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Elizabeth Furtado
Epitácio Macário Moura
Maria Hercilia Mota Coelho
Filosofia da Educação
2ª Edição
2010
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(SEAD/UECE). Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer
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EXPEDIENTE
Design instrucional
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Igor Lima Rodrigues
Pedro Luiz Furquim Jeangros
Projeto gráfico
Rafael Straus Timbó Vasconcelos
Marcos Paulo Rodrigues Nobre
Coordenador Editorial
Rafael Straus Timbó Vasconcelos
Organização de Conteúdo
Edite Colares Oliveira
Diagramação
Rafael Straus Timbó Vasconcelos
Ilustração
Marcos Paulo Rodrigues Nobre
Capa
Emilson Pamplona Rodrigues de Castro
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
VICE-REITOR
Antônio de Oliveira Gomes Neto
PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO
Josefa Lineuda da Costa Murta
Unidade 1:
Pressupostos e Perspectivas.................................................................................................. 9
Capítulo 1 - A Filosofia........................................................................................................ 11
Introdução..............................................................................................................................11
A Filosofia...............................................................................................................................11
Capítulo 2 - A Educação e a Filosofia da Educação.............................................................. 14
Capítulo 3 - Pressupostos Filosóficos da Educação............................................................. 16
3.1. Antropologia Filosófica...................................................................................................16
3.2. Epistemologia..................................................................................................................18
3.3. Axiologia.........................................................................................................................19
Capítulo 4 - Alguns textos filosóficos sobre Educação........................................................ 21
Capítulo 5 - Breve panorama das correntes de Filosofia da Educação no Brasil................. 26
Conclusão............................................................................................................................ 32
Textos Complementares.........................................................................................................33
Unidade 2:
As concepções de Educação e seus pressupostos Filosóficos.................................................. 41
Capítulo 1 - A Educação primitiva e greco-cristã e a concepção essencialista do homem.. 43
Introdução..............................................................................................................................43
1.1. Origem do pensamento dialético.................................................................................... 43
1.2. Origem das idéias filosóficas nas sociedades primitivas.................................................45
Capítulo 2 - A Educação burguesa e a concepção existencialista de homem..................... 51
Capítulo 3 - Fundamentos filosóficos do racionalismo, empirismo e idealismo................. 53
Capítulo 4 - Filosofia dialética e Educação.......................................................................... 57
Unidade 3:
A relação homem-mundo como ponto de partida da teoria e da prática pedagógica............. 63
Capítulo 1 - O que é o homem?.......................................................................................... 65
Introdução..............................................................................................................................65
1.1. Uma busca ontológica pelo ser do homem..................................................................... 67
1.2. O homem, um ser social.................................................................................................69
1.3. Trabalho: fundamento do ser social................................................................................ 71
Capítulo 2 - Homem, trabalho e sociabilidade.................................................................... 75
2.1. Vamos refletir..................................................................................................................76
2.2. Em busca da racionalidade da desrazão capitalista........................................................81
2.3. Da produção da mercadoria à inversão da realidade......................................................83
2.4. Retirando o véu das coisas... .......................................................................................... 85
Unidade 4:
O sentido da educação para a existência humana.................................................................. 91
Capítulo 1 - O conhecimento como condição de produção da existência.......................... 93
Capítulo 2 - A Educação sob o domínio do capital.............................................................. 97
2.1. A função da Educação na sociedade capitalista.............................................................. 98
2.2. Educação em tempos de crise estrutural do capital.......................................................99
2.3. O que significa educar para a cidadania?........................................................................ 102
Capítulo 3 - Educação e emancipação humana.................................................................. 105
Os Autores
.
Unidade
1
Pressupostos e Perspectivas
Objetivos:
• Mostrar a origem do termo Filosofia e a diversidade de seus significados na História.
• Explicitar a especificidade da Educação e da Filosofia da Educação.
• Possibilitar a compreensão da importância dos pressupostos filosóficos da Axiologia,
Antropologia e Epistemologia para a Educação.
• Apresentar alguns textos filosóficos significativos que refletem, de forma diferenciada,
sobre a Educação.
• Expor, sumariamente, as correntes de Filosofia da Educação no Brasil.
Capítulo 1
A Filosofia
Introdução
A presença da Filosofia, em qualquer área do conhecimento, é impres-
cindível. Não porque seja obrigatória, mas porque a reflexão filosófica possi-
bilita determinados recursos categoriais que ampliam a nossa compreensão
de mundo e, por isso, pode nos instrumentalizar na existência prática e
cotidiana nas diversas atividades exercidas.
Por esse motivo, a Filosofia é mais importante ainda na área de Edu-
cação. Seja para professores ou para alunos. Ela nos permite ter acesso a
algumas reflexões que se voltam para a realidade com a qual convivemos
e na qual estamos inseridos e pela qual somos responsáveis pela mudança
ou permanência. Assim, então, a Filosofia da Educação se torna ainda mais
significativa para o profissional da Educação propiciando-lhe reflexões so-
bre o projeto educacional e sistematizando sua intervenção.
Nossos objetivos, no presente trabalho, serão o de mostrar a origem
do termo Filosofia e a diversidade de seus significados ao longo da história;
explicitar a especificidade da Educação e da Filosofia da Educação; possibili-
tar a compreensão da importância dos pressupostos filosóficos da Axiologia, Imanência: Conceito que
Antropologia e Epistemologia para a Educação; apresentar alguns textos filo- se refere à realidade pre-
sóficos significativos que refletem, de forma diferenciada, sobre a Educação; sente do aqui e do agora.
Dogmatismo: Pensamen-
expor, sumariamente, as correntes de Filosofia da Educação no Brasil. to que defende certas
idéias de forma inflexível.
A Filosofia
O termo Filosofia é de origem grega, composto por philo e Sophia, sig-
nificando “amizade pela sabedoria”. Contudo, ao indagarmos sobre o que é
filosofia não encontramos unanimidade quanto aos seus significados, pois
estes variam no tempo e no espaço: para Platão (séc. V a. C. ) Filosofia é um
saber verdadeiro, comprometido com uma sociedade justa e feliz; Aristóte-
les (séc. IV a. C. ) fala no desencadeamento da Filosofia a partir do espanto
diante do mundo; na época medieval, a Filosofia estava subordinada à teo-
logia com Agostinho (séc. V) e Tomaz de Aquino (séc. XIII); Descartes (séc.
XVII ) compreende a Filosofia como um conhecimento perfeito que pode fa-
cilitar a vida humana diante das intempéries naturais; Marx (séc. XIX) afir-
mou que a Filosofia apenas havia pensado o mundo e que era necessário
também transformá-lo; para Deleuze (séc. XX) a Filosofia é, basicamente,
uma criação de conceitos.
Os poucos exemplos citados não esgotam a variedade de definições
atribuídas ao termo, mas são representativos da riqueza de referenciais que
foram sendo modificados ao longo da história. Ora é a essência que norteia
o pensar filosófico, ora é a imanência. Algumas teorias trazem a perspec-
tiva de um objetivo último da História, outras apresentam uma preocupa-
ção com as questões humanas mais imediatas. Alguns pensadores centram
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 11
suas reflexões na prevalência da razão, outros fazem uma crítica a essa
centralidade, ou em nome da categoria do trabalho, ou em nome da catego-
ria da corporalidade.
Nesse labirinto de idéias que compõem a filosofia, o mais importante
é compreendermos que essa multiplicidade de caminhos e vertentes devem
nos instigar à percepção da multiplicidade do real, evitando o dogmatismo
empobrecedor. É relevante também a compreensão de que nessa riqueza
filosófica há elementos comuns: a crítica, o questionamento, a admiração, o
espanto, a desobediência, a rebeldia, a inquietação e o inconformismo com
o que é tido como eterno.
Apontamos aqui dois caminhos, dentre outros, que viabilizam o acesso
a esse tesouro: a História da Filosofia e as reflexões temáticas. Entretanto,
são dois caminhos que se cruzam constantemente. A reflexão temática, por
mais inédita que possa se apresentar, tem sempre algo já dito na tradição
filosófica. É uma necessária humildade filosófica que nos deve levar ao re-
conhecimento dessa contribuição sem, no entanto, ficarmos cativos dela. A
História da Filosofia deve estar sempre presente nos nossos estudos, seja
respaldando nossas recriações filosóficas seja para nos contradizer.
Na atual sociedade tecnologizada e capitalista, a Filosofia parece não
ter um lugar de acolhimento: pela pressa da vida urbana, pela busca insana
da sobrevivência, pela ganância material ou, ainda, pela concorrência exis-
tente entre as pessoas. Tudo isso parece não deixar espaço para o reconhe-
cimento do valor da Filosofia, ou do que ela possa propiciar em termos de
enriquecimento de sentido da vida, pois a vida contemporânea nos prende
em pequenos espaços mentais, muitas vezes através dos meios de comuni-
cação de massa, que se conformam em opiniões pré-estabelecidas. Falta-nos
a compreensão de que a Filosofia busca apreender o mundo em sua grande
variedade.
Nos seus quase vinte e seis séculos de existência, a Filosofia foi se cons-
Calidoscópio: Aparelho tituindo como um calidoscópio de enorme amplitude de estudos sobre: os
óptico formado por peque-
nos fragmentos de vidro
fundamentos últimos do ser (ontologia ou metafísica); as ciências com seus
colorido que refletem uma métodos e resultados (epistemologia); as diferentes modalidades de conheci-
combinação variada (ou mento humano tais como sensação, percepção, memória, imaginação, inte-
calidoscópio).
lecto, senso comum, ciência, etc. (teoria do conhecimento); os valores morais
(ética); as relações de poder e autoridade (política); as diversas dimensões da
história e suas concepções (filosofia da história); as formas, obras e criações
artísticas (filosofia da arte ou estética); a linguagem e todas as suas ramifica-
ções (filosofia da linguagem); os diferentes períodos da Filosofia e seus repre-
sentantes, idéias e obras (história da filosofia); a Educação e sua abordagem
filosófica (Filosofia da Educação) (CHAUI, 2003).
Essa abordagem multifacetada do real, contudo, não é propositiva de
soluções práticas e imediatistas, mas, sim, uma abordagem conceitual do
real. O filósofo pensa a realidade não sob o prisma de uma visão comum,
cotidiana, mas com um olhar inusitado, nunca antes usado. Um olhar que
vê diferente o sempre visto, um pensar que pensa de forma incomum o sem-
pre pensado. Esse pseudo-afastamento do real é para melhor apreendê-lo e
poder sugerir novas formas de abordagem desse mesmo real, tanto teóricas
quanto práticas. Não é um relacionamento empírico com o real, mas um
Multifacetada: Que apre-
senta muitas faces. relacionamento categorial, que pode, de preferência, reordenar as ações hu-
manas na cotidianidade concreta.
12 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. Explique porque não se pode afirmar que há somente uma defini-
ção de Filosofia.
2. Qual o lugar da filosofia nos dias de hoje?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 13
Capítulo 2
A Educação e a Filosofia da Educação
14 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
com um pensamento voltado exclusivamente às questões didático-pedagó-
gicas, apesar de poder ser apropriada para reflexões da ordem da Educação
formal.
A Filosofia da Educação tem objetivos mais amplos, dos quais podemos
lançar mão para o dia-a-dia da escola. Contudo, originariamente, podemos
dizer que a Filosofia da Educação é uma “pedagogia da razão” (MATOS, 1997,
p. 8), querendo dizer com isto que ela busca compreender a “Educação da
razão”, as formas como a razão se comportou através dos tempos, seus ex-
travios e possibilidades contemporâneas. É dessa maneira que a Filosofia da
Educação pode contribuir para as reflexões que indagam sobre que indivídu-
os pretendemos formar:
1. O que é Educação?
2. Busque sistematizar as contribuições que a Filosofia da Educação
pode oferecer para a prática educacional.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 15
Capítulo 3
Pressupostos Filosóficos da Educação
16 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A concepção antropológica essencialista tem sua raiz na metafísica
grega da antiguidade, a partir do século VI a.C. e se caracteriza pela busca
da unidade na multiplicidade dos seres, ou seja, é uma busca pela essência
do ser. Nessa concepção, a humanidade teria uma natureza imutável, ape-
sar das diferenças individuais. Assim, o grande papel da Educação seria
ajudar os indivíduos a alcançarem aquele modelo idealizado de homem. Na
Idade Média, aproximadamente do século V ao XIII, persiste também essa
concepção antropológica essencialista, só que agora dirigida pela visão cris-
tã que defendia uma essência humana advinda de Deus, e que deveria ser
alcançada visando a vida eterna. Nesse âmbito, a Educação estaria muito
próxima da fé.
A concepção antropológica naturalista, nos diz Aranha (2006), “co-
meçou a surgir com a revolução científica do século XVII e caracteriza-se
pelo enfoque naturalista imposto ao conceito de humanidade, projeto que
atingiu seu ápice com o cientificismo positivista, no século XIX, e que
até hoje tem seguidores”. A evolução das ciências a partir daí plasmou uma
visão mecanicista do homem: o corpo era uma máquina submetida às leis
naturais de forma determinista, estando ausente uma autodeterminação de
seu destino. Essa vertente naturalista e cientificista, influenciou fortemente
a psicologia behaviorista que, por sua vez, definiu rumos de técnicas e
procedimentos pedagógicos para a Educação.
A concepção antropológica histórico-social é moderna e contemporâ-
nea (século XVI ao século XX). Recusa uma concepção essencialista do
homem, afirmando que não há natureza humana universal. Segundo essa
concepção, os homens são seres pragmáticos, definidos pelo trabalho e pela Cientificismo positivista
Corrente filosófica que
convivência coletiva e as condições econômicas estabelecem os modelos so- tem na ciência o verdadei-
ciais de produção e suas circunstâncias. Ressaltamos duas grandes ver- ro conhecimento.
tentes representativas dessa concepção, dentre outras: a marxista, pautada
Behaviorismo – Termo
numa compreensão de totalidade com uma fundamentação econômica, e que vem do inglês beha-
a fenomenológica, defensora de uma autodeterminação mais autônoma do vior, comportamento, e
sujeito. A influência dessa concepção na Educação vem, principalmente, indica o estudo do com-
portamento fundado na
pela criação de teorias que reconhecem o papel do educando no processo análise das reações visí-
de aprendizagem. veis do organismo aos es-
tímulos exteriores.
A concepção antropológica pós-moderna é também contemporânea,
mais situada na metade do século XX e inícios do século XXI e suas princi-
pais críticas às grandes correntes humanistas da Modernidade são: a cen-
tralidade do sujeito seria uma invenção disciplinar; o saber não seria a porta
para a liberdade, mas estaria intimamente ligado a formas de poder; a idéia
única de humanidade precisa ser desfeita em nome do reconhecimento da
multiculturalidade; a superioridade da Razão moderna mostrou-se historica-
mente impotente para resolver os problemas da existência, daí a necessidade
de liberar e valorizar outras dimensões humanas que não só a racionalidade.
Os efeitos dessa concepção na Educação contemporânea ainda são visíveis,
sendo um dos principais a crítica à toda estrutura educacional montada:
currículo, relação aluno-professor, etc. (Conf. VEIGA-NETO, 2003).
3.2. Epistemologia
A teoria do conhecimento, gnoseologia (do grego gnose, “conhecimen-
to”) e epistemologia (do grego episteme, “ciência”), parte da Filosofia que
investiga as relações entre sujeito cognoscente (sujeito que conhece) e o
objeto conhecido (ser cognoscível) no ato de conhecer: como conhecemos o
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 17
real? Essa apreensão é determinada pelas sensações ou por idéias inatas?
É possível mesmo conhecer a realidade? O que é verdadeiro e falso? O termo
epistemologia significa também o estudo do conhecimento científico, suas
hipóteses, seus métodos, a natureza do conhecimento científico, por isso é
denominada de filosofia das ciências ou teoria do conhecimento científico.
Apesar dos filósofos da Antiguidade e da Idade Média terem se ocupa-
do com o problema do conhecimento, foi somente na Idade Moderna (século
XVII) que a teoria do conhecimento se consolidou como um ramo indepen-
dente de estudo. Os antigos reconheceram a possibilidade de nos enganar-
mos ao conhecer a realidade, mas nunca foi questionada a realidade do
mundo nem a capacidade em conhecê-la. Essa problemática iniciou com
o filósofo moderno Descartes, que investigou sobre a origem do conheci-
mento e sobre o critério de verdade: “Dessas indagações derivaram duas
tendências – o racionalismo e o empirismo – que marcaram, daí em diante,
a reflexão filosófica. O racionalismo teve seu maior expoente em Descartes,
defensor das idéias inatas, e o empirismo, em Locke e Hume, que valoriza-
ram a experiência no processo do conhecimento” (ARANHA, 2006, p. 160).
A questão central da teoria do conhecimento é: de onde vêm nossas idéias?
Indubitável: Que não
pode ser posto em dúvida.
