n c ia s não e x iste
d o lo ro so . D e fa c to , o se u fim é a g ra d á v e l, m a s é e n so m b ra d a p e la s d o re s que a
m o tiv o p a ra a acção, nem nenhum a n o b re z a na m o rte 50.
p re c e d e ra m . C om e fe ito , A ristó te le s a ? m it~ qu~ a ~ a c :iv i~ a d e s. v irtu o sa s sã o
O hom em c o ra jo so se n tirá m edo, m a s c o n tro la -lo -á . E n fre n ta rá o p e rig o .
g e ra lm e n te a g ra d á v e is d e sd e q u e o se u fIIT ~se ja a tlO g ld o 5. N a o e X iste ta l h a rm o -
«com o é se u dever e com o m anda a re g ra » , por am or da n o b re z a (-roü
n ia p ré -e sta b e le c id a e n tre a s a c tiv id a d e s v irtu o sa s e o p ra z e r, ta l c o m o re a lm e n te
xoÀ.ov E V E X O ), se n d o a o o b ,re z a o fim da v irtu d e 51. E x iste um a a m b ig u i-
é a ssu m id o p e la e x p o siç ã o d o liv ro I. .
dade n o te rm o g re g o a c im a c ita d o . Pode sig n ific a r « p o rq u e a acção, o e n fre n ta r
. T a lv e z a p rim e ira c o isa q u e n o s o c o rre a o c o n S id e ra rm o s e sta e x p o slç a o
d o p e rig o , é p o r si só n o b re » , ou pode sig n ific a r «por am or d o o b je c tiv o n o b re a
se ja que é a n ti n a tu ra l opor a c o ra g e m à te m e rid a d e , do m e sm o m o .d o q u : à
se r a lc a n ç a d o » . A ú ltim a fo rm a é o q u e é d e n o m in a d o p o r A ristó te le s d e v isã o d a
c o b a r d 'aI . O o p o sto .d a c o ra g e m é a c o b a rd
. ia , e o o p o sto da te m e n d a d e e .a
acção com o te n d e n d o p a ra um fim o u tro que e la p ró p ria , com o te n d e n d o , num a
p ru d ê n c i~ . Podem os e sta r d isp o sto s a .p e n sa r que a _ d ife re n ç a e n tre o s d O IS
ú ltim a in stâ n c ia , p a ra a v id a te o ré tic a ''- a q u a l c o n stitu i o fim p a ra o hom em ,
ú ltim o s te rm o s c o n siste n u m a d ife re n ç a lO te le c tu a l e nao m o ra l, bem com o que
m a is c o n fo rm e ta m b é m à su a e x p o siç ã o a c e rc a d a e sc o lh a m o ra l com o tra ta n d o -
A ristó te le s e stá a te n ta r c o n so lid a ra su a d o u trin a d o ju sto m e io p e la re p r~ se n ta -
-se d e um a e sc o lh a de m e io s p a ra a tin g ir um fim . M as a fra se é m u ita s vezes
ção de u rn d e fe ito ' in te le c tu a l., com o se e ste fo sse um v íc io m o ra l re la C IO n a d o
p a ra fra se a d a 52 no p rim e iro se n tid o , e nunca no ú ltim o , p a re c e n d o c la ro que
com a c o ra g e m , por um la d o , com o a c o b a rd ia e stá re la c io ~ a .d a c o m . e le , p o r
n o tra ta m e n to re a l d a s v irtu d e s, A ristó te le s e sq u e c e d e c e rto m odo o se u p o n to
o u tro . E, de um m odo g e ra l, podem os d iz e r, o e sq u e m a te rn a n o d a s V irtu d e s e
d e v ista fo rm a l; não te n ta •.e m p a rte a lg u m a , d e d u z ir a n e c e ssid a d e d e q u a lq u e r
dos v íc io s é e rró n e o . C ada v irtu d e p o ssu i apenas u m v ÍC io o p o sto . O o p o sto da
v irtu d e sin g u la r p a ra que o fim su p re m o se ja a tin g id o . T ra ta o a g e n te com o
te m p e ra n ç a é . a in te m p e ra n ç a , o da lib e ra lid a d e a m e sq u in h e z , o d o . o rg u lh o
se n d o m o v id o p a ra a acção p e la c o n te m p la ç ã o d a « b e le z ;:v > d o 'p ró p rio a c to bom ,

50 I I 15 a 6 - o 6.
51 b 7-1116' a 15.
52 1116. a 11. 15. b 3. 1I 17 a 17. b 9. 5.1 I I 16 a 15 - I 117 a 28.
54 i I 17 a 29 - b 22,

210
21I
A RlSr6rELES
• A ÉTICA

próprio a fal~a ~e res~e.ito .própr~o, o do bo~ tem peram ento o m au tem pera_ enão um germ e a partir do qual pode desenvolver-se a verdadeira coragem .
n:e~to, o da Justiça a m Justlça. N ao deve ser Isto assim a partir da natureza d ara o seu desenvolvim ento deve acrescentar-se o verdadeiro m otivo. D evem os
dlstm ção ent.re virtude e vício? O vício consiste na obediência passiva ao instint~. azer face ao perigo, não porque gostem os dele, m as porque é nobre assim agir.
natural, a virtude no controlo desse instinto pelo sentidó do dever ou ornando o term o «físico» num outro sentido, a coragem física é a única espécie
. por
q~a Iquer outro m otivo elevado - com o A ristóteles afirm a, pela regra discer- teconhecida por A ristóteles, pois o único m edo que devem os dom inar consiste
nIda pela razão. Este controlo pode ser m uito pequeno, m as não m uito elevad . o m edo do m al físico e, m ais estritam ente, apenas no m edo da m orte em
N o. entanto, existe algo m ais no ponto de vista de A ristóteles para além dO . atalha. A coragem do m arinheiro, ou do explorador, está excluída. Por certo, a
reglstado
. nesta crítica. O que viu, apesar de o não ter expresso m uito bem
~é q ue,° . exclusão é injustificável. Contudo, explica-se se nos lem brarm os que estes não
em . m U l:os :asos, as reacções naturais aos estím ulos vão a par dos opostos. ffazem face à m orte pelos seus países, com o o faz o soldado. Para A ristóteles, é a
EX iste ai, nao apenas um a tendência para fugir ao perigo, m as um a tendência' J-grandeza do fim a ser atingido, a salvaguarda do estado, que fornece à m orte do
para nele se precipitar - um a tendência m enos com um que a outra , m as q ue ;:soldado um a nobreza única. A pesar de não se referir explicitam ente a este fim ,
.
eX iste, e que, não m enos que a outra, deve ser dom inada «para salvaguardar do ~em erge do carácter nobre da acção.
nobre». U m soldado não deve ser escravo do seu «louvor» com o esta tende' n . li 2) Tem perança. O dç!TItrl16 desta virtude é, igualm ente, lim itado. A ristóteles
" 55 ' Cla
fO I deSignada , em m aior grau do que um outro deve ser escravo do seu m edo. *àfirm a dizer ela respeir-ó'ilos prazeres e sofrim entos, m as, com efeito, confina-se
A m bos devem , do m esm o m odo, seguir a regra. A tri"ndade de A ristóteles de- ~aos prim eiros. O s prazeres m entais são prim eiram ente excluídos; possuím os
ve-se substituir, não por um a dualidade, m as por duas, representadas por nós :toutros nom es diferentes de «libertino» para hom ens escravos desta espécie
com o segue: ~de prazeres. O s prazeres da vista, do ouvido, do odor, tam bém são excluídos.
Sentimento ~A tem perança apenas está relacionada com aqueles sentidos em que osaniinais
Virtude Vício "'inferiores, tal com o o hom em , encontram um a satisfação directa, a saber, o
M edo. Coragem . Cobardia. tocar e o gosto. N em todos os prazeres de tocar e de gosto são incluídos, m as
A m or pelo perigo. Prudência. Tem eridade. , apenas dos m ais puram ente anim ais, ou seja, os de com er, beber e das relações
Do m esm o m odo, no respeitante ao dinheiro, tem os: sexuais 57. O s únicos sofrim entos relacionados com a tem perança devem -se ao
desejo insatisfeito por tais prazeres 5'.
Sentimento Virtude Vício Excluindo a estreiteza excessiva da concepção de tem perança, o ponto
Instinto de ente~ouram ento. Liberalidade. V ileza. (.fundam ental a ser aqui notado diz respeito ao enfraquecim ento da doutrina do
Instinto gastador. Parcim ónia. Prodigalidade. . justo m eio. O vício por defeito, adm ite A ristóteles, não possui nom e, e, de facto,
. dificilm ente existe. A única coisa que se pode opor ao autocontrolo é a falta de
Exteriorm ente, a acção virtuosa consiste num m eio entre extrem os m as são auto controlo e, neste caso, apenas existe um instinto a ser controlado, o ins-
im pulsos diferentes que tem os de ultrapassar no sentido de se evitar es~es extre- . tinto de m edir os prazeres em questão. N ão existe aqui qualquer vício por
~os, e, ~nteri~rm ente, a coragem consiste em algo bastante diferente da prudên- defeito. O «defeito» apenas pode ser, ou um a insensibilidade inata, pela qual
cia: .a liberalidade da parcim ónia. N ão tem os aqui espaço para aplicar esta ninguém pode ser censurado, ou o ascetism o, o qual não consiste num a esçravi-
analise a outros casos, m as este é, p()r certo, aplicável a m uitos outros dom ínios. zação ao instinto, m as antes na subjugação do instinto a um a regra, em bora esta
... O ~utro p.onto a ser notado na exposição da coragem diz respeito à grande possa não. ser, talvez, a «regra correcta». .
hm ~t~çao do seu alcance. A ristóteles m enciona um sentido m ais lato da palavra, . 3). A «M agnanim idade», ou, com o à podem os designar, o orgulho ou res-
. aphcavel ~ pessoas que não têm m edo, por exem plo, da desgraça ou da perda
peito próprio, ocupam um lugar especial na lista das virtudes. Q hom em m agnâ-
da.ssuas nquezas: Contudo, rejeita isto com o não se tratando de coragein pró- nim o é aquele cujos m éritos e pretensões são igualm ente elevados. Por isto, esta
pna 56. N o, ~ntanto, seria um erro afirm ar que entende por coragem apenas a
virtude pressupõe as outras, realçando-as. Constitui «um a espécie de coroa-
coragem flslca. A .coragem puram ente instintiva é descrita com o nao sendo
m ento das virtudes». O hom em m agnânim o reclam a a honra,. m as as honras
elevadas e m esm .o aquelas c'onferidas pelos hom ens bons nãó .lhe darão senão
. um prazer m oderado, um a vez que, quando m uito, apenas obtém aquilo que lhe

55 J. L. Slock$. TlIe Tesi vf Experience. in «M ind», X X V III (J919), 79-81. 57 1117 b 23 - 1118 b 8.
56 1115 a 14-24.
5" 1118 b 28 - 1119 a 5.

212 2i3
A R IS T 6 T E L E S • A É T IC A

é próprio. No entanto, aceitá-Ias-á como o melhor possível de ser dado pelos seus o significado «universa!» e «particulaf>'. de justiça. O primeiro destes sigmfica-
concidadãos. Desprezará a honra dos homens comuns, bem como a desonra. Se dos não é o usualmente atribuído à palavra «justo». Em parte, explica-se pelo
possuir um elevado nascimento, poder ou riqueza, tudo isto contribuirá para um facto de oLiux.Loc:;designaroriginariamente <wbservante do costume ou da regra»
crescimento do sentimento do seu próprio valor. Não possui qualquer amor'do (oLxll) em geral 6'. No grego posterior, a justiça t.ende a, ser _identificada
perigo, mas, em face de um perigo elevado, não poupa a sua vida, pensando que com a totalidade daquilo que está certo 6.1. Em particular, ~OLXELVfot a pa-
a vida pode ser resguardada em vistas de um preço muito elevado. Está apto a lavra empregue na lei ática para designar qualquer infracção à l<::i.Do mesmo
conferir benefícios, envergonha-se de os receber e, deste modo, de colocar-se na modo qu~ o defensor dum processo civil é acusado de ter feito mal a um
posição de um inferior. Paga os benefícios com outros benefícios ainda maiores, indivíduo, assim também um prisioneiro num caso criminal é considerado com~
de forma a tornar o seu amigo num devedor. Lembra-se daqueles a quem tendo procedido de forma errada a respeito da cidade. Aristóteles pensa que a lei
beneficiou, mas esquece os seus benfeitores. Gosta de ser lembrado pelos berrefí- deveria controlar a totalidade da vida humana, bem como assegurar, senão a
cios por si concedidos, mas não por aqueles que recebeu. Exige pouco aos moralidade, uma vez que esta é impotente para assegurar que os homens ajam
outros, mas está sempre apto a servir. Confia-se orgulhosamente aos grandes e no sentido «da salvaguarda do nobre», pelo menos as acções apropriadas a todas
cortesmente aos de média condição. Não se precipita para onde a honra pode ser as virtudes. Se a lei de um estádo particular apenas faz isto parcialmente, é
ganha ou para onde outros tomam a primazia. É lento a agir, excepto quando se porque se trata apenas de uma aproximação gross:ira e ,há~il ,ao que a I~i de:
trata de fazer algo de elevado. Está aberto ao amor e ao ódio, às palavras e à
veria ser 64. Então, ~ª-,----I];~.~_ntldo da~dlenCl~e.l, e co-extensiva a
acção. É-lhe difícil viver sob a vontade alheia, excepto de um amigo. Não está virtude mas os termos não são idênticos em significado. O termo «jUStlça» re-
apto a admirar, nem a relembrar, o mal. Não é nem tagarela nem difamador. f~'a; carácter social, implícito a~.i!._,!,y!£.tude_lllQ!"al, en..9...uan~...!~rm_()
Não se lamenta a propósito de pequenas coisas, preferindo possuir coisas belas e
«virtude» não chama a ate'nQ!"Q.. P,ª.!a ..~~.te carácter.
sem proveito. O seu passo é lento, a sua voz profunda e o seu discurso -----c;;-;tudõ;-õ-que.Tnt";ressa sobretudo a Aristóteles é a «justiça particular».
tranquilo 50.
O homem.~e é <mão-justo» neste sentido é aquele que, tong.!!t<ú.sill!~.-ª-~!J,ª_12~
Nesta pintura existem traços admiráveis, mas, no conjunto, a pintura é das coisas boasem'si'própriás, mas nem sempre boasp,!r,a.ul!1ª. pessoa.p...'!.r:t~c,':l::-
desagradável, pois representa uma antecipação do sábio estóico sem a sua auto- lãrlstü"é -"üshens"ex.i:eriores' tais' como, a riqueza e a hOI1,~q,_o.b.Qm~mQ..1Je_.fo-
humilhação perante o ideal do dever. O carácter chocante da pintura é ate- ge ' de-l.tm~batafhã-O~-eí,l!:e'perdeas estribei' ia s poderá ser consi~erad(),!n~~~o
nuado, mas não suprimido, se nos lembrarmos que o homem por si representado no sentido mais lato, mas não avaro. A avareza é, evidentemente, um VICIO
é suposto possuir, inicialmente, os méritos mais elevados possíveis. Nem pode-
mos supor claramente que a exposição desta virtude, de uma forma diferente das
particular:'distirito d()s üüiro;':e o
termo (<Ínjusti?a» es~á-l~e parti~ula.rm~~te
ligado. A justiça particular divide-se em duas espéc~.:'_~ ..Just!Ç-ª-....!1a dlstl2.b.ll..!.çao
outras, é irónica ou consiste numa mera exposição dos pontos de vista popula-
da honra e da riqueza aoscld-adãos;'e a-
JüStiça.c?rre~!i,,~_Qª~ ,r.el.ªç.ões~~~.~
res. Simplesmente, a passagem trai, de um modo um pouco cru, o narcisismo homens 65. Erii--amlias;'t:ãr"co-rilo "'núma terceira espécie introduzida por~ um
constitutivo do lado mau da ética de Aristóteles. pensa~ento posterior, Artistóteles tenta provar que a justiça consisteno es'Úlbe-
lecer de uma espécie de áva.Àoy'a. (significando primitivamente «propor-
, ção» e i~cluindo, também, certas relações numéricas) 66, .bem como, s~-'
A JUSTIÇA multaneamente, que as três espécies de justiça estabelecem d ife r e n te s espe-

.Das quatro virtudes cardinais .de Platão, falta estudar a justiça e a sabedo~ .
ria. O livro V é consagrado à justiça 60; Aristóteles começa 61 por considerar
dois sentidos para a palavra. euc«justO}) pretende-se significar: ]) o que é con-
[º-Lme à lei; 011 2) O que é distinto e imparcial. Estes constituem, respectivamente,
62 Cf. Hom., Od., 3, 52, onde Pisístrato é designado de <<justo» por ter elevado primeiro o seu
copo de vinho a Atena, e este sentido é frequente em Homero.. .
, 63.Cf. o adágio proverbial: <<toda'a virtude ~ fundada'na.justiça», citado em 1129 b29.'
64 É particularmente sobre a e d u c a ç ã o estabelecida pela lei que Aristóteles Se socorre para a
produção da virtude, 1130 b 25,
50 1 123 a 34 - 1125 a 35. 651l30a 14-1131 a9.
60 Sobre o tratamento que Aristóteles faz da justiça e da sua conexão com a prática grega. 66 Originariamente os Gregos parecem ter rece~heci"e ,três meies . .< ~£ •.• 't'Tr'C£c;):o
cf. Vi nogradofL O u l/in e s (Ir H is lU T ic a / J u r is p r u d e n c e . 11, 43-71. 'aritmético, o geométrico e o ha"rmónico; e apenas uma CloVa.ÀOYCa., a geometnca. MaIS tarde,
61 1129 a. 3 . 1130 a 13. aplica~am a áva.Àoy'a. aos tr~s casos. Cf. Heath, T h e T h ir te e n B o o k s D f E u c lid 's E le m e n ts , lI, 292.

214 215
ARISTÓTELES , , A ÉTICA

cies de àv!X.t.oyéa , e nem sempre, como sustentou Platão 67, uma proporção, quentemente lesada entrou inicialmente num contrato voluntário. As duas
nem, como pretendeu Pitágoras, uma reciprocidade. A justiça distributiva classes de injustiça correspondem às distinções, hoje estabelecidas, entre roturas
i.!TIPlic'!-ºQª~_p~as--e-d.uas._coi~ su<).tarefa consiste em, d"ãdo um certo de contrato duma parte, delitos ou ,prejuízos da outra. Em ambos os casos, a
bem a distri,b~js, .(jividi-lo segundo uma relação C : O, Igual à relação de mérrto injustiça é vista como feita a um indivíduo, e em ambas a função do juiz não
erl!fi.9u<!~essoas A e B, entre as quais deve ser divIdido. Contudo, o méritOé consiste em punir, mas em conceder uma reparação. As «transacções involuntá-
estimado de modo diferentecol1soante os diferentesestad.os. Na'ci~~ocraci~ rias» mencionadas por Aristóteles são, de facto, na sua maior parte e igualmente,
Üb;;-rd~d;'é'~-~st~-~d-~~t'~: e 't6dÜsos-ti"ômenslivres são considerados como iguais; crimes; e, em sistemas legais modernos, seriam habitualmente resoh,idas
na oligarquia, o estandarte reside na riqueza ou no nascimento nobre; na aristo- mediante um procedimento criminal. Contudo, são muitas vezes também accio-
cracia, este baseia-se na virtude. Ora, se: náveis pela lei civil, sendo a esta luz que Aristóteles as considera 72, em confor-
A : B = C : O, então midade com a prática grega.
A : C = B : O e, por isso, Aristóteles afirma que a justica correctiva não age, como a iustis~d~u-
A + C : B + O = A : B, tiva, de acordo com a proporcão geométrica~m.as...seg.lI-OO-G'-d--{fpHI-por,ção
.arti-
~ID); ou, tal como diríamos, implica, não uma proporçãQ",~,,!s_,,.ul12..a
quer dizer, se C é dado a A e O a B, a posição relativa entre as partes é a mesma ~ssãQ aritmética. Não se trata aqui de determinar a relação de mérito entre
existente antes da distribuição, e a justiça terá sido feita. A justiça consiste, d~s pessoas. A lei não se preocupa com o facto de se um' homem bom foi
assim, num meio de dar a A mais que a sua parte, e mais a B que a que lhe defraudado por um mau, ou vice-versa, mas trata-os a ambos de igual modo.
compete 68. Preocupa-se somente com a natureza específica do prejuízo que inclui uma
A teoria da justiça distributiva soa um tanto estranha aos nossos ouvidos. referência à condição das partes e ao carácter, voluntário ou involuntário, do
Não estamos habituados a considerar o estado como um distribuidor de riqueza acto 7). Leva em linha de conta os «prejuízos morais e intelectuais» tanto como o
entre os cidadãos. Pensamos nele mais como um distribuinte de fardos sob a prejuízo físico ou pecuniário. As partes são vistas como tendo, respectivamente,
forma de impostos. No entanto, na Grécia, o cidadão considerava-se, tal como perdido ou ganho, sendo o sentido dos termos «ganho» e «perda» alargados, não
foi dito 69, mais como um accionista do estado que como um contribuinte, e a só às transacções comerciais, como a outras. As partes, depois do prejuízo,
propriedade pública, por exemplo, a terra de uma nova colónia, foi frequente- estão, respectivamente, nas posições de A+C, B-C, sendo A tratado como = a B.
mente dividida entre eles, 'enquanto a assistência pública aos necessitados tam- O que o juiz faz é tomar C de A e dá-lo a B, colocando assim cada um deles
bém era reconhecida. Aristóteles parece ter igualmente presente a distribuição numa posição aritmeticamente intermédia entre o ganho e a perda. E, como na
de lucros entre sócios, proporcional ao investido nos seus negócios 70, e a justiça distributiva, a posição relativa das partes (aqui uma posição de igual-
partilha de uma herança incluir-se-ia também neste princípio. Por distribuição dade) é salvaguardada pois (sendo A=B) A+C-C=B-C+C 74.

. de honra, Aristóteles pretende designar a distribuição de postos no estado de Os Pitagóricos tinham definido a justiça como uma «reciprocidade», isto é,
acordo com as «hipóteses» inerentes ao estad'o particular, conforme seja a condi- devíamos fazer a A aquilo que este fez a B. Por outras palavras, «olho por olho,
ção livre, a
riqueza, o nascimento nobre ou a virtude, o estandarte utilizado. dente por dente». Esta fórmula simplista não se aplica, segundo Aristóteles, nem
Esta concepção desempenha um grande papel na Política 71. à justiça distributiva nem à correctiva. Contudo, existe uma terceira espécie - a
A-lJlstiça COl'Feetiva está subdividida:' I) na respeitante às transacções VO" ..j1li1içadas trocas comerciais - na qua} é aplicável, se tomarmos «reciproci-' ª
JW "t.--!!!!.ias,
tais com9"""""ª-_~~t.:tda,
o aluguer; e 2.LIÚLº-4s~..!.ra~~<:=çõesinvohmtá- dade de acordo com a proporção»e~_,'::..e!, d~~iprocidade c~~Y!~~.E.a..!..~-,::al-
rias, envolven.da-quer....a..fraRde quer a força, ~m.Q.IlQ...,r.Qubo ou no assalto.
A diferença entre as transacções voluntárias e as involuntárias consiste no facto de,
nas primeiras, «o começo da transacção ser voluntário», isto é, a pessoa subse-

72 Vistas como crimes, como ofensas contra- o estado e não contra um indivíduo, seriam
exemplos' de injustiça, <<universah>e não de' injustiça «particulan.,
, 73 C( 1132. a 2 com b 28.
74 1131 b 25 - 1132 b 20. Não posso aceitar o pont~ de vista do ProL Bur'net e (com hesitações)

67 Garg., 508 a; As Leis, 757 a, b~ o de Grant, segundo o qual ajustiça «diortótica" regula as transacções correctas assim como fornece
68 I 13 I a 9 - b 24. emenda para as transacções erradas. Nem penso que Aristóteles distinga entre o montante do ganho'
69 J,. Burnet, ad. lac. de A e dape~da de B, ou s~ja. do mau procedimento de A e da injúria de B, não obstante, de facto,
70 1131 b 29. A possa fazer a B, sem dúvida, mais ou menos mal do que aquele por si pretendido e, numa certa
71 Pai., III. 9, V. I. medida,,'a lei grega (tal como As Leis de Platão, 767 e, 843 cd,862 b, 915 a) leva em conta este'faeto.

216 217
A ÉTICA
ARISTÓTELES
---l7
exem plo.s de justiça. A ristóteles passau assim em revista, de fo.rm a bastante
dade» 75, A recipro.cidade é necessária para
m anter a co.esão. do. estado. po.I'S
. . . ' este co.m pleta, a cam pa da actividade hum ana o.nde são. aplicáveis o.s term as «justo.» e
m antem -se. co.eso. atraves da tro.ca de servlço.s entre o.s cidadão.s, a qual deixará
«injusto.». Na entanto., não. apo.nta a diferença existente cntre as várias tipo.s. Q ue
d.e ser pratl,cada, se estes não.. o.btiverem nada em tro~a daquilo. que dão.. M as, a
o. ho.m em de estada e o. juiz ajam co.m justiça, au que o. cidadão. particular
sll~ples reclpro.cldade, um dia de trabalho. po.r um dia de tr'abalho., não. resulta
pO IS as partes ~ro.cadas po.ssuem um valo.r diferente. A s partes e o.s seus pro.duto.~
cum pra as seus co.ntratas e se abstenha de invadir o.s direitas de autrem , depende
das suas vo.ntades próprias. Po.dem estar sujeitas a diversas tentações para agi-
de~em ser equlp_ar~do.s a~tes de se dar lugar à tro.ca. Q uerem o.s, po.rtanto., um a
rem injustam ente, e a sua justa actuação. po.de ser deno.m inada de virtuo.sa. M as
um dade que perm ita avahar o.s seus pro.duto.s. A verdadeira unidade assenta na
não. existe qualquer virtude m o.ral na justiça cam ercial tal co.m o. esta é descrita
pro.c.ura, aqudo. que co.l~ca as ~esso.as em relação.. M as A , cujo. pro.duto. é
po.r A ristóteles. A qui, a «justiça» não. co.nsiste num a virtude m as num a espécie de
desejado. po.r ~, po.de nao. desejar o. pro.duzido. po.r B, o.u não. o. desejar no.
«regulado.r» da. m áquina eco.nóm ica, dcstinada a im pedir que as preças de tro.ca
m o.m ento.. preCISo. em que B deseja o. seu. Para evitar as flutuações de valo.r de
se afastem do.s seus valo.res reais, segundo. as necessidades hum anas das bens
tro.ca denvado.s deste facto. crio.u-se a m o.eda, um a «representação. co.nvencio.nal
tracadas. Talvez tenha sido. o. reco.nhecim ento. desta diferença que levo.u A ristó-
da pro.cura», um a «garantia de que se não. pretendem o.s nada em tro.ca neste
m o.m ento., o. po.derem o.s o.bter no. m o.m ento. desejado.». A m o.eda está' ' ela pro.'pna
. teles a não. co.nsiderar a justiça co.m ercial co.m o. um das tipo.s fundam entais de
. .
sU jeita a um a flutuação. de valo.r, m as bastante m eno.r que a do.s o.utro.s pro.du~ justiça, não. a intro.duzinda senão. po.sterio.rm ente.
Segundo. A ristóteles, a prática m astrou claram ente que a justa actuação.
to.S 76. Se, ago.ra, um a casa vale cinco. m inas, e um a cam a um a m ina, sabem o.s
representa um estada interm édio. entre a facto. de agir injustam ente e ô de sa-
que um a casa vale cinco. cam as, de tal m o.do. que, se um a tro.ca se efectua so.bre
frer um a injustiça. O ra, isto. não. está co.nfo.rm e ao. po.nto. de vista precedente.
esta~ bases, isto. é, se A (um co.nstruto.r) recebe O (cinco. cam as) de B (um
O ho.m em de estado. e a juiz, que distribuem o.s bens au fixam as penas segundo.
fabnca~te de cam as),.e B recebe C (um a casa) de A , existirá um a« reciprocidade
a justiça, não. estão. em perigo. de serem injustam ente tratadas. E a cidadão.
~ropo.rclO nal» (que: .dlzer, um a recipro.cidade que leva em linha de co.nta, respec-
particular, a quem a acção. injusta do. ho.m em de estado. au do. juiz atribuiu m uito.
tlvam ente, as hablhdades das partes bem co.m o. a vaiar respectivo. das seus
pro.duto.s), sendo. a tro.ca justa. Esta no.ção. de m o.eda co.m o. fo.rm a de facilitar a au m uito. po.uca, não. desem penha qualquer papel, senda m eram ente passivo..
Estes do.is po.nto.s de vista são. co.nfundido.s. A única pesso.a que esco.lhe real-
tro.co. em lugar de (praticam ente) o. suprim ir é m uito. curio.sa. N o. entanto., deve-
m o.s lem brar que em eco.no.m ia, tal co.m a em m uito.s autro.s do.m ínio.s A ristóte- m ente entre o. excesso., o. defeito. e o. acto. justa é o. ho.m em que escalhe, quer
les fo.i um pio.neira 77. E, se levarm o.s em linha de co.nta tal facto., reco'nhecem as tóm ar exactam ente a sua parte, quer tam ar m ais, quer to.m ar m eno.s. E não.
que este capítulo. 7M , co.njuntam ente co.m alguns o.utro.s da Política 79 co.nstitui existe um instinto. ego.ísta na ser im pelido. para a terceira hipótese. O facto. de a
um co.ntributa im po.rtante nesta m atéria. ' ado.ptar não. quer dizer que se com po.rte de fo.rm a viciasa. A ssim , a tentativa
feita para representar a justiça co.m a um justo. m eia falha. É um justa m eio.,
_ O s três tipo.s de pessaas descritas po.r A ristóteles agindo. segundo. a justiça'
afirm a A ristóteles, não. cam o. as o.utras virtudes, m as apenas no. sentido. em que
sao.: I) o.s h~m ens de estado., na distribuição. de ho.nras e prém io.s; 2) o.s juízes,
pro.duz um estado. de co.isas interm édio. entre aquele em que A tem m uito. e
no. estabeleCim ento. das penas; 3) o.s fazendeiro.s o.u fabricantes, na tro.ca das
suas m ercado.rias a um preço. razaável. Po.r outro. lado., um a vez que as ro.turas aquele em que B tem m uito. MO.
Seguidam ente, A ristóteles esbo.ça duas distinções: 1) entre a justiça palítica
de co.ntr~to. e as prejuízo.s causado.s a o.utrem co.nstituem exem plo.s de injustiça,
e a justiça não.-po.lítica. A prim eira, existe entre «assaciado.s livres e iguais nurna
o. cum pnm ento. dos co.ntrato.s e o. abster-se de actas prejudiciais .representam
. vida tendente à auto.-suficiência», isto. é, entre cidadão.s de um estado. livre. M as,
para além . disto., existe algo. que po.de ser arialagicam ente apelidado. de justiçá',
Referim a-nas à existente entre senha r e escravo., entré pai e filha. N estes caso.s, o.
subo.rdinada é, de certa m o.do., parte do. subo.rdinante; não. são. pesso.as livres,
enfrentanda-se m utuam ente, e a justiça no. seu plena sentida não. pade existir
75 A «~roporção. recíproca» não é tr~ta~a~ nas m ~tem át~cas gregas, como uma terceira es.pécie
entre eles. N a relação. entre m arido. e m ulher, a justiça po.ssível de aí existir é de
de pr?porçao, lado a lad~ com . a geom et~lca e a aritm ética. A terceira espécie éa «proporção
harm om ca". A «proporçao recIproca" (Gt\I1;t.7tE1tOVeÉVGt~'. cf.' [A r.] Mech 850 a 39' E um a espécie interm édia, o.u seja, as cidadãas po.ssuem ' a direito. no seu sentido.
El. V !, 14,. 15, Xl 34) envolve sim plesm ente um novo arranjo dos term os de um a pr;por~;~ plena, as espo.sas m im sentido. m enar e as' cr'ianças e as escravas m enas do. que
geom etnca. _Se A :. B = C : D , A , B são ditos estarem em proporção geom étrica com C D e A D to.do.s o.s autro.s 81. 2) A segunda distinção. apresentada é a existente entre a
em proporçao recIproca com B, C. " ,
6
77 7
A ou_tra gran.de vantage.m do dinheiro, a sua por.tabilidade, é notada em P, I 2 3
PI t b o c, I 57 a 4.
a ao tam em prodU ZIU um notável trabalho sobre este tem a
80 1133 b 29'- 1134 a 16.
78 1132 b 21-1133 b 28. .
81 1134 a 17- b 18.
79 I, 8-1 I.

218 219
A R IS T Ó T E L E S A É T IC A

justiça natural e a justiça convencional. Há um a classe de direitos e deveres acordo com a virtude, ou, se eX istir m ais de um a virtude, de acordo com a
universalm ente reconhecida, m as a estes sobrepõem -se os direitos e deveres m elhor e m ais perfeita» 86. Se querem os saber o que é a felicidade, devem os
criados pelas leis de estados particulares. A ristóteles opõe-se ao ponto de vista' considerar a natureza das virtudes intelectuais bem com o a das m orais, e per-
sofista com U m segundo o qual toda a justiça é convencional. C ontudo, m esm o a guntar qual a virtude, de todas as existentes em am bas as classes~ é a m elhor:
justiça natural, segundo ele, adm ite excepções 82. O elem ento em nós que form ula as regras - o elem ento raC IO nal - esta
Seguidam ente, ocupa-se do aspecto interno à justiça. A justiça não é sim - dividido: a) na faculdade científica, através da qual contem plam os objectos, não
plesm ente o ater-se a um justo m eio ou a um a proporção, m as pressupõe um adm itindo qualquer espécie de contingência (as regras que form ula, podem os
determ inado estado de espírito. C onsiste na disposição para actuar de um a dizer, são do tipo «S é sem pre P porque Me M é sem pre p»); e b) na faculdade
determ inada form a m ediante um a e s c o l h a d e lib e r a d a . O hom em não é, de igual '-
calculadora (m ais tarde 87 designada de faculdade da opinião), através da qual
m odo, responsável por todos os actos que, de facto, não conseguem atingir o estudam os as coisas onde a contingência está presente. A sua regra (silogism o
justo m eio. Podem os reconhecer quatro graus (para além do acto com pulsivo): prático) é do tipo «A deve ser feito porque A é o m eio de atingir B e B é o fim », em
I) se agirm os por ignorância e inflingirm os um prejuízo que não poderia razoa- 'que o surgir de am bos, de A e de B , é contingente 88 •. Ó ra, dos três ele~ent~s
velm ente ser esperado, isto constitui um acidente; 2) se agirm os por ignorância, predom inantes na alm a - a sensação, a razão e o desejo -, a sensação Jam ais
e sem m alícia, e inflingirm os um prejuízo que poderia razoavelm ente ser de espe- determ ina a acção, com o o com provam os anim ais inferiores, os quais possuem
rar, trata-se de um erro (a lei cham ar-lhe-ia negligência); 3) se agirm os com a sensação m as não produzem acção. O s outros dois elem entos determ inam a
conhecim ento de causa, m as sem deliberação, por exem plo, na cólera, trata-se acção de m odos diferentes, pois vim os que a virtude m oral consiste num a dispo-
de um acto injusto, m as que não im plica o facto de serm os injustos; 4) se sição para a escolha, e que esta é um desejo. deliberativo, quer dizer, envolve o
agirm os por escolha deliberada, am bos, o acto e o agente, são injustos 83.
desejo por um fim ~ a razão (isto é, a espécie «ca1culativa»de razão), a qual
Ao esboçar estas distinções, A ristóteles é, de algum m odo, guiado pela descobre os m eios próprios ao fim . A verdade constitui o objecto da razão na
prática dos tribunais gregos, m as a sua intenção é de ordem m oral e não de sua .form a científica; o objecto da razão na sua form a ca1culativa consiste na
ordem legal. C ontudo, as suas teorias desem penharam um grande papel na verdade correspondente ao desejo certo, ou seja, à verdad.e sobre os m eios de da~
jurisprudência. Por exem plo, a distinção entre o direito com um e a equidade, satisfação ao desejo certo. O pensam ento puro nada anim a; som ente põSsU í\iffi
ainda que deva a sua form a precisa a um a série de factos históricos, num a larga poder anim ador o pensam ento assim dirigido para um fim . O hom em .• visto
m edida, deriva do reconhecim ento, por. parte de A ristóteles, da equidade com o com o um autor de acção, é um a união dé desejo e de razão.' C onsistm <!o a
um a form a de justiça, superior à justiça legal, um a «correcção da lei onde esta .verdade na tendência com um aos dois elem entos racionais, a virtude de um a e de
falha devido à sua generalidade» 84.
outra deve constituir-se por aquilo que perm ite atingir a verdade 89.

O ra há cinco estados de espírito em virtude dos quais atingim os a verdade,


e cuja m '~ra nom eação im plica a sua infalibilid:lde: a ciência, a arte, a sabedoria
AS V IR T U D E S IN T E L E C T U A IS prática, a razão intuitiva e a 'sabedoria teorética 90. 1) A ~ i ê n c i a a) .ocupa-se
com o que é necessário e eterno; b) é com unicável pelo ensm o. O ensm am ento
A ristóteles passa agora das virtudes m orais para as intelectuais. D uas parte sem pre do conhecido, procedendo por indução ou por silogism o .. M ~s a
razões tornam necessário o estudo das segundas: I) O hom em virtu"oso tem sido indução não constitui um processo cielJtífico. Perm ite estabelecer os pnm elros
definido com o aquele q~e age de acordo com a «regra' certa» 85. O estabeleC i-.' princípi~s sobre ~s quais está fundado o processo silogístico, o qual é a ciência.
ófehto õês'ta' regra consiste num a operação intelectual, e devem os considerar a A ciência consiste «num a disposição em virtudé da qual dem onstram os» 91.
sua natureza. 2) O bem -estar tem sido definido com o «um a actividade da alm a de 2)' N a nossa m anipulação do contingente, podem os quere.r, ou e j e ~ t u . a r algo
ser activo dum certo m odo -, ou j a z e r algo -, produzir algo dlstm to da
actividade de a produzir.. A a r t e consiste «na disposição pela qual j a z e m o s coisas

82 b 18-1135 a 25. 86 1098 a 16.


83 1135 a 15 - 1136 a 9. 87 1140 b 26, 1144 b 14.
84 1137 a 31 - 1138 a 3. C f. R h e t . , 1374 a 26 - b 22. O grande papel desem penhado pela 881138 b 18-1139 a 17.
equidade na adm inistração grega da justiça é .bem evidenciada por P. V inogradoif, in O u t l i n e s o f 89 I 139 a I7 - h IJ.
H i s t . J u r . , 11, 63-69. 90 .É:tl.~"'C -i)llT), ~ÉxV 'q, y;:;õV .T}O " l.oÇ, 'V'j'.IC 1 7 ~ ; i . a. .
8S lI03b 32, etc. 91 b 14--36.

220 221
A É T I C A

4 R I S T Ó T E L E S

5) A s a b e d o r ia te o r é tic a c o n s is te n a u n iã o d a in tu iç ã o e d a c iê n c ia , o rie n -
com a a ju d a de um a re g ra v e rd a d e ira » . E s tá re la c io n a d a c o m c o is a s q u e n e m S -
, . ao ta d a p a ra o s o b je c to s m a is e le v a d o s . É ta n to m a is s u p e rio r à s a b e d o ria p rá tic a
? e c e .s s a n a s nem de a c o rd o com a < < n a tu re z a » , is to é, nem com os A que são q u a n to os seus o b je c to s , ta is com o o s c o rp o s c e le s te s 95, fo re m s u p e rio re s a o .-
in e v ita v e lm e n te B , nem com os A que te n d e m a to rn a r-s e B em v irtu d e de u .
hom em , c u jo bem c o n s titu i o o b je c to da s a b e d o ria p rá tic a 96. A m enção dos-
q u a lq u e r p rin c íp io in te rn o ; m as com os A que podem s e r fe ito s B p e la o p e ra _m
' ~ c o rp o s c e le s te s m o s tra que a « s a b e d o ria te o ré tic a » não é a q u i, com o n a lg u m a s
de u m a g e n te e x te rn o . A o b ra de a rte , que c o n s titu i o o b je c to e s ta b e le c id
o u tra s passagens apenas a p lic a d a à filo s o fia , por o p o s iç ã o à c iê n c ia . P ro v a -
. . . o 97,
p re v. ia m e n te p e la a c tlv ld a d e d e « fa z e r» , é e la p ró p ria o m e io p a ra a tin g ir a i go
v e lm e n te , in c lu i a s trê s d iv is õ e s d a « s a b e d o ria » re c o n h e c id a s na M e ta fís ic a 98: a
m a iS , a s a b e r, o seu uso, e, em ú ltim o lu g a r, p a ra um a c e rta fo rm a de acção
m e ta fís ic a , a s m a te m á tic a s e a c iê n c ia n a tu ra l. A c o n te m p la ç ã o d e s ta s m a té ria s
(c o m o o p o s ta ao fa z e r), c o n s titu tiv a d o s e u p ró p rio fim . A s s im , a a rte e n c o n tra -
c o n s titu i, com o podem os v e r a p a rtir d o liv ro X , segundo o p o n to d e v is ta de
-s e s u b o rd in a d a à s a b e d o ria p rá tic a 92. A a rte in c lu i, ta n to a s a rte s ú te is q u a n to
A ris tó te le s , a v id a id e a l p a ra o h o m e m .
a s b e la s -a rte s , e , re g ra g e ra l, é n a s p rim e ira s que A ris tó te le s pensa. N o p rim e iro
A « s a b e d o ria p rá tic a » é c o -e x te n s iv a à c iê n c ia p o lític a , m a s a s u a e s s ê n c ia n ã o
caso, o u s o a s e r fe ito d a o b ra d e a rte c o n s is te n o s e u u s o e n q u a n to in s tru m e n t
é a m esm a. Q uer d iz e r, é um a e a m esm a s a b e d o ria que a s s e g u ra o bem do
d e u m a c e rta a c tiv id a d ~ in te le c tu a l o u m o ra l. N o segundo caso, podem os supo~
in d iv íd u o e o do e s ta d o , m as, ao d e s ig n á -lo d e s a b e d o ria p rá tic a , p e n s a m o -lo
q u e o s e u u s o d e v e s e rv ir p a ra a c o n te m p la ç ã o e s té tic a , m a s n ã o e x is te u m a c la ra com o desem penhando a p rim e ira fu n ç ã o ; e, ao d e s ig n á -lo de c iê n c ia p o lític a ,
e v id ê n c ia s o b re o fa c to d e A ris tó te le s pensar n is to com o tra ta n d o -s e d e u m fim
com o desem penhando a segunda. Da id e n tific a ç ã o e n tre as duas, s e g u e -s e que a
em s i. I É tic a (a q u a l é d e s c rita com o um a o b ra s o b re p o lític a ) é, não um tra b a lh o de
3) A s a b e d o r ia p r á tic a c o n s is te no poder d a b o a d e lib e ta ç ã o , n ã o a c e rc a d o
,c iê n c ia p u ra ; m as de s a b e d o ria p rá tic a . De fa c to , A ris tó te le s conduz a té um
m odo com o ta is c o is a s p a rtic u la re s devem s e r fe ita s , o u o s e s ta d o s p a rtic u la re s
c e rto p o n to a a n á lis e d e lib e ra tiv a q u e o p e ra a p a rtir d a fe lic id a d e a té a o m e io d a
ta is c o m o a saúde e a riq u e z a , devem s e r p ro d u z id o s (e s te s c o n s titu e m o b je c to ~
sua p ró p ria p ro d u ç ã o . D e ix a aos a g e n te s in d iv id u a is o papel d e le v a re m m a is
da a r te ) , m a s a c e rc a d a s « c o is a s b o a s p a ra s i p ró p rio » , is to é , s o b re o m odo com o
a lé m a a n á lis e , à lu z d a s s u a s c irc u n s tâ n c ia s in d iv id u a is . A « s a b e d o ria p rá tic a » ,
d e v e s e r re a liz a d a um a d is p o s iç ã o g e ra l s u s c e p tív e l d e n o s s a tis fa z e r. E la é « u m a
d iz -n o s A ris tó te le s , te m tid o a te n d ê n c ia a s e r re d u z id a à q u e la sua p a rte que se
d is p o s iç ã o v e rd a d ~ ira te n d e n te à acção, com a a ju d a d e u m a re g ra , c a p a z d e a g ir
, re fe re ao bem do in d iv íd u o , sob p re te x to de que o hom em a tin g irá m e lh o r o
n a e s fe ra do que e bom ou m au p a ra os hom ens». A s s im , o hom em d o ta d o de
seu b e m -e s ta r s e o a tin g ir s o z in h o . M as e s ta te n d ê n c ia e s tá e rra d a , p o is , num
sageza p rá tic a deve c o n h e c e r, desde o in íc io , o que s ã o a s c o is a s «boas p a ra ó
e s ta d o im p e rfe ito , a m e lh o r v id a in d iv id u a l não pode s e r v iv id a . P o r s e u tu rn o , a
hom em ». D e a c o rd o com o p o n to d e v is ta d e A ris tó te le s , 'd e v e c o n h e c e r a c o n c lu -
« c iê n c ia p o lític a » te m s id o re d u z id a à s u a p a rte e x e c u tiv a , m a s ta m b é m is to e s tá
são a que e le p ró p rio chegou n o ,liv ro X , a s a b e r, que a m e lh o r c o is a p a ra o
e rra d o 99. O esquem a c o m p le to da d iv is ã o é o s e g u in te :
hom em é ~ v i.d a d ~ c o n te m p la ç ã o , e d e lib e ra r s o b re os m e io s p e lo s q u a is e s ta
pode s e r a ~ ln g ld a . E e s ta d is p o s iç ã o , e não a d is p o s iç ã o c ie n tífic a , q u e e s tá a p ta a
s e r p e rv e rtid a p e lo p ra z e r e p e la d o r. O 'v íc io , q u e to m a o p ra z e r e a a u s ê n c ia de
dor com o fim d a v id a , d e s tró i o « p rim e iro p rin c íp io » , is to é , a p re m is s a m a io r d o
s ilo g is m o p rá tic o , im p e d in d o -n o s d e re c o n h e c e r o s v e rd a d e iro s o b je c to s p a ra os
q u a is a v id a deve ser d irig id a

.
93.

