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Cristiane Maria Marinho

Elizabeth Furtado
Epitácio Macário Moura
Maria Hercilia Mota Coelho

Filosofia da Educação

2ª Edição
2010
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COORDENADORA DO CURSO DE PEDAGOGIA


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COORDENADORA DE TUTORIA E DOCÊNCIA DO CURSO DE PEDAGOGIA


Dília Maria Raulino de Sousa Caetano
Apresentação........................................................................................................................ 7

Unidade 1:
Pressupostos e Perspectivas.................................................................................................. 9
Capítulo 1 - A Filosofia........................................................................................................ 11
Introdução..............................................................................................................................11
A Filosofia...............................................................................................................................11
Capítulo 2 - A Educação e a Filosofia da Educação.............................................................. 14
Capítulo 3 - Pressupostos Filosóficos da Educação............................................................. 16
3.1. Antropologia Filosófica...................................................................................................16
3.2. Epistemologia..................................................................................................................18
3.3. Axiologia.........................................................................................................................19
Capítulo 4 - Alguns textos filosóficos sobre Educação........................................................ 21
Capítulo 5 - Breve panorama das correntes de Filosofia da Educação no Brasil................. 26
Conclusão............................................................................................................................ 32
Textos Complementares.........................................................................................................33

Unidade 2:
As concepções de Educação e seus pressupostos Filosóficos.................................................. 41
Capítulo 1 - A Educação primitiva e greco-cristã e a concepção essencialista do homem.. 43
Introdução..............................................................................................................................43
1.1. Origem do pensamento dialético.................................................................................... 43
1.2. Origem das idéias filosóficas nas sociedades primitivas.................................................45
Capítulo 2 - A Educação burguesa e a concepção existencialista de homem..................... 51
Capítulo 3 - Fundamentos filosóficos do racionalismo, empirismo e idealismo................. 53
Capítulo 4 - Filosofia dialética e Educação.......................................................................... 57

Unidade 3:
A relação homem-mundo como ponto de partida da teoria e da prática pedagógica............. 63
Capítulo 1 - O que é o homem?.......................................................................................... 65
Introdução..............................................................................................................................65
1.1. Uma busca ontológica pelo ser do homem..................................................................... 67
1.2. O homem, um ser social.................................................................................................69
1.3. Trabalho: fundamento do ser social................................................................................ 71
Capítulo 2 - Homem, trabalho e sociabilidade.................................................................... 75
2.1. Vamos refletir..................................................................................................................76
2.2. Em busca da racionalidade da desrazão capitalista........................................................81
2.3. Da produção da mercadoria à inversão da realidade......................................................83
2.4. Retirando o véu das coisas... .......................................................................................... 85

Unidade 4:
O sentido da educação para a existência humana.................................................................. 91
Capítulo 1 - O conhecimento como condição de produção da existência.......................... 93
Capítulo 2 - A Educação sob o domínio do capital.............................................................. 97
2.1. A função da Educação na sociedade capitalista.............................................................. 98
2.2. Educação em tempos de crise estrutural do capital.......................................................99
2.3. O que significa educar para a cidadania?........................................................................ 102
Capítulo 3 - Educação e emancipação humana.................................................................. 105

Dados dos Autores................................................................................................................ 112