Descartes iniciou sua filosofia pela teoria do conhecimento, buscando
uma verdade primeira sobre a qual não houvesse dúvida. A dúvida tornou-
se método e tudo foi questionado: o senso comum, os argumentos de auto-
ridade, o testemunho dos sentidos, as verdades deduzidas pelo raciocínio, a
realidade do mundo exterior e o seu próprio corpo. A partir do ser pensante,
existente no corpo, chega então a uma verdade indubitável, à existência
desse ser que duvida e que, se duvida, pensa: “penso, logo existo” (cogito,
ergo sum). Com essa certeza, vem a descoberta da existência de idéias cla-
ras e distintas que não derivam da experiência, pois já se encontram no
espírito humano, são as idéias inatas, que já nasceram com o sujeito.
As idéias inatas são verdadeiras e não sujeitas a erro, pois vêm da ra-
zão, e a partir delas conhecemos a realidade. Por isso, a filosofia cartesiana
é chamada de racionalista. É também um idealismo e um subjetivismo,
pois é no espírito, na razão, no sujeito, em forma de idéias, que se encontra
a realidade. Ou seja, na relação sujeito-objeto, o privilégio é do sujeito que
nos dá o critério seguro para não nos enganarmos com uma realidade falsa.
Apriorismo – Vem do la- O empirismo é muito diverso do racionalismo. Apesar de Locke ter
tim a priori (partindo da-
quilo que vem antes), é
sido influenciado por Descarte, criticou suas idéias inatas “ao afirmar que a
uma expressão filosófica alma é como uma tábula rasa, uma tábua sem inscrições, uma cera na qual
que designa um conhe- não há nenhuma impressão, porque o conhecimento só começa após a ex-
cimento que não leva em
consideração os fatos re-
periência sensível. Sua teoria ficou conhecida como empirismo, termo cuja
ais. O conhecimento a origem é a palavra grega empeiría, que significa “experiência” (ARANHA,
priori se complementa 2006, p. 161). Contudo, o fato de o empirismo priorizar o papel do objeto
com o conhecimento a
não significa que despreze a razão, mas sim que a subordina à experiência.
posteriori, aquele que se
adquire com a experiên- Da mesma forma, o racionalismo não exclui a importância da experiência
cia. sensível, mas apenas a considera um momento do conhecimento, sujeita a
enganos e subordinada à razão.
Já em meados do século XIX, o positivismo de August Comte radicali-
za a tendência empirista ao subordinar as experiências teológicas e metafí-
sicas, tidas como inferiores, à ciência. O estado positivo é o ápice do espírito
humano, a explicação dos fatos deve ocorrer por meio da observação e da
experimentação, e de suas relações entre os fenômenos.
Na contemporaneidade, tanto o apriorismo quanto o empirismo são
insuficientes para explicar a complexidade do ato cognitivo:
18 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
“Outros teóricos, porém, buscaram uma compreensão mais elaborada,
a fim de superar as duas posições antagônicas. Entre eles, Leibniz e
Kant, ainda no século XVIII, e Hegel e Marx, no século XIX, levaram a
efeito estudos nesse sentido. No século XX, a questão mereceu a atenção
de Husserl, representante da fenomenologia, corrente filosófica que, por
sua vez, influenciou a psicologia da forma (ou Gestalt) e a filosofia de
Merleau-Ponty. Essas concepções são bastante diferentes, mas têm em
comum o fato de considerar insuficientes as posições unilaterais do em-
pirismo e do inatismo. Para superá-las, lançam mão de uma concepção
mais dinâmica de verdade, bem como estabelecem uma relação intrínse-
ca entre sujeito e objeto” (ARANHA, 2006, p. 163).
3.3. Axiologia
Em grego, axiologia vem do substantivo axía, “preço”, “valor de algu-
ma coisa”, e do adjetivo axios “o que vale”, “que tem valor de”, “digno de”,
“justo”. Na antiguidade grega, portanto, dizia respeito à referência de preço
e a “um homem de valor”, corajoso e digno.
Foi somente a partir do século XIX que surgiu a teoria dos valores ou
axiologia como disciplina filosófica. O conceito valor passou a significar o
que é bom, estimado e o que serve para orientar a ação. A axiologia, geral-
mente, é relacionada aos valores éticos, mas seu campo abrange, também,
os valores estéticos, políticos, econômicos, etc.
No sentido ético e moral, as questões da axiologia tratam sobre a di-
versidade dos valores, natureza, subjetividade, universalidade, relatividade,
etc. Vem daí a complexidade das concepções axiológicas:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 19
que não vem de fora, mas é ditada pelo próprio sujeito moral. É diverso da
heteronomia (hetero = outro, diferente) onde o sujeito não se autodetermina.
A liberdade, então, é a capacidade de autodeterminação, na qual ser moral
significa ser responsável (responder por seus atos) e capaz de reciprocidade
(toda ação é intersubjetiva) e não deve ser confundida com individualismo.
No geral, a axiologia se caracteriza por duas amplas posições con-
traditórias: a liberdade incondicional (ou livre arbítrio) e o determinismo
absoluto.
A concepção de liberdade incondicional (ou livre arbítrio) compreende
que o ser humano teria uma liberdade absoluta, e que poderia tomar livre-
mente suas decisões independente das circunstâncias e movido somente
por interesses pessoais. A liberdade humana é incausada, não é determina-
da por causa alguma exterior à sua vontade: “Trata-se de uma concepção
aceita pela tradição cristã, que passou por Santo Agostinho, Santo Tomás
de Aquino e estendeu-se para outros filósofos que, embora de maneiras dife-
rentes, reafirmaram a faculdade do indivíduo de se autodeterminar apenas
pela sua consciência” (ARANHA, 2006, p. 174).
Diversamente, a concepção do determinismo absoluto reza que todo
ato é causado. O indivíduo, assim como as coisas e os animais, ao sofrer de-
terminações externas e internas torna ilusórias suas escolhas individuais.
O corpo físico e biológico, as leis do psiquismo, a cultura fazem do sujeito
ser o que ele é.
A essas duas posições, rígidas e antagônicas, é contraposta a teoria da
liberdade situada, a partir de uma visão dialética da liberdade. Admite-se,
aí, que o ser humano é multiplamente determinado, “mas, como é também
um ser consciente, ao tomar conhecimento desses determinismos e dos obs-
táculos a ele antepostos, é capaz de agir sobre a realidade, transforman-
do-a,. ou seja, sua atuação torna-se criadora e, portanto, livre” (ARANHA,
2006, p. 175, P. 175). A teoria da liberdade situada desloca a questão da li-
berdade para o campo prático da ação, pois considera o indivíduo como um
sujeito social. Há o reencontro do pessoal e do social, elementos imprescin-
díveis da constituição de uma individualidade autônoma. A liberdade não é,
portanto, algo dado, mas construído historicamente.
20 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 4
Alguns textos filosóficos sobre Educação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 21
“(...) se aprender é apenas rememorar, então a função do professor é con-
duzir o aluno no processo de trazer à consciência as idéias que jazem
escondidas em sua alma. Sócrates, o professor por excelência, compara
o seu trabalho com o da parteira: através de perguntas, faz com que os
indivíduos cheguem às verdades que estavam adormecidas no interior
de suas mentes, ou seja, induz o nascimento dessas verdades” (PORTO,
2006, p. 13).
22 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
rito, sensibilidade e dever, não se tornará um homem bom e verdadeiro sem
que a razão prevaleça sobre os sentidos. Contudo, para Kant, a Educação
da sua época era insuficiente para a realização desse ideal humano, pois
tinha como parâmetro o presente, ao passo que o referencial deveria ser o
futuro e a idéia de uma humanidade culta e predestinada a um patamar
moral superior, a serem realizados pelo trabalho sucessivo e progressivo
das gerações.
Na obra Sobre a pedagogia, Kant ressalta a necessidade do cultivo da
civilização através da Educação para conter o estado de animalidade do
homem e a possibilidade do homem tornar-se esclarecido, educado, ilumi-
nado, pelo ensino da virtude. Para ele, o ato de educar é imprescindível na
formação ética do homem, pois a moral, a sabedoria, a felicidade e a liber-
dade são alcançadas através do processo educativo que realiza os ideais
universais da moral apriorística do Esclarecimento.Podemos afirmar que,
para Kant, virtude corresponde à força moral da vontade no cumprimento
do seu dever. A auto-coerção moral da razão legisladora exige a execução da
lei. A moral deve gerar uma fortaleza que obstaculize os impulsos das incli-
nações naturais que são contrárias às leis. A fortaleza moral é o maior bem
e o maior valor moral do homem, pois é conquistada no enfrentamento das Esclarecimento – É tam-
inclinações dos vícios mediante a razão. Essa virtude é alcançada e adqui- bém conhecido como Ilu-
minismo ou Ilustração e,
rida pela Educação, pois ela não é inata. A virtude exige disciplina estóica
em alemão, Aufklärung.
constante. Enfim, o homem que a Educação kantiana busca formar pressu- Todos esses termos desig-
põe uma ultrapassagem progressiva de sua animalidade a um ideal de hu- nam o movimento cultural
manidade, substituindo ignorância por instrução, correção de inclinações europeu do século XVIII
que baseava na Razão a
naturais por meio da razão prático-moral como um dever a ser cumprido liberdade e o progresso
para que se realize sua humanidade essencial. É preciso educar, cultivando humanos.
progressivamente a fortaleza da vontade para que seja alcançada a virtude
Bildung – Termo alemão
e a lei seja cumprida por respeito ao dever. que significa formação,
O artigo de Vattimo, A Educação contemporânea entre a epistemolo- Educação da pessoa.
gia e a hermenêutica, elabora algumas premissas que, para o autor, são
hipotéticas, mas válidas no plano teórico e visam a Educação num âmbito
bem amplo, pois “elas poderão também encontrar caminhos para serem
aplicadas aos problemas concretos da Educação não apenas escolar” (1992,
p. 18). A idéia central exposta nesse artigo é a de que o referencial epistemo-
lógico teria norteado a Educação moderna e o referencial hermenêutico, em
circunstância das modificações sociais, seria o referencial mais apropriado
para a Educação pós-moderna.
A pós-modernidade é uma ‘condição da sociedade’ que não se guia
mais pelo ideal do progresso ilimitado, nem na crença desse ideal basea-
do no conhecimento técnico-científico como o era na sociedade moderna.
Diversamente, a sociedade pós-moderna busca sistemas e valores diferen-
ciados. O significado da passagem do ideal científico para o ideal herme-
nêutico na Educação, segundo Vattimo, implica necessariamente na perda
de autoridade do ideal científico de formação (Bildung), que, por sua vez, é
determinada pelo fim da crença no progresso que, por seu lado, depende da
dissolução da idéia unitária da história
A pós-modernidade, com sua característica capacidade de gerar e ar-
mazenar informação, se coaduna muito mais com o ideal hermenêutico,
haja vista que os problemas atuais tendem a se definir como problemas
culturais em vez de problemas científicos. Na sociedade pós-moderna pre-
domina uma vertiginosa circulação de informações, onde se faz necessária
a competência hermenêutica, muito mais que a competência científica ou
técnica. Para o autor, “os grandes problemas que se nos apresentam atu-
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 23
almente, e que se intensificarão em futuro próximo, são em grande parte,
problemas de relações entre ‘culturas’, não mais problemas de formação
científica” (VATTIMO, 1992, p. 15).
Vattimo chama a atenção para o fato de que a proposta de introdução
da idéia de hermenêutica no tema da Educação, configurando uma Educa-
ção pós-moderna, leva em consideração as exigências sociais às quais ela
responde, mas não significa decretar a volta do humanismo da Moderni-
dade simplesmente, apesar desse ideal hermenêutico dever ter por base as
humanidades.O humanismo da Educação pós-moderna deverá ter novas
bases nessa proposta de referencial hermenêutico: contemplando a plurali-
dade cultural, ao invés do eurocentrismo da Modernidade; diversificando os
currículos; sendo menos repressivo; sendo menos disciplinar; sendo mais
artístico e não somente científico; sendo mais prático e não meramente epis-
temológico (Conf. MARINHO, 2008).
Meszáros, filósofo marxista contemporâneo, no livro A Educação para
além do capital, reflete sobre ‘a incorrigível lógica do capital e seu impacto
sobre a Educação’. Para ele é inegável a ligação entre os processos educa-
cionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução, bem como
é inconcebível a reformulação da Educação sem a transformação do quadro
social. A perda dessa perspectiva de totalidade acarreta uma visão parcial
Capital – No sistema ca-
da Educação e de suas práticas transformadoras, levando tão-somente à
pitalista de produção correção de detalhes, seguindo intactas as determinações estruturais fun-
capital é o dinheiro que damentais da sociedade e a lógica do sistema capitalista.
tem por finalidade única
conseguir mais lucro, se A razão para o fracasso dos esforços anteriores dessas reformas edu-
auto-valorizar, indepen- cacionais, reconciliadas com o ponto de vista do capital, consistia, e ainda
dentemente dos valores e consiste, no fato de as determinações fundamentais do sistema do capital
necessidades humanas.
serem irreformáveis. Uma reforma educacional dentro dos parâmetros do
capital compactua com a permanência do sistema produtivo e por isso é
que somente rompendo qualitativamente com a lógica do Capital haverá, de
fato, uma nova Educação:
24 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
das instituições educacionais às novas determinações reprodutivas do
sistema do Capital não se moveram somente em decorrência de práti-
cas humanitárias, mas também porque se revelaram pouco lucrativas
e muito dispendiosas.
Outra questão relevante é a influência do Capital sobre toda e
qualquer área relacionada à Educação, responsável pela internaliza-
ção dos valores favoráveis ao Capital e pelo fortalecimento das insti-
tuições da Educação formal. Estas são completamente integradas na
totalidade dos processos sociais e só funcionam de forma adequada
em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade
como um todo. Para Meszáros, não se escapa à ‘prisão’ do sistema es-
colar formal simplesmente através das reformas educacionais e nem
tampouco se escapa ao sistema geral de internalização de valores da
sociedade capitalista simplesmente através das reformas das institui-
ções da Educação formal:
Somente “a mais ampla das concepções de Educação nos pode
ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente ra-
dical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica
mistificadora do Capital” e vislumbrar uma esperança e uma possibi-
lidade de êxito alternativo à sociedade capitalista. (MESZÁROS, 2005,
p. 48). O inverso é o reformismo, com seus reparos institucionais for-
mais, seu ‘passo a passo’ gradualista, e a permanência no ‘círculo vi-
cioso institucionalmente articulado e protegido dessa lógica autocen-
trada do Capital’. Essa abordagem gradualista da Educação é elitista
e pretensamente democrática.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 25
Capítulo 5
Breve panorama das correntes de Filosofia da
Educação no Brasil
26 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
“Daí a relevância que a teoria científica adquire para o conhecimento do
processo educacional e para a sustentação técnica das práticas peda-
gógicas. E daí decorre também a tendência a se atribuir à Filosofia da
Educação, como suas tarefas fundamentais, a justificação epistemoló-
gica do empreendimento educativo e a defesa da utilização dos recur-
sos técnico-científicos para a boa condução dos processos pedagógicos”
(Idem, p. 289-290).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 27
Na perspectiva hermenêutica, a Educação significa a valorização da
autonomia do sujeito, a vivência da consciência e a predominância do ético
sobre o político. Assim, dentre outras vertentes, essa perspectiva filosófica
faz a crítica ao pensamento cientificista e se ocupa fundamentalmente com
uma reflexão ético-antropológica. Muito são os representantes brasileiros,
de diversas tendências, dessa perspectiva filosófica, mas ressaltemos aqui
somente os mais expressivos, como Hilton Japiassu, Paulo Freire e Moacir
Gadotti.
Hilton Japiassu é o representante do combate à pedagogia científica
no Brasil com a sua proposta de pedagogia da incerteza, a qual tem por
alvo as ilusões do cientificismo educacional, no qual a Educação deveria
ter por base a ciência. A contaminação positivista da cultura teria impreg-
nado a Educação com a idéia de que a ciência daria respostas seguras a
seus impasses. Todos esses equívocos teriam que ser substituídos por um
envolvimento mais intencional do professor, uma posição mais crítica aos
apelos ideológicos da ciência, por uma exigência com relação à formação do
professor e com a interdisciplinaridade.
Paulo Freire é outro nome de extrema importância da Filosofia da
Educação norteada pela perspectiva hermenêutico fenomenológica, tendo
sido fortemente influenciado pelo existencialismo. Nesse âmbito, a Educa-
ção deveria ser “prática de liberdade e a pedagogia, processo de conscienti-
zação” (idem, p. 303). Associada a essa liberdade, a Educação deveria estar
associada ao ato político promotor da conscientização política, pois ela não
é neutra, promovendo a autonomia intelectual do educando: “A reflexão e
seu aprendizado devem ocorrer exercendo-se sobre a prática, retornando-se
os resultados do conhecimento para ela, com vistas a sua transformação.
Assim, o filosofar deve voltar-se sobre o concreto, sobre o real, não se fazen-
do pensamento sobre pensamento” (Idem, p. 303).
