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os deuses canibais
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ttropofagia eno
l antropologia
lores de uma • - gru_po:1 d-a: fa:.mili"- l.1ns,i:lís:rlea
Tup1-Gu-ilran1
agica e dinãmil
Jurufll ÇtuJXH• do t.ronco Tupi• de ou
:ri.edade surpre, tr.a-5 fa~{!i.11.s -
~ foi premiad<
~rado no I C
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Nacional
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Eduardo Viveiros de Castro
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ARAWETE
os deuses canibais
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copyright @ _1986, Eduardo Viveiros de Castro
1986
Direitos para esta edição contratados com
JORGE ZAHAR EDITOR LTDA.
rua México 31 sobreloja
20031 Rio de Janeiro, RJ
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
ISBN: 85-85061-48-0
4
SUMÁRIO
PROLOGO
2. Convenções 14
3. Agradecimentos . .. . ... .. .. . . . . .. .. .. .. . .. 17
CAPITULO I
1. Os Deuses Canibais . . . . . . . . . . . . .. . .. .. . . . 22
CAPITULO II
CAPITULO Ili
5
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sumário e,;_,, i':bi~• ,·'-\Hv1,'. o~ l 055
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CAP 1T ULO I V : -,;-~,;/ C',aNC ~ ~\-( \-)
OS ABAND6N-ADOS: O M-UN-00 E SEUS HAB-H--Mtl.fS.. ;...... 183
CAPITULO V
ENTRE SI: RITMOS E ESTRUTURAS DA VIDA SOCIAL ..... 263
6
sumário
CAPITULO V 1
ENTRE OUTROS: MORTOS, DEUSES, XAMAS, MATADORES 465
1. Perigos: Alguns .....................•.•• 466
(A) Doença e abstinência ............••.. 466
(B) O leve e o pesado, o fora e o dentro. 474
2. Morte: Vãrias, Nenhuma 4 82
CAP1TULO V l I
OS SERES 00 DEVIR: A METAFISICA TUPI-GUARANI ••••• 623
701
BIBLIOGRAFIA
APENDICES
l. Aldeias Arawete ......................... 718
2. Censo e Genealogias ...............•..••• 720
3. Situação das Roças ...................••• 734
7
1NDICE DAS FIGURAS
Si tu ação d os Ar a we tê na Ame r i e a d o Su l . . . . . . . . 2
8
APRESENTAÇÃO
Diretor da Anpocs
.,
Imortais Mortais, Mortais Imortaia,
vivendo uns a morte dos outros,
morrendo uns a vida dos outros.
(Heráclito)
10
PRÓLOGO
Sul.
11
1
r araweté: os deuses canibais
12
pró1ogo
fazer em breve.
por preguiça~ em parte, por achar que, escrita de -um jato e cone~
tivos, por exemplo). Por fim, creio que tanto o gênero "etnogr~
13
2. CONVENÇÕES
L_'· j
prólogo
duzido com a ponta da língua virada para baixo (este som é prov~
inglês "b~t"}; o til indica uma vogal nasal (todas as vogais Ara
15
f
araweté : os deuses canibais
mãe", FZDS = filho da filha da irmã do pai, etc. Ego é termo ut.i
16
prólogo
3. AGRADECIMENTOS
eia sê-lo.
to, Beta e Fany Ricardo, Eunice Durham, Gilberto Azanha e Ma, Eli
sa Ladeira, Gilberto Velho, Joana Carelli, Júlio Bressane e Rosa
Galloís, Lux Vidal, Lúcia Andrade, Roque Laraia, Waud Kracke, Bar
17
araweté: os deuses canibais
dem, em preparação).
18
L
\
i1
11,, prólogo
saíram de seus cuidados por minha causa, pelo que lhes agradeço.
19
.-'
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO:
O PROBLEMA E O TRABALHO
\ Yo Ze replicari que la
puede prescindir de esa
reaZidad
obZiga-
ción, pero no las hipótesis.
(J.L.Borges)
21
-
r
1
1, OS DEUSES CANIBAIS
22
L
1
--~
introdução
de casamento. Ainda aqui, estarei sendo guiado pelo viés dos Ara-
modo, seria antes por uma redução acentuada das formas institucio
nais e cerimoniais presentes nestas outras sociedades. Isso, a
meu ver, não pode ser creditado apenas aos efeitos desorganizado-
res do contato, e tampouco à pressao de tribos inimigas que, nas
23
t=
.1
1
pode-se dizer dos Araweté o que se disse dos Guarani: aqui também
(1) Não estcu, e:rn isso, subscreveirl:::) a idéia durkheirniana da "fo:rma elerren-
tar" ci::::rco via privilegiada de acesso ao fen:irero, o valor dos "casos s:irrples"
(D.lrkheim, 1968: 6-9). Sugiro apenas que os Araweté apresentam = maior clare-
za certas tensões rnetafísicas Tupi-Guarani, ocultas ror vezes sob urna espécie
de buroc:ratisno cosnológicn de seus vizinhos de lingua e geografia. Tançoucn
estou suporxb- quaisquer inplicações de ordan histório::>-evolutiva, cem meu uso
da palavra "arcaica" - arcaica , de fato, é a palavra dos Araweté, a palavra
que revela a difererça originária e fundadora.
-- .
xis Araweté, de uma organização "frouxamente estruturada" - nume-
24
L
í
r
. introdução
série sociológica?
dados. Mas o fato também é que nao basta dizermos que, entre os
25
O , R 11
lftalo~ ;;;c11;_,-;_1J ,;,_- • •. ·1 ··...-,e,:_,,s e Humanidada.
araweté: os deuses canibais
, .
creve o Devir no coração desta sociedade. Eis assim que seu "cen
tro" está fora, sua "identidade" alhures, e que seu Outro não é
26
introdução
mas porque os Araweté tendem para outra direção. Para usarmos uma
27
t 7
1
que aqui também. como para as sociedades Jê, os "mortos sao ou-
tros" (Carneiro da Cunha, 1978), e -que a morte é espaço privile -
28
introdução
29
araweté: os deuses canibais
Corno disse antes, não creio ser acidental o fato dos Jé t-.,
30
introdução
pode ser testemunhado pelo lugar de destaque que ocupam nas sínte
31
l
araweté: os deuses canibais
raro de base para tais sínteses 5 . Igualmente fácil, então, será peE
(5) Ca1Q os Piaroa (Kaplan, 1975) e os Trio (Riviêre, 1969) do norte amazônico.
bl.ema teórico.
.
sua auto-concepção, utiliza cá e lá os mesmos materiais: mas para
2. O PERCURSO: SINOPSE
32
1......
introdução
tões que ali me surgiram (Cap. I, §3), o capitulo II ~az uma bre-
que não quer dizer que ela seja suficiente para "provar" tais hi-
33
araweté: os deuses canibais
gar.
O capitulo V é uma descrição da morfologia e organização so
cial. Embora extensa, esta é uma parte que poderia ser mais deta-
34
introduçao
ao vocabulário Guarani.
35
-
f araweté: os deuses canibais
36
introdução
nário nacional.
pi-Guarani.
37
-
araweté: os deuses canibais
dio Xinguem que eles haviam sido aldeados pela FUNAI. Eu nada sa
lí
l
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bia sobre eles. l
1
l"
Em maio de 1980, portanto, solicitei à FUNAI autorização p~
(6) Até neados de 1983 o acesso aos Araweté era feito por via fluvial. Partin-
do-se de Altarnira, cidade mais próxima, a viagem até a aldeia tarava de três
a dez dias, conforrre o nível das águas no Xingu (que neste trecho apresenta
muitas corredeiras perigosas) e no Ipixuna. Em 1982 iniciou-se a abertura de
·;u pe:ruena pista de pouso junto ao Posto. Sanente apSs a minha saída da area
ela se torriou q;eracional, tendo sido acabada às pressas pela Fl..NAI devido aos
ataques Parakana de 1983. Isto fez a aldeia Araweté distar apenas uma. hora de
vôo de Altamira (180 km em linha reta).
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···- J
introduçao
39
araweté: os deuses canibais
(7) As crianças, que não o sao, não o admitem, o que ne inpede de avaliar seu
grau de CXl'l'petência em português.
cado desconheço. Por isso, minha interpretação dos cantos dos deu
40
.;.l...- ..
introdução
1
nao faço aqui nenhuma análise da mitologia Arawcté.
1
41
í araweté; os deuses canibais
(8)_ "Observei que os selvagens [os TUpinanbál amam as pessoas alegres, galho -
feiras e liberais, aborrecendo os tacitl..ln'os, os avaros e os neurastênicos ... "
(Léry, 1972: 122). E eu pude observar, de fato, que uma das coisas que mais
surpreerrli.a os Arawet.é, no ccrrµ>rt:arrento dos brancos, eram as flutuações de
âru.no e ,hunor, sem razão aparente. A tristeza e a "seriedade" são valores ahso
lutamente negativos, em geral. "Não tir" (pik!! ll é mi eufemisno para o ~
e a noção de ale<JEia (tori_) tem mia .ressonância filosófica profunda. Em outras
linguas TG, os a:ignatos de tori designam a atividade ritual (cf. Karnayurá
torip), a l:oa ordem do mmdo. A q:osiçâo ética rentral na sociedade Arawet.é ~
loca, de um lado, a alegria-tori, de outro a raiva (n~) e a tristeza-saooade
(ho 'ir@. A prilrei.ra define as relações entre os ap!}ii-pihi._, os amigos "in-fo_E
mais" que partilham o::injuges; a segunda a relação canos- inimigos; a terceira'
a::m os nDrtos. A noção de "medo-vergctlha" (éiy_!) , a meio cam:i.nh::> entre esses
p5los, é ant,ígua; noxmalJrente é objeto de avaliação negativa, mas é o s e n ~
to-atitude prescrito entre iD!lâo e lll!'â (e apenas entre B e Z; não irarca ne-
nhurra outra relação social) .Tristeza e raiva oos fazem ficar "fora de si"
(mo-~' o) , o que é perigoso :- oorreros o riso:> de matar ou de nDrrer.
42
introdução
43
araweté: os deuses canibais T
1
1
i
go que conviveu com os povos do Brasil Central, tudo isso era in~
dito. Para mim, aliás, um dos traços mais/surpreendentes da vida
Araweté era a desenvoltura feminina no trato com os h~mens -. es-
trangeiros ou patricios - e, de modo geral, a pouca diferenciação
entre o ~ masculino e o feminino. Isso, longe de ser um deta-
lhe pitoresco Araweté, ·parece-me agora fundado em determinações
da estrutura social Tupi-Guarani.
Não é preciso muita reflexão para perceber que essa indife-
rença olimpica (ou antes, ndionisiaca") dos Araweté ao que seco_!!
vencionou chamar de "convenções sociais" é, ela mesma, uma conven
ção; e.que a exuberãncia e extroversão prescritas proscrevem a ir
rupção de sentimentos anti-sociais: raiva, antagonismos, mau hu-
mor, tudo isso tende a ser suprimido e desviado. Acrescente-seque
a presença atuante das mulheres na vida social, e sua desinibição
psicológica, contrapõem-se a um rlgido sistema de pudor corporal.
Se os Araweté não parecem cuidar muito da etiqueta e dos
formalismos sociais, possuem em troca um voc~bulário psicológico•
extenso e capaz de nuanças delicadas; este voc'abulário tende a su
plantar o sociológico, como modo de explicação de atitudes e com-
portamentos.
o fato, porém, é que as convenções sociais - no duplo sent!
do de etiqueta ou regras de interação, e de formas de classifica-
ção social, marcação simbólica de diferenças sociais, elaboração
ritual de categorias - são exatamente a matéria-prima privilegia-
44 \.
;
.
introdução
Exagero, por certo e por ora. Boa parte das páginas que se-
45
n
araweté: os deuses canibais
(11) Essa distinção de duas "fomas socíais - de valor bastante retórico - nao
deixaria de evocar, para.muitos, as tipologias de Mary r:ouglas o:mstruidas a
partir dos conceitos de 11~ 11
e " ~ " (D:mglas, 1973, 1982}. Mas não creio
que se trate disso; muito m=nos que ela possa ser objeto de uma r ~ neo-
-durkheimiana. E não aproxino os Araweté dos pigrreus de Turnbull. caro já dis-
se antes, é essa diferença das fonnas de i;:ensar a d i f ~ , e><pressa acima
46
L
introdução
47
fi ifl
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1
l
araweté; os deuses canibais
48
introdução
Araweté; uma roça de milho e um xamã bastam para definir uma al-
49
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f
araweté: os deuses canibais
(13) A etnografia Araweté seguirá, mais ou menos nesta orden, esses zresnos te-
mas, JTOSt.ra.nd:> ainda caro os deuses (capltulos IV e VI) são o q;,erador da art!.
culação dos três outros (cap. V·§ l-3, § 4; cap. VI) . Se esses t.el!Bs. são uni -
versais, é porque se referem aos processos em que a sociedade se cxmftonta ccm
seus lindtes reais de existência e reprodução, e cem a garantia illa.ginãria da
sua uniàaàe.
so
_)
introdução
ram.
51
"•""'j't<
1' J lt 11
araweté : os deuses canibais
to" com os brancos (e que parece, no plano das formas sociais vi-
é noite, no mundo dos Maf brilha o sol; e lá, os homens são imor
tais.
té da Pessoa ..
52
·'
.... ~,-....
· ----
. _. . .• -
introdução
53
araweté: os deuses canibais
ções aumentaram, é claro, tão logo eles perceberam - para seu es-
mortos, tantos, do seu povo. O que ela fez, era ao mesmo tempo
54
introduçãó
(15) As duas linhas verticais, paralelas, oo laéb esqoorcb à:> •desenho aciJra
representam um M#: foram ali sobrepostas p:)r outra pessoa, depois, e sem re~
ção significativa deliberada com o desenho de I ~ .
(16} Uma roite, assisti a un gnp;> alegre de mulheres, piland::> milho, dedicar-
-se a reproduzir o estilo de pilar - a foxça, o ângulo de ar.renesso da mão-cle-
-pi.lão, o novirrento circular que a::iipleta a ~ c i a , a respiração - de •vá-
rias mulheres já falecidas. As crianças, à nedi.da que vão crescencb, vão sendo
apelidadas jorosanente p:)r nones de no,..-tos, a::nfo:rne apresenterr, parti culari.da-
55
! _____
.... ,:.:' __ ,_ . . -·
Il
araweté: os deuses canibais
àê!s que os recnrCEill. Creio que eu estava nesse caso, quanào ne o:nparavam aos
110rtos, e o:mfonrerrente iam-ne o:mferindJ "apelidos".
lega ter esquecido algo, algum fato de sua própria história pes-
tentaremos entender essa frase; ela encerra urna verdade e urna men
les antes como ausentes que como mortos) - seria uma "formação ob
sessional" ligada ao trauma do contato, quando em dois anos um
- tudo isso parece ter feito parte da vida Araweté desde muito an
tes dos anos do contato. Cerca de 35 por cento dos óbitos nas úl-
L
· introdução
através dos deuses e dos mortos, essas duas legiões que povoam o
piques:
57
araweté : os deuses canibais
to; mas além deste e do chefe do P.I., muita gente passou por lá
58
introdução
(18) A cordialidace e extroversão Araweté não irlplicam que não haja ba.rrellãS
veladas entre parentelas e indivídt.Ds, sitllcÇÕes de oonstranginento e mntade'
de privacidaée, CaiD verenos no Cap. V, una das funçces das periódicas excur -
sões à nata, ou dos acanparrentos terrporários junto às rcças, que rongregam pe-
quenos grq:os de pàrentes, é justarrente a liberação de tensões provenientes
da ronvivência em uma aldeia.
59 •
araweté: os deuses canibais
60
introduçao
das flechas - saberia bem mais que o mínimo que sei sobre a guer-
(19) Assim rre disse o então Delegado Regional da FUNAI em Belém, logo apôs o
evento, em conversa telefônica.
61
araweté: os deuses canibais
tigos. Os Araweté, sempre que referem qualquer evento que nao te-
nham presenciado, pospõem: "assim disse fulano". Essa forma cita-
62
introdução
xama. Toda informação que me era transmitida sobre os· mundos nao-
63
araweté: os deuses canibais
r
1
!
!
saber cosmológico, nada mais natural, uma vez que todos escutam,
te do f·ato de elas não serem xamãs. Corno logo vim a perceber, ni!!
64
L
i
.
-:L. ... .. . •. ,-,_ --....... · ··-.
introdução
medida em que isto dependia dos cantos dos xamãs. Esta posição fa
ce ao discurso, onde citar é um modo obliquo de afirmar, mas dis
tanciando a palavra de qualquer centro, fazendo-a emanar sempre
de um outro, numa recursividade infinita, coloca problemas compl~
xos de interpretação (Sperber, 1984: 32). Os xamas, como veremos,
tampouco são o foco e o sujeito de seus cantos: eles também citam.
65
a i35iiw'
araweté : os deuses canibais
querer a todo custo ser como ele (i.e. nós), seja a puxá-lo {i.e.
a mim) para dentro de si. 1:: certo que esta "abertura" dos Aral(,'eté
inter alia, porque era muito mais penoso ser um kamarã, e viver
"os da FUNAI" - o que havia era mesmo urna pequena guerra de todos
66
introdução
(22) o qoo parecia irritar especiamente os trabalhadores da. Fl.NAI era a pou-
ca illportânci.a conferida pelos Araweté ao plantio da. mandioca, wna vez que es-
sa planta é Wta espécie de "totem" da. agricultura indígena aos oJ.los dos bran-
cos, e o símbolo da segurança alimentar para tcdos os carrponeses da região.
ser urn dos únicos assuntos que também interessavam aos brancos,da
vida dos Araweté) ; que os Kayapó sim, é que eram "Índios IM.c.')Os" 23 ;
(23) CUrioso encontrar essa iresma a:nparação, senpre depreciativa para os 'I\l-
pi, na .l::oca de um trabalhador da FrnAI entte os Wayãpi (cazrpbell, 1982: 138) .
Cc:m::i se vê, não é só aos antrop5logos gue o contraste Jê/l'upi salta aos olhos,
rresrro que as razões e valores envolvidos sejam outros.
67
L
araweté: os deuses canibais
(24) Essa prática resulta, em parte, das dificuldades sentidas pelos branoos
em guardar e pronunciar os n::mes pessoais Araweté.
seu lugar - no lugar dos dom~nados. Mas estes, por seu l.ado, tam-
{25) O então chefe do Posto (que o deixou após ter sià:l ferià> no ataque Para-
e falava algo de Aravieté, ao a::ntrário dos demais funcionários-
kanâ) . enterrlia
- o atendente de enfe:anagem, alguns trabalhadores braçais, suas famílias. A
linguagem daninante no Posto era feita de algumas palavras ru:aweté, quase irre
conheciveis na pronúncia dos branCDs, inSeridas em frases em português, mais
alguns gestos e clichês em um prato-~. O chefe oo :i:osto era tarnl:ém aquele
68
I' 7
! 1
introdução
(26) Dias, rreses a fio eu assisti a uma mesma cena: um grupo de indios achega-
va-se ao rancho que servia de aninha do Posto e, para o atendente de enferma-
gem, perguntava: "o que você está cozinhando?" - "Pedra", era a resposta inva-
riável. E os indios riam, riam. . . Em seguida :iniciava-se uma sessão delirante'
de invectivas dp atendente contra os Araweté em particular, os índios em geral,
a humanidade em seu todo. E os indios riam, ríam ... Havia toda uma série de
jogos desse tipo.
69
araweté: os deuses canibais
70
va uma só aldeia.
a raiz de paxiúba).
71
araweté: os deuses canibais
o que espanta, porém, foi a rapidez - entre 1981 e 1983 - com que
(27) OS artefatos Araweté que entram mais fortenente n:::i sistema sao: o arco e
as flechas, alguns adornos plunários, redes de algoo.ão, estojos de palha, ~
ças da indurentária feminina (as mulheres receben algcrlão industrial para te-
cê- los, neste contexto). Enquanto estive na aldeia, as transações se faziam de
nodo individual e infonnal, entre cada indio interessado em um dado prcduto e
o chefe do Posto, que recebia as peças e as debitava numa lista; não havia a
preocupação, !X)r parte do funcionário, de rranter una equivalência monetária~
xata entre as peças entregues e os objetos recebidos pelos índios em pagarrento.
Mas cheguei a testanunhar fen5rrenos curiosos: <XXID o chefe do P. I . precisasse'
levar logo para Altamira 'l.lm3. partida·de artesanato para pagar as trinta espin-
ganlas que trouxera, induziu os harens a fabricarem arcos cx:irn as tábuas de ma-
deira de lei que estavam em estcque (para a construção da nova sede do Posto).
(28) Ver F .Ribeiro 1981 para uma avaliação do tipo de assistência rnédtco-sani-
tária prestado pela FlNAI aos Araweté.
72
introdução
que vem deste mundo. Tudo leva ã impressão, portanto, que os Ara-
weté estão definitivamente "nas mãos" dos brancos, condenados a
73
~-~==··"'º_)
l
araweté: os deuses canibais
T
(29) OUVi de algun trabalhador da FlNAI, no Post.o, esta idéia, uma vez: "se
a gente deixasse, ou se eles pudessem, esse fXJVO to.:b se tnLldava para Altarnira
e em uma sanana ninguém mais sabia que negócio era esse de Araweté. , . 11
- e isso era mais fortemente sentido por mim: pois queriam que eu
fizesse minha roça de milho lá, que lá me casasse, que de lá não
mais salsse, Tudo ou tudo, numa direção e na outra, Isto é, "se
eles pudessem", trariam todo o povo de Altamira, talvez todos os
kamarª, para a aldeia Araweté ...
Talvez nada disso seja·de se espantar; talvez nada disso s~
ja muito diferente do que se passa com qualquer tribo indlgena re
cém-submetida aos "métodos" de "atração e pacificação" aplicados
pelo Estado brasileiro, via FUNAI. Mas há algumas especificidades
no caso, e o sistema de poder polltico-econômico montado no Ipix~
na assenta em alguns traços da estrutura social e cosmologia Ara-
weté.
Uma das características fundamentais da morfologia espacial
da(s) aldeia(s) Araweté, já mencionada indiretamente (supra, p.
59) e a ser mais adiante descrita, ,é a ausência de um pátio comu-
nal, de um centro geográfico, de uma área eqüidistante das casas.
A unidade da sociedade Araweté não se exprime de modo claro e
constante no uso ritual do espaço. A natureza relativa e limitada
da "chefia", como veremos, tampouco chega a produzir esta unidade.
Nas condições atuais, em que a aldeia Araweté é, na verdade, um
agregado de remanescentes de diversos grupos locais, este acen-
trismo sócio-morfológico fica ainda mais acentuado. E então o Pos
to e sua equipe assumem, automaticamente, um lugar central na vi-
da polltica e cotidiana do grupo. A transferência de decisões que
74
introdução
ter sido encorajada ou bem aceita pelas equipes da FUNAI que ali
nam este espaço. Sucede, porém, que não perdem sua identificação
75
flPIII
L_
araweté: os deuses canibais
( 30) Assim, eu an:itava em rreu diário, an setembro de 1982: "Essa exuberância '
voraz Araweté, essa 'expansividade predatória' que os faz qtErer tudo elos brcl!!_
cos, o tenp:i todo, e que tanto exaspera os funcionários do Posto - que querem
natural.nente que os Araweté se "civilizem"; mas não tão depressa assim, nem as
custas deles ... - rre fazem pensar que eles [os Araweté] têm nos dentes uma
presa ben maior do que pcdan engolir, e não descobriram isso ainda".
ni.
76
introdução
aldeia bem menos, e por menos tempo, que o normal para um homem
77
araweté: os deuses canibais
-no feito em 1981} - e suspeito que isso se deve aos efeitos cada
pedir emprestada a minha. Posso dizer que dois objetos, e urna ati
era comum chegar alguém e pedir para cantar ao gravador. Eles se~
(31) Entenda-se, a voz dos outros, o que os outros cantavam. Aqueles que pe-
diam para cantar ao gravador não faziam muita questão de se ouvirem (ex=to as
crianças).
78
introdução
fala", o oiiiiia me'!• "aquilo que canta"; o -í:' nirE_, "caixa das al-
mas"; o h~'o W!;_ rir.e,, "caixa !da vozi dos esplritos dos mortos" .
tos cantavam, no canto dos xamãs; pois Ma!c!no era alguém morto
há tempos, eu sabia.
79
- -- --------
araweté: os deuses canibais
treviam qual era afinal a técnica da minha magia ... Mais tarde
80
L
CAPÍTULO II
PONTOS E LINHAS:
TEORIA E TUPINOLOGIA
______,.,.....
,,,_.,.,
•
- Zes Tupi étaient des gens três
c·omp liqués.
(H. Clastres)
81
L
araweté: os deuses canibais
1, OS TUPI-GUARAN1: BIBLIOGRAFIA
indispensável.
No que toca à produção do,s chamados "cronistas" dos séculos
XVI e XVII sobre os povos Tupi-Guarani, o balanço critico de F.
Fernandes (l975) é referência obrigatória. O "roteiro" recenteme!!
te publicado por Melatti (l983) permite situar os estudos Tupi
82
L
'
pontos e linhas
do século XX). Em 1927 este autor publicou uma análise das migra-
83
araweté; os deuses canibais
deste tipo de dado lse bem que não tenha podido superar "pontos
84
pontos e linhas
cegos" que sua teoria criava, e que nao eram demasiado diferentes
• 2
dos envolvidos na tentativa de Metraux) , Fernandes escreveu uma
sistema religioso ... Mas o autor lança mão de uma metodologia va-
85
l
araweté: os deuses canibais
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1jl pontos e linhas
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sico e/ou cultural, dos grupos que estudaram 5 . Isto talvez se de-
(5) Em Wagley 1977, encontrarros uma autocrítica lúcida dessa tendência da épo-
ca.
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No que diz respeito aos Tapirapé, tanto Baldus quanto Wagley vie-
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são reportados como tendo traços Ornaha, apud MacDonald, 1965) .Ne~
te livro ainda, encontramos uma caracterização psico-sociológica'
dos Siriono que aparece em outros estudos sobre os Tupi-Guarani:
trata-se do que vários autores chamam de "individualismo" dos TG,
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que traz urna descrição mai~ geral desta sociedade. Selvagens Amã
mais recentes com este povo ainda nao foram publicadas (mas ver
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ções no livro) desde a mitologia solar de Perry & Cia. até a psi-
canálise e o estruturalismo nascente, bem como muito do que havia
jã sido escrito sobre os Tupi antigos - e suas páginas sobre a
guerra e o canibalismo (1963:276-298) nao deixam de trazer formu-
lações perspicazes.
(C) Recentemente
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cara etnografia geral dos Kayabi (TG centrais) por Georg GrÜnberg
(8) Este estudo será citado conforme a tradução de E.wenzel (rev. T.Hartmann),
s/d., datil., que rre foi cedida pelo Projeto Levantarl€nto Pops.Indigenas/CEDI.
(9) Laraia publicou também um estudo da situação de contato dos Tupi do ·TcK;an
tins, in I.araia & Da Matta,1963. Os Suruí são de especial interesse, por serem
um dos poucos grup::,s TG can uma organização clãnica,já que o caso dos Parinti!!_
tin é de metades exogâmicas (mas ver Kracke, 1984). Há o caso dos Tupi-cawahib
de r.évi-Strauss (1948:303-4), e o dos Wayãpi - um gTande núrrero de clãs exog~
mi=s patrilineares e localizados, cf. P.Grenand, 1982:64-8 -,que rn:: parece s~
jeito a caução; de toda forma este sistema desapareceu. La.raia, que trabalha
o:::rn um horizonte pan-Tupi (rraior que TG), postula uma preto-estrutura Tupi~
trilinear e patrilocal, tanando os mnnerosos exenplos de watrilocalidade ccrm
fruto de Imldanças históricas (1972:34-6;1971). Discordo: a "regTa" residencial
mais canum entre os n; é a uxorilocalidade "terrq:;orãria" seguida de ambi-. ou
neo--localidade e concebida corro "serviço da noiva" (isto é mais inp::,rtante que
a "-localidade") e freqÜenterrent.e contornada pelos casamentos oblíquos (MB/ZD),
poliginia, endogamia aldeã, parentesco entre os cõnjuges,dependendo do jogo~
lítico das parentelas e do status dos envolvidos. Regra se houver, é esta: os
poderosos não iroram uxorilocalmente, nem seus filhos hanens. Ver: o serviço da
roiva Parintintin (Kracke, 1978:35-ss); a uxorilocalidade e suas exceçoes (~
der) nos Kayabi (GrÜnberg, 1970:113,120); a matrilocalidade Guarani e as exce
çoes para os filhos dos chefes religiosos (Schaden,1962:80); sobre a política
dos chefes Wayãpi de reter filhos e atrair genros, P.Grenand,1982:136(mas a en
dogamia atual minimiza o fator residência); nos Wayãpi do Brasil, onde há um i
deal de endogamia, a terdÊ>ncia é uxorilocal (Gallois, 1980: 40); para a uxoriloca
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Albert, 1977:7-8,21.
Se a uxorilocalidade pgrrece ser o "atrator social" básico no continente,
isto talvez se deva à situação inicial de inferioridade -coeteris pa.ribus - do
genro face a seus afins. Em alguns casos isto é sobredetenninado por formas
de hierarquia, que levam às exceções (os "filhos de chefe"). Em outros, e es
se parece ser o caso Tupin.ambã, a proeza guerreira era o clinarren sociolÓ::jico
que permitia escapar da gravitação uxor ilocal.
dos nesta década e nas anteriores (Oberg, Galvão) . Sua inserção no,
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ao longo dos anos 70 não foi tão pequeno assim, o fato é que a et
kano.
(10) Erquanto escrevia esta tese, a Revista de Antropologia vols. 27/28, que
publica as canunicações apresentadas em novewbro de 1982 no "19 Encontro Tupi"
permaneceu no prelo, de nodo que encontrei alguma dificuldade em usar e citar
alguns trabalhos. Mas ver infra: Gallois 1985, MÜller 1985, Arclrade 1985.
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tais da Cultura Guarani (1962), que também faz uso de dados cole-
tados- por Nimuendaju, Cadogan e outros, de forma a.poder abranger
101
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sua preocupação com a "mudança cultural" não impede que realize '
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dos demais TG, que são ou eram exo-canibais convictos (ver tam-
bém o artigo de P.Clastres in Lyon 1974; P.Clastres & L. Sebag ,
1963).
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etc., estes por sua vez iluminam os primeiros - não para preencher
giar origens.
Isto ainda está para ser feito. O que seria preciso, prime~
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(14) Não obstante, foi esse fat.o errpírico da proximidade lingüística que me
fez optar por reduzir, a:uiparativanente, a situação dos Arawete ao horizonte
Tupi-Guarani, dei¼uldo de lado os aliás escassos materiais sobre povos do tr~
co Tupi de outras famílias lingiilsticas. Essa é urna cpção um tanto ad hcic, em-
bora me pareça mais proveitosa que o ataque ccroparativo tradicional, onde ao
lado dos ')'x; se alinham dados Mundurucu, M3.ué, Juruna, etc. Vererros, no entant.Q
que alguns m:1teriais não-'Jx; sã.o bastante iluminadores para a a:>srrologia Arawe-:-
té, notadarrente os Shipaya, descrit.os breverente p.)r Nimuendaju (1981). Se
isso deve ser fX)Sto na conta da proximidade geográfica do grupo Shipaya-Juruna
cem os Ara\'Rté, não sei. o fato é que as tentativas de generalização que bus~
vam incoq:orar urna problemática pan-Tupi senpre terminavam com urna lista de
exceções assistemãticas maior que a de constantes. O problana, aliás, não é o
de constantes, mas o de diferenças sisterratizáveis.
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1984; Crocker, 1979; Seeger, 1981 - ver Seeger, Da Matta & Vivei
ros de Castro, 1979). À problemática juralista "africana" vem sen
do contraposta urna problemática da identidade social, da análise
(15) Que p::>r vezes parece desembocar ern um neo-culturalisro temperado pela anã
lise estrutural, e cb qual parece difícil escapar-:.se, quancb - o::rro é neu caso
aqui - se trata de discutir uma configuração sócio-cultural particular, tal
os Tupi-Guarani. M3.s não creio que a solução adequada à ebXJlogia sul-arrerica-
na seja a p::istulação a priori de urna causação "oosrrolÓgic.a" da ordem social -
que redunda em manter, invertendo-a, a distinção ontolÓgica entre discurso e
prática, ideologia e "organização" - mas sim a dissolução definitiva dessa di-
ootania, e sua neutralização em um conjunto de princípios que inform3Jll os di-
versos plan:Js analiticarrente distinguíveis da realidade social. Cabe notar ~
da que o estruturalisrro lévi-straussiano não é un métcdo de descrição de soei~
dades particulares, erquanto totalidades irredutíveis - ou redutíveis a oonj~
tos errpírioos mais vastos, nB.S enpíric:os. A ca,paração diferencial de Lévi-
-Strauss rrostrou-se mais produtiva exatarrente quando abarrlonou as totalidades'
sociais e passou a subsistemas (mitologia) ;e ela tennina por dissolver as so-
ciedades a:nparadas, tananélo-as p::>r m:::m:ntos acidentais de efetuação de estnl··
turas ao rresrro tempo mais gerais e menos totais:
"Jã é terrpo da etnologia se libertar da ilusão fabricada pelos
funcionalistas, que tonam os limites prãti=s em que são en=~
dos pelo gênero de estudos que preconizam, p::>r propriedades abi;o
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L
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tos como possuindo uma visão do mundo sobrenatural "não muito bem
voltamos para os Guarani, por outro lado, o que vemos é, seja uma
era ambivalente (Schaden, 1962: 133); que o papel do xamã era ob-
113
l
'
pode ser inteirarrente canalizada para fora do grupo, cem::, ros Yanarami, onde
ele é um duplo do guerreiro; no Alto Xingu não há o::,nexao necessária entre xa.
mã e feiticeiro; nos Pororo, o "arnbivalente" bari tem uma o::,ntrapartida oo
não-ambivalente aroe ettaware . o caso Tapírapé é úniro, oo fato de que é "o
JTeSIID" xamã que é um life-gj.ver e um life-taker, fecundante e rrortal, protetor
(17) VereTOs ao final desta tese a:no os psicanalistas que tratam do canibal.i~ ~
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1
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de dispersão.
Veremos que a filosofia Araweté, como exemplo privilegiado
dentro do horizonte Tupi-Guarani, opera de modo complexo com tal
matriz triádica, e que se apóia em um número restrito de catego -
rias e problemas: animalidade, humanidade, divindade; deus, inirn!
go, morto, afimi cêu e terra; comer/falar (a "oralidade canibal");
xama e guerreiro. Com estes materiais, e seu agenciamento,pode-se
tentar entender a forma social e cosmológica TG.
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•
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"Se, por certo, urra sociedade nao se pode pensar sem seu acervo
de papéis, de personae, se ela dispSe também de um ideário sobre
o que constitui a individualidade de um harem, não é claro que
ela tenha necessarianente una categOria ou sinplesrrente urna no-
çao de pessoa" .
Identificando o que chama de "princípio pessoal" a cm "E,E_i.n
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tando-se se ela não estaria "entre esses dois pólos" (p. 37). Mas
da Identidade.
abriria ao indivíduo um
"caI!pJ pessoal, nao san dúvida coro agente dotado de razão, von
tade e liberdade . . . mas= ser de certa maneira úni= . . . co-
roo um sujeito" (1979: 38) .
rani. Não apenas porque ela não pode ser tomada como suporte ou
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(20) Ver L'Identité (Lévi-Strauss, org., 1977), livro que traz os resultados
do cnléqui.o inter-disciplinar sobre a l"DÇâo-título. Vé-se lá que tal critica
não deixa de inJUietar o pai do estruturalisno, na n'edida em que ela '"identif.1;_
ca" a q,eração deste rneSITO princípio fundarrental caro subjacente à lógica das
oposições discretas e ao jogo da dupla negação, tanto na ~ica dialética CORO
na lógica estrutural(ista}. Todo o problana.consiste em saber se os axianas
e leis da lógica "clássica" - aristotélica, bcoleana_, ou outras - esgotam a i!!
teligibilidade de, e nodelizam fielnente, as cperações sirubÓlicas dos "pe~
rrentos selvagens". Aos que duvidam disto é 5ellllre fácil ameaçar cem um retor
no às trevas do lévy-bruhliS!IO e do "pré-lógico". Mas as coisas certamente
são nais =mplicadas, e não apenas o desenvolvimento das lógicas "não-~
dard" o atesta, caro numerosos desenvolvi.roentos e reflexões recentes nas ciên
cias naturais e exatas. Para um debate específico dentro da antropologia, sob
a sanbra totémica de Evans-Prítchard, ver Cooper, 1975 e Salnon, 1979, por ~
xenplo. Falta-ire cx:xipetência para explorar estes problemas; limito-me a ano
tá-los, é a esperar que o tratamento indireto e intuitivo que eles receberão
aqui, no contexto da interpretação da lógica do canibalisrro 'JXi, possa servir
de base a reflexões mais rigorosas. O "pensamen~ •de I.évi-Strauss no que cxm
cerne às fonnas lógicas encontráveis nos mitos e sistemas de classificação é
cauteloso e lacônico (para alé.m do contexto imediato de sua crítica ao afeti
visno e ao "pré-logiS!!O"); além de introduzir,~ começo de sua obra, indica
ções crípticas mas essenciais sobre a inp:)ssibilidade de "simbolicidade" total
de uma cultura - a idéia de um quantum fixo ou resíduo inevitável de irraciona
lidade em todo sistana lógico-sirubÓlico (1950: xix-xx: !1958.l 1973: 27), e de
e.ricerrar as MitolÓgicas cem urna observação sobre as dificuldades intrínsecas a
toda fonnalização lógico-matemática dos mitos, cujas relações constitutivas e
transformacionais.extravasam o "vocabulário limitado da oontrariedade, da con
tradição e de seus inversos" (1971:568), certas intuições para-formais que i!!_
sistem an sua obra parecem sugerir Operações lógicas inusitadas: este é o caso
da famigerada "fórmula canônica" de 1955(1958:252-3),objeto de ceticisno irõaj,_
oo{Sperber,1984:90.l},mas jamais abandonada (ver Iévi-Strauss, 1984:145; 1985:
passim; cf. ainda Hage & Harary, .1983:131). Fora do campo restrito dos siste
mas de classificação e (talvez} do discurso mítioo, o problema da nodelização
(do pensarrento selvagem) em ternos de uma lógica da identidade, da não-cxmtr~
dição e do terceiro excluído ganha dirnensÕes sérias: ·não é !Jür acaso que Lévi-
121
araweté: os deuses canibais
-Strauss opoe "totemisrro" e "sacrifício" para dedicar toda a sua obra a fenãre
nos que- rerretem à prirrei,ra figura, descartando 1..lffi:I análise detalhada da Sf29U:!:.
da (e do ritual - cf. o farroso trecho sobre o paradoxo, o fracassa e o deses~
ro ela intenção ritual, L.-Strauss, 1971:596-603), limitando-se a diagnagticar
o "paralogism::," de toda religião e a falta de "ban senso" do sacrifício (1962b:
302). Reportan:lo-se à figura do sacrifício, a problerná.tica do canibalisrro Tu
pi-Guarani aponta justanente para uma c:>srrologia ccrnanclada par princípios, di
gam::is assim, "p:,s-lÕ:,Jic:is", irredutíveis aos maquinism::,s identitários que sub
jugam as relações aos tenros e que constroem o ser caro substância, o devir co
rro acidente, e o acontecimento cerro extrínseco ao campo transcendental da es
trutura.
Para um estudo magistral dos limites de uma visão substancialista e i
dentitária do Indivíduo, feito a partir da biologia mas cujas i.rrplicações deve
riam ser rreditadas pelos teóric:>s e analistas da problerná.tica da "pessoa" ern
antropologia, ver Gilbert Sinondon, 1964.
Quero observar, por fim e de passagem, a heterogeneidade radical da te
mática da Pessoa, tal caro aqui desenvolvida, fa,ce às noções de identidade pr~
sentes nos estudos de "etnicidade" e "fricção interétnica" - todos eles mais
ou irenos tributários, mais ou men::>s conscientes, de uma fenarenologia hegeli~
na do senhor e do Escravo, ou de uma espécie de ''fonologiSITD cultural" que teE
mina por se revelar um eulturalisrro reduzido a seu esqueleto. O que o valor
"diacrítico" das traços "étnia:.is" revela é a produção de um conceito de identi
dade em estado puro, despido de qualquer conteúdo; sua forma é seu c:>nteúdo, e
erquanto "simulacro",' é mais real que as substâncias que faz significar. 0lti
ll'O avatar ou perversão da razão totêroica (e que estaria para ela, talvez, caro
o racisrro para a hierarquia, lembrarrlo aqui Louis Durront), a "etnicidade", ou
o discurso teórico que a produziu caro fenâreno, é o triunfo derriSÕrio da i
dentidade sabre a diferença, que põe esta a serviço daquela, para produzi-la
OJIID forma vazia e supérflua. Se bana carpreendo, é este o parecer final de
M.Carneiro da CUnha (1985:208-9). E é disto que não se trata aqui; trata-se é
de ver a:xro é passível um pensamento imune aos poderes da negatividade.
122
L
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(21) llm3. palavra sobre o Devir. Vim utilizando a noção de série (coS110lógica,
sociológica) nas páginas anteriores. Este conceito, e a análise hoje canônica
do toternisno por I.évi-Strauss, pÕem a rnetorúmia c::uro prcx:esso J.Dt)erante no i!!
terior de cada série, e a metáfora CCl'IO o processo de articulação das (pelo~
nos duas) séries (ver Deleuze, 1974a). Acredito, porém, que aml:os estes pr~
cessas são, em si, insuficientes para dar canta da articulação entre "cosmolo
gia" e "sociedade", e da filosofia da Pessoa, entre as Tupi-Guarani - mas nao
pelas razões de Overing (cf. sUpra, ndta 18) . Sem deixar de recõnhecer a uti
lidade deste par conceitua!, introdu20 m a:mt:exto uma noção heterogênea, a de
"Devir", para qualificar os processos de transformação de uma série em outra e
a _metanorfose da norte Araweté, bem caio a transubstanciação canibal. Q:m is
to, igualmente, afasto-me de uma. adesão literal à equação met.onímia:c:csacrifício,
já aludida ro cap. I. Can uma liberdade que minha i~rância filosófica tal
vez torne merx)S inpertinente, utilizo a noção de Devir em dois sentidos, que
se reccbrem parcialmente. O primeiro é v~rável e milenar : remete ã ~~
ção Ser/Devir, fundadora da rretafísica ocidental - e o aoolho para sugerir que
a parte do Devir é bastante mais pesada na filosofi"a Tupi-Guarani que o foi na
história do pensanento ocidental desde a batalha platônica contra Heráclito.
Pois, se há culturas guiá! traem uma oostalgia do Ser único e imutável evocadora
de PanrÊni.des (cerro os Fataleka, se bem entendo Guidieri, 1980}, outras se
riam mais bem heraclí ticas - nesmo que também se sujem de sangue para produzir
o devir.~. O segundo sentido, fui buscá-lo em Gilles Deleuze (+Guattari), on
de designa processos pré-representativos, c;quém da operação netafórico-metoni
mica que gera identidades pela posição em estrutura de qxJSiçêies. Nessa acee_
ção, o Devir fala de processos que se passam no Real, antes da distinção real!_
dade/representação; e enprego o a:>nceito para indicar que o ser da pessoa Ar~
weté é um devir-outro: devir-deus, -inimigo, -jaguar, onde se o outro, eD:JUd!1.
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em pauta.
O caso dos Tupi-Guarani - que é o que interessa distinguir
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nos voltar para sua categoria da Pessoa, pois ali se divisará sua
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CAPITULO III
129
araweté: os deuses canibais
l
I, O TERRITÓRIO ARAWET{ ATUAL j
,\1
(1) Os Araweté nao se den:minam por nenhum etnônino. O tenro mais especifico
que usam é bf!df!_, "ser humarx:>", "a gente", "nós". A palavra "Araweté" é de in~
ção c:b sertanista J.E.Carvalh:), que entendeu ser este pseud::>-et.n3nino um deri-
vado de aül_!! et~, "humanos verdadeiros" (carvalho, 1977). Arnaud (1978) conso1::!:_
deu esta designação. Mais tarde, Miller sugeriu que "Araweté" seria a fOJJll1l u-
sada pelos índios oo Ipixuna para derominar os Asurini. do P.I. Koati.nerro (Mil-
.
i
ler et al. 1979: 21). Na verdade, Ulf0. das expressões utilizadas pelos Arm.eté
para se referirem a grup:is inimigos é ~ het!!_, "inimigos verdadeiros". Talvez
tenha sido esta a origem do mal-enterrlido. A derivaçã:i de ~ et~ não tem fun-
damento na língua Arm.eté, onde o prato-Tupi *aba só geroo as fODDaS ahlã, in-'
ten:ogativa ("quem?") e cawã, "alguém". Já os AsUrinÍ usam efetivarrente a auto
--den::mlinação A~ et!!_; e dlamam os Araweté de Âl'al'al,la: np:,vo das araras". O et-
nSnirro Kayapó para os Araweté gerou algumas confusÕes, cx:no se verá adiante
Kubê-kamrek-ti, "1ndios vennel.hos".
