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IDANIR ECCO

SER EDUCADOR NA ATUALIDADE:

DOS DESAFIOS E COMPROMISSOS

ERECHIM
2018
1

______________________________________________________________________

E19s Ecco, Idanir


Ser educador na atualidade : dos desafios e compromissos / Idanir
Ecco. – Erechim, RS : Edelbra, 2017.
74 p.

1.Educação - docência 2. Educação - tecnologias 3. Família – escola


I. Título

C.D.U.: 37.011.31
_____________________________________________________________________
Catalogação na fonte: bibliotecária Sandra Milbrath CRB 10/1278
2

Tributo esta obra aos meus alunos(as) e ex-


alunos(as) da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões,
Câmpus de Erechim, RS, pois a quase
totalidade dos textos que compõem este
trabalho é resultado das suas provocações,
das suas indagações que, também,
comungam com minhas angústias enquanto
educador.
3

Eu me proponho a agitar e inquietar as gentes.


Não vendo pão, vendo fermento.
(Miguel de Unamuno y Jugo)
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PREFÁCIO

Apresentar um livro é sempre uma alegria singular! Significa expressar que


o autor nos delega a incumbência de desvelar ao leitor o que vão encontrar no
livro, uma verdadeira credencial repleta de alegrias e simbolismos. Por isso, é
sempre uma tarefa desafiante, instigante. Para nós é uma honra, um verdadeiro
privilégio apresentar o livro do Professor Idanir Ecco, intitulado: Ser educador na
atualidade: dos desafios e compromissos.
O livro apresenta singularidades, tanto em sua forma quanto em sua
produção. É um trabalho que resulta do FAZER COTIDIANO de ser professor. E é
deste fazer/ser que o autor captura os desafios apresentados pelos alunos e
maestramente responde-os com belos textos que nos conduzem à reflexão e à
crítica.
Quanto à forma, chama à atenção a apresentação de textos curtos e
epigrafados que anunciam a síntese do discutido. O livro apresenta em seus
capítulos uma linguagem acessível, fluida, voltada a professores e a estudantes.
O autor demonstrando ser um intérprete dos caminhos urdidos pela
humanidade no nosso atual ciclo da modernidade propõe alternativas, atalhos
contrapontos à alienação produzida pelo modo de produção capitalista.
Mostrando, assim, que a opção pela educação é o imperativo viável e capaz de
promover a produção de novas “humanidades” em contraponto às políticas
públicas e sociais que propõe a diminuição e redução da educação/formação à
simples instrução.
Assim, através de lendas e de uma escrita poética, revisita os grandes
dilemas da humanidade. Modernidade ou Pós-modernidade? A eterna luta entre a
pulsão da vida e da morte representada pelo humanismo psicanalítico freudiano:
Eros e Thanatus linha da vida e da morte presentes no universo psicanalítico
estão subsumidos na lenda dos lobos. Também os dilemas contemporâneos da
ética do cuidado e da amorosidade se fazem presentes dialogando de forma
direta com escritores e teóricos renomados como Paulo Freire, Leonardo Boff,
Rubem Alves e Moacir Gadotti.
Deste modo, o leitor começa a refletir que a vida, como a leitura e a escrita
é um universo complexo repleto de afetos e desafetos, reencontros e
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desencontros que permitem pensar como nos diz Saramago de que “a vida é uma
aprendizagem diária.” E é com fundamento na memória do vivido e revivido
diariamente, constantemente com os alunos que o autor apresenta reflexões e
problematizações acerca do SER EDUCADOR, na contemporaneidade. Tornando
a vida mais doce, bela e agradável.

Silvana Maria Gritti


Doutora em Educação
Professora Associada da Universidade
Federal do Pampa - RS

Vágner Silva da Cunha


Doutorando em Política Social
Professor Adjunto da Universidade Federal
do Pampa - RS
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................8

2 AMOROSIDADE E EDUCAÇÃO: DA DOCÊNCIA AFETIVA E EFICIENTE ......9

3 APRENDER... SEMPRE, MAS COMO? ............................................................11

4 BARULHENTOS OU ESCUTADORES: O QUE SOMOS? ...............................14

5 CELEBRAÇÃO DE NÚPCIAS: OU DO ATO DE ESCREVER ..........................16

6 COM FREIRE OU CONTRA FREIRE: JAMAIS SEM FREIRE..........................18

7 DIA DO PROFESSOR: O QUE TEMOS PARA COMEMORAR? .....................20

8 DIFICULDADES: LIMITAÇÕES OU ESTÍMULOS PARA A AÇÃO ..................22

9 DOS LOBOS INTERNOS ..................................................................................24

10 EDUCAÇÃO E CONTRADIÇÃO .....................................................................27

11 EDUCAÇÃO: O QUE É ISSO? ........................................................................29

12 EDUCAR PARA O AGIR DEMOCRÁTICO: SIM, MAS COMO? ....................31

13 ESCREVER É PRECISO, VIVER NÃO ...........................................................33

14 EXTRA, EXTRA! PROFESSORES ADOECEM NO TRABALHO ...................35

15 FAMÍLIA E ESCOLA: UMA INTERAÇÃO NECESSÁRIA ..............................37

16 FORMA[R]ÇÃO X TREINA[R]MENTO ............................................................39

17 “NÃO SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM”… ..........................................................41

18 NOVO ANO LETIVO: O GRANDE ESPETÁCULO DA ESCOLA ...................43


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19 NOVO DESAFIO EDUCACIONAL ESCOLAR: EDUCAR NA ERA DA


INFORMAÇÃO DIGITAL ..................................................................................... 46

20 O DESAFIO DE SER PROFESSOR(A) NA CONTEMPORANEIDADE ..........48

21 O PÂNICO NOSSO DE CADA DIA... ..............................................................50

22 O QUE É EDUCAR? DA CONVIVÊNCIA E DA TRANSFORMAÇÃO ............52

23 PAULO FREIRE: “CIDADÃO DO MUNDO” ...................................................54

24 PERPLEXIDADE E BIPOLARIDADE: A EDUCAÇÃO EM CONFLITO ..........56

25 POR QUE PENSAMOS DA FORMA COMO PENSAMOS? A QUESTÃO DOS


PARADIGMAS ......................................................................................................59

26 PROFISSÃO PROFESSOR(A): PARA ALÉM DA COMPETÊNCIA


CIENTÍTICA ......................................................................................................... 61

27 QUEM AMA APRENDE: DA INFLUÊNCIA DA AFETIVADADE NA


APRENDIZAGEM ................................................................................................ 64

28 “SANTÍSSIMA TRINDADE”: O FUNDAMENTAL PARA SER UM BOM


PROFESSOR ....................................................................................................... 66

29 SINAIS DOS TEMPOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR ......................................68

30 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................71

REFERÊNCIAS.....................................................................................................73
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1 INTRODUÇÃO

O mais belo triunfo do escritor é fazer pensar


os que podem pensar.
(Eugène Delacroix)

Fazer pensar os que podem pensar, deveras, é a motivação basilar que


está na gênese desta elaboração. E esse propósito justifica-se uma vez que
sinais de anestesia reflexiva são possíveis de serem identificados em diferentes
contextos da atualidade.
Fazer perguntas é uma necessidade existencial do ser humano, do mesmo
modo que a reflexão se revela como exigência da condição humana. Para tanto,
as temáticas que compõem esta obra têm a humilde pretensão de contribuir para
incitar o ato de pensar a partir de questões relacionadas à educação.
Debruçar-se reflexivamente sobre elementos do cotidiano do educador
constitui-se em um imperativo inadiável visto que uma multiplicidade de
demandas e anseios estão presentes no processo de formação e de atuação
docente.
O que-fazer do educador, em síntese, destina-se à promoção dos
educandos. Portanto, extrapola o papel de transmissor de informações ou
mediador na coleta e na assimilação das mesmas. O que impreterivelmente
exige, do “construtor” de seres humanos, formação adequada, qualificada e
compatível à finalidade do seu ofício.
Acreditamos que esta obra, considerando sua potencialidade, possa servir
de subsídio ao educador para problematizar, refletir e redimensionar sua ação
educativa, que também é uma atividade humana; por conseguinte, uma prática
social que se concretiza através da relação pedagógica.
Diante de uma sociedade tão dinâmica, em que o ritmo acelerado das
mudanças caracteriza os tempos atuais, o ato de educar requer do profissional da
educação, além de “sólida” formação, capacidade de discernimento,
compreensão e ação planejada e fundamentada teoricamente. Essas exigências
constituem-se em desafios e compromissos do educador que prima por um agir
consciente, premissas que perpassam os textos dessa composição.
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2 AMOROSIDADE E EDUCAÇÃO: DA DOCÊNCIA AFETIVA E EFICIENTE

O ato de amor está em comprometer-se com sua causa.


(Paulo Freire)

Considerando os termos amorosidade e educação perguntemo-nos: o que


caracteriza essa relação? Nesse contexto, o que se entende por amorosidade?
Qual a importância da afetividade no contexto educacional? A temática geradora
dessa problematização inicial afeta a todos os seres humanos. Temas relativos a
relacionamentos afetivos e/ou amorosos têm o poder de inflamar a imaginação,
de revelar e de confirmar talentos, produzindo imortalidades. Arvora-se como
exemplo disso, O Beijo (1969) de Pablo Picasso, uma das obras mais famosas
desse pintor austríaco; ou ainda a tragédia escrita entre 1591 e 1595, Romeu e
Julieta, de Wiliam Shakespeare, poeta e dramaturgo inglês.
Notoriamente, exemplos para ilustrar a assertiva acima, encontram-se nas
mais diversas áreas da produção humana e em número expressivo. No entanto, o
que interessa nesse momento é refletir em torno da ideia anunciada no título
deste texto: a amorosidade no âmbito da docência.
A relação pedagógica marcada pela amorosidade possibilita a vivência do
respeito e oportuniza práticas que primam o desenvolvimento da autonomia dos
educandos, compreendendo-os como seres em formação e transformação, em
um processo ascendente de atualização do Ser-Mais, condição ontológica
humana.
A capacidade amorosa constitui-se como elemento fundamental no
processo educativo, pois implica vínculo afetivo entre as pessoas e demanda à
capacidade de respeitar e de cuidar o outro. Por conseguinte, não se trata de um
mero sentimentalismo vago, nem tão pouco de um amor romântico, permissivo ou
controlador.
No contexto da docência, a benquerença, a afabilidade manifesta-se no
desejo de formar pessoas na sua totalidade. Assim sendo, para eficientemente
educar exige-se uma amorosidade competente, do contrário, fica-se na mera boa
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intenção. Isto é, não basta gostar dos educandos. Exige-se, sincronicamente, ao


querer bem ao discente, o saber fazer.
Aprendemos com Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira, em revista
à Pedagogia da Autonomia (1996, p. 161) que: “É preciso [...] reinsistir em que
não se pense que a prática educativa vivida com afetividade e alegria, prescinda
da formação científica séria e da clareza política dos educadores ou educadoras”.
Enquanto virtude docente, a amorosidade consubstancializa-se no compromisso e
no afeto com o outro. E a sua efetiva concretização, suscita processos de
humanização, pois as diferentes dimensões do ser humano são contempladas no
seu decurso formativo. À vista disso, firma-se como parâmetro os indivíduos em
processo de aprendizagem, pois envolve respeito, compreensão, interrelações,
retribuições.
O amor (no entendimento argumentado acima) é o fundamento e o gênese
instaurador dos princípios basilares da humanização dos seres humanos e da
sociedade em que estão inseridos.
Incontestavelmente, urge reiterar que o educador(a) deve querer bem aos
educandos (gostar de gente) e zelar pela sua profissão (gostar do que faz),
qualificando-se continuadamente (saber fazer), mediante a construção de uma
base sólida de conhecimentos que possa fundamentar e guiar seus que-fazeres.
Eis a prescrição para a amorosidade competente que corporifica uma docência
afetiva e eficiente, comprometida com sua causa: a formação integral do ser
humano.
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3 APRENDER... SEMPRE, MAS COMO?

Aprender é a única coisa de que a mente


nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se
arrepende.
(Leonardo da Vinci)

O aprender e o reaprender, que se convertem em saber, comungam-se


com o viver. Preocupações entorno das condições necessárias para que a
aprendizagem seja processada de forma efetiva e eficiente estão presentes, de
modo especial, entre os que têm como incumbência estimular, desenvolver e
ampliar novos saberes, isto é, os que exercem o ofício docente, que consiste em
cuidar para que o aluno aprenda.
Antes, porém, de elencar determinadas condições como fundamentais para
que a aprendizagem ocorra, transcrevo, com adequações, uma lenda, de domínio
público, para, posteriormente, retirar dela indicativos que se constituem em
princípios que fundamentam o processo de aquisição de conhecimentos.
Narra-se que um velho sábio foi procurado por alguns membros de uma
aldeia para que lhes dessem um ensinamento. Estando reunidos, o sábio
perguntou:
- As pessoas da aldeia sabem sobre aquilo que vou falar?
Unanimemente, responderam:
- Não!!!
O sábio silenciou por um instante e então disse:
- Neste caso, não adianta eu ir, pois não entenderiam minha mensagem.
Mesmo confusos, imediatamente retrucaram:
- Eles sabem, sim!!!
Sem hesitar, argumentou o sábio:
- Se eles já sabem, minha presença é dispensável.
Os aldeões pensaram um pouco e disseram:
- Na verdade, alguns sabem e outros não.
O sábio convictamente afirmou:
- Ora, então os que sabem ensinem os que não sabem.
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Diante do impasse, os aldeões, entusiasticamente, anunciaram:


- Alguns sabem mais, outros sabem menos, mas o que queremos mesmo é
saber com o senhor.
Finalmente convenceram o sábio a ir para a vila uma vez que conseguiriam
expressar a motivação mais profunda da solicitação.
A fábula descrita acima contém referências relevantes em relação às
condições e/ou motivações para aprender. Pois bem: por que os aldeões
dirigiram-se ao sábio? “Para que lhes dessem um ensinamento”. Desejavam
deliberadamente uma lição. Ou seja: a disposição para aprender estava em
destaque. Portanto, querer aprender é uma das condições primeiras para que
haja aprendizagem efetiva e duradoura.
Na sequência da fábula, observa-se que mediante a constatação de que as
pessoas da aldeia não saberiam sobre o que sábio falaria, este se nega em
deslocar-se até o povoado e justifica: “[...] não entenderiam minha mensagem.”
Logo, para que determinada mensagem seja entendida há que se, a priori, ter
noção do que se trata. Esta situação confirma que a qualidade do aprendizado do
ser humano relaciona-se aos conhecimentos prévios. Esses são saberes que
todos possuímos e que são fundamentais, por se constituírem em pilares,
alicerces para construir novos conhecimentos.
A presença do sábio na aldeia tornou-se igualmente dispensável mediante
a confirmação de que todos saberiam sobre aquilo que o mestre falaria. Nisso
está claro outra condição para aprender: a repetição não gera conhecimento novo
e nem é combustível para novas aprendizagens.
Assim que o senhor de notório saber foi informado pelos aldeões de que
uns saberiam o conteúdo da sua fala e outros não, propôs: “os que sabem
ensinem os que não sabem.” Em outros termos: o saber deve ser socializado e
não enclausurado ou reservado para seres “iluminados” ou guardado como se
fosse um prêmio individual. Compartilhar o aprendido engrandece o saber
coletivo, pois é conhecimento ampliado.
O argumento que convenceu o velho sábio a deslocar-se até à povoação
está na assertiva de que “Alguns sabem mais, outros sabem menos, mas o que
queremos mesmo é saber com o senhor.” Aprender com outro,
colaborativamente, constitui-se na condição primordial para qualificar o processo
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de aprendizagem, pois o conhecimento é produzido no diálogo com o outro,


semelhante ou diferente. Na pedagogia, dialógica todos são chamados a
conhecer. Verdadeiramente, aprende-se em comunhão!
A aprendizagem como necessidade é uma condição pertencente
unicamente aos humanos, pois nossa existência precisa ser produzida
cotidianamente. Uma vez que o cotidiano, bem como, o próprio viver, ambos, são
marcados pela dinamicidade, é impossível alguém se furtar ao desenvolvimento e
ao aprimoramento de aprendizagens, constante e progressivamente.
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4 BARULHENTOS OU ESCUTADORES: O QUE SOMOS?