Alienação – A alienação
Moacir Gadotti é um seguidor da filosofia educacional de Paulo Freire
surge na vida econômi- e defende que a Educação é a formação de consciência crítica que possibilita
ca quando o trabalhador, a emancipação do sujeito prisioneiro da alienação. Para tanto, é necessá-
ao vender sua força de rio também denunciar o caráter ideológico da Educação no plano político,
trabalho, perde o que ele
próprio produziu e perde social e econômico. Para Gadotti, os principais objetivos da Filosofia da
também sua consciência Educação são:
crítica.
“(...) escutar os problemas da Educação, formando-se e informando-se;
refletir criticamente problematizando essas questões; evidenciar as con-
tribuições oferecidas pelas ciências da Educação para a eventual solu-
ção dos problemas; explicitar e denunciar as ideologias que desvalorizam
a reflexão e o conhecimento; manter diálogo fecundo com o passado me-
diante recurso à historia; buscar novos caminhos e pistas para a práxis
educativa nos dias atuais; trabalhar interdisciplinarmente o conheci-
mento; desenvolver uma prática dialógica e solidária na ação educativa”
(Idem, p. 304).
28 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
relação à subjetividade, mas é que ela é compreendida tendo por base as
relações sociais. O importante é a “organização de relações sociais emanci-
patórias, reclamando da Educação o investimento de todos os seus recursos
na intencionalização da prática, para que ela, tornando-se práxis, organize
politicamente a sociedade” (Idem, p. 287).
Dessa forma, a Educação é tida como uma práxis construtora da histó-
ria, na qual a prática pedagógica tem uma dimensão eminentemente política:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 29
de poder, condena a prepotência das metanarrativas modernas, afirma que
a história é pura contingência e defende a importância do desejo e do corpo.
A partir dos anos 90 do século XX, e com maior celeridade no século
XXI, a literatura da Filosofia da Educação no Brasil vem recebendo forte
influência dessa perspectiva pós-moderna, abrigando uma crítica descons-
trutiva dos paradigmas do conhecimento, da ciência e da filosofia da moder-
nidade embasados na centralidade da razão.
As grandes matrizes teóricas dessa perspectiva são: Michel Foucault,
Derrida, Barthes, Lyotard, Baudrillard, Deleuze e Guatarri. Esses pensa-
dores são tidos como pós-modernos ou pós-estruturalistas e trazem em
comum a crítica ao Projeto Emancipatório Iluminista da Modernidade que
acreditava, entre outras coisas, na libertação do homem por intermédio do
aperfeiçoamento de sua racionalidade. Essas vertentes filosófico-educacio-
nais inspiradas no pensamento pós-moderno, segundo Severino,
30 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. Quais foram as quatro grandes correntes filosóficas que, segundo Seve-
rino, influenciaram a Filosofia da Educação no Brasil?
2. Enumere as principais características dessas correntes e seus principais
representantes.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 31
Conclusão
32 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Lição de filosofia para a política da Educação. Lição de Educação para a
política da filosofia. Lições de uma experiência de filosofia de Educação”
(KOHAN, 2003, p. 228).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 33
9. Faça uma leitura em conjunto do texto O mestre ignorante, de Racière,
que se encontra na conclusão, e promova uma reflexão sobre a frase:
“Quem não deixa que os (as) outros (as) se emancipem, embrutece”. Em
seguida promova um debate.
Texto 01
Filosofar não deveria ser sair de dúvidas, mas entrar nelas. É claro que
muitos filósofos – e até os maiores! – cometem, às vezes, formulações pe-
remptórias que dão a impressão de já ter encontrado respostas definitivas
às perguntas que nunca podem nem devem “fechar-se” por inteiro intelectu-
almente (...). Vamos agradecer-lhes suas contribuições, mas não seguir dog-
matismos. Há quatro coisas que nenhum bom professor de filosofia deveria
esconder de seus alunos:
1) Que não existe “a” filosofia, mas “as” filosofias e, sobretudo, o filoso-
far: “A filosofia não é um longo rio tranquilo, em que cada um pode
pescar sua verdade. É um mar no qual mil ondas se defrontam, em
que mil correntes se opõem, se encontram, às vezes se misturam,
se separam, voltam a se encontrar, opõem-se de novo... cada um
o navega como pode, e é isso que chamamos de filosofar”. Há uma
perspectiva filosófica (em face da perspectiva científica ou da artís-
tica), mas felizmente ela é multifacetada;
2) Que o estudo da filosofia não é interessante porque a ela se dedica-
ram talentos extraordinários como Aristóteles ou Kant, mas esses
talentos nos interessam porque se ocuparam dessas questões de
amplo alcance que são tão importantes para nossa própria vida hu-
mana, racional e civilizada. Ou seja, o empenho de filosofar é muito
mais importante do que qualquer uma das pessoas que bem ou mal
se dedicaram a ele;
3) Que até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e comete-
ram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos
intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e digo
isso como elogio e não como censura. Portanto, a tarefa do profes-
sor de filosofia não pode ser apenas ajudar a compreender as teorias
dos grandes filósofos, nem mesmo contextualizadas em sua devida
época, mas sobretudo mostrar como a intelecção correta dessas
idéias e raciocínios pode nos ajudar hoje a melhorar a compreensão
da realidade em que vivemos. A filosofia não é um ramo da arqueo-
logia e muito menos simples veneração de tudo o que vem assinado
por um nome ilustre. Seu estudo deve nos render alguma coisa mais
do que um título acadêmico ou um certo verniz de “cultura elevada”;
4) que em determinadas questões extremamente gerais aprender a
perguntar bem também é aprender a desconfiar das respostas de-
masiado tachativas. Filosofamos partindo do que sabemos para o
que não sabemos, para o que parece que nunca poderemos saber
totalmente; em muitas ocasiões filosofamos contra o que sabemos,
34 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ou melhor, repensando e questionando o que acreditávamos já sa-
ber. Então nunca podemos tirar nada a limpo? Sim, quando pelo
menos conseguimos orientar melhor o alcance de nossas dúvidas
ou das nossas convicções. Quanto ao mais, quem não for capaz de
viver na incerteza fará bem em nunca se pôr a pensar.
Texto 02
(...) além da qualificação técnico-científica e da nova consciência social,
é ainda exigência da preparação dos professores uma profunda formação fi-
losófica. E esta formação é a tarefa que cabe à filosofia da Educação. A exis-
tência de disciplina desse teor no currículo dos cursos de preparação de pro-
fessores justifica-se não por alguma sofisticada erudição ou academicismo: é
uma exigência do próprio amadurecimento humano do educador. Coloca-se,
com efeito, uma questão antropológica: trata-se de explicitar qual o sentido
possível da existência do homem brasileiro como pessoa situada na sua comu-
nidade, de tais contornos sociais e em tal momento histórico. (...) Ou seja, não
é possível compreender um projeto educacional fora de um projeto político,
nem este fora de um projeto antropológico, isto é, de uma visão de totalidade
que articula o destino das pessoas como o destino da comunidade humana.
SEVERINO, Antônio Joaquim. In: ARANHA, Maria Lú-
cia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. rev. e ampl. –
São Paulo: Moderna, 2007. 327 p. Cap. 3. p. 50.
Texto 03
(...) nessa luta política em que se engajam os autores, a filosofia por
eles exercitada deixa as alturas transcendentes e se abre e se conecta vir-
tualmente com o não-filosófico (o cinema, o corpo, a literatura, o cotidiano,
a sexualidade, a Educação etc.), entretendo com ele conversações originais,
produtivas e polissêmicas. Pop-Filosofia sem mestres pensadores, apesar de
toda a sedução dos meios de comunicação; apesar de todo o glamour que cer-
ca a noção de autor. À espetacularização do pensamento, Foucault e Deleuze
preferem o anonimato, a vida dos homens infames, os devires imperceptíveis.
Ademais, já não intervêm na sociedade seguindo o pretensioso modelo do
intelectual como consciência universal esclarecida das massas, tal como o
encarnavam Sartre e tantos outros. Ambos consideram indigna e equivocada
a intenção de “falar por”, de representar o outro, assim como a de tornar dócil
a alteridade (através, por exemplo, da “tolerância à diferença”); dirigem suas
investigações teóricas para problemas regionais, mais localizados, no que são
acusados de negligenciar “o todo”. (...). Ora, daí já se pode depreender a di-
ficuldade experimentada pela Educação em assimilar os pensamentos icono-
clastas desses dois filósofos. Com efeito, as pesquisas de Foucault terminam
por evidenciar um cruel paradoxo que permeia a tão enaltecida missão civili-
zadora dos educadores. Desde a modernidade, atribuiu-se à Educação, por in-
termédio de sua universalização, a grandiosa tarefa de esclarecer e emancipar
“O Homem”, dando-lhes as condições de construção de sua liberdade moral.
Foucault nos mostra, porém, que antes de meados do século XVIII essa figura
abstrata (“O Homem”) não existia. Antes o contrário, ela constitui justamente
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 35
um efeito do poder; mais precisamente, de relações de saber-poder. Sua ob-
jetivação e normalização, diz ele, só foram tornadas possíveis, por um lado,
por intermédio da disciplinarização (adestramento, regulação e controle) dos
corpos dos indivíduos, de modo a torná-los submissos à governamentalidade
e úteis ao sistema de produção capitalista e, por outro, pela ação de um dis-
positivo da sexualidade, que agenciava os saberes das ciências humanas aos
das disciplinas clínicas, produzindo subjetividades (identidades, personalida-
des, maneiras de agir, pensar e sentir) e enquadrando-as em padrões arbitrá-
rios de normalidade ou anormalidade. Mas não só, Foucault também aponta
a ingenuidade dos educadores em pensar “o sujeito da Educação” em termos
essenciais, identitários, substancialistas: livre e racional, por natureza, funda-
mento para o conhecimento e a prática (...).
GADELHA, Sylvio. Foucault como intercessor. In: Foucault pensa a Edu-
cação. Revista Educação especial n. 3. Editora Segmento: São Paulo, 2007.
(Coleção Biblioteca do Professor).
Leituras
A República.
Esse livro é um clássico nos estudos da filosofia da Educação por ser
a primeira obra filosófica que reflete sobre a Educação. Sendo um livro da
Antiguidade Grega, mostra o papel da Educação na formação do cidadão
numa época em que era impensável a separação entre Educação e política.
Autor: Platão. Editora: Calouse Gulbenkian, 1987).
Sobre o ensino (De magistro).
Obra representativa da Idade Média mostra o ensino como um ato de
condução da potência ao ato que só o próprio aluno pode realizar. O profes-
sor somente lança sinais, ou seja, ensina (do verbo insegnire). Deus não é a
única causa dessa possibilidade pois em sua bondade infinita permite que
o homem também seja causa de certas atividades. Autor: Tomás de Aquino.
Editora: Martins Fontes, 2000.
Emílio ou Da Educação.
Livro representativo da Modernidade e da concepção de homem e
Educação modernos. Trata sobre a Educação privada e a importância da
Educação na transformação da sociedade. Aborda a Educação por vários
ângulos, que vão desde a nutrição até a moral. Autor: Rousseau. Editora:
Martins Fontes, 2004.
Escritos sobre Educação.
Reunião de dois expressivos estudos nietzschianos sobre a Educação:
1- Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino; 2- Considerações
intempestivas: Shopenhauer educador. Predominam nesses dois textos a
crítica à modernidade e a sua ingênua crença no progresso. Autor: Nietzs-
che. Editora: PUC – Rio; Edições Loyola, 2003.
36 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A Educação para além do capital.
Esse pequeno ensaio defende que se faz necessário pensar a sociedade
tendo como parâmetro a superação do Capital. Dessa forma, a Educação
não pode ser pensada circunscrita somente ao estrito terreno da pedagogia.
Mediante essas questões, surge a pergunta: qual o papel da Educação na
construção de um outro mundo possível? Autor: István Meszáros. Editora:
Boitempo, 2005.
Educação inclusiva: a fundamentação filosófica
Coordenação geral SEESP/MEC; organização Maria Salete Fábio Ara-
nha. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial,
2004. Disponível no site www.dominiopublico.gov.br.
Coleção Pensadores & Educação.
Belo Horizonte, Editora Autêntica. Esta coleção reúne obras escritas
por especialistas que abordam discussões contemporâneas no campo da
pesquisa e da prática educacionais, contendo análises do pensamento de
diversos filósofos: Platão & a Educação, Foucault & a Educação, Habermas
& a Educação, Rousseau & a Educação, dentre outros.
Revista Educação - Coleção Especial Biblioteca do Professor.
São Paulo, Editora Segmento. Cada número é dedicado a por um filó-
sofo que Pensa a Educação e é apresentado e discutido pelos maiores espe-
cialistas da área. Os oito números já publicados trazem Freud, Nietzsche,
Foucault, Hannah Arendt, Bourdieu, Deleuze, Benjamin e Jung.
Filmes
O nome da rosa.
Fra/Ita/Ale, 1986. Dirigido por Jean-Jacques Annaud. Estranhas
mortes começam a ocorrer num mosteiro beneditino localizado na Itália
durante a baixa Idade Média, onde as vítimas aparecem sempre com os
dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, onde
poucos monges têm acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de
um monge franciscano (Sean Conery), incumbido de investigar os casos, irá
mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribu-
nal da Santa Inquisição.
Matrix.
USA, 1999. Direção dos irmãos Wachowski. Matrix é um filme de
ficção científica que tem como uma de suas características principais uma
infindável sequência de citações a outras obras. Referências literárias, cine-
matográficas ou religiosas aparecem em quase todos os momentos da fita.
A trama do filme aborda a modernidade e expressa a onipresença da tecno-
logia e informática na história.
The Edukators.
Alemanha, 2004. Direção Hans Weingartner. O filme conta a história
de dois jovens que acreditam poder mudar o mundo e se autodenominam
“Os Educadores”. São rebeldes contemporâneos que expressam sua indig-
nação de forma pacífica: eles invadem mansões, trocam móveis e objetos de
lugar e espalham mensagens de protesto.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 37
Central do Brasil.
França/Brasil, 1998. Direção de Walter Salles. Uma mulher (Fernan-
da Montenegro) escreve cartas sob encomenda na estação de trem Central
do Brasil, Rio de Janeiro, para o enorme contingente de usuários que são
analfabetos e decide ajudar o menino Josué, após sua mãe ser atropelada.
Narradores de Javé.
Brasil, 2003. Direção de Eliane Caffé. A pequena cidade de Javé que
será submersa pelas águas de uma represa não terá seus moradores inde-
nizados por não possuírem os registros das terras. Inconformados, desco-
brem que o local poderia ser preservado se tivesse um patrimônio histórico
de valor comprovado em “documento científico”. Decidem então escrever a
história da cidade - mas poucos sabem ler e só um morador, o carteiro, sabe
escrever.
Sites recomendados
• http://www.filoeduc.org/
• http://www.dominiopublico.gov.br/
• http://www.cpflcultura.com.br
• http://portaldoprofessor.mec.gov.br
• http://portal.mec.gov.br/index.php
• http://www.rived.mec.gov.br/
• http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/
38 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13 ed. Editora Ática: São Paulo,
2003.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense,
2007. (Coleção primeiros passos).
MATOS, Olgária. Filosofia – a polifonia da razão: Filos ofia e Educação.
São Paulo: Scipione, 1997. (Coleção pensamento e ação no magistério).
PAVIANI, Jayme. Filosofia e Educação, filosofia da Educação. In: Filoso-
fia e pedagogia: aspectos históricos e temáticos. Cláudio A. et altri. (Org.).
Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Educação contemporâ-
nea).
PORTO, Leonardo Sartori. Filosofia da Educação. Rio de janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2006. (Coleção passo-a-passo).
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica,
2003.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cida-
dania. São Paulo: FTD,1994.
--------------------------------. A Filosofia da Educação no Brasil: esboço de
uma trajetória. In: O que é Filosofia da Educação? 13. ed. Paulo Ghiral-
delli Jr. (Org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
MARINHO, Cristiane M. Pensamento pós-moderno e Educação na crise
estrutural do capital. Fortaleza: UFC, 2008 (Tese de Doutorado).
MÉSZÁROS, Istvan. A Educação para além do capital. São Paulo: Boitem-
po, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipa-
ção intelectual. Tradução de Lílian do Valle. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2004 (Coleção Educação: Experiência e Sentido).
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 39
Unidade
2
As concepções de Educação e
seus pressupostos Filosóficos
Objetivos:
• Contextualizar a Educação primitiva e greco-cristã, introduzindo estudos sobre a
concepção essencialista do homem.
• Introduzir leituras críticas sobre a Educação burguesa e traçar um perfil teórico
sobre a concepção existencialista de homem.
• Trazer para uma leitura interpretativa os fundamentos do racionalismo, empirismo
e idealismo.
• Aprofundar estudos sobre dialética e Educação.
Capítulo 1
A Educação primitiva e greco-cristã e a
concepção essencialista do homem
Introdução
“Na concepção da Educação dirigida para o futuro o presente deve ser
submetido à crítica, e esta deve acelerar o processo de desaparecimento
de tudo o que é antiquado e caduco, acelerando o processo de concreti-
zação do que é novo, onde quer que este processo evolua de modo exces-
sivamente lento e deficiente.” (SUCHODOLSKI, 2002, p.101)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 43
grande mérito da definição dessa idéia está na figura de Lao-Tsé, autor do
famoso livro Tao Te Ching.