130
J
situação dos araweté
51
52°
131
araweté : os deuses canibais
(2) Ver C.Oudreau 1977:48, que não chegou a explorar o Ipixuna, mas que afinna-
va ser ele navegável en qualquer época, bem crno abundante an seringueiras.
cionalmente piscoso.
132
l ... J
situação dos araweté
nao é cruzado, a leste; ali começa uma região que os Araweté iden
tificam aos temidos Kayapó-Xikrin do P.I. Bacajã. Tampouco eles
(3) Segunà:> Aspelin & santos (1981: l04-ll7) o Projeto Hidrelétrioo da Bacia
oo Rio Xingu será provavelnente inplantaoo 1992, a:mo.nre as diretrizes da
E!ll
133
1
!
de seu território.
vel pelo Ipixuna. E para lá que os doentes Araweté mais graves são
134
situaç~o dos araweté
vos. A parte uma vaga noção de que agora estão "na beira da Ter-
ra" - e que seu sítio ancestral era o "centro da terra" - não pa-
135
araweté: os deuses canibais
eia de que para além de seu mundo imediato há muitos brancos) le-
do nacional.
Cabe observar, por fim, que os Araweté, a exemplo de seus
136
situação dos araweté
(4) Que a estende do Maranhão até o rio Madeira, o:mtudo - dos Tenetehara aos
cawahib, ignorarrlo as dife.ren.:as entre os Tupi-G.larani e os outros Tupi, e di.s
solverrlo, igualnente, a unidade histórica provável dos grup:>s Tupi-Guarani en
tre o Xingu e o Gurupi. Não obstante, o r=rte de MurdoCk é, no caso, rrelhor
que o de Calvão (1979), que fragrrenta esta província Tupi-G.larani em duas á-
reas, a TOcantins-Xingu e a Pindaré--Glrupi, sen fundarrento claro.
137
l
araweté : os deuses canibais
138
situ;w;ao dos araweté
:i terra firme 6 .
1
(6) Ver .t-Enget 1977:59-83, para a reconstituição da história dos Arara, ou an-
tes, dos grup:,s da "ilngua Arara" da família Carib, p.rop::ista pelo autor, que
inclui os Arara, os Yaruná, os Apiaká e os Txicão. OS remanescentes Arara do
Iriri só foram contactados em 1981.
139
1
;
povos (de que pouco se sabia à época em que escreveu) estavam as-
(7) Ele sugere ainda que uma primeira vaga migratória a partir do Tapajós te-
ria alcan:,:ado diretanente o AmaZDnas.. e o baixo Xingu, rEi!sultando nos Jurun:a ,
Shipaya e Takunyapé, cuja língua teria então seguido una evolução independente.
o
Mas Mêtrawc se equivoca ao aproximar Takunyapé do gnJJX) Juruna; a língua dos
prirreiros é da familia Tupi-Guarani. Ver supra,cap. II.
gião ainda está por fazer, e dependerá muito da história oral dos
grupos atuais. Laraia (1984) aponta um importante tema recorrente
lizados bem mais a oeste de seu atual território (e têm uma tradi
xuna (ver adiante), não deixa de ser tentador especular sobre uma
140
péia, que se inicia no começo do século XVII, com uma intensa ati
vidade de catequese e redução dos índios, imediatamente após a
141
araweté : os deuses canibais
* * *
Para concluirmos esta tentativa de localização histõrico-bi
bliográfica dos Araweté, deve-se acrescentar dois pontos. Em pri-
meiro lugar, as escassas descrições sobre os grupos Tupi-Guarani'
desaparecidos nao autorizam nenhuma hipótese sobre ser algum .de-
les ancestral dos atuais Àraweté. Refiro-me especialmente ao que
se sabe sobre os Takunyapé. No século XVII, a margem direita do
Xingu acima de Volta Grande (495/SJQW) era conhecida como "lado
dos Takonhapés", e o "rio dos Takonhapés" era provavelmente o Ba-
cajá (Nimuendajú, 1948:222). Por várias vezes esta tribo foi al-
deada por missionários, e uma parte dela, resistindo, fugiu pa-
ra as bandas do médio Curuá. Em 1863, uma epidemia dizimou a en-
tão numerosa população Takunyapé; no final do século o grupo é da
do como extinto. Um vocabulário colhido por Nimuendaju em l919não
mostra nenhuma semelhança especial com o Araweté contemporêneo<Ni-
muendaju, 1932). Quanto ao mais, nada se sabe sobre esta tribo.
Nimuendaju faz referência apenas a uma "dança das almas" que os
Takunyapé (do Curuã) teriam em comum com os Shipaya 8 .
{8) Vale notar que, em 1863, os Takunyapé eram admirados por "sua cor quase
br~a, olhos azulados e cabelos castanhos" (Castelo Branoo, 1956: 14), descrição
similar às i.npressões dos sertanistas sobre os Araweté (Arnaud,1978:7), que de
fato têm _pele clara, e alguns deles olhos cor de mel, cabelos avemelhados.Cf.
ainda Adalberto da Prússia, 1977:190; e sobretudo .João Daniel, 1976 (I): 273, so
bre os Pacajás, prováveis antepassados de todos os Tupi atuais da região.
142
r
r
1 situação dos ara:weté
1
( 9) Un dos n:rnes daoos aos Asurini pelos Ar,;J.Weté, rontudo, é I r-iko nã, "senho
res do urucum", o que parece militar em favor da atribuição de UI1E. maior • ~
melhidade" aos Asurini. Note-se, entretanto, as razões deste apelido: (a) os
Araweté desconheciam o "sabão" de urucum até encontrarem os Asuríni no Ipixu-
na; usavam as serrentes soltas da planta, preparando a liga cun leite de baba-
çu na hora de aplicação da tintura; (b) eles dizem que, ao chegaran ao Ipixu-
na, haviam perdido suas serrentes de urucum para plantio, tendo que roubá-las
dos Asurini.
143
araweté: os deuses canibais
(10) Vidal (1977: 28, 37), que em seu livro sobre os Xikrin afirma que o terno
Kube-kamrek-ti era aplicado aos Asur:inÍ, confi.rnou-lre em a:municação pessoal
que se tratam, na vardade, oos Ara-tê.
144
r ··---
situação dos araweté
(11) Rodrigues, 1985; amplia uma classificação anterior de I.emle e lança mão
de traços CXl!TO: perda/não das consoantes finais;mu~a/não de*tx para ts ou s;
mudança/não de *ts para h ou !2l: nudança/não de *pw para kJ,J ou k; mudança/não
de *pj em tx ou x; deslocamento/não da tônica. Tais critérios se referem ao
"Prot(r'm", nuito próxino ao Tupinarnbá. A localização do Araweté neste esquai,a
é curiosa: é aproximado do Kayabi e do Asurini ("subconjunto V"), mas "por fa}:
ta de dados" (p.46). Enviei as:, Prof.Aryon uma arrostragem do Araweté em 1983,que
pelo visto não che;JOU a ele; pois não há formas Araweté citadas. As mudanças
próprias desta língua rre parecem "errbaralhar" os subgTIJpOs prqiostos.
(12) Arnaud, 1978, cita Carvalho (1977) para sugerir uma estreita afinidade
lingliísti=-cultural entre Araweté e Kaapor, que rre pareoe se dever mais à ex
periência anterior do sertanista J .carvalho, que o fez ver os Araweté cem o
lhos Urubu, qhegarrlo mesno a "corrigir" a língua dos primeiros pelas formas Ka
clEX'r. William Balée (ccrn. pess. ) , que estudou os Kaapor e visitou há pouco os
Araweté, ex>nfinna a não-sarelhança específica entre as duas línguas.
No original, esta tese trazia um apêndice lingÜístico escrito pela
Profa. Yonne Leite em colaboração canigo, cujos materiais s~o retaliados e de
senvolvidos em soares & leite, cp.cit.
145
í r
araweté: os deuses canibais
(13) Não sou capaz de dar uma tradução exata da ~ v'l'!. ~ ka"t!, que
pazeoe poder funcionar tantén caio vemo. .Yir:!, significa "boca.". A fonia kara
kàti_ (onde kati_ = bem} aparece na definição da oaiprtência artesanal. De al-
guém que sabe fazer ben tm objeto, diz-se i-~-kat.?_.
* * •
Os Araweté possuem uma cultura material bastante simples
dentro do horizonte Tupi-Guarani. Seu acentuado despojamento téc-
nico e artesanal parece só ser superado pelo dos nômades Guajá,
Siriono e Xetã, a quem chegaram a ser comparados. Berta Ribeiro,
a quem devemos uma descrição preliminar da cultura material e de
subsistência Arawetê, e especialmente das técnicas de tecelagem -
·além da mencionada comparação com os Guajá e Xetá - define-os co-
mo possuidores de um equipamento "rústico", de uma "baixa tecnolo
gia agrlcola", dotados de "pouco senso artístico" e com traços
146
situação dos araweté
com seus vizinhos Asurini (B. Ribeiro, 1982; 1981; s/d). Se dei-
147
L
_ _ _ _ _ _,..., .L
araweté : os deuses canibais
(14) Os Maué da bacia do Tapajós, tribo de língua Tupi (nâo Tupi-Guarani) tam
bém utilü:arn o paricá, mas da maneira usual na Amazônia, isto é, aspirado {Ste
ward, 1948:895). Os Araweté o consanern de nodo infr~nte, misturado ao taba
co dos charutos, dentro do contexto xamanistiCÓ de ca:mmicação com os deuses e
os m:irtos.
148
situação dos araweté
são arrancaoos pelos h::m:ns - via de re<.jr.a, pelos anantes (ap!no) , sendo guar-
dados cerro reilquias ou arnarraébs na haste das flechas. Falarerros trais disto
adiante.
As n-eninas pré-púberes, embora portan a saia externa desde cedo, nao se
importam en arxiar nuas. Entre a puberdade e o nascirrento do pr:imaira filho, a
adesão às noIJ!lêl.S estritas do pucbr é a1CJO flutuante; depois; iltperativa. OS ~
nens, por seu lado, manifestam extraro puàJr ro desatar o rordão do prepúcio.
co, nos cantos dos xamãs), bem como colares da mesma semente (ver
149
arawetd: os deuses canibais
150
_J._
s i t u a ç ã o d o s a r a w e t é
(17 l Mui tas das variedades destas plantas foram intrcduzidas pelos funcioná -
rios da FlNAI ou obtidas dos "beiradeiros"; outras foram taradas dos Asuri.ní.
Deso:mheço se as variedades de cu1 t l g e o o s reconhecidas pelos A r a w e t é t ê m cor-
respondente em nossa 1::otânica. E, se certanente é um exagero falar em "núrrero
diminuto de produtos cultivados" entre os Ar~té (B.Ribeiro, 1982:32), não há
dÚVida que a agricultura deste p:ivo é rreros diversificada que, p::>r exemplo, a
dos Asurini, a dos Tapirapé (Wagley, 1977: 57) ou a dos Guarani, o::rn sua gran-
de variedade de tip::,s de milh:::> (Schaden, 1962:48-49).
tos tipos de caça; com a paçocas-e faz o nam~ pire, pirão. Esta
cada dieta Araweté, sendo consumida durante nove meses por ano.
151
.
araweté: os deuses canibais
de sempre suficiente para durar por toda a estação seca e ser us~
152
situação dos araweté
lares.
* * *
A caça é objeto de intenso investimento cultural para os
(19) Ver Wagley & Galvão (1961:48, 59) para a as50Ciação entre a definição de
preguiça ligada ao trabalh:> agrlcola, e a Visão de um IlllnàJ pré-cultural ideal
em que os rnachaàJs trabalhavam sozinlDs e a mandioca se aut:erpl.antava (este • ,
um tema clássico TUpi--Qlarani) , na sociedade Tenetehara.
153
í
araweté: os deuses canibais
da, usando-se do caldo para fazer pirão ou sopa com milho (certas
refeiÇÕEss
l
154
l
situação dos araweté
(20) Eles parecem assim concordar a:ro Lévi-Strauss, quando este atribui ao co-
zido um caráter mais "derocrátioo"; mas não créem que o assado conote a procli-
galidade, e sim a avareza - o que permite uma anpla a:nensalidade é justarrente
o cozido. Há que se observar, contudo, an favor da hip5tese lévi-straussiana,
que as partes animais que serrpre se éarem assadas - raro e carapaça do tatu
casco do jaboti {i.e., as carnes aderentes) - são oonsum1das por um grupo mais
amplo que os a:m::?nSais das refeições coletivas de tatu e jal:oti cozidos. Antes
de proceder ao consurro das carnes rozidas, o dono do barquete recebe em seu
pátio mais gente que os que ficarão para o cozido, e então distribui as par-
tes assadas. Neste sentido relativo, o assado é uma "exi:rcozinha" (Lévi-'-Straus&
1967a:22).
panela ou cocho que traz a carne; são eles que dividem as peças,
1
que comem primeiro, e que em seguida entregam os demais pedaços
155
araweté: os deuses canibais
partilhar da refeição.
As armas de caça Araweté sao o arco de pau d'arco - admira-
cha (panta lanceolada de bambu, que pode atingir até 70 cm., pon-
21
ta de osso de guariba, ponta de pau endurecido ao fogo - a prime.:!_
ra, que é para caça grossa e guerra, é emplumada com penas de ha~
trás de tatu.
156
J
situação dos araweté
157
araweté: os deuses canibais
(23) Para que não se oonsidere exagerada essa proliferação taxonâni.ca sobre o
nel - talvez o ó:minio natural mais finarrente analisado na cultura Araweté
vejam-se os 31 tipos de rrel remnhecidos pelos Parintintin (Kracke 1981 : 108) .
Os Kayabi SÓ distinguiriam, entretant.o, 4 tipos, segundo G.Grllnberg (1970: 81-
2}. o estudo "etn:>-eoológioo" de P.Grenand sobre os Wayâpi nao i.Jld!-ca., sur -
p:reendenterrente, nenhuma taJconatda do mel (1980 :91).
ras para retirar mel; (5) o coco babaçu, comido ou usado corno li-
158
---~
situação dos ar!lweté
zada por ambos os sexos, sendo em geral levada a cabo pelo casal
(exceto o mel). Coletam-se também vários tipos de cipós, folhas e
raízes medicinais.
Dentre os demais recursos necessários ao.modo de vida Arawe
té, pode-se destacar: as folhas e talas de babaçu para as casas ,
esteiras, cestos e outros objetos; a bainha das folhas de babaçu,
HOMENS MULHERES
Atividades
159
araweté: os deuses canibais
160
_ _ _,/.
situação dos araweté
Artefatos*
161
araweté : os deuses canibais
(24) Cheguei a ver lnrens mastiganõ:> o milho para o cauim; ou usando a blusa-
-tipóia para au:regar c:riarlças (o que também fazern os Kayabi - Grflnbez:g, 1970:
109). No prilrei.ro caso, era porque suas mulheres estavam menstruadas. •
162
situação dos araweté
ta ao homem, que a planta - a mandioca "é dos homens" (kume '!!: ap~).
Ela se opõe neste contexto ao milho, e se subordina a ele como o
homem à mulher, na roça.
163
r
araweté: os deuses canibais
curso usado nos meses finais da excursão das chuvas, quando a fa-
rinha de mandioca acabou (o endocarpo fibroso de babaçu é pilado
e torrado pelas mulheres). Mas o milho é o modelo do vegetal, que
complementa a alimentação carnívora; ou antes, ao contrário. A p~
çoca de milho Cawaci mep:f) acompanha outros alimentos além da caE
ne: mamão, banana, castanhas. Ela pode ser comida pura, quando
nao há mais nada. Em troca, o esgotamento da provisão da paçoca '
de milho levada pelos homens quando vão caçar é o sinal de sua
volta à aldeia, nas expedições coletivas que antecedem o cauim
Não se come carne sem•milhot ele é a marca da civilização. Como
referi anteriormente (pág. 49), os Arawetê dizem que procuraram
as roças dos brancos nas margens do Xingu porque os ataques Para-
kanã os deixaram sem milho e eles já estavam cansados "de comer•
só carne", que obtinham em quantidade nas matas do Ipixuna: isto
25
era viver como selvagem .
(25) Os Araweté falam de una tribo inimiga, os O':f tao~, "Flechas Carpridas"',
que_ seriam nânades, sem roça, e que viveriam apenas-de came e da farinha do
enàx:arpo do babaçu. são chamados tant,ém de Bel)!. ã,."cx:aEék:lres de farinha de
babaçu", uma prática que, para os Araweté, é u:n :recurso que beira a selvageria.
Mércio Gates (infomação pessoal) diz que os nâiiades G.Jajá usam· desta· farinha--
e tân fledlas a:npridas ...
164
situação dos araweté
área de caça abundante. Exceto nos meses em que uma violenta gri-
ao menos uma vez por dia, todo dia - durante meu tempo lá. A reci
mada. A primeira coisa que faz um caçador após matar sua presa, é
tos 'da, "azedos", caro o cauim alO::::Ólio::>, o açai e o cará; os al..im2ntos ha.ti_;
"duros", caro as farinhas de ·milho, e as castanhas do pará e do babaçu.Apesar
165
~
~ I
araweté : os de\lses canibais
(28) o nane Araweté para o Xingu é uma adaptaç.i:> fonética, ISk!_, ou sinples -
nente "rio gran:le" (paranf oho). Eles menc:iÓnam tanbãm, a lest.e, o Takac!_, i.
e., o Tocantins. Hã .indicies de que este tqJÕnim:> foi introduzido pelo serta-
nista J. Carvalm, que eles sarpre mencionavam quando falavam do Tako.c!_. Na
falta de carpet.ência lingüistica, resta-me apenas a suspeita de que o tento
Araweté não é una adaptação do português "'lbcantins", que~ Araweté deveria
ser pronunciado *Tokããi_. A difererça o - a,na primeira silaba, e o sufixo-~
166
situação dos araweté
que (se for nesrro um sufixo) significa "branco", p::ideriam sugerir um teIIro na-
tivo. A noção de ."centro da terra" se encontra também entre os GJararu.: cf,
~llá, F&G.Grfinberg, 1976: 217. OS Araweté dize-a que lá não havia ooenças, ao
contrário da "beira da terra" (iwi reme 'i) que hoje ocupam. Ea:>s, talvez, da
oonoepção '.I\lpi-Glarani da terra san males, que os Arawetê elaooraro CQl1 clareza
ero sua teoria sobre o céu. A beira da terra, oonceito relativo, ,-ião deve ser
oonfundida cnn o "fim ou limite da terra" (iw:f pã hã), conceito absoluto - ver
adiante.
ção mais meridional do Bom Jardim {rio Ip~ oh9.: "cocho grande") ,
longa data (ver Müller et al. 1979 para a história dos movimentos
maram-se assim dois novos blocos Araweté, separados por outra de-
167
araweté: os deuses canibais
gas (datando das décadas de 20. e 40, a se estimar pela idade das
168
situaçAo dos araweté
DESLOCAMENTOS ARAWETÉ
Os numeros correspondem à ordem cronológica provável dos
deslocamentos.
169
araweté: os deuses canibais
(30) Que, en oondiçôes de alguma seguranya, parece ter sido de 4 anos, a jul-
gar pela diferença de idade entre pessoas qú!'! nasceram numa rresma aldeia. Os
Araweté senpre se mudavam, quando as roças a=na;avam a ficar a una distância
perigosa, do ponto de vista do risco de emboscadas inimigas (mesma decisão en
tre os Parintintin - Kracke,1978:12, e nos Carib guianeses - Riviere 1984:28),
vam uma aldeia assim que uma morte ali sobreviesse. Outra aldeia'
era erguida em local próximo, para que se usasse das roças enqua~
ra". (2) Oração verbal que descreve uma ação, seguida do locativo
do": ou P1!dã ihi pi, nlugar da linha de pesca" (onde se achou uma
170
situação dos araweté
das por outros motivos que uma morte recebem nomes dos três pri -
meiros tipos. Por outro lado, não sei os critérios que levavam à
escolha de~ nome de morto para batizar uma aldeia. Pois a decla
-.
ração dos Arawetê, de que bastava uma só morte para o abandono da
gas são o solo dos mortos, e devem ser deixadas para trás 31 . Aos
-Tupi do clefe (ou xamã) a:rrc fundaoor e .fundairento oo gn.ip::> local. M:iS os ~
weté parecen ser os únicns a tx:rnea.:ran suas aldeias do m:,do mencionado. Devo
observar ainda que as aldeias não são referidas opcionalrrente p:,r rrais de mi
rrorto-epônino.
171
r
! i
"A relação que os wayãpi mantêm com seus mortos determina profun-
gos (Rio dos Kayapó, Rio dos Tow~ho).E que o Ipixuna não tem no-
me - é simplesmente Piê±na, ou pa:Pani, rio.
172 l1
~
situação dos arawetá
173
ar aweté : os deuses canibais
Kayapô foi mortífera para os Araweté, que, como os demais povo·s '
do Xingu, sempre levaram desvantagem no confronto com essa tribo
Jê. Assim, das 477 pessoas mortas nas últimas 6 gerações (tomand2
-se como geração D as crianças atuais) cujo nome pude obter, 114
dos foram vítima de inimigos (e deste total, 71% cabe aos Kaya-
po~) 32 .
(32) Esta porcentagem certamente cairia, se "tooas" as nortes nas últimas ger~
ções fossan lembradas; p,is é ra:zoável supor-se que as baixas de guerra sejam
mais fielrrente lembradas que as nortes p,r à::>erx;a, sobretuó:> na i.nf""ancla. As
outras categorias de causas de norte que estabeleci são: acidentes - 23; "doe!!
ça" (que inclui algunas epidemias pré--1976) - 67; ataques de esplritos - 2 ;
irort.es apÕs o cx::ntato en 1976 (excluinà) acidentes) - 59; causas desconhecidas
- l6l(em sua maioria, rortes nas gerações mais velhas).
t! ... 33 Os Asuriní, por seu lado, sofreram muito mais .baixas das
(33) Os Araweté distinguem os KayapE_, nane adaptaoo ó:> português, ó:>s Atn
aêi~ oo Amirãhi_ riã, "inimigos que batem" ou "senmres aa borduna". 0s KayapE!.
usavam armas de fogo, e se situavam a E/SE ó:> Ipixuna - são quase cem certeza•
os Xikrin oo Bacajá. Os kJi aéiki. usavam bordunas, estariam na direção Sul do
território AraWeté, e os atacavam há DBis telp). Devem ser os Gorotire. Ambas
as tribos teriam a mesma J.lngua, aparência e adol:ms.
174
situação dos araweté
(34) O oostme de decapitar os inimigos I!OrtoS era a:m:m aos Arara, Juruna
Shipaya e CUruaya (N:imüendaju, 1948: 236) • 'lbdas estas tribos usavam os cabelos
cx::rrpridos - inclusive os Arara, que se distinguiriam assim cbs Arara oont.enp:i-
râneos. Os Ar~té, por sua vez, decapitaram recentemente um Parakanã morto .
175
araweté: os deuses canibais
(35) Os :rares de trilx>s inimigas ou de índividu:>s delas são 11Uito usados cnoo
raoos pessoais Araweté, o que, c;qro ver.aros, traduz uma atitude filosófica bem
mais geral: a captura de identidades en ·regiões fora da esfera do Mesno, nos
terrerns do o..itro :.. nortos, deuses, inimigos.
weté, posto gue se pens_am corno o cen,t:ro <ia, di_l:lp~r~ª-.q.__ çº~Q _o grupo
\.
·.< que ~~__manteye__ :j,§~nl:ico a si rnes._mp (inequivocamente "não-inimigo",
176
177
.... ',
fica o pronome pela expressao: X wl, "os com X" - onde X é o nome
de uma ou mais pessoas importantes, vivas ou mortas, normalmente
o "dono" ou "dona" das aldeias antigas de cada bloco (ver adian -
te). O nome das aldeias antigas nunca é usado como identificação;
como vimos, as aldeias antigas, em v~z de servirem de identidade'
para os vivos que lá nasceram, são elas mesmas nomeadas pelos que
lá morreram.
Cada bloco, ademais, define o outro como iwi amÜte pare
"filhos (ex-habitantes) de outra terra". Distingue-se assim entre
as tã d;, "outras aldeias" ou "aldeias próximas" - aquelas que
formavam um bloco com a aldeia do falante - e as aldeias "do ou -
tro lado da terra" (iw:f_ roi.>ana ti hã) ou "da outra terra" ( iw:f.
amit~) 36 • Mas apenas isto. As diferentes origens dos habitantes
(37j Esta ê uma situação carun a vários outros TUpi-Guarani. Assim, os Tenete-
hara apresentam mia grande variação na carposição das aldeias, em tenros ~
rais, e o sentirrento de pert;enoer a una alàei.a "nâc, é llllito aoentuado" (Wagley
& Galvão, 1961: 32); os Parlntintin não superpõem a afiliação aos grupos lo-
cais e os conflitos que surgem durante as cerlm5ni.as, apesar da "rivalidade~
dêmi.cà entre grupos locais vizinros" (Kl:acke, 1978:63). Os Tapirapé, enfim
que em 1939 reuniam em uma só aldeia os :rernanesoentes de quatro outras, e 91.la!:.
178
situação dos araweté
davam una forte nerória das afiliaçÕes aldeãs (além de uma fm:na de identifi~
ção pessoal feita pelo rx:rre da aldeia) , não usavam estas afiliaçôes cnio supo_E
te de sua estrutura faccional (Wagley, 1977:83-5). E vale ootar que estas duas
últina.s tribos possuiam estruturas sociais intentediãrias entre a família e a
tribo, al.ân de trans-aldeãs (netades excgâmicas e metades oerirroniais, respec-
tivanente) .o que não é o caso dos Araweté,que não dispÕem de grup::>s ou estru~
ras de identidade entre a seçoo cbnéstiro,-:residencial {familia extensa) e a
(vaga) unidade tribal. A aldeia não é una unidade oonoeitual fundalrental, seja
caro estrutura capaz de integrar os grupos danéstioos, seja caro fonte de ide:!
tidade territorial. ver as abservaçÕeS de Menget sobre os Txi_cão, gr\lEX) Caribe
do Xingu (Menget, 1977: 122), e as de Riviere (1984: 11) para as Guianas.
bre a aldeia.
179
r araweté: os deuses canibais
do Iâ. Isto nao impediu alguns choques armados, com mortes de am-
bos os lados.
rem para o Posto de Atração, Eles fazem uma viagem por terra, que
durou 22 dias; a maioria estava fraca ãemais para andar, e muitos
180
1
situação dos araweté
70 - 02 01 03
65 - 69 00 00 00
60 - 64 00 01 01
55
50
-
-
59
54
00
03
ºº00 ºº
03
45 - 49 05 03 08
40 - 44 05 06 11
35 - 39 08 05 13
30 - 34 07 05 12
25 - 29 07 03 10
20 - 24 04 04 08
15 - 19 03 08 11
10 - 14 06 06 12
05 - 09 09 14 23
00 04 06 15 21 •
TOTAL 64 71 136
161
araweté: os deuses canibais
recentemente.
O registro de nascimentos começou a ser feito a partir de
182
-- --------------
CAPÍTULO IV
OS ABANOONAOOS:
(V.Khliébnikov/A. de Campos)
183
i
L_
araweté : os deuses canibais
(2) A nab.lreza do insulto (ikirE.l que a mulher de Aranâm-i lhe fez é-m3 espe -
cialnente enigmática. Ela "jogou fora as pegadas dele" (ipip~ ma1'~ hetf:_) - ou
seja, desfez os sinais dos pês da divindade nas pedras. Não ccnsegui entender
{X)r que isto foi uma ofensa.
184
os abandonados
tomaram o mundo - uma inundação causada por um rio, ou, segundo '
outras versões, por uma chuva. Pako aão e Yiâir! aã~, a piranha
Ninguém soube me dizer seus nomes. Eles são os tem:::_ ipi_, a "ori-
(3) he~ ê uma categoria de plantas trepaooras ou de rama. Te~ ipf são os
185
''11,.
l,
cima de nós, cujo avesso é o céu visível. Seu nome é M~f pi, o lu
gar das divindades. Ali vivem dezenas de raças de ME:.f, entre eles
os Maf hete ou Maf oh2._, os ME:.f "verdadeiros" ou "grandes", asso -
ciados ao trovão e aos raios. e para este céu que vão os mortos,
sua vez é uma abóbada que mergulha, a modo de redoma, até a terra.
Nos confins do mundo (iwi yea!!.. pã we, "onde a terra entra"; iwã
neyi pã we,"onde o céu desce"} todos os diferentes patamares cós-
micos se comunicam, em uma geografia de difícil representação ge~
métrica. Cada urna das camadas do universo tem suas próprias estr~
las e lua, que brilham no reverso (ik~p~ ti) das camadas imediat~
186
os abandonados
ças 4 . A lua - a lua que vemos {não sei das outras) - é um ser mas
(4) Diziam-me também que as estrelas (yahi_ tatg_, "fogo da lua") sao as fOJl.lB!
ras acesas ros lWJlÓ:>s superiores. A associação das estrelas cem lagartas tam-
bán é feita pelos Kayabi (GrUnberg, 1970:166) e pelos Shipaya (N:lmuen::laju,
1981:16). Para minha SUip:resa, os Araweté sarpre pareciam não entender, quan-
do eu tentava obter os n::mes de suas constelaçães. Dn rossas longas oonversas
sobre o céu, sequer o moe de estrelas ou planetas eu a:insegui saber (exceto
V"'enus, "crnpanheira de Lua"). As Il1Jdanças daS estações serrpre rre foram rela -
clonadas can a floração ou frutificação de espécies vegetais, cantos de aves
ou insetos, etc.; nunca can a posição das estrelas. Emtora estando quase cer-
to de que se tratou de incapacidade minha, não ?JSSO deixar de registrar que
os Araweté se;pre se m:istrararn mais interessados ro que se passava ro "lado
de dentro" (haiPi, ti) à:> céu, ó::rninio ckis deuses, que IDS c:orp:,s celestes vi-
síveis, que estão "entiaixo à:) céu" ( ~ nakap! i~). Talvez eles não tenham ,
afinal, 00!"-citeJações, •• Nen lllSSIIO- a Via-Láctea consegui que identificassem;ou
pelo rreros que llE dissessen dela mais que: "kanoho retãm:i 'i.", perna de gavi.ãe,
-real (pela plunagem branca) •
tos os patamares, como cada lua nova é uma nova lua; cada lunação
traz uma outra {amite) lua, diversa da antiga, que se vai consu
mindo até "acabarlt (ip~), retalhada a machado pelo espirito femi-
187
1''11_
1
5 ~ - ~
nino Maraiam~. o tempo e contado em termos de lunaçoes, e perio-
dos menores que uma delas são indicados pela posição da lua ao
entardecer.
bal entre o mundo humano e os mundos dos M~f: quando aqui é dia,
(6) O munoo inferior é dito Mq_f! dakap~ tl mÕ, "junção, barreira dos ~f!". Ha-
kap! tl é fechar, unir, lll1)Eldir que algo passa ou entre. E hakap~ ti mõ diz-
-se de casas gani.nadas. Ou seja, o mundo inferior p::de ser enten:llcb CCllD "f.!:,
dlando" a esfera cb a::ism::)S, envolven:lo o Il1l.1l'lCD terrestre, ou CCllD "ganina&:l "
aos mundos celestes - neste caso, o patamar dos h:rnens seria a parede ou mem-
brana que separa os mundos divinos.
188
L
os abandonados
(7) Una versão fraca do tema do "rro..iJxb queimado", ccm.un a várias culturas arre
ricanas (I.évi-Strauss, 1966:~99), que está em oorrei.açoo ao tana AraWeté do
dilúvio UIÚversal, fmna fraca do "rm.mdo i:;odre". Não pude saber se a criação
da noite é anterior cu p;:,sterior ao dilÚVio. Caio se sabe, os mitos de o:,nf~
gração e dilúvio UIÚversai.s são caruns a todas as culturas Tupi, estarro li~
dos ao a:tleÇO e/ou fim dos tatpos. {Para esses mi tos entre os Tukam, v. S. Hugh-
Jones, 1979: 235-8}. A coruja caburé é tida por mãe da noite pelos ~á (Cad~
gan, 1979:18), e por senhora avara do dia pelos Tapirapé (Wagley, 1977:177).
(8) Ver a·crença Kayabi serel.hante, para o lagarto menem'i, Grünberg, 1970
163. Deve-se notar que o n:rre do lagarto taray~, que vive junto aos rios e
lembra um pequem iguana, é o l!'eSifO do Mt::.1! do m.mdo inferior Taruy9., que,ccno
vi.nos, parece associado ã água. Não obstante, os Ara\-leté senpre negavam qual-
quer tipo de associação entre o animal e o espírito "h:::m5n:iroo". Este é um
problena que reaparecerá inÚlreras vezes.
189
araweté: os deuses canibais
190
os abandonados
(9) Trata-se oo fogo ha 'i~ hã, de que tratararos no capitulo sabre a norte •
o raio é uma n-etáfora para o sênen, ou para a ejaculação; a bolsa escrotal é
dita ta~ ip! rir~, "saco de raios", e os raios são "o espenna de ~ oho"
Isto talvez esteja associado ã hiper-sexualidade dos deuses relestes, que oo-
biçam as humanas.
191
.,.,.,
Ora, assim que as almas dos mortos chegam aos céus, elas
sao recebidas pelo Iriw5:. mor!:!_!t'I! tã, o Senhor dos Urubus. Esta di
vindade é dita estar muito próxima da terra (."logo alin, apontam
com os lábios os Arawetê; indicando o céu ocidental}. Já os Ma~
het~, os deuses"propriamente ditos", em quem os mortos serãotrans
formados, habitam no zênite, no centro do mundo superiori mas tàm
bém habitam o "meio" dos céus, isto é, estão a uma distância me-
192
-----
os abandonados
193
me). Isto se refere tanto à separação dos homens e dos M~l, quan-
1 e seus pares, quando estes subiam com o céu; e esta agressão eco
locada corno causa do evento anterior, a saber, a subida dos deu-
Por outro lado, os Araweté sempre me diziam que nao sabiam direi
194
- -
_____ /
os abandonados
(10) A repetida afinnaç:Êo de qtE "nós SOIX)S crianças" (,;:r'_! ta 'f dohq}, CDITO
resposta &da por harens já bem rraduroo às minhas indagações sobre os terrpos
antigos, talvez signifiqtE roais qtE siltples ironia ou resulte da preguiça.Ela
parece evocar una certa a:noepçâo - de que não tenho eviwicias discursivas '
diretas - de q.:e os viventes são, erquanto tais, "crianças", isto é, seres
inc:oJTpletos. Ela não rerrete, portanto, apenas ao passaoo - estarros há pouco
no munéb, na& sabenos das origens -, mas t.arrren ao futuro. Assim, os deuses,
apesar de sua vitalidade e capacidade de rejuvenescinento indefiniéb, sao sem
pre descritos CCIIO portanéb grandes hu:bas brancas; e são bem mais altos que
os hunaocis. IgualJrente, a dentição adulta é ma "prl.rneira dentiçoo" em rela-
ção à segunda, qtE é a das almas relest:es ressuscitadas (os Araweté serrpre s2
blinru::m o fato de qm l'Xl5sos· dentes re-bJ:otarão no céu) . E um. ébs pzoressos a
qtE as a1rcas são suttret.idas ID -céu é o "espi-dla!rento" (ipi½) - elas crescem.
Os ITDrtos (e <'.Eusesl, portanto, são adultos perante os viventes, sillples
crianças. Ver adiante, pp. 347,515,521.
195
--~------iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiitii,l-·r_
_T'TI
i,:
(11) O 110tivo do peso dos rortos fazendo o aéu desabar encontra-se idêntioo
entre os Wayãpi (Gallois,1985:192), que aliás parecem ter airrla o oonceito de
um processo de ap:;::óreci.mento crescente da terra (solo) a arreaçar a hllIMl'l.i.dade
- Gallois, inf. pessoal -, evocador da noção do cansaço e velhice da terra,~
tral na escatologia Apapdruva (N~ju, 1978:91,149). Tais mito-o:mceitos,
ao articularan um tenpo irreverslvel, furdam uma historicidade essencial TG.
·I
1
196
/
os abandonados
ley, 1963: 191, 242-3, 262-3; este autor, como sempre, apresenta
197
araweté: os deuses canibais
198
os abandonados
U3l Apesar da situaçã:::> terrest..re cbs Mbahira, estes seres, caro os-M9..f! Ara-
weté, são associados à pedra. Mas o p:ivo ae Mbahira é menos irrp:irtante que o
Povo Celeste na msrrol.Ogi.a Parintintin, e estaria iàmti.ficado à feminilidade,
em c:ontrapooição ao Últilro {l<radc.e, 1984:9) .Este autor(9.12..cit. :~}procura
rrostrar a dificulda& ae se estabelecerem bloccs de cposiçÕes sistemáticas ~
tre os diferentes ébminios cb OOSllDS e seus habitantes, qt:e viessem a o:ines-
ponde.r à divisão da sociedade Parintintin em n-etades e.J<Ogâmicas. Noo há dúvi-
da, porém, que o eUD alto/baixo - fOlllla enfrêql,Ecida da oposição cél.1/'l'erra -
se expríne na oposição entre as netades Harpia e Mutun.
com dois céus e um mundo inferior. Mas acentua que o eixo horizon
cit.: 185).
almas dos xarnãs executados por serem feiticeiros llá ficam até se
199
L
araweté : os deuses canibais
ses):: (Oeste:Leste)]
can a diferença essencial <JIE, paxa os Jê, não hã, seja destino diferen -
cia1 das almas àJs nortos eh g:rq>o úxm> nos Tapirapé) , seja divisão da alJDa
de tocbs os nDrtais entre una pm:ção oelest.e e outra ten;estre (oatD na maio-
i:
ria ébs 'l'q:>i-Guarani.). Por outzo laà>, a equação Ieste=Alto e CJest:e=i5aix) é
oanun a::,s Jê lcf. p.ex. Iave, 1979:26} e possivelmente a vã..-ias outJ:as cultu-
ras. Há que acrescentar que para os Jê OCIID un todo, apesar de teorias sobn!
1 os munébs celestes e subterrâneos (}elatti, 1978:94-99) , o ei,co horl.zaltal. '
1
çao que está presente em todas as outras cosmologias Tupi-Guarani:
aldeia/mata, e que pode-se agregar ao conjunto de oposições que
estabeleci para os Araweté (p.193).
Quanto aos Tenetehara, a situação se assemelha à dos Tapir~
pé, e mais ainda à dos Wayãpi, no fato de que os domínios não-ter
r~stres do cosmos recebem elaboração fraca e confusa, em favor
de oposições cosmológicas no eixo horizontal: aldeia/mata, flores
200
dos jaguares que ensinaram aos humanos a Festa do Mel (Wagley &
queles que morreram uma "boa rnorte 1115 , não possui localização
(15) Isto é, que não foram executaébs i;:or feitiçaria. Os aul:ol:es a:msicbrarn '
que o destino "irrortal" das almas Tenetehara, e sua residência junto aos he-
róis criaébres, são influências cristãs. Crêem qoe, origina1lrente; as allras
serrpre se transfon10.varo. nos a.zçgig rnalignJS e terrestres. COiro vinos, Wagley
lança a IlBSll'0 suspeita para o Il1U!'lib celeste Tapirapé. Isto rre parece sem fun-
damento, se consideramos que muitos outros Tq;li-Guarani c:rêe:m em um destino
celeste CE parte da persgna à.:i$ li'Ortos; e os Araweté não sabem o que é un pa-
dre, sequer. A interpretação éb tena da "Ter.ra sem Mal" corro res:ul taéb da
cateql.Eae jesuítica já se IICStrou insustentáwl. De tuà) isto trat:al:ellos a-
diante.
201
,j \(íHVl#i
• <.,-: ::;,;cm1s e Hum:rnidada
araweté: os deuses canibais
seguida:
202
J
os abandonados
so em camadas.
dos celestes (ou vários, mas sem precisão sobre sua natureza de
camadas superpostas).
social e ritual.
Caldeia/roça/mata) .
203
-,
araweté: os deuses canibais
204
l
os abandonados
(17) Ela difere, assim, de rosnologias a::m::i as Jê, ct1<E é radical e fundante
a diferença·~ lusancb ternDs Suyár seeger, 19.81:22), hunano (Sociedade}/
an:ilTlal (Natureza); ou de sistemas caro o Piaroa, cnde a diferença deuses/ho -
rrens/animais, errbora diacronicarrente conplexa e ant>ígua, opera pela pemnita -
ção de duas categorias filosÓficas básicas, a "vida oos sentioos" (kakwa) e à
"vida oo esp!rito" ltakwarul- cf. Kaplan, 19.82:9-10, 23.
oposições descritivas que pude reconstruir lou seja, elas não for
l18l Este é mi cbs raros ternos básioos. Araweté para o qual nã:> pude estabel~
cer cogna.tos em out...--as linguas Tupi-Guarani. Ele pode ser enpregaoo em funçã:)
pronaninal, & un m:xb algo senelbante ao português (brasileiro) "a gente" -
mas cnro primtira pessoa éb plural inclusiva; e pa.reCB estar tenàmà:> a su-
plantar a frn::ma clássica ÍÜÜt!!,., usac'a nos cantos e em mip.ressões cristalizadas.
205
araweté: os deuses canibais
res de que se está falando nao sao "exatamente" b-{!de - desde que
termo ...
U9) Um problema qi:e jâ foi colocaà:> por canpbell, 1982:236-259. Mas isto se
ria forçar um tanto a ocção & pey:!._, cognato éb clássico "pa.jé", e qlE se re-
206
l
os abandonados
fere focalrrente aos hunanos que possi.an tal qualidare espiritual. Acresrente-
se que as Araweté mmca definiram uma clàSse de seres pelo critério -i:pey'!_ hã;
eles apenas ap::>ntavam esse p:xler em tal espécie de ser, em tal outra, etc.
Em Araweté, a raiz -peye p::,de ser tanto substantivada quanto entrar em
const:r:u;:ões verbais - ao rontrário de sem oognatos wayãpi •e Parintintin (caitE
bell, 1982:236: Kracke, 1983: 3), cnde a função vemal ou adjetivo-atributiva'
parece exclusiva. A fonna ipey~ hã é uma expressão vmbal nominalizada: i, é o
prefixo da 3a. pessoa singular verbal; hã é un sufixo instrurrental.Voltarerros
a tucb isto.
207
araweté : os deuses canibais
(20) Não é fácil dar a.mta cbs conccltos Arawetê de identidade e diferença
Em parte, po~ ~ ooncclto de "identidade" é arrb!g\.D, significand::> tanto
"o prq:irio", o iêêntico a si, i.e. a identificação de algo ~ algo (is dern,
em latim}, quanto o "igual", o "rresno que", i.e. a identificação de algo ~
outra roisa (o i&n latiool - ver R:Jsset, 1979.:18-19. Assim tarrbém, nosso 00!!
ceita de diferença ou alterida.de oscila {.ver a a:rrplexa discussão em r:eleuze,
1969:20-25).
Em AraWeté, a identidade a si pode ser ~ s a pela fonoa e'! te, "o pró--
pric", "ele tresno", ou pela ÍOITCB anafórica e '!!... Y!!._, "o nesrro (de ·qu3: se fala-
va) ". A identificação a una classe ou a outro objeto Ugualdace ou equivalên-
cia) pode ser ~ a pelo rresrro e'!!... Y!!..t ou pela noção de di, "outro igual",
qm cxnota sub.stituibilidade ou :repetição. A i<Eia Ó9 difererça pode ser ~
tada pela folJlla catafórlca ".fkatete ki", "é outra coisa (o que será menciooa-
d::> a seguir)", ou pela fonoa a,,r,:t!!._, "outro diferent.e". Ver Capitulo III, n.
36. Isto é tl.rlo que posso dizer sobre a dif~a Sirm,IBedeutung em Araweté ...
A noção de "verdadeiro" ou "prq_:irio", isto é, de exenplar tlpioo ou perfe!
to de U"Oa classe é den:Jtada par he~. A noção de "serelhante" ou "d::> tipo de"
.é denotada por heri_. Não fui capaz de encaitra:r, na língua ou cosnologia Ara-
\oeté, una ordenação oos ronoeitos e categorias de tipo "platÕnico", caro n:,
caso ébs Yawalapiti 0/iveiros de Castro, 19.78a); pelo nenos não de foma tão
sisterrática e relevante.