~4j A r a z ã o in tu itiv a c q n s is te n a q u ilo p e lo qual a p re e n d e m o s as ú ltim a s


p re m is s a s donde p a rte a c iê n c ia . E la a p re e n d e o s p rim e iro s p rin c íp io s p O I'« in d u ~
ç ã o t. Is to d e v e s e r e n te n d id o , não com o a « in d u ç ã o p e rfe ita » d o s ló g ic o s m o d e r-
nos, a qual não conduz a o c o n h e c im e n to d e u m u n iv e rs a l g e n u ín o , nem com o as
suas « in d u ç õ e s im p e rfe ita s » , que apenas a tin g e m u m a c o n c lu s ã o m e ra m e n te p la u -
s ív e l, m as s im com o o p ro c e s s o p e lo q u a l, após a e x p e riê n c ia de um c e rto
n ú m e ro de e x e m p lo s p a rtic u la re s , o e s p írito a p re e n d e um a v e rd a d e u n iv e rs a l
~ue, a ~ a rtir desse m o m e n to , a p a re c e com o e v id e n te em s i p ró p ria . N e s te sen-
tid o , a In d u ç ã o c o n s is te n a a c tiv id a d e da « ra z ã o in tu itiv a »
ES (~" ~
94.
".l5 X ~ 'J ll~ C :; o-VVÉO"TTpt£'J (1141 b 1).
96 1141 a 9 - b 8.
97 Por e x e m p lo , 1142 a 17.
92 1140 a 1 -2 3 , c f. 2 5 -2 8 .
98 1026 a 1 3 -2 3 .
9 3 a 2 4 -b 3 0 .
991141 b 2 3 -1 1 4 2 a 11.
94 b 3 1 -1 1 4 1 a 8 , c f. 1 1 3 9 b 2 7 -3 1 ; A n . P o s t ., llJO b 3 -1 7 , C f. pp. 4 7 -5 1 .

223
222
ARIST6TELES A ÉTICA

C o n h e c im e n to r ia p r á tic a do tip o d ir e c to , não


I ,õ bem c o n s titu i, p a ra a s p e sso a s

do necessário
I com o o é a fo rm a p a ra to d o s
do, contingente
(S a b e r te o re tic o )
in tu itiv a tiv e s s e já s id o d e f in id a com o a a p re e n sã o dos p r in c íp io s g e r a is , a s u a
I ,c a r a c te r ís tic a m a is e s s e n c ia l r e s id e n o f a c to d e s e tr a ta r dum a a p re e n sã o d ir e c ta ,
I I não r a c io c in a tiv a . O s ú ltim o s te r m o s m e n o re s do s ilo g is m o p r á tic o , bem com o
Sabedoria -prcltlca A rte '
Razão intuiti'va os ú ltim o s te r m o s m a io r e s do s ilo g is m o d e m ~ n s tr a tiv o , são a p r e e n d id o s , não
ciência I
I I I a tr a v é s do r a c io c ín io , m as por um a p e rc e p ç ã o , a qual pode, ig u a lm e n te , ser
S o b re o e s ta d o a fa m ilia o indivíduo d e s ig n a d a de ra z ã o in tu itiv a . T a is p r e m is s a s são d e s c r ita s m a is à f r e n te com o
I I I « p o n to s de p a r tid a da causa f in a l» , um a vez que o s u n iv e r s a is são a tin g id o s a
(< < P o litic a » ) (E c o n o m ia ) « < S a b e d o ria p rá tic a » )
p a r tir dos p a r tic u la r e s 104. P a re c e e x is tir aqui um a c o n fu sã o e n tr e a p r e m is s a
m enor e a c o n c lu s ã o , causada, s e m d ú v id a , p e lo f a c to de am bas se re m p r o p o s i-
I I ç õ e s s in g u la r e s com o m e s m o s u je ito . P o d e m u ito b e m d iz e r - s e q u e n e s te e s tá d io
A rq u ite c tó n ic a (L e g is la tiv a ) S u b o rd in a d a
p r é - r e f le x iv o , d e q u e A r is tó te le s f a la a q u i, é a ju s te z a d o s a c to s p a r tic u la r e s que
I
é a p r e e n d id a , e que daqui passam os p a ra a f o r m u la ç ã o d e p r in c íp io s g e r a is d o
D e lib e ra tiv a .J u d ic ia l g é n e ro « ta l e ta l tip o d e a c ç ã o é b o a ) ) , a p a r tir d o s q u a is d e d u z im o s s e g u id a m e n te
a ju s te z a d e o u tr a s a c ç õ e s p a r tic u la r e s do m esm o tip o . I s to s e r ia a n á lo g o ao que
a c o n te c e na e sfe ra m e r a m e n te in te le c tu a l, onde os u n iv e r s a is são a tin g id o s
m e d ia n te um a in d u ç ã o dos p a r tic u la r e s , e novos p a r tic u la r e s são d e d u z id o s a
p a r tir de u n iv e r s a is . M a s o c o n h e C im e n to das premissas menores p a r tic u la r e s
não pode c o n d u z ir a o c o n h e c im e n to d e p r in c íp io s g e r a is , p o is a p r e m is s a m enor
A té a q u i, a s a b e d o r ia p r á tic a te m s id o d is tin g u id a , de fo rm a n ítid a da
c o n s is te num a m e r a d e c la r a ç ã o d e f a c to , « ta l e ta l a c to p o s s u i ta l q u a lid a d e ) ) , n ã o
p e tc e p ç ~ o e da ra z ã o in tu itiv a . M as a g o ra , A r is tó te le s m o s tr a um a te n d ê ~ c ia
sendo o p r e d ic a d o , de m odo a lg u m , um p r e d ic a d o m o r a l. E n c o n tr a m - s e tr a ç o s
p a ra a ~ J u n ta r 100. R e la c io n a n d o - s e a s a b e d o r ia p r á tic a com as acções p a r tic u -
da m esm a c o n fu sã o (e m A r is tó te le s ou num in te r p e la d o r ) n o u tr o s lo c a is 105.
la r ~ s ,e m e lh o r conhecer a c o n c lu s ã o do s ilo g is m o p r á tic o , sem a p r e m is s a
A ,r is tó te le s v o lta - s e a g o r a p a ra o p r o b le m a d a u tilid a d e d a s a b e d o r ia te o r é -
m a .lO ~ , q u e c o n h e c e r a p r e m is s a m a io r s e m a c o n c lu s ã o 101. P o r o u tr a s p a la v r a s ,
tic a e p r á tic a . A p r im e ir a pode p a re c e r in ú til, um a vez que não se ocupa dos
A n s to t~ le s re c o n h e c e u m a e s p é c ie s e c u n d á r ia d e s a b e d o r ia p r á tic a , a q u a l te m o
m Jo sp a ra a tin g ir o b e m - e s ta r ; a segunda, u m a v e z q u e e s tu d a as acções execu-
c o n h e ~ l.m e n to . d a c ? is a c e r ta a fa z e r s e m , c o n tu d o , lh e c h e g a r por u m p ro c e sso
ta d a s por um hom em b o m , q u e r tiv e s s e s a b e d o r ia p r á tic a o u n ã o . S e s u g e r ir m o s
d e , a n a lI s e d e lI b e r a tiv a - ~ m a . s a b e d o r ia so b re d e ta lh e s , e x is te n te n a q u e le s pos-
s U ld o s d e u m a c e r ta e x p e n ê n c la d e v id a , m esm o senão são capazes d e f o r m u la r
q u e o o b je c tiv o d a s a g e z a p r á tic a c o n s is te e m p e r m itir ao hom em tornar-se bom ,

p r in c íp io s g e r a is 102. C o n s e q u e n te m e n te , a esar d a s a b e d o r ia r á tic a e rm a n e - e n tã 2 _ o ã o t,e m q u a lq u e r u tilid a d e p a ra a q u e le s q u e já são b o n s ; e , q u a n to aos


q i'le "o n ã o s ã o ~ i;o r que não podem e s s e s c o n s u lta r um hom em s á b io , ta l c o m o
c e r o p o s ta à ra z ã o in tu itiv a , é d e f in id a com o u m a e s p é c ie d e p e r c e p ç ã o , não um a
• p ro c e d e m o s a r e s p e ito de um m é d ic o , em vez de te n ta r e m s e r ta m b é m e le s
p e la qual p e rc e b e m o s a s q u a lid a d e s a p r e e n d id a s por um , e apenas u m , s e n tid o ,
" s á b io s ? A r e s p o s ta é : I) p a ra a lé m d o s s e u s e f e ito s , am bas a s .f ó r I il! ! s - d e sageza

*b
nem 'm e s m o por um a o u tr a p e la qual a p re e n d e m o s ,s e n s ív e is c o m u n s com o a
f ig u r a . M as s im por um a te r c e ir a e s p é c ie !lH. o q u e c a r a c te r iz a : e s s e n c ia lm e n te a são boas em si m esm as, s im p ie s m e n te p e lo f a c to d e se re m v ir tu d e s G ) lA m b a s as
fo rm a s. d e sa g e z a p ro d u z e m f e lic id a d e , p o is s ã o a s u a c a u s a f o r m a l, d is tin ta da
p e rc e p ç ã o é o se r a a p re e n sã o d o f a c to in d iv id u a l e , n e s te s e n tid o la to , a s a b e d o -
' ,é a essência d a f e lic id ,a d e ,'
c a u s a ,e f iC ie n te . A s a g e z a " o u a n te s , o s e u e x e r ,c í,C iO
,A o p in iã o d e c la r a d a d e A r is tó te le s a f ir m a q u e o f im d o h o m e m r e s id e n a v ia
te o r é tic a . C om is to p a r e c e q u e re r d iz e r ( d e f o r m a m enos d is tin ta ) q u e a v ia d a
s a b e d o r ia p r á tic l! - 'f a z ig u a lm e n te p a r te desse f im 106. 3) A s a b e d o r ia ,p r á tic a '

100 C f. 1143 a 25.


101 1141 b 1 4 -2 2 . 104 i1 4 3 a 35 - b 5.
102 1142 a 1 1 -2 0 , 1 1 4 3 b 7 -1 4 . lO S Por e x e m p lo , em 1 1 4 1 ' b 2 0 e ta lv e z em 1 1 4 2 a 2 3 -3 0 ,
103 1 1 4 2 a 2 3 -3 0 , c f. 1 1 0 9 b 2 3 ;1 1 2 6 b 3. 106 1 1 4 4 a 3 -5 .

224 225
ARISTÓTELES A ÉTICA

produz, realm ente, um efeito. Sem dúvida, a virtude leva-nos a escolh,er o A C O N T IN Ê N C IA E A IN C O N T IN Ê N C IA


m elhor fim a atingir, m as a sageza prática conduz-nos à escolha dos just~~
m eios. No entanto, a sageza prática não pode existir independentem ent~- d~ i No livro V II, A ristóteles ocupa-se ainda das relações existentes entre o
-1/..- virtude. O poder de alcancar o fim que nos propom os, seja ele bom ou m au, nã~ ':intelecto e o desejo, m as de um ponto de vista diferente. Segundo ele, podem os
---'('-' consiste num a sageza prática, m as sim na inteligência. C ontudo, desde que o fim !,distinguir três graus de m aldade - a incontinência_(ou fraqueza de ,,:on~ade), o
em vista seja justo - e só a virtude nos pode assegurar isto -, ~I!.teligência ;;vício e a bestialidade -, correspondendo-lhes tres graus de excelencla ~ a
transform a-se em sabedoria prática. Se,o fim em vista for m au, esta transform a_ -'continência, a virtude e a «virtude heróica e divina». Pouco diz acerca dos tipos
-se II].,ais em pstúcia lli7.E '-Ü ircom o a sabedoria prática im plica virtude m oral, ; extrem os; a bestialidade e a virtude sobre-hum ana (ou santidade, com o a pode-
assim e.~!1h.J1.º._seusentido próprio, im plica sageza lll.iÍli£1L Podem os, de facto, .'riam os designar). A últim a é rara; a prim eira, enco,n~r.a-se sobret~do ,entre os .
com eçar por um a virtude natural, pela disposição para um a actuação justa ou ebárbaros, m as por vezes é produzida entre hom ens C IV ilizados, devI~o_ a doe.n~a
tem perada, por exem plo, m as se tal não for acom panhado por um conheci- 7 ou à m utilação. Por vezes, o nom e aplica-se ao e.xcesso de ~m . V IC IOordl~a-
m ento dos efeitos acarretados por tais acções, esta nunca se tornará efectiva- ?rio 109. M ais à frente distingue nitidam ente
110, o tipO de bestialidade do tipO
m ente num a virtude m orai, antes perm anece fútil (com o no caso do persecutor 'm órbido. N ada m ais é dito acerca da virtude sobre~hum ana e, de facto, a do~-
consciencioso), podendo tornar-se perigosa. A ssim , a sugestão de que a virtude !'trina de A ristóteles, tal com o foi elaborada, não deixa lugar para algo de m ais
R Q de ser com pleta sem o auxílio da sabedoria prática perm aoeceod.o incapaz de , . elevado que a {(V irtude». A tem perançª (que constitu! u~a das vir~udes do ní':,el
ver a interdependência de am bas, está provado constituir um erro. A ristóteles hum ano) é descrita III com o envolvendo a total ausencla de ,deseJO S m aus, nao
está agora apto a estabelecer a suarelação a respeito de dois problem as em bara- havendo aí lugar para um a virtude sobre-hum ana para alem desta.. .
çantes. I) A virtude não é, com o Sócrates afirm ou, sim plesm ente um a sabedo- O interesse fundam ental reside na discussão entre a continência e a m c~ntI-
ria, em bora im plique um a certa espécie de sabedoria, a saber, a sabedoria nência, bem com o entre certos estados vizinhos. A incontinência~ afirm a A ~IS~Ó -
prática. teles com razão, consiste essencialm ente em agir sob o efeito da palx~o,
A regra correcta não constitui a totalidade do seu conteúdo, em bora não conhecendo-se a m aldade do que é feito. A continêncÜ l,por outro lado, ~o~slste
possa existir sem um a regra correcta. 2) E m bora as virtudes naturais possam no facto de um hom em , conhecendo a m aldade dos seus apetites, I~es reslst~r em
existir isoladas um as das outras, as virtudes m orais não o podem , pois qualquer obediência à «regra». A qui, colocam -se t:ês problem as f~ndam entals: I) Sera .qu~
-i: virtude m oral im plica um a sabedoria prática, e esta im plica todas as virtudes o hom em incontinente age com conheC im ento, e se assim for, em que sentido.
m orais. C om efeito, um a vez que a sabedoria prática im plica que o hom em não 2) Q ual é a esfera da incontinê,ncia? C ?n_sist.e no prazer e .na dor e~ ger~, o~
siga as suas tendências instintivas tal com o estas lhe surgiriam , um as boas outras nalgum a espécie particular? 3»E a contm enC la a m esm a cO isa que a m t.replde_z.
m ás, m as dirija a totalidade da sua vida em direcção ao bem suprem o, ela é A segunda questão é desde logo respondida, e br.eve~e~te. 112, ~ela afIrm a?ao
incom patível com um desenvolvim ento m oral unilateral. de que a esfera da incontinência propriam ente d.ita e s.lm Ilar a. que tem .sldo
Finalm ente, a relação da sabedoria m oral com a intelectual é estabelecida atribuída à libertinagem 113. C ontudo, o. hom em m contm ente difere do liber-
de m odo abreviado. É verdade que a sabedoria prática determ ina os estudos que, tino no sentido em que este últim o age deliberadam ente, pensando que deve
devem ser perseguidos num qualquer estado. M as, ao fazê-lo, procede, não em sem pre perseguir o prazer m om entâneo, enquanto o prim eiro, não obstante
vista da sabedoria teorética, m as dos seus próprios interesses. É inferior, e não assim não pensar, persegue-o.
superior, à sabedoria' teorética 108. ~
I) A prim eira questão é a m ~is im portante de entre toda~. A suge,stão de
O problem a prop9stonO início do livro V I - «qual é a regra correcta?» -
que podem os agir contra a opinião, m as não contra o conh:clm e~to, e, ~e~~e
não foi ainda respondido de form a 'conclusiva, m as a respostâ de A ristóteles é
logo, posta" de lado. N ão nos ajuda a resolver a nossa questao, pO IS a 0plm ao
agora çlara. A regra correcta consiste num a regra obtida (?or um a análise delibe-
pode ser acom panhada por um sentim ento tão elevado de certeza quanto o
rativa do' hom em prudente, a qual o inform a de gue o fim da vida hum ana se-
rám elhor atin~ido a partir' de certas acções interm édias entre os extrem os.
A virt.-ude m oral consiste, na obediência a um ll_,taL regra.

109 1145 a 15-b 20.


1101148 b 15-1149 a 20.
III 1151 b 34- 1152a 3.
107 1143 b 18. 1144 b I: 112 M as cf. pp. 229 segs.
108 1145 a 6-11, cf. 1094 a 28.b 2,1141 a 20-22,1143 b'33.35,
( 113 C f. pp. 212-213.

226 227
ARISTÓTELES A ÉTICA

c ~ :> n h e c !m e n to . A ris tó te le s o fe re c e -n o s a s u a p ró p ria s o lu ç ã o p o r e s tá d io s S uces- nexão, as p re m is s a s de um s ilo g is m o te ó ric o . A s s im , s e p o s s u irm o s p re m is s a s

S IV O S : .a) C o ~ e ç a por e s ta b e le c e r a d is tin ç ã o fa m ilia r e n tre p o te n c ia lid a d e e a firm a n d o que « tu d o o q u e é d o c e d e v e s e r p ro v a d o , e is to é d o c e » , d e v e m o s ,

a c tu a h d a d e . E p o s s ív e l a g ir-s e de fo rm a e rra d a se s e tiv e r p re v ia m e n te no. desde que não s e a p re s e n te nenhum o b s tá c u lo , p ro v a r o o b je c to doce. N ão se

e s p írito o c o n h e c im e n to d o c e rto , apesar d e ta l s e r im p o s s ív e l s e p o s s u irm o s o tra ta , c la ~ o , d e in c o n tin ê n c ia , m a s d e lib e rtin a g e m . N o e n ta n to , e x is te u m o u tro

c o n h ~ c im e n to a c tu a l d o c e rto no m o m e n to em q 1 .le a g im o s . Is to c o n s titu i um c a s o p o s s ív e l. Podem os te r u m a p re m is s a m a io r a firm a n d o q u e 'm id a d o q u e é x


c o n tn b u to g e n u ín o p a ra a s o lu ç ã o . A o s o lh o s d e A ris tó te le s , o s e u d e fe ito re s id e d e v e s e r p ro v a d o ', e u m a m e n o r 'is to é x', s e m s a b e rm o s d e to d o , o u n u m s e n tid o
n o fa c to d e a d is tin ç ã o não e s ta b e le c e r a d ife re n ç a e n tre o s d iv e rs o s e le m e n to s re m o to , em q u a l d e la s , c o m o v im o s , u m hom em bêbado pode s e r d ito c o n h e c e r
do c o n h e c im e n to , o s q u a is , d e a c o rd o com a sua te o ria , e s tã o e n v o lv ilfo s no « o s v e rs o s de E m p é d o c le s » . Por o u tro la d o , podem os te r um a o u tra p re m is s a
c o n h e c im e n to do que devem os fa z e r. É a e s te s e le m e n to s q u e p a s s a e m s e g ú id a . m a io r a firm a n d o q u e « tu d o o q u e é d o c e é a g ra d á v e l» , e u m a m e n o r « is to é d o c e » ,
b) P o d e m o s conhecer a c tu a lm e n te a p re m is s a m a io r, p o r e x e m p lo , « o s a lim e n - podendo nós, s im u lta n e a m e n te , s e n tir u m d e s e jo p e lo a g ra d á v e l. E n tã o , to m a re -

to s s e c o s são bons p a ra o h o m e lID > ; p o d e m o s conhecer a c tu a lm e n te a p re m is s a m os o a lim e n to doce, e a acção in c o n tin e n te fo i re a liz a d a sob a in flu ê n c ia de
m e n ~ r, e s ta b e le c id a p e la a p lic a ç ã o p e s s o a l: «Sou u /n hom em », e ta lv e z o u tra s um a re g ra , a qual é, te o ric a m e n te , tã o c o n s is te n te q u a n to a re g ra c e rta . E,

p re m is s a : m e n o re s , ta is c o m o « a c o m id a d e u m a c e rta e s p é c ie é s e c a » . M a s s e , d e p re c is a m e n te , p o rq u e a in c o n tin ê n c ia c o n s is te na o b e d iê n c ia a um a re g ra , e la

fa c to , n a o ~ o n h e c e rm o s a c tu a lm e n te a p re m is s a m enor fin a l, « e s te a lim e n to é não pode e x is tir n o s a n im a is in fe rio re s 116.

d e s ta e s p é C ie » , a sua a u s ê n c ia to rn a p o s s ív e l a g ir de fo rm a .in c o n tin e n te . N o fu n d o , e s ta s o lu ç ã o s e rv e p a ra ju s tific a r, n u m a c e rta m e d id a , o p o n to de

A fra q u e z a d e s ta s e g u n d a s o lu ç ã o re s id e n o fa c to d e fa z e r d e p e n d e r a in c o n tin ê n - v is ta de S ó c ra te s segundo o qual não podem os a g ir c o n tra o . c o n h e é im e n to .


c ia d a ig n o râ n c ia d a p re m is s a m e n o r, a q u a l c Q r.n s is ten u m a e n u n c ia ç ã o -d o fa c to Q uando e x e c u ta m o s a lg o e rra d o , não sabem os, no p ró p rio m o m e n to em que
~ ã o -m o ra l, e c u ja ig n o râ n c ia , d e a c o rd o com ; d o u trin a do liv ro 111 114, to rn a - a g im o s , e s ta r is s o e rra d o . O ra , não h á lu g a r p a ra s e p ô r e m d ú v id a a p o s s ib ili-
na a acção involuntária. S e o a c to in c o n tin e n te é v o lu n tá rio , com o o é c la ra - dade d e e x is tê n c ia dum a ta l s itu a ç ã o . M a s , n o m e lh o r d o s c a s o s , e s ta e x p lic a ç ã o

m e ~ te , a ig n o râ n c ia e n v o lv id a deve, ou c o n s is tir na ig n o râ n c ia da p re m is s a apenas pode a p lic a r-s e a um a das duas fo rm a s d e in c o n tin ê n c ia d is tin g u id a s
m a IO r, o u d e v e r-s e a a lg o c u jo a g e n te s e ja d e c e n s u ra r, d e ta l m o d o q u e a g e (d e m a is à fre n te p o r A ris tó te le s , a s a b e r, a im p e tu o s id a d e p o r o p o s iç ã o à fra q u e z a .
a c o rd o com a d is tin ç ã o p ro p o s ta no liv ro 111 115) por ig n o râ n c ia m as não N ada nos é d ito a c e rc a d e u m c o n flito m o ra l. A p re m is s a m enor d o s ilo g is m o
a tra v é s d e la . É e s ta a a lte rn a tiv a a d o p ta d a por A ris tó te le s . C~m e fe ito , m o ra l (e , c o m e la , a c o n c lu s ã o : « n ã o d e v o fa z e r is to » ) ja m a is e s te v e p re s e n te , ou

c ) a c re s c e n ta à g o ra um re fin a m e n to d a d is tin ç ã o e n tre p o te n c ia lid a d e e a c tu a li- fo i já s u p rim id a p e lo a p e tite 117. E a e x p o s iç ã o q u e e x p lic a com o o a c to e rra d o

dade. A ris tó te le s re c o n h e c e um a e s p é c ie d e c o n h e c im e n to p o te n c ia l m a is a fa s - pode s e r e fe c tu a d o n a a u s ê n c ia d o c o n h e c im e n to d e s ta p re m is s a , n ã o d á c o n ta

ta d a da a c tu a lid a d e - a re s p e ita n te ao hom em a d o rm e c id o , lo u c o ou bêbado. de com o e s te c o n h e c im e n to se to rn o u a u s e n te . M as, n o u tra s passagens 118,

l.!m ta l in d iv íd u o p o s s u i d o is e s tá d io s a fra n q u ia r n o s e n tid o d e a tin g ir o conhe- A ris tó te le s m o s tra n ã o s e r a lh e io à e x is tê n c ia d e u m c o n flito m o ra l, u m c o n flito

c ~ m e n .to a c tu a l: p rim e iro , deve a c o rd a r, to rn a r-s e são ou s ó b rio ; d e p o is , neces- e n tre o d e s e jo ra c io n a l e o .a p e tite , n o q u a l o a g e n te possui um c o n h e c im e n to

s ita a m d a de passar do c o n h e c im e n to p o te n c ia l p a ra o a e tu a I. O ra , d e fa c to , a a c tu a l d a m a ld a d e d o a c to p a rtic u la r p o r s i re a liz a d o . D evem os supor que esse


c o n d iç ã o do hom em in c o n tin e n te é . a n á lo g a a is to . A p a ix ã o a c a rre ta um a in te re s s e a re s p e ito d a s s u a s d is tin ç õ e s fa v o rita s a c e rc a . d o p o te n c ia l e d o a c tu a l,
m udança no e s ta d o c o rp o ra l do in d iv íd u o s e m e lh a n te ao a d o rm e c im e n to ' à d a p re m is s a m a io r e m e n o r, c o n d u z iu -o a u m a te o ria fo rm a l, in a d e q u a d a à sua

lo u c u ra ou à b e b e d e ira . Por vezes, conduz m esm o, a c tu a lm e n te ,. as pesso~ à m a n e ira re a l de conceber o p ro b le m a . O que fa lta na sua te o ria fo rm a l é o
lo u c u ra . S e o .h o m e m in c o n tin e n te , n o m o m e n to da acção iric o n tin e n te , p ro fe re , re c o n h e c in ;\e n to do fa c to d e a in c o n tin ê n c ia s e d e v e r, n ã o a u m a fa lh a d e c o n h e -
por v e ~ e s , m á x im a s .m o ra is ; ta l fa c to .n ã l:) p ro v a a posse, n e s s e m o m e n to , do c im e n to , m a s à fra q u e z a d e v o n ta d e . .
c o n h e C im e n to a c tlJ a l d e la s . d) A ris tó te le s a tin g e a g o ra o exam e m a is c e rra d o 2 ) A ris tó te le s v ira -s e a g o ra p a ra a c o n s id e ra ç ã o da
esfera d a . in c o n tin ê n c ia .
dos fa c to s . Q uando am bas a s p re m is s a s de um s ilo g is m o p rá tic o s e e n c o n tra m A s c o Ís a s que dão p ra z e r e e x c ita m o d e s e jo s ã o d e trê s e s p é c ie s : a) a s c o is a s

p re s e n te s (o p ro c e s s o d e ra c io c ín io , q u e v im o s a c im a tra ta r-s e de um a s o rite s é


aqui tra ta d o , s im p lific a d a m e n te , com o um s Ú o g is m o ), devemos re a liz a r o a ~ to
a p o n ta ~ o p e lo s ilo g is m o . Is to é tã o c e rto q u a n to .o é o fa c to d e s e rm o s o b rig a d o s
1161 1 4 6 b 8 .-1 1 4 7 b 1 9 .
a e x tra ir um a c o n c lu s ã o desde o m o m e n to em que a p re e n d e rm o s , na sua co-
117 Em 1 1 4 7 b 1 3 -1 7 ; A ris tó te le s o b s e rv a q u e , n u m a c e rta m e d id a , o p o n to d e v is ta e s tá
c o n e c to . N ã o p o d e m o s a g ir e m c o n tra d iç ã o c o m o p ró p rio c o n h e c im e n to , is to é , c o m o c o n h e c i-
m e n to c ie n tífic o , p o is a p re m is s a m e n o r d o s ilo g is m o p rá tic o n ã o é u n iv e rs a l, n ã o s e n d o , p o r is s o ,
c ie n tífic a . .
114 1 1 1 0 b 3 I" -1 1 I1 a 24.
1 1 8 P o r e x e m p lo , e m 1 1 0 2 b 1 4 -2 5 , 1 1 4 5 b 2 1 - 1 1 4 6 a 4 , 1 1 5 0 b 1 0 -2 8 , 1 .1 6 6 b 6 -1 0 ; De An.,
115 1 1 1 0 b 2 4 -2 7 . C f. p . 2 0 4 .
4 3 3 a 3 , b 5 -8 , 4 3 4 a 1 2 .1 5 .

228 229
ARISTÓTELES A ÉTICA

que, em si m esm as, são d ig n a s de e s c o lh a , m as a d m ite m o excesso, com o a O PRAZER


v itó ria , a h o n ra e a riq u e z a ; b) a s c o is á s que, em si m esm as, m e re c e m ser
e v ita d a s ; c ) a s c o is a s n e u tra s e m s i, m a s n e c e s s á ria s à v id a d o c o rp o (a n u triç ã o A ris tó te le s passa n a tu ra lm e n te ao e s tu d o do p ra z e r e m g e ra l. São trê s o ~
e a a c tiv id a d e s e x u a l) 119. No s e n tid o e s trito , a in c o n tin ê n c la e s tá re la c io n a d a p o n to s d e v is ta p ro p o s to s a d is c u s s ã o 125; I) n e n h u m p r~ z e r é bom , nem em SI
com a ú ltim a d e s ta s e s p é c ie s , c o n s titu in d o ta m b é m a e s fe ra d a p ró p ria lib e rtin a _ nem per accídens - p o n to d e v is ta d e fe n d id o p o r E s p e ~ s lp o ; 2 ) a lg u n s p ra ~ e re s
gem . N um s e n tid o m a is la to , ta m b é m pode m a n ife s ta r-s e a re s p e ito d a p rim e ira são bons m as a m a io r p a rte são m aus - p o n to d e v is ta e x p re s s o no FIlebo
das trê s , sendo aí m enos c u lp á v e l, te n d o em v is ta o v a lo r in trín s e c o desses d e P la tã ~ 126; 3) m esm o s e to d o s o s p ra z e re s fo s s e m bons, o p ra z e r n ã o .p o d e -
o b je c to s 120. Q u a n to aos o b je c to s da segunda e s p é c ie , a s c o is a s que não são ria c o n s titu ir o s u p re m o bem - um p o n to d e v is ta ig u a lm e n te e x p re s s o no
n a tu ra lm e n te , ou em si m esm as, a g ra d á v e is , o p ra z e r pode s e r, a p e s a r d e tu d o Fílebo 127.
e n c o n tra d o n e la s , e , n u m c e rto s e n tid o , a in c o n tin ê n c ia p o d e m a n ife s ta r-s e a se~ O p o n to m a is in te re s s a n te d iz re s p e ito à d is c u s s ã o e m p re e n d id a p o r A ris tó -
re s p e ito , podendo e s ta in c o n tin ê n c ia a s s u m ir a fo rm a : í) da b e s tia lid a d e te le s a c e rc a d a te o ria segundo a q u a l o p ra z e r não é bom p o rq u e s e tra ta de um
quando a to ta lid a d e da n a tu re z a do a g e n te não e s tá lo n g e da dos b ru to s (p o ; . p ro c e s s o - o p ro c e s s o d e s e n tir um v a z io . A s s u a s o b je c ç õ e s sã o a s s e g u in te s :
e x e m p lo , n o c a n ib a lis m o ); o u ií) d a m o rb id e z , quando o d e s e jo a rd e n te se deve I) m e s m o e n tre o s p ra z e re s d ito s m a u s , a lg u n s p o d e m s e r b o n s ~ a ra .u m a pessoa e~
a um a e n fe rm id a d e (p o r e x e m p lo , no caso d a p e d e ra s tia ). T a l in c o n tin ê n c ia é p a rtic u la r ou num te m p o p a rtic u la r, e n q u a n to o u tro s , por Im p lic a re m o s o fn -
s u b -h u m a n a , ta l c o m o o tip o c o rre s p o n d e n te d e lib e rtin a g e m te m s id o d e s c rito m e n to , não são re a lm e n te d e to d o p ra z e re s . 2) U m a a c tiv id a d e , ta l c o m o um
com o s u b -h u m a n ó , p e rm a n e c e n d o no e x tre m o o p o s to da v irtu d e s o b re -h u - e s ta d o , pode ser boa. E a s a c tiv id a d e s que nos r~ ~ o n d u z e m a o . n o s ~ o e s ta d o
m ana 121. T o d a v ia , num c e rto s e n tid o , e x is te um a te rc e ira e s p é c ie d e in c o n ti- n a tu ra l são a c id e n ta lm e n te a g ra d á v e is , m as a a c tIV ld a d e e n v o lv id a e a d e s ta
n ê n c ia a re s p e ito da ira 122. A s s im , não s o m e n te a te m p e ra n ç a , m as m u ita s p a rte da nossa n a tu re z a que p e rm a n e c e u na sua c ? n ~ iç ã O n a tu ra l. E x is te m
o u tra s (e m p rin c íp io , s e m d ú v id a , to d a s , m a s A ris tó te le s n ã o le v a a s u a a n á lis e a c tiv id a d e s , com o a do p e n s a m e n to , que são a g ra d a v e ls sem e n v o lv e re m , de
tã o lo n g e ) d a s v irtu d e s d a « lis ta d a s v irtu d e s » possuem fo rm a s c o rre s p o n d e n te s to d o um e s ta d o d e fic ie n te o u c o n trá rio à nossa n a tu re z a . Q uando e s ta m o s n o
de fra q u e z a de v o n ta d e (d is tin ta s do v íc io ). noss~ e s ta d o n a tu ra l, e n c o n tra m o s p ra z e r n a s c o is a s a g ra d á v e is e m s i; e . q u . a n d o
3) N o que re s p e ita à te rc e ira q u e s tã o , A ris tó te le s a firm a q u e , e n q u a n to a som os a í d e v o lv id o s , e n c o n tra m o s p ra z e r e m c o is a s q u e não s ã o a g ra d a v e ls em
e s fe ra d a c o n tin ê n c ia e d a in c o n tin ê n c ia é fo rm a d a p o r c e rto s p ra z e re s , a in tre p i- si m esm as. 3) O s p ra z e re s n ã o s ã o p ro c e s s o s , m a s a c tiv id a d e s e fin s .. A lg u n ~ s ã o
dez c o n s is te no poder de re s is tir ao s o frim e n to p ro v o c a d o p e lo d e s e jo d e ta is apenas a c id e n ta is a o p ro c e s s o , a s a b e r,_ a q u e .le s q u : ~com ~anham o p e rfe ~ lO n a -
p ra z e re s , e a c o m p la c ê n c ia e m c e d e r a e s te s o frim e n to . E a p ró p ria in c o n tin ê n c ia m e n to da nossa n a tu re z a . O s o u tro s sao a C id e n ta iS a a c ç a o . O p ra z e r nao con-
d e p e n s a m e n to re s e rv a d o é d iv id id a e m d u a s e s p é c ie s : a fra q u e z a , q u e d e lib e ra , s is te n u m « p ro c e s s o s e n tid o » , m as num a a c tiv id a d e n .ã o e n tra v a d a dum e s ta d o
m as que não pode a te r-s e a o fix a d o ; e a im p e tu o s id a d e , que não chega m esm o a n a tu ra l. 4 ) In fe rir q u e c e rto s p ra z e re s s ã o m a u s a p a rtir d o fa c to d e p ro v o c a re ~
d e lib e ra r. O hom em im p e tu o s o v a le m a is q u e o h o m e m fra c o , p o is é p re c is o um a doenças e q u iv a le a d iz e r q u e a lg u m a s c o is a s com saúde são. m ás p o rq u e nao
te n ta ç ã o v io le n ta e re p e n tin a p a ra ó dem over dos seus p ro p ó s ito s 123. Do p ro m o v e m o ganho d e d in h e iro . A té m esm o o p e n s a m e n to e, por v e :e s : m au
m esm o m odo, a in c o n tin ê n c ia em g e ra l é m enos in c u rá v e l que o v íc io d e lib e - p a ra a saúde. São s o m e n te os p ra z e re s e s tra n h o s que podem c o n s tItu ~ r um
ra d o . É in te rm ite n te , e n q u a n to a lib e rtin a g e m e n c o n tra -s e e n ra iz a d a n o c a rá c - o b s tá c u lo a q u a lq u e r c o is a . O s p ra z e re s que d e s c o la m do p e n sa m e n to a ju d a m
te r, ig n o ra o re p e n tin o e d e s tró i a p ró p ria ra iz d a a c ç ã o ~ v irtu o s iE a v e rd a d e ira ao p e n s a m e n to . 5 ) O s a rg u m e n to s e x tra íd o s do fa c to d e o hom em te ~ p e .ra d o
concepção do fim d a v id a hum ana .. O lib e rtin o não s ó p e n s a .q u e o p ra z e r do e v ita r o p ra z e r, de o hom em p ru d e n te p e rs e g u ir, n ã o o p ra z e r, m a s a a u s e n c la d e
m o m e n to deve s e r s e m p re p e rs e g u id o - s e is s o fo s s e t'u d ~ , p o d e ria s e r c o n v e n -. d o r e d e a s c ria n ç a s e o s b ru to s p e rs e g u ire m o p ra z e r, re p o u s a m to d o s s o b re u m ~
c id o p e la ra z ã o -, com o a o p in iã o e x p re s s a o seu c a rá c te r e s s e n C ia l 124. c o n fu s ã o e n tre o p r~ z e r c o rp o ra l, e n v o lv e n d o o a p e tite e a d o r, e o p ra z e r q u e e
bom sem q u a lq u e r re s triç ã o 1 2 8 .
Q ue Ó p ra z e r s e ja u m b e m , s e g u e -s e do fa c to de, a dor s e r (.c o m o to d o s
a d rn ite m ) um m a l, bem com o do p ra z e r s e r o p o s to a d O r, p re c ls a m .e n te na

119 1 1 4 7 b 2 3 -3 1 . /1 4 8 a 2 2 -2 6 .
1201 1 4 7 b 2 0 -1 1 4 8 b 14.
1211 1 4 8 b 1 5 -1 1 4 9 a 2 0 . q5 1 1 5 2 b 1 -2 4 .
122 1 1 4 9 .a 2 4 - b 2 3 . 126 48 a segs.
123 1150 a 9 - b 28. 127 53 c, 66 e-fim.
124 b 29 - 1 151 a 28. 128 1 1 5 2 b 2 5 -1 1 5 3 a 35.

