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'Conheça,itambém

a coleção
tudo é históriayxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ÚLTIMOS LANÇAMENTOS

66, URSS:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O SOCIALISMO REAL - (1921-1964) - Daniel Aarão Reis
Filho .
67, OS LIBERAIS E A CRISE DA REPÚBLICA VELHA - Pau/o
Gzlberto F Vizentini
68, A REDEMOCRATIZAÇÃO ESPANHOLA - Regina/do Moraes
69, A ETIQUETA NO ANTIGO REGIME - Renato Janine Ribeiro
70, CONTESTADO: A GUERRA DO NOVO MUNDO - Antonio P,
Tota
71, A FAMÍLIA BRASILEIRA - Eni de Mesquita Samara
72. A ECONOMIA CAFEEIRA - José Roberto do Amara! Lapa
73.' ARGÉLIA: A GUERRA E A INDEPENDÊNCIA - Mustafa
. Yazbek \-- _
.74. REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL-COLÔNIA-=-=üope/doJobi1rl.
75. OS CAIPIRAS DE !SÃO PAULO - Certos R. Brandão
76. A CHANCHADA NO CINEMA BRASILEIRO - Afrânio M.
Cati:miljosé I.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M. Souza
77. GUINE-BISSAU - Ladis/au Dowhnr
78. A CIDADE DE SÃO PAULO
79. A REVOLUÇÃO FEDERALI$
062459
80. MÚSICA POPUl;AR BRASILlZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
8 1 . A EMOÇÃO CORINTH1AM
82. A REVOLUÇÃG INGLESA -
83. A REBELIÃO CAMPONESA
1111111111111111111111111111111 ~aaseveltM . S . C a s s a ria
L000021 0565
84. BAIRRO DO BEXIGA - cs.
85. UM PALCO BRASILEIRO: O
,
Maga/di
86. DEMOCRACIA E DITADlJRA lVU LDILC -
L"'U

87. A INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817 - G/acyraLazzan


v~~o,
O :Q U E E
Leite
88, jI CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR - VeraLúcia Amara/ Ferlini
89. A REVOLTA DA VACINA - Nico/au Sevcenko S U ic íD IO
90. A REVOLUÇÃO ALEMÃ - Dantel Aarão Reis FzlhoIHGFEDCBA

e d it o r a b r a s ilie n s e e d it o r a b r a s ilie n s e
Luiz Ribeiro Lsdoux Filho

coecao •• p rim e iro s


IHGFEDCBA

127 • _. _passos

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Roosevelt M. S. CassorlaZYXWVUTSRQPONM
==lIITURAS~==
liTI~[(R) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

• Arqueologia da Violência - Ensaios de Antropologia PolíticaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


- P ie r r e C / a s t r e s
• As Ciladas da Cidade - E . K a / in a e S. K o v a d / o f f
• Dialética da Família - M a s s im o C a n e v a c c i lo r ç . l
• Dialética do Indivíduo - M a s s im o C a n e v a c c i ( o r ç . ) OQUEÉ
• Estar Bem - J . J . T a p ia
• Para Mudar a Vida - Felicidade, Liberdade e Democracia -
Agnes H e l/ e r
S U IC ÍD IO
• Prática da Terapia Comporta mental - J . W o / p e
• Psicodrama - Descolonizando o Imaginário - A . N a ffa t N e to
• Psicologia Social - O Homem em Movimento - W a n d e r le i
C o d o e S ilv ia M . T. Lane
• Sobre Loucos e Sãos - R o n a / d D . L a in g

Coleção Primeiros Passos


• O que são Direitos da Pessoa - D a / m o d e A b r e u D a l/ a r i
• O que é Psicologia Social - S i/ v ia T . M a u r e r L a n e
• O que é Tortura - G / a u c o M a t t o s o
• O que é Violência - N i/ o O d á / ia
• O que é Violência Urbana - R é g is d e M o r a is

Coleção Encanto Radical


• Albert Camus - A Libertinagem do Sol - H o r a c io G o n z á /e z

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I IHGFEDCBA Ip
4
11
l
1984
CopyrightzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
© Roosevelt M. S. Cassorla

Capa e ilustrações:
Carlos Matuck

Revisão:
Mansueto Bernardi
José W. S. MoraeszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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ldJ Con~uista-Bahja
ÍNDICE

i F~G ["ATA

7
1__---_-~-_-_-' _I~_- nl - I ntrodução
- Tipos de suicídio
- Sociedades su icidas
.
.
.
9
15
- O que é a morte para o suicida . 22
- A agressão do suicida e a punição do ambiente . 31
Outros reflexos do ato suicida . 37
- Exemplos de fantasias no indivlduo suicida . 42
- Luto, melancolia e suicfdio . 50
- As reações de aniversário . 62
Sexualidade e fantasias suicidas . 67
Menopausa e velhice como fatores contribuintes .. 71
Os su ic íd ios por fracasso . 74
Epidemiologia e intencionalidade dos atos suicidas 78

lGJ
Fatores sócio-demográficos nos atos suicidas . 89
.iIj
O direito ao suicldio . 97
Indicações para leitura .ZYXWVUTS
99
l
editora brasiliense s.a.

• •••••
01223 - r. general jardim, 160
são paulo - brasil
IN T R O D U Ç Ã O

S e zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
você que está iniciando a leitura deste livro alguma
vez já pensou em suiczyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
ídio, e está curioso em conhecer mais
sobre o tema, espero que isso se torne realidade. Mas, já
lhe adianto que, como você, a grande maioria das pessoas
já teve esse pensamento alguma vez em sua vida.
S e você que vai ler este livro tem alguma pessoa próxima
que tentou matar-se, ou se matou, saiba que o suicídio, em
si, não é um ato que tenha qualquer componente heredi-
tário. No entanto, alqumas vezes, o ato suicida deixa marcas
mais ou menos profundas nos indivíduos que conviveram
com o suicida, trazendo sofrimento e podendo, às vezes,
levá-Io a pensar em repetir o ato.
Se você que está lendo esta obra vem pensando em
matar-se, espero que possa compreender algumas das moti-
vações de seus pensamentos. E perceba que, com aux ílio
profissional, poderá discernir melhor a força de fatores
constitucionais, biológicos, psicológicos e sócio-culturais no

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Roosevelt M. S. Cassorla

IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seu sofrimento, que compreendidos poderão ser comba-
tidos com várias armas terapêuticas. Notará também que a
maioria das pessoas que pensam em suicidar-se, talvez como
você, está descrente e não consegue ver qualquer saída.
E que essas sa ídas existem e serão encontradas, desde que
você se permita ser ajudado.
E se você que está me lendo nunca teve qualquer pensa-
mento ou experiência com suicídio, espero que eu possa
também ajudá-Io a compreender algo sobre mecanismos
mentais, que todos nós utilizamos, e como esses meca- T IP O S D E S U IC ÍD IO
nismos interagem com fatores ambientais. Na verdade, a
mente do suicida não é diferente da mente de qualquer
pessoa: apenas alguns mecanismos se tornam mais intensos
ou interagem entre si de uma forma que causa sofrimento: Suicídio é, traduzindo-se a palavra: morte de si mesmo.
Proponho-me, portanto, a discutir com o leitor algumas Esta definição parece suficiente, num primeiro momento.
facetas dos atos suicidas. ~ um assunto complexo porque Mas, quando começamos a refletir sobre as maneiras e
envolve a influência de inúmeros fatores: assim, o suicídio mecanismos como as pessoas podem matar-se ou contribuir
pode ser abordado dos pontos de vista filosófico, socio- para sua própria morte, percebemos que se trata de uma
lógico, antropológico, moral, religioso, biológico, bioquí- conceituação muito ampla, em que podemos incluir muitos
mico, histórico, econômico, estaHstico, legal, psicológico, atos e comportamentos que normalmente o leigo não ima-
psicanalítico etc. E todas essas visões se interpenetram. gina que se trate de suicídios. Mas que o são, de alguma
Face aos objetivos desta coleção serão apenas pinceladas forma.
várias dessas visões e, devido às minhas características Vamos a alguns exemplos:
pessoais, enfatizarei mais os aspectos psicanalíticos, em sua
interação com o sócio-cultural, tornados compreensíveis 1) Imaginemos um fumante inveterado, já com proble-
para o leigo. No final do volume o leitor encontrará refe- mas pulmonares e cardíacos, conseqüências do fumo, que
rências bibliográficas sobre o tema, comentadas, que sabe que se não parar de fumar morrerá em pouco tempo.
E que não pára de fumar ou não consegue. ~ evidente que
poderão proporcionar-lhe um aprofundamento.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
está contribuindo para sua própria morte. Aliás, isso
ocorre com qualquer fumante. O mesmo vale para o alcoó-

• •• •• •
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C a u o r la o
Roosevelt M. S.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que é SuicídiozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
11

latra, o viciado em drogas e mesmo para quem insiste em de suas vidas se acidentam com facilidade. Caem, são atro-
ingerir alimentos que lhe farão mal. peladas, sofrem desastres automobilrstlcos, acidentam-se
2) Há pessoas que gostam de viver perigosamente. Na mais no trabalho etc. Uma análise mais profunda demonstra
maioria das vezes não estão conscientes dos riscos que a exscerbaçâo, geralmente inconsciente, de seus instintos
correm, ou mesmo que os conheçam, acreditam-se imunes de morte. ~ interessante que comum ente, numa determi-
a eles. Corredores de automóveis são um bom exemplo. O nadá sociedade, as taxas de morte por suicídio acom-
indivíduo que pratica a roleta russa está não só crendo - panham as de acidentes em suas oscilações. Isso ocorre não
magicamente - em sua invulnerabilidade, como está tarn- s6 porque muitos suicrdios conscientes passam por aci-
bém procurando a própria morte. Os praticantes da roleta dentes, mas porque as motivações inconscientes tendem a
paulista (dirigir velozmente em cruzamentos movimen- ser comuns nos dois grupos.
tados, independente de o sinal estar verde ou vermelho) pro- 5) Pessoas levam formas de vida em que, por problemas
curam, além da própria morte, a morte dos outros: aqui . psiquicos ou psicossociais, se sobrecarregam Hsica e/ou
fica claro que o ato é auto e também heteroagressivo, Jl emocionalmente. Vivem em tensão: as pessoas próximas, às
como ocorre em todos os suicídios (o que veremos melhor vezes, percebem e alertam: "você está se matando, precisa
adiante). O policial e também o criminoso correm risco de mudar de vida". ~ a percepção inconsciente que os outros
vida, e sabem que sua chance de a perder é maior que a da têm dos componentes suicidas. Muitas dessas pessoas aca-
população geral. E, muitas vezes, encontramos nessas pro- bam por encontrar resposta a esses componentes através do
fissões e atividades perigosas,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
índivrduos em que a procura surgimento de doenças. Hoje sabemos que em todas as
da morte é bem evidente: com regularidade se acidentam ou doenças, independente de causas externas, existe um
se expõem desnecessariamente a situações de alto risco. São componente emocional ligado a impulsos de autodestruição.
pessoas cujos conflitos exacerbam o instinto de morte, A doença será a resultante da interação entre instintos de
presente em todos n6s. vida e de morte (estes exacerbados). Isso é mais evidente
3) O soldado voluntário, que se oferece para uma missão no caso de moléstias que se costuma chamar de psicosso-
em que as chances de sobrevivência são pequenas, o bonzo máticas: a hipertensão arterial, o enfarte do miocárdio a
budista ou o estudante checoslovaco que se imolam em úlcera gastroduodenal, a retocolite ulcerativa, a asma brõn-
protesto pohtico, ou ainda o indivíduo que faz greve de quica, mas o componente psicolóçico é também claro nas
fome por um ideal, constituem outro grupo de suicidas I doenças infecciosas, no câncer e nas doenças auto-imunes.
-,
ou de indivfduos que correm risco de vida, aqui de uma A anorexia nervosa, moléstia de origem psicológica, em que
forma geralmente altruísta. t o indivfduo morre porque se recusa a comer, é um exemplo
4) Pessoas comuns, muitas vezes, em determinadas fases t extremo de influência dos instintos de morte através de

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i
Roosevelt M. S. Cassorla
12yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA I o que é Suictdio 13

uma doença. si mesmo. Pode ser consciente - por exemplo, as auto-


Em resumo, as pessoas podem matar-se ou procurar a mutilações - mas, geralmente, é inconsciente: as doenças, o
morte de uma forma consciente ou inconsciente. Na ver- não funcionamento ou o mau funcionamento de órgãos são
dade, existem em todos nós instintos de vida e instintos de suicídios parciais. A frigidez e a impotência sexual são
morte: os primeiros levam a crescimento, desenvolvimento, exemplos claros em que uma parte do indivíduo está como
reprodução, ampliação da vida, unindo a matéria viva em que morta. Mas, sempre o que se mata é a satisfação, o
unidades maiores; já os instintos de morte, também pre- prazer, a vida que provêm desses órgãos. Outras vezes, o
sentes em todos os organismos vivos, lutam para fazê-Ios suicídio parcial se manifesta através do prejuízo de funções
voltar a um estado de inércia. Os instintos de morte acabam mentais (sem repercussão orgânica clara), a pessoa não
por vencer, a nrvet individual, pois todos os seres vivos ter- podendo aproveitar suas potencial idades emocionais: de
minam morrendo (se bem que a nível coletivo a vida con- amar, de trabalhar, de ser criativa. Quase sempre, o indi-
tinua, através dos descendentes). A vida, nas suas várias víduo não tem consciência de que suas potencialidades
fases de desenvolvimento e involução, até a morte, é o resul- podem ir além do que ele se permite usar, de que parte
tado da interação desses dois instintos. O próprio instinto delas está "suicidada", bloqueada" devido a conflitos
de morte, mesmo lutando para levar o ser vivo ao estado emocionais.
inorgânico, também auxilia a vida, pois dele derivam A interação entre fatores internos e externos existe
forças destrutivas que se manifestam através da agressi- sempre. Um ser humano pode não ter forças para enfrentar
vidade; essa agressividade permite ao indivíduo defender-se desafios e pressões externas, ou porque estas são muito
de forças externas e conquistar os recursos de seu ambiente. intensas, ou porque suas forças internas estão prejudicadas,
~ como se o instinto de morte defendesse a pessoa da morte ou pela soma de ambos os fatores. E evidente que alguém
por causas externas e assim a obrigando a submeter-se só ao corre maior risco de acidentar-se numa estrada mal sinali-
seu comando, que levará à morte natural. Mas, em situações zada, ou de ficar tuberculoso se estiver desnutrido, ou
de conflito, a força do instinto de morte se exacerba e ser assaltado numa fase de recessão e desemprego na socie-
mecanismos autodestrutivos entram em jogo, terminando dade: aqui a força de fatores externos é evidente. Mas,
por acelerar a morte: esta deixa de ser natural e passa a ser motivações internas levarão muitas pessoas a redobrar os
devida a doença; acidentes ou atos inconscientes ou cons- cu idados na estrada, por perceberem que está mal sinali-
cientes de auto-extermínio. zada. Esses mesmos fatores internos poderão fazer com que
Além de o suicídio ser consciente ou inconsciente, pode- alguns desnutridos resistam ao bacilo da tuberculose e
mos utilizar outra classificação: suicídio total e suicídio que outras pessoas descubram como proteger-se melhor de
parcial. No suicídio parcial o indivíduo mata uma parte de um assalto em potencial. Já outros indivíduos, com menos

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Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla
1 4 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

intensidade de instintos de vida, ou mais instintos de morte,


poderão acidentar-se em ótimas estradas, ficar tubercu-
losos mesmo se bem nutridos, ou ser assaltados porque
deixaram, por engano (isto é, inconscientemente), a porta
de sua casa escancarada, "convidando" qualquer assaltante
a entrar ... Enfim, forças internas podem diminuir ou
aumentar a força de riscos externos. Adiante o leitor
encontrará exemplos ilustrativos no relato de casos de
conduta autodestrutiva.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
SOCIEDADES SUICIDAS

Antes de seguir adiante permitam-me uma analogia entre


o indivíduo e a sociedade. Trata-se apenas de umzyxwvutsrqponmlk
exercrcío,
porque uma visão psicológica de algo tão complexo como
uma sociedade será provavelmente parcial e deformada.
Mas, as sociedades também nascem, crescem e se desen-
volvem, involuem e morrem. Centenas de civilizações mais
ou menos desenvolvidas se extinguiram (como também
ocorreu com milhares ou milhões de espécies vivas). Essas
sociedades, quando se estuda sua história, chegaram geral·
mente ao ápice, após o que entraram em decadência; e
comumente o historiador identifica os fatores de involução
dentro da própria sociedade, fatores esses que terminam por
levar ao auto-extermrnio ou à facilitação de conquistas por
outros povos. Às vezes, o agente externo é irresistível e as
forças internas têm pouca influência, como ocorreu com os
índios de nosso continente frente à invasão européia. Mas,
quando se trata de civilizações de tecnologia equivalente, o

• •• •• • t
1 6 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA que é Suictdio o
Roosevelt M. S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 17

componente autodestrutivo é evidente (e às vezes a tecno- adulta e no. auge de suas vidas, de condições resultantes de
legia de vencedor é inferior]. cem e ocorreu cem ascivili- fato. de a sociedade não Ihes proporcionar condições de
zações mesopotârnica, egípcia, grega e romana, apenas para sobrevivência. Dos que restam, a maioria são. "mortos em
citar as mais conhecidas. E, em nesse continente, provável- vida", indivfduos acuados, submissos, que muitas vezes só
mente entre os incas e ma ias. vegetam, sem instrução. sem oportunidades e que não. têm
Esses processos de vida e morte das civilizações levaram corno desenvolver suas potencial idades. Estes constituem a
séculos. Mas, mesmo. cem e fator tempo sendo. muito. curte grande parte dos brasileiros que, a despeito. disso, produzem
para uma avallação. e mesmo. poderá ser viste de alguma as riquezas de país mas delas não. pedem
usufruir. A mino-
forma nas nações mais modernas, se bem é poucozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que ria dos brasileiros que pede ter consciência de alguma coisa
provável. por exemplo, que a decadência de império. inglês é "su icidada" através de um sistema educativo alienante, de
possa ser tornada corno decadência de uma civilização. O uma rede de desinforrnaçâo, de uma cultura consurnista, de
mais prevável é que haja ocorrido uma neva forma de uma ode ao. oportunismo e esperteza, ao. "vencer" na vida
sobrevivência, de readaptaçâo de ex-nações imperiais, que medido. pela aquisição de bens materiais supérfluos, de um
continuam imperando. (agora unidas e mais fortes) de uma estímulo. à desenestidade e corrupção. Infelizmente
forma mais sutil e mais eficiente (através de domínio vivemos num país em que e "[eitinho", misto. de hipocrisia,
financeiro. e clennflco, via bancos, rnultinacionais, FMI e chantagem, submissão. e oportunismo (em que tudo. fica
toda a parafernália que e brasileiro. já se acostumou a ver, como está) é uma instituição. nacional, Um país em que os
chegando. até a ameaças de invasão. militar e corrupção de princípies predeminantes são. do tipo: "ou instauramos a
pessoas influentes nos países dominadosl. meralidade eu nos locupletemos todos", "aos amiges tudo,
Ao. nível de uma nação, corno por exemplo e Brasil, aos inimiges a lei", "a lei, era, a lei", "a lei é corno a
sujeite a forças externas, e componente autodestrutive é virgem, existe para ser violada", em que existe uma lei dos
também muito. evidente. Em rarrssirnos momentos de sua ricos e outra dos pobres, a primeira podendo. ser alterada
história as pessoas que gevernaram este país quiseram casuisticamente quando. convém aos poderosos, e em que os
perceber que e Brasil são. os brasileiros. O exterrnrnio de jovens não. acreditam em mais ninguém é um país semi-
brasileiros (e e suicfdio parcial de país) tem sido uma "suicidado". Mas, é muito. difícil exterminar a vida (e até e
retina. Esse suicídio. se faz de várias termas: impedindo-se indivíduo. suicida sabe ceme é difícil matar-se): existe
e nascimento. de milhões de crianças (abortadas, nati- sempre a vida em potencial e possibilidades de um renas-
mortas); das que nascem, milhões morrem de torne ou são. cimente, às vezes até das cinzas. E, muitas vezes essa vida,
aniquiladas por doenças causadas pela miséria; das que quanto. mais inibida e restringida e foi em seu desenvol-
sobrevivem, outros milhões morrem precocemente, na idadeZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vimento, emerge com mais força e vitalidade.