A arte de escutar é como uma luz que


dissipa a escuridão da ignorância.
(Dalai Lama)

O ruído é uma das características do atual estágio da humanidade. Por


conseguinte, somos uma civilização do barulho. E se aceitarmos como verdadeira
a afirmação oriunda do senso comum de que “A lata vazia é a que mais faz
barulho”, concluímos que somos uma civilização vazia: destituída de sentido, de
sonhos, de perspectivas, de projetos; oca de justiça, de ações humanizadoras;
privada do pensamento crítico reflexivo... Repleta de frivolidades. Mas, por que o
vazio? Quem esvaziou a “lata”? Como? Por que e para quê?
Com consciência ou não, ouvidos são “tapados” com fones multiformes e
multicores. E não faltam indivíduos ostentando parafernálias de última geração!
Indaga-se: essa “moda” é para fugir da bulha que impregna todos os espaços ou
é uma estratégia para selecionar o zumbido que impregnará os ouvidos?
Em decorrência do exposto acima, identifica-se uma reduzida capacidade
para escutar. Sim, para escutar, não para ouvir. Qual a diferença entre ambos?
Com o intuito de diferenciar conceitualmente os referidos verbos, transcrevo ipsis
litteris, de Rufatto (2006, p. 37), em “O grupo como lugar da aprendizagem”,
publicado na revista Vínculo (SP) a seguinte aclaração: “Ouvir é uma função
fisiológica do corpo. Vibrações são captadas pelo tímpano e conduzidas até um
determinado local do cérebro onde são codificadas. [...] Porém, se o estímulo
sonoro não sofrer algum tipo de processamento teremos um receptor passivo.
Quando o estímulo é codificado, abre-se a possibilidade deste sofrer uma
transformação e adquirir um sentido. Desta maneira, podemos diferenciar o ouvir
do escutar. Escutar pressupõe uma codificação, decodificação e elaboração do
que está sendo ouvido. Passamos, assim, de um ato fisiológico para um processo
elaborativo e subjetivo [...]”.
Frequentemente são ofertados cursos de oratória. Aliás, é de suma
importância falar e falar bem. É imprescindível desenvolver e aprimorar aptidões
para a comunicação. O discurso estruturado e com sólida argumentação, impõe-
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se sem lançar mão de artifícios sofisticados (entenda-se: dos sofistas). No


entanto, onde estão os cursos de escutatória? Quais são as habilidades e
competências necessárias para escutar?
A ausência do ruído é a contraface do barulho. Aprendemos desde a tenra
idade que “O silêncio vale mais que mil palavras”. Que silêncio é esse que,
calculado seu valor, soma cifras elevadas? Obviamente, não é o silêncio da
submissão, nem o silêncio do “cala-te boca” e tão pouco o silêncio silenciado.
Silenciar não apenas rima com escutar. Aliás, escutar o silêncio é uma
experiência fabulosa, indescritível! Sem sombra de dúvidas, é no silêncio que
“brotam” ideias fascinantes e que são gestadas extraordinárias iniciativas. Parar
para pensar é, verdadeiramente, a senha para liberar o acesso à criatividade, à
ousadia, à capacidade de projetar e de construir estratégias de ação para dar
formas ao planejado. E para pensar, é preciso escutar. Para escutar, faz-se
necessário silenciar. Para silenciar, urge não barulhar.
O silêncio possibilita o encontro do ser humano para consigo mesmo. É a
condição para que, enquanto humanos, possamos nos manter pensantes,
críticos, prospectivos e escutadores.
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5 CELEBRAÇÃO DE NÚPCIAS: OU DO ATO DE ESCREVER

Há uma força motriz mais ponderosa que o


vapor, a eletricidade e a energia atômica: a
vontade.
(Albert Einstein)

Escrever, do latim scribere, representar por meio de caracteres, da escrita,


significa exprimir, por sinais gráficos, nada mais, nada menos, nossos
pensamentos. É possibilitar que a imaginação “alce voo”. No entanto, observa-se,
sem muito esforço, a imaginação com “asa quebrada”, haja vista, dificuldades
manifestas por número significativo de pessoas em expressar, graficamente, seus
pensamentos.
O que é necessário para iniciar-se no mundo da escrita? Escrever sobre o
quê? O que é preciso para que as palavras fluam? Existe fórmula, receita para
escrever bem? Por que escrever? Quando e para quê...? Estas são algumas das
indagações que frequentemente nos são dirigidas, em situações formais ou não,
em que se orienta/reflete-se sobre a imperiosa necessidade de desenvolver,
aprimorar e exercitar o ato de escrever, condição de “sobrevivência” em contextos
caracterizados pelo letramento.
A melhor estratégia para iniciar-se no mundo da escrita é registrar o que se
está pensando, tendo como referência um determinado tema. Noutros termos,
significa dizer que para escrever é preciso ter “um ponto de partida”, que desperte
interesse, que provoque o pensamento, bem como, que seja estabelecida uma
“relação amorosa” entre escritor e tema. A afetividade entre ambos possibilita
motivação, entusiasmo, predisposição para o desvelamento temático, para o
entendimento, para a expressão, configurando-se em uma espécie de estimulante
natural ou fonte energética sem contra indicação para o ofício em questão.
Identificado o tema e despertado os melhores sentimentos para com ele,
parte-se para a coleta de informações, mediante leituras relacionadas ao assunto,
dica infalível para que as palavras possam fluir, na redação textual. Para redigir,
faz-se necessário estar “abastecido” de informes, dados, noções...,
respectivamente, “ruminados”, isto é, refletidos. Aliás, comparativamente, nada
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se extrai de um recipiente vazio! Portanto, para se escrever sobre determinada


matéria, há que se ter conhecimento e, a partir disso, dar vida à escrita,
imprimindo um estilo próprio, sem desleixar dos cânones linguístico-literários da
língua culta. Todavia, em relação ao ato de escrever, o maior desafio consiste em
começá-lo.
Dicas para escrever, encontramo-las, com pouca fadiga, como por
exemplo, em revistas, sites e obras com essa especificidade em foco,
predominantemente, discorrendo sobre elementos indispensáveis para uma boa
escrita. Porém, inexistem fórmulas, receitas para escrever fluentemente. O que
existe é a convicção de que o ato de escrever é uma ação laboriosa e que
demanda disciplina, determinação, persistência, humildade, senso crítico: virtudes
necessárias, entre outras, a qualquer humano que se proponha a exercer o labor
de escritor.
Em momento algum é demasiado insistir sobre a necessidade premente
em registrar, manual ou virtualmente, nossos pensamentos, nossas leituras. Para
argumentar a esse respeito, apropriamo-nos de registros gráficos, do filósofo
alemão, Schopenhauer (1788-1860), que compõe uma de suas obras, A Arte de
Escrever (2009, p. 52), publicada pela L&PM: “A presença de um pensamento é
como a presença de quem se ama. Achamos que nunca esqueceremos esse
pensamento e que nunca seremos indiferentes à nossa amada. Só que longe dos
olhos, longe do coração! O mais belo pensamento corre o perigo de ser
irremediavelmente esquecido quando não é escrito, assim como a amada, pode
nos abandonar se não nos casarmos com ela”. Escrever é uma celebração de
núpcias, um enlace que fazemos com o pensamento(s).
Com o intuito de arrematar essa reflexão, parafraseamos a afirmação de
Einstein, epígrafe deste texto: a vontade é a força motriz mais poderosa que
existe para dinamizar o ato de escrever.
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6 COM FREIRE OU CONTRA FREIRE: JAMAIS SEM FREIRE

A única maneira que alguém tem de aplicar,


no seu contexto, alguma das proposições
que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer,
não me seguir. Para seguir-me, o
fundamental é não me seguir.
(Paulo Freire)

O dia 02 de maio de 1997 registrou a morte do educador Paulo Freire


(1921-1997), em decorrência de um enfarte agudo do miocárdio. Óbito lamentado
além-mar, em todos os continentes. No entanto, seus ensinamentos, suas
concepções/proposições, enfim seu legado, mantem-se vivo, de modo especial
nas e pelas pessoas que dão continuidade à sua proposta educacional,
reinventando-o nos diferentes contextos de uma sociedade multifacetada.
Interessou-se pelos excluídos, os que não tinham oportunidade, não tinham
voz, porque silenciados, e foi ao seu encontro. Acima de tudo foi um educador.
Faleceu com 75 anos, no dia 02 de maio de 1997, às 6h53min, no Hospital Albert
Einstein, em São Paulo.
Os registros biobibliográficos demonstram que Freire sempre foi muito
dedicado, disciplinado, coerente e envolvido com o ato de estudar e com sua
prática educativa/formativa/conscientizadora. A rigorosidade, a disciplina
intelectual, a seriedade com suas sistematizações, elaborações, bem como para
com seu trabalho, está comprovado pelas e nas suas obras. A amorosidade para
com os livros, o que em síntese significou o cuidado para com sua formação
permanente é mais que uma de suas “marcas”, pois se constituiu num modo de
ser, de viver.
Paulo Freire firmou-se como educador progressista empenhando-se,
sobremaneira, na alfabetização de adultos. Ao propor a Educação de Adultos, foi
à raiz de um dos problemas sociais, da sua época, marcante e evidente,
denominado de analfabetismo, oriundo de uma situação histórica de exploração e
de marginalização. Optou pelos excluídos, pelos marginalizados.
Sua proposição, bem como seu trabalho de alfabetização, revelou-se e se
concretizou como um processo de conscientização: da consciência dominada,
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oprimida para uma consciência crítica. Em vista disso, no ano de 1964, com o
Golpe Militar, Paulo Freire foi destituído de suas funções, ficando preso durante
70 dias, tendo que responder a inquérito policial.
Insistentemente perseguido por diferentes autoridades, sentiu-se
ameaçado, “optando” pelo exílio, inicialmente na Bolívia e posteriormente em
outros países, como por exemplo, no Chile, Estados Unidos, Suíça, Guiné-Bissau,
São Tomé e Príncipe, Austrália. Ficou exilado durante 15 anos. Somente em
1979, ganha seu primeiro passaporte brasileiro de retorno a seu país.
O trabalho de Paulo Freire foi marcado pela incessante busca do diálogo
em sua práxis educacional para e na construção de um ser humano novo, bem
como, de uma sociedade que não o limite, que não lhe subtraia as possibilidades
e que não subestime seu poder de inovar, de recriar a si próprio e os seus
contextos.
Estamos convictos que, na atualidade, há razões pelas quais, pode-se ficar
com Freire ou contra Freire, mas jamais sem Freire. É importante destacar que,
numa sociedade de diferenças e de injustiças, Paulo Freire nunca será
unanimidade, pois seu trabalho está compromissado com as vítimas.
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7 DIA DO PROFESSOR: O QUE TEMOS PARA COMEMORAR?

Um mero professor apenas aponta o


caminho das estrelas; um professor de
verdade ajuda a alcançá-las.
(Lídia Vasconcellos)

Comemorar significa festejar um acontecimento, celebrá-lo, louvá-lo.


