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Goli Gueïl.eiro
LEI DE
INCENT1VO
A CULTUM
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TODOS OS
CANTOS
A TRAMA DOS TAMBORES
Ediroia 34 Lrda. A MuSICA AFRO-POP DE SliLVADOR
Riia Huilgiia, 592 Jardini Europa CEP 01455-000
Sio Paulo - SP Brasii 'TeiiFax (11)3816-6777 cdiïora34@iiol.com.br
Ag~adecin?eiztos.......................,...........................,.,..........,....
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Copyri:hr O Editora 34 Ltda., 2000 PTe/dczo ...................................,.............................,...............
A trnnza dos tninbores: n mdsica nfio-pop de Snlundoi. O Goli Guerrciro, 2000 Apresentaçno: Da cozinha para a sala de estar ......................
Iinagenr da capa:
Cariinhos Brown c a Tinzbnlodn i?o carnnunl de Snlvadoï
1. O samba-reggae entra en1 cena
2. I1ê Aiyê da Libesdaiie
irnagcrn da 4" capa:
3. Ara Ketu de Pesipe1:i
Dnniela Me-culy e dniiçni.inns do I l i Aiyê
4. Malê Debalê de Ita
Capa, piojeto grafico e cditorasio cictrôiiica: 5. Oiodum do "Pciô"
B,-ncl?ei.& Mnlzn Pi.odu$no G i f i c a
6. Muzeilza do Reggae
Revisio: 7. A estética afi-o-baian
Adricime de Oliveira Fiimo
Aleznndïe Barbosa de Soirza
Parte II
Cide Piquel
A INVENGAODO Ri-rkio
8. O que6 samba-reggae ...........................................................
9. Neguinho do Samba ..............................................................
Catalogasio na Fonte do Departamenro Nacionai do Livro 10. De onde vem o samba-reggae? ...............................................
(Fundasin Bibliotcca Nacional, RJ, Brasil)
11. Que batuque é esse?
Giierieiro, Goli 12. Os clubes negros ...................................................................
G3S6r A irania dos raiiibores: a miliica nlro-vol>dc
Salvador i Goli Gucireiio; pieficio dc José Cviloi
13. Os afoxés ..............................................................................
Capiiian -SSo Paulo: E < i14,2000. 14. Fiihos de Gandhy: o afoxé eteïnizado ...................................
320 p. (Coicqlo ~ o d oos i Canrorl
15. Os sambas urhanos ...............................................................
l,icIiii discografin e bibiiogiafi~. , .
16. Os blocos de indio
ISBN 85-7326~175-7
17. Os ecos dos Estados Uilidos ..
1. ~ i i s i c npopillai - Ssl~adoi,Ri\ - Braiil.
jos6 carIo$.
1. caPi,,a,l, I l . Titulo. III.Sént.
18. A Afi-ica revisitada
CDV - 7 8 0 9 19. Ouvindo a Janiaica ...................................................... ..........
20. Os blocos afro mostrain suas armas ......................................
21. As escolas de percussjo .........................................................
LEI DE
rPjcewrlvo
h mçruR>\
Parte III
O RITMOE o MERCADO
22. A captura da percussZo .........................................................
23. Os trios elCtricos e seus blocos ..............................................
25 . Sarajane & Luiz Caldas: os pais da axé-music .......................
26 . AS transforrnaçOes estéticas do samba-reggae ........................
27 . O superrnercado da musica ..................................................
28 . O samba-reggae na woïld music ............................................
29 . O Olodurn ganha o mundo
30 . Carlinhos Browil e a Timb
31 . Brown solta o verbo ..............................................................
32. A vitoria da estética
33. Os ares cosrnopolita
34. Mulheres do batuque ...........................................................
Parte IV
CARNAVAL: A FESTA DOS RITMOS
Apêndice
A LINGUAGEM
DO SAMBA-REGGAE
A minha inse amada, irmas queridas e toda ininha familia pelo apoio
e afeto. Meu muito obrigada a todos os personagens do meio musical de
Salvador que me concederain entrevistas, todas elas valiosas. Aos meus
amigos e amigas pela torcida. A todos os colegas que colaborai-am corn o
trabalbo corn leituras, susest6es e rroca de figurinhas. A Tirilc de Souza
pela atençzo yreciosa. E ao CNPq pela boisa de doutorado que financiou
a pesquisa que serviu de base para este livro.
Goli Gueneiro
Cam essa dinâmica processual de "entra em beco, sai em beco", A
tïnma dos tamboïes, de Goli Guerreiro, percorre literalmente a cidade da
Bahia, n o iempo e n o espaço, nos levando a desvendar a extensa rede te-
cida pelos iiifimeros atotes da cena afro-pop no meio musical da Bahia,
explorando mfiltiplas variiveis e nos envolvendo em revelaçôes Iiistori-
cas, minuciosas reconstruçôes, orquestrando fatos, conceitos e atitudes,
num belo concerto de informaçoes e toques que nos transformam num
elétrico leitor da manifestaçao cultural brasileira que mais rem descon-
certado a critica, sobretudo porque parece uma nat~iral,caotica e desen-
raizada manifestaçao coletiva de prazer e arte.
Organizado por um modelo acadêmico de pesquisa sobre O objeto
de seu estudo, o seu enredo vai descontruindo O modeio, na p r o p o r ~ a o
em que percebemos o envolvimento de Goli, acompaiihando com o fôle-
go de entrega de foliZ pipoca o desenrolar d a trama, o percurso huma-
nizado dos tambores baianos, no grande teatro popular que é a Cidade
do Salvador. Goli botou seLi coraçao na mao que toca O tainbor d o sam-
ba-reggae e vai levando o seu leitor aos segredos deste fenômeno cultural
contemporâneo, que é a emergência de uma contaçiante linguagem mu-
sical que entrou na cena regional e mundial, acompanhando O tom e a
levada das vogas dominantes nas filtimas décadas deste século.
Sua I6gica é precisa e bem substanciada. Nao defende uma tese. Tece
os fios de sua ri-ama acoinpanhando cada um dos focos com sua presen-
ça fisica antes que intelectual, deixando a verdade se demonstrar através
dos testemunhos, que ela exaure com a condiçao bisica que O carnaval
baiano requer: cumplicidade e tesao. E assim, de capitulo em capitulo,
apresenta e faz existir seus personagens, acompanhando o percurso que
fizeram d a cozinha para a sala de estar, dos guetos a o grande palco d o
show muildial, animado pela zuoïld nzusic.
Seu livro é um instrument0 inventivo e dinâmico, coino o proprio
mundo da percussao que O inspira, e vai deixar o investigador ou o inte-
ressado mergulhado na vasta variedade dos ritmos, melodias e sonorida-
des, gozando a intimidade dos processos formatives, sentindo a respira-
Goli Gucrreiro
1.
O SAMBA-REGGAE ENTRA EM CENA
'"Zero nove" eia o iifirnero d a linlia de hondc que ia para o hairro d a Liberdade,
"boca de 09" se roinou uma giiia que significa "barra pesada"
22 Goli Guerreiro
hem roupas coloridas, cabelos extravagantes coin a postura de quenî ad-
mira a si inesmo. Pretos e brancos se identificaram corn o hit do veriïo de
1987 e Gerônimo era urn dos negoes mais famosos da cidade.
Uma outra cançao-siinbolo do movimento é O samba-reggae "Deu-
ses, Cultura Egipcia, Oloduni" ou sirnplesmente "Fara6", de 1.uciano
Gomes dos Santos, compositor do bloco afro Olodum. Ensaiada na qua-
dra do bloco desde ineados de 86, a musica é simbolo da mudança do
panoraina musical soteropolitano. A letra da cançao estabelecia uma re- 4
laçiïo entre os Fara6s do Egito e os negros baianos. E, segundo Marcelo
Dantas: "logo a discussZo extrapolava o Olodum e atingia a comunida-
de. O Egito iria despertar grande interesse, principalmente com tao iin- -OC
u
pressionante 'novidade': as pirâmides, toda a gïandeza da civiiizagio an- s2
2:
tiga, na verdade eram obra da raça negra". -r
32
"Eli faxa6 clama Oloduin Pelourinhol eh fara6, pirâmide
a hase do Egitol que inaravilha î. Egito, Egito ê Fara6 6 6 61
Pelourinho uma pequena comuiiidadel que O Olodum uniu em
laços de confraternidadel dcspertai-vos para a cultura egipcia no
Brasill em vez de cabelos trançados teremos turbantes de Tu-
tancâmonl e as cabeças se enchem de liberdadel e O povo negro
pede igualdadei e deixemos de lado as separaçôesl eh farab."
50 Goli G~ierreiro
O 11ê Aiyê rcaliza um importante trabalho social coin a sua coinuni- 3.
dade de origem. Na sede do bloco, pode-se visitar as escolas que atendem ARA I<ESU DE PERIPEKI
a até 4.000 crianças e as oficinas de profissionalizaçâo que a eiitidade man-
tém. Nas oficinas, algumas mulheres especializam-se na preparaçâo dos
torços estampados, enquanto outras se profissionalizam na arte de tran-
çar cabelos, cuja agilidade das niâos impressiona.
Os blocos afro estabelecem uma relaçâo com a Africa que, mitica ou
concrettmente, povoa O imaginirio dos grupos. O Ilê Aiyê, gi-upo criado
em um contexto urbano altamente midiatizado, se volta para uma "Afri- "Ara I<etu ritual do candomblél exalta as cidades de I<etu
ca tradicional" em busca de sens sinais de identificaçâo. Pinca seus ele- e Sabél ferido vingou-se O homem utilizando seus poderesl pas-
mentos estéticos em pequenas comunidades africanas que represeiitam uina saram-se anos dificeisi sofreram muitos seres [...]/ guerreiros lu-
" ~ f r i c atribal", anterior às lutas de independência dos anos 70, e cons- taram entre si/ com golpes de vara era o rituail durante varias
trôi a sua ancestralidade sirnbôlica. horas travou-se a batalha entre o bem e o mal1 depois retorna-
No ano-marco de 1957, quando o Brasil descobre a nova cena afro- ram com o rei para a floresta sagradai onde comeram a massa
haiana, o IIê Aiyê j i contava treze anos de existência. Tempo suficiente de inhame hein passadal onde seri comida por todos os seus ne-
para difundir sua experiência e para ses reconhecido como pioneiro pe- gros homensi em comunhâo corn Deus/ ele, ele, elejigbô, ele-
los virios blocos afro, fundados na virada dos anos 80, como Ara I<etu, jigbô." ("Uma Historia de Ifi", ou "Elejigbô", de Ytthamar Tro-
Malê Debalê, Olodum, M~izenza,entre muitos outras que se organiza- picilia e Rcy Zulu)
ram sob sua inspiraçâo. Portanto, iiâo era somente no populoso bairro
da Liberdade que a afro-baianidade tomava corpo. Outros espaços esseii- Bem longe do Curuzu, que fica na cidade alta, esta O bairro de Peri-
cialmente ncgros e também considerados periféricos davam nuances ao peri, na cidade baixa, reduto do bloco afro Ara IZetu. Para ir de um lugar
movimento, e embora nâo excluissem a participaçao de brancos, nâo a outro, pode-se descer o Plano Inclinado da Liberdade, un1 elevador para
perdiam de vista a herança do bloco matriz. O bairro da Calçada, irea da Leste Brasileira - a estaçâo onde se pega o
trem para o subui-bio ferroviirio. Depois de viajar pelos trilhos que pas-
sam junto ao mas, chega-se à estaçâo de Periperi, que nâo fica longe do
Esporte Clube Periperi, vizinho à sede do bloco.
