Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
i
t
t
!
t
-t
ta
ia ,
I{ t I{
t
I
a 4 {,rí-,r,, ri,é'é{,e
A PAJ5A6EIV1 E O HOIVlEI!l sE,RTANEJ 0
14s
IlllPRtSSÂ0
ffiÊi! Moderna
Somuel tVlurgel Bronco
Biólogo e naturalista. ProÍessor titular de Saneamento e Ecologia
Aplicada da Universidade de São Paulo. Como consultor internacional
da OMS (Organização l/undial da Saúde), ministrou cursos em muitos
países da América Latina. Atualmente se dedica quase exclusivamente
à produçáo de obras de divulgaçáo cientÍÍica voltadas ao Ensino
Fundamental e Ensino Médio.
aatinga
A paisagem e
o homem sertanejo
# Elll Moderna
O SAML.]EL ML]RGET BRANCO 2OO3
Elll Moderna
cooRDENÀCÀO EDLTORIAI É EDçÀO DE TÉrlO: lÔsé Ctrnos (lc
PREPÀRAçÀO DE IÉrlO 'rnro
.ooRDENÂcÀo DE PRoDUçÃo GútlcÀ: l'e,nrnd! D,xo Des,n
cooRDENÀÇÃODEREv§Àor F-{c!rm \Gntr Lé'r).lr
RNI§Ào: Denise cú'l niu de c:issix À1 ]'ÔPes
rDcroDaqTt.8..- l '.l.'
PQÔETÔ GúFlco, Lun Femrndô Rubio
aÁPA Hcnrique Utr'trnx
loro: \rqueiro De'iuLolÚ(trnÕ dtr silvr PcrÔ[tbko
O \Írtuo 1'tonio §i riino
cooRDENAçio DÉ PESoulSa lcoNocúFlc-À: \'en Lu.ir d' srha RrÍLonrr'Ô
PESOU§q CONOGúfCA: D€ni§e Dunnd KÍenrer
ITUSTRAçõES: ROMNIo..SJÍ
CÂRÍOGRÁflÂr L!É iiiouÍi
D|ÀGRAMÀCÀO f i' d.'l' n
ÍRAÍA,,1ENTo DE iÀtaGENs: l]\?ldo de Àlmeillx. rderãldÔ Ànúio lte \lcl'
saíDÂ DE ÊltMEs Éelio P. dc souzr ljrlh' \{ârciÔ Hidelakr Kanoro
cooRDENAçÀO DE PRODr.jçÂO lNDLlsÍRlaL \t/ikon ,\prif ido 1 Ôque
'
-r&É
rEE dsô i*.fiG
lcj,rinEaihEêE:J...-':
tund:tuít l l-1111
2 Li,c de làM : Esrc :r3-:
3121r1
tslN 85-l€3óOê5
Hêproduçáo poibidâ. aí.1 84 do códioo Pênal e Lê 9 610 dê r9 é b!€m dê I 993
e'â\1 É
âF*-P,m
l"fl- n
Ao meu fiel amigo Rosendo, de
quem ouoi muitas históras do sertão.
ll,
a
Sumório
Apresentaçáo 6
I Um panorama do sertáo 8
A paisagem sertaneja 8
A caatinga 9
O Velho Chico 13
O sertanejo t6
2 O ambiente da caatinga 79
A origem das terras do sertão 79
O clima da região 26
3OrioeavegetaÇáo 29
O Rio São Francisco 29
eÉ
A vegetação
4 A fauna da caatinga 4L
Os anÍmais nativos 47
Os animais aquáticos 46
m panorama do sertão
A paisagem sertaneja
Se você viajar de aviáo, de Salvador para as teÍras do interior
da Bahia, e observar a paisagem, irá deparar com uma brusca mu-
dança. O ambiente úmido da orla marinha. povoado de graciosos
coqueiros, e a extensa planície de densa vegetação são, repenti-
namente, substituídos a menos de 90 quilômetros do mar
- -
por uma platafor-
ma imensa, de solo A
pedregoso, de co-
loraçáo amarelo-
avermelhada onde
vegetam apenas os
cactos e arbustos
espinhosos e retor-
cidos. Uma paisa-
gem seca e pobre,
contrastando tris-
temente com o pa- qqF4{q,
norama vivo e ale-
gre do mar e das Ári,ÁN Ii{,:ó
matas que ficaram
para trás. ,_. Caatinga
I
I
É a paisagem do sertão. Sua vegetaçáo é a caatinga. Mas não
é só nesse trajeto que se observa o rude contraste. Se seguirmos do
mar para o interior, esse contraste pode ser üsto às vezes em
-
menores distâncias nos estados de Sergipe, Alagoas, Pernambu-
-
co, Paraíba, Rio Grande do Norte ou Ceará. A regiáo seca, domi-
nada pela caatinga. estende-se por quase 1 milhão de quilômetros
quadrados, abrangendo a maior parte desses estados e mais uma
grande parte do Piauí e a porção do norte de Minas Gerais. É uma
área bem maior que a de qualquer estado brasileiro com exceção
-
do Amazonas e do Pará.
No entanto. como acontece com todos os ambientes da Terra
incluindo os mais áridos desertos da Ásia e da África essa
- -,
regiáo tem suas belezas e seus encantos. Náo, certamente, para
quem a sobrevoa a bordo de um aúão, mas para quem, a pé, a
cavalo ou num carro resisienre. se aventura a conhecêla de perto.
A caatinga
A caatinga, a comeÇar pelo nome, é cheia de mistérios. A
maior parte dos pesquisadores concorda que a palavra é de origem
tupi, derivada de coo (mato. t,egetação) e fingo (branco); mas há
muitas dúvidas a esse respeito. Por que os indios chamariam de
"mato branco" a essa vegetação. formada de cactos verdes e arbus-
tos retorcidos de casca escura e espinhenta? Estudiosos da língua
indígena afirmam que, na verdade. coo náo se reÍere, nesse caso,
ao mato propriamente dito, mas. sim. à composição de morros e
vegetação. Isso porque, tornando-se rala e despida de folhas na
época de seca, a vegetaçáo que cobre os morros íorma uma paisa-
gem clara e desértica. Finalmente, outros atribuem origem diferen-
te ao termo. Alegam que ele surgiu da combinação abreúada de
coo (mato) e tíninga (seco), isto é, "mato seco".
