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Apenas a título de sintetizar o que descrevi acima, pode-se dizer que lúdico é
esse espírito de alegria que envolve as pessoas e se manifesta nas situações mais
diversas e poderíamos até dizer, imprevisíveis. Quem já não riu em um velório?
Gosto muito, para explicar isso, da analogia que João Batista Freire apresentou em
um de seus livros sobre o jogo. Esse autor utiliza, como o farei nesse texto, a
palavra jogo como sinônimo de lúdico. Por isso a analogia apresenta esse termo.
PARA REFLETIR
Por favor, pense agora sobre isso: qual a similaridade entre um jogo de quarto e
um jogo de polo aquático? Pois, para ambos utilizamos a palavra jogo!
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Nossa análise sobre o jogo nesse tópico tem a intenção de olhar para o
mesmo como sendo um grande fenômeno humano. Portanto, tratarei do jogo
partindo de um olhar complexo, pois somente dessa forma podemos entendê-lo. Não
há como verdadeiramente compreender o jogo analisando-o com teorias simplistas,
somente é possível, se nos servirmos de teorias que tratam da complexidade.
O lúdico parece ser inerente à condição humana. Johan Huizinga, após
realizar um exaustivo estudo histórico sobre o jogo, constatou a presença do mesmo
nas diversas culturas que pesquisou, fossem eles povos atuais ou extintos. Diante
desses resultados considerou a ludicidade como uma das principais características
da espécie humana, propondo inclusive que depois de homo sapiens e homo faber,
fôssemos chamados de homo ludens (HUIZINGA, 2005). Abaixo apresento com
mais detalhes a concepção de jogo desse autor, porém, é importante mencioná-lo
nesse tópico por tratar-se de um autor clássico para o estudo da ludicidade
enquanto fenômeno inerente aos seres humanos.
Importante também esclarecer que considero aqui a existência de uma
relação tensional entre jogo e trabalho, significando esse último, aquilo que
desgasta, que rouba energia e jogo, o que acrescenta energia. Portanto, no trabalho
há falta e no jogo há sobra de energia. Partindo desse pressuposto podemos dizer
que aquilo que é jogo não é trabalho e o que é trabalho não é jogo, porém, um pode
transformar-se no outro dependendo das circunstâncias. O exemplo a seguir
pretende deixar isso mais claro.
Imagine uma criança brincando com seus amigos, próximo à sua casa. Ela
está entretida e se divertindo com os companheiros. Num determinado momento,
sua mãe lhe chama e solicita que vá ao mercado comprar algo. Essa criança
provavelmente não gostará da idéia, pois isso significa uma interrupção em seu jogo
e pode-se até dizer, o fim dele. Ela poderá argumentar com sua mãe que está
cansada, o mercado é longe (mesmo que não seja), que agora é que o jogo está
ficando bom e assim por diante. Vários argumentos podem surgir para justificar a
não ida ao mercado e não parar de jogar. Diante da insistência e irredutividade da
mãe, a criança poderá se ver obrigada a atendê-la. Estamos diante de uma situação
que para a criança representa um trabalho, lhe subtrai energia, é desagradável.
Porém, é possível que a situação se inverta. A mãe pode sugerir à criança que
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Para autores como Huizinga, o jogo é algo que transcende a civilização, não
depende dessa para existir. Contudo, o próprio autor deixa claro que investigou o
jogo enquanto elemento da cultura, sujeito às condições humanas existentes nas
sociedades. Aliás, mesmo quando os psicólogos, etólogos, dentre outros
profissionais, estudam o jogo, na maioria das vezes o fazem, para compreenderem
melhor como esse fenômeno se apresenta e se desenvolve em nossa espécie. E
são as contribuições de alguns desses estudiosos do jogo que apresento no tópico
seguinte.
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corpo interagindo com o meio, porém, ainda de forma precária. A criança nesta fase
já apresenta os reflexos que são atos mais sistematizados (PIAGET, 1972).
