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CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço e indústria. 7. ed.

São Paulo: Contexto,


1997. 70 p.

A GEOGRAFIA EM QUESTÃO

“A ciência é uma forma de compreensão da realidade que se desenvolve


através do comportamento crítico”.

Pensamento clássico da geografia: espaço como palco da atividade humana


e o termo “geográfico” como sinônimo de localização, desprendida de conteúdo e
reduzida à aparência. “Mesmo porque localizar-se em algum lugar do espaço traz
em si a ideia de conteúdo social”. O lugar onde moro, por exemplo, é produto de
minha relação com a sociedade a qual eu participo.

O homem aparece na geografia tradicional como um elemento a mais na


paisagem, fazendo parte do domínio biológico do planeta. Nessa perspectiva, os
homens são tratados como indivíduos de uma comunidade e a geografia mostra as
modalidades de ocupações do solo. Assim, o espaço reduz-se à localização e é
exterior ao homem. “A dimensão de exterioridade que o espaço geográfico tem em
relação a sociedade é, ao nosso ver, a principal característica da chamada geografia
tradicional”.

Mas o espaço é humano e não porque o homem o habita ou modela seu


relevo, e sim porque o homem é um ser social que produz o espaço à imagem e
semelhança da sociedade. Não se trata do homem-habitante, mas sim do homem
social.

É necessária superar o nível puramente descritivo (sem sua eliminação) para


se alcançar o nível explicativo daquilo que foi observado e descrito e, com isso, criar
a oportunidade de intervenção prática na realidade. “Na medida em que se entende
o homem como produtor do mundo é possível pensa-lo enquanto agente de sua
transformação”.

“À essa noção de espaço enquanto palco da atividade do homem, organizado


em função das necessidades dos grupos humanos, entendendo a terra como
morada, contrapõe-se a ideia de espaço produzido pela sociedade, onde o trabalho,

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enquanto atividade produtiva, tem o caráter de mediador da relação. É através do
trabalho que o homem se relaciona com a natureza”.

A descrição impede um estudo da totalidade, pois ele estuda o lugar pelo


lugar, enquanto único, e não em suas relações com o resto. “É bem verdade que
cada parcela do espaço tem particularidades históricas que lhes são únicas e que a
caracterizam enquanto tal, mas estas particularidades – suas determinações
específicas – também se determinam nas suas relações com o universal – nas
determinações gerais; pois é na articulação (fundamentada na relação dialética entre
o particular, o singular e o universal) que se desvenda o fenômeno em sua dimensão
plena”.

“Portanto, a ideia de exterioridade do espaço geográfico em relação ao


homem contrapõe-se a de produção humana, histórica e social. O espaço geográfico
não é humano porque o homem o habita, mas antes de tudo porque é produto,
condição e meio de toda a atividade humana. O trabalho, enquanto atividade do
homem, tem um caráter intencional e voluntário. Isto implica a transformação do
objeto em algo adequado, próprio do sujeito que o realiza e, deste modo, o processo
produtivo é um processo de produção concreta, nascido do trabalho, uma resposta
do homem às suas necessidades. A satisfação das necessidades de sobrevivência
do homem e da reprodução das espécies se coloca como condição do processo
histórico”.

“Na medida em que a sociedade produz e reproduz sua existência ela o faz
de modo determinado; este modo imprimirá características históricas específicas a
esta sociedade e, consequentemente, influenciará e direcionará o processo de
produção espacial”.

“O espaço geográfico não é a base da história mundial, mas é produto das


relações que ocorrem, num determinado momento histórico, entre a sociedade e o
meio circundante. Se de um lado é um processo de produção, de outro é também
processo de reprodução, fundamentado na acumulação técnico-cultural e na relação
dialética entre o velho (espaço enquanto meio de produção) e o novo (processo de
produção atual em si). E implica a ideia de continuidade – em espiral – do processo
de desenvolvimento da própria sociedade, que a cada momento histórico produz um
modo de vida e uma estruturação espacial correspondentes”.
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A GEOGRAFIA E O ESPAÇO

“O espaço geográfico deve ser concebido como um produto histórico e social


das relações que se estabelecem entre a sociedade e o meio circundante. Essas
relações são, antes de mais nada, relações de trabalho dentro do processo
produtivo geral da sociedade. Nesse contexto, o homem tem um papel central na
medida que é sujeito, cuja humanidade é construída ao longo do processo histórico,
concomitante à reprodução de sua própria vida”. Enquanto produto histórico, o
espaço sofre um processo de acumulação técnica cultural. “Portanto, existe uma
relação necessária, dialética entre a sociedade e o espaço; é a ação humana
consciente que transforma a natureza em espaço geográfico e ao produzi-lo, produz
o homem e a relação com os outros homens“.

