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Ao contrario das outras bandas que utilizavam O snmplm para


cproduzir O samba-reggae, Daniela Mercury trabalhou diretamen-
:corn perc~issionistasno estudio d a TYR, e registrou aç sonorida-
es de surdos, repiques, tarois e timbaus, fazendo-os dialogar corn
s sonoridades da guitarra, d o baixo e d o reclado.
Além de ter gravado varias composiçGes dos blocos afro-baia-
os e outras que os enalteciam e divulgavam, a performance de Da-
iela como bailarina se inspirava nas danças elaboradas por esses
rupos. O clipe da cançao "O Mais Belo dos Belos", do Ilê Aiyê,
,i gravado na Ladeira d o Curuzu, territorio do bloco.

Goli Gueïl.eiro

O que expiica a força da rnusica produzida na Bahia? Como O


jtado tornou-se n5o apenas independente d o eixo Rio-Sêo Paulo
orno até hegemônico em certas faixas do rnercado? Quem quiser ir
Iém de rotulos redutores como axé-music precisa siugrar este bem
rdido A irama dos tamboïes.
T+/ik de Souza

LEI DE
INCENT1VO
A CULTUM
Jri-,,..!/i,L
*.
rJ-J
. ; ",
TODOS OS
CANTOS
A TRAMA DOS TAMBORES
Ediroia 34 Lrda. A MuSICA AFRO-POP DE SliLVADOR
Riia Huilgiia, 592 Jardini Europa CEP 01455-000
Sio Paulo - SP Brasii 'TeiiFax (11)3816-6777 cdiïora34@iiol.com.br
Ag~adecin?eiztos.......................,...........................,.,..........,....
, .
Copyri:hr O Editora 34 Ltda., 2000 PTe/dczo ...................................,.............................,...............
A trnnza dos tninbores: n mdsica nfio-pop de Snlundoi. O Goli Guerrciro, 2000 Apresentaçno: Da cozinha para a sala de estar ......................

Iinagenr da capa:
Cariinhos Brown c a Tinzbnlodn i?o carnnunl de Snlvadoï
1. O samba-reggae entra en1 cena
2. I1ê Aiyê da Libesdaiie
irnagcrn da 4" capa:
3. Ara Ketu de Pesipe1:i
Dnniela Me-culy e dniiçni.inns do I l i Aiyê
4. Malê Debalê de Ita
Capa, piojeto grafico e cditorasio cictrôiiica: 5. Oiodum do "Pciô"
B,-ncl?ei.& Mnlzn Pi.odu$no G i f i c a
6. Muzeilza do Reggae
Revisio: 7. A estética afi-o-baian
Adricime de Oliveira Fiimo
Aleznndïe Barbosa de Soirza
Parte II
Cide Piquel
A INVENGAODO Ri-rkio
8. O que6 samba-reggae ...........................................................
9. Neguinho do Samba ..............................................................
Catalogasio na Fonte do Departamenro Nacionai do Livro 10. De onde vem o samba-reggae? ...............................................
(Fundasin Bibliotcca Nacional, RJ, Brasil)
11. Que batuque é esse?
Giierieiro, Goli 12. Os clubes negros ...................................................................
G3S6r A irania dos raiiibores: a miliica nlro-vol>dc
Salvador i Goli Gucireiio; pieficio dc José Cviloi
13. Os afoxés ..............................................................................
Capiiian -SSo Paulo: E < i14,2000. 14. Fiihos de Gandhy: o afoxé eteïnizado ...................................
320 p. (Coicqlo ~ o d oos i Canrorl
15. Os sambas urhanos ...............................................................
l,icIiii discografin e bibiiogiafi~. , .
16. Os blocos de indio
ISBN 85-7326~175-7
17. Os ecos dos Estados Uilidos ..
1. ~ i i s i c npopillai - Ssl~adoi,Ri\ - Braiil.
jos6 carIo$.
1. caPi,,a,l, I l . Titulo. III.Sént.
18. A Afi-ica revisitada
CDV - 7 8 0 9 19. Ouvindo a Janiaica ...................................................... ..........
20. Os blocos afro mostrain suas armas ......................................
21. As escolas de percussjo .........................................................
LEI DE
rPjcewrlvo
h mçruR>\
Parte III
O RITMOE o MERCADO
22. A captura da percussZo .........................................................
23. Os trios elCtricos e seus blocos ..............................................
25 . Sarajane & Luiz Caldas: os pais da axé-music .......................
26 . AS transforrnaçOes estéticas do samba-reggae ........................
27 . O superrnercado da musica ..................................................
28 . O samba-reggae na woïld music ............................................
29 . O Olodurn ganha o mundo
30 . Carlinhos Browil e a Timb
31 . Brown solta o verbo ..............................................................
32. A vitoria da estética
33. Os ares cosrnopolita
34. Mulheres do batuque ...........................................................

Parte IV
CARNAVAL: A FESTA DOS RITMOS

35. Nas ladeiras do Pelô ..............................................................


36 . Na Praça da Sé ......................................................................
37. Na Praça Castro Alves ...........................................................
38 . No funil das avenidas ............................................................
A TRAMA
39 . No Campo Grand DOS TAMBORES
40 . Em cima dos trios ....
41 . Um trio feminino: Margareth, Daniela e Ivete ....................... A MUSICA AFRO-POP
42 . As cordas .............................................................................. DE SALVADOR
. . .......................................................................
43 . Os repertorios
44 . As danças ..............................................................................
45 . Segura O Tclian!
46 . Os caciques ...........................................................................
47. Desfecho ...............................................................................

Apêndice
A LINGUAGEM
DO SAMBA-REGGAE

48 . Oralidade. irnprovisaçiio e corporalidade .............................. 271


49 . Os instrumentos .................................................................... 277
50 . Afinaç~odos tambores ...................................................... 285
51. A terminologia .................................................................... 289
52 . O ensaio ............................................................................... 291

Discogyafia cornentada .......................................................... 295


Bihliosrafia e fontes .............................................................. 303
. . . .
Indtce remissivo ................................................................... 31 1
AGRADECIMENTOS

A minha inse amada, irmas queridas e toda ininha familia pelo apoio
e afeto. Meu muito obrigada a todos os personagens do meio musical de
Salvador que me concederain entrevistas, todas elas valiosas. Aos meus
amigos e amigas pela torcida. A todos os colegas que colaborai-am corn o
trabalbo corn leituras, susest6es e rroca de figurinhas. A Tirilc de Souza
pela atençzo yreciosa. E ao CNPq pela boisa de doutorado que financiou
a pesquisa que serviu de base para este livro.

Goli Gueneiro
Cam essa dinâmica processual de "entra em beco, sai em beco", A
tïnma dos tamboïes, de Goli Guerreiro, percorre literalmente a cidade da
Bahia, n o iempo e n o espaço, nos levando a desvendar a extensa rede te-
cida pelos iiifimeros atotes da cena afro-pop no meio musical da Bahia,
explorando mfiltiplas variiveis e nos envolvendo em revelaçôes Iiistori-
cas, minuciosas reconstruçôes, orquestrando fatos, conceitos e atitudes,
num belo concerto de informaçoes e toques que nos transformam num
elétrico leitor da manifestaçao cultural brasileira que mais rem descon-
certado a critica, sobretudo porque parece uma nat~iral,caotica e desen-
raizada manifestaçao coletiva de prazer e arte.
Organizado por um modelo acadêmico de pesquisa sobre O objeto
de seu estudo, o seu enredo vai descontruindo O modeio, na p r o p o r ~ a o
em que percebemos o envolvimento de Goli, acompaiihando com o fôle-
go de entrega de foliZ pipoca o desenrolar d a trama, o percurso huma-
nizado dos tambores baianos, no grande teatro popular que é a Cidade
do Salvador. Goli botou seLi coraçao na mao que toca O tainbor d o sam-
ba-reggae e vai levando o seu leitor aos segredos deste fenômeno cultural
contemporâneo, que é a emergência de uma contaçiante linguagem mu-
sical que entrou na cena regional e mundial, acompanhando O tom e a
levada das vogas dominantes nas filtimas décadas deste século.
Sua I6gica é precisa e bem substanciada. Nao defende uma tese. Tece
os fios de sua ri-ama acoinpanhando cada um dos focos com sua presen-
ça fisica antes que intelectual, deixando a verdade se demonstrar através
dos testemunhos, que ela exaure com a condiçao bisica que O carnaval
baiano requer: cumplicidade e tesao. E assim, de capitulo em capitulo,
apresenta e faz existir seus personagens, acompanhando o percurso que
fizeram d a cozinha para a sala de estar, dos guetos a o grande palco d o
show muildial, animado pela zuoïld nzusic.
Seu livro é um instrument0 inventivo e dinâmico, coino o proprio
mundo da percussao que O inspira, e vai deixar o investigador ou o inte-
ressado mergulhado na vasta variedade dos ritmos, melodias e sonorida-
des, gozando a intimidade dos processos formatives, sentindo a respira-

A Trama dos làmboies 11


$50 de seus atores, acompanliando O movimento deste corpo apai.Cn. da invençao, coin inusitadas formas que a infinita e iinpi-evisivel 16gjca
teilteniente anônimo, desencadeado pelo desejo de evoluir da periferia ao combinat6ria dos 1-itmosperrnite explorar. Carlinhos Brown e mullieres
centro, ocupando os espaqos vivencial e culturalmente reservados. O que no batuqiie.
antes soou ilos por6es dos navios negreiros, nas senzalas, no culto aos Quem se agarrar ao corpo suado que Coli oferece neste livro nâo vai
orixis e atendia apenas à demanda de etnomusicoiogos, ocupou coin di- se dar mai. Vai pulsar corn precisio e alegria nesta festa que ela recriou
versos transes e rotulos O cenirio e a midia, n5o s6 determinando o gosto coma forma de entendimento amoroso do carnaval baiano, reconstituido
estético iiacional como criaiido um ambiente e uina economia de grande corn os suores de quem vai atris do trio elétrico ou vive aos pés do poeta
significado. o gozo pleno dessa fé tao profana. Nas ladeiras do Pelô, na I'i-aça da Sé,
Essa trama Goli nos deixa ver, recuperando suas fontes. V1'I aos ter- na Praça Castro Alves, no funil da aveiiida, no Campo Grande, cin ciina
reiros, individualiza as virtudes dos testemunhos, qualifica a historia de dos trios, ela reaniina todos os toques e miios que nos envolvein e abra-
cada um, e cm cada parte deste ensaio vai demonstrando conio sera O çam quando experimei~tamosser levados pou esse oceaiio de explosoes
desenlacc da vivência que nos prop6e. O Ilê Aiyê da Liberdade, o Ara I<etu desejosas, orientados apenas pelo inip~ilsodos tamborcs. A Lrnnzn rios
de Periperi, Malê Debalê de Itapuê, O Olodum do I'elô, Muzenza do Reg- tanzbores atualiza essas referências, deixando en1 cena desde as ancestrais
gae, tudo e todos que enviaram os sinais de uma grande revoluç~o,acon- mullieres que gestaram esta contemporaiieidade nos caiidomblés até as
tecida aos toques dos taii~boresque soavam de Itapagipe a Itapoa, pas- rainhas de hoje, Margareth, Daniela e Ivete. Seu iniilucioso corpo-a-cor-
sando pelo Pelourinho, tornam-se visiveis. O caldeirao onde o mundo po ilos p6e abadi, nos tira a roupa, esfrega nas cordas, oferece O I-epert6-
negro-mestiço baiano sincretizou suas rnanifestaç6es é revelado por este rio, as dancas. Goli segura o tchan.
Iivro que parece arte de uma cfimplice menina de rua, que pode faiar do Todos estao presentes ao seu banquete. Em seu camarote estao os
fenôineno que tomou as avenidas e grandes praças do rnundo desde a personagens que você gostaria de ouvir ou percutir com os dedos. Inte-
intimidade dos hecos, terreiros e guetos, onde deu os primeiros passos para ragem atores empi-esariais, politicos e as estrelas todas dessa constelac50
a gande invençêo. performitica. Nao h i voz baiana ou planetaria que na0 estcja implicada
Coli visita corn jeito de quem é da casa todos esses lugares onde se nesta traina. Tudo O que ailtes soou no marco que se atribui aos inven-
cria essa arte, reanima as condiçoes proxiinas e remotas desses artistas tores do trio elétrico, Dodô, Osinar e Teiiiistocles Aragao, eiii 1950,
guerreiros, indo até a ancestralidade dos tambores, para responder às remontando aos navios negreiros - naves remotas do saniba -, e tudo
perplexidades sobre a invençao do ritmo. E assirn desvenda cada uma das o que soou ap6s ou durante, na batida da bossa nova, nos toques do
interrogaçôes que propoe, reduzindo o espaço dos preconceitos sobi-e O tropicalismo mais rebcide e delirante, tendências rnundiais e regioriais
que é samba-reg;ae. Que batuque 6 esse que tira de cena a mfisica har- ancestrais e contemporâneas estào aqui nesta grandiosa trama dos tain-
mônica e nascida da tradiçao erudita? Goli conta essa fibula de liherta- bores.
çâo, revisitando a Africa, ouvindo a Jainaica, recuperando no testemu- A Bahia virou Jamaica! Salvador é Kingston ou Dacar? O samba-
iiho de Neguinho d o Samba um longo processo de uma pedagogia da rczgae eiicerra a infinita coinbinatoria que movirnentoç e diisporas po-
percussao, que clubes negros, afoxés, os blocos de iildio, respoildendo aos dem oferecer ao coraçâo dos inventores? Ou esse espii:ito livi-eainda nos
embates das disputas mundiais pela hegemonia cultural do lan ne ta, sus- apontari outi-as estaç6es e circuiistanciais identidades de um panoi:ania
tentaram no surdo ou nos tambores. liumanainente impossivei de acahar? Goli oferece um desfecho proposi-
A antropologia de Coli nao esta sustentada num instrumenta de pes- tivo de que o afro-pop produzido em Salvador, cm sua imensa variaçzo,
quisa acadêmica. Ela gosta de suingar. Ela rem coinproinisso coril 0 pra- é intisica brasileira, coino se confessasse a existêi~ciade uina iicgaç2o. É
zer. E um compromisse que observa os negocios e a tecnoioçia de poli- bem inodesta a coiiclus~ode sua busca, embora a 1-esistênciareacioni-
ta que acompanharn as transformaç6es estéticas. Visita c conhece as ria e consei-vadora que oferecem ao desejo de inserçzo das novas expres-
prateleiras dos supermercados culturais. Percebe tambCm a entrada em s6es da iriveiiçao popular na cultui-a brasileira seja historicainente tao rcal
cena de estreantes persona~cnsque apoiitam O desconcertante caininho e iinensa.
Enfim, sua condiçiio feminina nao nos abandonaria sem uma sedu-
Apresentaçio
tora insinuaçio à descontinua continuidade deste prazer da criaçâo, dei-
DA COZINHA PARA A SALA DE ESTAR
xando em aberto as surpresas que esta grande festa dos ritmos nos pode
oferecer.
Imprescindivel conhecer esta trama da invencio, tocada pelos tam-
bores.

José Carlos Capiian "A cozinlia C o l~igarondc se picpiira O som."


Salvador. 2000

O mundo da percuss2o é tao Vasto cluanto a variedade de ritmos,


melodias e sonoridades de seus instrumentos. Apesar de sua imensa ri-
queza, ou talvez por isso mesmo, ele quase sempre esteve distante do foc0
de anilises inais abrangentes. Longe do brilho dos grandes teatros, espa-
FOS dominados pela mfisica harmônica e erudita, a percussio popular cos-
tumava interessar apenas a ernomusic6logos dispostos a desvendar seus
mistérios.
Nas ultimas décadas, com a ascensiio da mfisica produzida nas Amé-
ricas, a percussâo popular começa a entrar na pauta de musicos pop e de
estudiosos de varias areas. Inventivo e dinâmico, o mundo da percussao
vem exercendo seu fascinio, e se afirma corno um campo aberto de inres-
tigaçzo, anunciando a extrema diversidade deste universo musical, tipi-
co de camadas populares dos grandes e pequenos centros, espalhados pe-
10s quatro cantos da Terra.
A tramn dos tambores inergulha neste "mundo" para falar sobre a
musicalidade afro-baiana, um dos polos mais atraentes da produgao ar-
tistica em Salvador e um dos principais eixos do debate cultural da cida-
de. Através de sua musica, bem ou mai recebida, a Bahia alcança um pico
de evidência em todo O pais, ao mesmo tempo em que se afirma como uma
referência musical no Novo Mundo.
Nos anos 80, O meio musical de Salvador estava tramando um novo
movimento. A rnhsica percussiva ~ r o d u z i d apelos blocos afro - O sam-
ba-reggae -, cujas letras celebravam O universo negro, saia das periferias
da cidade para ocupar um lugar de destaque na cena musical baiana e na0
tardaria a aparecer nos cadernos de cultura do ais como um criativo polo
do mundo da mfisica n o Brasil.
A forGa da linguagem dos tambores influenciou diretamente a mu-
sicalidade dos trios elétricos - uma das trilhas carnavalescas do Brasii.

Goii Gucrreiro i\ Trama dos Tambores 15


As bandas de trio, atenras ao ii~teresseque a percussiio despertava, rapi- lha coin expressoes musicais "exoticas" nas inais variadas partes do pla-
damente incorporaram o samba-reggae e nZo desnorarasn a alcasiçar pro- neta e alimenta os mercados mais importantes do inundo, corno o dos
jeçiio nacional com um repei-t6rio hasicamente montado a partir das com- EUA, França e Inglateri-a. Esse fluxo global, que coloca a percussio ein
posifôes dos blocos afro mais famosos da Bahia, cos~ioIlê Aiyê, Olodum, posiçao de destaque no inundo da inusica em escala isiterilacionai, reper-
Muzenza, Ai-a Icetu e Malê Debalê. Imprisnindo um aparato pop ao sasnba- cure fortemente es11 Salvador, que a partir dos auos 90 passa a sel. um ceiltro
reggae, as bandas de trio eletrizaram as cançoes psoduzidas nos guetos exportados- de wo1.1d I ~ Z M S ~ C .
de Salvador, sem dispensar a percussiio de tambor que as identifica. No terreno da world music, que pïivilegia uma iiiusicalidade "étiii-
A inidia batizou a nova musica produzida em Salvador de axé-inz4sic. ca", o sasnba-i:eggae se encaixa cornu uma luva, na rnedida em que recria
Axé' é um tel-snoioruba oiriundo do candomblé, e s p a p sagrado de tambo- sonoridades afi-icanas, mesciaiido-as coin ritmos buasileii-ose carihesilios,
res e ritinos. Esta etiqueta cabia tanto para a musica dos blocos afro, que deseiihadas ein tarnbores de vauios tipos, coino sui-do, repique, tarol, tim-
utilizavain somente percussio, para fazer samba-reggae, quanto pal-a a bau, timbales (iiistr~iinentocariberiho), entre outros. Salvador conleça a
mfisica executada em insrruinentos harmônicos, feita pelas bandas de trio. apareccr no cenirio inundial cou10 uin importailte centro de produçio
Esta iiltima, coiibecida como "frevo baiasion, uma mistura de fi-evo, fricote, musical. A nifisica afro-baiana deixa de ser local para ser global. A insel--
galope, merengue, salsa, passou a ser mesclada coin o samba-reggae, au- ç i o fiesse ~nercadosinaliza a vitoi-ia da estética percussiva e a percussiio
mazenado em sampiel..A partir desta mestiçagem estética, que lazia a fusa0 assume um novo lugar na arena estético-cultural de Salvador.
entre a nova musicalidade percussiva e o frevo trieletrizado, a mfisica que A percuss5o vai deixasido para tris a imagem que carrezou durante
balançava as periferias de Salvador alcançou os consumidores de classe inuito tempo. Conliecida como "cozinha" dos grupos musicais, situava-
mfdia que, desde os anos 70, ji corriamatris do ttio elétrico. se em um espaço obscuro, pouco notado, onde o percussionista era um
En1 19S7, o Ara Icetu e o Oloduin colocam seus tambores dentro dos musico desvalorizado. Essa denosnislaçio, j i identificada por Carlos Albu-
estfidios WR, em Salvador, e gravasn seus primeiros discos. A penetracao querque coino "inanifestaç~ode racisnio sonoro", esti, no plas10 iinagi-
no circuit0 eletsônico se deu através d o desenvoivin~enrode usila tecnologia nirio, diretamente ligada à seiizaia em relaçio à casa grande e, no piano
capaz de "capturar a percuss50", coma diz o pesquisador Aiitônio Godi, coticreto, reniete ao fato de que os percussionistas scmpre foram os ins-
esn estfidios de gravaçiio. Os biocos afro passam a fazer parte do elesico trumentistas inais inal pagos do siiundo da musica. No final do milêiiio,
das gravadoras nznjors, atingindo visibilidade no ceslario da midia. No final numa entrelapda malha de interaf6es locais e internacionais, a perciis-
da década, incorporaram instrurnentos liarmônicos a suas baterias. Coin s i o gaiilla uma nova imagein e passa a ocupar a "sala de estar" do mun-
isso, o samba-reggae sofre transformaç6es estéticas e se consolida enquanto do da musica.
estilo musical. Apoiada nuina recente visibilidade midiitica e ascensgo coincrcial,
A musicalidade afro-baiana, aparenternente regiosializada, se espa- a percussiio alça vôo e inaugura uni novo lugar para o inusico petcus-
Iha pelo mapa do Brasil. Os artistas locais começam a alcançar as melho- sionista, que passa a ser reconhecido enquanto criador:. No snus~doda
ses vendagens de discos e a disputar o mercado de shows com os maiores mfisica afro-baiana, os grupos se foi-main ein torno do peïcussionista. Eie
nomes da MPB. E mais: a cliamada "mfisica haiana" se insere no snundo é a atraçiio principal, o articulador de uma linguagem musical que tem
da world music, a fatia d o mercado fonogrifico internacional que traba- nas sonoridades dos tasnbores seu elernento de força. O percussionista veiii
garantindo o seu lugar cm cenirios privilegiados do mundo da snusica
como festivais e prêmios internacionais.
' Segiindo Juaila Eibeiii dos Sai~tos,o 2x6 do terreiio de candornblé é "a força que A trama que se desenrola no meio musical de Salvador rem sido alvo
assegura a cxistência diiiârnica, que permite o acoiiteccr e o devir [...] E o pri~icipioquc da midia, de produtores e de musicos do Brasil e do mundo. Mesmo situado
roina possivci o piocesso vital. Corno toda força, o axC C transmissivel; é conduzido por na periferia d o snundo atiântico, as informaçiies snusicais estrai~geiras,
incios materais e sirnboiicos e acumulivel. É uma forsa qiic s6 pode sei adquirida pcia
captadas tainbém atïavés de festivais isiternacionais cosno o Percpan, isn-
introjcçio oti por contato. Pode ser transrnitida a objctos ou B sercs hilinanos". in Os iingôs
c n niorte, Pctropoiis, Vozes, 1976, p. 39.
prirnem uni ar cosmopolita a sua polêinica paisagern sonora. A percus-
sa0 afro-baiana molle-se num cenirio pop-eletrônico sem fronteiras e a
cidade da Bahia aparece como "capital mnndial da percussao".
Este livro quer contar como as coisas chegaram até ai; recortando a
historia musical baiana, visitando os blocos afro, mostrando a cara dos
personagens, suas trajetorias, apontando as pistas que levaram à criacao
do samba-reggae, revelando as estratégias mercadologicas das bandas
baianas e acompanhando as transformaçoes estéticas da percussio -uma
linguagem musical sofisticada, corporal, poderosa e universal. Parte 1
A CENA MUSICAL
AFRO-BAIANA

"E o desafio agora é a cidade.


Cidadc de Sio Salvador.
Enquanto d a n p ela prepara a novidade,
enqtianto aguaida ela batuca o scii iamiior."
Gilberto Cil

Goli Gucrreiro
1.
O SAMBA-REGGAE ENTRA EM CENA

Alguina coisa forte e criativa estava acoiitecendo na paisagein soi~o-


ra de Salvador nos iltirnos aiios da década de 80. Uma efervescência inu-
sical se espalhava pelos três cantos d a peninsula, que avança para o inar,
tendo como limites, de uin lado, a Baia de Todos os Santos e, de outro, o
Oceano Atlântico. Os tambores quc soavam de Itapagipe a ItapuZ, pas-
saiido pelo Pelourinho, coineçavain a envia]: seus sinais para o resco cio
Brasil. A imprensa nacional desembarcava para investigar a iiovidade
musical que vinha da Bahia: a miisica percussiva produzida pelos blocus
afro-carnavalescos de Salvador - e, voltando ao eixo Rio-Sâo Paulo, a
Folha de S. Paulo alardeava: "a Baliia virou Jamaica".
Em 88, a inidia anunciava que em Salvador os blocos afro haviain
inventado o sainba-reggae, um novo ritmo que mesclava sainba dura2coiii
reggae jamaicano, transiormando a mfisica em baiideira politica corn f o r p
suficiente para bargaiihar cidadania para o negro baiano, cliainando aten-
$20 para a vitalidade da cultura iiegra na Bahia. Enquanto as inatérias
traçavam um perfil do moviiiiento ii~usicalafro-baiano, as iinagens mos-
travam a perforinai~cecorporal dos percussionistas, que elaboravam co-
reografias vigorosas enquanto tocavain seus tambores multicoloridos.
A misica de Gerônimo "Macuxi Muita Onda", mais conhecida como
"Eu Sou Negâo", gravada num disco single pela Continental en1 1986,
havia se transformado nuni verdadeii-o manifesto afro. Freqüeiitador dos
populosos bairros negro-mestiços da cidade, vistos como guetos, coriio
Pclourinho e Liberdade, Gerôniino se enc1;arcou de mfisica caribenha e
n2o hesitou ern misturi-la corii o ijexi, um dos ritmos do candomblé, do
qua1 é adeptu, colocando em cena uma poderosa diversidade i-itmica.
Além disso, liavia um conteido polirico que n2o podia ser despreza-
do. il inusica foi composta de iinproviso durante o carilaual de 86, quan-

' O saiiiba duro, taiiiiié~iicilaniado de bninizo, para alguiis entendidos, SC difcrcii-


Nu final dos anos 80, os tarnborcs d o Oioduin lcvaiitam a baiideira cia dos ritnios prcscntes no caiiilornblé fouria como f tocaiio, para ouiros, clc se cons-
da negrirudc. O Drasil dcscobie a cena afro-baiana. titui nuina varias50 riirnica d o saniha de roda.
do Gerônimo assistiu a invas50 do espaço do bloco afro pela potência so-
nora do trio elétrico. Situacao bastante comum no periodo da festa car-
ilavalesca, quando se arma uma disputa pelo espaco entre as manifesta-
çoes musicais negras e brancas, denotando as tensoes do tecido socio-ra-
cial de Salvador. Segundo Gerônimo, "O que estava em jogo naquele mo-
mento era a luta pelo respeito às manifestaçoes negras. E a gente nZo queria
isso s6 no carnaval, nia". Narrando o que via e lutando por uma melhor
pos1ç a o para os negros da Bahia, compôs "Eu Sou Negao". M i um tre-
cho falado na cançao, no qual se ouve o acento do reggae, que diz:

"[ ...] e ai chegaram os negros corn roda a sua beleza, sua


cultura, sua tradiçao, com toda sua religiao, tentada, motivada
a ser mutilada pelos berois brancos da historia, e estamos aqui,
eles sobreviveram no bum bum bum, no seu tambor, e o negao
vai cantando assim: pega a Rua Chile, desce a ladeira, t i na Praça
Castro Alves, fazendo seu deboche, transando o corpo, e o negao
assume o microfone e na beirada da multidao em cima do ca-
minhao ele fala: 'Alô rapaziada d o bloco, esse é o nosso bloco
afro, vamos curtir agora o nosso Som, a nossa levada que é a
nossa cultura e segura comigo: Eu sou negao, eu sou negao meu
coraçio é a liberdadel sou do Curuzu, IIê, igualdade na,^, 00 essa

é a minha verdade'. E d e repente aparece ao longe um carro todo


iluminado, é um trio elétrico. 'Que é isso, meu irmao? Venha
devagar, calma, segura essa ai' e o cara do trio 1 i de cima olha:
'legal, massa, pessoal do bloco afro, é uma beleza t i aqui com
vocês, vamos levar o som' e o negao 1 i de baixo falando: 'qual
é, meu irmao, aqui é boca de zero nove3, é o suingue da gente,
vi, pegue seu caminhao e siga seu caminho que a gente vai se-
guir o nosso, e na levada: Eu sou negao, meu coraçao é a liber-
dade, eu sou negao' [...]".
O composiror Gerônimo, autor de "É d'oxurn", pioneiro na
A mfisica transformou o sentido do termo "negao". Todo fa da cena misrura dos sons d o Caribe corn os iirmos do candarnble
musical afro-baiana passava a se chamar assim. Negoes e negonas sâo
pessoas espertas, conscientes de sua negritude e antenadas corn os movi-
mentos culturais locais, africanos, lamaicanos e ilorte-amet icanos. Exi-

'"Zero nove" eia o iifirnero d a linlia de hondc que ia para o hairro d a Liberdade,
"boca de 09" se roinou uma giiia que significa "barra pesada"

22 Goli Guerreiro
hem roupas coloridas, cabelos extravagantes coin a postura de quenî ad-
mira a si inesmo. Pretos e brancos se identificaram corn o hit do veriïo de
1987 e Gerônimo era urn dos negoes mais famosos da cidade.
Uma outra cançao-siinbolo do movimento é O samba-reggae "Deu-
ses, Cultura Egipcia, Oloduni" ou sirnplesmente "Fara6", de 1.uciano
Gomes dos Santos, compositor do bloco afro Olodum. Ensaiada na qua-
dra do bloco desde ineados de 86, a musica é simbolo da mudança do
panoraina musical soteropolitano. A letra da cançao estabelecia uma re- 4
laçiïo entre os Fara6s do Egito e os negros baianos. E, segundo Marcelo
Dantas: "logo a discussZo extrapolava o Olodum e atingia a comunida-
de. O Egito iria despertar grande interesse, principalmente com tao iin- -OC
u
pressionante 'novidade': as pirâmides, toda a gïandeza da civiiizagio an- s2
2:
tiga, na verdade eram obra da raça negra". -r
32
"Eli faxa6 clama Oloduin Pelourinhol eh fara6, pirâmide
a hase do Egitol que inaravilha î. Egito, Egito ê Fara6 6 6 61
Pelourinho uma pequena comuiiidadel que O Olodum uniu em
laços de confraternidadel dcspertai-vos para a cultura egipcia no
Brasill em vez de cabelos trançados teremos turbantes de Tu-
tancâmonl e as cabeças se enchem de liberdadel e O povo negro
pede igualdadei e deixemos de lado as separaçôesl eh farab."

Em 87, corn O Carnaval do Egito, O Oloduni realizou talvez O seu


-
.-E

desfile mais vibrante e significativo, pois segundo Milton Moura, "'Farao'


era cantada por todos, numa pal-ticipaçiïo nunca vista antes. Era o êxito l
pleno do inétodo de divuiga@o de base e do traballio do hloco. Num es-
forço de acompaiihar a corrente, virios trios aprendiain a letra e ji toca-
- -
4. -a,
3 4
"Z Z
vam 'Farao' na terça-feira [de carnaval]". Este é O moinento-marc0 cm
que o samba-reggae vai além dos espaços musicais afro-baianos e a esté-
tica negra torna-se visivel no cenirio da midia. O joriial O Estado de S. z
Paulo afirmou em dezembro de 1987: "Salvador é o unico oisis da musi-
ca brasileira cosmopolita que n i o ignora as influências extei:nas, iîao ali-
menta preconceitos e transforma tais influências ein algo geiiuino e vital".
Mas eiiquanto a midia nacional revereiîciava a nova cena afro-baiana,
-2 *e
a produçZo tnusical dos blocos negros era objeto de um debate acirrado. a S m
Uma companhia de teatro da Bahia, Los Catedristicos, coiocou ein car-
taz, no vergo de 88, a peça "Novissimo Recital da Poesia Baiana", na quai
os atoi:es declamavam as letras das musicas dos blocos afro fora do con-
texto musical e buscavam, através da performance, tornal- ridiculos e
izoizsense seus contefidos. A platéia formada por brancos-mestiços em sua "Vou me embalar ô s'embalaê êl Periperi faz parte da mi-
maioria se divertia bastante e chegava às gargalliadas quando a letra de nha histbrial e o subfirbio presente na minha membriai chega o
"Farab" era recitada. domingo subo de trem, desço de treml vou pro Ara I<etu curtir
A peca atingiu e m cheio os grupos negros, que reagiram afirmando o s~iinguelcom você meu bem na quadra do I<etul exaltando e
que certos setores da intelligentsia baiana pareciam navegar contra a maré encantaudol mostrando o suingue do povo de la1 quem vem Iii
da negritude, que a produçâo musical dos blocos afro buscava valorizar. corn seu o f i l trazendo justiça e sorte1 nada de morte /...ln.
O Olodum afirmava que as primeiras dinastias de farabs eram negras, e
que a elite branca baiana, que considerava absurda a teoria do bloco, teria Nesses bairros periféricos de Salvador, os espacos musicais onde os
que aceitar a validade das idéias dos negros do Pelourinho. blocos afro se originaram, uma estética negra tinha ganhado forma. Ali,
Muito antes de chegar aos palcos de teatros, "Faïa6" la . ' era u m su- jâ era passive1 ouvir o samba-reggae, ver os percussionistas executando
cesso na cidade, mesmo que para muitos fâs do samba-reggae o sobera- seus instrumentos nas quadras de ensaios, descobrir as formas da ges-
no egipcio fosse confundido com o Farol d a Barra ou o Farol de Itapuâ. tualidade afro-baiana, aprender as coreografias, conversar com os inte-
Grande parte da juventude negro-mestiça, que n i o necessariamente in- grantes dos grupos, e conhecer de perto a riqueza da cultura negra na
terpretava as letras das cançôes do ponta de vista da militância, via ali Bahia. Por isso é interessante percorrer o mapa afro-musical d a cidade.
uma simples referência aos monumentos de Salvador que compôem a
paisagem dos seus programas de fim de semana.
O que desencadeava a popularidade das cançoes afro n i o era a infor-
maçio midiiitica, que até 1987 praticamente ignorava essa produçâo mu-
sical. As radios n i o as veiculavam, a imprensa nâo lhes dava espaço e a
TV nem sequer mencionava os fluxos culturais dos guetos da velha cidade
embebidos de musicalidade negra. A popularidade dessas cançôes nascia
da informaçâo passada de boca e m boca, o "correio nagô", na giria local.
O samba-reggae "Fara6" se tornou conhecido primeiramente pelas
pessoas que freqüentavam os ensaios do Olodum e se espalhou pelas ruas
da cidade, passando a ser tocado e cantado durante as festas de largo que
começam em dezemhro na Conceiçio da Praia, antigo cais d a cidade da
Bahia, e se estendem até o carnaval, a maior das festas de rua.
Durante os ensaios dos blocos afro, ao longo do ano, as mfisicas sâo
continuaniente tocadas e rapidamente tornam-se conhecidas nos popu-
losos bairros negro-mestiços da cidade, tais como Liherdade, Pelourinho,
Itapui, Periperi etc., locais de origem das organizaçôes afro-carnavales-
cas mais famosas de Salvador. Nos anos 80, a produçâo musical, associada
a uma estética afro, tornou-se uma forma de militância que buscava u m
padrâo de negritude que fosse uma referência para o grande contingente
negro de Salvador.
Aliado ao comportamento manifesto havia uma produçâo de discurso
anti-racista, que se expressava nas letras das cançoes, nas quais os bair-
ros iiegros sZo sempre reafirmados e exaltados como espaços autônomos.
Confira no treclio da cancio "Minha Historia", de Tatau, do Ara I<etu:

26 Goli Guerreiro A Trama dos Tarnhorcs


"Quem é que sobe a ladeira do Curuz.u?i e é a coisa inais
linda de se ver, é O Ilê Aiyêl O mais belo dos beios, sou eu, sou
eu1 bata no peito inais forte e diga: eu sou Ilêi nao me pegue nao,
ine deixe à vontadel deixe eu curtir O Iiê, O charme da Libei-dadel
é tao hipnotizante O suingue desta bandai a ~ninhabeleza negrai
aqui é vocf quem manda [..ln ("O Mais Belo dos Belosi Charine
da I.ibei:daden, de Guiguio, Valter. Farias e Adailton Poesia)

A Liberdade é O bairro de origein do I1ê Aiyê, O bloco afro pioneiro,


organizado em 1974. Andaiido na Liberdade, pode-se ver o traçado da
periferia urbana,. que
. desenha o maior bairro nêgro-iiiestiço da América
Latina, uina espécie de Harlem soteropolitano. Os pretos deste bairro forain
os primeiros a manifestar sinais da consciência de negritude, procurarido
deinonstri-la através das roupas coloridas, dos cabelos trancados, das gi-
rias africanizadas e sobretudo pela sua musicalidade percussiva.
O bloco afro Iiê Aiyê e o bairro da Liberdade, mais especificamente
a irea do Curuzu, sa0 iiidissociiveis. Ali i~asceue se cristalizou a idéia de
mostrar o universo negro em sua grandeza e modificar a auto-imagem dos
pretos de Salvador. Mobilizados em torno do carnaval, um grupo de rno-
radores da Liberdade elaborou um novo tipo de oi:ganizaç<o carnavales-
ca cuja mtisica mesclava O samba duro com a batida matriz ijexi, origi-
niria dos candomblés.
Movido por um "orgulho racial" recém-construido, o Ilê Aiyê rem
uma caracteristica que O difereiicia espçcialmente: O fato de scr um blo-
co de negros no qua1 é rigorosamente vetada a entrada de brancos. Laii-
çando m2o do exclusirismo étnico baseado na cor da pele (antes nunca
explicitado como regra), denuncia, às avessas, a intolerância dos brai]-
cos eiii relac?.o aos psctos, buscando assim demolir O inito da democra-
cia racial. Essa prhtica disci:iminat6ria rem sido admirida como estraté-
nia
- de preservacao das expressoes culturais neçras. Segundo deciarou
Vovô, ilntônio Carlos dos Santos, presideiite do bloco, em depoiinento
Corn sua moda tribal, O 112. Aiy? dcspcrta O
"orguiho neçro" no cariiaval da Bahia. ao jornal A Tarde, em dezembro de 1991: "O que acontece corn entida-
des mistas é que os negros começam a perdes sua referência como pes-
soas de outra etnia. E nos do Ilê tentamos passas que o negro é bonito,
se assumindo e agrupado entre si. Nossa postura faz parte de uma pe-
dagogia de reeducar o povo negro para que ele se aceite. Dai, as pessoas
por n i o compreenderem nossa proposta, ou par maltlade, espalham que
nos somos racistas".
O nome inicial escolhido para o bloco foi "Poder Negro", inas isso
gerou problemas cou1 a policia, que via ali uma ameaça de levante dos
negros. "Como estivamos impedidos de adotar aquele nome, fomos con-
sultar os bfizios para encontrar outro. Foi indicado Ilê Aiyê, que, em io-
ruba, significa 'Casa de Negros', 'Abrigo de Negros' ou ainda 'Terreiro
de Negros"', conta Vovô. Ji segundo Antônio Risério, "quem deu esse
nome de Ilê Aiyê ao bloco foi um rapaz iugoslavo, criado na França, que
durante algum tempo traballiou como geologo em Salvador". A afirma-
çâo de que o nome do bloco foi ditado pela jogo de bfizios pode fazer parte
da construçio da imagem de africanidade que o bloco elabora.
Tanto o nucleo fundador do IIê Aiyê como uma grande parcela dos
Ba sacada de sua casa na Ladeira do Cuiuzu,
integrantes do bloco sZo ligados aos terreiros de candomblé. A saida do Vovô, presidente d o llê Aiyê, assiste à saida d o bloco:
bloco do Curuzu para o centro da cidade no sibado de carnaval recria Unico rnornento que conta corn a pairicipaçio de "brancos"
um ritual inspirado no universo religioso, o padê (que j i era praticado
durante o carnaval pelo bloco Filhos de Gandhy desde 1949),momento
em que uma das fundadoras do bloco, Mae Hilda de Jitolu, mie de Vovô,
e que é mae-de-santo, espalha pipocas na irea e um "pf> santon prepa-
rado ritualmente em seu terreiro para alcançar harmonia, ao pé da la-
deira, pedindo paz e proteçio para seus filhos. Em seguida, solta pom-
bos brancos - simbolos da paz - e todos fazem um minuta de silên-
cio, antes do rufar dos tambores. O breve ritual, para abrir os caminhos
e reverenciar o orixi Exu, é a senha para a tradicional subida da ladeira
do Curuzu, que j i rendeu letras de cançoes e r e h e todos os anos milhares
de afro-haianos, turistas, artistas, personalidades politicas e jornalistas
nos sibados de carnaval.
Como qualquer bloco carnavalesco, o Ilê Aiyê se caracteriza pela
indumentiria e pela mfisica. A composiçâo das soupas do bloco é cuida-
dosamente preparada a partir de pesquisas sobre povos e regioes da Afri-
ca que o bloco tematiza a cada ano. Os cabelos aparecem presos em torços
ou trançados de variadas maneiras ou ainda em forma de gomos, popu-
larizando o estilo rastafari. O IIê Aiyê usa na estamparia dos tecidos e nos
instrumentos o vermelho do sangue derramado na escravidio, o amarelo À direita, Mae Hilda realiia o pndê - ritual de
saida do llê iliyê - na sede do bloco.
do apogeu e do poder, O preto da cor e o branco da Paz.

50 Goli G~ierreiro
O 11ê Aiyê rcaliza um importante trabalho social coin a sua coinuni- 3.
dade de origem. Na sede do bloco, pode-se visitar as escolas que atendem ARA I<ESU DE PERIPEKI
a até 4.000 crianças e as oficinas de profissionalizaçâo que a eiitidade man-
tém. Nas oficinas, algumas mulheres especializam-se na preparaçâo dos
torços estampados, enquanto outras se profissionalizam na arte de tran-
çar cabelos, cuja agilidade das niâos impressiona.
Os blocos afro estabelecem uma relaçâo com a Africa que, mitica ou
concrettmente, povoa O imaginirio dos grupos. O Ilê Aiyê, gi-upo criado
em um contexto urbano altamente midiatizado, se volta para uma "Afri- "Ara I<etu ritual do candomblél exalta as cidades de I<etu
ca tradicional" em busca de sens sinais de identificaçâo. Pinca seus ele- e Sabél ferido vingou-se O homem utilizando seus poderesl pas-
mentos estéticos em pequenas comunidades africanas que represeiitam uina saram-se anos dificeisi sofreram muitos seres [...]/ guerreiros lu-
" ~ f r i c atribal", anterior às lutas de independência dos anos 70, e cons- taram entre si/ com golpes de vara era o rituail durante varias
trôi a sua ancestralidade sirnbôlica. horas travou-se a batalha entre o bem e o mal1 depois retorna-
No ano-marco de 1957, quando o Brasil descobre a nova cena afro- ram com o rei para a floresta sagradai onde comeram a massa
haiana, o IIê Aiyê j i contava treze anos de existência. Tempo suficiente de inhame hein passadal onde seri comida por todos os seus ne-
para difundir sua experiência e para ses reconhecido como pioneiro pe- gros homensi em comunhâo corn Deus/ ele, ele, elejigbô, ele-
los virios blocos afro, fundados na virada dos anos 80, como Ara I<etu, jigbô." ("Uma Historia de Ifi", ou "Elejigbô", de Ytthamar Tro-
Malê Debalê, Olodum, M~izenza,entre muitos outras que se organiza- picilia e Rcy Zulu)
ram sob sua inspiraçâo. Portanto, iiâo era somente no populoso bairro
da Liberdade que a afro-baianidade tomava corpo. Outros espaços esseii- Bem longe do Curuzu, que fica na cidade alta, esta O bairro de Peri-
cialmente ncgros e também considerados periféricos davam nuances ao peri, na cidade baixa, reduto do bloco afro Ara IZetu. Para ir de um lugar
movimento, e embora nâo excluissem a participaçao de brancos, nâo a outro, pode-se descer o Plano Inclinado da Liberdade, un1 elevador para
perdiam de vista a herança do bloco matriz. O bairro da Calçada, irea da Leste Brasileira - a estaçâo onde se pega o
trem para o subui-bio ferroviirio. Depois de viajar pelos trilhos que pas-
sam junto ao mas, chega-se à estaçâo de Periperi, que nâo fica longe do
Esporte Clube Periperi, vizinho à sede do bloco.
Observando os detalhes, pode-se ver que os elementos do Ara IZetu
em muito se assemelham aos do Ilê Aiyê. A presença da africanidade C
inquestionivel. O nome ioruba do bloco significa: povo do reino de Ketu,
regiâo da ~ f r i c Ocidental
a de onde vieram os povos ioruba e que se situa
atualmente na fronteira da Nigéria com o Senegal. Os seus enredos para
O carnaval contam a historia do povo negro e homenageiam os deuses
africanos. Oxossi, o orixi da caça, é considerado protetor do bloco. Vera
Lacerda, historiadora e presidente da entidade explica por quê: " O pri-
meiro ano do Ara Ketu [i981] talvez tenha sido O mais importante. iuos
Iiaviamos escolhido como tema uma homenagem ao rei cagador. Isso por
que nos buzios tinha dado que o orixi protetor do Ara I<etu era Oxossi.
Inclusive O simbolo do bloco é o of6 que é simbolo de Oxôssi". Suas co-
ses sâo azul e branco, como as do orixi.
Proximo à sede do Ara IZetu esta O Parque Sâo Bartolomeu, e o bloco
cliama a atençao para a necessidade de conservacao da irea. considera-
da espaço sagrado, pela presença de plantas de fundamental importân-
cia para os rituais dos candomblés. Sâo Bartolomeu é apenas uma das
areas d o Parque Metropolitano de Piraji, "um dos remanescentes da
Mata Atlântica que resta no Brasil, tem mais de 1.500 hectares de flo-
resta. Antiga aldeia indigena, foi engenho e quilombo de negros fugidos
da escravidiio".
Segundo Vera Lacerda, idealizadora d o Ara IZetu, a historia do blo-
co "é muito inteuessante, porque, na verdade, nos somos uma grande fa-
inilia e saiamos em blocos separados. ELIsempre tive um grilo muito gran-
de, com refei-ência a bloco afro, porque por diversas vezes eu tentei sair
no 11ê e nao podia. Ai, um dia resolvemos fazer um bioco". Un1 cunhado
de Vera, Vii:gilio, sugeriu um bloco de trio. "Mas bloco de trio era uma
coisa que n5o me animava muito. Quando ele me falou sobre fazer um
bloco afro, eu achei a idéia &ma. E ai nos partimos para idealizar o Ara
IZetu", conta Vera.
N o seio d o Ara IZetu se misturam a visa0 historica de sua presidente
Vera Lacerda e a vis20 estética e religiosa d o artista plistico e pai-de-santo
Augusto Cézar, diretor cultural d o bloco. "Nosso trabalho é muito ein
cima da religiao africana, como maior força de resistêiicia da cultura ne-
gra neste pais", explica Vera. Candomblé e ciência se misturain para dar
consistência a o projeto de emancipaçao social de uma populaçâo urba-
na-periférica, essencialmente negra.
Durante os anos 80, enquanto a relaçao com o bairro era bastante
intensa. os carros alegoricos d o bioco eram confeccionados na praça cen-
tral de Periperi e nos dorningos de carnaval o desfile acontecia na Aveni-
da Suburbana, que liga O bairro à zona central da cidade. O Ara Ketu
realizava também um conjunto de atividades no bairro de Periperi, rela-
cionadas com O universo cultural negro, como a capoeira, entendida coino
uma filosofia de vida: "Mostramos para crianças e adolescentes que a
capoeira ajuda muito na formaçao das pessoas. E estamos trabalhando
basicamente com O pessoal das invasoes [favelas] I..] A gente esta traba-
lhando também com dança, com teatro e estamos promovendo o futebo1
de praia de Periperi, cuja liga estava desativada", diz a presidente. Este
Ainda no forrnato oriçinal, o Ara I<eru desfila no carnaval de 1988, exibindo trabalho social voltado para a comunidade se assemelila a o conjunto de
nos rarnbores o of2 - sirnbolo de Oxossi, o prorctor do bioco. atividades desenvolvidas pelo Ilê no Curuzu-Liberdade.
Mas nem tudo é semelhança entre os blocos afro. Enquanto o IIê Aiyê
: se volta para uma "Africa tribal", o Ara IZetu se espelha numa "Afri-

A Trama dos Tarnboies 35


ca moderira". É para os grandes centros ~irbanosdo continente negro,
como Dacar, no Seliegai ou Lagos, na Nigéria, que os diretores do Ara
I k t u viajam, a fim de pcsquisar a modernidade musical africana, que nao
dispensa uma tecnologia altainente sofisticada para einpreender seus ex-
perimentos sonoros.
O Ara I<etu foi o primeiro bloco afro a rnesclar, ein 91, o som acus-
tico dos tainbores com a instrumentaç~oelétrica. Na época, em entrevis-
ta à Bizz, Vera Lacerda explicou: "Até na Africa a rnusica popular esta
se ~iniversalizando,misturando elementos da mfisica caribenha, européia,
norte-americana. Queremos inclusive desinistificar esta busca de raizes
africanas que alguns grupos procuram. Nem na kfrica isso existe mais",
afirina a diretora. N o decoi-rer dos anos 90, o Ara IZetu se afastou cada
vez mais de seu format0 original e acabou poï se descaracterizar enquan-
to bloco afro.

Apcsar das rransforma@es ocorridas nos anos 90, o Ara l<ctu


aiiida mantérn alguns clcmcnros da estética afro.
4.
MALI? DE BAL^ DE ITAPUA

"Lenclas e magias, mistérios da evoluçaol esse é o Malê


Debalê, riq~iezade Lima naçaol entoaçiio de canto ail-ol Ib5 Fo-
komim ci-ioul [ne levou ao Abaeté e ali me batizoul 11ao entre
em transe seja transado no Malê Debalê [...Il eu sou feliz par--
que sou negâol eu sou feliz porque sou Malêi olha a lenda ê êl
olha a lenda Malê." ("Lendas e Magias", de Josélio de Araujo)

N o extremo oposto de Periperi, seguindo pela orla maritima, en1


direçiïo ao litoral norte, chega-se à praia de Itapuii. O longo trajeto à beira-
mar desenha as duas pontas da peninsuia que forma a cidade. Itapuiï era
uma antiga aldeia de pescadores, mais tarde transformada em balneirio
para as classes média e alta. A i r e a j i abrigou moradores ilustres como
Dorival Caymmi e Vinicius de Moraes. Compositores famosos imorta-
lizararn O liigar corn suas "cangUes praianas" que fesrejavain a rnalen~olên-
cia do povo, O sabor e o cheiro exalado pelos tabuleiros das baianas de
acarajé, sem esquecer de descrever suas paisagens paradisiacas. Itapua era
o lugar da poesia. Mas, no fim dos anos 80, j i era um grande bairro pobre
da cidade da Bahia, habitado poi: numerosa populaçiïo negro-mesti~ade
baixa renda, que encontrava moradia ern zonas distantes d o centro.
Ao chegar a Irapua, vê-se a estitua da sereia, uma Iemailji estilizada.
Ao lado, h i imensa feira de frutos d o mar onde s6 se vêem negros, como
na costa da Africa. N o fim da feira, fica a Praça de Janaina, caminho para
a Lagoa do Abaeté - o quartel-general d o bloco afro Malê Debalê, que,
segundo seus integrantes, significa em ioruba "negros felizes islamizados".
O bloco afro Malê Debalê saiu pela primeira vez no carnaval de
1980, um ano antes d o Ara I<etu. A estrutura d o bloco nao difeve das
demais. Como as outras entidades afro-carnavalescas, também realiza
atividades dirigidas à comunidade local. Segundo O presidente da enti-
dade, Josélio de Araujo, O bloco rem como principal honra o fat0 de ter
lnspirado na revolta dos escravos islamizados na Baliia, sido o preciirsor da 01-ganiza~iio de uma ala de dança ern blocos afro.
o Malê Debalê sc aigulha de ter sido o primeiro a trazcr "Fomos nos que percebemos a força d o movimento de d a n ~ aque nas-
para a avenida urna sofisticada ala de danqa afro. ceu iias quadras de ensaios dos blocos. Foi o Malê Debalê o primeiro a

A Trama dos Tanhores 39


trazer para a avenida sua ala de dança organizada", que conta com 300 5.
dançarinos e dançarinas. OLODUM DO "PELÔ"
Na sede do Malê Debalê, em dia de ensaio da ala de dança, pode-se
ver os bailarinos realizando coreografias inspiradas na dança de Oxum,
O orixi que protegc o bloco, no cenirio da Lagoa do Abaeté, onde a deu-
sa da agua doce habita. Observando o ensaio nota-se a habilidade dos
dançarinos para fazerem movimentos com uso sim~iltâiieode pernas, bra-
ços, quadril e cabeça. Os gestos sinuosos parecem exigir força e no en- "Fouca e pudorl liberdadc ao povo do Pelôi iilZe que é iiiêe
tanto fluem livremente. no parto sente dorl e 16 vou eu/ declaro à naçâo: Pelourinho con-
Pode-se aprcnder com as instruç6es dos dançarinos que coordénain tra a prostituiçZo1 Aqui se expandiu e o terror j i domina O Bra-
a ala: "É preciso sentir o ritmo e procurar a linguagem natural do cor- siIl faz deiii~nciaOlodum Pelouriiihol lia Bahia existe Etiopiai
po; atençâo para a postura, a consciência corporal facilita a improvisa- pro Nordeste O pais vira as costasi nias mesrno assim nos sonios
ç5o dos movimentos". As pessoas referem-se a este modo de dançar como capazesi e O Olodum a veïdade nos traz [...lm ("Protesta do
suingue, em que o requebro dos quadris e a agilidade para desenvolver Olodum", de Bet2o)
O jogo de pernas e braços sZo imprescindiveis. A forma da coreografia
pode lembrar a dailça dos orixis dos terreiros de candomblé, mas o misto A ineio caininho entre Itapua e Periperi esta O Pelourinho, O bairro
de vigor e molejo dos corpos daqueles dançarinos realça a sensualidade de origem do Olodum. Descendo na Praça da Sée encaminhaildo-se para
dos gestos. o Terreiro de Jesus chega-se ao Largo do Pelourinlio, centro liist6rico cla
O Malê Debalê era, juntamente com outros blocos afro, uma das mais cidade, onde o Olodum esquenta seiis tambores durante todo O ano, pai:a
importantes entidades negras da Bahia, com uma visâo bastante dire- desfilaï no carnaval. Aos domingos, dia de ensaio aberto do bloco, pode-
cionada para a luta anti-racista, na qual a express50 estético-musical, que se ter dificuldades para chegar ao local por causa da intensa inovimenta-
afirmava as raizes africanas, era seu principal trunfo. No entanto, um ano çâo de traiiseuntes, e ao longe ja se escuta O peso dos surdos. Aquela mul-
depois de sua fundaç50, disputas de ordem politica destroçaram interna- tidâo, cantando e daiiçando na rua, acompanhada de mais de duzentos
mente a organizaç50, e deste racha nasceu O Nigerokan, uma entidade ne- tambores, provoca um forte impacto estético.
gra estritamente politica, sem atividades culturais especificas, que levou O cenii:io barroco do Pelourinlio serve de moldura. Seu casario co-
consigo uma boa parte dos integrantes do bloco. lonial, sacadas e janelas, suas igi:ejas exuberantes, suas ladeiras, praças
O Malê Debalê perdeu com isso sua capacidade de negociacZo com secretas, suas ruas estreitas de pedras, suas cores fortes e cheiros Grnidos,
os org2os publicos que facilitavam os contatos diretos com a frica a. Sua sua musicalidade permanente e variada, constroem uma ambiêiicia pe-
referência cultural mais forte esta na historia dos negros islamizados da culiar. Muitos f1-eqüentadoresque nâo chegam até a irea do erisaio gos-
Bahia, que protagonizaram a revolta dos Malês em 1835, uma das mais tam de ficar sentados na Cantina da Lua, um bar tradicional, que tem
vigorosas insurreiçoes de escravos de nossa historia, que envolveu africa- bebidas interessantes, como infusCies conti-a inveja e mau-olhado, toca
nos nagôs e haussis convertidos ao Islâ. O bloco tematiza, a cada cariia- muito i-eggaee oferece uma visêo da Praça do Terreiro, onde seinpre acon-
val, uma "Africa mistica", que mistura islamisme e candomblé. tecem rodas de capoeira, bom para ouvii: o som dos berimbaus e ver 0
Nos anos 90, O Malê incorporou um naipe de sopros à sua bateria, jogo de corpo dos capoeiristas. Subindo e descend0 as ladeii-as, pode-se
a partir da direçâo musical de Cicero Antônio, lider da banda de afro-jazz admirar a beleza dos pretos que usam boinas coloridas e exibein uma ino-
Agbeokuta. da propria.
Quando se organizou ein 79, O Olodum nao despertava çi-ande in-
teresse e seus ensaios n2o atraiam muito a ateni-20 dos moi-adoues e traii-
seuntes do Pelouriiiho. Ein 81, uin racha dividiu o grupo e uma parte de
seus rnembros fundou O bloco afro Muzenza. Em 83, O Olodum sofria
um esvaziamento tao grande que nem sequer desfilou no carnaval. Isto
levou O grupo a uma reestruturaç50, capitaneada pela entrada de alguns
dissidentes d o Ilê Aiyê, como seu atual presidente, Joâo Jorge, e O mestre
Neguinho d o Samba, responsivel pela transformaçâo da musicalidade do
bloco, que até entao fazia samba duro, como O Ilê Aiyê.
Fortalecido, O Olodum começa a ensaiar duas vezes por semana: aos
domingos na praça principal do Pelourinho e às terças na quadra do Teatro
Miguel Santana, situado em uma das ladeiras d o Pelô. (Em 95, o Olodum
deixaria de utilizar a quadra d o Teatro Miguel Santana, e passaria a rea-
lizar seus ensaios fechados no Largo Tereza Batista, também no Pelou-
rinho.) Naqueles anos 80, quando O movimento de negritude em Salva-
dor se desenhava através dos blocos afro, O ensaio era um ambiente efer-
vescente onde ritmos eram criados, letras consrruidas, coreograiias ela-
boradas. Uma estética afro estava sendo atualizada. Ir a o ensaio do Olo-
dum ouvir samba-reggae e dançar durante horas a fio era um programa
queute na cidade. Estes ensaios reuniam je ainda reunem) pretos e bran-
cos, brasileiros e estrangeiros.
O Olodum nasceu no bairro matriz da cidade da Bahia, que pela ri-
queza de sua arquitetura barroca foi tombado como patrimônio histori-
CO da humanidade. Era habitado por prostitutas, traficantes e vagabun-
dos que viviam da mendicância fomentada por turistas brasileiros e es-
trangeiros, que se ai:riscavam a transitar pelo local, além daqueles que vi-
viam do comércio de bebidas e de ~ r o d u t o regionais.
s Sua populaçao, qua-
se toda negra, sempre foi amante d a arte musical.
N o inicio dos anos 80, esse gosto pela musica tomou contornos de
movimento social. Tal como os outras blocos afro, O Olodum realiza uma
De frente para a Igreja de Nossa Senliora d o Rosario dos Prctos,
O Olodurn, ainda desconhecido d o grande piiblico,
série de trabalhos com a comunidade carente de seu bairro de origem,
ensaiava as primeiras canf6es de samba-reggae no Pelô. investindo alto na educaçao de crianças d o bairro, que passaram a ser al-
fabetizadas pela entidade. Além disso, possui uma biblioteca com duzen-
tos livros sobre a questao d o negro e uma videoteca de documentirios
africanos.
N o decorrer dos anos 80, O bloco afro Olodum -termo diminutivo
de Olodumaré, que em ioruba significa "Deus dos Deuses" - transfor-
mou-se, ta1 como j5 havia ocorrido com O I1ê Aiyê e O Ara I<etu, em um
grupo cultural. Quanto mais se impregnava de um discurso anti-racista
acadêiiiico, mais se constituia enquanto uma intelecrualidade orgânica,
de grande peso no movimento negro baiano, dedicada a uma pesquisa
historico-antropo16gica que visava O resgate da ancestralidade negra cul-