O que caracteriza, realmente, essa vegetação, que se estende
a perder de üsta sobre as chapadas nordestinas, é a sua aparência
9
I
z G
O umbuzeiro se destaca
em meio à caaiinga; sêu .
fruto, o umbu, é saboroso.
l0 a
maior porte (que raramente atingem 10 metros de altura) se desta
cam nessa paisagem, principalmente aquelas que conservam suas
folhas sempre verdes.
O juazeiro
resisle bem
à seca por
conservar a
umidade. Í
:
II
Com as
chuvas, a
caatinga
se cobre
de verde.
Í
-
t2
I
sementes, que atraem inúmeras espécies de pássaros, insetos e ro_
edores, dando vida e alegria ao ambiente agreste do sertão.
As águas passam logo. As chuvas são repentinas e fugazes. Os
rios, que se enchem com toda aquela água, em poucos dias voltam a
secar, caso náo ocorram novos temporais. O solo mantém_se úmido
por algum tempo, e a vegetação completa o seu ciclo anual. Depois,
inicia-se um novo período de seca. As folhas das plantas novamente
caem para que os vegetais náo percam água. Nesse período só per_
manecem verdes as plantas que têm capacidade de armazenar água,
um precioso líquido no sertão, como os cactos de caule suculento e
os frondosos umbuzeiros. que possuem nas raízes grandes h-rbércu_
los, como se fossem cocos cheios de água.
O Velho Chico
t3
I
O Sáo Francisco é
chamaóo Rio da Nesse enorme tmjeto, ele corta grande par-
Unidade Nacional.
te da caatinga, com decliüdades suaves (cer-
ca de 2 mil quilômetros, entre Minas e Ju-
azeiro, no norte da Bahia) que o tornam navegável. Depois de Jua-
zeiro, ao seguir para leste, ele cava profundas gargantas. formando
várias corredeiras e cachoeiras, sendo a Cachoeira de Paulo Afonso
a mais famosa.
O Sáo Francisco é considerado um rio perene. isto é, ele nun-
ca seca, apesar de seu volume de água variar muito entre a estaçáo
das chuvas e a das secas. Em geral. de janeiro a marÇo, ele possui
os maiores volumes de água. Com isso. suas margens acabam trans-
bordando e atingem, em alguns pontos. mais de 10 quilômetros de
largura. Depois, ele se esvazia rapidamente. deixando o solo en-
charcado e bastante Íértil, favorecendo. assim, a agricultura. Atual
mente o São Francisco se acha represado em alguns pontos para a
geração de energia elêlrica e para a irrigaçáo. A maior dessas re-
presas é a de Sobradinho, na Bahia.
Tanta água assim não chega, porém, a umedecer o solo da
regiáo das secas. Em muitos lugares, a apenas uns poucos quilôme-
tros das margens do grande rio, a terra é seca, esturricada, em que
t4
I
predomina a caatinga, com seus cactos e árvores sem folhas. Para
um sertanejo que úva a 50 quilômetros do Sáo Francisco distância
-
muito pequena, comparada com a grandeza do sertão
- essa água é
como se náo existisse. Morre se de sede e Íome a meia hora de auto-
móvel, partindo das margens do rio em direçáo ao interior... Como
náo possui automóvel. o sertanejo leva um dia inteiro transportando,
sobre a cabeça ou no lombo do iegue, uma lata d'água que mal dá
para saciar a sede da família.
As águas do Velho Chico sáo
muito ricas. A pesca nele realizada
ê em geral produtiva. e os solos do
seu vale são bastante fárteis. Os sais
minerais e o húmus Por ele trans-
portados depo;itam-.e nas regiões
inundadas. e. à medida que as águas
baixam. o senaneio ribeirinho plan-
ta suas mudas e sementes, que de-
vem ser colhidas antes das próximas
cheias. Esse iipo de agricultura é
praticado há mllhares de anos em tr.
todos os grandes rios que cortam
regióes desét'iicas. como o Nilo, no 1
AgricuLtura às
margens do Rio
Sáo Francisco.
a
i
-
l5
It
ll
I
O seftanejo
Em toda a caatinga, mesmo nos locais mais secos, a pÍesenÇa
pelo sol'
do sertanejo é constante. De aparência indolente e tostado I
e re-
com a pel ES turri.uà-uraorno as próprias plantas espinhentas
de
torcidas que o cercam, esse caboclo é o único ser humano capaz
sobreviver nessas terras. Aí ele planta sua roça de milho, Íeijáo
e
náo
mandioca quando pressente a chegada da chuva' Quando ela
vem, ele acaba náo tendo o que comer' O gado é muito magro'
alimentando-se durante a seca com a palma ou polmatória, espê'
masti-
cie de cacto que solta uma água pegajosa e amarga quando
gada, Íerindo o animal com seus espinhos'
O sertanejo
é parte
integrantê da
paisagem.
A palmatóriâ é alimento
e água para o gado
dúrante as sêcas.
x é I
ló
I
É ainda nesse solo ressequido que o sertanejo cava suas co-
cimbos ou poÇos Íasos para obter a água lamacenta com que satis-
faz sua sede e cozinha seu alimento. Desse solo ele também extrai o
I sal para preparar sua comida, conservar a carne e alimentar o gado.
Esse sal, originário de antigos mares que existiram na região e seca
ram há milhões de anos. está presente em quase todos os barran
cos que margeiam os rios secos, consistindo, ao mesmo tempo,
numa riqueza e num Ílagelo.
Muitos açudes. construídos poÍ represamento dos rios para
conservar água na ápoca de seca, formam grandes e promissores
lagos. Mas, se a seca é muito intensa, o nível da água baixa, e o
grau de salinidade vai ficando maior, até chegar ao ponto em que
ela não serve mais para o consumo. No sertão ressecado, até a
água pode tornar-se agressiva. como os espinhos da caatinga!