Desse modo, o espaço geográfico nem sempre existiu, pois, sua criação não
está vinculada ao aparecimento do homem sobre a terra; “ao contrário, sua
existência vincula-se a uma organização social e à existência de uma organização
laborial: uma atividade criadora a partir de um caráter internacional e voluntário e
com isso capaz de transformar a natureza em algo apropriado ao ser humano”. O
homem humaniza a natureza.

O trabalho é a mediação entre a sociedade e o espaço, de modo que o


trabalho é elemento do movimento de transitoriedade. O processo de trabalho não
só determina a natureza social do espaço geográfico como sua forma de
apropriação, de modo que o trabalho é uma categoria central na análise do processo
espacial; o que nos remete às seguintes questões:

a) O espaço geográfico é fruto de uma produção geral da sociedade como


um todo;
b) O trabalho como atividade do ser humano visa satisfazer necessidades, e
na medida que estas são históricas e que a atividade que as satisfaz cria
novas, a criação de um espaço diferenciado dá-se em função das
condições materiais de produção e do estágio do desenvolvimento das
forças produtivas;
c) O trabalho sendo sempre um processo de apropriação pelo ser humano
permite discutir as formas como esta apropriação se realiza, colocando em
discussão hoje o espaço como um produto social apropriado
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individualmente e, portanto, alienado (a alienação não só aparece no
processo, mas também no resultado; ambos são exteriores ao sujeito da
produção – o trabalhador). O processo de trabalho se desenvolve em
função de necessidades, de métodos e de finalidades estranhas às do
trabalhador. O processo de trabalho como processo de alienação, pois
não é determinado pelo sujeito e nem este sujeito se torna dono de seu
produto. No caso do espaço, embora sua produção seja social, os
objetivos e as necessidades são as da classe dominante.

“O espaço enquanto produto e não coisa, deve ser analisado através das
relações que o produziram. Estas são relações de produção, logo de trabalho. Não é
qualquer relação de produção, nem qualquer processo de trabalho, mas um
determinado trabalho, o trabalho assalariado, seu processo de valorização, e
consequentemente de apropriação”.

A abstração é a-histórica, de modo que a concretude de uma categoria se dá


com sua determinação histórica que lhe garante uma especificidade histórica real. O
espaço tem uma gênese e um processo de reprodução que só pode ser analisado a
partir de suas condicionantes históricas, onde o produto de uma relação é matéria-
prima para sua reprodução. “Temos assim como resultado do processo de produção
as próprias condições para a sua realização; estas não sendo mais condições de
gênese, mas resultado. A reprodução do espaço aparece como resultado do
processo de produção e reprodução do capital, que se realiza como capital adicional
e que tem, como condição de existência, a apropriação do trabalho alheio”.

Segundo Gianotti, o processo de trabalho produz um produto que “surge


como explicitação de um fim, de uma condição que se dá idealmente e se efetiva de
modo a adequar o resultado ao início pressuposto, num movimento em que o
trabalhador e sua vontade de um lado, as coisas do outro, perdem autonomia para
transformarem-se em movimentos de um processo mais amplo”.

“O que se reproduz no processo não são só as condições objetivas do


trabalho, mas sua existência sob a forma de valores autônomos pertencentes a
outro (no caso o capitalista) e opostos à força de trabalho. Isto decorre do fato de
que o trabalho do operário se objetivo em um produto que não lhe é próprio”.

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A unidade espaço-sociedade traz implícita uma desigualdade, produto da
divisão social e técnica do trabalho, que se materializa na divisão espacial do
trabalho entre parcelas do espaço. Tal desigualdade é produzida por relações de
dominação-subordinação.