208
os abandonados
cani<bs. A associação entre caça e guerra é clara para os Araweté (a:mo para
os Wayãpi - cf. P.Grenan::i, 1982:208; 1980:42),
(22)Ent:ora o M~ Araweté não seja mia divindade criamra oos halens, certcs
atributos lÕgiros e sild::Ólloos desta categoria de seres, ou éb Ser, evocam o
u.so Dinka de "nhialic" e o NlEr {Evans-Pritchard, 1956:1-27) - assim, o
~
tema da separação <bs hunanos e das divindades; a situação celeste destas úl-
timas; a o,;ci lação entre unidade e multiplicidade, abstr.ção e mncretuae .
principio e s u b s t â n c i a . . . No que s e segue, i;orem, ficaroo c l a r a s a s d i f e r e n -
209
araweté : os deuses canibais
da como "iwito te", "apenas o vento 1123 , ou ser recebida pelo co-
(23} te é mia partícula qlE pareoe significar alçp a:11D: "apenas", "sinples -
mente", "nada além", "o pré:pri.o". OUtro nocb de o::notar o acaso ou a-signifi-
cação é o aspecto verbal -tf!_he, "sem objeti·i10 ou razão".
assim dos humanos e dos espíritos terrestres, que sornas todos re-
210
os abandonados
(24) ~f ohf!_ parece designar os M::_f het!!._ adultos, harens, e já maduros - isto
é, tratar-se-ia óe ma sub-categoria dcS ~-f! h2t!!._. Por outro lado, M~-f! oho
par vezes se :rre afigurava ccn:,tar uma entidade única, individual, e/ou abstr~
ta: o "grande MÇ!_f". A divindaoo cujo 1"ICIIE é o cognato cb Tq>ã clássia:>, T ~
ocupa lu;,ar rcenor n:, panteão ·AraWeté.
211
araweté: os deuses canibais
caro ~f'1!. he"t!_ eu q>Q&ição aos M~ arM!!. ou ar".!'. Em parte, isto se chve ao
curioso pn:b1ema. linguistioo crl.aà:> pelo contexto do ~ •entm o antzopÕ-
log:> - que é un az.,f - e os bf'7!_, Arawetéi l,X)is devmoo l.enbrar que bf~ tam-
bém significa o "oos" inclusivo. Assim, "M~ het!_'' é uua idéia que só pode -
ria ser expressa para mim na fol:Jna il"!_, "nós" exclusivo. . . JI.Cresoe que b-l!de
het~ pode significar U1E. J;OXÇiÍ) de idéias, confémoe o oontexto: alma oeleste,
em oposição ao espect:n> ter.restre; os M!!_f he"t! em qx,siçâo aos oula'0s deuses,
os seres hunatX)S teais, em qiosi.Ç«> ãs suas imagens •••
212
os abandonados
213
araweté : os deuses canibais
ram-se em deuses 1127 • A noção de Ma.f! ganha aqui uma feição abstra-
(27) E_df é prenare reflexhu, na 3a. pessoa (sing. ou pl.); mo é prefixo cau-
satiw, qua verllaliza substanti=, adjeti'iK)S, etc.; - ~ é un verbo qua sig-
nifica "transformar", "virar"; -mÕ é l.llll dativo-instrumental.
214
os abandonados
215
,---------
.
afinidade, OOID
-
(28) Ap passo que os hcnens chamam os Mat e o Senror das Jlguas por tentDS de
verenos. A relaçâo entm os Jni e os animais seria, então, e-
•
(291 Ou seja, para os Ãii!_ sonos TPixadas, cem:> para os queixadas saros ai.i -
c.f. nota 21; ~ - Cl:l!parar oan o que diz P.G:renand, 1980:42, sobre a vi.sã:,
que têm os hatens oos animais, os animais àJs homens, e o Sol e a Lua de am-
bos.
216
os abandonados
dos deuses": Mal ti'ap~). Os Ãií:f_, além disso, sao necrófagos, ban-
senhor da Agua, cujo nome nunca deve ser pronunciado perto de seu
domínio). Os humanos temem mas desprezam estes seres. Dá-se o o-
posto quanto aos M~!: estes têm aparência impressionante, impõem
217
L
araweté: os deuses canibais
Céu Terra
Aldeia Mata
Perfume, beleza Fedor, feiúra
Imortalidade Mortais e "matáveis"(yokª- mi)
Alma celeste Espectro terrestre
(Super-) Cultura Natureza (Pré-cultura)
Humano Animal
Araweté Inimigo
218
os abandonados
219
araweté: os deuses canibais
1
'
.
'dé we ã, "CXlredor do que cheira mal". E alguns inimigos espec1 aJroenf'.e despr~
zados, CC11D os Parakanã, são chamados de "canedores de urubu" ou "CD1ieà:n:es
de exc:rerento" (tepoc_! ã}. "Deus sem fogo", em AraWeté MÇ!_t' da:t~. t, é m1 epi~
to jocoso dado aos brana:ls, devido ao hábito que têm de secarem mantas de 0a:E
ne ao sol - CCIID faziam os deuses. (E esta e,cpressão é, também, a "tradução "
do n:ue de um missionário-etnólogo que esteve can os Araweté logo após o con-
tato, o "Padre Antônio" - Anton Lukesch).
"Ccmad:>r de carne crua" é,
-
nisio (anéstês) -
CC110 vereoos, um dossagraà:Js àJ deus Dio
ix:rnes
220
_J
os abandonados
221
araweté: os deuses.canibais
(31) Ver seção seguinte deste capitulo, para os esplrit.os canibais do cosnos.
Pode-se dizer dos Araweté o que se disse dos Arapesh: que o espaço da CUlt:urc\
do Mesrro, é una ilha cercada de canibalisno por tooos os lados (Tuzin, 1983 :
67-8).
(32) Esta é uma distinção que enc:ontrarmns an vários povos que praticam al-
guma forma de canibalisno, :real oo imaginário: a dist:inçoo entre un can1bal.1!
ro "selvagem'' e um "civilizaà:I"; às critérios de distinção variam: ora o noà:>
de consuno, ora a parte oonsunida, ora quem a:insace, ora quem se tXJnSane
(ver, por exenplo, Pcw.llon, 1972:17; Qrl.di.eri, 1972:104; Poole, 1983:7; H.
Clastzes & J.Lizot, 1978:125 ss.). No caso Araweté, a distinção é entre o ca-
nibalisno "li.minar" e o canibalisrn::, "temú..nal".
e "matadores da gente" (bfd~ yok~ hã). Nem por terem agora o fo-
go (e comerem os mortos cozidos), deixam de ser "comedores de car
ne crua". Nem por serem belos, deixam de ser impressionantes-ame-
drontadores, e parecidos com os inimigos. Estranhos deuses: prim!
tivas, inimigos, canibais, mas desejados-. Na verdade, deuses es-
tranhos: pois o que os M~f encarnam é a ambigüidade essencial do
conceito de Outro, para os Arawetê. Os Maf! são o Inimigo - mas os
Ma! são os Araweté. Este é o problema. E o canibalismo divino é o
operador central da solução, conforme se verá. O que pode ser PªE
cebido desde jã é que o Além da Sociedade ou Cultura não é um
222
J....._____ ---------
os abandonados
limentar, a função para os Araweté (do pi, "de comer", temimi! ni,
bus alimentares.
223
ra.
Não pude saber mais que isso, sobre a origem dos animais
(34) Os queizadas nao foram criados neste cauim; eles sao de Iarad!!_, que os
faz nascer de brotos de babaçu, e sarpre foram dele. O tema da transfonnação'
de objet.os culturais de madeira em peixes e jacarés se en=ntra nos Parintin-
tin (Krack.e,1978:4) e no ciclo Apapokuva das aventuras dos gêrreos (Nimuendaju,
1978: 79-80) • O tema da transforma.ção de ex-human::>s em animais numa festa de
cauim se encontra, fora dos Tupi-Guarani, entre os Piaroa (Kaplan, 1981:14) ,
224
l_~
os abandonados
c a n o ~ filHlumano (bl!~ pe) dos animais; talvez pozque eles não tenham
por p:roblemática a prática do canibali.sro - pois, aibora cercados de c.anibais
(cf. oota 31, ~ ) , também não se definem.~ não-canibais; talvez, ainda,
pozque as doenças provocadas por animais não sejêm\ tà:> llll)Ortantes na etiolo-
gia Ara-.reté, ou não sejan concebidas ccno vingança do anilllal norto. ver infra,
pp. 510-ss., para a noção de ~•o r.1e de animais, e suas "flechas".
(35) Que o m::nento da transfru:rnação dos animais tenha sido una festa do cauim
al.ooôlioo, porém, isto talvez seja significativo. O ~•; 'da é o natento pri!!_
cipal da sociabil.i.délde profana Araweté, e está associado à guerra e à liceiça
sexual; durante o cauim, ainda, a embriaguez (½_'o) p:teduz acessos de violên-
cia cega - tratar-se-ia, assim, de uma festa "animal"?
225
l
araweté: os deuses canibais
timas do canibalismo dos M~f het~. Esta função é por vezes compaE
dor.
(36) Evidentemente, os Araweté sabem qua eles taJttiém, i.e. seus ancestrais
não tinham roças nem fogo antes qoo o caburé e Pfi!Pi_ os "dessem" (me'!) aos
hunanos e deuses. Mas a insistência a:m qoo lanbram esse estado de Natureza '
associado aos ~f é significativa - parece marcar um desejo, um desejo
CCllO
Por outro lado, alguns animais nao sao ika hete me'e: os u-
rubus, os peixes, os queixadas sao seres hukiy pa, pois sao ani -
226
j
os abandonados
(37) No céu não existem queixadas, nan quatis, nem tatus. Os pri.rrei.ros ~
can aos Senrores dos Percos, dos ocnfins da terrai os segundos estão associa-
dos aos Ãni_, de que são a cx:JTiida predileta. Não sei porque não há tatus (por
seran animais de toca, subterrâneos?) - visto que existe um "deus-tatu"(Aiy:f.
rime ou Tat~~f) celeste.
chos de estimação dos deuses, que aparecem muito nos canto& xama-
nlsticos, servindo freqüentemente para caracterizar urna manifest~
ção ou "modulação" do conceito geral-abstrato de MÇ!_i! (ver §4,a s~
gu±rt. Estes animais são em geral identificados pelos sufixos -ac!!,
"grande", ou -yo, "amarelo" (no sentido de eterno ou perfeito
cf. a mesma acepção em Mbyá, na interpretação de Cadogan, 1959:33
-4). Devem ser distinguidos das entidades com nome de animal se-
guido da expressão -2.d! moMÇ!_!, que indica deuses antropomorfos; e
dos animais h2.wl'hã, "grandes" ou "monstruosos", que são, ou s~
res dos tempos míticos, de forma animal e comportamento humano,ou
manifestações animais dos Ma! - como a Nã n2_w-1! 1 hã, que é um "Deus
-virado-onça" (e não uma "onça-virada-Deus" i3 8 .
(38) Howi! 'hã significa "grande" ou "velllo" , e é sufixo formadJr do oonceito
de "antepassado" - pir-i ~•hã, "gente antiga", que se aplica a todos os IID,E
tos do grupo, e rresrro aos viventes mais velb:>s. O tenTO é un oognato do Ml::tjá
tuvixa ([boley, 1982:180), do Wayãpi tia,Jiyã (P.Grenand, 1982:222), etc., e
CC1110ta a função de liderança cu chefia, o::rro para a maioria dos Tupi-Glarani.
Em seu uso para qualificar os animais rníticn-nonstruJsos, é similar a seu oos_
nato Kamayurâ tuuiyap (Agostinho, 1974:168) e à noção Yawalapíti de -ktmlã (V.!_
vei.ros de castro, 1978a) •
227
araweté: os deuses canibais
Mas ela se opõe ainda a uma noção mais geral, a de seres "das di-
39
vindades (M~l ªP!!) - o que inclui, grosso modo, aquelas espé-
tência, por assim dizer, bruta, pura e simples. rka hete me'e con
juga então dois sentidos, que não se recobrem integralmente: au
228
os abandonados
deuses (não sei como nem porque). P-f!i!pi_ é o "Senhor das Coisas
árvores que são ditas M~-t d~m-1!-neií~ l<le ,\ deixadas ou abandonadas' (na
terra) pelos deuses, quando subiram com o firmamento: a castanhei
vel porque, apesar de ter ficado, seu destino é ir: dos humanos ,
ra}, se diz que são iha me'e rl, "os que irão". Esta é, afinal, a
marca da diferença do humano dentro do mundo: o tempo o constitui
em sua essência. Os animais têm "espirita" (h!!_'o we) e têm um
229
araweté: os deuses canibais
230
__ ___,;.
r
os abandonados
mi.ninas casadas r:x:m este ser uno-m.íl.tiplo. O que me parece, é que o rodelo
que subjaz a este uso oonoeitllal. é o do "dorD de aldeia" Araweté, ou o chefe
ae parentela. Assim, os "nuitos" ~ que desoem ã terra são, na ven1ade ,
Aranâmf wl, "os de A.n:znãmi", isto é,
seu "pessoal", os de sua aldeia ou parE!_!!
tela, substaneialmente identificados a/cem ele.
tensa série de deuses com nomes de animais (em sua maioria pássa-
ros), acrescidos de sufixos que os caracterizam como divinos e a~
tropomorfos. Hã divindades que vivem junto com os Maf het~,_estan
do ou não envolvidas no processo de transformação das almas dos
mortos; outras vivem apartadas e são canibais, perigosas. Há as
que são conspícuas no discurso e prática religiosa: e há as que
nunca descem à terra, e das quais sabe-se pouco mais que o nome.
Os M~f, ao contrário dos espíritos da mata e da água, sao
antes de tudo música: marakã. Não só são cantores, como cantados.
Ao discorrerem sobre as características de uma divindade, os Ara-
weté invariavelmente citam trechos famosos de canções dos xamas
(ou melhor, dos deuses - as canções são "postas", mar~, pelos de:!!_
ses), que são a fonte imediata de informação cosmológica. Todos'
os espíritos celestes e subterrâneos parecem poder ser identific!
dos por seus cantos - -mesmo quando não são nomeados nestes. Isto
é, certos refrões e temas estão associados a determinados deuses,
231
..__
araweté : os deuses canibais
(41) Embora se possa distinguir entre "música" (marakã) e "canto" (onina) ,não
existe música não-voca.l entre os Araweté. Tudo isso será analisaoo ro capítu-
lo VI).
(42) A ooção de nã - que não deve ser oonfurxlida cem seu b:m3nilto nã = jaguar
- é o cognatn do jara Guarani, o zara tenet.ehara, o iar ou ijar Wayâpi, etc .
Esta é uma ooção oc:rrplexa, que tem corresp:m:'lentes em inúreras línguas nao-
-'l'upi (cf. i:or exenplo o Suyã kan:ie, que Seeger, 1981:181 traduz por "oorx, -
-oontrolador"; ou o Yawalapíti wokoti, que traduzi ~ "don:>-representante" e
232
r
os abandonados
233
_ I
l
araweté: os deuses canibais
eia.
prio dos humanos (não há porcos no céu), e carne sobre a qual não
- 43 .
pesa nenhum tipo de restriçao
(43) Iar-adf! e MotiroêE._, os Senh,res dos C,ueixadas, nao vêm naturalmente co-
rrer de seus animais de est:imação. O que caracteriza um "dom" de espécie ani-
mal é que ele não o:::me esta espécie - ele "cuida" (i~'í') dela, e ~ con-
trolar sua reprodu;:ão. Os iüi destes al.inentos consunioos coletivamente e pe -
los deuses, quando os há, são senpre espíritos de oosso n.{vel o5smico. E nao
há nenhun animal ou planta cujo Senror é \llII espírito celeste que seja objeto
destes festins.
234
os abandonados
ças, caso não sejam trazidos à terra pelos xamãs para comerem.Ta~
te alimento. Mas ainda aqui isto nao é uma razão para que sejam
te. Os deuses vêm porque vêm, porque os Araweté gostam que eles
rém, que por vezes alguns cantos noturnos dos xamãs eram interpr~
tados como transmitindo uma "raiva" dos M!!.1! por não estarem haven
que todas essas coisas são também "comida dos deuses" e que
o xamanismo sobre elas, que traz as divindades para o festim,
235
7
araweté : os deuses canibais
236
7
araweté : os deuses canibais
236
os abandonados
de informações que tenho sobre cada tipo de M~C varia muito; para
alguns, nada sei senão seus nomes, e nomes que não posso traduzir
queles de que sei mais - o que reflete, sem dúvida o estado hist2
rico da importância destes seres no tempo em que vivi com os Ara-
237
araweté : os deuses canibais
( 44) Animal quenão deve ser norto, ou caírios das árvores e rrorraros. O tap~,
xamã, e para os Tent:é estaria ligado à
entre os Kaap::>r, é animal familiar do
feitiçaria (Huxley, 1963:217-8). Para os Apapokuva, é a ave de TUpà, e está
.ligada à chuva (N.imuendaju, 1978: 75).
me", dizem os Araweté, não tem nada a ver com os jaguares); Miko
ra'i_, "Filho do Gambá" (idem ... ), e Tiwawl!. Este último é chamado
de bf!de ãl_ mõiil hã, "fabricador de nossos ossos", porque os reco!!!
poe e nos ressuscita, após sermos devorados pelos Mal hete. Es-
238
os abandonados
dos animais.
çao e os leva de volta para o céu. Esta Medusa mora apartada dos
Maf! het!!_, junto com seu "parceiro" (aplhi_ pihq_) Me'!!.. Nfi, "Coisa -
-Jaguar", a principal divindade comedora do jaboti. 'Outro nome p~
ra este Último ser é M~f âiy!!_ hã, "o que faz medo aos deuses"
são de outros deuses, como M~f p-i:k'!_, o "deus comprido" e suas es-
morros.
12. Iriwo morEd.f tã, Senhor dos Urubus, faz seus brincos e
239
l
araweté: os deuses canibais
de inimigos.
quitos.
(45) Un tema que evoca dois gnip:lS de seres rnítioos que vivem na terra, os
Yicfr!!. pa e osP~'-!!, os primeiros identificados aos Araweté, os segurrl)s aos
bran=. Estas duas tribos se entredevoraram as nádegas. Os P~'t' são concebi-
dos caro grandes tecnóloçps, senhores do ferro, de mâquinas e outros artifi -
cios. Ambas as trib::>s estão extintas, creio.
240
- ·--------t;.
os abandonados
se come o focinho dos tatus, isto nos inspira sonhos em que esta
por si, no céu. Não costumam vir passear à terra. São Tapfdokii_
kãiíi_, "mulher-marimbondo'', Mamãyª--yo kãiíi._, "mulher-mamangaba"
Kawaw~-yo kãiíi_ ("mulher-kawawq_", uma vespa} e Moiyiaw':!_dfdo (=?}.
18. Hã uma série de divindades associadas a fenômenos natu-
rais ou a espécies vivas, que não costumam vir muito à terra. As-
sim Iwito yar!:_, a "Avó Vento"; Mad.id.!!_ toti_, "tio (MB} de Madid!:_",
46
senhor do raio ; os Topi e suas filhas Topi naiyi_d1, que sao se-
túmulo. Seu canto fala nos vermes que o devoravam. Ele é o respo~
queimou (hapi_) as pedras. Seu canto não deve ser repetido por me-
(47) Veraros adiante o tema da "queima" - hapf:_ -- dos cabelos pelo esplritc de
241
y
l
1
certos an:JJnais. Teper!!. parece ser um personagem associaéb ao nesno tenpo o:m
o p:xlre (venrEs) e o gueill'lado (pedras que explode) , fusão que enoontranos ~
bem no Gambá rnltioo, de cujo pêlo queimaoo, durante uma queimada de roça de -
sastrada, se origina o mel. Mas não há nenhuna associação clara entre este a-
nimal e o deus Teper!!..
(48) A rramangaba é una espécie de abelha solitãria ou vespa, llllito feroz, que
faz seu ninho an tmnoos podres, e está, de nodo geral, associada à p:x1ridà;)
e ã norte. A "mamangaba-ete.rna" pousa sobre a pele velha das almas oos nortos,
que fica esticada ao sol erquanto os ~f het!!. se ~teiam o:m a carne.
242
·----·-------........ . __ __)_
os abandonados
Há, por fim, alguns esplritos que, celestes, não sao Mal
propriamente:
nas. Eles são M~f! yokª- hã, "matadores de deuses". Seu nome nao
deve ser pronunciado em voz alta, exceto por aqueles que já mata-
243
araweté: os deuses canibais
nao podem ser mortos pelos xamas, ao contrário dos esplritos ter-
restres malignos.
244
7 os abandonados
rozes}.
(49) Una crerça idêntica, para a rresna categoria de espíritos, mas arreaçando
as maes, se encontra entre os Mbyá - Schaden, 1962:93.
cial. Eles são as entidades definidas vagamente como me'e nã, "d2
nos de coisas", que são vistas pelos aprendizes de xamãs. t comum
intoxicação por tabaco. Os que não são xamas (pey~ i), ao desmai~
remou "serem mortos pelo fumo", não vêem os Mf:!_i!, mas estes "do-
mas não tanto quanto os Ãni e seus "tios", que costumam tocaiar '
nidos como i:k~ het~ me'::_, "selvagens". Não obstante, diz-se que
245
os abandonados
rozes).
(49) Una crença idêntica, para a rresna categoria de espíritos, mas arreaçancb
as mães, se enoontra entre os Mbyâ - Schaden, 1962:93.
cial. Eles são as entidades definidas vagamente corno me'e nã, "d2
intoxicação por tabaco. Os que não são xarnas (pey~ I), ao desmai~
rern ou "serem mortos pelo fumo", não vêem os M::!.-f!, mas estes "do-
mas não tanto quanto os Ãni_ e seus "tios", que costumam tocaiar '
os homens e raptar as mulheres Araweté, e que só podem ser enfre~
nidos corno i:kÇi het~ me'~, "selvagens", Não obstante, diz-se que
245
araweté: os deuses canibais
somos ressuscitados.
(51) O mel de xupé, iwahf!_,é produzicb i:or abelhas negras, san ferrão mas cem
urna rrordida relativamente dolomsa, que se grudam nos cabelos e oos a:irp::>s
suacbs. As colnéias de xupé são mui to grandes, a:m aparência de um ninho de
246
_j
T
í
os abandonados
dos M~f que descem à terra para isso. Ele é perigoso; quando apa-
rece deve ser morto pelos xamãs; e sua manifestação causa uma di~
persão ou fuga (fyi fhl) da aldeia para a mata, para colher mel .
do-as para sempre dentro de seu grande chocalho ar~y, onde se fi-
céu.
sonho às mulheres, falando com uma voz fina (eles não cantam) :"to
me, eis o meu sêmem; tome, eis meu cocho cheio de mel, que trago
247
araweté: os deuses canibais
te. Suas moradas são nos confins da terra, como as dos Senhores
(52) Há q1Elll defema uma teoria seguooo a qual, ap5s a morte, uma parte da
mssa persona senpre segue cun os AyaPae~, eil:jUanto outra vai para os ME_i!, e
outra vira espectro. Não há porém unanimidade quanto a isso.
248
r
os abandonados
·i to e temor que este Último; além do mais, pode e deve ser morto,
a pauladas, quando se acerca da aldeia ou de um acampamento, e o
xamã o identifica. Nisso ê como os Ãni e o resto dos espíritosteE
restres.
249
arawetê: os deuses canibais
estes casos, as infelizes não têm acesso ao céu; elas ficam "tran
cunhado" (~r~ radE_ 'i), por essa predileção que demonstram por suas
morto, não canta, e não vem ã terra tomar de alimento humano: não
250
os abandonados
car. Nem sempre (ou quase nunca) é clara a relação entre as divi~
dades "comedoras" e seus alimentos. Se, por exemplo, a "divindade
-socó" come peixe, como seu pássaro epônimo (Tigrisoma gen.), não
sei porque Aranãmi come mel e jaboti, mas não guaribas, etc. Mais
em geral, alguns deuses descem à terra mais que outros·, porque uns
251
i
L
araweté: os deuses canibais
252
T
1
os abandonados
253
araweté: os deuses canibais
gia Araweté, que o caso não é o de ''Harpia (s) tornada {s) divinda-
de", mas de uma afecção-Harpia da Divindade. Posso estar forçando
gias Tupi-Guarani. Mesmo assim, vale notar que certas noções, que
254
os abandonados
255
araweté: os deuses canibais
l
(_4) Em contrapartida, a noçao Araweté de M~í! parece ter re-
(56) E ~ , adana.is, traços dos "Ma!ra" canos dos '"I\lpà" de outras '
OJSl!Ologias - não só por sua associação o::m o trovão, mas por essa relação
o::m. as almas celestes dos nortos: é o deus do trovão Hyap'}!-guas!±. que recebe
as almas dos Kayová (Schaaen, 1962:121). h:)ui, cx:m:> IX> caso dos "Anhanga", a
cosrrologia Arawetê - e outras - nuarça as fanosas críticas de Ninuendaju, ~
256
os abandonados
suplementares fundamentais.
tes dos M~f, que apreendem as almas que vagueiam em sonho pelo
céu.
257
r
!
TUpinantiá Ma.ir>, por Teodoro sanpaio; mba.e i:m, "o apartado, o soUtário,o que
vive distante". . . O que nos ~ i a a toda a clássica discussão sobre o sa-
grado-santo ex.no "apartaà:>",definià:>r da.Religião (Steiner, 1967, D:Juglas ,
1971:69). SCbaden sugere ainda que o ternD KayoYá Pai, que desigma o chef~ 1
religioso, nã::, se liga à foma "pajé", mas sim a mba.ir> - i.e., "Ma!ra" (1962:
105) • O que, pelo menos, é a:risistente a:m a definição Araweté dos ~f caro
sendo poderosos xamãs.
(58) Assim, a p:pulação celeste à:>s Parintintin nã:> wnhece grande diferenci~
são apenas o "Povo à:> Céu" (Kra-
çao, apesar de sua :iJq;iortância no xamani.sno -
cke, 1984bh o que mais se aproxima da situação Arawet.ê é a cosrrologia Asuri-
ni (Mll,ler, 1984), onde, porém, a possibilidade de subsunção à:>s muitos espí~
ritos a categorias mais gerais é maior que no caso Araweté - e onde há un
oonjunto de "seres mitológicos" (entre eles os Mahira) fora d:> alcance à:ls
xamãs e d:> cotidiano. NO caso Asurini, igualnente, apesar da classificaçoo de
Mil.ler no que toca às fonnas de presença dos espíritos na vida d:> grupo, per-
manece enigmático o sistema semântico fomado pelos espíritos.
258
r os abandonados
(59) Assim, para os Tenetehara {Wagley & Galvão, 1961:136}; para os Wayãpi
ver Gallois, 1980:278-ss, que o:menta um mito especialJrente interessante, on-
de fica claro que a Olltura ê una " ~ " pela perda da inortalidade e
da ~ da Natureza cem o h:rrem; o J!ESITO deceptor que furta a Idade de
o.rm aos lx:rrens é quem lhes dá ensinamentos téo'licos--culturais. E H.Clastres,
interpretanao a anpla bibliografia scbre a "Terra san Mal" ,!)Jarani., nostra a
"desordem ideal" que prevalecia antes da disj~ l':aiens--deuse.s (1978:90,~
sim). O tena "prareteico" da q:os~ illortalida:le/cultura, a d i s j ~ na
diacroo.i.a entre deuses ou estaoo illortal e hunanidade ou p:,sse éb for;p pode
ser visto tambán na cx::,srrologia Yaranami (Lizot, 1976:38).
Hã que ooservar, i:o:rán, que algumas mitologias Tupi não parecem conreber o
"estaéb de Natureza" cx:m:> cxntendo qualquer i:ositividade; assim os Tapirapé e
os Kayabi {Wagley, 1977: 176-ss. ; Grililberg, 1970: 179-ss.) . Mas praticarrente te_
das as cosrologias an questão t.anatizarn a "Vida Breve" (Lévi-Strauss, 1964
155-171) e o ll'Otivo da troca de pele ligacb à illortalidade perdida e desejêda
259
i
!.'
L
araweté: os deuses canibais
-comedores.
(60) Assim, se os Maf hete se opoem aos Ãni_, e se estes últillos conotam o ~
dre, os deuses =notam, não o cozido, mas o cru, metáfora perfeita da "ambiva
lência" divina: se, confor:rre as observações de Lévi-Strauss, o !X)dre é uma
"transformação natural" e o côzido uma "transformação cultural", o estado bru
to do alirrento, que poderá se transfornar em qualquer direção, é o cru, pura
potencialidade.
cantam. Todos estes últimos (sempre com exceção do Senhor dos Que1
xadas, que os Araweté dizer ser "quase um M~f"- Maf e-Í'.p{'i) sao
260
os abandonados
to.
antropofagia Tupinambá.
261
l
'
l
CAP!TULO V
ENTRE SI:
V '------·.,/
' ... c'est i dire rejetant, dana un
\ ' futur ou dana un passé égaZement hora
d'atteinte, ta douceur, éterneZZ~ment
déniée à l'homme social, d'un monde
\" I o~ Z'on pourrait vivre entre soi~
\ /
\J (Lévi-Strauss)
(Tóiy~)
263
araweté: os deuses canibais
no tempo das chuvas não há milho, e os jabotis moram no mato ... ".
çao, ela não é tão Óbvia assim: afinal, os jabotis moram no mato
o ano todo,-os Araweté não. O que ela indica são os valores asso
ciados aos ritmos da vida. Os Araweté moram em aldeias por causa
do milho. Sua morfologia social conhece duas fases ou·· movimentos
264
/
entre si
265
•r
266
r
1
entre si
267
t
\1
araweté: os deuses canibais
quantidade de cestos (cada un a:rn cerca de 60-70 kgs.) p:>r roça depende do ~
manh::i desta. F.m 1982-3, as menores roças davam 10 cestos, as maiores, abertas
i;:or cinco familias, davam 35 cestos. ~ s e que l:oa parte oo m i l l c plantado'
oo ano anterior já tinha sioo a:msumido, à época oo armazenamento.
mens em geral saem todo dia para caçar, enquanto as mulheres co-
de aldeia 4 .
de uma semana sem que um grupo de homens decida realizar uma exp~
dição de caça, quando dormem fora de uma a cinco noites. são co-
268
----
entre si
Exceto nos meses de março a julho, é muito raro haver dias em que
todos os grupos familiares estão dormindo na aldeia,
um dos limites mais claros à duração destas excursões, mas-
culinas ou familiares, é a quantidade de paçoca de milho levada
para a mata. A farinha mepf fica imprópria para consumo a~ós mais
de uma semana de fabricada; e como os Araweté não concebem passar
sem·ela (ver p. 164), é raro essas dispersões irem além de uma se
mana.
A partir de setembro a estação do cauim fermentado começa a
dar lugar ao tempo do açal e do mel, produtos cuja coleta é marc~
da pela dispersão e aJ::>andono da aldeia, devido à "chegada" dos e~
plritos Iaraci e Ayaraet~ (ver capitulo anterior). Mesmo antes que
estas visões xamanlsticas se manifestem, as famílias começam a
passar o dia na mata, individualmente (caso do açal) ou em grupos
(mel). Em outubro-novembro, com as águas em seu nível mais baixo,
fazem-se as pescarias com timbó, que t~ém levam à dispersão da
aldeia em grupos menores. Todos estes produtos, corno vimos, dão
ensejo ao pey~, são "comida dos Ma!".
269
araweté: os deuses canibais
1
mulheres e crianças, ou mesmo pedir a outras pessoas que o façam,
tar que as chuvas caiam antes do tempo, impedindo a boa queima das
(5) Noo sei ?)rque; nunca assisti ao peyf!_ do guariba, nem ao à:) mel e cb açéÚ;
o pr:iireiro não se realizou oos aoos de 1981-3; os seguncbs se deram em outu-
bro de 1982, quando eu estava fora da área.
Os Araweté dizem que a fumaça das roças queimando é que traz as chuvas
IX)is irrita os Mg_-f!, toldando seus daninios celestes.
anos em que estive com eles, este pey~ foi diversas vezes realiz~
sao mogueados.
usada na mata.
270
---
,
,
CICLO ANUAL ARAWETE
JAN fEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
~egime de chuvas fortes, a- chuvas espar seca, temp_:: rio no ní- primeiras
aguas guas altas sas ! baixai .rais ocasío vel mais chuvas
as aguas nais
- baixo
PEYO BOKii
Ativ·Ídades - - - PEYO
- ---1
N
cer1mon1a1s caçadas do cauim alcoÔlico dispersão do me
-..:i
,__. (opi:rahe} OP:ERAHE e do açaí ,pesca
araweté: os deuses canibais
e a abertura do casal.
equação:
VIDA NA ALDEIA
(Mulher:Homem}:: (Agricultura:Caça):: (Milho:Mandioca)
272
entre si
VIDA NA MATA
(Hornem:Mulher):: (Caça:Coleta)::(Carne:Mel)
273
araweté: os deuses canibais
MATA ALDEIA
chuva seca
caça-coleta agricultura
jaboti milho verde
mandioca milho
mel cauim
cru, moqueado cozido, fermentado
homens mulheres
api!_hi-pih~ casal
dispersão concentração
intimidade distância
peyS?. dok§_, opirah§_
aos quais deve ser comparado - ver pps. 193,218), tem um valor
nial.
274
entre si
no.
roça foi antes mata, toda aldeia foi, antes, roça, leito do milha.
275
l
r
1
276
entre li
com homens já mortos - ver adiante), isto é, até 10-lJ anos. Nes
como esse dos rapazotes fazerem suas casas, ou o das trocas temp~
(8) O temônino mais usaoo pelos ocmens para se referirem aos outros lnaens &,
~pendente da fOl."lla de residência, a expressão " (naie da rrulher)-pi~", que
significa "carçanheiro" ou "o que reside can" a mulher rx::rtEada. Isto parece
sugerir que os rarens se concebem, efetivarrente, caro rrorarm junto às mu.lhe--
res1 eles se definan e se ligam através delas.
277
r
1
araweté: oe deuses canibais
classifica. Há algumas casas que não dividem (ou sornam) seu pátio
278
entre si
279
arawété: os deuses canibais '
quer grupos definidos a priori, por regras de filiação ou aliança;
seções compostas por irmãoS casados, sem filhos adultos, cada ca-
sa abre sua própria roça, com uma tendência a que estas se mante-
280
l
entre si
1 - caminho de caça
2 - saída para roças
3 - saída para roças e cacimbas
4 - saída para o rio, cacimbas, aldeia do Posto
Os números das casas remetem à folha 9 das genealogias (Apêndice II}. Notar a
concentração das casas 7-10 em torno de um mesmo pátio, e assim tambêm para o
grupo 14, 16-20. As casas de 1 a 6 apresentavam-se "desorientadas" ou autôno -
mas, como a 15, 11-12, e 13. O espaço central entre as casas 1, 2, 4, 11 e 15
era o pátio do xamanismo do cauim doce, Ao longo de 1981, as famílias se foram
mudando para a aldeia do Posto, e a correspondência dos números aqui e os das
casas da aldeia do Posto (pagina seguinte) ê:
281
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _- _ - _ - _ - _ - _ - _ - - _ - _ - _ - - - - ~ - - - _ - _ - _ - - - - - - . - _ .
_ -_
- _ ' " ' _ " " .=_ _ = .. ===~==~~~!'!!!!!!!!!!!!!I
Aldeia do Posto
Arawete' dezembro 82
.... -. -
1 rLfi·o
. . .
(D r-ó...,,/e ?"'1Sº
Q) s,,.,ú,t,._ Fr.._, ~
~
o
S-
~
(li
N
(li
-o
283
araweté: os deuses canibais
41
43
14-
38 4o
@8
!iJ
284
entre si
sas mais afastadas, bem como entre os blocos mais compactos ales
285
araweté: os deuses canibais
sua vez, não vai além desta situação mediana da área de xamaniza-
ção alimentar.
O templo de um xamã é sua casa. t ali que ele sonha, ali que ele
ver a alma de alguém que foi retida pelos Mal ou levada pelo Se-
286
entre si
bordinado 10 .
(10) Essa subordinação lógica à::> todo à parte, paradoxal caro pareça, é una
estrutura que padeiros encontrar em outras sociedades Tupi-G.larani. Ela está
articulada a alguns tanas cruciais, a saber: a chefia da aldeia está an mn-
tinuidade lógica ou real con a chefia à::> grup:> dcrnéstico; inexistem ou são '
J:X)IJCO irrq;ortantes os rituais "soci.Ólógicx:is" pan-aldeÕes, em que fossem temaq
z.adas relações sociais gleba.is; e há todo um processo de rnascararrento da af~
dade, que se desdobra na proj~ do lugar de afim para o exterior do SOcial
("en:hgamia" real ou ideológica).
Tal situação de englooamento hierfu:quico da aldeia pelo grup;:, dcrnéstico'
contrasta dramaticarrent.e con a concepção Bororo (que µ::>derros mnsiderar, nes-
se aspecto, una hipérbole da visão Jê) da aldeia o::m::, urna entidade conceitual
que pré-existe e subsiste a seus grupos ca,ponentes, é rnesrro às suas o:n:ii -
çiies cte
efetua:;ào física - o ex.arplo da aldeia de Pooojari, a:np:>sta de um
só OCJJell, que reo::nstniiu o circulo aldeão e situou sua casa na p::,sição mn~
niente, rrostra ban isso (Crocker ,1979: 253). A concepção Araweté tem paralelos
claros ccrn fomas Carih (Basso, 1977:15-16) e cem outros grupos do oorte ama-
zônico.
287
araweté: os deuses canibais
288
entre si
289
araweté : os deuses canibais
sua carga desperta nas seções por onde passam. Só param no ter-
foi abundante, a animação toma conta de todos. Quem não está ocu-
das casas.
290
L
entre si
(12) Os neni.rx)s ainda solteiros, mesmo que rrorem em casa própria e que tenham
caçado algo, nunca são convocados ou convocam outros a a::rrerem, dessa foD'Ila
ritualizada. Dependem de seus pais, em ambos os casos. As criarças participam
ban rrenos dessa rorrla alimentar ooturna, ccmendo principalmente da cozinha~
terna. Chamar {ou ser charrado) a uma refeição roletiva é sinal de rraturidade'
e de visibilidade social, e é algo que os rapazes recém-casaoos têm vergonha
em fazer.
291
araweté : os deuses canibais
292
r
1
entre si
293
L ---- ---- - ---------- ------- ---- --- -- --- -- ... ,. -~-' - ----------
.,....
(14) :e sob esta forma enfraquecida - e especifica para o caso de caça grossa-
que eno:mtrarcos o tema Aché--Guayaki do ínterdito que pesa sobre o caçador
quanto a caner da cai:ne que ma.too (P.Clastres, 1974:99-ss.); interdito este ,
294
entre si
por sua vez, uma "foma generalizada" da oposição central do ritual antropof§_
giro TUpínarnbá: o matador é o Único que não core do inimigo rrorto (H. elas -
tres, 1972:80). Por ootro lado, a tendência que se encontra entre os Araweté,
de que o anfitrião cerne de_fX)is - ou se serve de:i;ois - oos convidados, parece
sugerir esta IOOSma idéia de alienação entre o caçaoor e sua caça.
sua presa com ele; é muito comum ver-se gente entrando na aldeia
recipiendário.
mais que são comidas assadas, não cozidas, como é o normal: gord~
295
1
araweté: os deuses canibais
todos já estão dentro de suas casas; a menos que urna dança op~-
rahe esteja sendo realizada em algum pátio.
296
entre si
297
araweté: os deuses canibais
(15) E, à parte o grupo mais central, em volta do cantador, todos conversam '
durante o canto, saem da toada, desafinam, rrunnuram ou trauteiam mais que ~
tam, etc. etc. A iltpressão é a de uma relativa bagunça, onde o cantador é um
p51o de atração e organização, em relação ao qual variam as distâncias, tisi-
cas e/ou de envolv.11nento, dos demais participantes. Tal sisteroa, bem caro sua
falta de "clirnaticidade", não deixa de evocar a análise do "indian tilre" de
Wann Springs feita p::>r Philips (1974).
298
entre si
299
L
:\
e a vez dos deuses e dos mortos; outra população toma o lugar dos
jeito que pareça um fazer porque outrem o fez. Uma espécie de de-
satenção deliberada, ainda, diante dos sinais de que algo se pas-
300
entre si
ral, e nao menos cuidadoso em impor a sua própria, tudo isso mar-
dos começos.
Na verdade, o que se passa é uma vontade de ocultar, de ne-
qualquer ação coletiva; tudo era deixado parÀ a Última hora, nin-
301
"'"''
c:uanic;t.,:;. Vil \,,,LÇU.i)Çi,) l.d.11.iU(U,l)
te", "o que começa". Essa palavra designa o termo inicial de uma
que encabeça uma fila indiana na mata, a familia que primeiro sai
que estão atrás ou por último (ver supra, p. 194_). O llder Arawe-
té, assim, é o que começa, não o que ordena; o que segue à frent~
na_~e~~~ relação com a tarefa. Uma coisa não começa se não houver
alguém em particular que a comece. Mas, entre o começar do
concerto, em que cada um faz por sua conta a mesma coisa - é a for
302
---------------------------
do possivel, daquelas atividades que dependem do ciclo anual,onde
o sinal para a ação é dado pela natureza. E mesmo ai, a emulação
é importante (afinal, a natureza é lenta): após um longo período
de vida na aldeia, um grupo de familias decide excursionar: no es
paço de alguns dias, paulatinamente, vários outros grupos saem
cada qual numa direção. Como se de repente todos descobrissem que
não agüentavam mais o tédio aldeão. Outras vezes, o "contágio"não
é mais que vontade de sociabilidade: vendo um grupinho de mulhe-
res a torrar milho no tacho do Posto, várias outras para lã se di
rigem; se alguém passa a caminho da cacimba, com certeza atrairá
gente pelos pátios que cruzar.
Essa ___ forma de ação "coletiva" aparece como uma solução inte
res_~!l.J:é_ pa:r;a _Q p:r;Ql;>l~ma do começar, uma._ ve.z ..que-cada.--um.. faz a
mesma coi~a, _ao mesmo tempo, mas para si: curiosa mistura __ ?~__ sub-
missão ao costume e __~anutençãQ da autonomia 17 . Ela manifesta a
..____ •• --•,1-•~ ·•·•··------·- ..... - . ~ -
(17) Tal IIDOO de propagação das ativi<Bies não se restringe à esfera econêmi-
ca. A aldeia Araweté parecia passar por ciclos, desde no que tocava a nodas
superficiais (uma carçã::,, una brincadeira invadiam os dias), até esferas so-
ciolÕgicas. Assim, [X)r exetplo, se um jovem se casava, logo em seguida toda
a aldeia se µmha a ensaiar ligações (o mais das vezes tarp:>rãrias) entre os
lll3Ilims e rreninas na faixa dos 10-12 aros. Una troca tenporãria de cônjuges ,
criamo a relação de~-pi~ entre duas casas, p:roouzia uma "harorragia" @
ra-matrin"Onial em que parceiros circulavam aaeleradarrente de casa a casa. ~
ambos os casos, não se tratava de reequilibrar una estrutura de alianças ~
ta em rrovinento pelo evento inicial (ou não era assim necessarianente); sim-
plesrrente as pessoas punham-se a repetir o acontecido.
303
-
araweté: os aeuses canibais
vai fazer algo; e que sai na frente para fazê-lo. Quem propoe a
ser aquele que teve a idéia dela, ou que sabe como levá-la a ca -
bo: caçada, pescaria, coleta de mel. Tal posição pode caber amais
cada qual com seu tenetãmõ. Ao líder de uma empresa cabe a convo-
seguem.
304
trangedora. Diz-se que um tenetÊ_mÕ é alguém que nao tem "medo-ver
vens, que moram na mesma seçao, juntamente com uma outra "filha",
um "genro", e um "irmão" casado (casas 21-22-24-25-36, no mapa à
i
1
305
L.
-
- l" .
araweté: os deuses canibais
nome. Por outro lado, apesar de sua idade, sua situação gerac~o -
nal o coloca em termos de "irmão" ou "cunhado" face aos homens
mais velhos do grupo, e portanto de "pai" ou "sogro" perante vá-
rios adultos.
"o chefe" dos Araweté, contudo, sua posição de liderança veio pr2
306
-
gredindo no sentido de uma situação de poder real, especialmente'
poder redistributivo de bens como pólvora, chumbo, e outros impl~
mentos. Ele também passou a ser usado como "capataz" para traba-
lhos coletivos, como a abertura da pista de pouso - nisso teve
menos sucesso. E foi nesses contextos que ouvi as únicas acusa
ções veladas contra ele - um homem até então sempre poupado- da
~
l ingua ferina d a aldeia 20 .
l
1
se tornar espaço neutro, cnrnmal. A entrega .de_ munição a Yirlnat;2--:ro, por sua
vez, produziu munrurações oontlnuas de desagrado. Acusava-se-o de favorecer '
seus genros e danais co-resicerites - o que possivelrrente era venlade,
verdade também é que o "chefe" chegou a estocar ura eno:are quantidade de pól-
o:no
vora e chumlx), e que aurentou nari.to suas saídas para CclÇar - aumentando assim
o nímtro de festins que oferecia à aldeia.
Por outro lado, as acusações de avareza de Yirmate-ro quanto aos bens
recebidos para redistribuição tendiam, em nuitos casos, a poupá-lo, acusan:b
sua mulher _de ser aquela que mo 'e o marido -- que o o:mvenci.a a ser avaro. Fu!!
dada ou não, esta acusação é ccnsistente a:rn o papel tradicional da esposa do
caçador, que é o de tentar restringir os impul.sOs de generosidade do anfi-
trião orgu1.h)so. E, mais illlport:ante, ela sugere algo: que as lTl\lih!res são o
vetor principal de fecharrento dos pátios sobre si rresnos, suas principais ti-
tulares e controla:ioras. Dizer que o tacho de ferro era "do pessoal do Yir~-
to-ro" ~ i a dizer que ele era da Arad2""hi. ..