Observando os detalhes, pode-se ver que os elementos do Ara IZetu
em muito se assemelham aos do Ilê Aiyê. A presença da africanidade C
inquestionivel. O nome ioruba do bloco significa: povo do reino de Ketu,
regiâo da ~ f r i c Ocidental
a de onde vieram os povos ioruba e que se situa
atualmente na fronteira da Nigéria com o Senegal. Os seus enredos para
O carnaval contam a historia do povo negro e homenageiam os deuses
africanos. Oxossi, o orixi da caça, é considerado protetor do bloco. Vera
Lacerda, historiadora e presidente da entidade explica por quê: " O pri-
meiro ano do Ara Ketu [i981] talvez tenha sido O mais importante. iuos
Iiaviamos escolhido como tema uma homenagem ao rei cagador. Isso por
que nos buzios tinha dado que o orixi protetor do Ara I<etu era Oxossi.
Inclusive O simbolo do bloco é o of6 que é simbolo de Oxôssi". Suas co-
ses sâo azul e branco, como as do orixi.
Proximo à sede do Ara IZetu esta O Parque Sâo Bartolomeu, e o bloco
cliama a atençao para a necessidade de conservacao da irea. considera-
da espaço sagrado, pela presença de plantas de fundamental importân-
cia para os rituais dos candomblés. Sâo Bartolomeu é apenas uma das
areas d o Parque Metropolitano de Piraji, "um dos remanescentes da
Mata Atlântica que resta no Brasil, tem mais de 1.500 hectares de flo-
resta. Antiga aldeia indigena, foi engenho e quilombo de negros fugidos
da escravidiio".
Segundo Vera Lacerda, idealizadora d o Ara IZetu, a historia do blo-
co "é muito inteuessante, porque, na verdade, nos somos uma grande fa-
inilia e saiamos em blocos separados. ELIsempre tive um grilo muito gran-
de, com refei-ência a bloco afro, porque por diversas vezes eu tentei sair
no 11ê e nao podia. Ai, um dia resolvemos fazer um bioco". Un1 cunhado
de Vera, Vii:gilio, sugeriu um bloco de trio. "Mas bloco de trio era uma
coisa que n5o me animava muito. Quando ele me falou sobre fazer um
bloco afro, eu achei a idéia &ma. E ai nos partimos para idealizar o Ara
IZetu", conta Vera.
N o seio d o Ara IZetu se misturam a visa0 historica de sua presidente
Vera Lacerda e a vis20 estética e religiosa d o artista plistico e pai-de-santo
Augusto Cézar, diretor cultural d o bloco. "Nosso trabalho é muito ein
cima da religiao africana, como maior força de resistêiicia da cultura ne-
gra neste pais", explica Vera. Candomblé e ciência se misturain para dar
consistência a o projeto de emancipaçao social de uma populaçâo urba-
na-periférica, essencialmente negra.
Durante os anos 80, enquanto a relaçao com o bairro era bastante
intensa. os carros alegoricos d o bioco eram confeccionados na praça cen-
tral de Periperi e nos dorningos de carnaval o desfile acontecia na Aveni-
da Suburbana, que liga O bairro à zona central da cidade. O Ara Ketu
realizava também um conjunto de atividades no bairro de Periperi, rela-
cionadas com O universo cultural negro, como a capoeira, entendida coino
uma filosofia de vida: "Mostramos para crianças e adolescentes que a
capoeira ajuda muito na formaçao das pessoas. E estamos trabalhando
basicamente com O pessoal das invasoes [favelas] I..] A gente esta traba-
lhando também com dança, com teatro e estamos promovendo o futebo1
de praia de Periperi, cuja liga estava desativada", diz a presidente. Este
Ainda no forrnato oriçinal, o Ara I<eru desfila no carnaval de 1988, exibindo trabalho social voltado para a comunidade se assemelila a o conjunto de
nos rarnbores o of2 - sirnbolo de Oxossi, o prorctor do bioco. atividades desenvolvidas pelo Ilê no Curuzu-Liberdade.
Mas nem tudo é semelhança entre os blocos afro. Enquanto o IIê Aiyê
: se volta para uma "Africa tribal", o Ara IZetu se espelha numa "Afri-
Goli Gueriçira
8.
O QUE É SAMBA-REGGAE
55 Goii Gucrreiro
do estilo, em 1987. Até entao, Olod~im,Muzenza e Malê Debalê dispu-
tarama primazia da concepçâo do ritmo, j i que o Ilê Aiyê mesclava Sam- NEGUINHO D O SAMBA
ba com ijexi e nao com reggae. Alguns personagens do meio musical de
Salvador conferein ao Muzenza O papel de criador do samba-reggae, pela
relaçio simbolica que ele estabelece corn a Jamaica. Outros coiiferern ao
compositor do Malê Debalê, Djalma Luz, a autoria do primeiro samba-
reggae feito na Bahia, chamado "Coraçiio Rastafari", veiculado en1 1981.
No entanto, esta cançZo nâo garantiu ao Malê Debalê O status de cria- "Nilza Alves de Souza na sua bacia aprendii que a musica
dor do ritmo, que foi creditado ao bloco afro Olodusn. sai do vento e do tempo tainbéml aprendi com Nilza aprendil
É muito provivel que esse crédito diga respeito ao reconhecimento que a bacia de roupa iiao lava somente a soupai mas faz o suin-
mais ampio de sua contribuiç5o para uma renovaçao da tradiçao ritmica gue que apreudi ..." ("Barrela", Neguinho do Samba)
negra, empreendida por Neguinho do Sainba. Esta renovaçZo incluiu canto
a modificaçâo de iilstrumentos percussivos quanto uma nova forma de Neguinho do Samba coiiieçou a fazer musica nas bacias de sua mâe,
toc6-los, aiém de um iiovo pape1 para O inestre da bateïia, que dispenso~i D. Nilza, uma lavadeira do Tanque do Meio, no Largo do Tanque, bair-
o uso do apito e adotou a utiiiza~âodo timbales (um instruinento caïi- popular de Salvador, onde o meniiio cresceu. "Eu tocava nas bacias
benho, ver Apênd~ce). anto que ela botava fundo de madeira porque o fundo de
O eu furava de tanto batucar."
13 anos o jovem Antônio Luis Alves de Souza ingressou na baiida
S. Era um dos inascotes. Um dia o mestre estava ensinando usn
aio ouviu uma "variaçâo" ritmica como resposta. Per-
ito, O menorziiilio levantou sua baqueta e desse dia
tocar o seu repique na linha de frente da banda.
uma banda de carnaval que tocava frevos e sainbas
seu repertorio no Pelourinho durante todo O ano. A mZe de
nao gostava de vê-Io sais de casa para os ensaios, por isso mesino
e iinportava de tomar algumas palmadas ao chegar
s filho de peixe, peixinho é. "Minha escola foi O caiidomblé,
ogZs5, meu pai tainbém, ele tocava bongô. A geiite teve
Zo musical diferente, antiga, entâo eu acho que é uma coisa
esmo, a gente é O que merece ser".
tenha sido a intiinidade com a musica ritual do candomblé 82
ho do Samba a participas como percussionista de uma 8
2
es carnavalescas da Bahia. Eie fez parte de baterias de es-
como Ritmistas do Samba e Diplomatas de Amaralina, e
62 Goli G~icrreiro
você ouviu de um jeito, sai de outro, O outro jA copia, entâo o que era um 10.
erro vira iini acerto, porque num outro ensaio começa de uovo da;, e tudo DE ONDE VEM O SAMBA-REGGAE?
isso vai efervescendo".
O samba-reggae é uma forma improvisada de produçâo musical na
qua1 os elementos em jogo apontani para lima relaçâo entre contextes,
personagens, experiências e ritmos diversificados. Por isso mesmo, ape-
sar do consens0 construido em torno de Neguinho do Sainba e do pape1
fundanlental que ele teve, nâo se pode creditar a um s6 mfisico a inven- Por tris do samba-reggae est6 uma vasta cultura musical coustruida
ça0 do samba-reggae. O ritmo, sem duvida, resuita de um variado cal- a partir de infimeras fontes, e uina dimensâo politica do niovimento afro-
deirao musical que o ouvido atento de um mestre soube captar. baiano. É essa dimeiisao que O cornpositor Gilberto Cil enfatiza quando
fala sobre o novo ritino. Gil uZo vê uma fusgo do samba com o reggae,
mas sim uina atitude que aponta para essa mescla, e afirrna: "É o negro
Liberando sua energia criativa e unindo isso à instância poiitica". A leitu-
ra do conipositor baiaiio, que focaliza mais o comportamento musicai dos
grupos negros do que sua musica propriamente dita, indica que para com-
preendei: a iuven~âodo samba-reggae é preciso situi-Io em un1 coiltexro
ao inesmo tempo musicale ideologico, de maior latitude historica, que
leve eiii conta a grande influência dos candomblés sobre as expressijes inu-
sicais afi-o-baiaiias e a iiiiportância dos movimentos de negritude pal-a a
claboraçao de unia estética negia.
É preciso entao reconstruir esse cenirio, pan0 de fundo do i-epert6-
rio ritmico e estético que a hist6i-ia musical baiana deixou disponivel. l'el0
meiios três pistas podein Ievar a coiibecer O coiitsxto en1 que o ritiiio foi
criado. A priineira delas C a propria transformagao do meio inusical de
Salvador, ao iongo de um século, através das recriaçijes estéticas das ma-
nifestaçees carnavalescas negras. Segundo Raphael Vieira Filho, é prcci-
so levas ein consideraç50 "a migraçâo de elementos e sigiios entrc os va-
rios folg~iedoscarnavalescos afro-brasileiros". Uin olhar retrospectivo
mostra que a estética musical das organizaç6es afro-cariiavalescas -bat~i-
ques, clubes, afoxés, escolas de samba, biocos de indio, blocos afro - C
resultaiio de migraciies e inesclas tecidas na ponte que liga o candoinbli:
aos sainbas urbaiios. A 1-eiiovaçio de sonoridades promovida pelo sain-
ba-reggae também esta pautada no deslocainento destas matrizes para O
espaço profano do carnaval.