A retomada das idéias da dialética vai acontecer no período pré-socrá-
tico na figura do pensador Heráclito de Éfeso. Este vai considerar em seus
estudos sobre o pensamento humano, um outro importante princípio: do
movimento.
O princípio do movimen-
to é uma condição ineren-
te a todas as coisas Essa idéia de movimento será mais tarde refutada por Parmênides de
Eleia. Este filósofo vai dizer que as idéias de Heráclito são ilusórias porque
o mundo, na realidade, é imutável.
No pensamento da Grécia antiga, a dialética vai ter uma trajetória
curta porque sua compreensão será voltada para o “método de dedução ra-
cional das idéias”. É outra maneira de compreensão teórica sobre o que aqui
estamos chamando de dialética.
É o filósofo grego Platão que vai assumir o papel de reduzir essa “ciên-
cia do conhecimento” em mera técnica de pesquisa; e vai defender, também,
que essa forma de pesquisa só deveria ser utilizada com a colaboração de
O que é aparência para mais de uma pessoa e com a utilização da técnica baseada em perguntas e
Aristóteles? Será que tem respostas.
o mesmo sentido concei-
tual utilizado nas nossas
expressões cotidianas?
“O conhecimento deveria nascer desse encontro,
da reflexão coletiva, da disputa e não do isolamento.
” Platão.” (GADOTTI, op. cit., p.16)
44 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Para esses filósofos gregos, a contribuição da dialética estaria em ad-
mitir que o educando tenha potencialidades que, se exploradas, o levariam
a atingir sua plenitude como cidadão.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 45
integral no sentido de que cada membro da tribo incorporava mais ou
menos bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e
elaborar” (PONCE, op. cit., p. 21)
É, pois, com a fixação do homem a terra, por ser a sua principal fonte
de produção para sobrevivência, que vai ocorrer o surgimento da proprie-
dade e o incremento da divisão social do trabalho. Dar-se a privatização da
terra e como consequência, as formas de exploração do trabalho humano.
46 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
diz respeito aos valores coletivos. Era concedida a essas crianças a respon-
sabilidade de exercerem funções no ambiente coletivo, em iguais condições
com os adultos.
A maneira de conceber a formação dos seus filhos fazia dessas mu-
lheres educadoras capazes de entender que o castigo não ajudava no seu
aprendizado. É por isso que encontramos nos textos que tratam dessa épo-
ca da história humana, idéias que revelam mulheres educadoras com uma
leitura reflexiva, por isso filosófica, sobre comportamento infantil.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 47
O estudo desse momento histórico nos faz acreditar que estavam as-
seguradas novas finalidades para a Educação de homens que serão diferen-
tes, desiguais, porque a base econômica da sociedade estaria, desde então,
estabelecida entre exploradores e explorados.
Ponce nos diz, ainda, que a passagem dessa fase para a chamada fase
da Educação antiga, vai ser também caracterizada pela propriedade privada,
a idéia de uma religião pautada pela figura de deuses. As mulheres passam a
ser submissas à autoridade dos homens. Tudo isso irá influenciar uma Edu-
cação mais fechada e acarretará, posteriormente, o surgimento do Estado.
Em se tratando desse período do pensamento humano, chama-nos
atenção o fato de que a Educação já tinha o papel de formar um homem
determinado pela sociedade daquela época. É a idéia da filosofia da essência
que, em se tratando do período grego, vai definir o homem livre, como sendo
o cidadão e desconsiderar o homem escravo como cidadão porque exercia
atividade braçal. Para Saviani,
48 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Para esse teórico da Educação é em Platão que vamos encontrar a
idéia da imutabilidade do conhecimento. Da verdade absoluta que vai per-
mear mais adiante o pensamento da pedagogia tradicional. É nele que va-
mos encontrar a idéia de que o homem pertence ao mundo das sombras, que
seriam o corpo, o desejo, os sentidos, e ao mundo das idéias que é o reino
do espírito.
Provérbios:
“Pau que nasce torto morre torto”
“Filho de peixe, peixinho é”
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 49
É de Aquino também a idéia de que, “da mesma forma que não se
pode atribuir a causalidade eficiente da árvore ao agricultor, pois
este não cria a árvore, mas a cultiva, o homem não pode comunicar
a ciência, mas prepara para ela”
Mesmo reconhecendo as defesas filosóficas de São Tomás de Aquino
sobre o papel passivo e contemplativo do homem frente à sociedade daquela
época, ele refuta algo importante nas idéias cristãs: o Inatismo. Aquino
defendeu uma Educação que desenvolvesse, no educando, suas potencia-
lidades baseadas em atividades. Estas serão um importante diferencial do
Inatismo... – Uns nascem pensamento platônico, apesar de Suchodolski considerar que a essência
melhores ou superiores a das suas idéias permanece a mesma do cristianismo, mesmo reconhecendo
outros nesse filósofo cristão um estudioso de Aristóteles. Este filósofo grego trazia
O Inatismo defende a idéia
de que o homem já nasce para discussão sobre o conhecimento as questões do mundo empírico. Se-
prefixado em sua essência parou a matéria da forma. Dando para a primeira a idéia de algo estático; e
ao nascer. Pode ser: quanto à forma um caráter dinâmico e duradouro.
Por dom divino
Por determinação natural, Diante do que foi lido, do estudado e do que foi refletido, é possível
biológica afirmar que esse período da história humana é voltado para o cerceamento
da liberdade de pensamento e isto, certamente travou por séculos o desen-
volvimento da sociedade. É uma sociedade dual, baseada na exploração do
homem pelo homem. Este utilizando recursos baseados em castigos cor-
porais e de ordem psicológica vai propagar a Fé Cristã, alimentada pelo
dogmatismo religioso.
A busca permanente da reflexão sobre o que foi lido deve estar per-
mitindo a você sedimentar alguns conceitos, como também já lhe permite
entender que todo pensar trás uma concepção de mundo e de sociedade
baseada na filosofia da essência, na filosofia da existência ou na dialética.
Dogmatismo religioso é Certamente, algumas questões teóricas sobre Educação não foram e
entendido como algo em não serão aqui tratadas à exaustão, mas você pode pesquisar grandes teó-
que o homem acredita
sem ter base ou funda-
ricos que tratam desse assunto. Alguns deles são apresentados nas referên-
mentação científica. cias e nas leituras complementares desta unidade.
O Nome da Rosa
Para você entender melhor esse período cristão, vale a pena assistir ao filme
“O Nome da Rosa” baseado no livro homônimo, do escritor italiano Humber-
to Eco. O livro retrata a igreja católica na Idade Média O fundamental nesse
filme é perceber a dualidade das idéias filosóficas entre os franciscanos
(argumentos baseados nas idéias de Aristóteles) e os dominicanos (argu-
mentos baseados nas idéias de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino),
Se for possível você com- tendo como pano de fundo a exploração da Igreja no dízimo e no trato com
preender o papel que a Fi-
losofia ocupa na formação a mulher.
educacional de um povo, é
porque você já está perce-
bendo a relação profunda
que existe entre Educação
e sociedade. Será que é
possível separá-las?
50 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
A Educação burguesa e a concepção
existencialista de homem
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 51
transcendental, um mundo que não é esse, o terreno, tão importante no
pensamento cristão. Esses novos valores éticos e morais irão resultar na
idéia de formação do homem enquanto indivíduo e em transformação, como
também na defesa dos direitos humanos, desde sua infância, como um dos
princípios norteadores dessa nova idéia.
É a época moderna que será caracterizada pelo desenvolvimento da
ciência e pela proliferação da indústria que provocam alterações no compor-
tamento do povo, nas suas práticas sociais influenciadas, de sobremaneira,
pela Educação escolar.
Para Dermeval Saviani, em seu livro Escola e Democracia, será a pró-
pria burguesia, a classe revolucionária daquele momento, que irá clamar
pela filosofia da essência. A defesa dos direitos e a liberdade para todos
serão premissas importantes no bojo das contradições que serão acentua-
das posteriormente.
Como vimos em momentos anteriores a esta parte desta unidade, a
filosofia da essência irá conduzir o pensamento como também as práticas
pedagógicas por toda Idade Média, e continuará a exercer influência muito
forte no mundo moderno, dentro das escolas.
52 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 3
Fundamentos filosóficos do racionalismo,
empirismo e idealismo
“... o século XVII, em que viveu Comênio, e nos séculos seguintes, ainda
predominava práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualístico,
verbalista, dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensina-
mentos do professor.” (LIBÂNEO, 1991, p. 59)
Tudo indica que não. A história parece nos mostrar que os jesuítas
exerceram papel fundamental na defesa da pedagogia da essência e pu-
blicam a obra Ratio Studiorum, com o intuito de reforçar o dogmatismo
religioso, as práticas de submissão à Igreja. Na contramão desses fatos,
observamos também a idéia de uma filosofia voltada para a natureza como
foi abordada anteriormente por Comênio.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 53
partir delas próprias. Esse grande pensador da Educação traz para a histó-
ria do pensamento sobre a Educação uma contraposição radical ao pensa-
mento da essência enquanto dogma, verdade absoluta; a fundamentação de
uma pedagogia da existência.
O educador Joahan Heinrich Pestalozzi (1746-1827) segue caminhos
idênticos acentuando o fato de que desenvolveu todo seu trabalho educati-
vo com crianças pobres. Este aspecto muda o foco, inclusive ideológico, de
pensar o mundo.
54 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Suchodolski (2002) avalia que é a teoria da evolução humana, de
Darwin, no século XIX, que dará maior consistência ao pensamento da
existência humana. Lembra, ainda que, anterior a Darwin, o Marquês de
Condorcet, no século XVIII, utilizou idéias evolucionistas para defender o
progresso da “razão e das ciências”.
Suchodolski nos faz lembrar, também, a importância do manifesto de
Ellen Key, que se transformou num marco histórico e passou a ser entendi-
do como a “principal escola de pensamento pedagógico” no século XX. É um
momento histórico que algumas bandeiras serão defendidas, entre as quais
a defesa da igualdade de direito para todos. Este será um dos importantes
princípios do liberalismo. Citamos Kant como um dos seus mais expres-
sivos representantes.
A figura do Estado burguês passa a ser interpretada por alguns teó-
ricos da Educação como instituição importante na defesa da igualdade de
direitos, e como tal, deve estar envolvido em um sistema educacional de
caráter público, gratuito e para todos. Isso seria uma garantia para asse-
gurar a igualdade de oportunidades, impedindo, inclusive, interferências
religiosas. Esta será uma defesa política de Marquês de Condorcet, bastante
espinhosa, mas corajosa.
Condorcet defendia que
Se Condorcet levantou bandeiras importantes enquanto direito do
“Se o Estado não tem di-
homem na sociedade, isto se deve, de certa forma, às idéias de Jean-Jac- reitos sobre a consciência
ques Rousseau porque este vai defender uma pedagogia ligada à vida, uma das crianças, tem o dever
pedagogia para um “homem total” pleno e que seja capaz de exercer qual- de expor todas as idéias
para que cada escolha li-
quer tipo de profissão. A grande crítica, que se faz a Rousseau, vai em dire- vremente entre elas sem,
ção as suas formulações teóricas voltadas para uma criança burguesa, que entretanto, impor nenhu-
será tratada no seu livro Emilio: ma crença. As opiniões
religiosas devem estar
disponíveis à escolha das
“Rousseau aspirou a uma Educação bastante elitista para seu aluno consciências independen-
ideal Emilio. Não pensou na Educação das massas, mas na Educação de tes. Para isso, separa o
um indivíduo suficientemente rico para custear um preceptor. Seu Emí- ensino público do confes-
sional, pois a instrução
lio é, com efeito, um jovem que vive de suas rendas e que não dá um só que o clero dá não tem por
passo sem que o acompanhe seu mestre.” (CUNHA, 1991, p. 36) objetivo o progresso, mas
seus interesses particula-
res. Os princípios morais
Marques de Condorcet, apesar de ter sido discípulo de Rousseau, re- a serem ensinados são
vela pensamentos próprios e diferentes do mestre. aqueles fundados na ra-
Destacamos, neste momento do pensamento filosófico moderno, a in- zão e que pertencem a to-
dos os homens” (CUNHA,
fluência da chamada Escola Nova em oposição às idéias racionalistas. Para op. cit., p.40)
os idealizadores dessa corrente pedagógica o conhecimento é adquirido
através da experiência.
Destacamos aqui John Locke (1704) como um dos seus melhores re-
presentantes porque faz uma defesa clara e consistente sobre o Empirismo.
Para Locke, todo conhecimento tem como base a experiência. De tal sorte
que sem essa experiência não se chega ao conhecimento que é:
Destacamos, ainda, para fechar esse momento teórico que nos propo-
mos construir com você, algumas idéias do pensamento educacional liberal
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 55
contemporâneo, que tem na figura de John Dewey seu representante maior.
Foi ele que formulou a chamada pedagogia da escola nova. É a idéia de
democracia, um dos princípios do liberalismo, que constituirá sua base
teórica para uma escola democrática.
Para Dewey, se as estruturas escolares e seus currículos tiverem
A Escola Nova defende como pressupostos a democracia, a sociedade assim será. E para que essa
uma prática educativa sociedade seja democrática é preciso que a escola considere as pessoas di-
centrada no aluno. Este ferentes. Os seres humanos não são iguais.
vai desenvolver ativida-
des, sob orientação do Dewey considera que, diferentemente do pensamento tradicional, o
professor, através de ex- educador deve estar aberto às modificações mediante seu meio social. Nes-
perimentos, trabalhos em
grupo, estudos dirigidos,
sa linha de interpretação, a escola deve buscar desenvolver nas crianças
entre outros. Cabe, ainda, responsabilidades, tendo como foco as realidades sociais.
ao professor criar ambien-
te favorável ao aluno
Você pode ler mais sobre a proposta pedagógica de Dewey no livro
Educação e Democracia de Saviani.
Vejamos, a seguir, algumas das características da Escola Nova:
1. “A escola nova é um laboratório de pedagogia prática. Apóia-se nos
dados da psicologia da criança e nas necessidades de seu corpo e
de seu espírito entre outros aspectos
2. A escola nova é um internato. Só a influência total do meio permite
realizar uma Educação integral
3. A escola nova é situada no campo. O campo é o meio natural da
criança.
4. A escola nova agrupa os alunos em casas separadas. Grupos de
dez a quinze vivem sob a direção material e moral dum educador e
de uma educadora.
5. A escola nova pratica o mais que pode a co-Educação dos sexos.
Deixados juntos desde sua primeira idade, e sem deixar de serem
educados segundo as necessidades particulares do seu sexo, rapa-
zes e moças vivem como camaradas.
(NETO, op. cit., p.146 e147)
56 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 4
Filosofia dialética e Educação
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 57
“A Escola Racionalista de Ferrer é mista e prega a co-Educação sexual
e das classes. Na medida em que não é financiada pelo Estado ou Igreja
ela é paga conforme as possibilidades financeiras do aluno; preocupa-se
com a difusão da cultura junto ao povo, estabelece o curso noturno e
uma Universidade Popular.” (TRAGTENBERG, 1978, p.25)
58 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
madora do real. Pensar a Educação voltada para uma ação transformadora
poderia fazer uma grande diferença no que vemos, hoje, na sociedade.
Para esses educadores, criar uma nova instituição escolar para a so-
ciedade socialista era prioridade, pois para eles era óbvio que não interessa-
va à Educação tradicional criar um novo tipo de homem.
Baseados no método dialético, que atua como uma força organizadora
do mundo, Makarenko e Pistrak criaram as bases para uma pedagogia so-
cialista e Pistrak definiu a “Escola do Trabalho”.
Se o mundo continua vivendo e convivendo socialmente com fortes e
profundas desigualdades sócioeconômicas é porque o capitalismo mantém
sua hegemonia. Se o projeto de homem e de sociedade burgues continua se-
parando o pensar e o fazer, a teoria da prática, como elaborar possibilidades
de um mundo mais justo?
“A Educação virada para o futuro é justamente uma via que permite ul-
trapassar o horizonte das más opções e dos compromissos da pedagogia
burguesa”. (SUCHODOLSKI, 2002, p.101)
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 59
tização. É dele que vem a defesa intransigente do homem oprimido e é nele
que vamos também encontrar críticas contundentes à Educação burguesa,
ao mundo capitalista; à filosofia da essência humana.
Freire vai compreender o valor da cultura na formação do ser humano
e vai, a partir dessa leitura, denunciar os riscos sociais da cultura imposta,
da cultura do dominador. Para Freire, todo ser humano desenvolve cultura
porque a cultura é fruto da sistematização de experiências que incorpora
tanto:
60 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Leituras
• É possível você buscar aprofundamento sobre os teóricos do racionalis-
mo nos livros de Charles Sanders Pierce. Como Tornar Claras as Nossas
Idéias in Semiótica e Filosofia, São Paulo, Cultrix, 1972, pp.49-50, como
também o livro Monadologia. Ed. Abril, SP. 1979.