“A introdução da análise marxista na geografia tornou evidente o


entendimento do espaço como um produto das relações sociais visto em função de
uma formação econômica da sociedade determinada, que tem sua origem na
relação homem-natureza”. “A análise do produto tende a desvendar seu processo de
produção”. O espaço tem características peculiares em relação a outros produtos do
trabalho social, mas também similaridades, pois é “fruto das determinações da
sociedade em questão”. “O encadeamento e a articulação das categorias de análise
é que vão permitir a separação entre as determinações gerais e as especificas de
cada fenômeno, bem como apreender sua transitoriedade. Nesse sentido, o método
se coloca como uma possibilidade de desvendamento e como percepção e
apreensão dessa transitoriedade, sem a qual o fenômeno não se explica”.

Sendo assim, permeando o materialismo histórico, a noção de espaço


transcende aquela de produto pois é também condição e meio do processo de
reprodução geral da sociedade.

O lugar ocupado por uma indústria, do ponto de vista espacial, resulta da


divisão espacial e internacional do trabalho num dado momento histórico. Assim, a
localização das indústrias pode ser abordada, em sua perspectiva histórica, em
função do a) desenvolvimento das forças produtivas e b) da articulação dos espaços
nacionais na formação econômica e social. “As condições gerais de produção
(entendidas como necessidades de produção, distribuição, circulação e consumo)
passam a ser criadas coletivamente, voltadas para a eficiência econômica e de
gestão empresarial e procura do lucro”.

A INDÚSTRIA NA HISTÓRIA

“Gestada no sistema feudal, a nova relação de produção determina uma nova


divisão na sociedade”. Com a ascensão da burguesia, começa-se a questionar a
“tradição do berço” e propaga-se a ideia da liberdade do indivíduo, o banimento dos
velhos privilégios, o livre empreendimento e uma sociedade com maior liberdade. À

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medida que passava a acumular dinheiro, a burguesia questionava o poder da
linhagem, estabelecendo o fim da tradição e o princípio da riqueza com produto do
trabalho.

“A essência da nova sociedade fundamenta-se na redefinição das relações


produtivas entre os homens, agora baseada na busca da riqueza pela riqueza,
inaugurando-se a fase hedonista 1. Isto significa o prazer como o objetivo principal da
vida, onde a busca de satisfação dá ao homem o sentido de poder em oposição aos
valores feudais que condenavam a usura e o enriquecimento”.

“A mudança na base política se impõe: agora faz-se necessário que o Estado


proteja os interesses daqueles que acumularam, pelo seu próprio empenho, bens e
propriedades. A ideia de Estado criada por Locke é a expressão dessa mudança.
Diz ele que “Deus fizera o mundo para uso dos industriosos e racionais e o Estado,
pelo consentimento deles, deveria existir para protegê-los em sua exploração pelo
mundo”. Nesse sentido, se a propriedade é consequência do trabalho, ela deve ter
direito à segurança, pois esta é a grande e principal finalidade da união dos homens
em comunidade”.

“Para Laski, a chave central para a grande aventura dos tempos modernos
está no fato de que o homem que enriquece converte-se num benfeitor social pelo
fato de tornar-se rico. Esta é a essência do novo espírito”.

Em relação à filosofia, o racionalismo suplanta a filosofia a concepção


teológica. “As necessidades de racionalização da produção e aumento de
produtividade, impostas pelas novas relações produtivas, unem a ciência à prática e
a metafísica cede lugar à especialização dos ramos do conhecimento com os
descobrimentos da física, química e engenharia”. “O princípio da utilidade se impõe:
quanto maior a riqueza, maior a satisfação. A produção não tem mais por finalidade
a subsistência, mas o lucro. Tal finalidade impõe uma nova concepção de sociedade
na qual o indivíduo representa um conjunto de necessidades. Deste modo o
indivíduo só existe para o outro como meio de satisfação de necessidades. Aqui o
homem está preso ao universo da necessidade econômica, onde a produção da

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O hedonismo (do grego hedonê, "prazer", "vontade") é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser
o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e seu mais célebre representante foi Aristipo de
Cirene
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riqueza material da sociedade determina, ao mesmo tempo, a submissão do homem
ao processo de trabalho”.