Inúmeros são os eventos, as datas, os acontecimentos e/ou os feitos históricos
em que, ordinária e culturalmente, pessoas unem-se para trazê-los à memória e
lhes render homenagens. Neste particular, convocamo-nos a distinguir, a brindar
o ratificado Dia do Professor.
Os calendários escolares dignamente exibem com evidência a referida data
comemorativa, anunciando que os fazeres rotineiros do cotidiano das escolas
serão alterados: feriado, homenagens, mensagens, afagos, presentes...
descanso(?)!
Enquanto professores o que temos a festejar? Enquanto profissionais da
educação, quais os elementos que podemos “colocar à mesa” para o ato de
celebração? Na condição ontológica de seres humanos que, em tese, cuidamos
da aprendizagem, da formação e do aperfeiçoamento de outros humanos, qual a
melodia para entoarmos nossos cânticos de louvor? E considerando a dimensão
social/política, isto é, pertencentes à sociedade, a mesma que ora afirma ser o
professor imprescindível e ora o desconsidera como referência para definição de
prioridades, que eventos são apropriados para serem rememorados?
Indubitavelmente, enquanto professores, apesar dos “pesares”, temos
muito a festejar. São, também, infindáveis os elementos celebrativos para essa
data, assim como, as melodias para entoar louvores e os eventos rememoráveis,
relacionados a essa profissão, são expressivos, significativos, porque históricos,
porque os “resultados” do trabalho docente contribuíram e contribuem para e na
construção da sociedade como um todo.
Lucidamente (?) ninguém nega a importância, o valor, a necessidade do
professor, haja vista ser da incumbência docente, além de cuidar para que o
aluno aprenda, o cuidado antropológico, para que o humano, no homem e na
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mulher, possa manifestar-se. No entanto, o reconhecimento social (material e


imaterial) do seu trabalho está aquém do teor remissivo contido nas homenagens,
nas mensagens... comumente efetivadas, ofertadas na data que lhe faz
referência.
Mais que render homenagens, há que se reconhecer no professor um
construtor de humanidades, com a real possibilidade de despertar a sabedoria a
partir do conhecimento; de encaminhar seus pupilos para a aventura da vida; de
ensinar a pensar e despertar para a realidade; de recuperar a autoestima,
principalmente naqueles em que a humanidade fora-lhes roubada desde
pequeninos; de apontar caminhos e construir itinerários da esperança...
Verdadeiramente, o professor jamais extinguir-se-á, pois “Ensinar é um
exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos
olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor,
assim, não morre jamais”, como grafou Rubem Alves (1994, p. 01) na obra A
Alegria de Ensinar.
Parabéns por ser professor(a) e que a ousadia esteja sempre em sua
companhia!
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8 DIFICULDADES: LIMITAÇÕES OU ESTÍMULOS PARA A AÇÃO

Um pessimista vê uma dificuldade em cada


oportunidade; um otimista vê uma
oportunidade em cada dificuldade.
(Winston Churchill)

Características marcantes da atualidade, como por exemplo, novos


padrões de complexidade e de competitividade (que remetem à compreensão
referente às habilidades e às competências de servidores) e a predominância da
informação e do conhecimento em rede (novos espaços do conhecimento e
múltiplas oportunidades de aprendizagem), induzem, num primeiro momento,
associar, tais peculiaridades, a um período de crise. A manifestação de diferentes
oscilações, tanto na esfera pública, quanto na privada, tanto no pensar (teorias),
quanto no agir (prática) reforça a crença nessa percepção primária.
Para além do senso comum, no entanto, defrontamo-nos com mudanças
paradigmáticas que apontam para a redefinição de concepções, identidades e
ações; mudanças estas, não poucas vezes assumidas como dificuldades nos
diferentes âmbitos profissionais.
Em revista a dicionários, encontramos o termo dificuldade, associado
àquilo que é difícil ou que torna uma coisa difícil, custosa, penosa, árdua. E no
cotidiano, as dificuldades, ou constituem-se em tribulações, adversidades que
obstam, embaraçam, inibem, tolhem iniciativas ou tornam-se essenciais para a
criação, proposição e efetivação de alternativas viabilizadoras, a partir das
limitações constatadas.
As dificuldades, como mola propulsora para ação, estão muito bem
descritas numa lenda chinesa, de autoria desconhecida, que assumimos a
liberdade em transcrevê-la a seguir, a título de exemplificação.
Conta-se que duas crianças estavam patinando em cima de um lago
congelado. Era uma tarde nublada, fria e as crianças brincavam sem
preocupação.
23

De repente, o gelo se quebrou e uma das crianças caiu na água. A outra


criança, vendo que seu amiguinho se afogava debaixo do gelo, pegou uma pedra
e começou a golpear o gelo.
Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido,
perguntaram ao menino:
- Como você fez isso? É impossível que você tenha quebrado o gelo com
essa pedra em suas mãos tão pequenas!
Nesse instante, apareceu um ancião e disse:
- Eu sei como ele conseguiu.
Todos perguntaram:
- Como?!
O ancião respondeu:
- Não havia ninguém ao seu redor para lhe dizer que não poderia fazer!
A situação narrada na fábula oriental acima pode ocorrer em diferentes
espaços de atuação profissional, bem como, no interior de instituições ou fora
delas. Sem muito esforço, encontramos pessoas que frequentemente afirmam
que isto ou aquilo não é possível! Verdadeiros pesos dormentes para os que
vislumbram possibilidades.
Ousadia, iniciativa, criatividade, persistência são, dentre outras, atitudes
fundamentais, para superar limites, para não sucumbir às contrariedades, na
maioria das vezes, imprevisíveis.
Contrariedades, adversidades e/ou atribulações são perceptíveis em
diferentes cotidianos. Urge labutar para superá-las, acreditando em nossas
capacidades, individuais ou coletivas, bem como, na convicção de que algo novo
sempre é possível, independente de ocasiões e/ou situações.
24

9 DOS LOBOS INTERNOS

O homem é a única criatura que precisa


ser educada.
(Immanuel Kant)

Raiva. Intolerância. Sectarismo. Fundamentalismo. Falso moralismo... e


muitos outros “ismos” são passíveis de identificação em contextos próximos e/ou
distantes de nossa vivência social. Sociedade raivosa! Uma das denominações
que, sem constrangimento, podemos afirmar como um dos elementos
identificadores dos tempos atuais.
Pessoas coléricas, intransigentes... sugestionam negativamente os
ambientes que ocupam, mesmo que apressadamente. Em consequência disso,
prosperam animosidades, antipatias, ressentimentos, aversões, indiferenças... de
qualquer natureza.
Em contrapartida, preocupações e iniciativas com objetivo de superar
práticas e indícios de malquerença estão e sempre estiveram em curso. Apelos à
harmonia, à paz ressoam em livros, revistas, cartazes, filmes, jornais, púlpitos,
teatros, ruas, praças... No entanto, constata-se, mesmo num simples noticiário
televisivo ou radiofônico, por exemplo, que a repercussão não é proporcional ao
clamoroso chamamento.
Sabedores somos que se há indicativos de uma sociedade raivosa é
porque indivíduos que a compõe assim o são. Logo, a mudança na sociedade
passa pela mudança em seus atores. Precisamos ser a mudança que ansiamos
em nossos contextos! Todavia, indaga-se: qual estratégia será necessário
implementar para atingir esse objetivo?
Aprendemos com o filósofo, educador Paulo Freire, Patrono da Educação
Brasileira, que a educação transforma pessoas. E estas, sim, transformarão a
sociedade. Mas, qual educação?
Encontro na sabedoria popular um lenitivo para a angústia perturbadora
pontuada acima. Reescrevo, a meu modo, uma lenda, de autoria não declarada,
que expõe uma das possíveis alternativas. Perspectiva individualista? Talvez!
Porém, vale a pena refletir.
25

Conta-se que certo dia um avô, já idoso, foi procurado por seu neto, que
estava com raiva de um amigo que o havia ofendido. E após ouvir atentamente a
explanação rancorosa de seu neto, o sábio velhinho acalmou-o e afetuosamente
prosseguiu dizendo:
- Deixe-me contar-lhe uma história!
Transparecendo um alto grau de introspecção e com voz aveludada, num
tom mais grave, continuou:
- Eu mesmo, algumas vezes, senti muito ódio daqueles que me ofenderam
tanto, sem arrependimento. Todavia, o ódio corrói a nossa intimidade, mas não
fere nosso inimigo...
Fez uma pausa e exclamou:
- É o mesmo que tomar veneno desejando que o inimigo morra!!!
E resoluto confessou:
- Lutei muitas vezes contra esses sentimentos.
O neto atenciosamente ouvia as prudentes considerações de seu avô que
com uma convicção contagiante afirmou:
- É como se existissem dois lobos dentro de mim. Um deles é bom. Não
magoa ninguém. Vive em harmonia com todos e não se ofende. Ele só lutará
quando for certo fazer isto e da maneira correta. Mas, o outro lobo, ah!, esse é
cheio de raiva. Mesmo as pequenas coisas desagradáveis o levam facilmente a
um ataque de ira! Ele briga com todos, o tempo todo, sem qualquer motivo. É tão
irracional que nunca consegue mudar coisa alguma!
E com sua voz embargada de emoção concluiu:
- Algumas vezes é difícil de conviver com estes dois lobos dentro de mim,
pois ambos tentam dominar meu Espírito.
Os dois, em silêncio, contemplaram-se reciprocamente. E neste ínterim o
garoto olhou intensamente nos olhos marejados de seu avô e perguntou:
- E qual deles vence, vovô?
O avô esboçou um sorriso e respondeu paulatinamente:
- Aquele que, frequentemente, eu alimento mais.
Existe uma linha muito tênue que separa, no ser humano, seus elementos
antagônicos, paradoxais, como por exemplo: a humanidade da animalidade. Por
26

isso a figura do lobo é significativa, pois representa o grau de animalidade que


pode capitanear nossas ações.
Todos somos convocados a promover o que existe de mais belo, bom e
justo no homem e na mulher. Eis o dantesco desafio: reeducar o ser humano afim
de que possa ressignificar suas ações numa perspectiva humanizadora e que
contribua para desconstruir a sociedade raivosa que embrutece a todos.
27

10 EDUCAÇÃO E CONTRADIÇÃO

A contradição é destruidora, mas também


criadora, já que se obriga à superação,
pois a contradição é intolerável.
(Carlos R. Jamil Cury)

A educação institucionalizada, reconhecida como um direito humano,


clamorosamente, é chamada a responder desafios relevantes nos dias atuais,
desde a superação do analfabetismo, letrado e funcional, ao desenvolvimento ou
progresso da nação.
A convocação, referida acima, é possível de ser identificada, em
afirmações, frases e/ou exclamações bradadas em diferentes contextos e
espaços, constituindo-se em apelos clamando soluções, aos quais assistimos ou
ouvimos na companhia de pontos de interrogações: “A educação é a base do
desenvolvimento”; “A violência é fruto da falta de educação”; “Para ser grande o
Brasil precisa investir forte em educação”; “Não se faz um país sem educação”; “A
educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”; “A educação é a base
para a justiça social”; “Educar é tudo. Tudo para melhorar o mundo que a gente
tem”...
Se a educação é a base do desenvolvimento, se a educação resolve o
problema da violência, se a educação possibilita um país grande e forte, se a
educação tem o poder de mudar o mundo, se a justiça social fundamenta-se na
educação, se o ato de educar melhora o mundo que a gente tem... então,
perplexamente, perguntamo-nos: por que o discurso da falta de educação não é
superado? E por que, apesar dos herculanos esforços (?) os problemas
relacionados à educação arrastam-se de geração em geração? Por quê? Por
quê?... Por que não se discutem as razões da falta de educação, em todos os
espaços e tempos da sociedade, sejam eles públicos ou privados, sagrados ou
profanos?
O poder fenomenal da educação está provado, haja vista a convicção das
afirmações coletadas e registradas anteriormente. No entanto, essa mesma
retórica denuncia seu descaso. É difícil de entender, uma vez que, em nossas
28

situações corriqueiras, assim que identificamos a falta de algo, redobramos os


esforços para suprir a carência apontada.
Imaginemos uma situação modesta passível de ser reconhecida em nosso
cotidiano: no ato da higienização bucal, constata-se a falta da escova dental. É
algo muito simples, insignificante se comparado com a falta de educação. Aliás,
comparação meramente explanativa. Quiçá, abusiva. Guardadas as devidas
proporções, pressinta: que sensação desagradável, que sentimento de
negatividade ante a restrição da escovação! Que atitude tomar diante disso?
Obviamente, sem pestanejar, adquire-se a escova! ATENÇÃO: mediante a
necessidade constatada e reclamada, providenciou-se a solução sem precisar de
assembleias familiares, nem mesmo de elucubrações e argumentações para tal.
Bastou apenas identificar a necessidade!
Partindo da exemplificação acima, forçamos uma comparação com a falta
de salário digno aos profissionais da educação, com os espaços físicos carentes
dos educandários (escolas), com o desencanto de educadores (falta de
motivação) em relação ao exercício da profissão... E nestas situações e em
muitas outras da natureza educacional, qual é a sensação, qual é o sentimento
dos sujeitos envolvidos ou afetados? Todavia, a(s) necessidade(s), nos referidos
contextos, também, está evidente, da mesma forma que a necessidade da escova
de dente anterior!... E os por quês, novamente são trazidos à baila.
Contradição! Incompatibilidade entre afirmações e ações. Falta de lógica e
incoerência, uma das faces veladas da educação.
29

11 EDUCAÇÃO: O QUE É ISSO?

A Educação qualquer que seja ela, é sempre


uma teoria do conhecimento posta em
prática.
(Paulo Freire)

Educação é um vocábulo complexo, que induz a múltiplos conceitos,


significados e sentidos. Para muitos, por exemplo, refere-se ao trabalho
desenvolvido no âmbito institucional, mais precisamente em escolas, faculdades,
universidades e instituições similares, reduzindo o conceito ao processo ensino-
aprendizagem. Para outros, educação relaciona-se ao nível de civilidade, cortesia,
urbanidade, bem como à capacidade de socialização manifesta por determinado
indivíduo. Nessa perspectiva, o significado do termo em foco, restringe-se aos
elementos da subjetividade individual.
A multiplicidade conceitual da palavra educação revela, também, sua
ambiguidade, verificada na sua origem etimológica, pois tanto pode ter derivado
do verbo latino “educare”, assim como de outro verbo, do mesmo idioma,
“educere”, ambos com significados distintos.
“Educare”, considerando o sentido original da palavra, significa criar, nutrir,
orientar, ensinar, treinar, conduzir o indivíduo de um ponto onde ele se encontra
para outro que se deseja alcançar. Refere-se à ação do docente sobre o discente,
cujo objetivo centra-se no desenvolvimento mental e moral do educando,
preparando-o, mediante instrução sistemática, para inserir-se na sociedade.
Observa-se que, nesse particular, a iniciativa educacional, cabe ao educador que
fornece os elementos necessários para o educando, afim de que possa
desenvolver-se, caracterizando um processo de conotação exógena, isto é, de
fora para dentro. E o educando assemelha-se a um receptáculo de informações,
orientações... fornecidas pelo educador. Deste modo, a relação pedagógica
centra-se no ensinar.
“Educere”, por sua vez, etimologicamente, significa extrair, fazer nascer,
tirar de, provocar a atualização de algo latente, promover o surgimento, de dentro
para fora, das potencialidades que o indivíduo possui. E considerando essa
30

derivação, o verbo educar contém uma forte conotação puericêntrica. Tendo em


vista o processo educacional, a iniciativa, nessa situação, cabe mais ao educando
do que ao educador, uma vez que nesse vocábulo, predomina o “auto”, o “endo”,
o interno. Assim, a centralidade da relação pedagógica consolida-se e se
configura no aprender (e não no ensinar), a partir de metodologias ativas, pois o
educando é concebido como um ser de potencialidades.
Modificar-se é uma necessidade da natureza dos seres humanos, na busca
de complementarem-se como pessoas, concretizando sua vocação de Ser-Mais,
numa espécie de atualização constante. No entanto, esta condição humana não
exclui outra possibilidade, mesmo que paradoxal possa parecer ser, que consiste
em Ser-Menos. Devido a essa contingência, o fazer educativo pode constituir-se
num fazer incoerente.
Não existe, portanto, apenas uma educação, mas educações. E referente à
educação formal, identifica-se, de maneira geral, conforme atestara o Patrono da
Educação Brasileira (Paulo Freire), a “Educação Bancária” e a “Educação
Libertadora” como as duas grandes formas educacionais predominantes: a
primeira, no exercício de educar, oprime, aliena, desumaniza os seres humanos
participantes do processo educacional marcado e guiado por esse tipo de
educação; a segunda forma, prima pela conscientização, pela autonomia, pela
humanização dos educandos, constituindo-se mediante processos interativos,
porque relacionais, dialógicos. O conceito de “Educação Bancária” alinha-se ao
vocábulo “educare” e o da “Educação Libertadora”, ao termo “educere”.
31