A Trama dos Tambores 43


ta, apontando ciessa inaneira para uma "Africa cientifica". JoZo Joi:ge, 6.
diretor do Olodusn, contou à Folhn de S. Paulo ein 1988: "Conio Pierre MUZENZA DO REGGAE
Verger, que provou o coniércio triangular de escravos com documentos,
acho que enredo de bloco também precisa de bases cientificas".
A proposta do Oloduni de trilhar os camiiihos da ciência levou Gil-
berto Gil a afirniar ila mesma matéria da Folha: "Adoro o Olodum, mas
o cientificismo branco e cartesiano é residuo da colonizaçZo. Eles bus-
cam este enfoque para ter trânsito imediato na cultura oficial". O etnoIo-
go-fot6grafo Pierre Verger, finalizando a matéria, pensava diferente: "É "Eh Masna Africa Mama Africa Muzeiizal rum pi lé min-
saudavel essa seriedade, mosti:a que as pessoas nZo estâo 1 i s6 para bai- peu a cor1 trazendo cancâo, amor, ijexal quem ouviu nâo vaci-
lar". A estratégia do Olod~imo levaria em poucos anos a ser o bloco afro lou se encantou e africanizado estil a galera do mai, Muzenza,
inais importante de Salvador, e o I'elourinho, o espafo negro mais fes- guerrilheirosl Mama Africal Bob Marley semeou e o reggae se
tejado da cidade. espalhoul difundiu em Salvador1janiaicailizados a galera do mal1
Muzenza guei:rillieirosl Mania Afs-ica." ("Guerrillieiros da Ja-
i~iaica",de Yttiiamar Tropicilia e Roque Carvalho)

O bloco afro Muzenza foi fundado na Liberdade como o IIê Aiyê,


em 81. Diferentemente dos outros blocos, nomeados con1 nomes em io-
ruba, Muzcnza é um terino bantu. Barabadj, fundador do bloco, explica
seu significado: "Você nêo sabe dizer que tein uma dança ai chamada Mu-
zenza? Que é uma dança bem liorrorosa, tipo gafieis-a, 'vamos dancar a
Muzenza!'. Mas a dança que eu me refiro - a dança do bloco Muzenza
-6 a saida de iaô [filha-de-santo]; quaildo as filhas-de-santo se recolhem,
ai vâo dar o nome, a màe-de-saiito vai dar o nome, começa a tocar e elas
vêm. A essa dança que elas vêsn saindo do ronc6 [ou caniarinha, quarto
sagrado onde as iaôs se i-ecolhesn para a iniciaçZo no candomblél chama-
se saida de iaô". A iiispiraçZo, nestc caso, vem dos candoniblés de Ango-
la, de oiide partiram os povos basitu.
Apesar do noine ais-icano, O Muzenza usa as coses da bandeira cla
Jamaica, vesde, ainarelo e preto, pois o bloco, completameiite sintoniza-
do com as ondas do reggae, segue a iilosofia dos rastafaris. Grande parte
dos seus snembi-os usa os cabelos em forma de gomos, traja carnisetas coin
fotos de Bob Marley e adora a dieta vegetariana, além do uso ritualistico
de maconha.
O Muzcnza se originou de uin racha no bloco Olodum. Seçundo O
antrop6logo Es-icivaldo Veiga: "Geraldêo, uin dos fundadores do 010-
dum, depois de conflitos e desconfianças, desistiria dele para, imediata-
mente, fusidar O Muzenza - acompanhado de alguiis membros da ala
de canto, como Mundêo, que se tornaria o artista pljstico do bloco re-
cém-fundado, e Barabadi, que compartilharia O poder de niando no
Muzenza".
Os primeiros ensaios d o Muzenza acoiiteceram na praia da Ribei-
ra, vizinha a o bairro d o Bonfiin. Barabadi explica a escolha: "Nos esco-
lhemos a Ribeira porque era um local, dia de domingo, que aglomerava
a maioria dos negros. Como era um bloco afro, nos tinhamos que pro-
curar uma i r e a que o povo negro pudesse participar. E a Ribeira [...] é
praia de negros".
A galera que compoe o Muzenza tem fama de arruaceira e o pro-
prio texto da cançâo "Guerrilheiros da Jamaica" parece reforçar esta iina-
gem. Os ensaios na Ribeira muitas vezes exaltarram os ânimos de banhis-
tas e a barra pesou varias vezes, provocando inclusive mortes. Ainda
segundo Veiga, "criticado pelas constantes violências fisicas atrihuidas
aos participantes dos ensaios, o Muzenza se vê em peregrinaçào [...]. En-
quanto formava legiôes de novos admiradores por onde passava, o blo-
CO atraia fama de violento e de ser integrado por marginais". Por isso
niesmo, o bloco teve grande dificuldade em conquistar um local perma-
nente de ensaios.
Apesar disso, o Muzenza costumava "arrebentar" nos carnavais dos
anos 80 e ganhou três vezes consecutivas o concurso de melhor hloco afro.
Para Veiga, na visào dos "muzenzianos", "O termo 'arrebenta' tem o sen-
tido valorativo da potência d o bloco [...] Na semana que antecede odes-
file, aumentam as expectativas e as conversas onde todos afirmam, pro-
fetizando, um insuperavel sucesso d o bloco. Os rapazes que integram a
banda afirmam constantemente entre si e para os conhecidos: 'O Muzenza
vai arrebentar na avenida"'. A expressgo é uma constante nas letras ras-
tafari que os compositores d o bloco elaboram, como em "Brilbo e Bele-
za": "Muzenza trazendo lamaica, arrebentando neste carnaval", também
O bloco afro Muzenza reverencia seu idolo maxima, gravada por Ga1 Costa em Ga1 Plural (1990).
Bob iMarley, na Passatela do Carnaval. O Muzenza apresenta uma estrutura semelhante à dos outros blo-
cos afro, mas diferentemente d o IIê Aiyê, do Ara ICetu, d o Malê Debalê e
do Olodum, é o h i c o entre esses Sem territorio fixo. O Muzenza ja en-
saiou na Ribeira, na Massaranduba, no Largo d o Tanque, mas sua sede
voltou a ser na Liberdade (local onde a entidade se organizou inicialmente),
sendo que seu escritorio funciona n o Pelourinho.
Este cariter itinerante d o bloco aponta para unia " ~ f r i c anômade",
que tem como pilar signos jamaicanos como o panafricanisme, que pre-
ga o retorno à Mâe frica a. O simbolo d o bloco é o LeZo de Judi, titulo
que cabe a Hailé Selassié ou Ras Tafari, o imperador da Etiopia, endeusado

A Trama dos Tarnboies 47


na Jamaica pelos seguidores do rastafarianismo4. O bloco é também cha-
mado Muzenza do Reggae, ta1 O seu envolvimento com O ritmo, tendo
Bob Marley como icone maior. Estabelece assim um contato indireto corn
a ~ f r i c aatravés de uma ligaçao simb6lica coiis um dos paises da dijspora
africana.
A iiifluência da pequena ilha du Caribe sobre os muzeiizianos e afiiis
é t2o grande que O bloco chegou a mobiiizar a populaçiïo da Liberdade
para m~idaro nome da rua onde se situava a sede do Muzenza, i\lvasenga
I'eixoto, que passou a se chamar Avenida I<iiigstoii, numa homeiiageiii à Os blocos afro sao coi~sideradosa forina inais visivel de express20 e
capital jamaicana. mobilizaç~oafro-baiana. Essas organizaçoes carnavalescas sc ideiitificam
e s5o identifieadas como unidades culturais em defesa do negro e de sua
cultura, coiistitueiii-se ein polos iios quais questoes érnicas siïo colocadas
em pauta e seus meisibros se coi~scientizamde sua iiegritude, através da
construçao de uma identidade que busca a valoi-izaçiio do negro eni ter-
nios estéticos e culturais. A Africa é celebrada em seus infiltipios aspec-
tas e os contatos das cfipulas dos blocos afro corn a Ahica sa0 iiitensos.
Viaçens de inembros dos blocos ao continente negro sao freqüentes. Mui-
tas vezes têm mesmo O objetivo de buscar elementos que sirvam para de-
iimitar O contraste identitirio, outras de mostrar O rrahalho do çrupo em
eventos relacionados con1 a luta dos povos negros.
A movimeiitar;Zo negra nos espaços dos biocos afro esta caicada no
sentido genérico de "raizes africaiias". Essa referéncia a uma oiigein ail-
cestral pretende ser unia rejciçao aos padroes culturais europeizados da
camada dominante da sociedade e procura afirmar uma memoi-ia coleri-
va localizada numa Africa muitas vezes mitica.
A constituiçio de uma identidade afro-baiana na qua1 as tradicoçs
africanas estao sendo reinventadas inodifica foiteineiite O cotidiano das
camadas iiegro-n~est~ças que freqüentarn esses espaços musicais. Pai-a O
soci6logo e historiador Clovis Moura, a valoriza$ao de modelos estéti-
cos negros, inspirados na moda africana, "projeta o anseio de um ~evival
no hoje dos padroes de ~ u l i u ï amilenaïes
~ que seriam a base da estrutusa
sentimental e existencial do negro brasileiro". Referindo-se ao IIê Aiyê, O
antropologo Valdeloii: Rego declarou à Foll7a de S. Paulo en1 1988: "O
Ilê foi uina revoluçao no cornporraniento do neçro baiaiio. Foi quando O
negro deixau de alisar o cabelo, assumiu sua beleza e corne~oua retomai.
sua tradicZo ritmica".
A imaçem de africanidade dos blocos afro se desenlia taiiibém atua-
A Eti6pia é considerada pclos rastafaris umii "rerra saiira" c o seu inipcra<iorI-Ililé vCs da incorporacZo de elementos da religiao afro-brasileira -O candoin-
Selassié (morro ciu 1975), vibra como o salvador da raça negra. Cf. Carlos Albuqiicrquc,
O eierno verno do rcgggyac, S5o Paulo, Edirora 34, 1997.
blé, que aparece neste coistexto como uma referência fundameiital. Siio
muitos os elementos pincados pelos blocos afro d o vasto repertorio dos
candomblés baianos.
A percussâo, tocada nos atabaques nos terreiros, é a base da mu-
sicalidade dos blocos. Além dos ritmos, O recurso vocal também encon-
tra paralelos nos rituais sagrados. A técnica responsorial utilizada nos
cuitos d o candomblé, que consiste em uma pergunra puxada pelo solista
e respondida pelo coro e l o ~ pelos
i atabaques, foi apropriada pela produ-
$20 musical dos blocos afro e inspirou a estrutura de varias cançoes, onde
a voz d o cantorlcantora aparece antes d o som dos tambores (repiques,
tarois, surdos), servindo para puxar a bateria.
Ta1 como nas narrativas miticas, a historia do povo africano é re-
contada nas letras das cançoes. Todos os blocos afro reaiizam pesquisas
sobre a historia da Africa. Vovô d o Ilê Aiyê afirma: "Esta pesqiiisa é trans-
formada em tema de musica e reescrevemos a historia sob nossa otica e
nâo a otica dos colonizadores". A forma como os blocos afro veiculam
os conliecimentos adquiridos nas pesquisas sobre a Africa ("aii~ialmente
cada bloco escolhe um pais africano como tema, contando nas letras das
musicas alguns aspectos histol-icos, geograficos, culturais e politicos des-
sa porçâo d o continente", destaca Milton Moura) se d i pela confecçâo
de apostilas distribuidas entre os compositores dos blocos para que as le-
tras das cançoes possam ser elaboradas.
O u t r o importante elemento atrelado à c o n s t r u ç ~ odas letras de
musicas é O uso de expressoes em ioruba. O recurso à Iingua africana,
muito presente nas cançoes, funciona coino sinal afirmativo da identi-
dade africana, pois remete imediatamente à cultura ancestral partilhada
pelos membros dos grupos.
A Iingua ioruba, embora exerça influência no modo de falar baiano,
mantém-se sobretudo n o campo da linguagem liturgica d o candomblé e
foi, a partir da:, apropriada pelo blocos afro como simbolo de africani-
dade. O s nomes dos blocos, como j i foi indicado, sâo, em sua grande
maioria, traduçoes livres d o ioruba e, em menor medida, d o bantu.
A presença d o candomblé também pode ser observada nas danças
elaboradas pelos blocos afro. Mantendo a tradiçâo africana da insepara-
bilidade entre miisica e dança, os blocos recriam as danças dos orixas.
Segundo Pierre Vergeu, n o interior dos candomblés, através da dança, os
Os elemenros da estética africana recriados n o conterto dos blocos afro. orixis encarnados assumem caracteristicas relativas a o mit0 de sua ori-
Aqui exibidos pela m2e-de-sanro 1-Iilda de Jirolu d o Slê Aiyé. gem e contam a historia da organizaçao da sociedade.
Nos blocos afro, as danças i:ituais estilizadas, trabalhadas de uma
maneira muito mais livre. Nas coreografias afro-baianas, ode-se ver al-

A Trama dos Tambores 51


guns elemcntos da dança africana, na qua1 o sentido do movimento sc volta
para a terra, o châo (diferentemente d o ballet, em que as pontas dos pés
e os braços erguidos sobre a cabeca indicam o sentido do movimeiito para
o alto). "Nas danças rituais dos candomblés, os inoviineiltos rasteiros
servcm para cumprimentar os alabês [percussioilistas que tocam nos ter-
reiros de candomblé] e os orixis", segundo a professora de daiiça Leda
Muana. Na gestualidade dos dançarinos dos blocos, essa mesina postura
se evidencia nos joelhos flexionados que tendem para baixo, em movimen-
tos rasteiros.
Embora nZo esteja presa aos preceitos da religiso, a dança afro rem
fuiiç2o iiari:ativa nos enredos dos blocos, e aparece para descrever os te-
inas. "Através da ala de dança nos fizemos o Ara I<etu na rua como se
fosse o cotidiaiio de uma aldeia da Nigeria, que é a nossa referêucia cui-
tural. E foi lindissimo, nos gaiiliamos o carnaval", diz a diretora do Ara
I<etu, Vcra Lacerda.
A indumentjria é mais uni elemeiito estético exibido com grande
cuidado pelos blocos afi-o. A preparacâo das fantasias dos blocos esta vin-
culada ao tenia do desfile carnavalesco. Num primeiro momento, tecidos
africanos forani importados, mais tarde, quando passarain a ser coilfec-
cionados localmente, inspiravam-se em suas estamparias. Além disso; a
pallia da costa, conchas e buzios também utilizados, valorizando a
indumentiria e conferindo-lhe mais africanidade; os cabelos também sâo
criativamente traballiados. Esta moda, difundida principalmente nos en-
saios dos blocos, é uin forte elemento de identificaçiio entre os inemhros
dos grupos.
A priilcipal atividade nesses cspaços negro-mestiços é a realizaçao dos
ensaios dos blocos. Todas as semanas estâo reunidos nas quadras dos
Na quadia do Ara I<ctu, ciii Pcripcii, crianjas e adolescentes
blocos afro os seus diretores, os mestres das baterias, os percussionistas, aprciidcrn corcografias afro-baianas.
os compositores e os associados com seus parentes elou amigos siinpati-
zantes. Os ensaios, que funcionam como local do encontre, da troca, da
afirmaçao de valores, gostos e interesses, se constituiram no espaço ideal
do processo de construçiio da identidade afro-baiana. Segundo Jeferson
Bacelar, "a cultura torna-se ideologia e politica, na construçâo da identi-
dade do ser negro em Salvador. O seu ~ o d e de r atraçao é enorme pela
aproximaçao corn a vivência cotidiana dos segmentos negros". A musica
movimenta milhares de jovens que se dirigem para os eventos afro a fim
de cantar, dançar e reafirmar a força e a beleza da cultura afro-baiana.
Mas nâo é apenas a moviiiientaçêo dos ensaios que garante a cons-
tituiçâo dos espaços negros. Também as atividades desenvolvidas com as
coinunidades locais têm grande importância. H i todo iim trabalho edu-
cacional voltado para crianças e adultos que implica a formaçao de ofici-
nas de rnusica e de dança, nas quais sao formadas as bandas de percus-
sionistas mirins e as coreografias afro-baianas s5o elaboradas. Outras
atividades, como cursos de capoeira e cursos de teatro que formam ato-
res negros, também sao oferecidas pelas organizaçoes mais estruturadas.
Os cursos de teatro do Olodum formaram os atores da companhia Ban-
do de Teatro Olodum, que estreou em 1990 corn a peça "Essa É a Nossa Parte II
Praia", a primeira de uma trilogia que retratava o cotidiano do Pelouri-
nho, e se apresentava nas escolas publicas de Salvador. Depois do espe- A INVENÇAO
ticulo, havia um debate sobi:e a questao étnica. O diretor teatrai Gerald
Thomas declaro~ina época, ao Cor~eioda Bahia, que "o trabalho de M i r - DO RITMO
cio Meireles (diretor do grupo) com o Bando Olodum é a grande novida-
de do teatro no Brasil".
Essas atividades permitiram que os grupos afro desempenhassem um
pape1 significativo nas comunidades locais. Esta foi mesmo a inteni.50 da
presidente do Ara I<etu, Vera Lacerda, que declarou ao jornal A Tarde,
em 1991: "NZo queria que o Ara I<etu fosse apenas uma entidade carna-
valesca, mas sim que exercesse um trabalho social mais amplo, que con-
seguisse melhorar o nive1 de informa$ïo e vida da periferia marginaliza-
da". O trabalho social realizado pelos blocos afro levou a Prefeitura de
Salvador a consideri-los entidades de utilidade publica.
Mas para além das semelhanças entre os blocos afro, existem certas
nuances que os diferenciam no plano d o imaginirio e, coma j i foi dito,
apontam para diversas frica as. Essas sutis diferenciaçoes de perfil, entre-
tanto, n2o desagregam os blocos afro enquanto movimento articulador
de uma estética afro-baiana e suas atividades indicam uma importante
mudança: a nova produc50 de cultura negra na Bahia, a partir do suces-
so crescente da estética percussiva, sai dos espaços tradicionais como o
"Bata na pele de um tambor corn uma
candombié, a capoeira e o carnaval, passando a atuar no cenario da midia. baqueta. Seu ouvido se cnche de iuido. Bzra
A invençao do samba-reggae - O ritmo dos blocos afro - é o pivô deste uma sesunda vez e depois "ma terceira. Isto
processo é ritmo."
Mickey Hart, balcrista

Goli Gueriçira
8.
O QUE É SAMBA-REGGAE

Musicalinente falando, o samba-reggae é o principal produto da mo-


viinentaçiio afro-baiana. É um estilo percussivo que se caracteriza, em
termos coiiceituais, pela apologia do negro e, em termos musicais, pela
recriaçao de sonoridades afro-ainericanas. A nova ritmica foi elaborada
a partir do diilogo entre instruinentos de percussao e vocais. Diferente-
mente d o reggae, que é feito a partir de instruinentos harmônicos como a
guitarra e um baixo que se impoe, o sainba-reggae encontra ein tambo-
res como surdos, tarois e repiques a sua forma privilegiada de expi:essâo.
O ritmo foi concebido tendo como elementos de base: uma banda (ou
bateria) forinada por virios tipos de tambores, onde cada executante realga
seu instrumento; a coreografia dos percussionistas; os temas das canqoes
que mergulham no universo da comunidade; e as danças perinanenteinente
iiiventadas.
Para O compositor Gerônimo, O samba-reggae consiste na apropria-
çao do contratempo do reggae. O contratempo implica uma acentuaçao
dos tempos fracos, realizada nos instrumentos de percussêo que fazem o
samba duro, havendo, portanto, uma fusa0 de ritmos. Milton Moura con-
corda com a hipotese da fusiio quando afirma que "O acento do contra-
tempo e O andamento mais lento que O de outros tipos de samba revelam
a influência do reggae. Além disso, o reggae esri presente no desenho
melodico da maioria das composif6es de blocos afro". Para O percussio-
nista Ubaldo Waru, iiiio se trata apenas da fusiio do samba com o reggae,
mas sim de uma mistura entre os varios ritmos africanos, dos quais o sam-
ba e O reggae sa0 também herdeiros.
Contra a hipotese da fusiio entre samba duro e reggae se levantam
pelo menos duas opinioes: a da filha-de-santo do Gantois, a percussionista
Mônica Millet, para quem o samba-reggae é uma mescla entre o samba
de roda e o maracatu, ritmo percussivo pernambucano; e a do music6logo
Tom Tavares, que vê no ritmo uina mistura de marclia-rancho, O ritmo
dos ternos de reis, com o twist, ritmo norte-americano. Ainda assim, es-
Virios iipos de tainbotes e fusao de soiioridadcs tudos mais sistemiticos de alguns musicos apontam para uma confirma-
potin eiii ceiia O samba-reggae. çao da fusio ritmica.
Em seu ateliê de investigaçào musical, O u~Llsico/pesq~~isador
Bira Reis
experimento~iO processo de separar duas equipes perc~issivas,enquanto
uma fazia samba a outi-a fazia reggae, e concluiu que dessa junçào resul-
tava O samba-reggae: "se você toca uin ritmo en? cima do outro você prova
que urna coisa advém da outra", observa ele. Para Bira Reis, que foi sa-
xofonista do Olodum durante sete anos, O mestre Neguinho do Samba
utiiizou a célula hisica do reggae (que determina um contrateinpo), a clave
cubana e uma outra clave invertida, que é a do candomblé de Angola.
Seguindo este raciocinio, a célula ritmica do samba-reggae é uma combi-
naçao de células ji existentes no candomblé, nos sambas urbanos, na salsa
e no reggae, entào 1-earranjadas. Segundo Joào Jorge, diretor CIO Olodum:
"O reggae cleu a modernidade que os jovens negros baianos estavarn pro-
curando. A tradiçao apenas nao nos contentava mais".
A fus20 de universos ritmicos do Carihe e do Brasil pode também
ter como fonte os ritmos d o candomblé. O ijexi, ritmo ioruba, percutido
corn as maos nos atabaques rum, rumpi e lé e tocado para todos os orixis,
é talvez O ritmo mais popular do candomblé, por ser bastante veic~ilado
nos espaCos profanos. Segundo a leitura etnomusicol6gica da perc~issio-
nista aleina Christiane Gerischer, O ijexi (ji~itilizadopeio bloco afro Ilê
Aiyê) contém um conrratempo semelbante àquele que caracteriza a bati-
da do reggae. Considerando O trânsito entre O contexto ritual e a mLlsica
popular (através dos alabês, que sempre marcaram presenca no meio per-
cussivo popular), é possivel afirmar que O diilogo entre o sainùa baiano
e O reggae jamaicano assentou-se em bases mais solidas, fincadas em cé-
lulas ritmicas coincidentes, do que até entao se vislurnbrava.
Nào I l i consenso sobre a origem do samba-reggae. É bem provivel
que ele uào tenha surgido a partir de uin s6 foco, j i que sempre houve
troca de informaçoes entre os blocos afro: alguns desses grupos se divi-
diram dando origem a um novo bloco, além disso, compositores como
Tonho Matéria, Tatau, Ytthamar Tropicilia e Rey Zulu fizeram canc6es Miisico, pesquisador e fabricante de insrrumentos percussivos,
para varios blocos. A filiacào aos blocos uao exige nenhum tipo de ex- o ex-sasofonista d o Oiodrim Rira Reis aciedira que a oriçcm do samba-reggae
esri na fusio de ~iniversosritmicos do Brasil e do Caiibc.
clusividade quailto à participaçao nos ensaios e, em muitos casos, per-
sonagens-chave dessas organizaçoes atuaram em mais de uma delas. Um
dos primeiros inestres da bateria do Ilê Aiyê, pou exemplo, Neguinho do
Samba, deixa O bloco matriz em 1983 para atuar como mestre da eqrii-
pe percussiva do Oloclum, onde conquistou O status de criador do sam-
ba-reggae.
O consenso em torno do nome de Neguinho do Samba se deu quan-
do a midia passou a veicular O samba-reggae, apontando-Ocomo criador

55 Goii Gucrreiro
do estilo, em 1987. Até entao, Olod~im,Muzenza e Malê Debalê dispu-
tarama primazia da concepçâo do ritmo, j i que o Ilê Aiyê mesclava Sam- NEGUINHO D O SAMBA
ba com ijexi e nao com reggae. Alguns personagens do meio musical de
Salvador conferein ao Muzenza O papel de criador do samba-reggae, pela
relaçio simbolica que ele estabelece corn a Jamaica. Outros coiiferern ao
compositor do Malê Debalê, Djalma Luz, a autoria do primeiro samba-
reggae feito na Bahia, chamado "Coraçiio Rastafari", veiculado en1 1981.
No entanto, esta cançZo nâo garantiu ao Malê Debalê O status de cria- "Nilza Alves de Souza na sua bacia aprendii que a musica
dor do ritmo, que foi creditado ao bloco afro Olodusn. sai do vento e do tempo tainbéml aprendi com Nilza aprendil
É muito provivel que esse crédito diga respeito ao reconhecimento que a bacia de roupa iiao lava somente a soupai mas faz o suin-
mais ampio de sua contribuiç5o para uma renovaçao da tradiçao ritmica gue que apreudi ..." ("Barrela", Neguinho do Samba)
negra, empreendida por Neguinho do Sainba. Esta renovaçZo incluiu canto
a modificaçâo de iilstrumentos percussivos quanto uma nova forma de Neguinho do Samba coiiieçou a fazer musica nas bacias de sua mâe,
toc6-los, aiém de um iiovo pape1 para O inestre da bateïia, que dispenso~i D. Nilza, uma lavadeira do Tanque do Meio, no Largo do Tanque, bair-
o uso do apito e adotou a utiiiza~âodo timbales (um instruinento caïi- popular de Salvador, onde o meniiio cresceu. "Eu tocava nas bacias
benho, ver Apênd~ce). anto que ela botava fundo de madeira porque o fundo de
O eu furava de tanto batucar."
13 anos o jovem Antônio Luis Alves de Souza ingressou na baiida
S. Era um dos inascotes. Um dia o mestre estava ensinando usn
aio ouviu uma "variaçâo" ritmica como resposta. Per-
ito, O menorziiilio levantou sua baqueta e desse dia
tocar o seu repique na linha de frente da banda.
uma banda de carnaval que tocava frevos e sainbas
seu repertorio no Pelourinho durante todo O ano. A mZe de
nao gostava de vê-Io sais de casa para os ensaios, por isso mesino
e iinportava de tomar algumas palmadas ao chegar
s filho de peixe, peixinho é. "Minha escola foi O caiidomblé,
ogZs5, meu pai tainbém, ele tocava bongô. A geiite teve
Zo musical diferente, antiga, entâo eu acho que é uma coisa
esmo, a gente é O que merece ser".
tenha sido a intiinidade com a musica ritual do candomblé 82
ho do Samba a participas como percussionista de uma 8
2
es carnavalescas da Bahia. Eie fez parte de baterias de es-
como Ritmistas do Samba e Diplomatas de Amaralina, e

sâo protetorcs do candornblt, corn a funçZo especiai, e cxtcrior à icli-


resrar presrigio c Ihe foinecer dinheiro para as cerimônias sagradas."
Cazdombiés da Bahia, Rio dc Janeiro, Tccnoprinr, Coi. Edioiiro, s.d.,
mais tarde se envolveu com as baterias dos blocos de indio, como Apaches
do Toror6, Caciques e Comanches, além de ter tocado também nos blo-
cos de trio mais anrigos da cidade, como Corujas e Internacionais.
Em meados dos anos 70, Neguinho trocou os blocos de indio pelo
primeiro bloco afro da Bahia: foi um dos forinadores do 11ê Aiyê, onde
passou onze anos como compositor e mestre da bateria. Mas O bloco afro
matriz rem a tradiçao musical como eixo e n i a estava aberto às inova-
çôes ritmicas que o mesrre propunha para o samba. O espaco de criaçâo
ficou apertado e pot isso, junto com outras colegas, Neguinho resolveu
participar de um outro bloco em que sua "veia musical" pudesse circula]-
com mais Iiberdade. Hssim, mudou-se para o Olodum, que acabou con-
vidando o mestre para i-eger sua bateria em 1983. Neguinho do Samba
recebeu carta branca para renovar a musicalidade do hloco.
A partir dai, o experienre percussionista passou a ses conhecido co-
mo Neguinho do Samba, como ele mesmo conta: "Um dia eu parei em
frente ao Bar do Reggae com um cal-ro cheio de instrumentos e ai um amigo
clisse: você é Neguinho do samba mesmo, né, rapaz? Hi peçou". De pos-
se da carta branca oferecida pelo Olodum, Neguinho do Samba inodifi-
cou os instruinentos tipicos dos conjuntos de samba urbanos, propôs no-
vas formas de percuti-los, contribuindo assim para a renovaçâo ritmica.
Neçiiinlio do Samba, rnesrre inaior d o samba-reggae, rcgendo a hateria
il sede do Olodum se situa no Pelourinho e n i o se pode esquecer que do Oiodum. bloco onde permaileceii por mais de dez anos.
urna ambiência reggae 1-einava no local, onde bares que executavam o
estilo, freqüentados par rastafai-is,se multiplicavam. Isto, na certa, influen-
ciou na mudança que a batida do samba sofreu, que consiste basicamen-
te na acentuaçâo das caixas de repique nos espaços de contratempo dos
surdos que fazem a base do ritmo.
Mas a combinacio de células presente no samba-reggae certamente
n2o foi premeditada pelo mestre Neguinho do Samba, detentor de uma
cultura oral que desconhece a estrutura musicol6gica dos ritmoç em ques-
tao. Muito provavelmente a nova ritmica foi resultado de ersos e acertos
realizados nos ensaioslexperimentos dos milhares de musicos, que sem-
pre fizeram das ruas de Salvador, dos terreiros e das quadras de ensaios
de blocos um ceieiro percussivo. A biografia do mestre mostra que ele rem
uma longa estrada na cena musical e convivência cotidiana com iniime-
ros percussionistas.
Quando se leva em conta o contexto no qua1 o ritmo foi produzido,
O mestie orienra suas discipulas da
torna-se muito mais plausivel indicar uma invençâo coletiva que a cada Didi na coiifeqZo de insrrurnenros,
encontre, a cada ensaio reunia musicos que arriscavam combinaçoes de o que conrribui para a reiiovaç5o da
sons. A fala de Rira Reis nos leva nessa d i r e ~ i o "Na
: hora de tocar o que rradiçjo percussiva na Bahia.

62 Goli G~icrreiro
você ouviu de um jeito, sai de outro, O outro jA copia, entâo o que era um 10.
erro vira iini acerto, porque num outro ensaio começa de uovo da;, e tudo DE ONDE VEM O SAMBA-REGGAE?
isso vai efervescendo".
O samba-reggae é uma forma improvisada de produçâo musical na
qua1 os elementos em jogo apontani para lima relaçâo entre contextes,
personagens, experiências e ritmos diversificados. Por isso mesmo, ape-
sar do consens0 construido em torno de Neguinho do Sainba e do pape1
fundanlental que ele teve, nâo se pode creditar a um s6 mfisico a inven- Por tris do samba-reggae est6 uma vasta cultura musical coustruida
ça0 do samba-reggae. O ritmo, sem duvida, resuita de um variado cal- a partir de infimeras fontes, e uina dimensâo politica do niovimento afro-
deirao musical que o ouvido atento de um mestre soube captar. baiano. É essa dimeiisao que O cornpositor Gilberto Cil enfatiza quando
fala sobre o novo ritino. Gil uZo vê uma fusgo do samba com o reggae,
mas sim uina atitude que aponta para essa mescla, e afirrna: "É o negro
Liberando sua energia criativa e unindo isso à instância poiitica". A leitu-
ra do conipositor baiaiio, que focaliza mais o comportamento musicai dos
grupos negros do que sua musica propriamente dita, indica que para com-
preendei: a iuven~âodo samba-reggae é preciso situi-Io em un1 coiltexro
ao inesmo tempo musicale ideologico, de maior latitude historica, que
leve eiii conta a grande influência dos candomblés sobre as expressijes inu-
sicais afi-o-baiaiias e a iiiiportância dos movimentos de negritude pal-a a
claboraçao de unia estética negia.
É preciso entao reconstruir esse cenirio, pan0 de fundo do i-epert6-
rio ritmico e estético que a hist6i-ia musical baiana deixou disponivel. l'el0
meiios três pistas podein Ievar a coiibecer O coiitsxto en1 que o ritiiio foi
criado. A priineira delas C a propria transformagao do meio inusical de
Salvador, ao iongo de um século, através das recriaçijes estéticas das ma-
nifestaçees carnavalescas negras. Segundo Raphael Vieira Filho, é prcci-
so levas ein consideraç50 "a migraçâo de elementos e sigiios entrc os va-
rios folg~iedoscarnavalescos afro-brasileiros". Uin olhar retrospectivo
mostra que a estética musical das organizaç6es afro-cariiavalescas -bat~i-
ques, clubes, afoxés, escolas de samba, biocos de indio, blocos afro - C
resultaiio de migraciies e inesclas tecidas na ponte que liga o candoinbli:
aos sainbas urbaiios. A 1-eiiovaçio de sonoridades promovida pelo sain-
ba-reggae também esta pautada no deslocainento destas matrizes para O
espaço profano do carnaval.
Além das recriaf6es estéticas que deram origem ao sain ba ~ o p u l a r
urbaiio, eiemcnto bisico do samba-reggae, a segunda pista sâo as referên-
cias internacionais, que vêin dos Estados Unidos, da ~ f r i c ae da Ja~naica
e se soinani às inforinaçfies produzidas ein Salvador. Esse processo, que
esta na base da invencâo do ritmo, representa a foi:nia$âo de uina "negri-
tude soteropolitana", que se desenhou em meados dos anos 70 e decor- il.
rer da década de 80. O movimento de negritude origina-se na tomada de QUE BATUQUE. fi ESSE?
consciência do negro, gerada nos varios paises que abrigaram a diaspora
africana. Focalizar o panorama internacional do movimento de negritude
é fundamental para compreender O sentido e os trunfos da nova miisi-
calidade afro-baiana, que vai ser alimentada por mfiltiplas referências.
A terceira pista é a estratégia politica dos grupos negros que se or-
ganizaram como representantes de um segment0 estético do movimento Pesquisando a musicalidade do Recôncavo baiano, regiiio bastante
negro no Brasil para mostrar que "a aima é musical". Assimilando as novas diferenciada do sertao da Bahia, muitos autores demonstraram a estrei-
referências jamaicanas, americanas e africanas, veiculadas pela midia, e ta relaçiio existente entre o candomblé e os sambas urbanos. A partii-
ao mesmo tempo voltando-se para O proprio umbigo, os negro-mestiços desta literatura, é possivel reconstruir O quadro historico das formas que
encabeçaram o movimento de negritude local que se desenha com a for- têm no candomblé uma fonte primeira de inspiraçiio. Elas ganhai-am es-
maçao dos blocos afro, espaços proprios de negro-mestiços no seio dos paço primordialmente no cenirio carnavalesco, através de um trajeto evo-
quais a mistura de matrizes ritmicas se alia a um discurso politico. Neste lutivo das organizaçoes negras.
contesto o novo ritmo vai ganhar a denominaçio de samba-reggae, que Os reiatos historieos que se reportam a o fim do século XIX e ini-
é o principal capital simb6lico dos blocos afro, na medida em que se cons- cio do século XX apontanl a rnusica e a dança como parte intesrante
titui num estilo musical proprio, capaz de veicular uma identidade afro- do cotidiano dos negros e a presença do candomblé observivel no dia-
baiana, que luta, por vias estéticas, pela valorizaçao do negro. a-dia, nos cantos (onde ofereciam seus serviços), nas lojas (onde habi-
S i 0 estas três pistas que seguiremos a partir de agoi-a para descobrir tavam coletivameiîte), ou nos terreiros (onde cultuavarn seus deuses).
como o meio musical de Salvador tramou uma nova musicalidade. Além de atividades religiosas, ligadas ao candomblé, os negros elabo-
ravam ainda uma séi:ie de divertimentos que também envolviam estas
artes. Segundo Pierre Verger, "este gênero de distraçiio sempre foi ad-
mitido e rnesino encorajado pelas autoridades, bem que se s~ispeitasse
ser uin pouco misturado a costumes supersticiosos". A presença de ins-
trunientos percussivos e os ritmos que acompanhavam danças e can-
t o ~ tanto
, no espaço sagrado quanto no profano, indicavam uma certa
indefiniçio enti-e as manifestaçoes ludicas e religiosas. Segundo Jocélio
Teles dos Santos, somente no fim do século XIX, "os bar~iques,os sam-
bas e os candomblés adquiriram sentidos que Illes retiravam de uma
mesma sinonimia".
O batuque, estilo musical do passado colonial, proprio da popuia-
$20 de escravos e libertos, permaneceu vivo até as primeiras décadas do
século XX. O termo batuque foi empregado para rodas as mailifesraçoes
de um repertorio musical acompanhado de percussio, que se relaciona
diretamente com a dança e o canto, e tem origem na Africa. Segundo
Câmara Cascudo, "battique é denominaçao geiîérica para roda dança de
negros na ~ f r i c a " N
. o século XIX, aparece a definiçao de baruque para
identificar os candomblés, "'batuques de negros acompanl~adosde fei-
tiçaria', como para denominar a 'dansa corn sapateados e palinas, ao som

Goli G~ierrciro A Trama dos Tamboies 67


de caiitigas acompanhadas s6 de tambor, quando C dc negros, ou tam- IL.
bém de viola e pandeiro quando eiltra gente mais asseada"'. OS CLUBES NEGROS
Seguudo algumas aililises, O batuque é O pi:ecui:sor do samba. Para
Câmara Cascudo, "à dança que outrora se cliamava batuque damos ago-
ra, em geral, O nome de samba". O samba, enquanto estilo niusical, ga-
nhou denoininaçio no século XIX e, inicialmente, tambéin era entendi-
do como um nome genérico dado a quase rodas as manifestaçoes musi-
cais desenvolvidas pelos negros. Da mesma forma que O terino batuque Ailtcs do casnaval Iiavia o entrudo, festa de oi:igem portuguesa eii?
servia para designar priticas ludicas e religiosas, O vocibulo saiiiba apre- que os batuques se inteiisificavam. Saindo das senzalas, dos caiitos e lo-
sentava a mesma indefiniçio. jas, e dos terreii-os, O povo ocupava as ruas da cidade com musicas e dail-
iinalisando as letras de antigos sambas, O antrop6logo Jocélio Teles ças tipicas das camadas negras. O descontentamento das autoridades e o
dos Santos mostra como essas manifestaç0es inusicais eram "praticas movirnento de aboliçao da escravatura, coin seus novos ideais politicos e
selacionadas ao universo religioso", enfatizando a intima relaçio entre sociais, coiifiguraram uin ilovo coiitexto no qua1 o entrudo foi aos pou-
sagrado e profano na cultura afro-baiana. Esse interfluxo aparece tam- cos se extinguindo e ern seu lugar surgisia O carnaval. A nova festa viiilia
béin em anilises do etilomusic6logo Gérard Béhague, que, em sua leitura importada da Europa para a t e v a b~asiliscomo signo de civilidade.
dos estilos musicais do candomblé, observa: "As causas para as corren- Alguns anos depois da crisralizaçêo do carnaval, nos anos 1890,
tes atuais e as rransformaç0es estilisticas na musica ritual afro-baiana ein negros e brancos passaram a se orgaiiizar em clubes carnavalescos, que
Salvador podem ser ligadas à cresceiite identificaçêo (e assiinilaç50) dos foram uma das mais iinportantes manifestaçoes étnicas de rua que a fes-
membros do candonibié com O contexto urbano em que vivem". ta conheceu. Scgundo Petei- Fry, "O carnaval depois da aboliçio passa a
Os estilos musicais carnavalescos sa0 os exemplos inais evidentes da dramatizar duas posiçoes: civilizaçiïo (riqueza)veysus barbarie (pobrcza);
ponte entre os ritmos sagrados e profanos. O carnaval era um espaço e Europa veïsus African. Uma pal-te do espaço festivo antes dominado
pi-ivilegiado das manifestaç6es negras, e a policia agia contra os batuques pclos batuques, em forina de blocos e cordoes, passa agora a ser ocupa-
e contra os sambas submetendo-os às sançoes penais, ta1 coino fazia nos do pelos préstitos, espécie de desfile de clubes carnavalescos organizados.
terreiros de candomblé que nao coiiseguiani liceilça para realizar seus ri- Enquanto os clubes brancos, como Fantoclies do Euterpe, Cruz Ver-
tuais. Mas, apesar do controle policial sobre as priticas negi-as, os batu- inelha, Embaixada Cliinesa, Pândegos da fipoca, FiIlios da 1-Iariiionia etc.,
ques nao foram banidos nem d o carnaval, nem do cotidiano da cidade. apresentavam em seus desfiles os costunles das cortes eusopéias, sobre-
Os pretos pobres de Salvador insistiam em participar do carnaval em tudo da França, usando confetes e serpentinas, os clubes negros, coino
moldes que observadores da época como Nina Rodrigues perceberain Pândegos d'Afi:ica, Einbaixada Africana, Guerreiros d'Africa, Filhos da
como autenticameiite africanos: "A festa brasileira é ocasiêo de verdadei- ~ f r i c aetc., tematizavani a /\fi-ica e seus reinados tribais.
ras priticas africanas". Na pei-rnissi\~idadeda zona festiva, atualizavain sua ancestralidade
colorida pelos matizes das cliversas etnias afi:icanas em interaçêo na Bahia.
Os conjuntos instruineiltais dos clubes negros, chamados de chaïa~zgas,
erani compostos de instrumentos de sopro europeus, e percussivos, como
agogôs, xequerês, ilus ou atabaques (também utiiizados nos i-ituais dos
candoinblés). E as elites de cor, seguiido Thaies de Azevedo, organizadoras
dos présritos, ganharani recoilhecimento pelos seus padroes de civilida-
de, pelo luxo e "bom comportamenton adotados nos desfiles, que conta-
vam com a legitimidade da imprensa. A ediçio do jornal A Bahia de 4 de
março de 1897 veiculo~~ O seguinte coinentirio, reproduzido por Raphael
Vieira Filho: "Muito se deve ao distinto e sympathisado club Embaixada
Africana o grande êxito do carnaval ... Pouco depois do Cruz Vermelha a
Embaixada fez sua entrada triunphal no largo Castro Alves, sendo frene-
ticamente vitoriado pela massa popular, que n i o cessava de acclamai-a a
todo momento".
Os clubes negros apresentavam seineihanças com antigas formas
carnavalescas como Os Reis d o Congo, Cuc~imbis,Ranchos e Ternos de
Reis que se organizaram nos séc~ilosXVII e XVIII. Ao que tudo indica, Desde o final do século XIX havia uma outra forma ainda de diver-
os préstitos desses clubes do século XIX eram resultado de uma mescla timento negro, que buscava preservar o patrimônio veligioso ao mesmo
de modelos oitocentistas e informaçôes modernas, como sugere o antro- tempo em que constituia um repertorio afro-brasiieiro. Eram os afoxés,
pologo Antônio Godi: "Temos em conta que estas invençoes festivas de que traziam, durante o carnaval, a ternitica do candomblé para as ruas
uma modernidade carnavalesca negra guardam grandes influências de da cidade. Segundo Nina Rodrigues, "as danças e cantigas africanas, que
manifestaçôes itinerantes presentes no passado colonial e imperial da his- se exibiam com este sucesso no carnaval, s i c as danças e cantos dos can-
toria cultural brasileira". domblés, do culto jeje-iorubano, fortemente radicado na nossa popuia-
Apesar dos desfiles dos clubes negros contarem corn O apoio da im- çZo de cor".
prensa e de desfrutarem de grande popularidade, assistidos e aplaudidos Segundo O historiador Raphael Vieira Filho, "as bases comuns dos
pela "fina flor" da sociçdade soteropolitana e pelas militas pessoas que clubes uniformizados negros e dos afoxés [...] proporcionaram a incor-
viilham do interior para os festejos, sua manifestaçâo foi proibida entre poraçâo de novos elementos aos afoxés surgidos a partir da década de
os anos de 1905 e 1914. Esta proibiçio, que pretendia eliminar do car- 1920, inodificando a estrutura do desfile desses grupos inas iiào interfç-
naval "a exibiç2o dos costumes negros com batuques", entre outros que- rindo ilos temas, miisicas e danças que, como no século passado, perma-
sitos, sinaliza O conflito étnico que a express20 afro-carnavalesca denun- neceram ligados às tradiçoes dos candomblés". Apesar das dificuldades
ciava, através da exibiçio de uma estética negra. que os grupos tinham em expor sua ancestralidade africana e divulgar o
Segundo O historiador Raphael Vieira Filho, que lamenta o fato de culto; impostas pelas constantes proibiçôes, este tipo de organizaçâo car-
as fontes bibliogrificas nada esclarecerem a respeito das matrizes musi- navaiesca atravessa e percorre todo um século sen1 apresentar grandes
cais utilizadas pelos clubes negros, é dificil saber se essas manifestaçoes transformaç0es.
realmente se desarticularam em funçio da proibiçio. O mais provivei é O etnologo Edison Carneiro observou alguns afoxés, na década de
que elas tenham se transformado em uma variedade de agrupamentos que 30, corno o Otum O b i de Africa, A Folia Africana, A Lembrança Africa-
exibiam variaçôes estilisticas. Assim, nas primeiras décadas do século XX, na, Lutadores de Africa e Congos de Africa, entre outros. Sobre a origem
havia uma enorme diversidade de manifestaç6es negras coexistindo, tais dos afoxés, O autor comenta que "esse estranho cortejo de negros que to-
como batuques, blocos, cordoes, clubes e ainda afoxés. cam atabaques e entoam cançoes em nagô, em louvor das divindades do
candoinblé", s i o manifestaçoes mais modestas dos préstitos de negros que
se apresentavam nos primeiros carnavais, j i sob a ~ e p u b l i c a . ~
Os afoxés podein ser descritos como "candomblés de rua". Quase
todos os membros dos afoxés se vinculam ao culto. Seus miisicos siio
alabês, suas danças reproduzem as dos orixis, seus dirigentes s2o baba-

& O autoi. os idcnrifica rambirn corn anrigos correjos dos Reis <IoCongo, quc surgi-
ram n o sEculo XVllI, e dessn forma estabclece um imbricamcnra cnrre as rnaniiesraçoes
culrurais negras.

Goli Goeireiro A Trama dos Tsmbores 71


lorixis (chefes de terreiro que dominain a liiigua ioruba) e o ritual do 14.
coi-tejoobedece à disciplina da tradicâo religiosa. No entanto, a preserva- FILMOS DE GANDI-IY: O ~120x6
ETERNIZADO
çêo dos fundamentos secretos da religiâo é observada. A orquestra clla-
mada "charanga", que executa o ritmo ijexi, é composta de agogôs, xe-
querês e três tipos de atabaques (rum, rumpi e lé), ta1 como nas ceriinô-
nias religiosas. Mas, segundo Antônio Godi, eles " n i o utilizain atabaques
'consagrados', ou seja, os atabaques que 'comeram', termos que idcntifi-
cam os instrumeiitos musicais ritualineiite pi:eparados para as obrigaçoes No fini dos aiios 40, os afoxés ganbain um poderoso icone. Ern 1949,
dos cultos sagrados" e permitem a interaciio com os orixis. Os afoxés nasce o afoxé Filhos de Gandhy, composto por estivadores do cais de
trouxeram para o espaco do carnaval o repert6rio musical e a estética dos Salvador, praticantes do caiidon~bié.O Gandhy (coiii y mesmo) preten-
caiidomblés. dia rcverter o estigiiia que os negros carregavam por causa de sua cultura
Como descreve Antônio Risério, "antcs de iniciar o desfile realiza- religiosa e, reafirniando sua origem afuicana, desfilaram no carnaval da-
se, nos afoxés, u n ~ acerimônia religiosa: o padê, despacl~ode E s i l enli- quele aiio cantaiido e dansando ijexi.
dade migica [...] S6 depois do padê é que O afoxC se enti:ega aos cantos e A idéia de formas O Fiillos de Gandhy nasceu durante uma greve nos
danças iniciando sua pereçrinaçêo religiosa". Assim os afosés trazerii pela portos ingleses, que deixou a estiva de Salvador sem trabaiho por alguiis
primeira vez às ruas da cidade, no periodo carnavalesco, a batida mati-iz dias. N o Porto, a circula@o de inforrnaçôes internacionais era inuito graii-
ijexi, dos cultos de candomblé, disponibilizando este ritmo para o reper- de e a mensagem do lider indiano Mahatma Gandhi, assassinado em 1948,
t6rio inusical popular. cl~egouaos ouvidos dos estivadores. O 6cio gei-ou a idéia de organizai: uni
Outros afoxés, formados entre os anos 70 e 80, conio Oju Obi, Olori, grupo para desfilar no carnaval e, como quase todos os traballiadoïes da
c O mais famoso deles, o Badauê, j i nâo obedeciam à tradiçêo religiosa e estiva eram adeptos do candomblé, O modelo afoxé se encaixava beln no
a participaçâo das pessoas ligadas aos terreiros nâo el-a rigorosamente perfil do grupo. O Filhos de Gandhy saiu pela primeira vez no carnaval
observada. Segundo Cilberto Gil, o Fiadauê, reverenciado por Caetano de 1949, coin quarenta Iioinens que tiiilmm fama de feiticeiros e valeiitôes.
Veloso na cançâo "Siimêo". "é uma espécie de afoxé jovem, um afoxé 1-Iumberro Café, membro da diretoria d o afoxé, explica o porquë da
pop, progressive". Estes novos afoxés foram acusados de tereni profana- escolha do nome: "O candomblé era uina religiao perseguida pelas auto-
do os eieinentos sagrados, entre eles, a batida ijexi, pois os cânticos ji ridades, e nos, quaildo fundamos o Gandliy' tentamos deinoiistrar que
nâo eram obrigatoriamente recolbidos d o repert6rio litirgico dos cuitos saiamos pacificamente. Por isso, resolvemos adotar o nome de Gandhi,
e as danças dos oïixis eram apresentadas livremente. que era o precursor da paz no inuildo".
A intençêo de se desvincular da violência levon os estivadores a proibir
a participaçâo de mulheres no desfile, bem coino a ingestêo de hebidas
alco6licas durante o trajeto. Sepundo eles, a combiiiaçio "bebida t mu-
Iller" era explosiva e nêo sc adequaria à ética do grupo. Foram as iliulhe-
ses, no entaiito, mais especificamente as prostitutas do cais do Porto, que
ajudaram a providenciar a indumentiria dos ineinbros do Gaiidlij7.Seus
lenc6is brancos servirain de turbante e seus vidros de alfazema foram
utilizados coino banho de cheiro. Os colares de contas ji estavam cola-
dos ao corpo daqueles negros religiosos, decididos a s6 fazer desfilar o
afoxé depois de um ritual de padê.
Carequinha, intesrante do afoxé, diz que "a mensagem do FiIlios de
Gandhy é de paz e amor, a comecar pelo branco do vestuirio. O pvvo se
sente emocionado a o ver-nos passar. O Filhos de Gandhy é a grande man-
cha branca no asfalto negro d a cidade. Emociona, é gente chorando. É
uma honra para qualquer cidadjo pertencer a o Gandhy". Para Anamaria
moral es, einbora O Gandhy jamais tenha utilizado urn discurso étnico-
politico explicita, ele pode ses visto como um exemplo de resistência da
cultura afro-baiana, na medida em que enfrentou O preconceito contra o
candomblé.
Talvez por isso mesmo O Gandhy tenha passado por grandes dificul-
dades nos primeiros vinte anos de existência,. auando a licenca
A , .
vara O
funcionamento de candomblés ainda passava pela delegacia de jogos e
costumes. O afoxé se çsvaziou e chegou a deixar de desfilar nos pi-imei-
ros carnavais dos anos 70. Mas o Filhos de Gandhy contava corn um
habilidoso admirador: Gilberto Gil, um dos principais responsaveis pelo
ressurgirnento d o afoxé. Ele mesmo explica O seu envolvimento nessa
historia em depoimento concedido a Antônio Risério, no livro Carfiaval
ijexi (1981):

"S6 quando eu voltei de Londres, dentvo daquele processo


de retomacla, de redescoberta, de sofisticaçêo d o gosto, é que
fui procui-as especificamente os afoxés, porque mesmo no car-
naval da minha infância, eles me pareciam como bilsamos, oisis
de paz naquele caos da rua. M e lembro que assim que voltei,
n o meu primeiro carnaval aqui, me disseram que os afoxés n5o
exisriam mais. E, de fato fui encontrar uns vinte Filhos de Gan-
dliy, corn os tambores no chêo, num canto da Praça da Sé. Eles
nêo tinham mais 1-ecursos, mais força para ocupar um espaço
no carnaval baiano. Fui p r o ~ u r a - l ~para
s entrar no Afo-é. Foi
Raimundo Queiroz Lima, s6sia de Mahatma Gandhi, na como uma coisa devocional, uma promessa, uma vontade de pôr
comemoraçiio dos cinqüenta anos d o lendirio afoxé.
O meu prestigio para funcionar em pro1 daquela coisa bonita que
é o afoxé. E a i sai seis anos no Filhos de Gandhy, fazendo todo
O percurso das 12 horas, cantando e tocando, parando nos pon-
tos de devoçêo, ohedecendo à disciplina, que é muito rigorosa".

Em 1972, o music0 incluiu em seu repert6rio a cançêo "Filhos de


Gandhy". Compondo Lirn belissimo ijexi, Gil convida todos os deuses para
uma emocionante homenagem. Estava eternizado O a n t i ~ oafoxé.

c'Omolo, Ogum, Oxum, Oxumarél todo O pessoall man-


da descer pra ver Filhos de GandhylIans5, Iemanji, chama Xan-

A Trama dos Tambores ii


gô, Ox6ssi tambérnl niaiida descer pra ver Filhos de Gaiidliyl
mercador, cavaleiro de Bagdii oh filho de Obi1 maiida descei-
pra ver Filhos de Gaiidliyi Senhor do Bonfim faz um favor pra
miinl chaina o pessoall iiianda descev pi-a ver Fill~osdc Gandhyl
011 meu pai do céu na terra é cal-naval, cliama O pessoalliiiai~cla
descer pi-a ver Fillios de Gaiidhy."

N o final dos anos 70, o goveriio da Baliia passou a pari-ocinar a cil-


tidade. Herines Agostinho, es-presidenre do afoxé, coincnra este apoio:
"na0 existe o carnaval baiano sem o Gandhy, o governo sabe disso. O
Gaudhy traz inuito dinheiro para a Baliia, por isso O govçriio esta coin O
Gandhy; e se o Gaiidhy n5o estiver com o governo, esri perdido". Aiiti-
gos nicmhros do afoxé, que coiisideravain que o Filhos de Gaildliy esra-
va acima de qualqucr governo, abandonaram a entidade e deixaraiii es-
pa5o para viiiculos aiiida mais vigorosos corn os poderes publicos. Antô-
nio Carlos MagalhZes é O presidente de honra do afoxé.
N o carnaval de 80,O Gandhy desfilou com mil integrantes, cresceii-
do continuamente. E i i cheeou" a reuiiir dez mil homens lia avenida. Com
O mais fainoso fillio d e Gandliy, Gilbeito Gil, cm seus turbantes, cles deseiihain na multidao um iinenso tapete braiico Essa
apreseiitaç5o d o afoxi. rio Teatro Castro Alvcs. imagem, de incrivel foi Ga c bcleza, é pcrseguida, ano ap6s ano, por to-
das as câmeras.
Ein 99, O lendirio afoxé completou cinqüenta anos de fundaçao, e,
para comemorar a data, Gilberto Gil, entao vice-presidente da entidade,
proinoveu a visita de alguiis rnernbros do Filhos de Gandhy à fildia para
a realizaç5o de uin documentirio que pretendia tecei- as pontes simb6licas
entre baianos e indianos. Os quatro integrantes do afoxé que viajarain para
a teri-a dos liindus enrrarain ein contato coin mfisicos e 1-eligiosose realiza-
sam conjuntanleiite uiii desfile em Udaipur, uma das cidades onde O docu-
mentirio foi filmado.
De todos os antigos afoxés que a Bahia conl~eceuao lonço do século,
somente O Gandhy se iiiantém vivo e fiel a todos os eleiuentos situais,
reafirrnaiido contiiluamente a relaçao visceral entre O carnaval negro de
Salvador e O candoiiiblé, além de servir de inspira550 para os virios no-
vos afoxés.