Além das recriaf6es estéticas que deram origem ao sain ba ~ o p u l a r
urbaiio, eiemcnto bisico do samba-reggae, a segunda pista sâo as referên-
cias internacionais, que vêin dos Estados Unidos, da ~ f r i c ae da Ja~naica
e se soinani às inforinaçfies produzidas ein Salvador. Esse processo, que
esta na base da invencâo do ritmo, representa a foi:nia$âo de uina "negri-
tude soteropolitana", que se desenhou em meados dos anos 70 e decor- il.
rer da década de 80. O movimento de negritude origina-se na tomada de QUE BATUQUE. fi ESSE?
consciência do negro, gerada nos varios paises que abrigaram a diaspora
africana. Focalizar o panorama internacional do movimento de negritude
é fundamental para compreender O sentido e os trunfos da nova miisi-
calidade afro-baiana, que vai ser alimentada por mfiltiplas referências.
A terceira pista é a estratégia politica dos grupos negros que se or-
ganizaram como representantes de um segment0 estético do movimento Pesquisando a musicalidade do Recôncavo baiano, regiiio bastante
negro no Brasil para mostrar que "a aima é musical". Assimilando as novas diferenciada do sertao da Bahia, muitos autores demonstraram a estrei-
referências jamaicanas, americanas e africanas, veiculadas pela midia, e ta relaçiio existente entre o candomblé e os sambas urbanos. A partii-
ao mesmo tempo voltando-se para O proprio umbigo, os negro-mestiços desta literatura, é possivel reconstruir O quadro historico das formas que
encabeçaram o movimento de negritude local que se desenha com a for- têm no candomblé uma fonte primeira de inspiraçiio. Elas ganhai-am es-
maçao dos blocos afro, espaços proprios de negro-mestiços no seio dos paço primordialmente no cenirio carnavalesco, através de um trajeto evo-
quais a mistura de matrizes ritmicas se alia a um discurso politico. Neste lutivo das organizaçoes negras.
contesto o novo ritmo vai ganhar a denominaçio de samba-reggae, que Os reiatos historieos que se reportam a o fim do século XIX e ini-
é o principal capital simb6lico dos blocos afro, na medida em que se cons- cio do século XX apontanl a rnusica e a dança como parte intesrante
titui num estilo musical proprio, capaz de veicular uma identidade afro- do cotidiano dos negros e a presença do candomblé observivel no dia-
baiana, que luta, por vias estéticas, pela valorizaçao do negro. a-dia, nos cantos (onde ofereciam seus serviços), nas lojas (onde habi-
S i 0 estas três pistas que seguiremos a partir de agoi-a para descobrir tavam coletivameiîte), ou nos terreiros (onde cultuavarn seus deuses).
como o meio musical de Salvador tramou uma nova musicalidade. Além de atividades religiosas, ligadas ao candomblé, os negros elabo-
ravam ainda uma séi:ie de divertimentos que também envolviam estas
artes. Segundo Pierre Verger, "este gênero de distraçiio sempre foi ad-
mitido e rnesino encorajado pelas autoridades, bem que se s~ispeitasse
ser uin pouco misturado a costumes supersticiosos". A presença de ins-
trunientos percussivos e os ritmos que acompanhavam danças e can-
t o ~ tanto
, no espaço sagrado quanto no profano, indicavam uma certa
indefiniçio enti-e as manifestaçoes ludicas e religiosas. Segundo Jocélio
Teles dos Santos, somente no fim do século XIX, "os bar~iques,os sam-
bas e os candomblés adquiriram sentidos que Illes retiravam de uma
mesma sinonimia".
O batuque, estilo musical do passado colonial, proprio da popuia-
$20 de escravos e libertos, permaneceu vivo até as primeiras décadas do
século XX. O termo batuque foi empregado para rodas as mailifesraçoes
de um repertorio musical acompanhado de percussio, que se relaciona
diretamente com a dança e o canto, e tem origem na Africa. Segundo
Câmara Cascudo, "battique é denominaçao geiîérica para roda dança de
negros na ~ f r i c a " N
. o século XIX, aparece a definiçao de baruque para
identificar os candomblés, "'batuques de negros acompanl~adosde fei-
tiçaria', como para denominar a 'dansa corn sapateados e palinas, ao som
& O autoi. os idcnrifica rambirn corn anrigos correjos dos Reis <IoCongo, quc surgi-
ram n o sEculo XVllI, e dessn forma estabclece um imbricamcnra cnrre as rnaniiesraçoes
culrurais negras.
A T r a m a dos Tarnbores 87
grafia do conjunto Jackson Five, corn uin Micliael Jacl<soii ainda ado-
lescente. Pouco a pouco foi-se formando um modelo negïo de imagem".
Essa estética iiorte-americana foi assimilada inicialmente pelos negros
baianos responsiveis pela criaçao do Ilê Aiyê, em 1974. Embora ritmica-
mente se manrivesse fiel à mescla entre sainba e ijexi, as letras das can-
çôes apoiitavam um cruzamento ideologico entre Bahia, EUA e Jamaica.
Como no trecho da cançâo "América Brasil", do Ilê Aiyê:
"Sou Ilê Aiyê da Améïica africanal senzala barro preto AlCm dos CUA, outra referêiicia internacional fundamentai para
Curuzui sou negro Zului Garvey Liberdade e Brooklin Curuzu configurar o inovimento de iiegritude na Bahia foi a repercuss5o da des-
Aiyêl Johiisoii com seu pulsol encaiitou a todo o m ~ ~ i i dJiiiii
ol colouizaçâo da Afi-ica portuguesa nos anos 70. A luta dos povos africa-
Hendrjx coin seu toque universali revereiido Luther I<ingl a li- nos em direcao à indepeiidência injeta uma grande dose de ufanismo den-
herdade e a palavra de f i [...ln. tro e fora da ~ f r i c alevando
, à revaiorizagao de suas raizes aiicestrais e
desencadeando o movimento panafricanista, que yrega a unidade dos
O que estava em jogo naquele iilomento era a articulaçao de um dis- povos negros e o retorno à Pitria Mae. Mas a força do intercâmbio en-
curso afirinativo. A luta par um melhor posicionainento dos negros iia tre Africa e Bahia é a estética afro, que traz implicita a iuteiiçao de se
sociedade iiorte-americana (que emergiu sob slogaizs como "black powei-", afastar de uin eurocentrisino tZo presente no imaginario brasiieiro.
"black is beautiful", entre outros) nao passou despercebida pelos mem- A "Mama Africa" sempr-erepresentou para os negros baianos uina
fonte de inspiraçâo e de informaçiio inuito proxima. E a formaçao dos
bros dos blocos afro.
blocos afi-oatualizou o velho iiitercârnbio. Segundo Vera Lacerda, do Ai-a
Os ecos da ilmérica do Norte ganliavam forma através das letras
das cançoes, recurso de veiculagao de uma ideologia e de uma identida- Icetu, "os blocos represeiiram, hoje [1988],na Bahia, a revolucao cultu-
ral que esperaiiios que extrapole nossas fronteiras e ganbe espago no ce-
de afro. E também através de uma estética adotada pelos pretos, nâo raro
nario nacional, pois o resgate e perseverailga da nossa cultura têm como
considerada de mau gosto ou brega. A teferência a esta estética deu ori-
ponto de referência para todos nos a volta às nossas raizes, à nossa que-
gein à giria "brau" (variagtio da palavra inglesa brown), terrno que re-
rida mae i\frican.
sumia um tratamento pejorativo dado aos baianos que assumiam a sua
N o final dos anos 80, havia cerca de quarenta blocos afro organiza-
negi-itude, exibindo cabelos crespos e roupas consideradas extravagan-
dos na cidade iiiscritos iia Federagâo de Clubes Carnavalescos (onde se
tes, inas que no final dos anos 90 deixaria de caracterizar O "mau gos-
cumprein os procedimentos legais das eiitidades). Segundo Ericivaldo
ton para noinear uma estética criativa, sintonizada com os moviinentos
Veiga, "no sentido de ressaltar o cariter afro das entidades, os fundado-
de negritude e que tem nas virias ni6sicas negras do Novo Mundo sua
res procuram rezisti:ar en1 atas o estilo afro-brasileiro para participar do
principal forina de comunicaç50.
carnaval baiano, ou que o bioco foi fundado baseado nos costumes afi-i-
canos, reconllecendo o vaior que tevc o negro na raca brasileira".
Os blocos afvo de grande porte realizam festivais de inusica que ino-
bilizam O meio afro-baiano. É o momento da escollia da cangao que vai
ser tema do carnaval. Isso envolve uni pi:ocesso de pesquisa. considevado
uina fonte de apreiidizado sobre povos e paises africanos. A diretoria dos
hlocos coordena o levantaiiieiito do materiai disponivel sobre o assiinto
cm pauta e se encari-ega de elaborar as apostilas que servein de guia para
os compositores-letristas dos blocos.
Quase todos os hlocos afro acreditam que a prod~içiiodessas apos-
tilas representa a possibilidade de veicular entre as comunidades negi-as
um conhecimento legitimo sobre a ~ f r i c aalém
, de cobrir as lacunas exis-
tentes nos livros diditicos que abordam a ~ f r i c ade maneira precon-
ceituosa, e nos meios de comunicagiio que se interessam em mostrar
apenas a face miserivel d o continente negro, como a seca, a fome e as
guerras.
N o entanto, os conteGdos veiculados nas apostilas nem sempre sâo
bem assimilados pelos compositores. Militas letras de cangoes mais pa-
recem descrigoes enciclopédicas que nâo atendem aos objetivos de divul-
gar as culturas negras. Corno na Ietra da cançzo "Negros Sudaneses",
do compositor Lizaro Roquinha, d o Malê Debalê:
A T ~ a i n ados Tamhores 91
nos festivais de inhsica dos biocos afro, o que realrneiite inobilizil as iineil-
sas platéias sâo os ritinos e as danças.
Entre as esrratigias de afirmaçiïo de uina estética, aparecem tanibéin
os concursos para escollier a Raiilha dos biocos afro, que deve represen-
tar roda a beleza das mulheres ncgras. O evento mais importante é a Noire
da Beleza Negra, organizado anualmente peio 1lê Aiyê. O concurso elege
a Deusa do Ébaiio cntre daiiçarinas de 15 a 25 anos, mas os critérios de
escolha viio além da beleza plistica e da habilidade para a dança afro.
Segundo Arany Santana, uina das orgaiiizadoras do evento, "nossa rai-
nlia nZo deve exibir coxas e outras partes do corpo. Em cima do carro
ela teni que passar a inagia e a força da dança negra e deve ter consciên-
cia de negritude. Beleza so nâo basra". As vinte candidatas sa0 selecio-
nadas através de eiirrevistas que verificain os conheciinentos e O eiivoivi-
rnento da possivel Deusa do Ébaiio corn a causa iiegra. S6 depois de pas-
sar por esse crivo elas podei:ao inostrar a sua precisiïo na ai:te das coreo-
grafias de inspiraçao africana.