O conjunto dos textos que estamos apresentando, foram escritos para servirem
de apoio didático à disciplina Filosofia da Educação. Talvez você se pergunte sobre
o que realmente vai encontrar a seguir, querendo antecipar a resposta sobre: qual o
sentido de estudar Filosofia da Educação? Se rompermos com o senso comum e bus-
carmos conhecer a Filosofia, vamos descobrir que o pensamento é objeto da Filosofia.
Eis aqui a chave para a compreensão da Filosofia da Educação. Ora, todo ser humano
pensa; eu penso... você pensa... Logo, se a Filosofia trata do pensamento, então ela deve
ser muito interessante para nós, seres que pensam. Um importante filósofo, Antonio
Gramsci, declarou que “todo homem é um filósofo”. Neste caso, estamos no lugar certo
e na hora certa, porque vamos, agora mesmo, propor uma reflexão filosófica, portanto,
metódica e sistemática, acerca da Educação. É isso que faz a Filosofia da Educação:
reflete filosoficamente a Educação na perspectiva de explicitar os seus fundamentos,
encontrar seus nexos, articulando as suas diversas dimensões para a compreensão da
concepção de mundo que aparece na forma de uma concepção filosófica de Educação.
É no primeiro capitulo - Filosofia da Educação: pressupostos e perspectivas - jun-
to com sua autora, a professora Cristiane Marinho, que vamos pensar sobre a impor-
tância da Filosofia para a compreensão da realidade, por nos possibilitar determinados
recursos categoriais que ampliam a nossa visão de mundo e, por isso, possibilitam
nossa melhor inserção nesta mesma realidade na qual estamos inseridos e pela qual
somos responsáveis no que tange à mudança ou à permanência. Explicitar a especifi-
cidade da Educação e da Filosofia da Educação; possibilitar a compreensão da impor-
tância dos pressupostos filosóficos da axiologia, antropologia e epistemologia para a
Educação; expor de forma sumariada as correntes de Filosofia da Educação no Brasil,
também são objetivos da unidade.
Na segunda unidade - As Concepções de Educação e Seus Pressupostos Filosó-
ficos – a professora Maria Hercília Coelho, compreendendo a importância da Filosofia
e de sua influência na formação humana, através da Educação, propõe acompanhar o
movimento da história da Educação, observando o papel das diversas correntes filosó-
ficas, tomando, como fio condutor, a Filosofia da essência, a Filosofia da existência e a
Filosofia dialética. A ênfase na dialética como método de apreensão da realidade, per-
mite uma reflexão da Educação de forma contextualizada, analisando a sua influência
na formação dos sujeitos e da sociedade
Pensar criticamente sobre o sentido de ser humano, de existir contextualizado
no tempo e no espaço, de estar no mundo e se construir, simultaneamente, com a
construção do mundo dos homens, para, a partir daí, pensar a Educação, é o percur-
so realizado na terceira unidade - A relação homem-mundo como ponto de partida da
teoria e da prática pedagógica. Os autores do texto, professora Elizabeth Furtado e
professor Epitácio Macário Moura, propuseram um exercício de reflexão filosófica, de
caráter ontológico, colocando o pensamento de diversos filósofos como estimulo e refor-
ço para construção de respostas às questões que permeiam o texto. O estudo sobre os
fundamentos do homem e da sociedade constituem a base para a temática da quarta
unidade, quando a Educação se postará no centro da reflexão.
O Sentido da Educação para a existência humana, título da quarta e última uni-
dade, escrita pela professora Elizabeth Furtado, problematiza, inicialmente, a neces-
sidade do aprender para o ser humano. No percurso da reflexão filosófica, a Educação
encontra seu lugar no complexo de complexos que forma a totalidade social. Saindo
do âmbito mais geral da discussão sobre a Educação, a autora problematiza a função
da Educação no contexto da sociedade de mercado, e, mais especificamente, no mo-
mento da crise estrutural do capital. Entre os interesses privados da classe burguesa
vai aparecer o caráter conservador que a Educação pode assumir, sem perder de vista
que, numa sociedade de classes, a Educação poderá estar comprometida com qualquer
um dos projetos dependendo da correlação de forças no que se refere à hegemonia. O
debate atual acerca do sentido de uma Educação voltada para a cidadania ou para a
emancipação antecede o alerta sobre a nossa responsabilidade como ser humano e
como educador na construção do futuro.
Cada um dos autores procurou apresentar questões relevantes no campo da Filo-
sofia da Educação, de forma a permitir uma fecunda discussão e estimular uma sólida
aprendizagem. A autonomia do aluno, na modalidade de ensino à distância, é condição
de aprendizagem; aumenta as exigências de dedicação ao tempo de estudo e pesqui-
sa. Lembramos que o momento da formação é importantíssimo, portanto, dedique-se,
participe dos fóruns, exija da Universidade uma formação de qualidade. A sua prática,
como futuro educador, e, sobretudo, como ser humano, estará sempre ligada à sua
formação.

Os Autores

.
Unidade

1
Pressupostos e Perspectivas

Objetivos:
• Mostrar a origem do termo Filosofia e a diversidade de seus significados na História.
• Explicitar a especificidade da Educação e da Filosofia da Educação.
• Possibilitar a compreensão da importância dos pressupostos filosóficos da Axiologia,
Antropologia e Epistemologia para a Educação.
• Apresentar alguns textos filosóficos significativos que refletem, de forma diferenciada,
sobre a Educação.
• Expor, sumariamente, as correntes de Filosofia da Educação no Brasil.
Capítulo 1
A Filosofia