A prcsenca das novas gcraç6es


garante a coniiniiidadc da tradiçjo
d o afoxC FiIlios de Gaiidiiy.
OS SAMBAS URXANOS

Além dos afoxés, uma outra manifestaçao musical ganhava espaço


no ceuirio baiano nas primeiras décadas d o século XX. Com muita per-
cussao e improviso, O samba começava a formar O gosto musical de iar-
Sas camadas da populaçao, que se divertiam tanto nos saloes como nas
passarelas d o carnaval.
O samba é, em termos ririnicos, descendente d o lundu, que, segun-
do José Ramos Tinborao, teria d a d o origem a o maxixe. É um gênero
musical muito variado que engloba manifestaç0es como samba de roda,
samba chula, samba duro, os diversos sambas cariocas, entre outras va-
riaices que se particularizam regionalmente em todo o pais, e fazem do
samba O ritmo mais popuiar d o Brasil. Segundo Antônio Godi, "no cer-
ne de uma pluralidade de marrizes percussivas de origem africana, O
samba se reafirmaria como uina matriz vitoriosa, impondo na ainbiên-
cia cosmopolita sua forma e seu conteudo estético e étnico". Os sam-
bas urbanos, em suas mfiltiplas variaçoes, cliegaram às i-uas da cidade
principalmente através d o carnaval e dos divertimentos populares ern
geral.
O samba de roda é um dos primeiros tipos de samba a ser descrito
Manifesraçio ripica do rcpertorio afro-biasiieiro,
O samba de roda pode ser visto ainda iioje ern sua forma individualmente. Seu conjunto insti:umental nao é fixo, mas de modo
rradicional, marcado na palma da mao. geral é compost0 de violas, pandeiros e intrumentos como prato e faca,
garrafas ou pedaços de madeira, ditos idiofones, além de ser acompanha-
do por batidas de palmas que orientam uma dança coletiva, cil-cular,
composta de homeus e m~ilheresou crianças, que a partii- de uma um-
bigada escolhem aquele que estari n o centro da roda a sambar. A dan-
ça tem O mesmo nome d o ritmo e implica um movimento de pés: qua-
dris e bi-aços numa coreografia que desenvolve varios passos e leva O
corpo a balançar vigorosamente. O samba de roda pode ser observado
tanto na recreaçao dos terreiros de candomblé quanto nas festas de rua
de Salvador.
O samba dni-O,tambéin chamado de baiano, é um dos estilos mais
controversas, talvez pela falta de estudos aprofundados. Seus grandes mes-

A Tinma dos Tamboreî 79


tves siio Eatatiiiba7, Riacli%o,Nelson Rufiiio e Edii Pacbeco, eiitre outros.
Para alguns entciididos, o sainba duro se difereiicia do candoii~blépela
foriiia como é tocado, pava outi-os, ele se constitui numa variacio ritmica
do samba de roda, executada em instruiiientos como surdos, paiideiros,
tamboriin, cavaquinho e violzo. Outros ainda considerain que o sainba
duro eiicoiltra sua melhor express20 nos divertiinentos profanos, que
espalhavam pelas ruas da cidade uma musica percussiva, através das ma-
iiifestaçôes dc grupos informais, mais tarde chainados de batucadas.
As batucadas, embaladas pelos sanibas, s%ouma forma lieterogêuea,
uma n~esclados diversos estilos que construiram uma estética musical
negra. Elas se organizaram como grupos cariiavalescos e seus insti:u-
inentos eram caixas de guerra (espécie de tambores de couro de jiboia),
cuïcas de inadeira, tamboriiis quadrados também de madeira, ganzis ou
reco-recos feitos de bambu, chocaiiios, pandeiros e agogôs. Esses con-
juntos instrumentais executavaili virios tipos de sainbas urbanos, infe-
lizmente sem registre.
Segundo Antônio Godi, o samba é o elemento temitico e ritmico das Urn dos inais iiilportantes nomes d o samba na Baliia, Baratinlia alcançou
batucadas, ta1 como o foi também nos batuq~ies:"Pode-se arriscadameiite 1 discreto rccoiiliecimeiito fora dc sua tcrra ap6s O iançamcnro dc scu disco
uiii
p6srumo Dil~!oii?ncin (19?S), produzido pelo compositor Paquito.
afirrnar que as batucadas foram batnques africailos que se domesticaram
socialinente ein funç2o das proibiçôes". As variacôes ritmicas das batu-
cadas se constituein num elemento fundamental do meio musical de Sal-
vador, e niio somente durante o carnaval. Sua presenca é cotidiana: uas
praias, nos ônibus, nas feiras, nas esquinas da cidade. Em muitas situa-
$ces, na ausência de rambores, a batucada se faz a partir de instrumeiitos
improvisados como frigideiras, baldes, latas ou qualquer material capaz
de prod~izirsom.
Os divertimentos musicais negros eram continuamente recriados, a
partir de elementos do repertorio afro-brasileiro, no qua1 referências es-
téticas variadas forain incorporadas. Alguns desses estilos foram ampla-
mente disseminados e assim, ein meados do século XX, Salvador viu sur-
girein suas primeiras escolas de samba. As escolas de samba do Rio de
Janeiro estavam vivendo um momento de gloria nesta época, a iManguei-
ra, O Salgueiro, a Portela, entre outras, eram uina das mais importantes
expressôes da cultura brasileira. Talvez ilem seja preciso inencioilar que,
a partir daï, o samba, uma musica de negros discriminada e perseguida,
O ariirnadissiino saiiibists
Riachao, autor d o "ciissico"
Oscar da Pcnha, apelidado Baratinha (1724-1??8), teve quatro discos lançados: "Cada M ac a c o no seii Galiio", sc
Smfibn da Bnhin (1973);Tonlhn da Salrdndc (1976); Bntntiizha: 50 nnos desnrnba (3 9941; prcpaia para o lançaniciiro de scu
e Dipionrncin (1993). reicciro disco.
se transformou n o ritmo nacional, nas malhas de "uma extensa rede de 16.
relaqoes entre grupos sociais e individuos diversos". Esse processo, j i co- OS BLOCOS DE I N D I 0
mentado pelo antropologo Ilermano Vianna, levou as escolas de samba
cariocas ao prestigio e fama crescentes. A nacionalizaçio do ritmo torna
mais visiveis os numerosos grupos de samba que sempre marcaram pre-
sença nos meios musicais locais.
Mas além d o sucesso das escolas de samba, que ja extrapolava as
fronteiras nacionais, um elemento muito importante também informava
a organizaqio carnavalesca. Trata-se dos intensos contatos culturais en- Desde o final dos anos 60 e durante roda a década de 70, uma parte
tre Iiahia e Rio. A velha polêmica sobre a origem do samba so faz evi- da popuiaçio negro-mestiça de Salvador passou a se organizar em blo-
denciar a proximidade entre as duas cidades, antigas capitais da Repu- cos de indio. Muitas pessoas antes de se filiar a esses blocos j i haviam
blica de densa populaçio negra. participado das escolas de samba da Bahia, inciusive Vovô, fundador do
Fascinados pelo impact0 que as escolas de samba cariocas provo- Iiê Aiyê, e Neguinho do Samba, dois dos maiores representantes atuais
cavam e apoiados nos intercâmbios culturais (que j5 haviam se manifes- da cultura musical afro-baiana.
tado através da organizaçio simultânea de congadas, cucnmbis, cordoes, Junro com a informaçio musical carioca, que deu origem à forma-
e préstitos no Rio e na Bahia), os jovens uegro-mestiços soteropolitanos çâo das baterias pelas organizaçôes carnavalescas baianas, os blocos de
organizaram-se em entidades semelhantes, tais como Dipiomatas de Ama- indio estavam se identificando com as informaçoes e imagens que chega-
ralina, Ritmos da Liberdade, Juventude do Garcia, Filhos do Toror6, entre vam pela midia (cinema e TV) dos grupos indigenas norte-americanos.
outras. Alérn dos mesmos instrumentos percussivos das baterias cariocas, Além dos nomes dos blocos, elas inspiravam também suas fantasias (com-
como surdos, repiniques, tamborins, açogôs, cuicas, ganzis e reco-recos, postas de tangas, cocas, arco e flecha e machadinbas) e seus gritos de
e um apito para o mestre, tamhém usavam fantasias para descrever enre- guerra.
dos, ternatizados em alas. Os desfiles dos blocos de indio como Apaclies do Toror6 (1966),
Os anos 50 e 60 testemunharam o apogeu e o declinio das escolas Comanches do Pelô (1975),Sioux (1977), entre outros, exibiam um gos-
de samba soteropolitanas, emhora elas jamais tenham alcançado O mes- to pela violência, muito temido pelos foliôes brancos, a ponto de as au-
mo êxito das cariocas. Segundo O sambista Ederaldo Gentil, "as escolas toridades locais imporem limites para o i~umerode participantes desses
nâo tinham quadras nem terrenos proprios como as do Rio de Janeiro. blocos (que chegava a aicançar cinco mil homens - a participaçjo de
Os dirigentes preferiam O romantismo". Menos que as razoes do desapa- mulheres era proibida) em cerca de mil pessoas, a fim de melhor contro-
recimento das escolas de samba baianas, O que importa ressaltar é a dis- lar, nos dias de festa, os embates étnicos e classistas entre os blocos.
seminaçâo do samba carioca, através do sucesso das escolas de samba, Roberto da Matta d i uma pista interessante para pensar a utiiiza-
que se tornou uma pauta de referência ritmica também utilizada por iim ç i o da imagem do indio por camadas negro-mestiças de Salvador. Segun-
outro tipo de organizaçio carnavalesca: os blocos de indio. do ele, O cariiaval é "um campo social cosmopolita e universal, polissê-
mico por excelência j...]; O mundo da metafora". O recurso a outro gru-
po étnico tainbém oprimido, porém temido, como eram os indios do Oeste
norte-ainericano, tinha O sentido de recolocar metaforicamente a opres-
vivida pelos pretos da Bahia, onde se pode ler também a sua disposi-
ç i o de luta contra os brancos, vistos como opressores. Segundo Antonio
Godi, a identidade negro-mestiça aparece nos blocos de indio de n~anei-
ra velada, travestida. Ou seja, O negro se disfar~ade iiidio para inanifes-
tas sua força no espaço do carnaval.

Goii Guerieiro A Trama dos Tamborer Si


Mas esse inodelo 1120 era exatainente uma novidade. No fiin do sé-
culo XIX e iia primeira metade do sécuio XX, os negros baianos j i ha-
viam se orgaiiizado em blocos de indio, inspirados nos aborigines do Brasi!
e nos iiidios do México. Pierre Vergei: chegou a fotografar a Einbaixada
Mexicaiia, 110 carnaval de Salvador, cm 1949. Este tipo de eiitidade co-
meç-ou a se organizar a partir das proibiçoes a que forain submetidos os
préstitos dos clubes com temiticas africanas.
Ta1 recucso, provavelinente uma estrarégia para driblar as proibiçoçs,
nâo teve sucesso, pois elas se esteilderaiii aos blocos que levavain para as
ruas "temiticas selv6ticasn, e dessa forma os enredos indigellas foram
temporariainente hailidos do carliaval de Salvador. Nos anos 60, livres
de q~iaiquerproibiçzo, os iiegi-o-iiiestiçosbaianos voltarain a se oi:gani-
zar em blocos de indio.
A forniaçao dos blocos de indio coilsolidou inais uin modelo de or-
ganizaçâo negra que repeiisou cleinentos j i preseiltes na escética afro-car-
navalesca e a eles somou iiiforinaçoes provenientes de outros contestos
culturais, iiacionais ou internacionais. No eiitanto, no final dos anos 70,
O rtadicional bloco de indio Apachcs doToror6 SC ahou a essas orgaiiizaç6es foram perdendo força e cbegaram a desaparecer corn-
~ a ~ l i ~~r o~whnpara
~ s ieconqiiisrar seu espaço na avcnida. pletamente no inicio dos anos 90.
O carnaval de 98 iiiarcou a volta do bloco Apaches do Toror6 à
avenida, depois de cinco aiios fora da festa. Esse retorno foi viabilizado
pelo apoio do caiitor, compositor e instruinentista CarlinIios Brown, e pelo
empenho dos seus integrailtes eiil mailter a eritidade que faz parte da liis-
t6ria do carnaval da Bahia. A participacâo de Brown passa por ai. Segundo
ele, "do Apaches vierain todos os blocos da Bahia. Porque afro-brasiiei-
ros e nâo afro-amerindiosi Nâo foi s6 O negro que sofreu nesre pais, os
indios tambéin", afirma o percussionista, muito freqüentemente chama-
do de cacique, que colocou iia rua, ao lado dos Apaclies, cerca de cem
tirnbaleiros.
Corn saias de sisal, colares e penas sintéticas coloridas em forina de
cocar, os percussionistas chamavani com seus timbaus o outrora temido
grito de guerra dos Apaches do Toror6, "Eh, eh, eh, indio quer apito, se
nâo der pau vai corner". Este grito de guerra, tomado de einpréstimo da
marchinha carnavalesca "indio Quer Apito" (19611, de Haroldo Barbo-
sa e Milton de Oliveira, j6 nâo assusta os folioes brancos, antes aterrori-
zados pelo embate étnico que os blocos de indio pi:otagonizavam nos car-
navais dos aiios 60170. Os segmentos "brancos" compuserain a irneiisa
platéia que disputou espaço na rua para ver o espeticulo.
Oc ~ , do
~ pc!ô ~ gerorada
~ ~ unla ~ ideiirificada
] , ~niais
O lnuiido indiçena d o que corn os biocos afro-
17.
OS ECOS DOS ESTADOS UNIDOS

A referência norte-americana é um dos elementos que vêm delinear


o movimento de negritude de Salvador, contexto ideologico no quai nas-
ce o samba-reggae. A questao da negritude é muito ampla e engloba vi-
rias facetas nos diversos contextos culturais em que se expressou. Aqui
interessa detalhai- apenas a vinculaçiïo do movimento com as manifesta-
ç6es musicais.
A conex20 negritude-musicalidade remete inicialmente aos Estados
Unidos. Nos anos 60, os negros americanos passaram a se organizar ein
niovimentos étnicos que vinham sinalizar a "revivescência da etnicidade",
na expressâo de J. G. Reitz. Nesse contexto, nasce um gêiiero musical co-
nhecido como sou1 music, uma musica dançante, feita poi- negros, que
tematizava e celebrava o universo negro.
Depois de mobilizar imensas camadas da juventude norte-americana,
a soul music chega ao Brasil, via Rio de Janeiro, quando entao se deli-
neia o movilnento Black-Rio, analisado por Iiermano Viana. Na zona
n o m do Rio de Janeiro, milhares de jovens negro-mestiços se reuniam em
grandes bailes de final de semana para dangar ao som da mfisica funk -
uma derivagiïo mais agressiva do soul. As patrulhas ideologicas qualifica-
ram o gosto da juventude autodenominada black de alienado e imposto
pelo imperialismo cultural norte-americano, que, neste caso, promovia a
identificagiïo do negro brasileiro corn o negro norte-americano. No entan-
to, O movimento black fez nascer entre os pretos do BI-asil um interesse
pela cultura afro-brasileira, contribuindo para sen processo de afirmacâo.
Na priineira metade dos anos 70, em apogeu no Rio de Janeiro, o
movimento black chega a Salvador, ganhando novos contornos e refor-
çando a intensidade dos contatos culturais entre Rio e Bahia. A maior
populagâo negro-mestiça do pais reinterpreta os pilares do movimento e
faz a passagem do black a o afro e do sou1 ao ijexi. As informag6es musi-
cais que chegavam a Salvador, a partir dos discos e das imagens de artis-
tas negros norte-americanos, infiuenciaram o comportamento dos neçros
baianos. Como observou Milton Moura: "No bojo das importaçoes che-
No iiiicio da carreira, Margarcth Menezes iernbrava
as cantoras dc sou! noire-ameiicanas.
gavam a musica soul de James Brown, o rock de Jimi Hendvix e a coreo-

A T r a m a dos Tarnbores 87
grafia do conjunto Jackson Five, corn uin Micliael Jacl<soii ainda ado-
lescente. Pouco a pouco foi-se formando um modelo negïo de imagem".
Essa estética iiorte-americana foi assimilada inicialmente pelos negros
baianos responsiveis pela criaçao do Ilê Aiyê, em 1974. Embora ritmica-
mente se manrivesse fiel à mescla entre sainba e ijexi, as letras das can-
çôes apoiitavam um cruzamento ideologico entre Bahia, EUA e Jamaica.
Como no trecho da cançâo "América Brasil", do Ilê Aiyê:

"Sou Ilê Aiyê da Améïica africanal senzala barro preto AlCm dos CUA, outra referêiicia internacional fundamentai para
Curuzui sou negro Zului Garvey Liberdade e Brooklin Curuzu configurar o inovimento de iiegritude na Bahia foi a repercuss5o da des-
Aiyêl Johiisoii com seu pulsol encaiitou a todo o m ~ ~ i i dJiiiii
ol colouizaçâo da Afi-ica portuguesa nos anos 70. A luta dos povos africa-
Hendrjx coin seu toque universali revereiido Luther I<ingl a li- nos em direcao à indepeiidência injeta uma grande dose de ufanismo den-
herdade e a palavra de f i [...ln. tro e fora da ~ f r i c alevando
, à revaiorizagao de suas raizes aiicestrais e
desencadeando o movimento panafricanista, que yrega a unidade dos
O que estava em jogo naquele iilomento era a articulaçao de um dis- povos negros e o retorno à Pitria Mae. Mas a força do intercâmbio en-
curso afirinativo. A luta par um melhor posicionainento dos negros iia tre Africa e Bahia é a estética afro, que traz implicita a iuteiiçao de se
sociedade iiorte-americana (que emergiu sob slogaizs como "black powei-", afastar de uin eurocentrisino tZo presente no imaginario brasiieiro.
"black is beautiful", entre outros) nao passou despercebida pelos mem- A "Mama Africa" sempr-erepresentou para os negros baianos uina
fonte de inspiraçâo e de informaçiio inuito proxima. E a formaçao dos
bros dos blocos afro.
blocos afi-oatualizou o velho iiitercârnbio. Segundo Vera Lacerda, do Ai-a
Os ecos da ilmérica do Norte ganliavam forma através das letras
das cançoes, recurso de veiculagao de uma ideologia e de uma identida- Icetu, "os blocos represeiiram, hoje [1988],na Bahia, a revolucao cultu-
ral que esperaiiios que extrapole nossas fronteiras e ganbe espago no ce-
de afro. E também através de uma estética adotada pelos pretos, nâo raro
nario nacional, pois o resgate e perseverailga da nossa cultura têm como
considerada de mau gosto ou brega. A teferência a esta estética deu ori-
ponto de referência para todos nos a volta às nossas raizes, à nossa que-
gein à giria "brau" (variagtio da palavra inglesa brown), terrno que re-
rida mae i\frican.
sumia um tratamento pejorativo dado aos baianos que assumiam a sua
N o final dos anos 80, havia cerca de quarenta blocos afro organiza-
negi-itude, exibindo cabelos crespos e roupas consideradas extravagan-
dos na cidade iiiscritos iia Federagâo de Clubes Carnavalescos (onde se
tes, inas que no final dos anos 90 deixaria de caracterizar O "mau gos-
cumprein os procedimentos legais das eiitidades). Segundo Ericivaldo
ton para noinear uma estética criativa, sintonizada com os moviinentos
Veiga, "no sentido de ressaltar o cariter afro das entidades, os fundado-
de negritude e que tem nas virias ni6sicas negras do Novo Mundo sua
res procuram rezisti:ar en1 atas o estilo afro-brasileiro para participar do
principal forina de comunicaç50.
carnaval baiano, ou que o bioco foi fundado baseado nos costumes afi-i-
canos, reconllecendo o vaior que tevc o negro na raca brasileira".
Os blocos afvo de grande porte realizam festivais de inusica que ino-
bilizam O meio afro-baiano. É o momento da escollia da cangao que vai
ser tema do carnaval. Isso envolve uni pi:ocesso de pesquisa. considevado
uina fonte de apreiidizado sobre povos e paises africanos. A diretoria dos
hlocos coordena o levantaiiieiito do materiai disponivel sobre o assiinto
cm pauta e se encari-ega de elaborar as apostilas que servein de guia para
os compositores-letristas dos blocos.
Quase todos os hlocos afro acreditam que a prod~içiiodessas apos-
tilas representa a possibilidade de veicular entre as comunidades negi-as
um conhecimento legitimo sobre a ~ f r i c aalém
, de cobrir as lacunas exis-
tentes nos livros diditicos que abordam a ~ f r i c ade maneira precon-
ceituosa, e nos meios de comunicagiio que se interessam em mostrar
apenas a face miserivel d o continente negro, como a seca, a fome e as
guerras.
N o entanto, os conteGdos veiculados nas apostilas nem sempre sâo
bem assimilados pelos compositores. Militas letras de cangoes mais pa-
recem descrigoes enciclopédicas que nâo atendem aos objetivos de divul-
gar as culturas negras. Corno na Ietra da cançzo "Negros Sudaneses",
do compositor Lizaro Roquinha, d o Malê Debalê:

"Negros sudaneses partidirios da religiao mulçumanal os


malês pretendiam abolir a escravidâol no dia 2 5 de janeiro de
1835 comegou a revolta dos malêsl atacando quartéisl vitorio-
samente avançararn pela Rua de Baixo, atual Carlos Gomes1
quando foram dissolvidos por forte contingente iuilitarl e mes-
mo assim niio pararain de lutarl oh negros sudaneses, oh negros
malês".

O s proprios idealizadores reconhecem que as apostilas nâo sâo exa-


tamente a melhor maneira de transmitir conhecimeiitos. Segundo hvany
Santana, do Ilê Aiyê, "o ideai seria que cada bloco promovesse seminirios
coin a orientagâo de historiadores, antropologos, sociblogos e outroç
profissionais ligados às artes. O compositor aprenderia melhor as infor-
magoes, pois discutiria e debateria cada tema abordado". Vera Lacerda
aponta outra solug?~o:"Nos procuramos exploras mais a mitologia, pois
evita-se assim que compositores copiem texrualinente as aposrilas. As len-
A presidcntc d o Ara I<etii, Vera Lacerda, que viu na cena senegalesa
um caminlio para renovar a musicaiidade afro-baiana. das dâo mais possibilidades aos autores de viajar em torrio da temitica,
criando letras mais livres e poéticas".
Às vezes, o modelo de apostilas surte efeitos poderosos. O Festival
de MGsica d o Olodum (FEMADUM) trouxe à tona, ern 87, a cançao
"Farab", eleita como tema do Cai-naval do Egito, que se transforrnou iium
simbolo d o moviinento afi-o-baiano. Segundo Joâo Jorge, "os temas des-
filados sao poiêmicos, mas se baseiain em forte pesquisa, que incliii uma
visâo histbrica, cultul-al' biopolitica, uina vis20 abrangente da questiio CIO
neçro". Mas, apesar de todo o einpenho nuin processo educativo e da pre-
senCa, quase sempre garantida, de personaiidades ligadas à causa negra

A T ~ a i n ados Tamhores 91
nos festivais de inhsica dos biocos afro, o que realrneiite inobilizil as iineil-
sas platéias sâo os ritinos e as danças.
Entre as esrratigias de afirmaçiïo de uina estética, aparecem tanibéin
os concursos para escollier a Raiilha dos biocos afro, que deve represen-
tar roda a beleza das mulheres ncgras. O evento mais importante é a Noire
da Beleza Negra, organizado anualmente peio 1lê Aiyê. O concurso elege
a Deusa do Ébaiio cntre daiiçarinas de 15 a 25 anos, mas os critérios de
escolha viio além da beleza plistica e da habilidade para a dança afro.
Segundo Arany Santana, uina das orgaiiizadoras do evento, "nossa rai-
nlia nZo deve exibir coxas e outras partes do corpo. Em cima do carro
ela teni que passar a inagia e a força da dança negra e deve ter consciên-
cia de negritude. Beleza so nâo basra". As vinte candidatas sa0 selecio-
nadas através de eiirrevistas que verificain os conheciinentos e O eiivoivi-
rnento da possivel Deusa do Ébaiio corn a causa iiegra. S6 depois de pas-
sar por esse crivo elas podei:ao inostrar a sua precisiïo na ai:te das coreo-
grafias de inspiraçao africana.
As diversas atividades dos blocos afro funcionam coino uina antena
que rastreia o continente negro. Gilberto Gil, em depoimento à Folha de
S. Paulo, em 1994, definiu bern essa espécie de culto que os povos do Novo
Mundo prestam à Afi:ica: "Aclio que o entrecrrizamento de inforinaçces
difusas e diversas é inevitivei, é urna coniplicaçiïo. Mas é tambéin O espi-
rito genuino da ancestralidade, das inatrizes culturais, da musica. É pre-
servar, manter, fazei- crescer, esse é O lado mae. É a miie Africa".

As candidaras a Deusa do Ébailo - rainha do Iiê liiyî. -


dcvcm csrar envolvidas corn as quest6cs da negritiide.
O W I N D O A JKMAICA

A outra referência formadoi-a da negritude baiana irem da Jamaica.


Trata-se do movimento rastafari, que tem na musica reggae e em Bob
Marley seus principais divulgadores. O Cantor rastafari, mesmo antes de
sua morte, transforinara-se num simbolo da luta anti-racista e icone d o
estilo rasta-reggae. O i-astafauianismo ganhou corpo nas cidades jamai-
canas, principalmente nos bairros proletarios de Kingston, enquanto mo-
vimento politico-religioso. Seus adeptos popularizaram os cabelos ern
forma de gomos e as roupas coloridas usadas pelos negros jamaicanos.
Ericivaldo Veiga afirma que "um componente especial associado ao ras-
tafarianismo é o ritmo musical conhecido como reggae. E o principal
difusor dos principios e da crença rasta".
O reggae se difundiu na Jamaica na década de 70, como evoluç2o
de ritmos caribenhos notadamente de base africana, e n2o demorou a se
expandir pelo mundo, modificando O gosto musical das novas tribos lon-
drinas e nova-iorq~iinas,fortemente influeiiciadas pelos imigrantes afro-
caribenlios, que tiveram sua musica divulgada através de astros da musi-
ca pop como Eric Clapton, Rolling Stones, entre outros.
O movimento rastafari encontra alguns adeptos na Bahia, mas a
principal absorçzo da cultura jamaicana se d i pela via da m k i c a reggae,
que passa a ocupar lugar de destaque no gosto musical de grupos negros.
A figrira e a mensagcm ao povo negro de Boh Marley iiisiiiram manifesta~oes Como apontou Milton Moura: "O reggae era conhecido através de al-
cstéticas c riruais, como acontece duraiire o dcsiilc <Io bloco Muzenza. guns discos [...] Sua difusao maior, contudo, se deu corn a vinda dos jamai-
canos Bob Marley, em 1980, e Jimmy Cliff, no ano seguinte". Bob Marley
desembarcou em março de 1980 no Rio de Janeiro como convidado da
gravadora alema AI-iola, que acabava de entrar no mercado fonogrifico
nacional. Marley, O primeiro nome d o reggae a penetrar no mainsheam,
"endeusado na Jamaica, amado na Inglaterra e cultuado na América",
afirmou, seguiido Carlos Albuquerque, ainda no sagu2o do aeroporto: "O
reggae tem a mesma raiz, o mesmo calor e o mesmo ritmo do samba. Nos
estamos pr6ximosn.
Além de superstar d o reggae, Bob Marley era O representante maxi-
mo do t:astafauianismo, o movimenro étnico-politico-religioso originirio

A Trama dos Tamhorcs 95


da Janiaica que orientou decisivainente a estética e o comportamento dos A banda Rumbaiaila, forinada em 1992 pelo saxofonista alemâo
afro-baiailos, que passarain a adotar os dreadlocks nos cabelos (cabelos ICiaus laelce e pelo music0 italiano Dini Zainbeli, amantes do lath jazz,
cm forma de goinos que nâo podem ses sortados, ou cabelos "rasta") como também foi responsavel pela divulgaqâo dos ritmos carjbenhos em çal-
um dos siiiibolos mais visiveis de adesào ao rastafariailismo. Quando Bob "ador. A orcluestra da Rumbaiana, formada por timbales, bongô, congas,
Marley morreu, en1 maio de 3.981, grupos negros de Salvador orgaiiiza- aléln de instruinentos de sopro e dos barmônjcos coma guitarra
ram o cvenro Tributo a Bob Marley, que se repete annalmente no niês de e baixo, executa desde o inicio da década de 80 ritinos caribenhos coiilo
sua morte. merensue, l-ulnba, mambo, boiero, genericainente deiiominados salsa.
Foi ein uin atciiê 110 baii:i:o da Liberdade que se organizou a Legiâo seguiid0 IClaus Jaeke, "nos aiios 80, a salsa j i nâo fazia parte do cotidia.
Rastafari, no inicio da década de 80, onde se reunia parte da juventude 110 baiano como fez até O golpe militar, j i nâo era popu~ar.A ~ ~ ~ l r > ~ j ~ .
rasta que revereiiciava a postura dos cantorcs de reggae jamaicai~os.Mais na nasceu da nossa paix20 peios ritinos de Cuba, Porto ~ i c co sio D ~ .
tai-de, como analisou Oli\'ia Gomes da Cuiiha, "a Legiào passa a ati-air mingoSn, cxpiica o saxofonista. Alguiis percussionistas como Car]iilhos
um publico mais val-iado, de militantes e artistas, interessados ein dis- Browi~,Rainiro Musotto, Toiii Mola, Bastola, entre outros, foram inte-
cutir O desenvoiviinento das idéias rastafari na cidade": a ideologia rasta- grantes da banda.
reggae estava se disseminando. Seç~iiidoo jazzista Ivan Huoi, "na Bahia encontrou-se um berqo pal-a
fdolos, signos, icones, posturas, passam a ser iiitercatnl>iivcis,através este tipo de percussioiiista que gosta de improvisas, de solar, porque, ao
de uma rede de relaçoes estabelecida eilti-eBahia e Jamaica, torilando mais mesmo tempo em que eie tiiilla uma antena em Cuba, ele tinha, ao seu
densos os contaros Brasil-Caribc. Eies culininam iio aqueciineiito do proces- sedor, exïiiiios solistas do candomblé". A improvisajâo é um trajo co-
so de traiisnacionalizaçio da negritudc, favorecida pela circulaçâo de in- inum tanto tia percussao cubana quanto na baiana, e isso se inanifesta ao
formaqoes. O antrop6logo Livio Sansone afirina que "ilesse processo de mesmo tetnpo na musica popular e no candomblé, em que existe uina
difusgo através da midia e das iiovas tecnologias, certos aspectos da cuitu- definijio bem clara quanto ao papei dos tambores rum, rumpi, lé (eiiquan-
ra iiegra tendem a perdes especificidade local para se tornarein;enuiilameiite to um sola os outros dois fazein a base). Mais uma vez, revela-se a coin-
internacionais". No entanto, esta difusâo se dava apeiias nos espajos mu- cidência entre universos ritmicos do Brasil e do Caribe.
sicais ilegros de Salvador, principalinente na Liberdade e no Pelourinlio. A salsa era populai- em todo Brasil antcs da RevoluçZo Cubana
E~~~contato entre Bahia e Jamaica atualizava o intercâmbio mis- (1959),inas foi aos poucos substituida pela inforinajâo tlo rock (princi-
tente entre Bahia e Caribe quc j i tinha se estabelecido através da proxi- palinente no SullSudeste) e do reggae (principalmente no Nordeste). No
midade cu\ïura\ enïxe Bahia e Cuba. Çaivador se abrira para a mks\ca final dos anos 70, os bairros negros, coino o Peiourinho e a Liberdade:
cubana desùc os anos 50160, que, sob o nome dc sa\sa, se tornou \x~iiiio estavam apii~liadosde barcs de reggae, onde Bob Marley, Jiinmy Cliff e
popu\aï G a s0 na Da\c;\a, mas cm ua<\as g a ~ t c Lass Rmk<~icas. Scy+nh~ eter Tosh eram celebrados e a bandeira da Fiee Afiica era orgulhosa-
\sabc\\eLcyma<\e, a s h é nxna c+e Lc ?pot-po~ïïimui\ca\ quc TC' ibida nas paredes, trazendo O gosto pelas cores verde, vern~elba,
ne sobïeumabasc <~t~xi\ca,snbïcxuho cnbana,&\~e\~sos i ~ m oantik
s la. A Jamaica (cuja bandeira é verde, amarela e preta) i: uin
O cxnto~e coïnyoi\ioï Geïb<\\mo se coni~dcïan m $\one\ro redutos do panafi-icanismo, quc prega o retorno à Etiopia
$50 de fitmos baiailos e caribenhos. "Nos anos 50, se onvia muit é vermellia, ainarela e verde), pitria sagrada dos rastafaris.
cubana,eu tive acesso no Peiourinho a discos de Célia Cruz, Tito fiee Afiica -naçâo africana livi-e -mistura as cores das
Paquito de Rivera e isso naturalmeiite apareceu no ineu trabalho . Nascein os grupos de reggae coma N a j i o Rastafari e Ami-
inuito inforinad0 pela candomblé." A percussâo caribenha se car e, os primeiros de uma longa série como Guerrillieiros de
za pelas solos improvisados e, cin Salvador, essas informacces cheu endê Cum Jali, Morrâo Fumegante etc. Em 1980, O jamai-
.ao sorncntc através de discos, iiias ranibéin através de infisic iff Iota O estidio da Fonte Xova con1 seu reggae dançante
geiros que buscaram introduzir informaçoes de salsa il0 repert .to Gil, onde a cançâo de Rob Marley "No Woman No
brasileiro, e foram acompanliados por inusicos percussionistas. iores bits do gêneto, foi acompanhada por cerca de 60
mil pessoas. Esse foi o primeiro sinal de que o reggae começava a se ex- Depois de chamar a atenç5o dos jovens negros e mestiços dos bair-
pandit para além dos espaços musicais negros. ros periféricos da cidade, o reggae corneFou a set veicuiado nos meios de
A receptividade do reggae impulsionou miisicos como Diadorina e coiniinicaçao de massa, em que radialistas como Baby Saiitiazo, Ray Com-
Lazzo - este abandonou o bloco afro Ilê Aiyê para integrai a banda de pacy e Lino de Almeida se interessarain em divulgar a mensagem politi-
Jimmy Ciiff em uma turnê de quase três anos pela Jamaica, Africa, Euro- zada das cançoes de reggae, cujas letras quase sempre apontam para um
pa e Estados Unidos. Outro nome de peso do reggae baiano é Edson Go- tipo de consciência negra. Diferentemente da salsa, a presença do reggae
mes. Ele explica que teve uma dificuldade inicial em se apropriar do reg- foi difundida coino miisica de protesto, e sua essência foi captada por inna
gae. "Para fazer reggae é preciso sacar a rirmica. A primeira vez que con- parcela dos negros baianos, apesar da barreira da Iingua inglesa. Mas,
segui foi na cancao 'Rastafari' em 84, com ela consegui o segundo iugar muito antes de ganhar uma difusâo significativa nas ridios de Salvador,
no extinto Festival Canta Bahia. A partir da;, converti todos os meus ba- através de programas como Rnizes e Rock, Reggae e Blues, n ritmo jamai-
iancos em reggae." Cano j i tinha sido apropi-iado pelas jovens negros que estavam se organi-
A identificaçao de certos grupos negros baianos com a inusica reggae zando ein blocos afro, os espaços onde o saniba-1-eggaenasceu.
pode ses pensada através da noçio de "atlântico negro". Segundo Paul
Gilroy, "as culturas negras da diaspora mostram-se abertas, inacabadas
e internamente diferenciadas. Elas sâo formadas a partir de mfiltiplas fontes
por movimentos que se entrecruzam no mundo atlântico [...] Elas sgo
coiitinuamente criadas e recriadas corn o tempo e a sua evoluq50 é mar-
cada pelos processos de deslocamento e de reposiçio dentro do mundo
atlântico, e pela disseminaçao através de redes mundiais de intercâmbio
de coinunicaçio e cultura". O reggae é uma dessas expressoes culturais
negras que se internacionalizaram, tornando-se disponivel no meio mu-
sical soteropolitaiio, que o transformou em uma das fontes ritmicas e
ideol6gicas para a constituiçâo de um estilo musical particular.
Aigumas letras de cançi5es de samba-reggae demonstram a identi-
ficaçâo dos negros baianos com o universo jamaicano, corno "Brilho e
Beieza", de Participaqio, d o Muzenza, e "Luz e Blues", de Paulo Jorge e
Jamoliva, do Olodum:

"O negro segura a cabeça com a mâo e chora sentindo a


falta do reil quando ele explodiu pelo mundo ele inosrrou seu
brilho de belezal Rob Marley p:a sempre estari no coraçâo de
roda raça negral quando Bob Marley morreu foi aquele chororô
na Vila Rosenvall Muzenza trazendo Jamaica, arrebentando
neste carnaval f...]".

"[ ...j Forte revolucionhriol Olodiim miscigenadol o teu


caiito me seduzl quero samba, quero reggae1 quero samba, que-
ro reggae1 quero jazz e quero blues [...)".

98 Goli Guerieiro A Trama dos Tamiiorrs


20.
OS BLOCOS AFRO MOSTRAM SUAS ARMAS

1 Além de serem organizaçoes


. culturais e recreativas. os mais imnoi--
tantes hlocos afro sao taiiibéni entidades do moviniento i1egi.o baiano
que, de certa forma, estabelecem um contrapoiito ao Movimento Negro
Unificado (MNU), enquanto cntidaclc estritamente politica. Na Baliia; o
MNU encontrou alguma dificuldade para se firinar pela falta de liabili-
dade eiii estabelecer un1 diilogo coin as entidades do niovimento negro
local, assentado em orgailizaç6es culturais como Ilê Aiyê, Malê Debalê,
Oloduni, Ara I<etu, Badauê, Afi-eltetê, Mundo Negro, entre outras.
O MNU c as entidades culturais (quase todas blocos afro) coiisti-
tuem tendências difereiiciadas na luta anti-racista. Segundo O ex-conse-
lheiro do Olodiim Zulu Araujo, o conflito entre as difei-entes estratégias
de combate ao racismo deve-se ao fato de o iVNU "ter-se firiliado con-
siderando que os blocos afro e todos aqueles que faziam c~ilturaerani
alienados, que era fazer festa, que era n5o Ievar a sério a luta contra a
discriminaçjo racial, e isso criou uni atrito muito forte coin praticamente
todo O movimento negro baiano". O depoimeiito de Vovô, presidente
fuiidador do IIê Aiyê, confirma esta aiiilise: "O pessoal do Movimeilto
Negro disse que a gente tava por fora, que a gente n2o sabia nada, era
unla porçao de negSo burro que s6 sabia fazer carnaval. Mas sera que
Ko microfonc, o peso pcsado d o reggae na Bahia Edsoii Gomes, ao lado
eles acliain mesino que a gente vai botar de Iado esse lance carnavales-
d o reggoenZan da Costa d o Marfim Alplia Blondy (à csqucrda) e JoZo Jorge,
num dos debates soiirc a causa ncgra na Casa do Olodum, sede d o bloco. C O ? A nossa mensagein maior é esta. É a festa, o espeticulo. Eles se i-eu-
nem e nao fazem nada, e nos, através do Ilê Aiyê e do carnaval, sem dis-
curso nenhum, j i conseguimos modificar muita coisa por aqui".
O MNU se organizou a partir do raclia, em 1979, do Moviniento
Unificado Coiiira Discriminaç5o Racial, uma articulaçao nacioiial for-
mada nos anos 70, que buscava reestruturar a Frente Negra Brasileira
(extinra nos aiios 40) e congregava as entidades politicas, sociais e cul-
turais existentes na sociedade brasileira que, de uma foi-ma ou de outra,
trabalhavam a questao da ilegritude. Coin o racha, O MNU passou a
constituir uina entidade fornialniente politica, e por isso mesino se contra-
p6e tanto ao candomblé - visto como un1 inoviinento conservador que
sempre esteve ligado ao poder, através da cooptaçâo de personalidades
daçêo, anunciou sua inrençao de se candidatar a prefeito da cidade. Gil
influentes da esfera da politica - como aos blocos afro que comegam a acreditava que "a negritude na Bahia, nossa cultura afro-brasileira, tudo
se organizar nos anos 7 0 e ganliam mais força nos anos 80,"justamente isso é um grande instrumenta de defesa da nacionalidade", coi~forme
quando começam a fazer coincidir sua muniçâo musical com uma Jura declarou à revista I'eja em 1988.
contra a discriminaçao étnica, no reaquecimento d o movimento negro
Para Gilberto Gii, havia uma "identificaçao natural" entre a sua
no Brasii. candidatura e a questao da militância negra, pois quando perguntado
A atuaçâo dos blocos afro indica uma nova proposta de reaçao a o sobre O assunto, sespondeu: "Pela minha situa550 racial, jii carrego siin-
inundo dos brancos e ao inito da democracia racial. A luta contra a dis- bolos". Joâo Jorge, d o Olodum, entusiasmado com O iïnpuiso que O mo-
criminaçao tinha como campo de batalha a express-ao estético-musical e vimento negro poderia ganhar, afirmava na época: "Se Gii chegar à pre-
buscava einancipar os negros da posicâo inferiorizada à quai estavam his- feitura nem sabemos que proporçao isso tudo pode assurnir". Mas esra
toricamente submetidos e que lhes conferia uma participaçao desiglial no foi uma expectativa que nâo se concretizou. A candidatura de Cilberto
campo da midia, da economia e da politica. O presidente do Olodum Joâo Gil a prefeito niio foi viabilizada; O artista acabou sendo o vereador mais
Jorge afirinava: "Nâo vamos para a rua exibir fantasias, mas sim para votado da Câmara iqunicipal de Salvador. Sua vocaçZo, entretanto, pa-
mostrar uina cultusa de resistência contra a Babilônia". O termo "Ba- rece ses mesmo a musica, Gil interrompeu a carreira politica depois do
bilônia", comum entre os adeptos d o estilo rasta-reggae, é utilizado para mandato. Um grande nome da militância negra na Bahia, Vovô do Ilê Aiyê
se referiv ao Ocidente, visto como lugar de opressâo e de desiglialdade também se candidatou, e, caso tivesse sido eleito, teria sido o primeiro
étnica e social. vereador rastafari d o Brasil.
Em 1989, a aboliçâo da escravidâo estava completando cem anos e A pvincipal arma das entidades afro ligadas ao movimento negro era
como os grupos negros estavam divididos sobre comemorar ou n5o O a sua produçâo musical, que agregava grandes parcelas da comunidade
evento no dia 13 de maio, foi estabelecido que 20 de novembro, data da negro-mestiça de Salvador. Aïravés de uma série de estratégias, a produ-
inorte d o iider Z u n ~ b dos
i Palmares, seria O Dia da Consciência Negra, çâo musical dos blocos afro extrapola os limites da expressao cultural e
q u e a partir de eiitâo passou a reunir milhares de negro-mestiços na Pïa- ganha proporf6es de movimento social. Nesse contexto, o samba-reggae
ça Castro Alves. O s blocos afro compareciam em peso com seus tambo- aparece como urn poderoso trunfo de militância, capaz de apontar os ru-
ires e assumiam o papel de porta-vozes da luta anti-racista. N o inicio dos mos de uma nova intervençâo politica.
anos 90, num desses eventos, contaram com a presença de Xelson Man- A vigorosa participa~âod o Olodum na militância negra implicou na
dela, recém-libertado da reclusâo de ordem politica orquestrada pelo re- sua vinculaçâo a entidades anti-racistas interiiacionais. A posiçao de porta-
gime racista da ~ f r i c ad o Sul. voz da luta contra O racismo, além de conierir grande respeito ao Olo-
Assim, a p r o d ~ ~ ç amusical
o tomou proporçoes de rnovimento social dum, viahiliza constantes viagens à Africa, onde seus principais membros
e comeqou a se relacionar estreitamente com a esfera da politica, na quai participam de congressos e seminirios. Em uma dessas visitas, a direto-
alguns importantes compositores e intelecruais, ligados à causa negra, ria do bloco conheceu as teorias que indicavam que O eiemento negro foi
assumirain cargos estratégicos. José Carlos Capinan, Waly Salomao e An- preponderante ein roda a historia d o Egito antigo, na leitura do seilegaiês
tônio Risério ocuparam cargos na Fundaçao Gregorio de Matos, orgâo Cheik Xanta Diop. O Olodum pesquisou O assunto e elaborou as aposti-
da Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Salvador. Além de las sobi-e a nova visâo da historia egipcia que foram distribuidas encre OS
Gilberto Gil, que, durante sua experiência como administrador na Fun- compositores do grupo e inspirou a coinposii.âo "Farab".
O presidente d o Oloduin analisou da seguinte for-ma o acontecimento:
"Nos ficamos embevecidos com o fato de o Carnaval d o Egito tes lança-
' Muitos outros blocos afro se or~anizaiama partir dos anos 80 e continuam em do 0 Olodum para a sociedade, para a midia televisiva, para a midia es-
atividade até hoje. S5o eics: Aiahê (1931); $hano (1982); Abi-Si-Ayiê (1985); Arca de
Olorurn (1985); Dan (1986); Mundo Negro (1987); Oganzuê (1985); Tô Aqui ~ f i i c a
crita e também para que as classes média e alta começassem a ver que
11989); Motrihaxé (1990); Oriobi (1991); Filbos de Jah (1992);Turancâmon (1993) etc. existia alguém dentro do movirnento negro que estava ~ e n s a n d oque
, ti-
nha processos, que tinlia historia, que sabia o que estava fazeiido, e acho
que aquele carnaval provocou uma grande polêinica".
Ao mesino tempo, a nova politica d a F u n d a g o Cultui:al Gregorio
de Matos intensificava os contatos entre Africa e Baliia, através da via-
bilizac20 de viagens dc inernbros dos blocos afro para o contiiientc nc-
gro. O militante negro e entâo consciheiro d o Olodum Zulu Araujo, di-
retor d o departamcnto de intercâiiibios, explica: "Nesse periodo, nos es-
treitamos o iiitercâmbio cultural coin os paises africanos e enviamos para
12 entidades como Ilê AivC, . . Olodum c Ara ICetu. entao nos mudamos a
cara de quem se mandava para fora da Baliia".
Ein Lima dessas viagens aos grandes centros urbaiios africanos, a
c6pula do Ara ICetu conheccu a moderna inusica afi-icana e viu os instru-
mentos percussivos dialogando coin instrumentos haimônicos e corn a
tecnologia elet1:ôilica dos equipainentos de som. En1 88, o prograina de
iiitercârnbio da F u n d a ~ j oCultural enviou para O Seiiegal a presiciente do
bloco, Vei-a Lacerda. O ex-diretor d o departamento de intercâmhios Zuiu
Araujo corneilta o episodio: "Vera, quarido foi, conheceu o trabalho do
music0 africano Youssou N'Dour, que comarida uma banda de 30 per-
cussionistas, mas tcin o inais moderiio equipamento tecnologico. Ai, ela
viu que era possivel fazer essa junç.?on.
Com a nova informaçiio musical, o Ara ICetu combinou as sonori-
dades dos tamboreç coiil as sonoridadcs harmônicas da guitarra, d o bai-
r o , dos teclados e dos sopros, c concebeu em Salvador a intisica eletrôili-
co-percussiva. Con1 a reniodelagem musical, que aponta para uma esté-
tica inestiça, feita primeii-amente pelo Ara Icetu, o samba-reggae passa-
ria gradativamcnte a ser uina das mais importantes expressôes da "musi-
ca étnica" produzida pelas novas culturas negras de paises periféuicos.
O intercâmbio coin os paises africailos foi fundamental nao somen-
te para ainplial: a informaçâo musical dos grupos negros, lilas tambéin para
O minisrio da Cultura Francisco Weffoit, ao lado d o presidente do Oiodum o delineamento das diversas Africas que alimentam os conte6dos siinbo-
JoioJorgc, ouve as questocs icvanradas Oclos blocos afro da Bahia. Iicos dos blocos afro da Bahia. Mas, embora cada hloco afro teiiha ela-
borado para si clementos culturais especificos, que enfatizam a pluralidade
da Africa no imaginario da populafâo negra de Salvador, essa variedade
niio altera a unidade construida em tovno da estética afro.
O sucesso que essa estética alcaiiçou, atravis d o graiide destaque que
a midia nacional dava a o movimento inusical afro-baiano, ti-ouxe para a
Bahia milhares de turistas. As relaçôes dos grupos negros com a Secreta-
ria de Turismo d o Estado forain enfarizadas e a atua$âo dos blocos afro
serviu para aumentar a lista dos produtos culturais de apelo tuuistico que
a Bahia vende dentro e fora do Brasil. Na opiniao de Joâo Jorge, "o Olo-
dum tein sido O embaixador turistico da Bahia. Nossa expectativa é que
sejamos um importante polo de atraçzo internacional para div~ilga~ao da
Bahia". As relaçôes dos blocos af1-Ocom este e com outros nGcleos da es-
fera politica rearranjam O movimento s6cio-cultural da cidade.
Um dos aspectos de grande importância que ressalta dessa movimen-
taçao politico-musical é O processo de dignificaçao do tainbor no meio
musical de Salvador. Os tambores adquirem nesse contexto um status
insuspeitado, através da expansao de seu uso e da valouiza@io do ins-
trumentista, pois de "batuqueiro" ele passa a "percussionista"~e esta nào
é apenas uma questâo semântica. Na0 I l i dkvida de que a ascensao dos
blocos afro e da banda Olodum, particularmente, que faz de cada tam-
bor uma bandeira de negritude, pelo uso das cores panafricanistas, foi
fundamental para acender, nao somente um gosto, mas também um or-
gulho no manuseio do instrumento.
H i uma cançao, "Menino do Pelô", de Saul Barbosa e Gerônimo,
gravada por Daniela Mercury, acompanhada de percussionistas mirins,
que diz: "Todo menino do Pelô sabe tocar tambor". Taivez ela seja ca-
paz de expressar a importância que os tambores adquiriram no decorrer
do processo de ascensao da mksica percussiva. Visto quase sempre como
instrument0 de pretoslpobres, os tambores passam a ser encarados como
um meio de fazer "boa musican, adquirindo um novo significado. Isso se
deve também à atividade das bandas de samba-reggae que enobreceram
e difundiram os tambores em micro-meios branco-mestiços, onde antes
era praticamente impossivel a sua penetraçao, devido à carga pejorativa
que carregavam.
Durante os anos 90, passou a ser comum em bairros de classe média
con10 Pituba, Rio Vermelho, Bonfim e muitos outros, ver jovens envol-
A afinidade corn a percussiio aparcce no coridiano
vidos em ensaios de bandas de samba-reggae. A musicalidade percussiva
das cornunidades carentes de Salvador.
dos grupos afro estava se constituindo numa atividade lfidica para jo-
vens brancos de classe média, que, em sua grande maioria, eram apre-
ciadores da musicalidade harmônica dos hlocos de trio eiétrico. O per-
cussionista Jorge Sacramento nota O interesse de adolescentes ricos pelo
estudo da percussao: "Nos Gltimos anos tenho sido muito chamado para
dar aulas em bairros onde mora a elite baiana, com direito a exibiçoes
em tradicionais festas familiares". E afirma: " O percussionista, que até
poucos anos era o pior cachê das bandas, começa realmente a ganhar di-
nheiro, mas para isso muitos precisam se render aos modismos como O
axé e o pagode".

1 A Trama dos Tamborcs 107


A atividade inusical em Salvador envolve cerca de duzentas bandas
de diversos estilos, orgaiiizadas nas mais variadas ireas da cidade. Segundo
inatéria da revista Veja, de 1998: "A Superintendêiicia de Estudos Socio-
Econômicos do Estado estima que 10% da populaçao economicamente
ativa da cidade tire seu sustento da industria do entretenimeiito - que
eiigloba blocos carnavalescos, trios elétricos que fazem festa pelo Brasii c
os grupos de percussao da cidade, que realizam turiiês rcgulares 110 pais
e no exterior". A formaçao dessas numerosas bandas percussivas foi fa-
cilitada também pelo invcstimeiiro dos blocos afro na foi-ma@o de no-
VOS percussionistas.
Esse tipo de investin~eiitoimplica a possibilidade de profissionaliza-
çao e inobilidade social para as camadas negro-iilestiças da populaçZo
envolvidas nos projetos ein curso. Con10 mostrain alguiis autores - co-
1110 Ari Liina e Petra Schaeber -, a atividade inusical virou sobrevivêii-
cia para uma inieiisa parcela de jovens iiegros que seinpre tiveram seus
canais cie mobilidade social bloqueados pela exclusao do mei-cado de ti-a-
balho. Além das ceiiteiias de instrunientistas das bandas principais dos
biocos afro, h i ainda Lima banda juveiiil e uma banda iiiirii~iem cada um
dos blocos de graiide porte. Seguiido Givaldo Pereira, percussionista do
Ilê Aiyê, "as bandas sZo resultado de uina seiegao de percussionistas que
estavam ai pelos bairros e nZo eram reconhecidos". O percussioiiista ga-
nha staius, se qualifica conio artista e profissional c rem como legado uma
variedade de ritmos nacioiiais e estrangeiros de que a histol-ia inusical
baiana disp6e.
Mas a proposta clos grupos afro-cariiavalescos tie investir lia forma-
de percussionistas entra em choque com a posi@o do MNU. O pi-O-
fessor Fernando Coiicei$io, uin dos Iideres do MNU na Baliia, afirma que
"essas escolas de percussao criam a idéia falsa de que O supra-sumo para
N o Candcal, o composiroi Alain Tavaics (corn o violjo) roca corn os a comunidade afro-desccndeiite é tocar tambor. [...] Ein vez de criar tais
pcrcussionistas Boghan (com 6culos) c Leo Bit Bit (de bcrmuda estielada), escolas, deveriarn usar a verba que vein do exterior para investir na qua-
que, junramenre corn Gustavo dc Dalva, forman1 a banda Umbilical.
lificagio profissional das pessoas de baixa renda". Mais unla vez a fac-
çao estritamente politica discorda do segment0 do movimento iiegro que
atua na irea cultural.
O MNU continua descoiisiderando a atividade musical dos gvupos
negros como arma s6cio-politica, esqueccndo talvez que a formaçZo de
jovens percussionistas retira garotos e joveiis de uma possivel margiiia-
lidade. A fala do percussionista da Timbalada Boglian Costa ofcrece cssa
pista: "A n~usicapode consertai: o mundo e acabar coin a violência, por-
que ela distrai, ela entra, você escjuece a foine e a violência. A mi>sica é
como uma mZe, um pai, um deus". Participar de uma banda percussiva
passou a representar para esses jovens a chance de entras no mercado de
trabalho e de fazer viagens nacionais e internacionais.
O percussionista e mestre de bateria da Escola do Ilê Aiyê Marivaldo
Paim da Conceiçao, 23 anos, que j i viajou os Estados Unidos, França e
Alemanha declarou à Veja ern 1998: "Acho que a possibilidade de fazer
viagens é um dos estimulos das crianças que aprendem percussao comi-
go". Além disso, os cachés por apresentaçao, que giram em torno de R$
100 a R$ 200, em caso de espeticulos no Brasil, representam uma renda As escolas investem na formaçao elou aperfeiçoamento do percussio-
que pode garantir a sobrevivência. nista. A aprendizagem deixa de se dar apenas através de relaçoes infor-
mais, ou seja, pela interaçao com parentes, amigos do iiiairro, colesas, ou
pela participaçZo em situaçoes em que a musica esta presente. A aprendi-
zagem, proinovida principalmente pelos blocos afro, passa a se dar tam-
bém ati-avés do ensino formal, no qua1 os alunos dispoem de um estabc-
lecimento, corn horii-ios preestabelecidos e, principalmente, um mestre
disposto a repassar seu conhecimento de maneira intensiva e permanente.
A primeira escola de percussâo de Salvador se estabeleceu no Pelou-
rinho em 3 977. A Oficina de InvestigaçZo Musical, fundada pelo musi-
co, pesquisador e fabricante de instrumentos Bira Reis, foi dusante os anos
80 a finica escola de percussao popular da cidade. Nos anos 90, os blo-
cos afro começaram a montar escolas do gênero. No Pelourinho, a Esco-
la Criativa do Olodum, inaugurada em 93, ensina nao somente a arte de
percutir como também oferece o ensino formal de primeiro grau aos meni-
nos da comunidade. Segundo Neguinho do Samba, ex-oi:ganizador da
banda mirim do Olodum, "todos os dias tinha umas 100 crianças fazeil-
do fila na porta da Casa do Oloduin, em busca de uma oportunidade".
Para o professor Bira Reis, que além dos cursos em sua propria Ofi-
cina também ministrava aulas na Escola Criativa, essas foram as primei-
ras investidas no sentido de formar percussionistas profissionais. "No
inicio, no Olodum nâo havia nenhuma noçao do que seria uma aula de
percussao, as pessoas queriam chegar 1 i e ir tocando. Entao eu levei apos-
tilas que falavam sobre os instruinentos e a partir dai determinou-se uma
linguagem." O milsicolartes~oesta ocupado em delinear uma pedagogia
musical que inclui sensibilizaçZo (que consiste em sentir o ritmo do coi-
po, distinguir ruidos e silêncios), percepçao (diferenciaçoes entre notas
musicais), leitura ritmica e pritica musicai.
O projeto de Bira Reis nao é ficil de ser realizado. Séculos de tradi-
$50 oral no apendizado da percussao dificultam a tarefa de introjetar um
gosto pela teoria musical ocidental nos jovens percussionistas. "No Co-
meço do curso eu apresentei um livro simples, um ABC musical que da

Goli Guerreiro 111


A Trama dos Tambores
estamos fazendo no Candeal é uma revolliçao com elegância". Orçada em
US$2 milhoes, a Pracatum conta com o apoio do BNDES, Unicef e Fun-
daçao Vitae.
Durante dois anos a escola foi comandada por uma equipe respon-
sivel pela elaboraçao de uma pedagogia adequada ao contexto do Candeal
e atendeu experimentalmente a sessenta alunos. Mas a desarticulaçâo dessa
equipe, sob alegaçao de falta de verbas, impediu O pleno funcionamento
da Escola, que ficou seis meses sem atividade, voltando a abrir as portas Parte III
para setenta alunos. No e s p a ~ oda Pracatum funciona tamhém O estfidio
de grava~aode Carlinhos Brown -a Ilha do Sapo. O RITMO E O
Além das varias escolas de percuss20, ligadas aos grupos afro e ao
governo do estado, muiras escolas de mfisica particulares, que se ocupa- MERCADO
vam exclusivamente de insti-umentos harmônicos, incluem agora O ensi-
no de instrumentos percussivos, e as oficinas de perciissZo, que reunern
a~rendizeseventuais, se multiplicam pela cidade. Ern todas elas se repro-
du2 uin processo de aprendizagem que se d i por in~itaçao.Escutar, olhar,
imitar O gesto que pi:oduz o som, este é O método que dissemina a lingua-
gem percussiva (ver Apêndice).

'cConrrariamenre à rcoria dos nercados


pcrfciros l...], ha muitos caminhos possiveis -
muiras mescias de vaioies diferentcs, rnriiras
misturas do meicado c do social."
Robert Kuttner

Goii Guerreira
/ 22
A CAPTURA DA PERCUSSAO

Antes de penetrar no inercado fonogr2fico e ganhar visibilidade i i i i -


diatica, os blocos afro estavani acosturnados a tocar o ano iiiteiro nos
ensaios sein gaiibar cachê e era coiiiuin a pritica de permutas. O Olodum
so receberia seu puiineiro cachê ein 1987, oito anos apos sua fundago,
durante um eveiito em Barreiras. Seguildo O ex-conselbeiro do Olodum;
Zulu Araujo, "normalmente O que se fazia corn essas entidades era per-
muta par instruinentos. Os caras iam tocar por prazer, os pi-odutorcs da-
\,am liospedageni, alimentaçâo, crachi, botavam uma graniiilia na miio
do prcsidente e tava feito". De fato, a iiso-remuiiera@io de percussionistas,
os acertos verbais para a realizaqào de eventos e a ausência de tegisrros
sonoros eram caracteristicas do mundo da percussâo ail-o-baiana.
A partir de 87, os blocos afro coineçarn a investir nunia nova estra-
tégia: a penetraçiio nos estiidios de gravaçiio, que foi viabilizada n i o s6
pela sua popularidade para além dos espaços musicais ne,OSOS,inas tam-
bém pelo desen~~olvimento de uma tecnologia capaz de registrar o som
dos tanibores.
Essa teciiologia foi desenvoivida pela Wli, a unica gïavadora de Sal-
vador, cujos estudios produziram cei:ca de 90% de todo o iiiaterial fono-
grafico que, naquela época, saiu da Bahia para o mercado nacional. Além
de ter sido peça-cliave na configuraçiio de um mercado fonogrifico lo-
cal, ela é responsivel pelo aperfeiçoamento da técnica que permite gra-
var, ein estudio, a percussZo coino elemento sonoro central. Por isso, a
Wli ocupa um luçar de destaque na historia da rnusica afro-baiana.
A captura da percussjo se deve a uni alto investiinento do dono dos
priineiros estudios de gravas50 de Salvador, Wesley Rangel. "N6s come-
çamos a investir num estiidio mais profissional. Tudo era muito dificil,
poïque os equipamentos de boa qualidade tinham de ses importados e
havia uma taxaçao iiiuito alta. E a gente teve que ir iuvestindo aos pou-
cos, até chegar a o estudio de 24 canais. Ai alcançamos unia estrutura corn
Wesley Rangel, o mago dos estudios WR, o primçiro 5 estudios, criaiido um iiovo espaço de mercado para todos, um iiierca-
a captura[ a sonoridade do samba-rcggac-
do geral." O projeto de sofisticaçao tecnol6gica de Wesley Rangel rrou-
xe a possibilidade de i:egistrar o soin dos tanibores ao vivo e a produqiio
musical baiana passou a exibir roda a potência dos seus instrumentos
gravar seus primeiros LPs, Egito, Madascasgm e h a Ketu, respectivamen-
percussivos, com O recurso da amplificaçâo, através de microfoues liga-
te, ambos !ançados e distribuidos nacionalmente pela entio gravadora
dos a uma mesa de som.
Continental (hoje Warner). Aqui corneGa a historia da nova rniisica afro-
A presenqa da percussâo em estudios de gravaçâo existe no cenirio
baiana no mercado fonogrifico.
brasileiro desde os anos 20, quando O compositor Almirante gravou, no
Nesse momento, todos os blocos afro trabalhavam apenas com ins-
Rio de Janeiro, O samba "Na Pavuna". No entanto, desde entâo, O lugar
trumentas de perc~rssâotais como: surdos, tarois, repiques e timbales. A
da percussâo sempre foi de "cozinha", ou seja, elemento de fundo, ao qual
WR dispôe de estudios de g r a v a ~ a ocom salas conj~igadasque permitem
sempre foi sobreposto O elemento melodico, presente nas vozes dos can-
O registro simuitâneo de uma grande variedade e quantidade de instru-
tores e nos instrumentos harmônicos, que amplificados podem ser ressal-
mentos, como os de uma banda samba-reggae. De modo çeral, os surdos
tados em relaçio à potência dos instrumentos percussivos.
maiores (chamados fundos) e os surdos menores (as marcaçôes de uma e
Na Bahia, a mudança de intençio, que coloca os tambores em posi-
de duas) siio arranjados na sala maior, na qual também se posicioiia O mes-
$20 central na sonoridade registrada, começa a emergir nos anos 80. A
tre da banda com seu timbales. Essa sala grande conjuga-se corn duas
primeira experiência foi a gravaçZo do disco de estréia do Ilê Aiyê, Canto
menores, uma que abriga os repiques, e outra, os tarois ou caixas. Dessa
Negro, em 1984. Depois de dez anos utilizando somente a ritmica acusti-
forma, todos os perc~issionistasestao voltados para O rnestre, enquanto
CO-percussivapara fazer m6sica na comunidade negra, O bloco afro pio-
na sala principal, onde se encontram a mesa de som, O técnico de grava-
neiro passa a circular no universo eletrônico de um estiidio de gsavaçâo.
$50 e O produtoi- do disco, sâo registradas as vozes dos cantores. A qua-
Seus tambores foram captados numa irea externa do estudio. Era uma
lidade técnica no registro sonoro dos tarnbores foi a porta de entrada do
tentativa de registrar O som dos instrumentos num espaço mais proximo samba-reggae no mercado fonogrifico local e nacional.
daquele onde a forma musical foi concebida: as ruas da cidade e as qua- Antes de a produçâo musical dos blocos afro penetrar na indiistria
dras de ensaio dos blocos afro. foiiogi-ifica, O mercado baiano estava doininado pela musica ca1:navales-
Apesar desse cuidado de buscar captar a potência dos tambores em ca produzida pelas bandas de blocos de trio elétrico, que podem ser vis-
espaço aberto e da produçâo sensivel de Gilberto Gil e Liminha, O disco tas como contraponto à produçâo musical dos çrupos negros. E einboi-a
do IIê Aiyê foi um fracasso de vendas; hoje s6 é encontrado em mâos de houvesse uma inevitivel troca de inforinaçoes, O meio musical de Saiva-
estudiosos ou colecionadores. É dificil explicar as razôes do insucesso dor, até 87, estava segmentado em espaços musicais negros e brancos, e
comercial do disco. Antônio Godi afirma que os consumidores baianos enquanto os grupos brancos estavam no show biz, gravando discos, fa-
de musica eletrônicalmediatizada "nZo haviam tomado gosto por um es- zendo shows, compoiido a programaçâo das ridios, os grupos negros es-
tilo de musica marcado pela crueza percussiva do samba e por um dis- tavam midiaticamente invisiveis, na periferia do mundo da miisica. Uina
curso étnico, afirmador de uma auto-estima negra". Mas O fracasso co- caracteriza~âodos espaços musicais "brancos" pode esclarecsr essa seg-
mercial do disco do Ilê Aiyê também pode estar ligado à imperfeiçâo téc- mentaçâo que, mais tarde, a partir de uma coligaçâo de interesses, vai se
nica no registro dos tambores. diluir, dando origem à mestiçagem musical conhecida como axé-music.
Esse fracasso nZo interrompeu a busca da captura da musica per-
cussiva, pois Wesley Rangel estava empenhado no registro do samba-
reggae. Ele mesmo explica O motivo: "Eu senti que havia urna nova for-
ma de fazer miisica de carnaval, com potencial de mercado". A pesquisa
continuou e a técnica de gravaçao foi aperfeiçoada, através da montagem
de um espaço que permite O registro dos tambores em salas fechadas, que
garantiram uina melhor qualidade sonora. Assim, em 1987, três anos de-
pois da experiência com O Ilê Aiyê, os tambores passaram a ser captura-
dos em estudios internos e O Olodum e O Ara IZetu entraram na WR para

118 Goli Guerreiro A Trama dos Tambores


i OS TliIOS ELÉTRICOS E SEUS BLOCOS

Ao mesmo teinpo em que a organizaciio dos blocos afro ganhava


densidade ilos seus bairros de origein, as camadas branco-mesticas de
classe média e alta se orgailizavaiii ein blocos cari~avalescoscllamados
"blocos de trio elétrico".
O trio elétrico surgiu nos anos 50 com a criacâo da Fobica ( o trio
matriz) pelos carnavalescos Dodô e Osmar e Temistocles Aragâo. O iii-
veiito foi motivado pela visita do clube carnavalesco Vassourinlias, do
Recife, quc naqueie ano aniinou as ruas de Salvador executando frevos.
Impactados com a euforia causada pelo clube os entâo anôiiiinos Dodô e
Osmar resolveram eletrificar o ritmo e inventarail1 o frevo baiano (ou fi-cvo
novo), tocado por uin instruinciito construido por eles, chamado "pau
elétrico" (um tipo de guitarra, inais tarde chainada de guitarra baiana).
A rnusica ei-a executada ein cima de uin carro com alto-faiantes que des-
filava ao lado dos clubes, cordoes, blocos e bandas. O primeiro clesfile
da Fobica foi uina experiência inusitada, como contou Osmar ao D i k i o
Popuim, en1 1981:

"Foi tudo no inesmo ano, o Vassourinhas saiu na quarta-


feira e no doiniiigo a gente j i estava na rua. Ai o povo coinecou
a pular, a gente tocaiido e devagarinho subindo a ladeira. For-
mou-se um verdadeiro rolo cornpressor humano de gente enlou-
A vcilia Fobica cm cxposifao no Muscu da Mfisica, quecida, subiildo em direcâo à Rua Chile. Nessa altura j i tinha
na L a p a d o AbaetL. cm Salvador. uns 200 metros de geiite pulaildo na frente e ao lado e uns 200
metros pulando atras. Nessa época as baianas também ficavaru
em plena Rua Chile, com seus fogareiros funlegantes, fritaildo
os acarajts. Eu e Dodô ni50 sabiainos niais por onde despejar
tanta alegria. E daqui a pouco vem de I i o farnoso Fantoches
do Euterpe, corn seus arautos, tocando aquelas cornetas, anun-
ciaiido a passagem do grupo. Mais uin pouco estou veiido os
cavaleiros se e~npinarem,caindo corn corneta e tudo. Foi uma
confusâo, fiquei corn medo e disse para o motorista, o velho
Olegirio - 'Vamos parar senio a genre sai daqui preso'. E ele
disse-'Nio posso, a Fobica j i quebrou desde I i de baixo, quem
esti einpurrando é o povo"'.