307
i
__ JJ
-
Cíli.c.aw, ... c..., ~ 9JJí ,.,.....,...._.,._.., .....wa.,..,....,....,
tudo ficar como estava, até que ele começasse; ai, todos, i.e. ca
Antes desse dia, várias famllias já haviam saido para tirar mel;
!
quando outros estavam nessa posição. E ele, por sua vez, era lí-
),
.., 1,
.
: ' der de caçadas mais freqlientemente que os demais. Tudo indica,ai~
1 1
da, que caberia a este homem o movimento inicial para a dispersão
das chuvas. Não obstante, no inverno de 1983, quando nem ele nem
1
Mas na verdade, o âmbito das atividades em que Y~rinato - ro
1
agia formalmente corno tenetãmõ da aldeia era mínimo. Só fui desce
308
entre si
brir que ele era "isso" quando aprendi a palavra e a função: an-
tes, jamais suspeitei de qualquer eminência especial de sua parte.
Sempre tive muita dificuldade em transmitir aos Araweté a idéia
de chefia; não consegui descobrir o verbo equivalente a "mandarn.
A noção mais próxima era a de mo-ka'~k;, literalmente "fazer pen-
sar", i.e. convencer, lembrar, sugerir, conscientizar. E, quando
eu por exemplo queria explicar qual a natureza da relação entre o
chefe do Posto e o mítico Chefe da Ajudância da FUNAI em Altamira,
o homem "senhor das espingardas", que as "dava" ao chefe do P.I.,
tinha que recorrer à palavra "tenet~mÕ" - e ai os Araweté "enten-
diam": "ah, sim, ele então anda na frente, quando ele e o Eliezer
(chefe do P.I.) vão caçar ... " A forma morowl'hª, o cognato Arawe-
i
1 té do morubi~aba Tupinambã, significa apenas "velho, adulto,gran-
de". Possui uma conotação de autoridade, mas abstrata - não se é
morowl'h~ de alguém, grupo ou pessoa. os velhos sabem, são gente
de saber (me•~ k~ã hã), e não têm medo-vergonha. Mas nem por isso
sao tenet~mõ (embora o não ter medo-vergonha seja um dos atribu -
tos dessa posição) de qualquer empresa coletiva, qua morowl'hã 21 .
309
araweté; os deuses canibais
das não dispfitarn nada, isto é, não são grupos políticos voltados
çoes de tipo familia extensa, que são parte desses setores maio -
310
entre si
(22) Sua esposa, Ar~hi, seria ccnsiderada a tenetãmõ das nulheres, erquarr
to o marido o seria de toaos os residentes. Ara~hi tan, de fato, alguna as-
cendência sobre a aldeia, mas mmca a vi "liderar" nenhuma atividade feminina
global - o que pode-se dever ao fato de que, ao contrário das caçadas mas~
nas, não existe contexto em que as mulheres ajam coletivwente. Ela não era'
um pSlo de contágio especialmente forte, tanpou=. Não obstante, e aF€Sar de
seu tenperarrento algo -volátil e sua Ungua afiada, era resi;eitada, além de
ser capaz de pôr uma quantidade de "filhas" para lhe ajudar em tarefas o:no
tecelagem, det:o.1h::> de rnilh:i, etc.
311
1
_ __J]
araweté: os deuses canibais
tular, o homem mais velho (ou casal). Este homem é quem seleciona
o'ipi hã, aquele que faz a broca do mato baixo, indicando assim
quais as árvores que serao tombadas. Apenas após essa broca e ma~
mulher plan~ou.
em um espaço que ele abriu ou marcou, e que foi derrubado por sua
familia extensa. Toda aldeia é, assim, uma ex-roça (ka pe) de uma
312
'
1
L . -~,-..____
T entre si
aldeia nova. Por outro lado, o tã nã, tanto quanto eu saiba, nao
dispõe de nenhuma "propriedade" sobre o solo aldeão: não determi-
na onde as famílias erguerão suas casas, onde farão suas roças
não é responsável por espaços "comunais" (que não existem), nao
coordena trabalhos públicos. o nome pomposo de "senhor da aldeia"
parece corresponder a quase nada. Houve aldeias, por fim, em que
a posição de tã nã não correspondia à de tenetªmõ para as expedi-
ções coletivas, dispersão das chuvas, etc. Os exemplos que tenho'
indicam que foram casos em que o tã nã era homem jã bem velho, e
que o tenetãmõ era um dos tã nupª nã hã, um de seus filhos ou ge~
rosque derrubaram a mata 23 .
313
araweté: os deuses canibais
1
!
(24) Tudo sugere que, assim cerro para outros- grupos amazônicos, a posição de
"chefia", entre 'os Ara~té, resulta da superposição de oertos papéis, a:(TO os
de xamã, guerreiro, líder de família extensa, e de uma disposição particular
de :i:;ersonalidade; nenhum fator, por si só, é suficiente para determinar a che
fia, que aparece assim caro uma espécie de foco de oondensação de atributos, e
não caro uma posição fonna.l preenchida por critérios mecânioos. Ve:r: o estudo
de Kracke, 1978, sobre a chefia Kagwahiv-Parintintin; Wagley, 1977:118-124, S_Q
bre a ação o::,letiva Tapirapé, que registra o '\problema de se tonarem decisões"
devido ao "extrerro igualitarisrro" do ethos tribal. Cada grupo darestioo era ~
ma facção, diz ele. Virgínia Vala.dão (can.:i:;essoal) observa a mesma canbinação
"politética" de atributos para a chefia Tenbé. Ver também: Basso, 1973: 107 ,
114, 124, scç,re a liderança Kalapalo; Riviere, 1984: 27-8, passim, sobre os~
vos da Guiana; Jackson, 1983: 65-8, sobre os 'I\Jkaro (para o esquema ideológioo
'I\lkano tradicional-iqeal, onde há uma "função" de chefe,v. C.Hugh-Jones,1979).
314
J
entre si
Como jã indiquei antes, porém, elas não sao nomeadas por seus che
fes, mas pelos mortos que lá ficaram (e antes disso, por aciden-
li
'
1
pertença a elas não parece ter sido forte (supra, pps.177-ss); o
toda forma, a tendência que emerge é urna em que, assim como o gr~
315
,.L
araweté: os deuses canibais
Iguallrente, as aldeias Araweté parecem ter variaoo (do ponto de vista 0!_
( 2 5 )
3 1 6
~
1
entre si
afinal quem canta são os deuses, não os xamãs ... - os cantos dos
·1
xamas que o haviam precedido, e ao mesmo tempo parecia conferir '
onde emana a fala que concerne a todos, não é um centro para onde
(26) C.cm a notável exceção dei grupo de casas 26-32, que abriga um core--group
de irnãos, nenhum deles xamã atuante. Este setor (I, folha 1 das genealogias)
é o rrenos integrado da aldeia, dividindo suas alianças e freqüentações entre'
os setores II e III, ambos f o ~ por familias extensas bi-geracionais (o
III é o de Yirlna~ro), cada uma cem um xamã atuante.
Eis então que muitas das decisões das seções residenciais Arawet~
317
araweté: os deuses canibais
isso. E os ten e tª-mõ das. expedições de guerra são sempre morop? 1 hª-·
O cantador-matador das danças, marak~y, é o caso exemplar da fig~
ra do líder, daquele que "ergue consigo os outros", erguendo-se '
primeiro.
Ele está em contraste forte com o xama. Cada noite pode co~
i.
portar vários sólos xamanisticos, simultâneos ou consecutivos, i~
318
l.-1•-·--- ---
entre si
dos Kaapor, dos Wayãpi; e dos grupos guianeses, dos Tukano ... Ver
irente(três, e mais sua "filha" Marla-h:i., que IIOra ro rresno pátio - casa 26 -
mas que fonna outra unidade de roça), e o maior núrrero de "genros", em geral,
dispersos pela aldeia.
319
araweté: os deuses canibais
1'
zação cerimonial.
320
l
entre si
dos cada vez mais largos), que vai do menos fermentado e mais subs
seja:
água que o kãyi_, e portanto rende mais panelas. Este cauim deve
ser mexido antes de tomar, para que a massa (hatil entre em sus -
pensão; uma parte dela é comida antes. O cauim doce, de baixa fer
mentação, pode ser preparado informalmente, para consumo de uma
vidar alguém. Ou pode ser fabricado por toda a aldeia, como parte
321
l -
=
araweté : os deuses canibais
322
J
entre si
(29) Se o milho ainda está nuito verde, faz-se, em vez da mepi, a farinha pro-
prianente dita, ab)Qei_ ~•-e, de milb) pilado cru e dep:iis torram. Esta farinha
é ben mais iinida que a mep'i-_, pode.rukl ser ronsurnida pura (erquanto a primeira
é 5all)re acaipanhame.nto de algo) .
final desta tarde, cada mulher vai ao pátio dos donos do milho e
bem farinha).
323
araweté: os deuses canibais
lho, que ficam assim em posição mediana. Esta fila deve estar ex~
,. ,
jf.
tamente ajustada aos primeiros raios do sol; nenhuma casa deve fa
das casas que circundam este pátio. Ninguém está decorado, e mui-
324
Nesta volta ritmada ao redor das panelas, o xamã pode ser
das pausas para fumar e tomar fôlego - o xamã vira-se de costas '
roens, mas dos deuses. Além disso, não convém ficar muito perto das
panelas - os deuses estão lá, atropelando-se à volta do cauim, em
purram o xamã, bebem, cantam e se divertem.
325
T
.,
31
fechar o corpo da criança As mulheres, objeto da "benção" ou
(31) Essas operações terapêuticas, bem a:Jl'O os cantos xamanlstiros, serão des-
critos no Capitulo VI.
o canto do xamã como ... a impressão que eu tinha era a de uma des
O xamã inicia então sua volta para casa, no mesmo estilo com
326
entre si
pátio central, abre sua panela, e grita para que todos venham. Rã
nos não dura mais que uma hora. Acabou-se a festa. O dono do mi-
lho, então, convoca todos os homens para urna caçada coletiva; ele
namo pire. Na verdade, sua família poderá passar vários dias sem
ri kã) do cauirn.
meirc1 "não é tão boa" quanto a segunda, pois nela "não se dança".
327
araweté: os deuses canibais
cauirn não fermenta 32 . O homem sai menos para caçar, e vai todo dia
(32) O mesrro se dá na fabricação d:> cauim doce, mas que dura só uma IX)ite. As
nu1heres rrenstruadas rm podsn mastigar o cauim, e se a dona d:) milh:> tem suas
regras durante a fabricação d:> ~•; 'da ela pede a uma irmã. para substituí- la
tarp:,rariarente. Em julh:> de 1981 um grame cauim, já pranto, foi tcd.::, jogado
fora, porque sua d::>na abortou. "M.rl.to sangue oo cauim", disseram; ele não pr~
tava mais.
328
- entre si
festa vai à casa do cantador, levando duas cuias com a bebida se-
329
ba
- '
araweté : os deuses canibais
do esses acampamentos para cada vez mais perto da aldeia. Uma tar
turado e pronto. Exatamente COll'O o xamã do cauim doce faz com o's ~
mininos" Araweté. Toda música Araweté vem dos deuses ou dos inimi
gos mortos, e só quem pode ser o "autor" dessa voz do Outro são•
330
entre si
(34) E t.ambérn para aproveitar a ausência dos maridos e "cercar" al.gma mulher
que deseje. l>Jrante o ~•; mo-ra as Itt1lheres atingem un alto estado de estiltu-
1.açâo (verbal) erótica nútua, e, CD1D o dom do cauim está sob interdito se-
xual,, "caem" sdJre os pouoos hanens restantes. O tema das ocnvezsas e brincade.!_
ras femininas, nesse periooo, gira seipre e11 torno de metáforas e analogias ~
sociarm o cauim e o sâren: numa ocasioo em que eu e mais dois hanens fiamos
na aldeia, as noças batiam às nossas portas traze.lDo cuias, e pedindo para en-
chê-las cem rx>SSO sênem (ver adiante) .
331
araweté: os deuses canibais
não pode ser o xamã 35 que traz os deuses; seu papel aqui é o de
(35) Ou xamâs; toda operação xamanística pxle ser realizada por mais de um
pey!!_ . A diferença é que nos benzimentos de cauim doce, jaboti, mel, etc. , os
xamãs benzem ao mesno tenp> o alimento, eniu,anto no&,~ eles se sucedem, de
UITa roite a outra ou até na mesma noite.
332
entre si
iguais aos dos outros pey~ (o que se dispersa aqui é o daci nahi
we, "coisa-dor de cabeça", que há no cauim). Em suma, o xama ence
na um cauim divino, e funde parcialmente em sua pessoa o lugar de
Mas ele não reproduz um opirah!, ele o descreve: nao canta os su-
postos cantos deste cauim invisivel. Preserva-se assim, mediante
(36) f': possivel, eml:x)ra inprÕprio, haver um festim ooletivo de cauim cbce sem
que se realize um pey~; e o mesno para cnn os jabotis e outros al.inentos. o
censuro a::iletivo de nel e açai, porém, exige um pey~; não obstante, estes pro-
dutos pxl.an ser consumidos privadarrente, o que não sucede cem o cauim alccóll-
a::>, obrigatoriairente coletivo - e p:,rtanto obrigatoriarrente prelibado pelos
deuses.
333
\
L __
arawete: os deuses canibais
la boca dos homens; cada linha é servida por vez. t ponto de hon-
sua esposa. Corno já foi mencionado, nem este, esta e seus filhos
335
araweté: os deuses canibais
e sugere ainda que tomar do cauim bochechado por uma irmã, filha
ou mae é uma espécie de incesto por via oral. Por outro lado, na
medida em que a regra se observa com mais rigor no caso dos pare~
tes que ocupam a mesma seção residencial, ela indica que o cauim
mesma seção que o dono do cauimi e só quem não bebe são aqueles
336
entre si
para caçar - antes como agora, apenas o dono do mingau deve ficar
ritorial, tribo.
De fato, em 1981, quando os Araweté ainda moravam em duas
tos, outros apenas balbuciam frases sem nexo. Quando se está bêb~
do (k~'o), dizem, espigas de milho ficam a girar dian~e dos olhos.
Para alguns, enfim, a cuinagem termina com o heti, uma espécie
de transe furioso em que o dançarino começa a uivar e se debater,
337
araweté : os deuses canibais
taro de pé. O cantador deve resistir, ele precisa cuidar para nao
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338
entre si
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D,. 0 o o 0 o o
d""º
c.•u11M
da
Ã- c.ant.idor O - n1ul~~ro
(38) Léry 1972:91; cardim 1978:104; Abbevi.lle 1975:239, todos CDntrastam a JIO'"
deração e o silêncio Tup:i.nambã durante o o:mer cem os excessos e a cantoria oo
beber {cauirn} , e se surpreendem can a mútua exclusã:> entre o cauim e a ccmida
(para europeus da civilização do vinro à mesa, de fato isso devia saltar aos
olhos}. Beber, fumar, cantar entram em um contexto; o::mer, em outro. o que va-
le destacar aqui . é a oposição latente: bebida+ palavra (canto) X cani.da + s_!
lêncio, que reenvia ao que oonsidero uma polaridade oral básica Tupi-Guarani
cantar X o:mer (cf. supra, WS· 260-1) .
339
araweté: os deuses canibais
dor), e lhe entregam parte da carne rnoqueada trazida por seus ma-
mingau.
Este é o sistema social do milho. Como deverá ter ficadocl:!
MARAKAJ KÃ'!J NÃ
340
-
entre si
(39) seguindo esse paralelisno metaf"ortoo, poder-~ia dizer que as darças no-
turnas que "fazem-quente o cauim", durante sua fabricação e fement.ação, cor -
resporx1em ao de d; mÕ, "ajudar a carpletar" o feto,
p a p e l por outros r e a l i z a d o
além
l n l e n s "genitor
d o principal
s o c i a l " , filho.
f a b r i c a d o r d o
341
araweté: os deuses canibais
pequena não podem ter relações sexuais nem tomar cauim alcoólico:
para a barriga de outra mulher que sua mãe), e com o cauim tomado
vai dos homens para as mulheres, mas o cauim vai das mulheres
que o mastigam, que dele quase não bebem - para os homens. A caui
342
-
........ , . ·-
entre si
de ter a iaéia de farer isso cem os lxrnens. o cauim é uma entidade "feroz" (na
ri hetD , e nisso se aparenta a outros alimentos/seres de ouvi.dos f:in:::>s e vin-,-
gativos: não se p:"Jde falar em xamanisno da anta e éb veado perto da carcaça
do animal a ser "benziéb", ou seu espírito (½ 'o hle) se vinga que.iroandq (hapi,
sapecar, queimar os pêlos, explodir algo pelo fogo) o culpado. A cp::,sição aqui
é: o fermentado degenera em ~ (cauirn) e "apodrece" quem o tema, pois a ba;!:_
riga estufa e explode caro a de um cadáver putrefato; e o ~ degenera em
emissor de fogo, carbonizador, pois a anta e o veado só receban pey9.. quancb
rrcqueados - ver adiante. Há uma série de "audiÇÕes perigosas" na cultura Arawe
té.
o aborto da dona do cauim de 1981, que estragou mingau e festa, foi por sua
vez atribuido à prÕpria fabricação da 1:::ebida: uma coisa "abortou" a CR.ltra. As
343
araweté: os deuses canibais
grávidas não devem preparar o cauirn ácido, pelo meros oos primeiros meses de
gestação, quarrlo ê necessário muito sêmen para ronsolidar o feto, que é uma
ooisa "verde" (não-madura) - da.cf. - e friorenta. A suspensão das relações se-
xuais na fase da fenrentaçãc mataria o feto de frio: inversarrente, a gestação'
dentro da mulher retiraria a força fennentativa do cauim nas panelas. A ~
oo cauim, é um ser "fecurrl3.nte", não um "fecundado" - salivante, não insemina-
do.
As rren.struadas não J;X)den mastigar o cauim i;orque seu sangue também contagi~
ria a bebida, e isto teria o mesm:, efeito sobre os lxmms que se eles houves-
sem oop.llado a::m ela (a:rn uma menstruada): a norte i;or ha'i~, ooen;:a causada'
p:>r ccntãgios sexuais perigosos.
344
-~-----
entre si
bial: "o suco da mandioca nos mata de verdade; o milho não". Exis
(41) Os Tapirapé, que não usam o cauim alooólioo, mas apenas o "doce" (levenen
te ferrrentaoo), possuan oo entanto um equivalente desta bebida rrortal: é o
kawió, o "cauim ruim", que provoca vâni.tos violentos, e que é aàmi.ni.strado co-
rro purgativo-purificador para os matadores de feiticeiros. Ele é o foco, igua!
mente, de uma ceriJrônia de redistribuição eo::n:.mica, onde as pessoas que o be-
bem - situação "humilhante" - têm o direito de receberem bens dos que se abs-
tãn. Há dúvida sobre se o kat,n,Ó seria feito de milh:::i ou de mandioca brava, Cf.
Wagley, 1977: 75-77. Os Araweté só reaJrda:m um caso de administração de ti~,
há muitos aros atrás.
345
araweté: os deuses canibais
o leite é "o cauim das crianças". Por isso, os pais de crianças '
chár·o corpo", pelos xamãs, para que eles possam tomar cauim, ou
1
de estimação) com comida previamente mastigadas por elas - como o
me; e em vez de nos "inchar", ele nos "alisa" (mo-kawg) por den-
346
_ ___J
entre si
der porque foi durante urna cauinagem que os homens foram transfor
Nã-Ma1!:
(43) A "força regressiva" do cauim [Ode ser 1ndiretanente o:in.statada l'X) trata-
mento "infantil" a que estão suhretidos os dançar:in:::>s - a.l.1nentados pelas 1ml -
pey9_ do cauim doce, "porque não se ia caçar". De fato, vai ... se ca-
347
araweté: os deuses canibais
(44) Não há um t.e:mo Araweté esr:;:ecifiro para "fementar". A raiz 'da significa
"azedo", "amargo", "ferrrentado" e "alcoólloo". "Fenrentar" o cau:iln se diz mo-
-ra, "fazer-azedo". Erquanto processo, a fenoontação é um "ferver" ou "torbtr
lhar": i-pip~, fama que constrói tarrbêm o verl;o "rozinhar" (cem água) :mo-pip_:?:
Por sua particularidade de ferver san fogo, a fenrentaçã:> éb cau.im se apro-
xjJlla, de uma outra água nágica Araweté; aquela da "bacia das almas" oo l!lllruX>
celeste, depressões circulares de pedra (SaTelhantes àquelas em que os peixes
ficam presos na estação seca e são ll'Crtos a timl:x5) oro.e torbulha uma água efef
vescente na qual os rrortos são postos a reviver, trocand:, de pele,
"Digerir" é tarrbêm um verl::o geral, mo-yawI, "fazer passar", cx:rro passa uma
nuvem no céu, urna dor de cabeça, etc. F.ste verl::o pode ser usaéb no sentiéb de
"voltar a si", reviver, caro si.nô-nino de iper~y; o Senhor dos urubus sopra oo
rosto das almas r~chegadas ao céu, "to mo-yaJ,Ji", para despertá-las.
Já se deve ter rotado que uma série de atividades cerim:miais ligadas ao m!
lho atribuem à ação humana um p:x]er causativo sobre os processos a que este~
getal está sujeito, natural ou artificialrrente: a dispersão das chuvas "faz a-
madurecer" o milho; as danças "fazem esquentar o cauim"; a caçada "faz azedar"
o cauiro. Essa idéia, expressa no uso sistemático do prefb!o causativo mo-, su-
gere que o milho ten algo de ser animado ou consciente: não só o cau.im tem ou-
vicbs, caro já nencionei, mas os grãos de milho, plantaébs, gritam (yapok§J) P.:.
la chuva.
KÃ 'l IDA
348
entre si
que parece estar implicito é urna associação entre essa caçada ce-
ria ki'; pepi_ kã, "em troca de", "como equivalente do" cauirn -,i~
349
• 1
araweté : os deuses canibais
(45) caro sejam: a "dança das cabeças" Parintintin (Kracke, 1978: 45), o y(Jb)O!
si Kayabi (Grilnberg, 1970: 169-ss.). A cauinagan Kaap;>r (Huxley, 1963: 124-6 )
parece ter sido antes um rreio de celebrar a paz que de carerorar a guerra. A
cauinagem Sh1.paya é especla!Irente interessante, por estar dissociada do camb!:
liSl!O, praticado pelo grup:,, estarxki en contrapartida ligada à vinda das almas
dos rrortos para beber (Nirouen:iaju, 1981: 22-3, 32-37). A vinda dos rrortos para
o cauim é central no caso Shipaya, erquanto para os Araweté é = nanento ante-
rior à festa, cujo contexto é guerreira e "carú.bal". De toda fOTil\a,registre-se
que apenas os Arawet.é, dos TUpi-Guarani atuais, apresentam essa vinda dos rror-
tos para cauinarem, e nisso se aproximam dos antigos Shipaya, Juruna e Takuny~
pé, maís que dos Tupi-GUarani próprios. A cauinagan G..larani atual está disso -
ciada de qualquer inplicação guerreira e, na nedida em que se pode distingui -
- la do "batisrro do milho" , parece depender de II0Ilifestações místico-oníricas '
iooividuais, canaroadas em seguida pelo xamã, nas q u a i s ~ são daOOs a in-
diVÍd.1Ds, e então cantados pelo gnip:> (Nimuendaju, 1978: 95-ss. Para os Kayo-
vá, ver Me.liâ, F.& G. Grünberg, 1976: 241-ss.).
(46) Un terna clássico cbs Tupinambá (cardim, 1978: 27; 'Ihevet, 1953: 156), a
que retorna.raros (e também dos Bororo) . os Araweté, ao oontrârio dos TUpi.r1arnbá
(Staden, 1974: 84) e, por exenplo, cbs Txicão (M:mget, 1977: 156), não pensa -
vam no inimigo caro um "animal de estimação", e sim cot0 caça norta; certamen-
350
entre si
(47) A idéia de que o mel é wn alimento cru (w-i, que significa tambén sangue )
só pÔ:le ser deduzida iirli.retarrente, quanà::> eu notava os Araweté observam.o os
brancos a ferver o rrel para estabilizá-lo. Eles diziam: "mas o mel noo carece
de ser =zido ... " Não sei se o mel é classificam o:m:i vegetal (mno generali-
za Lévi-Strauss, 1967b: 27-8}; ele parece ser uma categoria única, para os ~
weté.
mel pode servir de "tempero" '(ãhi) para bebidas como o açaí, en-
é doce corno a vagina. Comer mel nos "amolece" (mo-tim~) como uma
351
araweté: os deuses canibais
(48) confome a fOD!a tradicional de designar o gênero feminin::> por seu sexo :
hanÊ_, vagina. Assim, se eu perguntava por que fular:o e sicram brigaram, a ~
p:>sta era: "han~ ne", por causa de nulher. O penchant rabelaisiano dos Araweté
recorre a outras metáforas para as vaginas da aldeia, o:mfonne sua "aparência'~
mas os nares de méis são os mais usados, e definem o gosto ou efeito delas so-
bre o l:x:rnem.
A talvez universal asscx::iaçâ) oo nel cem a sexualidade, explorada por Lévi-
-Strauss (1967a), fica esi:ectalmente patente oo caso dos tab..1s alimentares Pa-
rintintin, onde o rcel é o único al..imanto cujos efeitos malign;,s passam entre
cônjuges, oo através de relação sexual (Kracke, 1981: ll7) - e:rx:ruanto que ~
tros alimentos, por assim dizer, seguan a linha do sémen, visto que os tabus '
definem o circulo dos parentes de substâhcia, não afins - e a substância de ~
rentesoo Tupi-Glarani é o sênen. A associação sin-ples mal-sêmen, ap::mtada por
Kracke (op.cit.: 121-2), parece-ma mascarar a natureza "feminina" do rrel - na
l!Edida em que a nulher é (nos Tupi e quase saipre alhures) o gênero sexualmim-
te marcado. Para o valor do nel oo pensamento Suyâ, onde ele tem a curiosa ~
priedade de ser sírnbolo de si ver 5eeger, 1981: 222-3; a "ibçura" do se
ine.szro,
352
~---------- J
entre si
353
araweté: os deuses canibais
( 50} Não se faz xamanismJ ou refeição coletiva de açai sem tenpero o::rn rnel;mas
a reciproca noo é verdadeira.
354
entrem
51
demais visitações de deuses e mortos .
(51} Exceto pelo perigo envolvido oo xamanisrro do nel (piro ou o::m açaí), que
não é aliás maior que o dos benzimentos dos jatotis, da anta e do veado, os
Araweté não pareoem destacar. de JlOOO especial essa oerilrÕnia. Nos diários de
João Carvalho (Carva.1..n), 197"7) , no entanto, este sertanista registra que foi
durante a "Festa do Mâ!l" que se processou, em outubro de 1977, uma troca geral
de cônjuges da aldeia, e que isso ·não era fortuito. Para miro, os Araweté nega-
ram qualquer o:mexão necessária entre uma coisa e outra: o noviment.o registra-
oo por CarvallD teria sido devioo a uma recarposiçâo de relaçÕes oonjugais, a-
pós as 11Drtes da ép:ica do contato.
ses casos {quando o teneti!nõ não é xamã) deverá ser algum homem'
de sua seção residencial.
355
araweté: os deuses canibais
(52) Toda vez que um xanã sonha a::m esta divindade, ou oan as outras onças ce-
lestes, Rã iaz:f_ ou Nã nOüJl '~. deve avisar a toda aldeia de manhã, e espec1a!
nente os pais de crianças pequenas (se estes não ouviram o canto ooturno) ,para
que eles as enplurnem. A plumagem da harpia afasta as ooças que estarão certa -
irente roooanoo a aldeia - pois é isto que o sonho pressagia ou indica. se bem
entemi, esta decoração est.â associada a un bater de asas do ~ho l'!!.' o we, o
"espírito da harpia", que aneltonta as orças.se as orça= paxeoetll ter preferi.!!
eia :i;:elas crianças, a harpia é um animal diferentemente relacianado can a fe -
cundid.ade: :mulheres que canem de sua carne não mais nenstruam, e ficam esté-
reis.
356
...................
-·-- -~--------------
entre si
que precisam ser dispersadas pelo xamã; mas apenas os moqueados '
têm isso, pois elas residem nos cascos. Os jabotis consumidos co-
-
TE. Yt PÃ
-- - -.. ....._,
KtRE.Pf
(c.a'!Vli flko dos
deuses e
Wiodo5)
dí,-et~ dt J.i~pc.r:tã~
d • ., "ílc.c.has" do.s J~boh,
357
araweté: os deuses canibais
f lec.has
~
do w11d
< -E 117
< ~ 1
coc.hos
ol,ri,os do
con, mel
ac.ar,i panu! hto
358
...J.
araweté: os deuses canibais
(53) t€is, jabotis, guaribas, peixes, cau.tm ooce - tudo isso pode ser oonsumi~
do privadamente, sem que o tratamento de neutralização das forças nal.ignas oos
alirrentos seja necessário. Estas só_pareoem ser ativas quando se trat.a de uma
produção e/ou CXJnSUllO ooletivos, que, por sua vez, envolvem descidas de deuses
e rrortos à terra. (E por isso o cauirn alroólloo, que oo ponto de vist.a da ma -
lignidade substantiva, imanente, é menos perigoso que as carnes e os iréis, é
~ benzioo). As razÕes de ordan sócio-teológica prevalecem claramente so-
bre as teorias b.ranatol.Õ:Jicas Araweté; e por isso o "xamanisrro alill'entar", a-
qui, é mui to riais um catpl.exO sacrificial de carensalldade que uma operação to!
gico--nÉdica de enfrentanento dos perigos da Natureza, ao nodo cl.ássim na Ané-
rica ao sul. ver~• p. 257.
360
entre si
/~
Moqueado (Carne)----- Fermentado (Milho)
(55) tesoooheço se as refeições coletivas (can pey!?) de mel puro, sem açai, e-
xigem sua mistura can água, caro se costuma fazer em outras sociedades (Tenet".!_
hara, p. ex. - wagley & Galvão, 1961: 129) .
361
araweté: os deuses canibais
(C) Conclusões
362
entre si
dividir, de separar seu corpo de sua alma, o xamã tem urna afinid~
de secreta com os mortos. E seu lugar nas cerimônias do pey~ é e~
sencialmente ambíguo: ele "representa" ao mesmo tempo a comunida-
363
araweté: os deuses canibais
raweté: que seus "ideais de Pessoa" reflitam o que eles nao sao
te, nem por isso deixam de existir. Aqui se coloca então o tema•
364
entre si
365
araweté: os deuses canibais
rado p.ex. à aliança obliqua) é esse: mais que algo que se troca,
366
entre si
casamentos obliquos.
estão embutidos nos tecnônimos de seus pais, e ali não sofrem re~
367
araweté : os deuses canibais
tos podem interpelar o xamã por seu nome, que assim se "auto-no-
(56) "O que é que é seu, roas que quem usa são os outros? - Seu rare". Assim
prq:,.mha uma velha charada infantil de que rre lembro. E que se aplica a:rn lllli-
to mais rigor no caso Araweté, onde quan usa o "seu" rx::me são os outros, e E!'II
portará (herek~, trazer, portar) até que lhe nasça o primeiro fi-
(57} Cnie pih§. se analisa an pi-hã, "que reside junto a", foma que conhece o
pretérito pi he re, "eic-ccrrpanheiro" (de fulana), base de alguns rores pes-
soais vigentes.
368
entre si
íl
j.
"joga fora" (hetjJ seus nomes de infância e muda (hertwã:
l
.,
rença pelos diferentes momentos e movimentos de cada sexo no rom-
369
araweté : os deuses canibais
(58) Elrbora a expressão "he pih[i_" possa ser usada para designar o cônjuge, in
deperrlenterrente de sexo, os hcrnens raramente a usam. E as mulheres nunca sao
referidas tecrnurnicanente caro pi~ de seus maridos. As formas "esposa" (he
miyik~) e "esp,so" (hereki) de X ou Y só são usadas <XIID descritivos de pa-
rentescq, mmca crno tec:nônirrcs, Le., crno nanes pessoais.
Assim, por exemplo, Payik~ passou, após seu casamento com Moreh~,
y~- hi-pih~.
mens, enquanto a forma "pai de Y" tende a ser usada por mulheres
queles rapazes que, por ainda não terem filhos, na aldeia podiam
ser chamados pelo nome de infância. Igualmente, quando um homem
370
entre si
roens se faz através das mulheres - e isso não conota apenas, se-
(59) Un filln, porén, janais chama seu genitor de "o:::rnpanhei.ro da (mãe)"; usa
senpre o vocativo papª1f e o terno de referência he ro, ou o nare do pai da
forma "pai de X". Já o marido da mãe, não geni tor, pode ser ~ITe3.do da forma
iUlterior, JTeS!JD que seja um FB de Ego, conforne o costume do levirato. M3.s ain
da aqui a ten1ência é se usarem, cxrro vcicativos, tenros de parentesco, na:, oo-
nes pessoais. O pai (social) e a mãe são as pessoas meJXlS freqüenterrente desi.9:.
nadas por rx:mes pessoais, sen que haja a1 qualquer interdito.
Note-se, por fim, que a forma pih~ não reflete a situação residen
cial real ou atual dos assim nomeados: o rapaz que leva a esposa
riam sidc gerados por outros homens, ou nos quais sua colaboração
371
araweté: os deuses canibais
l
da nao haviam tido filhos próprios e que, casando-se por exem -
plo com viúvas em estado de gravidez avançada ou com filhos de
peito, "ergueram-seguraram" (hop!) a criança ou a "fizeram cres
cer" (mo-hi). Por outro lado, também é comum se formarem tecnõni-
mos masculinos por derivação de tecnônimos femininos construidos'
a partir de filhos há muito mortos e que o marido atual sequer
chegou a conhecer. Finalmente, os casamentos sucessivos, por viu
vez ou divórcio, podem levar à acumulação diferencial, não-transi
tiva, de tecnônimos gerados pelo nascimento de filhos. Assim, por
exemplo, o homem Tayop!-ro é o mesmo Taran!-no,mas as mulheres
Tayop!-hi e Tarani-hi são distintas, esposas sucessivas que teve,
e nas quais gerou Tayop! e TaranI 60 .
(60) E assim as situa:;ões rnninais são Imito caiplexas, não permitindo que se
deduzam ccnexões genealÕgicas reais (ou alegadas) da tecnonimia. Por exerrplo :
o chefe da aldeia, Y:iriíiate-ro, "pai de Y:irmate", casou-se can a viúva A r ~
hi, "mãe de Ar~". Arade, criança norta muito antes desse casarrento, foi "fe!
ta" pelo finaà:> ~ r o . Y:irliíate-ro pode porém ser designado a:tro Arade-= ,
já que é marido de Ar~hi. Pode ai.roa ser chanado de Yirmat:Q-hi-p~, Ara-
~hi-p~. Sucede que sua filha con Ar~hi, Yn-mat:2 - que o chama de "pai",
o:insideran:b--o a:no tal para todos os efeitos -, é tida r;ela opinião geral , e
tacitarrEnte p:ir Yirinate-ro, a:tro fruto da serrente de dois outros h::nens, um
vivo e outro já falecido, a quern ela tarrbém chama de "pai". são estas o:mexoes
agnãticas genéticas que são levadas em o:mta, no cálculo matriro:nial, apesar
da irenina chamar de "imã:::>" a h::nens que p::::derão ser seus futuros maridos,pos-
to que ela o faz a partir do rea:rlleciJrento do Yiririate-ro a:tro "pai". Este r:e_
llB1l e Arade-hi têm outra filha, ArarI:nã,-kãnJ;., sobre cuja paternidade não há dg_
vidas; não oootante, essa nenina (i.e. seu nane) não é usaoo a:m:i tecn5nirro
dos pais, correntanente. O que a te~nimia consagra, a rigor, é a posição de
pater, não a de genitor. Se um hcrran p:::de receber um tecooni.no segrmdo um fi-
lb::i que não "fez", em troca não será referido pelo ncrre de um que fez, mas cu-
ja mãe residia a:m outro harem. 0:nl:x.ira de maneira meros clara, a tecnonimia
feminina consagra a "mãe-nutriz" , oo lado da "mãe-matriz Assim é que, quarrlo
11 •
372
entre si
velha. Esta, anb:Jra não pudesse am:nrentar a irenina (o que foi feito p::>r vá -
rias mulheres da aldeia), tarou-a a seu encargo. Em alguns rreses Nã-~-hi co-
rreçou. a ser chamada de Awar2_-hi, em parte cnro crítica velada ( ... ) ao pai de
Awar~ (Awar~-ro) e à rx:roa eSp?sa deste, que se "encostaram" na velha senh::>ra
para cuidar da criança. Mas esta "lx::l!onímia" (pois a finada =ntim:au a ser ~
nhecida, entre outros tecnôninos, cnro ~ - h i ) provavelrrente se consolidará'
IX) futuro, crno em outros casos serrelhantes que tive de desanbrulhar nas g ~
logias.
(61) caro se diz oo prim::::,gênito oo casal (cf. ~ ) . Mas este filho, ou seu
ncme, podal\ ser alt.ernativamante referidos por uma cláusula terrporal. Assim ,
por exaiplo, a rm.tl.her Iap.!_i-hl, cuja mãe é chamada de Mar.!-_a-hi, é designada =
no "Maria-hi me he re", que se pcrleria glosar por: "cquela do terrp:) em que Ma-
rl.a-hi passou a ser chamada assim" - pois seu n:::me de infância é Maria.
373
araweté: os deuses canibais
pais - que também podem escolher por conta própria o nome - sem-
eia dos adultos vivos, "jogados fora"~ eles não podem ser dados
dito", ou de um morto.
tório fechado).
to há tempos, e que a escolha de seu nome foi feita com esta in-
tenção explícita - mesmo que, em sua forma, o nome remeta aos "no
374
entre si
minador dos pais (um primogênito nunca é nomeado pelos pais, que,
pônimo pode bem ser uma criança que morreu sem deixar descenden -
tes.
de nomes. Ele não parece ter urna intenção mais que afetivo-comem~
(62) Se a criança, crescenoo, lenbrar de algum nodo alguém rrorto, nao há por-
que ser necessarianente seu ep::inirro. As sarelhanças can os rrortos, especial!ne!!
te a:::ttpOrtarrentais, são muito ooservadas, e servem de base a apelidos joo:isos ,
a crian,-a serro chamada pelo rnre (de infância ou de adulto) &:, rrorto-m:::delo .
Por outro lado, se a criança recebeu o nane de infância de um adulto, p::,a-se,
tanoon jcx:osamente, chamá-la F810 tecnônirro de seu ipihª ("pai de fulaoo"). O
que isto Íllplicaria - que seu filh::J receberá o nare &:, fillxl do epSnino - nao
se verifica nas genealogias, e não se fonnam ciclos ní tioos de rores.
que se repoe é o nome, que entre os Araweté tem uma função de in-
375
araweté: os deuses canibais
mal chegou a usar o nome. Por fim, não é incomum que um nominador
mais pode dar seu nome ao nomeado, posto que ambos são vivos.
376
l ---
entre si
ainda, o direito que tem um casal a usar este nome como tecnônimo
abriga nomes que os Araweté não sabem traduzir, i.e. que são "ap!:_
de qualidades ("vermelho", 11
único"), e até termos de parentesco
377
araweté: os deuses canibais
378
:l
l.
1
-------
entre si
379
araweté: os deuses canibais
l
~ 64
te . Os nomes pessoais, portanto, nao precisam ser derivados de
380
___J
entre si
38]
araweté: os deuses canibais
(65) Estes sufixos se aparentam, assim, aos -orua e ~ Krahó (carneiro da cu-
nha, 1978: 75).
tral", sem que isso indique qual o conjunto semãntico a que o no-
(se fala ou se dá) o próprio nome; dois vivos não podem portar o
mesmo nome.
382
entre si
seus "ep6nimos" - mesmo porque muitos desses nomes não são retira
chamarem" entre si, os Araweté estão, mais uma vez - e aqui radi-
383
araweté: os deuses canibais
(66) Urra distinção que, nen por necessitar maiores qualificações, deixa de ser
reencontrada alhures, e talvez constitua urra escolha metafísica geral. Assim,
correntando a análise da pessoa Sarno(Ãfrica) por F. Héritier, Lêvi-Strauss ob
servava justamente essa oposição, entre o sistema Sano, em que nanes e identi
dades vÊID de dentro, e os sistemas dos "caçadores de cabeças tradicionais",
cujo móvel fundamental é a captura de almas e nanes fora da sociedade(L.-Str.,
org., 1977: 7 3) ; suponho que ele esteja se referindo à Indonésia, Melanésia e
aos Jivaro e Mundurucu.
Haveria que construir o sistena de transfonnações entre as oncmásticas (e
teorias o::inexas sobre alma) sul-americanas, de m:xio a se perceberem suas inpl~
cações metafísicas e seu valor estratégia::, para a apreensão das diferentes "to
pologias sociais" envolvidas, o m:xio a::m.:, articulam as relações entre Interior
e Exterior do socius, caro se inscrevem na tenporalidade, o que intentam. o
contraste evocado acima sugere extremos de um continuum que se estende entre
os sistemas Tupinambá, Txicão, Yananarri (e Jivaro, se considerarrros a aquisi
ção de almas caro análoga à de nanes) de um lildo, e os sistemas Tirnbira-Kayap:5
e Tukano do outro. Os casos Bororo e Xavante parecem intermediários.
Já foi exaustivamente descrita a importância fundarrental da execução de
um inimigo na ornnástica Tupinambá - que beneficiava não só o matador, mas urna
quantidade de parentes seus, e que tornava o cativo de guerra um "bem simbÓli
co" a circular entre rrembros do grupo COTO prestação ,matri.rronial ou marca
dor de outras obrigações._ (Ver Mêtraux,1979:142-ss; 1967;_Fernandes, 1963:279;
384
J
1
entre si
ternos de t:nna teória recuperativa da vingança. (E é por isso que Fernandes pr~
cisa tanar a "re-nc.rnação" - ren::minação e renane - caro uma função derivada da
guerra, cujo mSvel seria a vingarça restauradora) . Seria interessante contras
tar essas cadeias de "nanes de guerra" Tupin.ambá can os "name-sets" Jê e Txi
cão, e aproxiná-las dos necrônirros Bororo. Mas há p:_)ucas infonnações sobre o
significado e os critérios de escolha do nome tanado pelo matador - o certo
é que não era um tecnônirro, nem um título. (Não creio, caro faz Fernandes
1970: 212 ~ uma. passagem ambígua de card.im, que as formas honoríficas Abae
té, Morubixaba, etc. cx:xn que eram tratados os matadores renanados fossem os
ocrres pessoa.is adquiridos pela execução de cativo. O repertório variado de no
rres pessoais Tupinarrbá é mencionado em Mâtraux (1979:97, via Abbeville), e cer
tamente inclui nanes dê adultos, logo de matadores . Uma passagem de Staden
(1974: 170) indica que rnnes de avós eram usados para batizar crianças).
Sobre o rito de re-ncminação do matador, Soares de Souza (1971: 323} a
ponta um aspecto crucial - era o próprio matador quem se nareava:
385
araweté: os deuses canibais
quem já matara inimig:>, era o mntexto em que estes nanes eram proferidos e os
feitos de bravura contados e cantados (Jáccrre M:Jnteiro afirma que sarente nes
tas vinhaças caraTDratlvas os ncmes eram proferidos), cem cquela arrogância
verbal que tanto exasperava·os europeus ('lllevet, 1953:92; Anchieta, 1933:129;
CPJB,III:D3), coro os bato,ues labiais eram insígnias de honra que autoriza
vam a díscursar em pÜblico, sendo tanto mais numerosos quanto mais inimigos se
havia matado (HCJB, VIII:409). Conhea!-se o simbolisrro verbal do batoque en
tre os Jê, igualm2nte (Seeger, 1980b:cap.2).