O principal meio de transporte no sertão nordestino é o je-
gue: um pequeno burro. muito resistente à sede e à fome. Esse
animal á capaz de percorrer enormes dis-
O gado garan:e a
tâncias por entre os espinheiros. carr€gan-
sobrevivênc:a do
do em seu lombo a carga e até o próprio sertanejo em épocas
de grande seca.
t7
I
-
Assim como o
sêrtânejo, o jegue
resiste às agruras
do sertáo
nordeslino.
do sertanejo.
copítulo
o ambiente da caatinga
A origem das terras do sertão
Sertao é, o nome que se dá às regióes agrestes, distantes
das
zonas mais povoadas e cultivadas. Em sua origem latina, tem o mes-
mo significado que deserlo. Iugar abandonado, e se caracteriza pela
produção de gado, em lugar da agriculhrra, tendo em üsta a escassez
das chuvas e a aridez do solo.
t9
I
I
O solo da caatinga é formado de muitas pedras soltas, des-
de pequenos cascalhos até grandes blocos isolados que paÍecem
ter sido transportados por alguma força impetuosa há milhóes
de anos. Esses pedregulhos acham-se misturados com argila aver-
melhada (ou escura nos lugares mais úmidos) ou com uma areia
de cor amarelada. Mas, ao contrário das regiões úmidas e quen-
tes, o solo é raso. Com a escassez de água, a desagregação e a
decomposiçáo química das rochas, necessárias à formaçáo do
solo, sáo muito mais lentas. Cavando-se a uns poucos palmos de
profundidade, encontra-se uma rocha virgem e dura, constituída
geralmente de granito, a pedra cinzenia que, ao se decompor, dá
origem à areia e às argilas.
É nas argilas dos barrancos que se encontra o sal. Não ape-
nas o sal de cozinha ou cloreto de sódio. mas também o salitre
(que torna o solo féÍtil) e o gesso, que vêm misturados à terra. O
sertanejo, há vários séculos, descobriu o modo de retirar esse sal
para seu uso e para a alimentaçáo do gado. Pri-
Nos períodos de meiro, ele raspa o solo da superfície uns poucos
grande sêcâ, o solo -
centímetros e o dissolve em água, formando a
chega a rachar.
-
20
I
Cabra lambendo
o solo salgado.
Í
à
2t
I
subia, o mar invadia as partes mais baixas, por onde podia pene-
trar. Depois, à medida que o nível do oceano baixava, ficavam gran-
des mares, que iam secando progressivamente e depositando seu
sal. Da mesma forma, a regiáo hoje percorrida pelo Rio Sáo Fran-
cisco também foi invadida pelo mar. Mas isso aconteceu muito mais
tarde, há cerca de 135 milhões de anos, logo após a separação do
nosso continente da África. Esses avanços e recuos do mar sobre o
continente ocorreram outras vezes.
Depois que o oceano recuou, atingindo o seu nível atual, mais
baixo, os próprios rios carregaram para o mar parte do sal acumu_
lado. Além disso, trouxeram de suas cachoeiras novos sedimentos
GEOSS
...:,'
EI
22
I
I ê-i;T
d
I lt,
freqüentemente se aponta o ser humano como seu principal res-
ponsável. Se assim for, é justiÍicável o "por quê?", embora seja
muito duvidoso um "para quê?". O ser humano é indiscutivel-
mente causador de desertos, embora náo os faça conscientemen-
te, como se tivesse uma finalidade premeditada. No caso da caa-
tinga. porám, essa suposiÇáo de uma origem humana ou "antró-
pica" é discutível.
Tem sido muito apontada e demonstrada a forma pela qual o
ser humano inlerÍere emregiôes de densas florestas tropicais, trans-
formando-as, progressivamente. em áreas estéreis, em campos de
areia solta, alterando até mesmo o regime de chuvas. A esse pro-
cesso já foi atribuída a formação de pelo menos alguns dos atuais
desertos africanos. uma vez que. há poucos milhares de anos, ali
existiam florestas exploradas pelo ser humano.
Na regiáo amazônica temos exemplos muito claros desse pro-
cesso de desertificaçáo. Em grandes áreas, as florestas Íoram sen-
do cortadas ou queimadas, repetidas vezes,
Na Amazônia, as para dar lugar a pastagens ou a plantações
queimadas dáo
origem a extênsas de cereais. Com isso, em poucos anos, a
áreas estéreis.
!,,
24
a
25
I
I
que na Amazônia e no litoral, pois a decomposição das rochas para
formaçáo de solos proÍundos é devida, em grande parte, à presen-
ça de umidade constante.
O clima da região
I
)
M5m .1 .l
liil
,GíiiÚt
t 1
t.,
s
I
Inundaqáo de uma
anos. encharcando os solos e armazenando-se no sub- cidade no Nordêsle.
27
I
r
copí1ulo
rio e a vegetação
28
I
O volume de água que
as I DnE GAS DO o FRAiactsco
o Sáo Francisco lança ao mar
ê de, em média, 3.300 me- LUIs
29
I
(
Complexo
hidrelétrico de
Paulo Afonso,
no Fiio Sáo
Francisco.
CEARA
t RIO GRANDE
DO NONÍE
PIAUI
r "fY1on*.
PARAIBA
í.*"
J I
i
)
Pêssdtó ó
r.+.
PÊR
BÂBlÂ
ATAGOAS
- I
p
I
Alguns acham que, nas épocas de seca justamente quando haverá
maior necessidade de irrigaçáo
-
o Sáo Francisco dispõe de muito
-,
pouca água, correndo o risco de secar, ou, pelo menos, ter suas ca-
racterísticas de tal maneira modiÍicadas a ponto de prejudicar sua rica
Íauna aquática. Outros, ao contrário, garantem que a quantidade de
'l_ água desúada para esse sistema será mínima, em relaçáo ao volume
do rio: apenas 64 metros cúbicos por segundo, o que representa não
mais que 2o/o da suavazáo média. Outra corrente sustenta que a obra
é desnecessária diante das enormes reseryas de águas subterrâneas,
inteiramente inexploradas. que existem na região. Entretanto, mui_
tos temem que as águas do subsolo contenham grande quantidade de
sal, o que as tornaria inaproveitáveis. Tais divergências exigem estu_
dos mais aproÍundados. que estáo sendo realizados.