• b
18 S. Cassorla
yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o que é Suicidio
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
19

Talvez o leitor se pergunte por que eu estou falando em


suicídio de um país, e não em assassinato. t porque elE;está
sendo assassinado por uma parte dele mesmo, uma parte de
uma sociedade mata as potencial idades de outra parte, e é
o mesmo que ocorre no indivíduo suicida. Como veremos
adiante, o suicida não está querendo necessariamente
matar-se, mas matar uma parte de si mesmo. No entanto,
isso é impossível, e ele, como que num engano, acaba
matando-se e morrendo inteiro. Uma parte da sociedade
que mata outra parte poderá terminar também por morrer.
Um preâmbulo disso já pode ser a onda de violência urbana,
em que pessoas sem oportunidade, pela recessão e desern-
prego - semi-"suicidadas" -, revidam violentando outras
pessoas e temos uma espécie de guerra civil, em que uma
parte da nação (e muitos inocentes, como em todas as
guerras) é atacada pela outra parte.
Tanto no indivíduo como na sociedade os impulsos
destrutivos têm de ser neutralizados ou desviados para
que não se tornem autodestrutivos. Outras vezes, a frus-
tração externa faz com que eles aumentem e se voltem
contra a própria pessoa ou a própria sociedade. Assim, se
não posso combater um inimigo externo porque ele é mais
forte, posso arranjar um inimigo interno - em termos indi-
viduais posso auto-agredi r-me; em termos grupais, por
exemplo, se não posso combater um grupo inimigo fascista,
posso deslocar as energias para combater uma dissidência
mais fraca de meu grupo antifascista (e auto-agrido meu
grupo). se não posso brigar com meu patrão, posso agredir
minha esposa e filhos, e se não posso agredir ninguém bato
com a cabeça na parede, ou me mato. A agressividade, se
2 0 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuictâioIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 21

não neutralizada ou dirigida pelo instinto de vida, será insu- dido, aquele elo tão procurado pelos estudiosos da evo-
portável e se manifestará ou para fora ou para dentro do lução, o elo entre os macacos e o homem civilizado. E con-
indivlduo ou da sociedade. Às vezes, precisamos de um tinua, com a voz embargada: "0 elo perdido, somos NOS."
bode expiat6rio para poder colocá-Ia para fora: podem ser Esta anedota surgiu em minha cabeça porque, de
os judeus {inclusive, por tradição ...zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l. os comunistas, os repente, me percebi algo pessimista. O riso, o rir de si
americanos, os hereges, os infiéis, os negros, os amarelos, mesmo, é uma caracterrstlca do ser humano e é uma arma
os nordestinos, os paulistas, os corintianos ou os vas- muito forte, às vezes a única arma dos fracos, mas que pode
carnes ... Podemos gritar contra eles, ou se os impulsos atingir em cheio os fortes. Nada mais rid (culo que ver a
forem muito fortes (ou bem manipulados por alguém) luta de americanos e russos para aumentar seus arma-
podemos ter umZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p o g ro m , urna fogueira inquisitorial ou mentos, que já podem exterminar a humanidade dezenas
um linchamento. Podemos também travar uma guerra: de vezes. Para quê? Não basta exterminar s6 uma? O
"retomar" as Malvinas ou olhar feio para algum paIs homem, que pode pensar, pode criar, pode se enxergar,
vizinho por causa de um rio ou um pedaço de terra. Numa pode criticar e corrigir seus erros, pode também estar do
guerra (civil ou externa) matamos, "suicidamos" parte lado da vida e pode combater todo esse potencial rnortr-
de nossa juventude e da nação. Numa guerra mundial nos fero. Creio que, se pode rir de si mesmo, é porque tem inte-
matamos todos, exterminamos corn artefatos nucleares toda ligência suficiente para encontrar sardas. O mesmo ocorre
a humanidade, a espécie humana se suicida e ainda acaba com o indivrduo suicida: quando ele pode rir é porque já
com muitas espécies vivas. Talvez ainda consigamos, dentro está se humanizando, podendo viver.
de algum tempo, acabar até com o planeta Terra.
Estamos frente à possibilidade de um suicídio da huma-
nidade. O indivlduo suicida, ou se mata, ou (geralmente
com ajuda profissional) se permite pensar e controlar seus
impulsos, e assim se humaniza. A humanidade também,
ou pensa e se humaniza, ou se exterminará.
Lembro-me agora de uma anedota. Num Congresso Mun-
dial de Genética o presidente alerta que será anunciada uma
descoberta que revolucionará a história da humanidade.
Marca-se a hora para o anúncio, auditório lotado, jornais,
televisão, suspense ... O presidente se levanta e, emocio-
nado, comunica que finalmente foi descoberto o elo per-
•••
•• ••
o que é Suiciâio 23

até de colori-Ias de tintas mais maravilhosas ainda. Creio


que isso ocorre como um mecanismo, às vezes desesperado,
de tornar compreensível o incompreensível, o ignorado. A
angústia do desconhecido, do incontrolável, é tão intensa
que se não utilizamos mecanismos que nos consolem ou que
nos proporcionem a fantasia de controle, poderíamos até
en louquecer.
Aliás, é interessante notar que a maioria dos seres huma-
nos e na maior parte do tempo vive como se fosse imor-
o ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
QUE É A M ORTE tal. Existem (talvez, felizmente) mecanismos mentais que
P A R A O S U I C I D A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
impedem que tenhamos consciência permanente de nossa
finitude. Poucos homens percebem de uma forma clara que
existe a passagem do tempo e se permitem aproveitar
melhor a vida, por isso, e quem sabe, podendo deixar de
Voltemos agora ao estudo do suicrdio individual. O mais desgastar-se com pequenas coisas. Alguns tomam essa
comum é que se considere como suic(dio a morte que consciência após crises, doenças graves, proximidade da
alguém provoca a si mesmo, de uma forma deliberada, morte, guerras etc., que os fazem reavaliar a vida. Muitas
intencional, isto é, os suicídios conscientes. Mas, uma vezes, a percepção da finitude permite que o indivfduo
questão importante, que vale a pena discutir, é se o suicida possa perder ou sacrificar algo (que então deixa de ter tanto
consciente está realmente procurando a morte. A pergunta valor) em função de interesses maiores, de sua famflia,
que se impõe é: o que é a morte? Será que é possível seu grupo, ou de toda a sociedade. Em situações o sacri-
saber-se o que é a morte? Ou, o que realmente se quer ffclo da própria vida pode ocorrer, e aqui temos alguns
quando se procura a morte? suicídios altrursticos, São clássicos os exemplos em que
Existem alguns depoimentos de pessoas que teriam che- pais ou mães se sacrificam para salvar seus filhos, num
gado próximos à morte, depoimentos em geral alentadores. processo altamente complexo, com bases biológicos e psico-
Não está claro se o que elas contam é algo ou se são pro- lógicas profundas, permitindo a vida àqueles que viveram
jeções de fantasias internas. E, mesmo assim, o seu relato menos, num esforço de perpetuação da espécie. O herorsmo
é o do que ocorreria em face dos momentos próximos do que ocorre em situações de crise é uma constante em nossas
fim, mas não da morte em si. Existe uma necessidade natu- populações marginalizadas, em que muitas vezes os pais
deixam de comer para alimentar seus filhos.zyxwvutsrqponmlk
ral nas pessoas a não só aceitarem esses depoimentos, masyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Notrcía de

D
S. Cassorla o
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2 4 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA que é Suicidio 2S

jornal, de novembro de 1982, é bem ilustrativa: "Pelo famílias: e o resultado pode ser a sua dissolução, numa for-
menos 35 refugiados ruandenses, em sua maioria velhos e ma de auto-extermínio. Pior ainda équandoocorreem socie-
enfermos, cometeram suicídio coletivo em Uganda, dades: o resultado é a repressão de todo um povo por um pe-
tomando um carrapaticida, para que a escassa comida queno grupo de indivíduos que tem medo de dividir o poder.
pudesse ser dada às crianças, disse ontem um funcionário Se esse grupo, para manter-se no poder, foi obrigado a
da ONU". cometer falcatruas, a utilizar meios ilegítimos (às vezes
Infelizmente, em quadros de melancolia, às vezes o sui- indu indo a tortura, a morte e o ex (Iio dos adversários), a
cida em potencial imagina que com sua morte deixará manter amordaçada toda uma população, o pavor de perder
de fazer sofrer a fam (lia ou pessoas próximas e acredita a força aumenta, por medo do revide. A cada sinal de vida a
que cometerá um suicfdio altruístico. Isso não é verdade, repressão sobre a sociedade aumenta, e se não tiver a sorte
pois a análise cuidadosa demonstrará que esse é apenas de conseguir libertar-se permanece como que morta, melhor
um mecanismo, de auto-engano, para justificar o ato, dizendo "suicidada", porque a morte veio de parte dela
que tem motivações muito mais profundas. Discutirei mesma. Felizmente, mesmo que aparentemente morta (e às
melhor a melancolia adiante, mas faço esta ressalva porque vezes ela se finge de morta, arma que muitos animais
o conceito do que seja altruístico deve ser da sociedade, e usam para confundir seus inimigos). sempre existe uma
não do indivlduo (que muitas vezes, perturbado por seus vida latente, subterrânea, que emergirá a qualquer mo-
conflitos, não tem condições de uma auto-avaliação de suas mento. Houve, inclusive, ocasiões em que grupos domi-
motivações). nados criaram novas sociedades, novas nações, novas rei i-
O exemplo dos velhos que se suicidam para permitir a giões (a vida surge, ressurge, e insiste em vencer a morte).
vida aos mais jovens, que talvez seja também uma das Mas, retomemos o nosso problema de tentar compreen-
motivações de suicídios de velhos entre os esquimós e der o que seria morte. Se indagarmos a um grupo de pessoas
certos grupos de índios, me leva a refletir sobre as dificul- sobre o que elas acreditam que ocorra após a morte teremos
dades que muitas pessoas têm de dividir as benesses da respostas contaminadas por mecanismos emocionais, e
vida com outras pessoas. Muitas vezes, para manter o poder, comumente intelectualizadas. O que o indivíduo responderá
os velhos (não de idade, mas de espírito) se tornam avaros, pode ser o que ele deseja, ou uma teoria racional, mas rara-
desconfiados, autoritários e até desonestos, não medindo mente o que ele sente em nível mais profundo. Às vezes os
esforços e usando qualquer meio para não perder suas sentimentos mais profundos surgem: em muitos pacientes
posições. Os outros, às vezes a geração mais jovem, que em terapia analítica a morte se apresenta como algo inexpri-
querem decidir o seu destino, pressionam para tal e têm mlvel e apavorante -- já em outros, mesmo que incompreen-
de ser submetidos, dominados. Isto é visível em muitas sível, não proporciona tanto medo. Numa pesquisa que fiz,
S. Cassorla
26yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuictdioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 27

entrevistando jovens que tentaram matar-se, encontrei 1/3 vência do ser humano, evitando que caia em si e perceba
para quem a morte significava trevas, sono sem fim. Ora, sua insignificância. NSo há condições de se saber se as pes-
trevas e sono se contrapõem a luz e vigília - portanto, o soas que possuem essa fé estão utilizando mecanismos
conceito de morte é a negaça-o de algo: só posso perceber mentais mais ou menos adaptativos, em termos de manu-
as trevas ou o sono se vier a luz ou acordar. Na verdade, as tenção da saúde mental e da evolução da humanidade. NSo
idéias ou os sentimentos do nada após a morte, um nada tenho condições de fazer avaliações do ponto de vista teo-
que não se contrapõe a coisa alguma pois não existe conhe- lógico, mas numa visão psicológica, é possível que a noção
cimento (nem do algo, nem do nada). mal podem ser ima- de vida pós-morte seja a única saída para anular a angústia
ginados, menos ainda descritos. Isso porque é uma experiên- do defrontar-se com o nada.
cia que nunca tivemos. E, se a tivemos, na-o foi uma expe- Para a criança a morte é algo reversível, assim como para
riência, pois ocorreu antes de sermos, de existirmos ... o selvagem. O crente também tem a mesma idéia, a reversi-
Enfim,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1150 podemos saber o que é a morte, porque na-o bilidade geralmente ocorrendo em outro mundo. Uma
morremos. Podemos apenas supor algo, como uma não- criança pequena acha que alguém morre porque foi morto
vida, mas é uma suposição com bases muito limitadas. Em por outra pessoa, e depois, porque estava doente (a doença
minha investigação outro 1/3 dos jovens afirmava que não o matou). Não existe a idéia de morte natural, de que as
tinha condições de saber o que era a morte. Mas, nesses 2/3 pessoas morrem porque elas estão vivas. Para o selvagem a
(os que igualavam a morte a trevas e os que não arriscavam morte também é um acidente: alguém mata alguém, ou dire-
qualquer palpite). paradoxalmente, as prováveis fantasias tamente, ou através de influências ou feitiços; as doenças
inconscientes 1150 eram de um nada pós-morte. Em quase também são o resultado de algo externo, causado por outra
todos se percebia, com nitidez, fantasias de vida pós-morte, pessoa. Essa pessoa é um inimigo, muitas vezes de outra
como ocorre na maioria das pessoas. Na verdade, as respos- tribo ou grupo, com capacidade de feitiçaria. Outras vezes,
tas obtidas nesses 2/3 eram afirmações de ordem racional, a morte e doença não são tanto responsabilidade de pessoas
intelectual, e 1150 afetiva. Apenas o 1/3 restante se permi- mas sim de entidades superiores, geralmente com caracte-
tia afirmar que acreditava numa vida pós-morte. rísticas humanas, os deuses. Esses deuses devem ser apla-
A necessidade de acreditar numa vida pós-morte, que nos cados com sacrifícios e orações. Comumente, esses deuses
fará fugir do incornpreensrvel do nada, foi provavelmente são divididos em bons e maus, e assim vamos nos aproxi-
um dos fatores de origem das religiões. Praticamente todas mando das concepções das grandes religiões, de céu e seus
se fundam na crença em uma vida, terrena ou extraterrena, representantes divinos e de inferno (e os representantes do
que virá após a morte. A fé, a necessidade de crença mesmo maligno). O crente tampouco acredita na morte natural.
sem provas, pode até ser uma das condições de sobrevi-IHGFEDCBA A morte e a doença são o resultado de castigos pela não

D
S. Cassorla
28yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuictdioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 29

obediência a preceitos da divindade ou a possessão por pendentemente de fatores religiosos, comumente utilizam
influências dernonfacas, mecanismos para combater a angústia do incompreensível, e
Ou, a morte ocorre porque a humanidade (não o homem entre estes, um dos mais importantes é a visão (consciente
individual) foi expulsa do para ISO, também por desobe- ou inconsciente) de alguma espécie de vida pós-morte. Por
diência. Os bons e justos serão premiados após a morte, os isso mesmo, o suicida não procura a morte (porque não
maus serão castigados. Mas, tanto no céu como no inferno, sabe o que seja), mas sim está em busca de outra vida,
a vida continua após a morte. As concepções de céu e fantasiada em sua mente. Essas fantasias comum ente se
inferno são variadas: para algumas religiões, no céu se encontram em nrvet inconsciente e, portanto, só podemos
encontram todos os prazeres terrenos e a vida é semelhante descobri-Ias por meios indiretos.
à da terra, mas sem sofrimento (como o Walhala dos vikings As proposições acima me levam a outra idéia: existe uma
e o parafso dos islamitas); em outras, como a cristã, o independência entre o desejo de morrer e o de matar-se. A
terreno se aproxima menos do celestial. Em algumas pessoa que se mata não quer necessariamente morrer (pois
religiões a necessidade de crer em vida pós-morte leva à nem sabe o que seja isso). A pessoa se mata porque deseja
comunicaçâ'o com os mortos ou com seus esprritos, como outra forma de vida, fantasiada, na terra ou em outro
ocorre em muitas sociedades primitivas e, moderna mente, mundo, mas na verdade, essa outra forma de vida está em
no espiritismo e suas variantes. sua mente. Nessa outra vida ela encontra amor ou proteção,
Enfim, parece que o desejo de ressurreiçâ"o é algo muito se vinga dos inimigos, se pune por seus pecados, ou re-en-
intenso e primitivo nos seres humanos, e as religiões prova- contra pessoas queridas. Tanto o desejo de matar-se não
velmente refletem essa necessidade. Creio que esse desejo tem relação com o de morrer que muitas vezes a tentativa
existe na mente inclusive de pessoas não religiosas, mas de suicldio foi punida ... com a pena de morte!, como,
que não se torna consciente, mascarado pelo intelectual. por exemplo, promulgou o imperador Adriano entre os
Dai não ficarmos surpresos quando um não crente se deses- antigos romanos. Uma anedota nos mostra uma pessoa que
pera frente ao fim, desejando consolo ou até o engano com jogou-se num rio querendo matar-se. Enquanto se debate
promessas de vida pós-morte. Ou, como veremos adiante, na água, recusa cordas e bóias que as pessoas lhe jogam da
verificamos que a fantasia inconsciente do suicida, mesmo margem. Finalmente, um policial a ameaça com um revól-
ateu ou racíonalista, implica algo além da morte (nâ'o neces- ver: "ou você sai dar ou te dou um tiro". O suicida em
sariamente extraterreno). potencial, que quer matar-se, não quer ser morto, e sai da
O leitor deve ter percebido que, a despeito de respeitar água ...
(e até invejar) os crentes, sou da opinião que a morte é algo A anedota é verdadeira, e nos leva a um outro aspecto do
totalmente abstrato e incognosclvel, e que as pessoas, inde- suicida. O indivíduo quer morrer, mas também quer viver,
Roosevelt M. S. CassorlaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
30yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ele está em conflito, e comumente uma ajuda ou até uma


ameaça (corno n~) ~~em decidir a direção que vai ser
lu I r R Ib e IN Ledoux Filho
tomada. .•.. T ''C 1 'n •