Scbre a escolha -destes rnres: Florestan talvez tenha razão em dizer que
o ncrre tonado pelo "sacrificador" não provinha diretarrente da vítiroa, e era de
livre escolha do matador (1970:311-2); mas vale registrar duas passagens de~
dúeta que ele não cita (CPJB,II:115; Q>JB,III:259), onde se diz claramente
que o rnne tanado era o ncme da vitima. Ainda em favor de outra hipótese le
vantada e descartada por Florestan (1970:311,n.553), uma aproximação destes fa
tos cem os cantos de matador Araweté - onde não há re-:naninação envolvida - ~
deria indicar que era o espírito do m::>rto que re-roreava seu matador .Pois corro
vererros, o sujeito do enunciado do canto de guerra Araweté é o inimigo, e é e
le quan ensina o canto a seu matador. A clássica explicação (Métraux, Flor~
tan) da troca de nanes pós-execução - ela teria o objetivo de proteger o ma~
dor da vingança do m::>rto - parece-me parcial e cx:mtradi tória. A questão era ~
nos a de trocar de rore que a de aà:p.lirir nane novo; e os nanes eram tanados
para causar medo (Staden,1974:170), não por causa do medo. As indicações de
que o nane da vitima era mnferido a uma criança envolvida m rito, entre os
Guarani antigos (Métraux,1979:97, questionadas depois em Métraux,1967:74), bem
ccrro cquelas de Anchieta já referidas, podem fundar hipóteses mais corrplexas
que a de una intenção de "burlar a alma" do rrorto, indubitavelmente presente
em outras ações {cardim,1978: 119-20). Vale a pena, ainda., referir o mstume de
se dar o próprio rone a pessoa que se estimava (F:vreux,1929:244), manifestação
de uma amizade que envolvia tanoon os vocat:i.vos "minha esp::>sa", "rreus dentes"
(e outras partes de Ego), e a partilha do rresrro prato (Q>JB,III:478-9) -uma i~
versão sistemática da inimizade, onde o comer junto sé mudava no =rer o outro,
a doação do próprio naoo em obtenção violenta de um n01e próprio sobre urna P-3:!_
te do outro: sobre "sua cabeça", diziam os cronistas. M::!tonímias elai'.entes.
386
J.
1·
l ..____,. -
'
1
entre si
"rezas" para os Narrleva, onde "não há duas pessoas c:an a mesma reza" (Schaden,
1962:123). (Eln geral, ver: cadogan,1959:39-ss; 1965; Nimuendaju,1978:53-S;Scl'!!_
den,1962:112-3). A cosnolcqia Guarani opera cem uma polaridade radical entre
rare-alrna-canto, de um lado, e oorpcrespectro:-o:rnida, de outro. Nos Tupinambá
Jª se podia ver uma exclusão entre re-nare e canibalisrro - o matador não cania
do inimigo (Gnrlavo,1980:139; Fernarrles,1970:211; -mas ver Métraux,1967:74). E
cerro se viu, havia estreita oonexão entre proferirrent.o do nane, canto (não "re
za", mas canto de guerra), e bebida, tcdas essas coisas "espirituais".
387
L
araweté: os deuses canibais
do caçador Aché, que matou a caça--epSnima para a mae o:mer (Kracke, 1983:25;
P.Clastres,1972:252). Há pouoos dados, por fim, sobre outras onauásticas 1'3;
na maioria delas há moos de infância, quase-apê!lidos, e há trocas de nane par
iniciação pubertária, casarrento, sonho, hanicíclio (Wagley, 1977:142-ss; Griln
berg, 1970:127,136-7; Kracke, 1978:45, Laraia, 1972:81-ss).
388
r entre·si
'389
araweté: os deuses canibais
'i
1
te os temas Jê, a irrp:>rtância da obtenção de nanes "de fora" é
(Lopes da Silva, 1980: 39-ss, 57-9, 120-ss).
considerável
390
.1
entre si
391
araweté: os deuses canibais
(67) Se os Ar~té não se dirigem a nenhum estrangeiro a:xro awi_, isso não~
de que apliquem uma série de apeliébs aos brancos que os visitam, nos quais
o terno czz,Ji_ é usado cnro referência: "inimigo magro", "inimigo da cabeça rrole"
missionário que usava chapéu de feltro) , "inimigo preto", etc. un
(l.llll aw!._,
i;:ortanto, é saipre um oojeto, jamais um interlocutor, um sujeito outro.
392
entre si
vereros logo adiante que é dos ti~, não-parentes, que saem a maioria dos ap!-
hi-pihª, parceiros sexuais.
A forma Araweté para "inimigo", a?Ji, tant,ém é de origem incerta. Peder-se -
-ia BUp:>r uma derivação, consistente, da raiz *aba, banem: *aba ->*~ ~>*aa,~ ->
*awf ->aa,i; mas sucede que já existe um derivado desta pxoto-fo~ no interro-
gativo a?J-ª, "quem?". A possivel raiz que subjazeria às fon,as Tupinambá para
"cunhad:>" e "inimigo" se encontra em Araweté: -owijp, "f:ronteiro", "oposto"
"outro lado". A fOlllla *he :r,owã~ não existe. Não cbstante, um Araweté senpre '
justificava o uso da referência ti~, quarrlo não no sentido min:im:> de "filho
de MB ou FZ", dizeIXlo que a aplicava pozque o assim referido era "do outro la-
do da terra" (i!J_f rowãnã ti hã), i.e. que pertencia a um sub--gnJpo territorial
distinto do seu, e que não havia ligação pertinente de parentesco entre eles.
A noção de til,)ª-• portanto, está associada à idéia de "estrangeiro'', "de outra'
terra".
A tão lerrorada identidade lexical entre "cunhado" e "inimigo" (Huxley,1963:
274; H.Clastres, 1972) parece de fato daronstrável para algmias línguas Tupi-
-Guarani., mas nã6 pm::;a outras. Ela não é necessária, no entanto, para que se
perceba a relação feita pelos Tupi.nanm entre o afim e o inimigo: urna relação,
a:iro se sabe, que não era de identidade, visto que o cx:mplexo do cativeiro
pressupunha a transfonnação do inimigo em afim.
As fonnas cognatas de ~ e amtt~ são nuito difundi.das na sen'ã.ntica. de pa-
rentesco TG. Entre os Parintintin, encontranns amotehe a:::IID designando os pri-
rros cruzados de ambos os sexos, os nerbros da outra rretade exogâmica, e por
fim os índios não-Par:lntintin. E o oognato de di significa, cc:oo em Araweté, "1!:
mão do mesno sexo" (Kracke, 1984b:101). Adianto que não tentarei, nas páginas
que seguem, nenhuma canparação sistenática cano copioso material terminológi-
co TG de que hoje se dispõe; tanp:>uco creio ser Útil retonar a antiga discus -
são de Wagley, Galvão, Philipson, Madbnal.d, etc. sobre o(s) sistema(s) de pa-
rentesco "'fupi-Guarani" (ver Bibliografia).
393
araweté: os deuses canibais
Geração+ 2 (e acima):
(1) Tam§.tJ - FF, MF; qualquer homem que os pais de Ego chamem de
Geração ·+ 1:
(3) To (poss. he ri_) - F. Te'eme é a forma para "finado pain.
(3a) To a; - FB; todo homem que o pai chame de "irmão" (cf.).
(3b) To ar.ii - MH; todo homem que a mãe chame de ap_!no (cf.) ou
herek; a; ("zHw}; todo homem que o pai chame de
(cf. l
O vocativo para todas essas formas é PªPf3.tJ•
(4) Toti - MB; todo homem que a mae chame de "irmão", ou o pai
de tad~'i ("WB"). Voe: he toti.
(5) Ri - M. Poss. he hi.
(Sa) Hi di - MZ; toda mulher que a mae chame de "irmã" (cf.).
(Sb} Hi ami - FW; toda mulher que o pai ~hame de apfhi (cf.}ou de
hayihi ("BW"); toda mulher que a mãe chame de ap!hi-pihª-·
O vocativo para essas três categorias é m~.
(6) Ba«! - FZ; toda mulher que o pai chame de "irmã", ou a mae
de tado'i ("HZ"). Voe: he ya&~-
Geração O:
(7) Anl - B (FS, MS), FBS, MZS; em principio, qualquer homem que
os homens na categoria (3) e as mulheres na categoria (S)ch~
mem de "filho" - homem falando. Z (FD, MD), FBD, MZD; em
394
entre si
da mãe" (totf r:! 'i re), "filho da irmã do pai" {iiaii!!_ memi
l"e >; idem para as primas cruz~das. Aplica-se ainda a qual
395
araweté: os deuses canibais
l
(de homem para mulher), apfno (mulher para homem), que cono-
mos cruzados.
Geração - 1:
(11) Ta'i - S, BS, qualquer homem que um (7) chame de ta'i - ho-
(14) Yi'i - zs, qualquer homem que urna (8) chame de memf - homem
Voe.: he yi'f.
(15) &fp~ - ZD, qualquer mulher que uma {8) chame de memf - homem
(16) Pe'i - BS, BD, qualquer pessoa que um (9) chame de apf - mu-
Geração-2 (e seguintes):
(17) Hããmõnõ - SS, SD, OS, DO; em princípio, qualquer pessoa que
396
L
entre si
(18) Hem1!darU!dq_ - ss, so, os, DD; extensão idêntica a (17) - mu-
lher falando. Idem para os descritivos e vocativos. Os "fi-
designações descritivas.
Geração + 1:
ZHF não recebem designativos, a menos que Ego tenha tido re-
Geração O:
397
araweté: os deuses canibais
(69) Soore o valor das iniciais t- eh-, cf. ~ • p. 184, nota 1. A raiz
desse 1:eillO para "cunhado" se reencontra em Parintintin (itayro 'y o:::no"brother
in law" para h.f. - Kracke, 1978:15)' e em Wayãpi (e-7..aiZo'i cat0 FZS e MBS,cf.
P.Grenand, 1982:103).
398
entre si
Geração - 1:
Voe.: he memitati.
399
araweté: os deuses canibais
400
entre si
terminologia. Uma pessoa sempre diz chamar uma outra de "X" - qlJa!l
401
•••••
araweté: os deuses canibais
,.L'I'' i=
l ~-
o'= =d' ' =~
··l~ 1
·~= ,.,,L 1~= -L 1
T./!L
1
:!,= ··L 1·6=
,k ~fi~~~rS r-Sn r-16~
2. EGO FEMININO
0=6' dt
J . ,
. ~ .~ ,1,.,,
1, li,
i= i- [1- o- ~~,:;ó-
'
: 1
1 {fo)
º ~o
(fo) (fli)
r~ o~◊~◊·~◊~◊
(10) (10) (fO) 11 fS (111) Ho) tt ti 11 li
ºººººººº
(fO) (io) ft fa (to} (O} (fo) (f~
402
entre si
h=o2
4. EGO FEMININO
1 l
6=6.-----b--.-J-~ = ~ 1~o
403
.1
~i;"•-,
araweté : os deuses canibais
71
quanto o de uma ex-esposa O uso das formas em "ex-" se mantém
(71) Já um sogro falecido é he rot.f rem!!_. Quando é um norto que está se diri -
ginoo a um vivo, porém, a situação se inverte. Assim, ~ h i , que chamava
Yiriíia~ro de "sogro", dirigia-se a ele nos cantos xamanlsticos CX110 he rati
pe - já que ela agora estava separada do marido, e cas<K3a no céu cx:m um
Ma{.
O abandono das formas para MB, etc. não é imperativo - embora urna
404
entre si
vel com o termo que Ego lhe aplica. Por sua vez, o sufixo "ex-"
(pe) pode ser usado para caracterizar um mau parente, que nao age
como tal. Não obstante, é possivel usar-se a distinção a;Jam!._ p~
ra distinguir conexões classificatórias via parentesco daquelas
mano da mãe) não deve casar com sua zo, uma FZ com seu BS, um MF
com sua DD, etc. Apenas os kin-types distantes (d; ou ami) seriam
nentemente casáveis.
Isto podería sugerir que o casamento preferencial é o de
405
araweté: os deuses canibais
406
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entre si !
407
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408
entre si•
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409
,•,
assim, dizem, "não nos dispersamos" (tre oh:;; nã). Igualmente, ob-
serva-se uma tendência a se repetirem alianças entre duas parent~
parentesco; não é o cunhado (ZH, BW), que cede um filho para Ego
ou seu filho, mas o sibling (real ou classificatório). Isto não
significa, entretanto, que uma idéia de troca não esteja envolvi-
da: pepf kã, "pagamento" ou "contrapartida" é como se definem es-
tes casamentos. Uma ZD com que Ego casa é o "pagamento" de sua
irmã; um BS é o "pagamento" do irmão; e o mesmo se diz ao definir
410
entre si
(74) Exatamente COIO no caso Parintintin, onde~ se as uniões oblíquas não sao
pe.tmitidas, o ciclo matrin'Onial tem a forma da troca simétrica (primos cruza
dos bilaterais), mas oonoeitualizada cano ciclo curto: ao ceder uma irmã a º!:!
tro harem, F.gc> ganha direito sobre os filhos desta, para cônjuge de seus pr§
prios filhos. A rnninação pelo MB é o narento em que tais cxnpranissos são ~
firmados. Ver Krack.e, 1984b: 113,120,124.
Os paralelos da filosofia matriJroni.al Araweté são claros canos fatos Pi
aroa e Trio (I<aplan,1975: Riviêre,1969). Mas a idéia de que casar cem um prino
cruzado é casar cem o filho de um sibling de UII) dos pais - isto é, que ln par
irmão/irmã reaparece na geração seguinte cato um casal ('Ihanas,1982:90, ~
Riviêre,1984:99, para os Pem:>n) - aproximaria os Araweté mais de Yalman (1967)
e de Riviêre (1969:276) que de ruront e de J.Kaplan (1975:128,194); ~to
? prill'o =uzado seja um "não--parente", um afilll potencial (tiwã), ele é mnoe_!,
tualizado a::no filho de un parente de un dos pais, e não ClCIIO filho de mi afilll
destes. Isto me pareoe derivar da preponderância ideológica do léÇO entre ir
mão e inrià sd:>re o laço entre cunhados, que é sirnbolicanente "desmarcado"_. En
•trel:anto, não me parece que os Araweté levem sua vontade de endogamia (que é
mais de parentela q u e ~ . distinção atualmente iltp)ssível face à existência
de urna só aldeia) aos extrerros e aos artifícios Piaroa e caribe. Eles reconhe
cem a existência da afinidade, mas é cano não lhe cx,nferissem inp:irtância. o
lugar efetivo de corrosão à:> princípio da reciprocidade é a instituição dos
api'.hi-pihã, os amigos sexuais ligados por "anti-afinidade", e não a tecnonirnia
(Kaplan, 1975:cap.VIII) ou a repetição prescritiva de aliança sinétrica, ou
a ficção endogâmica de localidade. Vale rotar que não creio que se possa def!_
nir o sistema matrimonial Ar~té cerro "prescritivo" ou "elementar" (contra
os casos guianeses): a menos se adotamos definição tautológica, os Araweté ~
sam cem seus tiblà (quaisquer), não oan seus afins "dravidiarns" ou "prilros ca
tegoriais" .Um cônjuge smpre é tiwã, mesroo quan:lo parente, não o contrário.
gais entre MB/ZD e FZ/BS "reais" são impróprias,- mas ainda assim
411
araweté: os deuses canibais
freqüentes. Diz-se que uma relação sexual com estes parentes faz
nossa barriga roncar, como quando {se) temos uma relação com uma
irmã - mas isto não é levado muito a sério. o que parece haver,na
do sobrinho para o MB. Tem-se então que essas posições (MB, FZ) e
relação de afinidade.
contudo - que não sei traduzir-, que designa urna união imprópria:
por menos adequados que os com tiwã - no sentido lato deste ter-
412
entre si
algo muito perigoso, que produz efeitos mortais:o ânus dos culpa- i'
(75) Digo "por definição" porque outras situações envolvem "nedo-vergonha" m:!!
porârio e de origem psirolÕgica, não-sociolÕgica. Assim, tooo jovem que vai ~
la pr:imeira vez residir W10rilocalmente sente um pouco disso nos prilleiros tem
pos, face a seus sogros. Mas tal constranginento passa logo, diz-se.
413
-"
araweté: os deuses canibais
; (76) Por ocasião de mia pancadaria oonjugal, o i.xnã:) da m.üher resolveu inter-
1'
V1r, e acabou agredido pela ixnã, cega de raiva. Isto provocou escârda.l.o gene-
ralizado na aldeia, cmprovarxh a fama de "louca" (~ã, "que dá voltas") da
mulher.
Quando a diferença de idades entre B e Z é muit.o grame, a relação se torna
paterrxrmat.ernal. Una inrã adulta chama seu innãozinoo de "filho", e p:,de nes-
rro amanentá-lo.
414
J
entre si
(77) ver capitulo IV, nota 2, sobre o tema 00Sl101ÓgiW do cxnflito H/W.
415
l
araweté : os deuses canibais
Araweté, não importa muito a solução residencial, uma vez que to-
13 delas abertas por mais de uma casa conjugal (ver Apêndice III).
418
entre si
(79) E.stou aqui ta!lanào o pant.o de vísta masculino, i.e. do DH: tanãssenos a
perspectiva feminina, e t.erianos então as 6 associações "virilocais" CX:11D en-
volvemo HFtHM/SW, etc.
A circulação matr:im:mial concreta é 1:Bstante a:nplexa, e ali se b.:isca um e-
quillbrio ou reciprocidade entre as seções envolvidas. Assim, px exenplo,três
famllias extensas trocaram genros durante agosto-setenbro de 1982; da seguinte
forma: O casal 105-66 se divorciou, e a:m isto o hcnen 105 deixaria de fazer
roça junt.o a:rn a mãe da esix>sa e seu marido (72 e 71) . A m:JÇa 66 casou-se o:m
65, que estava solteiro, e trabalhãva. na roça do "i.Dnão" 69, líder da seção :t::!:,
sidencial III. o rapaz 65 passou então para a roça de 72, sua sogra. Rapid.arne!!
te, o banem 69 provídencioo que 105 casasse a:m 106, sua "filha" que estava '
solteira, norarxlo precariarnente (e irrp:roprialrente) em sua casa: assim, houve
l.llla troca explicita entre as casas 25 e 26, titulares de roças plurifamiliares:
trocaram-se genros, entre o casal 69-70 (casa 26). Em seguida, o rapaz 67
saiu da seção VII e foi nnrar uxorilocalnente can 68, filha tambán do l:x:m:m
69 (Yttlna~i:o, chefe da aldeia). Pouco depois, o pai da esposa de 69, que,
ve~, residia o:uo agregaoo junto à filha e o genro, casou-se o:m a menina
136, filha do l1der da seção VII, fonnando a casa 45 (135-136) - embora <GUt
não houvesse una troca clara de força de tral:alho (pois 67 não trabalhava na
roça de seu IB 19, pai de 136, mas na de seu pai 27) , nota-se igua.l.nerlte a c1!_
culação reciproca de haneru. entre seções residenciais. Boa parte da lógica que
preside às ~ i a s da troca de cônjuges que se verificam periodicarrente, e
que afetam sobretudo os jovens casais, se explica por essa tentativa de re-e
quilibrar a força de trabalho entre as seções residenciais.
Apôs um divórcio, o narioo deixa a roça que plantou para a mulher ou os so-
gros: não tem mais nenhum direito sobre seus prooutos.
419
araweté: os deuses canibais
420
entre si
421
araweté: os deuses canibais
- -
(D} A relação ap?hi-pihã: fintando a afinidade
-pihã.
Um matrimônio expõe o casal ao desejo coletivo - especial-
mente a mulher. Tão logo urna menina tornava-se esposa pela primei
i ra vez, passava a ser considerada interessantíssima por homens
! que, até então, a ignoravam. Mesmo uma recomposição matrimonial
422
T
entre si
ap!_hi-pih§_.
cosa, que nao implica nenhuma conotação agressiva; eles 0119.. mo-or:f_,
lheres ligadas por esta relação vao dormir na mesma casa. Na for-
o ap_fno) são também chamados de tori_ pã: "o que contém a alegria",
423
araweté: os deuses canibais
"levar para tirar mel", "levar para o mato" são metáforas que ca-
vo era esse: "sim, pois ele a levou para o mato em tal ocasião" .
Isto marca a relação como orientada - é o homem que "leva" a mu-
esposo e esposa, mas entre apfhi e apf!.no; não envolve um, mas
dois casais. E esta '' lua de mel" corresponde de fato a duas luna-
424
entre si
(80) Ver supra, pps. 352-ss. A noção de "vulva gorda" se reencontra nos Siri~
no (Holmberg, 1969: 162) , onde aliás a função social e siml::õl.ica do rrel é cen-
tral - deixei de registrá-la anterionnente. O rrel é a base do "cauim ala::ôli-
oo" Siriono, única cerim:mia cnletiva deste povo, e ocasião de cantos agress2:_
vos; apenas adultos a:m fillDs, apSs uma escarificação cerim:mial, tanavam ~
te nesta Festa do 11=1, que marcava o acesso a o ~ de aldulto - o que ms
rarete ao cauim Tup.i.nambá; ver oota 66 , ~ p. 385 . (Hol.mbe.rg, 1969:92 -
ss., 220-ss.).
(81) Difícil caracterizar esse sentimento, essa "alegria" que não tem uma ex-
pressão clara em p::,rtuguês - onde não existe mi antõniI!o de "ciúme". "Ciúrre" ,
em Araweté, pode ser expresso de m::x:b indireto, pelo verbo m~ 'e, que se traduz
o:uo "guardar para si", "convencer alguém a na.o se relacionar a outrem"; ou~
lo veroo ha.ihf_ - p::isslvel oognato do Tupinarobá -ausuh-, "amar" (Lenos Barbosa,
1956:37, 139) -, mas que em Araweté oonota zelo excessivo pelo que se tem, re-
cusa a partilhar alg::i que se encarece. Ciúme é avareza, no =ntexto legÍtino '
da relação .real ou p:)tencial entre. ap!Jii-pi~.
425
1
araweté: os deuses canibais
tual de mutualidade.
-se associar para pilar milho, etc.), mas sim a caça: a coopera -
426
entre si
(82} Cotparar a:m o tenro Parintintin para "incesto", oji 'u: "o.:!rer-se a si
rresm::i" (Kracke, 1984:123, n.4).
usual que dois irmãos reais, que não se podem chamar pelo termo~
uma relação. diãdica, que envolve, a cada vez, apenas dois casais.
427
araweté : os deuses canibais
ativas entre casais jovens e/ou sem filhos. Uma relação encerrada
costuma ser cancelada terminologicamente (ou marcada pelo sufixo
"ex-" , de valor puramente descritivo nesse caso) , ou os termos são
mantidos como vocativos, o que também é mais comum entre homens.
Por fim, uma associaçao de amizade sexual pode ser reativada,apõs
longos periodos de latência.
Embora a relação envolva dois casais, os laços diádicos en-
tre parceiros de mesmo sexo são os mais importantes, e persistem,
428
l
entre si
para os homens.
não duraram mais que um mês, sendo logo substituídas pelas segun-
429
araweté: os deuses canibais
430
entre si
(85) Assim, por exenplo, a relação te.rminolÕgica entre três hcmms da aldeia ,
tal caro justificada p:Jr um deles (39) :
431
11
-~.~-
IUI
.
"•·'""
.
,
"""
......
I'-"
6'º 1,
6
31
mesmo tempo apfno da mãe, não será chamado de "pai" (idem para a
àquele que teve relações com minha mãe, etc.; as relações via o
- seus pais eram amigos, logo eles eram "irmãos", logo seus fi-
Ego, seus filhos de outro leito são tidos como irmãos reais - e
432
entre si
433
araweté : os deuses canibais
(amite)
'4'
/""!~
HADO'I AP1HI-PIH~
reciprocidade mutualidade
'••r/
BrDE
434
entre si
dados esposa e alimento, não era para conseguir nada além dele
dos tiwã é pura potência, que logo se bifurca entre cunhado e ami
go.
435
araweté: os deuses canibais
de esposas entre lllrens inp)rtantes, caro "fcmna de expressar sua amizade" ,IX1S_
Parintintin {Kracke, 1978: 14) . A amizade fomalizada Tapirapé (anchiwalüa - Wa-
gley, 1977:73-5) envolvia evitação e :funcionaria predaninantemmte <XllO meio
de redistribuição ecooânica: não obstante, o :recrutanento dos anchir.Ja,,1a ~
va-se oo nesrro critério da andzade in-farmal Araweté: parentesro distante cu
não-parentesoo. Já a instituição à:> yepe wayãpi (P.Grenand., 1982:138-141) lfOS-
tra sane1hanças .inportant.es aan o amigo Araweté: relação diádica e exclusiva '
(yepe significa "um só", "o escolhido") , sua função é a de capturar não-paren-
tes - "amizade exterior", a:m:, a chama Grenand., que tem caro inplicação a in-
dividualização de um amigo a partir do solo h::lstil e genérioo da alteridade .
~ não há infcmnaçres sobre a relação entre 11epe e (anti-)afinidade.
Se o caiparanros o:xn a amizade fomal dos Jê, o instituto do ap!Jzi-pihíi_ P,!
rece confundir uma qiosição central básica a essas sociedades: amigo foJ:rnal X
o::rrpanheiro, que se desdobra em evitação X liberdade, rerarça X escolha, es~
tura X "camunitas" ... (Da Matta, 1976: 138-154: 8eeger, 1981: 142-145: Cárne!
ro da CUnha, 1978: 74-94: 1979). O'..IIO o amigo farmal, ele é um "anti-afim" ,mas
ao cx:ntrãrio: não pon;rue, afim possível (recrutado na parentela distante, ou '
na netade cp:,sta) , a evitação se desdobra em interdito sexual, mas p::u:que,afim
possível., tarna-se un c:o-partilhador de esposa, aquilo que i.:m afim ablal. • não
pode ser, cmo o ccupanheiro Jê, ele oaoota a liberdade de esoolha, a equiva -
l.ência e a simultaneidade, a 1.Jttiroidade, e a troca de esposas {que não parece
definidora desta relação para os Jê - ver carneil::o da Omha, 1979:37). Em vez
de dois - e da dupla negação do amigo fannal, netáfora restauraà:lra que se re-
duplica. pela metonímia do coopanhei.risnD - , t.envs aqui um só lugar, e a dupla
afinnação: Eu outro que é entro eu, estranoo e amigo, ~ que está m a i s ~
no de mim que eu nesno. o caso da amizade funerária Bororo é que parece ser
o único a realizar a transfonnação de um afim real em Eu: mas aí é preciso que
a norte intervenha - apenas quarm o eu se torna outro, ll"Orto, é que o outro '
se torna Eu, meu ame maiwu (Crocker, 1977a:179).
Haveria ainda que aproximar a amizade Araweté do sistema Alto-Xinguaoo (Ba!_
so, 1973: 102-6; Viveiros de Castro, 1977:193-ss.). Se eles possuem IlUllerOSOS
traços em ccm.nn, no oontrastar sirnultaneanente a::rn o parentesoo e a afinidade,
há entretanto uma difeJ:eJÇa essencial: ali se tau uma disjunção entre amigos
de JTeSJtO 5e)!0 e de sexo e.posto ("amantes", na tradução de Basso) ; isto é, ; não
se trata de relaçÕes entre casais, nem de nutualidade sexual - ao axitrãrió ,
nuitas vezes o "amig:," é, um sibling do "amante", um "rã,-afim" benévolo. E o
sistema da amizade intersexual é semi-clan3estiro. Se ali também vencs essa
rosca de laços aan o estranho sem o fardo da aliança, o lugar de tal .institui-
ção no -Alto Xingu ê neoos central que ms Araweté - ela fwlciona CDtD tm meca-
436
entre si
tributo dos deuses, que evoca assim o tal mundo impossível do "e!!
ii
Produzir uma criança (konom~) é wn trabalho demorado, que
(87) Ta-i_ é uma fo= genérica para "filho", criança, broto de planta, filhote
de animal; -re é marca de pretérito naninal, que marca o sêmen corro "objetif!_
cado", i.e. separado do corpo.
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. i
...L
entre s.i
439
L
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___,
_
1
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prios pais, agora definidos como ta'i nã (pai) e memi na (mãe) ,i~
443
araweté: os deuses canibais
cerãor devem andar com cuidado, não podem carregar água, andar
é tomada pelo pai: ele não deve ir à mata caçar em hipótese algu-
ma, enquanto o umbigo do filho não seca, ou atrairá sobre si mul-
que oprimiria seu peito; não tocam em couro de onça, ou sua pele
rosas: os pais não podem cozinhar ou assar carne, nem comer coi-
sas muito quentes; a rnae nao pode fumar, e o pai só o faz com o
interditos são:
Jacupema Peixe-cachorra
Mutum-cavalo Curimatã
Bicudo
Tracajá
444
entre si
lâtil", que deve ficar longe do contágio com coisas quentes. Não
(92) Essa afinidade perig:isa da crian:;:a con o queimado se encontra aima nos
casos de norte i;:or hadi_, convulsões causadas pelo Senoc>r do TUcum ( ~ , p.
244); as qua.tro crianças assim viililadas cairam no fogo, rrorrerrlo quem.adas.
445
araweté: os deuses canibais
ra g_ ao mato caçar. Surede que, alé:n da caça, ele atrai o caçaoor: os jagua -
res, e tarrbém a ira canibal da Cobra Arro-Iris. Parto e menstruação criam este
estado bayja (P.Clastres, 1972:26-8, 37-8, 179).
Para os Araweté não há relação direta entre menstruação e oobras; mas o Se-
nl-xlr do Rio (que para outros TG é uma cobra) é perig:iso às rrenst.ruadas e à al-
ma das crianças pequenas. Por sua vez, a Coora Arco-!ris detesta o cheiro oo
sexo (de vagina, que se qi5e aos pe.rfuires celestes que ela aprecia) , e avança'
sabre os xanâs que se aventuram ao céu apSs uma r e l ~ sexual. Acrescente-se,
caro transformação adicional do sistana, a crença Araweté em um poder [não IDJ!
to apreciado) dos xamãs que já foram nordioos p::,r UIM surucucu - a oobra ma.is
vereJDSa - e escapal'.ãl:n: senpre que eles xarnanizarn al90, produzem chuvas tor-
renciais. Assim, tanto as cobras a;iuáticas (sucuri) cerro as terrestres-venem-
sas tân Ull'a ligação cem a água - o que p:xjeria ser reretido ao caráter venero--
se do Arro-1ris na mitologia sul-americana (Lévi-Strauss, 1966:252-ss.). ~
re-se ainda o significado do cognato de peye, xami, entre os Aché (onde não há
xarnanisrro): paje são os hanens imunes ao veneno das cnbras (Clastres 1972: 268).
446
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----~-----------
!
,l.
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araweté: os deuses canibais
Os pais evitam uma nova concepção até que seu filho tenha
"derramar o sêmen" - uma técnica que, tanto quanto saiba, só· foi
450
entre si
(96) Ccnparar can a preferência oos Tenetehara por filhas, que wagley & Galvão
(1961:83) atribuem ao valar destas ro sistema uxoriloc:al. Os Araweté, por un
racioclnio mais direto e a mais longo pra20, sublinham o valor à:is fillx>s ln-
roens <XIID provedmes de carne. E isto talvez SU'gira a maior fluidez da regra'
uxorilocal AraWeté. Sobre a i;x,Utica daoogrâfica Tap.irapê, ver wagley, 1977
135-9: a notma era a de três fillx>s por casal, cem alternância de sellD. Isso~
ra justificado pela dificuldade an se alimentar mais de 3 crianças (o que não
explica o porquê da alternância sexual) • As mulheres Aror,reté espacejam os par-
tos por afinnaran não ter leite para nais de uma criança ao rreSIID tarp:>; fora
isso, são na.ti.to prolíficas, e desejam nui.tos filh:>s. se uma criazça iroo:e, une
diatarrente procuram 51Jbstitui-la, especialI!ente se for o prim:>gênito.
451
araweté: os deuses canibais
ça" por suas roupas velhas e sujas, posto que sua saia e blusa-
p,;z>i aéf:., lit. "gente verde". Nessa fase,· saem para ·caçar nas re-
dos pais. Por volta dos doze anos, decide-se que é tempo de amar-
452
entre si
que se aplica àqueles que ainda não têm filhos casados. o segmen-
to mais jovem desta categoria é turbulento e empreendedor; dele
453
araweté : os deuses canibais
pelo menos cinco "esposas" nessa fase - e que foram residir uxor_!.
localmente todas essas vezes. Eles se casam com moças de sua ida-
de e com mulheres bem mais velhas, viúvas. A circulação matrimo-
nial entre os Arawetê é muito acelerada, e as trocas de cônjuges
. 98
entre os jovens conhece ciclos quase anuais .
(98) Assim, entre 1979 e 1982, houve o seguinte circuito de revezamento matri-
Il0i'lial:
5 •=6-0+6-0
Ul' IU61 111 iT
6-Q.;.-6-0
U.O 111 115 IU
(Cf. Apên:iice II\ para os l'lÚlreros}. can exceção das d u a s rrortes que introduzi-
ram viÚ\>Os IX> sistema, todas as danais trocas se fizeram entre h : m e n s sen fi-
ll'los, alguns oos quais casaoos ou casarm cx:m. viúvas. A exceção é 135, veloo
viúvo, que se casa periodicanente cx:m. nen:inôtas. o banem lll, já Jtladuro, "rou--
t:o.i" 112 de 67, Visto q u e se ccnsiderou (i.e. a It00 da II'OÇ3, filha classifica-
tória de lll} que o rapaz 6 7 era ainda jovem, e podia esperar por outra m.illJer.
Não h o u v e protesto do rapaz ou de sua familia. A iroça ll2 custou um tanto a se
a . c o s t m l a r ã situação de e s p o s a de um adulto, e h o u v e um processo de partilha '
de ap!}ii-pi~ cem outros casais, até que ela se fixasse na casa cb maricb - e
que o maricb passasse a fazer roça junto cx:m. a "filha"-sogra.
cidos" (~~f mo-hi re}. Nesta fase é que constituem familia exten-
sa, atraindo genros e saindo da situação uxorilocal. Dali em dian
te, são "velhos" ( tapfn~} . Os homens maduros são o 1,egmento mais
454
entre si
pais (mom~ hã, "o que fura"). Ay~-ro, um destes anciãos, ainda e-
ra xamã ativo, mas cantava pouco; seus serviços eram mais solici-
uma moça não pode ter seu catarnênio em casa dos pais, ou estes s~
frema mesma morte por ha'iwi que se abate sobre o pai que amar -
455
araweté: os deuses canibais
iéi papei,. re, "seios brotantes", são concebidos como uma fabrica -
ção do. corpo· feminino pelos homens. Estes "furam" (momq_), "esca -
do pênis parece ter seu correspondente Araweté (onde ela não está
456
--
entre si
(100) Que pensar disso tudo? Parece-JIE haver uma série de paracbxos erwolvidos
nesse processo, e r:o valor erótio:>-sirrbÓlicn dos grandes lábios. Em prineiro '
lugar, ao cnntrário das práticas africanas que visam uma diferenciação má.xine
dos órgãos genitais masculinos e femininos - circuncisão e ablação oo clitóri&
excisões das partes "fenininas" e "masculinas" da genitália do sexo oposto(ve:r;
p.ex., V.'.1\1.rner, 1967:cap.VII; 1962; Gluckrnan, 1949) - os Araweté fabricam um
pênis faninino ao rresrro tetpó em que abrem e alargam o canal vaginal; um "pê-
nis", aliás, duplo e incapaz de ereção (o clitóris - icir~, "b=to" - nao par~
ce ser irrp)rtante na sexologia). Por outro lado, e ai o:m:J a maioria das tri-
bos arrericanas, fazem o oposto da circuncisão, i.e. o estiraiiento do prep:i.cio'
e sua anarraçoo. Porém, em vez de estojo peniano elaborado, o que se tem é uma
espécie de "estojo" do duplo pênis feminino - a apertada cinta intima. J>D con-
trário, por sua vez, dos oonspícuos batoques do lábio inferior masculino, dos
Kayapó e outros, os lábios "inferiores" fen.i.ninos são IT'àl1tioos estritarrente o-
cultos. Os Araweté se destacam exatarrente pelo cnntraste entre a nudez masculi
na e a carplicada veste feminina.
Os SUyá, que usam batc:x:Iues labiais masculinos, sao, ooincidentarente, o úni
co povo arrerican::> em que o estirairento cbs lábios da vulva é registrado (See -
ger, 1981: 83; eles tarnbêm cnnoebem o harem o::::rro. um fabricaibr da vagina) . Mas
o autor citado não considera esta q::,eração curo participando do sistema semân-
tico das mutilações corp:irais Suyá, que sublinhariam antes as qualidades so-
cialmente mnstruidas (fala, am.ição) que as natural.rrente "dadas" (sexualidade
feninina). Não creio, outrossim, que os Suyá definam os grandes lábios o::irro um
"pênis das nulheres". Minha inpressão geral ê, justarrente, que o que oorrespo~
de ao costure Araweté não é seu h:i!Ólogo Suyã imediato (e relativarrente rrenos
iilportantel, mas ao o:mtrário a marcação das "faculdades sociais" via ba.tcques
labiais, auriculares, etc. Ã "vagina pintada" das rrortas celestes oorresponde-
ria a.dec.nração dos ornarrentos corporais Jê (vide o estojo peníano Bororo)
457
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458
entre si
459
t
l ~
araweté: os deuses canibais
tes-, e sexo, pois o contato sexual com uma menstruada pode fa-
raro mal" (ikacr): não podem mastigar o cauim. Mas podem cozinhar.
que foi tecida pela mãe, outra parenta, ou até pela sogra. Esta
não pode ser tirada na frente de um homem, sem que isto implique
convite sexua1 1 2 . º
(102) A apertaaa cinta interna lllpeje que se afastem as roxas ma.is que alguns
oent.Ílretros, o que dá às nulheres um arrlar oscilante e de passos curtos. E seu
uso a:,nfere à expressão "abrir as penias" um sentido sexual ainda mais direto'
que em portllguês vulgar; tirar a ii re é, literalrrente, p:::der abrir as pernas:
oyikrj_, temo cnrrente para o ato sexual.
460
1
1
·--
entre si
para que aprendam como são as coisas. E sao eles que, às vezes
xuais com meninos de sua idade ou menores - são temidas pelos ge~
das kãni moko. casando-se muito cedo, só vêm a ter filhos relati-
ra elas que para seu marido. Este, logo que casa, recebe um tecnô
urna mulher que para seu marido; ela deixa de ser um apêndice da
a ser quem controla suas aventuras. As memf nã, mesmo jovens, são
461
araweté: os deuses canibais
(103) sabre a função de "bicho-papão" dos espectros dos mortos, q>. o::m os Te-
netehara: Wagley & Galvão, 1961:83-5.
462
. - .. ________ _
~- ..........
-
entl'e si
463
araweté: os deuses canibais
464
....
CAP!TULO VI
ENTRE OUTROS:
, .
,'
1
:!
1 Não canto a noite porque no meu canto
1
O soZ que canto acabará em noite.
Não ignoro o que esqueço.
Canto por esquecê-lo.
(F.Pessoa/R.Reis)
(Herâclíto)
465
'fl
l, PERIGOS: ALGUNS
466
entre outros
(1) Cognatos de koq._ko se acham ent.re os Parintintin (ohlaku - Kracke, s/d.: 98),
os Wayâpi (011i-ko~_1<o - Canpbell, 1982: 270-ss., que a interpreta apenas dentro
da CX>UVade), os Guarani (odjé-koakú - Schaden, 1962:85-ss.). O Últino autor ~
teooe derivar o verbo koakú da raiz roninal (h)aku, "quente"1 o nesno faz~
d1n (1978, vol.I:107) para o Tenetehara. ku-alal. Não sei se tân razão, anbora 11!
ja uma associação, oos Guarani e alhures, entre o resguardo e a situação " ~
te" de seus objetos. Ver também c.adogan, 1965.
abstinência (ko~ko hã) são coisas ditas me'e a'o: açoes perigosas
dos pais em couvade, certos alimentos (especialmente carnes), e o
sexo. Me'! ~•o, "co.isas-~'o", traz a mesma raiz do conceito de es-
pectro ou espírito - -q._'.o we - e do verbo para "saudade", mo-a'o
(supra, p. 448, nota 94 ) .
Embora se use o verbo ko~ko para açoes de resguardo dos pais
de filhos pequenos, seu significado próprio remete ao complexo do
comer: carne e sexo. A coisa-q._'o por excelência é a vagina, e a
atividade sexual é designada em geral por uma metáfora negativa e-
xemplar: ko~ko-i, "inabster-se". O sexo, assim, é sempre um exces-
so, uma não-continência. A divindade Yicire aé~, o licencioso li-
der do cauim alcoólico, recebe o epiteto de ko!!ko-l hã, "o.incont!
nente". Ele é ainda o modelo do torf pã, do amigo sexual., e seus
cantos mencionam invariavelmente o sentimento de iw~ torf, l.it.
467
araweté: os deuses canibais
gue, sême~ - cf. supra, p,439, nota 88), recebe uma formulação n~
gativa em Araweté: oy~ ko~ko me'!, "os que se abstêm reciprocamen-
te". Talvez pudéssemos aproximar isto de uma teoria implícita so-
bre a proibição do incesto: ~comer'' alguém do grupo dos entre-absti-
çao, um amfte, um outro, e assim o que ele faz _ou come nao afeta
468
entre outros
a saúde de Ego (desde que não seja, é claro, sexo com Ego). Por
outro lado, mesmo irmãos classificatórios são entre-abstinentes
na medida em que estão sob interdito do incesto. As fronteiras ex~
tas desse "grupo" de resguardo são fluidas, dependendo tanto da
gravidade da doença de Ego quanto do estado de suas relações com
os a; 2 • o paradigma do semelhante e a regra básica do resguardo são
469
araweté: os deuses canibais
470
entre outros
ria d o ~ ( 'de) ou da catinga aniJDal (ikac!). 1lllbos são abaninados pelos de~
ses celestes, dentro de uma oposição entre o "fecbr da norte" e o "odor de san-
t...dade", que vereros a seguir, Além disso, cx.rrer carne crua - o que µ,r vezes
sucede quando um caçador está can nm.ta faie - pode provocar fortes dores abdo-
minais, alem de ser nuito i;erigoso se um parent.e está doent.e.
CClrparar o relaxarrento Araweté quanto ao cru can a delicadeza Bol:oro e seu
esforço de se distinguir da anima,lidade (Viertler, 1976:41-ss.J. Os Bcn:oro, a-
liás, apresentam um sistema de ''benzinento" alimentar senelhante ao Araweté,a:m
a difererça significativa de que ali se trata de oferecer a oanida aos~ pa-
ra que estes "estraguem" a canida neutralizando-a para oonsuno humano~ os ArclW!_
té neutralizam os perigos imanentes ao alimento dos deuses para ~ estes o
canerem.
(4) Ha'it.>ª- possui, único cognato mui.to provável, o oonceito de baiwã dos
cctTO
471
'.
\
araweté: os deuses canibais
"ferir a:ro fledla", ferir a alma.. Não sei se p.:isso transp.:ir essa etinologia ~
ra o conceito Ar=té, onde o:mtuà:> o segrrento *-iwã significa tanbém "flechar,
picar".
quando se está doente; cópula com o Senhor dos Rios; enterro incor
(5) Há uma série de cantos que não caem exatarrente na distinção "música dos deu
ses/mÜsica dos inimigos" - emtora sua founa seja idêntica à das canções de gu~
ra -, que não poélan ser cantados: o "canto da centopéia" (tarapi), o do "Macaco
IlOnstruoso" (K~'f! de_w1! 1 hã), O cb ''Jaboti ITOnstruoso" e O cbs Ãni_, bem o::.t!O OS
cantos "de It.ak.ad!", "de Ta'aka~" e "de Madap~", três inimigos míticos. Esta
classe de cantos proibidos rerrete a urna mais anpla, de cantos deletérios ao rni-
1.hJ e à saooe - ver adi.ante. Mas sõ os Jrel1Ci.onadoS acima são ha , wi hã, letais.
febre e definhamento.
mortes pelo fogo divino incluem toda morte sem causa Óbvia deterrni
nada - i.e. mesmo aquelas em que a causa eficiente foi uma pneumo-
472
J
entre outros
de, ós Araweté afirmam: "todo mundo fica doente, mas só morre quem
for atingido pelo fogo divino (M~i! clat!!.)". Apenas, e caracteristi-
camente, o "bruxo" aqui é a Divindade - e a "vontade divina" é um
desejo de tipo sexual pela vitima 6 •
(6) A ruptura do céu, que respooo.e por seu px1er assassino eventual, rerete ao
tema do "céu rarper-quebrar" (~ ~ i~ ne~-h~) pelo peso dos nort:os, o
apocalipse Araweté já evocaà:> ( ~ , .P• 196). Não a:nsegui enten:ler oaoo e po!_
que isso aoontece cx:uo causa nortis individual (sei de três, oo passado). Usa -
-se a mesna expressão para designar as fulminações por raio visível, oorisoo. O
raio, taaj iP!_, é também chamado de "assassino das alturas" (iwãt! hã nop!f.'hã).
Jâ o fogo divino é invisível, ou se manifesta ao longe; parece associado a
raios que caem no horizonte. Não cheguei a ter una idéia clara, em suma, de
todo esse a::riplexo de associações entre ha 'iw!!, céu e fogo. Notei ainda, e dis-
cuti oan os Arawet:é, o singular paradoxo dos deuses ~i! seren ao :mesno t:enp:>"~
iredo.res de cru" e "desprolridos de f0<p" ( ~ , pps. 220-1) e terem tal "~
der de fogo" celeste-letal. caitra-argumentaram-ne que o fogo que os deuses&!_!
c:ailx:!ciam era o de oozí.nha lme '! pip!?, hã, "de cozinhar ooisas") , e que este fo-
go celeste eles senpre tiveram, era próprio deles (e'!_~ te), estamo a s ~
do ao rela!ll)ejar de seus chocalhos ~ e ao brilho de seus corpos. Fica pat:en-
te, de qualquer nodo, a ooootação "olinpica" desse Zeus~f Senoor oos Raios
fulminantes.