'. ..2 3 0 23 I
ARISTÓTELES A ÉTICA

m e d id a em que a dor c o n stitu i u m m a l. M e sm o se a m a io r p a rte d o s p ra z e re s d e fin in d o o se u p o n to d e v ista , n ã o só p o r o p o siç ã o a o d o s a d v e rsá rio s a b so lu to s


fo sse m m a u s, o b e m -e sta r d e v e ria c o n sistir n o e x e rc íc io , se m e n tra v e s, quer de d o p ra z e r, c o m o ta m b é m p o r o p o siç ã o ao de E udoxo, q u e o v ia c o m o b e m . E sta
to d a s a s n o ssa s fa c u ld a d e s q u e r so m e n te d e a lg u m a s d e e n tre e la s; e isto é p ra z e r. nova d isc u ssã o re p e te , num a la rg a m e d id a , a p re c e d e n te , n ã o a c o n tra d iz e n d o
d e ta l m o d o que - n a m e d id a d e sta o b je c ç ã o -, o p ra z e r p o d e ria se r o sum- se n ã o n a lg u n s p o n to s. M a s, n e m a re p e tiç ã o é tã o c o m p le ta n e m a c o n tra d iç ã o
mum bonum. O p o n to d e v ista g e ra l e stá c e rto quando c o n sid e ra o p ra z e r com o tã o v io le n ta q u e se ja d ifíc il su p o r que am bas c o n stitu e m e n sa io s in d e p e n d e n te s,
p e lo m e n o s, u m in g re d ie n te d o b e m -e sta r, p o is, u m a v e z q u e o b e m -e sta r, p o r se ; e sc rito s p e lo p ró p rio A ristó te le s. O nde e x iste c o n tra d iç ã o , devem os p re fe rir o
um a a c tiv id a d e p e rfe ita , não deve se r e n tra v a d o . C o n stitu i um c o n tra -se n so que é d ito n o liv ro X , p o is a q u i A ristó te le s não só c ritic a o s p o n to s d e v ista
a firm a r que o hom em bom é fe liz n o s su p líc io s. O fa c to d e to d o s o s a n im a is a p re se n ta d o s p o r o u tro s 131, com o e sta b e le c e , d e fo rm a p o sitiv a , a su a p ró p ria
p e rse g u ire m o p ra z e r c o n stitu i u m sin a l d e q u e o p ra z e r é , n u m c e rto se n tid o , o p o siç ã o 132. O se u p o n to de v ista é o se g u in te . O p ra z e r, com o a v isã o , é
summum bonum. N o fu n d o , ta lv e z p e rsig a m , não o p ra z e r q u e p e n sa m p e rse - c o m p le to em cada m o m e n to da su a e x istê n c ia . O se u p ro lo n g a m e n to não o
g u ir, m a s to d o s e le s o m e sm o p ra z e r, p o is, p o r n a tu re z a , to d o s p o ssu e m e m si to rn a m a is p e rfe ito em q u a lid a d e . Logo, não pode se r u m m o v im e n to , quer
a lg o d e d iv in o 129. d iz e r, um p ro c e sso ou um a tra n siç ã o , p o is to d o o m o v im e n to le v a te m p o , v isa
M e sm o o s p ra z e re s c o rp o ra is, o s q u a is, d e v id o à su a fa m ilia rid a d e , sã o um c e rto fim , só e sta n d o c o m p le to quando a tin g e o se u fim . Isto é , q u e r no
m u ita s v e z e s id e n tific a d o s com o p ra z e r com o um to d o , podem se r b o n s num te m p o por si o c u p a d o , to m a d o n a su a to ta lid a d e , quer n o m o m e n to em que
c e rto se n tid o , u m a v e z q u e o s so frim e n to s, se u s o p o sto s, sã o g e ra lm e n te c o n sid e - a tin g e o se u fim . C a d a u m a d a s p a rte s d e u m m o v im e n to é in c .o m p le ta , d ife rin d o
ra d o s m a u s. São apenas bons no se n tid o em que não sã o m a u s, ou p o sitiv a - e sp e c ific a m e n te d a s o u tra s e d o to d o . A ju n ç ã o d a s p e d ra s d ife re d a c a n e la g e m
m e n te bons a té um c e rto g ra u de in te n sid a d e ? T a is p ra z e re s sã o ju lg a d o s da c o lu n a , e e sta da c o n stru ç ã o do te m p lo com o um to d o . E , e n q u a n to a
p re fe rív e is aos o u tro s: I) p o rq u e e x p e le m m e lh o r a dor do que os p ra z e re s c o n stru ç ã o d o te m p lo c o n stitu i u m a o b ra c o m p le ta , o tra b a lh o d a s fu n d a ç õ e s ou
m enos v io le n to s. (P o r o u tro la d o , o p re ju íz o c o n tra o p ra z e r d e v e -se a o fa c to d e d o tríg lifo é in c o m p le to , n ã o c o n sistin d o se n ã o num a c o n trib u iç ã o a re sp e ito de
a lg ,:n s d e le s p re ssu p o re m um a má n a tu re z a e o u tro s um a n a tu re z a a lte ra d a .) um a o b ra m a is v a sta . M e sm o num m o v im e n ~ o re la tiv a m e n te hom ogéneo, com o
2 ) A p a rte c e rto s so frim e n to s, a dor é, com o o d iz e m c e rto s fisio lo g ista s, o e sta d o o d e a n d a r, q u a isq u e r d u a s e ta p a s p a rte m d e d o is p o n to s d ife re n te s p a ra c h e g a r
n o rm a l da c ria ç ã o a n im a l. T a is p ra z e re s, d e v id o à su a v io lê n c ia , a liv ia m e sta a p o n to s d ife re n te s, c o n stitu in d o , d e ste m odo, m o v im e n to s d ife re n te s. P e lo
d o r. A s p e sso a s jo v e n s e e x c itá v e is, e m to d o o c a so , sã o a g ita d a s c o n sta n te m e n te c o n trá rio , o p ra z e r é , e m c a d a m o m e n to , p e rfe ito e m e sp é c ie , ta l c o m o ta m b é m é
e tê m n e c e ssid a d e de um a lív io d e ste g é n e ro . e v id e n te q u e o e sta d o d e c o n te n ta m e n to n ã o d u ra te m p o , n ã o n o s se n d o p o ssív e l
M a s, d e fa c to , a s c o isa s c a p a z e s d e a liv ia r u m a n e c e ssid a d e o u d e c u ra r um a a firm a r que e sta m o s c o n te n te s d e p re ssa o u d e v a g a r, a p e sa r d e n o s p o d e rm o s
im p e rfe iç ã o d e ste m odo sã o apenas in d ire c ta m e n te a g ra d á v e is. É a a c tiv id a d e to rn a r c o n te n te s d e p re ssa ou d e v a g a r. O a lc a n c e d e sta p a ssa g e m a sse n ta na
do que p e rm a n e c e sã o em n ó s q u e p ro d u z .a c u ra e fo rn e c e o p ra z e r. A s .c o is;~ c o n firm a ç ã o do p o n to d e v ista já e sta b e le c id o no liv ro VII, a sa b e r, que as
n a tu ra lm e n te a g ra d á v e is sã o a q u e la s. c a p a z e s d e e stim u la r a a c tiv id a d e de um a o b je c ç õ e s a o p ra z e r, b a se a d a s .n a su p o siç ã o d e e ste se r u m a tra n siç ã o , caem por
n a tu re z a dada. Podem os ilu stra r o p e n sa m e n to de A ristó te le s p e lo c o n tra ste te rra . S e fo sse u m a tra n siç ã o , u m se n tim e n to , a lg o q u e se c o m p le ta , se ria in fe -
e n tre o fru ir fa c u lta d o p e Ja m ú sic a , e n q u a n to a lív io d a d o r, e a a n sie d a d e p e lo rio r à q u ilo em que c u lm in a , e , d u ra n te o te m p o e m q u e se n tísse m o s o p ra z e r,
« p ró p rio » fru ir da m ú sic a se n tid o por um m ú sic o . S e a n o ssa n a tu re z a fo sse não c o n h e c e ría m o s o re p o u so a té a tin g irm o s o e sta d o a que conduz o p ra z e r.
sim p le s.e ise n ta de o p o sto s, p o d e ría m o s e n c o n tra r gozo num p r~ z e r sim p le s e M a s, d e fa c to , o p ra z e r c o n siste e m a lg o d e c o m p le to e m si p ró p rio , e sa ,tisfa tó -
im u tá v e l. M as ta l .c o n stitU i.a e x p e riê n c ia d e D e u s,o 'c u ja a c tiv id a d e não e n v o lv e riõ e m to d o s o s m o m e n to s d e si p ró p rio , ta l c o m o a a c tiv id a d e d a p e rc e p ç ã o ou
q u a lq u e r p ro c e sso , a n te s c o n siste n u m a « a c tiv id a d e d e Im o b ilid a d e » , num a a c tiv i- .d o p e n sa m e n to .
d a d e q u e a tin g e o se u fim a c a d a m o m e n to 1 3 0 . - D a n a tu re z a d o p ra z e r, A ristó te le s p a ssa p a ra a s su a s c o n d iç õ e s. Q uando
N o liv ro X , o p ra z e r é tra ta d o de um p o n to d e v ista d ife re n te . A té . a q u i; um dos n o sso s se n tid o s se e n c o n tra n u m e sta d o sã o , e sta n d o ocupado com um
A ristó te le s te m v in d o a d e fe n d e r-se c o n tra o s e x c e ssiv o s a ta q u e s, re c la m a n d o o b je c to bom d a su a e sp é c ie (p o r e x e m p lo , u m o b je c to d istin ta m e n te v isív e l), a
p a ra si u m lu g a r n o b e m -e sta r, u m -lu g a r q u e , so b u m c e rto p rism a , e x a g e ro u ao a c tiv id a d e d e sse se n tid o é n e c e ssa ria m e n te a m a is a g ra d á v e l, se n d o o m e sm o
p o n to d e .su g e rir (ja m a is se -e x p rim e a ssim se m e v ita r q u a lq u e r e q u ív o c o ) que v á lid o p a ra a - a c tiv id a d e do p e n sa m e n to . E o p ra z e r c o m p le ta e fiS a a c tiv id a d e .
.e ste c o n stitu i o v e rd a d e iro b e m . P a ssa a g o ra a u m a e x p o siç ã o m a is e q u ilib ra d a , N o u tra p a ssa g e m , A ristó te le s o b se rv a q u e o p ra z e r in te n sific a a a c tiv id a d e , ou

1 2 9 .1 1 5 3 b 1 -1 1 5 4 a 7. 1 31 1 1 7 2 a 1 9 -1 1 7 4 a 12.
130 1 1 5 4 a 8 - b 3 I. 132 1174 a 13 - 1176 a 29.

232 233
A ÉTICA
ARISTÓTELES

m arca um notá~el avanço sobre o livro VII. A distinção entre as diversas espé-
seja, torna a actividade do m om ento seguinte m ais intensa do que o seria n _
t d' -
ras con ~çoes
133
. M as

aqUi o seu pensam ento parece ser que o prazer, nu
ou cies de prazer é a m ais am adurecida de entre tudo o que se encontra nesse livro.
M as, na últim a parte da passagem , existe um a tendência para se confundir a
cc:.rto sent~d~, perfecciona a própria actividade por si acom panhada. Contud:
nao constitUi um a condição prévia à boa actividade. O agente (por exem pl ' legítim a questão - quais são os prazeres válidos? - com um a ilegítim a - quais
. , . o, o
os prazeres que o são realm ente? Todos os prazeres o são realm ente. É da sua
o b~ecto senslvel)
, . e o paciente
. _ (por
, . exem plo, os sentidos ou o seu órgão) co t'-
ns I
tuem as UnIcas condlçoes previas. O prazer é com o a flor da juventude algo bondade, e não da sua realidade, que o hom em de bem é um juiz.
.' 'd d ' que
so b revem a activI a e produzida sob estas condições e sendo em SI' m
" " ' esm a
deseJa~el, torna-.se aInda m ais desejável do que seria de outro m odo. Esta ideia
aproxim a-se m Ulto da de Kant, segundo a qual a adição de felicidade transform a
A AM IZADE
o bonum supremum em bonum consummatum.
Estando o praz~r assim ligado intim am ente à actividade, podem os supor
É um pouco surpreendente encontrarm os dois livros inteiros 136 de Ética
que os. hom ens d~s~Jam o prazer porque desejam a vida, e porque o prazer
consagrados ao tem a da am izade. M as devem o-nos lem brar que a expressão
perfecclOna as activldades constitutivas da vida. Aristóteles adia o problem d
b ' 'd a e grega possui um sentido m ais lato do que em inglês, podendo designar qualquer
sa er se e a VI a que é desejada com o salvaguarda do prazer ou se invers _
atracção m útua entre dois seres hum anos. A discussão des.te assUI;to .constitui
m ente, é o prazer. ~ue é desejado .p~ra salvaguarda da vida. O prazer ~ão po:e
um a correcção válida a respeito de um a im pressão que o resto da Etica tende a
nascer ~em a acti~ldade, e a activldade perm anece incom pleta sem o prazer.
produzir. A m aior parte do sistem a m oral de Aristóteles está decididam ente
Pouco Im porta afirm ar que desejam os a actividade porque é agradável, ou o
centrado sobre o próprio indivíduo. É para a sua própria Ev8(nW )\I~0'.. diz-
prazer porque acom panha a actividade 134.
-se, que o hom em tende e deve tender. No que diz respeito à justiça, existe um
~m a vez que as actividades diferem em espéci~, os prazeres que as com ple-
reconhecim ento im plícito dos direitos dos outros. No entanto, na totalidade da
tam dl~er~m em espécie, pois cada actividade apenas pode ser com pletada pelo
Ética, para além dos livros sobre a am izade, m uito pouco é dito no sentido de se
seu propno prazer. Fazem os m ~lhor as coisas quando estas nos dão prazer:
sugerir que o hom em pode e deve ter um interesse caloroso e pessoal pelas outras
Quanto m enor.for o prazer que sentim os em fazê-las, m aior é a tendência para
pessoas. O altruísm o está quase com pletam ente ausente. Apresentam -se traços
executarm os outras coisas, «assim com o no teatro, quanto m aior for o núm ero
de um ponto de vista egoísta m esm o no respeitante à am izade, com o poderíam os
de espectadores a com erem rebuçados, tanto piores são os actores». Fazem os
esperar, devido à am izade não consistir num a m era benev91ência, m as exigir.
pior as cois~s qua.ndo .se.dá a interferência de prazeres estranhos. Estes produ-
reciprocidade. No entanto, a justiça deve-se ao elem ento altruísta: segundo se
ze~ ~m efeito m Uito sim ilar ao dos «sofrim entos próprios», os quais nascem da
diz am ar é m ais essencial do que ser am ado 137. Um hom em deseja o bem do
actlvldade em questão. Então, existe um a grande diferença entre um e outro
prazer. E: do m es~o m odo que as actividades diferem em bondade ou desejabili-
se; am igo po~
am ~~o-;m igo,e nãocom o um m eio para a sua própria felici-
dade 138 •. As várias form as de am izade m encionadas por Aristóteles constituem ~
dade, assim tam bem os prazeres que lhes são próprios diferirão conform em ente.
todas ilustrações da natureza social essencial do hom em . No. plano. inferior,
Cada raça de anim ais possui o seu próprio prazer, m as hom ens diferentes sen-
necessita de «am izades úteis», um a vez que não é, econom icam ente, auto-
tem prazer por coisas diferentes. Quais são, então, os prazeres verdadeiram ente
suficiente. Num plano m ais elevado, form a «am izades por: prazen>, isto é, tem um
hum anos? Aqueles nos quais o hom em prudente se deleita, ou, para colocar o
praz~I.nat.urª1 no convívio com os seus am igos. Num plano ainda m ais elevado,
pr~bl~m a de form a m ais objectiva, aqueles que com pletam a função ou funções
propnas ao. hom em 135.' )
co~stitui «am izades pür:-ho.nd.ade», nas quais um am igo ajuda outro a viver a.-

'Nesta passagem , Aristóteles distingue o prazer da actividade.Reconhece m elhor vida 139.


As razões que Aristóteles apresenta para o tratam ento da am izade são duas:
u~a diferença entre o prazer e as actividades genuínas, tais com o as da percep-
a am izade é um a virtude ou (m ais precisaIll.çnte) im plica virtude, sendo m uito
çao ou do pensam ento. Não representa algo que façam os, m as um a espécie de
necessária à.v.i.Ql! 140. A últim a razão é à que dá m a.ior destaque. No livro. I os
coloração que se liga ao fazer das coisas. A este respeito; a presente passagem

136 VUI, IX.


137 1159 a 27.
133 1175 a 30 -36, 1177 b 21. 138 1155 b 3 I.
134 1174' a 13- 1 175 a 21. 139 1155 b 17 - 1156 a 5, I 169 b ;l- I 170 b 19.
135 1175 a 21 - 1176 a 29. 140 1155 a 3-6.

235
234
A RIST6TELES
• A ÉTICA

am ig o s tin h am sid o tratad o s co m o co n stitu in d o u n ia.p arte im p o rtan te doe '_ bom , tan to q u an to u m m au . O p ro b lem a resid e em sab ~ r.g ~ al a.< ;:sp écje d e eu
.'. f I' .. qU I
p am en t o n ecessan o a e IC ld ad e. A q U I, a n ecessid ad e d e am ig o s é d efen d 'd 'q u e ~ m am o s. P .Q d e ser a q ~ e se . .d ~ licia co m o d in h eiro , as h o u r.as...o .uo s p razer~ s
. d . I a
a t rav es e m ais d e. u m p o n to d e v ista. C o m o p o d em o s to rn ar. a p ro sp erid ad e'. d o co rp o , o s « b en s p o .rq u e lu tam o s» , o s q u ais são d e tal IU Q d o q u e q u an to m .l1 S
~ ~ !1 ra se~ ..<...
l s u a aJu d a,. e co m o p o d em o s ap reciá-la sem eles ..p :ara a p artilh ar? o s P 9 ssu ím o s, m en o s o o u tro o s d ev e ter. O u , p o d e ser, a q u e S .e.i n teressa p elo ..
.>

i
E n ~ u an to Jo v en s, n ecessitam o s d ~ seu co n selh _ o , q u an d o v elh o s, d o s seu s cu id a- b em ",estar d o s seu s am ig o s e co n cid ad ão s. T al h o m em d isp en d erá o s.eu d in h eir-o
d o s, q u an d o estam o s n a flo r d a Id ad e eles d ao -n o s a o p o rtu n id ad e de a - . p ara.q u e o s seu s am ig o s ten h am m ais, m as, m esm o assim , to m a p ara si a m elh o r
'b 'l' cço es ..
n o b res, P O S S I I Itan d o -n as u m p en sam en to efectiv o . p arte. O s seu s am ig o s ap en as o b têm d in h eiro , m as ele tam b ém « o q u ..eé n o b re» ., a
A p arte. m ais in teressan te d a d iscu ssão é aq u ela
em q u e A ristó teles 'd efen d e o satisfação d e fazer o q u e está certo . E , m esm o q u e m O IT a p o r o u tro s, g ll':l.~ 'm ais
d V Ista seg u n d o
.p.o..n!Q.J!: o q u al a am izad e se b aseia n o am o r d o h o m em b o m p o r . q u e p erd e
. . N
146.
SI
p ro p n ~ :.. o u tra p assa~ em , -ª.d v eJ:te-n o s d a ex p ressão « relação an te si p ró p rio » . N esta p arte da Ética, o in telectu alism o d e A ristó teles to rn a-se m ais ev i-
« A trav es d~ u~a .m etafo ra, p o d em o s d izer que ex iste ju stiça, n ão en tre um d en te. A razão é aí rep resen tad a co m o tratan d o -se do elem en to que d á ao
h o m em e S I p ro p n o , m as en tre d u as p artes d o m esm o in d iv íd u o » 141. E fectiv _' h o m em um a m aio r au to rid ad e, aq u ilo que é m ais v erd ad eiram en te ele p ró -
m en te, A ristó teles critica aq u i o p o n to d e v ista d e P latão seg u n d o o q u la p rio 147, aq u ilo q u e satisfaz o h o m em b o m d esd e o m o m en to em q U ,e ele p ró p rio
. '. . ' a a
Ju stiça e ess.en clalm en te u m a relação co m o eU..iC o n tu d o , A ristó teles d efen d e u m se sacrifica 148. P rep ara-se, d este m odo, a v ia p ara a secção d a Etica n a q u al
p o n to d e v ista sem elh an te a resp eito d a am izad e - J'u lg an d o -se sem d u O 'd A ristó teles ex p õ e o co n stitu tiv o do b em -estar
. 'f' ,
149.
VI a,
JU S tl Icad o p ela n atu reza m ais ín tim a d a relação . Q u atro d as características d
am izad e (p o ssív eis de serem red u zid as a d u as: o d esin teresse e a sim p atia~
pod~m en co ~ trar-se n a relação d o h o m em b o m co n sig o p ró p rio . O h o m em bom
d eseja e realiza o m elh o r p ara o seu elem en to in telectu al, o q u al rep resen ta, em A V ID A ID E A L

v erd ~ d e, ele m esm o . A to d o o m o m en to se en co n tra num a co m p leta h arm o n ia


,co n sig o m esm o , e dum m o m en to a o u tro num a p erfeita co erên cia. É d ev id o ao N o liv ro I, v im o s q u e o b em -estar d ev e ser, n ão u m estad o o u d isp o sição ,

facto d e esta relação . ex istir n o h o m em b o m , e p o rq u e o seu am ig o é p ara si u m m as u m a activ id ad e, e u m a activ id ad e d esejáv el em si m esm a ..O ra, as co isas q u e

o u tro eu , q u e a am izad e p o ssu i tais características /4 2 . ,A t~ ria d e A ristó tele£ são d esejáv eis p o r si m esm as são : I) as activ id ad es d e aco rd o co m a v irtu d e; e 2)
rep re~ eIl~ ª aq u i u m a ten tativ a d e d estru ir a an tí~ ese en tre--eg ~ ~ '~ alt;tii~ ~ o ,. o s d iv ertim en to s. O d iv ertim en to n ão p o d e ser o fim d a v id a, p o is, em b o ra seja

m o stran d o que o eg o ísm o d e u m h o m em bom p o ssu i p recisam en te as m esm as d esejáv el p o r si m esm o , n ão é válido p o r si m esm o , m as sim co m o u m a relax a-

características d o altru ísm o . N o en tan to , a ten tativ a d e en co n trar n o s elem en to s ção q u e n o s to rn a ap to s à activ id ad e séria. () b em -esJªL d e.y e.seL u m a.acti~ id ad e

estático s d o eu o m o tiv o d o in teresse e d a sim p atia de um a p esso a p o r o u tra, d e aco rd o co m a v irtu d e 150. O ra, a p artir d o liv ro V I, sab em o s q u e a v Irtu d e

fracassa. E stas relaçõ es im p licam d o is eu s d istin to s. N o u tra p assag em , A ristó te- iriú :lectu ~ 1 e a m ()ral são d istin tas u m a d a o u tra. A p ren d em o s q u e q u er a sab e-

les p arece seg u ir u m a v ia m elh o r, su g erin d o q u e o eu n ão co n siste num a cais; d o ria teo rética q u er a p rática são b o as em si m esm as, in d ep en d en tem en te de
. estática, m as em alg o cap az d e u m a ex ten são in d efin id a. Q u an d o fala d e p esso as'- q u alq u er b em q u e p o ssam p ro d u zir, u m ay ez.q .u e sãO .y 'irtu d es d e p artes d istin tas
d a. alm a. F o i~ 'n o s d ito , de fo rm a n ítid a, q u e a sab ed o ria teo rética e, m en o s
tr~ tan ,~ ~ o s seu s a.m i~ ~ s co m o « o u tro s eu s» 143, ou co m o « p artes d e si p ró -
pno» , p reten d e slg m flcar q u e u m h o m em pode esten d er o s seu s in teresses de ~ i~ id am en te, a p rática n ão são , o u p elo m en o s ap en as, .u m meio p ara o b em -

tal fo r~ a q ~ e o b em -estar d e o u tro pode to rn ar-se p ára si u m o b jecto d e in t~ - -estar, m as, n o seu ex ercício , constituem o b em -estar. M as tam b ém ap ren d em o s

resse, tao d lrecto q u an to o seu p ró p rio b em -estar. l!.m a .rIl.ã.e,p o r ex em p lo (u m q u e a sab ed o ria teo ~ ética é su p erio r à p rática, e q u e p elo m en o s u m a p arte do

caso a que A ristó teles reco rre m u itas v ezes) 145, so fre co m a dor d o seu filh o v alo r d esta ú ltim a co n siste n a aju d a q u e d á à p ro d u ção d a p rim eira. E stá claro

_t 11 n to q u an to ,co m a d o r d ? se~ p ró p ri~ co rp o . o seu altru ísm o p o d e, assim •.ser que p ara A ristó teles} a co n tem p lação co n stitu i o in g red ien te ~ u ~ d am en t.al do

ch am ad o eg O lsrp ..o . M as d izer IS to , eq U iv ale a co n d en á-lo . ~ jste u m am o r d e si b em -estar. M as já érais d ifícil v er-se se a acção m o ral co n stitU i o u tro m g re-

".
141 1 1 3 8 b 5 -7 . 146 1 1 6 8 a 2 8 - I 1 '6 9 b 2 .
147 1156 a 17 '.
142 1166 a 1 - b 20.
148 1168 b 30.
143 1161 b 28: 1160 a 32, 1169 b 6, 1170 b 6.
144 1161 b 18. 149 1176 a 30 - 1179 a 32.
1451 1 5 9 1 5 0 '1 1 7 6 a3 0 -II7 T a 11.
a 2 8 , 1 1 6 1 b 2 7 ,1 1 6 6 a 5, 9.

237
236
ARISTÓTELES
• A ÉTICA

sim n a su a p ró p ria n o b re z a . D e fa c to , a trib u i à v id a m o ra l u m v a lo r su p e rio r ao


d ie ~ te do b e m -e sta r, ou apenas um m e io d e a sse g u ra r a su a p ro d u ç ã o . E t
a u to riz a d o p e la su a te o ria fo rm a l.
d ú v id a n ã o é in te ira m e n te e sc la re c id a p e lo liv ro X . O b e m -e sta r, d iz -n o s A ris:ó ~
S e p e rg u n ta rm o s o que quer A ristó te le s d iz e r, em p a rtic u la r, por v id a
te le s, ? e v e se r u m a a c tiv id a d e d e a c o rd o c o m a v irtu d e d a m e lh o r p a rte de nó .
c o n te m p la tiv a , a re sp o sta é q u e p re te n d e d e sig n a r a c o n te m p la ç ã o d a v e rd a d e
ou se ja , da ra z ã o . A a c tiv id a d e do b e m -e sta r é te o ré tic a . 'É e sta a m Ih s,
. 'd e or em d o is, ou m e sm o em trê s, d o m ín io s: a m a te m á tic a , a m e ta físic a e , ta lv e z
a c tlv l ade de que so m o s c a p a z e s,. u m a v e z q u e é o e x e rc íc io d o m e lh o r em nós
ta m b é m , a filo so fia n a tu ra l 154. A v id a fe liz n ã o é a q u e la q u e p ro c u ra a v e rd a d e ,
so b re
. o m e lh o r
. de to d o s os o b je c to s, a q u e le s que sã o e te rn o s e im u tá v
~L
.
m as a que c o n te m p la a v e rd a d e já a tin g id a 155. T em sid o su g e rid o que e sta
Co n slste n a q u ilo que podem os fa z e r c o m u m a m a io r c o n tin u id a d e ; a c a rre ta um
c o n stitu i, p a ra A ristó te le s, u m a v id a d e c o n te m p la ç ã o e sté tic a e re lig io sa ; a ssim
p ra z e r dum a e sp a n to sa p u re z a e e sta b ilid a d e ; é a m e n o s d e p e n d e n te d o s o u tro s
com o de c o n te m p la ç ã o c ie n tífic a . C o n tu d o , não e x iste q u a lq u e r p ro v a de a
h o m e n s, e n q u a n to a v irtu d e m o ra l re q u e r a p re se n ç a d e o u tro s com o o b ie c to
d
. 'd J s a c o n te m p la ç ã o e sté tic a fo rm a r, p a ra A ristó te le s, um a p a rte da v id a id e a l. Na
su a a c tlv l a d e ; p a re c e se r só a m a d a p o r si m e sm a , e n q u a n to a s a c tiv id d
. . a es Poética, onde c o n sid e ra um a fo rm a p a rtic u la r de e x p e riê n c ia e sté tic a , a da
p ra tic a s, n o m e a d a m e n te , a s m a jo re s d e e n tre e la s, a s fa ç a n h a s dos hom ens de
tra g é d ia , fa z a sse n ta r o se u v a lo "r n o se u e fe ito m e d ic in a l. P o r o u tro la d o , um a
e ~ ta d o e dos so ld a d o ~ , v ~ sa m b e n s que a s u ltra p a ss'á m ; c o n siste n o g é n e ro de
vez que o ra m o m a is e le v a d o d e c o n te m p la ç ã o é d e sig n a d o so b o nom e de
v id a q~e devem os a tn b U lr a o s d e u se s, um a v e z q u e se ria a b su rd o a trib u ir-lh e s
te o lo g ia 156, é ra z o á v e l su p o rm o s q u e e sta p a rte d a v id a c o n te m p la tiv a te ria o
um a v id a m o ra l 151. No e n ta n to , a v id a c o n te m p la tiv a é m u ito e le v a d a p a ra
c a rá c te r d e a d o ra ç ã o p ró p ria à c o n te m p la ç ã o d a n a tu re z a d iv in a . E ste a sp e c to
n ó s. N ã o a p o d e m o s v iv e r e n q u a n to h o m e n s, se re s c o m p o sto s d e c o rp o d e a i
. . ' ma d a v id a id e a l é b a sta n te e n fa tiz a d o na Ética a Eudemo, o n d e o id e a l é 'd e fin id o
Irra c IO n a l e d ~ ra z ã o , m a s e m ~ irtu d e d o e le m e n to d iv in o e m n ó s. C o n tu d o , n ã o
com o « o c u lto e c o n te m p la ç ã o de D e u s» 157.
devem os se g u ir a q u e le s q u e a flfm a m q u e , se n d o n ó s h o m e n s, devem os lim ita r o
n o sso p e n sa m e n to à~ c o isa s h u m a n a s. D e v e m o s, na m e d id a do p o ssív e l,
« a p o d ~ ra rm o -n o s d a v id a e te rn a » , v iv e n d o a v id a d e sta p a rte d e n ó 's, p o r ín fim a
q u ~ se ja , q u e c o n stitu i a m e lh o r e m a is v e rd a d e ira d e n ó s p ró p rio s. Q u e m v iv e
a ssim é o hom em m a is fe liz 152.

No e n ta n to , não é o ú n ic o hom em fe liz . A v id a da v irtu d e m o ra l e da


sa b e d o ria p rá t.ic a , re la c io n a d a com o e stá c o m õ ss~ iim e n to s q u e d e s'c o l~ ~ ' d~
n o ssa n a tu re z a c o rp o ra l, é a v id a d a to ta lid a d e d o se r c o m p o sto que é o hom em ,
e fo rn e c e um b e m -e sta r p o ssív e l d e se r d e sig n a d o d e « b e m -e sta r hum ano» 153

Por isto , o p ~ p .e l a trib u íd o à v id a m o ra l p a re c e se r d u p lo :(~ C o n siste num ~


fo rm a se c u n d a n a d e b e m -e sta r, p a ra a q u a l so m o s im p e lid o s p e lo fa c to d e n ã o
p o ssu irm o s apenas ra z ã o , e de não p o d e rm o s v iv e r se m p re ao n ív e l d a v id a
c o n te m p la tiv a . E ~ ) a ju d a -n o s a a tin g ir a e sp é c ie m a is e le v a d a d e b e m -e sta r.
A ristó te le s pouco d iz a c e rc a do m odo com o fa z e la isto . A sa b e d o ria p rá tic a do
hom em d e e sta d o p ro v id e n c ia , m e d ia n te um a le g isla ç ã o a p ro p ria d a , a p e rse c u -
ç ã o d o s e stu d o s c ~ e n tífic o s e filo só fic o s. E d e v e m o s. su p o r q u e , ta m b é m n a v .id a
in d iv id u a l, A ristó te le s c o n sid e ra v a a acção m o ra l c o m o fa v 9 re c e n d o ~ e x istê n c ia
d a a c tiv id a ~ e in te le c tu a l m a n te n d o a s p a ix õ e s so b c o n tro lo . N o e n ta n to , a p e sa r
d a su a te o n a fo rm a l c o lo c a r, d e ste m o d o , a v id a m o ra l a o se rv iç o d a in te le c tu a l,
e sta re la ç ã o n ã o é e x p lic a d a e m d e ta lh e . Q uando A ristó te le s e stá e m p e n h a d o em
e stu d a r a s a c tiv id a d e s m o ra is, tra ta -a s com o boas em si m e sm ~ s, ~e'Q a g é n te
m o ra l com o e n c o n tra n d o o se u m o tiv o , n ã o e m n a d a p a ra a lé m 'd '~ sé u a c to , m as 154 E ste s trê s tip o s,c o n stítu e m ' o s trê s ra m o s d a sa b e d o ria te o ré tic a (Met., 1 0 0 5 b I, 1 0 2 6 a 1 8 ).
M a s a físic a c o n siste n o e stu d o d o s a c o n te c im e n to s c o n tin g e n te s (1 1 4 0 a 1 4 -1 6 ), e n q u a n to a sa b e d ~ -
ria te o ré tic a é o e stu d o d o s n ã o --c o n tin g e n te s(1 1 3 9 b 2 0 , 1 1 4 0 b 3 1 ,1 1 4 1 a 3 ,.1 1 4 1 a 1 9 ). E sta c o n tra d i.
ç ã o p o d e se r a fa sta d a se a d m itirm o s q u e a físic a c o n siste n o e stu d o d o e le m e n to n ã o --c o n tin g e n te n o s
a c o n te c im e n to s c o n tin g e n te s. O e le m e n to v a riá v e l é in c a lc u lá v e l e , d e to d o , n ã o p o d e se r e stu d a d o .
151 1 1 7 8 b 8 .2 2 . 155 1177 a 26.
1521 1 7 7 a 1 2 .'1 1 7 8 a 8. 156 Met., 1 0 2 6 a 1 9 .
153 1 1 7 8 a 9 -2 2 . 157 E.E., 1 2 4 9 b '2 0 .

239
238
C A P ÍT U L O V III

P O L ÍT IC A

A e s tru tu ra da Política a p re s e n ta um a d ific u ld a d e e um p ro b le m a b a s ta n te

d is c u tid o . M u ito s filó s o fo s m o d e rn o s pensam 1) que os liv ro s "V II e V III deve-


ria m p re c e d e r os liv ro s IV . -V I, e o u tro s p e n sa ra m 2) que o liv ro V I d e v e ria
s u rg ir a n te s do liv ro V . I O ú ltim o c a p ítu lo do liv ro 1 1 1 a n u n c ia a passagem à

d is c u s s ã o da m e lh o r c o n s titu iç ã o , d is c u s s ã o que, de fa c to , s e d e s e n v o lv e n o li-


v ro V II. P a ra a lé m d is to , a p rim e ira fra se do liv ro V II e n c o n tra -s e sob um a fo r-
m a m u tila d a , ta l com o a ú ltim a fra se do liv ro 111, co m o s in a l da in te n ç ã o , quer

de A ris tó te le s quer de q u a lq u e r e d ito r a n tig o ; de re u n ir o s d o is liv ro s . Por o u tro


la d o , o liv ro IV c o n té m "um a re fe rê n c ia a um a d is c u s s ã o a n te rio r a c e rc a da

c o n s titu iç ã o id e a l " e n q u a n to os liv ro s V II e V II( não se re fe re m em nenhum a


p a rte e x p lic ita m e n te aos liv ro s IV -V I 2. Ig u a lm e n te , após a c la s s ific a ç ã o das

c o n s titu iç õ e s a p re s e n ta d a no liv ro 111 e a d is c u s s ã o da m o n a rq u ia (e , a c id e n ta l-


m e n te , da a ris to c ra c ia ) na ú ltim a p a rte d e s s e liv ro , d e v e m o s e sp e ra r que A ris tó te -

le s avance "na d is c u s s ã o de o u tro s tip o s , com o o fe z e f e c tiv a m e p .te nos liv ro s

IV -V I. O s liv ro s V II e V III, que se ocupam s o b re tu d o de q u e s tõ e s de educação


m a is do que de c o n s titu iç õ e s , in te rro m p e ra m s e ria m e n te a c o n tin u id a d e do

p e n s a m e n to . 2) O liv ro V I c o n tin u a a lin h a de p e n s a m e n to do fim do liv ro IV

so b re a o rg a n iz a ç ã o p ró p ria às d iv e rs a s fo rm a s de g o v e rn o , e o liv ro V (so b re

a re v o lu ç ã o ) in te rro m p e e s te p e n s a m e n to . Por o u tro la d o , o liv ro V I re fe re -se

, 1289 a 3 1 . M a s e s ta re fe rê n c ia d ific ilm e n te s e p o d e re p o rta r" a o s liv ro s V II e V III, c f. p . 2 6 2 ~

n o ta 6 5 . A s o u tra s p a s s a g e n s " c ita d a s " p o r Z e lle r, 1289 b 15, 1290 a 2, 1293 b 2, são in c o n c lu s iv a s .
2 M as 1 3 2 5 " b 3 4 re fe re -s e p ro v a v e lm e n te m a is a e s te s liv ro s do que ao liv ro lI.

241

••
ARISTÓTELES POLiTlCA

m u ita s vezes ao liv ro V 3, e os liv ro s IV e V c u m p re m na o rd e m p re v is ta o A Política a b re com um a secção x c u jo o b je c to p a re c e ser I) a ju s tific a ç ã o


p ro g ra m a e x p o s to no p rin c íp io do liv ro IV 4. O liv ro V I p a re c e ser um a o b ra . d o e s ta d o fa c e a o p o n to d e v is ta s o fís tic o q u e o re p re s e n ta com o e x is tin d o por
m a is ta rd ia , onde A ris tó te le s d e s e n v o lv e os a s s u n to s c o n tid o s no liv ro IV . convenção e não p o s s u in d o q u a lq u e r e s ta tu to re a l a e x ig ir a fid e lid a d e dos seus
M as, p ro v a v e lm e n te , é um e rro supor a e x is tê n c ia de um a o rd e m o rig in a l m e m b ro s ; e 2 ) e s c la re c e r a s u a n a tu re z a p e la s u a d is tin ç ã o a re s p e ito d a s o u tra s
ou p ró p ria dos liv ro s da Política. U m e s tu d o dos p rin c íp io s d o s v á rio s liv ro s 5 c o m u n id a d e s . A ris tó te le s p e n e tra in medias res a firm a n d o que, um a vez que
re v e la q u e a o b ra é c o n s titu íd a p e la c o n flu ê n c ia d e c in c o tra ta d o s in d e p e n d e n te s : to d a a c o m u n id a d e é fo rm a d a p a ra s a lv a g u a rd a r q u a lq u e r b e m , o e s ta d o , com u-
I) s o b re a e c o n o m ia d o m é s tic a - p re lim in a r a o e s tu d o d o E s ta d o , um a vez que n id a d e s u p re m a e que a b a rc a to d a s as o u tra s , te m d e v is a r o bem s u p re m o .
e s te d e riv a da e c o n o m ia d o m é s tic a (liv ro I); 2 ) s o b re a s re p ú b lic a s p ro p o s ta s O p o n to d e v is ta te le o ló g ic o por s i a d o p ta d o é u m a c a ra c te rís tic a d e to d o o seu
com o id e a is e as m a is e s tim a d a s c o n s titu iç õ e s e x is te n te s (liv ro 1 1 ); 3 ) s o b re o s is te m a . O s ig n ific a d o e a n a tu re z a d e tu d o no m undo, c ria tu ra v iv a , in s tru m e n to
e s ta d o , o c id a d ã o e a c la s s ific a ç ã o das c o n s titu iç õ e s (liv ro IH ); 4) s o b re as ou c o m u n id a d e , devem ser p ro c u ra d o s no fim do seu s e r. No caso de um
c o n s titu iç õ e s in fe rio re s (liv ro s IV -V I); 5 ) s o b re o e s ta d o id e a l (liv ro s V II, V III). in s tru m e n to , is to é u m fim d e s e ja d o p e lo s e u u s o , e a fo rm a d o in s tru m e n to e s tá
T odas e s ta s secções, e x c e p to a segunda, e s tã o in c o m p le ta s ou m u tila d a s . No de a c o rd o com e s te fim im p o s to e x te rio r s o b re a sua m a té ria . No caso da
g e ra l, a o rd e m tra d ic io n a l (q u e d a ta , p e lo m enos, do I s é c u lo a. c.) fo r- c ria tu ra v iv a o u d e u m a c o m u n id a d e , o fim é im a n e n te à p ró p ria c o is a - p a ra a
nece um a lin h a d e p e n s a m e n to m a is ló g ic a , e m b o ra o liv ro V ganhe m a is e m p la n ta a v id a d o c re s c im e n to e d a re p ro d u ç ã o , p a ra o a n im a l a v id a d a s e n s a ç ã o
ser lid o após o liv ro VI 6.
e do a p e tite , o s q u a is s e s o b re p õ e m à v id a v e g e ta tiv a , p a ra .0 hom em e , p a ra a
O s liv ro s V II e V III d ife re m d o s trê s p rim e iro s p e lo s e u to m m a is d o g m á - c o m u n id a d e hum ana a v id a da ra z ã o e da acção m o ra l, s o b re p o s ta as duas
tic o , e o s e u e s tilo m a is c u id a d o s u g e re q u e s e fu n d a m , p e lo m e n o s p a rc ia lm e n te , o u tra s . A e x p lic a ç ã o das c o is a s deve ser p ro c u ra d a , não n a q u ilo em que se
e m tra b a lh o s já p u b lic a d o s 7. O s liv ro s IV -V I d ife re m d o re s to da Política p e lo d e s e n v o lv e ra m , m as n a q u ilo em que se e s tã o a d e s e n v o lv e r; a sua n a tu re z a
s e u to m m a is p rá tic o e m enos id e a l. E m p a rtic u la r, o liv ro V , p e la a te n ç ã o que re v e la -s e não na sua o rig e m , m as no s e u d e s tin o .
concede aos m e io s d e p re s e rv a r m esm o a s fo rm a s m a is c o rru p ta s d e g o v e rn o , A ~ a la v ra que e m p re g a m o s com o « e s ta d o » não s ig n ific a o u tra c o is .a q u e
a p a re n ta n d o -s e com o Príncipe de M a q u ia v e l. T am bém d ife re m do re s to da « c id a d e » . A p e s a r d e A ris tó te le s te r v iv id o a té a o fim d a id a d e d e o u ro d a v ld ~ d a
Política p e la q u a n tid a d e d e d e ta lh e s h is tó ric o s q u e c o n tê m . A ris tó te le s , devem o- c id a d e g re g a e te r e s ta d o em ín tim o c o n ta c to com F ilip e e ~ Ie x a n d re , fO i .n a
-n o s le m b ra r, te rá c o m p ila d o (o u fe ito c o m p ila r) um a s é rie d e 1 5 8 c o n s titu iç õ e s c id a d e e não n o im p é rio q u e e le v iu , n ã o apenas a fo rm a m a is e le v a d a d e v id a
g re g a s . Na Política [V -V I s e n tim o s , m a is d o q u e e m q u a lq u e r o u tro la d o , c o m o p o lític a c o n v e n ie n te à sua época, m as ta m b é m a fo rm a m a is e le v a d a que e ra
A ris tó te le s é m e s tre d e to d a a c iê n c ia d a c id a d e -e s ta d o , e com o o seu pensa- capaz d e c o n c e b e r. Todo o a g re g a d o m a is v a s to c o n s ~ itu ía p a ra s i u r~ a m .e :a
m e n to e s tá firm e m e n te e n ra iz a d o na h is tó ria . trib o ou um e m a ra n h a d o de pessoas sem h o m o g e n e id a d e . N enhum Im p e n o
O s e u m é to d o c o n s is te , m esm o n o s o u tro s liv ro s , num p ro c e s s o la rg a m e n te im p o n d o a s u a c iv iliz a ç ã o aos povos m a is a tra s a d o s ,. n e m u m a n a ç .ã o c .o ~ s titu íd a
in d u tiv o . M as, s im u lta n e a m e n te , m u ita s vezes fu n d a m e n ta o s s e u s p o n to s de e m e s ta d o e s ta v a m a o a lc a n c e da sua v is ã o . D e ix a n d o d e la d o o Im p e n o m ace-
v is ta .p o lític o s e m te o ria s m a is c o m p re e n s iv a s e fu n d a m e n ta is , d e o rd e m m e ta fí- d ó n io e x is tia m n a G ré c ia in te re s s a n te s d e s e n v o lv im e n to s p o lític o s (ta is c o m o o s
s ic a o u é tic a . D e fe n d e a p rio rid a d e (n u m s e n tid o d e fin id o ) d o to d o e m re la ç ã o à im p é rio s d e A te n a s e d e E s p a rta e a s v á ria s lig a s d e e s ta d o s ig u a i~ ), q u e n ã o le v o ~
p a rte ; a id e n tid a d e d a n a tu re z a d e u m a c o is a c o m o fim p a ra o q u a l e la s e m o v e ; em lin h a d e c o n ta . Faz apenas um a a lu s ã o à s b o a s c o n s e q u ê n c la s q u e s e s e g U l-_
a s u p e rio rid a d e d a a lm a s o b re o c o rp o ; d a ra z ã o s o b re o 4 e s e jo ; a im p o rtâ n c ia ~ ria m a um a u n iã o d o s e s ta d o s g re g o s 9• . P --ªra .~ .c o n h e c iT e llto .,d a v id a p o lític a '
00 lim ite , da m o d e ra ç ã o ; a d ife re n ç a e n tre a s p a rte s o rg â n ic a s e ' a s c o n d iç õ e s ' g re g a ta l c o m o fo i, n ã o te n i riv a l. M a s a s u a im á g ln a ç a o e ra e ~ .p e q u e ~ o g ra u .
a c e s s ó ria s . O s seus p o n to s .d e v is ta p o litic o s fo rm a m p a rte de um s is te m a de A d m ite , sem um lo n g o " e x a m e , q u e a v id a hum ana pode s e r V IV id a m a is p le n a :
p e n s a m e n to v a s to e c o e re n te . M as, por v e z e s , o e m p re g o q u e fa z d e p rin c íp io s m e n te .n u m a pequena c o m u n id a d e onde to d o s o s c id a d ã o s se conheçam e n t:e SI
g e ra is é um pouco a rb itrá rio , e s e n tim o s que são c o lo c a d o s com o fo rm a de e onde cada um p a rtic ip e n o g o v e rn o , n ã o s o m e n te n a e s c o lh a d o s s e u s le g is la -
s u s te n ta r c re n ç a s q u e . Á ris tó te le s le v a n to u com o h ip ó te s e . d o re s m as « g o v e rn a n d o e sendo g o v e rn a d o » a lte rn a d a m e n te . No d e c u rs o da
h is tó ria a s c id a d e s -e s ta d o p (o v a ra m -s e in c a p a z e s d e s e m a n te re m a ,s i p ró p ria s
c o n tra o s a g re g a d o s m a is v a s to s e m a is p o d e ro s o ~ . T o d a v ia : a s u a in fe rio rid ~ d e '
3 .1 3 1 6 b 3 4 , 1 3 1 7 a 3 7 , 1 3 1 9 b 4 ,3 7 .
não fo i p o r is s o p ro v a d a . M u ito m a is te rá -d e s e r d ito a re s p e ito d o p o n to d e v is ta ,)
4 1 2 8 9 .b 1 2 -2 6 .
5 C o n firm a d o por um pequeno, m a s s ig n ific a tiv o , d e ta lh e : a a u s ê n c ia d e p a rtíc u la s d e lig a ç ã o
no início de certos livros. \.
6 S o b re a o rd e m e m q u e o s liv ro s foram e s c rito s , c f. p . 2 9 , n o ta i5 7 .
8 I, I, 2 .
7 T a lv e z n o Prolréplico.
9 1327 b 32.