• Destacamos aqui, para você ler e construir a sua própria crítica sobre a
pedagogia tradicional, o texto “Concepção bancária de Educação” do livro
Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra ed. 1978
Filmes
Um Rei em Nova York
O filme Um Rei em Nova York, de Charles Chaplin, é uma boa referência
para você não só entender a sociedade americana liberal, mas observar
também uma escola baseada nos princípios da Escola Nova
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 61
62 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Unidade
3
A relação homem-mundo
como ponto de partida da
teoria e da prática pedagógica
Objetivos:
• É sobre as consequências teóricas e práticas do fato - tornar-se homem – e sua
relação com a educação que trata este texto. O objetivo é pensar criticamente
sobre o sentido de ser humano, de existir contextualizado no tempo e no espaço,
de estar no mundo e se construir, simultaneamente, com a construção do mundo
dos homens, para, a partir daí, pensar a Educação. Em outras palavras, como
está explicitado no título deste texto, vamos refletir sobre a relação homem-mundo
como ponto de partida da teoria e da prática pedagógicas.
Capítulo 1
O que é o homem?
Introdução
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 65
sobre os outros; e de querermos saber, em relação com o que vimos e
refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos vir a ser, se realmente
e dentro de que limites somos ‘criadores de nós mesmos’, da nossa vida,
do nosso destino. E nós queremos saber isto ‘hoje’, nas condições de hoje,
da vida ‘de hoje’, e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer.”
(GRAMSCI, l978; 38)
Gramsci (1891-1937): In- Muitos filósofos já enfrentaram essa questão como estamos fazemos
telectual e militante polí- agora. De forma direta ou indireta, encontramos esse questionamento per-
tico estudou literatura na
Universidade de Turim. passando toda a história do pensamento do homem sobre si mesmo. Con-
Filiou-se ao Partido Socia- cluímos que não estamos diante de uma pergunta original, mas, nem por
lista Italiano (PSI), escre- isso podemos considerá-la banal, pois as respostas produzidas revelam di-
veu para o jornal do Par-
tido (L’Avanti). Em 1919,
ferentes determinações de tempo e de espaço, ou seja, cada tentativa de res-
fundou junto com Togliat- posta revela uma visão de mundo que coaduna com o contexto do pensador.
ti o L’Ordine Nuovo. Alia-
do com Bordiga e a ampla
A forma como Gramsci coloca a questão aponta para a íntima relação
facção Comunista dentro homem-mundo pondo em evidência o aspecto social que marca a essência
do PSI fundou (1921) e foi do homem. O homem como processo dos seus atos e, assim o sendo, pode
um dos líderes do Partido tornar-se, pois é sujeito do seu próprio destino. Daí, a importância de pen-
Comunista Italiano (PCI).
Em 1924, foi eleito de- sarmos sobre o que somos na perspectiva daquilo que poderemos vir-a-ser,
putado por Veneto. Suas analisando, objetivamente, as possibilidades e limites colocados a essa ta-
teses foram adotadas pelo refa de ontogênese.
congresso do partido em
1926. No mesmo ano, De maneira análoga, essa questão deve ser, também, a primeira per-
apesar de sua imunidade gunta para se pensar a Educação, como acentua Beth Oliveira (2009; 20):
parlamentar, a polícia fas-
cista o prendeu até pró-
“a pergunta ‘o que é o homem’ é também a primeira pergunta de
ximo da sua morte. Sua
obra é vasta e de grande toda teoria educacional. Não no sentido de que toda teoria educa-
importância inclusive na cional necessariamente parta, em sua apresentação, da resposta
área da Educação.
Veja o site: http://www.
a essa pergunta. Aliás, a pergunta, assim formulada, ou uma ex-
acessa.com/gramsci/ plícita concepção sobre o que é o homem, podem não aparecer na
exposição da teoria, nem no discurso do educador. Pode ser até
que numa determinada teoria educacional considere essa pergunta irre-
levante. Mas, seja como for, não é possível realizar um ato educativo se-
quer que não contenha formas de responder a essa pergunta, ainda que
tais respostas sejam parciais, desarticuladas e até conflitantes entre si.”
(Beth Oliveira, “As relações entre conhecimento e valoração no trabalho
educativo”. Perspectiva nº 19 p.34. Esse texto faz parte das reflexões
que estão fundamentando uma pesquisa intitulada Relações entre Ética,
Teoria da Vida Cotidiana e Teoria da Alienação no Trabalho Educativo.)
66 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1.1. Uma busca ontológica pelo ser do homem.
Uma reflexão que não se conforme a uma mera opinião exige sair da
zona de conforto da banalização do real, do senso comum, indo além das
determinações mais imediatas, fenomênicas; exige explicitar o que é essen-
cial num esforço de busca pelo fundamento que melhor expresse a realidade
mesma do ser humano. Lembremos a advertência da Professora Cristiane
Marinho, na primeira Unidade deste livro, acerca da reflexão filosófica:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 67
ontológicos do ser humano. Por isso, dado o caráter de contemporaneidade
e a validade de seus argumentos servirá de referência teórica nessa nossa
busca pelo ser mesmo do homem.
Retomamos a reflexão com um exercício prático. Observe em torno de
você... Percebe a existência de diferentes formas de ser? Não é uma tarefa
difícil constatar que o mundo está povoado por inúmeros seres; uns inani-
mados, que existem, embora não sejam dotados de vida e nem se reprodu-
Lukács zam, estes seres constituem o mundo inorgânico; e outros animados, dota-
Intelectual húngaro, mar- dos de vida com capacidade reprodutiva, dentre os quais o próprio homem
xista, foi um pensador se situa, estes seres compõem a esfera orgânica do mundo.
original e fecundo, um
dos mais importantes do Sem dúvida, podemos relacionar imediatamente o homem aos seres
século XX. Nasceu em Bu- dotados de vida, mas isso é suficiente para encerrá-lo na categoria dos seres
dapeste em abril de 1885
e morreu na mesma cida-
orgânicos, natural? Num primeiro momento seria possível responder: sim.
de em junho de 1971. Sua Nossa resposta indicaria a constatação de que todo ser vivo está obrigado a
vida foi marcada por um se relacionar com a natureza. Animais e plantas têm de estabelecer relações
fértil espírito crítico que
se refletiu em sua obra e
com o meio circundante para garantir sua vida. O animal desenvolve uma
em sua militância comu- atividade específica sobre o meio para comer, beber, proteger-se; a planta
nista. Historia e Consciên- absorve os nutrientes do solo, da água e da luz. É esta atividade que rela-
cia de Classe (1923) é sua
ciona animais e plantas com seu meio que garante sua existência como ser
obra mais controvertida,
a Ontologia do Ser Social vivo. Com o homem, isso não é diferente. Para garantir sua existência, ele
(ainda não traduzida para age sobre a natureza retirando dela seus víveres. Assim, o reino animal e o
o português) é considera- reino vegetal mantêm com o homem características comuns: a) constituem
da sua última contribui-
ção ao marxismo. o mundo orgânico, isto é, são compostos de seres vivos; b) têm capacidade
de reproduzir-se, ao contrário do reino mineral; c) desenvolvem uma ativi-
dade específica sobre o meio circundante para garantir sua existência como
ser vivo.
Se bem refletirmos sobre as especificidades do ser do homem em rela-
ção às determinações dos seres orgânicos a resposta será: não. Mesmo fa-
zendo parte do conjunto dos seres vivos, o homem é essencialmente diverso
dos demais seres orgânico, naturais, embora guarde algumas característi-
cas em comum com esses seres. Portanto, podemos afirmar a existência de
seres inorgânicos, seres orgânicos e, por fim, o homem. Essa diversidade re-
flete a complexidade dos seres, haja vista que a existência dessas diferentes
expressões ontológicas está na base de todo processo evolutivo. Uma evolu-
ção marcada por saltos ontológicos que inauguram, na essencialidade de
Saltos ontológicos refe- cada ser, um diferencial ontológico.
rem-se ao momento preci-
so da passagem qualitati-
“A ciência já está descobrindo as formas preparatórias de passagem de
va dentro do processo de
evolução do ser. Marcam um tipo de ser a outro; e também já foram esclarecidas as mais im-
a gênese de um novo ser. portantes categorias fundamentais das formas de ser mais complexas,
enquanto contrapostas àquelas mais simples: a reprodução da vida em
contraposição ao simples tornar-se coisa; a adaptação ativa, com a mo-
dificação consciente do ambiente, em contraposição à adaptação mera-
mente passiva etc. Ademais, tornou-se claro que, entre uma forma mais
simples de ser (por mais numerosas que sejam as categorias de transição
que essa forma produz) e o nascimento real de uma forma mais complexa
é algo qualitativamente novo, cuja gênese não pode jamais ser simples-
mente “deduzida” da forma mais simples.” (LUCKÁCS, 1978; 4)
68 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
exemplificar essa complexidade. O fato de ser orgânico não exclui dele qual-
quer elemento inorgânico, pois, ao mesmo tempo em que é essencialmente
orgânico, coexistem nele elementos inorgânicos. No homem, essa complexi-
dade se amplia, pois, não obstante os elementos inorgânicos e orgânicos, ele
se configura numa outra forma de ser, como ser social.
Convém ressaltar que a coexistência de elementos diversos num só ser
não revela, no aspecto quantitativo, o fator de determinação linear do salto
ontológico. Retomando Lukács (1978; 5), “o nascimento real de uma forma
mais complexa é algo qualitativamente novo”, portanto, a mudança é de or-
dem qualitativa. É um novo ser que surge, “cuja gênese não pode jamais ser
simplesmente ‘deduzida’ da forma mais simples.” Desta forma, os seres vi-
vos não são mera derivação dos elementos químicos (esfera inorgânica) que
deles participam; a esfera da vida não pode ser explicada pela mera junção
quantitativa de elementos do mundo inorgânico. Da mesma forma, o ser
social – ou a forma de vida humana – não deriva nem pode ser determinado
por elementos de ordem biológica. A esfera orgânica tem como base a inor-
gânica, pois sem esta não poderia existir a vida. Porém, sua constituição e
forma de ser não deriva diretamente do mundo inorgânico; a esfera orgâni-
ca é essencialmente diferente da inorgânica. Por seu turno, o homem ou a
esfera social não pode ser derivado dos atributos biofisiológicos; o mundo
humano não deriva da esfera biológica, embora não possa existir sem ela.
O ser social é essencialmente diferente do ser meramente orgânico. Que
caracteriza, então, o ser social ou o ser do homem?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 69
salizável? Compreendendo o homem como um ser capaz de falar racio-
nalmente e que se esforça em fazê-lo, o filósofo diz, sem dúvida, o que
distingue o ser humano do ser animal: mas essa definição diferencial
não revela tudo o que é o homem: pela preocupação em bem delimitar
a diferença específica – a forma –, silencia sobre o gênero – a matéria”.
(CHATELET, 1962; 170)
70 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
trabalho; o trabalho desencadeia um processo de desenvolvimento que está
na base do surgimento do ser social.
“Com certeza, o animal também produz. Ele constrói um ninho, habi-
tações, como a abelha, o castor, a formiga, etc. Mas ele produz apenas o que
é imediatamente necessário para si e sua cria; ele produz de uma maneira
unilateral.” (MARX, 1996; 116). O trabalho do homem é essencialmente di-
ferente deste tipo de “trabalho” dos animais. Por meio de sua atividade, os
animais realizam sua adaptação ao meio. O homem não apenas se adapta
aos imperativos do meio natural, mas o transforma. O trabalho do homem
é criativo, é transformador, enfrenta as leis naturais colocando-as ao seu Teleológica - vem de télos
serviço. Ao invés de adaptar o homem às leis naturais, o trabalho realiza a o ponto onde se quer che-
adaptação da natureza aos desígnios ou à vontade humana. gar. Capacidade teleológi-
ca é a capacidade própria
Lukács (1978) afirma que a essência do trabalho consiste precisamen- do ser social que pode
te em ir além da fixação dos seres vivos na competição biológica, enfatizan- criar intelectualmente a
priori (antes) algo que só
do que o momento essencialmente distinto do trabalho humano não reside vai ser objetivado a poste-
no fato do fazer, mas na participação ativa da consciência nesse processo riori (depois).
produtivo. Em razão disso, para o surgimento dessa atividade criativa que “As filosofias anteriores,
não reconhecendo a po-
funda o ser do homem, ser social, foi necessário um determinado grau de de- sição teleológica como
senvolvimento do processo de reprodução orgânica fazendo surgir, em meio particularidade do ser
a diferentes complexos, a consciência no ser. A capacidade que o homem social, eram obrigadas a
inventar, por um lado, um
tem de criar pelo trabalho, no plano ontológico, engloba uma determinação
sujeito transcendente, e,
essencial da realidade humana, que se revela na dimensão um vinculo in- por outro, uma natureza
dissociável e contraditório, dialético, entre a necessidade e a liberdade. especial onde as correla-
ções atuavam de modo te-
O caráter consciente da atividade produtiva do homem pressupõe à leológico, com a finalidade
capacidade que ele possui de antecipar em sua mente, idealmente, o resul- de atribuir à natureza e
tado da ação que objetiva executar. O homem é, portanto, o único ser da à sociedade tedencias de
movimento tipo teleológi-
natureza capaz de agir de forma teleológica. A conhecida passagem de Marx co.” (LUKÁCS, 1978; 6).
n’ O Capital, transcrita a seguir, explicita o elemento teleológico dentro do
ato de trabalho:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 71
No ato de trabalho, a consciência deixa de ser mero epifenômeno da
reprodução biológica, pois a relação entre necessidade e liberdade permite
produzir em meio às alternativas postas. Citando diretamente Marx, Lukács
argumenta que são três os momentos decisivos do trabalho: objetivação,
exteriorização e alienação (iremos tratar desse momento posteriormente).
Pelo processo de objetivação, o homem ao mesmo tempo funda e enriquece
a própria atividade e a si mesmo num processo de exteriorização, de modo
que não apenas a resposta, mas, também, a pergunta, são produtos da
consciência que vai balizar toda atividade; obviamente, isso não anula o
fato de que o ato de responder é o elemento ontologicamente primário nesse
Epifenômeno – refere-se
a um fenômeno causado complexo dinâmico.
por outro fenômeno mais
importante. “Em síntese, tão-somente o carecimento material, enquanto motor do pro-
cesso de reprodução individual ou social, põe efetivamente em movimento
Objetivação – o complexo
dos atos que transforma a o complexo do trabalho; e todas as mediações, existem ontologicamente
prévia ideação, a finalida- apenas em função de sua satisfação. O que não desmente o fato de que
de previamente construí- tal satisfação só possa ter lugar com a ajuda de uma cadeia de mediações
da na consciência, em um
produto objetivo. Pela ob- as quais transformam ininterruptamente tanto a natureza que circunda
jetivação o que era antes a sociedade, quanto os homens que nela atuam, suas relações recíprocas
apenas uma idéia se torna etc.; e isso porque elas tornam praticamente eficientes forças, relações,
um novo objeto anterior-
mente inexistente. qualidades, etc. da natureza que, de outro modo, não poderiam exercer
essa ação, ao mesmo tempo em que o homem liberando e dominando es-
Toda objetivação resulta
sas forças põe em seu ser um processo de desenvolvimento das próprias
também em novos conhe-
cimentos e novas habili- capacidades no sentido de níveis mais altos”. (LUCKÁCS, 1978; 5).
dades - sendo em breve
novas possibilidades e Vamos compreender melhor... É por meio da atividade criadora, o traba-
por isso ao transformar
a natureza o individuo lho, que o homem se afirmou no mundo como sujeito e imprimiu na natureza
também se transforma, a sua marca. Humanizou a natureza. Foi também através do trabalho que o
ou seja, a produção do homem produziu a sua própria humanização num processo de ontogênese,
objeto não é apenas pro-
cesso de objetivação, não
num continuo tornar-se. Sobre a sua universalidade natural, o homem pro-
é apenas transformação duziu, pelo trabalho, a sua particularidade, tornou-se humano. Transformou
da realidade, mas é tam- a sua natureza dada em natureza humanizada, distanciou-se de sua anima-
bém a exteriorização do
sujeito. O complexo ob-
lidade, desenvolvendo uma série de novas faculdades e habilidades.
jetivação-exteriorização é O homem torna-se ao criar, precisamente na medida em que ocorre, pa-
o solo genético, base, do
ralelamente, o desenvolvimento social e em proporção crescente ele generali-
ser social enquanto esfera
ontológica distinta da na- za, elabora conhecimentos, transformando em novas suas próprias necessi-
tureza. (LUCKÁCS in LES- dades e as possibilidades de satisfazê-las. A necessidade fornece o motivo da
SA, 1996) produção. Fica claro o que havíamos afirmado anteriormente, que o homem
pelo trabalho realiza não apenas sua dimensão – natural - de ser de necessi-
dade, mas também e simultaneamente sua dimensão – social - de liberdade.