Luís
Noiol
Rêclre
32
Ê: I
E
q
a
I
A vegetação
*
O Íermo caatingo aplica-se a toda a vegetaçáo típica do semi-
árido. Entretanto, ele não se reÍere, na verdade, a um tipo de vege-
tação homogênea em toda a área do sertáo. Há lugares onde pre-
domina a vegetaçáo arbórea: outros em que sáo mais freqüentes os
arbustos. Em alguns pontos os cactos estáo presentes em grande
quantidade; em outros eles sáo muito raros. Essas variaçôes depen-
dem, naturalmente. das condiçôes de solo e de topografia, ocorren-
do diÍerenças significativas entre as regiões de vârzeas, cortadas por
rios (mesmo que não sejam perenes), as de solo mais pedregoso, as
de terra mais escura, os locais altos, os vales e assim por diante. Por
isso o sertanejo usa diferentes palavras para expressar as diÍerentes
feições da caatinga. como: cdrrdsco (carrascal, ou carrasqueira),
quando possui l,egetacão mais rala e enÍezada; coriri, quando, ao
contrário. apresenla vegetação mais branda; seridó, quando tem
características de campo. com vegetação rasteira; ogreste, quando
tem solo muito pedregoso. etc.
Entretanto. todas essas variantes apresentam características em
comum, representadas por adaptações ao calor e à falta de água. Por
exemplo, as plantas da caatinga são, em geral, caducífólios (ou co'
ducos), isto é. perdem as folhas durante o período de ausência de
chuvas. Ou. então. são destituidas completa ou parcialmente de fo-
lhas, como os cacros e as coroas-de-cristo. A ausência ou perda tem-
porária das folhas constitui uma resposta à falta de água no solo, uma
vez que e pelas folhas que as plantas perdem água. Outro modo de
prevenção contra a seca consiste no armazenamento de água no
caule ou nas raízes. Os cactos, por exemplo, guardam grande quan-
tidade de água em seus caules suculentos; o umbuzeíro (ou imbuzei
ro) possui tubérculos (cuncos) nas raízes que contêm água; as borri-
gudos armazenam o líquido em seu tronco obeso.
Nas proximidades das margens do São Francisco, a vegeta-
çáo é densa, íormada de árvores grandes e arbustos com muitas
35
I
O ipê-roxo e o
ipê-amarelo.
Um momento
de grande
beleza.
Í
Íolhas. Aí são comuns a braúno. a
aroeira. o umbuzeiro e o juazeiro-
todas árvores de grande porte. bem
copadas e quase sempre com folhas
que oferecem boa sombra. Há tam-
bêm o ipê-amarelo (no sertáo é cha-
mado de caraibeira) e outras boas
madeiras, como o pau-de-balso, o
1 pau-d'orco (o ipê-roxo. do sul), que,
IÍ embora sejam árvores grandes, per-
dem completamente as folhas nos
meses secos. Mas essa faixa verde.
numa parte considerável do rio, varia de 100 a 200 metros de
largura. Quando o terreno, afastando-se do São Francisco, se
eleva um pouco, comeÇa a caatinga propriamente dita.
A diferença em poucos metros é fantástica. A vegetação
- -
torna-se rala, deixando aparecer sempre o solo nu de cor ferrugino-
sa, e as plantas sáo agora apenas arbustos retorcidos e espinhen,
tos. Em lugar das grandes árvores que, entretanto, podem ainda
-
ocorrer aqui e ali, quase sempre secas e sem folhas predomi-
nam agora os cactos, de várias espécies diÍerentes.
-,
3ó
--+ l
Os cactos sáo plantas muito interessantes. Na verdade, sáo
resultado de uma completa e verdadeira adaptaçáo às condições de
seca muito prolongada. Essa adaptação consiste, antes de tudo, na
inexistência de folhas, que, em qualquer planta, são órgáos de gran-
de superÍície e de pequeno volume, destinados à transpiração -
Em vez de
isto é, à eliminação de vapor de água
- e à fotossíntese.
folhas, os cactos possuem espinhos, com muito menor superfície e
que não transpiram. Com isso perdem muito menos vapor de água'
Como não possuem superficie de folhas pata Íazer a indispensável
fotossíntese, eles adaptaram seu caule a essa funçáo. Por isso, este
se apÍesenta achatado, como uma raquete de pingue-pongue, ou
em Íorma cilíndrica. recortado em número variável de gomos' Esse
caule (ou clodódio) é ainda sempre verde, pois é nele que se encon-
tra a clorofila. Além disso. os cladódios sáo constituídos por uma
espécie de tecido que contém muito suco, formando uma reserva
de água para a planta.
Alguns cactos conseguem retirar umidade do próprio ar, armaze-
nando-a nesse seu estranho caule. Sáo, pois, plantas particularmente
adaptadas aos desertos americanos, como os do México e outros da
América do Norte e do Sul. Ao contrário do que geralmente se supõe,
os grandes .desertos africanos náo possuem cactos, mas, sim, outras
{amílias de plantas como as euló rbias, de que Íazem parte as nossas
-
. f.. .*
Cactos de várias
espécies fazem parle ; l'r
da paisagem típica da .
2
caatinga. a
I
Í
37
I
coroas-de-cristo e outras que segregam "leite,, com os mesmos
-
tipos de adaptação que os cactos, isto é, reduçáo das folhas e sua
substituição por espinhos, ou, ainda, acúmulo de líquido no caule ou
nas raízes.
São inúmeros os tipos e formatos de cactos existentes na
caatinga. Entre os que possuem o caule em forma de raquete está
a palmatória ou quipá. Cultivada pelo sertanejo. essa planta for_
ma verdadeiras cercas e, cortada em pedacinhos. é utilizada (como
já dissemos) para matar a fome e a sede do gado. Os maiores
cactos são encontrados entre as espécies cujos caules têm o for_
mato aproximado de um cilindro. Alguns possuem um aspecto
bonito. É o caso do mandacaru. cuja aparência é a de uma árvo-
re, e o tronco principal chega a rer dezenas de centímetros de
diâmetro. Ele é usado em carpinraria. pois fornece tábuas de cor
clara e leve. muito empregadas na confecção
de caixotes e caixões.
A espécie mais bela. pelo pone e pelo for-
mato quase cilíndrico. não muito recoftado em
I
t
É
'*§
'<"
O Íacheiro é F
outra cactácea
comum na
caatinga.