Introdução
A presença da Filosofia, em qualquer área do conhecimento, é impres-
cindível. Não porque seja obrigatória, mas porque a reflexão filosófica possi-
bilita determinados recursos categoriais que ampliam a nossa compreensão
de mundo e, por isso, pode nos instrumentalizar na existência prática e
cotidiana nas diversas atividades exercidas.
Por esse motivo, a Filosofia é mais importante ainda na área de Edu-
cação. Seja para professores ou para alunos. Ela nos permite ter acesso a
algumas reflexões que se voltam para a realidade com a qual convivemos
e na qual estamos inseridos e pela qual somos responsáveis pela mudança
ou permanência. Assim, então, a Filosofia da Educação se torna ainda mais
significativa para o profissional da Educação propiciando-lhe reflexões so-
bre o projeto educacional e sistematizando sua intervenção.
Nossos objetivos, no presente trabalho, serão o de mostrar a origem
do termo Filosofia e a diversidade de seus significados ao longo da história;
explicitar a especificidade da Educação e da Filosofia da Educação; possibili-
tar a compreensão da importância dos pressupostos filosóficos da Axiologia, Imanência: Conceito que
Antropologia e Epistemologia para a Educação; apresentar alguns textos filo- se refere à realidade pre-
sóficos significativos que refletem, de forma diferenciada, sobre a Educação; sente do aqui e do agora.
Dogmatismo: Pensamen-
expor, sumariamente, as correntes de Filosofia da Educação no Brasil. to que defende certas
idéias de forma inflexível.

A Filosofia
O termo Filosofia é de origem grega, composto por philo e Sophia, sig-
nificando “amizade pela sabedoria”. Contudo, ao indagarmos sobre o que é
filosofia não encontramos unanimidade quanto aos seus significados, pois
estes variam no tempo e no espaço: para Platão (séc. V a. C. ) Filosofia é um
saber verdadeiro, comprometido com uma sociedade justa e feliz; Aristóte-
les (séc. IV a. C. ) fala no desencadeamento da Filosofia a partir do espanto
diante do mundo; na época medieval, a Filosofia estava subordinada à teo-
logia com Agostinho (séc. V) e Tomaz de Aquino (séc. XIII); Descartes (séc.
XVII ) compreende a Filosofia como um conhecimento perfeito que pode fa-
cilitar a vida humana diante das intempéries naturais; Marx (séc. XIX) afir-
mou que a Filosofia apenas havia pensado o mundo e que era necessário
também transformá-lo; para Deleuze (séc. XX) a Filosofia é, basicamente,
uma criação de conceitos.
Os poucos exemplos citados não esgotam a variedade de definições
atribuídas ao termo, mas são representativos da riqueza de referenciais que
foram sendo modificados ao longo da história. Ora é a essência que norteia
o pensar filosófico, ora é a imanência. Algumas teorias trazem a perspec-
tiva de um objetivo último da História, outras apresentam uma preocupa-
ção com as questões humanas mais imediatas. Alguns pensadores centram

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 11
suas reflexões na prevalência da razão, outros fazem uma crítica a essa
centralidade, ou em nome da categoria do trabalho, ou em nome da catego-
ria da corporalidade.
Nesse labirinto de idéias que compõem a filosofia, o mais importante
é compreendermos que essa multiplicidade de caminhos e vertentes devem
nos instigar à percepção da multiplicidade do real, evitando o dogmatismo
empobrecedor. É relevante também a compreensão de que nessa riqueza
filosófica há elementos comuns: a crítica, o questionamento, a admiração, o
espanto, a desobediência, a rebeldia, a inquietação e o inconformismo com
o que é tido como eterno.
Apontamos aqui dois caminhos, dentre outros, que viabilizam o acesso
a esse tesouro: a História da Filosofia e as reflexões temáticas. Entretanto,
são dois caminhos que se cruzam constantemente. A reflexão temática, por
mais inédita que possa se apresentar, tem sempre algo já dito na tradição
filosófica. É uma necessária humildade filosófica que nos deve levar ao re-
conhecimento dessa contribuição sem, no entanto, ficarmos cativos dela. A
História da Filosofia deve estar sempre presente nos nossos estudos, seja
respaldando nossas recriações filosóficas seja para nos contradizer.
Na atual sociedade tecnologizada e capitalista, a Filosofia parece não
ter um lugar de acolhimento: pela pressa da vida urbana, pela busca insana
da sobrevivência, pela ganância material ou, ainda, pela concorrência exis-
tente entre as pessoas. Tudo isso parece não deixar espaço para o reconhe-
cimento do valor da Filosofia, ou do que ela possa propiciar em termos de
enriquecimento de sentido da vida, pois a vida contemporânea nos prende
em pequenos espaços mentais, muitas vezes através dos meios de comuni-
cação de massa, que se conformam em opiniões pré-estabelecidas. Falta-nos
a compreensão de que a Filosofia busca apreender o mundo em sua grande
variedade.
Nos seus quase vinte e seis séculos de existência, a Filosofia foi se cons-
Calidoscópio: Aparelho tituindo como um calidoscópio de enorme amplitude de estudos sobre: os
óptico formado por peque-
nos fragmentos de vidro
fundamentos últimos do ser (ontologia ou metafísica); as ciências com seus
colorido que refletem uma métodos e resultados (epistemologia); as diferentes modalidades de conheci-
combinação variada (ou mento humano tais como sensação, percepção, memória, imaginação, inte-
calidoscópio).
lecto, senso comum, ciência, etc. (teoria do conhecimento); os valores morais
(ética); as relações de poder e autoridade (política); as diversas dimensões da
história e suas concepções (filosofia da história); as formas, obras e criações
artísticas (filosofia da arte ou estética); a linguagem e todas as suas ramifica-
ções (filosofia da linguagem); os diferentes períodos da Filosofia e seus repre-
sentantes, idéias e obras (história da filosofia); a Educação e sua abordagem
filosófica (Filosofia da Educação) (CHAUI, 2003).
Essa abordagem multifacetada do real, contudo, não é propositiva de
soluções práticas e imediatistas, mas, sim, uma abordagem conceitual do
real. O filósofo pensa a realidade não sob o prisma de uma visão comum,
cotidiana, mas com um olhar inusitado, nunca antes usado. Um olhar que
vê diferente o sempre visto, um pensar que pensa de forma incomum o sem-
pre pensado. Esse pseudo-afastamento do real é para melhor apreendê-lo e
poder sugerir novas formas de abordagem desse mesmo real, tanto teóricas
quanto práticas. Não é um relacionamento empírico com o real, mas um
Multifacetada: Que apre-
senta muitas faces. relacionamento categorial, que pode, de preferência, reordenar as ações hu-
manas na cotidianidade concreta.