Tudo isso ocorreu frente às necessidades postas por sua base ontológica
originária – de ser orgânico - como comer, beber, respirar, etc., que o homem
deve irremediavelmente sanar, mas não o faz de forma natural, mas de forma
humana por ele produzida conscientemente. Observe um animal e um ser
humano alimentando-se, a necessidade biológica é a mesma – comer, mas a
resposta dada a essa necessidade é diferente, não é natural é social. O ho-
mem precisa comer, todavia ao comer ele vai criar novas necessidades.
72 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Finalmente, é importante frisar que o homem ao realizar sua condição
de liberdade o faz sempre em meio às alternativas postas pelas condições
objetivas, históricas, demarcadas pelo tempo e espaço, que Lukács chama
de causalidade. “Decisivo aqui é compreender que se está em face de uma
duplicidade: numa sociedade tornada realmente social, a maior parte das
atividades cujo conjunto põe a totalidade em movimento e certamente de
origem teleológica, mas a sua existência real – e não importa se permane-
ceu isolada ou foi inserida num contexto – é feita de conexões causais que
jamais em nenhum sentido podem ser de caráter teleológico”. (LUCKÁCS,
1978; 7).
O fato de a consciência assumir um papel decisivo no momento da
delimitação material entre o ser da natureza orgânica e o ser social está no
reconhecimento da capacidade humana de pensar o real, o concreto, e com
base no conhecimento daí produzido, se coloca objetivamente a possibili-
dade de ação, de intervenção, de transformação da realidade num processo
que eleva o homem do particular – indivíduo - ao geral – humanidade. É
assim que o homem faz a História.
Na concepção de Marx, o trabalho é o primeiro ato histórico, pois com
ele o homem rompeu com o círculo natural da necessidade e ao produzir a
resposta a essa necessidade criou as novas necessidades que fornecem no-
vas motivações. Ao satisfazer a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la
e tudo que é criado a partir daí levam a novas necessidades num proces-
so contínuo de afastamento das barreiras naturais. Assim, para o homem
mesmo as necessidades vitais se apresentam como necessidades mediadas,
historicamente, por necessidades humanamente cultivadas, portanto o ato
de trabalho
A história é o processo complexo no qual o homem, ao mesmo tempo
em que transforma a natureza e cria o mundo dos homens, transforma a
sua própria natureza, se humaniza. É essa dialética entre homem e natu-
reza, subjetividade e objetividade, que Marx ressalta nos Manuscritos ao
afirmar que a história apresenta-se como a “verdadeira história natural do
homem”, demonstrando que apesar da diferença qualitativa entre o natural
e o social, não existe uma antinomia insuperável entre natureza e história,
mas uma relação dialética.
Nesse processo do fazer histórico, o homem produz, também, a religião,
a arte, a ciência, o estado, a ética, direito, a Educação, etc. A história expres-
sa, portanto, o momento do nascimento do homem que, dialeticamente, tor-
na-se, determinado por sua historicidade. Com a explicitação do fazer histó-
rico, um processo análogo ao tornar-se do homem, concluímos esse primeiro
tópico da Unidade, na expectativa que você tenha encontrado respostas para
as perguntas balizadoras da nossa reflexão: o que é o homem? O que define
essencialmente o ser do homem? O que significa tornar-se?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 73
ciência, como projeto, vai orientar o processo de criação que se objetivara
em algo cuja existência será independente de seu criador. Junto ao proces-
so de objetivação da prévia ideação ocorre também e simultaneamente o
processo de exteriorização, o desenvolvimento do próprio indivíduo que se
supera mediante o conhecimento e as habilidades que o ato criativo permite
e que tende a generalização. Nesse complexo de objetivação-exteriorização
o homem, elevando-se de individuo à humanidade, coletivamente, faz a his-
tória; elevando o conhecimento particular ao conhecimento universal, faz
a ciência; transformando pelo trabalho a natureza em mundo dos homens,
faz-se o ser social.
74 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
Homem, trabalho e sociabilidade
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 75
trabalho que aparece na base de cada modo de produção, sendo, portanto,
o fator de determinação das relações sociais. Compreender a realidade nos
faz saber que o mundo não foi sempre assim e, por via de consequência, não
será eternamente assim.
Mas, é óbvio que o fato de estarmos no mundo não assegura por si
só o conhecimento da realidade. Você já viveu, em algum momento, a ex-
periência de olhar, ouvir, tocar, e não ver, escutar e sentir realmente? Pois
é... Sabemos que a experiência sensorial, embora necessária, não é sufi-
ciente para conhecermos, isso porque o conhecimento é um processo de
Sabemos realmente o construção que, mesmo incorporando a experiência sensorial, imediata, vai
que significa viver numa além dela. Isso significa que o conhecimento tem sempre no concreto, na
sociedade capitalista ou realidade, seu ponto de partida, mas não se reduz a um mero “reflexo”,
só vemos a aparência?
Por que temos a impres-
uma fotografia do real; significa, ainda, que a realidade não se apresenta,
são ilusória de que o necessariamente, tal qual ela é, ou seja, não se revela totalmente aos nos-
mundo foi e será, sempre, sos sentidos, pois se assim o fosse bastaria ver, ouvir, enfim, sentir para
assim? conhecer. É de Marx a advertência: se aparência e essência coincidissem
desnecessária seria a Ciência.
76 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ambiental. Tudo isso resultante da febre produtiva necessária para alimen-
tar a sociedade do descartável e assegurar a reprodução do capital. Até
mesmo a ONU foi obrigada a fazer o seguinte alerta em seu último Relatório:
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 77
locidade insana? Dia disto... dia daquilo... e a vida se desenvolve em torno das
demandas urgentes de consumo. Comprar e comprar. O consumo é condição
definidora do status social. Somos movidos pela necessidade de um compu-
tador de última geração, que rapidamente se torna obsoleto; pelo celular que
pode tirar fotos gigantes, ter acesso à internet, reproduzir musica e vídeo e,
Sociedade do descartá- ainda, telefonar; etc...etc... Ter é ser.
vel - essa categoria tem
sido utilizada nos últi- Inocentes modismos, impostos cotidianamente pela mídia, exigem
mos anos para expressar uma “atualização” ininterrupta de nosso modo de pensar e viver, sempre
a redução do tempo da vinculado às novas qualidades das mercadorias postas em exposição no
mercadoria no círculo de
consumo, ou seja, devido carrocel das ininterruptas trocas mercantis. Lembra do discurso sobre a
à crise de reprodução do qualidade que invadiu o inconsciente coletivo a partir do fim dos anos oiten-
capital as mercadorias de- ta e noventa? Qualidade como diferencial. Pois é, pela qualidade do produto
vem ser consumidas cada
vez mais rapidamente. As- o individuo passou a se diferenciar da “massa”, ou seja, pelo consumo se
sim as coisas perdem ra- estabelece uma identidde entre o individuo e um determinado “segmento”
pidamente sua utilidade de mercado.
para que possamos con-
sumir outras coisas. A mudança de “paradigmas”- da quantidade pela qualidade – expre-
sou a reestruturação da produção sobre os novos princípios do toyotismo,
que se estendeu a todas as instâncias da sociedade. Aos que podem consu-
mir: o melhor, o exclusivo, o diferenciado. Eis a nova tendência da reprodu-
ção do capital. Mas, como alerta Mészáros, “não é a ampliação da periferia
da circulação que constitui uma tendência inexorável do desenvolvimento
capitalista, mas, ao contrário, é a restrição artificial do círculo consumidor
e a exclusão das massas ‘subprivilegiadas’, não somente no ‘terceiro mun-
do’, mas até nos países capitalistas avançados do ocidente.” (MÉSZÁROS,
1996; 304).
O enorme contingente de seres humanos atualmente descartados, es-
Toyotismo - elaborado
por Ou, engenheiro da
quecidos à margem do consumo, enfrenta o desafio de sobreviver, pois na
Toyota, após a Segunda sociedade capitalista, produtora de mercadorias, a satisfação, até mesmo
Guerra, esse modelo de das necessidades humanas mais vitais, está submetida à necessidade de
produção só se consolidou
na década de 70. A flexibi-
troca.
lização da produção e do Como pressuposto da flexibilidade dos novos tempos - em resposta à
trabalho aparece aliada crise do modelo taylorista-fordista – descartar, inclusive os seres humanos
a automatização, ao Just
in time (produção sem que estão fora do círculo do consumo é um “pequeno detalhe” em relação ao
estoque), ao trabalho em qual não existe nada que possa ser feito. Obviamente, dentro da lógica de
equipe, a administração expansão do capital. É o preço a pagar pelo magnífico progresso civilizatório
por estresse e a subcon-
tratação. do capital, como afirmam os neoliberais.
O princípio da quantidade Todavia, esse preço, que se torna cada vez mais oneroso para a humani-
(fordista) foi substituído
pelo da qualidade (toyotis-
dade, traz, em seus dividendos, a brutalidade dos dias atuais que se confirma
ta) no processo produtivo. a cada momento pela violência crescente: fome, guerra, terrorismo... A insegu-
rança generalizada não pode ser esquecida nem mesmo pelos cultuadores dos
Mészáros - um dos mais
importantes intelectuais
templos de consumo, terra prometida onde tudo parece possível mediante a
marxistas da atualida- disponibilidade do cartão de crédito.
de. Nasceu em 1930, na
Todo planeta está ‘organizado’ como um imenso mercado, um fantás-
Hungria. Formou-se em
Filosofia foi assistente de tico e atrativo shopping center, funcionando inteiramente de acordo com a
Lukács em 1951, e seria legitimidade dos princípios éticos antropocêntricos fundados pelos ideais
seu sucessor na universi- do liberalismo. As teses da natureza humana egoísta, da livre iniciativa
dade de Budapeste, mas
a invasão soviética de e do progresso como ordem natural permitiram a ‘institucionalização’ da
1956 forçou-o a sair do exploração do homem pelo homem e a destruição do planeta em nome do
país. Vive hoje na Ingla- progresso. No contexto da sociedade produtora de mercadorias somos, an-
terra. Seu objetivo, inspi-
rado nas idéias de Marx, tes de tudo, consumidores submetidos às necessidades do Deus-mercado.
é compreender a situação Por algumas décadas do século passado, a mágica relação entre produ-
do Capital hoje. Sua prin-
cipal obra é Para além do
ção e consumo pareceu estar resolvida pelo principio da quantidade cuja re-
capital.
78 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
sultante foi a abstração: sociedade de consumo. Trabalhadores transformados
em consumidores conseguiram significativos ganhos, em termos de qualidade
de vida, através das demandas coletivamente asseguradas pela organização
sindical e pelas políticas do Estado de Bem-Estar Social. O sonho dourado de
um capitalismo humanizado fez crescer as políticas sociais, o que, também,
atenuou o conflito básico entre capital e trabalho. Contudo o que parecia bom,
durou pouco.
As exigências para a reprodução do capital tornaram cada vez mais
difícil “dourar a pílula”. A face humana do capitalismo, apesar da euforia
social-democrata do pós-guerra, viveu seu ocaso marcado pela expansão Liberalismo - conjunto de
princípios elaborados por
mundial da mais profunda crise do capital a partir da década de 70 que se muitos pensadores da
estende até os dias atuais. Assim, iniciamos o Terceiro Milenio abismados Europa nos séculos XVII e
com os resultados da revolução informática no nosso cotidiano, a inteligên- XVIII, que apresenta como
pontos principais: a defe-
cia artificial aliada à realidade virtual nos levou para um mundo de aparên- sa da liberdade (política e
cia ficcional e, ao mesmo tempo, aturdidos com o desemprego em massa ge- econômica) e a proprieda-
rado pela substituição do trabalho vivo (trabalhadores) pelo trabalho morto de. O pensamento liberal é
marcado por uma enorme
(tecnologia), que fez ruir em definitivo a harmoniosa equação assegurada
diversidade de idéias, que
pela sociedade de consumo fundada no modelo taylorista-fordista. foram evoluindo de acordo
As consequências do enfrentamento dessa crise não se impõe apenas com a própria sociedade.
Na economia apregoa a
na vigência cotidiana do supérfluo, mas, também, à nossa consciência na propriedade e defende a
ansiedade resultante de uma vida desprovida de sentido humano, desuma- iniciativa privada, assim
nizada. A propulsão ao descartável que Mészaros (2002) sintetiza como a como a auto-regulação da
sociedade pelo mercado.
taxa decrescente do valor de uso, não se limita à esfera do consumo mate- Na política preconiza um
rial, estende-se à própria vida como condição para a reprodução destrutiva Estado restrito às funções
do capital, à qual tudo e todos se encontram submetidos. Viver para consu- judiciais e de defesa.
Taylorista-fordista.
mir não faz parte da lógica humana , mas da lógica do mercado. É o modelo de produção
Estamos, portanto, onde essa lógica nos trouxe. Existimos em meio que alia os princípios da
administração científica
a uma pseudoconcreticidade, capazes de sentir, mas incapazes de com-
de Taylor, que propunha
preender e agir em relação à desrazão que nos cerca. Colocamos em causa uma intensificação da di-
o princípio iluminista de que o progresso humano levaria o futuro a se visão do trabalho fracio-
afigurar melhor que o passado. Submetidos à vigência fulgaz do descartá- nando as etapas do pro-
cesso produtivo de modo
vel, receamos sermos, nós mesmos, descartados. Tememos a destruição do que o trabalhador desen-
planeta incapaz de se recompor ante a desenfreada devastação... Apesar de volvesse tarefas ultra-es-
termos suplantado as promessas de ficção do futuro, estamos voltados para pecializadas e repetitivas,
com o controle de Ford
o passado. que consistia em organi-
O texto a seguir, fragmento de um discurso do líder negro americano zar a linha de montagem
da fábrica para produzir
Martin Luther King, pastor protestante e ativista político negro que viveu mais, controlando melhor
nos EUA entre 1929 e 1968, pode bem traduzir a angústia que nos assalta as fontes de matérias-
ao vivermos os paradoxos da sociedade atual, chamando atenção para nos- primas e de energia, os
transportes, a formação
sa responsabilidade nesta situação. da mão-de-obra.
Para saber mais sobre
“O progresso humano não é automático nem inevitável. Somos atual- esse assunto, leia o texto:
mente confrontados com o fato de o amanhã ser hoje, e colocados pe- Taylorismo/fordismo à
acumulação flexível toyo-
rante a urgência cruel do agora. Neste enigma da vida e da história é
tista: novos paradigmas e
possível ser demasiado tarde... Podemos gritar desesperadamente para velhos dilemas.
que o tempo pare, mas o tempo ensurdece a cada súplica e continua a Disponível no http://
www.seufuturonaprati-
passar rapidamente. Sobre as ossadas descoradas e a mistura de restos
ca.com.br/intellectus/_
de numerosas civilizações está escrita uma expressão patética: Dema- Arquivos/Jan_Jul_04/
siado tarde.” Martin Luther King Jr. PDF/Artigo_Marcos.pdf
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 79
Mesmo quando amplos setores da população, alijados da riqueza so-
cialmente produzida, reduzidos a uma situação de miséria material e es-
piritual, encontram-se mergulhados nas formas mais empobrecidas e li-
mitadas do “senso comum”, não se deve perder de vista o fato de sermos,
todos, seres humanos, sujeitos da história. Saber o sentido de viver numa
sociedade produtora de mercadoria nos permite entender que nossa reali-
dade social é uma construção, humana. Portanto, não estamos condenados
a reprodução incessante do mesmo. Como lembra a canção do poeta Gon-
zaguinha “somos nós que fazemos a vida como der ou puder ou quiser”.
Afinal, estamos conde- Para concluirmos esse diagnóstico inicial da sociedade que vivemos, vamos
nados a viver assim ou é
pensar sobre as questões do poeta.
possível mudar essa situ-
ação?
O que é o que é?
E a vida?
E a vida o que é diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
Valor de Uso:
Caracteriza a produção
É um nada no mundo
voltada hegemonicamen- É uma gota, é um tempo
te para as necessidades
humanas, para a utiliza- Que nem dá um segundo,
ção imediata. Em todos Há quem fale que é um divino
os modos de produção an-
teriores ao capitalismo, a Mistério profundo
produção não se destina-
va imediatamente à troca, É o sopro do Criador
esta estava vinculada ao Numa atitude repleta de amor
excedente produzido.
Você diz que é luta e prazer;
Valor de Troca:
Ele diz que a vida é viver;
A sociedade capitalista se
define como produtora de Ela diz que o melhor é morrer,
mercadorias, assim tudo
o que é produzido tem Pois amada não é
como objetivo, a troca. O E o inferno é sofrer.
valor de uso só se realiza
através do valor de troca. Eu só sei que confio na moça
A produção não se volta
E na moça eu ponho a força da fé
imediatamente para as
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
* Você pode ver um vídeo de Gonzaguinha cantando essa música no YOU TUBE
80 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
2.2. Em busca da racionalidade da desrazão
capitalista.
Com o breve diagnóstico da realidade social atual, constatamos, com
base nos dados objetivos, o caráter de desrazão expresso na situação para-
doxal da sociedade capitalista, que elevou o predicado – consumidor - acima
do sujeito - homem. Considerando nossa reflexão inicial acerca do homem,
ser social, que produz sua existência, faz história, vamos pensar o que gera
toda essa situação exploração e de negação do próprio homem.