“A introdução do pensamento sistemático e dos métodos experimentais e de


observação liberou a filosofia da natureza de sua associação com a metafísica. A
especialização das ciências se impõe e permite um aprofundamento entre ciência e
prática. O conhecimento passa a ser entendido como domínio da natureza e o
esforço inventivo dirige-se, num primeiro momento, principalmente ao domínio das
forças extremas da natureza”.

“A Revolução Industrial criou as condições necessárias para que o capital


acumulado pudesse se reproduzir, quais sejam: a) inovação nos instrumentos e
métodos de trabalho; b) incremento da produtividade do solo, liberando a população
do campo que migra para a cidade, e vai servir de mão-de-obra para a manufatura e
posteriormente para a grande indústria; c) ampliação do comércio; d)
desenvolvimento dos transportes e melhoria das vias de comunicação, expandindo o
marcado interno e externo; e) utilização de outras fontes de matéria-prima; f)
diminuição do preço das mercadorias; g) desenvolvimento do crédito; h) melhoria da
vida da população (saúde, habitação, alimentação”.

“Com a grande indústria, a maquinaria, o trabalho socializado, coletivo, com o


aumento da intensidade do trabalho, a incorporação da população como um todo no
processo produtivo – homens, mulheres, crianças – teremos a passagem do homem
destro, criativo, virtuoso ao ser mecânico, degradado moralmente e devastado
intelectualmente. Marx afirma que a especialidade vitalícia de manejar uma
ferramenta parcial converte-se, com esse processo, na especialidade vitalícia de
servir a uma máquina especial. O novo processo de produção e de trabalho vai se
utilizar abusivamente da máquina para transformar o operário, desde sua infância,
em parte de uma máquina parcial”.

“A grande indústria, ao revolucionar as relações gerais de produção da


sociedade, produz uma nova concepção de trabalho, de vida, de relação entre os
seres humanos. Isto é provocado pela mudança das relações entre o capital e o
trabalho, pois a maquinaria de meio de trabalho converte-se, de imediato, em
competidor do próprio operário e a habilidade deste desaparece. Não se exige mais
que o operário produza algo com uma ferramenta que ele maneje com o movimento
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de seus músculos. Exige-se, isto sim, que ele utilize uma máquina que ditará um
novo ritmo de trabalho”.

“Não será mais homem que dominará a máquina, mas o contrário”. “A


introdução da máquina, que não tem por objetivo aliviar o trabalho do homem e sim
baratear as mercadorias, acaba produzindo a intensificação do trabalho,
desqualifica-o e transforma o operário em uma parte da máquina. Com isso o
trabalho perde seu conteúdo e passa a ser coercivo”.

“Essas duas classes sociais [burguesia e proletário], produtos das


transformações ocorridas nas antigas relações sociais de produção, são a condição
para o desenvolvimento de uma nova sociedade e da produção de uma nova
espacialidade” (p. 33)

Fani aponta, nesse momento, como o momento em que o processo de


produção domina o de consumo. Milton Santos aponta para o momento (mais atual)
em que o consumo domina a produção.

A INDÚSTRIA E O URBANO

“A evolução produz o embrutecimento. O desenvolvimento das forças


produtivas nega as potencialidades libertadoras do homem, transformando-o em
máquina. A ideologia capitalista impregna a ciência e a tecnologia e produz o saber
parcelado e especializado, reproduzindo, na esfera da ciência, as técnicas de
dominação”.

“Enquanto pressuposto das condições de reprodução do capital, o espaço


deve permitir o desenvolvimento, articulado e simultâneo dos processos de
produção, distribuição, circulação e troca”. A atividade produtora liga-se as demais
pois produção e consumo ocorrem em lugares diferenciados (espaço) e em
momentos diferentes (tempo). A indústria se beneficia com a concentração de
capitais e de trabalhadores (“economias de aglomeração”, para os economistas),
pois se aproveita das vantagens e socializa as desvantagens.

“Partimos neste momento da ideia de que a produção do espaço urbano


realiza-se, concretamente, a partir do trabalho industrial que subordina, cria e
determina outras atividades não produtivas (como o comércio e os serviços). Com
isso, articula suas relações e funções, criando um mercado de mão-de-obra e de
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mercadorias, que tende a desenvolver e ampliar a aglomeração urbana de acordo
com o grau de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade (englobando o
desenvolvimento científico e tecnológico)”. “A atividade industrial assume o papel de
comando na reprodução espacial. Ela articula e subordina outras parcelas do
espaço, pois o mercado de matérias-primas e auxiliares, e o mercado de destino dos
produtos, necessariamente ultrapassam o nível espacial do lugar”.