O período sensório-motor é o ponto de partida da evolução mental, onde
inicia a lógica da ação, acompanhada de um começo de construção real. A
inteligência é totalmente baseada na prática, a criança não representa mentalmente
o objeto, sua ação é direta sobre eles, pois ainda não possui um pensamento
definido. O tempo e o espaço começam a se estruturar.
O estádio seguinte é o pré-operatório, que vai dos 02 aos 07 anos. Esta
etapa é marcada, em especial, pelo aparecimento da linguagem. Com isso, a criança
desenvolve a capacidade simbólica; dá início à representação mental do objeto,
pessoa ou situação, marcando sua passagem do sensório-motor ao representativo,
ou seja, não aceita a idéia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é a fase dos
“por quês”). A criança capta estados momentâneos, sem juntá-los em um todo. É a
fase caracterizada pelo egocentrismo, ela não reconhece a natureza interiorizando
com o indivíduo (IDEM, IBIDEM).
O terceiro estádio é o operatório concreto e abrange a idade dos 07 aos 11
anos. A criança nesta fase já possui uma organização mental integrada, os sistemas
de ação reúnem-se em todos integrados. Ela é capaz de ver a totalidade de
diferentes ângulos. O pensamento operatório é denominado concreto, porque a
criança só consegue pensar corretamente nesta etapa, se os exemplos ou materiais
que utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados.
Pode então ordenar, seriar, classificar, ter noções de tempo, espaço, velocidade,
peso e outras (IDEM, IBIDEM). A criança não irá mais tolerar contradições no seu
pensamento ou entre o pensamento e a ação como antes, mas sim, irá sentir
necessidade de explicar logicamente suas idéias e ações.
O último estádio é o operatório formal que vai dos 12 anos em diante. A
partir desta etapa, as estruturas cognitivas na criança alcançam seu nível mais
elevado de desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar um raciocínio lógico a todas
as classes e problemas, buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela
observação da realidade (IDEM, IBIDEM).
ao eu – princípio de todo jogo – e a vida social”. Podemos perceber mais uma vez
com estas explicações de Piaget que, para este autor, o jogo segue paralelamente o
desenvolvimento da inteligência na criança.
Ao resumir a obra de um autor renomado como Jean Piaget, em trabalho tão
breve, corremos o risco de omitir aspectos relevantes da mesma. Entretanto, ao
falarmos de jogo, o risco apresenta-se intrínseco e, para compreender melhor o jogo
é necessário jogar, mesmo que seja com palavras e ideias.
um caminho para compreendermos melhor o jogo. Esse autor utiliza o termo “jogo
de linguagem” e referindo-se sobre os processos que chamamos jogos comenta,
“Falo dos jogos de damas e de xadrez, de cartas, de bola, das competições
esportivas. O que há de comum em todos? – Não diga: é necessário que tenham
algo em comum, senão não seriam chamados de „jogos‟ – mas veja primeiramente
se têm algo em comum” (WITTGENSTEIN apud BROUGÈRE, 2003, p. 21). E
seguindo na orientação dessa investigação que nos instiga o filósofo Wittgenstein
prossegue afirmando:
[...] um jogo é uma certa situação caracterizada pelo fato de que seres
jogam, têm uma atividade que diz respeito ao jogo, qualquer que seja sua
definição. [...] Jogo é o que o vocabulário científico denomina “atividade
lúdica”, quer essa denominação diga respeito a um reconhecimento
objetivo por observação externa ou ao sentimento pessoal que cada um
pode ter, em certas circunstâncias, de participar de um jogo. Situações
bastante diversas são reconhecidas como jogo, de uma maneira direta ou
mais ou menos metafórica (tais como jogos políticos).
O jogo é também uma estrutura, um sistema de regras (game, em inglês)
que existe e subsiste de modo abstrato independentemente dos jogadores,
fora de sua realização concreta em um jogo entendido no primeiro sentido.
Trata-se, por exemplo, de um jogo de damas, de futebol ou “jogo da velha”.
Assim, joga-se um jogo determinado. [...]