As diversas atividades dos blocos afro funcionam coino uina antena
que rastreia o continente negro. Gilberto Gil, em depoimento à Folha de
S. Paulo, em 1994, definiu bern essa espécie de culto que os povos do Novo
Mundo prestam à Afi:ica: "Aclio que o entrecrrizamento de inforinaçces
difusas e diversas é inevitivei, é urna coniplicaçiïo. Mas é tambéin O espi-
rito genuino da ancestralidade, das inatrizes culturais, da musica. É pre-
servar, manter, fazei- crescer, esse é O lado mae. É a miie Africa".
Goii Guerreira
/ 22
A CAPTURA DA PERCUSSAO
127
126 Goli Giierrciro A Trama rios Tarnbores
iiivestigar o processo de seleciio de associados dos blocos carnavalescos
Eva, Nu Outro Eva, A Barca, Pinel e Beijo, deiiui~ciadosfoi-i~~alinei~te à
Justica por discriminaçjo.
il CPl realizou varias sess6es de depoiinentos de acusadores e acusa-
dos para elaboracâo de relat6rio pela comisGo dc inquéuito da Cimal-a
Muriicipal de vereadores. Segundo o vereador d o I'V, Juca Ferreira, que
pi-op65 a iiivestiga~ao,"a CPI constatou que 115 uma pratica sisternitica
nos blocos que se puetelidem de elite, de excluir folioes iiegi-os, moratio-
res de bairïos populares, est~idaiitesde colégios p~iblicos,gente que iiio
se enquadra num cei-to padrâo de beleza". Confira treci~od o depoiineii-
t o de acusa$io de Vaiiusemar Aildi-ade, uma das três garotas envolvidas
rio caso do bloco A Bai-ca:
con1 ou sem censura, no rico meio inusical de Pernambuco. baianos chasnavam este tipo de musica de axé e se referiam aos niCsicos
I>ara certos setores da inteligsncia nacional, a axé-music seria LI^ coino 'axezeii-os', era uma coisa pejorativa mesino. Eu resolvi chainas- de
niodismo que desapareceria i-apidaiiiente d o niapa musical d o Brasil, sem axé-;.iîusic e a iiiipreiisa roda comeqou a usar". O termo axé é uma pala-
deixar vestigios. Ainda em 93, a pi-iiicipal sepseseiltante d o estilo, ~ a n i e l a vra ioruba, oriuiida d o candoiiiblé, que significa forga, energia, poder. Para
Mcrcury, rebatia, sem snodéstia, essc tipo de critica afirmaiido a O Globo: a midia nacioiial, a express50 axé-v?z~siccahia taiito para O saiiiba-reçgae
"A axé-nzusic i ~ 5 vai
0 sel- um iiiodismo. i\ mJsica da Bahia j i teve outros quanto para a iiiusica feita pelas bandas de trio.
A cantora Daniela Mercury, conhecida como a "rainha da axé-mu- dor, e no periodo carna\raiesco alcançou alguma i-epercussao 110 Brasil.
sic", é personagem-chave d o processo de mestiçagem do ineio musical de Esse ritmo foi uin dos embrioes da axé-music. As trajetorias artisticas
Salvador. Depois de cantar alguns anos em trios elétricos, em 1992 ela desses dois personagens pioneiros ajudam a compreender a mesticagem
lança O disco O Canto d a Cidade e alcança pi-ojeçâo nacional com um musical.
repertorio basicamente montado a partir das composiç6es dos hlocos afro
mais famosos de Salvador. Sem dispensar a percussao de tambor que as
caracteriza, imprime às cançoes de samba-reggae um aparato pop.
Afirmando ser "a neguinha mais branquinha da Bahia", a cantora
-
se notabilizou por urna importante diferenca. Ao contrario das outras
bandas que utilizavain o sanzpler para reproduzii- o samba-re,g ae,a can-
tora trabalhou diretamente com percussionistas n o estüdio da WR, e re-
gistrou as sonoridades de sui-dos, i-epiques, tarois e timbaus, fazendo-os
dialopar con1 a s sonoridades da guitarra, d o baixo e do teclado. Segundo
Neguiniio d o Samba, o grande mestre d o samba-reggae, o arranjo de urn
dos maiores sucessos de Danieia Mercury, a cançâo "O Canto da Cida-
de" ( o mesmo nonie d o disco), foi elahosado por ele.
Aléin de tei- gravado varias composiç6es dos blocos airo-baianos e
outras que os enalteciain e divulgavam, a performance de Daniela como
bailarina se inspirava nas danças elaboradas por esses grupos. O clipe da
cançâo "O Mais Belo dos Belos", do Ilê Aiyê, foi gravado na Ladeira do
Curuzu, territbrio do bloco. Segundo Cai-los Albuquerq~ie,"a maior prova
de forga (e apelo pop) d o samba-reggae vil-ia [...] com O C m t o d~7Cidade,
O disco milianirio de Daniela Mercury". A cantora vendeu urn milhao
de copias d o album, marca jamais registrada até entâo por urn artista
atuanre no meio musical baiano, e sua agenda de shows ia d o Oiapoque
ao Chui. A partir d o trabalho de Daniela Mercury, o rnundo da percussâo
passa a interagir diretamente com a produçâo musical das bandas liga-
das a o universo dos trios.
Mas essa mestiçagem ja estava sendo gestada desde meados dos anos
80, através d o trabalho de dois importantes personagens do meio musi-
cal de Salvador: a cantora Sarajane e O müsico Luiz Caidas. Esses artistas
foram os primeiros a utilizar, e m cima de trios elétricos, elementos da
inusicalidade negra, j i cristalizada nos espaços periféricos da cidade, mes-
clando-os corn a musica trieletrizada que, h i duas décadas, aiimentava o
mercado fonogrifico, dominava a atençio da midia e atraia milhares de
folioes durante o carnaval.
Esses artistas, em 3985, divulgaram nacionaimente um ritmo baiano
entâo denominado "deboche" elou "fricote". Com o auxilio das grava-
doras e dos programadores, O estilo chegou i s ondas de radio em Salva-
mitem a audiçZo da harmonia ao mesmo tempo em que os tasnhores ru- ideologia classe média. O inovimento afro foi engolido pelo mcrcaclo
fam. Este resuitado é obtido pelo equalizador, que atenua ou acentua o fonogrifico e nos nao estainos interessados 110S L I C ~ S S Oimediato. Quere-
volume e a freqüência de cada instrument0 capïado pelos iiiicrofones, tanto mos uina mode)-nizaçzo,sim, mas dentro das iiossas caracteristicas, 116s
em estfidio quanto no palco. Ele é O meio que garante O dialogo eilti-eins- vamos nos mante1 através da resistência".
trumentos iieterogêneos, perinitiiido O registro e a perforrnaiice de formas O Muzenza se rendeu à tendência afro-eletrônica en1 96, quaildo se
musicais mestiças. aliou ao producor André Simôes, dono da ridio FM 104. Nesse mesino
Tal diilogo de instrumentos, realizado peia nioderiia musica africa- ano, O bloco inositou urna banda show e gravou seu terceiro CD, A Li-
na, passa a fazer parte da linguagein inusical do Ara I<etu e do Olodnin berdade ii Aqui, depois dc uni jejum de sete anos. Para Rosiel Reis, dire-
nos primeiros anos da década de 90. Utilizando o sax, o trompete, a gui- tor do departaineiito de c~ilturado Muzeiiza, "é iinportaiite apresentar
tarra, O baixo e O teclado, esses hlocos fizeram de suas bandas um cosi- uma tendêiicia Iiarmônica, é uma foi-ma de acompanliar a evoluçao dos
junto de recursos percussivos e harinônicos. Esse forinato d i origem à teinpos". Em 97, a banda gi-avou O CD C/?egou Quei77 Faltaua sein eau-
haiïda show (ou banda ~rincipal)dos blocos afro, na qua1 o nfimero de sar isnpacto.
tambores foi reduzido para cerca de dez. É essa banda que vai freqüentar O Ilf Aiyê, o A4alê e o Muzeiiza ficai:asn à sombra do Oloduin e do
os estudios de gravaç3o e realizar os shows. Ara l<etu, que alcançaram maior repercussZo coinercial e: suas bandas
O espaGo dos ensaios também se transforma para ateiider às exigên- principais, usiia inaioi- penetrafao no mci-cado de shows. Vovô, presidente
cias do novo formato. Os pequenos palcos, montados nas quadras dos do IIê, criticou a posiçâo desses blocos, esn 3 995, na Foll?a de S. Paz~lo:
"NZo vou coiocai- guitarras nem teclados no Ilê so para tocai- niais ilas
blocos, que abrigavam os vocalistas, passam a acomodar também os exe-
cutantes dos instrumentos harinônicos e uma mesa de sorn que os ainpli- ridios. O IIê n i o E usna banda, 116s somos uma eiitidade negra que tem
fica, além das caixas de som. Mas a numerosa bateria acfistica coinposta uma banda, O que é muito diferente. Sernpre foinos assim e niio vainos
inudar so para ganhar disco de ouro".
por, no miniiiio, cem tambores continua percutindo no piso da quadra,
cercada pelos freqlicntadores dos ensaios (integrantes e simpatizantes do O terreno niesticado da axé-iizusic, capitaiieado iniciaiineiite pelas
bloco). bandas de trio, ganbou forGa coni a ades30 de iinpoi-tantes biocos afi-o
da Bahia. 'E essa mestiçagem, baseada no diilogo entre linguagens mu- dustria na Bahia dançando agora na orbita da terrai atrjs da
sicais distintas, se configui-a como O elemeiito definidor da musicalidade tecnologia este reggae space invaderi chegou O groove nas es-
soteropolitana, quando, a partir dos anos 90, o forinato inestiço se ex- trelasl a industria na Bahia e na orla a t orbi empinava um saté-
pande em direçao aos espaços negros que passaram a conceber sua ex- litel ati-as da tecnologia arraia foguete, ai-raia Bahia".
press20 musical coino produto de mercado, a ser negociado nas malhas
do showbiz. Nesse contexto, as bandas produtoras de samba-reggae as- O enconrro dos universos tecnol6gico e artesanal uai perinitir a am-
cendem coinercialmente. pliaçiio d o inercado. A mestiçagem aparece tarnbém na formaçjo de uin
A entrada d o samba-reggae no mercado fonogrifico e a absorçao repert6rio musical comuin, pois todos os grupos passam a exibir uma
da estética mestiça transformam o perfil dos grupos negi-os. O acesso ao seleçao de miisicas de sucesso entre as bandas de trio e as bandas afro.
mundo da midia os fez entendes que para produzir discos e shows, com As bandas brancas e negras se organizam como produtoras e corne]--
direito a contrat0 e cachê, era preciso ter urna postura empresarial que ciaiizain seus pi-oduros como cjualquer outro negociado no showbiz. Seus
lhes perrnitisse ter critérios de editoraçâo, de direito autoral, de distri- nomes est20 nos eiencos das gravadoras majors e desfi-utam de enorme
buiç2o e de lançamento d o produto musical. A figura d o produtor espe- populai-idade, sendo capazes de reunir publicos gigantescos ein qualquei.
cializado, antes desconhecido, foi incorporada ao staff das bandas afro evenro em que se apresentam ou que realizam.
para intermediar a sua atnaçao n o mercado fonogrifico e no mei-cado
de shows.