“Assim, o espaço vai se produzindo para atender às necessidades da


produção e das relações que essa produção, somada à circulação, à distribuição e à
troca, determinam”. “A atividade industrial assume o papel de comendo na
reprodução espacial, ela articula e subordina outras parcelas do espaço”.

“Cabe à rede de comunicação unir e integrar as parcelas do espaço nacional


através do relacionamento de compra e venda entre os estabelecimentos industriais
e entre estes e os consumidores”.

A concentração tende a intensificar-se à proporção que se desenvolve a


acumulação

“Na medida em que a indústria é, cada vez mais, um complexo de unidades


formadas por atividades produtivas (isto é, ligadas diretamente à produção) e
improdutivas (como por exemplo o pessoal de escritório, separadas espacialmente,
perde-se o vínculo direto entre elas (e, com isso, intensifica-se a
complementariedade e estabelece-se uma hierarquia espacial. Por outro lado, a
universalização da divisão do trabalho, produto da mundialização das trocas, a partir
da expansão do sistema capitalista (que significa que todos os países vendem e
compram de muitos países diferentes), implica o aprofundamento das relações entre
as nações. As necessidades de acumulação diminuem sua vinculação com a
unidade produtiva para assentar-se na sociedade como um todo. As novas unidades
não vão exigir somente o desenvolvimento de meios de comunicação e transportes,
mas conjuntos habitacionais, meios de formação de força de trabalho, centros de
pesquisa, centros vinculados à atividade de direção, desenvolvimento do sistema
bancário, sistema financeiro, etc.”

“A industrialização é um fenômeno concentrado no espaço enquanto produto


da aglomeração de meios de produção, mão-de-obra, capitais e mercadorias. A

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produção espacial decorrente da produção em escala (com uma especialização
avançada} e contínua (onde o papel dos transportes e das comunicações a longa
distância têm um papel decisivo), tende a intensificar o surgimento de aglomerações
urbanas e facilitar a articulação entre as parcelas do espaço global (seja nacional ou
mundial)”.

“Assim, a reprodução do capital refaz uma articulação, vinculando-se ao


aprofundamento da divisão e especialização do trabalho mais geral, tanto a nível
nacional quanto internacional”.

“A reprodução espacial realiza-se de modo a viabilizar o processo de


reprodução do capital. A cidade se apresenta como materialização das condições
gerais do processo em sua totalidade. Todavia, este é apenas um lado da moeda, o
outro refere-se ao trabalhador e ao consumidor de modo geral. Este ponto de vista
implica considerarmos a necessidade de morar, habitar e viver num determinado
lugar”. O espaço da moradia também se subjuga às necessidades e perspectivas da
acumulação do capital.

“Assim, o processo de (re)produção do espaço é, ao mesmo tempo, condição


e produto da (re)produção humana – enquanto meio de consumo – e da
(re)produção do capital, enquanto condição geral de produção sob a forma de
capital fixo”. “O processo de produção do urbano ocorre, hoje, a partir de um
processo de universalização da divisão do trabalho e mundialização das trocas”.

“O modo de produção capitalista cria um espaço como todo modo de


produção. O pressuposto é que no capitalismo, a produção só ocorrerá se permitir a
valorização do capital. Na produção do espaço há algo mais, um lado estratégico e
político de grande importância, pois não é uma produção qualquer: acrescenta algo
decisivo a esta, posto que é também reprodução das relações de produção. Isto
significa que, à medida que o capitalismo se desenvolve e a cidade cresce não
serão criados apenas produtos, mas também comportamentos humanos”.

“Nesse sentido, a produção material manifesta o fato de que, reproduzindo-


se, a sociedade não reconstitui apenas suas condições materiais de existência, isto
é, sua vida, mas também suas relações sociais e um modo de vida”.

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“Enquanto condição geral de produção, o espaço urbano é entendido do
ponto de vista do capitalismo como capital fixo” (meio de produção e de realização
da mais-valia). A cidade aparece materialização das condições de produção e o
urbano enquanto condição, meio e produto do processo de reprodução da sociedade
em todas as suas instâncias”.