O sucesso do trio elétrico foi crescente, e a engenhoca musical foi aos


poucos se sofisticando. Em 1969, Caetano Veloso compôs a cançao "Atris
do Trio Elétrico" e popularizou o "frevo baiano" em todo O pais. A par-
tir da década de 70, O estilo vai se fortalecer com a formacao do grupo
Novos Baianos, composto por Pepeu Gomes, Baby Consuelo (Baby do
Brasil), .Morses Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvao. N o
primeiro disco do grupo, Nouos Baianos: Ferro na Boneca, Caetano es-
creveu O seguinte rexto no encarte, pouco antes de deixar O pais rumo ao
exilio em Londres:

"Vocês [ne pedem que eu os apresente. Mas eu estou indo


embora e s6 aceito deixar um bilhete para vocês mesmos. Estive
este rempo aqui e vi que vocês estâo respondendo à nova Bahia
corn o mesmo humor rerrivel corn que ela questiona. Enqnanto
nos cantarmos 'ferro na boneca, ferro na boneca', mesmo que
n5o dê ein nada, eu quero seus Iibios abertos niima sugesta ge-
ral. Eles estâo ai, os novos baianos canrando com amor, humor
e rumor. N o balanço do samba, do tango, do mambo, do mun-
do. N o céu azul, azul fumaça, uma nova raça saindo dos pré-
dios para as prafas, uma nova raça".

Os Novos Baianos se vincularam ao universo musical trieletrizado e


estavam fortemente influenciados pela bossa nova e pelo tropicalismo,
faziam a fusao de virios gêneros musicais, misturando, por exemplo, sam- Osrnai, um dos inventores do trio elétrico, ao lado dos Novos Baianos
Moracs Moreira c Pepcu Gomes, ciiltuadores do "frçvo baiano".
ba e rock. Além disso, rocavam o ijexi dos afoxés e O frevo. Com a par-
ticipaçao ativa do grupo nos carnavais de Salvador, a musica trieletriza-
da, além de ampliar sua diversidade ritmica, passou a ter letras, pela vo-
caçâo poética de alguns de seus integrantes. Moraes .Moreil-a compôs can-
ç6es hoje consideradas clhssicos do repertorio carnavalesco, como "Pombo
Cocreio", "Vassourinha Elétrica", "Chame Gente". Essas cançoes colo-
caram o carnaval baiano no imaginirio nacional:

"Iinagina s6, que loucura, esta mistural alegria é um esta-


do que chamamos Bahia1 de todos os Santos, encantos e axé1
sagrado e profano, o baiano é carnaval1 no corredor da historia1
Vitoria, Lapinha, Caminho de Areial pelas vias, pelas veiasl es-
carre o sangue, O vinliol pelo mangue, Pelourinhol a pé ou de
carninhao nâo pode faltar a fél O carnaval vai passarl na Sé ou
no Campo Grande 1 somos os Filhos de Gandhy de Dodô e Os-
mari por isso chame cliaine gente1 e a gente se completa enchen-
do de alegrial a P r a p e O poeta".

Para Fi-cd Goes, o que estava acontecendo era uiiia identificagao de


outros estados con1 aquele som elétrico das ruas de Salvador, e "O verâo
da Bahia se torna quase uma obrigacao, é urn nzust", diz O autor. J i de
volta do exilio em 1972, Caetano Veloso e Gilberto Gil briiicain o carna-
val em Salvador 11a Praca Castro Alves e chamam a atengao do pais para
a Bahia. Pouco antes, O jornalista Luis Carlos Maciel informava na revis-
ta Veja: "NZo h i mesino iiada a fazer. O verâo esti inaravilhoso, O car-
naval baiaiio vai ser fantistico, com todas as pessoas en1 Salvador". Queni
n j o quereria ver?
Rogério Meiiezes j i anotou ein seu livro Ui7z povo n iqzais de nzil as
frenéticas orgias que tomavam conta do centro de Salvador durante a
çrandc festa de fevereiro. Ein sua linguagem impressionista, ele descreve
a Praca Castro Alves d~isanteos carnavais dos anos 70:

"O cheiro ambiente era uma sincrética mistura de azeite de


dendê, éter, inijo, maconha e desodorante vencido. Embriaga-
dos pelo alto som que vinlia de todas as direçoes e por unia po-
tente mistura de alucinogenos e alcoolizantes, a multidao mer-
guihava no mais satânico frenesi. [...] Nas proximidades da es-
cadaria do Palicio de Desportos, onde as biclias edificavam seu
templo havia anos, a ecuinêiiica mistura de travestis, bofes, via-
dose as inais variadas e excêntricas espécies da fauna sexual que
domina a Bahia em dias de carnaval fazia do local uina ines-
salinica torre de bahel".

A musica que embalava O ambiente einanava dos trios que propicia-


vam aos folioes um "carnaval-participagZon e os caminhoes musicais se
transforinavam na principal express50 da cultura musical soteropoiitana.
O trio de Dodô e Osmar, depois de enfrentar dificuldades durante a dé-
cada de 60 (tendo inclusive deixado de participar de muitos carnavais),
passa a ser patrocinado pelo Estado, nos anos 70, através do recém-im- Apaixonado por guirarras e cavaquinlios, Armaridinlio Macedo,
plantado orgao oficial de turisiiio - Bahiatursa. filho de Osmar, trouxc para o trio o visuai e a iinguagcm do rock
O trio foi mais tarde renomeado como Armandinho, Dodô e Osmar, -40 contrario dos blocos afro, os blocos de trio sâo entidades de en-
pois O envolviinento d o filho de Osmar, Armandinho Macedo, foi deter- tretenimento sein ilenhuma natureza politica ou conotaçâo étnica. O fun-
rninante para a incorporaçâo das guitarras na mfisica carnavalesca. "Sou dador e guitarrista do blocolhanda Cheiro de Amor Vicente Augusto re-
roqueiro na verdade, fui um seguidor ardoroso de Jimi Hendrix e dos Bea- força essa idéia: "Nossa miisica é uma coisa dansante, aiegre, as pessoas
tles. Por isso gosto de guitarras como Steve Vai, Malmsteen e Van Halen niio conseguem ficar paradas por causa d o suingue". Essa miisica mistu-
e trago isso para a minha musica, para o trio", diz o mfisico autodidata, ra ritmos como frevo, galope, rnerengue, e celebra a festa e a alegria baia-
que começou tocando chorinho na tradiçao de Jacob d o Bandolim. nas. Salvador, sempre cirada nas letras das canqoes, era a fonte maxima
O trio Armandinho, Dodô e Osrnar é independente, quer dizer, nao de inspiraçao, a "capital d o prazer".
constitui bloco carnavalesco e desfila para o deleite de todo e qualquer A tecnologia que envolve a construçao e a manutençiio d o trio elé-
foliao. Durante os anos 70, os trios passaram a ser os palcos ambulantes trico é bastante sofisticada, bem como a infra-estrutura oferecida pelos
dos blocos carnavalescos como Corujas, Internacionais, Traz os Montes, blocos de grande porte, que compreende desde uma banda de renome, mu-
Jacu, os primeiros a se organizar. nida de tecnologia eietrônica, até serviço de bar, banheiros e atendimen-
N o final dos anos 80, eies ganharam uma nova configuraçâo, quan- to médico no local, além de uma equipe de segurança que varia de 700 a
do cerca de quarenta blocos com trios particulares se estruturaram como 1.400 homens. Tudo isso implica grandes custos, repassados para os com-
empresas e privatizaram O espaço da rua, através de cordas que isolavam ponentes dos blocos. Conseqüentemence, a participaçiio nesses espaços
os blocos de trio dos folioes pipoca, aqueles que brincain na rua, sem claramente demarcados s6 abriga pessoas de altoimédio poder aquisitivo.
filiaçao a nenhum hloco. Segundo Moraes Moreira, "com a chegada dos Esses jovens sao, de modo geral, estudantes de escolas parriculares e de
blocos, o boom dos blocos de trio, O pessoal que cuidava do carnaval fi- cursinhos pré-vestibular, onde a maioria dessas organizaçoes se originou.
cou acomodado e deixou de dar valor aos trios independentes [...] A maior Atualinente, os grêmios das escolas particulares s5o dominados pelos blo-
festa popular d o mundo ficou sem o trio para O povo. Uma distorç-ao so- cos de carnaval e n5o por partidos politicos. Eles servem para cooptar
cial inuito grande". novos folioes e para angariar votos para os politicos que eventualinente
O s blocos fechados passaram a ses o espaço preferido dos turistas parrocinam os trios, transformando alguns professores de segundo grau
que vinliain brincar o carnaval. Na opiniao de um dos inventores d o ca- em donos de blocos carnavalescos. Assim, durante o carnaval, os blocos
minhâo musical, Osmar, "O trio elétrico por ser conhecido em todo pais de trio, siguificativamente denominados "blocos de barao", se constituem
é O veiculo ideal para promover o turismo baiano". É certo que roda a em "espaços brancos".
moviinentaçao em torno d o trio elétrico favoreceu a atraçao de turistas Esses blocos têm sido sistematicamente acusados de praticas racistas.
para a velha cidade - apesar de a Bahiatutsa nâo dispos de estatisticas A tez clara da maioria dos integrantes de blocos de trio acaba funcioiiando
referentes a esse fluxo nos anos 60 e 70 - e O apoio de patrocinadores como um dos critérios de seleçâo de associados. N o momento da com-
privados e publicos, muitas vezes ligados à esfera politica, foi fundamen- pra do cal-nê (para quem vai pagar à prestaçao) ou d o abadi, O candida-
ta1 para a consolidaçao dos blocos carnavalescos. (Vale lembrar ainda que to a associado tem que apresentar foto e cornprovante de residência. Dessa
pouco depois da morte de Dodô, em 79, Osmar, j i nomeado Cavaleiro forma, O bloco tem condiçao de mapear tanto a aparência d o foliao, como
da Ordem d o Mérito da Bahia, receberia o prêmio da Gazeta da Bahia O poder aquisitivo, indicado pelo bairro de moradia. De fato, a presença
Turismo.) de pessoas negras em determinados blocos é muito raira. As cordas de se-
As bandas de trio como Carnalego, Papa Léguas, Beijo, Cheiro de gurança, sustentadas pelos "cordeiros", $50 o espaço cornumente reser-
Amor, entre muitas outras, puxam blocos carnavalescos cuja indumen- vado aos negvos nos blocos de trio mais sofisticados da cidade.
tiria, chamada abadi, se compôe, de modo geral, de camisetas e bermu- Embora a pi-atica discriminat6ria ji esteja em curso h i inuitos anos,
das que levam O nome d o bloco, e nas maos seus integrantes agitam a "ma- sonlente em fevereiro de 1999 o assunto foi veiculado liacionalmente.
mae-sacode", uma pequena vara com fios coloridos em uma das pontas, através de maréria de Mauricio IZubrusly no programa Fantistico, da Red?
objeto simbolo do carnaval de rua da Bahia. Globo. Em inarço d o mesino ano foi instalada a CPI d o racismo para

127
126 Goli Giierrciro A Trama rios Tarnbores
iiivestigar o processo de seleciio de associados dos blocos carnavalescos
Eva, Nu Outro Eva, A Barca, Pinel e Beijo, deiiui~ciadosfoi-i~~alinei~te à
Justica por discriminaçjo.
il CPl realizou varias sess6es de depoiinentos de acusadores e acusa-
dos para elaboracâo de relat6rio pela comisGo dc inquéuito da Cimal-a
Muriicipal de vereadores. Segundo o vereador d o I'V, Juca Ferreira, que
pi-op65 a iiivestiga~ao,"a CPI constatou que 115 uma pratica sisternitica
nos blocos que se puetelidem de elite, de excluir folioes iiegi-os, moratio-
res de bairïos populares, est~idaiitesde colégios p~iblicos,gente que iiio
se enquadra num cei-to padrâo de beleza". Confira treci~od o depoiineii-
t o de acusa$io de Vaiiusemar Aildi-ade, uma das três garotas envolvidas
rio caso do bloco A Bai-ca:

"[ . . . Eie [Fuede, ~1111dos diretores do bloco/, quando viu


miillia ficha, perguntou a Adriana: 'Vocî. é louca? Est'a quereii-
d o sujar O bloco?' Adriana fez: 'Nao estou entendendo'. Ai eie
fez assim: 'Adt-jaiia, o bloco i\ Barca é 11111dos niais rigidos, 1120
aceira preto'. Quaildo ele viu a ficha de Roberta, que C ioira,
disse: 'Caiihâo, tanibém il20 aceita'. Ai Adriana fez assiiil: 'Eu
niio acredito 110 que eu estou ouviiido'. Ele deu risada e disse:
'Você ainda passa, mas elas duas nâo passam"'.

Segundo o rabloide Sudo sobre n CPl d o ~cicismo;veiculado peio


vereador Juca Ferreira, a C1'1 indicou "cinco blocos de trio que rejeita-
rain foliees negros eiiti-e seus iiitegrantes". N o eiitanto, o relat6rio apro-
uado pela Câmara isentou de culpa os blocoç iiieiicionados. O tabl6idc,
qucacompaiibou a CPI ern 25 de jiinho de 99>afirinou que, ciui-ante a
sessao de apreseiita~ioe leitura d o relatorio: "Cern representantes de
entidades negras, carriavalescas e de Direitos I-lurnailos testeinunhain o
golpe conti-a a CPI: o relat6rio é airevado de &ltiina liora, pela vereadorl
ïelator Ricardo Martiiis, doiio d o [blocoJ Eva". O relat6rio apresentado
foi aprovado em reuiiiao secreta, sen1 a participa~âode boa parte da ban-
cada, que se recusoti a participar d o processo que inoceiltaria os iilocos.
Seguiido a tieputada estaduai d o PT Moema Gramaciio, "a reciisa
da maioria governista ein ir fundo no sesuitado da CPI acabou coiitribuin-
do para a impuiiidade". O s intelectuais Paulo Miguez e Aiitônio Risério,
s u e elaboïarain a mirneira versiio do i-elatorio da CPI d o racismo, afir-
O trio cliejrode A ~puxado
~ pela~ vocalisra
, Caria Visi, maiIl: "Tenios, siin, disci-iiniila~âoi-acial no carnavai baiano. O es.
dos mais recnicamcntc sofisticados, anima um bloc0 que pecialnlente grave, j i que O que se discriiiiina, nesse caso, é uina yopijia-
a classc médialalta "branca" de Salvador-
A axé-music é o enconti-o da inusica dos blocos de trio corn a miisi-
ca dos blocos afro (frevo baiano + samba-i-eggae). É un1 cstilo incsri~o,
cuja Iinguagein mistura sonoridades Iiannônicas e percussivas. Tai iiics-
cla foi coiicebida iilicialmeiite pelas bandas de trio, atraidas pela viçibili-
dade e inovaiao iilusicai do samba-reggae.
A linguagem da axé-77zusic d resultado dos recursos do equipaiuci-
to eletrôiiico clos estudios de gravaç2o. Esse tipo de equipamento perinite
incosporar a base ritiiiica do samba-reggae, seja através dc percussioiiistas
em estiidio o ~ do i sal?zple?.(um coinputador que armazena e reproduz
S ~ I I Spos processo digitai, poï ineio de tamboi:es eletrônicos denoiuii?a-
dos pads), à quai se adicioiia a instrumeiitacâo liarmônica do teciado,
baixo e guitarra, tocados em estiidio. Além do cncontro das sonorida-
des percussivas e harmônicas, os blocos de trio gravavain as caiic6eç dos
blocos afro, carregadas de conteudos anti-racistas, produziiido unia es-
pécie de samba-reggae popieletrônico.
O samba-reçgac "Farao" foi gravado pcla cantora Masgareth Me-
nezes e foi ouvido coin rclativa fi-eqï~êncianas radios iocais duranie ove-
r2o de 87. N o mesmo ano, a Eamdainel tainbém gravaria a cançâo. O disco
vendeu 800 mil copias e se tornou um inarco do movimento musical dc
Salvador, pois inaugurou a incorporaçâo da musica dos blocos afi-o ao
repertorio dos trios elétricos. i i o toci-la corn seus sampiers e insti-umen-
tos eletrônicos, as bandas de trio incrementaram a fusâo da nova musica
afro com a iutisica pop cariiavalesca baiana, dando maior visibilidade ao
elemento ~:itrnico-percussivodos negros. O ritmo p r o d ~ ~ z i dlias
o perifci-ias
A ali,,ça coi,, os pcrcussionistas ,nais fcras da cidadc, colno Cariinilos Browll de Salvador, a partir dcssa fus50 Iiarmônico-percussiva, alcançou os con-
~ ~ do samba,
~ fez dc ~Danicla Mcicury
i ~a rainlia da
~ a x ~ - ~h ~ : ~ s i c~ -
suinidores de classe niédia e alta, que ignoravam a mtisica dos blocos
afro e prefei-iain correr airlis dos trios elétricos - os meslnos folioes que
alites se divcrtiain e i i ~carnavais de salao, organizados pelos clubes da
cidade.
Com a difusâo da musicalidade afro-baiana, a expressgo "pulai- o
carnaval", muito popular até ineados dos anos 80, caiu em desuso ji que
o modo de se coinportar na rua atris dos trios elétricos sofreu graildes
traiisformaç6es do ponto de vista coi-eogrifico. As danças dos blocos afro
se misturam ao uiiiverso "branco" acentuando a mestiçagem musical,
inaugurada pelo estilo axé. O s desfiles cai-navalescos e os shows promo-
vidos pelas bandas de trio erain tainbém espaças de exercicio desse noVo
aprendizado. As dancas afro-baianas foram incorporadas pela juventude
de classe média e alta (quase toda branca-inestica) de Salvador, que em
menor medida passou a freqüentar também os ensaios dos blocos afro,
principalmente os d o Olodum, O bloco mais festejado da cena baiana.
il axé-music inaugura um novo estilo n o meio musical de Salvador.
O fundador e guitarrista d o bloco Cheiro de Amor comenta O processo:
"Os estilos foram mudando porque antigamente era mais instrumentai,
depois a gente começou a usar essa coisa de raiz, de cultura africana, fa-
zenda a fus50 d o frevo, salsa, com O samba-reggae. A partir dai muitas
bandas começaram a gravar. Aquela coisa pevcussiva com os instrumen-
tos de harmonia ficou muito legal, deu certn, e é isso quc esta ai até hoje".
Esse modelo mestiço, que se consolida como estilo musical, é responsi-
vel pela ampliaç50 d o mercado em escala iiacional.
N o final dos anos 80, os discos das bandas de axé-music cliegarain
facilmente à marca de 400 mil copias e conseguiram farta execuçzo nas
FMs brasileiras, arravés de um poderoso marketing bancado por grava-
doras que controlam a programagzo radiofônica. A Banda Reflexu's, por
exemplo, representante d o estilo axé, fez turnê em dezoito estados brasi-
leiros com uma cantora negi-a à frente, entoando as canç6es de samba-
reggae dos blocos afro, e alcançou uma vendagem de 700 mil copias de
seu priineiro LP. O s s l ~ o w dessas
s bandas baianas levam imensas platéias
às casas de espetaculo de todo O Brasil. Ao mesrno tempo que as bandas
brancas ascendem cornercialmente no mercado brasileiro, os biocos afro
e O samba-reggae, mesmo Sem alcancar cifras elevadas em termos merca-
dol6gicos, passam a ser divulgados nacionalmente, principalmente atra-
vés do traballio d o Olodum e d o Ara I<etu, as primeiras bandas afro a se
inserirem no mercado fonogrifico brasileiro. Assiin, a produç50 musical
baiana, aparentemente reçionaiizada, se expande no mercado nacional.
A axé-nzzisic se transiorma na grande novidade d o show biz. A im-
prensa do eixo Rio-Sâo Paulo desembarca em Salvador para investigar o
iiovo movimento niusical baiano. A midia televisiva passava a produzir e
veicular imageiis dos blocos afro de Salvador. Assim, a axé-nzzisicse trans-
formava num fenôineno de midia e sinalizava sua ascensiio nacional.
O sucesso cornercial da axé-?nusiccausou grande polzmica e o esti-
Io foi iiiumeras vezes acusado de ser uma arte menor, banal, vulgar etc.

134 Goli G~iei-iciro


Doi-ival Caymmi declarou a O Estado de S. Paulo em 1994: " O que se representantes, s6 que desta vez eu conscgui abrir uina bi-echa maior corn
faz na Bahia 11ào é bein inusica brasileira. É apenas urn refrào de apelo meu trabalho". Tom Jobiiii, apaueiiteinente rendido aos encanto5 da es-
facil, a poesia substituida poi- sons ficeis de i-epetir. Eu nào siiito esta in&- treia, coiri quein reg]-avou "Aguas de Março", diria ao mesino ,orna/,
sica e me i-ecuso a pronunciar o noine ein inglês que a designa". Quando
quand0 aboi-daclo sobre a quesr20 da axé-;wzlsic: "Toda musiCa hoan.
questionado sobi-e o assunto, em 1992, Carlos Lyra disse a O Globo: "Nào Mas, de todos os defeiisores da axé-nqusic, iierihum é iiiais persistentc
tcnho iiada contra nem a favor da axé-nzusic. Uma ou outra até pode scr que Caetaiio Vcloso. Visceralii~eiitcliçado, conio eie inesmo diz, ao ineio
divertida, inas eiii termos dc importâiicia cultural nao tein ilenhuma". musical de Salvador, o coinpositor niio s6 valoriza a produçiio local como
A massiva veiculacao d o estilo chegou a ser denorninada "invas50 pi-ovoca os seus derratores. Seguiido declarou, em i~iatériada Folha iie S.
baiana". Em Pernambuco, o vei-eador Feriiando Godini claborou uin pro- Paulo, ein 1998: "O maiiguebeat é fillio d o desejo dos pei-nambucaiios
jeto de lei que prescrevia a iiitei-cii~àoda execuçâo de axé-inusic en1 Oliil- i-ecifensesde 1-eproduzii-einO Olodum, e ai cles partiram para usar a s-iimica
da durante O carnaval dc 93. O projeto, que obrigava as bandas locais a peunanibucana. j...] É comj~letameiitediferente da axé-inusic, emhora o
montarem seus repertorios coni no mininio 60% de frevos, foi aprovado manguebeat seja filho d o inovimeiito de musicas d o cal-naval da Bahia,
por uiianimidade. O que estava cm joço cra a çarantia de i-eses-vade mer- iiidubitavelmeiite". Antcs disso, Caetano j5 havia afirinado ao jornal pau-
cado para o frevo. O idealizador d o projeto declarou aoJorrza1 do Brasil lista: "É uin acontecimciito de t à o grandes dimeiis6es que esse probleina
cin 1992: "N6s precisivamos de armas para nos defender da invasâo [...] de grupinlios sofisticados, que achain a axé-;?rusic brega, é i-idiculo".
O projeto foi uma reivindicaçào d o povo, dos vizinhos, dos artistas, de Caetano, que vê a axé-nzusic como "uina das coisas inais iiiteressaiites
todos". O musico periiambucano Getulio Cavalcanti até coinpôs Liin fre- que ji acoiitecerain no Brasil", considei-a seus representantes coino legi-
vo para a ocasiào: "Sai pra L i , Baiaiion, que diz assim: "Sai pra J i , baia- timos herdeiros do tropicalisiiio, taiito que iio disco Tropicalin 30 oi7os
no1 com teu Oloduml e a dança da galinhal de jeito nenhum". (19971, ein horncriagci~lao inoviiiiento, todos os musicos conviclados para
Embora a lei contasse coin O apoio da Associaqào dc Carnavalescos regravar os "clissicos tropicalistas" transitam na cena da axé-nzusic. Ainda
de Olinda, infisicos pei-nambucanos famosos se posicionaram contra o seçundo Cactano: " I l i algo que é baiano, que liga os baianos tropica 1.istas
decreto. Capiba, que dedicou quase roda a sua vida à composicào de fre- aos da axé". A midia especializada pi:otesta. Pai-a o ci-itico Pedro illexandi-c
vos, declarou, em 1993, a O Globo: "Isto é uma medida odiosa, um ver- Sailches, da mesma Folbn: "É rnelanc6lico. O legado tropica 1.ista se reduz
dadeiro muro de Beriiin". Capiba nâo é nenhum amante da niusica pro- a muito pouco se se aci-editar de fato nesta passagem de cetro iiei-editaria
duzida na Baliia. Dois anos depois d o decreto, chegou a afirii~arà Folhn [...] Visido como vein, o tributo cbega conio travo dc autodeci-eta~iiodc
de S. Paulo: "A Baliia niio rein musica, tcm batucada. O Rio tein samba, falêiicia". Bem ou inal aceita, a axé-;nusic se coiisolidou na cena musical
I'eriiainbuco tein frevo. A Bahia n5o rem nada". bi:asileira e, duraiite toda a década de 90, foi usil dos estilos ruais reiitS-
Ivluitos personagens d o ineio inusical de Salvador se eiivolveram iia veis para a industi-ia foilogrifica brasileira, conquisrando espaqos antes
polêmica e alguns chegaram a estranliar a posttira pernambiicaiia, como fechados coino a MTV d o Brasil; que ein 99 incluiu videoclipes dc axé-
o niusico Osmar, que disse na fpoca: "Nossas inusicas n5o s2o tiio estra- nzusic e pagode na sua programa~ào.
nhas assim, às vezes até se confundeiii, eu e Dodô inveiitamos o trio elé- A exps-essao axé-nzusic aparece pela priineira vez na imprei~sabaiana
trico depois de ver uina apresentaçào d o Vasso~irinhas".Desse poilto de em 1987, na coluiia do joriialista Hagameiion Brito, ~ i s i ci.itico
i que cuiihou
vista, fica ficil entender o esrrondoso sucesso que essa mJsica alcangou, O termo para d e s i ~ n a ro iiovo estilo. Ele conta coino foi: "Os i-oqueiros

con1 ou sem censura, no rico meio inusical de Pernambuco. baianos chasnavam este tipo de musica de axé e se referiam aos niCsicos
I>ara certos setores da inteligsncia nacional, a axé-music seria LI^ coino 'axezeii-os', era uma coisa pejorativa mesino. Eu resolvi chainas- de
niodismo que desapareceria i-apidaiiiente d o niapa musical d o Brasil, sem axé-;.iîusic e a iiiipreiisa roda comeqou a usar". O termo axé é uma pala-
deixar vestigios. Ainda em 93, a pi-iiicipal sepseseiltante d o estilo, ~ a n i e l a vra ioruba, oriuiida d o candoiiiblé, que significa forga, energia, poder. Para
Mcrcury, rebatia, sem snodéstia, essc tipo de critica afirmaiido a O Globo: a midia nacioiial, a express50 axé-v?z~siccahia taiito para O saiiiba-reçgae
"A axé-nzusic i ~ 5 vai
0 sel- um iiiodismo. i\ mJsica da Bahia j i teve outros quanto para a iiiusica feita pelas bandas de trio.
A cantora Daniela Mercury, conhecida como a "rainha da axé-mu- dor, e no periodo carna\raiesco alcançou alguma i-epercussao 110 Brasil.
sic", é personagem-chave d o processo de mestiçagem do ineio musical de Esse ritmo foi uin dos embrioes da axé-music. As trajetorias artisticas
Salvador. Depois de cantar alguns anos em trios elétricos, em 1992 ela desses dois personagens pioneiros ajudam a compreender a mesticagem
lança O disco O Canto d a Cidade e alcança pi-ojeçâo nacional com um musical.
repertorio basicamente montado a partir das composiç6es dos hlocos afro
mais famosos de Salvador. Sem dispensar a percussao de tambor que as
caracteriza, imprime às cançoes de samba-reggae um aparato pop.
Afirmando ser "a neguinha mais branquinha da Bahia", a cantora

-
se notabilizou por urna importante diferenca. Ao contrario das outras
bandas que utilizavain o sanzpler para reproduzii- o samba-re,g ae,a can-
tora trabalhou diretamente com percussionistas n o estüdio da WR, e re-
gistrou as sonoridades de sui-dos, i-epiques, tarois e timbaus, fazendo-os
dialopar con1 a s sonoridades da guitarra, d o baixo e do teclado. Segundo
Neguiniio d o Samba, o grande mestre d o samba-reggae, o arranjo de urn
dos maiores sucessos de Danieia Mercury, a cançâo "O Canto da Cida-
de" ( o mesmo nonie d o disco), foi elahosado por ele.
Aléin de tei- gravado varias composiç6es dos blocos airo-baianos e
outras que os enalteciain e divulgavam, a performance de Daniela como
bailarina se inspirava nas danças elaboradas por esses grupos. O clipe da
cançâo "O Mais Belo dos Belos", do Ilê Aiyê, foi gravado na Ladeira do
Curuzu, territbrio do bloco. Segundo Cai-los Albuquerq~ie,"a maior prova
de forga (e apelo pop) d o samba-reggae vil-ia [...] com O C m t o d~7Cidade,
O disco milianirio de Daniela Mercury". A cantora vendeu urn milhao
de copias d o album, marca jamais registrada até entâo por urn artista
atuanre no meio musical baiano, e sua agenda de shows ia d o Oiapoque
ao Chui. A partir d o trabalho de Daniela Mercury, o rnundo da percussâo
passa a interagir diretamente com a produçâo musical das bandas liga-
das a o universo dos trios.
Mas essa mestiçagem ja estava sendo gestada desde meados dos anos
80, através d o trabalho de dois importantes personagens do meio musi-
cal de Salvador: a cantora Sarajane e O müsico Luiz Caidas. Esses artistas
foram os primeiros a utilizar, e m cima de trios elétricos, elementos da
inusicalidade negra, j i cristalizada nos espaços periféricos da cidade, mes-
clando-os corn a musica trieletrizada que, h i duas décadas, aiimentava o
mercado fonogrifico, dominava a atençio da midia e atraia milhares de
folioes durante o carnaval.
Esses artistas, em 3985, divulgaram nacionaimente um ritmo baiano
entâo denominado "deboche" elou "fricote". Com o auxilio das grava-
doras e dos programadores, O estilo chegou i s ondas de radio em Salva-

A Trama dos Tamhoics


25.
SAlIAJANE cYc LUIZ CALDAS:
OS PAIS DA AXÉ-MI!SIC

Sarajaiie aiiida era adolescente quando despertou para a i:iqueza mu-


sical dos bail-ros iiegi-os da cidade. Cerra vez, passeando pelo Peloui-irillo,
acornpailhada d o amigo e compositor Paulinho Cainafen, ouviu o "de-
boche" dos pretos do lugar a respeito de uma garora que passava. Das
jaiielas dos velbos sobrados, dois rapazes instigavam ~1111ao outro:
"- Pega ela ai. - Pra quê? - Pra passai- batom". Dai nascia a ins-
p i r a @ ~para a musica "Fricote", mais conliecida coino "Nega do Cabe-
Io Duro", que, antes de virar succsso nacional na voz de Luiz Caidas, em
vers20 um pouco modificada, foi gravada por Sarajane, e logo se mails-
foriiiou em ritmo e dança nzade in Bahia.

"Nega do cabclo dur01 que nZo gosta de penreari quando


passa na Baisa do Tubol o negào começa a gritarl I'ega ela ai
[...Il, pra quê? pra passar batondde que cor? de cor azull na boca
e na porta do ciul [...] de que cor? De violctal ila boca e na bo-
chçcba [...ln.

A coinposi$Zo de Luiz Caldas e Paulinho Calnafeu incitou a fiiria do


Movimento Negro, que via ali uma inailifestaç2o de racismo, e mais: que
a letra sugeriria violência sexual coiitra n~ulheresiiegras. Apesai- disso, a
canç2o coiitinuou a ser inassivamente veiculada, por causa de seu irneii-
so apelo popuiav.
Sarajane foi a primcira cantora de trio a sc inspirar
nas c a n ~ 6 e es corcografias dos blocos afro.
Do ponto de vista i~iusical,a cançào revelava uma iilfluência de i-it-
mos caribenhos coino o niei:engue, a salsa e o calipso, que desde os aiios
50 sonorizavain o Pelourinho, aiém dos outros ritinos negi-os, como o
samba e o reggae. Soinado a isso, esistia urna base roclz e funk. E a pro-
pria Sarajaiie qiiem explica: "Nos tii~barnosuma banda, iio inicio clos aiios
80, charnada Bandaid, eu, Alfredo Moura, Cezinha e rai. A gente gosta-
va niuito de James Bi-own e daquela coisa do coineço do rock, como Little
Richard, e fez Lmia mistura disso corn a inusica da Bahia. Na época, cu e
[Carlinlios] Brown andivarnos nos guetos da cidade onde ninguém an-
dava. N o Pelourinlio niilguém ia porque se dizia que s6 tinlia ladi-20,
prostituta, vagahundo. E a gente ia porque l i estavam os Filhos de Gan-
dliy, era O comeco da batalha d o Oloduin. E tudo aquilo era pesquisa. A
gente estutlava exatamente o comportamento daquele povo. Era um povo
que falava muita giria e que dançava pra caramba".
I-lerdeira de Baby d o Brasil, a primeira muiher a cantar em cima do
trio elétrico Os Novos Barbaros, puxado pelos Novos Baianos, Sarajane
venceu barreiras em um universo masculine e se tornou a priineira rai-
nha da "nova musica popular baiana", como ela prefere chamar. "Aqueles
tempos eram Lima loucura. Eu estava apaixonada pela dança dos pretos
e além disso eu ouvia rnuito os discos de Bob Marley e Perer Tosh, ao vivo.
Entao riilha aquela coisa deles incitaram a platéia com y a h , yeah e todo
mundo hatendo palmas compassadas, ai eu comecei a fazer isso em cima
d o trio e, como você sabe, isso é a marca registrada da axé-music." Sara-
jane alcançou O primeiro lugar nas paradas de radio soteropolitanas. Ga-
nliou, em 84, o primeiro Troféu Caymmi como melhor cantora, o mais
prestigiado prêmio musical da Bahia, j i extinto.
Em 85, um einpresirio da entao Odeon (EMI) ouviu a musica de
Sarajane na Radio Irapua, de Salvador, e a convidou para gravar seu pri-
meiro LP, no quai incluiu a miisica "hgua de Côco", d o parceiro de pes-
quisa musical, o percussionista, ainda anônimo, Carlinhos Brown. O disco
misturava varias células ritmicas, como funk, calipso, soca, merengue,
salsa, ijexa, cajaxa, samba duro e samba de roda. Com esse mélange, que
ji traz a influência de Geronimo, com quem aprendeu a conhecer miisica
latina, saiu da Bahia em turnê pelo Norte-Nordesre.
Aos poucos foi conquistando espaço, principalmente quando caiu nas
graças de Chacrinha, que esteve pela primeira vez em cima de um trio
elétrico For insistência da cantora. Sarajane freqüentava mensalmente O
programa d o "velho guerreiro" e foi uma das principais responsiveis, ao
lado de Luiz Caldas, pela divulgaçao das danças e das fus6es i-itmicas ~~~~i~ de ~ e , i d e miIliares
r de copias corn a canizo
baiauas que começaram a penetrar timidarnente na paisagem sonora d o c ~D L I ~ O~" ,Luiz ~
<lo Caidas,Iiim dos
~ pais da
nré.nzusic, faz inciirsocs acusticas nos anos 90.
Brasil. "Em 86, eu comecei a fazer shows no Sul d o pais e foi uma grande
conquista, porque ser baiano era inuito dificil, a gente era considerado
hippie, anriprofissional. Baiano pra eles era s6 Caetano, Gil, Gal, Bethg-
nia", diz a cantora.
A vivência nos bairros de Salvador deu a Sarajane a nocao da inl-
portância da dança no cotidiano das camadas negro-mestiças. "A genre
ia para as quadras dos blocos afro e ficava ohsei-vando as coreograiias.
Entao a gente pegava um passo e ia lancar na TV e aquilo agradava em

142 Goli Guerreiro


cheio. Eu fa7.ia questâo de dizcr que vinha dos guetos de Salvador, que passou a sel- vocalista do bloco de trio Bcijo, aléni de sei-guirari-isra, arraii-
foram os blocos afro que criarain tudo aquilo, era uma forma de valorizi- jador e vocalista da baiida da WR. \Wesley Railgel, apostando numa pas-
Los porque eles eram niuito discriiniiiados, ii~assacradosmesmo", afirrna sibilidade derenovacâo cia niiisica lia Baliia, até eiltâo dotninada -elo h.evo
a caiitora. Assiin, a musicalidade negra e a gestualidadc das daiicas afro- baiaiio, em termos de riiidia, resolveu tcstar uina versâo da iniisica "h4rs.
baianas penerram no universo dos trios elétricos - os "espaços brancos" Robinsoii", de Sinioii e Garfuiikel, i1a voz de Luiz Caldas, corn LIIII ar-
do ineio musical de Salvador, que dominavam O mercado foiiogrifico lo- raiijo percussivo. "A radio dcu algum e s p a p , começou a tocar. Em se-
cal e alcancavam projecao nacionai durante o verâo. guida gravainos 'Nega do Cabeio Duro', a partii- dai coiliefou o iiiovi-
Ao lado de Sarajane, iim dos priineiros artistas a incorporar os ele- inento todo. hieste incsmo ano 116s gravamos três discos, o de L~iii.Cal-
mentos da performance negra foi Luiz Caldas. O miisico écria dos esthdios das, o de Gerôiiiino c o do Chiclete coin Banaila, que j i tinha gravado
de gravaçao LVR, inontados em 75, e que, a partir de 80, passou a usar dois discos pela Coiitinental de Sâo Paulo." Todos esses ilbuiis traziaiii
sua banda Acoi-des Verdes pai:a gravas jirzgles publicitii-ios em Salvador. os eleincntos i:itinicos da iiihsica negra produzida na Bahia.
Luiz Caldas foi a ponta-de-lailça da gravadora de Wesley Rangel, pois O disco de Luiz Caldas, Magia (19Sj), gravado na IWR, vendeu 380
O experieiite cantor e inultiiiisti:un~entistaj i estava havia muitos anos no mil copias. O caiitoi- fez shows em todo territbrio nacional e assinou con-
meio carnavalesco, entre outras coisas como puxador (vocalista) do blo- trato corn a multiiiacioiial I'olyçlram (Universal) para gravar tuês discos.
co de trio CamaleZo, onde trabalhou ao lado de artistas negros coino Car- O sucesso de Luiz Caldas, Sax-ajaiiee de outros artistas que guavaram discos
linhos Browii e Tonho Matéria. A presença de persoiiagens negros em blo- harmônico-peuc~~ssivos indicava que o inercad» fonogr if ico ' bi:asiicii-o
cos dc trio, nos anos 80, nâo ei-a coisa ficil de ser administrada, coino coinesava a abris as portas para a musicalidade mestiga da Baliia. Esse
relata o iniisico Tonho iXatéria: "Eu fui cantar corn O Luiz Caldas e fui iiovo filâo de inercado atraiu a ateii@o das muitas bandas de ti-io do meio
inuito bem recebido pela banda, mas a galera do bloco gritava: 'fora', musical de Salvador, que aderiram à axé-;7z?ztlsic.
porque eu s6 sabia cantar miisica de bloco afro e nâo tinha negros no bloco.
Os finicos ncgros da banda erani eu e Brown, que era O percussionista.
Eu lembro que Brown dizia: 'Negao, deixa isso pra I i , no ailo que vem
eu vou sair coi11 uin trio todo inarrom, mas vamos comer iiosso feijâo por-
que a gente precisa ficar forte"'.
Mais tarde, em 57, Tonho Matéria toriia-se vocalista do bloco de trio
Sabor de i\/Iel. "Foi nessa época que a galera do Olod~iiiificou revoltada
comigo porque eu estava abracando o trabalho dos brancos. Na realida-
de, eu nâo estava abraçaiido O trabalho dos brancos, eu estava procuraii-
do um cspaco, O negro tinlia que ter espaço dentro do trio elétrico." As
bandas de trio eram as iinicas a ter acesso ao mercado fonoçr5fico, com
direito a visibilidadc inidiitica, e foi por esse caniinho que Tonho Maté-
ria conseguiu se lanear conio cantor e coinpositor. Naquele moinento, as
segmentacoes dos espasos musicais eram evidentes. De um iado, os blo-
cos de trio corn sua musicalidade harmônica e seus associados branco-
mesticos, e de outra, os blocos afro com sua musicalidade percussiva e
seus associados negro-mestifos.
~ " i zcalda$ foi uln dos principais incentivadores da incorporaçâo da
estética negra aos "blocos de harâo". A rotatividade das bandas que ani-
mam 0s blocos de trio é bastaiitc interisa, e ainda nos anos 80 o canto1
D O SAMBA-REGGAI-'

N o primeiro nionieiiro da axé-nzusic,liouve ilma apropriaçjo da


musica percussiva pelas blocos de trio elétrico, que passaram a alimenta:
seus i-epel.torios com o ritmo e as cançôes dos blocos afro. No eiitanto,
essa musicalidade niestiqa era resultado de uma relaçao desigual enti-e
blocos de trio e hlocos afro. Interessados no acesso, em primeii-a mjo, ao
repertorio dos blocos afro, pessoas ligadas aos blocos de ri-io conieçavani
a investigar a cena afuo-baiana com um ouvido direcionado e passaram a
freqüentar os ensaios dos grupos negros, muitas vezes munidos de gi.ava-
dos, podendo assim repassar para os diretores e produtores de seus blo-
cos ou bandas o conteudo dos repert6rios, bem como os nomes dos com-
positores das cançôes que estavain fazendo sucesso ilos espaços iie-
gros da cidade.
De posse dessas informaçôes, os produtores das bandas de trio coni-
pravam por quantias irrisôrias os direitos autorais d o compositor e rapi-
damente segistravam as cançôes afro em discos que, em muitos casos,
vendiam milhares de copias. Segundo o ex-consellieiro do Oloduin, Zulu
Araujo, "as bandas de trio espei:avani as musicas estourarem iios blocos
afro, pagavain uma merreca por elas e ganhavam muito dinheiro com isso.
A gente fazia os fesrivais e as melhores musicas iam para as handas de trio,
O Festival de Muska d o Olodum (FEMt\DUM), no
adro da Fundaçjo Casa de Jorgc Amado, é um dos momeiitos quando a genre via a infisica ja estava na radio". Isso aconteceu com can-
mais efeivescentes da movimentaqZo afro. çôes como "Elejiçbô" (lê-se "elejihô"), de Key Zulu e Ytthamar Tropicilia,
"Madagascar Olodum", de Rey Zulu, e "Farao", de Luciano Gonies dos
Santos (gravadas par Margareth Meiiezes, pela Banda Reflexu's e pela
Bamdarnel, respectivamente), entre outras, que antes de serem registradas
par seus compositores foram gravadas pelas bandas de trio, rendo vendi-
d o milhares de copias. O s blocos negros viram nisso um tipo de exploi-a-
$0, pois produziam os grandes sucessos das bandas de axé,sem que isso
representasse nenhuin retorno econômico para eles. Para evitar a grava-
ça0 ciandestina de seu repertorio durante os ensaios, o Olodum passou a
adotar revistas nos freqüenradores, para impedir o acesso à quadra com
gravadores ou filinadoras.

1 A Trama dos Tamboreî 147


No forrnato da axé-nzusic, as canç6es dos grupos negros compunham No carnaval, enquanto a bateria acfistica percute no cliZo, eiitre os
os iibuns das baiidas de trio que cliegaram a vender até um milhao de associados do bloco; a banda principal (agora composta de isisti-umentos
copias (disco de platina), enquanto os ilbusis dos blocos afro alcaiiçavam, percussivos e Iiarmônicos) utiiiza um trio elétrico, ta1 coino as baiidas
iio miximo, a marca de cem mil copias (disco de ouro). Para reverter esse hrancas. O palco ambulante iilunido de aparato eletrôiiico foi adotado
quadro, alguns dos inais importantes blocos negros passasain a adotar os priiiieirainente pelo Ara I<etu, que O chamou de "trem afro-elénico", e
procedimentos musicais das bandas brancas, e o samba-reggae produzi- em seguida O Oloduin cainbém constituiu sua banda show e adotou O ri-io
do pelos biocos afro começou a sofrer transformaç6es estéticas, que re- coiiio palco.
sultaram do encontro de instrumentos de percussao com os instrumen- O Iiê Aiyê maiiteve suas caracteristicas originais, usaiido exclusi-
tos harmônicos, através do aparato tecnolôgico. vaiiiente percuss5o acustica iia sua iiumerosa bateria e Lima camiiihoncte
Os grupos afro adeïiram à rnescla das sonoridades dos i ~ ~ s t r u n ~ e n - para transpoi:tar a rainha do bloco e os caiitores durante os desfiles car-
tos percussivos e harmônicos, O que implicou uina reduçao do siiimero navalescos. Convencido de sua forsa, o Ilê 1150preteside insa-ever seus c6-
de tambores da bateria. O volusne de sorn dos tainbores abafa natural- digos na leitui-a coiiiputadorizada dos iiieios eletrônicos e estreincceria se
mente a sonoridade dos instrumeiitos harmônicos utiiizados pelo samba- ouvisse o niusico seiieçalês Youssou N'Dour dizer que o snïlïpleï foi fei-
i-eggae,como a guitarra, O baixo, o teclado, O sax. Capturar os difei:entes to para registrar a riqueza ritmica da miisica africana.
instrumentos através de equipamento eletrônico é, iia verdade, a finica O Malê Dcbalê iiicorporou sopros e n3o tem ciiscos gravados. Scgun-
maiicira de cosiciliar universos sonoros tao distintos. Somente O recurso do Cicero Antônio, dii-etor iiiusical da banda, "o que caracteriza uin blo-
tecsiol6gico das mesas de som e a habiiidade do técnico que as opera per- CO afro é a cornunidade, nos temos que preservar isso para n30 cair iiuma

mitem a audiçZo da harmonia ao mesmo tempo em que os tasnhores ru- ideologia classe média. O inovimento afro foi engolido pelo mcrcaclo
fam. Este resuitado é obtido pelo equalizador, que atenua ou acentua o fonogrifico e nos nao estainos interessados 110S L I C ~ S S Oimediato. Quere-
volume e a freqüência de cada instrument0 capïado pelos iiiicrofones, tanto mos uina mode)-nizaçzo,sim, mas dentro das iiossas caracteristicas, 116s
em estfidio quanto no palco. Ele é O meio que garante O dialogo eilti-eins- vamos nos mante1 através da resistência".
trumentos iieterogêneos, perinitiiido O registro e a perforrnaiice de formas O Muzenza se rendeu à tendência afro-eletrônica en1 96, quaildo se
musicais mestiças. aliou ao producor André Simôes, dono da ridio FM 104. Nesse mesino
Tal diilogo de instrumentos, realizado peia nioderiia musica africa- ano, O bloco inositou urna banda show e gravou seu terceiro CD, A Li-
na, passa a fazer parte da linguagein inusical do Ara I<etu e do Olodnin berdade ii Aqui, depois dc uni jejum de sete anos. Para Rosiel Reis, dire-
nos primeiros anos da década de 90. Utilizando o sax, o trompete, a gui- tor do departaineiito de c~ilturado Muzeiiza, "é iinportaiite apresentar
tarra, O baixo e O teclado, esses hlocos fizeram de suas bandas um cosi- uma tendêiicia Iiarmônica, é uma foi-ma de acompanliar a evoluçao dos
junto de recursos percussivos e harinônicos. Esse forinato d i origem à teinpos". Em 97, a banda gi-avou O CD C/?egou Quei77 Faltaua sein eau-
haiïda show (ou banda ~rincipal)dos blocos afro, na qua1 o nfimero de sar isnpacto.
tambores foi reduzido para cerca de dez. É essa banda que vai freqüentar O Ilf Aiyê, o A4alê e o Muzeiiza ficai:asn à sombra do Oloduin e do
os estudios de gravaç3o e realizar os shows. Ara l<etu, que alcançaram maior repercussZo coinercial e: suas bandas
O espaGo dos ensaios também se transforma para ateiider às exigên- principais, usiia inaioi- penetrafao no mci-cado de shows. Vovô, presidente
cias do novo formato. Os pequenos palcos, montados nas quadras dos do IIê, criticou a posiçâo desses blocos, esn 3 995, na Foll?a de S. Paz~lo:
"NZo vou coiocai- guitarras nem teclados no Ilê so para tocai- niais ilas
blocos, que abrigavam os vocalistas, passam a acomodar também os exe-
cutantes dos instrumentos harinônicos e uma mesa de sorn que os ainpli- ridios. O IIê n i o E usna banda, 116s somos uma eiitidade negra que tem
fica, além das caixas de som. Mas a numerosa bateria acfistica coinposta uma banda, O que é muito diferente. Sernpre foinos assim e niio vainos
inudar so para ganhar disco de ouro".
por, no miniiiio, cem tambores continua percutindo no piso da quadra,
cercada pelos freqlicntadores dos ensaios (integrantes e simpatizantes do O terreno niesticado da axé-iizusic, capitaiieado iniciaiineiite pelas
bloco). bandas de trio, ganbou forGa coni a ades30 de iinpoi-tantes biocos afi-o
da Bahia. 'E essa mestiçagem, baseada no diilogo entre linguagens mu- dustria na Bahia dançando agora na orbita da terrai atrjs da
sicais distintas, se configui-a como O elemeiito definidor da musicalidade tecnologia este reggae space invaderi chegou O groove nas es-
soteropolitana, quando, a partir dos anos 90, o forinato inestiço se ex- trelasl a industria na Bahia e na orla a t orbi empinava um saté-
pande em direçao aos espaços negros que passaram a conceber sua ex- litel ati-as da tecnologia arraia foguete, ai-raia Bahia".
press20 musical coino produto de mercado, a ser negociado nas malhas
do showbiz. Nesse contexto, as bandas produtoras de samba-reggae as- O enconrro dos universos tecnol6gico e artesanal uai perinitir a am-
cendem coinercialmente. pliaçiio d o inercado. A mestiçagem aparece tarnbém na formaçjo de uin
A entrada d o samba-reggae no mercado fonogrifico e a absorçao repert6rio musical comuin, pois todos os grupos passam a exibir uma
da estética mestiça transformam o perfil dos grupos negi-os. O acesso ao seleçao de miisicas de sucesso entre as bandas de trio e as bandas afro.
mundo da midia os fez entendes que para produzir discos e shows, com As bandas brancas e negras se organizam como produtoras e corne]--
direito a contrat0 e cachê, era preciso ter urna postura empresarial que ciaiizain seus pi-oduros como cjualquer outro negociado no showbiz. Seus
lhes perrnitisse ter critérios de editoraçâo, de direito autoral, de distri- nomes est20 nos eiencos das gravadoras majors e desfi-utam de enorme
buiç2o e de lançamento d o produto musical. A figura d o produtor espe- populai-idade, sendo capazes de reunir publicos gigantescos ein qualquei.
cializado, antes desconhecido, foi incorporada ao staff das bandas afro evenro em que se apresentam ou que realizam.
para intermediar a sua atnaçao n o mercado fonogrifico e no mei-cado
de shows.
Este formato banda, com recursos sonoros percussivos e harmôni-
cos, é informado por uma estratégia mercadol6gica. Quando optam pela
formaçao de bandas menores, com atividade comercial reguiar, e deixam
de se constituir apenas como blocos carnavalescos, os grupos negros pas-
Sam a corresponder a uma 16gica que permite sua inserçâo na industria,
garantindo-lhes maior participaçao no mercado musical e ampla visibili-
dade inidiitica.
A cantora baiana Daude, nascida no Candeal, gravou uma cançao
significativa em seu CD Dnude # 2 (1997),que metaforicamente descre-
ve a relaçao dos lilocos afro corn o aparato tecnol6gico da industria fo-
nogrifica. A musica "Afi-o Olodum Multimidia", assinada por Lucas San-
tana e Quito, tem O seguinte contefido:

"A industria na Bahia é de ponta pra alegrial arris da tec-


nologia s6 nao vai quem nao sabial a industria na Bahia 6 de
ponta pro Orfeul arris da tecnologia $6 nao vai qnem j i mor-
reul Winchester nao é rifle é disquete pra gravaç2oi a fibra 6ti-
ca é 6tima mas niio conduz pei-cussiio, meu irrntioi afro Olodum
multimidia sobe a rua pra avisarl que o beat do repique foi agora
à praça samplear, se ampliarl Ilê Aiyê sintetizador da cultura
blaclc power plugado n o ancestral1 Muzenza niio rimou (na0
rima) coin cbip mas vai à praça anunciarl você que vai pra ave-
nida j i quer saher do trio elétrico espacial no seu quintal1 a in-