Este formato banda, com recursos sonoros percussivos e harmôni-
cos, é informado por uma estratégia mercadol6gica. Quando optam pela
formaçao de bandas menores, com atividade comercial reguiar, e deixam
de se constituir apenas como blocos carnavalescos, os grupos negros pas-
Sam a corresponder a uma 16gica que permite sua inserçâo na industria,
garantindo-lhes maior participaçao no mercado musical e ampla visibili-
dade inidiitica.
A cantora baiana Daude, nascida no Candeal, gravou uma cançao
significativa em seu CD Dnude # 2 (1997),que metaforicamente descre-
ve a relaçao dos lilocos afro corn o aparato tecnol6gico da industria fo-
nogrifica. A musica "Afi-o Olodum Multimidia", assinada por Lucas San-
tana e Quito, tem O seguinte contefido:
A T r a m a dos Tarnhores
1 O SUPERMERCADO DA MUSICA
'>>
? - -
A T r a ~ i i ados Tainborcs
componentes do grupo Novos Baiaiios. K possibilidadc de sucesso iiacio-
na1 s6 existia a partir desse polo, j i que O eixo Rio-SZo Paulo catalisava
ioda a pi:odug2o artistica e iiitelectual do pais.
Mesmo estaildo à rnargem do eixo cultural ceiitral do pais, nos anos
70, Salvador j i cai:regava uma tradisio niusical marcada por grandes
iiomes da MPB. A familia Caymini, JoZo Gilberto, Caetano Veloso, Gilbes-
to Gil, Gai Costa, Maria Bethânia, sZo alguns dos personagens que aju-
dal-am a colocar a Bahia no iinaginjrio brasileiro coino uiiia "foiitc mitica
eiicantada", pois mesino sem moral- iia terra natal, esses artistas iamais
deixaram de cantar a B a l ~ i a . Pai:a
' ~ Dorival Cayrnmi, conforme declarou
ao jornal A Tmde, "é inipossivel esquecer o lugar onde ilasceiiios, passa-
inos a infância, adolesctncia, juventude. Eiit20, embora distante, a Bahia
csti senipre comigo. Ela é O assunto da ininlia vida, da niii~liamusican.
N o final dos anos 80,este fluxo niigrat6rio se desfaz. Todos os ar-
tistas produtores de axé-nzrnsic inoram ein Salvador. Para Caetailo Veloso,
"o que é iiieçivcl é que um fenôincno de proporçoes estupetidas se evi-
denciou. Na miillia geragZo tivemos que sair da Baliia para trabalhar.
Daniela Mercury c Netiiiho sZo miiionirios em Salvador e sao pessoas das
mais traball~adorasda MPB".
Até meados dos anos 80, quando essa mestiçagem iilusical aiilda 1120
tinha se delineado, havia redes de interaçio ern espasos iiegros e braiicos.
De uin lado, os iiitercâmbios dos blocos afro, com sua musicalidade per-
cussiva inserida nunia militâiicia poiitica. De outro, a musicalidade dan-
Gante dos blocos de trio, preocupada com uma atitude festiva. Com a nxé-
nz~lsicessas relasUes passam a ser coinplementares. Elas refletein a trails-
formas20 do meio musical de Salvador ilo fim do século XX, oilde redcs
de relaçUes cada vez mais mescladas ganham corpo.
O rentâvel mercado reorganiza também O circuit0 de shows e inodi-
fica a posiçgo dos artistas locais no show biï baiano. As bandas afi-Opas- Circulalido no iiieio niusical de Salvador, o carioca
sam a s a i ~de seus bairros de origem nZo soinente para realizar ensaios L L I ~Mclodia
Z rroca ligurinlias corn Vovô do llê.
em outros espaços da cidade, mas tambéin para fazer shows freqüeii-
temeiite realizados em clubes que comportam até 15 niil pessoas. Aque-
les que eraiii os espasos cativos da iilusicalidade dos trios fora do perio-
do carnavalesco passam a ser ocupados também pela musicalidade per-
cussiva, através de "shows-dobradinlias", ou seja, sliows com mais de uma
159
A Trama dos Tainboies
giiial para divulgi-la interiiacioi~alrneme.iissim, ao iiiesino tempo que
consegue popularizar estiios musicais dos mais remotos cantos do plane-
ra, através da difusio global de seus registres fonogïificos, ela recorre aos
mecanismos tecnologicos para hoinogeneizar esses mesinos estilos. S o s
termos de José Jorge Carvalho, "O ouvinte urbano p6s-moderiio aprende
a receber coino algo faniiliar o que é coi~cebidopor seus criadores e ciil-
turas tradicioiiais como siiigular, originaln.
O autor atribui ao equalizador um aspecto fundainenta1 na d i f ~ ~ s a o
da woïld ~?zusice o vê coino uma metafora do processo de padronizaçio
do muildo da iiiusica. "A equalizaçiio sai enrio de sua esfera especifica
do gosto musical ocidental para se tornar uma metifora da homogenei-
zaçio, da reduçio dos poiitos de resistência estética de mil estiios niusi-
cais do mundo a um principio uiiico." De fato, o processo de equalizaiio
é capaz de formataï modelos estéticos muito variados segundo o padi.20
sonoro ocidental, traiisfonnando timbres exoticos ein sonoïidades faiiiilia-
res, reduzindo a seiisibilidade auditiva ao gosto ir~usicaldos produtorcs.
O fenôineiio wovld nu sic é ut11 dos eienientos da nova era de conlu-
nica~zo.Através da tecnoiogia, ele pode dar às divei:sas musicalidades for-
niatos estiticos capazes de aproximai- culturas distantes, tornando-as aiidi-
veis a outros ouvidos, e seus resultados oscilani eiitre a perda das especi-
ficidades cuiturais, " n ~ i n ~jogada
a teciiologica, racista e etnocêntrica",
coino querem seus criticos, e a "ailipiiaç20 da inforinacio musical atra-
vés da divulgafio de estilos divei-sificados", como que1:em seus apologis-
tas. Mas a equacio desse debate esti nas ilirerai,-0es que organizain o
mundo da world i?21nsic.
Do poiito de vista das redes de re!aç6es, a woïld mtrsic É uina via dc
m i o dupla: compositores do Norte como Paul Siinon, Peter Gabriel, David
Byrne, Brian Eiio, Jon Hassel, v i o em diregao ao Sul a fim de renovar as
foiires do pop. Ao inesmo tempo, compositores do Sul coi110 Salif Keita,
Ray Lema, Cheb I<lialed, Youssou N'Doux, Ismael Lo, se iiistalain no
Norte a fiin de integrar suas produc6es ao niercado iiiteriiacional da mu-
sica. Existeni, portanto, interesses mutuos de musicos e mercados dispos-
tos a partilhaï experiências e amplias seus raios dc a $ ~ .
A asceiisio da woïld 17zusicenquanto tendência de consuma no mer-
cado fonoçr6fico iiiteriiacional iiiiplica uina mudança de posicio da nifi-
sica produzida na periferia do "Atlântico Negro", que passa a aliinciirar
os mercados musicais inais importailtes do muiido, conio os EUA, 1:uaii-
ça e Iiiçlatevra. Segundo Le Mo~zdede la Musique (19961, a veiida de in;-
~d~~~~ ~ ~da Costa
~ d o ~Mariim, é tocaiido
, dicnzbé, uni dos t a m b o ~ e s
<ii(ii,,didos no incio inusicai de Salvador. sica clissica no inercado fonogrifico interiiacional caiu 12,7% nos pri-
airicalios
meiros nove meses de 1995. Em diminuiçiïo constante desde 1990, ela se
estabilizou em menos de 8% do mercado de disco. A w o ~ l dmusic cres-
ceu no mesmo periodo. Esse fluxo global, que coiocou a musica negra em
posiçao de destaque, repercutiu fortemente em Salvador, que a partir dos
anos 90 deixou de ser um centro produtor de matéria-prima para ser um
centro exportador de musicalidade afro.
A produça0 de samba-reggae, ou seja, uma p r o d u ~ a olocal, se inse-
re em um fluxo de globalizaçZo do mercado que privilegia uma musi-
calidade "étnica" na quai essa produçao se encaixa como uma luva, na
medida em que recria sonoridades africanas, mesclando-as com ritmos hra-
sileiros e caribenhos. "O samba-reggae é um dos rirmos mais pedidos nas
minhas uoites", atesta o DJ Doug Wentd, de Sao Francisco, California,
cuja discotecagern de woïld music foi considerada pela revista Details
"uma das melhores coisas da noite americana", afirma Cal-losAlbuquer-
que em sua analise da historia d o reggae.
Tamhém na França, a nova produçao musical de Salvador foi bem-
vinda. Em 96, O Jo7nal do R~asilanunciava:"A tomada da Bastilha pela
ci.~lturabaiana - a invasgo que começou nos anos 70 agora conquista
os franceses com capoeira e samba-reggae".
Esse tipo de "exotisrno" musical passou a ser tao interessante para
os mercados fonogr6ficos internacionais que O maior prêrnio destinado à
musica, o G ~ a m m yamericano, criou uma categoria especifica de pre-
miagao. Alguns artistas baianos chegararn a disputa-Io: Olodum (Ne-
guinho d o Samba), Margareth Menezes, Gilberto Gil e Caetano Veloso.
A imprensa local também capitalizava a presença da p r o d u ~ a omu-
sical baiana para além das fronteiras nacionais: "Dominio Baiano -seja
em Montreux, Bruxelas ou Paris, a musica brasiieira - especialrnente a
baiana - rouba a cena na Europa", dizia A Tarde. Outros nomes como
O senegalês Doudou Rose, um dos grandcs nomes Ara IZetu, Daniela Mercur~"e Timbalada, antes restritos ao mercado local
da w o d d mzrsic, ern show do Pcscpan. e nacionai, também passam a freqüentar o circuito internacional do mer-
cado da musica.
Mas nzo se pode dizer que os artistas baianos sejanx um sucesso in-
ternacionai, pois dificilmente se sustentam nos mercados estrangeiros por
muito tempo e, na maior parte dos casos, se apresentam para platéias
compostas pot brasileiros que vivem fora do pais.