“A relação social que dá conteúdo à forma-cidade é decorrente da articulação


entre os elementos que produzem o espaço geográfico de forma geral [rural e
urbano], e o urbano de modo específico. Isto é, o trabalho”. “Longe de ser uma
aglomeração, a cidade é trabalho social materializado: produto, condição e meio do
processo de reprodução da sociedade em determinado momento histórico”.

“A cidade é incompatível com uma economia de subsistência, a ausência de


especialização e diferenciação. Surge do aprofundamento da divisão do trabalho
entre os homens e entre os lugares”. “Em síntese, podemos dizer que a existência
da cidade decorre: a) da divisão do trabalho; b) da organização da sociedade em
classes sociais; c) da acumulação tecnológica; e) de uma certa concentração
espacial das atividades não agrícolas”.

O urbano é um fenômeno anterior ao capitalismo. “O modo de produção


capitalista reproduz o fenômeno urbano com características peculiares, aspectos e
significados diferenciados. [...] O capitalismo tende a potencializar a aglomeração”.
“A urbanização capitalista produz uma transformação radical na vida do indivíduo. O
individualismo tende a crescer nas cidades; os laços entre os habitantes se
enfraquecem”. “O processo de industrialização intensificou o processo de
urbanização a ponto de ambos se tornarem indissociáveis. Produziu-se um novo
urbano a partir da criação de novos padrões de produção e consumo. Criaram-se
novas formas de convívio entre as pessoas a partir da construção de um novo modo
de vida. Gerou-se profundas alterações de valores e crenças que afetaram os
costumes e as relações tradicionais. Era a emergência de um novo homem, com
novas aspirações, motivações e valores”.

“Se a atividade industrial é altamente concentrada espacialmente, não quer


dizer que seja isolada. Ao contrário, seu desenvolvimento só pode ocorrer na
medida que criar um feixe tal de relações que a incorpore não só a outras atividades
agrárias de comercialização e serviços, mas também a outras atividades industriais
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e a outras áreas. O capitalismo universaliza-se na medida que abre novos espaços,
ampliando suas fronteiras de troca”.

O ESPAÇO TRANSNACIONAL

Modo de produção (capitalista) e modo de vida (urbano).

O modo desigual de desenvolvimento do capitalismo se deve às diferenças na


composição orgânica do capital (Kc + Kv + mais-valia). Quanto maior o Kc, maior a
composição orgânica (produto do desenvolvimento das forças produtivas), logo,
maior a produtividade. As diferenças na composição orgânica podem ocorrer entre
países, de modo que “a relação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos se
estabelece a partir do desenvolvimento desigual entre os setores de atividades e
espaços e em função das necessidades da acumulação de capital assentados em
relações de dominação-subordinação”. As diferentes relações entre países no
decorrer da história têm o objetivo de assegurar a reprodução ampliada da
dependência”.

À GUISA DE CONCLUSÃO

É possível afirmar que existe um espaço ou cidade do capital? “No caso


específico da formação econômica da sociedade capitalista não se separa espaço e
capital. Não existe um espaço do capital, mas um espaço produzido através de
relações sociais determinadas pelo modo de produção capitalista, em última
instância, pelo capital”. “A consideração sobre uma cidade do capital, por exemplo, é
decorrente do fato de não se considerar a separação entre a aparência e a essência.
O mundo das aparências é o mundo onde os fatos podem ser apreendidos através
de sua manifestação formal (nível fenomênico), o que está longe de significar sua
apreensão real, isto é, sua essência”. A realidade só pode ser apreendida em suas
múltiplas determinações através do método materialista dialético. No mundo das
aparências, os fetiches reinam, produzindo mistificações (como a produção de
necessidades pela mídia, por exemplo).

“O capital se torna mundial, logo, a articulação espacial se realiza a nível do


globo terrestre. Isto quer dizer que o processo de universalização do homem se
realiza em toda sua plenitude”. O capital destrói a atomização (isolamento) das

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relações de produção e das pequenas aglomerações humanas. A universalização do
capital produziu a “massa humana” e isolou o homem (individualismo exarcebado).

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