O mandacaru
também é usado
como forragem
38 para o gado.
_§: I
gomos, é o t'acheiro, um cacto grande, com seus caules de cor
azulada, elevando-se quase verticalmente.
Há ainda espécies mais rasteiras, como o xíquexíque e o alas-
trado, que espalham seus caules espinhentos rente ao solo. Um
cacto muito interessante. pelo formato quase de uma bola e por
possuir flores muito vistosas por isso cultivado em vasos, em
-
toda a parte é a coroa-de-Jrade.
-.
Quase todas essas plantas produzem flores muito bonitas e
frutos saborosos principalmente os Írutos vermelhos do manda-
caru. Mas á necessário ter muito cuidado com seus espinhos, mes-
mo quando são reduzidos a agulhas muito Íinas e pequenas, de cor
esbranquicada.
Existem também outras espécies de plan-
ta que. apesar de nào pertencerem à Íamília
dos cactos. apresentam, como já dissemos, o
mesmo tipo de adaptação à seca. O cansan-
Ção, que muira gente conÍunde com o cacto,
Í
à
A coroa-dêJradê
O xiquexique é lambém
& conhecido como chocalf,o
, e guizo-de-cascavel.
-j
.-
I
d
q.
a ,.4
í
Ç'
EF-I
40 I
'í
I
grande áÍvore que Euclides da Cunha em Os serÍóes
denominou
em suas
de "a árvore sagrada do sertáo" O umbuzeiro possui
raízes grandes bolas cheias de água, parecidas
com o coco-da-
pelas pessoas'
baía. Essa água pode ser bebida pelos animais ou
Nas secas mais Íortes. quando o sertanejo vem
tangendo o seu
gado ao longo da caatinga por dias e dias sem achar água'
o
copÍtulo
A f"un" da caatinga
Os animais nativos
às condi-
Assim como as plantas, espécies animais adaptadas
ções da seca desenvolvem-se
ali Porém, há uma diferença muito
isto á'
importante: ao contrário das plantas, os animais migram'
da presença
mudam de morada no decorrer do ano, dependendo
ou ausência de água e de alimento em cada época'
novo'
É interessante observar, por exemplo, como um açude
]
regiôes mais
formado pelo represamento de um pequeno rio nas
41
i
secas da caatinga, em poucos meses se torna povoado. São patos,
frangos d'água e outros animais terrestres, aêreos e aquáticos que
transÍormam a regiáo inóspita em um verdadeiro oásis fértil e rico.
Idêntico fenômeno pode ser observado nas poÇas, que. poucos dias
após as chuvas, aparecem povoadas de pequenos animais aquáticos.
Contudo, pequenos animais terrestres predominantes na re-
gião, embora sejam também encontrados em outros ambientes, sáo
os que têm maior capacidade de economizar água ou de obtêJa por
processos peculiares. Insetos, aranhas, pássaros e lagartos vivem,
permanentemente, entre os cactos e plantas secas da caatinga. Es-
ses animais se alimentam e retiram água diretamente dos frutos, da
seiva ou do pólen dos vegetais ou de outros animais que capturam.
Vivem geralmente em tocas cavadas nas árr",ores e arbustos. prote-
gendo-se do sol forte. Muitos insetos. aranhas e também pequenas
aves e mamíferos encontram no meio dos espinheiros um lugar
protegido contra o ataque de animais predadores. sendr: essa uma
possível explicaçáo pela preferência que manifestam pela caatinga
como seu ambiente natural.
Os répteis, como os lagartos, as serpentes. as laganxas etc.,
são animais que economizam água seja por não excretarem urina,
mas, sim, ácido úrico em forma sólida, seja por não possuírem tem-
peratura constante. não necessi-
Lando transpirar para regulaçào
térmica, como as aves € os rna-
míferos. Por isso são animais que
üvem bem nos desertos.
As aves, apesar de também
excretarem sólidos (o que lhes
O gavião conseguê
enxergar as suas
presas de grandes
Í alturas.
42
I
,l
A seriema alimenta se de
lagartos e lagartixâs bem
como de cobras.
g
A rolinha é
semelhanie à
pomba, mas
bem mênor.
dispensa a presenÇa de bexiga, aliviando-
lhes o peso para o vôo), necessitam de
.%." 1jffik-wt ..,a
43
I
Já os mamíferos, embora realizem grandes caminhadas, náo
migram como os pássaros para lugares muito distantes. Procuram
os rios e as lagoas que ainda contenham água e aí permanecem.
Pequenos mamíferos, como ratos, abrigam-se em tocas ca-
vadas no solo, onde conseguem um ambiente mais úmido, e ali-
mentam-se de sementes e raizes que lhes garantem o suprimen-
to de água. Já outros que são carnívoros abastecem-se pela caça,
uma vez que o corpo de qualquer animal contém Ílelo menos
7 Oo/o de âgua.
44
I
Há ainda os animais inimigos do sertanejo É o caso de
parecem ser
algumas perigosas serpentes, como a cascouel, que
mais numerosas durante as secas prolongadas' Outro exemplo
sáo os morcegos hematófogos (vampiros), que sugam
o sangue
de bois e cavalos (e. eventualmente, de pessoas profundamente
adormecidas). enfraquecendo os rebanhos ou transmitindo-lhes
doenças. provocando,
assim. perdas Para o ser-
tanejo. E. f inalmente, a
suÇuarano. uma onÇa
cor de palha. quase do
tamanho da onca-Pinta-
da. Embora menos
agressiva. ataca e devo- z
ra um grande número de
cabras ou. às vezes, de e
Í
bezerros p€quenos.
As capivaras
costumâm andar
em bandos.
A suÇuarana,
ou onça-Parda,
uma caÇadora
z de hábitos
noturnos.
9
Í
45
Os animais aquáticos
O jacaÍé do
Flio São
Francisco.