12 EDUCAR PARA O AGIR DEMOCRÁTICO: SIM, MAS COMO?

[...] é preciso saber que o amanhã só se


faz na transformação do hoje. É mudando
o hoje que vou criando o amanhã. E
ninguém chega ao amanhã, senão
refazendo o hoje.
(Paulo Freire)

Criar o amanhã a partir do hoje! Em outros termos, significa afirmar que as


iniciativas e as escolhas que fizermos no presente serão decisivas para o futuro.
O ato de educar pressupõe objetivos, finalidades (conscientes ou não).
Considerando que o intuito maior consista formar para ações democráticas, urge
indagar: que educação formará humanos para agir democraticamente no contexto
em que estão inseridos?
Existem diferentes concepções de educação e que orientam o processo
educacional com propósitos que lhes são congruentes. Se presentemente
optarmos pela educação neoliberal, por exemplo, formaremos indivíduos
defensores de princípios mercadológicos, promotores do individualismo, do
consumismo, defensores da competitividade e adeptos à meritocracia, esta,
concebida como medida justa em diferentes situações de promoções ou de
recompensas.
Ao examinar o tema em foco, constata-se que a proposição de educar para
a ação democrática está presente na legislação educacional atual, bem como no
discurso pedagógico. Identifica-se, também, no Projeto Político-Pedagógico das
instituições educacionais, que o objetivo maior dos educandários consiste em
formar uma pessoa autônoma, participativa, um sujeito crítico, um cidadão. No
entanto, sem muito esforço, encontramos jovens e adultos niilistas, sem
iniciativas, desafeitos à participação e ao comprometimento social, com
dificuldades de integração e cooperação e de assumir posturas autônomas. E
entre esses jovens e adultos, quiçá, estão os que redigiram os referidos projetos!
Como entender esse paradoxo?
Os fundamentos educacionais, teóricos e práticos, bem como, a escola
como um todo que herdamos do século passado, predominantemente, é
32

antidemocrática. A “educação tradicional”, com seus princípios e práticas


conservadoras, seletivas e excludentes, ainda está presente na escola, traduzidas
nas metodologias didático-pedagógicas, nas posturas docentes, no exercício do
poder. Perguntemo-nos, novamente: quais as possibilidades de educar para o
agir democrático vivenciando concepções e ações educacionais não
democráticas?
Estamos convictos que educar para a ação democrática exige-se pensar
em uma educação para além da instrução escolar, isto é, enquanto processo de
formação humana, bem como, construir estratégias em que a comunidade escolar
tenha acesso a vivências democráticas, mobilizando emoções, conhecimentos e
ações.
A educação na perspectiva de uma ação democrática só é possível se os
educadores, não apenas a tenham por objetivo, mas se eles próprios a
vivenciarem na organização teórica e prática da sua concepção pedagógica e do
seu trabalho. Logo, para formar educandos democráticos, há que existir
condições/situações favoráveis para tal, mediante a adoção de uma epistemologia
crítica e uma pedagogia problematizadora, relacional.
33

13 ESCREVER É PRECISO, VIVER NÃO

A leitura traz ao homem plenitude.


O discurso, segurança e a escrita, precisão.
(Francis Bacon)

O mote que serviu de inspiração para o tema desta elaboração é a frase


"Navegar é preciso; viver não é preciso", do chefe militar e ambicioso político
romano Pompeu (106-48 a. C.), eternizada pelo poeta e escritor português
Fernando Pessoa (1888-1935). Considerando o significado da afirmação romana
e afora a confusão semântica entre necessidade e precisão, assumimos o verbo
precisar, não na acepção de necessitar, mas no sentido de exatidão, de
rigorosidade, de seriedade.
A princípio parece um disparate a afirmação de que “viver não é preciso”.
Mas considerando o significado do termo em questão, que assumimos para este
texto, é possível sim deixar a vida à própria sorte, conforme exprime a
composição de Zeca Pagodinho, que, o mesmo, entusiasticamente canta: “Se a
coisa não sai do jeito que eu quero/ Também não me desespero/ O negócio é
deixar rolar/ E aos trancos e barrancos, lá vou eu!/ [...] Deixa a vida me levar (vida
leva eu!).” Ou, no extremo, optar por viver sem retidão, lisura, seriedade,
franqueza, precisão, rigorosidade, honestidade, transparência, justeza, correção,
sinceridade... Em ambas, exemplos são possíveis de serem listados.
Ao contrário do viver, a arte da navegação e da escrita exige precisão. A
primeira por ser uma ciência exata e a segunda por consistir em registros.
A mesma excelência absoluta requerida outrora para navegar em alto mar,
salvo as devidas proporções, exige-se hoje na investigação, na produção do
conhecimento, mais precisamente na atividade de escrever, isto é, registrar e
sistematizar a análise e interpretação de dados coletados.
Assim como foi/é impensável navegar (inclusive na web) de forma
espontaneísta, a representação com sinais gráficos (escrita) exige planejamento,
rigorosidade... precisão. Portanto, antes de se iniciar a redação, propriamente
dita, há que se esboçar um plano, estabelecer metas e definir procedimentos, a
partir do tema escolhido. E a “feitura” do texto deve dar provas de uma linguagem
34

correta, clara objetiva, evitando superficialidades e redundâncias, bem como estar


de acordo às normas que orientam em relação à sua estrutura e apresentação
gráfica.
Escrever com precisão não significa elaborar um escrito de difícil
entendimento. Muito pelo contrário: a correção e a exatidão textual tem que
cativar e despertar o interesse do leitor, justamente, por assim, ser comunicativo,
coerente, “gostoso”, conforme salientou Freire (2003, p. 92), em Cartas à Cristina:
“[...] não pode haver antagonismo entre ‘escrever certo’ e escrever gostoso; que
escrever gostoso é que é, em última análise, escrever certo.”
Enquanto a arte de escrever certo exige rigorosidade, a magia de viver com
autenticidade requer a construção de sentidos cotidianamente, desde os atos
mais simples. Difícil? Talvez, mas, perfeitamente, possível.
35

14 EXTRA, EXTRA! PROFESSORES ADOECEM NO TRABALHO

Quando a saúde do professor está


ameaçada é a educação que adoece.
(Afonso Celso Teixeira)

O ser professor, enquanto profissional da educação, é um dos temas que


ocupa destaque significativo entre os elementos que demandam atenção, estudo,
preocupação no contexto educacional formal, escolar. Mesmo que possa ser
identificado um expressivo número de publicações, de reflexões considerando
essa temática, as indagações não cessam, pois muitos são os pontos de vista
que podem ser abordados, indagados como, por exemplo, em relação às
condições reais do trabalho docente.
É de praxe, ao homenagear professores, ofertar mensagens que denotam
um sentimento de gratidão, reconhecimento e de esperança considerando a
importância significativa dos esforços laborais docentes. Por vezes, a impressão
que fica é a de que, com o recurso de belas e aprazíveis palavras, tenta-se
encobrir ou desviar o foco de uma realidade repulsiva, desagradável e tenebrosa
que ronda sorrateiramente o ofício docente, ofuscando o brilho no olho de parte
significativa de educadores, traduzindo-se numa síndrome denominada de
burnout, registrada na literatura, também, como sofrimento psíquico dos
trabalhadores.
Observa-se que o termo burnout é composto por duas palavras inglesas, a
saber: Burn que significa “queimar” e Out quer dizer “fora”, “exterior”. Então,
traduzindo literalmente, significa “queimar para fora” ou “consumir-se de dentro
para fora”. Compreendido como “combustão completa”, que tem início com os
aspectos psicológicos e culmina em problemas físicos comprometendo todo o
desempenho da pessoa, atinge profissionais que lidam com dificuldades e
problemas alheios, isto é, os que trabalham mais diretamente com pessoas. E o
professor pertence ao grupo de profissionais denominado de “alto contato” e,
deverasmente, atua num ambiente potencialmente gerador de conflitos.
Sem avultados esforços, é possível identificar uma significativa literatura,
produzida a partir de pesquisas científicas, na qual está demonstrado que o ato
36

de ensinar por ser em geral, um fazer estressante, apresenta repercussões na


saúde física, na saúde mental e no desempenho de professores, manifestando-se
como mal-estar docente, com sintomatologia diversa.
Em relação aos sintomas da síndrome de burnout, a título de informação, o
psicanalista e psicopedagogo Chafic Jbeili, no texto “Bournout em professores”,
disponível na Web, classifica-os em três grupos: Sintomas somáticos/físicos
(exaustão - esgotamento físico temporário; fadiga - capacidade física ou mental
decrescente; dores de cabeça; dores generalizadas; transtornos no aparelho
digestório; alteração do sono; disfunções sexuais); Sintomas psicológicos (quadro
depressivo; irritabilidade; ansiedade; inflexibilidade; perda de interesse; descrédito
- sistema e pessoas) e Sintomas comportamentais (evita os alunos; evita fazer
contato visual; faz uso de adjetivos depreciativos; dá explicações breves e
superficiais aos alunos; transfere responsabilidades; faz contratransferência, ou
seja, reage às provocações em papéis distintos do papel de educador; resiste às
mudanças).
Convém destacar que, os estudiosos da problemática em questão, são
unânimes ao afirmar que os sintomas supracitados não aparecem de forma
repentina. Logo, esse padecimento docente é um processo gradativo e evolutivo,
com consequências muito variadas, repercutindo na vida profissional e particular,
na organização escolar e na relação para com os educandos.
O estudo, o debate acerca do mal-estar docente deve ser ampliado e
assumido pragmaticamente. Urge, portanto, que se viabilizem estratégias,
iniciativas para, mais que atenuar, subtrair os elementos desencadeadores dessa
doença ocupacional que interfere negativamente no trabalho docente.
Há que se proclamar, dar a conhecer a todos que existe uma doença
silenciosa espalhando-se ardilosamente entre os que têm a incumbência de
educar e formar seres humanos. Faz-se necessário, também, investigar por que o
encantamento docente, para muitos, já não é tão expressivo quanto de outrora.
Silenciar sobre esta realidade contribui para o agravamento e para o não
desvelamento da moléstia profissional e de seus agentes fomentadores que
incapacita excelentes profissionais. Por que não se fala aberta e francamente
sobre isso?
37

15 FAMÍLIA E ESCOLA: UMA INTERAÇÃO NECESSÁRIA

Os filhos tornam-se para os pais, segundo


a educação que recebem, uma
recompensa ou um castigo.
(J. Petit Senn)

Família e Escola. Duas instituições sociais que, pela sua função de educar,
marcam a vida dos indivíduos. Sim, quem educa deixa “marcas” no outro! Dito
doutra forma: a educação que vivenciamos nos influencia por toda a vida.
Os estudantes que, na escola, são acompanhados/orientados por seus
pais ou responsáveis revelam melhores resultados quanto ao processo de ensino-
aprendizagem. Esse registro, passível de observação, permite-nos concluir,
assertivamente, que é praticamente impossível a escola educar seus pupilos,
sozinha; de modo que a responsabilidade educacional familiar é única, sem
substituição.
Perguntemo-nos: o que todos ansiamos, desejamos acima de tudo? Na
condição de pais, o que mais queremos, desejamos para nossos filhos(as)? A
resposta óbvia é: a felicidade, isto é, que sejam afortunados, humanos
autenticamente realizados.
A provocação acima encaminha para outra indagação: o que é essencial
para existirmos jubilosamente, para vivermos bem e felizes? É plausível apontar
que o essencial esteja no respeito, na união fraterna, na paz, no trabalho, na
religiosidade, na liberdade, em ter saúde, dinheiro... No entanto, conforme
atestara o filósofo alemão Martin Heidegger (um dos pensadores fundamentais do
século XX), em Ser e Tempo (1927) e reiterado pelo teólogo brasileiro, escritor e
professor universitário, Leonardo Boff (expoente da Teologia da Libertação no
Brasil), na obra Saber Cuidar (2004), a essência da vida humana encontra-se
basicamente no cuidado. O cuidado é o suporte para a saúde, a paz, a liberdade,
o respeito... pois denota responsabilização, preocupação, zelo, envolvimento.
Possivelmente, esteja você se perguntando: mas qual a relação do cuidado
com o tema proposto nesta reflexão? Para responder a essa interpelação basta
compreender que o ato de educar é um ato de cuidado. A ação educativa, em
38

síntese, é um processo de inserção, de preparação dos indivíduos afim de que


possam viver bem em sociedade. E a referida socialização efetiva-se a partir de
duas etapas denominadas de: Socialização Primária, responsabilidade da família
e Socialização Secundária, compromisso das demais instituições sociais (Escola,
Igreja...).
A família é a base principal para a formação e o desenvolvimento da
criança e do adolescente, pois é espaço institucional para a vivência de valores,
de orientações para um bem viver em sociedade e exercer a cidadania mediante
a assimilação de normas de conduta. Nesse sentido, o escritor espanhol e
professor de filosofia Fernando Savater, na obra O Valor de Educar (2005, p. 58)
afirma: “Se a socialização primária tiver se realizado de modo satisfatório, a
socialização secundária será muito mais frutífera, pois terá uma base sólida sobre
a qual assentar seus ensinamentos; caso contrário os professores ou
companheiros deverão perder muito tempo polindo e civilizando [...] quem deveria
estar pronto para aprendizados menos elementares”.
O fortalecimento da interação colaborativa entre as instituições família e
escola é a alternativa viável para que ambas consigam superar limites e
dificuldades no processo educacional de filhos e alunos, em benefício social e
escolar das crianças, adolescentes e jovens. Enfim, para que a escola possa
exitosamente cumprir com suas responsabilidades, torna-se decisivo o apoio e a
presença participativa da família ou dos responsáveis pelos educandos.
39