Por quê!
l'orque nZo é. Economicamente a melhor coisa que aconteceu na
Bahia chama-se axé-inusic. Ern termos de progresso, os infisicos coslse-
guiram tel- ineihoi-es instrumentos, surgiram virios artistas, mas a axé-
music é um movimeilto paraleio ao ilosso. O que é p6s-tropicaiismo, O
que é p6s-Novos Baiaslos, somos 116s que cornecamos em 79, no inicio
dos anos 80. Luiz Caldas, a banda Acordes Vcrdes, Scorpius, qiie hoje é
Chiclete com Banana, Missinho, e outras pessoas que slao estao na midia,
mas estao incutidas no inconscieilte coletivo de roda a populaçZo da Bahia.
O que faz com que você esteja aqui, conquistaudo este espaço inter-
nacional, e n j o Luiz Caldas ou Daniela Mercury, por exemplo?
Luiz Caldas foi ineu influenciador, me preparou também, Luiz foi a
porta e ij é eterno por isso. A Daniela também rem uma penetraçao fan-
tistica, eia reune 300 mil pessoas na América Latina e é assim, nos todos
juntos vamos disseminar a miisica da Bahia e do Brasii no plaileta, um
artista s6 n i o tem condiçao de invadir o mundo inteiro, todo mundo nZo
pode estas em todo lugar ao messno tempo. EntZo é a cultura que vai dis-
seminar, aqui eu estou representando Daniela e Luiz, quando Danieia est;
em outro lugar ela esta ine representando, esta representando a cultura
baiana.
Quando você cstava lauçando seu livro, quer dizer, seu disco ...
)i u m livro também, é muito mais u m livro até do que u m disco, na
verdade é cinema. Niïo se faz cinema s6 com pelicula, se faz com caneta
e papel. Uma palavra é cinema, sim, eu sou da terra de Glauber Rocha.
Goli Guei-rciio
! A Traina dos Tainborec
315
las faii~osascaiic6cs ("todo rnunclo lia I'raça e mailda a geilte sem graça
pro salao").
Uin dos evciitos mais iii~portaiitescia festa tem a Praca Castro Alves
como cenirio: O Eiicoiitro dc Trios, um "cl5ssico" do cal-iiauzl haiano,
que acontece desdc os anos 70, a o alvorecei- da Quarts-Feira dc Cinzas.
O encoi1ti:o refine viuios trios elétricos, incluindo O trio indelleildente Ar-
niaiidiiiho, Dodô e Osmar, que quase seinpre conta com a preseiiça de
Caetano Veloso e Gilhei-to Gil, além dos Novos Baianos.
Foi no encontro de 72 que o eiigenbeiro Oriando Tapajos apre-
sentou a "Caetanave". Um trio futurista inspirado ein aeronavcs, cons-
truido para honlenajear Caetano, que acabara de voltar do cxilio en1
Londres. O sagaz eilgenheiro é tambéin idealizadov do ti-io independeii-
. .
te Tapajos, que serviu de iliodelo para os moderiios caminhoes musicais.
Carlii~llosBrown reeditou a "Cactanave", desativada havia anos, no
carnaval dc 99.
Na Praça Castro Alves, a mfisica E ouvida, visra e dancada por ini-
lhares dc pessoas. Dispoildo de uin poderoso arsenal sonoro, os infisi-
cos gastam energia numa pei:foi-mance exihicionista convidaiido a ililensa
platéia a ui~lamanifestagao orgiistica. t\s palinas einanadas dos folioes,
tipicas do sainba de roda, sao a sei~haque coi~gregae convida os covpos
para as danfas coletivas. Todos paizecem estar contagiados por uiua ener-
;ia de alta voltagem. A perfoi-mailce se define, entiio, pelos ritnlos, pe-
los gestos, pelas danças que fazem a tempei:atura subir além dos graus
ceiltigrados a mais ti-azidos pelo vergo tropical. Depois da exibiçao na
Prafa Castro Alvcs, os hiocos começam a se rnover em direcêo à Rua
Carlos Gomes.
275
A Trailia dos Tamboies
cal se cria e se desenvolvc. É preciso ouvir O evento sonoro, ver de que 49.
forma o music0 toca: para enrâo saber como O som é produzido. S6 o con- OS INSTRUMENTOS
texto pode informar coiiio se produz O som, como se percute, como se
ensina e aprende, como se imita O gesto percussivo, enfim como a lingua-
gem percussiva se reproduz. O contexto é O lugar da convivência, no qua1
a linguagem musical é atualizada cotidianamente pelas multiplas intesacces
que estâo continuamcnte modificando padroes, criando novas ritmicas,
novas liiihas meIodicas e outras formas de percutir. O yrimeiro passo para o apsendizado da percussâo é a escollia do
iiistuuinento que vai set tocado. Dc modo geral essa escolha corresponde
a uma express50 de pevsoiialidade e estilo. O instrumento deve se adc-
quar ao corpo do perc~issioilista,sendo uma espécie de prolongameiit»
dele. A mfisica percussiva é feita basicamente en1 tainbores. O tambor é
um instrumento muito variado, existe uma infinidade de ripos, e a banda
de samba-reggae é composta geralmente de sete inodelos: fundo, marca-
$20 (ou dobrando) de uma, mai-cacâo (ou dobrando) de duas, repique,
tarol, timbau e timbales.
Esses instrumentos, cuja origein é dificil deterininar, têm proccdêii-
cias variadas. Tanto a Europa como a Africa e a Arnérica Central contri-
buirarn para a formacao do coiijunto de tambores difundidos no univer-
so percussivo brasileiro. Esses tambores? hoje considerados afro-brasilei-
ros, delinearam o niundo da percussâo na Bahia, e a efervescência pro-
vocada pelo samba-reggae permitiu a transformacZo dos iiistrumentos.
Seguiido o fabricante Bira Reis, "depois do Ilê Aiyê comecou um ta1 de
pegar lata pra fazer taiiibor, comprar maquiiia de solda, e se fazia dc tudo,
repique com oit0 varoes, surdo con1 quiiize, em vez de pele colocava lona,
botava fita crepe. Foi-am experiências, porque você tinha cein surdos na
mâo, entao podia fazer o que queria, desinontava, rrocava pele, afinava
diferente".
É verdade que os piincipais blocos dispunham de uma quantidade
coiisiderivel de tambores, pois suas baterias contavam corn cerca de 200,
300 homens. Desde os anos 60, com as baterias dos blocos de indio, os
tambores deixarain de ses de illadeira (na sua maioria) e passaraiil a ter
seus bojos coi~feccionadosein aluminio. Além disso, a pele de animal foi
substituida em larga escala pela pele sintética, fabricada industrialmente,
e as baquetas também sofreram transformac6es.
Neguiil110 do Samba estevc diretamente envolvido nesse processo.
"Como o samba-reggae era uin ritmo diferente eu resolvi mexer no ta-
inanho dos aros dos surdos, o aluminio e os vai-6es et1 mandava fazer aqui
mesmo, e as pelcs, Humbei-to, da Gope [fibrica dc instruinentos de Sâo
Paulo], me mandava. Eu resolvi experiinentar fecliar os surdos embaixo,
porque nas bandas que eu participava quando era menino nêo tinlia pele
embaixo, e era O mesmo aro daqueles instrumentos de escola de samba,
na verdade era escola de samba aqui na Bahia", explica O mestre. A par-
tir da!, esses novos instrumentos passaram a ser utiiizados pela maior parte
das bandas percussivas de Salvador. Mas é preciso deixar claro que ape-
sarde haver um padrêo no conjunto de instrumentos das bandas de sam-
ba-reggae, existem variaçôes, seja no tipo ou no numero de cada um de-
les. Essas diferenças dependem nêo somente do grupo, mas também do
espaço onde a atividade percussiva esta sendo desenvolvida: na rua, no
palco ou no estudio -na rua, por exemplo, O numero de rambores é rnuito
maior do que no estudio.
Os tambores da maioria das bandas de samba-reggae de Salvador sZo
membrafones de tipos e tamanhos variados e ocupam as seguintes posi-
ç6es no conjunto: um timbales para O mestre que rege; na linlia de frente,
três repiques; na linha intermediaria, um tarol, um timbau e os surdos:
uma marcaçao de uma e duas marcaçoes de duas; na linha de fundo, dois
surdos maiores, chamados S U I - ~ ~ouO fundêo.
Os surdos, na banda samba-reggae, sêo basicamente os rnesmos das
baterias das escolas de samba cariocas. A procedência destes surdos das
bandas brasileiras é africana, corn influência eui-opéia. Eles têm três tipos
muiro semelliantes: o fundo, a marcaçao de uma e a marcaçzo de duas.
Estas dife~:enciaçôes,que têm terminologias variadas depeudendo da re-
giao do pais, sao apenas diferenças nos aros e no peso dos instrumentos.
( N o Rio de Janeiro, poi: exemplo, sa0 chamados de surdo de primeira:
surdo de segunda e szrrdo de terceira.) O fundo rem um aro de 24 polega-
das de diâmetro e chega a pesar 11 kg; a marcaçiio de duas, urn aro de 22
polegadas, corn peso médio de 10 lcg; e a maiicaçiio de uma comporta um
aro de 20 polegadas, corn peso de 9 kg. Ao tamanho dos aros e ao peso
dos insrrumentos correspondem as variaçoes de timbre, que oscilam do
mais grave ao menos grave passando pelo médio. Os suudos s i o C O ~ I ~ O S -
tos das seguintes partes:
.
aro. É o ponto final da armaçzo de um tambor e é por ela que
se inicia O processo de afinaçâo do instrumento.
Arrueia -é uma peça de cobre que fixa O var20 e permite
a afinaçzo, dando suavidade ao som do tambor, ajudando a
definir sua sonoridade.
Esses três tipos de surdos maiores szo percutidos com duas baquetas
fabricadas artesanalmente. Cada baqueta é feita com um pedaço de cabo
de vassoui:a de cerca de 35 cm de cosnyrimento, espnmas finas e grossas,
cordso, tecido, fita crepe e cola. A fabricaçzo da baqueta consiste ein serrai.
O cabo da vassoura no tamanho dcsejado, passar cola ein uma das poil-
tas e em seguida eilrolar uma tira de espuma grossa na extremidade, ob-
tendo-se uma forma esférica. A espuiiia fina recobre essa parte, dasido-
Ihe uma forma ainda mais arredondada, e é presa com cordâo, que deve
ser amarrado firinemente, e deixa-se a cola secar. Depois de seca, a cabe-
Fa é forrada com tecido e novamente amarrada com barbante. O acaba-
mento fica por conta da fita crepe que envolve a circunferência da ma-
deira logo abaixo da c a b e ~ aredoiida de espuma. Isso feito, a baqueta esti
pronta para percutir a mesnbraiia dos tambores.
O repique é um pequeno surdo de 5 kg, antes chamado de repinique.
Ele é feito em latas de manteiga de aluminio, rem de 12 a 13 polegadas
de altura, produz um som agudo e se posiciona na linha de frente da banda
de samba-reggae. Dife1:entemente do Rio de Janeiro, onde O insti:umento
é pei:cutido com uma vareta e uma mâo nua, em Salvador ele sofreu mo-
dificaçôes nao somcnte na terminologia mas tambéni na maneira de ser
Arrucla
tocado. Segundo O fabricante Rira Reis, "O vime é usna invenç2o de Ne- (escala ampliada)
giiiulio do Samba, mas o tocar com duas varinhas vem do candoinblé.