A AGRESSÃO DO SUICIDA
E A PUNIÇÃO DO AMBIENTE

Vejamos o que ocorreu em Mileto, na Grécia antiga,


segundo descrição do historiador Plutarco. Moças passam a
enforcar-se e logo se apresenta uma epidemia de suicídio
nas jovens. Nenhuma medida faz com que ela cesse, até que
alguém propõe que as moças sejam condenadas a terem seu
cadáver levado nu, em passeata, até o cemitério. Com essa
medida a epidemia se extingue. Corno explicar isso? ~ pos-
sível que as moças suicidas fantasiassem, como é comum, a
reação dos vivos à sua morte - essa fantasia implica mais
vida que morte: na verdade, a fantasia da morta é de que
ela pode "ver" a reacão dos vivos, pode "perceber" os
sentimentos de tristeza, remorso e culpa dos sobrevi-
ventes, como se ela estivesse viva. Em verdade, essa "visuali-
zação" predomina e às vezes domina quase que totalmente
a noção de realidade da morte, de finitude. O suicida eli-
mina sua vida, paga com ela (mas não está totalmente cons-

• •• •• • IHGFEDCBA
Roosevelt M. S. Cassorla
32yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suicidio 33

ciente disso) o prazer de tornar "real" sua fantasia de vin- mas, principalmente, o objetivo do suicídio foi a perma-
gança, de causar sofrimento aos outros, mas nessa fantasia nência de Vargas influenciando os sobreviventes, como
ele como que permanece vivo. numa vida pós-morte: "saio da vida para entrar na Histó-
No caso da epidemia de Mileto, a jovem que fantasia a ria", escreve em sua carta-testamento. Em sua fantasia, con-
reação dos outros à sua morte passa a visualizar também a tinua vivo, talvez ainda mais vivo que antes de seu suicídio.
reação a seu corpo nu, e o puder leva a uma vergonha que Romeu e Julieta, da obra de Shakespeare, assim como
supera a necessidade de vingança. tantos Romeus e Julietas da vida real, se matam para vingar-
Esse prazer em imaginar como será a reação dos outros se de seu ambiente (e, na obra, fica clara a ambivalência
à própria morte é extremamente comum no ser humano, e vida X morte, e como a morte no suicídio acaba ocorrendo
se acentua em momentos de frustração, impotência e raiva. muitas vezes como um engano). Mas, talvez com mais inten-
Corresponde ao componente agressivo contra o ambiente, sidade, matam-se para continuar juntos, para poderem
que leva à necessidade de vingança, a causar sofrimento nos amar-se num mundo fantasiado, de paz, certamente numa
outros, em revide por algo real ou suposto. No suicida esse vida pós-morte.
mecanismo é intenso, em muitos casos. Nas Aventuras de Nesses exemplos verificamos que muitos suicidas não
Tom Sawyer, o autor, Mark Twain, nos descreve com desejam certamente a morte, mas sim uma nova vida, em
perspicácia e humor, o prazer do herói (que todos acre- que a pessoa se sinta querida, seja importante. O final fanta-
ditam ter se afogado) assistindo escondido a suas próprias siado, se fosse possível é que aquelas pessoas de quem se
cerimônias fúnebres, divertindo-se com as reações das pes- imagina que veio o maltrato, se sintam culpadas e com
soas, que antes demonstravam irritação e raiva do menino e remorso; então , o suicida como que ressuscitaria, todos se
agora o elogiam e lamentam sua falta ... Aliás, lembremo- desculpariam e a vida continuaria, num final feliz.
nos que quase todas as pessoas sã"otransformadas em "óti- ~ evidente que isso não vai OCOI! er. Mas, poderia ser real
mas e maravilhosas" após a morte, como se os sobreviventes quando se trata de ameaças ou tentativas de suicídio, em
receassem uma vingança dos mortos, que agora não podem que o indivíduo sobrevive. No entanto, geralmente a reação
combater. Muitas vezes os elogios são proporcionais à culpa do ambiente é bem mais complexa: em minha experiência,
sentida por sentimentos negativos inconscientes em raramente a tentativa de suicídio tem, em si, capacidade
relação ao morto e pelo alívio proporcionado por sua de modificar muita coisa. O ambiente e a relação indiví-
morte ... duo-ambiente estão comumente estruturados de forma tal
O suicídio do presidente Getúlio Vargas implica meca- que as reações serão apenas imediatas, em pouco tempo
nismos similares. Não só ocorreu uma vingança frente voltando tudo ao esquema anterior. Pelo contrário, não
a seus inimigos, que se sentiriam culpados e responsáveis, raro o ambiente reage também agressivamente ao ato agres-zyxw
)
3 4 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA oque é Suicídio
Roosevelt M S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 3S

sivo de seu membro - a ameaça ou tentativazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


não s6 não é Ainda em Roma, algumas tentativas de suicfdio, princi-
levada a sério, como rejeita-se e castiga-se ainda mais a palmente sangrentas, podiam ir à justiça, e se essa tentativa
pessoa. Em algumas ocasiões, no entanto, o sentimento de ocorresse no exército era punida com a morte. A pena,
culpa é mobilizado intensamente, e o suicida em potencial para o suicídio proibido, era o confisco dos bens pelo
pode manipu lar e controlar os outros, ameaçando nova tenta- Estado. (Em Roma percebemos, na realidade, uma certa
tiva. Mas, é uma vitória de Pirro, pois apenas ocorreu uma tolerância, a punição ocorrendo mais por razões de pro-
mudança de forças, uma troca de poder, com a estrutura teção da sociedade e do Estado.)
ambiental continuando patógena para todos seus membros. Entre os wajagga, na África Oriental, o cadáver do
A agressão do suicida a seu ambiente manifesta-se tam- enforcado era substltuído por uma cabra, sacrificada com
bém no abandonar pessoas próximas e a própria sociedade. o intuito de tranqüilizar seu espírito, que, em caso contrá-
Faz com que esta, também, se sinta responsável por MO ter rio, convenceria outros a seguir seu exemplo. Na China
podido evitar o ato ou sofrimento que levou ao ato. antiga, em guerras, um grupo de homens se matava no
Algumas vezes o suicida deixa bilhetes ou cartas com acu- campo de batalha, antecedendo a luta, e imaginava-se que
sações claras, ou mais comumente sutis (como por exemplo, suas almas furiosas influ iriam nefastamente sobre os ini-
perdoando ou desculpando alguém pelo mal que lhe fez, migos. Em tribos ganenses, se um indivrduo se suicidava e
ou "não condenando" ninguém) .. ~ uma agressão tão culpasse outro por sua morte, este também era obrigado a
mais violenta porque os acusados não podem defender-se. matar-se. Entre os índios tinklit a pessoa ofendida, incapaz
A percepção da agressividade do suicida por parte da de vingar-se, se suicida e então parentes e amigos devem
sociedade fez com que ela também reagisse agressivamente, vingá-Ia. E, entre os chuvaches da Rússia, era costume as
através dos tempos, castigando o suicida (se bem que muitas pessoas enforcarem-se na porta da casa do inimigo. Em
vezes ocorria uma maior tolerância). Na antigüidade, em muitos grupos acreditava-se que a alma do suicida perseguia
Tebas e Chipre, o morto era privado das honras fúnebres, o ofensor, e isso persistiu pelos tempos e continua no psi-
Em Atenas, no século IV, cortava-se a mão do cadáver, que quismo profundo das pessoas até hoje.
era enterrada distante, como que para privar o morto de Na Idade Média persiste o confisco de bens e o corpo
uma vingança posterior. Em Roma, apenas os enforcados do suicida é degradado: é pendurado pelos pés, é quei-
eram privados de sepultura. Os únicos suicídios realmente mado, é enfiado em tonéis e jogado em rios etc. Na Ingla-
reprovados eram os d03 militares e os dos condenados ou terra, ainda em 1823, cadáveres de suicidas eram quei-
indiciados pela justiça. Na compra de um escravo, se este se mados em encruzilhadas com estacas enfiadas no coração,
matasse, ou tentasse suicídio, nos 6 meses seguintes à tran- para evitar que seus espíritos viessem incomodar os vivos.
sação, a venda era anulada. Em Zurique o corpo era punido no local do ato: se o sul-
36yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M S. Cassorla

cídio fosse cometido com um punhal enfiava-se um pedaço


de madeira na cabeça; se se tivesse afogado era enterrado
na areia, próximo à água; se se havia precipitado num poço
era sepultado com uma pedra na cabeça, uma sobre o corpo
e outra num pé, para fixá-Io ao solo.
A influência da Igreja era grande. Os suicidas eram pri-
vados de funerais religiosos e os autores de tentativas de
suicídio eram excomungados. Na verdade, a Igreja primi-
tiva estimulava o suicídio através do martírio, que facili-
tava a entrada no reino dos céus. Apenas no século IV OUTROS REFLEXOS
Sto. Agostinho sustenta que o auto-extermínio é uma D O A T O S U IC ID A
perversão. Através dos concílios o direito canônico tende
cada vez mais a reprimir o ato, e o suicida é considerado
um discípulo de Judas, um traidor da humanidade. Poste-
riormente vê-se no ato uma vitória do diabo, em que o A agressão ao ambiente, uma das motivações dos atos
indivíduo duvida da misericórdia divina e vacila quanto à suicidas, e que muitas vezes leva a revide da sociedade,
convicção de que será salvo. explica não só a desimportância que muitas pessoas dão às
A repressão ao suicida tende a diminuir a partir dos tentativas de suicídio como ao, infelizmente não raro, des-
séculos XVI e XVII, e a Revolução Francesa proíbe prezo das equipes de saúde, de pronto-socorro ao indivíduo
qualquer tipo de condenação - com o racionalismo a que é trazido por ter tentado matar-se.
própria Igreja se torna mais tolerante e as punições reli- Reflitamos: o objetivo da maioria das pessoas é viver, às
giosas já não se aplicam a quem fez o ato num momento de vezes até, só sobreviver - o auto-extermínio passa a ser,
loucura ou se arrepende frente à morte. Atualmente há uma então, uma transgressão, algo que choca com os objetivos
tendência religiosa a compreender o suicida, mas não sem de vida dos grupos humanos. O médico, a equipe de saúde
condenar o ato. foram treinados para salvar vidas, para enfrentar a morte,
Entre os judeus o suicídio também é condenado, e o numa delegação da sociedade. Dessa forma, frente a alguém
corpo deve ser enterrado à parte, mas existem muitas justi- que o procura tentando preservar a vida, existe concordân-
ficativas que perdoam o ato, tais como tortura, recusar cia de expectativas: ambos querem combater a morte. No
apostasia forçada, preservação de castidade, manutenção de entanto, quando o paciente tentou matar-se, destroem-se ou
honra etc.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA confundem-se, na equipe de saúde, as premissas de seu trei-

• •• •• •
o que 39
é SuicidiozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
Roosevelt M. S. Cassaria
38yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

namento. Agora ela terá de lidar com pessoas que estão


(geralmente, em parte) do lado da morte, e que às vezes
vêem o profissional como um inimigo.
Por outro lado, os médicos clínicos, como a grande
maioria dos indivíduos, só se permitem compreender as
coisas se elas se encaixarem no pensamento racional,
lógico. Existe uma grande dificuldade, em todos nós, em
crermos que nossas motivações e atitudes, quase sempre,
não podem ser explicadas apenas pelo racional, e que existe
uma vertente inconsciente, de extrema importância. Assim,
com freqüência, o raciocínio dito lógico nos faz procurar
e encontrar motivações para os atos suicidas, e geralmente
essas motivações são julgadas insuficientes para justificá-Ias:
o desprezo do indivíduo que praticou o ato suicida acaba
sendo, por isso, o passo seguinte.
~ evidente que atrás dessas motivações aparentes (que,
na verdade, são apenas a ponta de umZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ic e b e r g , ou
somente racionalizações usadas como tentativa de expli-
cação) existem conflitos, na maior parte, ou às vezes total-
mente inconscientes. O próprio paciente sabe muito pouco
de seus conflitos: o que ele vai deixar transparecer a seus
parentes, amigos e ao médico será apenas uma porção
mínima do que realmente está ocorrendo (e ãs vezes até
essa porção está deformada). Pior ainda, quase sernore,o
paciente acha que conhece suas motivações, mas na ver-
dade não sabe que não sabe o mais importante.
Teremos então uma equipe de saúde que, na verdade,
não tem condições de compreender o que está ocorrendo,
face a seus desconhecimentos de psicologia profunda.
(Felizmente, a psicanálise já se faz presente em muitas esco-
Roosevelt M. S. Cassorla
40yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuictdioIHGFEDCBA 41

Ias médicas e o interesse dos alunos tem aumentado.) populações. Os pacientes, comumente com preconceitos
Some-se a essa incompreensâ'o dos motivos o cornpo- frente a problemas da esfera psíquica e aos profissionais
nente manipulativo e agressivo de muitos atos suicidas, e de saúde mental, nâ'o entendem o que se Ihes diz, o que se
teremos a explicação de por que encontramos atitudes de espera deles, e abandonam os tratamentos com freqüência.
maltrato (mu itas vezes inconsciente) do paciente, em Muitas vezes, é verdade, isso ocorre devido à resistência e
muitos pronto-socorros, e também entre a população em medo de perceberem seus mecanismos inconscientes, que os
geral. Fica difícil, para todos, ter a percepção de que exis-
tem outras facetas, mais inconscientes, atrás do ato suicida.
,I\ levariam a mudanças em suas formas de viver, abandonando
padrões que já conhecem (mesmo que sofridos).
Tudo isso é mau para o médico, para o paciente e para as As reflexões acima me levam a pensar ainda, se tudo
pessoas próximas: azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
compreensão e a orientação que o indi- isso, todos esses sistemas de ajuda médica, psicológica e
víduo, de certa forma, está solicitando terminam por não social, que pouco funcionam em nosso meio, somados a
vir. Comum ente, o paciente socorrido do ponto de vista todos os agentes externos que provocam sofrimento nas
orgânico é mandado de volta a seu ambiente, sem qualquer pessoas (fome, desemprego, falta de respeito humano, buro-
tipo de ajuda ou encaminhamento para profissionais da área cracia etc.l não fazem parte do componente suicida de
mental e social. Eu próprio tive a chance de verificar, visi- nossa sociedade, sociedade essa que não tem condições,
tando em seu domicílio indivíduos que haviam tentado nem interesse, de suprir de ajuda os seus membros, mesmo
suicídio, que mais da metade precisava de ajuda psicoló- que o pedido seja desesperado.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
gica urgente, e os outros se beneficiariam também dela,
mesmo sem urgência.
Na verdade, o atendimento médico e social de nossas
populações deixa muito a desejar. As explicações que dei
acima sobre o comportamento das equipes de saúde frente
ao ato suicida (que são também as da população em geral),
devem ser complementadas pela quase inexistência de um
sistema de ajuda psicológica e/ou psiquiátrica de urgência,
no nosso meio. Dessa forma, os médicos mais esclarecidos
tampouco têm para quem encaminhar os seus pacientes:
as poucas entidades existentes estão sobrecarregadas, com
pouco pessoal e n50 raro com profissionais que têm difi-
culdades de adaptar-se às características culturais de nossas

• •• •• •
o que é Suicidio 43

finais e um sofrimento intenso, que atribui a esses desen-


cadeantes. Outras vezes, a pessoa não consegue discriminar
qualquer motivação externa, s6 sente o sofrimento, intenso,
sem explicação. Se tiver a felicidade de perceber isso e
procurar ajuda, poderá defrontar-se com seus aspectos
inconscientes, compreender-se melhor e encontrar saídas.
Vamos a um exemplo (este, como todos os outros, foi
baseado em casos reais, mas transposto de forma às pessoas
não poderem ser identificadas): Nair é uma moça de 24
E X E M P L O S D E F A N T A S IA S anos que conheceu um rapaz, João, e está apaixonad rssima
por ele. Mas, não tem certeza de ser correspondida. Usa
N O I N D I V Í D U O S U I C I D A zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
todos os artifícios para manter o rapaz perto de si e se
desespera só de pensar em perdê-to. Sente-se insegura e
passa a ter ciúmes dos amigos e das outras atividades de
Voltemos ainda, um pouco mais, sobre a incompreensão João - o namoro prossegue conturbado por cenas de ciú-
que o leigo tem das motivações inconscientes dos atos sui- mes, ameaças de separação e reconciliações. Mas, Nair sofre
cidas. A primeira pergunta que nos fazemos, frente a um muito porque nunca está certa de ser amada. Um dia, João,
evento deste tipo, é: por que ele fez isso, qual o motivo? E cansado da insegurança e dos choros de Nair, resolve dei-
as respostas logo surgem: porque brigou com a namorada, xá-Ia definitivamente. Ela não se conforma: segue-o, suplica,
por problemas financeiros, porque fracassou na escola ou ameaça, tenta seduzi-lo, mas desta vez João, mesmo com
no trabalho. Essas são geralmente teorias, que o obser- pena dela, resolve não mais ceder. Nair chora dia e noite,
vador faz, a partir de ind (cios conscientes, racionais. Cornu- não consegue dormir, trama formas de reconquistã-lo e
mente esses motivos são apenas a gota d'água, o desenca- vinganças se não conseguir, a imagem de João não saindo
deante último, o elo final de uma longa cadeia de eventos de sua cabeça. Emagrece, definha e perde o gosto pela
que interagiram entre si ou com componentes individu.ais, vida. A idéia de suicídio começa a tomar forma em sua
levando a conflitos, a rede de conflitos, e esses conflitos mente, no início insidiosamente e depois com mais fir-
sempre remontam a conflitos mais primitivos, que se ~ri- meza. Visualiza João desesperado com sua morte, arrepen-
ginaram na infância. Como tudo isso permanece. emzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nrvel dido pelo que fez; ao mesmo tempo sente-se morta, como
inconsciente, o paciente pouco sabe desses conflitos - ele que descansando dos pensamentos e do sofrimento intenso.
apenas percebe algumas características dos desencadeantesIHGFEDCBA Acaba tomando dezenas de calmantes pensando em dormir

R yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Rootevelt M. S. Cassorla
44yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
q u e é S u t c id io IHGFEDCBA 45

e/ou em morrer, e a tentativa de suicfdio está consumada. forma, maior ou menor, a feitura da rede conflitual.
Poderá morrer ou recuoerar-se. conforme as circunstâncias. Neste exemplo vemos também, com clareza, que o sui-
A causa aparente da tentativa de suicfdio é a briga com cida não está necessariamente escolhendo a morte, mas
João. Ora, muitas e muitas pessoas perderam o namorado, sim uma outra maneira de viver. Mesmo numa análise sumá-
sofreram por isso, mas não chegaram a matar-se. A expli- ria, verificamos que Nair fantasia uma vida melhor, amada
cação, portanto, não satisfaz - é apenas, como já assinalei, por João ou vingando-se do João. A visuallzação da morte,
o desencadeante, a gota d'água. Se Nair se submeter a um em si, é precária. Mas, num estudo psicanalítico, veremos
tratamento psicanalítico veremos que ela não foi dese- que as fantasias pós-morte de Nair são mais complexas.
jada por seus pais, que comumente se sentiu abandonada, Existe uma fantasia de re-encontro com sua avó, que mor-
rejeitada e em vias de ser aniquilada face à insegurança do reu quando ela tinha 4 anos, e que em seu inconsciente
ambiente em que vivia. Isso a fez tornar-se insegura, não permaneceu como uma fonte importante de gratificações,
acreditar em si mesma, sentir-se má e desprez(vel e ter que supriam aquelas que a mãe não lhe fornecia. O re-en-
inveja dos outros, a quem atribura a posse de tudo que era contro com essa avó seria nalgum lugar imaginário, onde os
bom. Mas, tudo isso era predominantemente inconsciente. mortos revivem. Mas, num nrvel ainda mais profundo,
As manifestações externas desses confl itos inconscientes Nair via a morte como uma volta ao seio, ao útero materno,
apareciam na ligaçlo muito intensa, e ao mesmo tempo a um mundo paradisíaco, em que todas as necessidades
frágil, que fazia com as pessoas e o sofrimento extremo pelo estariam supridas, ou melhor ainda, em que não existiriam
medo de perdê-Ias. Na verdade, reeditava situações que necessidades, e em que não haveria diferenciação entre ela e
passara na infância. O episódio com João foi apenas o elo mie, ambas se constituindo numa unidade. A morte seria
final de uma cadeia de conflitos, e a sua perda fez com que como que um parto ao contrário. Aliás, era isso que Nair
ela vivenciasse, inconscientemente, a sítuação de uma queria de João: uma mie que se unisse, em simbiose, a ela,
criança faminta, abandonada, que se sente presa de coisas que não houvesse mais individualidade dessa mie (e de
terroríficas internas e tem de fugir delas. A morte é uma João) e que só vivesse para a filha (ou namorada).
fuga, nem que não se saiba claramente para onde. Aliás, os conceitos de para (so, de céu, das religil5es
Portanto, a tentativa de suicídio de Nair não teve como lembram muito esta idéia de vida intra-uterina, de ausência
"causa" a briga com o namorado. Mesmo a rede de con- de necessidades e de felicidade total, no seio de Deus. O
flitos descrita superficialmente acima nunca será completa, castigo dos pecadores é nlo poderem voltar a esse seio. As
porque suas influências aparecem parcialmente na análise. analogias de volta à mie Terra devem se fundar no mesmo
Além disso, fatores constitucionais, hereditários, bioló- simbolismo.
gicos, culturais e sociais também influenciam de alguma No caso de um bonzo budista que ateia fogo às vestes em

_.'-:.-.-.-:.-:.-::::::::::::::~~./.l_.~.-:.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-::::::::~_.I
S. Cassorla
4 6 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o que é Suictdio
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 47

protesto contra uma guerra, ou do kamikase que jogava seu Notícia de julho de 1983 mostra a força da fé. Duas
avião contra um navio americano, ou de um terrorista pales- jovens são enforcadas, no Irã, sob acusação de pertencerem
tino que explode com seu camínhão dentro de um quartel ao grupo religiosoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
b a h a i. Ambas faziam parte de um grupo

inimigo, é evidente que a morte, em si, tem pouco a ver de 10 mulheres b a h a is que seriam enforcadas; onze de seus

com seus objetivos individuais. Existem duas fantasias correligionários do sexo masculino já haviam sido execu-
(superpondo-se ou até mascarando outras mais profundas): tados. O componente suicida e a força da fé ficam claros
permanecer na terra, lembrado como herói, e, mais impor- quando se assinala que: "embora fossem acusados de
tante talvez, ter uma vida pós-morte -. reservada aos ser agentes sionistas, todos os condenados teriam recebido
heróis, onde serão recompensados pelo sacrifício feito na quatro oportunidades de se salvarem renegando sua religião.
terra. A idéia de uma vida pós-morte cheia de regalias leva Todos se recusaram". (Na notícia percebemos também
ao fanatismo das guerras santas dos islamitas, dos xiitas, que o sionismo é o bode expiatório, o problema era a fé -
ainda agora, e que, para os ocidentais, são de difícil com- talvez nem a fé em si =, o que representava questionamento
preensão. Mas, não nos esqueçamos que há poucos séculos aos poderosos.)
Ora, se as religiões oferecem tanto após a morte, e se
muitos cristãos fervorosos iam às cruzadas numazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
equisição
de indulgências, que permitissem sua entrada no para (so, algumas vêem até a passagem na terra como um ritual de
após a morte. As orações, as penitências e as flagelações sacrifícios, por que então não acelerar a chegada aos céus,
ainda servem para tal e, por vezes, a bondade e o amor ao suicidando-se? Creio que por trás deste problema repousa
próximo têm de ser trabalhados, disciplinados e até for- o horror que as religiões, em geral, têm ao suicídio indivi-
çados, devido ao terror das profundezas do inferno e ao dual (mas que pode ser estimulado em situações especiais,
desejo do prazer da companhia divina. Não deixa de ser, como guerras santas e cruzadas, com as bênçãos dos sacer-
portanto, um compromisso para a obtenção de uma vida dotes). Há quem diga que, se essa proibição não surgisse,
ideal pós-morte. (A análise acima decorre de uma visão psi- não teríamos cristianismo, pois os primitivos cristãos se
cológica, e não de reflexões teológicas que não me sinto orgulhavam de sacrificar suas vidas pela fé. Como já
em condições de fazer. Mas, não é difícil perceber como a vimos, o suicida é considerado um pecador pelas religiões
Igreja pós-Concílio Vaticano II tem, de certa forma, ten- modernas.
tado valorizar mais o ser humano na terra, proporcionando Recentemente, tivemos um episódio heróico, de nossa
maior respeito a sua capacidade de reflexão, aproximando história, a morte do jornalista Vladimir Herzog, por tor-
pessoas insatisfeitas de si mesmas e da religião. E, ao mesmo tura, e que os torturadores convencionaram que ele teria
tempo, levando a confusão a quem estava preocupado em se suicidado. Pela tradição judaica ele não poderia ser
ser "bom" apenas para poder chegar ao céu ... ) enterrado no cemitério comum, mas a comunidade não

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o que é SuicidioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 49

o excluiu,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
não o considerou suicida. prossegue: "Em prantos, a mãe lamentava a sorte de Maria,
Aliás, mesmo que ele se tivesse matado, creio que os pedindo-lhe perdão e acusando-se por ter querido que a
teólogos teriam de ser mais compreensivos, porque o filha escapasse, através de um casamento com um empre-
suicídio de um torturado tampouco é a procura da morte: gado de uma empresa do Norte, do destino opressivo das
é, sim, a fuga, a fuga desesperada de algo insuportável e, mulheres pobres do sul do país." Em setembro de 1983,
como vimos, quando se foge de algo, não importa para onde Gerson Mendes do Rosário, de 29 anos, suicidou-se em
se fuja, o importante é livrar-se disso. O corpo e a mente Osasco. Após beber descontroladamente, o operário, ao
chegam à exaustão total e nada mais importa, desde que o chegar em casa, despediu-se do filho, conversou com um
sofrimento cesse. O indivíduo, na verdade, não quer morrer dos irmãos, trancou-se no quarto e matou-se com um tiro
- quer e precisa parar de sofrer. disparado contra o rosto. Com seu irmâ"o chorou muito,
(Sobre os torturadores: estes sim, esta-o mortos como lamentando-se de estar desempregado e dizendo não mais
seres humanos, suicidaram sua condição humana e se trans- suportar seu filho passando fome. Em janeiro de 83, duas
formaram no que há de pior nos instintos. Não pense o mulheres chinesas suicidaram-se por envenenamento após
leitor que o torturador, o inquisidor, o ditador ou até o terem sido surradas repetidas vezes por seus maridos, por
insensível tecnocrata que com uma assinatura faz morrer terem dado à luz meninas em vez de meninos. Continua a
de fome milhões de pessoas tenham perdido toda sua capa- notícia, transcrita dos jornais de Pequ im, que esses foram
cidade de pensar. Neste sentido continuam homens: mas, "os mais recentes entre dezenas de casos semelhantes cau-
esse pensar está em parte suicidado tornando-os incapazes sados pelo severo controle de natalidade, agravado pela
de perceber o mal que fazem a seus semelhantes, conta- tradicional preferência por herdeiros do sexo masculino".
minados pelo ódio que dedicam a si mesmos e deslocado Nos casos acima, retirados de jornais, na-o temos ele-
para os outros. A fraqueza dos instintos de vida e a força mentos para conhecer a rede causal. Mas, é evidente que
dos instintos de morte faz que se queimem milhares de os agentes externos funcionaram como torturadores, o
hereges, se matem milhões de judeus, de ciganos, de russos indivíduo preferindo a morte (ou as fantasias envolvidas
brancos, de índios, de negros, ou se escravizem povos e com ela) do que a tortura, que deve tê-Ias exaurido mental-
nações. Para "salvar" ideologias, religiões ou bens mate- mente. Os "torturadores" não foram necessariamente a mãe
riais o ser humano mata sua porção humana ... ) de Maria, quem despediu Gerson do emprego, ou os
Em julho de 83, Maria Maiolo, 16 anos, matou-se cem maridos das chinesas, mas sim a própria sociedade, mediada
um tiro, em Fabrízia, uma cidadezinha nas montanhas da por tecnocratas insensíveis que condenam as pessoas à
Calábria, ao sul da Itália, porque na-o queria casar-se com opressão, a terem menos filhos e ao desernpreqo.
um pretendente, escolhido por sua mãe. A nottcia de jornalZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

• •• •• •
o que é SuictdioIHGFEDCBA 51

dade que todos nós vivemos alguns momentos psicóticos


(na maioria das vezes sem ter muita consciência deles). mas
na ameaça de desintegraçSo psicótica o indivíduo perde as
referências, não sabe mais o .que é, quem é e se sente como
que em vias de aniquilamento. Geralmente ele combate
essa angústia criando um mundo irreal, mas que,zyxwvutsrqpon
crlação
sua, é melhor que o nada (e aí surgem os delírios e aluci-
nações). Mas, no momento da ameaça de desintegraçSo, a
angústia é tão intensa que o suicídio passa a ser a fuga, às
vezes a única visível. Novamente, o suicida não está procu-

L U T O , M E L A N C O L IA E S U IC ÍD IO rando a morte, mas está fugindo de algo aterrorizante.


Assemelha-se ao torturado, que também acaba caindo
numa angústia psicótica, mas causada por agentes externos.
Outras vezes, ainda em quadros psic6ticos, o indivíduo
Qual a relação entre doença mental e suicídio? Aproxi- sente-se perseguido por inimigos internos que projeta no
madamente 1/2 a 2/3 dos suicidas não apresentam mani- meio externo. Essa perseguição, somada à ameaça de desin-
festaç15es de doenças mentais evidentes, segundo a clássica tegraçâo, pode levar a atos autodestrutivos, aqu i também

nomenclatura psiquiátrica. A verdade é que hoje, sem se procurando-se escapar do sofrimento e dos inimigos.
desprezarem as doenças mentais tradicionais, se valorizam Introduziremos o estudo da melancolia com uma visão
mais os conflitos psíquicos, existentes em todos nós (e que, do luto e depressão, quadros também ligados à autodes-
entre os suicidas são mais acentuados) do que os quadros truição e que ajudam a compreender o melancólico.

psiquiátricos estritos e delimitados. E, mesmo estes, são A depressão, a tristeza é a reação normal que temos
quase todos o resultado da interaçã'o de conflitos psíquicos frente a uma perda. A perda pode ser a mais variada: pode-
mos perder um ente querido, que faleceu; podemos perder
com fatores biológicos e sócio-culturais.
A maioria dos suicídios em pessoas com quadros mentais um amigo, que nos deixou ou nos decepcionou; podemos
ocorre na melancolia e uma outra porção quando o indiví- perder um emprego, uma oportunidade. A perda pode ser

duo está frente à ameaça de desintegraçã'o psicótica. de um objeto, de um encontro, de um amor, ou de algo
A psicose, a desintegraçã'o psicótica é um quadro difícil que não tínhamos, mas que desejávamos e agora sabemos

de descrever, pois tal como a morte, não é imaginável e só que isso será impossível. Dizemos que nossa mente investe
.pOde servivenciedo por quem por ele passou. o objeto ou pessoa querida de certa hn~~tArl.~rqpM,,.e
E: bem ver-yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA -I
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Roosevelt M. S. Cassorla
52yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suicidio 53

tuindo-se uma ligação entre o eu e o outro. Quando ocorre vezes, lembrar-se do que perdeu, entristecer-se, mas com
a perda, principalmente se for brusca, essa ligação ou esse poucas dificuldades poderá afastar esses pensamentos,
investimento tem de se desfazer: isso trará sofrimento ao ligando·se a coisas novas.
indivíduo, que não sabe o que fazer com essa energia livre. ~ assim que ocorre o luto normal. Mas, mesmo o normal,
~ como se por muito tempo vivêssemos num mundo consti- e mais ainda, o patológico, podem passar por vicissitudes as
tuído de uma forma determinada e de repente ele mudasse, mais variadas, que prolongara"o o luto, o tornarão mais
e ficamos desorientados. Ou, noutra analogia, é como se intenso ou sofrido, ou, em casos extremoszyxwvutsrqponmlkjihgfedc
levarão a quadros
"caminhássemos" emocionalmente contando com deter- doentios, como a melancolia. A maioria dessas vicissitudes
midadas estruturas, e se uma delas, mais ou menos impor- processa-se em nível inconsciente, isto é, o enlutado não
tante, faltasse. O resultado será um desequilíbrio, uma sabe o que está realmente ocorrendo em sua mente.
ameaça de queda, até que possamos nos reequilibrar com as Uma dessas vicissitudes é a agressividade em relação à
estruturas restantes, readaptá-las em seu funcionamento pessoa perdida. Vejamos, como exemplo, o luto pôs-morte.
e/ou encontrar outras que substituam a perdida. Logo ~ comum e normal que sintamos em relação às pessoas que-
após a perda o melhor é ficar parado, para não cair ... ridas também sentimentos negativos: esses sentimentos às
~ mais ou menos o que faz a nossa mente. Após a perda vezes aparecem conscientemente, mas são equilibrados
da pessoa querida ela precisa de algum tempo para poder pelos positivos, e na somatória geral podem até passar
acostumar-se, readaptar-se. Nesse período ocorre o que cha- despercebidos. Em outras ocasiões, essa ambivalência, essa
mamos de processo de luto. O objeto ou a pessoa perdida, luta entre sentimentos positivos e negativos é bem clara.
que já não existe na realidade, toma conta da mente do Não raro, atrás desses afetos podem existir desejos de morte
indivíduo. ~ como se se relutasse em admitir a perda, ou inconscientes (e às vezes até conscientes) em relação à peso
como se a mente, num processo similar à inércia, se satis- soa próxima, sentimentos esses que dão muita culpa e são,
fizesse com reter aquilo que foi perdido dentro de si. O por isso mesmo, reprimidos. Quando ocorre a morte, às
morto ou o perdido é lembrado, chega-se a conversar com vezes, os sentimentos de culpa em relação ao morto erner-
ele, a brigar, a suplicar. Ele é tratado dentro da mente como gem: mas, comumente a pessoa não sabe precisamente
se ainda, em parte, existisse. Aos poucos, porém (e é só o porque se sente culpada e se pune. Em ocasiões acredita que
tempo que cura o luto), essa imagem, esses pensamentos a causa desses sentimentos culposos é não ter tratado
vão se esvaindo, e o indivíduo (antes tristonho, arredio, melhor a pessoa em vida, não ter-lhe satisfeito alguns
voltado para dentro de si) passa, lentamente, a interessar-se desejos, não tê- Ia compreendido etc. Isso é comum e nor-
pelo mundo, por outras pessoas, pela vida e após algumas mal. Outras vezes, aqui mais em nível inconsciente, e
semanas ou meses ele retoma sua vida normal. Poderá, às quando o morto foi um doente crônico ou que sofria
S4yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla o que é SuicidioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 5S

muito (e causava transtornos ao ambiente), o desejo de que forma arcaica, atribui a responsabilidade da morte ao pró-
a pessoa morresse logo para que parasse de sofrer (e causar prio morto. (~ bem verdade que talvez essa mente arcaica
sofrimento) pode também proporcionar remorso. Mas o tenha tido uma percepção sutil e rica: não é raro que o indi-
mais sério é quando o sobrevivente (geralmente de forma viduo tenha contribuído de alguma forma para sua pró-
inconsciente) passa a acreditar que o seu desejo de morte pria morte, que seus instintos de morte tenham sido
pode ter causado a morte do outro. ~ um pensamento facilitados por seus próprios conflitos. Isso é mais evidente
mágico que persiste nas profundezas da mente das pessoas. em pessoas que não dão atenção à sua saúde, não se tratam,
Nas crianças isso é mais visível, e não raro elas se acham em alcoólatras, em pessoas que se acidentam etc., e eviden-
responsáveis pela morte, pelas doenças ou pela separação temente no suicídio consciente, o caso extremo, e aqui é
dos pais, principalmente se esses episódios ocorrem em fases claro que um dos objetivos do morto foi realmente fazer o
do desenvolvimento infantil em que a agressividade natural sobrevivente sofrer.)
das crianças frente aos pais (por exemplo, em períodos Freud assinalou que na melancolia a sombra do objeto
edípicos) está exacerbada (muitas dessas crianças, se não cai sobre o ego, isto é, o sobrevivente se identifica com o
forem amadas, tenderão a se sentir más, culpadas, pelo resto morto. Não só com as facetas positivas (aliás, isso ocorre
da vida, punindo-se então e não podendo usufruir da vida. m·ais no luto norma 1), mas também com as negat ivas, proje-
Outras vezes, os próprios pais, rejeitantes, que sentem a tadas. Poderemos ter, então, dentro da mente do indivíduo,
criança como uma carga, estimulam essa culpa e responsa- identificados vivo e morto, uma entidade má, raivosa, resul-
bilidade nos filhos). tado dos sentimentos negativos, e a pessoa passa a sentir-se
~videntemente, sentir-se responsável pela morte de assim, dominada e culpada. Essa vivência pode ser muito
alguém pode levar a sentimentos de culpa e necessidade de intensa, muito persecutória, impedindo a vida do sobre-
punição, por vezes intensos. (Aliás, nos rituais normais de vivente que se sente mau, com ódio e com muita culpa. A
luto, principalmente em algumas culturas, o enlutado se idéia dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
suicjdio pode surgir como uma maneira de livrar-se
flagela, rasga suas vestes, cobre a cabeça de cinzas ou se dessa vivência, de matar esse objeto dentro de si.
castiga de formas as mais mascaradas - não é apenas uma Esse processo é inconsciente e, na melancolia, cornu-
demonstração de tristeza, é principalmente uma auto- mente não existe uma perda real, vislvel ao observador.
punição.) O luto então se complica, e a necessidade de Trata-se quase sempre de perdas da infância precoce, que
castigo pode conduzir a idéias suicidas. são revividas inconscientemente, a partir ou não de um
Outras vezes tem-se raiva do morto porque ... ele mor- desencadeantê externo. Fatores constitucionais e biológicos
reu! Porque nos deixou sós, com problemas de solidão, parece também predisporem a esse tipo de reação. Vejamos
financeiros etc. Nossa mente, novamente funcionando de um exemplo: Joana nunca gostou de ter nascido mulher e
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Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla que é Suictdio 57