D::>is dias antes de eu i r enbora dos Arawete, Araàz""hi entrou em a:::ma malári-
a,, escapando por milagre, adrenalina e quinino. As explicações para sua doen;:a
foram as mais variadas: "poi:que ela s:Íllplesmente queria i r (norrer) "; "por ~
jo de ser esposa de un ~"; "para oos dar saudade" (b~ mo-~'o mõ); "porque
alguém andou mexendo na ossada de Awar~hi, e espallx>u me '! rahf e hahi_ we"; f.!_
na.lm:mte, alguns disseram ver um fogo no céu, e decretaram: iwfi. :ra ' ~ hã~ AI'a-
<½_-hi ro 'iwã hã - o céu fulminara Arado--hi.
473
araweté: os deuses canibais
(7) ():(iparar tal sanção do incesto, canbustão por um fog:, celeste destruidor, e
posterior devoraçoo canibal pelas divindades, can o destino de um culpado de
incesto entre os Yarnnami: seu corpo não ~ na pira funerária (Uzot, 1976:
44), e portanto suas cinzas não poderão ser ingeridas no repasto "eooocanibal".
474
r entre outros
(8) A diferenciação sonora dos dois tenros nem sarpre é fácil, na prosódia Ar!!
weté. Não oonheço cognatos ao Últin'O; a tentação etinolÕgica me faria derivar
k...:ak-l de duas raízes: o veroo -ka, ser-ter-estar, e una forma arcaica para
"cabeça", *ak;, transição entre o proto 'IG *akan e o atual aci. COrparar o que
se segue cem o conceito maanatae dos Fataleka: marória e pensamento coincidem;
cf. Guidieri, 1980:9~33.
do ao corpo.
475
araweté: os deuses canibais
ra", madeiras que ficam queimando por semanas, e nem a chuva lhes
apaga o fogo das entranhas), e aqueles que são como "fogo de pa-
tarem seus cantos a cólera dos M~-1! (os verbos para raiva são
de um ente querido. Nesses casos nosso kaak; hã sai (ihl), nós fi-
camos "em outro lugar" (i! te et~),_o pensamento nos "faz chegar"
"sobre nós" (b-l!d! reh!) 9 . t por isso que os mortos recentes são P!
(9) Karah'f p-l!d_f_ he-t.f. - "o sol fica nuito vemelhon, é \mi efeito que se pxoduz
igualmente após uma cauinagem. Diz-se que no dia seguinte, o da ressaca do
cauim, o crepúsculo é muito vermelho. Não sei aaro ligar isso à venielhidão so-
lar da raiva e da saooade. Reo:>rdo apenas que o vermelho é a é:or para os Arawe-
t.é. Para designar a idéia geral de "colorido" (na diferença, p.ex., entre uma
foto P&B - "cinza", em Arawet.é - e uma colorida), usa-se a palavra "venrelho" ,
rretonímia conseqüente cxm a onipresença do venrelho na vida soc1al.
476
entre outros
477
raraweté : os deuses canibais
478
entre outros
(11) O único cognato encontrado foi mo-ku'i-haLJ, traduzido por "ralo" (p:iuco
espesso), em Tentié-Tenetehara (:e.oudin, 1978, vol.II:294).
A___!~sôµ:l,a, es!=,ado típip::i dos rrelancóli6?s e.dos. ~-J~i:4!'1 ..§E!!llai;f_½"'.~~·
evidente é sinal de vocação xart\31Ú.stica) , é urna inversão da relação dia-n:ü te ,
que imita a situação oos mundos não-terrestres - os deuses e nortos vigiam à
ooite, pois para eles é dia. O son.ambullsrro, por sua vez, é descrito o:no {
poihf, "estranharrento" da alma - a construção da expressão é idêntica à de
h~ml-d.o poihf,, lit. "o::mida-feio", náusea alimentar que leva ao vânito, ~
da por quebra de resguardo e por assassinato. O sonarnb.llisrro (rrotor ou verbal)é
uma náusea espiritual, i;x:,rtanto, e envolve o desa:ilamento alma-oorpo, por noti -
vos variaâ:>s. Sobre os sonlns, ver adiante.
ma excorporaçao,
~ --- - 1J.ID~a .translucide z que.~. produzi da pela saída
•
da
alma; a idéia de leveza indica igualmente isso: a alma, como balão
preso por cordão fino a seu lastro corporal, arrisca-se a se des-
prender e subir.
Leveza_e __tran~parência podem ser provocadas por outros fato-
res, notadarnente: um forte susto, muito sol, certas medicações oci
dentais. Estes, além da saudade e da tristeza, desprendem a { do
hiro, a alma de seu envoltório, o corpo. A operação xamanística di
ta imon! (carregar, i.e. carregar a alma de volta, dentro do choc~
lho ar'::!_y) consiste em "tornar pesada" a pessoa e em "re-endurecer"
sua alma (mo-pohf, o-{ mo-atl yip!). Ela é efetuada sempre que um
xamã, em seus passeios onlricos, vê uma alma errante no céu, ou
que o paciente se mostre magro e abúlico, deprimido. Os principais
objetos do imon~ são as crianças até os três anos e as mulheres ;
nunca vi se realizar esta operação sobre um homem, embora se diga
, 479
1
1
pessoa, impedindo que ela se torne um corpo sem alma, i.e. um ta'o
480
J
entre outros
é assim ·_arnb~ v~tenté) por um lado é uma "coisa-9. 'o", q~~os _~~çqr-
pora, por outro traz alegria, e nos torna pesados. Sua ambi~alên -
morte.
481
araweté: os deuses canibais
mo vimos (p. 229) sao "aqueles que irão", que nao sao ~ • seres
,
2, MORTE: VARIAS~ NENHUMA
482
entre outros
veis "foi-se juntar aos deuses 1', "foi para junto de seu torf pã"
pio vital. A morte sobrevém quando o xama nao consegue mais manter
pois temem ser atingidos por alguma doença ha'iwã hã. Um cadáver '
483
L.
araweté: os deuses canibais
morre de verdade?"; "ele apenas foi levado pelos M~f!; logo vai-se
lo em que pisou, onde comerá conosco, brilhando corno os deuses ... "
le". Nunca se veste uma morta com suas melhores roupas, que passam
às suas irmãs ou filhas afora a cinta intima, que essa, urna vez
484
entre outros
mente, quem carrega e enterra um homem são seus irmãos (anfl; uma
que a carregou, um irrnao e urna irmã dele, uma irmã dela e seu mari
(13) Una singular paralisia tema conta de tooos quando alguém rrorre, caso forte
da "inércia" que já nencionei. Quaooo da rrorte de ~-yo-kãri!, urra rrenina de
arx:i e neio, sua mãe a levou para o pátio, e ali fi=u, = ela no rolo, por ~
ca de duas mras, cllJrando oca.sionaJJrente; à sua volta sentavam-se, não muito
perto, várias mulheres da aldeia, oonversando. OS p:)UCOS harens observavam de
longe. o pai sentava-se desa:nsolado· à porta da casa, e os inrãos maiores (na
485
araweté: os deuses canibais
faixa dos sete-dez. aros) ficavam dentro de casa, can ar ausente. Passado algum
tenp:>, a mãe pediu fracamente que se lhe trouxesse urucum, e pediu ao marido '
que abrisse uma cova oos furx'los da casa. O marido passoo vários minutos sen dar
sinal de resposta; en seguida, pediu a um dos filh.'.ls que buscasse uma pá, e ~
cum. O meniro fingiu não ter ouvià:>; neia hora mais tarde, uma das filhas trou-
xe timic:Iarente una l::ola de urucum, e o pai se decidiu a cavar o túmulo.
caro também na norte de Awar~-hi, pediram-me que fosse buscar urna pá. O::Jro
me recusasse - fingindo não ter enterdiéb - , levou mais de uma hora até que um
ébs irmãos do rmrido fosse ao Posto pedir o instrumento. Tal inércia, e a ~
fer~ia de decisões para a FUNAI (em dois ou três casos quen detenn.in::Ju o lo-
cal de enterro foi um branco), é llUl.Íto sarelhante ~ l o que Wagley & Galvão
(1961:175) descrevem p;ira os Tenetehara, e parece depen::ler tanto de um tredo da
norte (do norro) quanto de uma inércia mais profuooa, uma evitação de aparecer,
caneçar, fazer qualquer coisa. Eoc:arregar um estrangeiro, um inimigo, das deci
sões é ainda perfeitanente inteliglvel: o norto-cadáver é já um outro, um inim!
go, rratriz do espectro t~•o we; nada mais justo que os inimigos se encarreguem'
dele. Assim, entre os parentes rruito prÔxinos e os estrangeiros-branoos, abre -
-se uma fema de não-participantes, espectadores distantes que não se mexem fa
ce ao enterro. A norte é assunto da seção imediata e do Posto; a aldeia se e-
clipsa.
486
1.
__,
entre outros
(14) A associação dos quatis o::im os nortos se acha entre os Aché, oooe estes
animais são os reS!X)nsáveis pela elevação da a1Jra ove até o céu, e são ditos s~
ran eles mesnos ove (P.Clastres, 1972:163; cf, ~ • rota 4; em I-Eliâ et al.
1973:91 esta função é atrib..Úda ao taman::!uá). Para os Suntl o quati é tanoon um
ani.ma.l funêreo (I.araia, inf.pessoal), e o "dente de quati" (kuiatihosa) é um~
trumento mágico do xarrã Akuáwa, dotado da força-''nana" karowa.r'a (Aoorade,1984a,
b). O quati é um procionideo (Nasua socialis)oono o juparã, que, corro já refer.:!:_
nos, é asscx:iado aos nortos e ao rmlJrlo subterrâneo para os Wayãpi e Ka.apJr - p.
198, rota 12.
487
araweté: os deuses canibais
ne, em que ela fica próxima do cru, está ligado por uma "semi-in -
(15) Os Araweté afirmavam que o enterro sob <X>bertura de varas ê a fOillla pró-
pria e tradicional de sepultanento, e que ooje em dia só se a faz para donos
488
"'
entre outros
po foi seguido por um filho maior que carregava Awar~, sua filhi -
de quebrar uma espiga, um galho, colher uma fruta), que visava im-
pedir que a menina seguisse sua mãe na morte. A técnica era ames-
(16) Cf. o mo-~•o causado pela arnarrentação, supra, p. 448 mta 94. Tão logo
o corpo de Awar~-hi foi exp::>sto m pátio, sua filhinha o:::meçou a chorar nn.úto,
nos braços da irmã de seu pai. Então, esta trouxe Awar~ até o seio da defunta,e
fez <Xlll que mamasse - "para acalmá-la", foi t\.rlo que depois consegui à guisa de
explicaçâ:J.
muito nai semanas seguintes à sua morte (o que nao era cosmologic~
489
araweté: os deuses canibais
(17) A idéia da chuva que, passar.do por entre as varas oo "ncquém dos Ãni_", ace
lerou a deccrrposiçoo do corpo, sugere que o sistema Araweté de jirau, a ser roes
rro a forma "própria" de enterro, é um carpranisso entre os siste.nas de exposi -
ção de cadáver sobre jiraus, que encontranos em alguns grup::)S TG (Hollrbe.rg
1969:232) e alhures, e o sistema de ap::rlrecirrento induzido por umidificação, de
tipo Bororo. Por Sua vez, a metonímia "ver O crânio" (daci_iíe recq_) OOS rerrete -
ria à tradicional quebra éb crânio dos inimigos TUpínarnbá - i. e. daqueles que,
não poderro ter a cal::.eça quebrada erquanto vivos, eram desenterrados para isso-
- e ébs rrortos Aché, onde essa operação·l.il::erava definitivarrente a alma ianve
de sua sede craniana; isso era feito aµ,s a decrnposição das carnes (P.Clastres,.
1972:300).
490
"' - .
entre outros
491
araweté: os deuses canibais
Awar_2-hi".
minho dos deuses. A razão para isso, diz-se, é que os Maf estão fu
geral. ó xamã que tentar subir aos céus será rechaçado ou devorado.
abatê-los a pauladas.
492
r entre outros
a aldeia.
xos), não se pinta, canta ou tem relações sexuais. Aos poucos re-
tristeza" definitivamente.
está instalado em seu estatuto divino; sinal de que sua raiva pas-
493
todo propósito. Anos depois, às vezes, um irmão, \llll pai, uma esp~
tos esquecem.
da pessoa
494
\
L,, ·----···•-- ---
entre outros
fícil tradução. Com este caveat, de que o uso de termos como "cor-
do vivente.
como itoy~ me'e ri, "o que apodrecerã" 2 º Nem por isso, contudo
495
r
.1
!
ses espíritos comem a "imagem" (i'l do corpo morto, e que quem come
(o) materialmente o cadáver é a terra tout court. As entranhas da
mente que a:;: das coisas contenha sua essência: sacramento, nao
496
i
t.,.J..--_____ ----- ---
entre outros
mo alimentar: vimos (p. 468) que comer animais mortos produz tontu
pessoa, é iwi_ pip! hã nl, "o que irá para dentro da terra". Esta
geral, iwf pip! hã, mas o sao plenamente quando mortos. Com a mor-
te, bfd!!.. t-weger!!_, "a pessoa se divide ao meio": uma parte é "da
terra" (iwi_ ap9.) e irá para dentro dela; outra é "celeste" (itJª hã).
t~•o we, o espectro que erra na terra enquanto seu corpo apodrece
497
araweté: os deuses canibais
498
r entre outros
dos viventes, que sempre cuidam que a franja lhes cubra a testa) 23.
deformada. Não obstante, diz-se que ele é "feroz", e que sua ade -
rência aos vivos é motivada pela "raiva de ter morrido" e por seu
Após uma morte, raramente se passa um dia sem que alguém nao
499
araweté: os deuses canibais
(24) Una apariçoo de Awar~-hi-rem~-r~ 'o we, o "espectro da finada Awar~-hi" ,que
causou grande sensação foi a testenrunhada por ~-oo, que teve \lIU apavorante '
encontro a::xn um rato de brincos, na roça.
(Ãni' new~ hã), o "carregador de fogo dos Ãnf" - que leva a tocha
500
_J
r entre outros
501
J
h.,
araweté: os deuses canibais
502
r .entre outros
(27) As pessoas me ilustravam essa origem do crpoyiêf:. agitamo suas maos contra
o fog:::,, de ITOdo a rrover a sombra, o que não deixava de me sugerir um "últirro a-
deus" macabro que o rnacaco-da-roite representa.
Os Araweté não tenan os macacos-da-noite em si, animais inofensivos; mas no
pericdo que segue uma norte, ou quan,jQ se está sozinoo na mata, sem fcqo, p::d.e-
-se entrar= estaoo de ch:::que a::ru a aparição de um apoyiêf:_-t'3_'o we,
Há assim uma série de animais ligados ao espectro dos rrortos: quatis, gambás,
macacos-da-roite. Ela remete a outras COffi!Olc:gias 'IG. Já v:inos o papel cb jupa-
rã (chamado em alguns lugares do Brasil de rnacaoo-da-noite) para os Wayãpi e
os Urubu. Hwcley (19~3:256-ss.) refere mitos em que este animal aparece ligado
503
.i
~
araweté: os deuses canibais
urn assassinato dentro do grupo. Mesmo que o ta'o we seja urn nou-
504
~
-~----,-..-~-- -----------
entre outros
ta'o we hetl:"os ta'o we de uma pessoa são muitos"; esta frase era
nas os mortos efetuam o t~•o we, os vivos também. Quando alguém sai
para uma expedição demorada na mata, sua casa fechada fica "cheia
(28) una vez, retoJ."nand) de Altamira, constatei que sumira algo de minha casa .
Resignaà:>, cx::mentei ironicanente que deveria ter sido o meu ~•o we o ladrão.Ai
rre resp::,nderam: "te, hirp_" - 11 :nã::>, foi gente rresno". Hirq_, corpo-o::,ntinente, é
usado aqui em oposição a ~'o we - e entretanto o que define um ~•o we é que
ele é um hi'1'9_, uma coisa real, não urna imagem (l). llirq_, o:::on ;, é tento de
significado posicional. Un vivente é um hirq_ em oposição a um ~•o we; um ta'o
we é um hirq_ em oposição a uma ?-imagem; e urra l é um hirq_ em oposição àquilo
que não tem causa ou forma, ~ l o que é subjetivo. Assim, quando eu perguntei'
se os cantos xamanistioo.s eram ensinados aos xamãs novatos pelos mais vel.h::,s
ccntestar~rne: M~f bf!CU!_ ra'q_ iw~ nã, hirq__ - "os deuses não estão dentro de ~
sa carne, eles são hi'1'9._". cnn isto, significavam que os cantos xarnanisticos, ~
nifestan:b a presença objetiva, exterior; dos deuses, não eram fruto "da cabe -
ça" (da carne. o:::on dizem) do xamã, mas da existência real, não-subjetiva, dos
Mal. O que "está .dentro da canie", cerro vinos (supra: nota 10), é a sensação ou
505
L
araweté: os deuses canibais
sentimento incausado, autônaro. Por sua vez, se é nossa l que sobe aos céus,ela
é não obstante um hiro: um oorpo real. A ncção de hir9.. - que significa, em ge-
ral, aquilo que envolve algo, oontinente - designa assim o rrcdo de existência
objetiva, a realidade. Que, entretanto, oonhece graus, caro se percebe no uso
contrastivo do conceito. O ta'o we de um rrorto é um hirq_ ~ um hirq_ pe: é um
corpo-real, e um ex-roq:o, ~ um puro a::>rp:), vazio de alrra.
1\
Urna vez que fomos, toda a aldeia, pescar em um lago próximo, al-
Pessoa ausente, Objeto. t tudo isso que morre, devorado pela podri
dão.
O t~'o we, em suma, é algo que menos que existe, antes in-
506
entre outros
(29} Ver Huxley, 1963: 204, para a aproximação alma-scrnbra e a n:ção de "negat!
vo" - que o autor tona um tanto ao pê da letra, erigindo o Sol coro consciência
e divindade. A "luz" que projeta o ~'o we ê, na verdade, a rrem:Sria social, a
a::insciência da coletividade, que desenha a silhueta de urna ausência.
(30) Assim, creio que a idéia do aban::l.ono definitivo de uma aldeia tão logo
qualquer norte ocorria pode ser matizada. Nenhurra das aldeias que recel:ern nares
de nortos têm nares de crianças; e os nortos ep:3ninos são pessoas serpre larbr~
das pelo grup:, - rreSllD que não tenham sioo "donos de aldeia", xarrãs, matadores'
(muitos são mulheres). COOparar a:rn o que diz Gallois dos Wayãpi, que abandona-
507
:L 1
araweté: os deuses canibais
vam as aldeias senpre que várias pessoas ali morreram, ou onde faleceu un "indi
vidoo de desuque" (1984a).
(31) Assim, é após a dea:rrp:)sição da c.an1e que o ~'o we esquec-e cbs vi'.OS e
aipreende a caminhada regressiva até sua aldeia de origem, nurra "anamnese" mecâ
508
• ----- •
entre outros
509
araweté : os deuses canibais
to) sem o sufixo indica, seja que o discurso está no tempo pretérl
te, e que o -a'o t.1e celeste é o espírito de uma Pessoa, uma coisa-
-vida.
raias) devem ter seu ha'o 1o1e - que é designado como ihf, o "adul-
510
-
entre outros
511
araweté: os deuses canibais
Não há, ao que parece, nenhum terno além de iu'_!'o !,)e para designar os espíri-
tos animai.si os conoeitos TG do paradigma pi!,lai>a (Tenetehara), ompiwã (Wayãpi),
ngaPUpiwat (Kayabi) • r>upigwai>a (Parintintin) , que remetem a noções diversas, oo
no espírito de animal, substância xamãnica, duplo eficaz do xamã, etc. não se
encontram entre os Araweté. H~'o we, para o principio malign:)""eficaz dos seres
ex-vivos, e ipeyf!_ hã, "poder xamânioo", para o instrumento de eficácia mágica '
geral, são os dois conceitos bãsioos para a interpretação do sobrenatural.
r V~e destacar que, oo sistema das enissões-audiçôes perigosas, não está in-
cluído o nare dos nortos, a mençã:> ao ~'o "'e, etc. o J;Xlder evocativo da pala -
vra parece redundante nesses casos~ e aliás o canto xamanistioo é um pronuncia-
rrento explÍcito desses nanes (é verdade que dep:lis à:> ap(Jdrecimento do oorpo
mas antes tanp:>uro há restrições) .
512
'
.•~
entre outros
(34) Não serrlo esse um trabalho de lexioografia o::nparada TG, pennito--Ire menci2
nar rapidarlente: ian-ve e o-ve Aché (1, 2), princípios lfrerados após a rrorte
(P. Clastres, 1972:303; caàogan, 1978:42-4); o iã, alma viva Wayãpi (1?), que
se bifurca em te-an-wer {l) e t-ai-we (2) na. norte (Gallois, 1984a; Canpbell ,
1982:270-2); a forma mo-au {2),"sonhar", nesta língua (P.Grenand, 1982:222}; o
oonceito de ru 'uva e o aspecb:rtenpo verbal ra 'uv ( 2) em Parint:intin, que mar -
carn ações oníricas e a idéia de alma-imagem dos rrortos, oontrastando a:m 'ang
(1), "sarora" (Kracke, 1983); o sufixo verbal a'u para "sonhar, oonjeturar", a
forma ma'e ra'u para "coisa de mau agouro" e a t-a'u-wer para "fantasma" - to-
das derivadas de 2 - , e o tenro ãng ( 1) para "alrna-scmbra", tudo isso em Tene-
tehara (Boudin, 1978, I); o i-unga (1) caio alma de vivente e o,;..wera (2) o:::m)
alma de rrorto, em Akuâwa (Andrade, 1984b}; i-ynga e in-vuera (1) para "a1ma" e
"alma de norte" em Tapirapé (Wagley, 1977:168, 181; Baldus, 1970:351-2). Por
fim, as fonnas Tupinarrt>á e Glarani do tip:, angue, anguéry, etc. (:ENreux, 1874 :
62-ss; cadogan 1962:62), que enviam à rai:z 1; o oonceito de juru t-au-gue, "bo-
ca fantasmal" liga:la ai:> tupichua, parte canibal/telúrica da a1ma (Cadogan,1962: •
60, 69), o verto ro 'u para "sonhar" em Mbyá (Dxlley, 1982: 310), que rerretem a
2.
Não há caio determinar sentidos precisos e inequivocos oonfonre as duas raí-
zes; entretanto, pode-se prq::xJr que e:+as remetem a uma figura dual, oorp::,/alma,
que se desdobra em uma "alma do corpo" e urna "alna da alna", dualisno sincrôni-
co ou diacrõniro, que funde-separa as idéias de imagem e princípio vital (scm-
bra e sopro), e que está vinculada a uma oposiçãci terra/céu.
filn Araweté, a palavra para "sonhar" é .;,ã~ 110, derivada do verto "cbnni.r"
( -i:Õf!_) sufixado cx:m um rrorfema de ênfase ou de "espiritualidade" . A f01:ma mo-~' o
~ significar "sonhar", !IE.S é mais arrpla que isso, indicando toda separação
allTla/oorpo.
me'e ~'o~ ela forma ainda um marcador de aspecto verbal que indica
a quase-realização de algo, i.e. a presença mental de uma intenção
513
r
araweté : os deuses canibais
que irâ (para o cêu)", M~f pihª n-i, "futuro companheiro dos deu
36
terrestre .
514
J
entre outros
bra ótica do oorpo caro b-r:~ pe rí, "o que será ex-pessoa" ...
(37) Note-se aqui a arnbigilidade significativa da express~ bfde I'l, usada para
designar a semmte paterna e a alma dos vivos, e que se apSia na ~litude de
sentido do conceito de b.f!~: o sêmen está para o vivente a:::rro o vivente para o
ITOrto-Deus. O vivo, assim, é nortcH:livindade em potência - é [X)r isso que pude
dizer que os harens estão para os deuses a::no as crianças para os adultos ( ~
pra: 195, nota 10); e é [X)r isso que só a norte realiza plenamente a potência-
-bfde dos hunrux,s.
que por ali extrai suasalmai. Fala-se de cada um destes pontos como
515
,,
516
entre outros
(39) Tal lugar evoca o ka 1aorovapy, "superfície das folhas da selva", paraíso
secundário dos G.larani de Amambai (cadogan, 1962: 70).
517
,.,.
(40) E esse papel ressuscitador do Urubu-deus eooa t.enas que Lévi-strauss anal!.
sm nas 1!(thologi~, ootadanent.e no mit.o de referência Bororo. Inverte-se a-
qui o papel necrófago dos urubus, nas é significativo o fato de que seja un
Urubu a figura encarregada de tratar da alJDa caro alma ~ -
518
entre outros
519
araweté: os deuses canibais
res têm sua vulva pintada. A pintura negra reluz sobre a pele mui-
(43) Od-f!p-f!da~ se analisa em: o, prefixo de 3a. pess.; d-1!, pron::rre reflexivo ;
p<f!dg, descascar, perder a pele; kã, factitivo-causativo. Trata-se assim de um
"descascador de pele". As baratas, as cobras, vários artrópodes são oognanina-
dos od-f!p<f!~kã nii, "senh:>res da troca de pele", por nostraran essa característi-
ca, e nisso sã:> "sinôn:inos" dos ~f. Este é um terna clássioo da mitologia Tupi-
-G.larani. A associação dos ~-f! a:rn a pedra e a troca de pele remete ao ccnplexo
da "Vida Breve", analisado n'O Cru e o Cozido {Lévi-Strauss, 1966:152-177; cf.
especialmente o "chanaci> da pedra"). Por seu lado, o tema do cozi.nento ou banho
rejuvenescedor numa água que ferve sem fogo se acha idêntico em un mito Kayabi
da "vida breve" (Grlmberg, 1970:186-7). Entre os Tapirapé, ê um pote de água •
reallrente fervente que faz os gêmeos míticos =escerem subit:arrente (Wagley,1977:
179-80). O banoo na "âgua mágica" de Mair se liga à inortalidade e ã troca de
520
entre outros
pele entre os Kaapor (Huxley, 1963:226-7). /lqUi ainda achanos outro notivo es~
tológico Araweté: o "encotpridarrento" dos rrortos, operaçoo a que são subretidos
p:,r Mair (loc. ci t.). Os Araweté dizem que o ½'o we, ao sair do corp:,, é pe:rue-
no càoo um rato; assim que ele chaga aos céus o Senhor dos Urubus o "espicha"
(ipih~). De noà:l geral, os deuses e almas celestes são bem mais altos que os h~
manJs, e o ba.nlxl rnãgiro faz-nos crescer - cf. a idéia de que "SO!lDs crianças" ,
p. 195, nota 10. Nos Wayãpi, terros urra m::dernizaçâo da fervura san fogo, oozi -
menta atenuado: ao diegar ao céu, os rrortos "estão sujos e p:,dres, mas aí tonam
banho ccrn sabão e ficam igual gente" (Gallois, 1985: 183, citando um índio). A
espuma do sabão parece substituir a efervescência a frio da bacia das almas Ar~
weté; e a expressão "igual gente" replica a bf!<½_ Pi, "o que será gente" - aqui-
lo que era caro um cadáver se torna caro um vivente, apSs o ba.n1XJ. Já os Arawe-
té se ITOstravam absolutaITente fascinacbs pelos ranélios efervescentes dos bran-
cos; os funcionários da FtNAI creditavam esta obsessoo a um antigo chefe do Po~
to, viciado nos "sais de frutas". Na verdade, os Indios viam nestes prcx:lutos
= arrostra - nãJ sei se real ou simbÓlica - da água odf!pf!dak~, e oorro tal uma
panacéia universal, que os ajudava a "digerir" (mo-11ai,;~) a cernida assim caro(d!_
ziam) o banho mágioo "ressuscita" (que tant,ém se p::,de dizer mo-yaw~, "fazer
passar", "acordar") os nortos.
O tana da rea::np:,sição das carnes a partir do esqueleto é outro clássico da
mitologia sul-arrericana.. Reneto apenas, no contexto canibal, ao Deus-Jaguar Shi
paya, Ma:rusa1Ja, espécie de Zeus-Aguia de Prcmeteu, que está eternarre.nte a devo-
rar, e a recarpor para redevorar, a carne de seus inimigos rrortos, rrcqueados (N~
muerrlaju, 1981:22).
521
araweté: os deuses canibais
radas. Elas sao esfregadas com o sumo da fruta aract oho {um tipo
1'
de araçá?), que lhes troca a pele, e são postas logo no banho res
susêitador. Fica claro, aqui, que aquilo que os deuses matam eco-
tal/mortífero da pessoa.
"cal,Jã M~! diml!-do pe" - "alguém acaba de ser devorado pelos deu-
522
entre outros
tamente isso: M~l demiyik~ pitª- mõ, "por desejar [o morto] estar
com os deuses". Esta espécie de "saudade do futuro" é a perdição
523
r !
araweté: os deuses canibais
pihã que ele cria no céu -, bem· como os perfumes fpftl't-p!à! 111ã,te_;:
(44) Ver Qunei.ro da Omha, 1981:162, 166, para o banoo do olvido Krahó, e o te
ma de aceitação de canida pelo mekaro.
(45). Que inverte o esforço Guarani de "fazer c:nn que os ossos pexmaneçam à esc:!!
ta" (H.Clastres, 1978:104) - mas inversão cnn o mesno objetivo: ressurrei.ção,s~
peração da condição humana.
524
..J
entre outros
(46) Mo-pi~ Y'tP! i?,J:!:_ i,h!!_, "fazer pisar l'lOValllIDte a terra", se diz ék> ato xama-
nístioo de trazer um IIDrt:O, o que envia ao mo-pyrõ Q.Jarani, que designa o ato
de encaxnação de uma alma-palavra divina em uma criança (caà::>gan, 1950:244).
comer com os vivos, venha narrar o que ocorre no céu, venha falar
com os parentes que deixou, e venha cantar o júbilo do Além. Um
dia, após irem-se tornando infreqüentes, cessam seus passeios - é
ai, quando os vivos realmente esquecem o morto, que este é dito es
quecer os vivos. Ele se transformou em um M~l genérico, e igualme~
te num genérico "ancest_ral" (pir~?,Jl I hã) . Resta seu nome, que pode
então ser reposto em uso. Morreu enfim, de certa forma: findou o
trabalho do luto.
Mas até lá, outros mortos terão surgido. Os mortos são neces
sãrios aos vivos. O canibalismo celeste e a divinização não sao
apenas uma trapaça piedosa com que se quer convencer os mortos de
525
'i
que eles estão bem, e que portanto devem nos deixar em paz. O xama
nisrno, por seu lado, não se resume a uma luta com os mortos pela
essa que a morte supera em si~ por si. Os mortos rião são necessá-
mos agora o modo de presença de bfde r~•o we, a alma dos homens
que se transforma em Divindade.
526
entre outros
527
li
i
528
entre outros
porta aos olhos dos vivos, pelo menos; ninguém se interessa muito,
Araweté, que se olham com os olhos dos deuses: ire Maf demf-do r~
529
,.. ..
(48) Cf. o Guaraní jechaka, de frn:ma idêntica, que Cado;Jan (1959:18; também H.
Clastres, 1978:106-7) traduz por ooisa visível, reflexo, rnanifestação,epifanía.
Talvez se pudesse assim fazer· o epíteto do xamã Araweté significar "reflexo da
Divindade", "aquele que iranifesta a Divindade", a tozna visível. Na vexdade, ~
rérn, o xamã a torna atrlivel. Ele vê, os demais cuvem.
"o que faz cantar as almas", e, por fim, um me'~ peiJO hã, "benze-
dor" (lit. "o que faz ventar [com o movimento do chocalho] sobre '
as coisas").
Só os homens sao xamãs. As mulheres, embora sonhem e assim
vejam os M~l, não podem interagir com estes - se se atrevessem a
cantar, i.e. a conversar com os deuses, eles lhes quebrariam o pe~
coço. Isso significa que só os homens são capazes de controlar a
excorporação, como vimos (p.453). Mas é algo mais: só os homens
são xamãs porque as relações deuses-humanos são concebidas sob uma
ótica masculina: as mulheres são o objeto, ocupam o lugar do morto
- penhor da aliança, não ·parte. Elas são a comida predileta, em am
bos os sentidos, dos deuses. Por isso, o "morto ideal" é uma mu-
lher, a morte um movimento feminino, na medida em que ser devorado
é uma posição passiva. Os homens podem ir ao céu sem ser (estar)IID!.
tos, e voltar - os xamãs -; ou podem ficar no céu sem ser devora-
dos - os guerreiros. As mulheres não resta·senão calar na terra e
serem comidas no céu. Mas, se as mulheres vivas não cantam - ape-
nas repetem as canções mal"~ mire, já postas por um homem - as
mortas cantam um bocado, pela boca dos xamãs.
Não hã iniciação ou "chamado" formais ao xamanismo. Certos
sonhos, se freqüentes, podem indicar uma vocação xamanística - es-
530
entre outros
compartilhá-lo.
tesa fio, cada vez em um pátio, boa parte da aldeia se reunia pa-
ra tal propósito. O dono do pátio era quem fornecia o tabaco, e
531
r·
1
to é: eles não pegam no charuto, que lhes é posto na boca por ou-
(50) Ver Wagley, 1976:255-6, para idênticas sessoes roletivas de intoxicação '
por tabaoo, visarrlo induzir o sonm entre os candidatos a xarrãs Tapirapé: e op.
cit.: 262, para a explicação de cerro os xanãs ressuscitam após terem sido nor -
532
entre outros
tos pelo Trovà:>: "Nós norraros e o tabaco restitui-rx>S a vida. Sem tabaco, o
Trovão 1rataria".
o o s A pr:ineira coisa
q u e o s · ~ xamã é
pedem a o baforada '
uma
de seu dlarut.o.
533
r
araweté: os deuses canibais
choques como o poraquê (aos olhos dos outros xarnãs). Essa lumines-
51
cência é atribuida ao tabaco, que é uma "coisa que ilumina" e
(51) Me '~ e~e hã. Nunca se deve jogar fora l_X)ntas fumadas de chanlto, ou nos '
perdaros na mata. ver a mesma crença entre os Shipaya, oo o:mtexto de t r e ~
to xammistico - Nimuendaju, 1981:12. Isso marca o tabaoo o:no urn "rrostra-c.arni-
nh::>", que nos orienta até à divindade.
Se os x.arrãs experientes têm os deuses "dentro da carne" (ha'a we), isso nao
significa que os M~-f não se apresentem caro seres reais, hir!2_, durante as ses-
sões xamarústicas. Mas para os novatos, os deuses sao ~ hfr9.., isto é, sao
,\ ·,., ainda o:::JIPlet.arrente exteriores.
1"
1
do aquilo que nos põe em contato com os M~f - o que inclui os so-
1
·J
nhos, a morte, e os estados de choque por doença e ferimentos. As-
sim, por exemplo, a pessoa mordida por uma cobra venenosa é visita
que escapam de morrer desse acidente são candidatos a xamã (do ti-
534
entre outros
nao "sabem" (koã) benzer o cauim alcoólico. Mas nenhuma razao era
ar~y. Toda casa conjugal - i.e. todo homem casado - tem um ar~y
Ele pode ser usado por "não-xarnãs", corno instrumento para pequenas
anos não cantam nem benzem nada, outros que rarissimarnente têm vi-
- todos estes "são" xarnãs. Mas apenas aqueles que cantam freqüent.!=
mente que outros - assim também como apenas alguns homens possuem'
535
araweté: os deuses canibais
o ar~y, e ele pode ser usado sem que se cante, como instrumento e
ficaz em si.
ças e mulheres são trazidas "dentro do ar<3_y" até sua sede corporal;
seu ar~y (supra: 247), Neste sentido, o ar~IJ é uma espécie de "cor
po", envoltório - hirQ_ - místico das coisas "sem corpo"; ele é a
ar~y iwe 52 . O ar~y, corno o tabaco, é uma coisa de saber, e urna coi
536
entre outros
(52) Este chocalho corresponde, portanto, aos maracás TUpinambá: "Os selvagens'
crêem numa cousa que cresce curo ab5oora [as cuias dos c.oocalh::>sJ . . . cada h:>-
nen i;::ossui o seu, particularrrente ... " (Staden, 1974:173-4). Hans Staden deixa
claro que os maracás, pericdicarrente aniJnados pelo pooer dos xamãs-profetas er-
rantes, eram o receptáculo de espíritos - quase certarrente da alma de rrortos -
- capazes de falar e de incitar os harens ã guerra e ao canibalism::i. Eram~
dos de "rreu filho" por seus dorns, e recebiam atençÕes humanas. Notar a funç'ão
singularizadora, identitária, do rnaracá - todo hJrrem p:issuía o seu, "partiCUlil!:
rrente" -, e a siJnbólica de substância enwlvida ("rreu "filh::>"). M:rros fetichis -
tas que os TUpin.anbá, os Araweté não tanam o aro.y por sede fixa de espíritos
mas caro um corpo mistioo gereriro; por outro lado, a flmção fálica do cooca1.ho
é marcada. Cf. tanbérn 'llievet,1953:117, inúmeras das CPJB, e ·H.Clastres,1978:47.
537
araweté: os deuses canibais
dade deveria ser trançado pelas mulheres (os homens sabem traba-
lhar o arurnã, são eles que fazem as peneiras), senão para marcar a
mais nesta linha interpretativa; mas creio que parece claro que o
maracá como um "filho" não pode deixar de sugerir que o ar<1_t1 esta
amarrado com~ fino cordão; o ar~tJ tem seu corpo coberto por todo
538
entre outros
539
araweté: os deuses canibais
1
mo é um acessório. Fechamento e tapagem são realizados tanto para
1
540
entre outros
(54) Elli:lora se diga que o xamã ?Jde matar o Sen1'x>r da Ãgua, todas as operaçoes
de re-oondução de almas roubadas por esse espirita não envolveram norte (dapi'c_f)
do raptor, mas apenas o imon!!_ hã, isto é, o xam.i era oonsiderado Clll"O tenb"OJE;
venciéb" a alma a deixar a casa do Senhor dos Rios, ludibriando este. Diz-se 1
que o xamã fala baix:inl:o, ao ouvioo da r extraviada, instando para que o siga .
As vezes, porém, Iwikatihª blcqueia a porta de sua casa, e o xamã precisa matá-
-lo - mediante o ~ - para passar can sua carga.
'i dos Mg_l, "amarra" (pap~) os espíritos, que caem por terra. são en-
tão mortos a pancadas, golpes de facão ou flechadas, desferidos so
bre o solo, no lugar para onde aponta o movimento do ar~y. ta mu-
lher do xamã ou o cônjuge do paciente quem, normalmente, funciona
como auxiliar.
Assisti a várias mortes de ha'o we de aranhas e arraias, fei
tos sem cantos xamanisticos, e a apenas uma captura e morte de(qu~
tro) Ãnl que se atreveram a penetrar na al.deia em julho de 1981. o
xama que identificou esses esplritos pôs-se a correr desabaladame~
te pelos pátios, de madrugada, tentando cercá-los com o ar~y, en-
quanto alternava um canto que era a voz dos Ãnl 55 e outro que era
(55) O canto dos Ãni nencionava que eles haviam corrido pela mata e ao longo
do Xingu a noite toda, haviam nórto três t.amanduãs~ os Ãnf chanavam o xamã de
"neu neto", e eram tratados de "avós". Essas são as formas usadas entre os ~
nos e vários espi.ritos, terrestres e celestes. A exceção são os ~ he~, que
ercpregam tro:m::is de afinidade ou o nc:ma prÕprio do xamã.
541
..,.
que isto o capacita a ser um suporte dos M~!, que cántam por sua
,,
1
sava urna noite sem que pelo menos um xamã cantasse - exceto duran-
com a doença, e além disso ninguém podia fumar com bronquite - sem
vida. Mas os xamas são aqueles que cantam quase toda noite. O can-
;_1
to é uma função do sonho e/ou da ingestão de tabaco. Normalmente ,
canto dentro de casa, com fumo e ar~y; salda para o pátio, com dan
542
-!
entre outros
grupo.
kfi_, responderam-me que "a música não é nossa (do xamã), é dos M~!"
- os homens nada tinham a decidir quanto a isso, portanto. E quan-
·cantado, sua reação evasiva foi: "não cantei nada, quem cantou fo-
Isso não significa que os xamas nao saibam o que estão can -
tos.
"O xamã é como um rádio", dizem. Com isto querem dizer que
tro de sua carne", nem ocupam o seu hiro. Excorporado pelo sonho,
543
araweté: os deuses canibais
- aquela "que será do céu" - sai e viaja. Mas é quando ela volta
que o xamã canta. E, quando os deuses descem à terra com ele - que
-qiwan~ (a menina) fez seu pai bater forte (o pé)". O prefixo ver
ção de uma ação pela participação nela - o que sugere uma vincula-
ção_ intima da alma de Iwane com o xamã, mas não implica que ela
em corpos alheios.
(56) O que nunca faz, entretanto ( ~ : 64-5), exceto para sua esposa, dentro
1
1
de casa. Isto torna a nulher do xarrã urna intérprete privilegiada darren.sagem
1
dos cantos xamanístiaJs. una vez que pergimtei a uma~ quem, afinal - que
1
norto - , havia aparecido no canto "de" fulano, ela disse que não podia saber
pois não era esposa do fulano ... E não obstante ouvira e sabia o canto inteiro.
passa à sua volta durante o transe. Não creio mesmo que se possa
544
entre outros
corpo de seus filhos, etc. Tais pedidos são feitos ao xama, nao
aos espíritos.
xamã, podem ser repetidas por qualquer pessoa, e muitas viram su-
(57) Por isso, os Araweté preferiam ouvir minhas gravações de M~! ma:rak9:. às de
rrúsica de opirah§_. QuaJx1o pediam para reproduzir cantos-danças, o interesse se
voltava para o que não era llUlSica - as vozes faladas em segunjo plaro, os ~
tários, barulms, que permitiam uma remaroração daquele m::uento. Já quanoo se
tratava de ouvir uma. fita cem canto xamanístico, o interesse era p:xler assistir
a uma re-atualização da emissão vocal - era ela em si que resp::mdia pela singu-
laridade do norento.
545
araweté: os deuses canibais
(58) Afora o a~, o maracá de daxça e a oorneta t€1'~e_ de anunciação àJs caça-
dores, não há outros instrurrentos musicais entre os Araweté. Eles conheCan as
flautas Asurin1 - que ch.anam de "t.;quara furada"-, e usavam um apito de osso'
de ou onça, cuja função desCXJnheçx:>. A distinção lexical entre
g a v i ã o "música"
(marokã) e "canto" (onfna) é-me assim obscura, poden::lo talvez diferenciar arre-
lodia d aletra. No entanto, a letra de uma c:;a:rção é designada sim
r e c i t a ç ã o d a
plesnente COTO mom~ 'o, "rontar". O verto opirahi., que significa "canto" em ou-
tras línguas, em Araweté deoota o canto-dança coletivo ao cauim e de guerra
nais especialnente a daxça: os cantos de opi;rah~ são chanados de "música dos
i.n.i.micps" ou "música dos ancestrais" - ver adiante.
soa pouco melodioso a ouvidos ocidentais, Ele parece jogar com in-
tervalos micro-tonais, e seu ritmo é pouco marcado, baseando-se n~
ma extensão forçada da respiração, de forma que cada frase termina
sempre um pouco além do fôlego, e caindo em volume e firmeza - a
curva melódica é descendente. O efeito é o de uma ladainha algo mo
nótona, lembrando mais urna reza ou recitação formal que urna canção.
As canções dos deuses podem ser muito extensas, chegando às
vezes a mais de cem "versos", e usam abundantemente construções p~
ralelisticas. Essa estrutura em versos ou frases é bem marcada. To
da canção de xamã se constrói assim: um refrão curto, em geral sem
546
entre outros
547
araweté: os deuses canibais
1
versas maneiras. Saber quem canta, quem diz o que para quem, é o
problema básico.
tom para indicar que mudou o sujeito da enunciação das frases can-
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entre outros
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'' 1
O CANTO DA CASTl\NHEIRA
550
arawete: os aeuses canibais
O CANTO DA CASTANHEIRA
550
(17) Nane rai!:Jidi pitª-mÕ ye M~! rek~, ia'i oh~ cawõnf mf
{18) Mari mõ na ha M~-f! rek~, Kad!_ne-kãni_, ia'i iwã narawôni?
{28) Ne refeme 11e he a-o i ki Maf oyq_, Nai dai d~i, he rãnã itã
nãrê nehe i ki Ma-f! (forte)
(29) A!:J! y.fp! Maf he o iwarawf kip! kati (forte)
(30) E-pirang_ eiaiyidi nehe i ki M~f, Nai dai d~i, tiriha nehetoéi
aco 'iwã i ki Ma-f!
(32) Ka Ma! reka ia'f iwª- moiyi-moiyi (Bate o chocalho sobre a es-
posa)
(33) Mari mÕ na ha Maf ia'i iwã meni-meni, Yowe'f-do? Ey~ eiaiyfdi
mara he rehe-we
551
.....