242 243
A RfSTÓTELES POLÍTfCA

se lv a g e m h ip o te tic a m e n te n o b re ; d e o e sta d o não se r u m a re striç ã o a rtific ia l d e


d e A ristó te le s. M a s g o sta ría m o s d e te r v isto o p ró p rio A ristó te le s a d e fe n d ê -lo
lib e rd a d e , m as um m e io d e a a sse g u ra r. A q u i, A ristó te le s a ta c a im p lic ita m e n te
d e fo rm a a rg u m e n ta d a .
d o is p o n to s d e v ista q u e tin h a m e n c o n tra d o g ra n d e e c o n a G ré c ia ; I) o p o n to de
E stá c la ro que o e sta d o p e rte n c e a o g é n e ro « c o m u n id a d e » , m a s a su a d 'f _,
v ista d e a lg u n s so fista s, ta is c o m o L íc o fro n \I o u T ra sím a c o , se g u n d o o qual a
re_n ç a e sp e.,
c ífic a já n ã o é tã o
_ c la ra . A ristó
" te le s e n c a rre g a -se d e m o stra r q u e Isto
,I e
le i e o e sta d o re p re se n ta m m e ro s p ro d u to s de convenção, e n tra v e s à lib e rd a d e do
n a o c o n stItU I, c o m o se su p o s, a su a m a IO r d Im e n sã o . O se u m é to d o p a ra d
b' d 'r . ' e sc o - in d iv íd u o , q u e lh e s sã o im p o sto s p e lo s se u s se n h o re s o u a c e ite s p o r si a p e n a s
,rIr a I e re n ç a e sp e C IfIc a d o e sta d o c o n siste n a a n á lise d a s su a s p a rte s c o ml~
t't
com o um a sa lv a g u a rd a c o n tra a in ju stiç a ; e 2 ) o p o n to d e v ista d o s C ín ic o s
tlv a s, e stu d a n d o -a s n a su ~ g é n e se . E x iste m d o is in stin to s p rim o rd ia is q u e le v a m
se g u n d o o qual o hom em p ru d e n te b a sta -se a si p ró p rio e d e v e se r c id a d ã o , não
o s se re s h u m a n o s a a sso c Ia re m -se . m u t~ a ~ e n te 10: o in stin to d e re p ro d u ç ã o que
de nenhum p a ís, m a s a p e n a s do m undo - u m p o n to d e v ista q u e fo i e n c o ra ja d o
une um hom em e um a m u lh e r; e o In stIn to de a u to p re se rv a ç ã o que un
h . . . e o p e la d e silu sã o e x iste n te na G ré c ia após a d e rro ta na b a ta lh a da Q u e ro n e ia .
se n o r e o e sc ra v o - o e sp ln to e c o n ó m ic o e o c o rp o v ig o ro so e m te rm o s d --
'd . e um a A o d e sc re v e r o e sta d o com o n a tu ra l, A ristó te le s n ã o p re te n d e sig n ific a r se r
a ju a m u tu a . D e ste m o d o , o b te m o s u m a so c ie d a d e m ín im a fo rm a d a por t •
'I' re s e le in d e p e n d e n te da v o liç ã o hum ana. É p e la v o liç ã o hum ana q u e e le fo i fo r-
p e sso a s: a f a m l la , q u e re p re se n ta « a a sso c ia ç ã o e sta b e le c id a p e la n a tu re z a p a
. f - d ' ra a .m ado e é m a n tid o , e é p e la v o liç ã o hum ana que pode se r m o ld a d o de m odo
sa tls a ç a o a s n e c e ssId a d e s q u o tid ia n a s» . O e stá d io se g u in te é a a ld e ia u n '- d
.' f " ' la o e « m a is c o n fo rm e o d e se jo d o c o ra ç ã o » . M a s a firm a se r n a tu ra l n o se n tid o em que
v a n a ,s . a m llIa s « ~ a ~ a o fo :.n e c im e n ~ o d e a lg o m a is p a ra a lé m d a s n e c e ssid a d e s
se e n ra iz a n a n a tu re z a das c o isa s e não nos c a p ric h o s dos h o m e n s.
q u o .tld la n a s» . A n sto te le s nao e sp e ::lfic a e sta s novas n e c e ssid a d e s, m as podem os
N o se u z e lo p e lo e sta d o não d e sp re z a , com o P la tã o , a : fa m ília . P a ra si, o
c o n je c tu ra r q u e n o se u p e n sa m e n to a a ld e ia to rn a p o ssív e l u m a d iv isã o ~ a io r d
e sta d o é um a c o m u n id a d e d e c o m u n id a d e s. A fa m ília p o ssu i a su a p ró p ria
tra b a lh o , e , ~ e sd e e ,n tã o , a sa tisfa ç ã o d e n e c e ssid a d e s m a is v a ria d a s, bem com ~
fu n ç ã o n o e sq u e m a d a v id a . C o n tu d o , não vem os n e le u m re c o n h e c im e n to das
um a p ro te c ç a o m a Is c o m p le ta c o n tra o hom em e c o n tra a b e sta . A a ld '
'f ' e la , o u tra s c o m u n id a d e s nas q u a is o hom em é um m e m b ro : a su a ig re ja , a su a
a c re sc e n ta e Ie , e ,o rm a d ~ ,m a Is n a ~ u r~ lm e n te p e la u n iã o d e fa m ília s d e o rig e m
p ro fissã o , a s so c ie d a d e s v o lu n tá ria s à s q u a is p e rte n c e . T e m -se a firm a d o m u ita s
com um " O te rc e Iro e sta d lO c o n stItU I-se p e la u n iã o de m u ita s a ld e ia s num a
vezes que, onde A ristó te le s fa la d o h o m e m com o u m a n im a l p o lític o , devem os
« c o m u n I.d ~ _ d e,c o m p le ta , su fic ie n te m e n te e x te n sa p a ra e sta r p e rto ou q u a se da
p re fe rir d iz e r se r e le u m a n im a l so c ia l, n e c e ssita n d o d o s se u s se m e lh a n te s em
a ~ to -su flc l~ n c la ; f~ rm a ~ a p a ra sa lv a g u a rd a r a v id a , e x iste p a ra p e rm itir a boa
m u ita s c irc u n stâ n c ia s e não apenas com o c o n c id a d ã o s. A d istin ç ã o e n tre o
V Id a » , R e sId e a q U I a d Ife re n ç a e sp e c ífic a re la tiv a m e n te a o e sta d o . E ste . n a sc e u
e sta d o e a so c ie d a d e não fo i, d e fa c to , m u ito c la ra p a ra q u a lq u e r p e n sa d o r
p e la m e sm ~ ra z ã o d ~ a ld e ia - a sa lv a g u a rd a d a v id a . M as n e le re a liz a -se um
g re g o . A re lig iã o fo i- a ta l p o n to u m a c o isa n a c io n a l e , e m g ra n d e p a rte , um a
o U ,tro d e se jO : ~ d e se jO d e boa v id a . A boa v id a in c lu i, p a ra A ristó te le s, duas
c o isa e x te rio r e c o n v e n c io n a l, um a ssu n to d e c u lto e tã o pouco um c a so de
c O Isa s: a a c tIv ld a d e m o ra l e in te le c tu a l. O e sta d o o fe re c e um cam po m a is a d e -
p ro fu n d a c o n v ic ç ã o e em oção, que a noção de u~a c liv a g e m e n tre a ig re ja e o
quado do que a q u e le que p re c e d e a a c tiv id a d e m o ra l, um a v a rie d a d e m a io r de
e sta d o , de m odo a poder haver m u ita s ig re ja s num e sta d o , o u u m a ig re ja com
re la ç õ e s n a s q u a is a s v irtu d e s devem se r e x e rc id a s. E ste fa c to fo rn e c e u m m a io r
m e m b ro s e m v á rio s-e sta d o s, n ã o p ô d e o c o rre r a o e sp írito d o s G re g o s, e u m a d a s
a lc a ~ c e à a c tiv id a d e in te le c tu a l; é p o ssív e l um a d iv isã o m a is c o m p le ta d o tra b a -
in flu ê n c ia s q u e n o s lib e rto u d e p re o c u p a ç õ e s irtú te is a re sp e ito d o e sta d o e sta v a ,
lh o m te le c tu a le cada e sp írito to rn a -se m a is e stim u la d o p a ra um c o n ta c to com
n e ste c a so , a u se n te . A ssim , a educação m o ra l, que m u ito s p e n sa m se r um
o ~ tro ~ e sp írito s.« S ~ a s p rim e ira s fo rm a s d e so c ie d a d e sã o n a tu ra is, a ssim ta m -
a ssu n to n a tu ra l d a ig re ja , fo i a trib u íd a p o r A ristó te le s, se m q u a lq u e r h e sita ç ã o ,
bem e o e sta d o , p O IS e le é o fim d e la s e a n a tu re z a de um a c o ísa é o se u fim
a ~ e sta d o .' D o ~ e sm o m odo, a re sp e ito d e -o u tra s so c ie d a d e s v o lu n tá ria s in te rio -
O q u e c a d a c o isa é q u a n d o to ta lm e n te d e se n v o lv id a , d e sig n a m o s d e 'su a n a tu re z a ..:
re s a o e sta d o , tã o p ro fu n d a fo i a : in tru sã o d o e sta d o g re g o e m to d o s o s d e p a rta -
C o n se q u e n te m e n te , é e v id e n te que o e sta d o é ~m a c ria ç ã o ' da n a tu re z a , e'
m e n to s d a v id a q u e ta is so c ie d a d e s fo ra m v ista s, ig u a lm e n te , com o fu n ç õ e s do
o h .o m e m , p o r n a tu r:z a , u m a n im a l p o lític o ... A q u e le q u e é in c a p a z d e v iv e r e m
S O C Ie d a d e , o u q u e nao te m e sta n e c e ssid a d e p o is é a u to -su fic ie n te d e v e se r u m a e sta d o :
M a s, su p o n d o que d e se ja ría m o s c o m p le ta r A ristó te le s a firm a n d o que o
~ ~ ta . ou um d e u s» . A ristó te le s p re sta um bom se rv iç o a o p e n sa m e ~ to p o lític o a o
. hom em ' é um a n im a l so c ia l, p e rm a n e c e V e rd a d e iro se r e le u m a rtim a l p o lític o .
m S lstlr n o ,fa c to d e o e sta d o n ã o e x istir m e ra m e n te por convenção, m a s ,p o ssu ir
A u n iã o p o lític a n ã o é m e n o s n a tu ra l q u e e sta s o u tra s, m a is e v id e n te m e n te v o lu n tá -
a s su a s- ra Iz e s na n a tu re z a hum ana; d e o . n a tu ra l d e v e r se r e n c o n tra d o n o se u
ria s; e nenhum a d e la s, e x c e p to a ig re ja , pode se r c o m p a ra d a ao e sta d o , em
v e rd a d e iro se ? tid o : ~ ~ o nas o rig e n s da v id a h u m a n a , m a s n o fim p a r~ o qual
im p o rtâ n c ia e em v a lo r. Uma p o d e ro sa re iv in d ic a ç ã o d e v e ria , se m d ú v id a , se r
te n d e ; d e a V Id a C IV IlIz a d a n ã o se r u m a d e c a d ê n c ia re la tiv a m e n te à v id a d e u m

10 I, 2 . II 1280 b 10.

244 . 245
A RIST6TELES POLÍTICA

feita
num
pelas
estado
organizações
de vassalagem
económ icas.
m enos firm e
M as
que
estas m antêm geralm ente
a igreja e o estado,
os hom ens
e constituiria
. os terrenos do outro.
., consequência, é considerado
°
poder tende a im plicar
por alguns com o
um a certa superioridade,
o fundam ento
e, em
do direito. P or
um a desventura para a hum anidade se as sociedades que apenas pretendem . outro lado, existe um a tendência para apenas considerarm os com o justa um a
atingir a «m era vida» tom assem algum dia a dianteira sobre aquelas que ape- relação fundada sobre a boa vontade m útua. M as nenhum a destas duas concep-
Iam para algo de m ais elevado no hom em .
ções se podem m anter contra o ponto de vista interm édio segundo o qual o
superior em excelência deve com andar. E não servirá de nada dizer que em todo
o caso existe um a espécie de justiça fundada no costum e, e que, consequen-
ESCRA V ATURA
tem ente, a escravatura conform e o costum e da guerra é justificada. A queles que
sustentam este ponto de vista hesitariam , eles próprios, em justificar a redução em
D epois de ter dem onstrado que o estado deriva da fam ília, A ristóteles passa escravos de pessoas de im portante nascim ento ou de H elenos. N o fundo, tam -
a considerar as diferentes < < partes da econom ia dom éstica». A s duas únicas que
bém pretendem fundar a escravatura num a inferioridade da natureza. O nde isto
serão longam ente discutidas são a relação entre senhor e escravo e a aquisição de
existe a escravatura interessa tanto ao senhor com o ao escravo.
riqueza. A respeito da escravatura 12, encontra-se em face de dois pontos de
~m bora tal possa parecer deplorável, não é surpreendente que A ristóteles
vista, um para o qual a autoridade exercida sobre os escravos é idêntica em
tenha considerado com o pertencendo à natureza das coisas um arranjo fazendo
espécie à autoridade política, e constitui um a instância norm al de superiores
tanto parte da vida quotidiana dos G regos quanto o fazia a .escravatura. D eve-
sobre inferiores; e outro para o qual a natureza não reconhece nenhum a distin-
m os notar que a escravatura grega esteve em grande parte l!vre dos abus?s que
ção entre senhor e escravo, ou seja, que a escravatura, repousando num a
desgraçaram a escravatura rom ana e que desgraçaram m U ltas vezes o sistem a
convenção contrária à natureza, é por isso injusta. P rim eiro, A ristóteles
esclavagista nos tem pos m odernos. A aprovação que A ristóteles faz da escra-
preocupa-se 13 em m ostrar a essência de um escravo. P or essência, um escravo é
vatura possui um certo núm ero de caracteres que devem ser observados.
«um instrum ento para assegurar a vida», por outras palavras, «um a possessão
I) A distinção entre o hom em livre por natureza e o escravo natural n~m sem pre,
anim ada». S e a lançadeira de tear pudesse tecer sem ter um a m ão a guiá-Ia,
adm ite ele, foi tão clara quanto o poderíam os desejar. N em sem pre o filho de um
acrescenta A ristóteles num a antecipação inconsciente à época da m áquina, os
escravo natural é necessariam ente um escravo natural 16. 2) A escravatura pelo
senhores não necessitariam de escravos. M as o escravo é um instrum ento, não
de produção, m as de acção -
m as para ajudar a vida em geral. Q uer dizer, é o escravo
não para produzir um qualquer artigo
dom éstico
particular,
m ais que o
sim ples direito
nem sem pre
guerra
de conquista
significa
fosse injusta?
na guerra
um a excelência
E m nenhum
superior. °
não deve ser aprovada.
que acontecena
caso um grego deve escravizar
0. poder superior
se a causa da
ou~ro grego 17.
agrífola

natureza
'0
ou industrial que está aqui em questão.
problem a
designa
que se apresenta
particularm ente
em seguida 14 reside no facto de saber
algum as pessoas para desem penharem
.
se a
este
E ste elem ento
contem porâneos,
no ponto de vista de A ristóteles
bem 'cO m o grande parte da
deve ter surpreendido
sua teoria. A pesar
os seus
de isso nos
parecer reaccionário, pode-lhes ter parecido revolucionári~. 3) ?s interesses
papel. N a. sua resposta, A ristóteles assinala que a antítese do superior e do
do senhor e do escravo são idênticos. P ortanto, o senhor nao deV ia abusar da
inferior se encO ntra por iodo o lado na natureza.~ entre alm a e corpo, entre
sua autoridade. D everia ser am igo do seu escravo. N ão o deveria apenas com an-
intelecto e apetite, entre hom em e anim ais, entre m acho e fêm ea, e que, por todo
dar, m as raciocionar com ele 18. 4) D everia ser dada a esperança de em ancipa-
O lado em que existe um a tal diferença entre duas coisas, é vantajoso para ambas
ção a todo o escravo 19. • . ., ,
que um a legisle sobre a outra. A natureza tende a produzir um a tal distinção
'N o entanto, o que não podem os aprovar no ponto de vista de A nstoteles:a
entre os hom ens - a fazer uns robustos para o trabalho e outros aptos para a
sua' divisão da raça hum ana em duas partes distintas. E xiS te um a gradaçao
vida política. A ssim , certos hom ens são por natureza livres e outros escravos. 1 contínua da hum anidade a respeito quer das qualidades m orais quer das intelec-
N o. entanto, podem os sustentar o contrário 15. A escravatura tal com o
tuais. E sta gradação determ ina, e provavelm ente. determ ,inará sem pre, 'um .sis-
existe actualm ente é fundada em grande parte na conquista, e um a tal escrava-

°
tem a de subordinação. M as, num tal sistem a, nenhum m em bro deve ser V iS tO
tura é naturalm ente aberrante. C ada ponto de vista vai m uito longe e ultrapassa
com o tratando-se. sim plesm ente de um «utensílio anim ado». tratam ento que

12 I, 3-7.
16 1254 b 32-39, 1255 b 1-4.
13 I, 4 .
17 I 6
14 I, 5 .
lIi 1'255 b 9-14, 1260 b 5-7, 1278 b 33.
15 I, 6.
19 1330 a 32..

246
249
POLíTICA
ARISTÓTELES

comodidade na troca. Isto é válido para a moeda metálica, não sendo de admi-
Aristóteles faz deste problema contém implicitamente a refutação da sua teoria
rar que tenha previsto a utilização de papel-moeda. O que é mais surpreendente
Admite que o escravo não é um mero corpo, mas que também possui aquel~
é que considere todos os modos de aquisição de riqueza por outros tipos de
espécie subordinada de razão que lhe permite, não somente obedecer a uma.
~. comércio diferentes da troca não naturaL Sem dúvida, a sua objecção possui
ordem, mas seguir um raciocínio. Do mesmo modo, admite que um escravo
2 uma base moraL Condena a perseguição ilimitada de riqueza para além da
enquanto escravo, não pode tornar-se amigo do seu senhor, mas enquant~
i necessária aos propósitos da vida. Mas não .observa que a perseguição da
homem pode 20. Mas a sua natureza não pode estar assim dividida. O facto de
ser um homem é incompatível com o ser um mero instrumento animado. 1 riqueza por si própria pode produzir-se, mesmo no primeiro modo de aquisição,
~. quando os bens são acumulados e a troca ainda não intervém, bem como a
I troca não exclui menos o proveito possível de obter no comércio de bens por
AQUISIÇÃO DE RIQUEZA il dinheiro. Não vê, igualmente, que a classe comercial, por si condenada, desem-
penha um frutuoso serviço público,e apenas obtém os seus benefícios por essa
A secção seguinte da Política 21, que constitui a principal contribuição de razão. O seu ponto de vista consiste, demasiadamente, numa reflexão acerca dos
Aristóteles para a economia 22, está ligada ao tema principal do livro I, isto preconceitos do grego comum contra o comércio como tratando-se de uma
é, relaciona-se com o problema de saber em que medida a aquisição de riqueza ocupação não liberal.
está ligada à economia doméstica. Aristóteles responde a esta questão distin- Mais adiante, considera que de todos os modos de aquisição de riqueza não
guindo dois modos de aquisição de riqueza 23. Primeiro, temos o modo natural naturais, a pior espécie consiste na usura pois o dinheiro, ele mesmo uma
que consiste em juntar aqueles produtos da natureza necessários aos propósitos invenção não natural, é usado aqui, não para o seu propósito original, a troca,
da vida. Aqui, distingue três espécies principais: o apascentar, a caça (subdivi- mas para um fim ainda menos natural 27. Também aqui, cega-o um preconceito
dida em pirataria e assalto, pesca e caça propriamente dita) e a lavoura. A este moral justificável contra a usura perversa dos serviçoseconómicos levada a cabo
modo é fixado um limite natural pelas necessidades do homem a respeito da pelos prestamistas de capital. Sem dúvida, está a pensar, não no empréstimo que
comida e do vestuário. Este modo constitui uma parte da economia doméstica e torna a indústria possível, mas naquele lucro resultante dum aproveitamento do
da política 24, ou mais propriamente, uma pré-condição delas 25. A tarefa do homem pobre que é levado, pelas necessidades de momento, a pedir um emprés-
senhor da casa e do homem de estado consiste na utilização daquilo que foi timo em termos que o transformam, de facto, num escravo do prestamista.
Aristóteles conclui o livro com uma discussão acerca das várias espécies de
assim acumulado.
A troca é intermédia entre este último modo e o segundo modo de aquisição regras, próprias à família 28. O escravo não possui qualquer faculdade delibera-
de riqueza 26. Aristóteles coloca aqui a distinção, mais tarde famosa, entre o tiva; a mulher tem, mas é desprovida de autoridade; a criança também tem, só
valor de uso das coisas e o seu valor de troca. Podemos, ou usar um sapato, ou que, nela, esta é ainda imatura. Em consequência, o poder exercido pelo senhor
trocá-lo. Em ambos os casos, usamo-lo em «si mesmo», mas é o primeiro caso que sobre o escravo deverá ser despótico; o do marido sobre a mulher, constitucio-
constitui o seu «uso próprio», quer dizer, o uso que pode ser feito dele e de nada nal; e o do pai sobre os filhos, monárquico. Assim, a família contém, por ante-
mais. Até um certo ponto, a troca é natural, a saber, na medida em que consiste cipação, três tipos fundamentais de governo.
numa ~quisição daquilo que é efectivamente necessário para os propósitos da
vida. O segundo modo não natural de aquisição de riqueza manifesta-se quando
os bens começam a ser trocad.os, não por outros bens, mas por dinheiro. As . AS REPÚBLICAS IDEAIS
caracterí~ticas intrínsecas ao dinheiro .aporitadas por Aristóteles são: I) o ser
. No livro"u, Aristóteles cons~gta-se a um estudo crítico das repúblicas ideais
mais portátil que os bens; e 2) o possuir uma utilidade própria para além da
Ja pr~postas, bem como das constituições e legislações mais apreciadas pela
História no sentido de extrair daí o melhor de tudo o que foi concebido e
realizad~ neste campo. Começa pela crítica da República de Platão. Primeiro,
20 E.N., 1161 b 5. examina as sugestões de Platão a respeito da comunidade das mulheres e das
21 I, 8-11.
. 22 Mas cf. pp. 217 segs.
23 Um terceiro modo, exploração de minas, abatimento de madeir~s, etc.'-, é acrescentad~ em
1258 b 27-33. Sobre o conjunto da questão, cf. J. Cook Wilson in C/asso Rev., X, 184--89. 27 1258 b 2-8: Sobre a doutrina de Aristóteles e os desenvolvimentos posteriores aos quais deu
24 1256 b 26.
25 1256 ali, 1258 a 19-37.
lugar, cf. Economica, 1922, pp. lOS-lI.
26 I, 9.. .28 I, .12, 13.

249
248
POLíTICA
ARISTÓTELES

I) A p r o p r ie d a d e p r iv a d a da te r r a e o uso com um dos p r o d u to s ;


c r ia n ç a s 29. São d o is os seus a r g u m e n to s p r in c ip a is : I) P la tã o e s tá e rra d o
2) A p r o p r ie d a d e com um e o uso p r iv a d o ;
quando e s ta b e le c e o p r in c íp io segundo o qual « q u a n to m a io r fo r a u n id a d e
3) A p r o p r ie d a d e com um e o uso com um .
m e lh o r é o e s ta d o » . F a z p a r te d a n a tu r e z a d e u m e s ta d o p o s s u ir u m a p lu r a lid a d e "
e um a p lu r a lid a d e d e d is s e m e lh a n te s . É n is to que d if e r e de um a nação, conce~
b id a por A r is tó te le s com o um a g re g a d o in d if e r e n c ia d o . N um e s ta d o e x is te um a Faz n o ta r que: a) n u m s is te m a d e p r o p r ie d a d e com um , a q u e le s q u e m u ito
d iv e r s id a d e de fu n ç õ e s, as q u a is podem os r e s u m ir d iz e n d o que um as devem tr a b a lh a m e o b tê m pouco te r ã o ra z ã o d e q u e ix a a r e s p e ito d a q u e le s que pouco
le g is la r e o u tr a s ser le g is la d a s . A q u i, A r is tó te le s p a re c e esquecer o m odo com o tr a b a lh a m e o b tê m m u ito . b) U m a v id a com um e, s o b r e tu d o , o d ir e ito de
P la tã o o r g a n iz a d e f a c to o s e u e s ta d o . P la tã o e s tá c o n s c ie n te d a d iv e r s id a d e das p r o p r ie d a d e c o n s titu i um a f o n te d e d is p u ta s , p o r e x e m p lo , e n tr e c o m p a n h e ir o s
fu n ç õ e s no e s ta d o , e, c o n s e q u e n te m e n te , d iv id e os m e m b ro s em tr ê s c la s s e s d e v ia g e m . c) O s hom ens são m a is e f ic ie n te s quando tr a b a lh a m n a q u ilo q u e lh e s
c la r a m e n te d is tin ta s . É s o m e n te n o in te r io r de duas d e s ta s , a c la s s e d o s d ir ig e n - p e r te n c e . d) O s e n tid o de p r o p r ie d a d e c o n s titu i um a g ra n d e f o n te d e p ra z e r,
te s e a d o s g u e r r e ir o s , q u e a c o m u n id a d e das m u lh c r e s e d a s c r ia n ç a s é e s ta b e le - c o n s is tin d o num a fo rm a d e a m o r - p r ó p r io . e) O u s o d a p r o p r ie d a d e p a ra a ju d a r
c id a , e é apenas no in te r io r d e s ta s c la s s e s q u e A r is tó te le s p o d e r ia te r r a z ã o ao os seus a m ig o s c o n s titu i um a o u tr a f o n te d e p ra z e r e um a o p o r tu n id a d e p a ra o
a f ir m a r que P la tã o te n d e b a s ta n te p a ra a u n id a d e . 2) M esm o s e a u n id a d e fo sse e x e r c íc io d a v ir tu d e . j) A s q u e r e la s q u e su rg e m com b a s e n a p r o p r ie d a d e p r iv a d a
um v e r d a d e ir o id e a l p a ra o e s ta d o , e s ta p o d e r ia . ser p r o d u z id a p e lo tip o de d e v e m -se , não ao f a c to de se re m p r iv a d a s , m as à p e r v e r s id a d e da n a tu r e z a
o r g a n iz a ç ã o p r e v is to por P la tã o 30. P la tã o pensa que a u n id a d e se rá a tin g id a se hum ana. g) P la tã o v is a u m a u n if ic a ç ã o e x c e s s iv a . N ã o d e v e ' s e r a s s im . 'D e v e s e r
to d o s os hom ens d iz e m « m e u » o u « n ã o m e u » a r e s p e ito d a s m e s m a s c o is a s . M as, . a n te s p e la educação que o e s ta d o se deve to r n a r num a c o m u n id a d e . 11) P la tã o
a f ir m a A r is tó te le s , e m b o ra um a c r ia n ç a , n o e s ta d o p la tó n ic o , s e ja u m a c r ia n ç a p a re c e e n c a ra r a a p lic a ç ã o do c o m u n is m o apenas aos g u a r d iõ e s . Por que não
de to d o s , n o s e n tid o em que é a d o p ta d a por to d o s o s g u a r d iõ e s de um a c e r ta te v e a c o r a g e m das suas c o n v ic ç õ e s e não a s a p lic o u ta m b é m a o s a g r ic u lto r e s ?
id a d e , não o é d e to d o s no s e n tid o em que o é de cada um . N enhum hom em 11N ão possui v a lid a d e o f a c to d e p r iv a r o s g u a r d iõ e s d a f e lic id a d e e d iz e r q u e is to
p o s s u ir ia os m esm os s e n tim e n to s nem os m esm os c a r in h o s p a ra com essa b a s ta p a ra f a z e r o e s ta d o f e liz . A f e lic id a d e apenas pode s e r s e n tid á p e lo s in d iv í-
c r ia n ç a com o os m a n if e s ta d o s a r e s p e ito de um a c r ia n ç a que fo sse v e r d a d e i- duos. Por to d a s e s ta s r a z õ e s , A r is tó te le s d e f e n d e a p r im e ir a d a s tr ê s a lte r n a tiv a s :
r a m e n te sua. O que d iz r e s p e ito a to d o s não d iz r e s p e ito a n in g u é m . C ada a p r o p r ie d a d e p r iv a d a e o uso com um c o n tr a a s o u tr a s duas. Podem os ilu s tr a r o
c id a d ã o p o s s u ir ia m il f ilh o s e cada f ilh o m il p a is . N e s ta s c ir c u n s tâ n c ia s , apenas s e u p e n s a m e n to d iz e n d o que, por e s ta e s p é c ie d e c o m b in a ç ã o , o s r ic o s c o n c e d e -
p o d e r ia nascer um a a m iz a d e um pouco d ilu íd a e n tr e e le s . C o m o se rá m e lh o r , r ia m ao p ú b lic o o m a is liv r e a c e s s o à s s u a s 'g a le r ia s d e a r te , a o s s e u s p a r q u e s e às
n e s ta s c o n d iç õ e s , ser um v e r d a d e ir o p r im o que um f ilh o p la tó n ic o ! suas c h a rn e c a s. Na m e d id a em que o s o c ia lis m o e q u iv a le a um a m e lh o r o r g a n i-
O a r g u m e n to d e A r is tó te le s a f ir m a q u e a in te n s id a d e d a a fe c ç ã o apenas se zação dos c a rg o s p e lo e s ta d o , A r is tó te le s e s ta r ia em s im p a tia com e le , p o is
pode o b te r por um s a c r if íc io d a e x te n s ã o . A in tr o d u ç ã o , p o r p a r te d e P la tã o , da possui um p o n to de v is ta m a is p o s itiv o a c e rc a das fu n ç õ e s do e s ta d o qu~ o
c re c h e e do o r f a n a to , não p a ra s u b s titu ir o s p a is quando e s te s m o rre ra m ou a p r e s e n ta d o p e la e s c o la in d iv id u a lis ta do laissez jaire. No e n ta n to , na m e d id a
e s tã o in a p to s a a s s u m ir as suas r e ! ! p o n s a b ilid a d e s , m a s p a ra s e s u b s titu ir a e le s em que o ' s o c ia lis m o p r e te n d e p r iv a r o c a rg o in d iv id u a l d o s e u f r u to le g ítim o , a o
em to d o s os casos, não p a re c e p r o d u z ir a a fe c ç ã o por s i d e s e ja d a . A fé d e p r e te n d e r c r ia r um a ig u a ld a d e d e p o s s e s , a q u a l te n d e r á c o n s ta n te m e n te a d e rru -
A r is tó te le s n a s in s titu iç õ e s e x is te n te s , a sua re c u sa d e d e ix a r cegar os seus usos b a r a d e s ig u a ld a d e n a tu r a l d e c a p a c id a d e e d e c a rg o , A r is tó te le s a ssu m e -se c o m o
p e lo s seus abusos, ju s tif ic a - s e a q u i. É a ju s to títu lo .q u e H egel a f ir m o u que um in d iv id u a lis ta , e n in g u é m e x p r im iu m e lh o r do que e le o s e n s o com um do
P la tã o , e m c o m p a ra ç ã o com A r is tó te le s , n ã o é « s u f ic ie n te m e n te id e a lis ta » '- s e o in d iv id u a lis m o . D evem os n o ta r o f a c to de não te r e n f a tiz a d o o a r g u m e n to
id e a lis m o r e p r e s e n ta o poder d e v e r o s e le 'm e n to s id e a is n o r e a l, d e p r e f e r ê n c ia à 'e c o n ó m ic o , f u n d a m e n ta l no in d iv id u a lis m o . E s te a r g u m e n to a f ir m a que os
d e s tr u iç ã o desse re a l na e sp e ra n ç a d e s e e n c o n tr a r o id e a l em q u a lq u e r o u tr a hom ens tr a b a lh a m m a is s e o s f r u to s d o s e u tr a b a lh o fo re m d ir e c ta m e n te c o lh i-
. p a r te . dos por e le s e p e lo s s e u s f ilh o s , d o q u e se fo re m e n tr e g u e s a um fu n d o com um .
A r e s p e ito da p r o p r ie d a d e 31, A r is tó te le s d is tin g u e tr ê s v a r ia ç õ e s p o s s ív e is A r is tó te le s já condenou a a c u m u la ç ã o d e r iq u e z a s p a ra a lé m d a s n e c e s s á r ia s a~s
da p r á tic a e x is te n te : p r o p ó s ito s d a v id a , e d a b o a v id a . O s s e u s c id a d ã o s n ã o d e v e r t] . f e c h a r - s e e x c lu s I -
v a m e n te num c e r to tr a b a lh o , nem u s u f r u ir lu c r o s d o s s e u s s e r v iç o s p ú b lic o s . No
fu n d o , o seu a r g u m e n to e s s e n c ia l é que a p r o p r ie d a d e , com o a f a m ília , c o n s is te
num a e x te n s ã o n a tu r a l e n o rm a l d a p e r s o n a lid a d e , num a f o n te d e p ra z e r e n u m a
o p o r tu n id a d e de se e x e rc e r um a boa a c tiv id a d e . O e s ta b e le c im e n to da com u-
29 lI, 2 -4 . nhão das r iq u e z a s c o n s titu i um a m e d id a le g is la tiv a d e s tin a d a , em p r in c íp io , a
30 lI, 3 .
s u p r im ir o e g o ís m o , m a s a s .f o n t~ s d o e g o ís m o s ã o p r o f u n d 'a s d e m a is p a r a pode- ,
31 lI, 5.
251
250
ARISTÓTELES
• POLíTICA
rem ser removidas pela legislação. Fundamentam-se na perversidade dos homens.
E a cura para elas, como Platão havia já realmente pensado, reside na educação, r estados, tais como Esparta e Creta, são apenas os detentores de certos cargos
no «espírito da constituição» 32, a qual poderá conduzir as pessoas a utilizar as • determinados e não todos os cidadãos, que legislam e julgam 35.
suas riquezas generosamente, bem como a submeterem-se livremente ao uso IA conce~ção aristotélica de cidadão difere gran.deme~te da con~epção
comum daquilo que possuem individualmente. mdderna, pois tem em vista, 2!.ão um g~.!epresentatl,::,o, . mas SIm ~m
Num último capítulo 33, Aristóteles examina os planos elaborados tendo governo directo. O seu cidadão não tem somente a sua palavra a dizer a respeito
em vista a igualação da propriedade. Pensa que o crescimento da população '(i~~olha d~eus legisladores. De facto, cada cidadão deve realmente go~e~-
tende constantemente a perturbar qualquer igual ação da propriedade possível nar na sua vez e não meramente no sentido de ser um membro do executivo,
. de ser estabelecida. Não são as possessões, mas os desejos da humanidade, que mas no sentido' bem mais importante para Aristóteles, de ajudar na elaboração
precisam de ser igualados; não são senão os pequenos crimes, causados pelas das .leis do se~. estado, isto porque ao executivo apenas compete a f~nção,
necessidades, que podem ser remediados por tais propósitos; a riqueza dos c~~p;~~t~menteInã:is pequena, de completar as leis quando estas são inade-
cidadãos deveria ser determinada por uma consideração, não apenas do bem- quadas devido à sua generalidade 36. t..
com bªse_lle.S.la..£9J!~Qç)!Q.~e~ada_:?º-sl
-estar da comunidade, mas também pela necessidade de estar apta a repelir os deveres ..d .o.cidadã.Q..q.ue..Aris tótel~~ re~t!"~~g<:..~str.i.!~I!!~~_º
,c.QrllO
..d.üS.99.a..Qa..º.!':.
ataques de um inimigo. A conclusão de .tudo o que precede é a seguinte: «é Õcã'~ponês ou o lavrador, que podem ser pensados como capazes de escolher os
melhor orientar a espécie mais nobre de naturezas a não desejarem mais, impe- seus representantes, são naturalmente julgados .. incapazes .de g?vernar r~al-
dindo as inferiores de obterem mais». mente 37. No entanto, nisto, Aristóteles não sacnflca apenas o efeito educativo
dos privilégios políticos sobre aqueles que, inicialmente, são po~co quali~c~dos
para exercê-los, como, ao deixar a grande massa da populaçao sem direitos,
o ESTADO E O CIDADÃO coloca em perigo a estabilidade do estado./'
A qualidade dos cidadãos na cidade-estado, não só exclui um largo número
No livro IH, penetramos na parte central, e mais fundamental, da Política. da população da cidade como, i1evido a implicar ~ qual.id~de de n:em~ro da
O primeiro problema proposto é a pergunta: «o que é o estado?». Para Aristóte- eclésia e dos jurados, não pode estender-se nem as colo mas nem as cI~ad~s
les, este problema possui um grande interesse prático. Surge das tentativas, por subordinadas. Este ponto de vista não é mais que a concepção feudal de fidelI-
parte de um governo novo, de rejeitar a responsabilidade pelos actos de um dade à pessoa do soberano, a qual permitiu aos estados modernos «ligar não só
governo deposto, sob pretexto de eles não terem sido actos realizados pelo as populações conquistadas aos seus conquistadores, como também os colonos
estado. Uma vez que um estado é composto de cidadãos, Aristóteles começa por distantes à sua mãe-pátria» 38.
perguntar quem e o que é um cidadão. 'I) O facto de residir num determinado Estando agora o «cidadão» definido, podemos definir o estado como um
lugar não basta para caracterizar um cidadão, pois também os residentes estran- corpo de cidadãos, suficiente para os propósitos da vida. Aristóteles regressa 39
geiros e os escravos residem no mesmo lugar. 2) O direito de processar JudIClar::: ao seu problema original: o que constitui ou não u~ acto. de ~stado? Esta
IÍlente e de ser processado não caracteriza um cidadão, pois este direito pode ser pe~gunta conduz-nos ao problema de saber em qu~ consiste a IdentIdad: de um
assegurado, por tratado, aos residentes estrangeiros. Tais pessoas são apenas estado. Será uma identidade de lugar e de habitantes? Claro que nao. Um
cidadãos num certo sentido, tal como o são aqueles que são muito jovens ou composto muda sempre que a lei da sua composiçã,o se al~era. O :stilo dórico e
~elhos para serem propriatp.ente cidadãos. 3) O fact~esce-nder'de frígio contêm os mesmos sons, mas não são'o mes~o. ~stIlo. De Igual ~~d~, a
cidadãosnãõ é o que caracteriza um cidadão, pois o que dizer dos primeiros sitnilitude do estado reside,. principalmente, na slmlhtude das conStItUlçoes.
cidadãos de linhagem? 34 ~ caractt:!"ll>Jica.-do_ciQó:l9.Ji<'>.12!9.pxiam.<:nte_
dito re~~_. Contudo, isto não prejudica0 problema inÍcialde saber se um novo governo
na cOf.I}Participação da adminlsti--áção da justiça e no s~.L~m.1;>J.Q.
da ass~i!i~J~~ deve saÚsfazer as obrigações do velho.
__ •• ,- .•.•
_ .,r_'_¥'~","'_' .• .._ ,.•••..• o, ••• ',._ .. _.,. ..••
. .....--- _

goverp.a~1..y-::a::.
M as, quando uma espécie de um género pode ser disposta por uma Um novo ponto de vista acerca do cidadão é agora trazido a lume. 40 •
ordem de mérito, como o podem ser os tipos de constituição, não têm grande A excelência de todos os cidadãos não é; obviamente, sempre a mesma,. uma vez
. coisa em comum. Por isso,:p::-significadO de «cidadão» ~i~3C?rdQS~
forma de governo.
~~-'--=:: __ • A defimçao dada adapta-se melhor a democracIa. Noutros
35 III, 1.
36 III, 16.
32 1337 a 14. 37 lU, 5.
33 lI, 7. 38 E. Qaker, Politica/ Theory of P/ala and Arislot/e, 299.
34 1275 b 21-34. 39 lU, 3.
40 lU,' 4:

252
253
POLÍTICA
ARISTÓTELES

qu~ tê.m papeis diferentes a desem penhar no estado. N o entanto, assentam num para não possuir direito a voto. 2) Segundo A ristóteles, o trabalho m anual
o.bJectIvo com um : a salvaguarda do .estado. E não devem os supor que a hum ilha realm ente a alm a, tornando-a inapta à prática de um a virtude esclare-
virtude do legislador e a de um a sim ples pessoa são tão diferentes que o prim eiro cida. Tam bém aqui o seu juízo é bastante geral/
n~~ ~ecessita de possuir as virtudes do segundo. A oposição entre o saber C om o Platão adm ite a cidadania ao trabalhador m anual, enquanto A ristóteles a
dIrIgir e. o obedece~ existe no caso dos cargos servis. O senhor não precisa exclui. M as, de facto, existe um a pequena diferença, pois Platão não lhe atribui
de possU Ir o conhecim ento de com o estes são executados. C ontudo, o conheci- nenhum a outra função que não seja a de obedecer, enquanto A ristóteles, com o
m ento do m odo com o um hom em livre deve com andar outros hom ens livres não vê nele a capacidade de exercer um a outra função m ais elevada, recusa-se a
apenas pode ser obtido m ediante a obediência de um hom em livre a outro tal adm itir-lhe a cidadania. N o estado de Platão, o trabalhador m anual é, precisa-
com o o com ando m ilitar apenas pode ser aprendido através da obediê~c' m ente, aquilo que A ristóteles designa, não de um a parte do estado, m as de um
m ilitar. !"
sabedoria directiva é apenas peculiar ao legislador. Todas as su~~ m eio para a sua existência. D ificilm ente podem os duvidar do facto de A ristóte-
les ter aplicado aqui, com o o fez frequentem ente noutras passagens, a sua fór-
outras V irtudes devem ser pertença do sim ples sujeito com o tal.
m ula favorita do fim e dos m eios. D e facto, a sociedade não pode cindir-se em
N esta relação, existem duas questões m uito próxim as um a da outra
duas partes, em que um a serve sim plesm ente de m eio ao bem -estar da outra.
quais
_ são fáceis
. . de confundir, a saber: Q ual é a essência da cidadania? E q~ ais
~s
C ada ser hum ano é susceptível de viver um a vida digna de si próprio, sendo
sao os ~equlsltos necessários para se possuir essa qualidade? Já se respondeu a
tarefa do estado assegurar os direitos do m ais hum ilde tanto quanto dos seus
esta últl~a questã~ quando dissem os que «um . cidadão é aquele cujo pai e m ãe
m em bros m ais instruídos. A s teorias puram ente igualitárias acerca do estado
fo~am C idadãos». E a prim eira que interessa m ais a A ristóteles. M as a verda-
vão bastante longe neste sentido. Tendem a ignorar as diferenças de capacidade,
d.elra resposta à últim a segue-se da verdadeira resposta à prim eira. Se ser um
as quais, de facto, fazem alguns hom ens m ais capazes de viver a «boa vida» do
cldad~o consiste em cum prir certas funções, o único título necessário para se
que outros, e a teoria de A ristóteles possui o m érito de nos recordar que essas
possU Ir essa qualidade reside na capacidade para as cum prir. A o responder à
desigualdades existem . M as nenhum a sim ples divisão da população em partes
pe~gu~ta «~ q~e.é ser um cidadão?», A ristóteles fundam enta-se, em parte, no seu
do estado e sim ples condições da sua existência dão justiça à gradação com plexa
propno raC IO C InIOe, em parte, no uso corrente da palavra. U m cidadão deve ser
da capacidade, ou do poder da virtude - enfatizado algures por A ristóteles -
um m em bro da cidade-estado, não um m ero aderente nem um seu m ero m eio de
de «brilhar através» 42 das circunstâncias desfavoráveis.
existência. Então, quais são as funções m ínim as de um m em bro? O estatuto
legal, o direito de processar judicialm ente e de ser processado não bastam . A qui,
apela ao uso corrente. Estes direitos estendem -se a um grande núm ero de indiví- A C LA SSIFIC A Ç Ã O DAS C O N STITU IÇ Õ ES
duos que não são considerados cidadãos. N a sua selecção das funções constituti-
~as do cidadão, A ristóteles segue a prática ateniense do seu tem po: ser um D as considerações sobre a cidadania, A ristóteles passa à classificação das
Jurado e um m em bro da assem bleia, são estas as funções m ínim as. A . prim eira constituições 43. U m a constituição é definida com o a com binação das m agistra-
parece ser um tanto acidental à noção de cidadão. Existem talvez m odos de turas num estado e, especialm ente, dos cargos m ais elevados. A natureza da /
governo nos quais não existe qualquer sistem a de jurados e onde a cidadania se constituição depende do assento da.autoridade. O estado deve a sua form ação a
encontra largam ente difundida. D e novo, o facto de se ser m em bro da assem - hom ens que se encontram reunidos pelos seus interesses com uns. O caso é
bleia soberana não constitui um a parte necessária qa cidadania: A ristóteles falha diferente do da as.sociação entre senhor e escravo, onde são apenas os interesses
ao não prever as possibilidades do. góve~no representativo. É no facto de se do senhor que são considerados essenciais~ enquanto os do escr:ivo só o são na
possuir um a voz na escolha dos m em bros da assem bleia que devem os tentar m edida em que, se o escravo dim inui no seu valor, o senhor tam bém . sofre; Por
encoftrar a prerrogativa m ínim a da cidadania. tudo IStO , só os governos que visam o interesse com um constituem os verdadei-
I Podem os ficar surpreendidos por A ristóteles excluir da cidadania a classe ros governos. O s que apenas olham para os interesses dos dirigentes constituem
dos artesãos. A razão que m otiva esta exclusão assenta no facto de «a vida de um form as transviadas. A ssim , o m otivo do governo fornece-nos a divisão funda-
cida~ão ser in~o.~patível com a prática da virtude» 41. Existem duas razões para m entai entre. governos. No interior de cada um :adestas duas espécies pode-
esta incom patibilIdade: I) a prim eira assenta na falta de tem po. Este argum ento m os. iér governos exercidos por um , por .poucos ou por m uitos 44. A ssim ,
perde a sua força com a invenção do governo representativo. O artesão pode não obtem os:
ter tem po para se sentar na assem bleia soberana, m as isto não constitui razão
42 E.N., 1100 b 30 ..
. 43 I1I, 6-9.
41 1278 a 20: 44 III, 7.