46
I
O mais famoso dos
peixes do Nordeste. não
pelo seu tamanho e sa-
bor, mas, ao contrário.
pelo perigo e pelos pre-
juízos que causa. é a pi-
ranha. o mais voraz e
panguinário p eixe de
água doce em todo o
mundo. Ela rambém é
responsável pelo extermi
nio do jacareiinga. A pi-
ranha é pequena: seu
comprimento geralmente
não ultrapassa um palmo. Seus dentes, solidamente en- As piranhas sáo
comuns nâs águas
cravados na boca grande que se abre desmesuradamen- do sertão.
te, sáo cortar:,tes como pequenas navalhas. Sempre em
cardumes numerosos, ela ataca qualquer coisa que se mova na su-
períície da água. principalmente se sentir a presença de sangue. A
piranha chega a saltar fora da água ou sobre a margem para atacar
sua presa. por rsso e facilmente pescada. Quando bem preparada e
liwe de sua grande quantidade de espinhas, Íica muito saborosa. O
caldo de piranhas coado, que se toma como sopa nas cidades de
Mato Grosso e em regióes do Nordeste, além de gostoso, consiste
em rica íonte de proteínas.
Entretanto. a piranha é mais um flagelo a dificultar a vida
do sertanejo. iá bastante castigado pela seca e pela fome. É um
peixe que se adapra facilmente a todos os ambientes de água
doce: grandes rios. como o Sáo Francisco, ou pequenos, de águas
velozes ou lentas. assim como açudes e represas de qualquer
tamanho. Por isso muitos açudes construídos no Nordeste em
pouco tempo váo perdendo uma de suas mais importantes utili-
dades, que ê íornecer água para o gado. As piranhas invadem
47
O surubim
48
t
I
Os animais domésticos
:
49
I
A carne de-sol
é um alimento
muito típico do
sertáo
nordestino.
5t
copÍtulo
o homem da caatinga e
seus problemas
êr ,-
constituem todo o seu sonho, toda a sua esperanÇa, o seu proje_
to de vida. Suas histórias e lembranças giram em torno das gran_
des chuvas ou das secas muito prolongadas. Sua memória, a perda
de um filho, de seu rebanho, de sua plantação estáo ligadas sem_
pre aos longos e calcinantes estios ou às tempestades e inunda_
ções avassaladoras.
O que torna possível a vida do sertanejo na caatinga, longe
dos grandes rios. é o gado. Animais domésticos, adaptados como
o
próprio sertanelo ao solo ressequido, ao calor inclemente e à vege_
taçáo espinhenta. conseguem encontrar nos caules suculentos
da
palmatória e de outros cactos a água e o alimento que lhes permi_
tem sobreviver aos longos meses
sem chuva. E. em troca da carne,
do couro e do leire desses animais,
o sertaneio executa o trabalho pa-
ciente e perseuerante de conduzi-
los, de separá-los. de fornecer-lhes
o sal retirado dos barrancos e,
quando íaltam as fo]has e o capim
rasteiro que verdejam no inverno,
de alimentá-los com pedaços do
caule das palmarórias.
O milho. a ntandioca, o feijão e o jerimum garantem Mulher
Sertaneja com
boa alimentacão, mas somente nos anos em que a seca náo é palmatória.
muito prolongada ou quando as chuvas não caem em dema_
sia, afogando as piantações.
Nos anos ruins. o que garante a sobrevivência,do sertanejo é o
gado. Por isso toda a vida do homem da caatinga é dedicada
à sua
criação; a agrícultura é atividade secundária, de resultado incerto. É
comum o sertanejo se arrepender amargamente de haver plantado
um saco de feijão: Foi todo perdido; antes tivesse comido...,,
No entanto. esse gado de que o sertanejo cuida com tanto
carinho ele dá nome a cada um dos noülhos, como se fossem
-
53
I
O sertanejo
conduzindo
o gado.
55
I
I
É nas Íeiras da
cidadê que o
sertanejo vende
SUA ESCASSA
produçáo.
Osertanejoeaágua
Para o sertanejo que vive em plena caatinga, longe dos rios per-
manentes, o grande problema é mesmo a falta de água, nas estiagens
prolongadas, ou o seu excesso, quando as chuvas sáo muito intensas.
Os rios pequenos, e até os de grande porte, que nascem no
próprio sertáo e atravessam a caatinga, secam completamente nos
5ó
I
períodos em que não chove.
Mas quando as chuvas chegam
e são
muito copiosas, esses rios se enchem
quase repentinamente e
trans-
bordam, inundando plantações,
casas, currais e povoaÇões inteiras.
Então, o sertanejo que, diariamente, n*urninuuu
de algumas nuvens
- o céu à procura
passa, agora, a rezar paraque
-
e as águas baixem. ao ver sua plantação
a chuva pare
comprometida, o gado
afogado, o celeiro apodrecido
e a sua casa destruída.
Quando a estiagem é prolongada, os pequenos
poÇos ou ca_
cimbas secam completamente.
O sertanejo é entâooúrigado
a ca_
minhar muitos quilômetros à procura
de água. Carrega seu pote de
barro ou sua coboço, uma variedade
seca de leri_r_]pu.u recolher
o pouco de água lamacenta e meio
salgada qrn uindu resta em
algum barreiro que náo secou
de todo. As v".e.,
me todo o seu dia. Como r "..";;n vir conso-
ente para si e para ,.0,
"
;m:::i:*:i::_,?,:,,:J:::i;H._
te, a mesma viagem. Menos mal quando dispõe de um pequeno
e
paciente jegue que o ajude
no transporte.
Quando chove, o sertanejo consegue armazenaruma
quan-
tidade conside rável de água em
lagoas ou açudes escavados
no
solo ou represados pela barragem
de terra e de pedras que cons_
truiu' Mas, durante a estiagem, o sor,
o calor forte e a ausência
I
Um dos principais
problemas do
sertanejo é a
1
escassêz da água
I
57
I
de umidade no ar fazem com que essa água seque rapidamente.
Dia após dia, o nível da água vai baixando. Com isso ela se torna
cada vez mais avermelhada, até ser reduzida a um atoleiro lama-
cento que ainda servirá para saciar um pouco a sede do gado.
Por fim, essa lama seca e racha, formando um solo ladrilhado,
como se fosse de tijolos, vermelho e poeirento. E o flagelo da
sede recomeça.
copítulo
A busca de soluções
para os problemas da caatinga
58
e
vegetaÇáo que está Íora da área de inÍluência do lago vai perdendo
suas folhas e adquirindo a aparência seca e retorcida que a caracte-
riza na maior parte do tempo, os arbustos e as árvores à margem da
represa, ao contrário, mantêm-se üçosos, pois conseguem retirar
água do solo encharcado.