('34) Ceee 11aac:i_-dadi_ a re moneme oho o-mo-poi_-pof, i kt M~f, Nai
d~i d~i, tre rem!-do rI doroof oho mopoi_-poi_ i kt Maf
(35) Kadfne-yo oh~ rew!, manem!, i kt M~f, e11g caha toéI aoo 'iwã
(36) Ceee er,,;p~ dfto haigf mara he reh!-we, he rehe tfde Maf reka
Pt!
(37) Adf-odf-o~f k,,_; ne'! me'!, ey~ yaac:f-dad! he rehf, i kt Maf
1
!• kã nehe icir-i'i oho moiyi d-f!di i ki Maf
(45) Marl mõ na ha Maf ia'i iwã narawõni-wõnl?
petindo o refrão)
pay~, uma filha do xamã que morreu pequena (dois anos) em 1978.Ela
ria ali no céu junto com o xamã 60 . Além da menina, outra alma fala,
(60) Houve p:,rérn quem discordasse de tal interpretação, sugerincb que a menina
rrorta dirigia-se ao seu FB em carne e osso, que dormia ali ao lacb do xarra, e
552
553
araweté: os deuses canibais
-
nã-no" ,
(5) "Eis aqui os deuses emplumando a grande castanheira".
Todas estas frases são enunciadas pela menina morta. A prime!
ra é uma interpelação a um Mat ("você"). SÓ se saberá que se trata
de uma alma, e da filha do xama, a partir do verso (9): nenhuma
marca até lá indica que sej-a outro que o xamã o sujeito da enuncia
çao. A imagem focal é a de uma grande castanheira celeste (ia 'i
554
t
entre outros
(11) "Por que fazem assim os deuses, (Mulher-Canindé), por que dis
seram: vamos emplumar a castanheira?"
(12) "Eis aqui, veja os deuses emplumando a face da castanheira
Moclicla-ro".
(13) "Acenda meu charuto jogado fora, disse o deus".
riiii-no".
(15} "Eis aqui os deuses emplumando a grande castanheira, ei-los".
lha (eu, que falo), disseram que é por desejar sua filha que empl~
mamas castanheiras. O verso 10 mostra a interpolação de outro mo-
tivo, e outra razão da ira dos M~~- A menina diz ao pai que os deu
ses disseram que eles "não comeram a coisa" - isto é, não foram
chamados ainda a comer jaboti pelos humanos. A época do canto ini-
ciavam-se preparativos para as caçadas coletivas de jaboti, mas
555
araweté: os deuses canibais
peito da esposa, fechando seu corpo (hir~ ri) após ter re-conduzi-
na; seria ela que trazia a alma da mãe: "o-hi mon!!_" - "carregava
frase dirigida pelo xamã à sua esposa, como eu pensava. Com a pos-
556
entre outros
ta citações: diz o que sua filha ou irmão dizem que os deuses dis-
seram. O verso 18, por fim, põe a palavra outra vez na "boca" da
menina.
batia o chocalho:
(22) "Por que os deuses ficam assim, a errar suas flechas nos tuc!!:
nos grandes?"
deus".
(25) "Por que os deuses solteiros emplumam assim a face das casta-
nheiras, Modida-ro?"
dra".
(29) "Enfim, mais uma vez os deuses vão-me devorar do outro lado
557
araweté: os deuses canibais
nheira".
(36} "Eeeh! quanto àquilo de 'passar filha para mim', que disseram
(tal coisa)".
(37) "Nada me foi oferecido, ande, (dê) pequenos jabotis para mim,
disse o deus".
(41) "Por vontade de levar mulher para caçar, o deus empluma a fa-
ce da castanheira".
(42} "Por que você unta (de urucum) a face da grande iôiri'i?"
fim
1
558
1
i -
entre outros
559
-
! i
i
"por desejar sua (do xamã) filha, disse o deus". Esta frase só pcderia ser in -
terpretada caro citação literal caso os ouvíntes a tarassem a:xro enunciada pelo
xamã, CCln'.> sujeito da citação. Mas asslln não é: o postulado é que não é o xamã,
mas o norto, que fala, pela boca do xamã. A exceção que oonf.inna a regra são os
versos 27 e 29, quando Kãiupay~ro fala.
o Maf insta o xama a lhe dar (maP~, passar para, colocar junto)sua
que cita para o pai o que reclamam os deuses: que não se lhes deu
xamã e já lhe designando como "finado" (-Pem_!!), avisa que vai devo
1
rá-lo. Quem diz "disse o deus", e quem portanto citou o nome do
pai-finado, foi sua filha. Eis assim que, por dupla interposição,
560
1
I
entre outros
guintes foram cantados em tom mais grave, com a voz muito forte e
sua primeira parte, põe a filha do xamã citando os deuses, que de-
claram que devorarão seu "finado pai". A segunda parte traz nova -
bém o verso 29: o xamã cita os deusesl' a noçao de "mais uma vez" a
com esse perigo. o "outro lado do céu" (lit. "do lado das costas do
midade do xamã no céu. o deus - citado pelo xamã, não mais por sua
ele "flechar tucanos", uma metonímia para "levar ao mato", por sua
561
-
;J
-
~----------
araweté: os deuses canibais
(64) Até a:JUi, a cena c:b canto era algo indefinida. A grande castanheira est.a-
ria em qualquer parte do mundo celeste, nas proximidades da aldeia c;bs deuses;
a filha do xamã se corp::lrtava a::m:i Ull'a irensageira do que diziam os deuses, en-
quanto ele não chegava. Mas naaa disso é nruito claro, e os índices espaciais da
trajetõria do xarrã são vagos ou deli.be.radatrente confusos - caro no caso dos deu
ses estarem ~ na terra e lá no céu. Os cantos de benzimento alirrentar são
usualmente, mais especificas em detalhar aspectos do deslocarrento espacial da
a:::rnitiva divma que desce à terra.
562
\
/
entre outros -
vocês, nao vim aqui pegá-la de volta não' ... ". O verso, em si, é
uma espécie de resumo elíptico do que se passara no céu, e nao pr~
estão sendo jogadas aqui: primeiro, que a morta, enquanto tal, peE
tence aos deuses, não a seu pai terreno - disjunção xamã/filha mor
poder sobre sua filha, e que ele deve reiterar por isso a cessão'
563
araweté: os deuses canibais
goro furor canibal dos Maf. Outros cantos são mais jubilosos, es-
564
entre outros
dizia ao xamã (seu irmão) que um M~f queria sair com ela, e pedia
o xamaniza. Mesmo nos casos, por exemplo, em que urna alma foi rap-
tada pelo Senhor da Agua, aquilo que o xama canta durante a re-con
raçao terapêutica.
565
-
araweté: os deuses canibais
como h~'o we, mas como presentes, por seu nome próprio ou conexão
próprio xamã.
-lo com segurança, observei uma maior freqüência, seja nos cantos
medo desta alma em se aproximar dele (seu ex-sogro), pois gue ela
armas aos A.raweté foi feita um dia após a morte de Awara-hi. Outra
566
\
/
entre outros
entenderam a referência.
a alma desta mulher morta: alguns eram seus "irmãos", outros "so-
gros", "pais", ap.fno, etc. Isto nos leva a duas questões: quem se
manifesta, e quem canta ou faz cantar que mortos. Ao que parece
todo morto surge pelo menos uma vez na boca dos xamãs, no período
após o luto e dispersão da aldeia. Mesmo crianças pequenas (quando
sao eles que suscitam sua presença, não o xamã. Por sua vez, quan-
do dois ou mais mortos aparecem juntos em um canto, podem estar
(ou ter estado) nas mais variadas relações recíprocas de parentes-
co: pais e filhos (caso do canto da castanheira), irmãos, tio e s~
brinho, cunhadas, etc.etc. Além disso, é comum que um xamã cante
tes - ou nao são focalizadas: nesses casos, o xamã pode ser uma
ponte para que a alma interpele ou se refira a um parente vivo de-
com que se possa cantar qualquer morto: além do que, um homem pode
567
•
araweté: os deuses canibais
{67) E é talvez nesse mesno sentido que se possa interpretar o principi.l atrib!!
to do xamã Wayãpi (Gallois, 1985}: wa:ruá, que os lndios traduzem p:>r "espelho"
- e qU: reificam num objeto mistico de tifo visual, ~ t o o jcgo refletor do
xanã Araweté se expr:ure sobretudo IX) ero vocal do canto citado. Este espelho W~
yâpi é uma espécie de "retrovisor" - algo que permite se enxergar o que não é
visivel de frente, sem IOOdi~. Cbntrariairente, os xamã.s T.apirapé usam eSfe -
llos para afugentar os espÚitos (Wagley, 1976:249, 267), que,jâ reflexos, nao
J;"-Odan ou não toleram contenplar a própria imagem.
570
..
entre outros
pria voz, que aparece como um "relais" a mais na longa cadeia enun-
falam. Quando fala de si, é outro que está falando; e quando fala
neles contida é posta na sua conta. "Fulano (uma alma) disse tal
coisa (algo que disse um deus), disse tal xamã", dizem os outros .
também é dizer algo, algo que não seja o que foi dito por outrem.
571
araweté: os deuses canibais
esposa do xamã é sua principal auxiliar, que vigia para que seu
charuto esteja sempre aceso, acompanha seus passos, interpreta seus
cantos, dança com ele durante a dispersão das flechas alimentares,
e o assiste no perigoso benzimento do mel. Toda seçao residencial
tem pelo menos UIT1 xamã importante, e pode;iamos dizer que os
de cada grupo doméstico estão para o chocalho e a voz do xamã pri~
cipal assim como cada casa está para a casa-matriz da seção resi -
1, dencial. A correspondência, certamente, não é perfeita: há lideres
1
572
\
I
entre outros
573
araweté: os deuses canibais
devoradas-, elas fazem aquilo que as vivas nao podem fazer, asa-
çao da castanheira.
vez por isso cante mais as mortas que os mortos-; enquanto morto
genérica dos humanos face aos deuses: coisa para ser comida. Se a
' 1
574
entre outros
ção global e genérica dos humanos com os Maf só pode ser urna de a-
parte das divindades celestes é referida como nan! ram§_y oh9.., "no~
sos avós grandes" - notadamente o Senhor dos Urubus e os perigosos
parecem ter uma relação mais próxima com os humanos, e vivem aliás
Os M~f het!, corno um todo, sao ire tiwrj_ oh9..: "nossos (plural
391-3, 433-4): algo entre o Ego e o I?irnigo, seu emprego conota uma.
575
lllft"""
araweté: os deuses canibais
Mq_f! het~, ou sao apenas citados como "Maf", e citam o xama pelo
nome pessoal deste, ou estão em uma relação especifica, de afinida
t
/!I
mã ou outros, destinatários ou "personagens" vivos do canto:
suas
t1·
hl ~ etc. Termos da série do parentesco nunca são usados, mesmo que lo-
576
~
entre outros
(69) M.ri.ta gente afirmava, entretanto, que os Asurini roortos tãn seu lugar no
oou, em aldeia própria; e assim tarnl::ém os branoos. No primeiro caso, isso se
justifica pelo parentesoo dos Asurini o:rn os Araweté, rerrontando à cisão TUpi
ancestral. O segundo era certarrente uma indulgência em meu benefício,
aw{ pey~ são corno que uma modificação-xamã, uma existência sob o
são perigosos para as almas humanas, nem canibais. são urna espécie
577
tM
araweté: os deuses canibais
ros.
Iraparadf, um Araweté-Inimigo-Imortal.
Nunca assisti ao processo que segue à morte de um inimigo,de
(70) Esta palavra é una haplologia de moro- ou mir-i-, prefixo verbal que indi-
ca que o verb::l subseqi..iente se refere a huma.ros, e da raiz verbal naninalizada
(h)opf. 'hã, que significa "mataoor". Ela denanina um estatuto social, o de honi-
cida; o verbo corrente para "matar", yo~, produz formas gerais, "não-lexicali-
zadas", a::no yok"ji hã, "matador", tudo o que mata. Moropf 'hã designa apenas o ~
micida Araweté. O fm.ico a::ignatp identificável deste ronceito é a foma Aché
brupia.Pe, a:xn o rresrro significado (P.Clastres, 1972:248) - onde bru- é o Ar=.
moro-.
\i
jenipapo, e cada homem portava pulseiras, testeiras e jarreteiras'
578
-,.
entre outros
1 (71) As pessoas norta.s p:,r inimigos são tratadas COTO todo norte, oo céu: são
/
1
~raàas e dep:,is imersas oo banh:> ressuscitador. A diferença é que, guaro.o um
ataque iro.migo manda para o Além nuita gente de uma só vez, seus oorpos sao
p:,stos tDcbs juntos na bacia das almas.
Tais eventos de rrorte em massa, resultantes sobretu:b das incursões I<ayaIX> ,
são lanbrados cx:m h::>n:or, não só pelo fato em si da perda de familias inteiras,
mas por:que os sobreviventes temiam que o céu, pesado de tantos nortos de uma só
vez, desabasse sobre eles, acabai.m o rrurm.
O espectro terrestre oos nortos na guerra não parece ter qualquer particula-
ridade que o distinga, e a dispersão da aldeia, nesse caso, se deve antes aos
inimigos que ao "t!!'o we. Na verdade, algwias pessoas aventaram a hipótese de
que os "t!! 'o we das v1 timas de inimigos ficassem junro a estes, o que é verossi-
mil, e carpativel o:m a estória de que os xamãs KayaIX> "matam o ta'o we" dos
Arawetê que eles matavam.
579
-
-
araweté; os deuses canibais
bélica. Apesar dessa posição mais passiva que ativa nas guerras hi~
mo um povo de guerreiros.
sim que chega à aldeia ele se recolhe em casa, e jaz corno quedes-
.1
maiado vários dias, sem comer nada. sua barriga está cheia do san-
pas e dos besouros, o ruflar das asas dos urubus que se aproximam
de "seu" corpo morto - seu próprio cadáver, mas que é ac mesmo tem
po o cadáver real, do inimigo morto, na mata. Ele se sente "como
apodrecer" (itoy~ heP!_). Os espíritos IWiPa nà e congêneres so
prarn em seu rosto, para que reviva; já os Mal não se acercam, nem
580
\
1
entre outros
comer jaboti".
(72) A distinção entre -~'o we celeste e terrestre não faz sentido para o caso
de i.nimi.gos; ou nelhor, se os inimigos em geral só existem p:>st-nortem mm
ta'o we, os inimigos nortos p:::>r Araweté, fundindo-se cun a alma celeste do mata
oor, só manifestariam um ha'o we celeste.
581
- - -
araweté: os deuses canibais
metáfora canibal~
·1 (73) As mulheres, que quaooo darçam no operahi não cantam, fX)dem repetir as
c:an:;ôes de darça ou guerra livrerrente - e o fazem no mesrro diapa20 agu:k,, ccrn
o registro em falsete, que usam para o Mqf! mar~. As músicas de dança não uti-
lizam o vibram; elas jogam a:rn a duração silábica, um sistema de cesuras ou ~
tervalos rit:mims que "quebram" as palavras ao meio, e urra repetição guase-hip-
mtica. Una letra ou canção de dança funciona caro os refi'Ões do canto xamanis-
tim, i.e. ccnn apoio para outra coisa: ro Últino caso, para o verso; no prme~
582
f
1:
entre outros
ro, para a clan;a. t interessante rotar que as mulheres, ao repetiran cx.:m sua
vozinha aguda e meio lamuriante as ~ xamanísticas, podem estar enunci~
do palavras ditas por uma alma feminina - e que foram originalnente manifesta
·aas pela voz grave cbs xamãs.
têm estrutura idêntica. Ora, assim como o conteúdo dos "nomes con-
583
araweté: os deuses canibais
.
gosos, suJeitos -
a restriçoes . - 74
de em1ssao
(74) A ~ão dos Ãiil é UIM. "música de ancestral", mas nunca é CMtada em dan -
ças, sarente pelo xamã quan:jo este cita os Ãii-f_ canta.rrlo, nas sessões de captura
e ITDrte destes esplritos. As precauiies verbo-musicais Araweté são a:rnplexas, e
rreu o:inhe.cirne.nto das rraísicas de dança e de ancestrais é pe::JU.eno. o únioo canto
xamanístioo que não ~ ser repetido é o do canibal Iaracl:. Já as canções de
opirah~ restritas soo:
(1) Aêiãi_ reiy'f:_ pe ("Entranhas do Guariba"): associada ao Guariba M:mstru:Jsq
não se pode cantá-la durante a fase de anadurecilrento oo rnilix:, (quando, de res-
to, nã::, hã opirahff_, i:ois se está na rwta), ou ele não cresce.
(2) Nã n€_ml-nã nl ("Futura vitima da Onça") - é o cante dos matadores de on-
ça; tamoon prejudica o milho brotante, e não p:de ser cantado por rreninos.
{3) Yato wl ("Pessoal de Ya~"} - um dos inimigos que se dispersaram; efei-
tos deletérios sobre o milho.
(4) Os cantos da "centDpéia", do "Ma.caro-prego funstruoso", oo ''Jal:oti Gig<l!:_
te", e os dos inimigos rnítioos Itakad!, Ta 'akat::!:_, Madap1:_ - todos estes são le-
tais, ha 'i~ hã, sua emissão é suicldio. Nunca os ouvi.
A emmci.ação original de um canto rorerrorativo da norte de um inimigo tarrJ:.ém
não po:iia ser ao.::npanhada por rapazes pré-púberes, e muito rreoos por mulheres.
584
-
entre outros
por aquilo que iria apodrecer" (i.e. sua boca de mortal, ytri ami
canto tradicional - cf. nota 74), ao passo que a música dos deuses
uma dança de guerra (p. 298-9): todos portam suas armas, e a fun-
lo de geração da dança.
585
1,
!
!
11
J'
arawetê: os deuses canibais
586
entre outros
como o matador de Maria-ro (verso 3), que cita o que este canta:
"estou morrendo".
pode ser uma contração de *towa ohq_, "inimigo grande 1175 Acontece'
tador, tudo pela boca deste Último que "cita" globalmente o qu"e
587
araweté: os deuses canibais
da década de 70:
! ;~
-
(6)0yi_-mo-yeP!!_ n ane Pehe (6)ela se desvia de nós;
(2a.parte)
(7) Oy-f_-mo-yeP~ nane atã (7 )Ela se desvia de nos-
ne so caminho,
(8)Pa da k-t he kãni mo- (8)Assim conversava mi-
Pânita nha mulher".
-no, que se rejubila por nao ter morrido; ele cita o que ouviu ou
disse sua esposa. O primeiro bloco se constrói sobre a imagem do
vo), que puderam fugir - o homem saiu flechado, mas não gravemente.
588
__J
-
entre outros
do evento real. Mas, quem é essa he kãiii_, "minha mulher", que can-
cantador; mas que quem dizia "minha mulher" era o espirita do ini-
(1) aramana
Ntp<;!_ (1) "Estes besouros-aramanª,
( 2) Aramanã ika-ika (2) Os aramanª pendurados,
(3) Nip9_ mamana (3) Estas mamangabas,
( 4) Nane ã woko re (4) (Pendentes) de nossos longos
cabelos".
589
1
■
trazem seus cabelos raspados ou bem curtos; a imagem '' longos cabe-
los" é, portanto, algo imprõpria. Isto sugere que o canto em pauta
deve ter se apropriado de alguma figura tradicional, provavelmente
de algum canto antigo referente aos Towaho, tribo descrita como
"gente do cabelo comprido 1176 .
(76} OS três CM~ maruki acima foram cantados, juntarrente can v&rios outros, du-
rante uma cauinag6!1 em agosto de 1982. O cantador-líder desta festa era, p::>r a-
caso, ele rnesm:J um mo1'opf!_'hâ, que cantou as canções que lhe tinham sido direta-
nente inspiradas pelos inimigos que matou; não consegui oontudo traduções inte-
ligíveis desses seus cantos. Note-se que a Ültine ~ c:uentada foi "posta"
(mar~) p:::ir um Araweté vivo,que aliás participou da festa, mas curo silllples dan-
çariro. ''Suas" can;ões foram, coro todas as outras, corrluzidas µ:lo ma.Pak(_!jl,que
tinha às costas um velh::, do grupo - e que não era matador, mas dono de l::oa rraró
ria. V-e-se assim que, uma vez o::.np:istas, as canções de inimigo tornam-se pro-
priedade ~ , o que não é i;:ossivel para uma canção xawaru.stica.
(77) As diferenças entre o M'!_f ma:rakª- e o Awi marakli_ µ:,dem ser assim listadas:
590
....
entre outros
Reg:ure
ciação
da errun - Especificação das posições
enunciativas: distinção '
"Reverberação": identificaçãc
CXX11?lexa entre sujeito da e-
cantor/canto/rersonagens . nunciaçâo e do enunciado. For
Forma triangular. ma dual-especular predttnina. -
591
-
araweté: os deuses canibais
592
A
...,,
!
entre outros
593
araweté: os deuses canibais
pêndice seu, algo que ele trará eternamente consigo. SÓ muitos anos
que jamais serviam de objeto de deboche jocoso, que vitimava atê '
594
entre outros
mesmo xamas de peso. "Os matadores de inimigo sao assim, sao fero-
tadores - morop!!_ 'hã pet~ mem!"._, "todos matadores, sem exceção". De-
'hã nehe - sobe com este ao céu, quando ele morre. O matador e
(78) Catparar con o canibalisro do matador Yancniarni, que apSs urra norte vonita
a gordura e os cal:elos de sua vítima, sinal de que cnreu sua alma; e a posses -
são do guerreiro pelo "principio vital" aa vítina, qué o atornenta e enlmquece,
de um rrodo serrelhante à "chegada" do ai,Jl na 'o we oo hanicida Araweté (Lizot
1976: 13, 228).
595
L_
-
-
araweté: os deuses canibais
sua plenitude.
596
entre outros
(79) Os Shipaya, canibais e a::rn deuses idem, apresentam uma versão fraca cb te-
ma Araweté sobre a incolumidade do guerreiro ro Além: só as almas que chegam '
portando um colar de dentes hunanos são, por temidas, poupadas de urna surra mi-
nistrada pelo espirita que as recel:;;e (Ni11lueoo.aju, 1981: 30). E o tema Araweté é
urna versão que por sua vez enfraquece o dogma Tupinarnbá, em que só os matadores
tinham acesso à :irrortalidade.
que estão além - já são deuses. Fica bastante clara aqui qual era
"e alguns andam tão contentes cem haverem ser a::rnidos que por ne-
nhuma via =entirão ser resgatados para servir, porque dizem
597
-
araweté: os deuses canibais
que é triste cousa rrorrer, e ser fedorento e canido de bichos ... "
(1978:114).
(80) Entretanto, se os inimi,:ps humaoos eram cernidos, os jaguares não. 0..l seja,
em quiasroa: tratava-se um jaguar, síml::olo do canibalisrro, caro se fosse um h~
no; e se tratava um humaoo inimigo do "p:mb::J de vista" dó jaguar - era devora-
do. De todos os 'I\lpi-G.Jarani, creio que apenas os Acllé a:::nen jaguares (e uru -
bus), o que se liga a duas idéias: a alma-ove dos harens irrtfortantes se trans -
foma em jaguar canibal; e se o::uan os m::>rtos para que sua alma não os o::ma, ~
net:rando em nosso coq:o (P.Clastres, 1972:242-3, 275, 302, 332-3). o nataoor
Achê, i::or sua vez, é t.antãn canibalizado i:or sua vitima, que penetra p:,r seu
ânus e lhe devora as entranhas - a alm:1.-ianve deste norto-can:ibal deve ser vo-
mitada (op.cit.: 250-1). O sistema Aché de vingar uma llDrte natural pela execu-
ção de outra pessoa ao próprio gnip:) (uma criança) produz uwa torção peculiar
ro jogo de identi.ficação-substituição entre norte e matador: o matador da criilQ
ça se tomava, após "norrer", sua própria vitima - era adotado pela mãe do mor-
to. (op.cit.:259-6O).
598
,...
entre outros
1
de um jaguar nao é matável xamanisticamente. Ele fica junto a seu
599
.
araweté: os deuses canibais
vam falando, citados pelos mortos via xamã - dizendo que Iraparadi!_
kãni-no quem era aquele Iraparadi_ que escrevia e fumava tanto, ali
seu marido que falava, pois este a havia deixado morrer nas ma.os
como wna alma de um matador, sempre intervém naqueles cantos que '
manifestam divindades perigosas - assim, quem cita o canibal Iara-
dos Maf (N.B.: eles são M~f), que os M~f temem assim como os mor-
1
!,
1
O ideal Araweté expresso na idéia de que antigamente
em
t
-a,,ma.nidadl6
-
araweté: os deuses canibais
602
entre outros
Irapara~i, mas são M~!, e têm relações com os Maf hete e os huma -
res-inimigos-Araweté.
603
araweté: os deuses canibais
BrDE
IMORTAIS MORTAIS
" ••• the ultim:3.te irony of death is that its final o::in:iuest is
only adúeved by embracing it oneself ... Such a solution is
clearly not available to any on-going social system ... " (Bloch &
Pan:y, 1982: 39).
604
--------------------------------,~
entre outros
Bem, talvez esta solução não seja viável para um sistema so-
entretém com o Devir, para que seja a figura que rege a química
605
d
araweté: os deuses canibais ,
j
Vivo Morto
(l + hiro) (-a' o we)
~ 1r--------.J.L">_,;:,._.
...- - - . .
Ceu/Maf Terra/Ãni
(alma+ anti-corpo) (corpo+ anti-alma)
606
entre outros
o que será Pessoa, e M~f di, o que será Divindade, para designar a
1 alma ativa do morto. Os verdadeiros Bfde são os Maf - isto é, os
tro: o deus, o morto, o inimigo. Entre bfd! pe, o que foi Pessoa,
e bfde ri, o que será Pessoa, está e flui bfd!, a Pessoa, entre a
terra e o céu, o passado e o futuro, a cavaleiro do Devir. Tendo
sido, vindo a ser, ela não~. propriamente, nada: é outra - devém.
nao é, e isso que serei é o que não sou: um deus, "ambíguo e tent~
dor" corno disse Nietzsche de outro omest€s, "comedor de carne crua"
inimigo - porque, qua morto, sou um inimigo _do Sujeito (B~d!) ce-
607
araweté: os deuses canibais
608
entre outros
vindade que vai. Mas este futuro e também um passado absoluto: an-
manos eram (pois estavam com os) M~f: morrendo, serao Mal. t isso
[Os Araweté sabem que um dia o céu lhes cairá sobre a cabeç~
pesado de tantos mortos. Neste dia, quem ainda não tiver morrido,
almas celestes não são ancestrais, seu principio pessoal não de-
mora mais que duas geraçoes para mergulhar no olvido e sua voz
609
r----
-
araweté: os deuses canibais
(83) Sahlins, 1983: 88, sobre os ilhéus das Fiji. seria mera ooincidência depa -
ranros can \1111 meSITD epíteto - "coisa Gi::ande" - usado, entre os fijian:)s, para
designar os chefes e as vltinas sacrificiais (hur.anas), e, entre os Guarani-
-M:iyá, para o cadáver? (Mba'e guachu - c.adogan, 1959:200). Não p:)r acaso, ce~
mente, a linhagem senoorial nas Fiji, e os chefes havaianos, eram os "TubarÕes"
da terra - a::rro os deu.ses Arawetê sao "jaguares", o deus Shipaya ê um Jaguar
etc. (Sahlins, q>.cit.: 76).
coisa.
610
entre outros
ram com outros povos Tupi. Meus dados aqui são escassos e ambíguos.
Mesmo aquelas pessoas que negavam terminantemente ser seu povo ca-
cia das almas quanto ao seu canibalismo; seriam então imortais nao
sima Pãnorã-hi aceitou de bom grado a pecha, e disse que era isso
611
araweté: os deuses canibais
V I D A - - - - - - - - - - - - - . MORTE
Céu-Ma!
Princípio vital
SOBRENATUREZA Ossos, pele
Futuro
Duplo cozimento
CULTURA
Terra-Ãni
Sombra
NATUREZA Carne
Passado
Duplo apodrecimento
osso, entre céu e terra: o cru. Se um morto termina como duas ve-
612
entre outros
zes podre, e um imortal como duas vezes cozido (em lugar dos "nas-
são assim esses deuses? Eles são jaguares com fogo. O sistema ope-
ra por uma inversão de perspectivas. Do ponto de vista dos humano~
são crus, comida crua, que carece de ser duas vezes cozida para se
613
-
araweté: os deuses canibais
(84) Essa ambigüidade essencial dos MÇ!_f, perfeitos oozinheiros das almas e ~
dores de cru, pode ser a::nparada à oo Kuerroi Piaroa, um dos oois i.rmãos-demiur-
gos; ele tan duas cabeças, uma a:xne carne crua, outra cozida (Kaplan, 1982:15).
(85) Não será então por acaso que entre os Kaapor, onde o x.amanisrro é um valor
sub:Jrdinado ao valor "guerreiro", o garrbá seja tioo caro um xaroã (Huxley, 1963:
249); que entre os Tapirapé, onde o xamã ê um "guerreiro", sua m::irte desenca -
deie jaguares (Wagley, 1977:185); que entre os Akuãwa-Asurini, onde o xam:misrro
parece prevalerer sobre a gu=>..rra, SCll,)ara, o espírito Jaguar, seja o familiar ~
clusivo cb Y.amã (Andrade, 1984a). Já :rrencionarros o deus-jaguar Shipaya, canibal
Posso perceber agora que a peculiaridade do espectro terrestre dos xanãs Ar~
tê, aquela de cantaran - nostrando assim urna maior "animação" que os nortos a>-
nuns, pode ser uma inversão distintiva do estatuto "não-gambá", jaguar-inputre~
civel, da alma celeste do matador. A afinidade entre os jaguares e o céu é urna
614
r
-
entre outros
fortemente cognáticoz não a levariam em conta. Não sei até que po~
morto, mas vige entre ossos celestes e carne terrestre (os ossos
615
..__ _
araweté: os deuses canibais
616
entre outros
po, é outro, deve ser morto e comido pelos deuses; inimigo, outro,
so: "o canibal não é sempre o outro?" (Clastres & Lizot,1978: 126)
mortos: para que os Araweté possam ser - sejam reais. Entre outros,
~ 87
vive-se, intervalo. Na morte, e-se, paradoxo
(87) Os Aché pÕem clararrente que os m::>rtos do grupo devem ser devorados porque
sao inimigos, canibais contra os vivos; e os inimigos JTOrtos pediam ser ccmi
dos (P,Clastres,1972:322,323-35), Por outro lado, leia-se Guidieri sobre a nE
617
--·- -- ,._,.___,__:__.:_._._;_;_·f..
araweté: os deuses canibais
(88) Ver a crítica documental definitiva que Forsyth, 1983, faz ao uso dos ma
teriais TUpi quinhentistas por Arens, necessária no contexto anglófono.
618
r
l
entre outros
(89) Ver a soberana e inane palavra final de A.Green, que a partir de uma dedu-
ção estritarrente interna à psicanálise (aliás, coerente), sentenciá sem apela -
çao:
" a própria natureza das pulsÕes canibalísticas é tal, que a
relação oral caniballstica ao seio não pode ser senão fahtasmáti-
ca. E, se oertos grur:os humaros praticam o canibalisno real, eles
não fazem senão agir [atualizar] um fantasrra remanejado e raciona
_lizado ... Não há então, proprianente, canibalisno real, bruto. O
fato prilleiro, apesar do que a pré-história e a antropologia tes-
temunhem, não é o canibalisno real. A realidade éb canibalisno é
a possibilidade de fazer passar no real o fantasma que o susten -
ta" (1972: 45, grifo no original).
()Je ciD haja canibalisno "bruto" ("real" ... ), estarros todos de aooréb. Que
ele tenha que ser reduzido a um aparelh:> da identificação narcísica illlaginária-
- oo plano do grupo social e da oosnologia, e da oonstruçãp da Pessoa - isso é
uma violência de divã. A inq:ossibilidade do canibalisno real é de outra ordem '
que essa, de derivação (perversão?)de um genérico e nonnal canibaliSl!O pulsio -
nal.
619
-
araweté: os deuses canibais
Por isso, ele é sempre (o) outro, e não tem avesso. E, se a motiva
620
entre outros
621
CAP!TULO VII
OS SERES DO DEVIR:
A METAFÍSICA TUPI-GUARANI
1
i'
i
(Durkheim)
623
-
araweté : os deuses canibais
624
os seres do devir
vejo por fim que o próprio titulo que escolhi, que me parecera ó~
vio e neutro, cria uma figura tipicamente Araweté: pois "Araweté"
inimigo" - usado aliás por eles como nome pessoal-, sendo o nome
dade, Maf.
te ter sido uma tirada de humor, negro ou Zen - Tupinambá sem dú-
vida; ainda assim, e mesmo que não tenha iluminado o alemão, tra-
corno pensava Staden, nem urna ornofagia (comer cru), para usarmos o
homens Bororo são araras" ou "os gêmeos Nuer são pássaros", com
--------- --- --- -·-- . ---· . ---
625
r
araweté: os deuses canibais
(1) Assim os Shipaya tân CX11D cer.i.nônia central a descida dos mortos para fes-
tejar cem os vivos. As alnas-iánãi tonam o corpo do xamã, e esse processo é ,
por algum llOtiVO, uma "jaguarização" - atbora as àlmas não sejam onças:
"O pajé Mi.la?'! me disse clara e· distintamente: os iá:nãi •não po-
dian dançar e beber cx:aro os vivos, por isso tonavam seu oori;:o, e
enquanto 'ele mesrro', incapaz de fazer qualquer coisa, pellllalle -
• eia dentro da casa de festa, os iánã.i dançavam lá fora cem seu
corpo. Perguntei-lhe então crno se sentia nesta ocasião, e rece-
bi a resposta: 'Ãs vezes me parece que eu sou, neste m::riento, um
jaguar'." (N:imuendaju, 1981:32),
•
Não sô, naturalnente, entre os Tupi-Guarani o jaguar desenpenha um. papel
<DSnOlógico central:· suas associações cnn o xamanisno e a chefia na Anerica do
Sul foram extensanente analisadas p:,r Reichel-D:>lmatoff, 1975:caps. 3 e 6. Mi-
nha hipótese <GUi, CXIID vim:>s, é que o lugar ocupaoo por este animal na CX>SIO-
626
627
-
araweté: os deuses canibais
(2) E terá sido por isto que Schaden (1959: 119) decreta que o "herói rnítio::i da
tradição tribal" para todos os Tupi-Guarani se rrodela necessariarrente na figu-
ra do xamã, não na do guerreiro. Assim não é, para os Araweté, onde, o:::mquanto
xaroãs, as divindades ~-f! têm caro signo principal sua posição-gue=eira - nao
serrlo, é verdade, "heróis culturais". creio que Schaden extrap.->la a situação '
dos Guarani atuais; de toda forma, conrordaria a::m ele quanto a urna inaior eiiri.-
nência, em geral, da função-xamã.sabre a função-guerreiro para os TG, mas elas
se caubinam em figuras ccuplexas.
628
os seres do devir
gar de xamã. Essa matriz poderia ser comparada - para que suas se
(3) Huxley (op.cit.:82) sugere um ethos de continência sexual dos chefes Kaa -
por (os "~-cabeça") que o aproxima dos xarnãs de outros grup:is. A irrp:Jr~
eia tradicional do chefe aldeão= chefe de guerra, investido de pxl.eres de
iniciador, é destacada entre os Kaapor (op.cit. :172), que por sua vez perderam
o :xarranisrro, dependendo de especialistas Tenetehara.
629
rd
araweté: os deuses canibais
no, esse das relações com a Sobrenatureza (tal como defino este
"os Kayabi vêem sua sociedade ideal dirigida por um chefe vel.h:>
e aguerrido, que só pode exercer can plenitude sua função pura -
nente política e cc:ordenad:>ra quando rruit.os xarnãs bons garantem
a toaos os membros do gnip::> a assistência transcendental. Assim,
chefe· e xamã correspondem à imagem ideal de uma personalidade ,
mas a força d::> xarM atua independentarente do chefe, en:]Uallto , .
630
~--·---
,,,,.,.
os seres do devir
(pps. 157-8).
cial:
631
araweté: os deuses canibais
632
os seres do devir
(5) Os xama.s têm relações sexuais a:m as .rerreas dos qt.Bi.xadas, i::;roduzindo os
por=s. Essa crença, invertendo radicalnente o carplexo Guarani do odJepotá
transfonnação em animal por contágio sexual a:rn estes, que se segue ao consurro
de carne crua - O caso forte é a transfonnação em jaguar por cópula can o "es-
pírito da e.ame crua" transfigurado an jaguar-nn.tl.her (o tupichua; cf. cac:bgan,
1965:7-8; 1962:81; H.Clastres, 1978:94) -, marca in~vocairente um devir-ani-
ma.l oo xamã Tapirafé, e sua posição ambígua, extra-social: natureza e sobrena-
tureza, ani.Jnal e "divino", protetor e inimigo. A norte de um xamã desencadeava
a fúria oos jaguares, enviados ã terra pelo Jaguar Celeste (Wagley, 1977:185).
O xamã é assim, rrorto, rretanirnicarrente associado aos jaguares; já o xaIPã Guara
ni é um anti-jaguar, visto que evita carer carne e procura o estaoo q:osto do
od.Jepotá, isto é, a transfiguração em divindade sem l!O=er.
633
araweté: os deuses canibais
to" J:X)r estes. Já o ad::llescente deve encenar um mito em que um jovem escapa de
inimigos canibais; é isto que seu canto celebra - arte da fuga, p::>sição anti-
-guen'eira (Wagley, 1977:156-7).
O xammisrro Tapirapé, apesar de sua irrportância vital para a cnsrrolcqia do
grupo, se extinguiu, nas décadas que se seguiram à primeira viagem de Wagley,
Isso talvez i:ossa ser explicaélo pelo excesso de contradições encarnadas na fi-
gura do xanã; um processo análogo a:> abarrlaro da antrcp:)fagia por outros i;ovos
Tupi -Guarani?
{7) (l:).cit.: 110. Os autores não registram outros tenros para "alma", etc., que
entretanto enomtrarros m dicionário Tembé-Tenetehara de Boudin (1978). SUSf-€1
to que o tento eh.Jê seja analisável em "ex-mrp::,", e que as investigações de
Wagley e Galvão não tenham sido, nessa área, profundas.
634
os seres do devir
(8) Que pareoe também vigorar para os Siriooo: as almas dos harens "l:x:ns" nao
retornariam para assanbrar os vivos, as dos "maus" sim (Holmberg, 1969:243)
Holmberg declara enfaticamente (loc.cit.J que não existe Outro Mundo pósturro ,
que as idéias sobre a alma são "cnnfusas e vagas" . l'Enciona contudo dois tipos
de espíritos da mata, os kUJ:>Ük.Ja (cognato de *Karowara?) e abacikhlaia, ambOS'
identificacbs canos espectros dos nortos (pps.239-40, 242). O autor é tão p~
conceituoso quanto ã simples inteligência dos Siriono, que se toma dificil a-
creditar no que diz, sobre esta ãrea de sua cu.ltura. Já os costunes funerários
rrostram aspectos interessantes: após a deo::nposição das carnes (o cadáver era
exposto numa platafOTITia) , os parentes do norto deviam enterrar seu esqueleto ,
de nodo a evitar o surginento de um kurúkwa - exoeto o crânio, que era guarda-
do caro reliquia protetora. Tem-se aqui uma inversão do costurre Adi.é, que pr~
creve o esfacelarrento do crânio pós-decarposição, de nodo a dispersar a al-
ma-ianve que ali se aloja (Holrrberg, 1969; 232-6; P .Clastres, 1972: 300) . Ver NÍIDU
erdaju,1978:6, sobre a rrorte súbita ou violenta caro má, para os Apap::cÚVa.
635
araweté; os deuses canibais
636
os seres do devir
anirnalidade/alteridade.
póstumo especial.
637
araweté: os deuses canibais
638
os seres do devi1
118).
ayvykué, alma celeste, que se encarna em uma criança deve ter sua
procedência divina identificada pelo xamã, e isto fundamenta o no
639
-
araweté: os deuses canibais
porçao animal é muito temida, devendo ser morta pelos xamas meno-
lavra-nome, que vai para o paraíso, e a ã, "alma -<lo corpo."., ____ qqe
(10) Outro nare para o espectro Mbyã é takykuéri gua (Cadogan, 1959:104), que
640
os seres do devir
creio p:rler analisar (cf. fXloley, 1982:29, "ak11kue") em "o que fica at.rãs", o
que resta. Isto repete literalmente a idéia Araweté de que os ta'o !Ale "ficam
atrãs de ros" ( ~ : 502) , oo sentido geográfioo e tetparal.
641
araw'eté: os deuses canibais
(11) "Dn geral, um grande número de genros favorecia as tentativas feitas nes-
se sentido [de fundar uw. nova roa.loca] por alguns chefes de família. Isso era
Iruito inq:lortante para estes, i:ois os hanens atraídos para sua maloca deviam
a:mstituir os grupos de guerreiros a ele subordinados. 'l'Odas as fontes ... sao
Ul'Jâniires en indicar o fato da maloca a:mstituir, i;:or isso, um grup::i guerreiro'
forteirente solidário" (Fernandes, 1963: 72-3) . A cntpilaçoo de Florestan a res-
peito das regras de formação e funcionanento das aldeias 'l\lpinambá toma bas -
tante claro aguele princlpio de subordinação lógica da aldeia ao gnipo cbrésq
co, que analisei para os Araweté - ~ : 287. A proouç.ào da U!Údade aldeã
nesse sentido, se fazia não _p::>r uma dialética interna, que opusesse-unisse as
unidades darésticas e/ou grupos cerin-oniais, mas i;:or UITa relação cem os in.i.mi.-
gos.
saparece para dar lugar ao xamã-pai (nande ru, nosso pai, ê o ti-
tulo dos lideres político-religiosos Guarani atuais) - do mesmo
modo e talvez pelo mesmo impulso que fez estes antigos canibais '
se converterem em ascetas, que buscam superar a condição húmana
"por cima", pela sobrenatureza. Sem aceitarmos necessariamente a
tese de H.Clastres que põe uma contradição entre o religioso e o
político como motora do profetismo antigo (mas que dizer das mi-
grações que ainda continuam, ao contrário do que a autora supõe -
1978:85-7) dos Tupi-Guarani, é força que se reconheça uma inver -
são notável das sociedades TG antigas no que toca à estrutura fun
cional dos Guarani modernos. Assim, se naquelas o poder político
assentava numa base concreta de controle sobre as mulheres (fun-
ção-sogro} e numa simbólica do guerreiro-canibal (Fernandes,1963:
325-ss.), o papel de xamã em sua expressão máxima, isto é, como
profeta (earai) era marcado exatamente por sua exterioridade físi
642
os seres do devir
(12) E será px isso que se verifica o que a autora chama de "deslocaxrento so-
frido pelo discurso scbre a Terra sem Mal: de agora em diante cabe- lhe uma flJ!!.
ção que nada o destinava a preendJer - a de validar a sociedade" (1978:108).
reires da Antiguidade.
Hélêne Clastres demonstrou com elegância de que forma a co~
mologia Guarani contemporânea, sobre trazer em si o mesmo desejo'
que movia as sociedades TG antigas - uma recusa da Sociedade en-
quanto espaço da impermanência, uma negação da condição humana
mortal - , definirá a Cultura como meio de · ~ ivalência:\ e onde
~ac;a• -••••• ••-,-.,•-·••
a
643
l ....
araweté: os deuses canibais
(13) O hino que pede a canpletude ou perfeição, transcrito ao final elo livro
de H. Clastres <ws. 120--122), sublinha especialmente as "normas da alirrenta-
çâo", o o::np::>rtarrento o..ü.inârio e social próprio.
644
os seres do devir
645
araweté: os deuses canibais
l
1
Na música dos deuses Araweté, não é o tettX> (verl>al) que marca o desli~
to da palavra, rra.s o regime enunciativo: a afi.nração ~tá senpre na boca de O.!:!
tro: o Eu é serrpre a pessoa-objeto. Anti-prece,· a música divina é a voz afirma
tiva dos deuses.
646
os seres do devir
homem sem sombra. Mas outra continuidade era tambern obtida: ainda
647
araweté: os deuses canibais
de seu ponto de vista, sua morte era sua própria vingança. "E,
corno estes cativos vêem chegada a hora em que hão de padecer, co-
meçam a pregar e dizer grandes louvores de sua pessoa, dizendo
que já estavam vinga:los de quem os hã de matar ... " (Soares de Sou-
za, 1971:326). Jâ estavam vingados: porque já haviam morto e comi
do muitos dos inimigos, porque seus parentes vivos os vingariam.