254 255
A R IS T Ó T E L E S P O L ÍT IC A

C o n s titu iç õ e s c o r r e c ta s F orm as d e s v ia d a s educação, e os de um a d e m o c ra c ia p e lo seu n a s c im e n to in fe rio r, p o b re z a e

T ira n ia . e m p re g o m o d e s to 51.
M o n a rq u ia .
E x is te o u tro m e io d e e s ta b e le c e r a d ife re n ç a e n tre a s v á ria s c o n s titu iç õ e s .
A ris to c ra c ia . O lig a rq u ia .
P o d e is p e rg u n ta r q u a l é o p rin c íp io n o rte a d o r d a a trib u iç ã o d e c a rg o s . A re s -
« R e p ú b lic a » 45. D e m o c ra c ia .
':1, p o s ta a re s p e ito d a o lig a rq u ia s e ria : a « riq u e z a » . C om e fe ito , é a riq u e z a que é
v is ta com o a c o is a m a is im p o rta n te n u m e s ta d o o lig á rq u ic o , e , n a tu ra lm e n te , é
N ~ 'e s s e n c " a (e s ta c la s s ific a ç ã o é e x tra íd a d a q u e s e e n c o n tra n o P o lític o d e
com b a s e n a c o n trib u iç ã o dos hom ens p a ra a riq u e z a d o p a ís q u e a s o lig a rq u ia s
P la tã o 46, m a s o p rin c íp io d e d iv is ã o é d ife re n te d o d e P la tã o . A s c o n s titu iç õ e s
a trib u e m o s c a rg o s . N o e n ta n to , n ã o é n a p o b re z a q u e a d e m o c ra c ia s e b a s e ia
s ã o d is ~ in ~ u id a s d ~ .a c o rd o c o ~ ? s e ~ re s p e ito o u d e s re s p e ito à le i (u m a d is tin ç ã o
p a ra a a trib u iç ã o d o s c a rg o s . E la s a trib u e m -n o s com base n o e s ta tu to liv re ,
q u ~ A n s to t~ le s u tih z a p a ra d ls tm .g U lr .a s s u b e s p é c ie s d a d e m o c ra c ia e d a o lig a r-
ig u a l p a ra to d o s os hom ens liv re s . D e novo, o p rin c íp io e m q u e s e b a s e ia a
q U ia e n tre S I). P o r o u tro la d o , n o m te n o r d e c a d a u m d o s d o is g ru p o s p rin c ip a is
a trib u iç ã o do poder n a s m o n a rq u ia s e n a s a ris to c ra c ia s não re s id e n o c a rá c te r
P la tã o d is tin g u e a s trê s e s p é c ie s segundo o n ú m e ro d o s le g is la d o re s , e n q u a n t~
ú n ic o do m o n a rc a ou do pequeno n ú m e ro de le g is la d o re s , m as na v irtu d e
A ris tó te le s p re fe re u m a d is tin ç ã o q u a lita tiv a . C o m e fe ito , s u rg e u m a d ific u ld a d e
s u p re m a d o m o n a rc a o u n a v irtu d e re la tiv a d a c la s s e d irig e n te . S im ila rm e n te , a
quando se a d o p ta um a d is tin ç ã o p u ra m e n te n u m é ric a 47. O g o v e rn o que
« re p ú b lic a » a trib u i o s c a rg o s c o m b a s e n o d u p lo p rin c íp io d e riq u e z a e n ú m e ro
g o v e rn a com base num a m a io ria r ic a não c o n s titu i um a d e m o c ra c ia , nem
ou, com o A ris tó te le s d iz p o r vezes, com base num tip o m o d e s to d e v irtu d e ,
a q u e le q u e g o v e rn a p o r u m a m in o ria poóre u m a o lig a rq u ia . M a s s e in c lu irm o s o
a q u e le d e u m c id a d ã o -s o ld a d o , e n q u a n to o poder d o tira n o s e b a s e ia n a fo rç a e
g ra u d e riq u e z a ta n to q u a n to o n ú m e ro re la tiv o d o c o rp o g o v e rn a n te na nossa
d e fin iç ã o , e d e fin irm o s a o lig a rq u ia com o o g o v e rn o por um a m in o ria ric a e a na fra u d e .
N o u tra passagem 52. s u rg e um a a n á lis e d ife re n te d o e s ta d o . S e e n u m e rá s -
d e m o c ra c ia com o o g o v e rn o p o r u m a m a io ria p o b re , d e ix a m o s d e la d o d u a s d a s
sem os a s e s p é c ie s d e a n im a is , p o d e ría m o s d e te rm in a r p rim e iro o s ó rg ã o s neces-
q u a tro c o m b in a ç õ e s p o s s ív e is . R e a lm e n te , o s n ú m e ro s s ã o irre le v a n te s . A o li-
s á rio s à v id a a n im a l e a s s u a s v á ria s fo rm a s . A s c o m b in a ç õ e s p o s s ív e is d e s te s
g a rq u ia c o n s is te , e s s e n c ia lm e n te , no g o v e rn o p e lo s ric o s , e a d e m o c ra c ia no
s e ria m ta n ta s q u a n to a v a rie d a d e d a s e s p é c ie s d e a n im a is . O s ó rg ã o s d o e s ta d o
g o v e rn o p e lo s p o b re s . Segundo .e s te p o n to d e v is ta , a « re p ú b lic a » * c o n s is te
s ã o : a c la s s e d e a g ric u lto re s , a c la s s e a rte s a n a l, a c la s s e c o m e rc ia n te , o s s e rv o s ,
e s s e n c ia lm e n te , n o g o v e rn o p e la c la s s e m é d ia 48. U m a d iv is ã o d a p o p u la ç ã o e~
o s g u e rre iro s , o s ju íz e s , a c la s s e q u e re a liz a a s d e s c a rg a s p ú b lic a s c o s te ira s , a
ric o s ou n o tá v e is e p o b re s ou dem os, com a a d iç ã o , por vezes, de um a c la s s e
c la s s e o fic ia l e o c o rp o d e lib e ra tiv o 53. A e s ta a n á lis e fu n c io n a l do e s ta d o
m é d ia , c o n s titu i, na sua m a io r p a rte , o fu n d a m e n to s o b re o qual re p o u s a a
c o rre s p o n t:ie ria a c la s s ific a ç ã o d a s c o n s titU iç õ e s . N o e n ta n to , um a pessoa pode
c la s s ific a ç ã o de A ris tó te le s 49.
desem penhar m a is d e u m a d e s ta s fu n ç õ e s , e n q u a n to nenhum a p o d e s e r, s im u lta -
N o e n ta n to , a lg u re s 50, c o m b in a n d o o s d o is p rin c íp io s , A ris tó te le s d e fin e a
n e a m e n te , ric a e p o b re . D aqui re s u lta o p o n to d e v is ta c o m u m q u e c la s s ific a a s
d e m o c ra c ia com o o g o v e rn o por p a rte de um a m a io ria p o b re e a o lig a rq u ia
c o n s titu iç õ e s e m d e m o c ra c ia e o lig a rq u ia . E s te tra ta m e n to fu n c io n a l d o e s ta d o
com o o g o v e rn o p o r p a rte d e u m a m in o ria ric a . C o n tu d o , is to e n c o n tra -s e num a
p o d e ria te r c o n d u z id o e fe c tiv a m e n te a u m a . c la s s ific a ç ã o m a is v á lid a d o q u e a
p a rte d o s e u tra b a lh o n a q u a l e n fa tiz 'a a s d is tin ç õ e s p o s s ív e is d e s e re m e n c o n tra -
aqui o fe re c id a por A ris tó te le s . M as, apesar d e re a p a re c e r o c a s io n a lm e n te na
das no in te rio r dos tip o s fu n d a m e n ta is d e c o n s titu iç ã o , e devem os supor qúe'
P o lític a 54, não fo i le v a d a ao m á x im o das suas c o n s e q u ê n c ia s .
s o m e n te a d e m o c ra c ia e a o lig a rq u ia d o tip o m a is e s trito devem s a tis fa z e r e s ta
A adopção d e s ta v a rie d a d e de p o n to s de v is ta to rn a d ifíc il s e g u ir a
d u p la c o n d iç ã o . N o u tra passagem , o s le g is la d o re s dum a o lig a rq u ia s ã o c a ra c te -
c la s s ific a ç ã o d a s c o n s titu iç õ e s p ro p o s ta p o r A ris tó te le s . C o n tu d o , d e fa c to , n ã o
riz a d o s , de um m odo m a is e x a c to . p e lo seu bom n a s c im e n to , p e la riq u e z a e
conduz a g ra v e s c o n tra d iç õ e s ; e ' s e rv e ' p a ra to rn a r m à is 'c o n c re ta a sua noção
a c e rc a d a s v á ria s c o n s titu iç õ e s d o q u e s e tiv e s s e a d o p ta d o u m ú n ic o p rin c íp io dé
d iv is ã o . D evem os re te r n o e s p írito a s u a p ró p ria p re c a u ç ã o c o n tra a c la s s ific a -
ção d e e s p é c ie s re a is , s e g u n d o u m a q u a lq u e r e s p é c ie ú n ic a d e d iv is ã o 55. Q uer o
4 5 A ris tó te le ~ d ~ ~ e s ta c o n s titu iç ã o , à fa lta de um te rm o p ró p rio p a ra a d e s ig n a r, o nom e de
s e .u p rin c íp io fu n d a m e n ta l d e d iv is ã o , .q u e r o s s e u s p rin c íp io s d e s u b d iv is ã o são
1 tO )" L 1 :E L a . .« c o n s tltU lç a o » . Na E.N., 1 1 6 0 a 3 6 , c h a m a -lh e < < lim o c ra c ia » , a c o n s titu iç ã o baseada so-
b re a q u a h fic a ç ã o da p ro p rie d a d e . .
46 297 c - 303 b.
47 III, 8. 51 1317 b 38 .
• No o rig in a l polity. C f. n. 45. (N.d. T.) 52 1290 b 22 - 1291 b 13.
48 IV , 11. 53 1328 b 2 segs. a c re s c e n ta a c la s s e s a c e rd o ta l.
4 9 1 2 9 1 'b 1 5 s e g s ., 1295 b 1 e s e g s ., 1302 b 40- 1303 a 13, 1304 a 38 - b 4. 54 1297 b 39, 1316 b 3 9 s e g s ., 1328 a 21 segs.
50 1290 a 30 - b 20. 55 P.A~, I, I.

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ARISTÓTELES POLÍTICA

a in d a h o je v u lg a r m e n te u tiliz a d o s p a ra d is tin g u ir o s v á r io s tip o s d e c o n s titu i- N enhum id e a l de e s ta d o , m a is e le v a d o ou m a is p O S I tiV O , f o i tã o bem


ções. O p r im e ir o re sp o n d e à nossa d is tin ç ã o e n tr e g o v e rn o c o n s titu c io n a l e e x p re sso com o e s te . Podem os re c o n h e c e r a sua s u p e r io r id a d e a r e s p e ito do
g o v e rn o d e s p ó tic o . E a in d a h o je s e d is tin g u e , m a is d o q u e A r is tó te le s o f e z , e n tr e ' « n iilis m o a d m in is tr a tiv o » de que f a la H u x le y , do « e s ta d o - p o líc ia » , de a c o rd o
m o n a r q u ia , a r is to c r a c ia , o lig a r q u ia e d e m o c r a c ia . M a s ta m b é m o u tr a s lin h a s de com o qual o e s ta d o apenas pode in te r f e r ir com a lib e r d a d e do in d iv íd u o
d e m a rc a ç ã o e n tr e g o v e rn o s s e to r n a r a m ig u a lm e n te im p o r ta n te s : por e x e m p lo , quando o in d iv íd u o se p ro p õ e in te r f e r ir com a lib e r d a d e d o s o u tr o s . M as pode-
e n tr e g o v e rn o s d ir e c to s e g o v e rn o s r e p r e s e n ta tiv o s e n tr e e s ta d o s u n itá r io s , fe d e - m os p e r g u n ta r s e A r is tó te le s n ã o f o i m u ito lo n g e r e la tiv a m e n te à e x tr e m a o p o s i-
ra ç õ e s e im p é r io s , e n tr e g o v e rn o s c e n tr a liz a d o s e g o v e rn o s d e s c e n tr a liz a d o s , ção d a « r e g im e n ta ç ã o » . N ã o a c r e d ita que os hom ens podem s e r m o r a is p e la a c ç ã o
e n tr e c o n s titu iç õ e s e s c r ita s e c o n s titu iç õ e s não e s c r ita s , e n tr e c o n s titu iç õ e s f le x í- do p a r la m e n to . M as a c r e d ita q u e o e s ta d o , ao f ix a r re c o m p e n sa s e p e n a lid a d e s
v e is e c o n s titu iç õ e s in f le x ív e is . T am bém não é f á c il d iz e r , de um g o v e rn o p a ra c e r to s tip o s d e a c to s , p o d e p r o d u z ir u m h á b ito d e f a z e r o b e m e d e s e a b s te r
r e p r e s e n ta tiv o ou de um d ir e c to , se é m o n á r q u ic o , a r is to c r á tic o ou dem o- , do m a l. I s to n ã o é m o r a lid a d e , m a s c o n s id e r a ser um a c o n d iç ã o p r é v ia d a m o r a li-
c r á tic o . dade, à q u a l a m o r a lid a d e te n d e a s e g u ir - s e . A e x p e r iê n c ia c o n f ir m a , p o r c e r to , o
N um dos m e lh o r e s c a p ítu lo s da Política 56, A r is tó te le s m o s tr a q u e .a s seu p o n to d e v is ta .
r e iv in d ic a ç õ e s dos a r is to c r a ta s , dos o lig a r c a s e dos d e m o c r a ta s re p o u sa m em O r e s to d o liv r o 1 1 1 c o n s is te num lo n g o d e b a te a c e rc a dos m é to d o s das /
a p lic a ç õ e s d if e r e n te s do c o n c e ito d e ju s tiç a . Todos e s tã o d e a c o rd o q u a n to ao v á r ia s c o n s titu iç õ e s c o r r e c ta s , d is c u s s ã o e s ta im p a r c ia l te n d o em v is ta d e te r m i-
f a c to d e a ju s tiç a ser a ig u a ld a d e e n tr e ig u a is e a d e s ig u a ld a d e e n tr e d e s ig u a is . nar qual d e la s é a id e a l. A r e s p o s ta d e A r is tó te le s a e s te p r o b le m a é f o r n e c id a
O p r o b le m a r e s id e em saber o q u e c o n s titu i o s ig u a is e o s d e s ig u a is . A q u e le s que m a is d is tin ta m e n te nos ú ltim o s d o is c a p ítu lo s . Ao m esm o te m p o , re c o rre fre -
são s u p e r io r e s em r iq u e z a ju lg a m - s e s u p e r io r e s em tu d o , e r e c la m a m que a sua q u e n te m e n te a o u tr a q u e s tã o , a sa b e r, se são os hom ens o u a le i q u e d e v e m ser
p a r te no e s ta d o deve ser p r o p o r c io n a l às suas r iq u e z a s . A q u e le s que são ig u a is c o n s id e r a d o s su p re m o s.
aos o u tr o s em te r m o s de e s ta tu to liv r e ju lg a m - s e ig u a is a r e s p e ito de tu d o , e P r im e ir a m e n te , o b a la n ç o p a re c e te n d e r p a ra o g o v e rn o e x e r c id o por m u i-
r e c la m a m que to d o s os hom ens liv r e s devem p o s s u ir ig u a is d ir e ito s p o lític o s . to s . São dadas q u a tr o ra z õ e s em a p o io de um c e r to v a lo r das p r e te n s õ e s , de
É daqui que nasce a o lig a r q u ia e a d e m o c r a c ia . N o e n ta n to , o e s ta d o não e x is te , m u ito s , em te r m o s de g o v e rn a ç ã o . I) M u ita s das pessoas v u lg a r e s podem ser
nem em v is ta s de um a a lia n ç a d e s tin a d a a s a lv a g u a r d a r cada c id a d ã o c o n tr a a m e lh o r e s c o le c tiv a m e n te do que um n ú m e ro pequeno de boas. A r is tó te le s f a la
in ju s tiç a ( n e s te caso, cada hom em s e r ia c o n s id e r a d o com o um , e nada m a is q u e com o se a s a b e d o r ia e a v ir tu d e pudessem ju n ta r - s e ; e ta m b é m a d m ite m u ito
u m ), nem em v is ta s da tr o c a de bens ( n e s te caso, a r iq u e z a d e s e m p e n h a r ia um f a c ilm e n te que n o u tr a s e sfe ra s, por e x e m p lo , quando s e tr a ta d e ju lg a r a m ú s ic a
papel no p o d e r). Se a r iq u e z a fo sse o o b je c tiv o do e s ta d o , d o is e s ta d o s que e a p o e s ia , a o p in iã o d e m u ito s é p r e f e r ív e l à de poucos. N o e n ta n to , n o d o m ín io
tiv e s s e m a c o rd o s c o m e r c ia is d e v e r ia m ser um s ó e s ta d o . Um e s ta d o ú n ic o deve p r á tic o , e x is te m u ito de v e rd a d e no seu p o n to d e v is ta . M u ita s vezes acon~ece
te r m a g is tr a tu r a s com uns e o lh a r p e lo b e m - e s ta r d e to d o s o s se u s m e m b ro s. Sem que um esquem a c o n c e b id o por um a ou m a is p e s s o a s in te lig e n te s é e s ta b e le c id o .
o f im m o r a l, um e s ta d o tr a n s f o r m a - s e num a m e ra a lia n ç a , e a le i n u m a s im p le s M as quando o s im p le s bom senso de um n ú m e ro de pessoas v u lg a r e s o o b se rv a
convenção c o n s titu i um a g a r a n tia c o n tr a a in ju s tiç a , sem q u a lq u e r poder p o s i- a te n ta m e n te e n c o n tr a - lh e d e f e ito s não d e te c ta d o s p e lo s seus a u to r e s . O b se rv a -
tiv o p a ra fa z e r os hom ens bons. D o is e s ta d o s não c o n s titu e m um só, m esm o se . - s e m u ita s v~zes que um c o m ité é m a is s a g a z q u e o m a is s á b io d o s s e u s m e m b r o s .
são c o n tíg u o s e se os seus m e m b ro s possuem o d ir e ito de se c a sa re m e n tr e C o n tu d o A r is tó te le s não a d m ite a a p lic a b ilid a d e u n iv e r s a l do seu a r g u m e n to .
si ou de c o m e r c ia r . N ão é a sua d is tâ n c ia que d is tin g u e d o is e s ta d o s , O b se rv a 'q u e , em to d o o caso, c o n s titu i apenas um a r g u m e n to p a ra s e r v ir de
m as s im a n a tu r e z a lim ita d a d o s 'o b je c to s das suas r e la ç õ e s . Um e s ta d o con- a p ~ io a a lg u m a s fu n ç õ e s colectivas da' m u ltid ã o , não p a ra a tr ib u ir -fu n ç õ e s
s is te num a c o m u n id a d e de b e m - e s ta r , te n d o . por f im a s a lv a g u a r d a de um a e x e c u tiv a s a in d iv íd u o s da c la s s e m enos c u lta . 2 ). A p e r m a n e n te e x c lu s ã o da
v id a p e r f e ita e a u to - s u f ic ie n te . A c o m u n id a d e de lu g a r , a lib e r d a d e d e c o n tr a ir m u ltid ã o de to d a s as p a r tic ip a ç õ e s nas fu n ç õ e s p ú b lic a s é a lg o p e r ig o s o , p o is
c a s a m e n to . e n tr e s i, a s le is p a r a p r e v e n ir e m o c r im e e r e g u la r e m o c o m é r c io são p ro d u z um m a io r d e s c o n te n ta m e n to . 3) Em p a r tic u la r , m u ito há p a ra ?~er a
c o n d iç õ e s n e c e s s á r ia s de um e s ta d o , m as não b a s ta m p a ra a c o n s titu iç ã o de um . r e s p e ito d a a tr ib u iç ã o , às pessoas e~ g e r a l, ,d ~ p o d e r d ~ e s c o lh a ~ d e .r e e l~ lç a o o ~
'E n tã o , se o e s ta d o e x is te . e m v is ta de acções n o b re s, o poder não deve ir , n e m d e s titu iç ã o dos d ir ig e n te s . A r e s p e ito da u ltim a f u n ç a o ,. um le ig o m te lig e n te e
p a ra os hom ens liv r e s ; nem p a ra os b e m - n a s c id o s ; n e m . p a ra o s r ic o s , m as s im ig u a lm e n te 'c a p a z , com o o p e r ito , d e ju lg a r c o r r e c ta m e n te q u a lq u e r tip o d e a r te .
p a ra os bons. A q u e le s que in te r p r e ta m ' a ig u a ld a d e em te r m o s de um a q u a lq u e " r E, a r e s p e ito da p r im e ir a , a q u e le que u su fru i de um a casa é m e lh o r ju iz .d a
e s p é c ie de b e m " :e s ta r , « e s tã o a f a la r apenas de um a p a r te d e ju s tiç a » . e x c e lê n c ia dessa casa que o c o n s tr u to r , ta l c o m o o c o n v id a d o é m e lh o r ju iz de
um b a n q u e te que o c o z in h e ir o que o c o n f e c c io n o u . Um hom em não é um bom
ju iz do seu poder de g o v e rn a r O u da e x c e lê n c ia do g o v e rn o que e x e rc e . Os
56 III, 9 . le g is la d o r e s devem ser c o lo c a d o s nos seus c a rg o s, e ser d e m o v id o s d e le s , por

258 259
POLÍTICA
ARISTÓTELES

a q u e le s que b e n e fic ia m ou so fre m com a su a a u to rid a d e ~ p e lo s que u sa m u tiliz á -lo s de m odo im p ró p rio . M as o p ro b le m a fu n d a m e n ta l aqui d isc u tid o

sa p a to s e sa b e m onde e ste s o s m a g o a m 57. 4 ) O in d iv íd u o pode se r d o m in a d o ' c o n siste e m sa b e r se é u m re i o u a le i q u e d e v e m se r su p re m o s 62. P o r u m la d o ,

p e la p a ix ã o ; é im p ro v á v e l q u e u m a m u ltid ã o c e d a , n a su a to ta lid a d e e a o m e sm o ' podem os d iz e r q u e a le i, a q u a l é c o n stitu íd a p e la ra z ã o d e sa p a ix o n a d a , p o d e se r

te m p o , a e ssa p a ix ã o 58. A ristó te le s tra ta aqui a m u ltid ã o com o um a sim p le s su p re m a ; por o u tro , q u e a le i p o d e p o ssu ir a c o r e sta b e le c id a p e lo g o v e rn o

re u n iã o de in d iv íd u o s iso la d o s, e é so b re e sta h ip ó te se que a p lic a a s le is d a p o ssiv e lm e n te im p e rfe ito . P o d e -se a rg u m e n ta r q u e a le i, e m fa c e d a su a g e n e ra li-


p ro b a b ilid a d e . Ig n o ra o fa c to d e a m u ltid ã o e sta r a p ta a se r a rra sta d a p e la dade, n ã o c o n se g u e p re v e r to d o s o s c a so s p a rtic u la re s. M a s se ria a b su rd o , p a ra
p a ix ã o dos se u s m e m b ro s m a is e m o c io n á v e is. N o e n ta n to , a ú n ic a c o n c lu sã o a m e d ic in a com o p a ra q u a lq u e r o u tra c iê n c ia , p ro c e d e r m e d ia n te re g ra .s fix a s.
q u e a d m ite d iz re sp e ito a o fa c to d e u m n ú m e rb de hom ens ig u a lm e n te v irtu o so s T o d a v ia , onde a le i n ã o p o d e d e te rm in a r, se rá q u e o in d iv íd u o o p o d e fa z e r?
te re m m enos chances d e c o m e te r um e rro que um hom em d e v irtu d e ig u a l à s A a n a lo g ia com a m e d ic in a n ã o é c o n c lu siv a . U m m é d ic o n ã o te m m o tiv o s p a ra
su a s. não se e sfo rç a r ao m á x im o p e lo se u p a c ie n te , e n q u a n to os g o v e rn a n te s se
A p re se n ta -se um c a so no qual a s p re te n sõ e s da m u ltid ã o não p o d e rã o m ovem m u ita s v e z e s p e lo ó d io e p a rc ia lid a d e . D e n o v o , se a le i e sc rita p a re c e
e v id e n te m e n te , o b te r sa tisfa ç ã o 59. T ra ta -se do c a so , b a sta n te im p ro v á v e l, e~ m u ito i~ f1 e x ív e l,' p o d e m o s se m p re re c o rre r a o u tra e sp é c ie m a is im p o rta n te d e le i
que um hom em n u m e sta d o tra n sc e n d e , não apenas to d o s o s o u tro s in d iv id u a l- q u e a e sc rita , a sa b e r, a le i c o m u m . A c o n c lu sã o a p o n ta p a ra o fa c to d e a le i, n a
m e n te , m a s a to ta lid a d e d o s o u tro s e m e x c e lê n c ia . S e ria a b su rd o c o n stru ir le is m e d id a do p o ssív e l, dever se r se m p re se g u id a , bem com o de os in d iv íd u o s
p a ra um ta l hom em . O que o s e sta d o s d e m o c rá tic o s fa z e m d e ta is hom ens apenas se re m d e ix a d o s à su a in ic ia tiv a so m e n te n o s c a so s p a rtic u la re s -e m q u e a
sa b e n d o que os não podem a b so rv e r, é v o tá -lo s ao o stra c ism o . C o n tu d o , ~ le i é o m issa .
m e lh o r c o isa a fa z e r a se u re sp e ito se ria o b e d e c e r-lh e d e c o ra ç ã o a b e rto . Isto , a O p o n to d e v ista d e A ristó te le s so b re isto é u m ta n to p e c u lia r. D e onde
m o n a rq u ia do hom em p e rfe ito , re p re se n ta , p a ra A ristó te le s, a c o n stitu iç ã o p ro v é m a p ró p ria le i? D e v e te r sid o e sta b e le c id a por um g o v e rn o de um , de
id e a L N o e n ta n to , sa b e q u e ta is h o m e n s o u sã o ra ro s ou nunca se e n c o n tra m . poucos o u d e m u ito s, e re sse n te -se , n e c e ssa ria m e n te , d o s d e fe ito s d o s se u s a u to -
re s. N um c e rto se n tid o , a id e ia de A ristó te le s re sp o n d e , em p a rte , à n o ssa
d e sc o n fia n ç a m o d e rn a a re sp e ito d a a c ç ã o a d m in istra tiv a in c o n tro la d a , e x e rc id a
p o r p a rte d e u m o rg a n ism o le g isla tiv o . M a s irá a in d a m a is lo n g e q u e isto . A su a
d e sc o n fia n ç a e ste n d e -se m e sm o a re sp e ito d o s d e c re to s d a e c lé sia ~ ó e q u iv a -
A M O N A R Q U IA le n te á tic o m a is p ró x im o d o p a rla m e n to ~ , e p e n sa q u e A te n a s fo i le v a d a à
ru ín a por p re fe rir os d e c re to s às le is. N ão se c o n te n ta ria com um siste m a
Isto c o n d u z -n o s, n a tu ra lm e n te , a u m a d isc u ssã o m a is e x p líc ita d a m o n a r- d e b a ix o do qual o p a rla m e n to , n a su a a c tiv id a d e q u o tid ia n a , p u d e sse fa z e r a lg o
q u ia 60. A ristó te le s e n u m e ra c in c o tip o s d e m o n a rq u ia : o tip o e sp a rta n o (c o n - le g a l e ile g a l, m as p re fe riria u m siste m a e m q u e se e sta b e le c e sse m g a ra n tia s a
d u ta irre sp o n sá v e l e p e rp é tu a na g u e rra , c o n ju n ta m e n te com a su p e rv isã o re sp e ito das m udanças fu n d a m e n ta is na le i. P re te n d ia um a le i re la tiv a m e n te
re lig io sa ) e a m o n a rq u ia , a b so lu ta , a q u a l p o ssú i trê s fo rm a s in te rm é d ia s. O tip o p e rm a n e n te , e a s fu n ç õ e s d a le g isla tu ra d e v ia m -se c o n fin a r à su p le m e n ta ç ã o das
e sp a rta n o , ou m ín im o , 'n e c e ssita d e se r firm e m e n te c o n sid e ra d o . N ã o c o n stitu i le is, se n d o a s su a s a lte ra ç õ e s v ista s c o m o a lg o d e e x c e p c io n a l.
um a fo rm a in d e p e n d e n te d e c o n stitu iç ã o , p o is q u a lq u e r c o n stitu iç ã o p o d e ria A re la ç ã o d o re i c o m o s se u s sú b d ito s,' c o n c lu i A ristó te le s 63, não é n e c e s-
re c o n h e c e r um líd e r p e rp é tu o . P re c isa m o s apenas de c o n sid e ra r o tip o sa ria m e n te in a tu ra l, m a is d o q u e o é a d e u m se n h o r a re sp e ito d o se u e sc ra v o .
m á x im o 61. Os m é rito s da m o n a rq u ia sã o c o n sid e ra d o s p o r' re fe rê n c ia aos Tudo depende d e d u a s c o isa s: l)'d e o re i p ro c u ra r o b e n :1 -e sta r d o s se u s sú b d ito s',
a rg u m e n to s já e n u m e ra d o s a fa v o r das p re te n sõ e s d a m u ltid ã o ; e ' a c o n c lu sã o e não o se u ; e 2 )d e lh e s se r in d u b ita v e im e n te su p e rio r e m e x c e lê n c ia . D e fa c to ,
e x tra íd a d e ste e x a m e c o n siste e m v e r q u e o g o v e rn o d e m u ito s hom ens b o n s, isto não nos podem os p ro n u n c ia r so b re ,q u a l é o m e lh o r g o v e rn o p a ra u m P O v .ose m
é, um a a risto c ra c ia , é m e lh o r q u e o g o v e rn o de um hom em só , n ã o m e lh o r que le v a rm o s e m lin h a d e c o n ta a n a tu re z a e sp e c ia l d e sse p o v o . T ra ta -se de um povo
e le s. A s o b je c ç õ e s a c id e n ta is à m o n a rq u ia sã o re fe rid a s d e p a ssa g e m . U m re i n o q u a l u m ú ilÍc o h o m 'e m o u fa m ília u ltra p a ssa e m v irtu d e o re sto ? N e ste c a so , é
d e se ja rá n a tu ra lm e n te tra n sm itir o poder aos seus d e sc e n d e n te s, não havendo m e lh o r g o v e rn a d o p o r u m re i. T ra ta -se d e u m c o rp o d e h o m e n s q u e p o d e m se r
g a ra n tia s d e ste s se re m d issó m e re c e d o re s. U m re i d e v e p o ssu ir g u a rd a s, podendo g o v e rn a d o s, com o hom ens iiv re s, p o r o u tro s hom ens c u ja e x c e lê n c ia o s to rn a
capazes de com ando p o lític o ? N e ste c a so , é ,m e lh o r g o v e rn a d o p o r u m a a risto -
57 1 1 I, 11.
58 1286 a 3 I - b 7.
59 In , 13.
60 1 I1 , 1 4 -1 8 . 62 1281 a 3 4 -3 9 , 1282 b 1 _ 1 3 . 1 2 8 6 a 7 .-2 4 , 1287 a 1 8 -b 23.
61 In , 15. 63 In , 1 7.

. 260 261
POLíTICA
ARISTÓTELES

cr~cia. Trata-se de um povo no qual «existe naturalmente uma multidão guer- I) Quantas são as variedades de constituição que existem (IV, 3-10);
reira.:. apta a governar ou a obedecer a uma lei que atribui cargos aos ricos em 2) Qual é a constituição melhor adaptada às circunstâncias normais
fu~çao dos seus_ m~ritos?» ~e~te caso,. um tal povo seria feito. para uma «repú- e a mais próxima em excelência da constituição ideal (IV, 11);
blica». A preferencla de A.f1stoteles vai para a monarquia de um «deus entre os 3) Quais das espécies inferiores de governo convém mais a cada espécie
homens», uma vez que a virtude transcendente é mais fácil de encontrar-se num de população (IV, 12);
?omem qu~ num largo número. No entanto, reconhece que isto constitui um 4) Como é que estas formas se devem organizar (IV, 14-16, VI);
Ideal. quase Impossível de realizar. O estado ideal, antes descrito por si (livro VII), 5) Como é que as constituições são destruídas e preservadas (V).
c~nslste num go.verno de homens possuídos duma elevada e esclarecida Aristóteles reconhece cinco tipos diferentes de democracia, distinguindo-se
virtude, no qual. mng_uém é admitido como cidadão sem possuir essa qualidade, e uns dos outros pela natureza das suas instituições e pela natureza da popula-
o~de todos .os cldadaos governam, e são governados, à vez. Mas também isto é ção no seio da qual se desenvolvem 67. Temos: I) a democracia estritamente
Visto por SI como algo de ideal, algo de bastante elevado para a natureza baseada na igualdade, na qual o rico conta tanto como o pobre e este tanto
hu~a~a e, consequentemente, propõe futuramente a «república» como um ideal como o rico 68. Temos: 2) aquela onde os magistrados são eleitos na base de um
pratIcavel para os estados gregos do seu tempo, na qual a qualificação para o rendimento pouco considerável. Esta é a constituição natural de um povo de
desempenho da governação não assenta na virtude mais elevada e esclarecida agricultores ou de pastores, a qual, de acordo com Aristóteles, constitui o

I
mas na virtude mili~~r de uma classe média. A democracia, sente ele, atingiu: melhor material em termos de democracia. A vantagem de uma tal população, e
com toda a probabilidade, um estado durável 64, e aquilo que um homem de sobre a qual insiste de um modo um tanto cínico, é que estaria tão ocupada e tão
estado pode mais facilmente fazer é torná-Ia inofensiva, misturando-lhe uma

t
dispersa que pouco mais faria que assistir raras vezes às reuniões da assembleia,
forte dose de oligarquia. no sentido de eleger os magistrados e de chamá-los a prestar contas, sendo assim
levada a abandonar, voluntariamente, a direcção dos seus governos aos melho-
res dos seus cidadãos. A seus olhos, o que faz deste regime uma boa democracia
MORFOLOGIA DO ESTADO é, precisamente, a dificuldade de o ser. Num tal estado, a lei não sofre com a
invasão dos decretos. Os melhores dirigentes do estado estão sujeitos ao controlo
Com o~ livros IV-VI atingimos o que, segundo parece, era originariamente
imposto pela eleição popular 69.
um tratadomdependente, um tratado de carácter mais técnico do que o resto do Após dois tipos intermédios 70, atingimos 5) o tipo no qual o serviço na
trabal~o, versando detalhada mente as espécies e subespécies de constituição. assembleia é pago, e onde os decretos têm tendência a ser substituídos pela lei.
Das cmco formas de governo, a monarquia e a aristocracia já foram discuti- O povo é um joguete de demagogos; os ricos são perseguidos; a autoridade dos
das 65. Resta discutir a «república», a tirania, a oligarquia e a democraciá 66. As
magistrados é incerta; o artesão e o lavrador são os senhores. Este estado de
duas últimas são discutidas, por oposição uma à outra no livro IV 3-6. a coisas é próximo da tirania e, como tal, no ver de Aristóteles, dificilmente se
«república» no livro IV, 8, 9, 11; a tirania no livro IV, , lO. " trata, de todo, de uma constituição 71. Aristóteles reconhece, não apenas uma
Aristóteles coloca como axioma que a tirania, sendo a perversão do melhor tendência histórica para as constituições passarem da forma monárquica, atra-
governo, deve. ser o pior entre eles; a oligarquia surge a seguir na ordem do pior; vés da aristocracia, da oligarquia e da tirania, para democracia, como também, a:
e.~ democracia,. embora seja o governo mais tolerável das três. perversões, não
a respeito desta última, para passar da forma mais moderada à sua forma mais
deixa de .ser ~als q~e uma perversão. De seguida, Aristóteles traça o programa.
que se propoe segUir no seu estudo. Pretende exáminar, sucessivamente:

67 CL 1317 a 18-33.
68 Este tipo é apenas distinguido em 1291 b 30-38. Em IY, 6 e em VI, 4 é tratado a par com o
segundo, do qual parece diferir apenas por não possuir quàÚjuer exigência de propriedade.
64 1286 b 20.
69 1291 b 39-41, 1292 b 25-33, 1318 b 6- 1319 a 24.
; 65 Es~a afirm.ação (1289 a 30) parece implicar uma secção perdida do liv~o IIl, trat~ndo da
70 Para o terceiro, ver 1292 b I; b 34-38; para o quarto, 1292 a 2-4, b 38-41. São mencionados
anstocraCla. CL p. 241: nota I. No livro IV, 7(cL 1293 b 33-42, 1294a 19-25), Aristóteles acrescenta
sem qualquer distinção em 1319 b 24- b 2.
uma nota sobre três tlpOS de aristocracia, no sentido lato da palavra .
. 66 IV, 2. . .. 711292 a 4-37, b 41-1293 a lO, 1296 b 26-30,1298 a 28-33, 1317.a 24-29,1319 b f-lI.