16 FORMA[R]ÇÃO X TREINA[R]MENTO

Formar é muito mais do que puramente


treinar o educando no desempenho de
destrezas.
(Paulo Freire)

Pensamos com palavras. Por meio delas expressamos nosso pensamento,


bem como nomeamos nossas ações. Elas são essenciais para o ser humano, ao
ponto do filósofo, crítico francês e representante do existencialismo, Jean-Paul
Sartre (1905-1980) ter redigido, em 1964, uma obra (Les mots) exclusivamente
sobre palavras, explicando como as mesmas entraram em sua vida.
Toda a palavra carrega consigo significados que uma vez empregada,
identifica ações, caracteriza relações, explicita intenções. As palavras dão
existência às coisas e essas subsistem por terem nomes. E não poderia ser
diferente com os termos formar e treinar.
É conveniente informar que não é objetivo deste subsídio apresentar uma
análise exaustiva e sistemática considerando a temática anunciada. O propósito
desta breve redação consiste em contribuir para depurar conceitos, isto é, limpar,
purgar, purificar. Particularmente, este vocábulo - depurar - sempre nos
“persegue” pelo fascínio que proporciona. Portanto, o que significa formar? Qual o
entendimento de treinamento? Qual a abrangência de ambos?
Para responder aos questionamentos acima foram, inicialmente,
consultados dicionários, etimológico e da língua portuguesa. Portanto, formar, do
latim formare, significa dar forma, desenvolver paulatinamente, elaborar, instruir,
aperfeiçoar, educar. Por sua vez, treinar, do francês, trainer, quer dizer arrastar,
levar alguém à força, tornar apto, habilitar, adestrar.
Considerando o exposto no parágrafo acima, “saltam aos olhos” pelo
menos duas palavras-chave: educar e adestrar. Inequivocamente, infere-se que o
educar está para o ato de formar e o adestramento, para o treinamento.
A depuração dos vocábulos em questão encaminha para significados
distintos. Porém, constata-se, em diferentes contextos/meios da sociedade, não
apenas certa confusão na adoção dos referidos termos, mas a transmutação da
40

formação em treinamento, ofuscando a distinção entre ambos; situação esta


identificada e denunciada, no âmbito da educação escolar, por Paulo Freire numa
de suas entrevistas disponíveis na web, com o título “Paulo Freire e o diabólico
caráter do capitalismo selvagem”, em que afirma: “[...] há uma ideologia voando e
sobrevoando o mundo, num discurso pós-moderno que insiste em dizer [...] que a
tarefa do educador e da educadora hoje termina exatamente no treino. Veja bem:
no treino e não na formação.” Equívoco pouco questionado!
Convém destacar que as ações/etapas de um processo de formação são
conduzidas, sobremaneira, por educadores, enquanto que as fases de um
treinamento, predominantemente, são geridas por instrutores. Com segurança
podemos concluir que um profissional de notório saber poderá constituir-se num
treinador de indivíduos que revelarem menor capacitação.
O treinamento está para a reprodução e a formação, para a transformação.
Assim o docente é um intelectual que, pedagogicamente, pode atuar como
treinador, instrutor, adestrador ou como agente problematizador, criador,
organizador. Atenção: a atuação docente precisa ser refletida criticamente sob
pena da teoria apenas existir como discurso e a prática, como reprodução
alienada.
Considerando a configuração atual da sociedade, com seus ideais
mercadológicos, urge resgatar a escola como lugar de formação de seres
humanos. Reiteramos que a reflexão crítica sobre a prática é uma das
possibilidades viabilizadoras para não se incorrer em equívocos desastrosos na
concepção, no planejamento e na ação educacional. Forma[r]ção não é
treina[r]namento!
41

17 “NÃO SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM”…

E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-


se é, antes de mais nada, aprender a ler o
mundo, compreender o seu contexto, [...]
numa relação dinâmica que vincula
linguagem e realidade.
(Paulo Freire)

Dentre os vários elementos que nos caracterizam enquanto humanos,


somos seres de palavras, de pensamento e de linguagens. E, categoricamente,
podemos afirmar que o mundo em que vivemos é um mundo de palavras.
As palavras sobressaem em todos os contextos: da imaginação, que é
despertada e alça voos por causa delas, à comunicação, que possibilita
interligações diversas, à manutenção e desenvolvimento cultural, que congrega o
conjunto de experiências humanas relacionadas aos costumes, conhecimentos,
religiões... E a linguagem, maneira peculiar de expressar as palavras e exprimir
sentimentos e ideias, é o meio de desenvolvimento da imaginação, da cultura e
da comunicação.
As expressões verbalizadas ou escritas possuem poder de transformação,
pois possibilitam, paradoxalmente, oprimir ou libertar, esclarecer ou alienar,
esmorecer ou incentivar, odiar ou amar... Observa-se, sem muitos rodeios, que,
de forma geral, não há um cuidado meticuloso para com o uso das palavras. Por
vezes deixam-se jorrá-las, ao sabor das emoções sem o menor controle, sem
preocupações para com possíveis impactos. A palavra dita assemelha-se à flecha
lançada ou à oportunidade perdida, pois ambas jamais retornarão, ensina-nos um
dito popular.
A contemporaneidade postula, demanda e promove a inteligência
estruturada pela mediação das palavras. Partindo da premissa de que
pensamentos são construídos por palavras, conclui-se que a capacidade de
pensar relaciona-se com a capacidade de usar palavras. No extremo, “[...] pensar
bem é o resultado de saber lidar bem com palavras e com a sintaxe que conecta
uma com a outra. [...] Quem não aprendeu bem a usar palavras não sabe pensar.
42

No limite, quem sabe poucas palavras ou as usa mal tem um pensamento


encolhido.” (CASTRO, 2009, p. 24).
O veredicto acima tem sido veementemente asseverado por um austríaco,
naturalizado britânico, cognominado de filósofo da linguagem e considerado o
primeiro pensador que deu à pesquisa filosófica uma clara orientação linguística,
Ludwig Wittgenstein (1889-1952) em seu Tractatus lógico-philosophicus (1968, p.
111), em que está escrito: “Os limites de minha linguagem denotam os limites de
meu mundo.”
Como é possível aos humanos alimentarem-se de palavras e, por
conseguinte, ampliar seus pensamentos e sua competência lingüística?
A leitura e o entendimento do que está escrito é a condição sine qua non
que possibilita desenvolver expansivamente pensamentos e saberes
concernentes aos aspectos do sistema de comunicação. No entanto, observa-se
certa paralisia de leitura “justificada”, predominantemente, por argumentos
relacionados à falta de tempo. Faz-se necessário frisar que a referida alegação,
“no frigir dos ovos”, constitui-se num mito, bem como, não passa de uma tentativa
para aliviar um sentimento de culpa, advindo, este, do superego censurador.
A leitura é uma atividade mental que requer renúncia, esforço,
determinação, planejamento... em suma, disciplina, entendida como organização
e, também, como autodomínio e capacidade para superar condicionamentos
internos e externos. Portanto, falta de tempo para leitura não é a justificativa
convincente. Verdadeiramente, o que falta é disciplina.
A compreensão e o reconhecimento para com a descomedida importância
das palavras remontam a tempos antigos, passível de registro em livro respeitado
como sagrado por parte considerável da humanidade: “Não só de pão vive o
homem [e a mulher, também], mas de toda a palavra [...]” (BÍBLIA, Mt 4:4).
Portanto, “alimento” indispensável, imprescindível enquanto condição para viver,
especificamente, para bem viver na sociedade do século XXI.
43

18 NOVO ANO LETIVO: O GRANDE ESPETÁCULO DA ESCOLA

Existe um milagre em cada recomeço.


(Herman Hisse)

“Ano Novo, Vida Nova!”. Expressão corriqueira que, por se acreditar de sua
obviedade é assumida por muitos com naturalidade, sem a pretensão em
problematizar sua veracidade. Sempre que estamos diante de um novo ano letivo
e, por essa razão, estamos também, diante de novas expectativas, novos
objetivos, novos rumos, novas estratégias. Portanto, período marcado por tensões
diversas, porém, revestidas pela boniteza da esperança.
Reiniciar, palavra que acentua um novo começo. Um momento de pensar e
de prover. É o exercício de planejar, de ousar e de criar. Especificamente, em
relação à educação formal, é no início do ano letivo que a escola renasce com
toda a sua exuberância, repleta de vida, de sonhos, de alegrias.
O reinício letivo é cuidadosamente pensado por diferentes sujeitos
escolares. E não poderia ser de outra forma! “Pensa-se em tudo”, afirmara uma
professora ao ser indagada sobre seu trabalho nesse período. Porém, ao ser
interpelada o que está se pensando em relação ao Ser Professor(a), o silêncio
constrangedor roubou a cena, instalando-se fortuitamente. E nesse momento, o
“tudo” deixou de ser “tudo”...
Ouso, mesmo que brevemente, contribuir, neste início de ano letivo, com
algumas ideias para poder iniciar ou desencadear um possível pensar sobre o ser
professor(a) e/ou suas implicações.
Não importa a função desempenhada na instituição escola, quer seja na
sala de aula, quer seja na coordenação ou direção, o professor(a) tem a
oportunidade de desencadear múltiplas ações na perspectiva de uma sociedade
melhor, mais democrática, humana, sustentável... Para isso, inúmeros são os
desafios, que assumidos com responsabilidade e competência, convertem-se em
possibilidades.
A sociedade contemporânea demanda profissionais que dominem saberes
muito além do saber fazer, comprometidos com a inovação e a criação de novos
conhecimentos, pois o tempo atual é o tempo do conhecimento em evidência.
44

Na atualidade, compete ao professor(a) assumir o embate de


refazer/reinventar a educação considerando o contexto em que sua prática está
inserida, bem como os sujeitos participantes. Deve, por sua vez, tomar conta do
desafio de transformar a escola, o que na prática significa assumir o compromisso
com a própria formação, com a formação e a aprendizagem do aluno, com a
eficiência do ensino e com a transformação social (contexto em que está
inserido).
Sempre é oportuno e necessário frisar que o profissional do ensino deve
fundamentar sua prática numa opção de valores, que não os do mercado, e em
ideias, em conhecimentos que lhe possam orientar e legitimar sua ação
pedagógica.
Indubitavelmente, é da incumbência do professor(a), além de cuidar para
que o aluno aprenda, o cuidado antropológico, para que o humano, no homem e
na mulher, possa manifestar-se. Uma mensagem deixada por um prisioneiro de
campo de concentração nazista, também, registrada por Moacir Gadotti (2003,
p.13), em Boniteza de um Sonho, suplica aos professores que “ajudem seus
alunos a tornarem-se humanos”. E conclui: “ler, escrever e aritmética só são
importantes para fazer nossas crianças mais humanas”.
Educar, além de ser um exercício ético, pois agimos sobre a consciência
do outro, é um exercício de imortalidade. Ruben Alves (1994, p.04), na obra A
Alegria de Ensinar, convictamente afirma que: “De alguma forma continuamos a
viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa
palavra. O educador não morre jamais.”
Sabedores somos que “a fé move montanhas”. Por isso, mesmo que haja
vicissitudes, limites e contradições nos espaços de atuação enquanto docente, é
mister nunca perder a esperança e a capacidade de indignação, pois a maior
força está no poder de sonhar sonhos possíveis.
“Apesar dos pesares”, urge viver a felicidade, neste particular, no exercício
da docência. Não vivê-la é o mesmo que desperdiçar preciosidades, é
desconhecer e negar a própria essência humana.
Mesmo diante de controvérsias, magnífico mestre formador, tenha sempre
presente a sublimidade e a grandeza que envolve seu trabalho, pois efetiva-se
com seres humanos, razão da sua existência. Ademais, afirmo com Bertold
45

Brecht (apud ROSSATO, 2017, p. 01) “[...] aquele que ensina semeia nas almas e
escreve no espírito”. E por semear nas almas e escrever no espírito, o
professor(a), verdadeiramente, é o protagonista de uma vida nova em cada novo
ano letivo, o espetáculo primaveril da “natureza escolar”.
46

19 NOVO DESAFIO EDUCACIONAL ESCOLAR: EDUCAR NA ERA DA


INFORMAÇÃO DIGITAL

[...] não é aconselhável apenas fornecer


informação aos alunos, temos que ensiná-
los como utilizar de forma eficaz essa
informação que rodeia e enche suas
vidas, como acessá-la e avaliá-la
criticamente, analisá-la, organizá-la,
recriá-la e compartilhá-la.
(Pérez Gómez)

A produção, a distribuição e o consumo de informações são elementos


peculiares às sociedades humanas, independente do tempo e do espaço. Porém,
urge considerar que esse fenômeno, hodiernamente, atingiu um ritmo frenético.
A aceleração exponencial da atualização das informações surpreende a
todos, de modo especial aos nativos do século passado. Fato, este, gerador de
um pressentimento paradoxal: ao mesmo tempo em que se acredita estarmos
atualizados, convive-se com a sensação do obsoletismo. Noutros termos: a
informação envelhece vertiginosamente, de forma intensa e rápida.
A aceleração que o parágrafo acima faz referência potencializa o consumo
de informações fragmentadas, gerando um dissimulado antagonismo, isto é,
apesar da enormidade de informações acessadas e compartilhadas, o indivíduo
pode manter-se desinformado. Como entender essa condição a que muitos estão
submetidos? Simples, se conseguirmos compreender que um mosaico de dados
satura a memória do ser humano ao invés de produzir compreensão,
esclarecimento, formação.
Comprovadamente, a tendência do sujeito de memória saturada,
“encharcada” de informes, dados ou noções é deixar-se levar pelo atrativo ou
pelas proclamações ou ainda pelos modelos mediáticos, engrossando a fila dos
miopizados pela mídia e suas parafernálias tecnológicas. Aliás, encontrar um
cidadão pertencente à geração nascida neste século sem um aparelho eletro-
eletrônico de qualquer tipo, é tão improvável quanto encontrar um menino ou
menina de treze anos, por exemplo, que seja fã de sinfonias, composições
musicais para orquestras.
47