admirava a liberdade e iniciativa dos homens. Sequer admi- socorro. Lá foi diagnosticada uma septicemia e Cibele
tia querer casar-se ou ter filhos. Mas, sentia-se bem com morreu horas após.
seu namorado, que sabia que a amava, a despeito de muitas O leitor nâo precisa condenar Joana. Ela mesmo se con-
vezes ter vontade de largá-Io, para sentir-se mais livre. Sua denou - entrou num processo melancólico, parou de comer
vida sexual era satisfatória até que, "por engano", engra- e de dormir, e só pensava na filha. Sentia-se má, horrorosa,
vidou. O namorado quis casar-se, mas ela o mandou embora "uma bruxa" e foi definhando aos poucos. Achava que seu
e mudou de cidade para que não mais a encontrasse. Tentou crime era tamanho que devia morrer; pedia a morte e pen-
abortar com chás e remédios aconselhados por vizinhas, sava em matar-se. Joana estava se matando, não comendo
maszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
não teve coragem de procurar uma parteira, médico e emagrecendo, e logo apareceu uma tuberculose. Foi
ou alguém que realmente fizesse o aborto. Chorou muito levada à força ao médico, que a internou,e pude conhecê-Ia
durante a gravidez e passou os 9 meses mu ito mal. Pensava no hospital. Não queria ajuda e chegou a tentar jogar-se
e sonhava com a criança, mas comum ente a desejava morta, pela janela.
que não nascesse. Cibele nasceu fraqu inha, de um parto Em Joana vemos a culpa pelo desejo de morte e, infe-
complicado, e não conseguia pegar no peito. Joana quis lizmente, em Cibele notamos a percepção de ser uma
dar a criança, mas pouco antes da doação, "não sabe carga para a mãe e o seu suicidio inconsciente tentando
por que", arrependeu-se. Foi morar com uma amiga solteira agradar a mãe. Façamos uma pausa: as crianças percebem,
que trabalhava à noite e se alternavam nos cuidados de e muito, quando são amadas e quando são uma carga,
Cibele. Esta vivia doente e chorava muito, não deixando quando são rejeitadas. No segundo caso, em suas cabe-
que Joana descansasse e dormisse, após seu dia de trabalho cinhas só pode passar algo que, por analogia com o
atarefado; muitas vezes pensava, chorando, que não devia pensamento adulto, deve ser: se quem eu mais amo,
ter tido essa filha, que a devia ter abortado ou dado a quem eu mais preciso, não me quer, é porque eu sou
alguém_ Em momentos, perdia a cabeça, quando Cibele má. E, se eu sou má devo punir-me; a percepção dos
não parava de chorar, e lhe batia. Depois, mais calma, se desejos de morte por parte dos pais faz com que elas
arrependia, mas vivia em conflitos, desesperada. acabem adoecendo e morrendo, e às vezes tentando o sul-
Uma noite Cibele, já com 4 meses, estava novamente cfdio. Essas tentativas normalmente passam por acidentes,
febril e não parava de chorar. Joana, cansada, exasperou-se mas por vezes o ato suicida é bem claro. Em outras
e deu-lhe uma surra. A criança se acalmou e dormiu. Na ocasiões, essas crianças crescem, melancólicas e perseguidas,
manhã seguinte a achou meio largada, mas, mesmo assim, e tendem a comportamentos autodestrutivos quando adul-
foi trabalhar, porque já tinha várias faltas no serviço. À tos se não tiverem a sorte de usufru ir de outras expe-
tarde a encontrou pior, e assustada a levou a um pronto- riências melhores em suas vidas. (~ evidente que o leitor,
""". ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
5 8 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suictdio
Roosevelt M zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla 59

que já percebeu a multicausalidade nos nossos mecanismos Esta fantasia se confunde com a de encontro ou reencontro
mentais, deve avaliar com cautela qualquer analogia que com Deus, o paraíso, o seio ou o útero materno, como já
sinta entre os casos contados, de forma superficial, e expe- assinalei.
riências pessoais. As experiências do leitor podem e devem No fenômeno do suttee na fndia antiga (e até recente-
ser peculiares a ele, e a ajuda de um profissional poderá mente) isso é bem visível, em termos culturais: as viúvas
esclarecê-Ias. Lembremo-nos que, infelizmente, a autoper- são enterradas com seus maridos, e a vida continuará em
cepção de processos inconscientes não é comum, nem outro lugar. Nas Novas Hébridas, quando morria uma
fácil.) criança, a mãe ou tia ou outra mulher devia morrer
Mas, conheçamos melhor Joana. Se ela teve desejos de também para cuidá-Ia. No Japão, até o século XVIII, os
morte em relação a Cibele, também queria que ela vivesse. vassalos se suicidavam após a morte de seu Iíder, para
Afinal, ela a gerou, não a abortou (e poderia tê-to feito), acompanhá-Io. Entre os Gisu, de Uganda, as mães se suici-
nem a doou. Na verdade, a ambivalência entre os desejos de davam após a morte de seus filhos. Nas Ilhas Salornão as
ter um filho e não ter era intensa. E isso é que causava esposas disputavam sobre qual teria a honra de ser enter-
conflitos e sofrimento. (Permitam-me um certo cinismo, rada com seu marido e chefe morto. Esse costume foi
simplista, é verdade. Se os desejos de não ter um filho encontrado em várias culturas, como entre os antigos
fossem muito predominantes, talvez Joana nem engravi- trácios e os Rus da Escandinávia.
dasse, ou, se engravidasse, um aborto natural ou provo- Em nossa sociedade isso não ocorre de forma tão evi-
cado resolveria o problema, com um mínimo de sofri- dente, mas existem três formas mascaradas que têm as
mento.) mesmas motivações: uma é o suicídio de pessoas enlutadas,
A melancolia, a culpa, a necessidade de punição eram melancólicas. Outra é o luto patológico, em que o sobre-
conseqüência da ambivalência. Nas fantasias de suicídio vivente não consegue "desligar-se" do morto e passa a viver
de Joana encontrei mu itos componentes: desejo de destru ir só de recordações, às vezes mantendo hábitos e objetos
seus impulsos assassinos, desejo de punição, desejo de como se o morto não estivesse ausente. Vive-se como que
destruir seus impulsos sexuais, sentidos como maus e cul- semimorto, longe do mundo e em "companhia" do morto,
posos e, ... re-encontro com Cibele. (Isto pode ocorrer, normalmente, no processo de luto,
Aqui temos uma das fantasias mais comuns, não só nos mas é patológico se persiste muitos meses após a perda.) A
suicidas e melancólicos, como também nas pessoas enlu- terceira, mais sub-reptícia, é a morte natural que ocorre
tadas e em qualquer um que sofra uma perda. Existe uma pouco tempo após a perda de pessoas queridas - o indiví-
fantasia de que, num outro lugar, em outro mundo, reecon- duo perde a vontade de viver e termina por morrer natural-
traremos as pessoas mortas, queridas, e ali viveremos felizes.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mente ou após uma doença. O povo, leigo mas sábio, diz
60yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M S. Cassorla o que é Suictdio 61

que a pessoa morreu, porquezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA


não tinha mais motivos para culpa ao ver seu invento usado para bombardear pessoas.
viver: a ciência oficial, que não compreende isso, atesta que Mesmo que nós percebamos que sua culpa era absurda, o
foi de pneumonia ou "parada card íaca"! Na verdade, as evento deve ter reforçado outros conflitos inconscientes.ZYXWVU
taxas de mortalidade entre viúvos e viúvas, no primeiro ano
após a morte do parceiro é maior do que seria esperado
para a população geral. ~ evidente que o fator afetivo influi
nessas mortes, e o reencontro com o parceiro é uma das
motivações inconscientes.
Aliás, o povo, e seus representantes verdadeiros, os
poetas, sabem que se morre de desgosto, de amor, que o
coração "partido" mata, que as pessoas "se roem" de
inveja ou de remorso (e seus órgãos são roídos), que defi-
nham de tristeza e que a mágoa pode fazer perder a von-
tade de viver. O banzo, dos negros escravos, era a rnelan-
colia por perda de sua terra e liberdade, e levava ao sui-
cfdio. Outra motivação é a culpa: por exemplo, em certos
grupos africanos o indivíduo que transgredia um tabu sim-
plesmente se deitava e morria de morte "natural". Entre
nossos (ndios tupinambás e em outros grupos a pessoa
condenada pelo feiticeiro morria aterrorizada, também de
forma natural. Nestes exemplos, assim como no vodu,
percebemos a força dos instintos de morte, em que meca-
nismos psíquicos levam a um suicídio inconsciente que
parece uma morte natural. Mas, tanto o indivíduo que
morrerá, como seus iguais, sabem o porquê da morte, e que
não é natural.
Em nossa cultura, o componente de culpa está presente
em muitos suicídios. Vimos isso já no estudo da melancolia.
O sulcjdío de Santos Dumont, em 1932, se bem que de
multicausalidade complexa, teve como desencadeante a

• •• •• • IHGFEDCBA
o que é Suictdio 63

processo de luto, no aniversário, ou próximo do aniver-


sário de morte dessas figuras. 550 miniprocessos melancó-
licos, com todas suas conseqüências, e que se processam
em nível inconsciente. Outras vezes o fenômeno ocorre
não num aniversário, mas quando se atinge a mesma idade
da pessoa com quem ocorreu a identificação (no caso de
Carlos houve coincidência de data e de idade, e também
uma identificação com a doença do pai) ou ainda, quando
os filhos atingem a mesma idade que se tinha quando o
pai ou a mãe faleceram. Por exemplo, Neide entrou num
A S R E A Ç Õ E S D E A N I V E R S Á R I O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
processo depressivo intenso, sem saber o motivo, quando
tinha 36 anos, e sua filha mais velha havia completado 8.
Na investigação psicanalítica descobrimos que Neide
perdera sua mãe quando tinha 8 anos de idade, e a mãe
Um bom exemplo do poder de nossa mente e de nossos
adoecera justamente no dia do aniversário de Neide. Esta
instintos de morte são as Reações de Aniversário, fenômeno
identificou-se com a filha, e sua depressão começara com
reconhecido através da psicanálise, e que tenho estudado
uma crise de choro, inexpl icável, durante a festa do 89 ani-
há alguns anos. Carlos teve seu segundo enfarte do mio-
versário da menina.
cárdio aos 42 anos, e já tivera um anterior aos 35. Seu car-
Existem muitas facetas curiosas que surgem do estudo
diologista percebera a influência do estado emocional na
das Reações de Aniversário. Muitas doenças, crises e mortes
produção de suas doenças e já o enviara a um psiquiatra
repentinas têm a ver com esse fenômeno. Três dos quatro
quando do primeiro enfarte, mas ele preferira não ir. Agora
primeiros presidentes norte-americanos que morreram o
me procura, assustado, e me conta que seu pai morrera de
fizeram num dia 4 de julho (dia da Independência), e
enfarte, aos 42 anos. Durante o tratamento descobrimos
destes dois que haviam assinado a Declaração de Indepen-zyxwvutsrq
que seus dois enfartes haviam ocorrido no mês de fevereiro,
dência o fizeram no 509 aniversário dela. Winston Churchill
um no início do mês, não se lembra a data, e o outro no
morreu exatamente no dia do aniversário da morte de seu
dia 11 de fevereiro, exatamente no dia do aniversário da
pai, que tanto o influenciara.
morte de seu pai! Nas Reações de Aniversário a pessoa
Tenho me interessado pela vida de Álvares de Azevedo,
inconscientemente mobiliza, devido a identificações com
que morreu com 20 anos e 7 meses. O poeta adoeceu
figuras importantes do passado, os conflitos relativos aoyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
durante as férias do 49 para o 59 ano de seu curso de
64yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. Cassoria o que é SuictdioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 6S

Direito e já pressentira a morte e o ano em que morreria. A atriz Jean Seberg morreu por suicídio e tentava matar-se
Nos 2 anos anteriores haviam falecido 2 colegas quinta- a cada aniversário do parto prematuro de sua filha. Jean
nistas, tendo feito a oração fúnebre do segundo, e estava perdeu a criança com 7 meses de gestação e o trabalho de
certo que os seguiria. O mais interessante é que, em sua parto foi desencadeado pela leitura de jornais, que noti-
mente, nunca conseguira libertar-se das lembranças e senti- ciavam que ela era amante de um dos líderes dos Panteras
mentos relativos à morte de seu irmão menor, quando o Negras. Soube-se depois que essas notícias haviam sido
poeta tinha 4 anos. Posso supor que, por identificação com "plantadas" na imprensa pelo FBI, numa tentativa de arrui-
o irmão morto, deve ter sido muito ditrcil para Álvares de nar sua reputação. Juréia, uma conhecida minha, tentou
Azevedo atingir o seu 59 ano de vida, como se devesse matar-se num dia 2 de novembro, durante uma depressão
morrer junto com o irmão. Circunstâncias fazem com que aparentemente relacionada a seu abandono pelo marido,
morram "irmãos" de faculdade, que mobilizam seus con- que a deixara dois meses antes. Descobrimos depois que
flitos, e, agora sim, não pode passar do 49 ano. (~ evidente nessa data, fazia 10 anos, se havia matado o seu namo-
que estou lidando com hipóteses incomprováveis, mas que rado da época.
são baseadas em fatos analógicos descobertos com a ajuda Aliás, o dia 2 de novembro, Finados, comumente implica
do método psicanalítico.) A obra de Álvares de Azevedo recordações de mortos e mobilizações de conflitos por
tem muito a ver com sua percepção inconsciente de morte. lutos mal resolvidos. Outras datas importantes que tenho
Escreveu: notado que podem exacerbar conflitos são a Sexta-
Feira Santa, em que, às vezes, pessoas religiosas se identi-
Se eu morresse amanhã viria ao menos ficam com Cristo (ou com seus algozes). Conheci várias
Fechar meus olhos minha triste irmã pessoas com o que poderia ser chamado síndrome de Cristo,
Minha mãe de saudades morreria que se deprimem e acreditam que morrerão aos 33 anos,
Se eu morresse amanhã ... como Jesus. No Natal muitos conflitos são mobilizados,
relativos à concepção e nascimento, outros relativos à neces-
O poeta mostra a reação dos outros à sua morte e a sidade de amor e ainda outros pela ausência de pessoas
percepção de seu desejo de reencontrar a mãe após a morte. queridas, presentes em natais anteriores. Entre os judeus,
Infelizmente, a própria irmã o segue, dois anos após, triste Yom Kipur, o dia do perdão, pode inconscientemente
com a perda do irmão. desencadear necessidades de punição que levam a resul-
Suicrdios intencionais também ocorrem como Reaçl5es tados autodestrutivos intencionais ou semi-intencionais.
de Aniversário, o indivíduo na maioria das vezes não tendo Aliás, o próprio jejum a que os fiéis se submetem deve ter,
consciência de seu conflito, mobilizado pelo calendário. em parte, esse simbolismo.
..-
66yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. Cassorla

De qualquer forma, a existência dessas datas é positiva


e importante, pois a sociedade facilita que conflitos e
sentimentos reprimidos se tornem conscientes e assim eles
podem ser melhor elaborados, ajudados pelo grupo social,
religião, rituais e costumes. As cerimônias fúnebres as
missas anuais pelos mortos (assim como, evidenternsnra,
as comemorações de alegrias) têm também essas funções
psico lógicas.

E
S E X U A L I D A D E zyxwvutsrqponmlkjihgfed
F A N T A S IA S S U IC ID A S

Vimos, até aqui, muitos mecanismos e fantasias ligados


aos atos suicidas. O leitor já percebeu que não existe o
suicídio, mas sim pessoas que se suicidam ou tentam sui-
cídio, ou ainda, procuram a morte de formas mais sutis.
Existirão, portanto, tantas fantasias ou tantos complexos
de fantasias su icidas quanto de pessoas que assim agem ou
pensam.
Recordando, subjacente ao ato suicida existe a fantasia
de outra vida, de um paraíso, de encontro com Deus, de
outro mundo cheio de riquezas ou dei ícias, de reencontro
com pessoas queridas que morreram, de volta ao seio ma-
terno. Acrescentamos depois o desejo de punição, de caso
tigo, de destruir impulsos assassinos, de destruir impulsos
sexuais culposos. E, vimos também o desejo de vingança,
de proporcionar culpa, de causar sofrimento aos outros e
à sociedade. Lembremos, ainda, que estas fantasias todas
- a ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
•• •• 1
68yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuictdioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassaria 69

são, quase sempre, inconscientes. mir suas juventudes (uma geração evitando ceder lugar à
Prendamo-nos agora um pouco às fantasias relacionadas próxima) e aproveitam para tornar a masturbação ainda
à sexualidade. O sexo, por aspectos psicológicos e sociais mais perturbadora. Infelizmente, ainda hoje, o leitor
é comumente sentido como algo que conduz a sentimentos pode ir a qualquer Iivraria e comprar um texto sobre "edu-
de culpa, como algo mau, que deve ser controlado e repri- cação" sexual em que estarão detalhados todos os male-
mido. A culpabilidade da sexualidade está muito ligada a f ícios da masturbação (já não se chega ao ponto de escrever
fatores resultantes das vicissitudes do desenvolvimento que amolece o cérebro ou faz nascer pelos nas mãos ... mas
psicológico do ser humano principalmente na elaboração se "demonstra" como o indiv rduo ficará fraco e impotente,
dos complexos edipianos, e essa culpabilidade é usada pela além de ser responsável por crimes que comete contra a
sociedade com finalidades variadas. A despeito da apa- natureza ... ). Bem, um adolescente que não elaborou
rente liberalização dos costumes (e muitas vezes, por causa adequadamente seus conflitos infantis quanto à sexualidade
dela) os conflitos na área sexual são comuns, e sua intensi- poderá sentir uma necessidade premente dezyxwvutsrqponmlkjihgf
punição e cas-
dade e grau de resolução vão depender de cada indivíduo. tigo, não só por sua masturbação, mas por suas fantasias
Quando os impulsos sexuais são sentidos (consciente ou sexuais. Estas podem ser conscientes e inconscientes e, não
inconscientemente) como muito intensos ou perigosos raro, fantasias ed ípicas, de relações sexuais com pai, mãe ou
a mente usa mecanismos para lidar com eles, mais ou irmãos podem surgir em sonhos ou na consciência, exacer-
menos adequados. O ideal seria que eles não fossem sen- bando o sentimento de culpa do jovem. Um adolescente
tidos como perigosos e que pudessem ser usados de uma normal ultrapassa essas etapas com certa facilidade, mas um
maneira que proporcionassem satisfação ao indivrduo e à outro poderá cair no ascetismo (que implica suicidio
sociedade, e que a energia da parte controlada pudesse ser parcial) ou até no suicídio propriamente dito. Em alguns
deslocada para atividades criativas e para o trabalho. A civi- casos encontramos mutilações genitais ou de órgãos com
lização, na verdade, teria origem na energia desses instintos valor simbólico similar. Descreveu-se uma sindrome em ado-
sublimados. lescentes que se enforcavam, geralmente vestidos de mulher,
No entanto, principalmente na criança e com manifes- durante atos masturbatórios. Na realidade, pouco se sabe
tações intensas no adolescente, a sexualidade traz muitos desses casos, mas em minha experiência notei que, às vezes,
conflitos (que persistirão na vida adulta, se não resolvidos). o jovem perturbado, num ato masoquista se pune e se fla-
A masturbação pode fazer o jovem sentir-se desprezlvel gela por suas fantasias sexuais, e durante o êxtase, pode
humilhado, mau, doente, com sentimentos de culpa inten- perder o controle. No filme Império dos Sentidos há um
sos (e, isso ocorre também devido a fantasias edrpicas bom exemplo de como a anoxia cerebral (e dai o estrangu-
inconscientes). As sociedades sempre souberam como repri- lamento) pode aumentar o prazer sexual, e isso talvez

s
70yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassaria

explique, em parte, esses atos suicidas.