263
262
ARISTÓTELES POLíTICA

e x tr e m a 72. Do m esm o m odo, são d is tin g u id o s q u a tr o tip o s d e o lig a r q u ia 73 e A r is tó te le s não ilu s tr a a s u a « r e p ú b lic a » r e f e r in d o u m e x e m p lo a c tu a l com
tr ê s tip o s de tir a n ia 74.
excepção d e E s p a r ta , m as não h á q u a lq u e r d ú v id a d e q u e e le e s tá a p e n s a r na
A r is tó te le s passa d e p o is p a ra a c o n s titu iç ã o que, d e v id o à sua r a r id a d e ' c o n s titu iç ã o a te n ie n s e do ano 41 I, na qual o poder re p o u sa v a nos 5000 que
escapou aos seus p re d e c e sso re s 75, a sa b e r, a « r e p ú b lic a » . E s ta c o n s is te num ~ p o s s u ía m u m a a rm a d u ra pesada e e m q u e o s is te m a d e p a g a m e n to , p o r p re se n ç a
fu sã o d e o lig a r q u ia e d e d e m o c r a c ia , m a s o te r m o ( a c r e s c e n ta e le ) é u s u a lm e n te n a s r e u n iõ e s , tin h a s id o a b o lid o . C om a Athenaion Politeia 79, a p re n d e m o s que
a p lic a d o às fu sõ e s que te n d e m p a ra a d e m o c r a c ia , e n q u a n to a q u e la s que A r is tó te le s , ta l c o m o T u c íd id e s , c o n s id e r o u T e râ m e n e s, a u to r d e s ta c o n s titu iç ã o ,
te n d e m p a ra a o lig a r q u ia são d e s ig n a d a s , de um m odo vago, a r is to c r a c ia s 76.
um dos m a io r e s hom ens d e e s ta d o g re g o s.
A c a r a c te r ís tic a da « r e p ú b lic a » , r e s id e n o f a c to d e le v a r e m c o n ta ta n to a r iq u e z a S e g u id a m e n te , A r is tó te le s passa p a ra um a p a r te m a is té c n ic a do seu
com o o e s ta tu to liv r e , n o r e s p e ita n te à d is tr ib u iç ã o d e c a r g o s . S ã o tr ê s o s m é to - te m a : o exam e dos e le m e n to s d e lib e r a tiv o , e x e c u tiv o e ju d ic ia l 80, q u e e le r e c o -
dos d e fu sã o por s i in d ic a d o s 77. D o is d e s te s c o n s is te m em p e d ir e m p r e s ta d o , nhece a q u i, m a is c la r a m e n te do que em q u a lq u e r o u tr a passagem , com o as
n o to d o o u e m p a r te , a s in s titu iç õ e s p r ó p r ia s a c a d a u m a d a s fo rm a s d e g o v e rn o . p a r te s m a is v ita is d o e s ta d o . O s e u o b je c tiv o é m o s tr a r q u a l a o r g a n iz a ç ã o m a is
A te r c e ir a c o n s is te na adopção de um m e io - te r m o e n tr e a le g is la ç ã o das duas. a p r o p r ia d a p a ra cada um d e s te s e le m e n to s , te n d o em c o n ta cada fo rm a d .e
A s s im , a « r e p ú b lic a » s itu a r - s e - á , n a tu r a lm e n te , a ig u a l d is tâ n c ia da o li- c o n s titu iç ã o . O p o n to m a is n o tá v e l d o s e u tr a ta m e n to a c e rc a d o e le m e n to d e lI -
g a r q u ia e d a d e m o c r a c ia , não e x ig in d o , no acesso a o s c a rg o s p ú b lic o s , a posse b e r a tiv o é a re c o m e n d a ç ã o d e q u e a q u e le s q u e d e lib e r a m devem s e r e le ito s e m
d e im p o r ta n te s títu lo s de p r o p r ie d a d e , a n te s d is p e n s a n d o - o s in te ir a m e n te . De n ú m e ro ig u a l a p a r tir de cada um a das d if e r e n te s c la s s e s 81. E s te s e r ia um
f a c to , d a rá o poder à c la s s e m é d ia , sendo e s ta a c a r a c te r ís tic a f u n d a m e n ta l que g o v e rn o r e p r e s e n ta tiv o , m a s A r is tó te le s n ã o re c o n h e c e a s s u a s im p o r ta n te s con-
A r is tó te le s m a is ta r d e r e a lç a r á . s e q u ê n c ia s . S e g u id a m e n te , d e b ru ç a -se so b re o e x e c u tiv o 82, e d is tin g u e o s v á r io s
Podem os a g o ra d iz e r qual é a m e lh o r c o n s titu iç ã o p a ra a m a io r ia dos m odos de nom eação:
e s ta d o s , d e ix a n d o d e la d o o e s ta d o id e a l, o q u a l r e p r e s e n ta apenas um a a s p ir a -
I) O poder de nom ear p e r te n c e a a lg u n s ou a to d o s o s c id a d ã o s ;
ção 78. Na Ética, a p re n d e m o s q u e a v id a f e liz é a v id a d o ju s to m e io . Q u a n d o as
2) Podem ser e le ito s to d o s os c id a d ã o s ou s o m e n te um a c la s s e ( d is tin -
d á d iv a s da f o r tu n a s e e n c o n tr a m p r e s e n te s , por excesso ou por d e f e ito , é -n o s
g u id a por r iq u e z a , n a s c im e n to ou m é r ito ) ;
d if íc il s e g u ir a ra z ã o . O s que possuem d e m a s ia d o te n d e m p a ra a v io lê n c ia ; os
3) A e le iç ã o é f e ita por v o to ou por tir a g e m à s o r te .
que possuem m u ito pouco te n d e m a s e r v e lh a c o s . O s p r im e ir o s não conseguem
a p re n d e r, m esm o n a e s c o la , o s h á b ito s d e o b e d iê n c ia e , c o n s e q u e n te m e n te , são A s duas a lte r n a tiv a s d e e le iç ã o a c im a m e n c io n a d a s podem s e r c o m b in a d a s
in c a p a z e s de o b e d e c e r; os o u tr o s são in c a p a z e s de c o m a n d a r, devendo ser e n tr e s i. Por e x e m p lo , todos o s c id a d ã o s d e tê m o poder de nom ear a lg u n s
g o v e rn a d o s C o m o e sc ra v o s. A s s im , su rg e «um a c id a d e d e se n h o re s e e sc ra v o s, g a b in e te s , e apenas certos c id a d ã o s podem nom ear o s o u tr o s g a b in e te s . E x is te m
u n s d e sp re z a n d o , o u tr o s in v e ja n d o » . F e liz é , p o r ta n to , a c id a d e que possui um a p o r ta n to 3 x3 x3 p o s s ib ilid a d e s . A r is tó te le s p a s s a e m r e v is ta a m a io r p a r te d e la s e .
g ra n d e p ro p o rç ã o d e c id a d ã o s d a c la s s e m é d ia , c a p a z e s . d e m a n te r o e q u ilíb r io in te r lig a - a s com a s c o n s titu iç õ e s p a ra a s q u a is são a p r o p r ia d a s . N o u tr a passa-
e n tr e o s d o is e x tr e m o s . E s ta c la s s e é a ú n ic a que não n e c e s s ita d e te m e r um a gem d á -n o s um a v is ã o d e ta lh a d a , b a s ta n te in te r e s s a n te , da m á q u in a g o v e rn a - .
a lià n ç a e n tr e os seus o p o n e n te s . R ic o s e p o b re s c o n f ia r ã o se m p re ( a s s im o tiv ~ , a) e s s e n c ia l e b) d e s e já v e l, num e s ta d o 83. • _

m a n té m A r is tó te le s ) n a c la s s e m é d ia , d e p r e f e r ê n c ia a u m a n a o u tr a . N a ausên- No liv r o V I, A r is tó te le s c o n tin u a a d is c u tir , em d e ta lh e , a O I :g a m z a ç a o


c ia de ta l 'c la s s e su rg e a o lig a r q u ia ou a d e m o c r a c ia e q u a lq u e r d e la s pode p r ó p r ia das d e m o c r a c ia s (c a p s. 1 - 5 ) e d a s o lig a r q u ia s (c a p s. 6 -7 ). C o m o a s p e c to s
f a c ilm e n te tr a n s f o r m a r - s e num a tir a n ia . As d e m o c r a c ia s s ã o ,' é o n tu d o , m a is d o m in a n té s da d e m o c r a c ia , e le e n c o n tr a a p r e te n s ã o ' de ig u a ld a d e sem te r e m
se g u ra s q u e a s o lig a r q u ia s , p o is te n d e m p a ra te r u m a m a io r c la s s e m é d ia . M u i- c o n ta as d if e r e n ç a s d e m é r ito e d e lib e r d a d e , e n te n d id a ' c o m o lig a d a a o « f a z e r o
to s g o v e r n o s tê m s id o d e m o c r á tic o s o u o lig á r q u ic o s s im p le s m e n te por a c la s s e q u e a g ra d e a cada um » 84. A u n iã o des~ s duas p r e te n s õ e s te r m in a n a e x ig ê n c ia
m é d ia ser d e m a s ia d o pequena.

72 1286 b 8 -2 2 , 1292 b 4 1 , .1 2 9 7 b 1 6 -2 8 .
73 1292 a 39 - b 10, 1293 a 1 2 -3 4 , c f. 1298 a 34 - b 5, V I, 6. 79 2 8 , 5 , 3 3 , 2 .
74 IV , 10.
.8 0 IV , 1 4 -1 6 .
75 IV , 7 .
81 1298 b 2 1 -2 3 .
76 IV , 8.
.8 2 IV , 15.
77 IV , 9 .
83 V I, 8 .
78 IV , 11.
84 V I, 2.

264 265
ARISTÓTELES POLÍTfCA

p e sso a s n ã o q u a lific a d a s n o s c a rg o s p ú b lic o s, a in c ú ria nas pequenas m u d a n ç a s,


d e , o u n ã o se r g o v e rn a d o , o u , p e lo m e n o s, c a d a u m te r d ire ito a g o v e rn a r n a su a
a s d isse m e lh a n ç a s e n tre o s e le m e n to s d o e sta d o . A riq u e z a d o c o n h e c im e n to
v e z . S o b re e sta s b a se s, A ristó te le s tra ç a a s d isp o siç õ e s c o n stitu c io n a is q u e se
e n c o n tra m a in d a , em m a io r ou m enor g ra u , em to d a s a s d e m o c ra c ia s. M a s' h istó ric o , por p a rte de A ristó te le s, p e rm ite -lh e ilu stra r bem e sta s c a u sa s da

se g u n d o e le , é u m e rro su p o r q u e a s m e d id a s m a is v e rd a d e ira m e n te d e m o c rá ti~ re v o lu ç ã o 8 7 .


S e g u id a m e n te , e x a m in a a s c a u sa s d a re v o lu ç ã o e m e sp é c ie s p a rtic u la re s do
c a s sã o a q u e la s q u e im p la n ta m a d e m o c ra c ia n a su a fo rm a m a is c a ra c te rístic a
A s m e d id a s m a is v a n ta jo sa s p a ra ta l g o v e rn o sã o a q u e la s que lh e p e rm ite ~ e sta d o - n a s d e m o c ra c ia s (c a p . 5 ), n a s o lig a rq u ia s (c a p .6 ), n a s a risto c ra c ia s e

su ste n ta r-se d u ra n te m a is te m p o 85. N ão p e rse g u ir a c la sse o p o n e n te , m a s sim n a s « re p ú b lic a s» (c a p . 7 ). A s d e m o c ra c ia s sã o u su a lm e n te d e rru b a d a s p e lo ~ e x c e s-


tra tá -Ia com g e n e ro sid a d e , e is o n d e re sid e a v e rd a d e ira sa b e d o ria . so s d e d e m a g o g o s, o s q u a is p e rm ite m a o s ric o s a lia re m -se c o n tra o g o v e rn o ; o u ,

. A in d a q u e o p a g a m e n to c o n c e d id o à s p e sso a s p o r p re se n ç a num a re u n iã o e n tã o , os dem agogos podem e sta b e le c e r u m a tira n ia . A s o lig a rq u ia s sã o d e rru -

se ja um a c a ra c te rístic a d a d e m o c ra c ia , o d e m o c ra ta sa g a z não d e v e ir a té a o b a d a s: I) p o r re v o lta s p ro v o c a d a s p e lo se u re g im e o p re ssiv o , o u 2 ) p o r riv a lid a -

p o n t.o d e fa v o re c e r a d e p a u p e ra ç ã o - a ssim , e le d e v e rá e sfo rç a r-se p o r to m a r des e n tre o s p ró p rio s o lig a rc a s, que conduzem a lg u n s d e le s a c o m p o rta re m -se

m e d id a s p a ra e sta b e le c e r o s c id a d ã o s p o b re s c o m o a g ric u lto re s o u c o m e rc ia n te s c o m o d e m a g o g o s. N a s a risto c ra c ia s, a s re v o lu ç õ e s sã o p o r v e z e s p ro v o c a d a s p o r-

p ro m o v e n d o , a ssim , a su a p ro sp e rid a d e e a u to -re sp e ito . ' que a s h o n ra s do e sta d o sã o re se rv a d a s a um c írc u lo m u ito re strito . C o n tu d o ,
u su a lm e n te , a q u e d a d e u m a a risto c ra c ia o u d e u m a « re p ú b lic a » , é p ro v o c a d a por
u m a d o e n tia lig a ç ã o d o s e le m e n to s d e m o c rá tic o e o lig á rq u ic o : A « re p ú b lic a » te n d e

A P A T O L O G IA DO ESTADO a tra n sfo rm a r-se e m d e m o c ra c ia , e a a risto c ra c ia e m o lig a rq u ia . M a s, p o r v e z e s,


um a re a c ç ã o tra n sfo rm a a « re p ú b lic a » n u m a o lig a rq u ia e u m a a risto c ra c ia num a

A ristó te le s d e b ru ç a -se a g o ra so b re a s c a u sa s e o c u rso d a re v o lu ç ã o e so b re d e m o c ra c ia . O e fe ito d a in flu ê n c ia e stra n g e ira n a p ro d u ç ã o d e re v o lu ç õ e s é ig u a l-

o s m e io s d e a p re v e n ir. O liv ro V c o n té m u m a g ra n d e q u a n tid a d e d e in fo rm a - m e n te n o ta d a 88.

ç .õ e s h istó ric a s, m a s o q u e re a lm e n te n o s in te re ssa é o p e rfe ito bom se n so p o lí- Os re m é d io s p re v e n tiv o s c o n tra as re v o lu ç õ e s sã o c o n sid e ra d o s em

tic o d e m o n stra d o p o r A ristó te le s, q u e r a o d ia g n o stic a r a s c a u sa s q u e r a o in d ic a r se g u id a 89. A c o isa m a is im p o rta n te c o n siste e m m a n te r o e sp írito d e o b e d iê n -


a c u ra p a ra a doença do c o rp o p o lític o . c ia à le i, e sp e c ia lm e n te no que re sp e ita às pequenas c o isa s. O s com eços de

E x iste m , se g u n d o e le , v á rio s d e g ra u s d e re v o lu ç ã o . P o d e to m a r a fo rm a de m udança devem se r o b se rv a d o s im e d ia ta m e n te . A se g u n d a re g ra c o n siste em

~m a m udança c o n stitu c io n a l, o u o s se u s a u to re s podem d e ix a r a c o n stitu iç ã o não re c o rre r a a rtifíc io s d e stin a d o s a ilu d ir a s p e sso a s, p o is a e x p e riê n c ia m o s-

m a lte ra d a e c o n te n ta r-se e m to m a r o poder n a s su a s m ã o s. D e n o v o , a re v o lu ç ã o tro u já a in e fic á c ia d e ste p ro c e d im e n to . P o r o u tro la d o , ta n to a s a risto c ra c ia s

pode fo rm a r m e ra m e n te um a o lig a rq u ia cada v e z m a is a c e n tu a d a ou m enos com o a s o lig a rq u ia s p o d e m -se se m p re m a n te r, n ã o a p a rtir d e u m a e sta b ilid a d e

a c e n tu a d a , ou um a d e m o c ra c ia m a is d e m o c rá tic a ou m enos d e m o c rá tic a . O u, in e re n te à c o n stitu iç ã o , m a s p o rq u e o s se u s g o v e rn a n te s se e n c o n tra m de boas

fin a lm e n te , e la p o d e se r d irig id a c o n tra c e rta s in stitu iç õ e s, e d e ix a r a fo rm a de re la ç õ e s com os se u s sú b d ito s, nunca le sa n d o o s a m b ic io so s em m a té ria de


g o v e rn o in a lte rá v e l. h o n ra , nem o com um d a s p e sso a s e m m a té ria d e d in h e iro ,_ m a s in tro d u z in d o no

A ristó te le s o c u p a -se , p rim e ira m e n te , com a s c a u sa s g e ra is da re v o lu ç ã o . g o v e rn o a q u e le s q u e tê m e sp írito d e lid e ra n ç a e a d o p ta n d o , n u m a c e rta m e d id a ,

A su a fo n te p ro v é m d e n o ç õ e s u n ila te ra is e p re v e ttid a s d e ju stiç a p ra tic a d a s p e lo s .a s in stitu iç õ e s d e m o c rá tic a s. O s g o v e rn a n te s d e v e m , ig u a lm e n te , c o lo c a r o se u

h o m e n s. Os d e m o c ra ta s a c re d ita m que, d e v id o ao fa C to d e o s hom ens se re m povo p e ra n te o p e rig o d e u m a ta q u e e stra n g e iro e , se n e c e ssá rio , in v e n ta r p e rig o s

" ig u a lm e n te . liv re s, e Ie s d e v ia m se r a b so lu ta m e n te ig u a is; o s o lig a rc a s a c re d ita m . p a ra o a la rm a r. A c la sse g o v e rn a n te d e v e , p o 'r to d o s 'o s .m e io s, p re se rv a r a su a

q u e ,. d e v id o aos hom ens se re m d e sig u a is, e le s devem se r a b so lu ta m e n te d e -' so lid a rie d a d e . O e fe ito p o lític o d a s a lte ra ç õ e s n a d istrib u iç ã o d a riq u e z a d e v e se r

sig u a is em riq u e z a . É e ste o estado de ~spírito d o s re v o lu c io n á rio s 86. O s se u s c u id a d o sa m e n te c o n tro la d o . N ão d e v e se r p e rm itid o , a nenhum in d iv íd u o ou

objectivos sã o o g a n h o e a h o n ra , o u e v ita r a p e rd a e a d e so n ra . As causas q u e c la sse , to rn a r-se d e m a sia d o fo rte . O s ric o s e o s p o b re s d e v e m se r c o n d u z id o s a


conduzem a e ste e sta d o d e e sp írito sã o a in d ig n a ç ã o d e v id o a o c re sc im e n to de lim ita re m -se m u tu a m e n te , e o poder d e v e se r d a d o à c la sse m é d ia .

g ~ n h o . ~ h o n ra por p a rte dos o u tro s, a in so lê n c ia , o m edo; a in ju sta p re d o - Um p o n to no qual A ristó te le s in siste m u ito d iz re sp e ito a o fa c to de que

m m â n c Ia de c e rto s in d iv íd u o s, o d e sp re z o ;. o c re sc im e n to d e sp ro p o rc io n a d o não d e v ia se r d a d a q u a lq u e r o p o rtu n id a d e a o s' g o v e rn a n te s d e o b te re m d in h e iro


d e u m a q u a lq u e r p a rte d o e sta d o , a s.in trig a s e le ito ra is, a in c ú ria n a a d m issã o de

87 V , 3, 4.

8 S V I, 5 , c f. 1309 b 18 - 1310 a 3 6 ,' 1 3 1 3 a 2 0 -3 3 , 1321 a 26 _ b I.


88 1307 b 1 9 -2 4 .
86 .v, 2. 89 V , 8, 9.

266 267
ARISTÓTELES POLÍTICA

n o d e se m p e n h o dos se u s c a rg o s. T a lv e z e x a g e re quando a firm a q u e o p o v o se tira n ia . A re a le z a é p re se rv a d a m e d ia n te um a lim ita ç ã o d o s se u s p o d e re s 92.

re sig n a a n ã o p o ssu ir o p o d e r, d e sd e o m o m e n to q u e n ã o su sp e ite q u e é ro u b a d o , A tira n ia p o d e m a n te r-se : I) n o se u m o d o tra d ic io n a l, p e la h u m ilh a ç ã o d a s p e s-


p e lo s se u s g o v e rn a n te s. C o n se q u e n te m e n te , p ro v id e n c ia o e sc ru tín io m a is c a u te - so a s, se m e a n d o a d e sc o n fia n ç a e n tre e la s e re tira n d o -lh e s o s se u s p o d e re s; ou
lo so d a s c o n ta s dos m a g istra d o s. Longe d e su ste n ta r q u e a s o lig a rq u ia s devem 2 ) to rn a n d o o d o m ín io d o tira n o m a is c o n se n tâ n e o c o m o d e u m re i. O tira n o d ~ v e
re p rim ir o s p o b re s e a s d e m o c ra c ia s o s ric o s, m o stra a im p o rtâ n c ia d e o p a rtid o a p a re c e r com o o .p a i d o e sta d o , o g u a rd iã o d o s c id a d ã o s, um hom em d e V Id a
no poder se r p a rtic u la rm e n te e sc ru p u lo so a re sp e ito d a su a a c tu a ç ã o p a ra c o m m o d e ra d a , o c o m p a n h e iro dos n o tá v e is, o h e ró i da m u ltid ã o . « A ssim , a su a
o s g o v e rn a d o s. A o ú ltim o d e v e se r d a d a ig u a ld a d e o u p re fe rê n c ia e m to d o s os d isp o siç ã o deve se r v irtu o sa ou, p e lo m e n o s, m e io -v irtu o sa ; não deve se r
c a rg o s, e x c e p to n o m a is e le v a d o . p e rV e rso , m a s a p e n a s m e io -p e rv e rso » .
T rê s c o isa s sã o re q u e rid a s p a ra o e x e rc íc io dos c a rg o s m a is e le v a d o s: a
le a ld a d e à c o n stitu iç ã o , a c a p a c id a d e a d m in istra tiv a e a in te g rid a d e 90. C om o
podem os e sc o lh e r quando não p o ssu ím o s e sta s trê s c o n d iç õ e s? P re c isa m o s de O ESTADO ID E A L
c o n sid e ra r q u a is sã o a s q u a lid a d e s com uns e q u a is sã o a s ra ra s. N a e sc o lh a d e
um g e n e ra l, devem os c o n sid e ra r a p e ríc ia d e p re fe rê n c ia à in te g rid a d e , p o is a Os liv ro s da Política que p re te n d e m tra ta r da m e lh o r c o n stitu iç ã o 93

p e ríc ia m ilita r é ra ra . N a e sc o lh a p a ra u m c a rg o fin a n c e iro , devem os c o n sid e ra r o c u p a m -se , de fa c to , pouco com o s p ro b le m a s c o n stitu c io n a is. F o rm a m um
a in te g rid a d e , p o is o c o n h e c im e n to re q u e rid o é com um . E sta é u m a d a s p o u c a s e n sa io g e ra l a c e rc a d a c o n stru ç ã o d e u m e sta d o id e a l, e o c u p a m -se m a is c o m a
p a ssa g e n s onde A ristó te le s fa la d a s c a p a c id a d e s d o s c a n d id a to s a re sp e ito do su a e stru tu ra e d u c a c io n a l q u e c o m q u a lq u e r o u tra c o isa .
tra b a lh o p a rtic u la r d o s c a rg o s p a ra o s q u a is sã o d e sig n a d o s. U su a lm e n te , fa la d e N a te n ta tiv a d e d e sc re v e r a c o n stitu iç ã o id e a l, d e v e m o s d e te rm in a r p ri-
ju stiç a e p e n sa n o c a rg o com o tra ta n d o -se d e u m a re c o m p e n sa d a v irtu d e . Isto m e iro q u a l é o tip o d e v id a m a is d e se já v e l. A ristó te le s c o m e ç a p o r u m a re c a p itu -
d e v e -se , p a rtic u la rm e n te , à p rá tic a a te n ie n se d e su b d iv id ir o p o d e r e x e c u tiv o em la ç ã o d e c e rta s d o u trin a s q u e p e rte n c e m p ro p ria m e n te à é tic a . T o d o s os bens
m u ita s a d m in istra ç õ e s, d e ta l m o d o que nenhum c a rg o in d iv id u a l p u d e sse c a u - devem se r d iv id id o s em b e n s e x te rio re s, bens do c o rp o e b e n s d a a lm a ; e o
sa r nem m u ito bem nem m u ito m a l. M as é m a is im p o rta n te le m b ra r que a hom em fe liz d e v e p o ssu ir to d o s e ste s tip o s. C o n tu d o , n e m to d o s p o ssu e m um
p a la v ra aqui tra d u z id a por « v irtu d e » se a p lic a ta n to à e x c e lê n c ia in te le c tu a l v a lo r ig u a l, p o is l) a e x p e riê n c ia m o stra q u e u m e le v a d o g ra u d e v irtu d e c o m b i-
q u a n to à m o ra l e, no fu n d o , ta n to o p rin c íp io de A ristó te le s com o o n o sso nado c o m b e n s e x te rio re s m o d e ra d o s p ro d u z u rn a m a io r fe lic id a d e q u e g ra n d e s
sig n ific a q u e 'o m a is a p to p a ra g o v e rn a r o deve fa z e r. b e n s e x te rio re s c o m b in a d o s com pouca v irtu d e . O s b e n s e x te rio re s sã o a p e n a s
M u ita s p rá tic a s a p a re n te m e n te d e m o c rá tic a s, a c re sc e n ta A ristó te le s, c o n s- b e n s p a ra n ó s quando o s p o ssu ím o s n u m c e rto lim ite . U ltra p a ssa d o e ste lim ite ,
titu e m a ru ín a d o s d e m o c ra ta s, e m u ita s p rá tic a s o lig á rq u ic a s c o n stitu e m , ta m - podem to rn a r~ se p re ju d ic ia is. M a s n in g u é m p o d e ria p re te n d e r que u~ hom em
b é m , a ru ín a d o s o lig a rc a s. T a n to a d e m o c ra c ia com o a o lig a rq u ia não devem p u d e sse p o ssu ir ta n ta v irtu d e . 2) É a re sp e ito d a a lm a q u e o s b e n s e x te n o re s e os
se r le v a d a s a o se u e x tre m o , o u d e stru ir-se -ã o a si p ró p ria s. D evem os e n c o n tra r bens do c o rp o sã o d ig n o s d e e sc o lh a , não v ic e -v e rsa .
um m e io -te rm o . M a s, a c im a d e tu d o , a educação d e v ~ a d a p ta r-se à fo rm a d e Se a v irtu d e c o n stitu i o m a is im p o rta n te p a ra o in d iv íd u o , p o d e ría m o s
g o v e rn o . O s hom ens devem e sta r tre in a d o s, «não p a ra re a liz a r as acções nas e n tã o p e rg u n ta r 94 qual das v id a s é a m e lh o r, se a v id a dos n e g ó c io s e. da
q u a is o s o lig a rc a s ou o s d e m o c ra ta s se n te m p ra z e r, m a s a q u e la s que to rn e m p o lític a o u a v id a c o n te m p la tiv a . A lg u n s p e n sa m q u e m e sm o o p o d e r C O ~ S tltu - ,
p o ssív e l a e x istê n c ia de um a o lig a rq u ia ou de um a d e m o c ra c ia » . O s jo v e n s ,c io n a l re p re se n ta u .m o b stá c u lo a o b e m -e sta r in d iv id u a l; o u tro s - o s a d m Ira d o -
o lig a rc a s não devem se r c ria d o s n a lu x ú ria , n e m o s jo v e n s d e m o c ra ta s se g u n d o a re s do re g im e e sp a rta n o ._ , que só .0 poder a rb itrá rio é c o m ~ a tív e \ c o .m a
id e ia que a lib e rd a d e c o n siste em fa z e r a q u ilo de q u e ' m a is g o sta m o s. «O s fe lic id a d e . E , d e fa c to , e m m u ito s e sta d o s, se a s le is p o d e m se r d Ita s a tIn g Ire m
hom ens não devem p e n sa r q u e c o n stitu i u m a e sc ra v a tu ra v iv e r d e a c o rd o com as a lg u ~ a c o isa , e ssa a lg u m a c o isa c o n siste n a m a n u te n ç ã o d o p o d e r. N o e .n ta n to ,
n o rm a s d e c o n stitu iç ã o , p o is sã o e sta s a su a sa lv a ç ã o » . I) n ã o se rá re a lm e n te v iá v e l m a n te r q u e a d o m in a ç ã o so b re ~ u tro s é J.u sta ,: a
A ristó te le s irá a in d a fa la r d a s c a u sa s e re m é d io s p re v e n tiv o s d a re v o lu ç ã o , m enos q u e e sse s te n h a m « n a sc id o p a ra se rv ir» . Q u a lq u e r q u e se ja a d o m m a .ç a o ,
n a s m o n a rq u ia s com o n a s tira n ia s 91. A m o n a rq u ia é d a n a tü re z a d a a risto c ra ~ não le v a , e m lin h a d e c o n ta o s m é rito s d e q u e m a so fre , n ã o p o d e n d o , p o r IS S O ,
c ia ; a tira n ia é u m á fu sã o d a d e m o c ra c ia e d a o lig a r'q u ia e x tre m a s. O q ~ e fo i d ito ju stifíc a r~ se . E 2 ) u m a c id a d e p o d e S e r fe liz n o . iso la m e n to . ~ .in te ra c ç ~ o d a s su a s
.a c e rc a d e sta s fo rm a s d e g o v e rn o é ig u a lm e n te v á lid o p a ra a m o n a rq u ia e p a ra a ' p a rte s pode fo rn e c e r-lh e cam po su fic ie n te p a ra um a a c tlv ld a d e fe lIz .

92 V, Il.
90 V , 9. 93 V II, V III.
,91 V, lO , 11. 94 v ii, i.

268 269

r
'l.~
A RIS T6 TELES
• POLÍTICA

ciente sobre elas, se não dem ais. N o que diz respeito à ordem interior do estado,
~m ~as as perspectivas possuem um a parte correcta e outra errada 95
podem os dizer que esta pode ser m antida num a população m ais vasta que a
A pnm elra está certa ao considerar a vida do hom em livre com o preferível à d'
' E's:a errada ao pensar que toda a regra é despótica, e ao colocar ae concebida por A ristóteles.
~m d.e~pota.
2) O território 97. E ste deve ser suficientem ente grande para assegurar um a
m actlvldade aC im a da acção. A segunda está errada ao pensar o poder su-
vida livre e de lazer aos seus habitantes, m as não tão vasto que favoreça a
prem ? com o a m elh?r d~ todas as coisas. A dom inação apenas é boa quando
luxúria. D eve ser de difícil acesso aos inim igos e de fácil acesso aos seus habitan-
exercld_a so~re seres m fenores. ~as é boa em si própria. Por outro lado, a vida
tes. T al com o a população, deve ser capaz de poder ser abarcado por um a
de . acçao nao envolve,. necessanam.ente as relações com os outros . E m SI' pro-
,
sim ples análise. A com unicação com o m ar é vantajosa, tanto a respeito da
pno, o pensam ento e um a actlvldade, e a m aior actividade um a vez que '
segurança na guerra com o para provir as necessidades 98. O m edo com um de que
m ais próxim a da vida de D eus. ' e a
o crescim ento da população e a introdução de estranhos, educados num a tradi-
D e.stas observações prelim inares, A ristóteles passa para a sua descrição do
ção alheia, seja adverso à ordem não deve ser levado m uito a sério. C ontudo, a
estado I~eal 96.:. Sã~ necessárias certas condições, entre as quais I) a prim eira é a
cidade deve ser um m ercado para si própria e não para os outros, isto é, no seu
populaçao. N ao sao apenas os núm eros, sobretudo o núm ero de não cidada-o
. I'
(agncu "s com ércio, deve pretender, não o aum ento indiscrim inado da sua riqueza, m as a
tores, com erciantes, artífices e artesãos), que contam , m as antes a capaci-
im portação dos bens específicos de que necessita e a exportação dos excedentes.
dade de .se fazer o trabalho apropriado a um a cidade. U m barco que pO ssua
3) C aracterísticas dos cidadãos 99. A raça grega com bina o elevado espírito
apenas vm te e três centím etros de com prim ento não é, de m odo nenhum , um
das raças setentrionais com a inteligência das raças orientais. A ssim , só ela
barco; nem um barco com um quarto de m ilha de com prim ento o seria tam bém
com bina a liberdade com um bom governo, e, se pudesse form ar um só estado,
C ontudo, no interior destes lim ites extrem os, existem barcos que o são verdadei~
seria capaz de governar o m undo. A m ais perfeita com binação de inteligência e
ram ente m as que, no entanto, são ou m uito pequenos ou m uito grandes para
espírito constitui a m elhor característica possível dos cidadãos de um estado.
poderem navegar tão bem com o um barco o pode fazer. D o m esm o m odo é
T al com o todo o com posto natural requer certas condições para além das
nec~s~ário um certo m ínim o de população para que um estado possa ser au~o-
suas partes orgânicas, tam bém o estado, para além das suas partes orgânicas,
-sufIciente." M as, se ultrapassam os um certo m áxim o, o bom governo e a ordem
necessita de possuir certas condições 100. Para distinguir as partes do estado das
tornam -se im possíveis. «Q uem pode ser o garante de um a tal m ~ltidão, a m enos
suas condições necessárias, devem os enum erar as suas funções. D evem os ter
que possua a voz de um estentor?» Para que os cidadãos possam julgar e repartir
I) agricultores, 2) artesãos, 3) guerreiros; 4) classe abastada, 5) sacerdotes e
os cargos de acordo com os m éritos, é preciso que conheçam bem o carácter uns
6).juízes, no sentido de ajuizarm os o que é justo e conveniente 101.
dos outros. Se a população for m uito elevada, todas estas coisas serão deixadas
Em que m edida devem estas funções estar com binadas na m esm a pes-
ao ,a.caso. R esum indo, o estado deve ser capaz de ser abarcado por um a sim ples
soa? 102 O s artesãos não possuem a virtude, nem os agricultores o tem po ne-
analIse.
cessário, para o desem penho dos deveres políticos. São ainda necessárias
Q uer o m ínim o quer o m áxim o são aqui indefinidos. A teoria de A ristóte-
qualidades diferentes para os guerreiros, juízes ou conselheiros - a força para
I:s segund? ~ qual a perfeição depende do lim ite, e ~ão sim plesm ente da dim en-
uns e a prudência para os outros. M as aqueles sobre quem assenta o equilíbrio
sao, constitU I. um correctivo salutar à adm iração fanática por vastos "im périos.
pela força não consentirão em ser privados perm anentem ente do poder. Por-
M as a necessidade de auto-suficiência, quer levem os em conta as necessidades
tanto, fazem os, dos m esm os hom ens, guerreiros enquanto jovens, governantes
d~ ordem ~aterial, m oral ou intelectual, justifica e exige, por vezes, um a com u-
quando "m aduros e sacerdotes depois de ultrapassada a idade activa. Finalm ente;
m da~e m aIS vasta do que aquela que tinha em vista. D evem os encarar o ponto
a propriedade fundiária" deve estar" nas m ãos desta classe e não daqueles que
de vIsta de A ristóteles acerca do lim ite m áxim o com o inspirado no espírito
cultivam o solo, um a vez que estes não serão cidadãos, m as antes escravos ou
paroquial. N ão nos devem os preocupar com o facto de a população da G rã-
servos bárbaros. A partir disto, tem os o seguinte esquem a:
-B re.tanha não poder ser negociada por um único pregoeiro público. N as decisões
legaIS, pensam os ser preferível que o júri não saiba dem asiado sobre o carácter
"gerald.as partes em litígio, ou, seosabe, não deve levar em consideração tal
conhecIm ento. N a escolha do 'nosso governo, não julgam os necessário co~tiecer
pesso~lm ente as pessoas que colocam os no poder. G eralm ente, sabem os o sufi- 97"V II, 5, 6.
98 V II, 6.
99 V II, 7.

100 V II, 8.
101 S egundo 1290 b 39 segs., deve-se acrescentar os com erciantes e a classe dos funcionários.
95 V II, 3.
96 V II, 4-12. 102 V II, 9."

270 271
ARISTÓTELES
• POLÍTICA

I) O s guerreiros, que se tornam m ais tarde governantes, e depois sacer- prevenir-se da sua própria escravatura; em segundo lugar, preocupar-se com a
dotes, sendo, ao longo de todo este tem po, a classe abastada. obtenção do bem para a população; e em terceiro, procurar ser apenas senhores
2) O s agricultores. daqueles que m erecem ser escravos. A m oral nacional possui as m esm as regras que
3) O s artesãos. a m oral privada. «A s m esm as coisas são as m elhores tanto para o indivíduo com o
para os estados». M au grado todo o seu zelo pelo estado, A ristóteles encontra-se
A s nossas seIs classes foram , assim , reduzI'das "
a tres, e apenas a prim eira
inteiram ente liberto da ilusão que coloca o estado acim a da m oralidade, ou que o
constitui um a parte orgânica do estado.
trata com o subm isso às regras m orais, m ais acom odantes que aquelas que ligam os
A inda que A ristóteles se tenha oposto à propriedade com unitária ...•
a t
r' . I' - d u erra, indivíduos.
P eV lu a naclona
di' . Izaçao e um
. _a sua parte ,. com o propósito de dl'm l'nuI'r os custos O corpo desenvolve-se prim eiro que a alm a, e os apetites prim eiro que a o,"
o cu to pubhc~ e das refelçoes com uns, por si valorizados com o um m eio de
razão 107. Portanto, a educação deverá com eçar pelo corpo, passar aos apetites
prom ~ver a ~m ldade 103. N o que diz respeito à terra privada, cada cidadão
e, finalm ente, tratar da razão. M as, treinará o corpo tendo em vista a alm a, e,~s
deverIa possU Ir um a parcela perto da fronteira e outra perto da cidade
toda a d' t 'b . - f . ' para que apetites tendo em vista a razãoo O interesse do legislador pela geração que
IS.rI U lçao osse Justa e todos s~ interessassem pela defesa do território.
desponta deverá com eçar antes m esm o do seu nascim ento 108. A ssim , A ristóte-
. J?epols de esbo~ar um quadro, particularm ente interessante e vivo, da or a-
les prossegue com a apresentação do seu ponto de vista acerca da eugenia, ou
nIzaçao de u~a. C idade ideal grega 104, A ristóteles inicia o tratam ento gdo
seja, sobre a idade ideal para o casam ento e a constituição que os pais devem
assunto que o Ira ocupar até ao fim do livro V III: o problem a da ed -
O nosso b O

d ( b .• ucaçao. possuir. A crescenta preceitos sobre a alim entação, o exercício e as distracções


. o ~ec IV Oe .esco nr a m elhor form a de governo, e esta será a form a que
que devem ser dadas às crianças 109.
der m aIOd res oportunidades
. de se ser feliz . O ra , a felicidade depend e, prIm'. eira-
C ada espécie de governo é form ada e preservada por um carácter particular
m ente, a virtude, e apenas secundariam ente, dos bens exteriores. A virtu-
dos seus cidadãos, e deve fazer parte das atribuições do estado fortalecer este
de depende de três factores: da natureza do hábito e da conduta o I
A educação está ligada aos dois últim os." raC IO na. carácter pela educação, a qual, portanto, não deve ser deixada aos pais, m as
deve ter carácter público e ser igual para todos os cidadãos. N enhum cidadão
Isto irá variar de acordo com o facto de as funções de com ando e obediência
pertence a si próprio, todos pertencem ao estado, e este deve tom ar conta de
se:-em al~e~a~as .ou ~erm anentes lO S. O ra, em geral, nenhum dos nossos cida-
todas as suas partes 110.
daos s~~a tao Indiscutivelm ente su~erior ao ponto de ser um governante perm a-
N ão podem os seguir aqui os detalhes da educação que A ristóteles descreve
ne.nte. . D evem os" portanto, treInar os nossos cidadãos para se tornarem
de seguida. No entanto, deve ser lem brado que a educação em questão diz
pr~m eIro, bons súbditos e, por o serem , tornarem -se bons governanteso N ã~
respeito aos cidadãos e não às classes, as quais são condições, m as não partes do
ex~ste ~ada de ?eg~ad~nte em tal obediência, um a vez que as acções são honrá-
estado. Isto explica, tanto a sua uniform idade com o o facto de ser tão pouco
veIS, nao em SI propnas: m as pelo fim para o qual estão dirigidas. O fim do
utilitária e tão predom inantem ente m oral 111. O s seus cidadãos nunca terão
hom em e~contra-se, obviam ente, nessa parte. do seu ser passível de criar um a
necessidade de ganhar a sua vida e, assim , o treino profissional e técnico é
r~gra, e n~o naqu~la que pode unicam ente seguir um a, ou seja, na razão. T am -
desnecessário. São sim plesm ente treinados para serem bons soldados e súbditos
bem ~ r~zao pO SSU Iduas. naturezas: a prática e a especulativa, e, destas, a últim a
e, m ais tarde, bons governantes. A visão aristotélica do estado com o tratando-se
constitU I a s~~ parte m ais elevada. A prim eira está ligada à guerra e, geralm en-
de um agente m oral directo, e não com o rem oovendo m eram ente os possíveis
te, aos nego C IO S;a seg~nda, à paz e, geralm ente, ao lazer. O ni, os negócios
obstáculos à existência de um a boa vida, sublinha naturalm ente m ais a educação
e _a guerra pretende~, eV identem ente, atingir a segurança, o laz~r e a paz. A ssim ,
m oral do que nós o fazem os. .
nao p~de. h~ver m aIO r erro político - A ristóteles critica o entusiasm o m oderno
T am bém nós consideram os osjogos e as lições com o susceptíveis de possuir
pelas m ~tIotU lçõeses~a~a~as - que tratar a guerra e o dom ínio com o a essência
um efeito m oral, m as bastante m enos directo do que aquele que A ristóteles lhe
e fim urnco da eX lstencIa de um a nação. Prim eiram ente, os hom ens devem
atribui. E consideram o-los m ais passíveis de possuir um bom efeito m oral quan-
to m enos consciente for este propósito.

103 V II, 10.


107 V II, 15.
104 V II, 11, 12.
108 V II, 16.
lO S V II, 140
109 vII, 17:
106 Isto equivale a renunciar ao ideal . t .. d
m elhores. ans ocratlco o governo pelo pequeno núm ero dos' 110 V III, J.
111 F alta a secção que trata da educação em ciência e na filosofia.

272 273
ARISTÓTELES

N ão só a d isc u ssã o a c e rc a da educação fic a in a c a b a d a , com o fa lta m ta m -
bém m u ito s dados a re sp e ito d o e stu d o d o e sta d o id e a l. N ada é d ito so b re a
o rg a n iz a ç ã o e p ro c e d im e n to d a a sse m b le ia d e lib e ra tiv a , d o e x e c u tiv o e d ó p o d e r-
ju d ic ia l. N ã o te m o s m e io s p a ra sa b e r se e sta la c u n a p ro v é m d a fá lta d e im a g in a -
ç ã o d e A ristó te le s o u se se p e rd e u a lg u m a p a rte d o tra ta d o . C o n tu d o , podem os
p e n sa r, com P la tã o , q u e , se n d o dada um a boa educação, tu d o o re sto que o
e sta d o re q u e r se lh e se g u irá :

C A P ÍT U L O IX

RETÓRICA E POÉTICA

R E T Ó R IC A

O s G re g o s fo ra m , sim u lta n e a m e n te , u m a ra ç a p o ssu íd a d e e sp írito p o lític o


e u m a ra ç a litig io sa , e a s a rte s d o d isc u rso c o n stitu ía m , p a ra e le s, u m p a ssa p o rte
tã o ú til p a ra se a d q u irir in flu ê n c ia q u a n to o sã o a in d a h o je n u m a d e m o c ra c ia
m o d e rn a . Por o u tro la d o , e n q u a n to isto e ste v e d e a c o rd o com o se u e sp írito
irre q u ie to d e c u rio sid a d e in te le c tu a l, a teoria o ra tó ria re c e b e u u m a m a io r a te n -
ç ã o d o q u e a q u e é p re sta d a n a s so c ie d a d e s m o d e rn a s, o n d e a p rá tic a d e sta a rte
n ã o d e ix a d e d e se m p e n h a r u m p a p e l m e n o s im p o rta n te . M u ita s « A rte s d o D is-
C U rso » fo ra m re d ig id a s a n te s do te m p o de A ristó te le s. C o n tu d o , A ristó te le s
la m e n ta o fa c to d e to d a s e la s te re m n e g lig e n c ia d o o e le m e n to a rg u m e n ta tiv o na
o ra tó ria , te n d o -se p re o c u p a d o c o m e fe ito s e x te rio re s, ta is c o m o a p ro d u ç ã o de
em oções nos a u d itó rio s. E le p ró p rio re c o n h e c e o papel d e se m p e n h a d o p e lo
a p e lo à em oção, m a s in siste q u e a e m o ç ã o d e v e p ro d u z ir-se p e lo p ró p rio d is-
c u rso e não p e lo s pequenos e stra ta g e m a s- com uns n o s trib u n a is g re g o s I. D e'
fa c to , A ristó te le s re la c io n a e ste d e fe ito d o s e sc rito re s p re c e d e n te s q u a n to à o ra -
tó ria c o m - a p re o c u p a ç ã o d e e lo q u ê n c ia ju d ic ia l, d e p re fe rê n c ia a o ra m o m a is
n o b re d a a rte , c o n stitu íd o p e la e lo q u ê n c ia p o lític a . N o q u e d iz re sp e ito a e ste s
d o is ra m o s, A ristó te le s .p re te n d e su p e ra r o s se u s p re d e c e sso re s 2. A ristó te le s
. in siste n e ste e le m e n to a rg u m e n ta tiv o d a a rte o ra tó ria a o lo n g o d e to d o o tr< ).-
ta d o . A re tó ric a é d e sc rita c o m o c o n stitu in d o u m a c o n tra p a rtid a o u u m ra m o d a

I P o r e x e m p lo , a in tro d u ç ã o d o c h o ro d a s v iú v a s e d o s ó rfã o s.
2 Rlzet_, I, I. .