Indubitavelmente, convivemos com uma geração de diversas redes digitais


e múltiplas telas, que passa mais tempo conectada do que desconectada. Logo,
abastecendo-se diuturnamente de sedutoras informações, sendo algumas (quiçá
um elevado percentual) de questionável valor educativo e formativo. E o saldo
devedor das novas gerações não está na carência de informações. O déficit desta
coletividade de indivíduos relaciona-se à organização significativa e relevante dos
informes esmigalhados e tendenciosos que acessam ou lhes são disponibilizados
num piscar de olhos. Eis o indicativo de um novo desafio educacional escolar!
Pelo exposto, apesar da sucinta abordagem da temática realçada nos
parágrafos anteriores, confirma-se que estamos diante de um novo cenário, com
outras características sem precedentes, que reclama mudanças na formação do
cidadão contemporâneo. Para isso, faz-se necessário rever conceitos, como por
exemplo, o que é ensinar, o que é aprender, como também, referente à função
docente e à organização escolar como um todo.
Entendemos que um dos desafios fundamentais, à educação formal,
consiste em saber organizar a multiplicidade de dados disponibilizados pelas
redes digitais e transformar essa avalanche de informações em conhecimentos.
Convém salientar que a possibilidade em concretizar este objetivo, está no
equacionamento de uma primeira e fundamental interrogação que consiste em
saber o que realmente é confiável.
Outrossim, reafirmamos o teor da epígrafe deste texto em que
categoricamente afirma-se que o desafio para a educação formal, na atualidade,
consiste em ensinar os estudantes como acessar, avaliar, analisar, organizar,
recriar e compartilhar a grande variedade de informações. Incontestavelmente, o
docente, a priori, deverá dominar estes saberes para poder orientar seus pupilos.
Talvez seja este o desafio primário para a instituição escolar na era da informação
digital.
48

20 O DESAFIO DE SER PROFESSOR(A) NA CONTEMPORANEIDADE

Ser professor hoje é viver intensamente o


seu tempo com consciência e
sensibilidade.
(Moacir Gadotti)

O final do século XX e o início do século XXI são marcados por profundas


crises e transformações que sinalizam passagem de época, isto é mudança de
civilização. E, no afã de adjetivar/denominar, o referido espaço de tempo, são lhe
atribuídas diferentes(?) cognominações: pós-modernidade, contemporaneidade,
modernidade tardia, modernidade líquida... E todas as designações formam-se
em oposição à modernidade.
Observa-se que tanto a modernidade, quanto a pós-modernidade
impactaram todas as instituições sociais. A nova configuração civilizacional
(modificações socioculturais) exige a redefinição e a criação de formas de ação
pedagógica.
Vivenciamos um momento de transição, acompanhado por uma crise
paradigmática, afetando todas as áreas do conhecimento. Sentimos com
profundidade, também, a contemporaneidade configurar-se numa época de
inquietudes. A desestabilização das sociedades tradicionais, a crise sócio-política-
econômica e as rápidas mudanças tecnológicas produzem medos, angústias,
incertezas diante de um futuro imprevisível, diante da aventura incerta da
humanidade.
No contexto educacional, perplexidades, indagações e iniciativas são
identificadas sem demandar muita energia. O professor(a) é confrontado à nova
realidade e sua função e identidade são postas em questão: qual professor(a),
qual educação para a contemporaneidade?
O que segue são alguns princípios orientadores na perspectiva da
interrogação registrada acima:
a) ter concepção ontológica do ser humano;
b) assumir a concepção de educação como processo de humanização;
c) ter formação política, ética, isto é, ter compromisso;
49

d) respeitar e conviver com as diferenças;


e) assumir a formação continuada como condição de atualização e
reinvenção da docência;
f) preparar-se para o erro e a incerteza;
g) ter autonomia didático pedagógica e domínio do saber a ser trabalhado;
h) possuir formação geral e transversal;
i) ser reflexivo e crítico, de modo especial para consigo mesmo e seus
fazeres;
j) saber relacionar-se e interagir;
k) fazer da profissão um projeto de vida;
l) compreender que o processo de aprendizagem humana é complexo;
m) saber escutar;
n) ser solidário;
o) ter persistência, dedicação;
p) ter ou construir projetos (sonhos).
Deduz-se que a atualidade requer do professor formação contínua,
motivação e conhecimentos. Em suma: saber o quê, como, por quê e para quê
ensinar; promover reflexões e ações interventivas considerando o social, o
contexto em que as ações pedagógicas são intencionadas e implementadas. E
reafirmando a epígrafe deste texto, cabe ao docente viver com intensidade o
tempo atual, porém com discernimento, com ousadia, com responsabilidade,
consciência e com sensibilidade.
50

21 O PÂNICO NOSSO DE CADA DIA...

Sem coragem para enfrentar o medo,


permitimos que o medo, a ansiedade e a
vergonha se apoderem do melhor que há
em nós.
(Harriet Lerner)

Por que se contratam seguranças, vigias para residências, instituições,


locais de trabalho, de lazer e (pasmem) para locais de culto ou orações?
Por que são colocadas cercas elétricas, além de grades ou murros
imponentes com cães, rosnadamente, rangendo os dentes sempre que o limite é
ameaçado de transposição por intrusos?
Por que indivíduos andam de carros blindados, com vidros escurecidos que
bloqueiam a visualização interna?
Por que se anseia por segurança, por proteção quase que doentiamente?
Por que, costumeiramente, assiste-se passivamente a “mandos e
desmandos”, observados ou velados, em determinados segmentos da sociedade?
Por que muitos gritos de indignação ficam presos em gargantas parecendo
estranguladas?
Por que, por vezes, o olhar não quer ver a fome, a barbárie, a negação da
dignidade humana, a que humanos estão submetidos, condicionados por forças
letais e letrais?
A resposta para a amostragem das indagações registradas acima é
simples, breve e única: medo.
A vida humana, na contemporaneidade, está assinalada por uma espécie
de ansiedade constante manifesta, por exemplo, no medo de fracassar, no medo
de perder o emprego, de ser vítima de violências, das premonições sombrias...
Portanto, a sensação que advém do medo é uma sensação de perda.
Incontestavelmente a era atual é uma era de temores. No entanto, os
medos que experienciamos cotidianamente, por estarem associados às diferentes
subjetividades, caracterizam-se, invariavelmente, pela sua unicidade, pois cada
indivíduo age/reage de maneira singular frente às situações ameaçadoras.
51

O medo é uma emoção antiga, tanto quanto a vontade de querer explicá-lo


que a mitologia grega tinha um deus em sua honra: o deus Pã, sendo que sua
história encarna o medo humano. E disso deriva o termo “pânico” (do grego
Panikon).
O medo que marca a atualidade não é um medo imaginário, mas um medo
concreto devido à perversidade das situações reais, com sérias conseqüências
uma vez que acarreta sofrimento, que afeta negativamente seres humanos e o
conjunto da sociedade, como afirma Juvenal Arduini (2002, p. 43) na obra
Antropologia: ousar para reinventar a humanidade: “O medo corrói as fibras
humanas. Asfixia talentos. Esvazia a vida e embota-lhe a criatividade. O medo
anula o ser humano. Assusta crianças e apavora adultos. Mais do que
inquietante, o medo é transtornante. Entristece e deprime. Invade a consciência,
semeia pânico. Desmancha resistências, convulsiona as raízes existenciais”.
Metus, do latim, que significa medo, temor, desassossego, inquietação,
ansiedade é um elemento corrosivo, pois intimida, ameaça, subordina, dispersa
protestos, amedronta, aniquila sonhos, inibe a criatividade... de quem é afetado
por esse estado afetivo.
Perante o medo, há que se varrer o sentimento de fraqueza, de impotência
e instaurar a cultura da ousadia, da audácia da coragem, buscando a eliminação
das causas geradoras de sentimentos aterrorizantes, extirpando-as. É
fundamentalmente necessário, também, para não sucumbirmos à multiplicidade
de temores, resgatar e/ou ampliar a capacidade de lidar com a presença de
ameaças, aptidão, esta, herdada biologicamente e relacionada ao instinto de
preservação da vida.
O pânico nosso de cada dia, nos dai hoje, perdoai os nossos percalços...
52

22 O QUE É EDUCAR? DA CONVIVÊNCIA E DA TRANSFORMAÇÃO

Como vivermos é como educaremos, e


conservaremos no viver o mundo que
vivermos como educandos. E
educaremos outros com nosso viver com
eles, o mundo que vivermos no conviver
(Humberto Maturana)

Ao indagar a respeito do que é educar, tem-se a impressão de estar


problematizando o óbvio, isto é, que a temática em questão é de fácil
entendimento, que o seu significado salta à vista devido à sua evidência. No
entanto, se fossem questionados, por exemplo, educadores, pais ou estudantes
na área da educação, é bem provável que se constatem explicações antagônicas,
elucidações confusas e, por que não, balbuciadas devido ao esforço para
encontrar palavras representativas na elaboração conceitual.
No afã zeloso em contribuir para com o entendimento acerca do que é
educar apresentam-se a seguir alguns elementos que, inconteste, possam
ampliar a compreensão do termo em foco.
Para dar conta do propósito exposto acima é mister destacar uma
irrefutável: o ato de educar efetiva-se com e entre seres humanos. Educamo-nos
na relação, na interação, no convívio com o outro, condição fundamental para
tornarmo-nos humanos, uma vez que não basta a predisposição genética para
tornarmo-nos seres humanos. Conseguimos ascender à humanidade,
efetivamente, por meio da educação e da convivência social. Portanto, educar é
um processo de convivência e de transformação.
O que o ato de educar transforma? Resposta: modifica indivíduos e a
realidade em que os mesmos estão inseridos, isto é, uma espécie de
metamorfose. Aprendemos com Paulo Freire que a educação não transforma a
sociedade. Todavia, transforma seres humanos. Estes, com sua ação, são
capazes de construir estratégias na perspectiva da transformação do social, do
contexto em que estão inseridos. Portanto, educar, em síntese, é também,
promover, nos sujeitos, a capacidade de interpretação das diferentes realidades
53

em que estão incorporados, bem como, qualificá-los e “instrumentalizá-los” para a


ação, nesses espaços, objetivando superações, transmutações.
Há que se compreender que o decurso educativo não corresponde a um
determinado período da vida humana, porém se constitui, sim, num
desenvolvimento gradativo, contínuo; e seu prolongamento equivale ao período
de nossa existência, isto é, dura toda a vida. Ademais, conviver é condição
fundamental para perpetuarmo-nos enquanto indivíduos e ou espécie.
O ato de educar não está para o treinamento e nem a ele se reduz. E para
que se constitua em uma ação transformadora e emancipadora deve estar
centrado na vida. O ato de educar está para a formação, para a promoção dos
educandos, seu verdadeiro sentido e significado. E promover o outro é uma tarefa
humanizadora. No entanto, é possível reconhecer o seu oposto em determinados
ambientes educacionais: “[...] mesmo que nós não percebamos, nossa práxis,
como educadores, é para a libertação do homem, sua humanização ou para a
domesticação do homem, sua dominação”, como afirmara Paulo Freire em
entrevista a Carlos Alberto Torres (2003, p. 29), transcrita na obra Diálogo com
Freire.
Categoricamente, educar é humanizar, contribuir para o devir, para
engrandecer em todos a globalidade das potencialidades superiores (melhores),
inerentes à nossa condição humana. Em suma, é reacender o sopro da vida, com
sensibilidade humana, ousadia, coragem e sabedoria.
54

23 PAULO FREIRE: “CIDADÃO DO MUNDO”

Eu gostaria de ser lembrado como alguém


que amou o mundo, as pessoas, os
bichos, as árvores, a terra, a água, a vida.
(Paulo Freire)

Paulo Freire (1921-1997), pedagogo, filósofo, escritor, cognominado de


“cidadão do mundo”, mais que tudo, um educador que, como afirmou na
dedicatória da obra Pedagogia do Oprimido, tributou sua vida aos "Esfarrapados
do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam".
Paulo Reglus Neves Freire, formado em Direito, nasceu em Recife-PE em
19 de setembro 1921. Profissionalmente, iniciou como professor de Língua
Portuguesa. Mundialmente conhecido, principalmente, pelo seu método de
alfabetização para adultos. Perseguido pelo governo durante a ditadura militar.
Forçosamente exilado por vários anos, retorna ao Brasil em 1980. Recebeu 41
títulos de Doutor Honoris Causa de universidades, entre elas Harvard (EUA),
Cambridge e Oxford (Inglaterra). Declarado Patrono da Educação Brasileira,
mediante a aprovaçao da lei 12.612, em 13 de abril de 2012.
O ensino era a paixão do Patrono da Educação Brasileira. Viveu
intensamente a causa educativa. O seu legado permanece vivo através dos seus
escritos, dos vídeos, das memórias e, sobretudo, por meio das pessoas que dão
continuidade aos saberes e princípios da docência e da educação por ele
apregoados.
As obras, que passam para a posteridade e que se constituem em fonte de
conhecimento, são as que foram bem escritas e que responderam às angústias
do seu tempo histórico numa perspectiva de futuro. A leitura e releitura das obras
de Paulo Freire justificam-se, primeiramente, por ser, o referido pensador, um
clássico na literatura educacional e, ademais, o conteúdo de suas obras é
surpreendentemente atual. Devemos continuar estudando Paulo Freire pela
55

causa que ele defendeu como reitera, incansavelmente, Moacir Gadotti, um dos
diretores do Instituto Paulo Freire - SP. Necessitamos continuar estudando a sua
obra, não para venerá-lo, nem para ser seguido como um guru, mas para ser lido
como um dos maiores educadores críticos do século XX. Além disso, os escritos
freireanos continuam motivando muitos estudos nos vários campos do saber,
devido aos desdobramentos que potencializam.
A amplitude da obra de Freire, bem como sua contribuição em diferentes
contextos culturais e em diferentes campos do conhecimento tem sido destaque
em inúmeras publicações efetivadas por estudiosos e intérpretes da teoria
freireana. Portanto, urge revisitar o “cidadão do mundo”, pela sua valiosa
contribuição pedagógica, pois o “impacto” de seu trabalho vai além da
alfabetização e da educação de adultos, iluminando a necessidade de
desenvolver uma “pedagogia ética” e “utópica”, na perspectiva da superação de
situações limitadoras.
56

24 PERPLEXIDADE E BIPOLARIDADE: A EDUCAÇÃO EM CONFLITO

[...] o desafio é invisível. [...] mas é preciso


começar e o começo pode ser desviante e
marginal [...]. Como sempre, a iniciativa
só pode partir de uma minoria, a princípio
incompreendida. Depois a ideia é
disseminada e, quando se difunde, torna-
se força atuante.
(Edgar Morin)