12 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. Explique porque não se pode afirmar que há somente uma defini-
ção de Filosofia.
2. Qual o lugar da filosofia nos dias de hoje?

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 13
Capítulo 2
A Educação e a Filosofia da Educação

No universo dos estudos filosóficos, nos limitaremos ao campo de in-


vestigação da Filosofia da Educação. É necessário, no entanto, que compre-
endamos que esse campo específico do universo da Filosofia não exclui os
outros campos e objetos de reflexão da Filosofia. Pelo contrário, a Filosofia
da Educação faz um recorte na realidade que pressupõe a realidade como
um todo e, por isso, estão envolvidos nessa reflexão todos os campos de es-
tudo e objetos filosóficos. Para prosseguirmos nessa reflexão, duas pergun-
tas impõem-se: o que é Educação? O que é Filosofia da Educação?
A Educação é uma atividade ontológica, relativa ao ser, ligada direta-
mente ao trabalho, compreendido aqui como ação mediadora entre homem
e natureza e constituidora da humanização. Na medida em que ocorre uma
complexificação das relações de produção, ocorre também uma complexifi-
cação das relações sociais e, nesse âmbito, se encontra a Educação e toda a
superestrutura (direito, moral, religião, etc.):

“O homem que transforma, com o trabalho e a consciência, partes da


natureza em invenções de sua cultura, aprendeu com o tempo a trans-
formar partes das trocas feitas no interior desta cultura em situações
sociais de aprender-ensinar-e-aprender: em Educação. Na espécie hu-
Ontologia: Parte da filo- mana a Educação não continua apenas o trabalho da vida. Ela se instala
sofia que estuda o ser.
dentro de um domínio propriamente humano de trocas: de símbolos,
Pressuposto: O que é su- de intenções, de padrões de cultura e de relações de poder. Mas, a seu
posto de forma antecipa- modo, ela continua no homem o trabalho da natureza de fazê-lo evoluir,
da.
de torná-lo mais humano” (BRANDÃO, 2007, p. 14).