274 275
A R IS T Ó T E L E S
R E T Ó R IC A E P O É T IC A

dialéctica 3. L iga-se m ais à dialéctica que à dem onstração científica. T al com o a S e o orador utiliza argum entos específicos, está a sair do cam po da retórica.
prim eira, trata de argum entos que não pressupõem o conhecim ento de qualquer C ontudo tendo em vista o núm ero relativam ente pequeno de elem entos gerais
ciência em particular, m as que podem ser utilizados e seguidos por qualquer' disponív~ is, A ristóteles tam bém perm ite ao orador utilizar el~ m entos esp~ c~ fi-
hom em inteligente. E m princípio, a retórica, tal com o a dialécticà, pode discutir cos, propondo-se tratar destes em prim eiro lugar. T endo em ~ lsta as C O ndl?~ eS
qualquer assunto, m as, na prática, confina-se, na sua m aior parte, aos assuntos nas quais o orador opera, estes devem ser retirados, na sua m aIO r parte, da etlca
sobre os quais os hom ens d e lib e ra m e, assim , liga-se a um a outra ciência para ou da política 9. .
além da lógica: ela é «um a ram ificação da dialéctica e do estudo do carácter que M as antes distingue três ram os na retórica. O ouvinte pode ser, ou um
pode ser correctam ente cham ado política» ., tom ando a sua form a da prim eira e espectad~ r ou u'm juiz, e um juiz de actos passados ou de futüros. A ssim , existe
a sua m atéria da segunda.
1) a oratória do conselheiro, m ostrando que um a conduta fu tu ra ~ ú til ou
A retórica consiste no «poder de divisar os cam inhos possíveis de persuadir prejudicial; 2) a do advogado, dem onstrando que um acto p a ssa d o fO I le g a l ou
as pessoas sobre qualquer assunto dado» 5. O s m eios de persuasão são de duas ilegal; e 3) a oratória «exibiciona1», cujo objectivo consiste em m ostrar a n o ~ ~ e za
espécies: os extra-técnicos, que já existem e apena's necessitam de ser utilizados ou a falta de fundam ento de algo existente no p re se n te . O orador P O htlC O ,
(tais com o o testem unho, a tortura e as provas docum entais), e os técnicos, que afirm a A ristóteles com grande ironia, pode adm itir que a conduta por si reco-
necessitam de ser inventados pelo orador. H á três espécies de m eios técnicos: m endada é injusta, m as não deve, por m otivo nenhum , adm itir a sua inutilidade.
aqueles que se baseiam no carácter do orador (isto é, os processos oratórios O advogado pode adm itir que o seu cliente agiu m al, m as nunca que ele infringiu
m ediante os quais o orador induz os auditórios a form arem um a opinião favorá- a lei; o panegirista pode adm itir que o tem a do seu elogio é insignificante, m as
vel); aqueles que consistem em provocar um sentim ento e m o c io n a l nos audito- deve, a todo o custo, defender a sua rectidão m oral 10.
res; e aqueles que fornecem a prova pela m era força do a rg u m e n to . O terceiro A ristóteles indica seguidam ente as espécies de argum entos apropriados ao
m eio de persuasão é considerado prim eiram ente. P ossui duas subespécies princi- discurso político (I, 4~ 8), à declam ação (I, 9) e às alegações perante os tribunais
pais: o exem plo, o equivalente retórico da indução, e o entim em a, o equivalente (I, 10-14), com um apêndice sobre as provas «extra-técnicas», por nósjá m encio-
retórico do silogism o 6. E ste últim o constitui o m étodo retórico por excelência, nado (I, 1 5 ). O conteúdo destes capítulos constitui um a espécie de política
«o corpo de persuasão» 7. «A s argum entações através de exem plos não são popular e de filosofia m orar que é por vezes interessante relativam ente aos seU s
m enos persuasivas, m as o entim em a provoca m ais aplausos» 8. O m odo de argu- pontos de vista científicos expressos noutras passagens (por exem !'lo, a se~ ç~ o
m entação a ser utilizado é, evidentem ente, ditado pelas condições em que opera consagrada à eloquência judicial projecta um a luz sobre as doutnnas da E tzc a
o orador. O ra, os assuntos que tem de tratar são aqueles sobre os quais delibera- acerca dá responsabilidade e da justiça). N o entanto, A ristóteles é cauteloso ao
m os, desde que estes não sejam da com petência das ciências e artes definidas; e apontar o carácter puram ente popular daquilo que afirm a aqui sobre estes as-
. as pessoas às quais se dirige são as que são incapazes de seguir um raciocínio suntos. «Q uanto m ais alguém se esforçar por construir a dialéctica ou aretó-
m uito longo. P ortanto, terá de lidar com probabilidades (um a vez que as certe- rica, não com o um a perícia, m as com o um a ciência, sem se aperceber, destruirá
zas não constituem m atérias deliberativas), bem com ó de .usar raciocínios cur- inconscientem ente as suas naturezas ao tentar reconstruí-las em ciências possuí-
tos, tom ando prem issas com o certas, desde que estas sejam adm issíveis, de das de m atérias definidas, e não com o m eros argum entos» 11. O últim o capítulo
preferência a deduzi-las dos prim eiros princípios. contém um a viva e interessante exposição dos vários estratagem as da pro_o
. O s entim em as são de duas espécies fundam entais. E xistem argum entos fissão de advogado, bem com o o apelo da lei escrita à não escrita. T alvez isto
específicos, que derivam de um a ciência, po.r exem plo', da ética ou da física; e ilustre m elho~ que. qualquer outra passagem a característica da retórica, devida-
os argum entos gerais, derivados. dos T61tOL, quer dizer, .literalm ente, do local m ente a'bservada por A ristóteles, a saber, que serve para «provar opostoS » 12.
onde se encontram os argum entos, das regiões, por assim dizer, por si habitadas . A té aqui, tem vindo a tratar das «provas específicas» extraídas da ética e da

.3 1354 a I, 1356 a 30.


9 I, 2. O T 6'Ítoç é definido com o «aquilo debaixo. do qual caem m uitos entim em as» (1403 a,
• 1356 a 25. A concepção aristotélica de retó~ ica é bastante devedora da definição fornecida
19): O S T61tOL são tam bérri cham ados CTTOL)(ELCl'. «os elem entos constitutivos do argum ento»
. por P latão no P e d ro , segundo a qual trata-se de um a ciência' filosófica baseada na dialéctica e na
(ibid.). C ícero e Q uirttiliano com param -nos aos terrenos de jogo, às veias ou às m inas onde o
. psicologia, bem com o do m odo com o era praticada pela A cadem ia segundo aqueles princípios.
5 1355 b 26.
m etal pode ser encontrado, bem com o às reservas donde os podem os extrair (C ic. T o p ., 2. 7; d e .O r.,
li, 34, 147, 41, 174; d e F in ., IV , 4. lO ; Q uinl. V, lO , 20-22).
6 C f. pp. 50-5i.
10 I, 3 .
7 1354 a 15.
I1 1359 b 12-16.
8 1356 b 22.
12 1355 a 29-36.

276
277
RETÓRICA E POÉTICA
ARISTÓTELES

política 13. E m vez de passar, com o seria de esperar, aos «lugares-com uns» do m uito provavelm ente, o terceiro livro constitui, originariam ente, um trabalho
argum ento, A ristóteles estuda os outros processos principais de persuasão: independente sobre o estilo e o plano de discurso, m ais tarde acrescentado por
aq.ueles ~ elos quais o orador fornece u~ a im agem favorável do seu pró- A ristóteles aos dois livros consagrados à oratória.
pno. caracter (11, I), e aqueles pelos quais produz várias emoções nos seus O estilo é tratado nos capítulos 2-12, o plano de discurso nos capítulos

auditores (11. 2-11), S ó atingim os os lugares com uns no capítulo 18. O s caps. 13-19. A eloquência, a arte de dirigir a voz variando em intensidade, em tom e
12-17 forn:am um a secção que trata do «carácten> de um m odo diferente daquele ritm o é inicialm ente tratada com o processo extra-técnico e com o sendo apenas
que tem vm do a s~ r referido até aqui. T rata dos caracteres que se deve esperar neçes~ ária devido à vulgaridade dos auditórios. À respeito do estilo, A ri"stóteles
e~ contrar n?s auditores, segu~ do sejam jovens ou velhos, consoante a sua posi- observa que os prim eiros retóricos im itaram a ~ icção.dos poetas, m as o estilo em
çao a respeito dos bens de nqueza, caracteres estes aos quais o orador deve prosa é essencialm ente diferente do da poesia. E pa~ tIcula~ m ente absurdo, acres-
naturalm ente atender a fim de adaptar o seu m odo de falar, de form a a produzir centa ele, os prosadores im itarem a dicção da poesia precisam ente no m ~ m ento
nos seus auditores as em oções que deseja produzir. A ssim , esta secção vem em que os próprios poetas adoptaram um estilo m ais conform e com o discurso
reforçar aquilo que foi dito na precedente. N os capítulos 18 e 19, A ristóteles vulgar 15. • •

regressa, finalm ente, aos «lugares com uns» da oratória, às «regiões» no interior das A s virtudes essenciais do estilo são: em pnm elro lugar, a clareza e, em
quais. a m aior parte dos argum entos gerais se podem encontrar. E stes lugares são segundo, a conveniência, quer dizer, nem o trivial nem o pom poso. ~ ristóteles
em num ero de quatro: «o possível e im possível» e «o futuro», especialm ente apro- considera prim eiro estas duas qualidades a respeito da escolha de ~ alavras.
priado à oratória política; «o passado», especialm ente apropriado ao discurso A clareza é assegurada pelo uso de palavras vulgares, palavras conectas a e~ pres-
ju~ icial;. e a «m agnitude» (incluindo a m agnitude relativa), especialm ente apro- são do nosso pensam ento. No entanto, algo m ais é requerido. P ara eV itar a
pna~ o a declam ação. C ada um a destas regiões encena um a série de argum entos trivialidade devem os introduzir um certo ornam ento e ar exótico, «pois os
gerais. P or exem plo, «se um a coisa é possível, o seu contrário tam bém é possível»" hom ens m ~ ravilham -se com aquilo que lhes é distante, e o m aravilhoso é agradá-
«se um a coisa é possível, o seu sem elhante tam bém é possível»; «se o que é difícil é vel» 16. M as a prosa não adm ite isto tanto com o a poesia, um a vez que o seu
possível, tam bém o fácil o é». D e seguida, A ristóteles passa a algo ainda m ais tem a é inferior. M esm o na poesia, não gostam os de ouvir um a linguagem ele-
geral, ~ . «persuasões com uns» ou form a a que se reduzem todos os argum en- gante na boca de um escravq.ou de um hom em m uito jovem .. D ~ vem os baixar?u
tos retoncos: o exem plo (cap. 20) e o entim em a (caps. 21-24). O últim o inclui elevar o nosso tom de voz consoante a dignidade do assunto, e IS to deve ser feito
a Y -V I.JI-lT) ou sentim ento m oral geral, que é a prem issa m aior ou a conclusão de sem ser notado. O nosso discurso deve parecer natural, tal com o a voz de um
um silogism o, onde tudo o resto é deixado subentendido. N o capítulo 23 encon- actor suprem o parece ser sem pre .a. do caráct~ r .da persona~ em repre~ entad~ .
.tram os um a nova série de "Ó 1tO L , em núm ero de vinte e oito, bastante distin- A ristóteles assinala a form a esqU isita de E unpldes produzir um efeito poe-
tos dos quatros m encionados nos capítulos 18 e 19. A relação entre estas duas tico m ediante um a escolha criteriosa das palavras m ais com uns. A s palavras
séries é um pouco enigm ática, e a m elhor form a de a explicar consiste talvez em pou'co usadas, as palavras com postas e as palavras forjadas da poesia~ evem ser.
adm itir que a Retórica representa as notas de m ais de um a das suas prelecções. evitadas. A penas o que todos us~ m - as p~ lavras vulgares e as m ~ t~ for~ s -
O s tópicos dos capítulo 23 são um a selecção dos enunciados nos Tópicos. A í deve ser utilizado pelo orador 17. E preciso eV itar, a todo o custo, a utlhzaçao de
está o tópico dos «contrários», o das «inflexões sim ilares» o dos «term os relativos» ornam entos banais e frios 18.
o dos «a fortiori», etc. T am bém nós é apresentada (cáp.' 24) um a lista de falácias' . D a escolha de palavras isoladas, .A ristóteles passa para a sua com binação
análoga à dos Sophistic E/enchi. F inalm ente, apresenta um a exposição acerc~ . em frases. O s títulos dos capítulos são: a pureza gram atical (cap. 5), a dignidade
dos m odos de refutação (cap. 25) e um apêndice destinlldo a afastar dois m al- (6),.a propriedade (7), a harm onia rítm ica (8), a construção de ~ eríodos ~ 9),
-entendidos possíveis (cap. 26). a vivacidade (10, 11) e os estilos próprios às três divisões da retónca: política,

O segundo livro term ina, e o terceiro com eça, por um a divisão inteiram ente " judicial e declam atória (12). E stes capítulos contêm m uitas observações justas e
nova dos conteúdos da arte retórica, em m eios de persuasão (ou seja, os assuntos penetrantes, as quais vieram a tornar-se lugares-com uns dos ~ rabalhos sobre

t~ atados até aqui: o argum ento, ocarácter e a em oção), o estilo e o plano de o estilo. D evem o-nos contentar em notar alguns pontos que nao se tom aram
discurso. Isto assem elha-se a um a peça de. retalhos, e D iels afirm ou 14 que, . tão vulgares. A ristóteles insiste no facto de a 'prosa dever ser rítm ica; sem

15 lII, I.
13 M as aplica àcidentalm ente o "Ó 1tO C ; da «grandeza relativa» à aptidão, em I. 7, e à 16 1404 b I I.

justiça, em I. 14; C f. .1393 a 8-16. .17 lII, 2 .


14 Abhandl. d. K. preuss. Akad. d. Wiss. 1886. 18 lU , 3.

279
278
A R IS T Ó T E L E S R E T Ó R IC A E P O É T IC A

ser ~étrica. Um ritmo muito pronunciado parecerá artificial e afasta a atenção interessados em saber como foi realizado o truque. Por estas razões, tratárrios
daqUilo que o orador pretende afirmar. Um discurso inteiramente desprovido.de muito brevemente deste livro, tendo-nos contentado em fornecer uma visão
ritmo assemelha-se a uma cadeia interminável de palavras. Os dáctilos e espon:" global do seu plano geral, a qual poderá, talvez, ajudar o leitor a orientar-se na
deus são muito majestosos para a prosa; o jambo representa muito mais o estilo sua leitura.
do discurso quotidiano; o torqueu é uma medida muito ligeira. Por isto, Aristó-
teles pronuncia-se a favor do ritmo peónico, o qual não é a base de uma mé-
trica definida sendo, consequentemente, menos aparente que os outros ritmos. POÉTICA 20

Advoga a combinação - uuu no início e uuu - no fim da frase. No que diz


respeito ao ritmo geral da frase, prefere o estilo periódico compacto ao estilo Pelo contrário, a P o é tic a é uma das obras mais vivas de entre todos os
frouxo de Heródoto. Observa o valor da antítese, do equilíbrio e da assonância trabalhos de Aristóteles. Nenhum dos seus trabalhos atraiu mais a atenção de
entre os elementos da frase, como forma de se constituir um período com um maior número de brilhantes intérpretes, nem nenhum outro foi objecto de
princípio, meio e fim. Reconhece a superioridade da linguagem que «coloca as discussões mais disputadas a respeito do seu significado. E mesmo apesar de não
coisas diante dos nossos olhos», que «representa as coisas em acção». Como é nos ter chegado mais do que um pequeno fragmento - sobre um assunto
mais viva a expressão «em toda a flor da sua juventude» do que «um homem bastante afastado dos seus interesses fundamentais -, devemos ainda reconhe-
quadrado»! 19. cer que o seu autor é um dos maiores pensadores analíticos.
Voltando ao problema do plano de discurso, Aristóteles ridiculariza a O termo 7COtll"'tLX"IÍ possui, em Aristóteles, mais de um significado. No
comum divisão elaborada de discursos em partes, algumas das quais eranf,de seu sentido mais geral, inclui as artes úteis e as belas-artes, em oposição à
facto, peculiares a certos tipos de discurso. As partes essenciais são duas: estabe- arte da vida e à ciência. Na P o é tic a , tem um significado mais estrito.' Pertence
lecer o nosso problema e prová-lo. Contudo, Aristóteles consente em admitir, ao género de «imitação» 21 que é co-extensivo com as belas-artes, mas não consti-
pelo menos, a divisão do discurso proposta por Isócrates em exórdio, exposição tui a totalidade deste genero. É estabelecida uma distinção 22 entre as artes que
do assunto, prova e peroração. Os capítulos seguintes tratam destas quatro imitam por intermédio da cor e da forma e aquelas que imitam pela voz, respon-
partes, por referência às três espécies de oratória: política, judicial e declamató- dendo a última expressão, grosseiramente, ao que Aristóteles designaria de
ria. O exórdio, nos capítulos 14, 15; aexposição, no 16; a prova, no 17 (com um ~oesia, em oposição às artes plásticas; mas apenas grosseiramente, pois teríamos
apêndice sobre o modo de questionar, no capo 18); e a peroração, no 19. ~i!!ºª-_'te"K~ne!:?).iz!'l:~"
a «,::"()z».
e.fl.l.~<~oI1!»~par~.~btermosa música instrumental"
A R e tó ric a pode parecer, à primeira vista, uma curiosa amálgama de crítica. tendo de generalizar ainda mais para obtermos a dança. O que é que existe,
literária e lógica, de ética, política e jurisprudência, misturadas habilmente por então, de comum à música, à dança e àquilo que n ó s chamamos poesia e que
alguém que sabe bem como se pode jogar com a fraqueza do coração humano. leva Aristóteles a reunir estas artes num único grupo? Ar~stóteles nã~...Q diz
Para se compreender bem o livro, é essencial não perder de vista o seu propósito expressamente, mas este significado pode ser visto se considerarmos os princí-
puramente prático. Não consiste num trabalho teórico sobre qualquer destes plos"apartirdo;;qu-als'subdi"video grupo. Estes princípios são: os meios, os objectos
assuntos. Constitui um manual para o orador. O assunto interessou muito eo'modOdCímitãÇãoi3-:-l)OS-,;;eT~s-apio"priados a este grupo são: o ritmo, a
profundamente os Gregos. Aristóteles foi, como ele próprio afirma, menos , li~guagem e a melodia; e aquilo que têm em comum é a sucessão temporal, em'
pioneiro nesta matéria que nalgumas outras. Mas o seu trabalho atingiu uma oposição à extensão espacial pela qual a pintura e a escultura produzem os seus
enorme 'al;1toridade. As suas doutrinas reaparecem constantemente nos traba- efeitos. Os fenómenos espaciais visíveis desempenham, é claro, a sua parte no
lhos sobre este assunto efectuados pelos Gregos, Romanos e até mesmo nos dos drama, mas, na o'pinião de Aristóteles, esta parte é bastante secundária 24.
autores modernos. Milito do que afirma aplica-se apenas às condiçõ~~ da socie-
dade grega, mas uma grande parte permanece verdadeira. Se a R e tó ric a nos
parece menos viva que a maior parte dos trabalhos de Aristóteles, isso de-
ve-~e .pro.vavelmente ao facto de os oradores de hoje (e correctamente) estarem
maiS Inclinados para o seu talento natural.e para a sua experiência do que para a
instrução, e porque os auditores, ainda que também sejam facilmente submeti- 20 A exposlçao que se segue da P o é tic a deve muito ao artigo de R. P. Hardie in «Mind»
dos à influência da retórica, se envergonham um pouco deste facto, não estando (N.S.), IV. 350-64.
21 144"7 a 13-16.
22 Ib id ., 1 8 -2 0 .
23 Ib id ., 1 7 .
19 141 I b 24-29. 24 1450 b 16-20, 1453 b 3-11, 1462 a 10-13, 17.

280 .281
A R I S T Ó T £ l .£ S
R E T Ó R IC A £ P O É T IC A

P odem os conjecturar que deveria ter pensado que não constituía grande perda apenas significar que ela é a arte m .~ Ü s.,~ xR r:e~ ~ jva-,
a que com m aissucesso,< iá,
se os actores representassem por detrás dos cenários 25. Ç 9JP 9 à t;r:rrQ @ .9.,.9
.!!..ill.1!!:~
falar~ ~ ú~ .t:str! ~ ~ ~ nente~ ul!ljl_y'~ ~ _g!!e
..JU ;m .9£i'iJL ap..enas-.
A m elodia não existe sem ritm o, e as sete com binações possíveis dos três exis~ __ Qª,s.a.l.m~~), ,a",q 1.!e .•,m ais ..efectivam en,te çonse g),lejl!,zer. ,Q as,çe_r, ..'!:,º!J:!U !~ .
tipos de m eios reduzem -se então a cinco. C onsequentem ente «a poesia» possui .Q !!t!:!isl::II1oções_pr;ºxi1tlªS ,_~ ~ st:Il1i.das,ou iIllagi.na~ a~ pel.2,ªr~ !~ !.\l. T irarem os a
as seguintes divisões: m esm a conclusão se considerárm os a variedade de m eios adoptados por diferen- "")
'\ R itm o
-t>~ L inguagem
.
.
D ança. tes artistas. 1:9!ta.,l!
__
ª~ ,.ªrt.~ s J)o~ ~ ,~ ~ as< < ÍI,ll!t.a.':!1)!
a~ ~ .£ri.~ ,~ ~ ~ . .2..Q E ª! ! ! ? .! p ? - ,d u : ! .£ ! , ',:;J'
P rosa-im itação (m ím ica, diálogos socráticos). .s..vig£!!~ !..~ -,- de ~ l1l':.~ forJB iL m ;:ü~ . .£º.!!1.Q .!e.!.ª,e se as outras pretendiam
jR ~ tm o+ lingua~ em E legias, épica. reproduzi-la, estariam a perder o seu tem po utilizando m eio s tão inferiores. t,/'
í R ltm o+ m elodla . M úsica instrum ental.
L R itm o+ linguagem + m elodia L írica, tragédia, com édia 26.
Uma
elevado
vez m ais, o fam oso ditado «a poesia é alg()de_.IT I~ Js.m 2l',Q fic.2
que. ahistód~ .~ p.Q is.~ l!,l'_(l.l!~ l'..)~ [irm 'ilçº~ ,sy_~ íi.Q .º.e~ IlIlJU .r~ ;Z
.•Ra,
lJiye.t;.~ g
. .~ ,< l~ J!.~ .~ i~ ~ ,
f ;
~ q.uanto--.as,d,a".,N sJP .riª. _S ã..~ L g!;.,Q a,t!;1~ t;~ ?sivg~ I.a,p> 32, conduz-nos à m esm a )

O bserva-se que o que distingue a poesia da prosa não é o verso, m as o facto conclusão. ~ ~ tL ,l!!'2..J21t?,\~ ...
'1< 1~ ,!::~ .P J:~ ,!\!,y.~ iI,~
..£g,!~
,ro~.ajqp.i,yj£!1,1~ L lIJ.,~ ~ .~ !.l!2:"1~
,-' r /
de ser um a «im itação». A s pinturas fictícias de carácter e costum es, com o a " n.Q v£. çorpo ~ vt?!~ ~ < :!~ ..J!_n..i:Y ~ <D
:,I~
e -ªI.
facto, existe um perigo nesta noção de, V
m ím ica, são poesia, em bora não sejam m étricas, e E m pédocles não é um poeta • ,;~ ~ ~ ~ J:...!~ l.~ !.I1~ nte de~ enera no ponto de :vist.a~ ue ~ ~ ja..de1le .r-
em bora escreva em verso. E ntão, o que é im itação? A ristóteles nunca o diz. .:. á.P ..fE .~ ~ flta.!J1p.9_L ~ < k-ea.rª.ctW !1 b.e,J;tQ s"dos.J S ,ªç_O "S o.JD glY JºJJ.l!l~ _q1!~ d:~ ~ l;m
T om ou a palavra de P latão com o um a expressão de um a corrente na crítica iaílto. as pessoas.re"ai~ ..£Q .rno_,ºS .,ç-,:lxageIes.( i~ tíc.iº.S _im .exe~ s~ m t.eS
..L ªgP :!.dá,X eJs.:F .

I literária. para £lªtã.o,.ca..a..n~ .= iooa.im itaçâQ 4~ ~ sas~ síveis, pill..IU e.io-de-lllllil.c


t A doutrina de A ristóteles. foi m uitas vezes interpretada deste m odo. M as
interpretá-lo assim equivale a pensar o universal com o sim plesm ente aquilo que
/w .pia,..çJ.!U -!!Jl D í:yelJ.1!1:eJ;;iºI...da....a;.alid.illl~E7. isto conduzil,l-o a condenar a arte
em dois pontos: o artista pretende sem pre ser outro qualquer. S e descreve
«pode
tóteles
ser atribuído
o universal
a m ais que um a coisa»
é o necessário 34.
33

A história
e esquecerm os
descreve
que, segu~ JÍQ .A D i::
os acontecim entos nos
um a batalha, pretende falsam ente saber com o as batalhas deviam ser conduzi-
q~ ~ is ~ s~ quêncian~ ~ essária ent~ ~ causa e efeito é obscurecida por um a série de
das. S e coloca palavras na boca de A quiles, pretende ser A quiles. «A vida, no
estado de P latão», foi correctam ente assinalado 28, «foi dividida em secções, factores fortuitos. Â J!Q \;1!,iA .e,..parÜ ç.!11ª-r.m ~ n$:lli~ g~ q!ª,,[ç'p.ffi~ ç,n!am ains:v~ tá-
..dº..d.!< stino_em relação.ao
yM e~ m ;,J).d~ _n.ç,i_ª çaráçter. V erem os que, de um m odo
com o os quadrados de um tabuleiro de xadrez; e a justiça, a virtude caracterís-
geral, A ristóteles é fiel a este princípio no seu estudo da tragédia. N o entanto,
tica da sua sociedade, consistia em m over-se nas suas próprias casas, sem interfe-
não se liberta inteiram ente da palavra «im itação». S e o tivesse feito, teria prova-
rir com as dos seus vizinhos. M as o poeta é um transgressor», Em segundo
velm ente escolhido um a outra palavra. E teríam os as provas do efeito nefasto
lugar, ..Q ..A (ti$!il
.. nunca.im ita .a_realjdªg~ --diI:e~ tam e.nt.~ -1[);lj!~ u< Q is~ s_sç.fl$íyeis,a s
provocado por esta palavra no seu pensam ento.
w -il,-!ai.J,& ~aI!~ ~ _S ,Q m t!.rl!L p'álidas da rea~ . A ristóteles não com bate explici-
P recisam os regressar à sua divisão da poesia em duas espécies. 2) O se-
tam ente este ponto de vista, m as fornece m ateriais para a sua correcção 29.
,"','
• gundo princípio de divisão é o seguinte: o im itador im ita os hom ens 'em acção, .

~ t.[~~:~:ii~t~~:~~t~~:~~t:.:~~ç~çJ;~"~-';;f~:,;t~~~~~T
~ .. m ente apresentada
;ti;if~:c"
E ste é um princípio independente,
. acim a, ao m esm o nível ou abaixo da natureza hum ana, tal com o esta é vulgar-
35. dividindo cada um a
aquela que podem os ª£U ~ S iir. •..é a
,rn.Ç ,l1Q .~ L .d.e...;..t.~ .p.L Q .d.\!l-ÍL ..~ Q r~ ee-xis.í.!,;rJle.
das espécies de poesia, previam ente reconhecidas, em três outras espécies. O seu
,m úsic.a. C ontudo, para A ristóteles, ela é a arte m ais im itativa 3'. Isto quer
principal valor para A ristóteles consiste em perm itir-lhe distinguir a tragédia, ou
representação dos caracteres bons, da com édia, ou representação dos caracteres
m aus 36. P recisará m ais à frente esta distinção. A com édia representa os
hom ens piores do que em m édia o são, «não a respeito de qualquer espécie de
"
25 Se levarm ,os em linha de c,onta o sentido m ais lato de «ritm o», no qual é distinguido d,o vício, m as som ente a respeito de um em particular, o ridículo , que é um a parte
m etro e c,onsiderado com o podendo aplicar-se à prosa ( R h e t ., 1408 b 30), o ritm o é o m ei,o com um a
tudo aquilo designad,o pór A ristóteles de p,oesia. '
do desagradável. O ridículo pode ser definido com o. um erro ou deform ação
26 1447 a 23 - b 29.

27 É natu~ alm ente difícil dizer em que m edida os pontos de vista expressos p,or 'S ócrates na
R e p ú b lic a representam ,o próprio pensam ent,o de P latã,o.
32 1451 b 5-7.
28 P rickard, A. on th e A r t of P o e tr y , 3 3 .
33 P or exem pl,o, D e I m ., 17 a 39.
29 C om ,o, de fact,o, P latã,o ,o faz abundantem ente.
34 P or exem pl,o, An. P o s t ., 1, 6.
30 1447 a 28.
35. 2.
P o e t ., capo
11 P o l ., 1340 a ]8 - b 19.
36 1448 a 16-18.

282
283
A R IS T Ó T E L E S
R E T Ó R IC A E P O É T IC A

insusceptível de causar d a r a u afensa. n a s a u t r a s » 37. E a tragédia representa a s epapeias. Em última instância, a s dais extremas de mavimenta culminam, res-
caracteres indubitavelmente bans, mas não. estando. de tal farma acima de nós pectivamente, na camédia e na tragédia, «pais estes navas m o . d a s de arte s ã o .
que percam a nassa simpatia 38. Para além dista, em cada espécie de paesia mais cansideráveis e mais estimadas que a s anteriares» 44. Mais precisamente, a
existem autares que representam tipas de carácter elevadas e autras que repre- . tragédia e a camédia surgem da intraduçãa de uma parte falada e improvisada
sentam tipas mais baixas 39. em canexão. c a m a s ditirambas e as canções fálicas, respectivamente. A primi-
Esta classificação. d a s caracteres representadas na paes ia c a m a bans a u tiva ligação. da tragédia c a m a dança também é abservada.
maus indica quanta Aristóteles é influenciada pela tendência maralista na A paesia épica e a tragédia passuem em c a m u m a serem «imitações» de
crítica estética, a qual é sempre a primeira a surgir, senda particularmente temas sérias, numa grande quantidade de versas 45. Na entanto., dife'rem na
farte em Platão.. Aristóteles admite maus caracteres na drama, mas apenas seguinte: I) A epapeia é canstruída numa espécie singular de versas e numa
quando. estes s ã o . necessárias à intriga 40, e apenas em papéis secundárias. Não. farma narrativa; 2) a epapeia não. tem qualquer limite fixa de tempo., enquanto. a
cancebe a passibilidade de um herói c a m a Macbeth a u Ricarda IH a u Satã tragédia «esfarça-se par manter, quanta passível, a seu limite num simples cir-
canquistarem a n a s s a interesse pela sua intensidade. O seu pensamento. está cuito. d a sal, a u muita próxima disso.» 46. Aristóteles menciana aqui a dife-
naturalmente condicianada pela tradição. da drama grega. Mas uma persana- rença de tamanha, quer na Grécia, quer pasteriarmente, entre a drama e a
gem c a m a Clitemnestra paderia, se ele a tivesse cansiderada suficientemente epapeia, derivanda-a da maiar duração. da acçãa representada. Nesta passagem,
levá-Ia a substituir a «grandeza», a u «intensidade», pela «bandade». ' a supasta afirmação. de Aristóteles acerca da «unidade d a tempo.» n ã o . canstitui
. 3) E~ terceira lugar, as imitações - mas isto. aplica-se apenas às que uti- uma afirmação. que lhe seja própria, mas sim um mera facto. histórica respei-
lizam a linguagem, à paesia tal c a m a n ó s a cancebemas - estão. divididas em tante às práticas d a s dramas gregas - ainda que, sem dúvida, tivesse canside-
narrativas e dramáticas 41. I s t o . farnece uma distinção. adicianal entre a épica e rada a unidade d a tempo. c a m a pradutara da «unidade de acçãa», que é a única
a . ~ramática, mais impartante que a estabelecida pela primeiro princípio. de unidade em que insiste 47. A referência à «unidade da lacal» é igualmente
divisão.. Na drama, a acçãa é imitada através da acçãa. vaga 48. Apenas afirma que a tragédia não. pade representar acções que acante-
Seguidamente 42, Aristóteles esbaça a arigem da paesia e da drama em ceram, s i m u l t a n e a m e n t e , em várias lacais. Em terceira lugar, 3) a epapeia e a
particular. A paesia deve a sua arigem a dais instintas primitivas: a instinto. de drama diferem, igualmente, n a s seus canstituintes. O drama utiliza as meias da
rimit~çãa e a instinto. de nas deliciar~as c~m .as ~mitaç~es feitas pelas a u t r o s . meladia, em ligação. c a m a ritmo. e a linguagem utilizadas pelas épicas.
j ~~~.Rr~:z:~E._<:?!!1_.~l~~--= .~_,:~!~
__
~.[I!!11_l!.Ç~.Q..mqK?_<!c.J!.p.e.naçã,o.,
.PPJ':'-Pi\Ú~,g~ Aristóteles passa agora 49 à definição. da tragédia. É «a imitação. de uma
I t\nll2t~~~,. _~t:...u,r.r!-.~
,_'}_~ç~~.p~.r~~.~~.~?~1!.!~~~. _~~.~~.i.!açãa - ~esn1Q acçãa que é baa e também co.mpleta em si mesma, passuinda alguma extensão.,
l.. qlli!.[1..!!.<?_::l.~.s2~sa.1U!PJtª!!ll~_~-ªQ..P..Q.UUtr.,Qp...u.~~,..9pl<2E9.~~S..
Anstóteles explica este elabarada numa linguagem agradavelmente temperada, em que cada espécie
segunda mstmta, de um m a d a demasiadamente intelectualista, cam a uma segue separadamente nas paçtes da abra; numa farma dramática e n ã o . numa
farma d a instinto. que nas impulsiana a canhecer, a qual canstitui a o.rigem de farma narrativa; com acidentes capazes de pravacar piedade e temar, par meia
ta d a a pragressa mental. O prazer, segunda. se diz" cansiste em recanhecer d a s quais se realiza. a purificação. de tais e m a ç õ e s » 50. Canhecemas já algumas
a que a abra de arte pretende representar. Mas Aristóteles assinala acidental- partes desta definição. - c a m a a género (imitaçãa), as diferenças específicas que
mente, uma autra f a n t e igualmente impartante d a prazer que retiramas das designam a a b j e c t a , as meias e a s m a d a s de imitação.. ~o à «)ioguage.!!1
abras de arte: a prazer sensível em caisas c a m a a c a r , a meladia e a ritmo.. ~Jªº-ªyelmente: tt:1!!perada~,,_esta é eJg>J!cad~_~ºjficanda~<lioguagem ~
Partindo. destas arigens, a paesia dividiu~se em dais gép.eras, de acarda cam ma+meladia».' «Cada espécie aparecendo. separadamente nas diversas partes da
as diferenças de carácterdas paetas. «O espírita burilada imita as acções abra», refere-se ao. facto. de a tragédia, cantrariamente ao. ditiramba,fazer usada'
nabres.'. a s espíritas triviais imitam as acções d a s hamens vis» 43. Assim, par meladia unicamente nas partes carais 51. Estas diferenças s ã o . SUficientes para
um lado., praduzem-se as invectivas, par a u t r a , a s hinas, a s panegíricas e as

44 1449 a 5.
37 14.49 a 32.35. 45 b '9 (leitura, de 'Bywater).
38 1453 a 7.8. 46 b 12.
39 1448 a 11.16, 1460 b 33.35. 47 Caps. 8-11.
40 1454 a 28, 1461 b 19.21. 48 1459 b 22.26.
41 Capo 3, cf. PI., R e p ., 39.2 d. 394 b. 49Cap. 6.
42 Cap. 4. 50 Isto é (penso),- de outras emoções de ,piedade e medo.
43 1448 b 25. 51 Cf. 1447 b 27.

284 285
(
J

A R IS T Ó T E L E S f R E T Ó R IC A E P O É T IC A

I
distinguir a tragédia de qualquer outro género literário grego, e muito provavel- de ordem não moral. O primeiro ponto de vista tem o apoio de muitos nomes
mente de qualquer outra literatura. Mas Aristóteles acrescenta-lhe outras carac- famosos, e está principalmente associado ao nome de Lessing. O outro ponto de
.)~rí.stica~_l)" A acção representada deve ser completa, isto é, deve ter princípio, vista foi apoiado logo na Renascença, tendo sido colocado acima de qualquer
. 'melO '<;(fIm. :Não deve ser uma espécie de composição em que não podemos' discussão pelos argumentos de Bernays 57.
encontrar qualquer motivo para o facto de a acção se ter iniciado, ou ter aca-
I Podemos distinguir um objectivo directo e um objectivc ulterior da tragé-
t
bado, em determinado momento 52. Deve ter um início inteligível em si mesmo,
mas que não provoque o aparecimento enérgico da pergunta: «como é que isto
,: dia, O seu objectivo directo consiste em provocar piedade e temor, piedade pelos
sofrimentos passados e presentes do herói e temor por aqueles que se apresen-
pode acontecer?». Deve ter um fim satisfatório, sem provocar a pergunta: tam à sua frente. Algumas vezes, pensou-se no vigor de certas passagens da
~'.
,«então, e depois?». Por último, deve ter um meio que decorra do início e seja ~ ' R e tó r ic a 58, aquelas em que, enquanto a piedade do espectador é pelo herói, o

nesessário ao fim. Mais, 2) deve possuir uma certa extensão 53, Aristóteles está
i seu temor é por si próprio - um temor semelhante ao do destino deve atingi-
~. -lo 59, Mas é pouco provável que qualquer espectador vulgar tema o destino,
completamente certo de que cada coisa, seja ela um barco, uma cidade ou uma
..... i,. por exemplo, do herói típico de Aristóteles, isto é, Édipo. Para darmos sentido a
obra de arte, possui um limite de tamanho que lhe é apropriado. Principalmente, ~
a beleza depende do tamanho. Se o objecto é demasiado pequeno, «a nossa i esta hipótese, o temor terá que ser generalizado num vago temor pelo destino
percepção torna-se indistinta, pois aproxima-se da instantaneidade»; se é dema- desconhecido, o qGal existe em cada um de nós, mas não podemos encontrar
siado grande, «a sua unidade e a sua totalidade perdem-se». Tal como um todo
belo e visível deve possuir um tamanho que possa ser abrangido pela vista, assim
também uma boa tragédia deve ter uma duração que lhe permita ser retirada
pela memória. Sendo o interesse algo de acumulativo, a acção deve ter uma certa
I
I
qualquer traço deste facto em Aristóteles. De facto, afirma directamente
o temor é pelo herói 60. É verdade que, para que nos seja possíveJ senti-lo,
o herói tem que ser «como nós». Mas isto é assim apenas porque, sem a existên-
cia de qualquer semelhança, somos incapazes de sentir temor por ele.
Que a tragédia provoca piedade e temor é do conhecimento comum, e foi
que

duração de forma a provocar o nosso interesse pelo todo, não devendo, con-
tudo, ultrapassar uma certa duração, sob pena do interesse ser dissipado pela uma das principais razões do ataque de Platão. Por estimular a emoção, disse

I
fadiga .. Est~ diferença afasta a tragédia dos pequenos improvisos, aos quais ele, a tragédia torna-nos mais emotivos e fracos. As respostas implícitas de
~eve,. hlstoncamente, o seu nascimento; mas, ao mesmo tempo, serve para dis- Aristóteles apontam para o facto de os efeitos da tragédia não serem o tornar-
tmgUlr, também, as boas e as más tragédias. As duas diferenças tomadas no seu -nos mais emotivos, mas sim purificar as nossas emoções. Que é este o significa-
conjunto são interessantes, pois é aqui que Aristóteles se refere, mais explicita- do de xá.6apcn.C;, está bem demonstrado se levarmos em conta duas passa-
mente, às condições formais da beleza à qual o dramaturgo, tal como todos os
outros artistas, é suposto aspirar. Das três condições da beleza mencionadas
noutras passagens 54, a «simetria» é omitida, 'talvez por ser mais apropriada às
! gens da P o lític a 6\ onde Aristóteles descreve certas formas de música chama-

artes plásticas. As condições que se referem ao princípio, meio e fim são identifi-
cadas com a «ordem» 55. E, nas regras relacionadas com o tamanho, podemos
reconhecer a. terceira condição, a «limitação». 3) Para estar completa, a defini-
I
i
I
57 Milton expressa uma doutrina intermédia. «A tragédia, tal como foi primitivamente com-
posta, tem sido se~pre considerada como o mais sério, o mais moral e o mais.proveitável de todos os
géneros poéticos. Por esta razão', Aristóteles afirmou possuir ela o poder ao p~de.e..o-
. ção deve mencionar a causa final da tragédia, e isto é feito por Aristóteles ao I medo, ou o terror, de expurgar o eB'irito destas e de.outras paixões semelhantes. ~ dizer, de as
afirmar que a purificação constitui a sua aspiração. Já foi escrita uma biblioteca I a uma Just.~~:.~,da medIante o razer parttcular prodUZIdo pela lel.t!tra Q.~
ç!J'JJ:lperar_Q.u..r.e.dJ!LÍI
inteira sobre esta famosa doutrina. A oposição principal dá-se. entre pontos de .espectáculo de uma boa irititacão destas paixões. A própria Natureza, pelo.' seus efeItos Justtftca esta
v~sta q~e lo~am a xá.~a.PCTLC; como sendo uma metáfora proveniente da purifica- "afirmacão, pois é do mesmo modo ~e, na medicina,' as coisas de cor ou qualidade melancólica são
çao cenmomal, e o objectivo da tragédia como sendo de ordem moral visando a utilizadas para combàter a melancolia, o ácido para combater a acidez e o sal para expulsar os
purificação das emoções; e os que tomam a xá.6aPCTLC; como sendo um~ metáfora humores salgados» (P r e l a S a m s o n A g o n is le s ). ef.:

derivada da purificação dos maus humores corporais 56, e'o objectivo da tragédia «His servants he, with new acquist
of true. experience, from this great event
with peace and consolation, hath dismissed,
52. 1450 b23-34. and calm of mind, all passion spent» '(S a m s o n A g ô n ., a d . fim )
53 34-145 I a i5.
5 4 . M e l., 1078 a 36. Sobre a origem do ponto de vista de Milion, cf. Bywater in J. of P., XXVII. 267-75.
55 1450 b 35. 58 1382 b 26, 1386 a 26.
. 56 A comparação do efeilo da poesia à expulsão dos maus humores pela medicina é tão velha 59 Lessing, H a m b . D r a m . S I., 7 5 .
como Górgias (HeI. £nc., 8-14). Mas nele, não há qualquer doutrina acerca da expulsão da paixão 60 1.453a 5.
pela s u a p r o d u ç ã o . 6! 1341 a 21-25, b 32- 1342 a 16.