Por que, na socieda-
Para responder essas questões será necessário entender quais as de- de produtora de mer-
terminações da sociabilidade capitalista, construída a partir do trabalho cadorias, a produção
da riqueza está ligada
assalariado. a produção da miséria?
Vejamos. Por que, sob a lógica do
capital, o homem se desu-
Nos parâmetros do liberalismo, inspirados nas teses de Adam Smith, maniza? Onde se funda a
essas questões não teriam o menor sentido. A tese da ‘propensão à troca’, desrazão da lógica capita-
como atributo natural do homem e a tese do mercado como fundamento te- lista?
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 81
sencial entre capital e trabalho, identificando o particular com o universal
refutando as especificidades provenientes da realidade histórica; aceitando
o egoísmo como fundamento do homem e a troca como fundamento de toda
sociabilidade humana; tomando um momento histórico específico - modo
de produção de mercadorias - como referência universal da historia da hu-
manidade. Nesse caso, no âmbito da ideologia burguesa, não há o que fazer
e estamos condenados a reproduzir o mesmo, desde sempre e para todo o
sempre. O capitalismo nada mais é que a realização da própria natureza
humana, objetivação social da propensão humana à troca.
Mas, se ao contrário, quebrarmos o argumento ideológico e não con-
cordarmos que a propensão para a troca faz parte da natureza humana, ou
seja, que a troca não é nossa definição ontológica, poderemos concluir que
vivemos um modo de produção historicamente, e não naturalmente deter-
minado, no qual a forma produtiva de mercadorias, capitalista, tornou-se
hegemônica. E por isso, diferentemente dos modos produtivos anteriores,
nos quais as trocas eram estabelecidas a partir do excedente, no capitalis-
mo a produção passou a ter como referência a troca.
82 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
implementada na e pela produção industrial, alcança o ápice da oposição
entre o pensar e o fazer transformando o trabalhador num mero executor
de um único e repetitivo ato de trabalho.
Indiferentes à alienação advinda da segmentação do ato de trabalho,
os teóricos liberais vêem, na divisão do trabalho, um efetivo exercício de so-
lidariedade, capaz de harmonizar os interesses particulares essencialmente
egoístas dos produtores privados. Aqui, aquela idéia de uma essência hu-
mana egoísta vai alimentar, pela pressuposição da naturalidade, a crença
em uma dimensão teleológica na história. Assim pensando, Smith concebe
o mercado como a forma de integração social, vinculando o trabalho priva-
do ao trabalho social, a unidade ao todo social, sem questionar a exploração
do trabalho.
É com Marx que a questão da exploração e da alienação se torna cen- Quais são as consequên-
tral na análise do capitalismo. No contexto da sociedade produtora de mer- cias práticas do valor de
cadoria estamos todos submetidos à lógica da interdependência pelo fato uso estar subordinado, ao
valor de troca?
objetivo do valor de uso está subsumido, submetido, ao valor de troca, ou
seja, a forma predominante de produção não está voltada para o uso, mas
para a troca. Quem produz, o trabalhador, não pensa sua produção, não se
identifica com o que produziu e nem tem a posse do produto.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 83
sejam independentes de nós mesmos, e que a independência recíproca entre
as pessoas se complemente com um sistema de dependência multilateral,
interdependência, própria de coisas. Nesse sentido, é que as relações sociais
entre as pessoas aparecem, por assim dizer, invertidas, como uma relação
social entre coisas. É comparando um valor de uso com outro em sua quali-
dade de valor de troca que o trabalho das diversas pessoas é comparado em
seu aspecto de trabalho igual e geral, abstrato.
Sobre a Reificação, A diferenciação categorial entre trabalho concreto e trabalho abs-
Marx afirma: trato, que Marx elucidou em relação ao duplo caráter do trabalho humano
“É que as relações so- sob a lógica do capital, pode nos ajudar a compreender o aparente parado-
ciais entre as pessoas
aparecem por assim di- xo posto na coisificação do homem e na reificação das relações sociais. De
zer, investidos como uma um lado, temos o trabalho concreto, gerador de valor de uso, em oposição
relação social entre coi- ao trabalho abstrato, gerador de valor de troca, considerado como energia
sas. E comparando o va-
lor de uso com outro em
da capacidade humana de trabalho, ou seja, o trabalho social, tal como se
sua qualidade de valor de manifesta sob a lógica do capital – separado e em oposição ao trabalho in-
troca que o trabalho das dividual, definido não pelas suas qualidades essenciais, mas, ao contrário,
diversas pessoas é com-
parado em seu aspecto de
como mero desgaste geral de energia humana no tempo.
trabalho igual e geral. Se Portanto, sob a lógica das trocas, os homens ao estabelecerem rela-
for, pois, correto dizer que
ções mercantis não se percebem como sujeitos deste movimento, ao contrá-
o valor de troca é uma re-
lação entre pessoas, con- rio, imaginam que tais relações resultam das próprias coisas; a mercadoria
vém acrescentar: uma re- transmuta as relações sociais em relações entre coisas. Objetivamente, a
lação oculta sob o véu das possibilidade de todas as mercadorias serem trocadas advém do fato de elas
coisas”.
(MARX, 1976, p.53-54) serem produzidas, de resultarem do trabalho humano, contudo, o trabalho
O caráter social da ativi- na sociedade produtora de mercadorias torna-se a base comum a todas as
dade, assim como a for- mercadorias, uma medida de valor, valor de troca.
ma social do produto e a
participação do indivíduo O problema é que o trabalho concreto, que antecede às trocas, pro-
na produção, apresenta- duzindo valor de uso, ‘desaparece’ quando as trocas passam a comandar
se aqui como algo alheio
e com caráter de coisa
todas as relações sociais. Isso ocorre devido ao fato de que, nas mercado-
frente aos indivíduos, rias, o valor de uso, que é produto do trabalho específico de um indivíduo
não como seu estar reci- que produziu concretamente com um fim de uso determinado por e para
procamente relacionados,
mas como seu estar su-
si mesmo, ser incorporado pelo valor de troca. Assim, o que foi produzido
bordinados a relações que perde todo o vestígio do trabalho concreto que o produziu e manifesta-se
subsistem independentes unicamente como trabalho abstrato na forma do tempo de trabalho simples,
deles. O intercâmbio geral medida de valor da mercadoria, valor de troca. É imprescindível ressaltar
das atividades e dos pro-
dutos que se convertem que essa redução não é fruto de uma ação consciente de cada homem, mas
em condições de vida para é realizada pelas relações de mercado e imposta como lei natural e objetiva.
cada indivíduo particular
e é sua conexão recípro- Quando a sociedade se converte num império das coisas, o homem
ca, apresentam-se diante vive uma total inversão. Sob o fetiche da mercadoria, o produto do traba-
deles mesmos como algo lho humano assume as qualidades referentes aos produtores, enquanto os
alheio, independente,
como uma coisa. No valor
homens, que são os produtores, assumem a forma de coisas. Sob o domínio
de troca o vínculo social do capital, o homem é convertido em coisa: força de trabalho, que deve ne-
entre as pessoas transfor- cessariamente ser trocada para que cada indivíduo possa realizar suas ne-
ma-se em relação social
entre coisas; a capacidade
cessidades através da compra de valores de uso, condição de sobrevivência.
pessoal numa capacidade Assim passamos a valorizamos mais o dinheiro, pelo que ele representa em
das coisas. termos de posse das coisas, que o próprio homem, criador de valor através
do trabalho. O processo, no qual a própria ação do homem converte-se num
poder estranho e a ele oposto, que o subjuga, ao invés de ser por ele domi-
nado Marx(1986) chama de estranhamento.
Compreender toda essa inversão significa alcançar o sentido último
da conversão de humanidade, de cada indivíduo, em mercadoria; significa
perceber claramente que nossa realidade se apresenta de forma tão parado-
xal e contraditória devido à lógica própria da sociedade produtora de merca-
doria, que se funda na exploração do trabalho como condição indispensável
84 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
à produção do capital. O Capital é fruto do trabalho humano. É o trabalho
que cria riqueza. Por isso, o valor das mercadorias, o valor de troca é uma
relação entre pessoas como afirmou Marx: “uma relação oculta sob o véu
das coisas”. É esse véu, ideológico, que nos impede de ver a realidade.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 85
tão-somente como proprietários de valores de troca, atribuindo-se daí sua
existência social. Essa aproximação crítica da realidade nos permite con-
cluir que essa situação histórica constitui um obstáculo a plena existência
do ser humano.
Talvez você, como todos, pressionado pelas exigências do dia-a-dia
ainda não tenha tido o tempo necessário pra pensar acerca disso tudo. A
tácita aceitação do que está posto não é um mero problema individual, pois
resulta das condições objetivas que herdamos e que reproduzimos, até mes-
mo inconscientemente, pela força da ideologia que aprofunda nossa aliena-
ção. Todas as mazelas do capitalismo encontram vínculos numa falaciosa
natureza humana imutável, tão bem anunciada pelos teóricos do libera-
lismo, que serve de justificativa para a naturalização e a perpetuação da
realidade atual . Sem dúvidas que naturalizar a realidade social é a melhor
forma de impedir qualquer questionamento, entretanto essa armadilha ide-
ológica nem resolve as contradições do real nem pode apagar nossa essência
de ser histórico.
Permanece a possibilidade de, como seres humanos, conhecermos e
agirmos concretamente sobre a realidade, recriando-a. Neste caso, o co-
nhecimento é imprescindível à ação consciente. Portanto sejamos atentos à
advertência marxiana, já citada: se essência e aparência coincidissem, des-
necessária seria a Ciência. Ultrapassar a aparência surreal do visível pela
crítica e chegar aos nexos de determinação de nossa realidade é condição
sine qua non para uma ação consciente. É a partir desse ponto que a refle-
xão sobre Educação ganha importância, embora, torne-se controversa na
perspectiva da construção do futuro. É sobre a Educação que iremos tratar
na próxima Unidade.
86 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
nos impedido de estabelecer as mediações para entender a paradoxal equa-
ção entre a riqueza e a miseria; o desequilíbrio entre a enorme capacidade
produtiva e a ainda maior incapacidade distributiva que coloca em frente a
humanamente ilógica lógica capitalista.
1. Com seu Grupo de Estudo assista ao vídeo A Ilha das Flores do diretor
Jorge Furtado, disponível no YOU TUBE.
2. Discuta com seus colegas sobre a realidade enfocada criticamente em
torno dos seguintes pontos:
a. A sociedade produtora de mercadorias a coisificação do homem;
b. As consequências da subordinação do valor de uso ao valor de troca
no cotidiano da existência humana;
c. O conceito de igualdade e liberdade no contexto do capitalismo.
3. Em grupo, produzam um roteiro e realizem um vídeo (até 10min.) abor-
dando criticamente os limites e possibilidades de viver numa sociedade
produtora de mercadorias.
Livros
LUCKÁCS. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Ho-
mem. In Temas de Ciências Humanas n° 4. Editora CH. SP, 1978.
Produzido para uma conferência - 1968 esse texto se baseia na “grande”
Ontologia que o autor estava concluindo. Embora esquemático, dado o ob-
jetivo para o qual foi produzido, o texto fornece uma síntese do estudo on-
tológico de Lukács, tendo ainda o mérito de ter sido um dos raros textos,
relativos à sua Ontologia, revisado para publicação pelo próprio autor.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 87
NETO, J. P. e BRAZ M. Economia Política: uma introdução crítica. São
Paulo, Cortez, 2006.
Professores da UFRJ os autores apresentam didaticamente, mas não sim-
plória, um conteúdo essencial para entender o sociedade produtora de mer-
cadorias na perspectiva da Economia Política e da sua Crítica. As catego-
rias de análise, do materialismo- histórico- dialético, são apresentadas no
contexto da compreensão do real.
Filmes
• A Guerra do Fogo. Alemanha/ Canadá. 1981. Direção: Jean-Jacques
Annaud. 97 min.
• O grande ditador. EUA. 1940. Direção: Charles Chaplin. 124 min.
• Tempos Modernos. EUA. 1936. Direção: Charles Chaplin. 87min.
• Pão e Rosas. Inglaterra. 2000. Direção: Ken Loach. 110 min.
• Segunda-feira ao sol. Espanha. 2002. Direção: Fernando L. de Aranoa.
113 min.
• A corporação. Canadá. 2004. Direção: Mark Achbar/Jennifer Abbott.
145 min.
Sites sugeridos
http://www.geocities.com/ivotonet/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&lng=pt&nrm=iso
A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica
que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIRE-
ME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O Projeto tem por
objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação,
armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em for-
mato eletrônico. Tem muitos artigos sobre Educação.
http://bve.cibec.inep.gov.br/pesquisa/categoria.asp?cod=194&cat=Soc
iologia+e+Antropologia+da+Educa%C3%A7%C3%A3o&ni=N
É uma biblioteca virtual de Educação: sociologia, antropologia e Educação
textos de diversos autores Biblioteca Virtual de Educação (BVE), uma ferra-
menta de pesquisa de sites educacionais, do Brasil e do exterior. É voltada
a pesquisadores, estudiosos, professores, universitários, pós-graduandos,
graduandos e alunos de todas as séries escolares.
88 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e
a centralidade do Mundo do trabalho. São Paulo: Cortez/Unicamp,
1995.
Os Sentidos do Trabalho (Ensaio sobre a Afirmação e a Negação
do Trabalho). São Paulo: Ed. Boitempo. 4a ed. 2001.
CHAUÍ, M. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo Ed. Xamã, ,
1996.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra.
1979.
_________P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práti-
ca educativa. São Paulo. Ed. Paz e Terra. 2000.
FURTADO, Elizabeth. Na Dialética entre Objetividade o Trabalho
produz História. In FURTADO, E. (org.) Trabalho e Educação: uma
intervenção crítica no campo da formação docente. Fortaleza: Ed. De-
mócrito Rocha/Ed. UECE. 2001.
GORZ, A. Adeus ao proletariado. Para além do socialismo. Tradu-
ção de Ângela Ramalho Vianna e Sérgio Goes de Paula. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária. 1987.
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1968.
Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução Carlos Nel-
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90 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Unidade
4
O sentido da educação
para a existência humana
Objetivos:
• O objetivo é discutir, a partir da temática geral acerca do sentido da Educação
para a existência humana, a Educação no contexto da sociedade atual, da crise do
capital. Focalizar as especificidades da Educação numa sociedade de classes, e,
por fim, entrar no debate atual sobre o significado da Educação na perspectiva da
cidadania ou da emancipação humana.
Capítulo 1
O conhecimento como condição de produção
da existência
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 93
cimento, também, tem caráter social. O homem não parte sempre do grau
zero do conhecimento, ele sintetiza na sua existência objetiva o que já foi
criado e pensado anteriormente pelos outros homens, pela humanidade.
Essa capacidade de aprender e ensinar garante ao homem a possibilidade
de criar civilização na medida em que assegura a reprodução do conheci-
mento para além dos limites do tempo e espaço.
Vale ressaltar que, embora, estando na produção da existência mate-
rial a base do todo desenvolvimento intelectual do homem, isso não limita
o conhecimento à produção material. Historicamente, após o aparecimento
da divisão social do trabalho e com o desenvolvimento das forças produtivas
e as modificações dos aspectos sociais, a atividade intelectual se ampliou
deixando de estar inteiramente voltada à atividade prático-material. Cada
vez mais, foram surgindo outras formas de assimilação intelectual da re-
alidade como as aspirações estéticas, religiosas, a reflexão filosófica, etc.
E com elas outras necessidades inteiramente novas foram sendo criadas e
cultivadas.
É de suma importância entender tanto a Educação como as outras
dimensões do ser social não constituem uma expressão direta do trabalho,
ou seja, embora seja o trabalho a dimensão fundante do ser social, existem
dimensões sociais que não resultam do trabalho. O que ocorre é uma deter-
minação recíproca tanto entre o trabalho e essas outras dimensões sociais,
como entre mesmas dimensões sociais dentro do movimento cada vez mais
complexo da dinâmica social.
Um complexo de complexos é assim que Lukács compreende a es-
trutura constitutiva do ser, como uma totalidade concreta dialeticamente
articulada por totalidades parciais. Ivo Tonet nos ajuda a entender essa ‘to-
talidade concreta’ explicando a crescente complexificação do ser humano, a
partir do trabalho, no processo do homem tornar-se homem.
94 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
humano, social, e se efetiva nas relações sociais. Como menciona BRAN-
DÃO (2007; 14) pela Educação o homem estabelece “trocas de símbolos, de
intenções, de padrões de cultura e de relações de poder. Mas, a seu modo,
ela continua, no homem, o trabalho da natureza de fazê-lo evoluir, de torná-
lo mais humano”.