[...] Jogo, enfim, é entendido como material de jogo, tal como jogo de
xadrez enquanto constituído do tabuleiro e do conjunto de peças que
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p. 71). Dessa maneira “O jogo abandona sua relação multissecular com a frivolidade
para se tornar uma educação natural, em um quadro finalista em que a natureza não
pode enganar-se” (IDEM, IBIDEM).
Essa proposta de tornar o jogo o centro da pedagogia, em especial na
Educação pré-escolar, não foi e ainda não é dominante, conforme relata o autor aqui
estudado. O jogo espontâneo sofreu sempre resistências no meio pré-escolar e
certamente, no contexto escolar ainda mais.
Para amenizar a entrada do jogo na escola surgiu então a modalidade de jogo
educativo. Esse não é o jogo no sentido em que o autor vem discutindo até aqui, o
jogo na acepção mais pura da palavra. Na menção do autor “O jogo educativo foi
uma atividade bastarda, dando ares de jogo a uma atividade escolar, a um exercício,
em uma estratégia próxima do estratagema caro a Erasmo, com a diferença de que
se desenvolve em um contexto teórico que reconhece um valor educativo ao jogo
enquanto tal” (BROUGÈRE, 2003, p. 127). Portanto, o jogo educativo foi uma forma
de camuflar o trabalho que a criança deveria realizar na escola. Podemos nos
perguntar se isso não ocorre hoje ainda em nossas escolas. Talvez, ou melhor,
provavelmente sim. A referência de nosso autor é a pré-escola francesa, porém
podemos perceber grande similaridade com o que ocorre em nossas pré-escolas
brasileiras. Mas essa resistência em aceitar o jogo espontâneo na escola parece ser
compreensível. Primeiro porque o estudamos pouco, logo, temos dificuldade em
compreendê-lo e lidar com ele. Segundo, porque a educação formal fundamenta-se
em objetivos, em metodologias; tem a necessidade de apresentar ao final de um
determinado tempo um resultado específico. Diante disso, como fazer para atingir os
objetivos almejados com algo que não pode apresentar de antemão o resultado?
Falo aqui de uma das características do jogo que é a imprevisibilidade, mas sobre
essa comentarei no próximo tópico quando tratar de outro autor. Em suas pesquisas
na escola maternal Brougère pode encontrar uma das maneiras que as pedagogas
encontraram para dar uma solução ao questionamento que apresentei acima.
Conforme o autor “Parece assim que a escola maternal francesa constitui um espaço
que tende a produzir formas específicas de jogo, através de um controle exercido
pelo material, tempo e objetivos de diferentes atividades” (BROUGÈRE, 2003, p.
187). Essa constatação refere-se ao jogo educativo. Referindo-se então a esse
último e ao jogo livre (espontâneo) o autor comenta “Assim, encontramos, de um
lado, um jogo que respeita as restrições de uma aprendizagem definida socialmente,
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mas que não é mais jogo e, de outro, um jogo enquanto tal, mas cujo valor educativo
repousa sobre o mito de uma boa natureza” (IDEM, 2003, p. 189).
Seguindo no sentido de apresentar o pensamento desse autor sobre o jogo,
exponho alguns critérios que o mesmo indica para identificação do jogo humano;
são eles: “a presença de um grau secundário de linguagem, a decisão (de jogar e no
jogo), a regra (sob suas diferentes formas), a incerteza e a frivolidade” (BROUGÈRE,
2003, p. 194). O mesmo autor chama a atenção para a distinção que existe entre
atitude lúdica e situação lúdica. “Podemos determinar uma situação que compreende
todos os critérios do jogo, mas sem jogadores, sem dúvida, este é o esporte
profissional. Ao contrário, uma pessoa pode dar mostras, em seu trabalho, por
exemplo, de uma atitude lúdica, sem que por isso haja jogo” (IDEM, IBIDEM). Para
ser jogo, segundo Brougère (2003) há necessidade do encontro de uma situação
lúdica e uma atitude lúdica, de um jogo e um jogador.