A T r a m a dos Tarnhores
1 O SUPERMERCADO DA MUSICA

A ampliacio d« inercado é uma daç mudanças mais iniportaiites d o


ineio iiiusical de Salvadoi- nos anos 90, pois iinplica o fi111 da çazorialidade
do coiisumo e a consolidaç50 da dxÉ-i?zusic conio estilo no mercado iono-
gi-ifico local e nacioiiai. O processo foi favorecido pela iiiestiqa~ein~IILI-
sicai, que se ci-istalizo~~ao loiigo da clécacla.
O s blocos cariiavalescos passam a estcnder as atividatles de suas rcs-
pectivas bandas e se trailsforrnam eiii produtoras coiil sedes proprias c
espediente corrente, criaiido e i ~ ~ p r e g direros
os e indireros duranrc todo o
ano. Segundo Ary da Mata, es-dirctor da Casa d o Carnaval, "quein pri-
meiro apoiitou para o caininlio da profissioiializafiïo forai11 os blocos de
trio". Esses blocos colhem a fatia inais lucrativa dessc setov da cconoiiiia
baiana. O lucro dessas eiiipresas veiii da venda de vestiinentas para os as-
sociados dos biocos, patrocinios c sliows. Os blocos dc tvio, mesmo coni-
petiiido pela conquista de novos associados, se une111 cm torno de intc-
resses cornuns c iinpulsionam a "industria axé". O capitai que move esse
mercado veili de todos os lados. A fonte mais conhecida sâo os hiocos e
seus associacios, mas Ili também o patrocinio para trios e a p~iblicidade
veicuiada ilos caniinhoes-palco.
Além disso, as produtoras coinecaram a inovinientar dinlieiro con-
tratando suas bandas e trios para onrros eventos ligados ao carnaval (aléin
das tradicioiiais "micaretas", espécies de mini-carnavais que se realizani
i\ Po,, .te. Marisa ~ o i i t crnprcsra
c sçu gla:nour a o carnaval
dc salvador duranre o Arrastao da Timbalada-
cm todo o inierioi- d o estado da Bahia). Amparadas na consoiidac5o do
estilo axé, as baiidas baiailas,. a .~ a r t i de
r 92, orxanizam
.. uin circuitci dc
festas iio Brasil, cliarnadas "carna\~aisfora de época", un1 novo filâo do
inercado, que pi-oinove o consumo dessa inhsica e sua permanêiicia ilas
paradas de sucesso ein qualquer época d o ano.
Os "carnavais foi-a de época" foram viabiiizados canto pela popuiari-
dade cjuanto pelo cariter ernpresarial que as baiidas assuniirain. Campina
Grande, ria Paraiba, foi a priineira cidade a contratar bandas baiailas para
reaiizar O Micarande, um miiii-carnaval capitaneado por Chiclete corn
Baiiana, Cbeiro de Amor, Eva, Oioduni, Ara I<etu, entre outras. Logo
depois, Natal pi-oinoveu o primeiro Carnatal, c Foi-taleza, o Fortal. A
partir da:, o circuito foi se expandindo inicialmente em outras cidades
ristas baianos em seiis eiencos, e as freqüentes apariçoes em programas
nordestinas, até a l c a n ~ a as
r cidades d o Sul e Sudeste, como Belo Horizonte,
de domingo en1 redes de televisêo concorrentes aumentam niio someiite
que promove o Carnabelô, e Sêo Paulo, onde o Carnasampa reuniu, em
sua audiência como tambéin a vendageni de discos.
agosto de 95,80 mil pessoas na Avenida Sumaré. Atualmente existem cerca
Aliado ao cariter empresarial, outro fator que explica a asceiisao
de quarenta "carnavais fora de época", que incluein cidades conio Flo-
comercial da musica pi-oduzida na Bahia e sinaliza a profissioi~alizaçZo
rianopolis e a capital d o pais com O Micarecandango, que acontece em
crescenre dos musicos locais é O acesso a uma paraferiiâlia eletrônica de
agosto.
alta qualidade. Wesley Rangel, dono da gravadora WR, comcnta o pro-
Uina outra forma de expansâo d o mercado sâo os chamados "blo- cesso. "Em 84>quand0 cornecei a gravas o primeiro disco, el-am rarissi-
cos aiternarivos" como o Nana Banana, d o Chiclete com Banana; Adao, mos os infisicos baianos que tinham instrumentos de boa qualidade. 0 s
do Eva; Côcobambu, d o Asa de Aguia; Eu Vou, do Pinel etc., espécies de trios eléti-icos tinliam instrumentos de péssima qualidade. Sb existiain duas
filiais dos grandes blocos, que mantêm a estrutura bâsica, mas barateiam empresas de sonorizaçZo que estavam começando suas atividades. Riio
os custos para os associados e nêo desfilam no circuito central da cidade, existia pi-aticarneiite nenhuma loja de equipamentos iinportados na Ba-
e sim no circuito da orla. O bloco afro Ilê Aiyê colocou nesse circuito, hia." De l i para c i , surgiram viuias empresas iia irea de sonouizagiio, além
apenas no carnaval de 96, o bloco alternative Eu Tamhém Sou Ilê, que de lojas de equipamentos importados, oferecendo O produto na Bahia,
contava corn a participaçiio de associados brancos. O carnaval de 9 7 imediatamente apos O lançameiito, atendendo às exigências d o mercado.
contou com a presença de 3 6 blocos alternatives no circuito Barra-On- Nos anos 90, surgiram quinze estudios em Salvador; iio entanto, os
dina, para onde a folia se estendeu nos ultimos anos. estudios da gravadora WR continuam sediando as gravagoes dos princi-
Um outro riicho da atuaçêo empresarial das bandas haianas de trio pais nomes locais. Isto porque ela oferece a tecnologia necessiria para uma
elétrico s5o os fmnchises. Esse tipo de negocio, iniciado pelas bandas de competiti\~idadeem qualquer nivel. "Hoje a WR tem condiçoes técnicas
grande porte, a partir de 93, coloca os blocos em outras praças e envolve para cornpetir com os mercados d o Rio e Sêo Paulo' que foram os pri-
O prestigio da banda e, na maior parte dos casos, a utilizaçao do nome meiros a se capacitar tecnicamente para colocar um produto na radio. O
do bloco. O setor de r e l a ç k s publicas da Mazana, produtora da banda disco de Carlinhos Brown, por exemplo, que a gente r i gravando agora
Cliiclete corn Banana, a primeira a se lançar nesse novo negocio, expli- [1995] vai ser mixado na França, porque nos temos cornpatibilidade téc-
cou suas intençoes ao jornal A Tavde em 1995: "O nosso projeto é estar nica com O que se faz nos EUA, Europa e Japêo."
em cada capital e grande cidade brasileira". Para tanto, a indiistria axé Além disso, nos anos 90, houve ainda a diluiçâo do fluxo migrato-
movimenta inuito dinheiro. rio em direçêo ao Sudeste, que caracterizou a trajetoria de artistas baianos
Com tudo isso, a posiçêo d o produto musical baia~iono mercado ein décadas anteriores. Desde os anos 30, para inserir-se no mundo da
fonogrifico d o pais, independentemente da discuss$io de qualidade artis- musica no Brasil era pi-eciso moral- n o Rio de Janeiro, a capital do pais.
tica, ficou bastante coiifortivel. Existem pelo mcnos dez nomes que lide- Ali se encontravam todas as possibilidades de asceiisiio profissional dos
ram O mercado nacional de shows, detendo uina fatia de 3 0 % desse mer- musicos, do mercado fonogi-ifico, os estfidios de gravaçiio, a distribuiçZo
cado, coin cachês que variam enti-e R$ 3 0 mile R $ 5 0 inil. Daniela Mer- e divulgaçâo dos discns, os graiides eventos musicais, a visita de artistas
cury vendeu em três lançamentos cerca de dois milhoes de discos. Neti- interilacionais etc.
nho chegou a um milhêo de copias no seu disco gravado ao vivo no Palace, Dorival Cayinmi deixoii Salvador na década de 30 para residir no
em Sêo Paulo, em 1996. A Banda Eva vendeu em 9 7 um miliiêo e meio Rio de Janeiro, apesar de todo seu irnaginirio musical estar ligado à Bahia.
de copias e, ern 99, o É O Tchan! somou em cinco lançamentos dez mi- A partii- dos anos 40 e 50, a capital passa a dividir com S5o Paulo a cen-
llitjes de discos vendidos. As bandas Chiclete com Banana, Cheiro de Amor tralidade cultui-al d o pais. Nos anos 60, Caetano Veloso e Gilherto Gil
e Asa de kguia alcançarn uma média de 300 mil copias por ano. O ~ i t r a s rnudam-se inicialmente para SZo Paulo e mais tarde, depois do exilio ein
bandas como Olodum, Ara I<etu e Timbalada ultrapassaram a faixa de Loiidi-es e de um curto periodo em Salvadoi-, v5o morar no Rio de Janei-
100 mil copias. As gravadoras nacionais contam cada vez inais com ar- 1-0.Gai Costa e h4aria Betliânia tainhém foi-ain i-esidir l i , assi111coiiio os

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A T r a ~ i i ados Tainborcs
componentes do grupo Novos Baiaiios. K possibilidadc de sucesso iiacio-
na1 s6 existia a partir desse polo, j i que O eixo Rio-SZo Paulo catalisava
ioda a pi:odug2o artistica e iiitelectual do pais.
Mesmo estaildo à rnargem do eixo cultural ceiitral do pais, nos anos
70, Salvador j i cai:regava uma tradisio niusical marcada por grandes
iiomes da MPB. A familia Caymini, JoZo Gilberto, Caetano Veloso, Gilbes-
to Gil, Gai Costa, Maria Bethânia, sZo alguns dos personagens que aju-
dal-am a colocar a Bahia no iinaginjrio brasileiro coino uiiia "foiitc mitica
eiicantada", pois mesino sem moral- iia terra natal, esses artistas iamais
deixaram de cantar a B a l ~ i a . Pai:a
' ~ Dorival Cayrnmi, conforme declarou
ao jornal A Tmde, "é inipossivel esquecer o lugar onde ilasceiiios, passa-
inos a infância, adolesctncia, juventude. Eiit20, embora distante, a Bahia
csti senipre comigo. Ela é O assunto da ininlia vida, da niii~liamusican.
N o final dos anos 80,este fluxo niigrat6rio se desfaz. Todos os ar-
tistas produtores de axé-nzrnsic inoram ein Salvador. Para Caetailo Veloso,
"o que é iiieçivcl é que um fenôincno de proporçoes estupetidas se evi-
denciou. Na miillia geragZo tivemos que sair da Baliia para trabalhar.
Daniela Mercury c Netiiiho sZo miiionirios em Salvador e sao pessoas das
mais traball~adorasda MPB".
Até meados dos anos 80, quando essa mestiçagem iilusical aiilda 1120
tinha se delineado, havia redes de interaçio ern espasos iiegros e braiicos.
De uin lado, os iiitercâmbios dos blocos afro, com sua musicalidade per-
cussiva inserida nunia militâiicia poiitica. De outro, a musicalidade dan-
Gante dos blocos de trio, preocupada com uma atitude festiva. Com a nxé-
nz~lsicessas relasUes passam a ser coinplementares. Elas refletein a trails-
formas20 do meio musical de Salvador ilo fim do século XX, oilde redcs
de relaçUes cada vez mais mescladas ganham corpo.
O rentâvel mercado reorganiza também O circuit0 de shows e inodi-
fica a posiçgo dos artistas locais no show biï baiano. As bandas afi-Opas- Circulalido no iiieio niusical de Salvador, o carioca
sam a s a i ~de seus bairros de origem nZo soinente para realizar ensaios L L I ~Mclodia
Z rroca ligurinlias corn Vovô do llê.
em outros espaços da cidade, mas tambéin para fazer shows freqüeii-
temeiite realizados em clubes que comportam até 15 niil pessoas. Aque-
les que eraiii os espasos cativos da iilusicalidade dos trios fora do perio-
do carnavalesco passam a ser ocupados também pela musicalidade per-
cussiva, através de "shows-dobradinlias", ou seja, sliows com mais de uma

'O Além dos arrisras mcncioiiados, outros composilorcs conribiiiram aiireiiorilienre


para a construcjo de iima Baliia "mirica", como o rninciro Ary Barioso e O paulisra De-
nis llrcan, corn as caiiçües "Na Uaixa d o Sapatciro" e "Ualiia corn H", respccrivamente.
banda, atraindo com isso publicos maiores, ecléticos e mestiços. O sucesso
28.
desses shows dupios que reunem bandas afro e bandas de trio foi tao gran-
O SAMBA-REGGAE NA WORLD MUSIC
de que incentivou a formaçZo de shows multiples. O s formatos 3 em 1
ou 4 em 1 têm sido cada vez mais freqüentes, pois sa0 uina eficiente es-
tratégia para alcançar publicos maiores.
A ampliaçao d o inercado implica ainda uma aproximaçao entre as
bandas locais e as bandas nacionais, que seguem o mesn~oesquema da
A multiplicaçZo dos contatos culturais no mundo giobalizado faciii-
programaçiïo de shows locais. As bandas baianas passam a dividir os
ta a penetraçao de produçoes locais no mercado musical internacional.
palcos corn grandes nomes d o muiido da musica no Brasil. Em 94, Daniela
N a primeira metade d o século XX, os contatos d o meio musical de Sal-
Mercury dividiu o palco d o Clube Espanhol com Gai Costa e, em 95, com
vador se davam principalmente com a Africa e com o Rio de Janeiro. Kas
os Paralamas d o Sucesso. Em 97, a Banda Asa de A p i a convidou O Skank
décadas de 60,70 e 80, no bojo d o movimento de negrit~ide,os intercâm-
para um show no Clube Baiano de Tênis. Carlinhos Brown e a Timbalada
bios se expandem ein dire520 a o Caribe e à América d o Norte. Nos anos
contam com a presença de Marisa Monte no carnaval todos os anos, desde
90, acontece a mundializaçjo dos intercâmbios rnusicais, que se materia-
95. Dessa maneira, as reiaç0es da nova musicalidade baiana com a MPB
lizam na world music.
se estreimrn n o Brasil. A expans20 do mercado da musica produzida na
A wovld music é urna denominaçao que abriga os mais variados
Bahia ganharia ainda um outro contorno no decorrer dos anos 90: a pe-
estilos musicais que nZo cabiam nos rotules comerciais dos rnercados eu-
netragiïo d o afro-pop no panorama da world music. ropeu e norte-americano e se tornou uma fatia promissora e dinâmica
da industria fonografica. Selos especializados se rnultiplicaram em toda
Europa e EUA. SZo eles: Real Would, Silex, h'inïzgo, Indg, Cianzmed
World, Blue Silueu, Ethïzic World Music, Geobe Style, entre outros. Dire-
tores artisticos e organizadores de espeticulos sairam em busca de artistas
populares ern varias partes d o planeta e aqueies que tuabalhar~amcorn
tradigoes rnusicais singulares foi-am os priineiros a se beneficiar comei.-
cialmente dessa nova corrente.
Segundo François Duterre, a tuorld music é uma estratégia dos selos
independeiltes ingleses, que produziam "musicos étnicos" e a partir de 8 7
criarain uma nova etiqueta para clhamar a atençao para esse nicha de
inercado, que acolhia produGoes musicais "exôticas". Duterre aponta a
pasticipagao de etnomusic6logos envolvidos no processo, afirmando que
um dos primeiros selos étnicos norte-americanos, O Folkso~zg,é de um
etnomusic610go, e que os produtores ingleses estavam assessorados por
estudiosos que cediarn suas gravaCoes feicas em culturas tradicionais e
populares nao-anglo-saxas.
Segundo O etnomusic6logo José Jorge Carvalho, a world music pode
ser melhor analisada a partir de duas questoes-chave, que estao direta-
mente selacionadas: a descontextualizaçZo do evento inusical e o desen-
volvimento de tecnologia de gravaçao. Através desse processo, que trans-
fere a produçjo da comunidade para o circuit0 eletrônico, a world music
consegue a façanha de dissociar a produçao musical d o seu contexto 0x1-

159
A Trama dos Tainboies
giiial para divulgi-la interiiacioi~alrneme.iissim, ao iiiesino tempo que
consegue popularizar estiios musicais dos mais remotos cantos do plane-
ra, através da difusio global de seus registres fonogïificos, ela recorre aos
mecanismos tecnologicos para hoinogeneizar esses mesinos estilos. S o s
termos de José Jorge Carvalho, "O ouvinte urbano p6s-moderiio aprende
a receber coino algo faniiliar o que é coi~cebidopor seus criadores e ciil-
turas tradicioiiais como siiigular, originaln.
O autor atribui ao equalizador um aspecto fundainenta1 na d i f ~ ~ s a o
da woïld ~?zusice o vê coino uma metafora do processo de padronizaçio
do muildo da iiiusica. "A equalizaçiio sai enrio de sua esfera especifica
do gosto musical ocidental para se tornar uma metifora da homogenei-
zaçio, da reduçio dos poiitos de resistência estética de mil estiios niusi-
cais do mundo a um principio uiiico." De fato, o processo de equalizaiio
é capaz de formataï modelos estéticos muito variados segundo o padi.20
sonoro ocidental, traiisfonnando timbres exoticos ein sonoïidades faiiiilia-
res, reduzindo a seiisibilidade auditiva ao gosto ir~usicaldos produtorcs.
O fenôineiio wovld nu sic é ut11 dos eienientos da nova era de conlu-
nica~zo.Através da tecnoiogia, ele pode dar às divei:sas musicalidades for-
niatos estiticos capazes de aproximai- culturas distantes, tornando-as aiidi-
veis a outros ouvidos, e seus resultados oscilani eiitre a perda das especi-
ficidades cuiturais, " n ~ i n ~jogada
a teciiologica, racista e etnocêntrica",
coino querem seus criticos, e a "ailipiiaç20 da inforinacio musical atra-
vés da divulgafio de estilos divei-sificados", como que1:em seus apologis-
tas. Mas a equacio desse debate esti nas ilirerai,-0es que organizain o
mundo da world i?21nsic.
Do poiito de vista das redes de re!aç6es, a woïld mtrsic É uina via dc
m i o dupla: compositores do Norte como Paul Siinon, Peter Gabriel, David
Byrne, Brian Eiio, Jon Hassel, v i o em diregao ao Sul a fim de renovar as
foiires do pop. Ao inesmo tempo, compositores do Sul coi110 Salif Keita,
Ray Lema, Cheb I<lialed, Youssou N'Doux, Ismael Lo, se iiistalain no
Norte a fiin de integrar suas produc6es ao niercado iiiteriiacional da mu-
sica. Existeni, portanto, interesses mutuos de musicos e mercados dispos-
tos a partilhaï experiências e amplias seus raios dc a $ ~ .
A asceiisio da woïld 17zusicenquanto tendência de consuma no mer-
cado fonoçr6fico iiiteriiacional iiiiplica uina mudança de posicio da nifi-
sica produzida na periferia do "Atlântico Negro", que passa a aliinciirar
os mercados musicais inais importailtes do muiido, conio os EUA, 1:uaii-
ça e Iiiçlatevra. Segundo Le Mo~zdede la Musique (19961, a veiida de in;-
~d~~~~ ~ ~da Costa
~ d o ~Mariim, é tocaiido
, dicnzbé, uni dos t a m b o ~ e s
<ii(ii,,didos no incio inusicai de Salvador. sica clissica no inercado fonogrifico interiiacional caiu 12,7% nos pri-
airicalios
meiros nove meses de 1995. Em diminuiçiïo constante desde 1990, ela se
estabilizou em menos de 8% do mercado de disco. A w o ~ l dmusic cres-
ceu no mesmo periodo. Esse fluxo global, que coiocou a musica negra em
posiçao de destaque, repercutiu fortemente em Salvador, que a partir dos
anos 90 deixou de ser um centro produtor de matéria-prima para ser um
centro exportador de musicalidade afro.
A produça0 de samba-reggae, ou seja, uma p r o d u ~ a olocal, se inse-
re em um fluxo de globalizaçZo do mercado que privilegia uma musi-
calidade "étnica" na quai essa produçao se encaixa como uma luva, na
medida em que recria sonoridades africanas, mesclando-as com ritmos hra-
sileiros e caribenhos. "O samba-reggae é um dos rirmos mais pedidos nas
minhas uoites", atesta o DJ Doug Wentd, de Sao Francisco, California,
cuja discotecagern de woïld music foi considerada pela revista Details
"uma das melhores coisas da noite americana", afirma Cal-losAlbuquer-
que em sua analise da historia d o reggae.
Tamhém na França, a nova produçao musical de Salvador foi bem-
vinda. Em 96, O Jo7nal do R~asilanunciava:"A tomada da Bastilha pela
ci.~lturabaiana - a invasgo que começou nos anos 70 agora conquista
os franceses com capoeira e samba-reggae".
Esse tipo de "exotisrno" musical passou a ser tao interessante para
os mercados fonogr6ficos internacionais que O maior prêrnio destinado à
musica, o G ~ a m m yamericano, criou uma categoria especifica de pre-
miagao. Alguns artistas baianos chegararn a disputa-Io: Olodum (Ne-
guinho d o Samba), Margareth Menezes, Gilberto Gil e Caetano Veloso.
A imprensa local também capitalizava a presença da p r o d u ~ a omu-
sical baiana para além das fronteiras nacionais: "Dominio Baiano -seja
em Montreux, Bruxelas ou Paris, a musica brasiieira - especialrnente a
baiana - rouba a cena na Europa", dizia A Tarde. Outros nomes como
O senegalês Doudou Rose, um dos grandcs nomes Ara IZetu, Daniela Mercur~"e Timbalada, antes restritos ao mercado local
da w o d d mzrsic, ern show do Pcscpan. e nacionai, também passam a freqüentar o circuito internacional do mer-
cado da musica.
Mas nzo se pode dizer que os artistas baianos sejanx um sucesso in-
ternacionai, pois dificilmente se sustentam nos mercados estrangeiros por
muito tempo e, na maior parte dos casos, se apresentam para platéias
compostas pot brasileiros que vivem fora do pais.

" Daniela Mescury parricipou do Festival de Montreux. na Suica; do Jazz Sradr,


na Alemanha; da Convencao Mundial da gavadora Sony, no Havai; foi a atraçao piinci-
pal em fesra de Bill Clinton, nos EUA. Mais tarde foi convidada a fazer O show hrasiieiro
durante a Copa do Mundo, realizada na Franca, em 1998.

A Trama dos Tambores 163


centado pela investigaçiio policial, afirma que O Olodum teria negociado gem, que vem a reboque de denuncias feitas por ex-percussionistas da
sua omissao diante da comunidade, que foi retirada da irea, em troca de banda. N o inicio dos anos 90, pelos menos cinco novas bandas de sam-
apoio para a instalaçâo da Fibrica de Carnaval, da manutencâo da quadra ba-reggae, como Raizes do Pelô, Frutos do Pelô, Pedra do Pelô, Tambo-
no Teatro Miguel Santana (para os ensaios do bloco), da contrataçâo de res Achantes e Toque Magia, foram formadas por antigos membros do
funcionirios pagos pelo Estado para trabalhar na entidade e de casas res- Olodum. Alguns deles anunciaram os motivos da deserçso.
tauradas destinadas a familiares e membros da diretoria do bloco. Um desses dissidentes, fundador da banda Tambores Achantes, rela-
Nao h i provas que confirmem a aqnisiçâo ilicita de sobrados do tou a um reporter do Correio da Bahia os motivos que O levaram, junto
Pelourinho por membros da familia que dirige O Olodum I l i qliase duas cotn outros colegas, a formar uma nova banda: "Nos gostivamos do hloco,
décadas. Essas loilgas permanências nas presidências sâo pritica comum éramos fundadores, mas nao recebiamos nem respeito nem garantias. Era-
nos mais importantes blocos afro da Bahia. mos tratados como escravos, muitas vezes tivemos que carregar cairotes
A revitalizaçao d o Pelourinho e a saida dos moradores originais per- no carnaval, e nosso esforço nao era reconhecido. Levivamos de dois a
mitiram a chegada de um comércio de alto nive1 ao local. Butiques como rrês ineses para receber dinheiro e muitos nem recebiam. j...] Eles se sen-
Benetton se instalam ao lado da butique d o Olodum. Restaurantes de tem os donos da gente".
comida internacional disputam fregueses com O mercado informal das Um mestre de percussiio da Toque Magia, outra banda forinada qua-
baianas de acarajé e dos menores vendedores de amendoim e de queijo se que em sua totalidade por ex-membros do Olodum, afirmou O seguiil-
coalho assado na hora, em fogareiros de carvâo. Boates high tech e ban- te: "No Olodum nâo rem ninguém pra lutar pela causa da gente e eles
das percussivas, passando por bares com musica mecânica ou ao vivo, dao dâo O que querem. Quando aparece nm compromisso, eles querem que
a medida da mistura musical do lugar. a gente esteja pronto imediatamente sem acertar grana. Ainda descon-
A multiplicidade de opç6es atrai segmentos de todas as classes e co- tam as roupas da gente, e até das bailasinas, do nosso dinlieiro".
res, dispostos a usufruir do espaço que se tornou uma espécie de "shop- O barulho causado por essas denuncias levou o Olodum a se defen-
ping center colonial". Nos primeiros anos da restauraçao do bairro, as classes det: "Os aprendizes acham que O Olodum é uma mina de dinheiro. O
médias e altas soteropolitanas passaram a freqüentar O locale era engraçado trabalho do Olodum é politico, social e cultural e as coisas sa0 feitas através
ver as madames em seus saltos Luiz XV tentando se equiiibrar nos paralele- de intercâmbio e de convênios. Avisamos para os meninos que nZo ia ter
pipedos das ladeiras do Pelô. Os negros que entâo passaram a freqüentar grana, mas passagens, ajuda de custo e educacao. Os mfisicos que estao
O bairro a trabalho ou a passeio demoraram um pouco a se acostumar com no Olodum estao viajando para O exterior, Rio, SZo Paulo, Belém. E,no
essas cenas. Mas, afinal, os "brancos" estavam ali para consumir seusprodu- Olodum, eles podem fazer um curso, nâo s6 tocar", contemporiza Ne-
tos, sua cultura e principalmente sua musica. Entao, que fossem hem-vindos. guinho d o Samba, entao um dos diretores do bloco.
Logo depois do sucesso internacional, O Olodum tranformou-se numa Se no inicio dos anos 90 O mestre Neguinho justificava a condnta do
holding. A entidade comercializa em sua butique produtos que levam sua Olodum, em 96 seu discurso muda de tom quando ele decide deixar o
marca, como camisetas, bonés, chaveiros, sapatilhas, adesivos, toalhas, e bloco. "O Olodum perdeu O rumo, na realidade nâo foi s6 O Olodum,
explora dois bares no Centro Historico de Salvador. Segundo O presidente todos os blocos afro mudaram. Deixaram de lado O social e partiram para
da entidade, J o j o Jorge, todo O dinheiro arrecadado serve para viabilizar o comercial. [...] Eu me lembro que quando a gente era pobre, a gente se
a Fibrica de Carnaval, que produz todos os itens à venda na butique, além abraçava e chorava junto."
das fantasias do bloco e de instrumentos percussivos. Parte dessa produçao Essa imagem desgastada, entretanto, dificilmente extrapola as frontei-
é exportada. "Mesmo antes de ser instalada, a Fibrica j i tinha encomen- ras locais. Articulador de um marketing poderoso, O Olodum continua
das de um bloco afro-londrino e de outro dos Estados Unidos", afirina Jo30 atraindo rnilhares de pessoas aos seus duplos ensaios semanais no Pe-
Jorge, que promete emprego para cerca de 350 pessoas da comunidade. lourinho e s a raros
~ os turistas que deixam Salvador sem adquirir os pro-
Apesar de procuras ressaltar O trabalho social que realiza no Pe- dutos de sua grife.
lourinho, O Olodum vem sofrendo um processo de desgaste de sua ima-

166 Goii Giierreiro A Trama dos Tambores


30.
CARLINHOS BROWN E A TIMBALADH

Outro exeinplo da presenca da produçiïo local no paiioi-asna muii-


clializado é a carireira d o percussionista Antônio Carlos Sasitos dc Freiias,
o Carliiihos Brown. Mesnio sciido um persosiageni bastante atuaiite ilos
espaços musicais periféi-icosde Salvador desde O inicio dos aiios 80, Bi.owi1
s6 passou a scr cortejado pela inidia, eiiquanto criador, depois de ter recehi-
cio iiidiuetaincrite o G~airinz3,pe10 disco B~asileiro(1992),dç Sérgio Meil-
des, para o quai compôs cinco miisicas e estreou cosno vocalista, acom-
panhado por percussioriistas como Boghan, Sidiiei e Leo Bit Bit, da es-
tiiita banda Vai Quem Veni, formada no Candeai. X o mesmo ano, Car-
linhos Brown participou tainbérn como vocalista da coletânea Bahia B!nck,
produzida pelo asnei-icasio Bill Laswell, ao lado d o Oiodusn, Herbie I-lail-
cock e Wayne Shouicr.
Desde entâo, Carlinhos Brown 6 reverenciado como um dos iiiais ta-
lentosos coslipositores d o pais, cliegando a ser considevado por aiçusis co-
mo "gês~ioda raça", aiitor de caiicoes prerniadas ern 95 coiiio "Segue O
Seco", na voz dc Marisa Monte, "E.C.T.", gravada por Cissia Ellei-; c
"Usna Brasileira", iia irei:s5o d o Paralasnas d o Sucesso e Djavan. fintes
disso, ocupava O pape1 pouco visivel de percussionista da banda de Cae-
tano Veloso, que foi, sem duvida, O pi-imeii-oa inostrar ao Brasii que aléin
de percussao, Carlinhos Brown dominava tamhéin a arte de escrevei- le-
tras, cujas palavi-as neiii seinpre serviasn para itixcr sentido iogico, iiias
sim enriquecet. a soiioi-idade das cançoes. A c a n ~ i i o"Meia Lua Inteira",
gravada ein 89 por Caetano, no disco O Eslrnngeiio, conipôs ti-iliia de
novela, mas niio cliegou a levar Brown ao estrelato, que cle s6 viria a co-
nhecer mais tarde.
Percorrendo uma trilha extreiiiameiite arraeiite para a indiistria da
mfisica, através de sua estética iiiestica, que se concatena nos virios caii-
tos d o "Atlântico Negro", e favorecido pelas portas abertas pelos blocos
.. ..
afro no niundo da wMld music, o percussionista alcasicou visibsiidade no
cenirio internacional. Alfagairzabetizado, o priineiro disco solo do com-
positor, saiu ein 1996, pelo selo francês Delabel, filial da gravadora niul-
Criador dc rirmos c inodas, Carliiihos Brown cxprcssa tinacional Virgin (que distribui o ilbum ein todos os contineiites). É verda-
uina esrerica rniilriciiiriil-al iia rnusica e Il0 gcstual.
de que Carlinhos Brown conquista platéias multicuiturais - pluriétnicas
e poligiotas - interessadas em riq~iezasritmicas, raz20 pela qua1 esteve
em Paris em novembro de 1996 para receber O prêmio de revelaçao do
ano em wodd music da RF1 (Radio France Internacionale).
Carlinhos Brown analisa da seguinte mançira sua posiçao na cena
da world music: "Minha musica é do mundo porque eu soli um cidadao
miscigenado, ag~içadoem virios sentidos étnicos e estéticos. O cara que
nasce hoje j i é giobaiizado, j i é internacional naturaimente". A faia do
percussionista reitera O modelo estético mestiço, que mescla variadas lin-
guagens musicais, resultado da herança de varias influências. No ceni-
rio internacional, esse tipo de produçao é chamada de afio-pop. Os perso-
nagens que se movem nesse terreno niio iimitam sua musica a um ritmo
ou a um pais. Trata-se de um estilo que absorve infiuêiicias m6ltiplas,
fragmentadas, que desenham um mosaico musical plural, combinando
virios elementos ou repertorios para demarcar seu iugar na cultura pop
contemporânea.
Apesar do discurso ufanista, Carlinhos Brown d i pistas interessan-
tes dos caminhos que levaram a produçZo local a conquistar uin certo
espaça no cenirio internacional. "O Brasil vai ditar regras no mundo. E
nao vai ser apenas vendendo a alma de nossos artisras. Estamos forman-
do gente que fica atris, que articula e que define tendências na musica",
diz O musico.
Antes de se tornar urn artista internacional, Brown foi O responsi-
vel pela formaçao da banda percussiva Timbalada, no bairro do Candeal,
que tem como singularidade o fato de usar timbaus para fazer uma batu-
cada pop. Em termos musicais, a banda se caracteriza por uma pesquisa
de ritmos diversos difundidos na Bahia, que também inclui ritmos de so-
noridade africana ou afro-americana e afro-caribenha. Ternplo de cultura e divers%, o Candyall Guetho Square ahriga os ensaios da
Timbalada e arrai para a periferia a mosada "bianca" dc Salvador.
O timbau j i era um instrument0 bastante conhecido pelos grupos de
pei-cussiiopopular de Salvador (inclusivepelo afoxé Filhos de Gandhy), mas,
segundo Brown contou ao Jornal do Brasil em 1993, eles nZo eram bem
utilizados: "Na Bahia é comum tocar timbau de forma desorganizada. Nos
organizamos as notas. [...] A Timbalada é uma forma como os timbaus
apontam para o futuro". O grupo criou uma estética particular, através
do uso de pinturas corporais, inspiradas nos costumes africanos, e do uso
de signos pop, como oculos escuros, capacetes de ciclista e adereços reci-
ciados. Os anéis de latas de bebida utilizados como adorno por Carlinhos
Brown estao entre os itens retrabalhados pela coleçao de joias Miscigens,
da H. Stern, inspirada no pei-cussionista e compositor, lançada ein 1999.

170 Goli Guerreiro


Coin essa estftica, ein que O uso do cos-pose destaca taiito no gestual
quant" na indiimeiltiria, Cai-linhos Brown e sua turiiia alcançaram alta
visibilidade midiatica, conquistaildo uma legijo de f i s que passou a se
deslocar para O Candeal, o bairro proletirio onde se originou a Timba-
Lada, a fim de assistir aos ensaios da banda e presenciar a performance
do nihsico, criador de ritinos e modas. O Candeai é aquilo que o cen-
tro-su1 do pais cliamaria dc favela e na Baliia cliaina-se "iiivasio". Tra-
ta-se de iim bairro periféi-ico coiri ruelas estreitas e enlameadas, selil in-
fra-estrucura adequada, habitado por uma populaçio nçgro-mestica de
baixa renda.
Esse bairro é o berço de Carliiihos Brown, de seu rnestre, Pintado do
Bongô, de seus conselheiros como Fial~inae Seu Vavi (pai da cantoi-a Dah-
de), e ainda de uina grande parte dos percussionistas que hoje co1np6em
os grupos inusicais ligados ao nome de Carlinhos Browii, tais como Tim-
balada, Lactomia, Bolaclia Maria e Os Zirabes. ATimbalada é uma banda
afro e uin bloco de cari~aval,a Lactoiiiia C uma baiida mii.iin, a Bolaclia
Maria é uma bailda kiniiiina, e Os Ziïabes sZo um prupo que iiiistura O iirrasriio da riinl>a!ada ria oila de Salvador, apesar clas reconicrirlac6es da
influências arabe e africana (expressas na induinentiria e nos iiistrumen- igrcja catoiics, csrciicle o cariiava! ai6 a tanle iia Qiiarta-Fcira de Cinzas.
cos). Aléi11 desses cruDos, os ,uroietos
, de Carliiihos Brown incluem uina
cscoia de piofissionalizaçâo de in6sicos de rua - a Pi acatuin - c a nia-
nutencio dc uma espécie de sede, cllamada Candyall Guetbo Square, uin
espaço que agi-ega uma quadra de ensaios coin cainarote, escrit6i.ios e urn
estudio de som.
O Guetho Square é também um espaço eclético onde se misturain
simbolos do imagiilario pop contemporâiieo. De construçâo iïregular, O
pi-édio exibe no alto um graiide ollio de formas egipcias, no interioi- ar-
cos 01-ieiitais conduzem ao pitio interno onde escuituras metilicas dese-
nham tiinbaleiros futuristas e as irvores têm tambores como frutos. A idéia
de entreccuzainentos culturais sc expressa também na pi-oposta niusical
dos grupos envolvidos, na quai três produtoras se interligam, formando
um coiijunto empi:esarial.
O Candeal ganhou visibilidade iio mapa musical de Salvador em 92.
Era O inicio da Timbaiada, que aos poucos passou a atraic a atençao de
um certo phblico de ensaios de biocos afro. (Muitos percussionistas da
Timbalada integravam a banda Vai Quem Vcin, cujo hiiico registro 6 a
pai-ticipacio no disco Bïasileiïo, de Sérgio Mendes.) Os tiinbaus do caci-
que Carlinhos Brown proliferaram e os ensaios se deslocarain das ruas
para uin espaço maior, uma quadra de esportes do bairro. A essa altura,
os doininços à tarde no Candeal ja erain uin programa esperto tanto para 11s i>inti:ras corpoi-ais sZo a mai-ca do afro-pop da Tii~ibalada
a juventude negro-mestiça, que morava no local, quanto para a juventu- çZo. Diferentemenre dos outros espaços negros, que soltavam seus olhos
de branco-mestiça, que passou a freqüentar a irea em busca de lazer. para Africas tribais, modernas, cientificas, nômades ou misticas, O Can-
A Timbalada ja nasceu no contexto tecnologizado e, apesar de ser deal constroi um imaginario multifacetado, pluricultural, inventando as-
responsivel pela revalorizaçZo do timbau (que depois da ascensgo da ban- sim uma " ~ f r i c acosmopolita", que corresponde à mistura de linguagens
da passou a fazer parte de rodas as baterias de samba-reggae), sempre dia- da musicalidade produzida na Bahia e transforma a estética percussiva num
logou com os instrumentos harmônicos. A composiçâo da banda forma- signo de contemporaneidade pop.
da no modelo mestiço é a seguinte: três cantores, um Sax, um trompete,
nm trombone, um teclado, um baixo, uma guitarra, uma bateria, dez
timbaus, cinco marcaçoes, um repique, dois timbales e uma "percuteria"
-espécie de bateria afro, que mistura O format0 tradicional corn tambores
diferenciados que sao perîutidos corn baquetas de surdo e marcaçao.
O primeiro disco da Timbalada data do ano de sua formaçao como
bandaibloco carnavalesco. No carnaval de estréia (1992),a banda se apre-
sentou dividida no desfile: enquanto cerca de duzentos timbaus eram to-
cades no chZo, os outros instrumentos tocavam em cima do trio elétrico,
além de dez timbaleiros que usam O caminhao como palco.
O publico da Timbalada, agora ampliado, encontra uma boa infra-
estrutura no Guetho Square (onde os ensaios sâo realizados) e movimen-
ta uma grande quantidade de bai-es, instalados nas pequenas casas, e todo
um mercado informal de "churrasco de garo" (carne de segunda assada
em fogareiros de rua), cervejas em lata, cachorro-quente etc., montado
em frente ao prédio, que supre a curiosidade e O desejo de lazer daqueles
que nao podem pagar o preço do ingresso, que d i acesso ao templo. (O
ingresso para o Guetbo custa, em média, três vezes mais do que um bi-
lhete de cinema, sem direito a meia-entrada para estudantes.) Muitas le-
tras de cançoes da Timbalada ressaltam O bairro onde a banda se origi-
nou, reafirmando a relaçao afetiva das bandas afro com a comunidade
de origem. Note-se O trecho de "Domingo no Candeal" (também grava-
da por Daniela Mercury):

"Timbaiar, de bailar, de bailari de balaio, de baleiro, tim-


baleirol timbaleiro no gueto, olha O baleiroi [...] o que é que a
baiana tem? que o timbaleiro nao tem?i prestigio de vatapii ploc
banana no cesto de iaiii look de lupa e timbaul tênis Reebob,
relogio shocki espalhando, espelhando a figura do braui é do-
mingo de tarde no Candeal".

O Candeal se tornou sinônimo da estética "hrau", que tem nas vi-


rias musicas negras do Nova Mundo sua principal forma de comunica-

A Trama dos Tarnbores


Brown, qua1 a importância de ser prcmiado como express50 de world
music?
Essa pi-emiacZo é iii~portantepra musica que nos estainos busc'ncio
na Bahia. É uma premiacjo geral à iniisica da Bahia, ri50 i- apeiias a mini:
p o q u e rios csforcainos muito para que esta n~usicaganbe as fi-onteiras,
que é a niiisica talvez inais global do Brasil e a mais regionalizada. EntZo
esta inusica foi pi-emiada ontein corn erros, defeitos, acei-tos. Ali naquele
palco eu achava que estava recebendo uina coisa que perceilce a ii~uitos,
pertence ao Olodurn, à Timbalada, a Daniela, a Bell do Cliiclere, ao Ton.
do Bragadi, 11ê Aiyê, Caetano, a varias coisas, porque essa inksica cjiic
eu trago é foi-niada poi- varias épocas estéticas da musica do Brasil e priii-
cipalmente da niusica feita na Bahia e que, até hoje, por ser feita na Bahia,
ela é niuito discutida. As pessoas querem que surja da Ealiia tocla 11oi.a
um Caetano, iim Gil, c nito é assiin, Cayinmi s6 tem um.

NOSaiios 90, Carlinhos Brown 6 esse cara que as pcssoas esperam


da Bahia?
Siin, inas Carliniios Brown na0 coinecou em 90, eu sou de 79. Em
79 eu j i tocava nas ruas, eu ja rava levando os atabaques, as congas pra
cima do trio elétrico onde se tocava frevo, entjo eu tcnho a idade do
começo e iiao da apari~êo.Noventa foi a descoberta das pessoas en1 relagZo
a isso. mas eu 1150 posso desprivilegiar os anos 80, aquela passagein tocla
q~iandoa Bahia era mais Periiambuco, representada pelo frevo, e a gente
ficava s6 soiihaiido coin os mitos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, é passear
poï deiitro das nossas ruas da nossa cidade que é deles tarnbém, sonhi-
vamos em encontrar corn eles, corn os Novos Baianos, todos esses que 1120
moravain na Baliia, moravam no Rio. O movimento do sambâo que pou-
cos falam estava ali se 1-eforcando, lendo tudo que vinha de fora, e coino
Carlinlios Brown, carreçando scu filho Francisco,
iicto dc Cliica Buarque e iMaricta Scvero.
" Eiitrcvisia coiicedida à jorilalista Nadja Viadi e à aurora, logo apos a proiiiaçio
dc Carliniios Brown rio Découvci-rcs-RF1 (Iladio Francc Iiircniacioiiale), na catcgoria ic-
vclu@o de world iliilsic, no Tcarro Trianon, cm Paris, novcmhro de 1996.
tudo que emerge do povo nâo se consolida logo, aquilo tudo era tachado
como coisa de negro, e é a coisa mais forte que nos temos. Na verdade,
continua sendo coisa de negros, acho que ganhou uin "s" ai. Porque ne-
gros quer dizer virias pessoas, neguinho somas rodas nos, é fulano, nâo
é exatamente cores e etc., etc.

Você disse que mistura influências de varias épocas estéticas da musica


na Bahia. Que estéticas s2o essas?
Um dos primeiros movimentos de tradiçâo que houve na Bahia mu-
sical é o dodecafonismo. Os alemâes que foram pra Baliia fizeram uma
escola de classe média baiana, que nao dava acesso a todo mundo, mas
com grandes professores, como Smetak, Fernando Santos, virias pessoas.
E Iiouve outros estrangeiros que ja eram mais radicais, como a Rumbaia-
na, que fez uma reviravolta e deu uma proximidade corn a improvisaçao
de jazz, de salsa, eles traziam muitas informaçôes de fora, entao sâo os
seguidores de Pierre Verger, e eu n2o acredito que nenhum movimento
sem seguidor reaimente presta. Entao nâo adianta você querer fazer m i -
sica sem que realmente seja sucesso, sem que seja pra contribuir com as
pessoas. Os seguidores de Verger foram de vital importância pra nos, a
ponto de chegarmos na França e ganharmos um prêmio desses, entâo é
um prêmio, na verdade, merecido por virias etapas, e n2o é apenas hra-
sileiro, é um prêmio por uma situaçao, nZo para um sujeito, nâo é um prê-
mio para Carlinhos Brown. Eu sou a concenrraçZo de virias etapas do
que eu chamo dos seguidores de Verger, eu dei a "cagada", como sem-
pre, de vir recebê-10, porque eu sou um cara "cagado de sorte", nZo sei...
boto uma 1n6sica e boom, faço um disco e boom, tudo, graças a Deus, na
ininha vida sempre reve resultado. A 6nica coisa que nâo deu certo foi ser
jornaleiro de A Tarde, nunca consegui esse emprego. Eu tentei vender Fiel escudcira dc Brown, a piodurora Ivana Sauro, a o Jado de Ivere Sangalo,
jornal, rentei a todo custo, mas talvez seia o fato de nZo gostar de les, eu acompanha o airista desde os tempos da banda Vai Quem Vcm.
nao rive acesso a isso, mas em todas as funçôes infantis e adolescentes
brasileiras eu rive uma participaçao.

Fale um pouco de sua participaçao no carnaval da Bahia ...


A primeira musica de carnaval que eu fiz, que foi um hit, foi "Iaii
Maravilha", ganhou como melhor musica do carnaval [1983]. Logo de-
pois eu fiz uma musica chamada "Dez Litros de Licor", e Luiz Gonzaga
estava em primeiro lugar e eu em segundo nas radios da Bahia. Nesta épo-
ca, a gente estava retomando o canto afro-baiano, porque até entao os
blocos como o IIê Aiyê, o Muzenza, todos cantavam samba em maior. A

178 Goli Goerreiro


Bahia parecia muito mais O Rio ncsta época. EntZo nao tinha essa identi-
dade, eu falo a melodica, nao a ritmica, que sempre foi particular.

Você acha quc O que voct faz é axé-music?


Nunca fiz. Posso até ser u m dos precursores, mas o r6tulo eu niio
aceito.

Por quê!
l'orque nZo é. Economicamente a melhor coisa que aconteceu na
Bahia chama-se axé-inusic. Ern termos de progresso, os infisicos coslse-
guiram tel- ineihoi-es instrumentos, surgiram virios artistas, mas a axé-
music é um movimeilto paraleio ao ilosso. O que é p6s-tropicaiismo, O
que é p6s-Novos Baiaslos, somos 116s que cornecamos em 79, no inicio
dos anos 80. Luiz Caldas, a banda Acordes Vcrdes, Scorpius, qiie hoje é
Chiclete com Banana, Missinho, e outras pessoas que slao estao na midia,
mas estao incutidas no inconscieilte coletivo de roda a populaçZo da Bahia.

O que faz com que você esteja aqui, conquistaudo este espaço inter-
nacional, e n j o Luiz Caldas ou Daniela Mercury, por exemplo?
Luiz Caldas foi ineu influenciador, me preparou também, Luiz foi a
porta e ij é eterno por isso. A Daniela também rem uma penetraçao fan-
tistica, eia reune 300 mil pessoas na América Latina e é assim, nos todos
juntos vamos disseminar a miisica da Bahia e do Brasii no plaileta, um
artista s6 n i o tem condiçao de invadir o mundo inteiro, todo mundo nZo
pode estas em todo lugar ao messno tempo. EntZo é a cultura que vai dis-
seminar, aqui eu estou representando Daniela e Luiz, quando Danieia est;
em outro lugar ela esta ine representando, esta representando a cultura
baiana.

Quando você cstava lauçando seu livro, quer dizer, seu disco ...
)i u m livro também, é muito mais u m livro até do que u m disco, na
verdade é cinema. Niïo se faz cinema s6 com pelicula, se faz com caneta
e papel. Uma palavra é cinema, sim, eu sou da terra de Glauber Rocha.

Mas na época do lançamento, a critica disse que você teria feito u m


disco de musica étnica para agradar este mercado de musicas do mundo.
Você c a gravadora têm essa preocupaçao?
Eu acrediro que existe u111 equivoco muito grande no Brasil por parte
da critica por faita de conhecimento. As pessoas U Z O têm couhecimeslto
musical mesmo. Porque pessoas que discutem candomhlé como miisica
étnica nâo têm conhecimento nem sobre mJsica nem sobre a vida. Por que
o que é étnico? Étuico foi o primeiro rotulo separatista, é o que eu chamo
de i-6tulo banguelo. Entâo nego fala: é étnico? entâo imagina tambor, châo
sujo, bode andando, gente desdentada com roupas coioridas. A visâo é
essa. Se a mJsica Burundi, se a inusica do Zaire, se L, candomblé, se O canto
btilgaro, se essas coisas de tradiçâo mundial realmente têm esse seIo étni-
co como uma coisa separatista, se haiâo é étnico, Chopin tainbém é, Bee-
thoven é, Bach, tudo isso é étnico porque j i é rradigâo do mundo.

Você é visto como um cara polêmico ...


As vezes as pessoas me vêem e eu parego ser uma Pessoa revoltada,
e eu nâo sou, por causa de meu jeito de me comportar, e às vezes eu faIo
umas coisas pesadas, mas por causa de carga étnica. Outro dia eu vi na
Veja como eu falava da igreja. E os caras da Veja sâo tendenciosos, eles
j2 sahem o que querem, entâo um veio falando que eu fui expulso de um
lugar, que fui expulso de outro. Eu fui tocar no pitio do Meridien e nâo
deu certo, era uma confusâo, mas conseguimos tocar naquele lugar e hoje
eu quero dizer para os moradores que o lugar est2 muito mais limpo do
que eles imagiiiam, porque eles n5o imaginam o que rem ali, naquela pedra,
naquele alto, e o que significa a Timbalada ter tocado ali. Nos nâo faze-
mos harullio, nos fazemos limpeza dentro daquela cidade, foi por isso que
a Timbalada surgiu, ela surgiu do nada, do que as pessoas consideram que
seja axé-music, que seja batucada, essa manifestaqâo que acontece na rua,
isso tem que ser muito mais visto Iioje pela Bahia, eu tô mandando urn
recado geral aqui.

A miisica produzida na Bahia ainda é muito malvista ...


O que eu quero dizer é que a musica da Bahia n5o é uma bunda, como
é tratada. O Rio de Janeiro teve uma tendência assim, foi O lugar que mais
vendeu aquela expressâo de um Brasil sensual, e hoje nos temos o Gera
Samba, temos varias grupos de pagode que também estâo fazendo sam-
ba, que estâo mostrando um seguimento que nos sempre demos ao Rio,
que foi o que antecedeu a chamada axé-music.Entâo, o cacau bichou, mas
a cultura nâo bichou. Nos vendemos milhôes de discos e onde é que est2
esta ecornomia? Esta no Rio e em Sâo Paulo, nâo que eu seja contra estes
iugares, mas nâo somos mais pobres que o Rio e Sâo Paulo? Par que sera
que o poder econômico est2 la? A Bahia rem que ter suas proprlas grava- urndos mescies de Carlinhos Brown, Seu V a 6 pal da cantota Daude.
doras, suas pioprias editoras, porque é um lugar onde h i tempo pra fa- fa, experimenrossonoroî em sua casa 110 Candcal

182 Goli Guerreiro


zer mfisica e cultura, e nos estamos desprotegidos. Por exemplo, "A Ro-
dinha", um grande hit nacional, o copyright iiâo pertence à Bahia; o Olo-
dum, quantos bits produziu? A Bahia é unia gaiinlia, t i sempre botando
ovos e mais ovos de ouro a torto e à direita. E dessa galinha eu aceito ser
até o cocô, e eu nëo tô falando escatologicamente, nào, porque cocô pra
mimé fertilizante, mas daquela mitria, daquela bacia, daquela pitria in-
dependente eu aceito ser tudo.

Isso nao Ihe parece muito bairrista?


A Bahia existe por esta celebracao da vida e nâo por uma folclo-
rizaç5.o. N5.o é você cliegai- na Bahia e dizer "axé!", encher o pescoço de
coiitas, sair coinendo acarajé e ir visitar tcrreiro. Mae Stela'j é uma ma-
triarca de varias coisas fortes de nossa etnia, entende? Nossa Senhora da
Boa Morte tein que ser respeitada, a igreja catolica precisa dcvolver os
santos da Nossa Senliora da Boa Morte, porque se sincretizamos foi unia
forma da gente tambéin manter a tradicêo catolica dentt-o da Ballia, eu
nao sou contra Dom Lucas, inas ele s6 tein dez anos na Bahia c é candi-
dato a Papa. As pessoas precisain entender que o sincretismo é a iiossa
forma de vida, a iiossa forma de expressao, e 116s nëo quereinos separa-
tismo nesse mornento, eiltao a Bahia iiëo é religiosainente dirigida a urna
coisa so, nëo é monoteista, tesn varios deuses, siin. Nos j i teiiios um apren-
dizado, nos fomos escolados por E~colistica'~, essa mullier foi muito im-
portante, uma grande educadora. E ela deu aula aos grandes, nao sa aos
pequenos

Você é considerado un? mestre dos ritmos. Como é que se cosistroi


usn ritmo? Ao 1-60 de Gii, MZc Steia, chcfc do tcrrciio dc caii<lomhii.
Do mesmo jcito que se consrroi uma casa. Tem que fazer o aliccrce, Il? 11x6 Opô Aioiija, urna das mais importantes rcpiescntaiitcs da religiao
preparal- a hase e depois você coloca bloco por bloco. Digamos que a base afro-brasileiia, a o cociir6rio de Uro~vii,dcsaprova o sincrciismo icligioso.
seja o t i tii tii, o que que cabe ein cima disso? A ritmica esta ein escutar o
outro, muito mais do que se escutar; quando você escuta o outro seu pensa-
mento relaxa, se estelide e você ap1-cndemais. Épreciso oiivirinuito o outro,
porque senâo nao rem diilogo. O som dos instrumentos sào conversas, sâo
virias convei:saç6es. E existe o espaco que é pra nëo ser ocupado, que é
pra ser dividido. A mfisica é muito mais natural do que a gente iniagi~ia.

'j Mie-de-santo d o tcrrciio Il? AxC 0116Afonji.


l4 Noiiie de harisino dc Mae Menininlia d o Gantois.
Você busca a perfeiçao quando esta compondo?
Niïo, eu justamente aproveito tudo que é imperfeito, a imperfeiçao
ainda é a delicia ...

Como é que você vê a musica brasileira?


A miisica d o Brasil é talvez a mais original do mundo, porque eia é a
miisica do mundo, é uma miisica que nao se "preconceitua", ela esta sein-
pre aberta, a mfisica do Brasil é a miisica dos elementos mundiais, ela
No final da década de 90, os grupos negros fizeram outros ajustes
afirma O mundo por ser miscigenada. A globalizaçêo j i nos alcançou h i
estéticos, modificando o modela mestiço que serviu como trampolim para
anos, nos somos assim, naturaimente universais, a gente nao precisa vir
o mundo da midia. O samba-reggae interessa aos produtores de woild
à França ou aos Estados Unidos para sermos internacionais, nos somos
music pela singularidade dos instrumentos percussivos utilizados pelas
isso h i muito tempo.
bandas. A linguagem dos tambores é O elemento diferenciador e somente
através dela a produçiïo musical baiana pode caber no ambiente da wodd
music. Por isso mesmo, quando essa produçiïo passa a circular no pano-
rama internacional, h i uma retomada das origens percussivas no contefido
musical dos ilbuns, como forma de legitimaçao do produto rnusical.
Ouvindo os discos do Olodum e da Timbalada, nota-se que os ulti-
mos CDS dessas bandas reinvestem na percussiïo. Alérn dos efeitos eletrô-
nicos aparecerem em menor medida, deixando a base percussiva muito
mais audivel, as referências ao candomblé e à ancestralidade ahicana vol-
tam a marcar presenca, através da técnica responsorial das palmas e do
conteiido das letras das cançoes. Assim os eleinentos preponderanres da
estética afro-baiana sêo retornados por parte dessas duas bandas. Por
exemplo, en1 "Tiro Seco", de Liberdade (1997), do Olodum:

"Bantos, sudaneses, iorubis, reggae1 quimbundos, umbun-


dos, ibos, Olodumi mandingas, Icetus, ijexisl macaus, ions e
h a ~ ~ s s i[...]
s l Pelourinho, Roma negra Salvador1 irnpera O bri-
lho e a belezai a pura nobreza em comuml ecoam os estampi-
dos1 rufar dos tambores do Olodum [...ln.

A posiçiïo da Timbalada e d o Olodum, pontas-de-lança do rneio afro-


baiano, no sentido de reinvestir no estilo aciistico-percussivo, fazendo corn
que os instrumentos fundamentais dominem a audiçao, deixaudo os har-
mônicos audiveis apenas em frases ornamentais, nêo s6 reorganiza o dii-
logo entre harmonia e percussiïo mas também sinaiiza a supremacia da
esrética ritmico-percussiva na cena musical soteropolitana.
Essa tendência aparece também no cenirio da midia: quando do lan-
çarnento dos CDS Minera1 (19961, quarto disco da Timbalada, e Liher-

Goii Guerreiro A Trama dos Tambores 187


dade (1997), 11" disco do Olodum, A Taïde publicou artigos que e11-
fatizavam a retoinada percussiva, bem coino insinuavam que a estratigia
pretendia reverter uina certa perda de prestigio dos grupos afro.
O critico inusical Ecluardo Bastos escreveu o seguinte coiiientirio:
"Eni hliizeïal a Timbalada volta às raizes, depois de se coi-romper coin as
engenliocas da modernidade, no anterior Aizdei Road. Os tiiiibaus vol-
tain a falar alto, justiiicaiido a deiiomina$?io candealesca que Ille deu faina.
Os arraiijos de Browii privilegiain o iado acustico-percussivo reciuzindo
A~ .
a quase zero a utilizacZo de rccursos eletrônicos. A oocZo oelo bisico e.
inais do que nunca, tribal trouxe de volta ao grupo a autenticidade, niai.-
ca forte de seu primeiro disco". O tom de reprovaçao ein rela~Zoao dii-
logo coin o aparato tecnologico, que denuncia a força do miro da pure-
za, é inaios acei~tuado,mas iaiiibéiii esta preseiite no al-tigo do critico Luis
Carlos Garrido sobre o ilbu111do Oloduni: "Oloduni j i foi hippie, ji foi
pop, j i foi reggae e j i foi rock, mas agora corn o novo disco Libeïdade
(ContiiientalAVarnes) ele volta às origens peïcussiuas e abandona, defi-
nitivamente, a idéia de pirai- devez. Ao contririo, engata marcha à ré, [...i
chaina aiitigos colaboradores (Lazinlio e Pierre Onassis) para se veagru-
parem à banda, e corn roda esta maiiobra pretende retomar um espaço
que, progressivamente, vinha selido ocupado par outsos grupos j...]. Os
infisicos voltain a priorizar a voz e a percussâo, na maior parte das can-
çoes, maiitendo a cobertura harinônica de determinados ai:ranjosn.
A inserçao no circuiio eletrôiiico e o acesso ao sa~7zpleipermitiraln
ao Olodiim e à Timbalada o diilogo com virios outros ritmos, armaze-
nados em comyutador e produzidos basicamente com instruineiitos lias-
mônicos. E o trabalho dessas bandas, ein ineados dos anos 90, cliegou a
privilcgiar os efeitos eleti-ônicos, se afastando, eii1 certa medida, da sono-
ridade percussiva que as caracterizava. O Oiodum, particuiarmentc, vi-
Os venccdores dc Grarnrny Milton Nascirnento,
illia experimentando uma perda de popularidade que se refletia na diin-
corn Tnmbores de Mifrns (1997), e Cacrano Veloso, corn Liuro (19993,
no concurso Belcza Negra do Il:, quc elcge a Deusa do Ébano. nui520 de sua participaçao em eventos nacionais e internacionais e na
queda de vendagein de discos, que deixaram de a l c a n ~ a ro iiumcro de
copias que lhe garantirain os discos de ouro, platiiia e diamailte recebi-
dos no inicio da década. A partir de 97, o Olodum volta a trabalhar corn
os milsicos que participarani do processo de invenqao do samba-reggae,
que Ihe dcu fama e prestigio.
O presidente da entidade, Joêo Jorçe, reflete sobre a trajetoria da ban-
da: "O caminlio que traçamos foi iinportante pava que chegissemos até
aqui, foi boiii para a nossa historia. Hoje, queremos uina musica pei-cussi-
va, alegre e boa para dançar". Em tom de autocritica, o Olodum realizou
realiza. Essas oficinas i:eunem jovens iiistrumentistas e grandes mestres da
percussâo. Em 98, o 11 I'ercpan ti-ouxe do Senegal Doudou Rose, que rea-
lizou uma oficina pal-a cerca de cem pessoas. Orientados pelo mestre, os
participantes puderam experimentar as sonoridades dos tainbores sene-
galeses, que durante o sliow foram tocados nZo somente por cle inas tam-
bém pelas esposas e filhos do peucussionista, uin dos principais iionies da
moderila miisica afsicana. "Estou preparando meus fillios para elcs serein
melliores musicos do que CU.E também trouxe as mullieres para tocar, o
que é unia novidade no Senegal", comentou Doudou durailte a oficina.
Através dos woïkshops, os participantes adquirem coi~hccinientos
sobre a cultura iii~isicalde outros paises. Doudou Rose é de linliagein
griol, familia de miisicos itiilerantes que contam as bistoi-ias do seu povo
através de um repertorio mitol6gico. Os griots sao considesados arcsui-
vos vivos da liist6ria africai~a- "um gïiot que inorre é como uina biblio-
teca queimada", diz uin ditado. Segui~doDoudou Rose, "os ,g/iots s5o
guardioes do patrimônio liistorico do seu povo", cxplica o iiiestuc, quc
.,
la passou boa paste do seu conhecimeiito para scus filhos. "É uina tracli-
$20 e todo pai teiii obriga@o de ei~sinaraos fillios", afiriiia o pei-cussio-
nista duvante a oficina.
O inusico de Gana Aja Addy, mestre na polirritmia dos tambores
falantes (uma das priineiras formas de emissâo de niensagens a distância),
tambéiu realizou uin workshop para cerca de setenta participailtes que
experimentaram percutir sobre o pïoprio corpo, usando perilas e peitos
como instruinenios. Addy apresentou o "panlogo" (uin tainbor tipico de
Gaiia) e falou sobre a s e l a g o entre danga e musica: "Todo percussiotiista
tem que saber dancar. O tainbor e a dailga s5o paralelos". Os jovens la-
poneses do Wadaiko Yamato tanibéni fizeram uina oficina. Vindos da
O compnsitor ~ . i i b ~Gii
~ r co o pcrcussionista Naiii Vascoricelos cidade de Xara, do Sul do JapZo, eles mostraram a inusica feita em ceri-
piomovem saivadoi- i>ariorania Percusrivo M~iiidiai(l'çrcpaii), atraill(10
m~sicos,pcsquisadorcs c cuciosos de rodos os conrinenics.
mônias tradicionais japoiieses, eiii grandes rambores chainados "taiko",
a arc,iC"
usaclos nos teinplos budistas e xintoistas. O grupo é coinposto de homens
e mulheres percussionistas.
Para o percussionista Giba CoslceicZo, que participou de vjrias dcssas
oficinas, "todos os workshops ti-azem muito aprendizado. Eu me idenri-
fiquei inuito com os seslegaleses, que me ganharam pela forga da percuss5o
afro, mas tambéin apresidi inuita coisa c o ~ nos tambores japonescs". l'ara
o saxofonista Andi-é Becker, "as oficinas siio mais intei-essantes que os
shows, porque vocC tcrn oportuiiidacle de falar diretaineiite con? o musi-
co c pode tii-ar dcie o que você quer saber, vocC fica sabendo exaiaiilente
como tocar os instrumentos". Os shows e os woïkshops, gratuitos median-
te inscriçâo antecipada, proinovem a veiculaçao de infoi:niaçôes musicais
estrangeiras e trazem um ai- cosinopolita a o meio musical de Salvador.
Em 97, Salvador sediou pela primeira vez o evento interilacional de
Celebraçso da 1-Ieranca Ail-icana. O encontro reuniu representantes das
religioes afro-brasileiras, militantes d o movimento negro e rnuitos artis-
tas. O centro historico da cidade recebeu O grupo nova-iorquino de street
dance Rennie Fiarris Pure Movement; o grupo de percussao Tambou Bô
ICannal, da Martinica; o music0 angolano ICituxis; e os pel-cussionistas
baianos Wilson Café e Mônica Millet. O climax da movimeiltaçZo musi-
cal durante a Celebraçao foi o encontro de 500 tarnbores afro-brasileiros
e internacionais, estes trazidos pelos musicos estranseiros que participa-
ram d o evento. Neguinho d o Samba e Mônica Millet dividiram a regên-
cia com Daniel Diaz, dos Estados Unidos, e o miisico Cal-linhos Bi-own
também apareceu para "dai: uma canja" como maestro.
Salvador conleça a aparecer no cenirio mundiai como uin phIo de
produçao musical. Segundo Caetano Veloso, "Salvador fez um esforço por
Os musicos narre-americanos d o Druiiiin' 2 Deep brincam com os rambores meio de todos nos de se ligar com o mundo desabusadamente. E conti-
da banda juvcnil d o Olodum no Pelô durante o Pei-cpan 9.5. nua fazendo isso". Cresce a presença de estrangeiros intei-essados em
musica afro-baiana, sejam eles turistas, miisicos, pesquisadores ou pro-
dutores. Depois que O iniisico norte-americano Paul Simon gravou com
O Olodum, o percussionista d o Zaire Ray Lema, iim dos mais importantes
nomes da worldmusic (ao lado de Salif I<eita, Fela I<uti, Youssou N'Dour,
pais da moderna musica africana), também foi à quadra d o Olodum para
tocar corn o mestre Neguinho d o Samba. O produtor norte-americano
Creed Taylor esteve em Salvador para gravar um prograina especial para
a TV sobre o tema. Segundo a diretora Amy Rosiyn, "O trabalho é uma
seqüência da ascensao da musica afro-brasileira em todo o mundo".
Nos ultimos anas, os contatos internacionais sa0 cada vez mais fre-
qüentes. O Festival de Montveux tem em sua programaçâo a "Xoite Baia-
na". O gi-upo Ai-a ICetu foi entrevistado por David Byrne para um do-
cument5rio na T V ainericana sobre musica africana, além de ter viajado
à Guiana Francesa como representante brasileiro no Festival de Miisica
Negra de Caiena. O Olodum encontrou o cineasta Spilce Lee nos EVA
durante a primeira turnê norte-americana do grupo, iniciada em Montl-eal.
Para Neguinho do Samba, entao mestre da bateria d o Olodum, "os con-
tatos sao muito proveitosos, eu criei dois ritmos novos durante a excur-
O Olodum participou também d o Festival de Artes de Nova York.
A tnhla, insrrumento indiano, foi apresenrada em Salvador cm 199.5 Em 97, Michael Jackson gravaria cenas para seu clipe no Pelourinho.
pelo griipo que acompanha a cantoia Sliobl~aGiirtu.