Como uma dimensão do ser social, a Educação é sempre histórica, se
realiza concretamente no tempo e no espaço, ou seja, se constitui historica-
mente articulando-se às transformações dos modos de produzir a existên-
cia humana. Por ser socialmente datada, é um equivoco buscar uma defini-
ção geral da Educação que, de forma abstrata, se adeque a todo e qualquer
momento histórico concreto, por conseguinte, não é possível pensar uma
Educação referente a todas as expressões históricas em todos os tempos
sem cair numa abstração, sem nenhum vínculo com a realidade. Por outro
lado, como o processo de tornar-se homem, fazer história, não é linear e sim
marcado por um duplo movimento de continuidade e de descontinuidade,
é possível perceber na Educação, como no homem, traços essenciais que
permanecem, não obstante as mudanças históricas.
Na História, o individuo singular torna-se universal, nesse processo
de elevação do individuo à humanidade a Educação ganha sentido. Através
da Educação, o homem se apropria do patrimônio construído pela humani-
dade em cada diferente momento histórico. Ao se apropriar de sua herança
histórica, material e intelectual, o indivíduo singular vai se constituindo
universal como membro do gênero humano. Nisso reside o essencial da
Educação, sem a qual fica comprometido o pleno desenvolvimento do in-
divíduo como ser humano. A apropriação do universal pelo particular tem
caráter ativo, ou seja, é também objetivação, criação objetiva. O homem ao
tomar posse do que foi construído pela humanidade, não o faz de forma
passiva, mas ativamente, reelabora e amplia, a partir do que já traz consigo,
produzindo novas objetivações e, com isso, na medida em que cria o novo,
vai se fazendo cada vez mais, mais humano.
O sentido da Educação para a existência humana é, portanto, a media-
ção na elevação do individuo ao ser social, da individualidade à generalida-
de, sempre subordinado à reprodução mais ampla da totalidade social. Isso
assegura a continuidade do gênero humano, tanto no sentido de conservar
o que a humanidade produziu, quanto na possibilidade de criar o novo, o
futuro. É com essa compreensão que Lukács1 afirma que na Educação dos
homens o essencial consiste em torná-los aptos a reagir adequadamente aos
acontecimentos e situações imprevisíveis, novas, que aparecerão mais tarde 1
Lukács in Tonet, I. Edu-
em suas vidas. (LUKÁCS apud TONET, 2003) cação, cidadania e Eman-
Você percebeu que estamos tratando, aqui, de uma concepção am- cipação humana. p..138
pliada de Educação que não pode ser reduzida a uma concepção de Edu-
cação instrumental, formal, escolar, embora as envolva. Estamos pensando
a Educação, no plano ontológico da reprodução do ser social, no momento
da subjetividade. É fundamental saber que na produção da existência, não
obstante ser a objetividade - a realidade - o momento determinante, o mo-
mento da subjetividade – consciência - é tão importante quanto o da objeti-
vidade, ou seja, toda ação humana é composta, necessariamente, por esses
dois momentos, que se articulam dialeticamente. Somente entendendo essa
relação dialética entre objetividade e subjetividade, poderemos compreen-
der o sentido da Educação para a existência humana, encontrando o lugar
da Educação em relação ao ser social e a sociabilidade. Dessa forma, será
possível reconhecer a real importância da Educação sem nos perdermos em
posturas deterministas ou voluntaristas.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 95
Para ter mais elementos para pensar sobre o lugar da Educação na
práxis social, leia o pequeno trecho do livro de Mészáros – A Educação para
além do Capital – a seguir e reflita sobre a função da Educação para o ser
humano, de maneira geral, e especificamente, no contexto da sociedade
capitalista.
No texto que você acabou de ler, Mészáros coloca questões da maior relevân-
cia. Procure pensar sobre a função da Educação, discuta com seu grupo de
estudos, e responda:
96 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
A Educação sob o domínio do capital
O texto de Mészáros nos traz de uma reflexão mais geral sobre Edu-
cação em relação ao ser social e nos propõe pensá-la no contexto dos dias
atuais. Na unidade anterior construímos um diagnóstico da realidade atual
e buscamos explicitar os nexos não aparentes para entendermos a razão
de vivermos sob a urgência imposta pela reprodução do capital, que indife-
rente à tridimensionalidade da existência do ser no tempo, o redimensiona
a partir de suas necessidades particulares. O passado, como o já vivido, é
negado ante a reprodução contínua das condições objetivas do presente; o
futuro desaparece, enquanto possibilidade de produzir o novo, pela falácia
do fim da história. Assim, nosso viver está aprisionado a imediaticidade do
presente.
Presente?! Presente de grego, que nos impede de ver além da aparên-
Mundializado – refere-se
cia do invólucro ideológico; Cavalo de Tróia, que esconde a realidade do ca- a mundialização, termo
pital mundializado proclamando as conquistas da globalização. Estamos de origem francesa, surge
todos submetidos à lógica do capital, que tenta eternizar-se no presente sem para dar maior precisão
parecer dar importância à barbárie, que como um pêndulo nefasto paira de análise em relação ao
difundido termo globali-
sobre nossas cabeças sem utopias de futuro. É esse o contexto que devemos zação, de origem anglo-
pensar a Educação sob o domínio do capital. saxônica. Segundo CHES-
NAIS (1996),“o conteúdo
Como você já sabe, dado ao desenvolvimento das forças produtivas e efetivo da globalização é
das relações de produção chegamos à sociedade capitalista, uma sociedade dado, não pela mundia-
fundada sobre o antagonismo entre capital e trabalho; representados em lização das trocas, mas
pela mundialização das
duas classes principais com interesses antagônicos e inconciliáveis. O inte- operações do capital, em
resse da classe proprietária dos meios de produção é aumentar seu capital suas formas tanto indus-
e para isso ela precisa explorar o trabalho. A classe trabalhadora, embora trial quando financeira.”
Assim, o processo de
sem um projeto claramente definido, pelo lugar que ocupa na composição mundialização é uma fase
da sociedade de classes, precisa libertar-se da exploração. específica do processo de
internacionalização do
Por ser uma dimensão da vida que assume diferentes contornos his-
capital que tem como ca-
tóricos não é sem motivo que o debate sobre Educação, numa sociedade racterística o movimento
de classes, funda tantas controvérsias. Se para os primeiros homens, no conjunto da:
comunismo primitivo, a Educação estava inserida na vida mesma, ou seja, Acumulação ininterrupta
do capital;
aprendia-se na e pela vida, não ocorrendo separação entre Educação e As políticas de libera-
trabalho, com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de ção, de privatização, de
produção a Educação também vai se transformando, ou conformando-se desregulamentação e de
desmantelamento das
a lógica da societal. Como vivemos sob a lógica do mercado e da reificação, conquistas sociais e de-
tendencialmente a organização da Educação, como sistemas nacionais de mocráticas.
ensino, se fundamentam e referendam essas condições. Logo, a Educação
capitalista tem seus próprios contornos históricos.
Para Marx, a Educação, na sociedade capitalista, é uma Educação
burguesa. Perde seu caráter de formação integral, voltada para os interes-
ses gerais do ser humano, ou seja, está particularmente voltada para a re-
produção da hierarquia social implantada pelo capital. Por motivos óbvios,
a defesa dos interesses de uma classe não pode corresponder aos interesses
de todos, portanto, aos interesses humanos. Os interesses particulares se
sobrepõem aos interesses gerais, por consequência a igualdade torna-se
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 97
algo meramente formal, um fetiche. A desigualdade social pode ser facil-
mente percebida no caráter dual da Educação burguesa formal.
Gramsci (1968) avalia que no contexto da luta entre interesses parti-
culares, a Educação pode assumir um caráter conservador, tendo partici-
pação fundamental na elaboração, sistematização e irradiação da concep-
ção de mundo que estabelece a ordem social tal como ela é, pois prepara os
agentes dos aparelhos de hegemonia, os intelectuais orgânicos. A Educa-
ção tem, assim, uma função conservadora na configuração, na dissemina-
Intelectuais ção e na reprodução da ideologia e, consequentemente, na preservação do
orgânicos
em Gramsci “todo grupo poder das classes dominantes. Desta forma, o interesse particular da classe
social, ao mesmo tempo hegemônica fica resguardado e a Educação cumpre a função requerida pela
em que se constitui sobre reprodução da ordem estabelecida.
a base original da função
essencial que ele assume
no campo da produção
econômica, cria organi-
camente uma ou mais
2.1. A função da Educação na sociedade capitalista
camadas intelectuais que Na mesma perspectiva de análise de Marx e Gramsci, Mészáros (2008),
lhe asseguram homoge-
neidade e consciência de enfrenta o problema da função da Educação na sociedade capitalista. Ini-
sua própria função, não cia esclarecendo que não existe uma perpetuação automática das relações
somente no setor econô- sociais de produção, portanto, a classe burguesa para conservar-se hege-
mico, mas também nos
setores social e político...”
mônica deve trabalhar a interiorização ideológica, tanto da sua forma de ser
será na sua forma de se como dos seus interesses. Esclarece, ainda, que a reprodução do sistema
articular que o intelectual capitalista só é possível porque os indivíduos particulares interiorizam as
pode se tornando o agen-
te orgânico de um grupo
perspectivas gerais da sociedade produtora de mercadorias como o limite
social. inquestionável e intransponível de suas próprias aspirações.
É dessa maneira que a Educação atual contribui para a manutenção
da concepção de mundo e para a reprodução das relações sociais correspon-
dentes a sociedade capitalista. Grosso modo, “a Educação tem duas funções
principais numa sociedade capitalista: (1) a produção das qualificações ne-
cessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação de quadros e a
elaboração dos métodos para um controle político”. (MÉSZÁROS, 1981, p.
273). Podemos constatar isso com facilidade pela realidade educacional que
se volta para a instrução, levando em conta as demandas imediatas do mer-
cado, e pelas formas diversas, mas de todas as formas perversas, do apara-
to ideológico presentes no cotidiano dos aparelhos ideológicos. A ideologia
burguesa tem importância vital no processo de reprodução da sociedade
burguesa e isso comprova a competência do seu controle político. Vivemos,
objetivamente, um acirramento crescente das contradições inerentes ao ca-
pital, mas, não obstante, as consequências visíveis dessa situação insusten-
tável o discurso ideológico burguês mascara e tira de foco o essencial.
A importância da Educação nesse processo de interiorização ideoló-
gica pode ser comprovada pelo fato de que nenhuma sociedade perdurou
sem um sistema de Educação próprio. Mas, aqui se coloca uma verdade
essencial: o fato da Educação sob o domínio do capital, tender a reproduzir
a ordem estabelecida, isso não significa afirmar que é essa a função única
da Educação. Portanto, a função da Educação não se restringe a conservar
e reproduzir, pois, contrariamente, a Educação pode atuar, também, como
força de transformação social mediante a elaboração, sistematização e dis-
seminação de concepções de mundo contra-ideológicas. Por via de conse-
©Wikipedia
98 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
possibilidade histórica do futuro. É concordar com Durkheim, que numa
perspectiva positivista defende que cabe a Educação homogeneizar. Dife-
rentemente de a Educação ter por objeto único e principal o indivíduo e
seus interesses, ela é, antes de tudo, o meio pelo qual a sociedade reno-
va perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só
pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade.
A Educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo
na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe.
(DURKHEIM, 1973; 52)
Segundo Tonet (2005) numa sociedade de classes, a Educação se rea- A escola deve homo-
liza em meio a uma tensão constante, ora de preservação da ordem já cons- geneizar os indivídu-
os. Como você avalia
tituída, ora de transformação dessa realidade, pois é próprio da atividade
essa tese de Durkheim?
educativa propiciar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilida-
des, valores, comportamentos, etc.; um patrimônio acumulado e reelabo- Você acha que numa so-
rado ao longo da história da humanidade, contribuindo, assim, para que o ciedade econômica e so-
cialmente desigual, a
indivíduo se construa, para além da sua condição particular, como membro escola pode igualar os in-
do gênero humano e se torne apto a reagir face ao novo de um modo que divíduos?
contribua para a reprodução do ser social, que se apresenta sempre sob
Qual a diferença entre a
uma determinada forma particular. concepção de Durkheim
Você percebeu que dependendo da concepção teórica e visão de mun- e Tonet sobre a função da
Educação?
do os filósofos e estudiosos da Educação indicam diferentes funções para
a mesma. Então, é importantíssimo saber qual o fundamento teórico que
subjaz a cada análise. Desde o primeiro capítulo deste livro, você está tendo
contato com diferentes referenciais teóricos, e foi informada que estamos
realizando um exercício de reflexão crítica, dialética, pois estamos procu-
rando pensar com base no movimento contraditório da realidade. No pró-
ximo tópico vamos tratar da Educação nos dias atuais, pensar a realidade,
social e educacional alienante, que estamos inseridos e tentar romper com
a banalização para poder compreendê-la.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 99
interiorizarem o modo de ser que garanta a hegemonia cultural, política e o
controle social mediante o consenso. Entretanto, se num momento de crise
econômica ocorrem mudanças que provocam um descompasso entre a fun-
ção da Educação e as novas demandas, a Educação entra em crise. É o que
estamos vivendo hoje.
Tonet, no texto A Educação numa encruzilhada, sintetiza a situação
atual da Educação no contexto da crise estrutural do capital com extrema
clareza:
Com certeza, a reflexão proposta por Gramsci, no texto acima, nos faz
perceber que os desafios postos à nossa existência de seres sociais, históri-
cos, atuantes, estão cada vez mais exigentes, por isso devemos ficar atentos
à natureza histórico-concreta das alternativas que estão sendo colocadas na
situação particular de crise estrutural do capital. Sobretudo como educado-
res ou futuros educadores, devemos estar conscientes das nossas escolhas e
do esforço da crítica no campo da reprodução social. A ação educativa, numa
sociedade de classes, como já foi dito, pressupõe um vínculo orgânico que
ligue a prática educativa a um projeto de homem e de sociedade.
Compreendermos o estranhamento e as novas formas do persistente
fetichismo na dimensão do cotidiano, marcado por contradições naturali-
zadas, é condição indispensável na busca por uma nova hegemonia. Cada
vez mais, é no plano da subjetividade, que o capital tem instaurado novos
desafios, advindos do mundo do trabalho. As consciências contingentes,
‘formatadas’ pelos princípios do neoliberalismo, representam subjetivida-
des comformadas às formas de reprodução estranhadas e fetichizada do
sistema do capital. Portanto, é urgente pensar, criticamente, a Educação, a
escola e o educador numa perspectiva de emancipação humana, para além
do capital, como sugere Mészáros.
“Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança,
sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que via-
bilizem a sua concretização. É neste sentido que tenho dito em dife-
rentes ocasiões que sou esperançoso não por teimosia, mas por impe-
rativo existencial (...) O meu discurso a favor do sonho, da utopia, da
liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e
não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora”
(FREIRE, 2001, p. 85).
Leituras
Escola e Democracia
SAVIANI, D. Escola e Democracia. Ed. Autores Associados, 33ª Ed. SP.
2000.
Excelente trabalho do filósofo da Educação. Uma análise filosófica da Edu-
cação a partir da problematização da marginalidade relativa a Educação.
Expõe criticamente as diversas teorias pedagógicas mostrando como as di-
ferentes concepções de Educação – as não-criticas e as crítico-reproduti-
vistas - se posicionam frente a esse fenômeno. Para superar a dicotomia
propõe como exercício metodológico - a Teoria da Curvatura de Vara de Lê-
nin - para uma reflexão crítica e contextualizada sobre Educação, política e
sociedade. O livro já está com mais de 30 edições, uma resposta
Está disponível em:
http://www.scribd.com/doc/6175564/Escola-e-Democracia-Dermeval-Sa-
viani.
A Educação para além do capital
MÉSZÁROS, I. A Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo,
2005.
O ensaio que dá título ao livro foi escrito para a conferência de abertura do
Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre, em 2004. Nesse
texto, o professor emérito da Universidade de Sussex afirma, entre outras
coisas, que a Educação não é uma mercadoria. Que Educação não deve
Filmes
• Meu tio. Itália/França. 1958. Direção: Jacques Tati.
• Sociedade doa poetas mortos. EUA. 1989. Direção: Peter Weir.
• Sementes da violência. EUA. 1995. Direção:Richard Brooks.
• Edukators. Alemanha. 2004. Direção: Hans Weingartner.
Sites sugeridos
http://www.geocities.com/ivotonet/
No site está disponibilizada boa parte de toda a produção do Professor Dr.
e Pesquisador do Dep. de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. In-
cluindo algumas que foram citadas no texto. Sua obra é uma referência,
crítica, na área de Filosofia da Educação.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&lng=pt&nrm=iso
A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica
que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIRE-
ME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Tem muitos artigos
sobre Educação.
http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp
Professores, pesquisadores, alunos e funcionários de 191 instituições de en-
sino superior e de pesquisa em todo o País têm acesso imediato à produção
científica mundial atualizada através deste serviço oferecido pela CAPES.
Portal oferece acesso aos textos completos de artigos selecionados de mais
de 12.661 revistas internacionais, nacionais e estrangeiras, e 126 bases de
dados com resumos de documentos em todas as áreas do conhecimento.
Elizabeth Furtado
Possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza
(1981), e em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (1987).
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (1991), doutora-
do em Educacao pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Edu-
cação pela Universidade Federal do Ceará (2002). Atualmente é professora
Adjunto da Universidade Estadual do Ceará.