Sua morte, presente, juntava o passado e o futuro. Onica forma de
vingar-se da morte, como tão bem observou Thevet. Absoluta cumpli
cidade entre vitimas e executores. Pois, agora do ponto de vista
destes últimos, a morte e devoração do inimigo consumavam uma vin
gança das mortes sofridas, assegurando ao mesmo tempo o acesso dos
jovens à condição de homicida, isto é, de Pessoa plena, capa_z de
imortalidade póstuma - vimos que o paraíso é dos bravos. Novamen-
te passado e futuro. A morte do inimigo era duas vezes vida, duas
vezes negação da morte: vingança, transfiguração.· "Exo"-canibali~
mo? Sem ter morto um inimigo um homem não existia; a execução ri-
tual era a cerimônia de iniciação masculina, que assim, além de
cancelar uma morte prévia, vingança restauradora, criava vida, in
ventava homens. só um matador podia casar-se e ter filhos, pois
os Tupina.mbã, semelhantes ai a muitos outros povos, equacionavam'
a função guerreira e mortífera do homem à função reprodutiva e
vital da mulher. Os ritos da menarca e os do primeiro homicídio e
ram idênticos; as jovens "cumpriam o mesmo ritual dos carrascos
(Thevet, 1978:133): escarificação, tatuagem, ~eclusão, abstinên -
eia. Ambos, mulher e matador, derramavam um sangue vital para o
grupo 15 .
(15) Ver o que diz Sahlins (1983: 83) : ". . . no sistana global do sacrifício [nas
ilhas Fiji], nul.heres cruas e hcrrens oozidos têm a nesma finalidade. J\mbos são
reprodutivos, 'life-giving': a mulher diretamente, a vítima sacrificial c:aro '
um irei.o de troca de ~ entre h:::mens e deuses. Eis aqui outra expressoo de
648
-
os seres do devir
sua e::JUivalência: uma esposa estéril não é estrangulada para aa::llpanhar a alma
do seu marido ro Além, fonte ancestral da reprodução humana e natural; e, ~
to ao guerreiro defundo que nunca matou, nunca trouxe para casa l.111 sacrifício
human:>, ele está condenado a pilar um l!Onte de excrenento cem sua maça de gue!.
ra, por toda a eternidade ..• [Nota:] Trata-se, caro dizem os Maori, de 'o cam
po de batalha can o hanan, o parto cau a mulher' . . . Os AZteca agiam e pens~
vam confonre esta rresma representação da reprodução social". Para os AZt.eca,
ver Duverger: "No ~nto do nascimento, a parteira, alegrenente, lançava gr.!_
tos de guerra, 'pois a parturiente acaba de lutar o bem a:mbate; ela se to~
ra um bravo guerreiro; ela havia feito um cativo, ela havia capturado um be
bê'" (1979:93). O dispositivo sacrificial Azteca, apesar de suas numerosas se
rnelhan;:as can o caiplexo 'l\Jpinarnbá, organizava-se conforme outras idéias, r~
ferentes à manutenção do equilibrio energético do coS110s (idéias que se reen
centram em diversas cosnologias sul-americanas - ver Reichel-r.olrnatoff, 1973,
1976). A antrq:,ofagia era uma prática secundária e derivada (Duverger, 1979:
202), não a notivação do sacrificio. A equação Azteca: (filho : mulher .. ca
tivo : homem) invertia uma outra, cativo = filho de seu captor. o dono de u
ma v!tillla sacrificial era chamado de "pai" por esta, e não comia de sua carne,
porque isso seria auto-c.anibalisro (Duverger, cp.cit.:204). Sociedades tão di
ferentes caro a Grécia clássica e os Anggor da Nova Guiné também desenvolvem
estas correlações entre estados ou atributos femininos "t!pio::>s" - menstruação,
parto, cas_arrento - e as ações agressivas próprias do papel masculino - guerra
ou caça. Cf. vernant, 1974:38; Huber, 1980:48. Já entre os Tukano, é o XaJl\i!
niSllO masculin:i que aparece <XJOO o correlato da menstruação; e ao contrário
dos Azteca, orrle o parto é um simulacro da guerra, e dos 'fupinarnbá, onde o ho
micídio é o e:p.úvalente "rrortífero" da rrenstruação, para os Tukano a iniciação
masculina milretiza o aspecto "life--giving" da menstruação: os harens repetem
as mulheres, tonam a seu cargo o parto; nos Tupinarrbá é a rrorte do o..ttro, nao
o parto do Mesno, que inventa a masculinidade (ver S.Hugh-Jones, 1979:125, ~
plicação para ele; pois ele mesmo é, em si, "une mise en rapport
'l
1
649
.
araweté: os deuses canibais
e que resgata a relação do grupo com seu passado; mas também can!
sem carne que apodrece e espectro que ameaça, em ser capaz de ser
(16) Ver Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro, 1985; em preparação, para .!!
ma discussão mais sistemática dos tanas abordaoos a seguir. Alguns desenvolv_!,
mentas ali presentes foram inoorporadoS às páginas aba.il<O.
650
1
·- · · · · · - - - - - - - - - · • - · - - ~ - - - - - - - - - -
liiÍlliiii""'r.- - - - -
-
os seres do devir
ma do Sacrifício:
r
1 caTI
'
comiam, do inimigo, era a sua própria (dos mortos do grupo) "subs
651
araweté: os deuses canibais
(17) "Não se pode negar que, de fato, os textos revelam os Tupinarrbá coro se
res nentalrrEnte atonnentados ... " (Fernandes, 1963:303). No final de suas~
da obra o autor, estendencb urna generalização de Lévy-Bruhl, marcará o "sacri
ficio sangrento" caro tendo valor expiatório, que seria inp:isto pelo espírito
do norto: " ... o teror infundido pela vingança dos espíritos cbs rrortos, sendo
muito maior que o teror oorrespon::lente incutido pela expectativa de vingança
posterior dos inimigos, é que dá à vingança o caráter de 'obrigação essen
cial "' (1970: 345). Nenhuma fonte consigna esta ameaça e autoriza esta concl~
são, que Florestan ~ de ir buscar na teoria, [X)is ela é essencial para o fe
charnento de seu ll'Odelo de sacrifício aos ancestrais. Ao postular o "culto dos
rrortos" caro base do sistema guerreiro, Florestan repete uma fanosa teoria de
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os seres do devir
653
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654
os seres do devir
* * *
655
araweté; os deuses canibais
1,
(19) Fica i.nçlicito neste trecho que mesmo as m:Jrtes nat.Urais deviam ser ving~
das (os rrortos em terreiro e devorados nâo p:xliam, obviarrente, ter túmulo).
Una passagem ambígua das cPJB,I:307 parece sugerir a mesma misa.
to, com~ que obturando o vazio que ele deixara, mas seria uma p~
(1953:105-106, 194).
656
os seres do devir
te sentido 20 .
ção global de "mortos" que deviam ser vingados - tudo isso era o
657
araweté: os deuses canibais
(21) Ver Carneiro da cunha & Viveiros de castro, 1985. Ao =rentar a leitura
que Mauss faz de Steinmetz, Durkheim (1969: 126-30) manifesta uma inusitada
perplexidade quanto ao bem-fundado das idéias de seu sobrinho, que eram ali,
aliás, idênticas às suas (às d' A Divisão do Trabalho Social) . A lógica da re
paração-restauração do corp:> social pela vinganç~ parece-lhe deixar escapar
qualquer coisa. Justifica esta dúvida evocando os casos em que uma norte exi
ge uma vítima expiatória do prôprio giuP? (o que seria, no horizonte etnográf.!_
coem que nos rroverios, um pouco o caso dos Aché - P.Clastres, 1972:254-269). E
conclui que todas as teorias sobre a pena e a vingança nos pÕem diante de
"phénorrenes três ccnplexes dont les sentiments tres
sinples, qu'atteint la conscience imrédiate, ne
sauraient rendre cwpte ... " (p. 130)
O que e, mesrro que pela negativa, uma bela definição do que se passa no caní~
Usrro Tupinarrbá, onde a "siJtplicidade" do ó:lio aos inimigos servia de signif.!_
cante a operações bem mais OJCTrplexas que a re~tauração da integridade do "Nós"
coletivo ou a satisfação de "necessidades sacrificiais" da um ancestral.
658
\
os seres do devir
659
L_
araweté: os deuses canibais
fundaVa uma imwuda<le __ à ~~~- Sabe-se o que fizerem os jesuitas can esse
"pe~~ii 'Í\Ípi!'laÍtbii para a música, que não pode ser posto caro sinples test~
nho da alma bárbara, infantil, danesticada pelo canto, etc., mas que deve sim
ser interrogado em sua significação cosnolôgica. O:m:> observa cx:m agudeza J!
o::nie M:>nteiro: "Assi gue a ~ bem-aventurança destes é serem cantores, que a
primeira é ~em matadores" (HCJB,VIII:415). E tais "bem-aventuranças" estão,
evident.en-ente, correlacionadas; se a prilreira foi oostáculo à cate:}Uese, a _s~
guooa foi poderosa anna: estratégica: de \Jl1él fonna.. ou de outra, os 'l\lpi~~
~y~ -~ a,~~-s-~:i:-e- JJPrrerdo_ J?<!la. boca, de .seus. j,pj)nigo;; . ou. élos. _ pajres.
660
os seres do devir
radoxal}, o inimigo era uma ave rara. Tão logo entravam amarra
( 23) QJe = isso· tantém tonavam oovos ncrnes (J .M:::>nteiro in HCJB, VIII: 411) . A
recepção dos cativos constrastava igualnente cana acolhida feminina dos j9.
veps que haviam norto um inimigo·pela prineira vez na guerra: então, as mulhe
1
j res proferiam, em meio a louvores, os ranes que o rapaz tanara (J,1-bnteiro, i
i,, dem: 410).
(
! i. sim que eram conduzidos às suas redes, porém, cessavam os agravos
dos - , até que fosse chegada a sua hora ( coisa que podia derrorar a
nos).
levado para a aldeia "a fim de que suas mulheres também me vissem"
(1974:82). Recebido pelas mulheres, ligado ao grupo por uma mu
nia da morte pelas mulheres, ele era, depois que morto por um ho
1
mem, devorado por todos - mas preferencialmente pelas mulheres, a
1 661
araweté: os deuses canibais
662
os seres do devir
to aver tocado sus coraçones. Porque estas plumas, que ellos tienen, son las
rrejores alhajas que ellos tienen y dellas usavan quando matavan sus contrários
y los canían ... " (a>JB, III: 137) . Staden é conciso: "Seus tesouros são penas
de pássaros".
do por seus adornos (nomes que forneceria) e por sua carne; sua
gança. A gula das velhas talvez seja bem mais que o estereótipo
a bichos de estimação.
rado "grande honra" para elas e seus parentes, teria ,ntio tal ob
jetivo: "na noite em que los prisioneirosl chegam lhe dia por mu
663
araw.eté: os deuses canibais
lher uma filha daquele que o tomou, ou uma das parentas mais che
gadas; e a causa é pola honra que daquele casamento lhe nasce,poE
que tendo filhos do tapuia, nele hão de tomar os mesmos nomes e
com a mesma solenidade que no pai" (J.Monteiro, in HCJB,VIII:411)
26 Explicação parcial, insuficiente para cobrir todas as funções
(27) Vale insistir sd.}re a posição marcada das mulheres na antróp)fagia Tupi,
e sobre o registro "feminino" do cativo. Tais aspectos se erquadram nas obser
vaefjes de Lévi-Strauss sobre o lugar das mulheres =s sistemas canibais (1984:
141-9).
664
j ___ __.
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,. ,. *
665
araweté: os deuses canibais
bal, e esta não tem nem sujeito nem ceritro, constituindo-se corno
666
os seres do devir
te dos que rnatão ... "), e estas diferenças encontravam seu regime
(28) Reneto a::JUi ao belo ensaio de P.Huber (1980) sobre o ritual de caça aos
porcos entre os Anggor, sociedade melanésia, "flexivel" e ''frouxanente estrutu
rada" = se disse de tantas da região e daqui. Diz Huber que é preciso ver
O'.llTO "a sociedade p:,de ser concebida= função de um certo tipo de evento.
A scciedade Anggor é, simplesmente, uma função da caça aos porcos" (p. 45). Um
evento cria o social, que não existe cxmo Substância anteposta. É exatamente
isto para o caso do ritual antrop::,fági= e a "Sociedade" Tupinarnbá.
667
1
meu nossos parentes, logo ... ) por pouco verossímil, então hã que
\ perguntar o que, gue qualidades são incorpcradas pela devoração.
mia era essa condição; a qualidade incorporada era assim uma pos!
668
1'
t-
os seres do devir
çao, nao urna substância - nao era matéria, mas relação. A "natur~
não comia dele. Tal idéia seria compatível com uma concepção dual
669
araweté: os deuses canibais
savam ser obtidas à força (1970:160). Mas não é menos verdade que
670
os seres do devir
671
■
•
araweté: os deuses canibais
cio às avessas, onde o inimigo não é meio, mas f_!!!!: o outro como
e "matador" se inter-exprimem.
(30) Menget (1977:87, 114, 153, 255) deixa claro que os Txi.cão consideravam a
ll'Orte de um inimigo, eniuanto vingança contra a morte (era isto a querra Txi
672
-- •
j
os seres do devir
cão), caro solução menos boa que sua captura - mas o cativo nao substituía o
norto ao nível de sua parentela, ocupaooo sua posição, e sim a nível global,
trazerrlo o:::>Vos oc:mes para a sociedade.
morto. Ele seria então o inimigo e seu vingador, é ele que qual!
devir da Pessoa.
que todo morto (em casa) é um inimigo, e que por isso todo homem
1
deve morrer como inimigo, como se morresse em terreiro alheio, de
673
araweté: os deuses canibais
(31) O enterro an umas-panelas visava evitar todo contato do oorpo o:n a te_[
ra. Isto oos leva ao horror da podridão.
(32} Ver carneiro da cunha 1978~144 e passim, para a análise do rneS110 o::nplexo
conceituai: morto, inimigo, afim, entre os Krahó, ~ Jê-Timbira, onde ele
entretanto entrará em ma cosnologia e mia forma social mui.to diversa do sis
tema Tupinanbá.
674
ll
os seres do devir
migos que comera;. legitimava o nome q~e seu executor iria tomar,
como vít:i,.ma, porque só ela permitiria que ele próprio foss.e. ving~
do: seu presente seria o futuro de seu matador, seu passado foi o
eia estava ele para matar os outros que para ser morto"(l933:224)
~se à vítima certo espaço para a esquiva e.o revide - parecia qu~
após a pancada fatal, ~ra .o único a não comer do cativo (ao con
1983:45); jejuando por dias em sua rede, tinha seus bens livrerrente aprq,ri~
dos por todos ('lhevet, 19531274; soares de Souza, 1971:324) r era escarifica
gia com novo nome, como novo homem: transfigurado, como sua víti
ma, por quem - dizem os cronistas com muita razão ,- ele se enlutava.
675
araweté : os deuses canibais
do inimigo.
O canibalismo como modo funerário - o exo-canibalismo como
funeral, esta é a singularidade Tupinambã depende de um conju~
to de crenças escatológicas a que aludimos reiteradas vezes neste
livro. Um destes temas é o horror ao enterramento do corpo. Vimos
~om~ Cardim explicava a relutância de muitos cativos em serem res
9atados: "porque dizem que é tris,te cousa morrer, e ser fedorento
e cômido de bichos".,. (supra: pp. 597-8) 33 . Jácome Monteiro é
(33) Não creio entretanto ser possível reduzir apenas a uma escatologia esta
sobranceria cc:m que os cativos recusavam o resgate. MJrrer em terreiro era d!:_
ver e prerrogativa: confinnação de que se infligira daIX) aos inimigos, gar~
tia de que se seria vingado. Por isso muitos desprezavam as oportunidades de fu
ga: seriam rejeitados pelos seus, p:ir fazeran crer aos inimigos que sua nação
não os era capaz de vil')3'ar (Garrlavo, 1980:97; Abbeville, 1975:231).
ainda mais explícito; falando dos agouros do gentio nas suas gúeE
ras! ele relata que uma das coisas que fazia uma expedição desis
tir de seu inténto era o apodrecimento das provisões que levava:
"sE: a carne depois de cozida toma bichos, o que é mui fãcil por
catisa da mui ta que·ntura da terra, e dizem que assi como a carne
toma bichos, assim seus contrários não os comerao, mas deixã-los-
-ãd encher de bichos depois que os matarem, o que é a mor desonra
que hã entre estes bárbaros ... " (HCJB,VIII:413}.
676
os seres do devir
corno diz Thevet que faziam os ""Tapuias", gue comiam seus próprios
677
araweté; os deuses canibais
34
como fa~em tantos povos do mundo . Mas os Tupinambã engrenaram
( 34} Ver, p. ex. , os Gimi na Nova Guinê, orne a-3 1rulheres canem seus parentes
masculinos rcortos, caro técnica de regeneração da pessoa, e justificam esta
prática dizendo que o ll'Orto "nào deve ser deixado apodrec.er" (Gillison, 1983:
35, 39 ,41}.
(35) Dai a necessidade de Florestan afirmar que esta rrorte "punha ern risco a
integridade da 'pessoa'", exigindo o sacrificio reparador. Esta idéia se
baseia, aparentenente, apenas an uma observação obscura de Gandavo, que afirma
que os nortos andam "na outra vida feridos, despedaçados, ou de qualquer mane~
ra que acabaram nesta" (1980:124). Sobre ~er estranha-face a todos os outros
textos que afin1'lillll, a "fonrosura" da rrorte en terreiro e o horror à não-devor~
çâo, esta afinnação leva a uma pista falsa, por confundir destino do irdivídoo
e resp::,sta do grupo.
era melhor que apodrecer no chão; mas se era devorado por vinga~
ça, não por piedade, .. t que a honra, afinal, repousava sobrei~
so: sobres~ poder ser, via devoraçio,motor de perpetuação da vi~
gança, o penhor da perseveraçao no próprio devir da sociedade. O
ódio recíproco dos inimigos era uma sutil colabóração, com esse
seu simulacro de "exo-"canibalismo onde os homens se entredevora
vam para que seus grupos se perpetuassem no que tinham de essen
cial: sua relação~ao-inimigo, a vingança. A imortalidade era obti
àa pela vingança, e a busca da imortalidade a produzia. Entre a
morte do inimigo e a imortalidade pessoal, estava a trajetória de
1
678
.,.A
\_
os seres do devir
Üdade do devir.
logia Tupi-Guarani.
zes aludido agu~: o mundo sem afins. A morte dos .cativos de gueE
679
araweté; os deuses canibais
{36) ·E:curioso observar o paralelisno inverso desta idéia can as de'· Girard
(1972: 383-ss) sabre o canibalisrtD. Este autor, que ac::ha que o "elavento antr2
pófago" da guerra Tupinambá "não exige nenhuna explicação particular", por ser
a manifestação de um mais geral "canibal.isno do espirita h\.llla,I)O", crê que se
t:rata aqui do deslocamento de tmia violência intestina para o exterior do grupo;
a equação inimigo = cunhado se explica assim: o "cunhado" é o "substituto sa
crificial" d o ~ . é a vítima expiatória do desejo insistente e recalcado de
matar o semelhante. Para H.Clastres, trata-se é de não ma.tar os cunhados reais,
trata-se é de.realizar ritualmente o desejo inpossível de matar o diferente.
Mas para anb:>s, oo fim das oontas, trata-se senpre de outra ooisa que o que é
feito.
\ 680
r
os seres do devir
'
i'
\
de cada homem: o acesso à Te~ra sem Mal que, como vimos, era o ho
que a maioria das sociedades humanas parece não mais que desejar,
681
-
araweté: os deuses canibais
(38) Ver, mais urna vez, J<aplan, 1975, 1981.b, 1984; Riviere, 1969, 1984.
saj ele recebia uma mulher que nio pedira, e era entretido e ali
682
os seres do devir
(39) 'Ihevet registra a anedota edificante de uma viúva que, faoe à covardia
dos parentes de seu marido, vai ela mesma à guerra e traz cativos para que
seus filhos vin:JUErn o pai. Aa:lstumando-se a tal mister macabro, ela termina as
sumirrlo a aparência de un. hanan e se vota ao celibato. Na falta de prisione!_
ros, assim, as mulheres viram hanens: essa parece ser a moral da história.
Por outro lado, a equaçao inimigo "' cunhado talvez seja mais
683
araweté: os deuses canibais
cunhados.
Isto talvez dê uma boa idéia do que pensariam os Tupinambá
da uxorilocalidade; e este é um ponto essencial. Se o nexo do ini
migo era o fundamento simbólico de toda a trama social interna Tu
pinambá, a uxorilocalidade aparece como o nexo real desta trama.
;
E assim é necessário pôr em relação duas práticas ·famosas dos Tu
pinambã: esta do cativeiro e "afinização" dos inimigos, e a do~
il
samento avuncular. Pois, se o cativeiro é a máxima uxorilocalida
~1,
[40). P.quele que tara por esposa a filha da irmão não sai, em principio, de seu
grupo residencial; por sua vez, aquele que cede uma filha para os innãos de
sua mulher quita uma parte da dívida con os afins. Thevet é explicito: a entre
ga de um3. filha libera o pai de sua "servidão." (1953:130). Talvez seja demais
sugerir que essa prestação da filha fosse condição para a saida da situação~
1 xorilocal; rri.as de toda forma, a cessão de uma filha ou a prestação de lml catl
vo sao a o:,ntrapartida da obtenção de uma esposa - e se desrespeitadas, leva
vam ao cvnfisco da mulher por seus irmãos (Thevet, p. 131; CPJB,I:307). Pri
sioneiro e filha se "equivalem". E interessante canparar este sistema cc:m a ló
gica que preside (parte da) ncrninação Tilnbira: ali, o ZH "salda" parte de sua
dívida produzindo um alter-ego de seu WB; i_sto é, seu filho será ncminado por
este últirro, recebendo os ro:nes dele (Ladeira, 1982:81). Os Tt1pinarnbá davam
uma filha em troca de uma esfX)Sa, ou uzn cativo em troca de si íll;')SllOS \p:,is o
cativo seria uma espécie de versão a::rnestivel do ZH), para se\15 afins; os Tim
bira "dão" um filho que recebe os nanes de seu MB, tornando-se "idêntico" a es
te. O ZH Tupinambá dá n:tlles, isto é, cativos, a seu WB; o WB Timbira dá seus
684
. os seres do devir
l
1'
~ como se nao houvesse um lugar estável para a afinidade no siste
ceder filhas ou irmãs aos chefes e heróis era uma honra (Fernan
685
■
686
---
os seres do devir
sas).
esta sujeição a seus jovens genros, maridos das muitas filhas que
• 42
ele gerara nas suas muitas esposas - e assim o ciclo passava p~
687
-
•
araweté: os deuses canibais
(42} "E assim quem tem mais filhas é mais honrado pelos genros que oorn elas a~
quirem, que são satpre sujeitos a seus sogros e cunhados ... " (Anchieta, 1933:
329).
aos outros.
deia. Tudo leva a crer que essas unidades residenciais eram cen
688
os seres do devir
1
11.
articula um cálculo "prescritivo". Sociedade "perforrnativa", que
1 fez do Ódio ao inimigo a que os havaianos fizeram do amor e do se
689
d --
,,
Vale, foi possível porque "ainda que elles tenhão o guerrear pela
do; sua composição, apoiada nos laços _de afinidaçle em vigor num
690
os seres do devir.
tiva, com sua incidência sobre a união avuncular (mas ela parece
691
■
694
ções. \/:º matador o e~píri t_<>_ e__ ª~S. .. palavras,_ o nom_e) aos demais a
carne e o sangue. O matador representa; os outros vão ao real -
695
--
arawete: os deuses canibais
\,
1
1
terem fogo e leis; sem fogo, os anirnaís são omófagos, comedores
696
& rrrr
os seres do devir
697
-
•
araweté: os deuses canibais
l972b:202).
698
'- - r----◄•... ~ •
os seres do devir
parricídio, do canibalismo.
' '\ do humano "por baixo" - pelo jaguar - que o Dionisismo. Que os
f
dores de cru, isso fortalece o paralelo. Mas o que é importante
gregos, ou seja, que ela põe a condição humana, não só como inter
cond:í,ção humana "por cima e por baixo": a palavra dos profetas pr~
sabemos desta religião: mas seu impulso pode ser ainda encontrado
699
araweté:osdeusescambais
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No oenso a seguir, os írrlivíd~ mmerados de
Jatobá
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l a 136 perfaziam a p::,pulação ArétWeté em j~iro de
62. Mad!~-do mo-pe he Jatooá 1983. A numeração segue a partir da casa 1 (setores
("Onde M. ~rou a perna)
VI / VIII) até a casa 44 do setor V (os indivíduos
135 e 136 reiretem à casa 45 do setor VII) . Os dados
se ordenam assim: (a) nare pessoal rrais usado: (b)
sexo (H e Ml; (e) número da casa; (d) folha da ge~
alogia; (e) idade estimada. A partir do n9 137 in-
clusive, deixo de c;onsignar casa e idade. Nas gene!!_
lOgias, alguns indivíduos aparecem err, mais de uma
folha, de rrodo·a evidenciar suas ligaçÕ;s. só regi.ê_
trei, dos rrortos, aqueles que deixaram descendência
viva em 1983; igualrtente, não estão representados o;
filhos nortos solteiros dos Araweté que viviam na é-
p:x::a da ps!squisa . Os núrreros nas ex'"...rernidades de ca-
da linha horizontal nas qenealogias (grtl!:X:) de genna-
nos} indicam a conexão fraterna roais próXÍll"a e/ou a
folha em que se retoma o grupo. Linhas tracejadas de
filiação, germanidade ou casamento indicam relaçÕes
classificatórias ou putativas. Os contornos oontínu-
os· a circunscrever grupos de pessoas vivas indicam a
casa a que i=erten~.
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Z5 Z.6
ÍNDICE
ANALÍTICO E ONOMÃSTICO
l. AUTORES 480,487,490,513,519,522,582,591-2,598,
617,633,635,658,686
d'ABBEVILLE, C. 339,385,676 COOPE R, D. l 2 1
ADALBERTO DA PR0SSIA 142 COUDREAU, H. 132,138,143
AGOSTINHO, P. 97,227 CROCKER, J.C. 29,lll,120,287,390,436,502,
ALBERT,B. 97,111,389 626
ANCHIETA, J. de 35,386,655,663,671,657,677, DA MATTA, R. 46,96,lll,119,125,389,436,
687-8, 690-1 469- 70
ANDRADE, L. 99,470,487,513,614,629,636 DANIEL, J. 142
ARENS, W. 618 DE COPPET, D. 670
ARNAUD, E. 130,140,144,147 DElEUZE, G. 105,123-4,208,502,506,618
ASPELIN, P. 133 ~ETIENNE, M. 116-7,607,625,653,696-8
BAKHTIN, M. 549,555 IXJOLEY, R, 63,227,513,540,597,641
BALDUS, H. 49,89-92,107,113,199,513,632 DOUGLAS, M. 46,258
BAU:E, W. 94,97,145 DIIl1f:ZIL, G. 629
BASSO, E. 97,106,287,314,316,436 DUMONT, J.P. 116
BASTOS, R. 97,313,344,440 DUMONT, L, 122,124,411,606,631,692
BATAILLE, G. 620,651,653 DURKHEIM, E. 24,86,88,623,653,658,671,696
BATESON, G. 69,496 DUVERGER, C. 649
BENVENISTE, E. 212 EVANS-PRITOIARD, E. 49,116,121,209,625
BETTELHEIM, B. 344 d'EVREUX, Y. 386,392,513,647,671
BLÃZQUEZ, A. 662
BLOCH, M. 502,522,526,528,604,615,635,659 ft'DIDA, P. 114
BLOY, L. 570 FERNANDES, F. 25,37,82,84-8,97,117,202,
BORGES, J.L. 23,113,570 384-7,407,409,415,439,442,597,642,646,
BOUDIN, M. 467,479,513,634 650-9 ,665-6, 668,670,672,678, 685-6,688-9,
BUCHER, B. 663 691,693-4
FERRATER-MORA J. 116
CADOGAN, L. 35,101-2,105,113,150,189,201, FORSYTH, D. 618
212,253,257,387,467,470-l,513-4,517,525, FOUCAULT, M. 113
530,548,596-7,610,633,636,638,640-l FOX, J. 606
CAMPBELL, A. 67,99,206-7,250,255,446-7,
513,629 GALLOIS, D. 96,99,139,141,196,198,233,255,
CAMPOS, A.de 183 259,319,507,513,521,570 ,629-30
CANETTI, E, 299 GALVÃO, E. 89,97,137,140,153,162,178,185,
CARDIM, F. 339,350,385-6,488,499,597-8, 201,233,250,255,259,265,273,361,393,407,
659-60,662,669,673-ó 415,440,442-3,449,451,462,486,572,592,
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. 119 634,636
CARNEIRO DA CUNHA, M. 28,53,86,118-20,122, GANDAVO, P.de M. 387,647,661,673,676,678
200,252,382,389,436,498,519,521,524,528, GEERTZ, C. 125
605,616,650,658,674,681 GIANNOTTI, J.A. 105
CARVALHO, J.E. 130,145-7,166,180,355 GILLISON, G. 344,678
CARVALHO, S.M. 488,675 GIRARD, R. 653,671,680
CASTELLO BRANCO, J.M. 141-2 GLUCKMAN, M. 457
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CHODOWIEC, U. 627 GOMES, M. 164
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122-3,222,259,261,295,388,393,435,437, GRENAND, F. 63, 9 8-9, 496
502,519,524,527,530,537,596-7,616-7,619, GRENAND, P. 62,96,98-9,139,158,16li,171-2,
627,633,640,642-6,649,660,668,679-81,694. 198,209,216,227,298,387,391,398,407,436,
694 4 42,513,630
CLASTRES, P. 28,47,87-B,102-5,165,202,212, GRIJNBERG, F. 102,167,350,640
294,317,387-8,439-40,442,446-7,458,471, GRIJNBERG, G. 43,96,102,158,162-3,167,187,
737
...
◄
índice
:1
1 HUBERT, H. 114-5,570,654
HUGH-JONES, C. 113,200,314,319,344,390,
447,519,528,602,618,629,649
HUGH-JONES, S. 41,189,25D,344,502,649-50
MENGET, P. lll,139,173,179,250,350,377,
388,450,469,474,672
Mf:TRAUX, A. 53,83-4,101,113,140,202,253,
255-6,384-7,597,614,647,668
HUMPHREYS, S. 528 MEYERSON, I. 119
HUXLEY, F. 41,90,94-5,114,140, 165,171,185, MONTAIGNE, M.de 668
191,197-8,238,255,294,319,350,360, 393, MONTEIRO, J. 385-6,439,488,660-l,664,674,
439 ,446- 7,503,507,521,539, 613-4 ,616. 629 676
MULLER, R. 38,43,99,130-l,134,136,143,167-
JACKSON, J. 314
-8,258,415,636
KAKUMASU J .Y. 540 MURDOCK, G. 137,686
KAPLAN, J.O. 31-2,47,105,111,116,123,205, MURPHY, R. 97
224-5, 233,411,502,528,614,682,687
KHLifBNIKOV, V. 183 NEEDHAM, R. 193
NIETZSOIE, F. 88,422,607
KRACKE, W. 43, 92, 96, 98,114,158, 170-1, 178, NIMUENDAJU, C. 35,57,82-4,90,100-l,105,109,
198-9, 207,217,224,255,258,309, 313-4, 319,
137-8,141-4,175,185,187,190,196,201,223,
350,352,388,391,393,398,411,427,436,439,
238,255-7,265,350,387,392,521,534,572,
442,445,467,474,478,513,636-7
KRAUSE, F. 83 • 597,599,615,626,635-6,638-41
NOBLE, G. 83
LACAN, J. 610 NORDENSKOLD, E. 83
LADEIRA, Ma .E. 186, 388-9 ,684 NOVAES, S.C. 616
LARAIA, R. 86,96-7,138,140,253,388,487
OBERG, K. 97
LATHRAP, D. 83 OLIVEIRA FQ, J.P. 85
LAVE, J.C. 200,389
OVERING, J. - ver KAPLAN,J.O.
LEA, V. 389
LEAQI, E, 126 P ANOFSKY, E • 117
LEITE, Y. 145 PARMt:NIDES 123
LEMLE, M. 145 PARRY, J. 502,522,526,528,604,615,635,659
LEMOS BARBOSA, A. 63,392,425,510 PEIRANO, M. 88,387-8,390
~RY, J.de 42,292,339,392,597,647,662 PESSOA, F. (Ricardo Reis) 465
LtVI-STRAUSS, C. 29,Jl,41,46,57,66,86,95- PHILIPS, S. 298
-6,110-2,116,121-2,155,189,212,259-60, PHILIPSON, J. 393
263,346,351-2,364,366,384,407,433-4,446- POE, E.A. 596
-7,488,501,518-20,527,599,613-4,617,626, POOLE, F.P. 222
649,664,685,692 POUILLON, J. 222, 627
LtVY-BRUHL, L. 116,121,626,652-3 POUND, E. 548
LIENHARDT, G, 209
LINS. E.T, 253 RADCLIFFE-BROWN, A. 126
LIZOT, J. 57,222,259,368,378,380,388,474, RAMOS, A. 97,387-8,390
595,617,636 REICHEL-DOLMATOFF, G. 233,626,649
738
RIBEIRO, B. 43,58,143,147-8,151,163,180,276 VIDAL, L. 141,144
RIBEIRO, D. 94 VIERTLER, R, 390,471
RIBEIRO, F. 72 VON DEN STEINEN, K. 625
RIVI~RE, P. 31-2, 93, 97,126,170,179,314,319,
406-7;411,437,528,682,686 WAGLEY, C. 40,49,89-92,94,97,99,107,113,
ROA BASTOS, A. 162 140,151,153,162,164,171, 178-9, 185,189,
ROBERTSON SMITH, W. 692 199-201,233,250,255-6,259,265,273,314,
RODRIGUES, A. 82-3,144-5 345,361,388,393,407,415,436,439-40,442-
RODRIGUES, V. 459 -3,446,449,451,462,486,513,520,532,539,
ROE, P. 250
570,572,592,599,614,631-4,636
ROSSET, C. 208 WATSON, J. 102
ROUSSEAU, J.-J. 117 WEINER, A. 88
SAHLINS, M. 126,610,648-9,689 YALMAN, N. 411
SALMON, M. 121
SAMPAIO, T. 258
SANTOS, S.C.dos 133
SCHADEN; E. 5 7, 90, 93,96, 101-2, 105,113 ,Ü 7,
147,151,196,201-2,212,233,236,245,250,
253,256-8,265,387~439-40,460,467,474,59Z 2. POVOS
628,638-41
ACHi:'. .(Guayaki) 93, 102- 3,106,165,202,212,294,
SCHMIDT, M. 97
SCHMIDT, W. 83 387,439-40,442,446-7,458,463,471,480,487,
SEEGER, A. lll-2,116-7,119,125,200,205,232,
490,504,513,522,578,591-3,598,617,635,658
352,386,389,436,439,443,456-8 469-70 AKUÃWA (AsurinÍ) 96-7,138,140,253,255,286,
547,591-2 - • • 470,487,513,614,629,636 -
ALTO--XINGUANOS 31,36,60,97,109,114,344,368,
SHERZER, J. 549
SILVERWOOD--COPE, P. 47 4
378,436,443,469,528,534
AMANAYg 139
SIMONDON, G. 122
ANAMBl 137
SOARES, M.F. 145
ANGGOR 649,667
SO~RES DE SOUZA, G. 385,438,442,459,488,
APAPOCUVA (G~arani) 83,90,100-l,196,202,22J--
646,648,660,664,675,690
SPERBER, D. 65,121,212
-4,238,386,615,639-40
SPINOZA, B. 230,481,679
APIAKÃ 139
APINAYf 137,469
STADEN, H. 349-50,385-6,537,621,625,657,
659-61,663 ARAPESH 222
ARARA 137-9, 175
STEINER, F. 258
ARUAQUE 84,97,139
STEINMETZ, M.R. 653,658
ASURINI 42-3,71,113,130,133,135-6,139,143-4,
STEWARD, J.H. 82,148
147,156,166-8,174-5,208,221,255.258,286,
STOCKING, G. W. 108
291,577,588-9,611,636
THfBAUD, J.-L. 549 AZANDE 49
THEVET, A. 84,350,385-6,435,439,485,488, AZTECA 649
537 ,597-8 ,646-8 ,655-7 ,662 ,664 ,671,6 74- BARASANA (Tukano) 602
-5,677 ,680, 683-4, 688
BORORO 29,36,57,114,120,287,384-5,390,436,
THOMAS, D. 411
457,471,488,490,502,518,616,625-6,682,686
TURNBULL, C. 46
TURNER, T. 98, 686 CARIBE 31,106-7,137,287,365,407,411,682
TURNER, V. 45 7 CURUAYA 143,175
TUZIN, D. 222
DINKA 209
liALADÃO, V. 314 DOBU 502,528
VALE, L.do 690
FATALEKA 123,475,617-8
VERDIER, R. 653,671
FIJI 610,648-9
VERNANT, J.-P. 53,116,301,498,525,649,671,
697 GIMI 528,678
VERSWIJVER, G. 389 GOROTIRE (KayapÕ) 141
739
◄
-
indice
740
índice
nominação 387,390.
3. H)PICOS CADÃVER - 484-7,489-91,495-7; e o espectro
497-ss; e o matador 580; 647,673-8.
AÇA1 - 158,243,354, CANIBALISMO - 22,34,84,88,95; endo- e exo-
ALDEIAS - DIOrfologia. 74-5, 278-80, 285-8; lo 103,617,678; e os deuses 220-1,260-1,487-8,
calização 168-9; população 170; nomeação - 700; e canto/palavra 260,386,628-ss,638-41,
170-2; mudança 170-1; concentração/disper- 660; e animalidade 225; dos Ãni 215,487-8;
são 264-74;_e? milho 264-5,286-7; e mata e o cauim 349-50; e os Guarani 105,641-2;
272-4; aparenc1a 275-6; e xamanismo 285-6; tipos de 222; e onomástica 384-6,388; Tupi/
sociabilidade 289-93; "dono" da 305,311-3. Jê 488; morte e putrefação 494-6,597-8; moE_
l te e memória 522-5; e o matador 595-6; seu
ALMA - 117-8,193,217,248,259,449,450,469, significado na cosioologia Araweté 616-ss;
474,479-80,481,514,517-26; conceitos TG de e a dialética da identidade 618-21; na Grê-
512-7; nas cosmologias TG 627-46. ,cia 625-6,696-9; análise da teoria de Flo-
A'o we - 448,467-8,474,477,480,483,509- restan Fernandes 650-9,665-9; como devir-
-10,512-4. ! - 79,438,475,483,496,498,503- outro 668-9,695-6; como morte ideal 671-4;
-4,514-26. Ta'o we - 57,79,462,492~3,497- e funeral 675-7; na cosmologia TG 693-700.
-507,509-13,522,577,596-7,606,672.
CANTADOR - 329,349,362-3.
AMBIVALtNCIA - 113-5,259,615,632-4,643-5,
682. CASAS - 276-8,282.
J.Nl - 206,215-8,244-5,255,462,487-8,493, CAUIM - ciclo do 265-7,322-41; e opirahe
496-7,499,503,541-2,584,597,606,629,631, 298,582; serviço do 267,271-4,318,322,331-
637,647,674. -3; doce 322-7; alcoólico 328-39; sistema
do 348-9; precauções 328,335-6,343-4,447-
ANIMALIDADE - 79; animais 223-8; e divinda -8,467; e animalidade 225,347; simbolismo
de na cosmologia TG 628-ss,700. - do 158,162,331,341-7; paralelos TG 350,
ANTA - espírito da 325,260,343. Ver Xama- CENTRO - na geografia 135,166-7; e a con-
nismo (Péyo). cepção de espaço 194; e morfologia social
ARARAS - 5 39 . 280,285-6; o inimigo como centro da socie-
dade Tupinambã 692.
ARAWETt - trabalho de campo entre os 35-6,
38-41,58-62,65,69-70,77-9; cultura material ceu E TERRA - 184-6,197-ss,203-4,219,222,
4~,~46-8; nome.130,!43-4; localização,terri_ 426,437,497,517-26,615,638.
to~10 130-6; situaçao etnográfica 136-9; re CHEIROS - 211,215,218,426,470-l,488,524,
giao 140-4; lingua 144-6; aparência 148-9;- 564.
agricultura 150-3,265-8; caça e coleta 153-
-9,164-5,264-5,268-9,271; divisão do traba- COBRAS - 187,239,444,446-7,520,534,
lho 159-62; história e ieografia 166-9,176- COMPARAÇÃO - 22-4,29-32,35,107-ss.
-81; guerras 173-7; toponimos 171-2· demo-
erafia 174,180-2; cerimonialismo 234; ciclo CORPO - fabricação do 438,515; fechamento/
anual 264-71; cotidiano 289-300. tapagem 447-8; e alma de criança 450; femi_
nino 456-60; "carne" e sentimentos 4 78, 508--
ARAY (chocalho de xamanismo) - 147,207, -9, 524,580; na ética Arawetê 481; e morte
324-5,347,440-l,477,535-7,539,546; simbo- 495-9,606,615-6; conceito de 497-8.
lismo do 537-9.
CORUJA - 189.
ARMAS - 156-7,175; simbolismo das 456-8,477,
539. COSMOLOGIA - e sociedade Arnweté 23-7,48-
-53,234-5,252,362-4,463-4, 609-10,624; co~
BACABA - 185,238. teÚdos 184-93; e temporalidade 194-6,229-30,
CABELOS - 360,594. 259; princípios da 251-60; e invenção 252;
e alteridade 383-ss; e afinidade 437,527-8;
CAÇA - 294:5,447; e ritual 327,329-30,334; vida e morte na cosmologia Arawetê 527-9,
valor simbolico da 209,349-51,361,662; e 612; comparada 254-60,529,645-6,693.
741
índice
DEUSES - 22 ,53, 116-7; os "idos" 184-6, 210; HOMENS - e mandioca 162,272-4; ciclo de vi-
os alimentos dos 233-5; mortos e inimigos da 451-5; corno" mediadores 363-4,463,573-4.
237; espécies de 237-44 (APanaml 184-5,19~ IDENTIDADE - 26, 120-2, 20 7-8, 365,383,388,608,
224,231,238,383,499; Awl Peye 184-6,243, 617,691.
577-B; Ia:rac:l 243,492,511,584; Nã-Ma! 224-
INDIVIDUALISMO TG - 93-4,126-7,644-5.
-5,238-9; Taroyo 186,189; Tepere 241-2,452;
Yicire-aco 239,333-4,467; ver Queixadas e INIMIGOS - 207-9; deuses, mortos, 221,255,
Urubus); como afins dos humanos 185,261, 492-3,672-4; e o cauim 349,351,582; espÍri
526-9,574-6; e os homens no ritual 362-4; to dos 360,386,578,581-2,595,599-ss; e no-=-
como foco da ação coletiva 317. mes 374,376-80,383-9; como musica 582; e
Ma! - definição, atributos, epítetos parentesco 391-3,434-5,576; como fundamento
210-7; e a temporalidade 214-5,259-60; am- do social 667,683,692.
biguidade dos 219-22; "comedores de cru"
JABUTI - 153-4,165,208,223,264,270,3S5-8,
• 220,487-8,613-ss; e humanização 254; e se-
443,584,599, Ver Xamanismo.
xo 191,474,518-9; e os Ãni 218: morte e
mortos 471-2,518-9; cognatos TG 256-8; co- JAGUAR - 197,201,220,236,239,298,350,356,
mo xamãs 577,603; como matadores 603; no 390,444,504,512,584,598-9,613-4,621,625-6,
sistema da pessoa 606, 639,641,700.
DEVIR - 26,116,122-4,230,254,580,608,624, JUPARÁ - 198,487,503-4.
626,676-9,695-6.
DOENÇA E ABSTINÊNCIA - 336,438,444-5,452-3, LEITE - 346,448,490.
455,460-l,466-8,471-6,483,492-3,533, LIDERANÇA - 96,300-20,363-4,462-J,571-3,
ESPlRITOS - co1110 "senhores" de coisas 229- 604,634.
-32; critérios e espécies 237-50 (Senhor LINGUAGEM - filos~fia da 62-5,78-9,260,317,
da Agua 215,217-9,249-50,440,511; Ayarae- 343,368,378,511,571,584,S93,645-6.
tã 215,246-9); e pais de recém-nascidos
245-6,444. Ver Ãni. MACACO-DA-NOITE - 198,503-4.
ETHOS - 42-5,S0-8,291-2,300-5,329,483,485- MANDIOCA - 67,147,151-2,264,345;. e homens
-6,491-2; e canibalismo Tupinambã 694. 162,272-4; e os Ãn[ 245-6.
F.:TICA (TEORIA DAS PAIXÕES) -_ categorias MATADOR - 246, 298-9,314,318-20,349,443,
da 42,346,423,448-9,468,474-81,519,523, 574,578,580-2,593-5,599-605; destino pÕstu
581,677; atividade e passividade 515. cio do 5 78, 59 5-7; Tupi nambã 6 75, 694-5. ·-
ETNOLOGIA TUPI-GUARANI - 36-7,82-4,89-90, MEL - 158,165-6,246-9,272-3,351-5,345,358,
95-6,99-100. 361-2,424-5,447,
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fndioe
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-
índice
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