São também comuns os pensamentos suicidas e às vezes
as tentativas em jovens (e mesmo em adultos) visando eli-
minar seu desejo sexual, suas fantasias ou até para destruir
seu corpo, um corpo que ainda é desconhecido, mas traz
tanto prazer e tanta culpa. Eduardo, comIHGFEDCBA
1 4 anos, deu um

tiro de revólver em sua têmpora, mas sobreviveu. O trata-


mento psicanalítico mostrou fantasias edípicas em relação
a sua mãe, que lhe davam um sentimento de culpa intenso,
fantasias essas exacerbadas por uma mãe sedutora que M E N O P A U S A E V E L H IC E
inconscientemente estimulava as fantasias do filho e fanta- C O M O F A T O R E S C O N T R I B U I N T E S zyxwvutsrqp
sias homossexuais em relação ao pai (de quem tirou o
revólver).
O leitor talvez esteja surpreso e veja os exemplos acima
como "perversões" raríssimas. Na verdade, muitas fantasias A menopausa e a andropausa são fases da vida em que
sexuais e agressivas são similares em todos os indivíduos, muitos conflitos são exacerbados. A maioria das pessoa.s
inclusive no próprio leitor. O que vai diferenciar uma pessoa utiliza mecanismos suficientes para que não ocorra sofri-
de outra mais ou menos sadia serão a intensidade e os meca- mento. Outras, no entanto, tendem a entrar em processos
nismos envolvidos nos conflitos de que essas fantasias são melancólicos: para alguns estudiosos as alterações hor~o-
resultantes.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA nais (principalmente na mulher) seriam fatores coadju-
antes mas fica claro, na maioria dos casos, que se super-
~õe u:na série de desencadeantes p~ic.o.,ógicos extern~s.
Um deles é o sentimento de fim da femlnllld~de, de que nao
se é mais mulher, porque se perdeu a capaclda~e de repro-
dução. Isto é comumente confundido, inconscientemente,
com fim de atividade sexual, o que é um engano. De qual-
qu er forma , a mulher (e mais raramente o homem)
. passa
_ . a
sentir-se feia, não atraente, velha, deprimida, sem animo
para viver. Outro fator desencadeante é que por ess~ é~oca
os filhos já estão crescidos e abandonam o lar. Principal-

•••
•• ••
73
S. Cassorla
72yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suiddio
Roosevelt M zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

mente para aquelas mulheres cujo objetivo na vida foi levando a processos melancólicos e suicídios. Existe ainda o
apenas cuidar dos filhos, sobra um vazio muito grande. Se fator biológico: do ponto de vista mental, em alguns indi-
a mulher tem, em sua história passada, outras perdas que v íduos pode ocorrer regressão de fu nções, e do ponto de
a predispõem à melancolia, com esses novos desencadeantes vista somático são mais comuns doenças graves ou crônicas,
a doença pode manifestar-se, incluindo-se ai os atos suici- que, trazendo sofrimento, diminuem a vontade de viver
das. Por exemplo: Irene tem 55 anos e me procurou melan- (mais ainda, se o velho é considerado uma carga pela famí-
cólica, com idéias suicidas intensas. Ela própria percebera lia). Em alguns casos, quando a pessoa sabe que sofre de
que seus sintomas se iniciaram quando sua filha casou-se uma moléstia incurável, que só lhe trará sofrimento, ela
com um rapaz de quem Irene não gostava e mudou-se para pode praticar uma espécie de auto-eutanásia, que se chama
outra cidade. Não tem mais vida sexual porque se "acha su icfdio racional. Isto é, o indiv íduo se mata e seus argu-
velha" e já atingiu a menopausa. Irene perdeu a mãe peque- - mentos para tal são solidamente racionais. Mas, isso nem
nina e a avó que cuidava dela também morreu anos após. sempre ocorre, e há que diferenciar eventuais argumentos
Toda sua vida sentiu falta de carinho e descreve que sofria racionais de sua contaminação afetiva.ZYXWVUTSRQPONMLKJIH
um "vazio" constante. Esse vazio foi preenchido só em
parte por seu marido, mas cessou quando nasceu sua filha,
a quem se dedicou de forma exagerada. Essa superproteção
fez com que a filha, numa tentativa de libertação, se indis-
pusesse com ela e acabasse casando e indo morar longe.
Em outras ocasiões, a laqueadura de trompas (ligação das
tubas uterinas) com finalidade de esterilização, leva a fenô-
menos similares, se a mulher não estiver preparada psicolo-
gicamente. !: como se ela, inconscientemente, matasse
todos seus filhos em potencial e sua feminilidade.
Já na velhice, proporcionalmente, ocorre o maior
número de suicrdios, Muitos dos fatores descritos acima se
acentuam devido à solidão, à sensação de ser uma carga, à
lncomprsensão dos mais jovens. Em nossa cultura, infeliz-
mente, o velho não é respeitado nem se aproveitam suas
potencial idades e seu saber, e aqui percebemos claramente
a interação" de fatores sócio-culturais com os mentais,

• •• •• •
r
o que é Suictdio 7S

passem a viver numa roda-viva, em que sempre querem mais


e estão sempre se comparando com as outras. E esses valo-
res são estimulados pela nossa sociedade. Surgem então as
tão conhecidas figuras do tipo "vencedor", isto é, aquele
indivíduo ambicioso, com grande capacidade de trabalho e
de adaptação às circunstâncias, e que usa qualquer meio,
ético ou não, para adquirir mais poder, prestígio e dinheiro.
(Muitas empresas estimulam a competição entre seus fun-
cionários, reproduzindo em grau menor o que ocorre na
O S S U IC ÍD IO S P O R F R A C A S S O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sociedade.)
Dentro desses padrões culturais, o indivíduo deve ter o
que se chama "coluna flexível", isto é, poder aceitar humi-
lhações, subornar, ceder interesseiramente, corromper e ser
Outro bom exemplo da interação entre fatores sociais e
corrompido, conforme seus interesses momentâneos. Deve
individuais se dá nos chamados suicfdios por "fracasso",
ser capaz de trair um eventual amigo, de ser desonesto e
suicídios esses que corresponderiam a metade dos ocor-
lidar à vontade com falcatruas. Enfim, deve ser esperto e
ridos nos países desenvolvidos, Creio que a tendência é a
safado, num padrão muito em voga ultimamente neste país.
mesma em nosso meio, se bem que faltem estudos que dis-
Nessa "selva", algumas pessoas com "colunas pouco
criminem melhor a força de nossos fatores culturais.
flexíveis" tenderão ao fracasso. São pessoas que interna-
Quando se trata de pessoas de estratos sociais mais bai-
lizam excessivamente determinadas normas culturais de
xos, os fracassos reais, de responsabilidade da sociedade
seu ambiente (que contradizem, por exemplo, a desones-
(tais como o desemprego, as dificuldades financeiras, o des-
tidade), têm grande sensibilidade ao fracasso, que é vivido
respeito com o ser humano, a submissão à burocracia, a
com vergonha e desesperança, e são inábeis em mudar de
falta de perspectivas) levam à desesperança, que se acen-
metas e papéis. São indivíduos rígidos e ao mesmo tempo
tuará se o indivíduo tiver as características que descreverei
ambiciosos, características contraditórias para que se tor-
abaixo.
nem vencedores.
Quando se trata de pessoas de estratos médios e altos, é
Essas pessoas entram em depressão mas não têm cons-
muito provável que a competição desenfreada, a necessi-
ciência de seu estado e por isso raramente procuram ajuda
dade deyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
status e poder, a valorização das pessoas pelo que
profissional. Comumente se sentem responsáveis por seu
têm, o esttrnulo ao consumismo etc. façam com que elas
fracasso.

I
I IZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. Cassorla
76yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suicidio 77

E: claro que nem


(Um parêntesis para os "vencedores".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e morrem pouco depois. ~ como se não tivessem mais por
todos o podem ser, e sempre corre-se o risco de que alguém que viver, suicidando-se inconscientemente. E, alguns, de
supere o "vencedor", que passa então a derrotado. A forma intencional.ZYXWVUTSRQPONMLKJ
guerra, a necessidade de superar o rival em presttqio e poder
não tem razões reais (ambos têm prestígio, poder e dinheiro
sobrando), mas sim bases emocionais inconscientes intensas:
tem que se estar sempre "por cima".ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a desgaste da luta é
grande e muitos desses indivíduos terminam com "estafas",
"stress", quando não enfarte do miocárdio e outras doenças
autodestrutivas, psicossomáticas.
Alguns "vencedores", quando atingem o auge, entram
em depressão, a "depressão do sucesso", porque não
havendo mais nada para conseguir, não há mais objetivos, e
só sobram o tédio, monotonia e tristeza. E outros, ainda,
entram em decadência, ou porque não conseguem mais
acompanhar mudanças rápidas, devido à idade, ou pela
entrada de novos competidores, jovens e vigorosos. Aca-
bam também com depressão por fracasso. a suicídio pode
ser uma saída, se o fracasso é sentido corno humilhante,
insuportável. Devemos lembrar, por outro lado, que esses
indivíduos só viveram para sua ambição e trabalho, e seus
. (
laços familiares ou afetivos são muito frágeis. Quando
fracassam se percebem sozinhos, pois suas "amizades",
"mulheres", "badalações" e "nome em colunas sociais"
eram apenas o resultado do aproveitamento do seu status
por outras pessoas gananciosas.
a leitor preste atenção em políticos ou pessoas que
foram muito poderosas, quando perdem esse poder. Se
corresponderem às características que descrevi acima, obser-
vará que envelhecem rapidamente, adoecem com facilidade
.a
••••
o que é Suictdio 79

são suicídios, na realidade. Existem ainda os homicídios


precipitados pela vítima, em que o indivíduo provoca uma
situação para ser assassinado, de uma forma suicida cons-
ciente ou semiconsciente. (Euclides da Cunha procurou a
morte ao enfrentar o amante de sua esposa, que sabia ser
exímio atirador, expondo-se, inclusive, demais no duelo.
Há indícios de que o autor de Os Sertões tinha tendências
melancólicas.)
E P ID E M IO L O G IA Outro fator complicador, nas estatísticas, é que não
temos meios de verificar os suicídios inconscientes. E, aqui
E IN T E N C IO N A L ID A D E
incluímos a grande maioria dos acidentes e doenças. Mesmo
D O S A T O S S U I C I D A S zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
quando há fortes indícios de comportamento suicida, o
caso não aparece nas estatísticas, como por exemplo: o
diabético que se recusa a tomar medicamentos, ou se
esquece deles, ou ainda toma errado, por "engano". Em
Passemos agora ao estudo das estatísticas dos atos sui- seu atestado de óbito, como é atualmente preenchido, é
cidas.t: difícil precisar quantas pessoas se matam ou ten- impossível que conste como causa de morte o suicídio.
tam matar-se. O número de suicfdios que consta das esta- A despeito dessas críticas às estatísticas oficiais, existe
trsticas oficiais é extraído das causas de morte assinaladas uma tendência em cada país ou região, às taxas permane-
nos atestados dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
óbito. Mas, esses atestados nem sempre são cerem mais ou menos constantes ao longo do tempo. Por
confiáveis: a família e a própria sociedade comumente pres- '1yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
isso, podemos diferenciar grupos de parses com taxas de
sionam para que a causa seja falsificada. E isso ocorre inclu- suicídio altas, médias ou baixas. Os motivos que levam um
sive em países desenvolvidos. país a pertencer a um ou outro grupo se reportam a com-
Além disso, uma grande proporção de suicídios é confun- plexos fatores sócio-culturais (além de uma provável subes-
d ida com acidentes - estudos norte-americanos sugerem timação estatística em países com taxas baixas e maior
que 1/4 dos acidentes automobilísticos· teria alguma fidedignidade dos dados em países mais desenvolvidos,
intenção de suicídio (e já se propôs o termo "autocfdio" com taxas altas).
para esses casos). e que 50% dos suicídios reais seriam rotu- Mudanças de regime político parece que não modificam
lados como acidentes. Envenenamentos acidentais, princi- as taxas. Fases de depressão econômica as aumentam um
palmente em crianças, e acidentes com tóxicos comum ente pouco (como ocorreu na década de 30 nos EUA). E guer-
80yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuicidioIHGFEDCBA
Roosevelt M. S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 81

,r--

Taxas de suicídio de alguns países ao sexo, os suicrdios ocorrem mais em homens, numa p~1
porção de 2 a 3 homens para cada mulher.
Taxas pequenas Os métodos que as pessoas usam para matar-se têm
Taxas altas Taxas médiaszyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(menos de também um componente cultural. Por exemplo, na Escan-
(20-50 óbitos por (10-20 óbitos por
10 óbitos por
100000 100000 dinávia e Japão os homens preferem o enforcamento. No
100000
habitantes)ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
h a b it a n t e s }
nosso meio (rnunicipio de São Paulo) predomina a arma de
habitantesl
fogo para os homens, segu ida do enforcamento e precipi-
Hunqrta Inglaterr a México tação de lugares elevados, enquanto as mulheres preferem o
Dinamarca Au str ália I;ália
envenenamento, seguido de precipitação de lugares altos.
Checoslováquia Bélgica Irlanda do Norte
Quanto às tentativas de suicídio as estat ísticas são ainda
Áustria Canadá Grécia
Japão Estados Unidos Taitándia mais falhas. As oficiais não têm nenhum valor, pois são
Suécia Bulqária Noruega registrados apenas alguns casos que demandam inquérito
Finlândia Uruguai Espanha policial e que são socorridos em hospitais públicos de gran-
Cuba Islândia Parse s-Baixos des cidades. Por exemplo, a partir desses dados, no Brasil a
França Polónia Escócia
Alemanha Ci ngapura
taxa de tentativa de suicídio em 1980 seria de 8,84 e em
Venezuela
Campinas de 29,13 por 100000 habitantes. No entanto
pesquisando hospitais que socorreram os casos e visitando
ras fazem as taxas declinarem ... as explicações para este os indivíduos em seu dornicrlio, em Campinas, cheguei a
fato são variadas: creio que muitos suicidas potenciais aca- taxas de 150 a 160 por 100000 habitantes, o qu e equ iva le
bam por darem vazão a seus instintos na própria quer i a , mor- a 1,5 tentativas por 1 000 habitantes. Ou aproxrmadamente
rendo então por outras causas, ou é possivet ainda que a 1000 tentativas de suicrdio ao ano. Se as taxas forem serne-
desgraça comum faça com que as pessoas mobilizem seus ins- Ihantes em São Paulo, cidade com 8,5 milhões de habi-
tintos de vida. Em carnpos de concentraçâo, ern que as taxas tantes, em 1980, ter íamos tido 13000 tentativas, o que
de suicídio são também estranhamente baixas, talvez ocorra corresponde a 36 por dia. São taxas altíssimas, indicando
o mesmo. um problema de Saúde Pública, e são similares às dos
O Brasil está inclu ído entre os paises de taxas pequenas, poucos pa (ses desenvolvidos com taxas mais fidedignas.
em torno de 4 por 100000 habita ntes (3,97 em 1980), mas Ao contrário do que ocorre com as pessoas que come-
certamente estas taxas estão subestimadas. Proporciona i- tem suicídio (principalmente homens e com taxas maiores
mente, os suicidas tendem a ser os mais velhos, mas existe em idades mais avançadas), a população que tenta suicídio
uma tendência a um aumento no número de jovens. Quanto e não morre é predominantemente jovern (75% são adotes-
o que é Suicidio
Roosevelt M zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla
82yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 83

centes e adultos jovens) e há uma predominância de mulhe- do ato. Estudando-se os casos com mais vagar, notamos que
res - dados oficiais indicam a proporção de 2 a 3 mulheres os indivíduos que tentam (e não morrem) geralmente fazem
para cada homem. Os métodos usados pelos individuos o ato impulsivamente, sem muito preparo, e isto facilita o
que tentam é diferente, predominando as substâncias qu í- socorro, enquanto que os suicidas geralmente vêm rumi-
micas (medicamentos, produtos de limpeza etc.). nando suas idéias já há algum tempo, e, quando o ato é
Esses dados nos mostram que, na verdade, suicídio e executado ele já tem um certo grau de planejamento.
tentativa de suicídio são fenômenos que ocorrem em Estas reflexões nos levam a outra questão: a intencio-
populações com características diferentes. E as moti- nalidade do ato suicida. Em outras palavras, quando a
vações psicológicas e sociais devem ter também diferenças. t pessoa tenta matar-se, quanto de intenção de morrer existe?
~ realmente o que ocorre, a despeito de serem populações Creio que, sempre, o indivíduo está num conflito: deseja
que se interpenetram em parte. Os suicidas que morrem morrer e viver ao mesmo tempo, e a intensidade desse
geralmente usam métodos mais violentos, a intensidade e desejo dependerá não só da pessoa, mas do momento. Essa
gravidade de seus conflitos é maior e verifica-se que têm intencional idade pode ter algo a ver com a intensidade letal
maiores dificuldades de contato social e são mais isolados. do método usado ou das precauções tomadas contra a
As pessoas que tentam suicídio e não morrem têm mais descoberta, mas, em muitos casos, não encontrei essa rela-
facilidade de contato humano e o ato suicida muitas vezes ção: assim, pessoas com baixa intencional idade usaram
pode ser entendido como forma de comunicação com o métodos altamente perigosos, às vezes por desinformação
ambiente, como um pedido de ajuda de pessoas que não _ (Maria foi salva por milagre, após diálise renal, por ter
se sentem compreendidas. As fantasias da população que ingerido defensivos agrícolas, e me contou que, "no fundo",
tenta suicídio não devem ser muito diferentes do grupo só queria dar um susto no marido, com quem brigara; acre-
que tem êxito em seu ato, mas há indícios de que no pri- ditava que o produto só matava "bicho sem osso". Mas, um
meiro caso a cobrança e a agressão ao ambiente estão mais estudo mais aprofundado mostrou que, "mais no fundo",
conscientes. Na verdade, muitas vezes o indivíduo será existiam impulsos suicidas também). Ou ainda, pessoas com
incluído no grupo suicida ou no grupo dos que tentam alta intencional idade correram pequeno risco de vida -
e não morreram devido a circunstâncias fortuitas, como (Marcelo tomou 40 comprimidos, misturando vários medi-
características ambientais que permitiram a descoberta camentos que encontrou à mão, principalmente analgésicos
do ato e facilidades e tipo de socorro médico. No entanto, e vitaminas e embebedou-se com gim e vodca - o quadro
verifica-se que com maior freqüência os suicidas se isolam cl ínico era dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
lntoxicaçãc alcoólica, sem risco algum de
de modo a seu ato não ser descoberto, enquanto que os vida. Mas, Marcelo estava melancólico, grave, e precisou de
que tentam e se salvam são menos cuidadosos no preparo ajuda psiquiátrica intensiva para melhorar).
o que é Suicidio 85
Roosevelt M. S. CassorlazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS
84yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

