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PEREIRA, Eugênio Tadeu. Situação lúdica. In ALVES de SOUZA, João Valdir et GUERRA, Rosângela
(Org.). Dicionário crítico da Educação. Belo Horizonte: Dimensão, 2014 p. 248-251
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A palavra “brinquedo” está geralmente atribuída a algum objeto com o qual o brincante
executa alguma ação no campo da ficção, mas é também utilizada para denominar expressões
da cultura de caráter imaterial, como é o caso das rodas infantis, que também são chamadas
de brinquedos de roda.
Em muitas cidades do interior do Brasil as palavras “brincar”, “brincadeira” e
“brinquedo” também são utilizadas pelos participantes dos folguedos populares para designar
as danças, os cantos e as participações nas festas em que homenageiam seus santos de
devoção.
Jogo
O termo “jogo” tem, igualmente, diferentes significados no uso cotidiano. Eles vão
desde aspectos que nos levam a uma conotação preconceituosa até aspectos que induzem a
conotações que significam algum tipo de procedimento, disputa, trama, astúcia e, muitas
vezes, engodo. Há incontáveis exemplos que nos esclarecem essas utilizações: jogo amoroso,
jogo educativo, jogo esportivo, jogo político, jogo psicológico, jogo sexual, jogo social, etc.
Para John Huizinga, o jogo é um elemento gerador da cultura. O autor o identifica em
vários segmentos da vida humana — do campo artístico aos campos jurídico, religioso e da
guerra —, uma vez que esses segmentos são constituídos por leis, regulamentos e toda sorte
de acordos sociais (HUIZINGA, 1993).
Em outro sentido, Cascudo afirma que foi no século XX, por intercessão da pedagogia,
que a palavra “jogo” foi tomada como sinônimo de brincadeira infantil (CASCUDO, 1984). Nota-
se, mais uma vez que, em nossa língua, os termos sempre têm sentidos semelhantes em
certas circunstâncias e diferentes em outras.
De acordo com Gilles Brougère, a noção de jogo é formada dentro de um contexto
cultural. O autor também assegura que a reflexão sobre o uso do termo deve ser realizada
como um fato social, pois, ao chamarmos uma dada situação dessa natureza, tomamos como
referência a imagem e as impressões que lhe são conferidas pelo meio onde ela ocorre
(BROUGÈRE, 1998).
Lúdico
O termo “lúdico” ganhou nas últimas décadas o significado restrito de prazer, de algo
que se realiza sem dificuldades. O adjetivo passou a ser usado para caracterizar situações em
que não estão presentes o conflito, a ansiedade ou a tensão. Aliás, esse emprego é muito
comum na perspectiva pedagógica escolar. O que não é o nosso posicionamento, pois pode
haver também momentos de tensão na situação lúdica.
Por outro lado, a palavra “lúdico”, além de ter o sentido de jogo, brincadeira e
divertimento, tem o sentido de ilusão e simulação. Nesse aspecto, ressaltamos que é por
intermédio da atitude lúdica que os sujeitos estabelecem um acordo ficcional entre si ou com
alguma coisa, transmutando a realidade da situação.
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Jogo e brincadeira
Há, em meio a alguns estudos, autores que demarcam diferenças básicas entre os
termos “jogo” e “brincadeira”. Para localizarmos essa diferenciação, trazemos a acepção de
Bruno Bettelheim. Para o autor, a brincadeira se refere às atividades caracterizadas por uma
total liberdade de regras, envolvimento livre da fantasia e pela mudança de significados dos
objetivos da própria atividade. Sobre os jogos, Bettelheim alega que estes são competitivos,
exigindo a utilização dos instrumentos da atividade do modo para o qual foram criados e não
como quer a imaginação, sendo os objetivos externos às atividades em si (BETTELHEIM,
1988).