Antes, aqui na Baliia, O repique era tocado com uma mâo e uma varinha
[como sio Rio], mas ji tinha um jeito diferente de fazer o som, parecia
escola de samba mas cra uma coisa mais cadeuciada, mais ritinada, corn
uns solos que pareciam jazz". A modificaç2o na forma de tocar O repi
que coincide com a invençiïo do samba-reggae, e consiste na utilizaçao
de duas varetas de vime com cerca de 50 cm de comprimento que barem
sobre a pele sintética. Normalmente as baquetas de vime $20 adquiridas
de marceneiros que trabalharn com esse tipo de madeira; elas S ~ molha-O OUTROS TlPOS DE TAMBOR
das e depois de secas têm uma de suas pontas envolvidas em fita crepe: é
esta ponta do vime que percute a membrana do repique.
O tmol ou caixa de guerra é um tambor de procedência européia.
Segundo o estudioso Bira Reis, "essas caixas eram usadas nas guerras
inglesas e francesas para fazer caminhar os soldados". Os diâmetros em-
baixo e em cima, bem como a esteirinha de metal, sinalizam que se trata
de uma versiïo européia. É um instrumento de 14 polegadas de diâmetro,
com duas membranas, uma em cima outra embaixo, que produzem um
som agudo, e é percutido com um par de baquetas pequenas de madeira.
Diferentemente das baquetas dos surdos, que sa0 produzidas artesanal-
mente, estas que percutem o tarol sâo adquiridas em fibricas, totalmente
em madeira, e têm cabeças levemente arredondadas que precisam ser po-
lidas em tamanho padriio.
O timbau é um tambor brasileiro que, segundo o fabricante Bira Reis,
"foi industrializado nos anos 30. Mas ele vem de um outro instrumento
muito usado no Rio de Janeiro, que é O caxambu, do jongo". Na Bahia,
o timbau é usado desde os primordios d o afoxé Filhos de Gandhy, "mas
com outra versgo, ein tamanho pequeno, com pele de cobra, e cordas.
Agora, o timbau desta forma que a Timbalada usa, com tarrachas [para-
fusos], aparece no Bando da Lua, que acompanhava Carmem Miranda",
informa o estudioso. É um instrumento de madeira, com cerca de 5 kg,
de bojo afunilado de 60 a 70 cm de altura, com 14 polegadas de diâme-
tro, coberto com ~ e l apenas e na parte superior. Essa membrana é percu-
tida com as mâos e emite um som agudo.
O t i n ~ l ~ a lér sum instrumento afro-cubano. Ele é coinposto de dois
tambores de formata semeihante ao do tarol, mas que têm apenas uma
membrana cada, sendo que um deles tem 13 polegadas de diâmetro e O
outro rem 1.4 polegadas. As duas "bocas" sâo sustentadas por uma ar-
maçiïo de ferro. Ele vem sendo utilizado por muitos mestres de bandas
de samba-reggae que dispensam o uso do apito (tipico das escolas de samba Timbales
cariocas) como meio privilegiado de condu~iïoda banda.
Repique
Cada instrumento desempenlia um pape1 especifico na construçao da
linguagem musical. Na banda de sainba-reggae, O tinzbaies é O instrumento
do mestre, que conduz a banda; o fundo sustenta a base (ou o andainen-
to) do ritmo; a ma./cacüo de duas sustenta a base do fundo; a marcaçüo
de unza é base da marcaçao de duas; o taiiol ou caixa é a base do repique; 50.
o repique serve de base para todos os outros instrumentos; e o tiinbau é AFINAÇAO DOS TAMBORES
um instrumento independente, que trabalba a partir da impsovisaçâo. A
esse conjunto somaram-se, no inicio dos anos 90, os instrumentas har-
mônicos. O teclado, que define a estrutura melodica da cançâo; a guitar-
Ta, quc cumpre uma funcâo semelhante à do repique; O sax, que enfeka
os arraiijos, coin solos ornamentais. As bandas utilizam tambéin um bai-
xo, porém dc forina intermitente, o que permite afirmar que esse instru- A afinaçâo 6 uin dos aspectos mais complexos da percussâo na Bahia.
inento nâo parece ter uma funçao es~ecifica,ou seja, a trama musical do Trata-se de um trabalho absolutamente experimental, embora seja um
samba-reggae pode prescindir do baixo, cuja sonoridade grave é facilmente procedimento fundamental. A afinaçâo de tambores é quase sempse Lima
abafada pelo peso dos surdos. tarefa para mestres de percussâo e se constituiu num processo particular.
Novamente é a oralidade que vai caracterizar O aprendizado e a transmis-
sao do conhecimento de mestre para aprendiz. Os procedimentos de afi-
naçio também foram modificados no processo de criaçio do samba-reg-
gae. "No coineço a afinaçao era muito deficiente, até porque as peles de
animal desafinavam quando molhadas pela chuva. Con1 as peles sintéti-
cas a coisa foi se aprimorando, foi se pegando afinaçoes em [intervalos
del terças e quintas, refinando mais. Hoje em dia, você pode transformar
a sonoridade dos surdos, deixi-los agudos, antes era tudo muito mais gra-
ve", explica Rira Reis.
Para ilustrar o trabalho de afinacâo dos instrumentos da banda sam-
ba-reggae, sera descrito o procedimento realizado por Neguinho do Sam-
ba, enquanto mestre da banda Didi, levando em consideraçao a pai-ti-
cularidade do método. "Aqui na banda nos temos uma afiuaçao difereute
da banda do Olodum, do Ara I<etu, do 115. Cada banda de yercussâo tem
uma afinaçao diferente", explica O mestre em uma scssao de afiuaçao
realizada no patio da gravadora WR, quando da gravaçao do primeiro
CD da Didi Banda Feminina, em 19 de julho de 1997. O mestre estava
cercado de aprendizes que olhavam atentamente a execuçao da tarefa res-
ponsivel pela qualidade de som dos tambores.
Os primeiros instrumentos afinados foram os surdos. Neguinho do
Samba pegou um dos fundoes e iniciou o processo de afinaçâo, que con-
siste basicamente no ajuste dos var6es que fixam a meinbrana no boio
do instrumento a fim de estendê-la adcquadamente. O trabalho começa
pela retirada desses vacees, um de cada vez. O passo inicial é o afrouxa-
meiito das arruelas ou roscas de baixo e de cima que permitem que o
varâo fique folgado O suficiente para ser removido. Depois da 1-emoç.20,
sua ponta é levemente diminuida com uni sel-rote e ele 6 recolocado no
bojo. Depois de recolocar também as arruelas nos vatees, o afinador
cas, forain aci:cscentados como elementos fundamentais da fabricaçzo de 51.
tambores. E roda essa dinâmica de reinvençâo de instrumentos aicançou A TER'MINOLOGIA
uin climax no processo de iuvençao do samba-reggae, responsivel pela
proliferaçao de baterias.
291
Goii Giieireiro K Trama dos Tamhoics
iilaestrina, tnostrando coino 1-eger a banda. A mimica agora é fundamen-
ta1 para orietitar o conjunto dos toques que pi-oduz o ritmo. Erros e acer-
tos no motnento certo de fazer o toque e na forina de fazê-Io das per-
cussionistas acontecem sob o olhar e O ouvido arelitos d o mestre. A cada
toque errado, utiia nova tcntativa - a repetiçio do gesto é a base do
aprendizado.
O ritmo passa a existir na medida ein que rodas as percussionistas
conseguein uma dinârnica adequada, a precisao do toque feito no tempo
certo c O entrosameiito necessario pat:a compor o conjuiito de toques.
Nesse ponto, elas alcancarani aquiio que se chatna de convelzçiio. Uiil pa-
drao ritmico foi criado; no entatito, eie pode ser modificado no decorrer
do processo. Diante do fato sonoro que esti sendo produzido detltro da-
quele padrao, o mestre pode decidir inseris ou transformas determiiladas
frases musicais reaiizadas por alguns insti-umentos. Ele esti pretendendo
fazer uma vaïiaçiio no ritino.
E O trabalho recoineca. O gesto miinico informa que O fundio deve
continuar laquel le padrao, mantendo inalterada a base d o ritmo; ja o
timbau deve quebiar o padrio, ou seja, deve variar ou improvisar deseu-
volvendo novos argumentos musicais a partir daquele que foi conven-
cionado. O mesmo procedimento pode ses indicado para os três repiques,
que devern desenvolver uma variagio coletiva, em tempo pré-determina-
do. Assim o rittno se enriquece, se desdobra, se inove. E O ensaio coiitinua.
Nesse moinento de ti:oca de experiêiicias musicais transparece a re-
laça0 que envolve mestres e percussioiiistas. N o mundo da percussio, O
inestre é quase uma entidade, a quem se deve respeiro e obediência. Seu
saber é inquestionauel, seu ouvido é sempre o melhor. Alessandra, per-
cussionista da Didi, comenta a respeito de Neguinho do Samba: "Depois
de meu tio, que foi meu primeiro mestre, ele me ensinou tudo". "Ele é
otimo, porque passa segusança pra gente. Ele marca na hora certa, nun-
ca vacila", afirma Lucélia. "A criatividade deie é muito grande", diz Eli-
sângela, e a timbaleira Titi resume: "É urn mestre perfeito". Um misto de
reverência e fascinio une o discipulo ao mestre, visto como alguém que
possui um dom divino.
A crença no dom inusical é muito forte no meio percussivo. E os
mestres sempi:e sugerem a influência de algo de sobi-enatural quando con-
vidados a falar sobre inspiraqzo. "Quando as musicas nascem em mim,
nascein corn a traduçZo que elas querem. Elas sZo devoluç6es, eu s6 faço
devolver o que n i o me perteilce", afii-ma Carlinhos Brown. O tnestre Ne- Nos ensaios das baiidas, os rncsries mosrrain a cada
guiulio do Satnba gosta de recorrer ao divino para explicar O seu proces- pcicussionisra coiiio rcalizar o roquc perfeito.
so criativo. "Eu tenho uma coisa que s6 os deuses podem responder pra
mim. Esses ritmos eu nâo sei como acontecem, acho que tinha cbegado O DISCOGRAFIA COMENTADA
momento, e s6 O universo pode dizer por quê." A crença no dom, com-
partilliada no meio, é uma das razoes para que O mestre seja tratado co-
mo uma "quase-entidade" pelos discipulos.