A Trama dos Tamhoics 195


A expaiisiio da percussâo iio iiiuiido da musica traz para a ceiia afro-
baiana uin iiovo eieineiiio: a ps-eseiiça de inullieres. At6 bein pouco rcni-
po os espacos percussivos erain cxciusivainente inasculiiios n o que tliz
respeito aos executaiites. É diiicil pi:ecisar as raz6es que determinai-ain esse
tipo de sexisiiio, iio eiitaiito pode-se ari:iscar alguns farores. O primeii-o
deles talvez seja unia coiitingência iiist6rica que esta ligada às origeiis da
percussao lia Bahia, tlesenvoivida em espacos rituais. 1-Ii um elei~iento
comum tanto à inusica rituai do candoniblé e da capoeii-a quailto a o am-
biente percussivo profano: os homeiis tocam os itistrumenros.
Talvez essa tuadiçiio explique em pai:te a persistSiicia da cai-acte-
ristica scxista até os anos 90. Aléin disso, a perseguicao policiai que sein-
pre acompaiihou de perto, du]-alite décadas, as iiiaiiifestaç6es cuiturais
negras, sagradas ou profaiias, implicou o posicionamento margiiiai quc
a percussiio popuiai- ocupou, mesmo livre das criininalizac6es.
M a s esse aspecto se modificou con1 o final d o século XX. A expaii-
siio da percussiio, que aponta para uma in~idancade posiciio da periieria
para o show biz, rem como refiexo a entrada de iiiuilieres. Um exeinpio
ilusti-ativo é a perciissionista Mônica Millec, neta de MZe Meiiininlia do
Gantois, e filha de M à e Cieuza, morta ern 1999, que, apesar de ser suces-
soi:a direta pela "iiniia de sangue" iio pape1 de chefe de tcrreiro, decidiu
iazer miisica pop. Môiiica aprendeu a tocar denti:o d o Gantois coin O
Mestre Vadinho, que ihe ensinou os ritmos dos orixis, e, seguiido eia
mesina diz, o aprendizaclo a prcparou para tocai- quaiquei- outro ritino.
"Eu fui api:eiidendo aquelas coisâs n o candomblé, eiitiio era sinipies tirar
os outros ritmos; iazei- rock, pl-a iniiii, era inuito ficil." Sua enti-ada no
mundo pop acoiiteceii através de um convite da cantora haiana Mai-ia Ke-
tliânia, fieqüentadora d o terreiro. "Eu estava tocando saiiiba de roda i i
n o Gailtois. Quando niio era ritual eles rnc davam espaco. Ela me viu
tocaiido e mc convidou para participar de seo disco Pissaïo PT»;/ , 71d O lia
cailcZo 'As Aiabis'. Eu me fascinei por aquele inuiido clerrônico, O regis-
xaa de Mac i\ilciiiiiinha, Môiiica Millcr apreiideii no Gantois os ririnos dos tro em si da iiiusica. achei mai-ai-iihoso."
"riXiS.
11pcrcussionista 6 eio cnrrc o caiidomblé e a inusica pop.
O inlpacto que a tecnologia causou sobre a informaçZo oral de Mô-
nica Millet fez coin que ela ultrapassasse a barreira religiosa e inauguras-
se em Salvador a presença feminina nuin mondo ti:adicionalmente mas-
culino. "Quando eu começei a tocar realmente, nâo tinha mulheres to-
cando percussao. lsso foi em 76, quando eu aceitei o convite de Bethânia,
e ai eu fui toinando gosto pela coisa." De 1 i para ci, Mônica passou a
combinai- suas obrigacoes de "filha-de-santon, herdeira da cliefia de um
dos mais respeitados terreiros de candomblé da Bahia, com as atividades
percussivas no n u n d o pop. Depois de tocar nas bandas de Ga1 Costa e
de Marisa Monte, a percussionista se ocupou da fus50 entre o "agueré"
(ritmo de Oxôssi) e o reggae.
Esse trabalho acompanha urna pesquisa de ritmos brasileiros que vem
tomando forma na proposta musical de sua banda, a Egbi. "Eu quero
trazer para o pop a ritmica do candomblé, O agueré, o opanijé, e muitos
outros ritmos negros como o lundu, o congo, a andança, a chegança [...],
os cânticos da puxada de rede, que nem existem mais. Mas eu tenho a
preocupaçao de nâo me einpolgar demais e trazer as coisas que sa0 do
ritual para dentro do pop." Para a percussionista, é preciso estilizar os
ritmos, criar a partir deles, para nâo profanar as musicas da religizo.
Mônica Millet é um exemplo vivo da ponte entre o candomblé e a
inusica pop percussiva. E mais, ela bem poderia personificar o encontro
da oraiidade presente na reproduiâo da linguagem percussiva, com todo
seu componente artesanal, e o aparato tecnolôgico do qua1 essa ling~ia-
gem se investiu e que marca sua entrada no universo eletrônico da musi-
ca pop contemporânea.
Nos anos 90, bem depois do tral>alhopioneiro da neta de Mâe Me-
nininha, muitas percussionistas foram admitidas em grupos musicais e essa
novidade terminou se transiorinando num marketing que incentiva a for- inspirada no figurine da Escrava Anasricia, a banda Diil5 corna
mais visivel a preseiiqa ferninina no rnundo da percussao-
maçao de varias bandas femininas. O afoxé Filhas de Oxum, a versgo
femiiiina do Filhos de Gandhy, foi a primeira bateria de mulheres da ci-
dade. " O caildomblé também rem sua hora de lazer, a hora do samba, a
hora do afwxé, é normal. O que se toca e canta ali, reportando aos ante-
passados, nâo é o ritual, é a recreaçâo do terreiro", expiica Mônica Millet.
A presensa feminina na percussao esta relacionada também com a
reduçao de peso dos instrumentos. E esse é mais urn dos reflexos do ca-
samento da musica pei-cussiva com a pi:oduçâo em~resarial.Os tambo-
res tradicionalmente construidos em inadeira e couro sjio agora confec-
cionados em aluminio e plistico sintético, e isso certamenre facilita o
maiiuseio dos instrumentos pelos corpos fernininos. Neguinho do Sam-

19s Goli Goerreiro


ba, uni dos idealizadores desses novos instrumentos, conta que "antiga-
mente os instruinentos eram inuito pesados, pi-a afinar uiii atabaque todo
ern madeil-a com aquelas tarrachas era preciso ter uma mâo muito gros-
sa, como uma sola pra podei. hater, entâo era um mundo muito masculi-
110 iiiesmo".

Para além dos arguineiitos historicos especificos, que buscaram ex-


plicar a discreta presença feminina no ambiente percussivo, nâo se Pode
deixar de colocar que a quasc ausêiicia de mulheres enquanto instrumeii-
tistas é uma caracteristica do meio musical brasileiro em gei:al. Enq~ianto
a MPB exibc unla enorme variedade de vozes femininas, naturalineiite
privilegiadas pela sua capacidade de ir do grave ao agudo, nota-se que a
atuaçao de mullieres como exccutantes de iiistrumentos é praticameiite
inexpressiva. Talvez por isso inesmo a atividade iiistrumental percussiva
feita por mullieres no nieio m~isicalde Salvador tenha se transforinado
numa novidade capaz de atrair o mercado.
Unia das bandas baianas que utilizam a feminilidade como inarca
é a Didi, produzida poi: Negninho do Samba. Desde o tempo ein que era
inestre da banda do Oloduin, o percussionista iiivestia na foi:inaçao de
uina banda de mnlheres, chegando a iniciar o traballio com algumas ga-
i:otas que formavaiii a Mâe Maria Mulher Olodum. Mas esse projeto,
no seio desse bloco afro, teve vida curta. Por nao ser uma prioridade da
entidadc, a banda feininina ensaiava nas folgas dos ensaios da banda inas-
culina, pois n2o tinha instrumentos proprios. Ao considerar que seus pro-
jetos niïo cabiam na esigreiiagem do famoso bloco e se mostrando iiisa-
tisfeito com os rumos que o Olodum havia tomado, Neguinho do Sain-
ba rcsolveu se retirar da entidade afro niais poderosa da Bahia e passou
a se dedicar exclusivamente a o seu projeto de formar percussionistas
Coilvidada pur Neegoiiilio do Samba para conipoi-
niullieres. uina haiicia fcniiniiia, Viviaii Caroiinc veio a diiigii ao iado
Vivian Cai:oline, diretora cultural da Didi Banda Feininina, é uma do incstre a Escoia dc Musica Dida, ino Pelouorinlio.
das crias do mestre do samba-reggae. Ela tinha apenas 15 anos quaiido
SC seiitiu seduzida pela idéia de tocar tambor. Desde muito crianqa fre-
qüeiita os eiisaios de blocos afro corn a mâe, Hilda Queiroz, que a prece-
deu na diretoria da Didi. Militailte d o moviiiiento negro, ensinou à sua
filha inesti~aa se considerar negra. 1-Iiltla conheceu Xeguinlio do Sarnba
quando dc seu cnvolvimento con1 o Olodum, e logo O maestro coiividou
Viviai~para fazer pal-te da vers20 feminina do bloco afuo. Vivian Caroline
conta quc "os dias forain passando e as meninas foraiil trazendo suas ir-
mas, suas amigas. Vieraiii mulheres de outras cornunidades que tiveraiil
noticia de que estava havendo uin inoviinento aqui. Sabe uma conspira-
$50 que nasce pequenininlia e você s6 chama aqueia pessoa que você acha
que rem coragem de participar? Foi bem por ai".
Quando conieqou a ensaiar, Vivian escolheu, entre os virios tipos
de surdo, a "rnarcaç20 de duas", e nela aprerideu os primeiros toques.
"Meu coraqêo sernpre bateu pela marcaçêo. N o carnaval, en eufrenta-
va a multidêo para estar junto d o cara que tocava, O dilema era decidir
se eu ia pra O Ilê Aiyê ou para o Olodum", relemhra. hfesino j i partici-
pando do mundo da mtisica, ela estava apenas conieçando a se farnilia-
rizar com O porte dos instrumentos, a diferenciar os ritmos, aprender seus
toques caracteristicos, enfim, ela estava dando seus pi:imeiros passos na
arte de percutir.
Neçuinho do Samba dava as aulas assessorado por uma percussionista
cliamàda Andréia (maestrina da banda juvenil do Olodnm -a Iciliman-
jaro), ao mesmo tempo em que preparava a f~ituramaestrina da banda
Didi, Adriana Portela. "Eu nunca pensei em ser maestrina, em ensinai-
pessoas, mas graqas a minha força de vontade e às aulas que tomo corn
Negninho do Samba, que é e s e r i sempre meu mestre, eu consegui me
desenvolver e assumir essa responsabilidade", diz Adriana.
Adriana era uma estudante de eletrônica da Escola Técnica Federal
da Baliia e tinha 19 anos quando ingressou no mundo da percussêo como
executante, pelas m j o s do mestre. A primeira vez que ela viu Neguinho
do Samba regendo foi pela televisêo, numa matéria sobre o Olodum. Ela
passou a freqüentar os ensaios do bloco e se aproximou de Neguinho.
Faltava muito pouco tempo para a inauguraçao da Escola de Musica Didi
e ela ajudou nos preparativos. "No inicio eu fiquei aqui ajudando e ços-
tava de ver ele fazendo os instrumentos. Eu dizia pi:a ele: eu vou tocav este
tambor um dia, você vai ver. Eu nêo sabia tocar nada, mas tiniia muito
iiiteresse, ficava olhando os meninos tocando e ficava repetindo os toques
com a caneta, n o vidro, na parede, prestando muita atençao." Adriana
saia da escola de eletrônica direto para os ensaios do Olodum, ainda sem
certeza de que iria trilhar um outro caminho profissional.
O interesse pela percnssiio foi crescendo a pouto de prejudicar a
conclus5o do estigio, iuiciado depois de sua formatura. "Meus colegas
queriam saber o que tenl a ver eletrônica corn tambor, ine pet,Ountavam
onde entram os fios, a informitica, era da computaqjo, na percusçêo, urna
coisa tao antiça, do passado. Eu nêo sei, é uma coisa que eu descobri dentro
de mini, de repente." Adriana sabia que tinlia bom ouvido para musica,
r-econiiecia con, facilidade ervos duraiite a execuqêo de uiixa banda, mas,
segundo eia, faitava uma coisa hisica para tocar: uma boa coordenaçao

202 Goli Goerreii-o


motora. Mas isso foi supei-ado c ern dois anos de eiisaios ela sc tornou
maestrina cia banda. "Eu acredito que essa falta de coordeiiaçao iuotora
é s6 falta dc pritica. Se tocio dia você se crcrcita uin pouco, tocando O
tainbor, em utn ano voct vai estai- tocando bcm e vai ganhar preparo fi-
sico tainbém."
Para ses mestre de L I I I I ~bateria é preciso saber tocar todos os iiistsu-
incntos que a cornpoem, e Adriaiia decidiu começar pelo repique. "Mcu
iiiteresse maiov ei-a pelo repique porque eu acliava ~ i i i instriimento
i mui-
t o dificil, el-a un1 desafio para m i n . Eu peiisava: SC eu coilseguir passas
por este, os outros sei-go mais ficeis." E assim foi, einbora 'Jcguiiiho do
Samba tenlia Ihe sugcriclo começar pelo f ~ ~ n d aoo instrument0
, inaior, que
alkm de ses de mais ficil esecuç5o se adequava a o scu porte fisico; de
estatura alta.
Adriaila apreildeu a tocai- todos os iiistrumeiitos da banda dc sam-
ba-reggae, difereiitemeiite de outras ineninas da Didi que, ein boa parte,
crecntam apenas uin dos iiistsi~mci~tos. Corn o aperfei~oamcntodas Pei--
cussionistas, veio a possibilidade da ioi:iilaçâo de uin conjuiito c assim
nasceu a Didi Baiida Feiliinina. Adriaiia aceitou o desafio de aprimosar
o coiihecimeiito de suas colegas, e hoje é uina das poucas iiiaestrinas d o
meio inusical baiano.
A percussjo realizada por m~iiheuesé O maïketing da Didi, que fez
a primeii:a apariçao pfiblica em jaiieiro de 1994. O evento era a Lavagem
do Bonfim. Xeçuinho d o Samba estava viajando a trabalho coin o Olo-
dum, bloco d o qua1 aiiida participava coino inestrc da bateria. As mciii-
nas tomai-am a iniciativa e i-esolveraix tocar lia Lavagem. "Nos botamos
os iiistruinentos ila cabeça, porquc ~ ~ tinliamosa o transporte. Desceinos
o plano inclinado e l i estavainos nos em frente a o Mercado Mode10 [de
onde parte a procissao ern clirec5o à Igrcja d o Boiifim]. Hlguinas pessoas As inc~iiiiasda lioiaciia Maria, formada no Cazidcal, usani
estranharain inuito, juiitou inuita gente a o redor da D i d i poi-que iiinguém os iiiais variados objetos ,para fazcr iim Latoijuc p o p
enteildia nada. A gente ouvia coisas assim: 'o que é que essa mulher ta
fazendo ai! nao tem roupa pra lavar em casa, G o , ininha filha!'. J i ou-
tras pessoas acharam interessante. Ninguém ficava indiferente, porque era
muito iiovo mesrno. Engraçado, uma coisa tao simples, pra nos era tao
normal, mas para aquelas pessoas: nao", conta Vivian.
Vivian Cai-oline analisa os iiiotivos da estranheza: "As mulheres iaii?
apenas assistir aos ensaios, elas quel-iain estai: proriinas dos namorados,
dos illaridos que tocavam, e muitas vezes despertava o interesse dc tocar.
Mas nuiica chegavain, nunca riverai11 coragcin, era como se fosse urn
mundo s6 deles", I-eflctc. M a s a percussao estava se expandiildo, e na
mesma época se fol-mava, n o Candeal, a banda feminina Bolacha Maria
- e inais tarde elas se rnultiplicaram.
É cerro que as rnullieres têm conquistado espaço ein todos os cam-
pos profissionais, mas essa presença feminina na pei-cussiio afm-baiana
tende a se expandii- a partir dos contatos internacionais. A visita de per-
cusionistas senegalesas e japonesas no conrexto do Panorama Percussivo
Mundial (Percpan 98) divulgou a inovaçao em culruvas en1 que tradicio-
nalmente as mulheres niïo tocam os instrumentos, pois isro niïo fazia
parte do status quo feininino. N o Senegal, tornar-se perc~issionistade-
Parte IV
pende da permissao do marido. Sao espacos conquistados recelitemente
pelas mulheres. Nos filtiinos anos da década de 90, surgii-am ainda as
CARNAVAL:
bandas As Meninas, Batorn Lilas, Brincando de Eva, Arte de Saia, De Ba- A FESTA DOS RITMOS
tom, entre outras que, como todas as bandas baianas, iniciantes ou nao,
apostam n o carnaval como vitrine para a conquista de uin lugar ao sol
no mundo da musica.

"pela mcsica, misceriosa forma do rcrnpo."


]orge Luis Borges
35.
KAS LADEIRAS D O I'ELÔ

A mfisica percussiva sernpve fez d o caniaval uin palco iiiaios, no qua1


conscguia ganhai- alzuiiia
- visibilidade a o lado das mais diversas linolia-
"
gens inusicais difundidas lia Ballia. Essa diversidade é um mai- de inusica
que vai do Pelourinho a Ondina. O giçantesco palco, que tcm se cxpail-
dido continuamente nas ultiiilas décadas, abriga cerca de 170 conj~iiitos
n~usicaise uin public0 estimado ein dois milhoes de folioes, que se espa-
lham poi- 22 ]<III,em dois grancles pescursos carnavalescos, chainados dc
"Dodô" e "Osinar", numa hoiiienagein postiima aos criadores do ti-io elé-
trico. O priineiro é o circuito da oi-la, alites cilamado alternative, que vai
da Barra a Ondina, e O seguildo é o circuito d o centro da cidade, que vai
do Cainpo Grande a o Pelourinho.
O Pelourinho é um bairro hist6rico e o carnaml que ele abriga niio
recebe trios elétricos, é fcito por bandas que tocam rnarchinhas, saiiibas c
pagodes, frevos e dobrados, ijexi e samba-reggae. O bairi-o que, iio fiin do
século XIX, foi palco d o "inciviiizado" eiitrudo, deixou de ses espaso fcs-
tivo qnando o carilaval se estaheleceu no inicio d o século XX, e coin a mar-
ginalizaçao cresceiite do lugar, n o decon:er das décadas, foi siinplesmentc
abandonado nos dias da festa mon-iesca. V i s o entiio coino un1 "gueto iic-
gro", tïarisfo~:mou-seno fim dos ailos 80 eiil sinibolo de negritude.
A partir daqueles anos uiu novo fluxo se estabelecia em dires50 ao
Pelourinho nas sexta-feiras de carnaval. Brancos, negros, mestiços, tuiis-
Difel-eiiciada dos circuiros priiicipais, a folia na Pei6 Icmbra antigos carnavais, tas de todas as cores passaram a freqüentar a saida d o O l o d u i ~ o~ ,hioco
ondc inascarados, picirôs c colombinas sc divcriein ao som dc inarchinhas.
que Iiavia renovado a musica afro-baiana arravés d o samba-reggac. Dc-
pois da restaura@o do parrimônio hist6sic0, no inicio dos anos 90, O bain-o
recuperou seu prestigio e a ai-ea passou a ser decorada para a festa.
A maioi: parte dos blocos carnavalescos parte d o Cainpo Grande em
direGao à Praça da Sé, onde se desmontam. Somente as baiidas que nas-
ceram no Pelourinho, como o Olodum, os Filhos de Gandhy, as Fillias
de Oxuiii e a Didi, armam seus blocos .1; Uma pet:cussiXo acustica doini-
na as ladeiras na variada paisagein sonora d o Centi:o Historico e atsai fo-
lioes que, ao redor das baterias, cspreitam, filniam c fotografain a pcrfor-
mance das bandas. 11prcsciiça da irnprensa coin i-eporteres, câme1.a~e luzes
traz u m certo glamour a o s eventos. N a rua, o s instrumentos multi-
plicados para potencializar o s o m d o s tambores. N o carnaval, os grupos
a f r o saein d e seus territorios e vêin para os circuitos priiicipais da cidade.
O ritual d e saida reforça a relaçiio afetiva c o m O espaço musical e reafii--
m a as origens d o s blocos.
N a s ladeiras d o Pelô, turistas e locais, velhos, joveiis e crianqas com-
p 6 e m o pfiblico q u e se inultiplica nas esquinas t o m a n d o cerveja, cvavinho
(bebida feita d e caciiaca e cravo-da-india), o u c o m e n d o "cl~urrascode
gato", millio o u acarajé nas barracas m o n t a d a s para a festa o u nos mui-
t o s bares d a i r e a hist6rica, c o m o a agitada Cantina da Lua ( p o n t o pre-
ferido dos tiiristas estraiigeiros), o n d e o reggae predomina. Cada u m desses
bares, c o m sua aparelhagem d e s o m , preferindo pagode o u axé,diversi-
fica ainda m a i s a paisagem sonora d o bairro. A Praça d o Terreiro, porta
de entrada d o Pelourinho, serve d e palco para virios estilos musicais. T o d a s
as bandas q u e a n i m a m a folia n o C e n t r a Historico t o c a m por ali, além, é
claro, dos a f o x é s e blocos a f r o sediados no Pelô. H i ainda u m grande paico
f i x a m o n t a d o n a velha Praça, o n d e se apresentam as atraç6es promovidas
pela prefeitura. Esses palcos siio m o n t a d o s t a m b é m e m outros espaços da
cidade, através d a implantaçiio d o "Carnaval d e Bairro". A festa se seg-
m e n t a e m mini-carnavais realizados e m sete bairros da cidade: Liberdade,
Itapuii, B o n f i m ( L a r ç o d o Papagaio), Cajazeiras 10, Engenlio V e l h o de
Brotas, Periperi, Fazenda G r a n d e e Retiro. Essas i r e a s siio decoradas, ilu-
minadas e abastecidas de sanitarios quimicos, para receber as atraçôes que
se e x i b e m até a madrugada. C o m isso, milhares d e folioes d e i x a m de se
deslocar para o s circuitos principais d o carnaval.
NA PIIAÇA DI\ S E

A Praca da SE é o poiito de partida e cliegada de quase tocios os blo-


COS e trios indepcilde~itesque percori:em o circuit0 Osii~ar:e por isso
mesrno os foliôes gostaiil de ficar por ali, antes do dcsfile, observaildo a
11lovimentacZoclos blocos que saein c chegaril. A Praca da SC é um poiito
de eiicoiiti:o e de passagçiii, uin verciadeiro polo do "correio nagô" -rede
de inforinae6es que coi-reiii de boca cm boca -durante o carilavai. Aléi~i
dos componentes dos blocos, iildo e vinclo, se eiicoiltram folioes pipoca
(aqueles que nao seein cm biocos privados) que transitain ciitre a irea do
Pelourinho e por todo o cil-cuiro Osinar.
Nesses poiiros de eiicoilrro, as pessoas coiiversam aiiiriiadas sobre as
coisas do cariiaval. As meihores bandas, as iiiilsicas inais suingadas, os
blocos que têm mais "gente boiiita", fantasias e abadis, sao os coiiientii-ios
inais fi-eqüciltes a respeito da festa, e os ioli6es api-oveitain a c o n c e n t r a ~ ~ o
para "CI-ocai-figurinlias" tipicamente carnavalcscas. 6 cornuin a partici-
p a ~ %de cada foii5o ci11 inais de uin bloco c isso pcrinite uina cornpara-
$20 mais detalliada.
É na Pi-aça cla SC que, depois do i.itua1 de saida: os blocos do Pelô se
arinain por complero, ganhando a forina que devern exibir duraiitc o des-
file nas ruas, ou seja, trio eléïrico :palco que reilne a banda), cari-o de apoio,
cordeiros (homens e mulheres i-espoi~siveis pela sustenracao da coi-da
eguranca do bloco) e os foli6cs-associados.
ndo o trio eléri.ico coino ponro dc refei-êiicia, os folj6es sc pi-cpa-
o desfiie. f i s s e iiion~ento,a iiid~iine11tii-iado bloco ga1111a 011-
tos ri-ansforiiiaii~suas fai~rasiasainda a n casa, modi-
Uiii roqcie pessoal à vestiinenta. En1 contaro Coiil
$50 de mocielos, alguns foiiôes resolvem inodificar a
im, saias se encurtam, mangas se cmbolam; O adereco
ara o pescofo. E. inuito poucos cliegam ao fiin do des-
a ou a b a d i ta] como idealizados pelos esrilistas dos

uacjuiagern e a forma de usar os cabelos taiiibéiii so-


s intervencijes. T r a i i ~ a storços,
, peilreados e maquis-
gens extravagantes viio sendo feitos no ponto de espera. Muitos adotani
os modelas afro de usar os cabelos, principalmente ein forina de tranças
e de gomos arredondados fixados no couro cabeludo.
A rransformaçiio tanto das failtasias como dos abadis é uin proce-
dimento bastante comum nos blocos de carnaval, antes ou durante o des-
file. Mas existe uma importante diferença entre fantasia e abadi. As fan-
tasias sZo a induinentsria dos blocos afro, enquanto os abadis srio a in-
dumentiria dos blocos de trio, antes chamada de mortalha.
A Praça Castro Alves envolve uma certa "sacralidade" e os blocos
O trio eiétrico conta com três pequenos palcos, um fi-ontal e dois
costumam investir na sua performance quando est50 nessa irea. Nos dias
laterais, onde os vocalistas se instalam rotarivamente. Nos blocos afro,
mais agitados da festa, ela chega a abrigar cerca de 200 mil pessoas. A
a irea interna dos palcos é ocupada pelos percussionistas e os outras iris-
imprensa permanentemerite instalada no local costuma mostrar flashes ao
trumentistas, que ficam voltados para a rua, de costas uns para os ou-
vivo para todo o Brasil. A apresentaçâo na "praça do povo" representa a
tros, e seus corpos se dirigein principalmente às platéias laterais. A mesa
possibilidade de ser visto por milhares de telespectadores en1 todo Brasil
de som ocupa o espaço iinediatamente posterior ao paico frontal, de fren-
corn a chance de balangar o ch50 da Praça, que refine O maior numero de
te para a banda. É por ali também que ficam os mestres, atentos a roda
folioes pipoca concentrados. A topografia favorece a exibiçao. O centro
movimentaçZo. O fiindo do trio é disputado pelos convidados, pela im-
rebaixado, onde desembocam os foli6es de duas grandes avenidas do cir-
prensa e pelo apoio. cuito central, a Rua Carlos Gomes e a Avenida Sete de Setembro, permi-
Quando as cordas, que delimitam o espaço interno dos blocos, se te a visualizaçiio do trio elétrico a longas distâncias.
levantam, as pessoas que estiio na irea sem a vestimenta dos blocos sZo Na varanda que se debru~asobre a Baia de Todos os Santos, a estitua
convidadas a se retirar e a banda faz soar os primeiros toques nos instru- de Castro Alves serve como ponto de referência para os foliôes que cir-
mentos. A partir dai os blocos carnavalescos estao prontos para entras
culam incessantemente entre as barracas e se aproximam dos palcos mi>-
na avenida. É peciso muito jogo de cintura e um bom preparo fisico para veis que pasçam pelo centro da P r a p para mellior desfrutar da eferves-
suportar o longo percui-so, tocando e dançando ou cantando e dançaiido cência musical que cresce no entorno mais proximo às caixas de som do
num aparelho m6vel de espaço reduzido. trio elétrico.
A imagem que se desenha pode ser comparada i de um grande bar- O centro da Praça é parada obrigatbria de todos os trios elétricos,
co pronto para se deslocar em meio a um mar de gente. Dentro dos limi- ali eies fazem sua exibiçrio perante as televisoes nacionais e estranseiras
tes da corda, a rnaior parte dos foliUes prefere desfilar na frente ou atris que costuinam visitar a festa soteropolitana. A exibiçiio na Praça Castro
do trio elétrico, pois nas laterais o volume de som incomoda os timpa- Alves é um dos momentos mais importantes do trajeto no circuito Osmar-.
nos, inesmo se for um trio simples, de poucos recursos eletrônicos, com- A multidao e as câmeras imprimem vitalidade aos blocos, que procuram
parado aos megatrios dos grandes blocos, tecnoloçicamente sofisticados, mostrar a sua rnelhor performance. Do alto do trio, é possivel vislumbrar
qiie alcaiiçam até 110 decibéis de potêiicia distribuidos ein cerca de 230 360 graus de massa Ihumana.
alto-falantes que podern ser ouvidos a cinco quilômetros de distância. Quando ilos anos 70 e 80 o carnaval soteropolitano foi enaltecido
Tocando, cantando e d a n p n d o , os blocos percorrem a Rua Chile, em Letras de canc6es de grandes nomes do meio musicai brasileiro, como
em direciio à P r a ~ aCastro Alves, um dos mais iinpoi-tantes pontos do Caetano Veioso, Gilbert0 Gil, Novos Baianos, a Praça Castro Alves foi
circuilo Osmai-. O "carnaval pipoca" tem na famosa Praça o seu maior canrada e decaiitada como o "coraçiio do carnaval de Salvador", por ser
espaço. o mellior retrato do carirer participative da festa baiana. Essa época,
quando a classe médjaialta começava a abandonar os carnavais de sa-
IZo de clubes sociais para se misturar ao povjo que brincava lia rua, foi
comentada por Caetano Veioso em "Frevo Novo" (1973), uma daque-

Goli Guei-rciio
! A Traina dos Tainborec
315
las faii~osascaiic6cs ("todo rnunclo lia I'raça e mailda a geilte sem graça
pro salao").
Uin dos evciitos mais iii~portaiitescia festa tem a Praca Castro Alves
como cenirio: O Eiicoiitro dc Trios, um "cl5ssico" do cal-iiauzl haiano,
que acontece desdc os anos 70, a o alvorecei- da Quarts-Feira dc Cinzas.
O encoi1ti:o refine viuios trios elétricos, incluindo O trio indelleildente Ar-
niaiidiiiho, Dodô e Osmar, que quase seinpre conta com a preseiiça de
Caetano Veloso e Gilhei-to Gil, além dos Novos Baianos.
Foi no encontro de 72 que o eiigenbeiro Oriando Tapajos apre-
sentou a "Caetanave". Um trio futurista inspirado ein aeronavcs, cons-
truido para honlenajear Caetano, que acabara de voltar do cxilio en1
Londres. O sagaz eilgenheiro é tambéin idealizadov do ti-io independeii-
. .
te Tapajos, que serviu de iliodelo para os moderiios caminhoes musicais.
Carlii~llosBrown reeditou a "Cactanave", desativada havia anos, no
carnaval dc 99.
Na Praça Castro Alves, a mfisica E ouvida, visra e dancada por ini-
lhares dc pessoas. Dispoildo de uin poderoso arsenal sonoro, os infisi-
cos gastam energia numa pei:foi-mance exihicionista convidaiido a ililensa
platéia a ui~lamanifestagao orgiistica. t\s palinas einanadas dos folioes,
tipicas do sainba de roda, sao a sei~haque coi~gregae convida os covpos
para as danfas coletivas. Todos paizecem estar contagiados por uiua ener-
;ia de alta voltagem. A perfoi-mailce se define, entiio, pelos ritnlos, pe-
los gestos, pelas danças que fazem a tempei:atura subir além dos graus
ceiltigrados a mais ti-azidos pelo vergo tropical. Depois da exibiçao na
Prafa Castro Alvcs, os hiocos começam a se rnover em direcêo à Rua
Carlos Gomes.

h Caeraiiave, trio consrruiiio por Orlando Tapajos para hoincriagear a voira


dc Caernno Veloso do cxilio, loi rcvitalizado por Carliiihos Bioi~zii.
N O FUNIL DAS AVENIDAS

A saida da Praça Castro Alves coincide coin a entrada nunia das


avenidas mais compiicadas d o circ~iitoOsmar, a Rua Carlos Gomes. Fre-
qüentemente, os blocos têni dificuldade de adentrar nessa estreita aveni-
da. A violência ganlia grandes proporçôes nessas ireas afuniiadas e bri-
gas explodem dificultando o curso dos desfiles. Uma das principais cau-
sas dos conflitos é o esmagamento das pessoas pelas cordas dos blocos
quedesfilam no local.
O foliao pipoca vê a rua invadida por centenas de seguranças, que
nZo medem esforços para garantir o conforto dos foliôes que pagaram pelo
espaço reçervado dos blocos. Ao se sentir encurralada pelas cordas, a
"pipoca" tenta invadir o espaço interno d o bloco e para isso rem que
enfrentar os iniimeros "cordeiros" que funcionam como seguranças.
O ernbate corporal, que mobiliza a policia, cassetetes e latas de cer-
veja atiradas na multidiio, faz das ireas mais estreitas ou mais concorri-
das dos circuitos uma espécie de guerra civil. De cima d o trio é possivel
ver nitidamente os embates e a cada explosjo de violência as bandas pa-
ram de tocar, obedecendo a uma espécie de ética partilhada pelos miisi-
cos: a musica silencia até o fim d o conflito.
Mas nem tudo é violência nessa irea d o circuito. Climas de guerra
Duiante O carnaval, a Praça Castro Alves esri semprc cheia de folioes. se alternam com climas de paz. Das sacadas dos prédios, espectadores
N o anlanllecer da Qi~arra-Feiradc Cinzas, a inultidiio se lançam pape1 picado, confetes e serpentinas, aplaudem a passagem dos
açlomei-a para a rradicional Enconrro dc Trios. trios e aguardam pelo proximo espeticulo.
N o fim da Rua Carlos Gomes, os blocos entram num espaço inter-
medi5rio, geralmente congestionado, o Passeio Piiblico, que leva ao Campo
Grande. As paracias ocasionadas pelo congestionamento favorecsm a rea-
lizaç5o das danças elaboradas durante os ensaios e sliows do verZo. Os
folioes se organizam ein alas de dança na avenida. Aqueles que conliecem
beiii os movinieiltos corporais espontaneamente coordenam essas alas.
As cançôes podem ser a base para a elaboraçZo das coreografias que
as acompanham e inuitas vezes modeladas de irnproviso, inspiradas
cm iiiiisicas coino "Dailça da Manivela", da banda Asa de A p i a , que
ptivilegia Sestos circulares dos bi-aços; a "Dança d o Pôe-pôe", do grupo

A Tiarna dos ïarnharcq 219


de pagode É o'I'chan!, que consiste em dobrar os joelhos, dirigiiido o corpo 39.
para o ch50; ou a "VOUVaruendo", de outro grupo de pagode, O Terra NO CAMPO GRANDE
Sainba, cujos moviinentos imitain O gesto de usar uma vassousa. As dan-
jas estào intimainente ligadas aos repertorios das bandas baianas.
Nessas paradas 1x1 curso dos trios, é conium tambéin o embate pa-
cifico entre as torcidas dos inaiores times de Sal\~adoi-,Bahia c Vitoria,
perguiitaiido: "Quein é Vitôi-ia ai? Quem é Baliia ai?". O s folioes se divi-
dem, os hinos dos blocos sZo cxeciitados em ritinos velozes e a torcida A sacralicladc tanibém paii:a em outro poiito de grailde iiiiportância
mais animada se destaca. do circuito Osmar - o Cainpo Grande, mais especificamente a Passare-
0uti:as brincadeiras s5o inveiitadas de acordo com os iiiodismos do la do Carilaval, oilde se realiza o concurso cal-navalesco desde os anos 70.
verao, coino, por exemplo, dar- a volta no trio, que nasceu nos ensaios da O Campo Grande é testcinuiilia da historia do cari~avalda Bahia e
Timbalada 110 Guetho Square, no bairi:o d o Candeal, para onde se diri- de todo O trajeto que os grupos negros percorrerain ao longo d o sécuio
gem cerca de 1.500 pessoas nas tardes de domingo, de setembro a feve- XX. O s clubes negi-os coin seus préstitos i-ealizaram ali a evoluçao de seus
reii-o. O palco d o Guetho se yosiciona no centro d o espaco e a pi:itica cie desfiles étnicos, que teinatizavani os reinos africailos. As batucadas or-
an-odes-Io dizeiido "vamos dar a volta n o Guetho", ao som dos timbaus, gailizadas, executando seus sambas e pagodes, tiveram no Cainpo Graii-
deu origern à briilcadeira que virou moda nos circuitos d o carnaval. De- de uin espaço de inailifesrajao. O s afosés continuain entoando suas can-
pois que os vocalistas dos blocos perguntam: "Vamos dar a volta iio trio?", çces ein ioruba, fazendo soar O i-itnio ijexi d o caiidomblé, iio pont« cen-
iinediatamente os folioes coineçam a se deslocar coi-rendo em torilo do tral da festa. Os blocos de iiidio, einbora i-cduzidos a apeiias dois, Co-
trio elétrico, forinando grandes circulos em inovimento na avenida. inaiiches d o Pelô e Apaclies do Toi-oro, ainda desfilam naquela aveiiida
teiltando preservar sua forma de expressao.
Os blocos afi-Odeslizam orgull~ososd o prestigio adquirido pelo sia-
tus que conferiram à percussao afro-baiana. iqaquela passarela, tambéiii
desfilam as bandas afro-pop, con1 seus ritmos sincréticos; os grupos de
pagode, exibindo suas danjas exuberaiites; e as bandas de axé-music,
grandes vendedoras de discos.
N o eiitaiito, o espajo da velha Passarela d o Carnaval esti bastante
diferente. A gi-aiide arquibancada popular que havia na irea foi reduzida
para dar espaço aos carnarotes particulares e a o camai:ote oficial d o ço-
verno do estado, onde se instala a cupula politica da Bahia. A avenicla
priiicipal da festa teni circulaç5o restrita aos politicos, aos profissionais
de iiiiprensa, aos convidados vip e aos participantes dos blocos, duraiite
os respectives desfiles. D o lado oposto aos cainarotes, iiisialam-se a co-
miss50 julgadora d o concurso carnavalesco e as televisces que captani e
veiculam as imagens dos shows dos grupos que por ali desfilain.
O esyaço é fecliado poi- altos tapuines, que impedein a visibilidade
do foliào pipoca que hi-inca no quadrilirero da pi-aça que foriiia O Cain-
po Grande. Na passarela, de fi:ente para a cena politica e rnidiitica, O sliow
das bandas aicanqa o cliiiiax no Campo Grande, onde os blocos procuraiii
exibir uina gi-aiicle perforinaiice.
A presenca expressiva da midia e d a arena politica no Campo Gran-
de s6 é observada atC cerca da meia-noire, horirio em que as bandas de
axé-inusic jzi desfilaram. Desfilando até a meia-noite, as bandas na0 so-
mente aproveitam a oportunidade para reverenciar politicos, como ga-
rantem sua exposiç5o na televis50, atraindo o inreresse de patrocinado-
res que aproveitam O espaco dos blocos para divulgar seus produtos. Em
geral, O nome dos patrocinadores aparece em painéis publicitzirios nos trios
elétricos, ein enormes baloes, e na vestiinenta dos associados do bloco,
além das referências feitas pelos vocalistas das bandas.
Por isso mesmo, os blocos afro reivindicam ha anos a antecipaiio
dos horirios de seus desfiles, que em çeral acontecem duranre a madru-
gada. Em 99, a CPI d o racismo tentou negociar a quebra da fila do car-
naval, para a inclus50 de cinco entidades afro no "horirio nobre": Ilê Aiyê,
Olodum, Muzenza, Malê Debalê e Filhos de Gandhy. Mas, segundo o
vereador d o PV Juca Ferreira, "a articulaçâo foi implodida pelos verea-
dores d o lobby dos blocos de trio, que q~iei-emgai-antir o acesso à aveni-
d a das entidades de 'mamâe sacode"'.
Mas, às véspei-as d o carnaval de 2000, o Depavtainento de Carna-
Recor(fistas de vendas, os grtipos de pagode, novas esrreias do cariiavai val da Eintursa anunciou que em dois dos três dias de desfile, "na segun-
baiano, investem rias corcograiias e na sensualidade.
da e terca-feira, a partir das 19 horas, a ordem d o desfile na passarela do
Campo Grande vai intercalas un1 bloco afro corn um bloco de trio". Se-
gundo Joâo Jorge do Olodum "estava inais do que patente a necessidade
de preservar a diversidade d o carnaval baiano, evitando a repetiç5o e a
monotonia". Vovô do Ilê afirmou a o Covreio da Bahia: "Vamos tornar
o Campo Grande mais bonito".
A avenida d o Campo Grande é o ponto de chegada dos blocos afi-o
que se armam no Peiourinho, mas é também O ponto de partida da maior
parte dos blocos carnavalescos, que disputam O conciirso do Rei Momo,
que eiege o inelhor em varias categorias: bloco de trio, bloc» afro, musi-
ca, vocalista, indumentiria, entre outras.

1iiciaiia Dias, aptesentadora da Rede Bandeiranres, à cîquerda, ern cobeirliia


do carnaval 99, ao i8ivoda Passarela d o Campo Grandc

A Trama dos Taniboies


40.
EM CIiMA DOS TRIOS

Durante o dcsfile carnavaiesco, a perforniancc das bandas se subinete


ao cii:cuiro, que impôe vina certa iiiovimentagêo, e é deterininada taiii-
béin pelo palco do trio, onde ela se desenvolve. Nesse espaço, a moldura
que define a açâo ganiia unis outra foriila. N o palco do trio, o espago
cênico é diininuto, a capacidade de ouvir os outros iiistruineiitos é redu-
zida, a piatéia é flutuante c infiilira; e o deslocainento coiltinuo do trio
interfere no eqnilibrio dos i~istsuinentistas.
N o caso das bandas afro, que utilizain o trio como palco, os i-itmos
executados no diilogo entre os instrumeiltos vaviados têin que se ajustar
a um cenario sobrecarregado de senticlos, que dispersa a atençêo dos
mfisicos. Ainda assim os percussioiiistas buscam realizar o aro musical pre-
ciso, aquele que vai regulai: a pulsagâo da fesra, pois o çesto de percutir é
o portador da mensagein dos tambores.
A perforinance das bandas no desfile do carnaval é resultado de todos
os eiisaios e shows realizados durante o ano, mas é certo que o contexto
modifica significativamente os e1e:iientos de sua performance. As carac-
teristicas do palco do trio elétrico aiterani o posicionainento da banda.
Ern palcos fixos, a piatéia se eiicoiitra deironte do palanque, os cantores
ou cantoras em prii~ieiropiano, o inestrelmaesti-iiia, atris dos cantores,
fica de frente para todos os perc~~ssionistas organizados em fila, e no fundo
do palco se iiistala a bai-inonia, aléin do baterista.
Ncguinho d o Samba oricnta a pcrformancc da banda Did6 rio ~ a l c od o trio, N o palco do trio, os percussioiiistas ilêo estêo iado a lado, mas sim
no iiiornenio ci17 que passa ein lrente aos carnarotes da Passarcla do Carnaval
em dois grupos que SC dirigcin para as laterais do trio, de modo q ~ i ccada
grupo d i as costas para o outi-o. O "cacique" da banda - o rnestrc, quc
esri: em geral, alguns degraus aciina da banda, ao iado da mesa de soiii
- interfere tanto no trabalho do técnico que opera a niesa, falando dire-
tainente corn ele, quanto no trabalho dos instrumentistas através de ges-
tos que orientam o processo musical.
O mestre, peça-chave da condugêo da banda nos eilsaios ou nos shows,
nêo coiisegue no p l c o do trio a relagêo direta com os iiisti-umentistasati-avés
do olliar e dos sinais que einite quando esri de fi-ente para a banda coino
um todo, e o seu pape1 é muito niais dificil de ser realizado. Enti-e os pro-
prios percussionistas, a cumplicidade se desi~itegrana polissemia do espa-
50 fcstivo. O diilogo entre os instrumentos se fragiiiza diante de cada cena
insolita, de cada briga violenta que irrompe na multidao, ou de uma carga
de energia detonada pelo prazer que a festa suscita. Com tudo isso, O tra-
ballio musical se i-ealiza mais individualmente, mas a intera55.o cotidiana,
alcançada nos ensaios intensives durante O ano, ainda garante uma nociïo
de conjuiito, comandada pelos mestres da percussiïo.
A performance das bandas afro, desenhada num deslocamento con-
t i n u ~entre
, espaços mais ou nienos sagrados, num palco movel e exiguo,
é resultado da mesricagein estética d o ineio m~isicalde Salvadoi-, que ca-
ractei-iza a coiiternporaneidade musical baiana. Ela concatena o artesa-
nato d o gesto musical, elaborado no interior das quaduas de eiisaio dos
blocos afro, e o apai-ato eletrônico que o palco do trio periilite manipular.
A esti-utura sonora dos trios est6 cada vez mais sofisticada, e, para
enfatizar O desenvolvin~entotecnol6gic0, Gilberto Gil deiioininou O pal-
co anibulante que puxou O bloco da Tropicilia, no carnaval de 98, de "trio
eletrônico". Segundo o compositor, "O trio, nestes cinqüenta anos, teve
uina evoluçao muito grande. De nma primeira fase basicamente eléti-ica,
para esta filrima, que j i é mesmo eletrônica. Todo O material utilizado tanto
na luz qiianto no som, na amplificaczïo, todos S ~ marcados
O pela presen-
ça primordial da eletrônica. Estamos todos ligados a traiisistores, a chips,
estamos trabaihando corn ondas hertzianas".
As bandas afro como Olodum e Timbalada contam corn virios vo-
calistas, e no palco d o trio O niimero de tambores é superior a o nuniero
de instrumentos elétricos. Existem pelo menos sete tipos de tambores
conti-a ti-Es instrumentos harmônicos, aléin da bateria e dos sopros. tiléin
de a percussao prevalecer em niimero e variedade de instrumentos, a pre-
Mesmo de cosras uns para os outios, os rimbaleiros rnantérn
sença dos percussionistas no palco implica a possibilidade de a dinâmica
a ciimpiicidade da banda no paico d o rl-io.
d o gesto, impressa aos tambores, abafar o som dos harmônicos, até qlie
o operador da mesa de som regule a altui-a dos instrumeiitos e restabele-
ça O diilogo pl-evisto, cm que, de qualquev fouina, rcssalta a supremacia
da percussZo. Além disso, existem cerca de duzentos homeiis fazendo a
percuss5.o acustica na rua, no ch5.0, cei-cada pelos associados dos blocos.
A relaçao entre esses elementos sonoros e visuais orga~iizaa ~erformance
das bandas no palco dos trios.
J i as bandas de axé-nqusic, como Chiclete con1 Ranana, Asa de i\g~iia,
Clieiro de Ainor, exibem basicamente instrumentos hai-mônicos, além de
Lim baterista e um percussionista que trabalha corn um par de congas e
alguns idiofones. Os virios efeitos percussivos utilizados s5.o acionados

I\ Ti-aiiia dos Tamhol-cs 227


atsavés d o sai?zpleï, operado pelo técnico de som. E embora as bancias de 41.
axé tenhaiii evesitualmeslte islcorporado surdos e timbaus, no resultado Ub/I TRIO FEMIKINO:
sonoi-o sobrcssaesn os iiistrumenios clétricos, coino a guitarra, o baixo c MAIIGARETF-1, DANSELA E IVETE
O teclado, a o lado da rnelodia d o vocal, pois siesse tipo de palco O vocalista
é o graside destaque.
Cliiclete com Banaiia e iisa de Aguia nZo constituem blocos carila-
valescos. Elas assinain contratos corn os blocos que nZo possuein bandas
proprias. A Asa de Aguia, por exeinplo, j i anilnou o bloco Eva e o Iiiter-
nacionais. Como se vê, a rotatiridade cnti-e hlocos é um procedimci~tobas- Existein pelo inenos ti-ês vozes femisiiiias de grande peso no carila-
tante comum. val de Salvador: Margareth Menezes, Daniela Mercury e Ivcte Sangalo.
A Banda Eva foi concebida pelo percussionista Joiiga Cuiilia, uiii dos Eiiibora seus noines estejam liçaclos à cesia carnavalesca, suas trajetbvias
pi-oprietarios d o hloco Eva; assisn, esta banda dc axé se particulariza por sa0 difercnciadas.
trabalhar com três percussionistas, além dos outros instrurnentistas (bai- A primeira ii1ullicr a se destacar como cantora, a partir clo momeii-
xista, guitarrista, tecladista, saxofosiista, baterista). Seus arrasijos refor- to esTi que a axé-mzisic ganhou visibilidade nacional, foi Margareth Me-
çam a sonoridade dos tamboi-es, com êniase para O tisilbau, snas sua grande nezes. Depois de cantar muitos asios ein baies dc Salvadoi:, a cailtoi-a foi
estrela foi a vocalista Svete Sasigalo, que permancceu seis anos sia banda convidada pal-a fazcr bnclziizg vocal na banda de Sarajane, precursora (la
(entre 93 e 9 9 ) , sendo substituida por Emanuellc Araujo. axé-music, ein que teve seu primeiro acesso a um trio elétrico. "Sara es-
N o trio de Daniela Mercury, os elemesltos percussivos e Iiarsnôsiicos tava com um trabalho besn atuante. Ela é uma artista que sahe dosiiiiiai
ben1 visiveis. Timbales, timbaus, congas, surdos dividcsii O espaço do a piatéia, foi importasite j...] Foi a pizimeira vez que eu participei do cai-na-
palco coin o baixo, guitarra e teclado, mas a vocalista é a grandc estrcla val." Mas foi em 88, através da gi-avaçjo da cancjo "Farab", clo Oloduiii,
d o trio; que leva o seu slome. que ela passou a sci-conhecida e a gai-antir um certo publico em Sal\~acioi-.
Aiilda garota, Margareth lMenezes cosnecou a lapidar sua \raz sio coral
da Cosigregaciio Mai-iana da Boa Viagem, bairro proletii-io oiide nasceu.
Dai seguiu pclo tradicioiial circuito de bares, interpi:ctaiido iliusicos baia-
nos como O sainbista Edil Pacheco e Gerônimo, da turiiia de Sarajasie, quc
a levou pai:a O universo dos trios.
Antes dc cosil~ccei-o sucesso nacioiial, Margareth foi "dcscobei-ta"
pelo inusico asnericano David Byrne, através de um videoclipe da musica
"Elejigbô", gravado, iiias na0 veiculado, pelo prograina i'iri?tistico da Recie
Globo. O clipe foi parar na Mango Records, o se10 dc Byrne. "Isso acosl-
teceu porque ein 88 eu comecei a traballlar corn Daniel Rodrigucs, que
foi empresii-io de Gilbci-to Gil, que ja tii~bausna projeg5.o muito ;rande
fora do Brasil. Daniel silandou a fita e O cosiipacto /da musica 'EIejigbî>'jn,
coiita I/largareth.
David Byrne, ex-lider do Tailcing Heads e produtor cle world n?usic,
estava pi-ocurando um artista da Asnéi-ica Latina para acosiipanlii-io el??
sua turnê intci-nacional (89190).Mai-gareth foi escolhida. "Eu fazia a abel--
tusa d o sIlo\v dele, casiraildo dois samba-reggaes, que cra u i i i ~n»uidade
iiiesnlo. N~iilcailis~guénitinlia ouvido falar ci11 bioco afi-o, si> O David
[Byrne], que j5 tiiilia estado aqui con1 o Oloduin e o Ara I<etu", conta a
cantora, que ei-a apresentada pelo musico americano como uiiia das mais
1-icas expi:ess&es da miisica negra no Brasil.
David Byrne n j o havia visto a cantora pessoalmente ailtes que ela
chegasse a Nova York coino convidada do musico. "O principio foi muito
dificil, eu nao falava inglês, eu nao conhecia ninguém, fui sozinl~a.Eu tive
que tomar uma decisgo em menos de uma semana, eu nao tiniia idéia do
qiie era." Margareth teve que vencer uma certa resisténcia de outros mu-
sicos da banda de Byrne: "Alguns iilusicos latinos conipetem um pouco
com os musicos brasileiros, com a MPG. Entao foi dificil conseguir que
os musicos aceitassem o trabalho e a coisa de tocar si5 percussiio, aquela
potência d o samba-i-eggae [...] Mas com o David foi ficil, eu fui muito
bem recebida por eie".
Margareth Menezes saiu de Salvador diretamenre para o ambiente
internacional da w o d d music, concorreu ao G ~ a n ~ mantes
y de ter pubJi-
co no Brasil. Suas primeiras turnês com banda propria acontecerain na
Europa. "Quando eu voltei para c i , a iinprensa roda do Rio e S5o Paulo
ja sabia, O trabalho foi super bem-recebido, e ininha pessoa tambéni, foi
uma abertura total e eu passei a encaminhai- o trabalho aqui no Brasil",
relembra a cantora.
Margareth faz um nziz de virios i-itmos que se fundem no caldeirao
baiano. Segundo ela, "sao muitas fiis6es que diïo cei-to, samba, reggae com
funk, ijexi com rock. E essa parte d o molejo, d o suingue. rem muito a
ver corn o Recôncavo baiano, que oferece tudo isso, em terinos de melo-
dia, de ritmos". Seu primeiro disco solo, Mafgn.nreth ~Menezes,saiu em 87,
ti-ês aiios depois lançou U7n Cnnto pro Subir.
O giro pelo mundo enriqueceu o gosto musical de Margaretli. "Eu
ouço muita coisa, n16sica d o Iraque, da Tailândia, inusica latina", e seus
discos p6s-David Byrne trazem uma linguagem mais pop, inantendo o peso
Margaietii Menczes se difercncia da padroniza~iioda cena da percussëo e a ênfase na voz podeuosa, uma marca da caiitora, que, em-
nxé
pela pcrforma~icec escolha do reperiorio. bora colecioixe elogios da cïitica especializada nacional e internaciorial,
jamais conseguiu uma grande aceitaçâo coinerciai iio Brasil.
Margaretli blenezes se sentia pouco prestigiada por sua gravadoua
e, um aiio aiires de sais da Polygïain (Universal), comeiitava no Coneio
ch Bnhio: "O lançaiiiento de meus discos sempre atrasa. I<indnlc jo 3" dis-
co], por exeinplo, era pra ter saido en1 niarço de 91, inas so foi lançado
em junho, quand0 eu estava nunia tui:nê internacional de três meses". Em
94, a cantora roinpe corn a Poiygram, depois de lanças Lziz Dowcdo, que
vencieu, segundo Margareth, "40 mil copias, mas nao correspoiideu nem
à minha cspectativa, iiein à da gi-airadora. /...j Eu aclio que eles investi-
]:an1 iiiuito ixa co~ifec$?io d o disco e faliou invcstimento para a divulga-
@O", como deciarou ao joriial A Taïde.
A entao l'oiygrain questioiiava principalmente o fato de Mai:garcth
Menezes 1150 "acoiitccer" na Bahia. A cantora apontava as faillas da gra-
vadora, que 11~111sequer enviava seus discos para importantes ciciades
baiailas, coma Illiéus, por cxempio. Mas Margareth vê ainda ainda ou-
tros motivos para a sua baixa repercussao cornercial: "Eu 1120 teiilio uma
miquiiia coiiio acoi~tececorn a iiiaioria dos ai-ristas que tcm hloco de
cariiava!. Existe por ti-5s disso uma i ~ ~ i q u i i iquea , empurra", explicou a
cantora na ii~esniaentrevista.
Margaretll Meiiezes laiiçou, ein 95, Gente de fiesta pela Wariieï, inas
a i i i u d a i ~ ~dea gravadora niio i:esultou ein inaior aceitaçzo con~ercial.Ela
decidiu iiii~estirna moiitagein de uma produtora, a MM Produçôes, iii-
cumbida da carreira da cantora, que procura SC difereiiciar da cena axé.
Margaretll Meiiezes rGo gosta de ver seii trabalho confundido coi11 axé-
inusic. N o ïéveiiloiz de 1999, declararia à i;olI?a de S. Paulo: "No inicio
eu tive muita dificuldade de aceitar este termo. Eu tinha uina birra, par-
que axé E unia cxpress5o muito importante para a gente aqui na Bahia. E
este termo foi usado para definir todas as iiiiisicas da Bahia. Hcho que
muitos de nos iazemos coisas que eu pi-efiro chamar de afro-pop".
N o entaiito: Margareth 1120 vê probleinas na intensa veiculagio dessa
musica no inapa brasileiro. "Acho que é muito bom que o Brasil esteja
impulsionado yoï uina inusica alegrc como a da Baliia. Tenlio o inaioi:
orgulho de fazei o trabaiho que f a ~ o . "A cantora, que esti merg~ililada
no uiiiverso cariiavalesco e disp6e de trio proprio, afirma: "quero i-ccupcrar
a t r a d i ~ à odos tsios, ~ L I Ceram serupre teiniticos: por isso usei xi« meLi trio
esta iiispiraçiio futurista". A cantora colocou na rua, a partir de 99, uni
\i caniora Danicla .Mcrcury sc inspira nas corcografias dos hlocos afro
como o 115 Aiy5 (na foio) para consrruir seu "dendê-style". trio prateado, que leva seu noillc, onde três lioincns i>iiitadoscm toin pi-ata,
vesridos apcnas corn uma ranga da inesina cor, sc moviam con: gestos
robotizados, enquaiito o seu afro-pop domillava os ouvidos dos foliôcs.
Einbora Margareth Menezes tciiha sido a pi-imeira caiitora da iniisi-
ca afro-haiana a coiiquistar ui11 certo espaço e rcspcito da critica especia-
lizada no eixo Iiio-SZo Paulo, foi Daniela Mei-cury quem ïeiculou, con1
grande repcrcussiio nacional, a nova inusicaiidade. Eia scguiu o trajeto
costuineiro de a o o n e r de bai-ziiiho, cantando os grandes da MPB, quan-
do ainda esa meiioi- de idade. Daniela reieinbra os probleinas coiil O juizado
de menoues: "Quando elcs chcgavam no bai-, eu ia sentar cin aiguina mcsa,
fiiigindo que niio estava aconteceiido nada. Mas tentarain convencer iiieus
pais a iiâo me deixar cantar", contou à Folha do Tarde, de SZo Paulo, em
L992. Mas a garota, que nasceu no bairro de Brotas, persegui11 sua car-
reira, que inclui uma participaçâo como backing vocal da banda de Gil-
berto Gil.
Em 87, Daniela assinou contcaro corn o se10 soreropolitano Nosso
Som e çravou o seu primeiro disco. "Na hora de escolher o repertorio,
senti vontade de forinar um grupo" - a Companhia Clic, da qual ficou
à frente apenas um ano. Em 88, ela gravou pela Eldorado o seu primeiro
disco solo, no qual aparecia a cançao que a projetou corno cantora -
"Swing da Cor".
,Vas foi com o segundo trabalho individual, lançado em 92, O Can-
to d a Cidade, que Daniela alcançou uma avassaladora projeçao nacional.
O episodio d o MASP foi o primeiro sinal de que a cantora baiana tinlia
conquistado o pGblico paulista. Daniela Mercury conseguiu reunir tanta
gente empolgada em seu show d o vao livre do Museu de Arte de Sâo Paulo,
que abalou a estrutura do prédio, pondo fim a o circuit0 de shows do meio-
dia, que esticavam os almoços na Avenida Paulista.
N o mesmo ano, Daniela impressionaria a midia pa~ilistanacorn o
sucesso de public0 de seu show n o Olympia, que apresentava seu segiii?-
d o traballio solo e que Ille rendeu o titulo de "favorita das multidoes",
estampado na capa da Reuista d a Folha durante a temporada em 92, e o
critico Eduardo Logullo anunciava: "Sao Paulo se curva outra vez frente
à Bahia: a cantora Daniela Mercury é a artista mais popnlav da cidade.
Q ~ i e mduvida, que assista a um de seus shows. Se conseguii- lugai-".
Évei:dade que os paulistanos se renderain a o "dendê-style" de Daniela
Mercuiy, dançando quase no mesmo pique da cantora, cujo preparo fisi-
co vem das maratonas de sete horas seguidas ern cima dos trios no carna-
Espaqo que r e h e O maior nhrnero de vips diirantc O caniaval,
O camarote de Daniela .Vercury, pr6ximo ao Faroi da Barra, atrai platéias val de Salvador: "É d o calor dos folioes e d o publico nas ruas que eu tiro
interessadas nas dohradiniias que a cantora faz corn seus convidados. energia para mosti-ar o meu ti-abalho em outros estados". Ainda por cima,
Daniela somava poiitos por assinar direçio, texto, cenirios e ai-ranjos do
show bem cuidado que a cantora apresentou no Olyinpia.
Nessa época, a inidia nacional ainda via a axé-music (da qual Daniela
Mercury se tornava entao a principal representante) como um produto
inade in Baliia digno de alguma atençio. Afinal, Daniela trazia ein seu va-
riado repei-t61-ioo samba-reggae dos biocos afro, que essa mesma midia
via como uma expressao d o regionalismo baiano, que 1150 merecia (ou
n j o precisava) ser desprezado. Daniela cantava funk, rock, samba duro,
choi-inlio, foi-r6, MPB, frevo haiano, baladas, samba-I-eggae,fazendo uma
espécie de panorama i:itmico, num formato - um i-itiiio em cada faixa

