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INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

Departamento de Geografia
Disciplina: Metodologia de Pesquisa em Geografia
Turma 2020.2
Professor: Jorge Luiz Barbosa

Alix Gabriel da Silva Ferreira - 117003019

RESENHA:
Pensando Geograficamente: considerações sobre “A Mente Geográfica”

‘A Mente Geográfica’ é um artigo da geógrafa britânica Doreen Massey publicado


originalmente em 2006 no Secondary Geography Handbook da Geographical Association do
Reino Unido, uma associação de apoio aos professores de Geografia do Reino Unido, com a
finalidade de orientar os docentes no estímulo didático à percepção da imaginação geográfica
como ponto de partida ao processo de ensino-aprendizagem da Geografia, e que foi traduzido
e republicado como parte do ‘Dossiê Doreen Massey’ em tributo póstumo da revista
GEOgraphia da UFF em 2017.

Falecida em 2016, Massey, já aposentada, era professora na Open University,


universidade britânica que atende a muitos alunos das classes populares, tendo recusado
convites para lecionar na Universidade de Oxford, onde cursou sua graduação como bolsista,
por considerá-la uma instituição elitista. Tendo ao longo de sua jornada acadêmica se
dedicado especialmente a estudos da Geografia Regional, da categoria de lugar e de geografia
cultural em meio ao fenômeno da globalização contemporânea, tendo por isso também
abrangido estudos descoloniais.1

No artigo em análise, fruto de uma conferência ministrada aos professores da


educação básica inglesa2, a autora busca introduzir os conceitos de imaginação e mente
geográficas como formas pedagógicas de estímulo à compreensão do sentido e da lógica
espacial que operacionalizam nossas visões de mundo. Massey inicia sua provocação trazendo
uma dupla indagação que introduzirá a contraposição que perpassa pelo objetivo do texto:
imaginações divergentes sobre direitos de pertencimento e poder sobre lugares.

1
HAESBAERT, Rogério. Lugares que fazem diferença: encontros com Doreen Massey. In:
GEOgraphia, v. 19, n. 40, pp. 5 - 10. Niterói, UFF, mai./ago. 2017
2
ROCHA, Ana Angelita. Por Doreen Massey: sobre espaço, resistência e esperança. In:
GEOgraphia, v. 19, n. 40, pp. 3 - 4. Niterói, UFF, mai./ago. 2017
Aqui a autora inicia tal contraposição com exemplos sobre povos da floresta
Amazônica e migrantes aos países do Norte ao comparar imaginações geográficas localistas e
globalistas, sendo que num dos exemplos, o localismo se demonstraria positivamente,
enquanto no outro, negativamente, e vice-versa se daria a perspectiva dos que defendem as
quedas de fronteiras. Os exemplos evidenciam certos pontos para discutir do que se trata
imaginação geográfica: a inevitabilidade e o poder de nossas imaginações geográficas; a
operacionalização contraditória dessas imaginações (seja por grupos sociais, seja por
tendências políticas); o poder diferencial da Geografia, podendo se apresentar ora através de
geometrias do poder hegemônico (localismos e globalismo dos poderosos), ora pelas
geometrias de poder mais igualitárias (localismos e globalismo dos subalternos); e por fim a
contribuição que trazem os conceitos geográficos de espaço e de lugar para esse
entendimento.

Contudo o que de fato mais adiante Massey pretende demonstrar com tais exemplos é
que numa contraposição de uma imaginação de um espaço de lugares/territórios (argumento
do local) a uma imaginação de um espaço dos fluxos (da “globalização em que as fronteiras e
os limites devam cair”) há uma necessidade “de uma imaginação de espaço que incorpore as
geometrias de poder que constroem este mundo altamente desigual” (p. 38). Com essa
proposição, a autora demonstra sua crítica à imaginação geográfica que é hegemônica no
mundo contemporâneo de modernização globalizante, a imaginação geográfica do
‘desenvolvimento’, que contrapõe qualitativamente primeiro e terceiro mundos, desenvolvido
e subdesenvolvido/em desenvolvimento, avançado e atrasado. Trata-se de uma imaginação
que, ao contar uma história única, anula a geografia, pois na “pista de mão única do
desenvolvimento (ou da modernização, ou do progresso)” (p. 38) as diferenças entre os
lugares são dadas como diferenças históricas, sem diferenças geográficas (reais e
coexistentes), recusando a possibilidade da existência de muitas histórias simultâneas e de
muitos lugares com suas próprias trajetórias.

Introduz-se aqui um novo exemplo comparativo entre Chade, Brasil e EUA,


especialmente entre o primeiro e o último, como forma de demonstração da subestimação das
diferenças que vigora sob a narrativa da imaginação do desenvolvimento, pois sob tal maneira
de se pensar o mundo, estes países estariam alinhados um após o outro num fio da História em
que seriam desconsideradas suas diferenças geográficas e portanto com suas trajetórias
próprias e coetâneas, isto é, coexistentes e simultâneas. Sobre essas características da
coetaneidade, Massey filosofa que “se o tempo é a dimensão da sequência e da mudança, o
espaço é a dimensão da coexistência e da multiplicidade”. (p. 39)

Dessa forma, em contraponto à imaginação hegemônica, a autora identifica uma outra


que seria a da “mente geográfica”, que justamente tem como aspecto o reconhecimento da
coetaneidade. Este reconhecimento requer que haja uma ‘mirada-de-fora-para-dentro’, ou
seja, uma disposição em dar “pleno reconhecimento à existência de outros autônomos” (p.
39). A mente geográfica é aquela que se baseia na diferença tal qual como reconhecida na
trajetória própria de cada país do exemplo acima quando evidencia as relações de poder e
interdependência configuradas por eles serem coetâneos entre si, portanto coexistentes e
simultâneos, cada qual à sua própria maneira.

Para melhor ilustrar o valor da diferença na mente geográfica, parte-se por fim a um
terceiro e último exemplo, esse contudo à escala local, a do lugar. Que comumente é tratado
como o lugar de encontro das diferenças, mas que deveria antes ser visto como o lugar da
negociação, para que conflitos de convivência das diferenças sejam administrados para que os
diferentes tenham o mínimo de convívio comum, concluindo que para que haja a negociação,
antes sejam reconhecidas e respeitadas as diferenças. Dessa forma Massey conclui sua
argumentação em defesa de que para uma mente geográfica se estabelecer seja necessária que
ocorra essa ‘mirada-de-fora-para-dentro’ que, reconhecendo as autonomias e diferenças dos
entes envolvidos, também não deixe de questionar em que condições ocorrem os processos de
negociação para que ocorra a coetaneidade.

Diante da exposição de Massey, que termina ainda deixando apontamentos didáticos


aos docentes em sua conferência para que trabalhem a mente geográfica de seus alunos nas
aulas, observamos que sua contribuição a uma virada da perspectiva geográfica é de grande
relevância principalmente no âmbito da educação geográfica. Esses apontamentos buscam
proporcionar que a Geografia possa “ajudar os jovens a explorar a natureza controversa do
mundo”, perceberem que “grande parte da nossa ‘geografia’ está na mente e nas imagens
mentais que carregamos do e sobre o mundo”, e “a explorarem como os lugares são
complexos e variados”. Portanto trata-se de um artigo que abre horizontes de análise da
importância da ciência geográfica, mas principalmente da metodologia com que essa
disciplina deve ser passada adiante em nosso enfrentamento com a realidade.

MASSEY, Doreen. A Mente Geográfica. In: GEOgraphia, v. 19, n. 40, pp. 36 - 40. Niterói,
UFF, mai./ago. 2017

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