-I
r-------------------------------------------------~

I
Portanto, em minha experiência, a maneira '::'110 o indi-. médica
países
(no clínico
desenvolvidos
geral)
mostram
ou religiosa,
que as pessoas
e trabalhos
cheqarn
em
ao
viduo tenta matar-se ou as precauções que torna para não
médico com queixas vagas, na esfera somática, que são
~er (ou ser) soc~rrido nem sempre têm r.elacáo com j inten-
I sidade zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do de~eJo de morrer. E, mesmo que o desejo de I tratadas
pedem-se
com vitaminas
exames que
ou outras
não vão mostrar
drogas inócuas,
qualquer
ou então
alteração.
morrer não seja acentuado, o ato suicida é urna mensagem,
Infelizmente, os clínicos raramente conseguem diaqnosticar
um pedido que o indivrduo faz à sua família (' à sociedade,
processos depressivos ou perceber o valor de conflitos psico-
para que seja ajudado. Como vimo, atrás, esse pedido
lógicos. O cliente quase nunca fala que está pensando em
muitas vezes tem também caracter rsticas aqre;<,'vds, e por
suicídio. mas se o clínico perguntar, o paciente se desinibe
isso mesmo, comumente ele não é atendido, as pessoas (e
e acaba contando. Mesmo profissionais da área de saúde
até as equipes de saúde) menosprezando o ato e o indivíduo
mental, desor eoar ados, às vezes não percebem a possibi-
que o praticou, que estaria "querendo chamar a atenção".
lidade e não perguntam. Na verdade, tanto médicos, como
Isso ocorre também pela necessidade de negar a potencia-
religiosos, assistentes sociais, enfermeiros, ju ízes, policiais,
lidade suicida, que na verdade existe até nos casos mais
professores e quaisquer profissiona is que lidem com peso
leves. E, mesmo que o indivíduo esteja querendo "chamar
soas devem ser treinados a valorizar os aspectos mentais.
a atenção" temos de perguntar-nos por que precisa chamar
~ uma pena que, por tradição, em nosso meio, esses pr ofis-
a atenção, o que significa esse "chamar a atenção" e por que
sionais sejam levados a compreender aspectos biológicos e
usa essa forma de chamar a atenção. Ouase sempre encon-
sociais, mas quase nunca os psicológicos (e, quando exis.e
traremos conflitos mais ou menos intensos e dificuldades
algum treinamento nesta área, é superficial e baseado em
de compreensão e comunicação com o ambiente. Essas
manifestações externas do comportamento, e não na visua-
pessoas e suas famrlias devem ser orientadas e tratadas
lização da vida intrapsíquica).
inclusive para que o ato não se repita. Aliás, o risco de sui-
A tentativa de suicídio comumente é repetida se a socie-
c rdio com sucesso no futuro é maior em pessoas que ten-
tam antes (a despeito de grande parte dos suicidas moro dade não ajuda o indivíduo. Dados de trabalhos estrangeiros
rer na primeira tentativa). mostram que haveria uma nova tentativa em 15% dos casos

A maioria das pessoas que se mata ou tenta matar-se num período de 12 meses, e que chegaria a 25% em 3 anos.
A possibilidade de repetição é maior nos jovens (1/3 a 1/2).
comunica esse desejo, de alguma forma, a seu ambiente,
que raramente o percebe: frases como "não tenho mais Os indivíduos que tentam suicídio correm maior risco de
morrer por suicídio; em estudos de seguimento , verifica-se I
gosto pela vida", "preferia morrer a continuar assim", "o
que vai ser de vocês se eu morrer", ou avisos mais diretos que 1,4 a 13% dos indiv íduos que tentaram se su iCidara~ I
são comuns. Grande parte desses indivíduos procura ajuda entre 1 e 12 anos após. Em geral, seguindo·se tentadore~ZYXWVUTSR

~-----------------
?
Roosevelt M S. Cassorla
86yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suicidio 87

por períodos inferiores a 5 anos, 5% ou menos se matam, e geral, a mulher sofreria mais as sanções da sociedade, o que
se o seguimento é mais prolongado azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
proporção chega a acarretaria mais culpa e necessidade de castigo, às vezes
10%. E a chance de suicídio aumenta quando há mais de autocastigo. Na verdade, essa necessidade de punição tem
uma tentativa anterior. origens mais precoces, como introjeção de normas culturais,
Em Campinas, entrevistando jovens normais, em seus e facilita os conflitos intrapsíquicos; 4) no homem a tenta-
domicílios, encontrei que 12% já haviam tentado suicídio tiva de suicídio é, com maior probabilidade, estigmatizada
e outros 12% já haviam pensado seriamente em fazê-Io. como um ato de fraqueza e covardia, o que desencorajaria
Mais da metade desses jovens não foi socorrida em hospi- seu uso quando o desejo de morte não é muito forte - esse
tais, face à pouca gravidade médica. Esses dados confirmam mesmo ato é visto com mais tolerância, se feito por uma
que a idéia suicida é comum nos adolescentes, e é possível mulher; 5) traços histéricos, que facilitam a drarnatização
que sirva também como uma forma de compreender e ela- de situações, são mais comuns no sexo feminino, em
borar as idéias sobre a morte, que o jovem agora tem de nossa cultura. E o ato suicida pode, às vezes, ser interpre-
enfrentár, pois até então ela era vaga. Nesse contexto, as tado dessa forma.
idéias suicidas, se forem superadas naturalmente, poderiam Na verdade, todas essas tentativas de explicação são
fazer parte da normalidade da adolescência. Mas enquanto parciais, deixam muito a desejar, e algumas são discutíveis.
essas idéias persistirem, e mais ainda, se se chegar ao ato Em meus estudos tenho encontrado outras características:
suicida, é importante que se faça uma avaliação do estado as moças que tentam suicídio são, em geral, muito depen-
emocional do jovem. dentes e necessitam desesperadamente de alguém que as
Uma pergunta que se impõe é por que os suicidas são guie e apóie. Este apoio é procurado, quase sempre, em pes-
predominantemente homens e os que tentam e não morrem soas do sexo masculino, namorados ou maridos, a quem se
são, em geral, mulheres jovens. Existem algumas tentativas submetem emocional e socialmente e de quem dependem
de explicação: 1) os homens usam meios violentos; 2) as de forma quase infantil. A ameaça de perda (real ou imagi-
mulheres, em nossa cultura, são encorajadas a não expres- nária) do parceiro faz com que elas se sintam aniquiladas,
sarem a sua agressividade - e os impulsos repressados desesperadas, como se perdessem uma parte de si mesmas
podem irromper, com mais facilidade, num ato auto-agres- (como uma criança que perde a mãe e ficará faminta) - as
sivo; 3) existe uma maior coação da sociedade contra deter- tentativas de suicídio (que às vezes dão certo) são o resul-
minados aspectos na mulher: por exemplo, rotula-se mais tado de fantasias de reconquista, de agressão ao parceiro, de
facilmente uma moça de promíscua do que um homem, ou, reencontro com pessoas mortas queridas, e principalmente
condena-se mais uma moça que brigue ou desobedeça seus de um retorno a uma vida intra-uterina, a um seio materno.
pais do que um rapaz na mesma situação. De uma forma Fatores sócio-culturais e psicológicos estão envolvidos nessaZYXWV

t
88yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

estruturação de personalidade,
das mães em proporcionarem
Roosevelt AI. S. Cassaria

----_._----_._----
entre eles urna dificuldade
uma maior autonomia a seus
._._zyxwvutsrqponmlkji
__ _
... •...... ... ,
I

bebês do sexo feminino,


vem minhas hipóteses
mas faltam
com mais
trabalhos
força.
que compro-
Um estudo mais
I
I

aprofundado das caracter ísticas dessas moças será publicado


posteriormente, no livro Jovens brasileiros que tentam
suic/dio, a sa ir brevemente.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

FATORES SÓCIO-DEMOGRÁFICOS
NOS ATOS SUICIDAS

o leitor já deve ter percebido como é diflcil com-


preender globalmente os atos autodestrutivos. São dezenas
ou centenas de variáveis que se interpenetram e interferem
umas com as outras e, em cada indivíduo de maneiras dite-
rentes. Não podemos, portanto, explicar os atos a partir
de variáveis isoladas: ninguém se mata só porque brigou
com o marido, ou perdeu o emprego. Estes fatos contr i-
buem, mas são o elo final de uma longa rede de fenômenos
e têm uma importância limitada. Estudos mostrando asso-
ciações estatísticas entre atos suicidas e variáveis sociais e
demográficas são comuns dentro da sociologia e da psico-
logia social e, além de serem curiosos, podem nos sugerir I
pistas importantes. Mas, não devem ser muito valorizadO~Sj'
pois a rede causal é sempre bem mais complexa. Por exern
pio, quanto à religião, há indícios de que católicos se matam
menos que protestantes, df'vido às características das duas
e la
e .• • •
90yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é SuicidioIHGFEDCBA
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla 91

religiões. ~ muito possível que isso ocorra, mas não há estu- suprida pelo amor que comumente os pobres têm por seus
dos que mostrem a real influência da religiosidade. Em filhos. A riqueza não impede a desagregaçâ"o, aqui por
jovens que tentaram suicfdio verifiquei que, comparados outras causas, e amor e bens materiais não têm necessa-
com grupos controle, os suicidas tendiam a não ter reli- riamente relação.
gião ou não a praticavam. Mas, é possível que eles não lhe Médicos e dentistas têm maior chance de suicfdio. Jorna-
dessem importância por outros fatores, alguns sendo os listas também, assim como outras profissões, dependendo
mesmos que os levaram a ter características de persona- de cada país. ~ possfvel que a facilidade de acesso a mé-
lidade facilitadoras de suas tentativas de suicfdio. todos letais seja um fator, nos profissionais de saúde. O
Quanto ao nível sócio-econômico, os trabalhos $30 con- tipo de vida com chances maiores de tensão emocional
trovertidos. Há quem acredite que a pobreza protege contra pode estar associado, mas temos de lembrar que geral-
o suicídio e há quem pense o inverso. Em Campinas, estu- mente quem escolhe estas profissões já tem características
dando tentativas socorridas em hospitais, encontrei que elas especiais (rigidez, exigências de perfeição etc.), Artistas ou
se distribu íam proporcionalmente pelos vários estratos outras pessoas com traços de personalidade que exigem
econômicos, se bem que é possível que os dados estejam muita aprovação e reconhecimento vindos de fora podem
subestimados para os estratos altos (que não procuram deprimir-se com o fracasso e a decadência, optando pela
hospitais públicos) e talvez também para os mais baixos morte. Modernamente, o uso de drogas, mais intenso em
(pela inacessibilidade de atenção médica). Em épocas de determinados meios, tem facilitado ás mortes "aciden-
depressão econômica tende a aumentar o número de sui- tais" ou os suicídios conseqüentes a doses elevadas.
cídios entre os adultos, suicídios intencionais e subinten- Estudos epidemiológicos mostram que as zonas das
cionais. Em nosso meio, ultimamente e devido à recessão , I
cidades onde predominam os suicídios $30 aquelas de
econômica, tenho encontrado cada vez mais, nas classes transição, de maior desorganização social, com maior pro-
'humildes, a desestruturação familiar: o homem subempre- miscuidade, geralmente cortiços, pensões e hotéis baratos,
gado ou desempregado não consegue mais sustentar sua e onde há maiores taxas de alcoolismo, toxicomania, delin-
família, deprime-se, às vezes se torna alcoólatra, abandona qüência e grande mobilidade populacional. Não creio que
o lar, torna-se mais vulnerável a doenças e acidentes, e o local de moradia seja um fator causal, mas que pessoas
outras vezes tenta suicídio intencionalmente. A desagre- com características autodestrutivas, exacerbadas por fato-
gaçâ"o familiar na infância predispõe a uma maior inci- res sociais, acabam por concentrar-se nessas áreas. Lem-
dência de problemas emocionais na criança e no futuro bremos que alcoolismo, toxicomania e delinqüência são
adulto. Muitos suicidas provêm de lares desagregados. também comportamentos autodestrutivos. (r ris tentou
A pobreza facilita a desagregação, masZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e la pode serzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML
matar-se misturando cocaína, álcool e medicamentos.
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
92yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. CassariazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O que é SuicidioZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 9 3
...- --0 . _

Vive na zcna de prostituição de Campinas e é sua ,


(

segunda tentativa de suicídio. Mostra já sinais de compro-


, l)
Um deles
"o_ Quatro
porque
amigos
sua mulher
meus de infância
morreu." "
se suicidaram.
E os outros?"
metimento mental. Abandonou a família porque engra- I
I "-- Justamente pelo contrário."
I
vrdou e foi aliciada para a zona, onde se sente "ótima" i 2) "- ~\s estat isticas provam que o rnatrrrnoruo é um
porque recebe o amor da "tia" (a dona do prostibulo) que I remédio contra ,) suicídio." "- Sim, e as estatrsticas tam-
"cuida dela quando fica doente" e de namorados eventuais. I b érn provam que o suicídio é um remédio contra o rnatri-
~Jão tem consciência ou lembrança de sua tentativa. a des- i mõnio ...
í
I
peito de suas colegas me contarem que ultimamente tem I

chorado muito, fala em morrer e anda muito "esquisita". I


Ouant o a migrações, as taxas de suicídio são maiores
í'ris provavelmente já tinha problemas mentais sérios, que I
i 21r; imigrantes e refugiados, mas principalmente naqueles
não foram tratados, e graças a sua tentativa de suicídio I de pior condição econômica. Parece que, entre os migran-
conseguiu ajuda psiquiátrica, mesmo que tardia.) ! tes. o grupo i"liJ:S exposto é o de pessoas que foram obri-
Quanto ao estado civil, as estatísticas mostram que as gadas a par t.r . Os que partem por sua vontade tendem
pessoas casadas têm menos probabilidade de suicidar-se. Em mais a preservar sua cultura. Mas, sempre há necessidade
solteiros, viúvos e separados a chance aumenta. Acredito ser de adaptação a novas situações e obrigações, que podem
mais provável que pessoas com tendências autodestrutivas constituir-se em fatores desencadeantes de episódios
sofram mais conflitos e, por isso, tenham dificuldade de melancólicos, em pessoas predispostas. (Nicanor veio do
encontrar companheiro; por outro lado, o casamento pode Nordeste e conseguiu adquirir um sítio no interior de São
proteger contra essas tendências (por mais apoio, presença Paulo. Sentia saudades da sua terra, mas tinha muitos
de filhos, menor chance de solidão etc.). Já entre os jovens, amigos e achava-se feliz. Aos poucos percebeu que não con-
adolescentes casados tendem mais ao suicídio. Em muitos óegu ia manter o sítio e o vendeu a latifundiários que plan-
casos verifiquei que esses casamentos eram efetuados tavarr. só cana-de-açúcar e acabar arn com as propriedades
seguindo-se a gravidez indesejada, num casal imaturo, des- de subsistência. Era o "milagre" do álcool ... Ele, como
preparado para a responsabilidade. Outras vezes a união muitos outros, transformou-se em bóia-fria, até que resol-
era uma tentativa de encontrar um apoio (que acaba por ser veu mudar-se para a cidade. Conseçuiu emprego numa
insuficiente) devido a necessidades inconscientes conf li- fábrica, mas sentia-se extremamente ar sioso, fechado entre
tivas. Duas anedotas demonstram relações inconscientes paredes, e tendo de cumprir nora: ios rígidos - tinha
entre suicídios e a proteção ou os conflitos do amor e casa- saudades da i iberdade do campo, que iogo se tra ,fc,r mou
mento: em saudade doentia do Nordeste. A volta para,,, terra
passou 3 sei lima obsessão. Nicanor começou a ter dificul-
~- • • o. 0 •• _0 ·0
S. Cassorla
9 4 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o que é Suictdio
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 95

dades para engolir, o médico da fábrica suspeitou de sua ori- suprir no estudo suas dificuldades afetivas. Talvez o mesmo
gem emocional e o encaminhou para mim - já se encon- ocorra com muitos profissionais de sucesso científico, mas
trava emagrecido e melancólico, num processo autodestru- com pobre vida afetiva, e que são mais predispostos a crises
tivo de suicrdio inconsciente.) emocionais.
Porém, tive oportunidade de verificar, em alguns casos, Quanto à cor, estudos norte-americanos mostram maio-
que as migrações eram não causa, mas conseqüência de res taxas de suicídio em negros e portorriquenhos. Mas, os
conflitos emocionais que faziam o indivíduo procurar, no autores, em geral, acreditam que isso se deva mais a fatores
meio externo, satisfação para necessidades conflitivas de desorganização social, de que eles são vitimas, que a
internas. (Marília deixou sua fam ília, no interior, porque fatores étnicos. Há quem postule que grupos minoritários
"não agüentava" os valores de seus pais, e foi para São podem ter menor auto-estima, e pelo fato de serem discri-
Paulo. Lá não se adaptou ao trabalho e mudou-se para o minados, um maior ódio reprimido. Em nosso meio não
Rio, onde teve problemas na Faculdade e brigou com seu existem trabalhos fidedignos avaliando este fator. Não creio
namorado - desiludida, voltou a São Paulo, onde passou a que a cor em si seja importante, mas sim fatores associados,
viver com Mário. Mas, logo teve atritos com ele e veio morar como a desagregação familiar. Nos imigrantes japoneses
com a tia em Campinas. Tentou suicídio porque a tia "não mais velhos, devido a fatores culturais, a incidência de sui-
a entende" e a critica demais. Marília tem conflitos intensos cídio é maior que na população geral.
e precisa mergulhar dentro de si, para conhecer-se. Suas A relação dos atos suicidas com o uso do álcool é bem
procuras e fugas de um lugar para outro não mais adian- evidente. O alcoolismo já é uma morte crônica e entre os
tam e ela tentou escapar, na tentativa de suicídio, para alcoólatras, 12 a 21 % acabam por suicidar-se intencional-
"outro mundo", mais tranqüilo e menos frustrante.) mente. ~ comum também o indivíduo usar álcool ou estar
Quanto à influência da escola nos atos suicidas, isso é alcoolizado durante o ato suicida (mesmo não sendo alcoó-
evidente em alguns países, como Alemanha e Japão, em que latra) - em jovens que tentaram suicídio, de Campinas,
o fracasso escolar é visto como algo vergonhoso. A inci- 25% haviam usado álcool concomitantemente. O mesmo
dência de su iddios e tentativas é alarmante em fases de deve ocorrer com o uso de drogas, mas aqui os dados são
resultados de exames e mudanças de grau (como o vesti- de mais difícil obtenção.
bular). Existe também maior incidência de suicídios nas Dados de São Paulo e que colhi em Campinas mostraram
universidades tradicionais (Oxford, Cambridge, Harvard) e, que os suicidas preferem matar-se às segundas-feiras, talvez
se as exigências acadêmicas têm algo a ver, é provável tam- porque os conflitos tornem ditlcil iniciar uma nova semana.
bém que os critérios muito elevados de seleção facilitem a Já as tentativas predominam aos sábados, pois é ai no final
entrada de pessoas com problemas emocionais, que tentam da semana que ocorrem atritos com pessoas emocional-
RooseveltzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
96yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
/I{ S. Cassaria

------_._----

mente importantes, levando a atos impulsivos.