Perplexidade. Um dos termos pertencentes à nomenclatura que


caracteriza, identifica, define, particulariza a atualidade. A referida expressão é
sinônima de assombro, estupefação, embaraço, atrapalhação, bem como, de
admiração e de prodígio.
Estar embaraçado, sem saber que decisão tomar revela uma situação em
conflito que requer, antes da ação, conhecimento, reflexão profunda,
ponderações. Ademais, herdamos da concepção platônica que o conhecimento
nasce com a perplexidade, pelo espanto que a mesma provoca e pela exigência
do pensamento analítico-reflexivo ante a determinados assombros.
Situações de embaraço, de encruzilhadas são passíveis de serem
identificadas em diferentes contextos sócio-político-econômicos e educacionais. E
diante de uma conjuntura dessa natureza, urge parar para refletir, esclarecer e
redescobrir o significado das turbulências e seus impactos, como, por exemplo,
na vida profissional. E neste particular, impulsionado pela condição docente,
busco inquiri-la, considerando a temática central desta reflexão.
A docência está sendo perturbada, também, pelo fenômeno da
bipolaridade e, de certa forma, comprometendo seu equilíbrio, pela hesitação,
pelo enleio que tal situação faz suscitar entre profissionais da educação. Porém,
antes de prosseguir textualmente, há que esclarecer que bipolaridade está se
abordando.
Obviamente, não se trata de versar sobre a doença bipolar, transtorno
tradicionalmente conhecido pelo nome maníaco-depressivo. Pois bem: bipolar
significa que possui dois polos opostos e aplica-se na Psiquiatria, na Eletricidade,
57

na Genética, na Geografia, na Histologia e, neste texto, na Docência, obviamente


no seu sentido figurado.
A divisão ou a articulação entorno de dois focos de interesse, isto é, a
bipolarização, identifica-se, sem muito esforço, no âmbito das concepções
educacionais e suas correntes teóricas que, ao serem convertidas em ações
didático-pedagógicas, manifestam-se no cotidiano professoral.
Um dos polos a que o parágrafo acima faz referência se encontra no
âmbito das ideias e das práticas inovadoras referendadas por pesquisas na área
da educação, da sociologia, da antropologia, da psicologia, da neurociência
cognitiva que lançam luzes fortalecendo instâncias de participação e
ressignificando a ação docente pelas possibilidades de aprendizagens
significativas, porque contextualizadas, pela perspectiva de criatividade, de
solidariedade, de humanização dos seres humanos em processo formativo.
No outro extremo, é possível reconhecer uma realidade escolar obsoleta,
criticada por muitos, defensora da tradição, porque resistente a mudanças,
fundamentada e guiada por modelos pedagógicos tradicionalistas/conteudistas
que outrora foram unanimidades ovacionadas nas instituições da educação
formal. Este modelo educacional referencia o autoritarismo como base da
aprendizagem, juntamente com a predominância da palavra do professor, da
imposição de regras e de conteúdos dissociados do cotidiano estudantil, bem
como das realidades sociais.
Destarte, com perplexidade constatam-se, portanto, duas realidades
distintas e conflituosas na área educacional. Distintas pelas características que
lhes são próprias e que, não somente as identificam, porém as tornam facilmente
distinguíveis pela dissemelhança entre ambas; e conflituosas, por defenderem
ideias que se contrapõem e por almejarem objetivos opostos, gerando situações
consideradas incompatíveis, devido ao predomínio do antagonismo perturbador.
Hodiernamente, a educação formal não pode esgotar-se no ensino de
conteúdos relacionados às diferentes áreas do saber. Mais que isso, faz-se
necessário conhecimento e audácia para transformar propostas tradicionais em
proposições inovadoras com fundamentação e orientação teórica equivalente. No
entanto, para que o referido anseio se concretize é preciso que os atores do
cenário educacional o desejem com veemência e sintam a necessidade
58

proeminente da mudança, comprometendo-se com a viabilização de projetos e


ações afins.
Sim! O desafio é invisível. No entanto, converte-se em força atuante para
quem ousar começar a mudar.
59

25 POR QUE PENSAMOS DA FORMA COMO PENSAMOS? A QUESTÃO DOS


PARADIGMAS

Quando todo mundo é corcunda o porte


vertical torna-se a monstruosidade.
(Honoré de Balzac)

Etimologicamente o termo paradigma origina-se do grego (paradeigma),


que significa padrão, modelo e serve de referência para orientar ações e
pensamentos nas mais diversas situações do cotidiano. Constitui-se em um
conjunto de teorias, de pressupostos conceituais, metodológicos e metafísicos,
conforme teorizou o norte-americano Thomas Samuel Kuhn (1922-1996), físico e
filósofo da ciência, na obra A Estrutura das Revoluções Científicas.
Por que pensamos da maneira como pensamos sobre determinadas
realidades, fatos...? O que fundamenta, orienta nossas ações? Como entender
que explicações e/ou compreensões referentes a um mesmo fenômeno diferem
de indivíduos para indivíduos?
As indagações pontuadas no parágrafo anterior colocam-nos diante do que
denominamos de paradigma. O ser humano utiliza-se de modelos para “olhar o
mundo” (contextos sociopolíticos-econômicos e culturais, conhecimento, trabalho,
profissão...) e por meio deles constrói teorias, emite juízos de valor, bem como,
estabelece princípios que se firmam como parâmetros para sua conduta, pois
atuam tal como lentes que têm o poder, além de condicionar os elementos que
são mirados, de limitar o campo de visão.
Considerando a descrição acima, a título de elucidação, transcrevo
literalmente uma pequena história criada por Dulce Magalhães, transcrita em sua
obra O Foco Define a Sorte (p. 13-14), sobre um homem preso em uma caixa de
tijolos.
Acompanhemos, portanto, a narração da ilustração:
Tudo o que ele via era a partir de uns tijolinhos tirados de sua frente. Ele
via um pedacinho de céu, um pedacinho de montanha e um pássaro que passava
de vez em quando. Quando lhe perguntavam como era o mundo, ele o descrevia
desta forma. À medida que ia conseguindo tirar mais tijolos de sua frente e via
60

mais coisas, sua descrição do mundo também mudava. Até que um dia, um
grande terremoto abalou toda a região onde ele morava e os tijolos foram todos
ao chão. O homem olhou ao redor e viu muita coisa que nunca tinha visto antes:
lagos, animais, pessoas, povoados, plantas, flores, uma infinidade de coisas.
Então, ele exclamou espantado: como o mundo mudou!
Absolutamente, o modelo (paradigma) que utilizamos para olhar o mundo,
faz o mundo que olhamos. Para desencadear processos de transformação, urge
mudar. Modificar o quê? Cambiar a forma de pensar, de ver o mundo. Alterar a
forma de construir estratégias... em suma, mudar a forma.
Atenção: é a forma que condiciona nossas ideias e aprisiona limitadamente
nossas ações. E para compreender por que pensamos do modo como pensamos,
há que se rever crenças que professamos, identificar preconceitos subjacentes às
nossas construções intelectuais, raciocínios e, mais que examinar nossa prática,
reconhecer os princípios balizadores que se constituem em fundamentos para
nosso agir, independente do espaço em que implementarmos iniciativas.
Inquestionavelmente, as teorias, as crenças, os pensamentos movem-nos
e têm o poder fenomenal de definir o que somos.
61

26 PROFISSÃO PROFESSOR(A): PARA ALÉM DA COMPETÊNCIA


CIENTÍTICA

A responsabilidade ética, política e


profissional do ensinante lhe coloca o
dever de se preparar, de se capacitar, de
se formar antes mesmo de iniciar sua
atividade docente. Esta atividade exige
que sua preparação, sua capacitação, sua
formação se tornem processos
permanentes.
(Paulo Freire)

O exercício de uma profissão requer sólida formação científica, pois o


mundo do trabalho, além de altamente competitivo, é dinâmico, bem como
exigente e excludente; situação essa que requer de todo o trabalhador o
comprometimento com processos permanentes de formação profissional.
Nesta reflexão, tomaremos como referência a profissão docente a fim de
tecer breves considerações considerando a temática anunciada. De imediato, a
pergunta que não quer calar formula-se: para o exercício da docência são
suficientes os conhecimentos da ciência da educação?
Para encaminhar a resposta a essa provocação, faz-se necessário
compreender, primeiro, em que consiste a função do professor, bem como a
importância da sua própria formação e definir conceitualmente o que é educar.
Em tese, ser professor é cuidar da aprendizagem do aluno e contribuir para
o seu desenvolvimento humano. Para isso, o professor deve, concomitantemente,
cuidar da sua aprendizagem. Incontestavelmente, há que se cuidar de si para
cuidar do outro. O zelo para com a sua formação e atualização é fundamental
para quem decide atuar profissionalmente como educador.
O comprometimento do educador para com a própria formação confirma a
crença de que o professor qualificado, melhor formado pode desempenhar com
mais eficiência a atividade de mediar a aprendizagem e de possibilitar o
desenvolvimento integral dos seus educandos.
Nesse contexto, julgamos de fundamental importância relembrar a
advertência de Paulo Freire (2000, p. 103), expressa na obra “Pedagogia da
62

Autonomia”, em relação à formação docente: “O professor que não leve a sério


sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua
tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. A
incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.”
O profissional da educação, portanto, deve permanecer em contato com
estudos, leituras, pesquisas, análises considerando o seu cotidiano, isto é, na
formação do educador não pode haver interrupções, pois o conhecimento e a
realidade socioeducacional, ambos, são multifacetados e dinâmicos, exigindo do
profissional docente, distintas e constantes atualizações. Ademais, o
conhecimento produz ideias. As ideias produzem sonhos (projetos). Os sonhos
transformam realidades.
A prática educativa é algo muito sério que exige comprometimento,
responsabilidade ética e profissional, pois lidamos com gente. E, na condição de
educadores, participamos da formação dos educandos, podendo, com nossa
competência, formação e preparação contribuir para que se tornem presenças
marcantes no contexto em que estão inseridos. Portanto, educar é isso: “[...] crer
e confiar no ser humano e estar disposto, permanentemente, engrandecer em
todos, e em cada um de nossos alunos, a globalidade de suas possibilidades, isto
é, aumentar neles o potencial de inteligência, de sensibilidade, de solidariedade,
de ternura”, como afirma Lourdes Bazarra (2008, p. 08) na obra “Ser Professor e
Dirigir Professores em Tempos de Mudança”. À vista disso, o ato de educar está
para a formação, para a promoção dos educandos, seu verdadeiro sentido e
significado.
Considerando o esboço acima com relação à função e formação docente e
quanto ao conceito de educação, estamos convictos que para o exercício da
docência não basta apenas o conhecimento dos saberes das ciências da
educação, fundamentais para a qualificação acadêmica e pedagógica.
A ação docente deve ser pautada, outrossim, por qualidades pessoais que
as denominamos de virtudes, como por exemplo: a amorosidade que possibilita
ao educador querer bem aos educandos e à própria profissão, qualificando-se
permanentemente; a coerência que impede a dicotomia entre a teoria e a prática;
a confiança, base para a convivência; a curiosidade condição fundamental para
ensinar; a decência, que embeleza, cuida e protege a dignidade coletiva; a
63

dialogicidade, condição primordial para se instaurar relações pedagógicas


humanizadoras; o escutar, que possibilita a abertura à fala do outro, ao gesto do
outro, às diferenças do outro; a esperança, necessidade ontológica humana, que
permite acreditar no vir-a-ser, no ser-mais tanto dos educandos, quanto dos
educadores; a humildade, que exprime a certeza de que ninguém é superior a
ninguém, pois somos interdependentes; o respeito, que demonstra o sentimento
de estima para com o outro; a simplicidade, que revela sabedoria e anula a
arrogância; a tolerância, virtude que prima pela convivência humana e pelo
respeito às diferenças.
Contudo, é primordial sublinhar que as qualidades/virtudes não são
faculdades herdadas biologicamente, mas geradas na prática, mediante opção
deliberada.
O fazer docente contribui em grande medida para o êxito e para a
qualidade da aprendizagem/formação dos educandos. Por conseguinte, soa como
imperativo para todos os que assumirem o educar como profissão, que ajudem as
crianças, os alunos todos a crescer sem perder a curiosidade, sem paralisar a
imaginação e sem anular a capacidade de perguntar. E para isso há que se
comungar conhecimentos científicos e qualidades pessoais (virtudes) no exercício
da profissão professor(a).
64

27 QUEM AMA APRENDE: DA INFLUÊNCIA DA AFETIVADADE NA


APRENDIZAGEM

A aprendizagem dos educandos tem a


ver com a docência dos professores,
com sua seriedade, com sua
competência científica, com sua
amorosidade, com seu humor, [...]
(Paulo Freire)