286 287
ARISTÓTELES RETÓRICA E POÉTICA

das «orgiásticas» ou «entusiásticas», por oposição a outras que são «éticas)) piedade. Significa, somente, «a reJelçao delas na medida em que estão em
ou «práticas)) (isto é, imitativas do carácter ou da acção)"não aspirando à ins- excesso)). Não há nada, nas associações médicas de xá8a:pcTLç, que interdite esta
trução ou ao divertimento, mas antes à xá8lXPCTLÇ. «A emoção que se apresenta interpretação, e o senso comum aponta a seu favor.
em certas almas de forma violenta existe de algum modo em todas ~ por O processo a que se faz aqui alusão assemelha-se muito à «abreacçãOl), ou
exemplo, a piedade e o temor, e ainda o entusiasmo, pois esta emoção também libertação da emoção f.Qr:t:.e,
a que os psicanalistas dão muito importância. Con-
produz as suas vítimas, mas sob a influência das melodias sagradas, vêmo-Ias, tudo, existe uma diferença. Aquilo que os psicanalistas tentam obter pela análise
quando sentiram o efeito das melodias que excitam a alma até ao delírio místico, dos casos anormais, ,Aristóteles descreve como um efeito da tragédia sobre o
restauradas como se tivessem encontrado a cura e a purificação. O mesmo espectador normal. Será gue, de facto, __~ ma~~_parte dos homens possuem uma
tratamento deve então ser aplicado aos que estão especialmente inclinados pa- tend~1!cia_~<:;essiva_p~!"~leQ~d~~ . .I~~Lao temor? E ~erá_<l!!e são, verdadeir-ª::,.
ra a piedade, para o temor ou a emoção em geral, bem como a todos os mente, suavizados quando presenciam __ .os sofriT!!.entos_~ __1l.~rói trági<:;.<2Z...Que
outros, desde que sejam susceptíveis de sofrerem tais emoções. Todos estes retiramos Um certo benefício ao vermos oulermos uma grande tragédia, e que é
necessitam de ser purificados de algum modo, e as suas almas necessitam de ser p~i~- pied;d-;~~~mor que produz em nÓ-sosse{;s-~eleitõs~aIg<;~e está fora de
aliviadas ou satisfeitas. Deste modo, as melodias purificadoras fornecem um questão. No entanto, não terá este facto uma outra razão? Será que as pessoas
prazer inocente à humanidade)). Esta passagem refere-se à Poética como forma desprovidas de piedade e temor, devido às suas vidas lhes darem poucas ocasiões
de se esclarecer melhor o significado de a.LcrthU.l.lX, e esta referência diz respeito, para sentir tais emoções, são conduzid.ª-s.__om....ili!.illL momentQ.....a si prÓprias,
sem dúvida, ao segundo livro desaparecido. PQdendqJ.ealizaLíLcarácter..ele..v.ado.e..abismaLda.exlle.riêJlcia bllmana1. Não será 1
Devem notar-se aqui três coisas: I) as melodias catárticas diferem das este ª,-ªr.ga.m.<;IltíLç!fLI}.Q.ss_a_~)Çp_eriência"e
o consequente ensinamento do «autoco- I
melodias éticas que visam a <<instrução)), isto é,(O-ãperfeiçoamento do caráctelt. njJ~cime!1(o_.e_.r~~P~ÜQ:Q!"QRIjQl.l ..~6._a_yeràadeiJ:a-r:azãod0_\1 alor---atI:Íbuído..à....tI:agé-!
Este facto quase que basta para refutar aqueles que fazem do ponto de vista de dia? A explicação de Aristóteles é provavelmente verdadeira acerca da~J
Aristóteles acerca da tragédia algo de moralista, envolvendo a purificação das --;;;turezas que tendem a ser constantemente oprimidas pelo lado obscuro da vida
paixões. O fim para o qual tende a tragédia é o prazer. As belas-artes em geral humana. E não é um homem vulgar que Aristóteles tem em vista, pois o homem
situam-se entre aquelas que visam o prazer, por oposição às artes úteis, que vulgar gosta de fins felizes, aos quais Aristóteles dá pouca importância 67.
produzem as necessidades da vida, e às ciências, que visam o conhecimento 62. Da definição de tragédia, Aristóteles_p-ªs~ª-- à ~n-,!mer3!_ç-ª9_.4QL~ç!!~_elell:!t':n-
M as o prazer que nasce da xá8lXpcnç é de uma natureza específica, distinta da da tos. E-stes são-osseguTnte-s~segi.mdo ~-~";aordem de im~ortância:JAlQ.~ç!~.J!l.<';!1.:-_
simples relaxação e divertimento 63.O poeta trágico deve visar produzir o prazer,-- tose;:;~ol-vidos~o'()bTecto--i"e-p~e~e;:;tado-=-o;;-;;:;edo, ~ carácter e o pensamento;
resultante do alívio da piedade e do temo..!, e nada mais. Não é certo que (By;;~-e-iementos envolvidosnos'-iTI"ci<;s de-~ep~~ação - a dicção (incluindo
Aristóteles tenhi" nÚ:idame-titei"~conh~id~~- p~~;e7eitéti~~~mo tratando-se de : os dois meios já descritos como linguagem e ritmo) e a melodia; {Çt~._ele~en.!.Q..
uma espécie incluída no prazer em geral, contendo em si mesmo os prazeres envolvido no mundo de representação- o espectáculoj<:;om referência especial à
produzidos pelas várias artes. 2) A linguagem aqui empregue é de tipo médico, e caracterização dos actores). Aristóteles esforça-se por mostrar gue o enredo é
isto ressalta tanto mais à vista quanto de mais perto for examinada por relação mais,imp~I"tan~ClI:!~ o carácter e o pensamentQ., e isto veio a provocar a crítica_
com os trabalhos biológicos e hipocráticos de Aristóteles 64.3) O emprego que dagll~J~s_q lle têI!l_~~U;:!1ráct~!...£Q.!!!_(UeO
nstitui nd o o elemento_}!lª!S __ ~ !!!p().!:t.ª-I!.
te
Aristóteles faz deste termo noutras passagens mostra que a «purificação de tais duma peça (ou duma novela). O enredo' (disse-se), se estiver divorciado do
emoções)) mnifica provavelmente «a sua rejeiçãO))1 não (como foi por vezes ~arácter e do pensamento, reduz-se a uma série de movimentos realizados por
,suposto) «a r~jeiçãõ-dõs"seiiseíeme;;t;;s.iii-ie~i~;es;;:M as isto não significa a,sua pessoas sem qualquer qualidade moral ou intelectual particulares. E 'um tal
total rejeição. Com efeito, Aristóteles não pensa constituir um bem para
-
o enredo - uma intriga com manequins por personagens - não possui qualquer
homem o estar inteiramente !\Yr.«<...º-<UQ4.ª-ª-!~~ncia para_~do ou piedade_: valor artístico. Seguramente, a antítese é absurda. Como podem as criaturas que
«existem coisas de que devemos ter medOl) 65 e coisas de que devemos sentir se movem no palco realizar as suas evoluções se não possuírem uma espécie
qualquer de pro'pósito e sem que, naquilo que fazem, esteja implícito um certo

Mel., 981 b 21, c(. Pael., 1448 b 13, 18., 1460 a 17, 1462 a 16, b 1.
62

Pai., 1341 b 38-41, 1342 a 16-28; Pael., 1453 a 35, b lO, 1459 a 21, 1462 b 13.
63
64 Existem muitas passagens na literatura antiga que confirmam esta interpr"tação; Plu!., 'Qu.

Conv., 3,8,657 A, Aris!. Quint., De Musica, 3,25 (p. 13 Jan), lambI., De Myst., 1,11,3.9 (ed. 66 Shelley, Delense 01 Poetry, in Prose Works (ed. Forman) UI, 116 (citado in E.F. Carrit,
Parthey), Produs' in Plat. Remp., I, pp. 42, 49 segs. Kroll. ' T1,eory 01 Beauty, 140).
65 E.N., 1115 a 12. 67 1453 a 23-39.

288 '~89
R E T Ó R IC A E P O É T IC A
A R IS T Ó T E L E S

grau de inteligência? E como poderiam os caracteres rrianifestar-se sem u m c e r to É neste sentido,--P0r:..refer~J.l,çi.'!c.ll.


sl!a.IcI!1Jci.ª<15'.i.!l!.er:. na
.~..!.l.~~!lgali~de-, ..gl!~.
enredo? Não devemos levar a abstracção aos seus extremos. Para se compreen- Aristóteles descreve a poesia como exprimindo coisas mais universais que as
der bem a ideia de Aristóteles importa notar: I) que a oposição entre enredo e, expressas pela história :;~"A-trãg6dia;lpenãsá.dérê-ãõs-nomes histÓ;lCo~lW-;qü-e
carácter é um exemplo da existente entreactualidade e potencialidade. O carác- o que já se passou p o d e , obviamente, voltar a passar-se e, por esta razão, arrasta
ter quando oposto ao enredo é, precisamente, o carácter-na-medida-em-que-é- consigo a convicção. De facto, por vezes afasta-se com sucesso desta tradição.
-inactivo, e, de acordo com os seus princípios metafísicos 68, Aristóteles é Até aqui, Aristóteles tem vindo a explicar o que entende quando afirma que
!Ja trag,édia...é.,aimita&\iP ..duma..a£:.Ç.ãQcompJet<¥

I
obrigado a dar preferência ao enredo, que é o carácter-em-acção 69. E é por certo Mas, também é uma imitação de
verdade que a maior parte dos amadores de teatro preferem muito mais unia acidentes, provocando a piedade e o temor. Tais acidentes possuem maior efeito
intriga interessante, mesmo quando os caracteres representam lugares-comuns, «quando ocorrem inesperadamente, e simultaneamente, em consequência um do
que uma análise engenhosa e profunda, onde os caracteres das personagens não outro» 77. Os incidentes desta ordem podem considerar-se como «reversos da
fazem nada em particular. 2) Na sua maior parte Aristóteles utiliza na P o é tic a
I fortuna» e «revelações», as duas características distintas do enredo complexo, por
o termo «carácter» no sentido de r e v e la ç ã o d; carácter e a pal~vra «pensa~
I oposição ao enredo simples 78. Toda a verdadeira tragédia, com efeito, implica
! uma passagem da felicidade para a infelicidade, ou da infelicidade para a felici-
mento» no sentido de pensamento expresso pela lin g u a g e m 70. Ora, devemos
admitir que a expressão dramática mais significativa da qualidade moral e dade. Por «reversos da fortuna», Aristóteles pretende significar uma mudança de
intelectual é a a c ç ã o . Assim, o «enredo» absorve em si a parte mais importante tal ordem nos limites de uni acto singular ou cena, comparável à produzida no
do carácter e do pensamento, tornando-se então, sem sombra de dúvida, no R e i É d ip o quando o mensageiro revela o parentesco de Édipo.' O terceiro
elemento principal da peça. O «carácten) e o «pensamento» tornam-se na simples elemento especial no enredo, para o qual Aristóteles chama a atenção, é o
revelação suplementar pela palavra daquilo que se revela melhor através da «sofrimento», ou seja, os assassínios, as torturas e outras coisas semelhantes,
acção. O «pensamento», é-nos dito expressamente, constitui mais um tema de representadas no palco 79.
retórica do que de teoria poética 71. Segundo ele 80, a melhor tragédia deve ser complexa no sentido já defi.
A respeito dos outros elementos, devemos notar que Aristóteles descreve a nido. Devem evitar-se três formas de enredos. «Um homem bom não deve ser
melodia como sendo o maior dos «charmes» da' tragédia, isto é, como sendo visto ,a passar da felicidade para a miséria, nem um homem mau, da miséria para
apenas um acessório, ainda qUe muito agradável; e o «espectáculo», como sen- a felicidade. A primeira situação não é inspiradora de temor nem de piedade,
do o elemento mais extra-técnico 72. Reconhece que o efeito trágico não mas é-nos simplesmente odiosa. A segunda representa o aspecto menos trágico
requer, necessariamente, uma representação da peça. Voltando-se de novo para que se pode conceber ... Não apela, nem para o nosso sentimento humano, nem
o enredo, Aristóteles acrescenta 73 que a sua unidade não reside no ter um para a nossa piedade, ou para os nossos temores. Por outro lado, não se deve,
homem como tema. Muitos dos acidentes da vida são irrelevantes uns aos tão-pouco; ver um homem extremamente mau a passar da felicidade para a
outros. <<..A h istória ... deve representar uma accão. uma totalidade completa, co~ ,miséria. Tal história pode provocar em nós o sentimento humano, mas não nos
os seus vários acidentes, ligados tão intimamente que, se trans[!usermos ou muti- conduzirá qUer ao temor quer à piedade. A piedade é originada pela má sorte
Jarmos ...u l1}ª_d_~suas Rartes, desarticulamos e separamos o todo» 74. É esta a " não merecida, o temor por algo semelhante a nós» 81~ O herói trágico adequado
~a uni~ade que Aristóteles pres<;reve, ~,~~oderíamos cqnceber u-;;;~~ é, então, «a espécie de personagem intermédia, um homem não proeminente-
mente virtuoso e justo, cuja má sorte, contudo, não se abate sobre si devido ao
, cnçao ..~al~.~~~~~!~_~~.~.a.._fI].3:tér~:._As~2m,_«a
f.1!nção do Q~~taconsis!e em descre-
vício e à depravação, mas devido a um erro de julgamento 82 - também, um
~!.'_~ã()_9.9~~_ s~_IJassou, •mas a espécie . de coi~9 ue deveri~.p~~~~~~;=75,'''-
76 b 6.
68 M e t.,€ ) . 9.
'77 1452 a 4.
69 1450 a 16.23. 78 Cap. lO.
79 Cap., 11.
701450 a 6, 29, b 5, 9, li, 1456 a 36. Cf. particularmente 1450 b 8. «0 carácter numa peça é o
80 1452 b 3Q..32.
q'ue revela o propósito moral das' personagens ... quando.isto não é óbvio», quer dizer, na actuação.
81 Ib id ., 34-1453 a 6.' , ' ,
Só em 1454 a 18 é que o «carácten> inclui o carácter na actuação.
,82A palav~a áIJ-ap'da. deve, parece, confinar-se ao erro de iuí70. áIJ-cip.tlll.l.Cl é utili-
71 1456 a 34-36, cf. 1450 b 6-8.
zado neste sentido em E .N ., 1135 b 12-18, R h e t., 1374 b 6; C' á~lClP't'LCl ~, muitas vezes, em'pre-'
72 Cf. o ,x.t£XVCl na R e tó r ic a , 1355 b 35, 1404 a 16. Aqui, o espectáculo, corresponde à
gue no sentido de erro intelectual. Por vezes, é utilizado para designar os 'defeitos de carácter
elocução da retórica.
( F..N.. 1115 h 15.. 111 Cj 'a 34, 1148 a 3), mas este sentido parece estar aqui excluído por
73 1451 a 16.
74 Ib id ., 3 1 -3 4 .
õt áIJ-Clp't'LClV IJ-EyáÀ.T}v. 1453 a 15. Dificilmente poderemos, opor um g rà n d e defeito de carác-
75 'Ih id ., 3 6 . ter' a IJ-OX8l)PLCl.

291
290
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.. ~. :\,
I
ARISTÓTELES RETÓRICA E POÉTICA

hom e~ ~ue goza de um a boa reputação e prosperidade» 83. A preferência A loucura de tentar englobar a totalidade de um a acção épica no quadro de um a
d: .A nstoteles por este esquem a baseia-se, sem dúvida parcialm ente, no Rei tragédia é bem evidenciada por A ristóteles 90.
EdlPO, que foi o seu dram a favorito, assim com o a Antígona o foi para H egel. N o que diz respeito ao «carácten>, são dadas quatro regras 91:O s carácteres
O esquem a é, decerto, em inentem ente trágico, testem unha, por exem plo, Ote/o. devem ser bons (ainda que, com o já vim os, não m uito bons), devem ser apro-
N o entanto, há outras, talvez, tão boas com o estas. É difícil reduzir A ntígona ou priados - por exem plo, ao seu sexo -, devem ser com o o original lendário;
C,ordélia a~ .tipo preconizado por A ristóteles 84.Elas pertencem ao prim eiro dos devem ser consistentes, m esm o que seja apenas na inconsistência. A cim a de
generos rejeitados por A ristóteles - e rejeita-o, sem dúvida, não com o sendo tudo, no carácter, tal com o no argum e~to, o necessário ou o provável deve ser
m au, m as com o não sendo o m elhor. E. M acbeth e Ricardo III parecem dem ons':' atingido. O discurso e a acção devem fluir do carácter. N o que diz respeito ao
trar que o terceiro tipo rejeitado por A ristóteles pode ser tão trágico com o m odo correcto de indicar o «pensam ento» das personagens do dram a, A ristóteles
qualquer outro, enquanto Coriolano e M arco A ntónio, H am let e Lear m ostram rem ete-nos para a Retórica 92. O que tem a dizer sobre a «dicção» é, em parte,
a queda dos grandes caracteres, por interm édio da falta de vontade e não de um a análise interessante das «partes do discurso» 93, em parte, algum as suges-
erros de julgam ento. ' tões 94 acerca da form a com o a poesia deve com binar a clareza com ,.a digni-
dade, m ediante um a m istura sensata de linguagem vulgar com form as it1.vulgares
A ristótel:s prossegue 85 especificando o tipo de situação m ais capaz de
e, acim a de tudo, com a m etáfora. «Isto é algo que não se pode aprender dos
pr,o~ocar a piedade ou o tem or. A pessoa que planeia ou desem penha a acção
outros, e é tam bém um sinal de génio, um a .vez que llm a_hoa.m e.táfoIa.inlp.lica
tr~gIca d:~e ~er um am igo ou parente daquela a quem é (e vai ser) dirigida, e
nao ~m InI~nI~O ou alguém que lhe seja indiferente. N o argum ento ideal, pla- um a percepção ilúJ.litiv ....e.ntrçU LJiJ<m elhlJJl~~<!isse~hant.e» 95..
U m justo sentim ento que ~istinglleoLd.i~!:~te-ª-.géneros literários é exposto
neara a acçao Ignorando este parentesco e apenas o descobrirá após a realização

r
do acto. o.os....c.ap.irnlQ ,s.o.nde
A ristóteles com para a poesia épica com a tragédia. Estes dois
g,é neros assem elham -se pela exigência com um de unidade de acção, situação que
" .A ris:ót~les enum era 86seis form as de «revelação», e entre elas, dará prefe-
renCla, nao a que resulta de «artifícios de sinais e laços», m as àquela em que «a o.s diferencia d~_histQ !.ia 96Jê>....!ª.!TIb~.>..por
englobarem as m esm as variedades
_ sim ples e com plexa, histórias do carácter e dos sofrim entos, etc. - de ele.
g;ande surpresa surge com o resultado de um acidente» 87, tal com o no Rei
.!!!~I1_t.Q .~
co~~~ção de que o género épico dispensa o canto e o esp.J& .1.ã.c.ulo.
Edipo e na ljigénia em Tauride. M ostrando a im portância para o poeta de se
Eks diferem : I) na extensão. Enquanto o m esm o princípio geral se aplica aos
~olocar no lugar das suas personagens, A ristóteles estabelece um a distinção
dois casos, isto é, que a obra deve poder ser abarcada por um a sim ples
m ter~ssante dos poetas em dois tipos. «A poesia exige um hom em com o um dom
visão, o género épico' pode ser m ais longo, um a vez que a form a narrativa lhe
especial, ou .então um que possua em si ':Im toque de loucura. O prim eiro pode
perm ite descrever um certo núm ero de incidentes sim ultâneos. Isto dá ao género
alcançar facilm ente o estado de espírito necessário; o segundo pode realm ente
épico um a «grandeza e tam bém um a variedade de interesses, dando lugar a
ultrapassar-se pela em oção» 88.Tem os aqui algo de sem elhante entre a divisão
episódios de espécie m ais variada» 97, coisas que tendem a arruinar o dram a
e~tr~ ~lássico e rom ântico ou, na linguagem de N ietzsche, entre apolíneo e
pela força da saciedade. D iferem 2) em m étrica. A própria natureza ensinou a
d~o~:H a~o, e é de lam entar que A ristóteles não desenvolva esta sugestão. O utra
diV isa0 m teressante é a que divide a tragédia em tragédias de reverso de fortuna
poesia épica a utilizar ~ai;'r «;;
e m ais' grave verso - o qual o torna m ais
tolerante que o em prego de palavras estranhas e de m etáforas» 98.3) N a épica «é
e de revelaç~o,' e tragédias de sofrim ento, de carácter e de espectáculo. Tanto

.º.e
e.,ossível ir até ao im provável, o factor principal do m aravilhoso, porque não
quanto. posslvel, .todos estes elem entos de interesse deveriam ser com binados 89.
tem os' diante 1!.Q .sa s personagens que agem . A perseguição de H eitor seria
r~idícula sobr~Q illco ... m as no poem a o absurdo não é observado»99. N o

83 1453 a 7-10.
90 1456 a 10-19.
84. A tentativa: por parte de H egel, de m ostrar que o destino de A ntígona é determ inado pela '91' C apo 15.
sua propna falta, e por certo erróneo. N a tragédia, com o na. vida real, os destinos hum anos estão
92 1456 a 34.
m U Itas ye~e.s tão encadeados que as pessoas sofrem os erros de. outrem . E <> tem a não é, por certo,
93 C aps. 20, 21.
m enos traglco por este facto. '. . . .
94 C ap. 22.
85 C ap. 14.
95 1459 a 6,8.
86 C ap. 16.
96 C ap. 23.
87 1455 a 16-20.
97 1459 b 2'8-30.
. 88 32-34.
98 b' 34.36.
89 b 32- 1456 a 4.
99 1460 a 12-17.

292 293

\.
A R IS T Ó T E L E S

entanto, mesmo na épica, as improbabilidades são apenas justificadas se servem


o fim da própria poesia, tornando o efeito mais evidente~
Então, qual das duas é a arte mais superior? 100 A opinião corrente coloca
a tragédia abaixo da épica, devido à vulgaridade exagerada que se tornou em
moda. Aristóteles julga esta objecção como sendo irrelevante, e dá a palma à
tragédia, pelas seguintes razões. I) É uma forma mais rica que a épica, pois a
música e o espectáculo auxiliam no efeito. 2) Possui uma grande vivacidade,
mesmo quando é lida. 3) Atinge o seu efeito com uma grande concentração.
4) Tem mais unidade de acção. E 5) P"n:,-dJJLmª-L~,£Q.I)1...Rletamente o efeito espe-
~_da.....p_o_e.sia--=,_Q .....
p-.razeLqM!'<,.JJ';.IJL.QJ;jgÇJ!LJ.lª..Ri£ºltgf-s'._IlQle_lJlQf,
A tragédia e a épica são as únicas formas de poesia de que muito foi dito na
P o ética . Existe um capítulo sobre a história da comédia 101, e a sua natureza pa-
rece ter sido discutida no segundo livro desaparecido. O outro assunto principal
contido naquele livro consiste numa exposição completa da xá:6a.pcnç, a qual
gostaríamos muito de possuir. A comédia foi provavelmente descrita como
PEQUENA BIBLIOGRAFIA
efectuando uma purificação da tendência para rir, como a tragédia purifica a
piedade e o temor. Da poesia lírica, apenas o ditirambo e o nomo * são OBRAS SOBRE ARISTÓTELES
mencionados, e de um modo acidental. Sem dúvida, Aristóteles considera a
poesia lírica como pertencendo à teoria da música, mais que à da poesia. A \ G Grote' A risto tle ed. 3. Londres, 1883.
P o ética está longe de ser uma teoria da poesia em geral, e ainda menos uma I A' Gerck'e: art. "A~istoteles» in Pauly's R ea l-E n cyclo p a ed ie. Stuttgar.t, 1896. .
teoria das belas-artes. Nenhuma teoria estética completa ou mesmo iriteiramente
I E.' Zeller: D ie P h ilo so p lzie d er G riech en , 11, 2, ed. 4 (Anastatlc). Berhn, 1921. Trad. IOgl., 2 vols,
London, 1897. . . 1910

I
consistente pode ser tirada daí. Contudo, ~tém talyez um grande número de
T Case'. art. "Aristotle» in E n cyclo p a ed ia B rita n n ica . Cambndge, .
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M e c h a n ic a : te x to e c o m e n t., J. P. van C a p p e lle . A m s te rd a m , 1812.
M u s ic a l P r o b le m s ; te x to , tra d . e c o m e n t., F . A . G e v a e rt e J. e. V o llg ra f, 2 v o ls . G h e n t, 1 8 9 9 -1 9 0 2 .
e. S tu m p f: P s e u d o - A r is to te lis c h e n P r o b le m e ü b e r M u s ik . B e rlin , 1897.
SUCESSORES E COM ENT ADORES D E A R IS T Ó T E L E S
D e L in e is I ,! s e c a b ilib u s : tra d . a I. e n o ta s , O. A p e lt in B e ilr ã g e z u r G e s c h ic h te d e r G r ie c h is c h e n
P h ilo s o p h ie . L e ip z ig , 1891.
D e M e lis s o X enophane G o r g ia : te x to , H. D ie ls . B e rlin , .1 9 0 0 .
C h e fe s d a _e s c o la ,. Os C o m e n ta d o re s G re g o s
O e c o n o m ic a , I: te x to e c o m e n t., B. A. van G ro n in g e n . L eyden, 1933.
R h e tq r ic a a d A le x a n d r u m :
- tra d ., H. R ackham . London,
te x to , e.
1937.
H am m er in R h e to r e s G r a e c i, v o l. -I, p p . 8 -1 0 4 . L e ip z ig , 1894.
I A: e. D.e.

C h e fe s dá e s c o la ,. A s p á s io . n. C. 110
A le x a n d re •...........•.•... n. c. 205
A. e. P o rfírio . c . 2 3 3 -3 0 3
D e x ip o . n. c. 350
A ris tó te le s , .......•.. c. 3 3 4 .3 2 2 T e m is tio . c. 3 1 7 -8 8
T e o fra s to _ . 3 2 2 -2 8 8 S iría n ô ~.........•.......... _ n o c. 4 3 (}

A ríló n io _ •.•. n. C. 485


E s tra tã o - ,., _ . 2 8 8 -c . 269 F ilo p ã o . C. 4 9 0 -5 3 0
L ic o _~_ . o •••••••••••••••••• C. 2 6 9 -2 2 5 S im p líc io . n. c. 533
A r-is to n e s de C eos - . 2 2 5 -c . 190 O lim p io d o ro . n. c. 535
C h to la u ; . C. 1 9 0 -1 5 5 E lia s , . n. c. 550
D io d o (o . n. C. 140 D a v id .•.•.•...•.•..•...•.•. n: c. 575
E rim n e u .......•...•....•.... n. C. 110 A s c lé p io ...........•.....•.. n. c. 570
x
y _M ig u e l' .. o •••••••••••••••••• n: C. 1090 _

A n d ró n ic o n. C. 40 E u s trá tio ..•.•.............. C. 1 0 5 0 -1 1 2 0

F ó rm io , S o c iã o E s te v ã o n. c. i150

S o fô n ia s n. c. 1300
B o e lO ,- A rís to n e s de A le x a n d ría , E s tá s ia s , C ra -
tip o , N ic o la u , S o s íg e n e s , X e n a rc o _

I A s d a ta s fo rn e c id a s p a ra o s p rim 'e iro s s e is c h e fe s d a e s c o la in d ic a m o p e río d o p ro v á v e l d o s s e u s c a rg o s .


E n tre E rim n e u e . A n d ró n ic o p a re c e te r h a v id o d o is c h e fe s c u jo s n o ~ e s s e p e rd e ra m .

JQO 30t

==:7 . : -ri
A R IS T 6 T E L E S r
1
O u tro s c h e fe s p e rip a té tic o s Ir
Euderno, Aristóxeno, Dicearco, Fânias.
C 1 e a rc o , M e n o , A d ra s to , H e rm in o , A c a ic o , A ris to c le s '
D e m é trio
J e ró n im o
de F a le ro
B o é c io
!
I
i
!

IN D E X

A c a d e m ia , 14, 18, 33, 196 B e rn a y s , J " 287

A caso, 8 3 -8 5 B io lo g ia , 1 1 9 -1 3 5 '

A cção e P a ix ã o , 109 B re n ta n o , F" 188

A c id e n te , 5 4 ,,6 5 , 170 B ry so , 5 6

A c ro a m á tic o , 17
A c tiv id a d e , ,a c tu a liz a ç ã o , a c tu a lid a d e , 89, 142, C á lc is , 13, 18, 120

1 7 7 , 1 8 2 -1 8 4 , 2 2 7 -2 3 0 C a lip o , 103

A le x a n d r e , 20 C a lís te n e s , 2 0

A le x a n d re o G ra n d e , 1 6 -1 9 C a lo r, 112, 117, 143, 170


A le x a n d r e d e A f r o d ís ia , 2 3 , 2 4 , 2 5 ,3 1 , 147, 159, C a ta rs e , 2 8 5 -2 8 9 , 2 9 4

189, 191 C a te g o ria s , 3 2 -3 5 , 6 3 ; 9 0 , 1 3 7 , 1 7 2

A lm a ; 1 2 8 , 1 3 7 -1 4 3 C a te g o r ia s , 2 1 , 3 2 -3 5

A lte ra ç ã o , 90, 168, 173 C ausas, a s q u a tro , 6 0 , 8 0 -8 3 , 1 6 2

A m iz a d e , 2 3 5 -2 3 7 C ausa e e fe ito , 6 2

A m ó n io s , 22 C ausa fin a l, 8 0 -8 3 , 1 7 8

A m o r-p ró p rio , 236 C íc e ro , 19, 31


A n a lític o s , P r im e ir o s , 2 2 , 2 7 , 3 1 , 4 0 , 4 2 -5 0 C id a d ã o , 252~255
A n a lític o s , Segundos, 2 2 , 3 2 , 5 0 -6 4 , C id a d e , 243, 272

A n a x á g o ra s, 89, 191 C iê n c ia :, 6 3 -6 4 , 1 6 1 , 2 2 1

A n a x ím e n e s de L âm psaco, 26 C iê n c ia s , c la s s ific a ç ã o das, 31, 71, 131; 163,

A n d ró n ic o , 19, 21, 24 193, 239

A n im a is , c la s s ífic a ç ã o dos, 1 2 1 -1 2 4 C ie n tífic o , ra c io c ín io , 5 0 -6 2

A n típ a tr o s ,' 16, 20 C ín ic o s , 2 4 5


A p re e n sã o , s im p le s , 3 5 , 6 3 , 1 5 5 , 1 7 7 , 2 2 2 , 2 2 4 C la s s ific a ç ã o , 121, 257
A ris to c ra c ia , 256, 258, 260, 262, 266 C o lo m b o , 103
A rte , 4 5 , 161, 179, 221, 281, 294 C o m b in a ç ã o q u ím ic a , 1 0 9 -1 1 2

A ssos, 14 C o m é d ia , 282, 283, 294

A s tro n o m ia , 1 0 2 -1 0 5 , 1 1 3 ~ 1 1 6 C o m u n is m o , 2 4 9 -2 5 2

A th e n a io n P o lite ia , 19 , C o n h e c im e n to , 5 7 , 2 2 7 -2 2 9

A to m is ta s , 8 9 , '1 0 7 , 110 C o n s titu iç õ < fs , 2 7 , 2 9 '

A v e rró is , 189 C o n s titu iç ã o , c la s s ific a ç ã o d a s " 2 5 '5 - 2 6 0 , .2 6 2 -

A x ío m a , 5 2 -5 4 , 5 6 , 1 6 6 -1 7 0 -2 6 6
C o n ta c to , 99, 109

B a e r, v o n , 128 C o n t i ; 'ê n c i a , 2 2 7 -2 3 0

B e le z a , 2 8 6 C o n tin g ê n c ia , 4 1 ,8 3 - 5 ,8 8 , 1 7 1 , 1 9 5 ,2 0 T ,2 2 1

B em , 163, 197 C o n tin u id a d e , 9 8 -1 0 1

302 303

" ,

..•,~ ~ ~ ~ ~ ,- - e : ,~ - ~ _ ._ ,,,,,_ ,~ ~ •• - _ ; , '_ ~ " _ '_ ~ _ ; ~ ~ ~ 'o . . h _ _~:'<' ~•.•• ~,_. ",_""""""""" - ••.. _.~ . ..:..h . _L"""'"~"-~<..,.:t~_.~,.......:. ."".:
.•••• ~- . iiIi' -
A R IS T Ó T E L E S IN D E X

I; H y p o th e s i, A rgum entos e x , 46, 5 1 N egação, 38-39


C ontradição, lei da, 53, 166-171 E spaço, 90-94, 99, 173
•N icolall Ç 1!'.Q aID as_C Q ".23_.
,.. ._.
C onversão, 40, 42, 44, 46 E sparta, 253, 260, 265, 269, 272
Ideiasgeográficas de A ristóteles, 103, 116 \N icóm aco, pai de A ristóteles, 13-14
C ópula, 38 E spécie, 65, 66
Ideias ou F orm as (platónicas), 77, 114, 155, \N lcom aco, filho _e" ~A~nstote
~' es, . 15, 25\
J
C oração, 151, 153 E speusipo, 15, 231
164, 174, 178, 181, 185, 196 N ietzsche, 292
C oragem , 208-213 E spontânea, geração, 124, 180
Im aginação, 138, 150-153, 155 N ile . o n th e R is in g o f th e , 2 1
C rescim ento e dim inuição, 90, 108, 173 E ssência, 47, 178
Im itação, 280-285 N Ú ffiero, 90-92
E stado, 193, 242-245,251-254, 257, 258
Im ortalidade, 140, 158 N utrição, 109
D e A n im a , 22, 27, 29, 119, 1 3 7 , 159, 160 E stagiros, 13, 16
E stilo, 14, 19, 20, 21, 27, 28, 278, 279,293-294 Individuação, P rincípio de, 175
D e A u d ib ilib u s , 2 3
Indução, 47-51, 64, 222 O e c o n o m ic a , 2 6
D e C a e lo , 22, 29, 71, 102-106, 115 E stratão, 23
D e C o lo r ib u s , 2 3 ._-'1~~0!
a E udem o. ~ 29, 1Q .l!~ .]~ 2
In fim a s p e c ie s , 35, 60, 175
Infinito, o, 91-92
O ligarquia, 255-259, 262, 264-270
O r g a n o n , 20-22, 29, 31
D e G e n e r a tio n e A n im a liu m , 23, 119, 125-130 - E tic a a N ic ó m a c o 25 27 193-239
Inteligências, 105, 175, 187
D e G e n e r a tio n e e t C o r r u p tio n e , 22, 29, 71-2, E uc I es, 53, 54
Isócrates, 14-16, 18, 280 P a r v a N a tu r a lia , 22, 119
106-114 E udem o, 22, 25, 26
P asícies, 24
D e In c e s s u A n im a liu m , 23, 119, 131 E udem us, 19
Juízo, 35-42, 154, 155 P ela, 13, 16
D e In te r p r e ta tio n e , 21, 32, 36-42 E udoxo, 103, 233
Justiça, 214-220, 258 P ensam ento, 154-160
D e U n e is In s e c a b iliu s , 2 4 E urípides, 279, 292
P er se, 54
D e M ir a b iliu s A u s c u lta tio n ib u s , 24 E xalações, 115-118
K ant, 96, 194, 202-203, 234 P ercepção, 57, 62-63, 224
D e M o tu A n im a liu m , 23, 119 E xcluído, terceiro, 53, 166, 170
P eripatéticos, 17, 30 I
D e M undo, 22 E xem plo, 50, 276, 277
L ei, 193, 260 P eso, 105
D e P a r tib u s A n im a liu m , 23, 118, 121, 13i E xotérico, 17
L es bos, 15, 29 P e titio P r in c ip ii, 47, 68
D e P la n tis , 2 3 E xperiência, 63, 161
L essing, 287 P h y s io g n o m o n ic a , 23
D e S p ir itu , 2J E xposição, 46
L iceu, 15-18, 26-27 P itagóricos, 216, 2.17
De V ir tu tib u s e t V itiis , 2 6
L ícofron, 245 P ítias, m ulher de A ristóteles, 15
D eX enophane. Zenone. G o r g ia , 2 4 F aculdades da alm a, 137-139, 141
L ógica, 31-69 P ítias, filha de A ristóteles, 15
D efinição, 51, 53, 58-62, 65; 78 F alácias, 67-69, 278
L ugar, 93-94 P lanetas, 103-105
D em ocracia, 255-260 F iguras do silogism o, 43-45
L uz; 145-146, 157 P latão, 14, 19-20, 34, 77, 89, 114, 155, 157,
D em ócrito, 132 F ilipe, 16
164-166, 173, 174, 178, 181, 185, 191, 195-
D em onstração, 51-60 F ilo s o fia . D iá lo g o s o b r e , 19, 20, 184, 185
M agna M o r a lia , 2 4 -2 5 -197, 208, 214-215, 231, 236, 245, 249-252,
D escartes, 140 F ísica, 77-80
M al, 163, 184, 1 9 1 255, 276, 282, 287-288
D esejo, 152 F ís ic a , 22, 27, 29, 71-102, 164
M aquiaveI, 242 P neum a, 112, 128
D eus, 86, 133, 184-192 F orm a, 73-75
M atem áticas, 51, 53-57, 76-79, 164-165, 174, P o é tic a , 27, 281-294
D evir, 106-1'14, 130, 179-182 P o lític a , 26, 27, 29, 216, 241-274, 287-288
195, 205
D ialéctica, 64-67, 195, 276 ,G alileu, 95
M atéria, 74-80, 81-82, 173-179 P orfírio, 21, 65
D icotom ia, 121 G énero, 47, 54, 61, 65, 66
M e c h a n ic a , 23, 95 P osid6nio, 22-23
D iels, H ., 278 G eração e destruição, 90, 105-114, 173
M egárica, E scola, 89, 182 P ostulados, 53
D iferença, 47, 54, 61, 66 G oethe, 134
'M em ória, 63, 150-151, 161 P otencialidade, 177, 182-184, 227-229
D iógenes L aércio, 13, 19, 20, 25, 26 G órgias, 286
M etafísica, 31, 71, 79, 161.-192 P razer, 196, 199,231-235
D ivisão, 60, G r y lu s , 19
M e ta fís ic a , 20, 24, 27, 29, 75, 156, 158-192 P redicação, 34
D uns E scoto, 189 M e te o r o lo g ic a , 22,29,71,112,115-118 P redicáveis, 65-66,
H egel, 250, 292
M ilton, 287 P rivação, 72-75
E conom ia de A ristóteles, 218, 248, 251 H ereditariedade, 125, 130
M ifilene, 14-15 P r o b le m a s , 2 4
E ducação, 272-274 H erm ias, 15, 18
M odalidade, 40-41, 46 P ropriedade, 47, 54, 65
E leáticos, 72, 89 H erm ipo, 1 9 , 2 5
M onarquia, 255-256; 260~262, 268 P roposição, 36-42
E lem entos, I lO , 111, 112, 114 H eródoto, 280
M o n a r q u ia . D iá lo g o s o b r i[ ,a , 2 0 P rotáE oras, 167
E m briologia, 120, 125-130, H erpílis" 15'
M otor, P rim eiro, 101-102, 181,,184-192 P r o tr é p tic o , 20; 25, 242
E m pédocles, 86, 89, I 10, lU, li), 131, 282 H esíquio, 24, 26
, M ovim ento, 89-91, 99-102, 138, 152-153, 233 P roxeno, 14
E nthym em a, 50, 276, 277 H ipócrates, 1 1 2 , 125, 288
M udança, 88-91 P sicologia, 119, 137~160
E scolha, 199, 204-206 H ipóteses, 53
M úsica, 281-282, 287-288
E scravatura, 18, 244, 246-248 H is to r ia ,A n im a liu m , 23, 119 Q uintlliano, 19
É pica, 282, 283-286, 294 H om e"ro, 14, 293 Q uinto E lem ento, 103, 133
N atureza, 72, 75-77, 179-180
E quidade, 220 H om óm eros, corpos," 78, li 3, 117, 175
N ecessidade, 40-41, 54, 86-88, 130, 194-195 R azão, 128, 138, 140, 142, 157-160, 175, 237
E sferas, 10)-105 H uxley, 259
, I

304 305

•.. :d " ., •••.


l'

IS T 6 T E L E S

fc tio ad Im p o s s ib i/e , 4 5 -4 7 T e o lo g ia , 3 1 , 7 1 , 1 8 4 - 1 9 2 ,2 3 9

lç ã o , 5 1 T e rm o s, 3 2 -3 6

'o < } u ç ã o , 8 2 ,
,I ú ç ã o , 2 6 6 -2 6 9
1 2 5 -1 3 0 , 1 4 3 , 1 7 9 T im e u
T ira n ia ,
d e T a u ro m é n io ,
256, 262, 268c269
23
,.. .. '

r ic a , 2 6 , 2 7 5 -2 8 I T om ás d ç A q u in o , 5 ., 78, 115, 189

o r ic a ad A /e x a n d r u m , 26
T ó p ic o s , 6 4 , 6 7 , 2 7 6 -2 7 8 L '~'
lO , 2 7 9 -2 8 0 , 2 8 1 -2 8 2 T ó p ic o s , 2 2 , 2 9 , 3 2 , 6 4 -6 7
T ra g é d ia , 2 8 2 , 2 8 3 -2 9 4
T r a n s c e n d e n tia , 163
T ra s ím a c o , 245
e d o ria , 1 6 1 , 2 2 2 -2 2 6
T re n d e le n b u rg , F . A ., 3 3
te N a tu r a /e , 1 2 1 -1 2 4

sação, 1 4 4 -1 4 7
s ív e is , e s p e c ia is e com uns, 3 5 -3 6 , 146, U n id a d e , 163

n -1 4 8 , /4 9 -1 5 0 U n id a d e s , d ra m á tic a s , 2 8 4 -2 8 5

sus c o m m u n is , 1 4 7 -1 4 9
U n iv e rs a is , 164, 182, 283
U su ra , 249 /.
tid o , 1 9 9 -2 0 3 , 2 1 0 -2 1 2 , 2 1 8 -2 1 9
1 3 0 -1 3 1 , 1 6 3
.b e m , /9 6 -1 9 8 V e lo c id a d e , 96

k e sp e a re , 2 8 4 , 2 9 1 -2 9 2 ~ ! ! ! .! ! .! ! l- ! ! J u s , 2 -L - .
.g i s m o , 4 2 - 4 8 V irtu d e , 1 9 6 -2 0 3 , 2 2 5 -2 2 6 .

ra te s , 132, 133, 191, 226, 229 ~ t!~ :~ , _ ~ 0 8 = 2 2 6 - '- ':::::::',


.h o s , 152 V o lu n tá ria , acção, 203, 206 ;\L
.0 , 150
'h is tic

s tâ n c ia ,
E /e n c h i,

32, 34,
2 2 , 3 2 , 6 7 -6 9
1 6 3 , 1 7 /-1 7 3
V o n ta d e , 2 0 5 -2 0 7
V o n ta d e .liv r e , 206
1
,V :
1,,,,,,':
s tra to , 7 3 -7 5 X e n ó c ra te s , 15
X e n o fo n te , 26

:o lo g ia , 8 6 -8 8 , 1 3 0 -1 3 5 , 1 9 0 -1 9 f, 2 4 3
lp e ra n ç a , 208, 213 Z a b a re lla , 51, 159
'P O , '9 1 - 9 2 , 9 7 - 1 0 1 , 114 Z e lle r, 189, 241
Z enão, 1 0 1 -1 0 2
fra s to , 1 4 -1 5 , 1 8 , 2 2 , 2 3 , 2 4 , 2 6 , 4 6 , i5 (í .

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