É diante desses critérios que surge um interesse educativo, pois o jogo pode
oferecer possibilidades de aprendizagem cultural, desde que suas características
sejam mantidas e respeitadas. “Este é o paradoxo do jogo, espaço de aprendizagem
cultural fabuloso e incerto, às vezes aberto, mas também fechado em outras
situações: sua indeterminação é seu interesse e, ao mesmo tempo, seu limite”
(BROUGÈRE, 2003, p. 194).
Apesar do paradoxo que se instala entre o jogo e a educação, Brougère
(2003, p. 208) indica caminhos para que essa aproximação seja possível.
Para expor as idéias desse filósofo holandês sobre o tema jogo é necessário
esclarecer de que ponto de vista ele partiu para estudá-lo. No prefácio de seu livro
Homo Ludens, Huizinga deixa isso claro:
que considera as principais características apresentadas pelo jogo. Para ele o jogo é
uma atividade voluntária. A partir disso indica-nos duas características:
prazer”. Tolera-se mais aquele que burla a regra do que aquele que
deliberadamente não a respeita. Ratifico, o autor não se refere a impossibilidade de
modificação das regras, evidente que isso é possível. No entanto, acordado pelos
jogadores que a regra a partir daquele momento é outra, essa última passa a ser
novamente absoluta, ou seja, deve ser respeitada por todos. Quanto a isso,
podemos facilmente observar que as crianças respeitam muito bem as regras dos
jogos que praticam, salvo quando são imaturas para compreendê-las.
Além das regras o jogo também apresenta um caráter de união entre os
jogadores. Esses podem prolongar seu contanto mesmo quando finalizado o jogo.
Esse espírito é que deu origem aos clubes, às associações; desejo de pertencer ao
grupo. Disso também resulta a possibilidade de nessas comunidades guardarem-se
segredos; saberem de coisas que outros não sabem (HUIZINGA, 2005). Enfim,
procurei apresentar sucintamente as características formais do jogo para podermos
compreender o conceito de jogo que o autor formulou:
Para esse autor dois aspectos fundamentais encontrados no jogo são: “[...] a
luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa. Estas duas funções
podem também por vezes confundir-se, de tal modo que o jogo passe a „representar‟
uma luta, ou, então, se torne uma luta para melhor representação de alguma coisa”
(IDEM, IBIDEM). O autor faz alusão à representação nos animais, por exemplo, no
pavão, no entanto, é na representação da criança que fixa sua maior atenção, pois
do animal nada podemos conceber sobre o que sente durante a representação.
Quanto à criança, segundo o autor, enche-se de prazer e entrega-se inteiramente a
essa representação, se superando, sem apesar disso perder o sentido de sua
realidade habitual. Essa representação é mais do que uma realidade falsa “[...] é a
realização de uma aparência: é „imaginação‟, no sentido original do termo”
(HUIZINGA, 2005, p. 17).
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Temos visto grandes nações perderem toda noção da honra, todo sentido
do humor, a própria idéia de decência e do jogo limpo. Não caberia aqui
investigar as causas e a importância deste abastardamento universal da
cultura, mas não há dúvida que a participação de grandes massas semi-
educadas no movimento espiritual internacional, o relaxamento dos
costumes e a hipertrofia da técnica são em grande parte por ele
responsáveis (HUIZINGA, 2005, p. 228).
por vezes sofre alguém ao relatar um ato de honestidade, como se essa última fosse
um sinal de idiotice ou estupidez.
De maneira um tanto pessimista, talvez realista, Huizinga conclui que o
elemento lúdico da cultura está em decadência desde o século XVIII. Para ele “[...] o
autêntico jogo desapareceu da civilização atual, e mesmo onde ele parece ainda
estar presente trata-se de um falso jogo, de modo tal que se torna cada vez mais
difícil dizer onde acaba o jogo e começa o não-jogo” (HUIZINGA, 2005, p. 229).
Talvez justificando o título de seu livro, o autor a guisa de conclusão aponta
que a civilização só pode existir constituída dos elementos lúdicos e aplique-se aqui
todas as características apresentadas anteriormente sobre o jogo. Conforme
Huizinga (2005, p. 234) “De certo modo, a civilização sempre será um jogo
governado por certas regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito
esportivo, a capacidade de fair play. O fair play é simplesmente a boa fé expressa
em termos lúdicos”.