A aprendizagem é um tema recorrente no âmbito da educação formal. Em


vista disso e sem ressentimentos podemos muito bem parafrasear William
Shakespeare (1564-1616), escritor, dramaturgo inglês e autor da famosa frase
“Ser ou não ser, eis a questão”, afirmando: aprender ou não aprender, eis a
questão.
Aprender, do verbo latino apprendere, em suma significa adquirir
conhecimento, isto é, tomá-lo como posse, adonar-se, tornar-se proprietário do
saber pretendido. Ora, em sã consciência, ninguém toma para si, a “sete-chaves”
algo insignificante, sem sentido, não afeiçoado. Aliás, almeja-se adquirir saberes
que possam provocar exclamações do tipo: isso é tudo de bom! Evidentemente,
que essa inclinação por simpatia, nada mais é, do que a manifestação de
afetividade para com o objeto cognoscível.
Primeiramente, há que se considerar o óbvio: a produção e a aquisição de
saberes não ocorrem de forma espontânea. É imprescindível poder e querer fazê-
lo. Portanto, existem fatores que interferem no processo da aprendizagem, como
por exemplo: razões motivacionais, elementos sociais e interpessoais, aspectos
relacionados à estrutura cognitiva e à personalidade. E, neste lacônico texto, não
pretendemos discorrer sobre fatores que interferem na aprendizagem, todavia,
objetivamos reafirmar o que está anunciado na epígrafe desta redação, em que
Paulo Freire (1921-1997) chama a atenção ao fato de que a aprendizagem dos
educandos diz respeito à docência dos professores, isto é, para com seu nível de
competência e de afetividade. Interessa-nos aqui, ao destacar reflexivamente o
65

vínculo entre afetividade e aprendizagem, restringir o olhar para a relação


professor-aluno.
Nas relações humanas, o afeto tem importância primordial no
estabelecimento de uma convivência agradável entre todos. E no contexto das
práticas pedagógicas, pesquisas apontam que a afetividade influencia o processo
de ensino-aprendizagem, pois demonstrações de afeto do preceptor agem no
emocional do educando, porque revelam dedicação, admiração, benquerença,
estima, zelo. Aprendemos, também, com Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo
suíço, que a vida afetiva e a vida intelectual são interdependentes. Logo não é
possível suprimir o vínculo entre ambas considerando os atos de aprender e de
ensinar, que por sua vez, da mesma forma, fundem-se quando processados.
O vínculo afetivo, na atividade educacional, é um elemento catalizador,
pois tem o poder de estimular, fomentar, incentivar o processo de ensinagem. Por
via de regra, ser professor é estimular e ampliar o desejo de conhecer de seus
pupilos, eternos aprendizes. Assim, reforçamos a observação de Rubem Alves
(1993-1914), redigida no prefácio da obra Quem educa marca o corpo do outro,
de Fátima Freire Dowbor, (2008, p. 17): “O desejo de aprender, no aluno, brota de
sua relação afetiva com a professora ou professor: o aluno deseja ‘apropriar-se’
daquela imagem a que ele está ligado afetivamente.”
Para aprender é preciso que o educando sinta-se identificado com seu
educador. Logo, não se aprende com qualquer um. Aprende-se com quem é
possível interagir, conviver, porque, além do encantamento, existe empenho,
permutação, diálogo.
A qualidade da relação professor-aluno pode ser determinante na
concretização do objetivo docente que consiste em tutelar, em cuidar para que o
aluno aprenda. Verdade seja dita: o cuidado requer laços de afetuosidade! Logo,
a amorosidade é um dos ingredientes essenciais no processo de aprendizagem,
pois possibilita elementos pedagógicos motivadores para aprender, ao contrário
do medo, da humilhação, do castigo, próprios do modelo tradicional de educação.
66

28 “SANTÍSSIMA TRINDADE”: O FUNDAMENTAL PARA SER UM BOM


PROFESSOR

O essencial é aquilo que dá sentido à


vida. O fundamental é o que nos ajuda a
chegar ao essencial.
(Mário S. Cortella)

Trindade. Palavra de origem do alfabeto latino que, etimologicamente,


significa “reunião de três”. No imaginário popular, invariavelmente, o termo remete
à doutrina acolhida e resguardada pela maioria das igrejas cristãs, constituindo-se
num dogma. Quiçá, seja por essa razão que é possível encontrá-lo associado a
outras designações, como por exemplo: nome de município, de cidade, de
parque de campismo, como também, de sobrenome de pessoas.
Heresias à parte, com a apropriação do “santo nome em vão”, busca-se,
nesta breve elaboração agrupar três elementos que, acredita-se, serem o
fundamental para a eficiência/eficácia docente, mesmo sendo-os de natureza
diferente. Portanto, o foco, da reflexão anunciado no subtítulo resume-se à
seguinte indagação: o que é fundamental para ser um bom professor?
Aquilo que dá fundamento para ser um bom professor, isto é, para que o
mesmo seja capaz de ampliar o desejo de aprender e de potencializar seus
alunos, nas palavras de Cristovam Buarque, transcritas por Viviane Mosé (2013,
p. 178), na obra A escola e os desafios contemporâneos, resume-se em três
elementos correlacionados: “[...] cabeça, coração e bolso. Bolso bem-
remunerado, cabeça bem-informada e coração bem-motivado. Dois desses não
resolve nada. Tem que ser os três.”
Em tese, o docente é o profissional do conhecimento e da aprendizagem.
Considerando que, na atualidade, a produção do conhecimento é maior que
outrora, a atualização constante constitui-se em um dos desafios inadiável e
inalienável, sob pena da obsolescência. Logo, precisa estudar, integrar-se em
discussões e em processos permanentes de formação, que devem ser
ininterruptos e não apenas constituírem-se em momentos de “paradas”, durante o
67

ano letivo, para “fazer formação”. Outrossim, para produzir conhecimento e cuidar
da aprendizagem do outro, cabe ao professor, primeiramente, sólida formação e
um fiel compromisso para com a própria aprendizagem. Neste particular, merece
destaque a declaração, disponível na Web, de Michel Montaigne, filósofo francês
do século XVI: “uma cabeça bem-feita vale mais que uma cabeça cheia.” Em
suma, faz-se necessário ser competente. A propósito, competência profissional e
conhecimento estão umbilicalmente ligados.
Gostar daquilo que se faz é uma das premissas para o triunfo profissional,
pois acima de tudo constitui-se num elemento de motivação, independente das
circunstâncias. Paulo Freire registrou em suas obras e testemunhou que a
amorosidade é uma das virtudes que deve pautar a conduta docente. E Mário
Sérgio Cortella (2013, p. 06), por sua vez, no texto Paulo Freire: utopias e
esperanças, afirma, de forma contundente que: “Não basta gostar, tem de gostar
sabendo fazer. Isto é, tem de dar competência à amorosidade.”
A remuneração salarial é tão importante quanto o conhecimento e a
motivação para os que têm o educar como ofício, pois dela depende além, das
condições materiais para viver dignamente, o prestígio profissional. Aliás, a pouca
atratividade da carreira docente pode ser explicada, também, pelos salários pouco
convidativos. E estudos apontam que o desencanto de docentes para com seu
“ganha-pão”, em parte, relaciona-se aos seus honorários.
Concluo, pois, exclamando à moda de Arquimedes, um dos principais
cientistas da Antiguidade Clássica: HEÚREKA!! O texto expõe, objetivamente,
uma possível pauta de reivindicação para profissionais da educação: a
“santíssima” trindade – cabeça, coração e bolso - como condição fundamental
para o êxito no exercício da docência.
68

29 SINAIS DOS TEMPOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

A escola deve ter uma multiplicidade de


ações educativas, e não só aulas.
(Rui Canário)

Nas últimas décadas, o desenvolvimento exponencial tecnológico, de modo


especial relacionado à informatização e ao acelerado crescimento dos meios de
comunicação, colocou em xeque a organização escolar, pois as vias de acesso às
informações a ao conhecimento não estão mais restritas ao ambiente escolar,
como foi outrora. Ora, que elementos devem ser considerados a fim de prospectar
uma educação/organização escolar para o nosso tempo?
O modelo de escola, elitista e de massa, organizado em séries, por blocos
de disciplinas, que produz passividade, repetição e ausência de crítica, isto é, seu
tradicional sistema de organização didático-pedagógico-administrativo e
arquitetônico, que conhecemos, é uma herança de tempos remotos. E esse
protótipo de educandário não foi concebido por mero acaso. É resultado de um
meticuloso planejamento orientado/sustentado por concepções epistemológicas-
políticas-educacionais, que se constituíram como referência norteadora em todos
os âmbitos da ação educativa escolar, sendo que sua influência, ainda é possível
de ser notada, na contemporaneidade, no domínio dos liceus.
Considerando que a atualidade se caracteriza, também pela complexidade
do social e do conhecimento, reiteramos com Rui Canário (2006), em “A escola
tem futuro? das promessas às incertezas”, que a educação escolar,
hodiernamente pode se configurar em uma instituição obsoleta diante de, pelo
menos, três situações principais: ao assumir educação e escola como sinônimos,
resultado da progressiva escolarização, representa um sinal da desatualização
em questão. No entanto, ambas se diferenciam substancialmente. Conceber
escolarização e educação como termos de sentido equivalente, além do
equívoco, contribui para desvalorizar e subestimar as modalidades de educação
não-formal, ligadas aos cotidianos de indivíduos que frequentam instituições
69

escolares. Logo, insistir que educação e escolarização têm o mesmo sentido


significa manter ligação umbilical com ideias do passado que não mais encontram
ressonância com a atualidade; outro indicativo da obsolescência escolar se
relaciona à organização do sistema educacional pela lógica do ensinar. Aliás, se
perguntássemos a sujeitos escolares qual é a função do professor, é bem
provável que afirmariam que sua incumbência é ensinar. E isso é indicativo de
que a educação escolar não valoriza, prioritariamente, o aprender e seus
processos. Indubitavelmente, ser professor é cuidar da própria aprendizagem e da
aprendizagem dos seus educandos; é sinal, também, de anacronismo da
educação formal escolar o fato de prevalecerem, em educandários, métodos de
trabalho didático-pedagógico que se configuram como um sistema de repetição
de informações, ao invés de estimular a curiosidade, a descoberta, a pesquisa, a
elaboração e a comunicação.
É oportuno enfatizar que o processo de repetição da informação leva,
inevitavelmente, à degradação da própria informação, pois a passagem da
mesma de boca-a-boca dá origem a significativas distorções, tornando a
mensagem inicial, praticamente, incompreensível no final, a exemplo do que
ocorre com a brincadeira infantil denominada de Telefone-Sem-Fio, em que
raramente a frase que foi repetida de ouvido-a-ouvido, ao final da fila, será a
mesma dita pala primeira pessoa, participante do jogo.
O conhecimento deve encontrar-se com a vida e, assim, superar a mera
abordagem abstrata, forma didática-metodológica historicamente predominante
no exercício da docência, legitimada pela crença na transmissão do
conhecimento. Noutros termos, consiste em assumir a educação formal como
momento-espaço-processo do aprender, da produção de saberes, em que as
perguntas sejam privilegiadas em oposição às soluções/respostas. Há que se
evoluir, portanto, de um sistema caracterizado pela repetição de informações para
um sistema de produção do conhecimento, caracterizado pela prática educativa
problematizadora, pois sem interrogação não há conhecimento. Isso exige dos
educandos (e dos educadores) habilidades para análise, interpretação,
sistematização e comunicação, entre outras.
70

A partir do exposto, um dos desafios, em meio a outros, consiste em rever


a escola enquanto somatório de salas de aula, assim como “romper” com grades
curriculares e interligar saberes e vivências.
Outrossim, se cotidianamente, é possível reconhecer indícios arcaicos na
educação formal, é verdadeiro que sinais de novos tempos, também, estão
presentes. Basta aguçar o olhar e querer ver características de uma nova escola
e/ou do futuro da educação institucionalizada presente nos contextos
educacionais atuais, configurando-se em vivências contemporâneas. Considerem-
se como exemplo de novos vestígios que indicam o renascer da instituição
escolar necessária aos tempos atuais: o empenho em superar o entendimento
que o trabalho docente consiste em transmitir conhecimento; o esforço teórico e
prático na perspectiva da construção da autonomia dos educandos; a
relativização do manual didático; a incorporação das novas tecnologias aos
recursos didáticos; a superação da seriação dos estudos; a ampliação das
possibilidades de acesso ao conhecimento culturalmente significativo; a
ressignificação da própria escola como lugar de aprendizagem baseada na
descoberta e dos alunos como produtores de saberes...
Uma nova educação escolar é possível a partir da nossa capacidade de
produzir um conhecimento novo em relação ao ser escola.
71

30 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Educar é impregnar de sentido o que


fazemos a cada instante!
(Paulo Freire)

O tempo presente contém marcas, sinais que lhes são próprios,


comparando-se com tempos de outrora. O elemento de identificação que se
destaca é o ritmo acelerado das mudanças e sua expansão. Afirmamos com
Libâneo (2004, p. 28), que: “O mundo assiste hoje às intensas transformações,
como a internacionalização da economia e as inovações tecnológicas em vários
campos de saberes. Essas transformações levam à mudança no perfil desses
diversos profissionais, afetando os sistemas de ensino.” Logo, esse cenário
aponta para a necessidade do aprimoramento dos processos educacionais.
Por sua vez, no panorama educacional, especificamente no exercício da
profissão docente, transformações, também, estão presentes, como é possível
constatar na literatura que aborda a temática. Disso decorrem desafios e
compromissos para todos, considerando o contexto em que se está inserido.
Educar em tempos de mudanças requer, além de uma sólida formação,
capacidade de discernimento, de compreensão e de planejamento para um agir
consciente. E os textos que compõem esta obra sintetizaram alguns dos desafios
e compromissos do educador na atualidade, conforme segue:
a) querer bem aos educandos (gostar de gente) e zelar pela sua profissão
(gostar do que faz);
b) compreender e assumir que a aprendizagem é resultado de estratégias
e de processos interativos/cooperativos;
c) aprimorar iniciativas para o autoconhecimento, isto é, saber escutar e
escutar-se como uma das condições para educar;
d) habituar-se a fazer registros das ações projetadas e vivenciadas;
e) ter consciência em qual teoria está fundamentada a ação educativa para
não incorrer em uma docência ingênua, alienada;
f) reconhecer que o ato de educar essencialmente se resume na
construção de humanidades;
72

g) manter viva a convicção de que algo novo sempre é possível,


independente de ocasiões e/ou situações;
h) construir sentidos cotidianamente para, assim, viver com autenticidade;
i) aprimorar o cuidado e autocuidado para não sucumbir à moléstia
profissional do mal estar docente;
j) fortalecer a interação colaborativa das instituições família e escola;
k) reconhecer que a tarefa do educador não se restringe a treinar seres
humanos;
l) aprimorar a prática da leitura e da escrita;
m) refazer/reinventar o ato educativo considerando o contexto em que se
está inserido;
n) ensinar/orientar os estudantes como acessar, avaliar, analisar, organizar,
recriar e compartilhar a grande variedade de informações disponíveis;
o) saber o quê, como, por quê e para quê ensinar;
p) suprimir o sentimento de fraqueza, de impotência e instaurar a cultura da
ousadia, da audácia, da coragem;
q) engrandecer, em todos os educandos, a globalidade das suas
potencialidades;
r) viver intensamente a causa educativa;
s) transformar propostas tradicionais em proposições inovadoras com
fundamentação e orientação teórica equivalente;
t) rever teorias, crenças, pensamentos que nos movem;
u) zelar pela própria formação e atualização;
v) reconhecer a influência da afetividade na aprendizagem;
w) saber indignar-se;
x) assumir a educação formal como momento-espaço-processo do
aprender, da produção de saberes.
Entendemos que, refletir sobre desafios e compromissos do educador na
atualidade, constitui-se numa atitude primordial para o exercício profissional
docente consciente e comprometido para com sua própria formação e para com a
formação dos que participam do processo educativo, bem como, para impregnar
de sentido todas as iniciativas pertinentes ao ato de educar.
73

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