Alguns meses depois, já em plena seca, o açude se transÍorma
num verdadeiro oásis. Marrecos, frangos-d'água e até garças, reÍu-
giando-se da seca, povoam rapidamente seus arredores, esconden-
do-se em meio às taboas ou aninhando-se, como as garças, no alto
das árvores mais próximas.
O milagre se completa, em poucos meses! com a chegada
de inúmeras outras espécies de animais. Além disso, sementes
carregadas pelos ventos ou pelas penas e pés dos pássaros e que,
normalmente, náo encontram solo propÍcio para germinar, ao cair
perto do açude, desenvolvem-se rapidamente, Íormando uma ve-
getação densa, só encontrada a centenas de quilômetros, às mar-
gens de grandes rios perenes.
Outras espécies de vida animal também migram, seja na for-
ma de ovos transportados, seja voando, rastejando ou caminhan-
do em busca de água. Insetos, aranhas, serpentes, rás, lagartos,
O açude é uma
das formas dê
combâte à seca
59
l
pássaros de todas as cores e tamanhos, além dos roedores, apare_
cem como que por encanto, aumentando em número e variedade
a cada dia. Reproduzem-se rapidamente, formando uma comuni_
dade rica e variada no oásis do sertanejo, que, além da água para
saciar sua sede e a de seu gado, passa a contar com a pesca e a
caça como fonte de alimento.
TI
ól
I
Para que não ac onteça a salinização do açude, é necessário, em
primeiro lugar, que a água do rio a ser represado seja repetidamente
analisada para verificar a concentraçáo e o tipo de sais que possui. Se
houver muito sal, não adianta represá-lo, porque o açude será perdido.
Mesmo quando o teor de sal náo é muito alto, o açude precisa ser
controlado, isto é, manejado de modo que náo concentre sais.
62
i
I
muitos deles empregam energia solar. A ilha de Fernando de Noro-
nha, por exemplo, é abastecida de água por um desses equipamen-
tos. Náo se trata, porêm, de uma tofal dessalinízaçõo, feita por
destilação, como já foi sonhado no passado.
Já mencionamos as grandes obras que estáo em curso, para
distribuir a água do Rio Sáo Francisco a áreas da sua bacia. Para
tanto, é utilizada uma rede de canais ou valos ou, ainda, modernos
sistemas de irrigaçáo mecanizada.
Os benefícios são enormes, dada a fertilidade dos solos, re-
sultando numa produçáo muito grande, não só de cereais, mas
também de uma variedade de frutas de excelenle qualidade. Po-
rém, esses beneÍícios estáo circunscritos a uma área relativamente
estreita, à margem desses canais. Além disso, é pre-
l\,4oinhos
ciso bastante prudência no uso de irrigaçáo, pois, dê vento
para
em regiões de alta taxa de evaporaçáo, as águas que movimentar
penetram no solo tendem a subir de novo e, carre- bombâs
d'água.
gando sais do Íundo para a su-
perÍicie, ocasionam a saliniza-
çáo do terreno, que acaba se
tornando"àtéril. É comum, no
sertão, o solo se tornar ladri-
lhado, resultado da subida de
sais de ferro para a superfície,
em conseqüência da excessiva
evaporação da água do solo.
O chão se torna compacto e
duro, como se fosse revestido
de tijolos.
No livro Os sertões, Eu-
clides da Cunha comenta o
fato de os antigos romanos,
há vinte séculos, terem feito
recuar os deserlos da Tunísia
ó3
I
às margens do Mediterrâneo. Ainda hoje podem ser vistos na-
t' quela região os restos de grandes construções de pedra, mura-
i
64
!§i) I
O jovem Estado de Israel, no Oriente Médio, implantado em
região muito mais árida e enfrentando idênticos problemas de sali-
nidade dos solos e irregularidade das precipitações, conseguiu de-
senvolver uma das mais avançadas agriculturas do mundo.
copÍtulo
O frtrro do sertão
ó5
I
lt
)
t
II
...,§. ,l
s
ta
O retirante abandonando
o sertáo na seca (cena do
filme Y/das secas); e
iI Retirantes, famoso qüadro
É de Portinari.
.t
z r(TI I !r'
li
a '{
'a*.: Quando essas retiradas se dão
em massa e no caminho faltam
-
comida e água os retirantes po-
dem promover
-,
assaltos. Já houve época em que alguns indiúduos
desses grupos de retirantes tornaram-se bandidos os chamados
jagunços -
os quais se embrenhavam na caatinga para fugir da
-,
polícia. Formavam, então, bandos, que passavam a üver de assal-
tos e matanças e empregavam sua própria justiça. O mais famoso
desses bandos foi o de Lampião.
Houve, também, lutas mais organizadas, verdadeiras revoluções.
Estas buscavam uma nova ordem social, geralmente fundamentada
66
i
t
em ideais religiosos, de natureza intensamente mística, assumindo
as naturais superstições populares como base de uma filosoÍia
ingênua, mas legítima. Tal tendência Íaz parte da natureza hu-
mana: quando o homem atinge a mais extrema miséria e não vê
saída para a sua situaçáo, porque esta não depende mais do seu
esforço, ele passa a procurar soluçóes sobrenaturais. A partir
daí, ele cria preconceitos, ídolos, amuletos, cerimoniais estra-
nhos, rituais que, segundo sua nova crenÇa, possam atrair os
benefícios necessários para melhorar sua vida. Surgem, então,
a descrença no trabalho e a convicçáo de que sua miséria se
deve a alguma falta cometida, a algum pecado contra os céus.
Conseqüentemente, novos rituais são criados para redimi-lo de
seus pecados.
Nessas ocasiões, aparecem os profetas, úsionários conüctos, a
indicar o caminho da redenção desejada. São pessoas que, geral-
mente, após ter sofrido na própria carne as injustiças sociais, encon-
tram nos textos religiosos a explicação de sua condiçáo e o caminho
da salvação coletiva. Tornam-se, assim, verdadeiros líderes. Graças à
capacidade de remrnciar aos seus próprios bens e conforto e à arte
da pregaçáo übrante e da persu-
asão, conseguem levar ao seu Lampiáo e sua companheira,
l\y'aÍia Bonita.