A Trama dos Tambores 235


-que SC tornou bastante comum no mercado brasileiro ilos anos 90. Para
quesn ainda iiiio estava acosturnado a o siovo ritmo e 11ao iiiiiia saido da
ressaca causada pela "febi-e da lambada", Daiiiela explicava lia Foiho da
Tai.de: "O samba-reggae foi criado pelo Olodum. É inais cadciiciatlo e
surgiu na cultura baiaiia. A iasnbada tem outra oi-igeni e se d a i i ~ aj~into".
Muitas vmes eiitendida como esiilo musical, a lambada é uma d a i i ~ adis-
seminada no Pari desde os anos 70, que pode ser desenvolvida ao soiri
de virios ritinos, inclusive caribenhos. Eni 89, o grupo Icaoma, prociuzi-
d o por fi-anceses, detonou a ta1 "febre da lainbada" em Porto Seguro, que
foi iiiteïpretada como inais um dos produtos made iiz Bahia que costu-
mavani alcai~çai-o mercado brasiieiro durante os ver6es.
As coreogi-alias da caiitora e dailcarina segueni uma outra Iinha e szo
parte fundamental de sua perforn~asice.Passos de frevo, aerobica e dasi-
$a afro, inspirados rio universo dos grupos negros de Salvador, cornp6eii1
seu jogo cênico, baseado, segundo ela, em três pilares: energia, voz e rit-
mo. Para o critico Lauro Lisboa, "ninguém aiém dela consegue dancas,
pular e cantar ao inesino tesnpo sein perder o fôlego". Daniela Mercul-y
loi a pi:isneira cantora baiana a coiocar a estética carnavalesca de Saiva-
dos n o paico das grancies casas de espeticulo d o pais, quando passa a ser
considerada a "rainha da axé-nzusic".
Mercury traduzia Brasil afora a peïcuss5o afro-baiana para a iiiigua-
gem pop c afirmaria en1 98, a o josnal A Taide, que "o surgiinento do
samba-i:eggae foi o fato mais importante que aconteceu, nos ultiinos dcz
anos, sia musisa brasileira". O sucesso nacional foi seguido da entrada
da cantora n o mercado latino. O seu terceiro disco, Mzisica de liua, no
qua1 ela apasece tainbéni como cosnpositora, foi lançado siniultaneainente
iio Grasil e lia Argentins, e ihe reiideu disco de platina no pais i7eïi7zano.
"Teiiho inuito 01-gulbo de os argentinos gostarem do meu trabalho, o inais
lioniro é que eics fazeiii quesrio que eu cante en1 português, einbora al-
O cnconrro de ariirins 6 hasranrc conium no ciicuiro dc sliows dc Salvador
durante ioda a tcniporada de vcrjo. Na foto, Ivctc, Daniela e Ncrinlio. gumas infisicas do meu novo disco j i teiiliain vers20 ein casteihai~o",disse
a caiitora a O Globo csn 1994.
O mei-cado português tainbém lhe rendeu inilhares de copias veii-
didas. Daniela laii~avaentao seu quarto disco, FeilZo col??iivoz, e o cri-
tico brasileiro Luiz Kntôiiio Riif, que cobriu o show em Portugal, afir-
mou: "Desde os Mamonas Kssassiiias a musica brasileira nZo tinha uni
sucesso igual ein Portugal. Disco duplo de platina, a cantora baiaiia deve
ses usn dos quatro ou cinco artistas que ultrapassariio a inarca dos cem
iiiil discos esii 97 iio pais". Em 98, a caiitora investiu no mercado fi-an-
ces, alcancando alguina visibilidade, também cmbalada pela Copa do
da ceiia axé. Grande parte dos folioes escollie o bloco en1 fun520 da ban- Daniela gravava nifisicas dos blocos afro, e i i t ~ ovedetes da cena baiaila,
da que coinasida o trio. Portanto, o que estava esil jogo era a snanuteii- Ivete grava 0 cacique Cariisiiios Brown. O format0 do traba]ho 6 ,,lesrno.
$20 dos três inil associados do bloco, que poderiam siinplesmente correr As duas cantoi-as usani e abusasn da sua natusalidade: sao baiallas,
atris da Asa de Aguia, no bloco Internacionais, para o quai a banda se antes de cjualquer coisa, s:eafirmasn o miro do talento inato para a pro.
deslocou. duça0 niusicai. Ivete Sangalo, quaildo reccbeu o clipe de da MTV
Mas o publico do bloco nào debaiidou, pois, desde a primavei:a de (99),na calegoria axé-nzusic, agi-adeceu primeiraniente fata de baia.
92, a Banda Eva emplacou hits instantâneos no circuit0 de shows de Sal- 11%abraçada a Gilherto Cil e Caetario Veloso, que Ihe entl-egaram o prê.
vador, como "Alô Bye Bye", incluido no repertorio do show de Maria mio. Diferesltesnesite de Daniela e Ivete- bi-ailcas de classe M ~ ~ ~ ~
Bethânia, que afirmou na época: "Ivete Sangalo seri a rnaior casitora do reth nuiica precisou explicitar sua relacZo coin a afro-baianidade. E,em-
Brasil" -conforme o texto do pr.ess release da nova inusa. Saslgalo rapi- boxa tenha uma ligaçZo visceral con1 o sneio local, jamais alcaslçou il;.
daniente aicancou notoriedade e gravou seis ilbuns com a Banda Eva, que vel de popularidade das outuas, nunca foi vista coillo inusa.
entrou para a lista de inaiores vesidedores de discos do pais. Banda Eua Masgareth também deil uni forsnato pop à Iinguagem dos tamhorcs,
Ao Viuo, O quinto album, l a n ~ a d ocm 97, vendeu dois milhoes de copias. retrabalhou virios ritmos, seduziu platéias estrangeiras, ailotando
Enquanto ascendia cosno cantora da Banda Eva, Ivete se aproximava nosne no m r c a d o de miisicas do siiundo. Virou produto de e x p o r t a ~ ~ o ,
da linguagesn dos tambores, siamorava percussionistas e costumava dar freqüentou durante onze semanas o primeiro ltigar de woïld music da
canjas tocando timbau, inclusive em shows de Carlinhos Brown, corn Billboa-/d, inas nunca foi usna estreia popular na Bahia. Talvei. a busca
quem dividiu O palco do trio do Eva ern virios carnavais. Sanga10 se ar- por uma estética w o d d i?z~~sic teilha deslocado Margareth do padr-ao ra-
riscou tanibém corno cosnpositoi-a e a cancZo "Carro Velho", na quai diofônico local, alimentado pela yrodui.5o de axé-nzusic. As ridios da
declara seu tesâo pclos iieg6es ("quero men negZo do l a d d cabelo peiltea- Ballia SZO umbilicais; poucas cidades do Brasil ouvem taslto a sua propria
do, coragào dilacerado"), foi O filtimo grande sucesso da cantora como produçâo ii~usicalcomo Salvador.
vocalista da Banda Eva. Enquasito Daiiiela e Iveie rcpetem f6rsnulas de apelo coinercial e se
Em 99, a cantora e compositora comp6e uma nova banda, parte fecliam em blocos coin cordas, cujos associados tarnbém brancos classe
para a carreira solo e langa o CD Iuete Saizgalo, pela Universal, no qua1 média e alta siio consuniidores cativos de axémusic, Margaretli se inove
ïegrava Wilson Simonal e interpreta Herbert Vianna. O disco segue o paralelamente. Seu trio indcpesidente nZo segmenta folioes e conseqüen-
formatQ da axé-nztrsic - traz os virios ritmos difun&\cios na Bahia, se ente nZo rende para a cantora as altas receiras que os blocos e suas
mexer na reccira carnavalesca. "Sou cantora de trio, minlla muçica é e las faturam e /lies garanten1 maci-a vejculai.ao n o shoz. 6iz.
n h pletendo lnudar l' blico de c a ~ n a v aél O rnesn~oque alimenta o milioriirio nin-ca-
,e O uso das coi-das I I ~ Oeiivoive apenas quesr6es de rnercado,
prietir;, da Caco de Telha Produç6es e Eventos, que ta uz ou soiiibra iias trajetorias artisticas dos peisonaçens do ineio
rosa musicai. Trabalhando corn a fasnilia, ela passa a e no, snas toca também na tensiio étnica do tecido social de
proprio Ilorne, além de produzir a banda Dr. Cevada e 0 t
der&, que foi às ruas na Quarta-Feira de Cinzas do car
A nova posigao de Ivete Sangalo no meio musical de Salv
xima mais de Daniela Mercury, com quem li foi infi
coinparada. Sen disco solo pouco se difereiicia de O Calzt
de Daniela. Quando Ivete canta "Se Eu NZo te Amasse Tan
Herbert Viailna, acaha reeditando o dueto que a primeira f
do paralaSnasdo Sucesso cin "S6 pra te Mostrar". Aliis, d
i AS CORDAS

Os blocos estao separados d a "multidao pipoca" por cordas de iso-


lamento sustentadas pelas cordeiios ou secutancas.
- O esquema da se-
gurança dos blocos d e grande porte, que têm entre 3.000 e 4.500 asso-
ciados, é O seguinte: ala de homens, que vao fora da corda, à frente dos
blocos, orientando o andamento d o desfile; ala de frente, ji no interior
do bloco, que controla a passagem dos associados para uina possivei zoiia
de coiiflito com os folioes pipoca, e coordenado~esque conti:olam a ati-
vidade de toda a equipe.
Com esse exército de até 1.500 segurancas investindo contra a miil-
tidao, a briga pelo espaço costuma ser pesada. Muitas vezes, seçuranças
desconti-olados extrapolam suas f~inçoese desencadeiain brigas sangren-
tas, quanclo pal-tein para a luta corporal com os folioes pipoca que pro-
testam contra sua e x c l ~ s a odos espacos mais proximos dos paicos.
Os blocos de grande porte trazein as grandes esti-elas como priiici-
pais atraçoes e cobram altos preços dos associados. 0 s jovens que podeni
pagar coi~tain,em média, com u m seguranga para cada três folioes. Esse
esquema de segui-aiiga concebido inicialmente pelas bandas brancas foi
incorporado pelas blocos neçros, que passaram a adotar uin esquema
seinelhante, na medida em que se tornarani também grandes nomes do
meio musical.
O foliao pipoca utiliza o espaço limitado entre as cordas
c as bordas dos circuiros carnavalescos. A efervescência d o "gargarejo" (a iuea mais proxima à banda) é
privilégia d o publico pagante dos blocos, que delimitam zoiias diiereiicia-
das n o espaço da festa. A presença das estvelas direciona o fluxo dos fo-
ii5es e garante presença massiva em certas ireas. Em torno dos blocos,
as multidoes se aglomeram para ver os seus idolos e desfrutar do sliovv.
A quantidade de folioes por metro quadrado nessas ireas é incalcuiivel,
e as cenas de violência em toi-no das cordas se repetem sistematicamente,
sobretudo, como j i foi indicado, nas ireas mais estreitas dos circuitos.
A quesr50 da lesitirnidade das cordas n o espaço pGblico das ruas é
uin dos temas mais debatidos pela imprensa c l ~ r a n t eo carnaval. O prin-
cipal argumento desse debate é o fato de O foliao pipoca estai. perdeildo
espaço n o "carnaval-pal-ticipaçZoo0de Salvador. N o carnaval de 1998,o

A Tlarna dos Tainboier 242


jornalista Paulo Henrique Amorim, da TV Eandeirantes, interinediou uin to, coino uiii reggae oii uin axé-i7zelody (axi-i7zusic de ritmo mais caden-
debate ao vivo no carilaval, sigiiificativamente chainado A ~ i do s lvio ciado e let!-as româiiïicas), buscaiido acalrnar os ânimos. "En1 ciiiia do trio
elétrico s6 uai quenz tein diizheiïo?. De uin lado da ai:ena, O compositor eu vejo como O pessoai se comporta, coiiio esri dançando, se eu de1.o jogar
Walter Queiroz, fundador do primeiro bloco carnavalesco, o Jacu, j i cx- uma musica !enta oii mais pauleira", disse Ivete Saiigalo ein eiitrevista a
tinto, que desfilava sen1 cordas ilos anos 70, e, de outro, Joaquirn Neri, Loreiia Calibria, para O prograrila Metr6polis, da Rede CuIturaTTVE.
dirctor do bloco CamaleZo, um dos mais caros e mais bem-sucedidos da Assiiu, o repei:torio dos blocos n5o segue uma ordein rigida - em-
cena baiana, ailimado pela banda Chiclete corn Banaiia. Eiiquanto \Val- bora preestabelecido, ele pode sel- alterado pelo clima da festa ou iiiodifi-
ter Queiroz dizia que a privatizaçâo do espaço carnavalesco é responsi- cado pela inclusâo de algluna cançso que se transforine em preferência
vel pela criaçâo de uma "geraçao de jovens cativos", incapazes de se mis- popular no decori-el-do eveiito, como O caso de "Farab" ilo can~avaitic
turar com a inassa negro-mestiça dos foliôes pipoca, Joaquiiii Nery afir- 1987. Espaço, ritmo, dailça e repertbrio se concatcnaiii na performance
mava que a pi-ivatizaqao viabiliza a realizaçâo de megaespet6culos de rua das bandas.
que podem ser assistidos por todo e qualquer foliâo.
i\ pesq~iisarcalizada corn a audiência do programa respoiideu afir-
mativarnente i questâo colocada por Amorim (79 coiitra 21). Levando
ein consideraçâo essa pesquisa e todo o espaço que a imprensa abi-e para
a discussâo sobre o usa das cordas, é possivel afirmar que h i indicios de
um quesrioi~arneiitodo processo de privatizaçâo do carnaval haiano. En-
c~irraladospelas cordas dos hlocos, os folioes pipoca ainda têm que dis-
putar espaço con1 os camarotes que, em grande parte dos circuitos, ocu-
pain os dois lados da aveiiida.
No processo de ascensâo comei:cial da infisica pcrcussiva, os blocos
afro se tornaram espaços atraentes para os braiico-inesticos, e a pai:tici-
paçâo nesses espaços se tornou onerosa. Com exceçâo do Ilê Aiyê, os blo-
cos de inspiracjo afro, cujas bandas rêm trânsito na midia, sXo compos-
tos por associados brarico-mestiços e, em meiior escala, pela classe iné-
dia negra, que desfilain em espaço segmentado. Assim, o espaço pGblico
das i:uas é privatizado e uma espécie de territorio classe médialbraiico-
mestiço se delineia, denti-o das cordas dos blocos e nos camarotes, esta-
beleceiido segmentaç6es étnicas e sociais. A violência que resulta dessa
seçmenraçâo afeta tanto os espaços animados por artistas brancos quail-
to negros. A mestiçagem do meio musical baiano desfigui-a a antiga seg-
menta@~:espaços negros (blocos afro) veïsus espaços brancos (blocos de
tl-io elérrico), e d i origem a uina outra: blocos dc trio (elétrico ou afro)
ueïsus foliâo pipoca.
Apesar dessa scçmcntaçâo, a mfisica que emana dos trios abastece
tanto os associados dos blocos coino os foliôes pipoca. E a propria rnfisi-
ca é capaz de neutraiizar os conflitos, através de um procedimento ético
çeralmcnte respeitado. Ern caso de briga, depois do silêiicio da banda, se-
guido do discurso pela paz, O bloco executa um ritmo de andamento len-
A diversidade ritmica d o carnaval de Salvador aparece nitidamente
na composiçao do repertorio das bandas locais. FI-evo,afro-pop, samba-
reggae, nxé-7.i?usic,are-rxelody, reggae, pagode, samba atualizai~io pro-
cesso de criaçao de um repertorio comnm que veio a rehoque da ines-
tiçagem musical.
Conio cada cançao é tocada à exaustao dui-ante o carnaval, as letras
tornam-se conl~ecidaspelos membros de quase todos os blocos e também
pelos folioes pipoca que se divertem construindo versoes, nein sempre
simpiticas. O s refroes das cançoes, mais facilmente nieinorizados, s2o
fueqüentemente transformados.
O hit d o Olod~ini"Alegria Geral", que diz "Oloduin t i hippie, Olo-
dum t i pop, Olodum t i reggae, Olodum r i rock, Olodum pirou devez",
se transformou no seguinte: "Olodum t i rico, Oloduni t i pobre? Oiodurn
vil-ou busguês", como uma eventual critica aos rumos da entidade. "A
Latinha", um hit da Tiinbalada que diz "Eu quero uma latiiilia cransbou-
dasido você", virou: "Eu quero uma Iatiiil~apra atirar [ou pra jogar] em
você". N o carnaval de 98, ta1 vers20 servia de senha para as inumeras
brigas que explodiram no desfile da Timbalada.
Durante o carnaval, as musicas trabalhadas nos repertorios das ban-
das baianas ganham arranjos de duraçao alongada, cbegando a alcançar
A Timbalada ensaia no Giietho Square as c a n ~ o c sqiie doze minutos, em lugar dos três a cinco minutos que normalmente du-
pode~iivira se toriiar hits no carnaval de Salvador.
ram em show ou em disco. Esses arranjos lonços compactuam com o tem-
po de duraçao de cada ritual carnavalesco, que costuma sel- bastante ex-
tenso se comparado a o tempo dos shows que as bandas realizam no de-
correr d o ano, que duram, em geral, de duas lioras a duas Iioras e meia.
Essa caracteristica da musica produzida em Salvador, observada prin-
cipalmente ilos ensaios dos blocos e bandas afro, se estende a rodas as
bandas baianas, que, durante o carnaval, permanecem cerca de sete ho-
ras na avenida. O hibito de tocar durante varias horas nas quadras dos
ensaios dos blocos se reprodiiz nos palcos dos trios; como mais um refle-
xo da mestiçageni musical. Inexistentes nos ensaios dos blocos negros, os
trios se tornam, durante o carnaval, o palco de emissao dos ritmos.

A Trama dos Tarnhorcs 247


O repertorio dos trios é enriquecido pela preseilça dos virios musi- Magal e O É o Tchan! trouxe Alexandre Pires, do grupo mineiro dc pa-
cos do meio musical brasileiro iio carnaval de Salvador. Todos os anos gode So Pra Contrarias.
virios nomes de peso do pop nacional deseinbarcam na cidade, a convite En1 99, Elza Soares, Jais Kodrigues e Edson Cordeiro nlarcaram pre-
das grandes estrelas do meio local, e costumam dar canjas dui-aiite os des- sença no trio de Margareth Menezes, e Reginaldo Rossi cantou no trio
files, proporcioiiai~doencontros raros do ponto de vista da emoçiïo e do da banda Chciro de Amor. Daniela Mercury fez dueto corn O caiitor Sal-
improvisa. Carliilhos Bi-own desceildo do trio no meio da multidao para gadinlio, do grupo de pagode Katinguelê. A Foll7a de S. Paulo de 17 de
se colocar aos pés de Milton Nascimento e compor un1 dueto em "CançZo fevereiro de 2000 dava a noticia: "Quando ela passou en1 seu trio, man-
da América", por exeinplo, dificilineiite se repetiri coin tamanha inten- dou levar urn inicrofone até O carnarote para Salgadinho caiitar alguns
sidade. A cci~aaconteceu num cainarote de Ondina, no circiiito da orla, sucessos do Katinguelê. Coino niio houve ensaio, Dailiela -que nao sa-
enquaiito Milton assistia ao carnaval de 98. bia de cor a letra - aconipanhou apenas o refrzo. Nem precisava. A
No rncsino Carnaval da Tropicilia, ~ I J Ihomenagein ao moviiilento multidiïo canto11 'Inara' inteira". No carnaval de 2000, Dafide e Saiidi-a
que coinemorava trinta aiios, O show tropicalista no Campo Grande ofe- de Si, no trio de Margareth Menezes, fizevam um sllow emocionante às
rcceu um banquete ritmico. Além das três cançôes que fizeram a historia 7 horas da mailhi de sihado, 1x0 final do circuito Barra-Ondina. Margaretli
do tropicaiismo corn arranjo de samba-reggae, "Domingo no Parque" can- contou ainda corn Zélia Duncan e Cissia Eller no desfile de seu trio no
tada por Gilberto Gil, "Alegria, Alegria", yor Caetano Veloso, e "Bahy", domingo de carnaval. As canjas de estilos tao variados tornam os reper-
por Gal Costa, houve ainda o baiiio de Dominguinhos, O pop-rock de Lulu t6rios inais flexiveis e inenos previsiveis.
Santos, O frevo novo de Mautner, O samba-jazz de Djavan, O afro-pop de
Xexéu (o primeiro Cantor da Timbalada, que hoje seglie carreira solo), a
bossa nova de Jojo Donato e O samba-enredo de Carlinhos Brown, que
puxou O teina da Mangueira e foi acompanhado pelo trio de haianos
tropicalistas.
O show marcou a estréia de Gai Costa como cantora de trio clétri-
co. "N2o sei se é bom cantar no trio, mas é um palco e certamente vai
descer um espirito especial. k bom cantar para a mu!tid20n, disse ao jor-
na1 A Tarde. Assessorada por Gil e Caetano, a cantora fez apenas duas
apresentacôes (uma na Passasela do Campo Grande c outra em frente ao
camarote de Daniela Mercury, iia Barra), demonstrando uina certa difi-
cuidade de se adaptar às pecuiiaridades do palco. Caetano Veloso, por
sua vez, esta en1 todas no carnaval da cidade. J i dividiu O palco com
Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Netinho, Cariinlios Brown e Marisa Mon-
te, Oiodum, Didi etc. etc.
Muitos outros artistas brasileiros matizain a variedade ritmica do
carnaval de Salvadoi-. So no carnaval de 98, os repertorios forain trails-
formados pelas presencas da brasiliense Cissia Eller, que cantou no trio
de Margavetll Menezes; da dupla sertaneja goiaua Zezé de Cainargo e
Luciano, que cantou no trio independente de Carlinhos Brown, o Mister
Brown; Daniela Mercury trouxe a cantora carioca Fernanda Abreu (e ji
tinlia trazido Marina Lima, em 97); a Bamdainel trouxe O grupo paulista
Negritude Jr.; o bloco Tiet Vip's contou com a participacio de Sidney
O fazei: daiiçar é uina espécie de contrat0 imaginario entre as bai-
das e a platéia, e esti diretamente associado a o prestigio e à competência
musical dos grupos. Na festa, os ritmos sugerein necessai-iamente a dan-
ça - a espressao visual d o ritino. Segundo Violeta de Ganiza, "qiiando
116s escutamos Lima musica na qua1 predomina O eleiiieiito ritrnico, os
musculos de todo corpo eiitram em estado de agitaçao. Para i-epi-imirou
evitar o movimeiito seria necessirio recorrer a o controle da consciência".
A dança de rua é coletiva. O s dançarinos se orgaiiizam em grupos
abertos noi:malmente Liderados por uin coreografo que se encarrega de
mostrai: aos inenos treinados como realizai os moviinentos corporais.
Quando n5o se trata de Lima rnusica cuja letra determina a daiiça, os mo-
vimentos sao alterados de tempos em tempos, sempre através de Lima li-
derança que indica o moment0 ideal.
As danças de rua ti:azem elementos das quadras d e ensaios clos blo-
cos afro. Para a antrop6lo;a e dancarina Elisabeth Costa, as alas de dan-
ça que se formarn na avenida dentro ou fora dos biocos sao iiispiradas
nas danças dos orixis. A pesquisadora, que realizoii trabalho sobre a dança
de Oxum no contexto ritual d o candomblé, afii-ma que "espontaneamente
ou iiifllienciada pelos dançariiios afro, ainadores ou profissionais, que saein
no carnaval, a daiija de lansa aparece na avenida". Segundo ela, "a dan-
ça de Iansa é niais sensual e vigorosa, tem movimentos agitados que evo-
cain as ventanias e trovoes das tenipestades, s5o fortes, diretos e mais ex-
pansivos que os d a dança de Oxum, mais inalemolente, dengosa. Seus
gestos sa0 arredondados pelo moviinento circulai- que a caracteriza".
Muitos blocos afro trazein pal-a as ruas os rituais do candornblé. O
11.5 Aiyê antes de trazer pal-a as avenidas do circuito central a performance
d o desfile, realiza, na Liberdade, seu tradicional ritual de saida, o padê.
A ala de dança d o Malê Debalê estiliza todo aiio uin ritual do candoin-
blé. A representaçao de rituais sagrados n o carnaval pi:ovoca desconten-
tamento em alg~inssetores da religiao, que nao vêem coin bons ollios a
utilizaçao cle rituais d o candomblé na festa profana. O mundo da religiao
Os blocos afro coino o Malê Uebalë apreseiitain na avenida daiiqas
inspiradas no riniverso rcligioso d o candomblé e da capoeii-a. aparece n o universo da festa, andando na coiituamZo. Para o secretai-io

I\ Ti-aiiia dos Tarnhoies 251


da Fcderaçâo Bailiaila clos Cultos Afro-Brasileiros, Raiinundo Pilai-es, as
entidades afro "v5o ao candombié, copiain tudo e saeim às ruas fazendo
a profanaçâo". AlCm do repiidio à utilizasâo das danjas sagvadas e dos
cânticos inspirados nos 1-ituaisde candoinblé, muitos adeptos da religiao
dos orixis nâo admitem ver o tertno sagrado axé seculai-izado i ~ ceni-
o
rio da midia.
Mas nêo s2o apenas as dailjas sagradas que modelam as dailcas de
rua realizadas pelos folines. Durante a festa, esses grupos se inovimçntam
de variadas formas. Segundo Gjdeon Rosa, "as danças foraiil surgindo c
se veilovando em profusâo, invadindo as ruas, fazendo surgil- em cada es-
quina uma dansa, tima coreogi-afia subordillada a uina miisica". Essas co-
reografias orgailizadas en1 filas, eiil rodas ou em corredores, que sempre
admitein a pai-ticipagao de ilouos integrantes, sZo elaboradas muito aii-
tes d o carnavai, durailte shows e ensaios das bandas baianas. Mas o
investimeiito de certas bandas niim didatismo coreogrifico 1150 impede
que, dui-ante a festa, surjam muitas outras dansas, que misturam varios
elementos.
H i no espajo carnavalesco uina variedade de dangas, inspiradas tanto
nas letras das canjoes con10 na gestualidade dos bailarinos afro, que bus-
Cam valorizar uma perforinance coi-poral concebida nas quadras de en-
saio dos blocos afro, sob o ritmo dos tambores. As dancas de rua sâo o
reflexo corporal dos variados ritinos difundidos na Bahia.

AS ictias das cançocs inspira111 as dariças


dc rua dos biocos carnavaiescos.
45.
SEGURA O TCHAN!

A importância da danca nas festas de rua pode estar ligada à explo-


siio de alguns fenômenos musicais baianos como o É O Tchan!, por exem-
plo. Esse grupo de pagode se notabilizou no cenario da midia pelas coreo-
grafias de suas duas dançarinas e Lim dancarino. A ex-estrela do grupo, a
dançarina Carla Perez, é uma das principais 1-esponsiveis pela visibilida-
de midiatica d o pagode na Bahia, e o seu estilo, que consiste em enfatizar
O movimento dos quadris, inspira as danças dos freqüentadores dos sl~ows
d o grupo, foliôes em potencial d o carnaval de Salvadoi-.
Segundo I-Iermano Vianna, O Ii O Tchan! tem relaçôes estreitas com
a historia musical baiana, "isso para n5o falar de suas conexôes tambéin
evidentes corn a infisica carnavalesca brasileira deste século [XX], corn o
samba duro d o Recôncavo baiano (e suas ramificaçôes i-ecentes nos 'sam-
bas' das festas juninas de Salvador dos anos 80, que acabarain migrando
para O carnaval), com O candornblé (um de seus dois principais compo-
nentes é og5, sua mae é miie-de-sant~)".
O antropologo, que aponta a ausência de bandas de axé e pagode
na nova vers50 da Enciclopédin d a musica bïnsilei~n,quer chainar a aten-
Ç ~ O em
, artigo intitulado "Condenacao silenciosa", publicado na Folhn
de S. Pnulo, para O despi-ezo e a intolerância coin que a midia cult~iraitrata
os artistas populares. Mas mesmo condenados a o que ele chama de "cru-
O gruPo pasode ii_ o Tcliaii! na " d a n ~ ada coi-dinJiaW, zada moralizante em pro1 da 'boa' mfisica (que, poi- definiçao, é aquela
de silas coreografias qiie rnarcararn o esriIo da baada. que o 'critico' gosta, a partir de critérios nunca seriamente discutidos)",
esses grupos alcançam imensa popularidade, e é bein provivel que esse
sucesso esteja ligado, além de suas raizes historicas e sociais, à corporali-
dade desses i-itmos.
O pagode coinpôe a paisagem sonora de Salvador ha mais de 11111
século e seinpre agregou uina infinidade de grtipos que realizam eilcon-
ti-os nos doiningoes na praia e em todos os hairros periféricos da cidade,
onde geralniente residern os pagodeiros anônimos. O estilo é uma varia-
$20 d o samba e encontrou largos espaços no cenirio do carnaval. Os
grupos de utilizarn basicarnente instrumentos percussivos e voz,
como os grupos de samba, corn algumas variaçoes. Segundo O antrop6-

A Trama dos Tainhores 2.55


logo Ari Lima, historicaincnte o pagode é uma decorrência do saiuba, e Difei-enteniente do ritiiio cadenciado do pagode do Sudeste, o Gera
s6 recenremente gailhou a~itonomiaenquanto estilo. Batatiiiha, um dos Sainba adicionou a velocidade ritinica da axé-nzusic às leti-as de duplo
inais fainosos sambistas baianos, niorto ein 58, nSo gostava de fazer di- sentido, tipicas da tradiçSo do foi:r6, quc gaiiham mais forca no cenirio
fereiiça entre o samba tradicionai e o pagode, para ele "tudo 6 samba". urbano e alcançam o cariiavai.
O compositor e sapateiro Nelsoii Babalaô compartillia dessa opiniâo. O Gera Samba sofreu uma cisao em 56 e a dissidência eiitâo nomea-
Para eie, "tudo é a mesma coisa, a inesma cachaça corn r6tulo diferente. da É o Tchan!, inspirada 110primeiro grande sucesso do Gera Sainba, levou
Essa polêmica entre samba e pagode nSo rem sentido, porque os dois scm- dois de sens fundadores, Compadrc Washington e Beto Jamaica (voca-
pire existiram, mas a cada tempo Lim aparece mais que O outro". Babalaô listas), além da dançarina Carla Perez, a principal estrela do grupo.
se refere à "febre iiacional de pagode" que se reflete no mercado foiio- Antes dc formai. O Gera Sainbâ, Cornpadre Washington cra music0
grifico e amplia coiisideraveiinente seu raio de atuaç2o em termos de do grupo Uni20 do Saiiiba, e Beto Jamaica, percussioiiista e letrista das
veicuiaçao na inidia. Virios gruyos baianos de pagode, conio Cia. do cang6es rastafari dos blocos afro Muzenza e Olodum (para o quai com-
Pagode, Terra Samba, Pega no Compasso, alcançaraiii as graiides gsava- pôs "Salvador Nâo 1nerte"P'Ladeira do Pelô"). "Se nao tivesse virado caii-
doras, e através de uiila boa divulgaçSo nas radios e apariçoes fi-eqüeiites tor, seria percussionista, seinpre gostei e toco direitinho", conta Beto. Os
en1 programas de televisâo, lançaram o samba baiano na arena pop. O dois sZo socios da produtora Bicho da Cara Preta, que administra a car-
cantos Xandy, do grupo de pagode Hai-mania do Samba, foi uma das gran- reira do É O Tchan!, e inantêin uma creche em regime de semi-internato
des estrelas do carnaval de 2000. A dança do rapaz empolgou as platéias para sessenta crianças carentes ein Lauro de Freitas (Grande Salvador), o
e ele foi chamado de "Carla Perez de calças". primeiro passo para a fi~ndaçâoque pretendem crias ein beneficio da co-
Ta1 como aconteceu com o samba-reggae, quando ascendeu corner- munidade car-ente de o i ~ d evieram.
cialmente, nos anos 90, O pagode sofreu traiisformaç5es esrilisticas. Para O sucesso do É O Tchan! esta colado a o jogo coreogrifico do pago-
Ari Lima, o modo dc cantar e o conjunto de instrumentos sâo os princi- de baiaiio, que investe n o desfrute corporal das danças, criadas coletiva-
pais elenientosda nova cara do pagode baiano. De fato, as novas bandas mente nas ruas da cidade, na vivência das festas populares, animadas pelo
de pagode sâo compostas por insaumentos harinônicos, o teclado é uina samba en1 suas diversas fol-mas. Esse aprendizado informal transformou
grande estrela e a peicussZo vai para a "coziiiha", ou seja, atua como paiio Jacaré no instrutoi- das dançariiias do É o Tchan!, e é com eie que eias
de fundo da estrutusa sonora. ensaiain as coreografias da banda. Para Lia Robatto, coreografa baiana,
No ineio musical de Saivador, uma das priineiras expressoes da as- a dança de Caria Pcrcz traz virios eleinentos do samba de roda, certaineiite
censâo comerciai do pagode foi O grupo Gera Samba, que revelou para retraduzidos no contexto popular das fesras de rua, oiide se reproduziu.
o Brasil a dançarina Carla Perez. Quando o Gera Samba estourou com O carisma de Caria Perez foi capitalizado através de uma super-
o disco É o Tcharz!, lançado pela eiitâo Polygrarn (Universal), en1 95, O exposiçâo da imagem da dançariiia no cenirio da miclia, e isso pode eu-
grupo ja contava com rreze anos de estrada e três CDS independentes. plicar a extraordiniria difusào de seu modo de dançar nas avenidas do
Ern 91,a exemplo dos blocos afro, a banda passou a realizar "shows- carnaval. A dança do gi-upo, que renova suas dançarinas mas nao o jogo
ensaios", todos os domingos iio clube Espanbol, templo da juventude de coreogrifico. enfatiza a sua irelaçiio coin o sexo. Segundo Carla disse à
classes média e alta de Salvador, assiduos freqüentadores de shows de Foiha de S.Paulo, em 1598, "a minha iiiaior arnia para atrair o püblico
axé-iszusic, que ocoireiii freqüentemente 110 local. Coiiforme noticiava o continua sendo o reboiado, a bunda. O É O Tclian! joga o vitnio e eu
, , a o da Bahia, sobre uin show do Gel-a Samba, em 1995: "O pfiblico
(-O-... daiiço". De fato, a sua inensagem é estritamente corporea e, em muitos
composto cm sila maioria por n~auricinliose ~atricinhasque até entZo casos, siinula O ato sex~ial.Para Mai-ce10 Rubens Paiva, "nâo existe ban-
tinhain, por principio, a idéia de que pagode era coisa de pobretào, Iotava da mais erotizada do que & o Tcliaii!", comenta iio inesmo jornal o criti-
o espajo". Coiil duraça0 de cerca de quatro lioras, os ensaios costuiiiam CO,que se suspreende coiil O sucesso que a baiida faz eiitre as crianças e
sei a preparaçâo para o carnaval; quaildo a banda puxa blocos de trio com seu acesso i s graiides casas de espeticulo do Bi-asil. Ein 1999, O É O
que 1150 têm banda fixa. Tchaii! lailgou scu quinto disco na sofisticada casa paulista Via Fuiicl~ai.
46.
OS CACIQUES

No carnaval, os m ~ s i c o ssao os senhot-es da festa. Eles orientain O


movimento. No Carnaval da Tuopicilia, ein 1998, Carlinlios Brown ti-
cou nu por alguns miilutos, duraiitc a exibigiio de seu trio. A atitude, que
rendeu a condenaçâo do mtisico por atentado ao pudoi-, atualizava, se-
gundo ele mesino, a postura contracutural eternizada no slogaiz "É proi-
bido proibir". Para Ivete Sangalo, "O t-itmo, O soin dos tamboi-es é que
enfeitiçam O publico, porque eles falam a linguagem da rua". E s.50 tam-
béin os tambores que encerram O carnaval, num ritual protagonizado pelo
cacique Carlinhos Et:own - O AI-rastao.
Segundo seu idealizador, "O arrastao é uma verdadeira festa de coii-
frateriiizaç.50,que reune integralites de todos os blocos e todas as tribos".
O evento leva miihares de pessoas a percorrer O trecho Barra-Ondina, no
circuit0 Dodô, a partir das onze horas da manliâ da Quarta-Feira de Cin-
zas. A armaç.iio aconcece ein frente ao Faro1 da Barra, e quando os garo-
tos de Brown chegam correndo para pegar os tambores, uma percuss.50
acustica toma conta da orla de Salvador, quase uma semana depois de
iniciado O carnaval.
Em freiite à estitua do Cristo, na praia de Ondina, acontece O ritual
de coiifraternizagiio. O cacique desce do trio e orienta a subida dos tim-
baleiros até a estitua, e para l i se dirigem com os instrumentos suspensos
pelas maos acima das cabe~as.Posicionados em forma de pirâmide, no
morro da estitua do Cristo, os tambores soam sob a regência de Carlinhos
Erown. O rito dura poucos minutos e rapidamente o mestre e seus disci-
lincontso de caciques: Carlinhos Brown e Ivo Mcirelcs da Manguciia, pulos voltam à pista e dao seguimento ao desfiie.
na visira dos niangucirenses a o carnaval dc Salvador. O ritual ao Som dos tambores, que estende o carnaval até a tarde da
Quarta-Feira de Cinzas, demonstra a força dos mestres da percuss5o na
Bahia. Carlinhos Brown, um desses iiotorios caciques, organiza O movi-
inento a t r a v é ~ d ahabilidade de tnesclar linguagens musicais, e capitaliza
o espaço televisivo que vem a reboque do carisma que possui. A içreja
catolica se manifesta para protestai. contra a coiitinuidade do carnaval du-
rante a Quarta-Feira de Cinzas. O ex-cardeal da Bahia e arcebispo pri-
maz do Brasil Dom Lucas Moreira Ncves, que durante anos recriininou
sem sucesso o pvolongamento da festa, afirmou em 1998 à Folha de S.
Paulo: "A minha opiniao é que nao deveria liaver carnaval na Quarta-
Feira, mas nêo quero falar sobre o assunto outra vez. É como se eu esti-
vesse pregando no deserto". A press20 da igreia catolica contra a conti-
nuidade da festa no primeiro dia da quaresma levou a prefeitura de Sal-
vador a anunciar o término d o carnaval de 2000 i s seis e meia da ma-
nha. N o entanto, na Quarta-Feira de Cinzas, por volta das onze horas,
Carlinhos Brown cornandava a muitidao pipoca que formava o Arrastao
n o circuit0 da orla e contou também com a presenga d o trio Maderada,
de Ivete Sangalo.
O carnaval é a conjunçâo de mini-rituais, cada qua1 com seu musi-
co-cacique. Ele é a trama musical em movimento, (re)criada coletivamen-
te. Daniela Mercury trouxe a cena eletrônica para a festa de 2000 e
surpreendeu as platéias com um trio independente, de estética clubber,
onde os DJs Mau Mau, de Sao Paulo, e Jon Carter, de Londres, mescla-
vam techno com samba-reggae e axé-music. Claudio M., esq quis ad or do
Nucleo Pragatecno, disse a Erika Palomino, da Folha de S. Paulo: "Os
O rirual do Arrasrao no Crisro de Ondina [ao fundo) leva
um rnar de gente atris dos tarniiores da Timbalada.
DJs fizeram um cvosssouer dos grooves sobre o que h i de mais tribal no
axé; quem sabe dai n i o saia alço local?". O desfile do trio eletrônico de
Daniela n o s i b a d o de carnaval foi uma rave que Salvador ainda uao
havia experimentado. A riqueza dessa festa de ritmos é a troca de infor-
maçao musical. Em uma semana de musica ouve-se de tudo, o meio mu-
sical se atualiza e se renova. O ritino das atividades do meio musical
baiano rem essa festa como referência. Seu movimento ciclico indica o
fim e o começo da trama dos tambores da cidade.

O DJ iVIai[auMau cxperimentou sec caciqiic an iado de Danicla Mcrciir?


no trio elerrôiiico na ?~zegn-rnved o carnaval 2000.

K Trama dos Tambores


47.
DESFECI-IO

A Bahia niïo virou Jainaica. Salvador niio é IZingston n e n ~Dacar,


mas essas cidades, que trilham seus proprios caminhos musicais; se asse-
mclhain nas mesclas de tradipïo e iriodernidade em que tecem seus rit-
inos. Testeinunhas de processos de sincretismo e mestifagem, elas tradu-
zem expei:iê~lciassensiveis e visces de mundo particularcs que reinventain
paisagens sonoras.
Assim foi com o jazz e o blues nos Estados Unidos, a salsa cm Cuba,
O calipso ein Trinidad e Tobago, o I-eçgaena Jamaica e o samba no Bra-
sil. Os ritmos do Novo Mundo sao um reservatorio de idéias musicais e
de conceitos estéticos inovadores que vêm influeilciando o cenirio pop
internacional, atsavés da incorporafiïo de seus elementos, coino o szuiizg,
o gïoove, o dub e o fusiorz, tidos coino signos negros".
Simon Frith afirma que a caracteristica mais inarcante da musica
populaï ocidental no século XX é conro ela absorve e, a o mesmo tempo,
é absoi-vida pelas fornlas e conveiiqôes afro-americanas. De fato, etno-
rnusic6logos e s6cio-ai1trop61ogos tendem cada vez mais a afirmar, coino
Isabelle Leyinarie, que cm todas as sociedades negvas e inestigas, nas va-
rias partes do planeta nas quais as diisporas encontraram lugar, a mu-
sica é urna forma de expressiïo popular, visceial e privilegiada. A Bahia é
uin desses lugares.
Na Libcrdade, bairro de Salvador, o IIê Aiy? é a rraduçiio Os ritinos baiailos siio uma parte iinportailte da historia inusical
popular e viscexal da alma de uma cornunidade ncgra. brasi1eii:a e têm sido um dos principals clementos di\rulgadores da ima-
gcrn da Bahia. Mas a sua massiva divulgacao e ascensiio comei-cial fornen-
tou, entre os personagens d o meio, uiiia ufania. Margaretl~Menezes clic-
gou a declarar em 1993 ao jornal A 7àïde: "Os baianos precisam se cons-

" Swiizg: inrraduzivci nos parâmcisos da musicologia rradicional, o tcrino SC rcfcie


a uiiia qualidadc flcxivel dc iiarureza pulsariva, orgânica, i i n i fcn6rncno qiie f da ordciii
da duiaçio c iijo d o tempo, quc anima o ritrno sugeri~idoa danca. Gi-ooue: giria que
clcsigiia urna batida (benr)o u uina inrcspicraçZo coin swiizg. Dxb: dobra, repeti~Zode frascs
musicais, fcira priiicipairncnrc pela baixo, acoinpailhada de falas perforniiticas. l;us~oir:
rncsclas de cscilos iiiusicais popiiiai-cs. (Seguiido Cristoplic Pirciiiie, VocnL-~dnire
des ;in<-
siqzces nf~o-nmericfliiies1Paris, Minerve: 1994.)
cieiitizar de que estamos sendo a mola mestra deste pais em todos os ni-
divers6es que abre e fecha. Assim como os vitmos sertanejos e O pop-rock,
veis. Estamos chamando a atençao do mundo para ci". A auto-estima dos que também tivera~ilmomentos de pico comercial, terminam garantindo
musicos baianos, a despeito das criticas que apontam uma baixa quali- algum espaço no mercado, n i o desaparecem depois da queda de coiisu-
dade artktica da maior parte de sua produçêo, pode estar fincada nêo mo. No carnaval do ano 2000, o frevo, por exemplo, retornou à cena para
somente em razoes hisroricas, inas também na sua capacidade de satis- comemorar cinqüenta anos de trio elétrico. Moraes hloreira colocou na
iazer e perpassar rodas as canadas sociais de Salvador. A musica é uma rua seu trio independente, o Chame Gente, para deleite dos f5s de anti-
das formas de express50 mais acessadas da cidade. gos carnavais.
Mas' depois de quinze anos de estrada, a produçio musical mais Assim como a "veiha fobica" inaugurava, no meado do século, urn
conhecida como axé-music vive um declinio como fenôrneno de midia. A novo estiio de brincar o carnaval e, nos anos 80, o samba-reggae muda-
midia especializada comemora uma derrocada em termos de sl~ows,ven- va a cara da musica pi-oduzida na Bahia, a grande festa dos ritmos pode
dagem de discos e veiculaçâo televisiva. E isso nâo passa despercehido pelos sempre revelar surpresas.
inusicos baianos. Para Carlinhos Brown, "nào existe mais aquele suces-
so que havia. É preciso ter frieza para encarar essa realidade. Eu procurei
caminhos, como um proragonista deste movimento, mas creio que eles nao
interessam ao meucado. [...] A beleza foi substituida pela abundância, pela
necessidade de se dar bem".
É certo que o mercado rem suas regras, urn gosto pela homogenei-
dade. No caso do afro-pop baiano, h i uma acomodaçâo no padrêo ne-
gociado coin a industria fonografica. Os modelos musicais mestiços exi-
gem uma pesquisa para que se possa perceber que tipo de sonoridade vai
reaimente sofisticar os ritmos e as melodias. Mas a inclusêo dos instru-
mentos harmônicos nas bandas de samba-reggae, pou exemplo, nâo se ori-
giiiou desse tipo de estratégia.
Nâo raro, o samba-reggae é considerado uma vers50 sta~zdafddas
fusôes que deram origem à jt~jumzisic ou ao afïo-beat de Youssou N'Dour,
Fela I<uti, Salif Keita ou Dodou Rose, musicos africanos que dialogam corn
ritmos latinos e angio-saxôes, como a salsa, o calipso, o pop-rock e o
rhythnzh'blznes. A ausência de pesquisa musical e a acomodaçêo numa
f6rmula de sucesso podem ser as grandes responsaveis por uma ~ o b r e z a
estética, que desgasta o ritmo afro-baiano e coloca a falta de criatividade
como pauta do dia.
Esse desgaste é um prato cheio para aqueles que insistem ern rotular
as diversas formas de expressgo inusical da Bahia coma "musica baiana".
Mas n i o acontece o mesmo corn a musica de outras regiôes do pais. Nêo
se fala em "inusica carioca", "musica paulista" ou "musica mineira". Por
que razio o baiâo, o inaracatu, o samba-reggae, enfim, os produtos mu-
sicais do Nordeste s i o tratados corno "musica regional"?
Os estilos produzidos em Salvador sêo rnusica popular brasileira.
Estao enraizados na vida cotidiana de urn povo. Nêo sêo um parque de

266 Goli Gueirciio i A Trama dos Tarnboies


i
Apêndice
A LINGUAGEM DO
SAMBA-REGGAE

"Muitos milênios de escrita acabarao por


desvalorizar O saber cransrnirido oialmenw, pc-
Io menoî aos olhos dos lerrados."
Pierre LÉvy
48.
ORALIDADE, IMPROVISAÇÂO E CORPORALIDADE

Uma das principais caracteristicas d a linguagem percussiva popular


é a oralidade, a transmissao oral de conhecimento, que Ihe confere O sta-
tus de miisica popular, deixando-a definitivamente fora do polo erudito.
A linguagem percussiva é transmitida por ohservaçao e audiçao seguidas
de imitaçao. Trahalha principalmente com a exploraçao do som e corn a
improvisaçao.
Na mfisica erudita, a o contrario, trabalha-se corn con~posiçôesano-
tadas em partituras que devem ser interpretadas o mais fielmeiite possi-
vel pelos executantes (emboi-a isso dificilmente acontep, pois cada exe-
cutante iiiterpreta a partitura corn alguma siiigularidade). É uma outra
maneira de estruturar, de compor. A divisio de papéis que se verifica na
musica erudita entre compositor (criador) e insrrumentista (executante),
nao é observada na miisica percussiva. Além disso, eiiquanto a primeira
enfatiza a melodia e a Ilarmonia, a segunda enfatiza o elemento ritmico.
Essa predominância d o ritmo iia miisica percussiva, embora os outros
elementos também estejam presentes, influencia a forma de composiçao,
mostrando que as idéias inusicais andam de maos dadas com os modelos
sonoros que se criam.
A percussao é dificilmente capturada pela notaçao musical que foi
elaborada para dar conta d a miisica harmônica erudita. Na verdade, a
teoria musical que orienta sua grafia, no caso da percussao sinfônica ou
erudita, tem muito pouco a ver com O que acontece em termos de produ-
Ouvir, olhar, imitai. Esse é o mCtodo de aprendizagem da
$20 popular. Ela serve apenas coino um material de base para a analise,
pcrcussZo afro-haiana. Na foro, Paulinho Munlioz, professoi
da Escola de MGsica Dida, an lado da aprendiz Titi. mas nao rem rnuita serventia para a mfisica percussiva. Foi criada para a
melodia, para a harmonia, o u para a relaçao entre linhas meIodicas.
A notaçao ocidental aplicada à peucussao afro-haiana vale para dar
uma noçâo de alçuns conceitos basicos, mas a percussjo precisa ainda de
outras informacôes, outros conhecimentos para ses abordada de forma
completa. Segundo a ernomusic6loga Angela Lühning, "a rniisica per-
cussiva tem inuito mais recursos e outras riquezas que nao fazem parte
da musica ocidental erudita, entao nâo adianta correr atras dessa teoria
musical que você nao vai achar uma resposta, e também nao faz sentido

H Trama dos i'airihores 271


reiiitcrpretar conceitos porque eles estio presos a um determinado tipo ou ainda entre aqueles que tiveratu experiências musicais fora do Brasil.
de infisican. Mas a maior parte dos percussionistas nZo coinpartillia desse ponto de
Dos elementos bisicos da inusica afro-baiana- 1-itmo,melodia e har- vista, preferindo defender a validade das teorias iiiusicais africanas. O
rnoiiia -, o ritmo é o que apresenta mais dificuldades para a escrita, pois ~@g@ei7za7z Ubaldo Waru, que conhece teoria inusical ocidental e foi pro-
sua duraçio e alrura nâo correspondem aos padroes ocideiitais. O ritmo fesser de percussao da autora, acredita que O ritmo "é nm compoitamento"
é uma maneira de decoinpor o tempo, uma combinaçio de sons e silêncios. que 1150 pode ser deterininado por regras iinpressas em codigos rigidos.
Segundo Henri Lefebvre, "os ritmos implicam repetiçoes e podem se definir "É certo que dentro de uni estudio de gravaçao coin musicos das mais va-
como movimentos e diferenças na repetiçio", que originain diversas for- riadas formagoes isso pode ajudar, mas n i o é O mais importante, porque
inas de tensio entre O tempo e O espaco, i-eguladas por leis racionais e 1120 é ela que vai dar forma ao trabalho do mfisico."
sensoriais. O trabalho do percussionista nos ultimos anos nâo passa pelo do-
1% tentativas de criar convenç6es, padt:oes de escrita, segundo Lüli- mfnio da teoria musical européia. iMesmo desconiieceiido inteirail~enteo
niiig, "através da criagio de sinais, de altel-nativas para expressai- a dura- aparato teorico ocidental, eles recebeiii cachês por apresentacao que têin
$50 claquela batida em relaçao a outras duraçoes dentro dos sinais coiiven- valor inininio estipulado em R$ 100 e pode alcaiiçar até R$ 300, depeii-
cionais que existein. Mas, muitas vezes, pode ser que você tenlia que criar, dendo do evento. AlCm disso, realizain viagens nacionais e internacionais
porqlie a técnica de como produzir aquele som pode nâo ter sido aborda- e boa parte ji registrou scu traballio cm CD.
da pela iiotaçâo ocidental". A partir disso, pode-se chegar perto do resul- Segundo Paiilinho Muiilioz, pvofessor da Escola de Musica Didi: "a
tado auditive; iio entanto, essa forma grifica u i o substitui a audiçâo do partitura iiio faz parte do inlindo da percussio, pegou [o ritrno], vai em-
evento soiioro e serve, no miximo, como um inapa para o percussionista. borax. Os arranjos tainbim sâo elaborados "de ouvido" pela mestre ou
De fato, a escrita percussiva esti em desen\~olvimento,talvez por ter produtor. Xo caso da Didi, antes da oralidade se estabelecer coino for-
alcançado reconhecirnento ou ainda iinpulsionada pelos contatos iiirer- ma exclusiva de transmissao de conhecimento, houve tentativas no senti-
cultui-ais. Busca-se escrever para capturar as mais variadas formas de do de aproxiinar as percussionistas das inatérias clissicas da teoria musi-
percussao que podem ser observadas em todo O planeta e a partir dai re- cal européia, mas rodas fracassararn. Apesar dos esforços do idealizadoi-
pl-oduzi-las fora de seus contextes de origem. &las os resultados sâo qua- da bailda, Neguinho do Samba, em incutir um gosto peio aparato escrito
se sempre indicaçocs inais ou menos precisas, j i que a capacidade de criar, da ai-te inusical, as aulas de inusicalizaçâo tiveram vida ctirta.
de improvisas, vai muito aléin da possibilidade de decifrar graficameiite A diretora de cu1tui:a da Didi, Vivian, afirma: "Nos fizemos de tudo
o evento sonoro. A pritica é muito inais rica que a teoria. pra e1nptiri.x partitura, contratamos professores muito bons, mas clas niïo
A leitura de partitura é vista, por alguiis atores da cena de Salvador, querein". A maestrina Adriana Portela tenta explicar os rnotivos da rc-
coino um passo evolutivo na carreira do percussionista. Segundo Roni, jeicio: "A partitura é uma coisa muito coinplicada, parece uina matemi-
professor de percussio da Oficiiia de Invcstigaçio, "este aprendizado permi- tica. Você tiio pode piscar e sair fora de jeito neilliuin". Seguiido Eliana,
te nâo somente dialogar corn rniisicos de todo o mundo coino também eieva percussioiiista da Didi, "na percussio, você nâo precisa lei- partitura, você
os cacliês deiitro dos estudios". Para Shafick Patriarca, professor de percus- precisa é de ouvido musical", comenta.
s i 0 da Escola Manoel Novaes, a leitura de partitura é importante para O Tudo leva a crer que a dificuldade de capturai- graficamente a per-
desenvolvimento da percussâo, "ela d i uma noçao maior para ouvir e inter- cussâo reside na impossibiIidade de superar uma diferença b'asica: a es-
pretar. É a base a partir da qual se pode compor". Esse conhecimento mais crita é estatica, o ritmo é inovimento. No mundo da percussio, a traiis-
amplo, inesmo nao sendo Iargamente disseminado, ainda segundo Patriarca, missio oral sobrevire como estilo e deinonstra a tese de Pierre Lévy, para
serviu entre outras coisas para profissionalizar O mundo da percussao. "AS quem "a persistêilcia da oralidade primaria nas sociedades modernas"
pessoas tocavam cm troca de favor, agora elas tocan1 em troca de cachês." deve-se sobt-etudo ''a forma pela qual as representaçoes e as inaneiras de
No entaiito, esse interesse pela teoria ocidental existe da parte de ser continuain a traiismitir-se iiidepeiidenteiiiente dos circuitos da escrita
algutis poucos personagetis que receberam a informaçâo cl6ssica européia, e dos meios de comunicaç5o eictrônicos".
Mesmo a partir dos anos 70, corn as traiisformaç0es tecnologicas e
a crescente circulaçao de informaçao musical, proinovida também pela velar um cornpleto dominio da Iogica d o sistema niusical do qual partici-
preesnça de musicos estrangeiros (que forneceu algum tipo de subsidio pa. A seçunda opera com diferentes possibilidades de improviso j i reali-
zados e registrados, podendo ser repetido por qualquer musico em outros
teorico ocidental para os percussionistas que apareceram nos anos 80 e
eventos musicais. De qualcjuer forma, improvisar é falar subjetivamente
YO), O quadro se alterou rimidamente. O conhecimento oral continua sendo
a regra entre os percussionistas baianos. uma linguagem musical. É colocar em jogo uma expressao espontânea do
musico, de seus sentimentos, manifestando os sigiios da reverência (no caso
Um outro elemento da linguagem percussiva é a improvisaçZo. O
da estratégia) ou do gênio (no caso da criaçjo).
improviso é um evento sonoro que se cria no instante mesmo da execuçao
Uin terceiro elemento da linguagem percussiva é a corporalidade. Um
musical. Ele é fruto d o imprevisto, da inspiraçao d o music0 durante a
dos cânones da musica africana ou de inspiraça0 africana, como a musi-
realizaçao de um solo. Sua reaiizaçao confere o direito de modificar as
ca percussiva afro-americana, é a inseparabilidade entre miisica e danca.
peças da base sonora e de inventar novos modelos musicais. O improvi-
O ritmo propoe a dança e isso se manifesta no proprio corpo do per-
so j i foi uiii pi-ocedimento comum na musica erudita na época barroca
cussionista, fazendo d o ato de percutir uma verdadeiva coreografia. Esse
mas foi perdendo força coin O dominio d o classicismo na escola européia,
é um outro eieinento complicador da escrita percussiva.
embora n5o seja ignorado. O gesto é O elemento-chave d a arce de percutir, un1 fator criativo em
Segundo Jean Düring, o improviso confere respeiro ao rnusico, que si mesmo, uma fonte inesgotivel de idéias musicais. Para Liernadete Za-
ganha status de solisra, j i que implica uma contrib~iiçaopessoal à forma gonel, "é o gesto que engendra o som. Assim, a uma certa qualidade ges-
musical, e permite ultrapassar a situaçao de executante neutro ou passivo. tua1 corresponde inevitavelmente uma certa qualidade sonora, raiito na
N o instante d o iinproviso, os outros musicos passam a agir como acompa- dinâmica quanto no timbre d o som". A reproduçao do gesto perfeito cor-
nhantes, estabelecendo-se, assim, uma relaçzo entre O solista e O conjunto. responde à realizaçao da intençao d o executante, que compreende a pos-
A improvisaçâo nâo se adequa às circunstâncias em que a musica se tura corporal em reiaçâo ao insti-umento, a dinâmica das niaos, O movi-
reveste de um cariter funcional ou protocoiar como na mfisica erudita, mento dos braços e a qualidade e intensidade do som.
na qual o executante se apresenta para repassar fielmente o traballio do A gestualidade é aperfei~oadatambém através de exercicios de coor-
compositor. Ao contririo, na musica percussiva, nota-se uma grande Ilexi- denai50 morora, que buscam desenvoiver a ambidestreza, e de respira-
bilidade de interpretaçâo num contexto informai, em que as partes impro- çZo, que varia de acordo con1 O instrumento tocado. Depois de alcançada
visadas correspondem a uni crescimento d o impact0 expressive e sao fre- essa sintonia, que exige muita concentraçiio, cabe ao mestre ou maestri-
qüentemente desejadas tanto pelos musicos como pela audiência. na ensinai: cautelosamente a cada aprendiz como fazer para percutir, ein
Ainda segundo Düring, improvisar é se adaptar aos ouvintes e às determinado instrumento, o conjunto de toques carateristico do i-itmo em
ocasioes, é uma nianeira de se dirigir a o publico, de interagir corn ele. "6 questao. Cabe ao discipulo realizar os exercicios corporais para ver, ou-
preciso interessar o ouvinte trazendo uma parte de imprevisto à interpre- vir e imitar todos os Sestos d o mestre.
taçao. É preciso neste caso provar que nào se é apenas um liibil execu- A visualizaçâo de todo O gestual d o mestre e a audiçao do som sa«
tante e afirmar sua liberdade, sua criatividade." O public0 n5o espei-a uma condiçoes sine qua non para realizar o evento sonoro. A imitaçao é a chave
performance padrao, eie quer uma interpretaçao personalizada, colorida d o processo de aprendizagem da musica percussiva. Como a imitaçao
poi: rasgos de criatividade e inspiraçio. N o entanto, nem sempre os ou- raramente é perfeita, a uepetiçao d o gesto introduz elemeiitos mais ou me-
vintes têm conhecimeiito musical suficiente para reconhecer as nuances nos aleatorios de flutuaçao, de modificaçao, de improviso ou de criaçâo.
do improviso. Nas musicas de tradiçao oral, se comparadas às musicas eruditas, O CO-
Grande parte dos inusic6logos e etnomusic6logos concordam em nhecimenro se transforma muito inais rapidamente, permitindo uma major
difei-enciar pela menos dois tipos de improviso, chamados de inrprovisa- liberdade criativa.
$50 crintivn e inzpi~ovisaçüoestrntégica. A primeira ci-ia no ato novos eie- A predominância da imitaçao como forma de cransmissâo de conhe-
mentos estético-musicais, que, quando bem realizados, terininam por re- cimento implica uma aproximaçao com O meio em que essa forma musi-