Nesse sentido, falamos de Educação como um processo de socializa-


ção extremamente abrangente, que inclui a formação da espécie humana
desde os tempos remotos. Nesse âmbito, as trocas sociais são muito diver-
sificadas, vão desde táticas de sobrevivência até histórias religiosas tribais.
Fica claro, portanto, que não se pode associar automaticamente a idéia de
Educação à idéia de escola da forma como a conhecemos hoje.
Assim, afirmamos, com Paviani (2008), que a Educação, em uma pers-
pectiva antropológica cultural, é anterior à Filosofia, mas com o surgimento
dessa última se configura uma unidade que é desfeita pela contemporanei-
dade. A Filosofia e a Educação caminharam juntas nos períodos antigo, me-
dieval e moderno. Houve uma mútua determinação entre Filosofia e Educa-
ção nessas respectivas épocas, apesar dos diferentes graus de contribuição
na formação da imagem do homem e do mundo.
A Educação não tem um fim em si mesma e nem tampouco é neutra,
mas, sim, busca a manutenção ou transformação social. Nessa perspectiva,
ela procura por pressupostos orientadores da formação dos homens e da
convivência entre eles e é a Filosofia quem possibilita tal reflexão. Mas...
cuidado! A Filosofia da Educação, nesse papel, não deve ser confundida

14 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
com um pensamento voltado exclusivamente às questões didático-pedagó-
gicas, apesar de poder ser apropriada para reflexões da ordem da Educação
formal.
A Filosofia da Educação tem objetivos mais amplos, dos quais podemos
lançar mão para o dia-a-dia da escola. Contudo, originariamente, podemos
dizer que a Filosofia da Educação é uma “pedagogia da razão” (MATOS, 1997,
p. 8), querendo dizer com isto que ela busca compreender a “Educação da
razão”, as formas como a razão se comportou através dos tempos, seus ex-
travios e possibilidades contemporâneas. É dessa maneira que a Filosofia da
Educação pode contribuir para as reflexões que indagam sobre que indivídu-
os pretendemos formar:

“Acompanhar a história da Educação da Razão e suas diversas dimen-


sões pode abrir caminho para compreender o que se perdeu do passado,
bem como o sentido dessa perda no presente. Para além da crença numa
racionalidade homogênea e pacificada, a polifonia da razão oferece o diá-
logo que lhe é interno e a heterogeneidade do que parece uno, identitário,
coerente e sem tensões: a Razão. Pode-se, assim, reconhecer as apo-
rias da modernidade para, quem sabe, fazer homens melhores” (MATOS,
1997, p. 10).

Compreendido que a Filosofia da Educação abrange outras dimensões


da existência humana, é necessário o aprofundamento em alguns pressu-
postos filosóficos necessários à reflexão filosófica da Educação: antropolo-
gia filosófica, epistemologia e axiologia. Outro procedimento necessário ao
estudo da Filosofia da Educação é o conhecimento das reflexões dos filóso-
fos em torno da atividade educativa presentes em determinadas obras mais
ligadas ao tema. Por isso, faremos uma exposição sumariada de algumas
obras fundamentais desse universo de reflexão. Escolhemos obras repre-
sentativas de épocas e orientações filosóficas diversas por ser importante o
conhecimento variado dessas concepções para uma melhor condução do co-
tidiano escolar. Dentro desse viés histórico-filosófico, é imprescindível uma
abordagem da recepção dessa herança ocidental aqui no Brasil. Para tanto,
vamos apresentar as principais correntes e estudos brasileiros da Filosofia
da Educação.

1. O que é Educação?
2. Busque sistematizar as contribuições que a Filosofia da Educação
pode oferecer para a prática educacional.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 15
Capítulo 3
Pressupostos Filosóficos da Educação

Os pressupostos filosóficos da Educação são importantes por esta-


rem “subjacentes às práticas educativas e às teorias pedagógicas. (...). Por
meio desses fundamentos podemos melhor compreender a orientação e os
pressupostos que movem os educadores, condição para que a sua atuação
seja intencional, não apenas empírica” (ARANHA, 2006, p. 8). O acompa-
nhamento filosófico da ação pedagógica visa promover a passagem de uma
Educação assistemática, pautada no senso comum, para uma Educação
sistematizada e crítica, portanto, de uma consciência filosófica.
Assistemática: Sem sis- É a partir dessa análise, tomando a realidade educacional vivenciada,
tematicidade ou organi- que emergem as questões sobre o ser humano que se busca formar (antro-
zação. pologia), sobre os valores que assumimos, recusamos ou criamos (axiolo-
gia), sobre as bases do conhecimento presentes nos métodos e ações edu-
cativas (epistemologia) e sobre a convivência coletiva que nos propomos a
transformar ou aceitar (política):

“Cabe à filosofia, entre outras coisas, examinar a concepção de huma-


nidade que orienta a ação pedagógica, para que não se eduque a partir
da noção abstrata e atemporal de ‘crianças em si’, de ‘ser humano em si’,
tal como a que persistiu na concepção essencialista de Educação (...). Do
mesmo modo, não há como definir objetivos educacionais se não tiver-
mos clareza dos valores que orientam nossa ação. O filósofo deve avaliar
os currículos, as técnicas e os métodos para julgar se são adequados ou
não aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco inevitável sempre
que os meios são supervalorizados e se desconhecem as bases teóricas
do agir” (ARANHA, 2006, p. 25).