\,.'
I a
:
a
E-
67
I
a
O arraial de
Canudos antes
povo uma esperança de libertação e de justiÇa soci-
de sua
desÍuiçáo. al. Isso tudo baseado nos textos bíblicos, no exem-
plo dos mártires e numa percepÇáo mais ou me-
nos clara da origem de seus sofrimentos. Criam o ideal de uma
nova lei, de uma nova religião, de uma nova ordem social e fana-
tizam multidões em torno desse propósito.
No sertão, um desses movimentos, o maior deles, ocorreu
durante os primeiros anos da República, em 1896 e 1,g97 , no
pequeno povoado de Belo Monte, que passou para a história
com o nome de Canudos. Situado num profundo vale, às mar-
gens do Rio Vaza Barris, no sertão da Bahia, esse povoado ti_
nha como pregador religioso-social Antônio Conselheiro. Ele
se tornou líder da mais famosa revolução popular ocorrida no
Brasil. Munidos de armas de fogo toscas e primitivas, os habi-
tantes de Canudos conseguiram enfrentar e repelir diversas cam_
panhas militares enviadas pelo governo republicano, apesar da
superioridade em número e em armamentos dessas últimas. per_
feitamente adaptados ao ambiente do sertão, os habitantes de
Canudos conseguiam caminhar rápido e esconder-se com
perfeição em meio aos arbustos da caatinga, armando suas
ó8
I
tocaias e armadilhas, organizando uma luta de guerrilha a que o
soldado da tropa náo estava acostumado. Entretanto, a quarta e
última expedição militar, enviada em abril de 1,897 e munida de
potentes canhões, conseguiu derrotar e extinguir o povoado de
Belo Monte, matando cruelmente todos os habitantes que lá
resistiam, após seis meses de luta.
Buscando soluções
srrl
\
à
r;
I
69
andou chovendo por lá.. . euando chove, quando
há reservas de águas
acumuladas nas cacimbas e nos açudes próximos,
a caaünga é o para_
íso do sertanejo. Ele náo troca o lombo de
seu cavalo, que coÍre em
meio aos espinheiros atrás de uma noülha fugitiva, por
nenhum trans_
porte moderno ao longo das belas avenidas
das grandes cidades.
Mas é preciso viver. É necessário ter alimento
e condições
para sustentar e educar os filhos, ter água
o ano todo para o gado e
para as plantações.
A maneira de fixar o nordestino na caatinga é fornecendo_lhe
água, alimento, quando a terra não produz, bem
como assÍstência
educacional e sanitária.
Para que um plano de assistência ao sertanejo
dê resultados
concretos e permanentes, ele deve estar fundamentado
em um per_
feito conhecimento da região e de seus recursos
naturais. Não há
estudos completos que detalhem palmo a palmo
a natureza das
rochas, a quantidade e qualidade das águas
subterrâneas, a presen-
ça de sal no solo e nos rios. O próprio conhecimento do clima
é,
em grande parte, baseado em conjecturas.
Clima e geologia constituem as duas grandes incógnitas
da
região da caatinga. E só conhecendo a equação
é que se pode ter a
solução de um problema.
O satélite Aqua
monitora a
situaçáo climática
da Terra.
u;.
õ
70
I
Hoje, com o emprego das técnicas de observação por satélites
artificiais, pode-se ter em pouco tempo o levantamento detalhado
do relevo e de outras particularidades do solo e do subsolo. Até a
presença de água subterrânea é detectada como nos desertos da
-
AÍrica com o uso de modernas técnicas de sensoriamento aêreo
-
já disponíveis no Brasil. Além disso, com o emprego de alguma
forma de energia, até o clima pode ser mudado.
Energia é o que não falta no Nordeste brasileiro, que é uma
das regiões de mais alta incidência de radiações solares em todo o
mundo. É claro que os métodos para a obtenção de energia na
caatinga não poderão ser os mesmos tradicionalmente utilizados
nos países da Europa e da América do Norte ou no sul do Brasil. No
Nordeste não existe combustível ou água para mover turbinas, mas
há o so[, que produz energia na forma de calor, [uz, ventos etc.
Náo se pode, contudo, pôr o carro adiante dos bois. Tentar
soluções sem o conhecimento prévio e detalhado da regiáo ê correr
o risco de novos fracassos. Felizmente, alguns bons estudos e proje-
tos têm sido feitos por técnicos competentes de instituições locais
do Desenvolümento do Nordeste (Su-
- como a Superintendência
dene), anos atrás e universidades da regiáo, embora náo tenham
-
sido executados. Por sua vez, há os projetos tendenciosos, destina-
dos a favorecer áreas e propriedades menos necessitadas.
De propostas absurdas o Nordeste está farto: até a destila-
çáo de água do mar, para distribuiçáo nas terras secas da caatinga,
já foi projetada, em outros tempos. Pensou-se até mesmo no trans-
porte de gigantescos icebergs, puxados por rebocadores, desde as
regiões frias da Antártida até o litoral nordestino; ou, ainda, na
inundaçáo de áreas gigantescas da caatinga pelo represamento ou
extravasamento das águas do Rio Sáo Francisco...
7l
ConsideroçÕes Íi NCI S I
70 72
I
A caatinga r€presenta um dos mais singulares
ambientes do tenitório brasileiro. Suas características
peculiares são resultado não propriamente da falta
de chuvas, como nos ambientes desérticos, mas da
falta de uniformidade na distribuição das mesmas, e
a sua paisagem possui aspectos que a d€stacôm
daquelas de clima seco de todo o mundo'
Para o naturalista que a contempla, há beleza
nessa paisagem rude e agressiva, mas há, também,
Íristezat pelas dificuldades encontradas pelo
homem que a habita, o sertanejo, em dominá-la e
em retirar dela o seu sustento.
Disciplinar as águas, no sentido de perenizar a
sua presença e disponibilidade, não é apenas urnô
possibilidade técnica, mas uma questão de justiça e
de humanidade.
tSBN a5 I6'03606-5
Elll Moderna