Apesar de o autor considerar essa diferenciação, não há brincadeiras ou jogos sem
normas. Em nossa experiência observamos que em ambos há regras, e o grau de definição
desses preceitos de condutas é que é diferenciado. De modo geral, as brincadeiras são
geralmente orientadas por regras livres, semiestruturadas e mais flexíveis, e o desenvolvimento
da ação é definido pela direção dada pela imaginação. Entretanto, as regras daquilo que
socialmente chamamos de jogo são claramente mais delimitadas, constituindo-se de princípios
que conduzem as ações dos jogadores.
Um dos aspectos importantes a serem observados é que as regras são referências e
delimitações. Elas não moldam as condutas dos brincantes ou jogadores, pois estes agem de
acordo com suas habilidades e maneiras de compreender a circunstância, decidindo tomar
suas próprias atitudes no instante em que a situação acontece.
O uso dos termos em questão denota nossos conceitos e crenças sobre o tema, pois
são formados de acordo com nossas experiências. Cabe a nós, então, problematizá-los para
lhes atribuir uma abordagem capaz de ampliar nossa compreensão na construção do
conhecimento.
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as ações possam ser repetidas e refeitas, pois nesse acontecimento recomeçá-las quantas
vezes for necessário é uma de suas prerrogativas. Em sentido contrário, a vida cotidiana é
plena de atos que não podem ser refeitos por livre desejo. Sendo assim, a situação lúdica
abriga muitas possibilidades de o sujeito errar e refazer uma dada atividade, uma vez que ela
não tem um resultado preciso e específico.
No nosso entendimento, e de acordo com Huizinga (1993) e Caillois (1990), a situação
lúdica é um acontecimento volitivo e conduzido por regras explícitas e implícitas, de caráter não
produtivo, estruturado e delimitado em um espaço e tempo ficcionais, proporcionando escolhas
e decisões com resultados inesperados. Além disso, ela propicia experiências e gera vínculos
entre sujeitos que dela participam.
Ela é algo em si mesma que se configura em um fenômeno e em uma expressão
singular na cultura humana. Em sua dinâmica, possibilita o encontro com o outro e pode
favorecer a compreensão de diferentes materialidades, estabelecendo uma rede de sentidos
que instiga o jogador a ser protagonista na situação. Dessa forma, se compreendermos seu
caráter dentro de determinados parâmetros, poderemos identificar, possivelmente, aquilo que
não pertence essencialmente a ela.
Após essa breve incursão nas características da situação lúdica, afirmamos que não há
como construir um conceito sobre os referidos termos sem nos depararmos com as
contradições que, inevitavelmente, produzimos em nosso discurso. A situação lúdica é
paradoxal e não é unívoca conceitualmente: é polissêmica. Porém, o importante no campo da
investigação e do uso dessa atividade é procurar identificar o que estamos chamando de
atividade lúdica.
É, portanto, no percurso de nossas vidas que aprendemos o sentido de jogo, brincar,
brincadeira, brinquedo e lúdico que o meio onde crescemos nos apresenta. Não podemos
excluir essa experiência cotidiana de nosso aprendizado conceitual, pois ela está presente em
nossas concepções. Com base nessa primeira noção, podemos começar a reconhecer, a rever
e a problematizar nossas ações e acepções em torno desses termos. Se dermos conta desse
decurso, poderemos identificar nossos legados conceituais e pedagógicos em relação ao tema
e, dessa forma, provocar questões, movimentando nosso costumeiro modo de pensar e de agir
diante dessa instigante matéria.
Indicações de leitura
ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Jogo e projeto: Pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2006.
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
BETTELHEIM, Bruno. Uma vida para seu filho: Pais bons o bastante. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
BROUGERE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
BRUNER, J. S. Juego, pensamiento y lenguaje. Perspectivas, UNESCO, 16 (1), 1986.
CAILLOlS, Roger. Os jogos e os homens: A máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990.
CARVALHO, Alysson et al. (Org.) Brincar(es). Belo Horizonte: PROEX-UFMG/Editora UFMG, 2005.
CASCUDO, Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 1993.
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