Para finalizar a abordagem sobre esse autor, que realizou seu estudo
buscando fundamentar-se nas características positivas e universalmente conhecidas
do jogo, reproduzo literalmente mais uma de suas ideias, pois temo que a tentativa
de parafraseá-la a destitua da beleza com a qual o autor a impregnou:
Para concluir essa exposição sobre autores que estudam e estudaram o jogo
com dedicação e perspicácia, apresento o último desses, que representa de modo
significativo os autores brasileiros que se dedicam a essa temática.
equívocos logo se torna quase insignificante. Podemos assim dizer que os jogadores
ao serem solicitados a jogar, assimilaram as regras do jogo, perceberam o espaço,
enfim assimilaram as necessidades que o jogo os impôs; acomodaram essas
exigências aos esquemas cognitivos e motores que possuíam. Esquemas de correr,
de desviar, de segurar. Eles moldaram esses esquemas às necessidades daquela
circunstância. Ao fazerem isso, conseguiram o que chamamos de adaptação. Ao se
adaptarem, conseguiram jogar. Quando isso acontece, dizemos que os sujeitos
atingiram um estado de equilibração. Aquele que não conseguiu jogar é porque não
adaptou-se. É evidente que tudo isso não é realizado em nível consciente, ocorre
sem que a própria criança se dê conta. Freud disse que há mais coisas no
inconsciente do que no consciente. Piaget parafraseando-o dizia que há mais coisas
no inconsciente cognitivo do que no consciente cognitivo.
Quando as crianças passam a jogar a segunda etapa do Nunca Três, isto é,
após a mudança na regra, acontecem muitos erros; há confusão, um verdadeiro
desequilíbrio em suas ações. Erros que se sucedem e perduram por quase toda
essa etapa do jogo. Isso acontece, principalmente, porque elas tentam resolver o
problema de fugir e pegar utilizando os esquemas (as soluções) que utilizaram na
primeira etapa. As soluções anteriores, já não são suficientes para o momento atual
do jogo. Diante dessa dificuldade, as crianças, para se adaptarem novamente,
devem assimilar as mudanças ocorridas, acomodar o conhecimento que já possuíam
ao que foi transformado, na busca de que esses esquemas solucionem o problema
atual. Ao realizarem isso com sucesso, elas se adaptam e adquirem o que Piaget
(1976) chamou de reequilibração majorante. Reequilibração por um retorno à
aquisição do equilíbrio, mas não o equilíbrio anterior e sim, um equilíbrio com algo a
mais (um conhecimento a mais do que o anterior) por isso chamado de majorante.
Dito de outra forma, cada vez que o sujeito é posto frente a situações-problema para
serem solucionadas e consegue resolvê-las ele se torna mais inteligente. Segundo
Piaget (1972, p. 32): “[...] a inteligência constitui o estado de equilíbrio para o qual
tendem todas as adaptações sucessivas de ordem sensório-motora e cognitiva, bem
como todas as permutas assimiladoras e acomodadoras entre o organismo e o
meio”. Ou seja, é a capacidade de resolver problemas ou a capacidade de
adaptação. Essa adaptação pode ser alcançada também com nossa ajuda, não
apresentando diretamente a solução para a criança, mas instigando-a, oferecendo-
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Procurei mostrar que sim, que o jogo tende para uma direção, sem guardar
exclusivamente esta ou aquela característica. Descrevi o jogo como uma
atividade em que as coisas são feitas sem que precisem ser feitas, porque
não se distingue nela um compromisso objetivo com algo exterior ao
jogador. Deixei mais aberta que qualquer outra questão esta última,
segundo a qual todas as coisas que chamamos de jogo são jogadas, isto é,
lançadas, arremessadas ao sabor da imprevisibilidade (FREIRE, 2002, p.