3.1. Antropologia Filosófica


A reflexão antropológica está presente em qualquer área da atividade
da existência humana, pois sua pergunta central é “O que é ser humano?”.
O termo antropologia deriva do grego anthropos (homem) e logos (teoria, ci-
ência), significando, portanto, o conjunto de teorias sobre o ser humano.
A antropologia científica se distingue da antropologia cultural: a primeira
estuda a evolução humana no seu aspecto físico desde os primatas; a se-
gunda se debruça sobre as diferentes culturas e suas especificidades (moral,
poder, linguagem, costumes, etc.). A antropologia filosófica, por sua vez, “é a
investigação sobre o conceito que o ser humano faz de si próprio, de suas fa-
culdades, habilidades e ações que orientam a vida” (ARANHA, 2006, p. 150).
As concepções antropológicas se formaram, ao longo do tempo, de
maneira muito diferenciada e sempre influenciaram as teorias da Educa-
ção. Dentre as muitas concepções antropológicas existentes ressaltamos
quatro: a essencialista, a naturalista, a histórico-social e a pós-moderna.

16 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A concepção antropológica essencialista tem sua raiz na metafísica
grega da antiguidade, a partir do século VI a.C. e se caracteriza pela busca
da unidade na multiplicidade dos seres, ou seja, é uma busca pela essência
do ser. Nessa concepção, a humanidade teria uma natureza imutável, ape-
sar das diferenças individuais. Assim, o grande papel da Educação seria
ajudar os indivíduos a alcançarem aquele modelo idealizado de homem. Na
Idade Média, aproximadamente do século V ao XIII, persiste também essa
concepção antropológica essencialista, só que agora dirigida pela visão cris-
tã que defendia uma essência humana advinda de Deus, e que deveria ser
alcançada visando a vida eterna. Nesse âmbito, a Educação estaria muito
próxima da fé.
A concepção antropológica naturalista, nos diz Aranha (2006), “co-
meçou a surgir com a revolução científica do século XVII e caracteriza-se
pelo enfoque naturalista imposto ao conceito de humanidade, projeto que
atingiu seu ápice com o cientificismo positivista, no século XIX, e que
até hoje tem seguidores”. A evolução das ciências a partir daí plasmou uma
visão mecanicista do homem: o corpo era uma máquina submetida às leis
naturais de forma determinista, estando ausente uma autodeterminação de
seu destino. Essa vertente naturalista e cientificista, influenciou fortemente
a psicologia behaviorista que, por sua vez, definiu rumos de técnicas e
procedimentos pedagógicos para a Educação.
A concepção antropológica histórico-social é moderna e contemporâ-
nea (século XVI ao século XX). Recusa uma concepção essencialista do
homem, afirmando que não há natureza humana universal. Segundo essa
concepção, os homens são seres pragmáticos, definidos pelo trabalho e pela Cientificismo positivista
Corrente filosófica que
convivência coletiva e as condições econômicas estabelecem os modelos so- tem na ciência o verdadei-
ciais de produção e suas circunstâncias. Ressaltamos duas grandes ver- ro conhecimento.
tentes representativas dessa concepção, dentre outras: a marxista, pautada
Behaviorismo – Termo
numa compreensão de totalidade com uma fundamentação econômica, e que vem do inglês beha-
a fenomenológica, defensora de uma autodeterminação mais autônoma do vior, comportamento, e
sujeito. A influência dessa concepção na Educação vem, principalmente, indica o estudo do com-
portamento fundado na
pela criação de teorias que reconhecem o papel do educando no processo análise das reações visí-
de aprendizagem. veis do organismo aos es-
tímulos exteriores.
A concepção antropológica pós-moderna é também contemporânea,
mais situada na metade do século XX e inícios do século XXI e suas princi-
pais críticas às grandes correntes humanistas da Modernidade são: a cen-
tralidade do sujeito seria uma invenção disciplinar; o saber não seria a porta
para a liberdade, mas estaria intimamente ligado a formas de poder; a idéia
única de humanidade precisa ser desfeita em nome do reconhecimento da
multiculturalidade; a superioridade da Razão moderna mostrou-se historica-
mente impotente para resolver os problemas da existência, daí a necessidade
de liberar e valorizar outras dimensões humanas que não só a racionalidade.
Os efeitos dessa concepção na Educação contemporânea ainda são visíveis,
sendo um dos principais a crítica à toda estrutura educacional montada:
currículo, relação aluno-professor, etc. (Conf. VEIGA-NETO, 2003).