Os horários são variáveis. encontrei maior incidência
entre fim de tarde e início de madrugada, com outro pico
na hora do almoço. tanto entre suicidas como entre pessoas
que tentaram matar-se. Parece serem as noras em que o indi-
virluo não tem outras atividades. facilitando a solidão no
suicida e os problemas de relacionamento nos jovens que
tentam suicídio. Não encontrei relação estatística entre a
incidência de atos suicidas e meses do ano, em nosso meio.

o D IR E IT O AO S U IC ÍD IO

Agora um último problema, para terminar este livro. O


direito ao suicídio. É uma discussão antiga em que se têm
digladiado muitas escolas filosóficas. Sou da opinião de que
na grande maioria das vezes o indivrduo. que açredita estar
efetuando o ato por seu Iivre-arb (trio, está enganado. Quase
sempre, essa pessoa está sob a influência de conflitos
inconscientes, que descobertos, fazem com que ele encontre

I I outras
saúde
saldas.
mental,
Eu, como
tenho
todos
dezenas
os profissionais
de experiências
da área de
com pessoas
I I que queriam .nati.r-se. que me viam como inimigo, e que
I depois me demonstraram sua gratidão pela ajuda prestada,

I que evitou sua morte. Outros casos são de avaliação mais

I dificil, quando implicam atos de fundo ético, como por


exemplo greves de fome com finalidade polrtica ou a auto-

••• .,
...
eutanásia. Mas, mesmo aqu i, o autoconhecirnento deverá
ser útil, ainda que não impeça o ato.
Recentemente, Guillon e Le Bonniec publicaram na
i
\~._----- ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA -------
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
98yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla

França o livroZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S u ic id e : m o d e d'emploi, em que ensinam-se

maneiras para o indivíduo matar-se. Creio que a liberdade


de publicar-se qualquer coisa é um direito do ser humano,
mas sou dezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
opinião que a sociedade deve também proteger
seus membros que estão sofrendo, e por isso mais vulne-
ráveis ao ato suicida. O livro é interessante, mas creio que
pode fazer mal a pessoas que estão predispostas ao ato; em
minha opinião ele deveria ser publicado com um adendo
das autoridades de Saúde Pública, dando outra visão e
IN D IC A Ç Õ E S
oferecendo também o auxílio da comunidade.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA P A R A L E IT U R A

A literatura sobre suicídio é gigantesca - até 1971 axrsttarn


5300 trabalhos publicados, e calculo que hoje esse número deve,
pelo menos, ter triplicado. A maioria das obras é européia ou
norte-americana, e sem tradução brasileira.
Os textos indicados a seguir foram consultados, entre outros, na
elaboração deste volume.
Existem apenas quatro livros em português, três em edições
brasileiras e um em edição portuguesa:
_ O suic/dio, de ~mile Durkheim, da Zahar (e da Presença em
Portugal). IÔum clássico da literatura sociológica, em que o autor
propõe determinantes sociais como explicação para as taxas de
suicídio, em especial o grau de integração das sociedades. Foi
escrito em 1897. Abriu o campo para pesquisas objetivas e, a des-
peito de ser criticado por sociólogos modernos, é uma leitura
valiosa. Como o autor era sociólogo e a psicanálise ainda engati-
nhava, este último tipo de abordagem inexiste.
_ E r a s X T A n a t o s . O h o m e m c o n t r a s i m e s m o , de Karl Mennin-
ger, da Ibrasa. O autor é um conhecido psicanalista norte-americano,
e leva até as últimas conseqüências os conceitos freudianos de instin-
tos de vida (Eras) e de morte (T<1natosl. mostrando de forma clara

• •• •• •
100 yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S. Cassorla o que é Suictdio
Roosevelt M.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 101

sua interação nas condutas autodestrutivas. A despeito de ser um de Medicina ou pedindo-se diretamente aos autores:
livro escrito por um especialista é compreensível até para aqueles - C o m p o rta m e n to s s u ic id a s e m um a u n id a d e p s iq u iá t r ic a de
não familiarizados com a psicanálise, e de leitura agradável face ao um h o s p it a l u n iv e r s it á r io , de Othon Bastos Filho, 1974. O autor é
grande número de exemplos.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA professor nas Faculdades de Medicina do Recife.
- D e p r e s s ã o e s u ic / d io , de Luiz Miller de Paiva, da Editora - S u ic id io : a s p e c t o s s o c ia is , c lin ic o s e p s ic o d in õ m ic o s , de
Imago. O autor é um renomado professor e psicanalista paulista e Gerson Antonio Vansan, 1981. O autor é professor no Departa-
sua obra é a única editada de autor brasileiro. São abordados mento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão
aspectos epidemiológicos, bioquímicos e psicanalíticos. Estes dois Preto, USP.
últimos são estudados exaustivamente, mas o texto é de compreen- - O g e s t o eutodestrutivo, de Fábio Herrmann, 1976. O autor é
são limitada para ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
não especialista. psicanalista e reside em São Paulo.
- S u ic f d io e t e n t a t iv a d e s u ic / d io , de Erwin Stengel, das Publi- - S u b s / d io s p a r a a p r o f ila x ia d o s u ic / d io a t r a v é s d a e d u c a ç t J 'o ,
cações Dom Ouixote, de Lisboa. O original americano, de fácil de Valy Giordano, 1982. A autora é psicóloga, professora da
acesso ( S u ic id e & Attempted S u ic id e ) é da Penguin Books. O autor é PUC-SP.
um dos principais estudiosos do assunto, e apresenta de forma didá- - J o v e n s q u e t e n t a m suic/dio , 1981, de minha autoria.
tica aspectos epidemiológicos, sociológicos, psicológicos e psiquiá- Entre os livros estrangeiros recomendo:
tricos. E: uma obra das mais valiosas e consegue, em poucas páginas, - Farberow, N. L. & Shneidman, E. S. T h e c r y f o r h e lp , Nova
dar uma visão ampla das facetas estudadas. lorque, McGraw-Hill, 1965 (existe tradução em castelhano).
Dentro de pouco tempo espero que saia publicado um outro - Garma, A. S a d is m o y m a s o q u is m o e n I a c o n d u c t a h u m a n a ,
livro de minha autoria: J o v e n s b r a s ile ir o s q u e t e n t a m suic/dio, E: Buenos Aires, Nova, 1952 (o capítulo de suicídio também se encon-
baseado em uma pesquisa que fiz entrevistando 50 adolescentes tra em: Abadi, M. e t a I . L a f a s c in a c ió n d e I a muerte, Paidós, 1973).
que tentaram matar-se e comparando-os com 50 jovens normais e - Guillon, C. & Le Bonniec, Y. S u ic id e , m o d e d 'e m p lo i -
outros 50 com problemas psiquiátricos. Numa abordagem epidemio- histoire, technique, ectuelité , Paris, Ed. Alain Moreau, 1982.
lógica e utilizando teorias psicanalíticas procuro chegar a uma pro- - Haim, A. L e s s u ic id e s d'edotescents, Paris, Payot, 1969.
vável história natural do evento, analisando fatores intrapsíquicos - Perfin, S. (ed.). A h a n d b o o k f o r t b e s t u d v o f s u ic id e , Nova
e sócio-culturais. Reviso também a literatura existente e as teorias lorque, Oxford Univ. Press, 1975.
anteriores. - Wekstein, l. H a n d b o o k o f s u ic id o lo g y , Nova lorque, Brun-
Recomendo ainda um romance: A s m e n in a s , de Lygia Fagundes ner-Mazel, 1979.
Telles. Este livro (como outros da autora) é um maravilhoso mergu-
lho no mundo da adolescente. Ana Clara, uma das meninas, ter-
mina se matando, e a análise psicológica da escritora coincide com C a r o le ito r :
aquilo que vemos na clínica. Mas, a artista consegue expressar tudo As opiniões expressas neste livro são as do autor,
isso de uma forma muito mais viva e emocionante, e acompanhá-Ia podem não ser as suas. Caso você ache que vale a
é fascinante.
pena escrever um outro livro sobre o mesm<;>tem_a,
Ainda em português, o estudioso poderá encontrar algumas nós estamos dispostos a estudar sua publicoçóo
teses, rr\imeografadas, que abordam diferentes aspectos do sui- com o mesmo título como "segunda visão".ZYXWVUTSRQP
cídio, e que podem ser encontradas em bibliotecas de Faculdades

• •• •• •
COLEÇÃO PRIMEIROS PASSOS
1 . Socialismo Arnaldo Spindel Comissõea de Fábrica R. Antu- Evaldo vleira 91 • Unlv ••.• ldIId. zyxwvuts
2 - Comunismo Arnaldo Spindel nes/ A. Nogueira 48 . Geografia luiz E. W. Wanderley 92 • Ques·
3 _ Sindicaliamo Ricardo C. Antu- Ruy Moreira 49 . Direitoa da tão da Moradia Lulz C. a. Bibei-
nes 4 - Capitallamo A. Mendes Pessoe Dalmo de Abreu Dallan ro/Bobert M. Pechman 93 • Jau
Catani 5 - Anarquismo Caio Iúllo 50 - FamWa Danda Prado 51 . ,. Roberto Muggiati ~ . Biblioteca
Costa 6 - Liberdade Caio Prado trimônio Histórico Certos A. C. Luiz Milanest 95 . Partielpaçio
Jr. 7 - Racismo J. Rufino dos Lemos 52 - Psiquiatria Alterna· Juan E. Diaz Bordenave 96 . Ca·
Santos 8 - Indust,ia Cultural Tei- tiva Alen Indio Serrano 53 . Lite- poeira Almir das Areias 97 • üm-
xeiea Coelho 9 • Cinema J. Clau- ratura Marisa Lajolo 54 - Politica banda Patricia 8irman 98 Utet.·
de Bernardet 10 • Teatro Feman- Wolfgang leo Maar 55 . Espiri- tura Popular Joseph M. Luyten
do Peixoto 11 . Energia Nuclear tismo Roque Jaeintho 56 . Pc- 99 . Papel Otávio Aoth 100 .
J. Goldemberg 12 • Utopia Fel- der Legislativo Nelson Saldanha Contracultura Carlos A. M. Pe·
Biografia xetra Coelho 13 • Ideologia Ma- 57 - Sociologia Carlos B. Mar- ret-a 101 • Comunleaçio Rural
rllena Chauí 14 • Subdesenvolvi· tins 58 . Direito Internacional J. Juan E. D. Bcrdenave 102 • Fome
mento H. Gonzalez 15 . Jomelis- Monserrat Filho 59 . Teoria Ota- Aicardo Abramovay 103 • êemtõ-
mo Clóvis Rossi 16 - Arquitetura vlano Pereira 60 • folclore Caro tica Lúcia SantaelJa 104 Partici·
Carlos A. C. Lemos 17 - História lcs Rodrigues Brandão 61 • Exis· pação Politica Dai mo de Abreu
Vavy Paeheco Borges 18 - Cues- tencialismo João da Penha 62 - Callari 105 - Justiça Júlio César
Meu nome completo é Roosevelt Moisés Smeke Cassorla. Nasci tão Agrária José G. da Silva 19 • Direito Aoberto Lyra Filho 63 - Tadeu Barbosa 106 - Astrologia
em Ternuco , terra de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, no Chile. Aos Comunidade Ec. de Base Frei Poesia Fernando Paixão 64 - Ca. Juan A. C. Müller /léa M. P
Betto 20 - Educação Carlos R. pital Ladislau Dowbor 65 - Mais- Müller 107 - PoIltica Cultural
8 anos de idade já estava em São Paulo, e desde então sou brasi- Brandão 21 - Burocracia F. C. Valia Paulo Sandroni 66 - Recur· Martin Cezar Feij6 108 - Comu-
leiro de verdade, e naturalizado. Aos 23, a Escola Paulista de Medi- Prestes MoUa 22 - Ditaduras sos Humanos Flávio de Toledo nidades Alternativas Carlos A
cina me diplomou como médico, um ótimo técnico em diagnóstico Arnaldo Spindel 23 - Dialética 67 - Comunicação Juan Dtaz Bor- P. Tavares 109 • Romance Po-
Leandro Konder 24 • Poder Gé- denave 68 . Rock Paulo Chacan llcia' Sandra Lúcia Reimão 110
e tratamento de doenças. Mas, que não sabia quase nada sobre rard Lebrun 25 • Revolução Elo- 69 • Pastoral João Batista Liba- . Cultura José Luiz dos Santos
doentes. No ano seguinte já era professor de Medicina Preventiva, restan Fernandes 26 . Multi"a- nto 70 • ContabilidHe Roque Ja- 111 - Serviço Social Ana Maria
cionais Bernardo Kucinski 27 • cintho 71 - Capital Internacional Ramos Estevão 112 • Taylorismo
na UNICAMP e lá, e depois pós-graduando da Faculdade de Saúde Marketing Raimar Bichers 28 • Rabah Benakouche 72 • Posltivis· Luzia Margareth Rago/Eduardo
Pública da USP, me tornei um razoável técnico sanitarista e espe- Empregos e Salários P. R. de mo João Ribeiro Jr. 73 _ Loucura F. P. Moreira 113 • BudIsmo An-
Souza 29 • Intelectuais Horéclo João A. Frayze-Pereira 74 • ter, tonio Carfos Rocha 114 • Teatro
cialista em Medicina Social. Mas, continuava sabendo muito pouco Gonzalez 30 • Receasão Paulo tura Maria Helena Martins 7$ • Nô Darei Yesuco Kusano tt5
sobre as pessoas. Fui um dos implantadores do Programa de Comu- Sandroni 31 . Religião Rubem Ouestio Palestina Helena Salem Realidade João-Francisco Duar-
Alves 32 - Igreja P. Evarlsto. Caro 76 • Punk Antonio Bivar 77 • Pro- te Jr. tt6 • Ecologia Antônio
nidade da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, em Pau- deal Arns 33 • Reforma Agrárra paganda Ideológica Nelson Jahr Lago/José Augusto Pádua H7 .
línia, e primeiro chefe de seu Centro de Saúde-Escola. Lá tomei J. Eli Veiga 34 • Stalinismo J. Oercte 78 . Magia João Ribeiro Neologismo Nelly Carvalho tt8
Jr. 79 . Educação Física Vitor • Medicina Preventiva Kurt
contato íntimo com tecnocratas e burocratas e passei alguns anos Paulo Netto 35 • Imperialismo
A. Mendes Catani 36 • Cultura Marinho de Oliveira 80 - Música Kloetzel 119 • Nordeate Brasilei-
fazendo relatórios ... Por essa época percebi que já me haviam tor- Popular A. Augusto Arantes 37 - J. Jota de Moraes 81 • Hemos- ro Carlos Gareia 120 - NaciOna-
nado também um tecnocrata ... Filoscfia Caío Prado Jr. 38 - Mé- sexualidade Peter Fry-Eduard lidade Guillermo Raúl Ruben
todo Paulo Freire C. R. Brandão MacRae 82 . Fotografia Cláudio 121 • Tortura Glauco Mattoso
Graças à psicanálise comecei a compreender um pouco o ser 39 . Paicologia Social S. T. Mau- A. Kubrusly U3 - Política Nuclear 122 _ Parapsicologia Osmard An-
humano e que era bem diferente do que os tecnocratas queriam rer lane 40 • Trotsklsmo J. Ho- Ricardo Arnt 84 . Medicina AI. drade Faria 123 • Mereadorla Li-
berro Campos 41 - Islamismo ternath/a Alan Indio Serrano 85 • liana R. Petrilli Segninl 124 •
(inclusive os cientistas ... ). Passei a tentar aplicar esse conheci- Jamil A. Haddad 42 - Violência Violência Nilo Odalia 86 - Psiu· Etnocentrismo Everardo P. Gut-
mento não só à psiquiatria e medicina, mas também aos trabalhos Urb8na Regis de Morais 43 . Poe- nélise Fabio Hermann 87 . Parla- marães .Rocha 125 _ Medicina
sia Marginal Glauco Mattoso 44 - mentarismo Ruben Cesar Keinert Popular Elda Rizzo de Oliveira
de comunidade e ao ensino médico. Já especialista em psiquiatria Feminismo B. M. Alves/J. Pitan- 88 • Amor Betty Milan 89 • Pes- 126 • Aborto Danda Prado 127 .
transferi-me para o Departamento de Psicologia Médica e Psiquia- guy 45 • Astronomta Rodolpho soas Deficientes João B. Clntra Suicídio Roosevelt M. S. Cas-
tria da UNICAMP, onde hoje coordeno o setor de Medicina Psicos- Caniato 46 • Arte Jorge Coli 47 - Htbas 90 . Desobediência Civil seria.

somática. Gra~as a trabalhar na Universidade em tempo parcial


(mesmo favoravel ao tempo integral, para quem goste, e numa
Universidade que lhe dê condições de trabalho) livrei-me de muita A SAIR:
papelada, e tenho tido tempo suficiente para pesquisar nas áreas mo Anita Novinsky Muaeu Mar-
Angústia André Gatarsa Arqueo- ner Democracia Ruben Cesar
de Medicina Psicossomática, Psicologia e Psiquiatria Social, e Sui- logia Ulpiano B. Menezes Auto- Ketnert Economia Política l. G. lene Suano Planejamento Urba-
cídio, aprofundar minha formação em psicanálise, atender pacientes, nomia Operária Lúcia Bruno Can- de Mello Belluzzo Erotismo Lu. no Cândido M. Campos Pomo-
domblé Leni Myra Silverste+n cia Castello Branco Esperanto grafia Eliane R. Moraes e San-
ser professor do curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Carnaval Roberto da Matta Ciber- Isabel Santiago Filatelia Hav- dra M. Lepetz Vldeo Candido J
PUC-Campinas, lecionar em Cursos de Especialização em terapias nética Jocelyn Bennaton Comu- mundo Galvâo de Ouelroz FI.lca M. de Almeida
nicação nie>verbal Monica Hec- Ernest Hamburger História em
de base analítica, tentar ser um pai e companheiro razoável, e ter Corpo Ana verônica Maut· Ouadrinhos Sônia Luyten Judals-
procurar denunciar iradamente tudo aquilo que nos desumaniza .ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

• •• •• •
Que pode haver de maior ou menor que um toque?yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
W. Whitman

VOCÊ CONHECE O PRIMEIRO TOQUE?zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

PRIMEIRO TOQUE é uma publicação com crônicas,


resenhas, comentários, charges, dicas,
mil atrações sobre as coleções de bolso da Editora
Brasiliense. Sai de três em três meses.
Por que não recebê-Io em casa? Além do mais,
não custa nada. Só o trabalho
de preencher os dados aí de baixo, '
selar recortar, e pôr no correio. "

NOME: .
END.: .
BAIRRO: FONE: .
CEP: CiDADE: EST.: .
PROFISSÃO: IDADE: .
editora brasiliense s.a.
01223 - r. general jardim, 160 - são paulo

P·127

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