Mas a observaçao do cotidiano musical dos mestres e seus discipu-
los mostra que o processo criativo passa por um aprendizado de expe-
riências musicais que nasce na interaçâo e n2o exatamente de uma ilu-
1. MPB
minaçâo. E isso n5o passa despercebido pelos discipulos. Para aigumas
percussionistas da Didi, pupilas de Neg~iinhodo Samba, "ele rem O dom,
MORAES MOREIRA
mas a criaçao dele depende da gente, se a gente t i conce~trada,t i tudo
Mestiço É isso, Contincnral, 1986
bem", afirma a percussionista Cristina. Segundo Elisângela, "cada en- Um dos maiores cornpositores do carnaval da Rallia,
saio que ele faz com a gente, ele cria variaçoes e até mesmo ritmos". Se respons&\.tl peia inclus<o dc letras nos repert6rios dos
O talenco e a inspiraçao sâo uma expressao do divino, como querem os trios, na segunda metade dos anos 70; rnosrra neste disco
a variedade dos ritrnos difundidos na Bahia.
mestres, é dificil saber, mas certamente tais "didivas" S ~ Otambém,
, O
resultado de um trabalho intensivo, cotidianamente repetido pelos mu-
GILBERT0 GIL
sicos em seus ensaios.
A Gente Precisa Ver o Lual-, \WEhWarner, 1989
O disco ?raz O registro da versio " N i o Chore Mais" (de
"No Woman, N o Cry"), o reggae dç Bo6 Marley dc
maiar sucesso no cenirio brasileiro.
Qünntn Gente Veio Ver [no vivo], WEAAWaincr, 1998
O disco prerniado pela Gramrny de luorid mzsic é UIII
passeio pela carreira d o cornpositor.
GAL COSTA
Gnl Plurnl, BMG, 1990
A canrora apresenta ncste disco dois samba-resgacs,
w ~ r i l h o ~ ~ l e ï d~o "Muzenza,
, e "Salvador N5o Inerte",
do
.~.olodurn, devidamente acornpanhados pelos tainbores
nos quais o iitrno foi gerado.
CAETANO VELOSO
Liuro, Polygrarn, 1997
O disco mais percussivo d o cornpositor traï grande
varjedade de insrrumencos de percussio, eïecurados
principairnente pelos mtisicos da Timbalada.
S ~ R G I OMENDES
Brnsi1eir.0, Rodrarnusic, 1992
E~~~disco, qlic riaz cinco composiç6es do percussionisra
carjinlios ganliou o Grnrnrny de luorid music-
295
Goli Giierreiro A Trama dos Tarnbores
CHEIRO DE AMOR . . DANIFI A -MERCURY
-. .. .--~ -
Sainssiê, Continental, 1988
O Caizto da Cidade, Columbia, 1992
Um bom exemplo da assimilaçio da estérica afro pelas
Scgundo disco sala da "rainha da axé-music",
bandaslblocos de trio elétrico.
ieîponsivel ampiiaqào d o espaso da miisica
produzida na Bahia no meicado nacionai, no quai a
CHICLETE C O M BANANA quaJidade técnica aprirnora o dialogo enrrc os
Cbiclete coin Banana, PolyGram, 1987 instr~>rnentos
pcicussivos e O aparato elerrônico. O disco
O Chiclete corn Banana é reverenciado como precursor foi produzido por Liminlia e conrou com a participaçjo
das fus6es ritmicas da axé-wzusic. Este disco é uma boa de Herbert Vianna em "ma das faixas.
anlostia da estética mesriça e da variedade ritmica no
universo das bandadblocos de trio. IVETE SANGALO
É testa, BMG, 1997 lvetc Sangnio, Universai Music, 1999
Primeiro disco da banda gravado an vivo, em cima de um ;
Primeiro disco solo da cantosa, em q u e reedita a formula
trio elérrico, no carnaval da Bahia. 1 da axé-music inaugurada por Danieia Mciciiry iio inicio
': dos anos 90.
LUI2 CALDAS
Masin, Nova Republica, 1985
Um dos primeiros mtisicos a utilizar eiemenros da esrética 4. AFRO-POP
negra em blocos de trio. Responsivei pela divuigaF50
nacional do "fricote", O arrista é um dos precrirsores da
TIMBALADA
axé-music e foi music0 e vocalista de virios hiocos de
trio. Timbaindn, Polygram, 19?3
Andci Road, Polygram, 1995
Màe de Snmbn, Polygram, 1997
SARAJANE
A a u d i ~ â odesres rrês discos permire acompanhar a
Sarflinne, EMI-Odeon, 1985 rransforrnaçào da esrética musical da banda. Uma das
Primeiro album da cantora que, ao lado de Liiiz Caidas, mais importantes represenrantes d o estilo, depois de
foi uma das primeiras a pesquisar elementos da estérica enfatizar O aparato eietr6nico em Andei Road -se
negra para incorpoi5-los a o universo dos trios. rornnarado
.~~~~
r~~ ao orimeiio disco da banda (Tirnbaiadri)-,
Responsivel pela divulgaçào nacionai das danças da voita a investir na sonoridade dos instrumentos
Bahia, Sarajane foi também precursora da axé-nrusic e pcrcussivos ern Mac de Snmbn.
musa d o carnaval da Bahia em meados dos anos 80.
BANDA REFLEXU'S
Kassiêsselé, EMI, 1989
Born exemplo d o diilogo entre O samba-reggae e a
sonoridadc pop elerrônica.
RANDA EVA
Bnndn Eua no Vivo, Polygram, 1997
!iibum que inscre a banda no roi dos maiorcs vendcdoies
dc discos d o pais.
6 . SAMBA E PAGODE
BATATINI-IA
50 Anos de Saipzbn, WR Discos, 1994
C Urn ùalaiiço da obra dc um dos inaiores mcsrrcs do samba
3..
na Bahia.
Dipioinncia, EMI, 1998
Disco posruino, con3 participa~ocsde Maria Berhânia,
5. REGGAE BATATINHA Caetano Vcioso, Chico Buarque, Gilberto Gil e ourros.
D I P I O M A C I A
LAZZO
Atr& d o Pôr d o Soi, BMGiAriola, 198s
Um bom exempio da influência d o reggae no trabailio de
musicos de biocos afro é Lazzo, que dcixou o Iiê Aiyê
para fazei uma rurnê iiitcrnacional corn o rnusico
jamaicano Jiminy Cliff. ..~.~
COLETÂNEA
Reggae in Bnhin, Brasidisc, s.d.
Coletànca que reuiic varias bandas baiaiias de reggae
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"J. Améiica Brasil" (Julinlio Lcire, Claudia d o Reggac, Guza, Eioi Estrela). Ediroia: 212,224,250a.
. . 250b. 262b)
EiMI. Rejane Cainciro (rejaneciirnciro@ig.com.br) (pp. 20, 23, 28a, 28b, 31b, 34, 38, 42,46,
"Lendas c Magias" (Maiê Dcbalê). Leria inedita. 50, 56, 59, 63a. 76a, Slb, 90, 92, 94, 100, 104, 106, 108, 112, 120, 132, 135,
"LUXe Blues" (Paulo Joige, Jamoliva). Editora: Warnei Chappell. 143, 160, 162, 176, 183, 18.7, 192, 194a. 194b, 196, 199, 203,205,232, 236,
"Macuxi Muita Onda" (Gcrônimo). Editora: Warncr Chappcll. 238, 254, 4" capa)
"Minlia 1-list6ria" (Tara"). Editora: EMI. Reproduçao (pp. 25,21Oa, 210b, 278,281,293)
"Negros Sudaneses" (Lizara Boquinha). Lerra inédita. Sora ~Maia(soramaia@ig.com.br) (pp. 10, 3 l a , 53, Sla, 84a, 125, 12Sa, 12Sb, 157,
"O Mais Belo dos Bclos (A Verdade do lIè)"/"O Charme da Liberdade" (Guigui01 188,216,218,222a, 222b; 226,230,252a, 252b, 258,2641
\raircr Farias, Hdaihon Pocsia). Editora: BMG Music Publisliing. \Vilsori BenosiciA Taidc (p. 140)
"Protcsto do Oiodurn" (Betio). Editora: SBK. Xando Pereira (xaiidop@uol.com.br) (p. 164)
"Tiro Seco" (Bida, Laziniio). Editora: EMI.
"Um Frevo Novo" (Caetano Vcloso). Editora: Warncr Chappell. Todos os esfoor~osposs:ueis foram /cilos para se determinar n ailto~iados folos usadas
"Uma I-lisroria de Ifi" (Yttliamar Tropicilia, Rei Zulu). Editora: Warner Chappell. ;zeste livro. Uma uez locnlizndos os /ot6gi.afos, a editoro iïnediatnmetzte se disp6e n
a-editi-los izns pr6ximas cdiçoes.
COLEÇAO TODOS OS CANTOS Luis Antônio Giron
direçiio de TTnrik de Sots-ii Mirio Rcis
Iniciada cm 1995,a coleçào Owido Musical entra em nova etapa. Com o rirulo ainda
mais abrangenre de Todos os Cmtos, ela passa a ter a dimens50 ampliada pelo parroci-
nio d o Griipo P5o de Açucar, que através de scii proprama de apoio cuitural oferece boi- Fernando iMoura
sas de incenrivo aos aurores, bem corno pagarnenro de pesquisadores e auxiiio à produ- Jackson do Pandeiro
ç i o para o desenvolvimento dos livras. Reforça-se corn isso a idéia de estudar os niovi-
Zuza 1-Iomem de Meilo
nientos inusicais d o planeta utilizando as mais diversas abordagens, incluindo perfis, en-
A cra dos festiunis
saios e reportagens. Sempre parrindo da visio de u m pais de rnusicalidade à floi da pele,
a coieçao pretendc conectar-se às iiiumeras vias de cida tema, fiel à rarrfa de apresentar
Tirulos ji lançados (oiiginalrnente pela colegao Oiivido iMusicai)
aos ieitores o inaior nfimero de zlternativas para o conhecimento deste universo comple-
xo e interpenetrado. Robeito ~Muggiati
Na erz da simiiltaneidade virtual c interariva, a seleçao de ritulos e aurores guia-se Bitles: dn lnmn à famn
pelo critcrio da mixima abrangência, rendo coino ilnicos verores a qualidade e a ielevân- Arthur Dapieve
cia. A coieçao procura ainda mapear as principais rendências que rnovem o tabuleiro da BRock: o rock brnsileiio dos nnos 8 0
milsica, além de refierir e desveiar seus personagens, insrtumentos e atitudes. O desenvol-
vimenro récnico, o apuro virtuosistico, a infiuência no comportamenio reflerida na liisto- Carlos Calado
ria das liilmanidades conviverao indissolilvcis nesse enredo, retrarado por autores esco- A divinn comédia dos M~tarrtes
l i d o s entre os expoenres de cada assonro. Cam a série pretende-se uma visio nova e sis- Dominique Drcyfus
tcrnarizada sobre a miisica - essa arte vol5ril que nos ccrca, rnobiliza e define. Vida d o viajante: a sngn de Luiz Gonznga
Luiz Galvao
Dominique Dreyfus Anos 70: novos e haianos
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