121).
resultado final é o que motiva a jogar; é o que nos faz tentar novamente, pois da
próxima vez poderá ser diferente. Há o esforço do jogador, mas não é o suficiente
para garantir o resultado, e a expectativa então torna o jogo mais fascinante. Há
jogos com mais ou menos imprevisibilidade; quanto maior for essa última mais
fascinante o jogo se torna.
Esse deve ser um dos critérios ao utilizarmos o jogo em nossas aulas. Não
fazer com que o nível de imprevisibilidade se torne tão baixo que desmotive o aluno
a jogar. Essa também é uma das razões pelas quais o jogo tem pouco espaço no
contexto educacional, pois, de modo geral, considera-se que o que se ensina na
escola deve ser ensinado por metodologias com resultados previsíveis, que se
possa prever e verificar ao final de determinado período o que o aluno aprendeu.
Sendo o jogo imprevisível, parece que pouco ou nada teria a contribuir no sistema
de ensino. No entanto, é possível sim, incluir o jogo na Educação, sem que ele perca
essa característica que lhe é tão cara. Dessa imprevisibilidade característica do jogo,
durante sua realização surgem problemas cognitivos que necessitam ser resolvidos
imediatamente, para que os jogadores obtenham sucesso na atividade.
Freire, em suas obras (1994, 2002, 2003) busca demonstrar a potencialidade
que o jogo possui para contribuir na aprendizagem, principalmente para a escola, e
a importância do mesmo para nossas vidas. Acredito ser fundamental para os
educadores, não somente da Educação Física, estudar o jogo de modo mais
aprofundado, pois muitas vezes, este é banalizado na escola, é transformado em
trabalho. Sobre a utilização do jogo na escola Freire e Scaglia (2003, p. 167)
recomendam:
tomada de consciência, porque falar sobre aquilo que não está mais acontecendo, é
levar o mundo externo para o mundo interno e assim ampliar o alcance dos
conhecimentos. Sobre esta possibilidade, Freire e Scaglia (2003, p. 120) afirmam
que os alunos se “[...] puderem ter consciência de suas ações de pular corda, de
empinar pipas, de rodar piões ou de cantar cantigas de roda poderão – sem que nós
e eles saibamos disso – estabelecer ligações cada vez mais extensas entre tais
conhecimentos e o mundo fora da escola”. Mais uma vez saliento que, o jogo pode e
deve estar dentro e fora de sala, entre alunos de qualquer idade, mas de modo
especial, entre os alunos das faixas etárias às quais nos referimos nesse trabalho,
que são da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.
Como podemos perceber no exposto acima, o jogo é algo complexo e rico em
possibilidades, para ensinar e aprender. Contudo, este potencial somente se
manifesta, na medida em que o conhecemos melhor e isso é obrigação de todo
educador. O jogo está presente em todas as escolas, mesmo que oculto ou
reprimido. Se nas escolas há crianças, há também jogo, pois ambos andam sempre
juntos, mesmo que esse último não se manifeste. Além disso, onde há criança e
jogo, há também inteligência e imaginação. Sendo essa última, para Freire (2002) a
grande criadora de cultura, ou seja, o que diferencia o homem dos outros animais.
O jogo, além dos conhecimentos mencionados acima, pode ensinar o amor.
Para Freire e Scaglia (2003), quando ensinamos ao aluno passar a um colega a
bola, que é o bem mais precioso durante um jogo, estamos ensinando a amar, e,
“Compreender o significado da atitude de passar é algo ainda mais amoroso”
(FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 178). No jogo aqui mencionado como exemplo, O
Nunca Três, não há passes, mas há o ato de dar a mão para salvar o colega e a
cooperação com os demais. Essa possibilidade de ensinar a amar se estende a
outras atividades lúdicas que podemos desenvolver em nossa atuação pedagógica.
Portanto, quando tomarmos verdadeira consciência da importância do jogo para a
vida de nossos alunos e também para a nossa vida, perceberemos a importância
incomensurável de um bom professor para a educação dos seres humanos.
REFERÊNCIAS
___ Educação de corpo inteiro. 4 ed. São Paulo: Editora Scipione, 1994.
___; SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.