275
A Trailia dos Tamboies
cal se cria e se desenvolvc. É preciso ouvir O evento sonoro, ver de que 49.
forma o music0 toca: para enrâo saber como O som é produzido. S6 o con- OS INSTRUMENTOS
texto pode informar coiiio se produz O som, como se percute, como se
ensina e aprende, como se imita O gesto percussivo, enfim como a lingua-
gem percussiva se reproduz. O contexto é O lugar da convivência, no qua1
a linguagem musical é atualizada cotidianamente pelas multiplas intesacces
que estâo continuamcnte modificando padroes, criando novas ritmicas,
novas liiihas meIodicas e outras formas de percutir. O yrimeiro passo para o apsendizado da percussâo é a escollia do
iiistuuinento que vai set tocado. Dc modo geral essa escolha corresponde
a uma express50 de pevsoiialidade e estilo. O instrumento deve se adc-
quar ao corpo do perc~issioilista,sendo uma espécie de prolongameiit»
dele. A mfisica percussiva é feita basicamente en1 tainbores. O tambor é
um instrumento muito variado, existe uma infinidade de ripos, e a banda
de samba-reggae é composta geralmente de sete inodelos: fundo, marca-
$20 (ou dobrando) de uma, mai-cacâo (ou dobrando) de duas, repique,
tarol, timbau e timbales.
Esses instrumentos, cuja origein é dificil deterininar, têm proccdêii-
cias variadas. Tanto a Europa como a Africa e a Arnérica Central contri-
buirarn para a formacao do coiijunto de tambores difundidos no univer-
so percussivo brasileiro. Esses tambores? hoje considerados afro-brasilei-
ros, delinearam o niundo da percussâo na Bahia, e a efervescência pro-
vocada pelo samba-reggae permitiu a transformacZo dos iiistrumentos.
Seguiido o fabricante Bira Reis, "depois do Ilê Aiyê comecou um ta1 de
pegar lata pra fazer taiiibor, comprar maquiiia de solda, e se fazia dc tudo,
repique com oit0 varoes, surdo con1 quiiize, em vez de pele colocava lona,
botava fita crepe. Foi-am experiências, porque você tinha cein surdos na
mâo, entao podia fazer o que queria, desinontava, rrocava pele, afinava
diferente".
É verdade que os piincipais blocos dispunham de uma quantidade
coiisiderivel de tambores, pois suas baterias contavam corn cerca de 200,
300 homens. Desde os anos 60, com as baterias dos blocos de indio, os
tambores deixarain de ses de illadeira (na sua maioria) e passaraiil a ter
seus bojos coi~feccionadosein aluminio. Além disso, a pele de animal foi
substituida em larga escala pela pele sintética, fabricada industrialmente,
e as baquetas também sofreram transformac6es.
Neguiil110 do Samba estevc diretamente envolvido nesse processo.
"Como o samba-reggae era uin ritmo diferente eu resolvi mexer no ta-
inanho dos aros dos surdos, o aluminio e os vai-6es et1 mandava fazer aqui
mesmo, e as pelcs, Humbei-to, da Gope [fibrica dc instruinentos de Sâo
Paulo], me mandava. Eu resolvi experiinentar fecliar os surdos embaixo,
porque nas bandas que eu participava quando era menino nêo tinlia pele
embaixo, e era O mesmo aro daqueles instrumentos de escola de samba,
na verdade era escola de samba aqui na Bahia", explica O mestre. A par-
tir da!, esses novos instrumentos passaram a ser utiiizados pela maior parte
das bandas percussivas de Salvador. Mas é preciso deixar claro que ape-
sarde haver um padrêo no conjunto de instrumentos das bandas de sam-
ba-reggae, existem variaçôes, seja no tipo ou no numero de cada um de-
les. Essas diferenças dependem nêo somente do grupo, mas também do
espaço onde a atividade percussiva esta sendo desenvolvida: na rua, no
palco ou no estudio -na rua, por exemplo, O numero de rambores é rnuito
maior do que no estudio.
Os tambores da maioria das bandas de samba-reggae de Salvador sZo
membrafones de tipos e tamanhos variados e ocupam as seguintes posi-
ç6es no conjunto: um timbales para O mestre que rege; na linlia de frente,
três repiques; na linha intermediaria, um tarol, um timbau e os surdos:
uma marcaçao de uma e duas marcaçoes de duas; na linha de fundo, dois
surdos maiores, chamados S U I - ~ ~ouO fundêo.
Os surdos, na banda samba-reggae, sêo basicamente os rnesmos das
baterias das escolas de samba cariocas. A procedência destes surdos das
bandas brasileiras é africana, corn influência eui-opéia. Eles têm três tipos
muiro semelliantes: o fundo, a marcaçao de uma e a marcaçzo de duas.
Estas dife~:enciaçôes,que têm terminologias variadas depeudendo da re-
giao do pais, sao apenas diferenças nos aros e no peso dos instrumentos.
( N o Rio de Janeiro, poi: exemplo, sa0 chamados de surdo de primeira:
surdo de segunda e szrrdo de terceira.) O fundo rem um aro de 24 polega-
das de diâmetro e chega a pesar 11 kg; a marcaçiio de duas, urn aro de 22
polegadas, corn peso médio de 10 lcg; e a maiicaçiio de uma comporta um
aro de 20 polegadas, corn peso de 9 kg. Ao tamanho dos aros e ao peso
dos insrrumentos correspondem as variaçoes de timbre, que oscilam do
mais grave ao menos grave passando pelo médio. Os suudos s i o C O ~ I ~ O S -
tos das seguintes partes:

Bojo - é O corpo do instrumenta, feito em aluiilinio, de


format0 cilindrico; do seu peso depende O tipo de soin que sera
produzido.
Pele - é a cobertura do tambor, uma membrana sintética
na yual O som seri produzido, poi- meio dos toques que percu-
tem sobre ela.

A Trerna dos Tamiioics


Aro - diâmetro de ferro que serve para acoplar as peles
superior c inferior ao bojo do instrumento, assim como para fixar
os varôes.
Var30 - é um fino pedaço de ferro que interliga a parte
superior de um aro à parte inferior do outra aro. Um tambor
geralinente comporta seis ou sete varôes e sua extremidade su- ,,fic AS PI~IITESD E U M SURDO
perior é euvergada. ~,.
MO 1
, ..~
\ ;- ---i
-;-
Porca -. pequeno
. utensilio de cobre que urende O var20 ao
A &
-.
%..
, ; ,

.
aro. É o ponto final da armaçzo de um tambor e é por ela que
se inicia O processo de afinaçâo do instrumento.
Arrueia -é uma peça de cobre que fixa O var20 e permite
a afinaçzo, dando suavidade ao som do tambor, ajudando a
definir sua sonoridade.

Esses três tipos de surdos maiores szo percutidos com duas baquetas
fabricadas artesanalmente. Cada baqueta é feita com um pedaço de cabo
de vassoui:a de cerca de 35 cm de cosnyrimento, espnmas finas e grossas,
cordso, tecido, fita crepe e cola. A fabricaçzo da baqueta consiste ein serrai.
O cabo da vassoura no tamanho dcsejado, passar cola ein uma das poil-
tas e em seguida eilrolar uma tira de espuma grossa na extremidade, ob-
tendo-se uma forma esférica. A espuiiia fina recobre essa parte, dasido-
Ihe uma forma ainda mais arredondada, e é presa com cordâo, que deve
ser amarrado firinemente, e deixa-se a cola secar. Depois de seca, a cabe-
Fa é forrada com tecido e novamente amarrada com barbante. O acaba-
mento fica por conta da fita crepe que envolve a circunferência da ma-
deira logo abaixo da c a b e ~ aredoiida de espuma. Isso feito, a baqueta esti
pronta para percutir a mesnbraiia dos tambores.
O repique é um pequeno surdo de 5 kg, antes chamado de repinique.
Ele é feito em latas de manteiga de aluminio, rem de 12 a 13 polegadas
de altura, produz um som agudo e se posiciona na linha de frente da banda
de samba-reggae. Dife1:entemente do Rio de Janeiro, onde O insti:umento
é pei:cutido com uma vareta e uma mâo nua, em Salvador ele sofreu mo-
dificaçôes nao somcnte na terminologia mas tambéni na maneira de ser
Arrucla
tocado. Segundo O fabricante Rira Reis, "O vime é usna invenç2o de Ne- (escala ampliada)
giiiulio do Samba, mas o tocar com duas varinhas vem do candoinblé.
Antes, aqui na Baliia, O repique era tocado com uma mâo e uma varinha
[como sio Rio], mas ji tinha um jeito diferente de fazer o som, parecia
escola de samba mas cra uma coisa mais cadeuciada, mais ritinada, corn
uns solos que pareciam jazz". A modificaç2o na forma de tocar O repi
que coincide com a invençiïo do samba-reggae, e consiste na utilizaçao
de duas varetas de vime com cerca de 50 cm de comprimento que barem
sobre a pele sintética. Normalmente as baquetas de vime $20 adquiridas
de marceneiros que trabalharn com esse tipo de madeira; elas S ~ molha-O OUTROS TlPOS DE TAMBOR
das e depois de secas têm uma de suas pontas envolvidas em fita crepe: é
esta ponta do vime que percute a membrana do repique.
O tmol ou caixa de guerra é um tambor de procedência européia.
Segundo o estudioso Bira Reis, "essas caixas eram usadas nas guerras
inglesas e francesas para fazer caminhar os soldados". Os diâmetros em-
baixo e em cima, bem como a esteirinha de metal, sinalizam que se trata
de uma versiïo européia. É um instrumento de 14 polegadas de diâmetro,
com duas membranas, uma em cima outra embaixo, que produzem um
som agudo, e é percutido com um par de baquetas pequenas de madeira.
Diferentemente das baquetas dos surdos, que sa0 produzidas artesanal-
mente, estas que percutem o tarol sâo adquiridas em fibricas, totalmente
em madeira, e têm cabeças levemente arredondadas que precisam ser po-
lidas em tamanho padriio.
O timbau é um tambor brasileiro que, segundo o fabricante Bira Reis,
"foi industrializado nos anos 30. Mas ele vem de um outro instrumento
muito usado no Rio de Janeiro, que é O caxambu, do jongo". Na Bahia,
o timbau é usado desde os primordios d o afoxé Filhos de Gandhy, "mas
com outra versgo, ein tamanho pequeno, com pele de cobra, e cordas.
Agora, o timbau desta forma que a Timbalada usa, com tarrachas [para-
fusos], aparece no Bando da Lua, que acompanhava Carmem Miranda",
informa o estudioso. É um instrumento de madeira, com cerca de 5 kg,
de bojo afunilado de 60 a 70 cm de altura, com 14 polegadas de diâme-
tro, coberto com ~ e l apenas e na parte superior. Essa membrana é percu-
tida com as mâos e emite um som agudo.
O t i n ~ l ~ a lér sum instrumento afro-cubano. Ele é coinposto de dois
tambores de formata semeihante ao do tarol, mas que têm apenas uma
membrana cada, sendo que um deles tem 13 polegadas de diâmetro e O
outro rem 1.4 polegadas. As duas "bocas" sâo sustentadas por uma ar-
maçiïo de ferro. Ele vem sendo utilizado por muitos mestres de bandas
de samba-reggae que dispensam o uso do apito (tipico das escolas de samba Timbales
cariocas) como meio privilegiado de condu~iïoda banda.
Repique
Cada instrumento desempenlia um pape1 especifico na construçao da
linguagem musical. Na banda de sainba-reggae, O tinzbaies é O instrumento
do mestre, que conduz a banda; o fundo sustenta a base (ou o andainen-
to) do ritmo; a ma./cacüo de duas sustenta a base do fundo; a marcaçüo
de unza é base da marcaçao de duas; o taiiol ou caixa é a base do repique; 50.
o repique serve de base para todos os outros instrumentos; e o tiinbau é AFINAÇAO DOS TAMBORES
um instrumento independente, que trabalba a partir da impsovisaçâo. A
esse conjunto somaram-se, no inicio dos anos 90, os instrumentas har-
mônicos. O teclado, que define a estrutura melodica da cançâo; a guitar-
Ta, quc cumpre uma funcâo semelhante à do repique; O sax, que enfeka
os arraiijos, coin solos ornamentais. As bandas utilizam tambéin um bai-
xo, porém dc forina intermitente, o que permite afirmar que esse instru- A afinaçâo 6 uin dos aspectos mais complexos da percussâo na Bahia.
inento nâo parece ter uma funçao es~ecifica,ou seja, a trama musical do Trata-se de um trabalho absolutamente experimental, embora seja um
samba-reggae pode prescindir do baixo, cuja sonoridade grave é facilmente procedimento fundamental. A afinaçâo de tambores é quase sempse Lima
abafada pelo peso dos surdos. tarefa para mestres de percussâo e se constituiu num processo particular.
Novamente é a oralidade que vai caracterizar O aprendizado e a transmis-
sao do conhecimento de mestre para aprendiz. Os procedimentos de afi-
naçio também foram modificados no processo de criaçio do samba-reg-
gae. "No coineço a afinaçao era muito deficiente, até porque as peles de
animal desafinavam quando molhadas pela chuva. Con1 as peles sintéti-
cas a coisa foi se aprimorando, foi se pegando afinaçoes em [intervalos
del terças e quintas, refinando mais. Hoje em dia, você pode transformar
a sonoridade dos surdos, deixi-los agudos, antes era tudo muito mais gra-
ve", explica Rira Reis.
Para ilustrar o trabalho de afinacâo dos instrumentos da banda sam-
ba-reggae, sera descrito o procedimento realizado por Neguinho do Sam-
ba, enquanto mestre da banda Didi, levando em consideraçao a pai-ti-
cularidade do método. "Aqui na banda nos temos uma afiuaçao difereute
da banda do Olodum, do Ara I<etu, do 115. Cada banda de yercussâo tem
uma afinaçao diferente", explica O mestre em uma scssao de afiuaçao
realizada no patio da gravadora WR, quando da gravaçao do primeiro
CD da Didi Banda Feminina, em 19 de julho de 1997. O mestre estava
cercado de aprendizes que olhavam atentamente a execuçao da tarefa res-
ponsivel pela qualidade de som dos tambores.
Os primeiros instrumentos afinados foram os surdos. Neguinho do
Samba pegou um dos fundoes e iniciou o processo de afinaçâo, que con-
siste basicamente no ajuste dos var6es que fixam a meinbrana no boio
do instrumento a fim de estendê-la adcquadamente. O trabalho começa
pela retirada desses vacees, um de cada vez. O passo inicial é o afrouxa-
meiito das arruelas ou roscas de baixo e de cima que permitem que o
varâo fique folgado O suficiente para ser removido. Depois da 1-emoç.20,
sua ponta é levemente diminuida com uni sel-rote e ele 6 recolocado no
bojo. Depois de recolocar também as arruelas nos vatees, o afinador
cas, forain aci:cscentados como elementos fundamentais da fabricaçzo de 51.
tambores. E roda essa dinâmica de reinvençâo de instrumentos aicançou A TER'MINOLOGIA
uin climax no processo de iuvençao do samba-reggae, responsivel pela
proliferaçao de baterias.

A elaboracâo da terminologia dos grupos percussivos é um proces-


so altamente dinâmico e microcontextual, pois vai sendo inveiltada oii
transformada no moment0 mesino da produçâo musical. Na verdade, cada
conjunto percussivo deseilvolve no processo interativo uma terminoiogia
propria. A oralidade é, de fato, uin campo fecundo para a criaçâo de uma
infinidade de terminoiogias que n5o szo apenas verbais mas também ges-
tuais. Além dos vocibulos usados para descrever o fato sonoro, como
uaïiaçüo, quebrada, levada, conuençüo, suingue, o mestre (uegente) da
banda trabalha com sinais gestuais que orientam a execuçao m~isicaldos
percussionistas. Esses gestos, bein como os vocibulos, apresentam uina
natureza mutante que depende da interaqâo dos atores em cena. Assim, a
terminologia da percussZo, sendo particular a cada grupo perciissivo,
embora muitos vocibulos sejain comuns, é outro eleinento que s6 pode
ses apreendido no coiitesto da reproduçzo musical.
É interessante anotar a significaçâo pal-ticuiau que os vocibulos ad-
quirem no contexto de cada banda de samba-reggae, bem como os siiiais
gestuais utilizados para conduzi-la. Os termos utilizados nem sempre têm
uma interpretaçâo consensual. Até inesino a i~oçâode ritmo, que pode ses
entendida como uma maneira de decompor O tempo na constru~âode uin
modelo sonoro, nZo é compartilhada. Alguns percussionistas afirinam que
"ritmo é a coinbinaçâo de toques de cada surdo", como Vivian Caroiine,
da banda Didi. Para a maestrina da iuesma banda, Adriana Portela, "o
ritmo é a pulsaçjo da miisica"; j i para O mestre Neguinho do Samba, "O
ritmo é a alma da inusica". Sem as amarras de conceitos estabelecidos, O
evento sonoro é inuito mais sentido do que compreendido no m~indoda
percussâo.
O termo ii7?pouiSo é utilizado nesse meio: ele é substituido pelo
vocibulo uariaçüo OLI quehada e C entendido como uina modificacjo no
ritmo em curso. Em termos etnomusicol6gicos, a variaigo é definida como
batidas combinadas que dao ênfase a um deterininado fraseado, confor-
me o professor de percussâo Shafick I'atriarca. Co~?uelzçZoé um outro
vocibulo freqüentemente utilizado no uiiivei-sopopular, tainbém chamado
ue unissono no meio erudito. Trata-se de uma variacâo coletiva, prees-
tabelecida, que deve ser executada ao mesmo tempo, por todos os ins- 52.
trumentistas e se configura enquanto padrâo ritmico: é O improviso es- O ENSAIO
tratégico. A oralidade joga um papel-cbave nesse processo de constru~âo
particular de terminologia. É o fator que melbor explica as indefiniçoes e
variaçoes terminol6gicas no interior de cada banda de samba-reggae, pois
elas estao diretamente ligadas 2s trajetorias musicais dos atores e dos meios
em que foram formados.
O ensaio é O lugar da trama musical. 6 ai que a estrutura da linpua.
Além dos v ~ ~ a b u l (geralmente
os empregados nas pausas da execu-
çâo musical, durante os ensaios), existem os gestos ou sinais visuais emi- gem sonora é construida. A descriçao de um ensaio de uma banda de sam-
tidos pelo mestre elou maestrina das bandas. Durante a execuçâo de uma ba-reggae pode ajudar a imagina? esse processo de criaçâo.
Quem desce e sobe a Rua Joâo de Deus no Pelourinho j i esta acos-
mtisica, o gesto do mestre é, segundo Zagonel, "O meio mais importante
tumado a ouvir O batuque samba-reggae que soa o dia todo no sobradc
que possui para fazer nascer a mtisica existente em sua imaginaça0 ao levar
19. A velha casa abriga a sede da Escola de Mtisica Ilidi, fundada em 1993
os instrumentistas a tocar". Esses sinais-imagens sâo res~iltadoda dinâ-
pelo entâo mestre da bateria do Olodum Neguinho do Samba. É ali tam-
mica da interaçâo do grupo. Eles mudam cada vez que uma convelzçiio é
bém que acontecem os ensaios diirios da Didi Banda Feininina, que ino-
estabelecida ou uma nova variaçZo é incorporada ao universo sonoro de
vou ao consrituir um espaço ferninino no universo da percussâo.
uma banda; quando isso ocorre inventa-se um sinal, um gesto que as
Pelourinho, manhâ de segiinda-feira. As percussionistas da Didi se
descreva. O gesto realizado com as mâos (ou com varetas de vime usadas
preparam para O trabalho. No 6Itimo piso do casarâo, num pequeno es-
pelo mestrelmaestrina) faz da imagem um recurso de comunicaç~oentre
tiidio, a miisica se desenrola. De frente para a banda, o maestro Neguinho
mestre e percussionista. Os sinais visuais servem para indicar os silêncios,
do Samba avisa que compôs uma letra e vai preparar uma musica. Com
as pausas, as continuidades e suas devidas velocidades, a altura do som
suas baquetas ele vai até um fundo e faz o toque, repete uma ou duas vexes
emirido pelos tambores, a finalizaçZo e O recomeço das frases musicais.
e a percussionista que porta o insrrumento procura imitar O gesto que
A criaçao dessa linguagem é parte integrante do processo interativo en-
produz aquele som. Uma vez fixado, ela continua repetindo O toque que
tre os atores em questâo, dai O seu cariter singular.
é a base do ritmo, ou seja, aquele que determina o seu andamento. lsso
feito, O mestre dirige-se ao triol, o instrumento que auxilia a iuanuren-
$50 do ritmo feito pelo fundo, que entre um toque e oiirro cede um espa-
ço para O toque do tarol, que entao é mostrado.
Entre os toques dos dois instrumentos continua sobrando um espaço
e é ai que se inserem os novos toques produzidos pela marcaçâo de dduas
(que sustenta a base do fundo) e pela rr?al.caqZo de uma (que sustenta a
base da marcaçio de duas). Esses toques, como os outros, sâo mostrados
individualmente. Cada uma das perc~~çsionistas se incumbe de repetir e
fixar aquilo que lhes foi ensinado, e entio o mestre dirige-se para o re-
pique, instrumento da linba de frente, responsivel ~ e l toque
o mais suin-
gado, pela movimeuto mais igil, que prop6e a danca. Por fim, larga as
baquetas, vai até o tilnbau, e com as maos nuas percute veloznlente, suge-
rindo um improviso.
A essa altura, todas as garotas estao procurando reproduzir os to-
ques ensinados. Entao, O mesti-e pega O vime e se dirige ao timbales da

291
Goii Giieireiro K Trama dos Tamhoics
iilaestrina, tnostrando coino 1-eger a banda. A mimica agora é fundamen-
ta1 para orietitar o conjunto dos toques que pi-oduz o ritmo. Erros e acer-
tos no motnento certo de fazer o toque e na forina de fazê-Io das per-
cussionistas acontecem sob o olhar e O ouvido arelitos d o mestre. A cada
toque errado, utiia nova tcntativa - a repetiçio do gesto é a base do
aprendizado.
O ritmo passa a existir na medida ein que rodas as percussionistas
conseguein uma dinârnica adequada, a precisao do toque feito no tempo
certo c O entrosameiito necessario pat:a compor o conjuiito de toques.
Nesse ponto, elas alcancarani aquiio que se chatna de convelzçiio. Uiil pa-
drao ritmico foi criado; no entatito, eie pode ser modificado no decorrer
do processo. Diante do fato sonoro que esti sendo produzido detltro da-
quele padrao, o mestre pode decidir inseris ou transformas determiiladas
frases musicais reaiizadas por alguns insti-umentos. Ele esti pretendendo
fazer uma vaïiaçiio no ritino.
E O trabalho recoineca. O gesto miinico informa que O fundio deve
continuar laquel le padrao, mantendo inalterada a base d o ritmo; ja o
timbau deve quebiar o padrio, ou seja, deve variar ou improvisar deseu-
volvendo novos argumentos musicais a partir daquele que foi conven-
cionado. O mesmo procedimento pode ses indicado para os três repiques,
que devern desenvolver uma variagio coletiva, em tempo pré-determina-
do. Assim o rittno se enriquece, se desdobra, se inove. E O ensaio coiitinua.
Nesse moinento de ti:oca de experiêiicias musicais transparece a re-
laça0 que envolve mestres e percussioiiistas. N o mundo da percussio, O
inestre é quase uma entidade, a quem se deve respeiro e obediência. Seu
saber é inquestionauel, seu ouvido é sempre o melhor. Alessandra, per-
cussionista da Didi, comenta a respeito de Neguinho do Samba: "Depois
de meu tio, que foi meu primeiro mestre, ele me ensinou tudo". "Ele é
otimo, porque passa segusança pra gente. Ele marca na hora certa, nun-
ca vacila", afirma Lucélia. "A criatividade deie é muito grande", diz Eli-
sângela, e a timbaleira Titi resume: "É urn mestre perfeito". Um misto de
reverência e fascinio une o discipulo ao mestre, visto como alguém que
possui um dom divino.
A crença no dom inusical é muito forte no meio percussivo. E os
mestres sempi:e sugerem a influência de algo de sobi-enatural quando con-
vidados a falar sobre inspiraqzo. "Quando as musicas nascem em mim,
nascein corn a traduçZo que elas querem. Elas sZo devoluç6es, eu s6 faço
devolver o que n i o me perteilce", afii-ma Carlinhos Brown. O tnestre Ne- Nos ensaios das baiidas, os rncsries mosrrain a cada
guiulio do Satnba gosta de recorrer ao divino para explicar O seu proces- pcicussionisra coiiio rcalizar o roquc perfeito.
so criativo. "Eu tenho uma coisa que s6 os deuses podem responder pra
mim. Esses ritmos eu nâo sei como acontecem, acho que tinha cbegado O DISCOGRAFIA COMENTADA
momento, e s6 O universo pode dizer por quê." A crença no dom, com-
partilliada no meio, é uma das razoes para que O mestre seja tratado co-
mo uma "quase-entidade" pelos discipulos.
Mas a observaçao do cotidiano musical dos mestres e seus discipu-
los mostra que o processo criativo passa por um aprendizado de expe-
riências musicais que nasce na interaçâo e n2o exatamente de uma ilu-
1. MPB
minaçâo. E isso n5o passa despercebido pelos discipulos. Para aigumas
percussionistas da Didi, pupilas de Neg~iinhodo Samba, "ele rem O dom,
MORAES MOREIRA
mas a criaçao dele depende da gente, se a gente t i conce~trada,t i tudo
Mestiço É isso, Contincnral, 1986
bem", afirma a percussionista Cristina. Segundo Elisângela, "cada en- Um dos maiores cornpositores do carnaval da Rallia,
saio que ele faz com a gente, ele cria variaçoes e até mesmo ritmos". Se respons&\.tl peia inclus<o dc letras nos repert6rios dos
O talenco e a inspiraçao sâo uma expressao do divino, como querem os trios, na segunda metade dos anos 70; rnosrra neste disco
a variedade dos ritrnos difundidos na Bahia.
mestres, é dificil saber, mas certamente tais "didivas" S ~ Otambém,
, O
resultado de um trabalho intensivo, cotidianamente repetido pelos mu-
GILBERT0 GIL
sicos em seus ensaios.
A Gente Precisa Ver o Lual-, \WEhWarner, 1989
O disco ?raz O registro da versio " N i o Chore Mais" (de
"No Woman, N o Cry"), o reggae dç Bo6 Marley dc
maiar sucesso no cenirio brasileiro.
Qünntn Gente Veio Ver [no vivo], WEAAWaincr, 1998
O disco prerniado pela Gramrny de luorid mzsic é UIII
passeio pela carreira d o cornpositor.

GAL COSTA
Gnl Plurnl, BMG, 1990
A canrora apresenta ncste disco dois samba-resgacs,
w ~ r i l h o ~ ~ l e ï d~o "Muzenza,
, e "Salvador N5o Inerte",
do
.~.olodurn, devidamente acornpanhados pelos tainbores
nos quais o iitrno foi gerado.

CAETANO VELOSO
Liuro, Polygrarn, 1997
O disco mais percussivo d o cornpositor traï grande
varjedade de insrrumencos de percussio, eïecurados
principairnente pelos mtisicos da Timbalada.

S ~ R G I OMENDES
Brnsi1eir.0, Rodrarnusic, 1992
E~~~disco, qlic riaz cinco composiç6es do percussionisra
carjinlios ganliou o Grnrnrny de luorid music-

295
Goli Giierreiro A Trama dos Tarnbores
CHEIRO DE AMOR . . DANIFI A -MERCURY
-. .. .--~ -
Sainssiê, Continental, 1988
O Caizto da Cidade, Columbia, 1992
Um bom exemplo da assimilaçio da estérica afro pelas
Scgundo disco sala da "rainha da axé-music",
bandaslblocos de trio elétrico.
ieîponsivel ampiiaqào d o espaso da miisica
produzida na Bahia no meicado nacionai, no quai a
CHICLETE C O M BANANA quaJidade técnica aprirnora o dialogo enrrc os
Cbiclete coin Banana, PolyGram, 1987 instr~>rnentos
pcicussivos e O aparato elerrônico. O disco
O Chiclete corn Banana é reverenciado como precursor foi produzido por Liminlia e conrou com a participaçjo
das fus6es ritmicas da axé-wzusic. Este disco é uma boa de Herbert Vianna em "ma das faixas.
anlostia da estética mesriça e da variedade ritmica no
universo das bandadblocos de trio. IVETE SANGALO
É testa, BMG, 1997 lvetc Sangnio, Universai Music, 1999
Primeiro disco da banda gravado an vivo, em cima de um ;
Primeiro disco solo da cantosa, em q u e reedita a formula
trio elérrico, no carnaval da Bahia. 1 da axé-music inaugurada por Danieia Mciciiry iio inicio
': dos anos 90.

LUI2 CALDAS
Masin, Nova Republica, 1985
Um dos primeiros mtisicos a utilizar eiemenros da esrética 4. AFRO-POP
negra em blocos de trio. Responsivei pela divuigaF50
nacional do "fricote", O arrista é um dos precrirsores da
TIMBALADA
axé-music e foi music0 e vocalista de virios hiocos de
trio. Timbaindn, Polygram, 19?3
Andci Road, Polygram, 1995
Màe de Snmbn, Polygram, 1997
SARAJANE
A a u d i ~ â odesres rrês discos permire acompanhar a
Sarflinne, EMI-Odeon, 1985 rransforrnaçào da esrética musical da banda. Uma das
Primeiro album da cantora que, ao lado de Liiiz Caidas, mais importantes represenrantes d o estilo, depois de
foi uma das primeiras a pesquisar elementos da estérica enfatizar O aparato eietr6nico em Andei Road -se
negra para incorpoi5-los a o universo dos trios. rornnarado
.~~~~
r~~ ao orimeiio disco da banda (Tirnbaiadri)-,
Responsivel pela divulgaçào nacionai das danças da voita a investir na sonoridade dos instrumentos
Bahia, Sarajane foi também precursora da axé-nrusic e pcrcussivos ern Mac de Snmbn.
musa d o carnaval da Bahia em meados dos anos 80.

BANDA REFLEXU'S
Kassiêsselé, EMI, 1989
Born exemplo d o diilogo entre O samba-reggae e a
sonoridadc pop elerrônica.

RANDA EVA
Bnndn Eua no Vivo, Polygram, 1997
!iibum que inscre a banda no roi dos maiorcs vendcdoies
dc discos d o pais.

Goli Giicrrciro A Trama dos Tarnbores


iMARGARETH MENEZES EDSON GOMES
Mnrgareti7 Meizezes, Polygram, 1987 Apocoiipsc, EMI, 1997
Primciro disco da canrora, que foi aprescnrada às piat£ias Urn dos maiorcs nomes do reggae-ïoots (um ripo dc
internacionais pelo compositor amcricaiio David Byme, rcggac hisico, p6s-ska e rock-stendy, maicado pela
com quçm participou de uma turné por varios paises. pulsaçao forrc d o baixo) na Baliia, cujas canç6cs veiculam
a idcologia rastafari.

6 . SAMBA E PAGODE

BATATINI-IA
50 Anos de Saipzbn, WR Discos, 1994
C Urn ùalaiiço da obra dc um dos inaiores mcsrrcs do samba
3..
na Bahia.
Dipioinncia, EMI, 1998
Disco posruino, con3 participa~ocsde Maria Berhânia,
5. REGGAE BATATINHA Caetano Vcioso, Chico Buarque, Gilberto Gil e ourros.
D I P I O M A C I A

GERONIMO GERA SAMBII


Macuxi Mtiitn a i d a , Contincnral, 1986 Gera Sa,ribn, Sony, s.d.
Disco siagie cujo lado B - inais conliecido como "Eu Sou Primciro disco do grupo q u e mais tarde se dividiria.
Ncgao" -se rransformou num manifesro afro no ano- dando origem ao mais bcin-s~iccdidogrupo de pagode do
rnarco dc 1987. ineio musical baiano, o O Tciian!
Dai<di, Conrineiital, 1987
Disco que mosrra a influência dos rirmos caribcniios na
produçzo dc musicos baianos.

LAZZO
Atr& d o Pôr d o Soi, BMGiAriola, 198s
Um bom exempio da influência d o reggae no trabailio de
musicos de biocos afro é Lazzo, que dcixou o Iiê Aiyê
para fazei uma rurnê iiitcrnacional corn o rnusico
jamaicano Jiminy Cliff. ..~.~

Nndn de Gi.n$a, Warner: 1999 da dançarina Carla Perez do grupo


Mais reccnte trabalho d o compositor.

COLETÂNEA
Reggae in Bnhin, Brasidisc, s.d.
Coletànca que reuiic varias bandas baiaiias de reggae
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ii Trama dos Tambores


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Poii-rri.~,Adriana. Enrrevisras concedidas à aurora em 14/03/1997 e 07/0S/1997.
Qi~rinoz,Vivia~iCaroline. Entrevistas concedidas à autoia cm varias datas, entre março
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~NDICEREMISSIVO

Abi-Si-Ayiê, 102 Asa de ~ g u i a 154,


, 158, Brincando de Eva, 206
Abreu, Feinanda, 248 229, 227-8,239-40 Briro, Hagamenon, 137
Acordes Verdes, 144, 180 Augusta Cézar (pai.de. Brown, Carlinilos
Adao (bloco), 154 santo), 35 (Antônio Carlos Santo:
Afieketê, 101 Babalai>, Nelson, 256 de Frcitas), 13. 84-5,
Agbcokuta, 40 Bacelai, Jeferson, 52 97, 113-4, 132, 141-2,
Agostinho, Hermes, 77 Bach, J. S., 182 144, 1.55, 158, 169-72.
Aja Addy, 193 Badauê, 72,101 176-7, 181, 183, 185,
Alabê (bloco), 102 Bandaid, 141 189-90, 195, 216-7,
Albuquerqiie, Carlos, 17, Bamdamel, 133,147,248 240-1, 248, 260-2,
48,95,138,163 Bando da Lua, 282 263,266,292
Alessandia da Didi, 292 Barabada, 4 5 , 4 7 Brown,James, 87, 141
Almeida, Lino de, 99 Barbosa, Ilaroido, 85 Byrne, David, 161, 195;
Amigos d o Reggae, 97 Barbosa, Saul, 107 229,231
Amorim, Paulo Henrique, Barca, A, 129 Café, Humbeito, 73
244 Barnabé, Arrigo, 191 Café, Wilson. 195
Andrade, Vanusemar, 129 Barroso, Ary, 156 Calabria, Lorena, 245
Andréia da I<ilimanjaro, Bastola, 9 7 Caidas, Luiz, 138, 141-5,
202 Bastos, Eduardo, 189 180
Apaches d o Tarori>, 62, Baratinha (Oscar da Camafeu, Paulinho, 141
83-5,221 Penha, 1924-98), 80-1, Camaleao, 126, 144, 244
Ara I<etu, 12, 16, 26-7, 256 Câmara Cascudo, 67-8
32-7, 39,43, 52-4, 57, Batom Lilas, 206 Capiba, 136
89-90, 101, 105, 113, Beatles, 126 Capiiian, josé Carlos, 14,
118, 134, 148-9, 153- Becker, André, 193 102
4, 163, 195, 231, 258- Beethoven, L., 182 Carequinlia, 73
9,285 Béhague, Gérard, 68 Carlos Jiinioi, 130
Aragao, Temistocles, 13, Beijo, 126, 129, 145 Carneiro, Edison, 61,71
121 Bell (ver Marques, Bell) Carol (percussionisra), 15
AraGjo, Emanuelie, 228 Betao do Olodum, 41 Carvalho, José Jorge, 159
Araujo, Josélio de, 39 Bit Bit, Leo, 108, 169 163
Arafijo, Zulu, 101, 105, Boca de Cantor, Paulinho, Carvalho, Roque, 45
117,147,165 122 Cavalcanti, GerGiio, 236
Aica de Olorum, 102 Boghan, 108-9,169 Caymmi, Dorival, 39:
Armandinho, 125-6, 217 Bolaclia Maria, 172, 205- 136, 155-6
Armandinho, Dodô & 6 Cayres, Betli, 191
Osmar, 126,217 Boquinha, Lizaro, 91 Cezinha, 141
Arte de Saia, 206 Borges, Jorge Luis, 207 Chaciinlia, 142
Brean, Denis, 85 Clieb I<lialcd, 161

A Trama dos T'ambores


Clicil<Xanta Diop, 103 Dipioinatas de Amaralina, Fiilios de Gandhy, 30, 73- Herskovirs, Melville J., Lcnibraii~aAlricaria, A, Mata, Aiy da, 153
Cliciro de Hmor, 126-8, 61, 82 7, 124, 142, 170, 198, 287 71 Maréria, Tonho, 58,144
134, 153-4,227, 249 DJ Doug Wentd, 163 209,223,282 Humberto (da Gope), 277 I.éuy, Pierre, 269, 273 ~Marta,Robcrro da, 83
Chiclete com Banana, DJ Jon Carrer, 263 Filhos delah, 102 liuoi, Ivaii, 97 Lcymaric, Isalielle, 96, Mautner, Jorge, 248
145, 153-4, 180, 227- DJ Mau Mai,, 262-3 Filhos do Toroi6, 82 Ilê Aiyê, 12, 28-33, 35, 265 Mazzoia, Marco, 165
8,244 Djaniba, 97 Folia Africana, A, 71 43,45,47, 49-51, 58, Lima, Ari, 109, 256 Meireles, Mircio, 54
Cliopin, F., 182 Djavan, 169,248 Frith, Simon, 265 60, 62, 53, 88, 91-3, Lima, Marina, 248 Mcndes, Sérgio, 169, 172
Cia. do I'agode, 2.56 Dodô, 13, 121, 124, 126, Fruros do Pelô, 167 98, 101, 103, 105, Liminiia, 118 Mcnczes, Margareth, 13,
Cicero Antônio, 40, 149 136 Fry, Perer, 69 109-10,118, 130, 138, Lisboa, Lauio, 237
Clapton, Eric, 95 Donato, Joao, 248 Fuede (do bloco A Barca), 149-50, 154, 177-8, Little Ilicliard, 141
Claudio .M., 263 Dr. Cevada, 240 129 202, 223, 232, 244, Lo, Ismael, 161
Cliff,Jinimy, 95, 97-8 Duncan, Zilia, 249 Fundaçao Grcgorio de 251,277,285 Logullo, Eduardo, 235 Menczcs, RogCrio, 124
Clinron, Bill, 163 Düring, Jean, 274 Martos, 102 internacionais (bloco), 62 Lordcs, Os, 61 Mcniiias, As, 206
Côcobanibu, 154 Durerre, François, 159 Gabriel, Peter, 161 Jacaré, 257 Los Catcdristicos. 24 Meninos do Pelô, 239
Comanclies do Pclô, 62, 2 o Tchan!, 154,220, GalvZo, Luiz, 122 Jackson Five, 88 Lucélia da Didi, 292 Mercuiy, Daniela, 13,
83-4, 221 249, 254-5,257,259 Ganiza, Violeta de, 251 Jaciisoii, Michaei, 88, Luhiiing, Angeia, 271-2 107,132,135-6, 138,
Company, Ray, 99 Ébano, 102 Garrido, Luis Carlos, 189 164,195 Liitadorcs de Africa, 71 154, 156, 1.58, 163,
Concciç50~Fernando, 109 Egbi, 198 Garvey, Marcus, 88 Jacob do Bandolim, 126 l.utlicr King, Martin, 88 174, 177. 180,228-9,
Conceiçao, Giba, 193 Elisângcla da Didi, 292, Genrii, Ederaldo, 82 Jacu (bloco), 126,244 Luz, Djalma, 60 232-41, 248-9,262-3
Coiicci~Zo,Marivaldo 294 Gcra Samba, 182,256.7 Jackc, I<laus, 97 Lyra, Carlos, 136 .Mestie Vadinlio, 197
Paim da, 110 Elier, Cissia,169,248-9 Gcraldio do Olodum, 45 Jamaica, Bcro, 257 Maccdo, Armaiidinho ("ci Miguez, I'aulo, 129
Congos de Africa, 71 Embaixada ilfricana, 69- Gcrisclier, Christiaiie, 58 Jan~olivado Olodum, 98 i\rinandiniio) Miller, ~Mônica,57, 19.5-8
ConsucIo, Baby (Baby do 70 Gerôiiimo, 21-3, 57,96, Jojo Gilberto, 156,239 Maciel, Luis Carlos, 124 Moia, Toni, 97
Brasil), 99, 122, 142 Embaixada Chinesa, 69 107, 142,145,229 J o j o Jorge, 43-4, 58, 91, .Madeiada (trio), 240, 263 Monre, Ldarisa, 126, 1.52,
Cordciro, Edson, 249 Eno, Brian, 161 Gil, Gilberto, 19,44, 65, 100, 102-4, 107, 165- Mac Cieuza, 197 155, 169, 198,248.
Corujas, 62, 126 Escola Criariva do 72,75-7, 93, 97, 102- 7,189,223 Mac Hilda de Jitoiu, 30-1 267
Costa, Ansclmo, 239 Olodum, 111-2 3, 118, 124, 142, 155, Jobim: Tom, 137 Mâe Maria Mullicr Moraes Morcira, 122-3
Cosra, Elisaberli, 251 Escoia de Musica Dida, 163, 177, 190-1,227- J~iventudedo Garcia, 82 Olodum, 200 Moraes, Vinicius de, 39
Costa, Gal, 47, 142, 155- 113,201-2,270,273, 9,235,241,248 I<aoma, 237 MZe Menininha do Morales, Anamaria, 75
6,158,191,198,248 291 Gilroy, Paul, 98 I<atiiiguelê, 190, 249 Ganrois, 184, 196-8 Moreira Ncves, Dom
Cristina da Didi, 294 Escoia Fracarum, 113-4, Godi, Antônio, 16,70, Kcita, Saiif, 161, 195, 266 iMic Stela, 184-5 Lucas, 184,261
Cruz Vermclha, 69-70 172 72, 79-80, 83, 118 Kiiimanjaro, 202 Magal, Sidney, 248-9 Moira, Furncgante, 97
Cruz, Cilia, 96 Eu Também Sou Tif, 1.54 Godim, Fernando, 136 Kituxis, 195 Magailiaes, Antôriio Morra, Ed, 240
Cunha, Joiiga, 228, 234 Eu Vou, 129, 153-4 Goes, Fred, 124 I<ubrusIy, Mauricio, 127 Carlos, 7 7 ~Motubaxé,102
Cunha, Oiivia Gomes da, Eva (bloco, banda, trio), Gomes, Edson, 98,100 I<uti, Fela, 195, 266 ivlaliatma Gandhi, 73-5 Moura, Aifredo, 141
96 154, 228,238-40 Gomes, Pepcu, 122-3 I<uttnei, Robert, 115 Malê Debalê, 12, 16, 32, Moura, Clovis, 49
Danras, Marcelo, 24 Evora, Cesiria, 191 Gonzaga, Luiz, 178 Mouia, Milton, 24, 51'
Daudc, 150,172,183, Fibrica de Carnaval, 166 Gramacho, Moema (PT), . . . . 57. 87. 95
249 Fantoclies do Euterpe, 69, 129 Lactomia, 172 Malmstecii, Y., 126 Muana, ~ e d a52,
Dc Barom, 206 121 Guerreiros d'Africa, 69 Lasweil, Bill, 169 Mamonas Assassinas, 237 Mundo Ncgio, 101-2
Dembele, I<oko, 190 Farias, Valtcr, 29 Guerrilliciros de Jah, 97 Lazinho, 189 Mangueira (cscolaj, 80, ivlunhoz, Pauiinlio, 270,
Dcndê Cuin Jab, 97 Ferreira, Juca (PV), 129, Guiguio, 29 Lazzo, 98 248,260 273
Diadorina, 98 223 Hancock, Hcrbie, 169 Lee, Spike, 264, 195 Maria Betliâiiia, 142, 155- Musotto, Ramiio, 97
Diaz, Daniel, 195 Fialuna, 172 Harmonia do Samba, 256 Lefebvre, Hcnri, 272 6, 197-8, 240 Muzcnza, 12,45-8, 60,
Didi Banda Femiiiina, Fiihas de Oxum, 198,209 Hart, Mickey, 55 Legiao Rastafari, 96 Marley, Xob, 45-6, 48, 98, 149-50, 178,223,
200-4, 209, 248,273, Filhos da Africa, 69 Hassel, Jon, 161 Lélis, Durval, 239 95-8, 142 257
285, 289, 291-2,294 Fililos da Harmonia, 69 Hendrix, Jimi, 87-8, 126 I.ema, Ray, 161, 195 Marques, Bell, 177
Martins, Ricardo, 129
N'Dom, Youssou, 105, Pândegos da Época, 69 Vianna, Herrnano, 82, 87,
Rodrigues, Jair, 249 Smerak, Walter, 178
149,161,195,266 Papa Léguas, 126 255
Rodrigues, Nina, 68, 7 1 S6 Pra Conriariar, 249
Naç2o Rastafari, 9 7 Paquito de Rivera, 96 Vicei>te Augusro (da
Rolling Stones, 95 Soares, Elza, 249
Nana Banana, 154 Pnralamas d o Sucesso, Clieiro de Amor), 127,
Roni, 272 Souza, Nilza Alves de, 61
Nascimento, Milton, 188, 158,169,240 130
Rosa, Gideon. 253 Tarnbores Acliantcs, 167
190,248 Participaçào d o Muzenza Vieira Filho, Raphael, 65,
Rose, Doudou, 162,193 Tambou Bô Icannai, 195
Negritude Ji., 248 98 69-71
Rosiyn, Amy, 95 Tapaios, Orlando, 216-7
Neguinho d o Samba Patriarca, Shafick, 272, Virgiiio (cunhado de Vera
Rossi, Reginaldo, 249 Tarau, 26,58,258
(Antônio Luis Alves de 289 Rufino, Nelson, 80 làvares, Tom, 5 7 Lacerda), 35
Souza), 12,60-4, 132, Paulo Jorge, 9 3 Rumbaiana, 97,178 Taylor, Creed, 195 Vivian Caroline, 200-2,
200-4, 273,277,280, Pedra d o Pelô, 167 Si, Sandra de, 249 Terra Samba, 220, 256 204,273,289
285-6,289,291-4 Pesa no Cornpasso, 256 Saborde Mel, 144 Thales de Azevedo, 69 Vladi, Kadia' 177
Ncry, Joaquim, 244 Pereira, Givaldo, 109 Salgadinho, 249 Thomas, Gerald, 5 4 Vovô (Aniônio Carlos dos
Nerinho, 154, 156, 236, Perez, Caria, 255-7,259 Salgueiro (escola), 80 Tier Vip's (bloco), 248 Santos), 29-31, 51, 83,
248 Pilares, Raimundo, 253 Salomio, Waly, 102 Timbalada, 109, 152, 101, 103, 130, 149'
Novos Baianos, 122-3, Pinel jbloco), 129, 154 Sanches, Pedro Alexandre, 154, 158, 163, 169- 157,223
142, 156, 177, 180, Pintado do Bongô, 172 137 174, 177,182, 187, Waru, Ubaldo, 57,273
215,217 Pirenne, Crisrophe, 265 Sangalo, ivete, 13, 179, 198-90,220, 226-7, Washington, Compadre,
Nu Ourio Eva, 129 Pires, i\iexandrc, 249 228-9,236,238-41, 246-8,262,282 257
Oganmê, 1 0 2 Poesia, Adailton, 29 245,248,261,263 Tinliorio. losé Ramos, 79 Xandy, 256
Oju O b i , 72 Portela (escola), 80 Sansone, Livio, 96 Titi da DL&, 270,292' Xexéu, 248
Oiegirio (motocista d o Pottela, Adriana, 202-4 Sanrana, Arany, 91, 93 ?ô Aqui Africa, 102 Yamaro, Wadaiko, 193
trio elétrico dc Dodô e Queiroz, I-Iilda, 200 Santana, Lucas, 150 Tony do Bragadi, 177 Zagoncl, Bernadete, 275,
Osmat), 122 Queiroz, Walter, 244 Santiago, Baby, 99 Toque Magia, 167 290
Oliveira, Milron de, 8 5 Quiro, IF0 Santos, Fernando, 178 Tosli, Petcr, 97, 142 Zamlieli, Dini, 97
Olodum, 12,20,24,26, Raiïes d o Pelô, 167 Santos, Jocélio Teles dos, ?raz os Montes, 126 Zirabes, Os, 1 7 2 , 1 8 1
32,41-5,47,54, 58- Rangel, Wesley, 116-8, 67-8 Tiopicalia, Yrthamar, 33, Zezé de Camargo e
60, 62-3, 91, 98, 100- 130, 144-5, 155 Santos, Juana Elbein dos, 45,58,147 Luciano, 248
Reflexii's, banda, 134, 16 Tutancâmon (bloco), 102 Zulu, Rey, 33,58, 147
147 Santos, Luciano Gomes Uniào d o Samba, 257 Zumbi dos Palmaies, 102
Rego, Valdeloir, 49 dos, 24,147 Vai Quem Vcni, 169, 172,
169,177, 184; 187, ' Reis, Arrdio, 190 Santos, Lulu, 248 174
189, 194-5,200,202, Reis, Bira, 58-9,62, I l l , Sarajane, 138, 140.2, Vai, Stcve, 126
204,209,223,227, 113,277, 280,282, 144-5, 229 Van Halen, 126
229,231, 237, 247, 285 Schaeber, Pcrra, 109 Vasconcelos, Nani, 113,
257,2S5,291 Reis, Rosiel, 149 Scorpius, 180 192
Olori, 72 Reirz, J. G., 8 7 Seiassié, Hailé, 47-8 Vassouriniias, 121, 136
Onassis, Pierre, 189 Rennie Marris Puic Seu Vavi (pai da canrora Veiga, Eiicivaldo, 45, 89,
Oriobi, 102 Movemenr, 195 Daiide), 172,183 95
Osmar, 121, 123-6, 136, RiacliZo, 80-1 Shortei, Wayne, 169 Veloso, Caetano, 72, 122,
209,213-5,217, 219, Riff, Luiz Antônio, 237 Sidnei, 169 124, 135, 137, 142,
221,239 Risério, Antônio, 30,72, Simi>es,André, 149 155-6, 163, 169, 177,
Orum O b i de ~ f r i c a 71
, 75,102,129 Simon e Garfunlcel, 145 188, 190, 195, 215-7,
Pacheco, Edil, 80,229 Ritmisras d o Samba, 61 Simon, Paul, 145, 161, 241,248
Paiva, Marcelo Rubens, Ritmos da Liberdade, 82 165,195 Vereer, Picrie, 44, 51, 67,
257 Robatro, Lia, 257 Simonai, Wilson, 240 fis, 178
Rocha, Glauber, 180 Sioux (bloco), 83 Vianna, Herbert, 240
Rodrigues, Daniel, 229 Skank, 158

Goli Guerreiro A Trama doç Tarnborcs


CREDITO DAS MUSICAS

"Afro Olodoin Multimidia" (Lucas Santana, Quito). Editora: Naraslia. Arquivo A Tarde (p. 123)
"Baiicla" (Ncguinho d o Samba). Editora: BMG Music Publishing. Arquivo Correio da Bahia (p. 78)
"Brilho e Bcleza" (Paiticipa@o). Editora: Warner Cliappell. Arquivo Didi (p. 270)
"Cliamc Gente" (Armaiidinho c Moraes Moreira). Editora: Warncr Chappell. Arquivo Wesley Rangcl (p. 116)
"Domiilgo no Caiideal" (Lucas Santana, Quito). Editora: BMG iMusic Publishiiig. Carlos SantanaIA Tarde (pp. 86,171)
"Farab" (Luciano Gomes dos Santos). Editora: Stalo. Daiiieia Rainos (p. 179)
"FiIlios de Gaiidl~y"(Gilbcito Cil). Edirora: Gege. Débora Paes (dpaes@ig.cuin.br) (pp. 146, 152, 173a, 173b, 181,234, 242,246,260.
"Fricote" (Luiz Caldas, Paulinho Carnafeu). Editora: Warncr Chappell. 262a, capa)
"Guerrilheiros da Jamaica" (Yttliamar Tropicilia, Roque Carvallio). Editora: Wariiei Goli Gucrreiro (pp. 63b, 286, 292)
Cliappell. Malsarida Neide (margaridaneidc@ig.com.bi) (pp. 36, 74, 76b, 84b, 168, 20I220S,
"J. Améiica Brasil" (Julinlio Lcire, Claudia d o Reggac, Guza, Eioi Estrela). Ediroia: 212,224,250a.
. . 250b. 262b)
EiMI. Rejane Cainciro (rejaneciirnciro@ig.com.br) (pp. 20, 23, 28a, 28b, 31b, 34, 38, 42,46,
"Lendas c Magias" (Maiê Dcbalê). Leria inedita. 50, 56, 59, 63a. 76a, Slb, 90, 92, 94, 100, 104, 106, 108, 112, 120, 132, 135,
"LUXe Blues" (Paulo Joige, Jamoliva). Editora: Warnei Chappell. 143, 160, 162, 176, 183, 18.7, 192, 194a. 194b, 196, 199, 203,205,232, 236,
"Macuxi Muita Onda" (Gcrônimo). Editora: Warncr Chappcll. 238, 254, 4" capa)
"Minlia 1-list6ria" (Tara"). Editora: EMI. Reproduçao (pp. 25,21Oa, 210b, 278,281,293)
"Negros Sudaneses" (Lizara Boquinha). Lerra inédita. Sora ~Maia(soramaia@ig.com.br) (pp. 10, 3 l a , 53, Sla, 84a, 125, 12Sa, 12Sb, 157,
"O Mais Belo dos Bclos (A Verdade do lIè)"/"O Charme da Liberdade" (Guigui01 188,216,218,222a, 222b; 226,230,252a, 252b, 258,2641
\raircr Farias, Hdaihon Pocsia). Editora: BMG Music Publisliing. \Vilsori BenosiciA Taidc (p. 140)
"Protcsto do Oiodurn" (Betio). Editora: SBK. Xando Pereira (xaiidop@uol.com.br) (p. 164)
"Tiro Seco" (Bida, Laziniio). Editora: EMI.
"Um Frevo Novo" (Caetano Vcloso). Editora: Warncr Chappell. Todos os esfoor~osposs:ueis foram /cilos para se determinar n ailto~iados folos usadas
"Uma I-lisroria de Ifi" (Yttliamar Tropicilia, Rei Zulu). Editora: Warner Chappell. ;zeste livro. Uma uez locnlizndos os /ot6gi.afos, a editoro iïnediatnmetzte se disp6e n
a-editi-los izns pr6ximas cdiçoes.
COLEÇAO TODOS OS CANTOS Luis Antônio Giron
direçiio de TTnrik de Sots-ii Mirio Rcis

Iniciada cm 1995,a coleçào Owido Musical entra em nova etapa. Com o rirulo ainda
mais abrangenre de Todos os Cmtos, ela passa a ter a dimens50 ampliada pelo parroci-
nio d o Griipo P5o de Açucar, que através de scii proprama de apoio cuitural oferece boi- Fernando iMoura
sas de incenrivo aos aurores, bem corno pagarnenro de pesquisadores e auxiiio à produ- Jackson do Pandeiro
ç i o para o desenvolvimento dos livras. Reforça-se corn isso a idéia de estudar os niovi-
Zuza 1-Iomem de Meilo
nientos inusicais d o planeta utilizando as mais diversas abordagens, incluindo perfis, en-
A cra dos festiunis
saios e reportagens. Sempre parrindo da visio de u m pais de rnusicalidade à floi da pele,
a coieçao pretendc conectar-se às iiiumeras vias de cida tema, fiel à rarrfa de apresentar
Tirulos ji lançados (oiiginalrnente pela colegao Oiivido iMusicai)
aos ieitores o inaior nfimero de zlternativas para o conhecimento deste universo comple-
xo e interpenetrado. Robeito ~Muggiati
Na erz da simiiltaneidade virtual c interariva, a seleçao de ritulos e aurores guia-se Bitles: dn lnmn à famn
pelo critcrio da mixima abrangência, rendo coino ilnicos verores a qualidade e a ielevân- Arthur Dapieve
cia. A coieçao procura ainda mapear as principais rendências que rnovem o tabuleiro da BRock: o rock brnsileiio dos nnos 8 0
milsica, além de refierir e desveiar seus personagens, insrtumentos e atitudes. O desenvol-
vimenro récnico, o apuro virtuosistico, a infiuência no comportamenio reflerida na liisto- Carlos Calado
ria das liilmanidades conviverao indissolilvcis nesse enredo, retrarado por autores esco- A divinn comédia dos M~tarrtes
l i d o s entre os expoenres de cada assonro. Cam a série pretende-se uma visio nova e sis- Dominique Drcyfus
tcrnarizada sobre a miisica - essa arte vol5ril que nos ccrca, rnobiliza e define. Vida d o viajante: a sngn de Luiz Gonznga
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