3.2. Epistemologia
A teoria do conhecimento, gnoseologia (do grego gnose, “conhecimen-
to”) e epistemologia (do grego episteme, “ciência”), parte da Filosofia que
investiga as relações entre sujeito cognoscente (sujeito que conhece) e o
objeto conhecido (ser cognoscível) no ato de conhecer: como conhecemos o

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 17
real? Essa apreensão é determinada pelas sensações ou por idéias inatas?
É possível mesmo conhecer a realidade? O que é verdadeiro e falso? O termo
epistemologia significa também o estudo do conhecimento científico, suas
hipóteses, seus métodos, a natureza do conhecimento científico, por isso é
denominada de filosofia das ciências ou teoria do conhecimento científico.
Apesar dos filósofos da Antiguidade e da Idade Média terem se ocupa-
do com o problema do conhecimento, foi somente na Idade Moderna (século
XVII) que a teoria do conhecimento se consolidou como um ramo indepen-
dente de estudo. Os antigos reconheceram a possibilidade de nos enganar-
mos ao conhecer a realidade, mas nunca foi questionada a realidade do
mundo nem a capacidade em conhecê-la. Essa problemática iniciou com
o filósofo moderno Descartes, que investigou sobre a origem do conheci-
mento e sobre o critério de verdade: “Dessas indagações derivaram duas
tendências – o racionalismo e o empirismo – que marcaram, daí em diante,
a reflexão filosófica. O racionalismo teve seu maior expoente em Descartes,
defensor das idéias inatas, e o empirismo, em Locke e Hume, que valoriza-
ram a experiência no processo do conhecimento” (ARANHA, 2006, p. 160).
A questão central da teoria do conhecimento é: de onde vêm nossas idéias?
Indubitável: Que não
pode ser posto em dúvida.
Descartes iniciou sua filosofia pela teoria do conhecimento, buscando
uma verdade primeira sobre a qual não houvesse dúvida. A dúvida tornou-
se método e tudo foi questionado: o senso comum, os argumentos de auto-
ridade, o testemunho dos sentidos, as verdades deduzidas pelo raciocínio, a
realidade do mundo exterior e o seu próprio corpo. A partir do ser pensante,
existente no corpo, chega então a uma verdade indubitável, à existência
desse ser que duvida e que, se duvida, pensa: “penso, logo existo” (cogito,
ergo sum). Com essa certeza, vem a descoberta da existência de idéias cla-
ras e distintas que não derivam da experiência, pois já se encontram no
espírito humano, são as idéias inatas, que já nasceram com o sujeito.
As idéias inatas são verdadeiras e não sujeitas a erro, pois vêm da ra-
zão, e a partir delas conhecemos a realidade. Por isso, a filosofia cartesiana
é chamada de racionalista. É também um idealismo e um subjetivismo,
pois é no espírito, na razão, no sujeito, em forma de idéias, que se encontra
a realidade. Ou seja, na relação sujeito-objeto, o privilégio é do sujeito que
nos dá o critério seguro para não nos enganarmos com uma realidade falsa.
Apriorismo – Vem do la- O empirismo é muito diverso do racionalismo. Apesar de Locke ter
tim a priori (partindo da-
quilo que vem antes), é
sido influenciado por Descarte, criticou suas idéias inatas “ao afirmar que a
uma expressão filosófica alma é como uma tábula rasa, uma tábua sem inscrições, uma cera na qual
que designa um conhe- não há nenhuma impressão, porque o conhecimento só começa após a ex-
cimento que não leva em
consideração os fatos re-
periência sensível. Sua teoria ficou conhecida como empirismo, termo cuja
ais. O conhecimento a origem é a palavra grega empeiría, que significa “experiência” (ARANHA,
priori se complementa 2006, p. 161). Contudo, o fato de o empirismo priorizar o papel do objeto
com o conhecimento a
não significa que despreze a razão, mas sim que a subordina à experiência.
posteriori, aquele que se
adquire com a experiên- Da mesma forma, o racionalismo não exclui a importância da experiência
cia. sensível, mas apenas a considera um momento do conhecimento, sujeita a
enganos e subordinada à razão.
Já em meados do século XIX, o positivismo de August Comte radicali-
za a tendência empirista ao subordinar as experiências teológicas e metafí-
sicas, tidas como inferiores, à ciência. O estado positivo é o ápice do espírito
humano, a explicação dos fatos deve ocorrer por meio da observação e da
experimentação, e de suas relações entre os fenômenos.
Na contemporaneidade, tanto o apriorismo quanto o empirismo são
insuficientes para explicar a complexidade do ato cognitivo:

18 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
“Outros teóricos, porém, buscaram uma compreensão mais elaborada,
a fim de superar as duas posições antagônicas. Entre eles, Leibniz e
Kant, ainda no século XVIII, e Hegel e Marx, no século XIX, levaram a
efeito estudos nesse sentido. No século XX, a questão mereceu a atenção
de Husserl, representante da fenomenologia, corrente filosófica que, por
sua vez, influenciou a psicologia da forma (ou Gestalt) e a filosofia de
Merleau-Ponty. Essas concepções são bastante diferentes, mas têm em
comum o fato de considerar insuficientes as posições unilaterais do em-
pirismo e do inatismo. Para superá-las, lançam mão de uma concepção
mais dinâmica de verdade, bem como estabelecem uma relação intrínse-
ca entre sujeito e objeto” (ARANHA, 2006, p. 163).

A fenomenologia, por exemplo, trabalha com a noção de intencionalida-


de ou consciência intencional, significando que, ao contrário dos inatistas,
não há uma consciência pura, separada do mundo, pois toda consciência é
consciência de alguma coisa. Ao contrário dos empiristas, os fenomenólogos
afirmam que não há objeto em si, pois é o sujeito que lhe dá significado.
Com a fenomenologia cessa a dicotomia entre sujeito e objeto e prevalece o
conceito de fenômeno, - em grego “o que aparece” -, indicando que não há
ser em si, escondido por trás das aparências, onde o objeto do conhecimento
é o que aparece para uma consciência.

3.3. Axiologia
Em grego, axiologia vem do substantivo axía, “preço”, “valor de algu-
ma coisa”, e do adjetivo axios “o que vale”, “que tem valor de”, “digno de”,
“justo”. Na antiguidade grega, portanto, dizia respeito à referência de preço
e a “um homem de valor”, corajoso e digno.
Foi somente a partir do século XIX que surgiu a teoria dos valores ou
axiologia como disciplina filosófica. O conceito valor passou a significar o
que é bom, estimado e o que serve para orientar a ação. A axiologia, geral-
mente, é relacionada aos valores éticos, mas seu campo abrange, também,
os valores estéticos, políticos, econômicos, etc.
No sentido ético e moral, as questões da axiologia tratam sobre a di-
versidade dos valores, natureza, subjetividade, universalidade, relatividade,
etc. Vem daí a complexidade das concepções axiológicas:

“Considerando uma definição bem ampla, a moral é o conjunto de regras


de conduta adotado pelos indivíduos de um grupo social com a finalida-
de de organizar as relações interpessoais segundo os valores do bem e do
mal. Desse modo, cada sociedade estimula alguns comportamentos, por
considerá-los adequados, e sujeita outros a sanções de diversos tipos,
desde um olhar de reprovação até o desprezo ou a indignação” (ARANHA,
2006, p. 173).

A complexidade da dimensão ética reside na sua própria contradição


de ser constituída pelos aspectos social e pessoal. O tornar-se moral implica
em assumir livremente regras que possibilitem o amadurecimento pessoal,
na qual a pessoa tem condições de se integrar em uma coletividade. A difi-
culdade maior é que a convivência coletiva é conflitante, dada a pluralidade
de valores existente no coletivo, no qual devemos nos posicionar e escolher
e respeitar os valores que nos são dessemelhantes. Segundo Kant, o sujeito
moral é autônomo. Compreende-se autonomia (auto = próprio) como uma lei

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 19
que não vem de fora, mas é ditada pelo próprio sujeito moral. É diverso da
heteronomia (hetero = outro, diferente) onde o sujeito não se autodetermina.
A liberdade, então, é a capacidade de autodeterminação, na qual ser moral
significa ser responsável (responder por seus atos) e capaz de reciprocidade
(toda ação é intersubjetiva) e não deve ser confundida com individualismo.
No geral, a axiologia se caracteriza por duas amplas posições con-
traditórias: a liberdade incondicional (ou livre arbítrio) e o determinismo
absoluto.
A concepção de liberdade incondicional (ou livre arbítrio) compreende
que o ser humano teria uma liberdade absoluta, e que poderia tomar livre-
mente suas decisões independente das circunstâncias e movido somente
por interesses pessoais. A liberdade humana é incausada, não é determina-
da por causa alguma exterior à sua vontade: “Trata-se de uma concepção
aceita pela tradição cristã, que passou por Santo Agostinho, Santo Tomás
de Aquino e estendeu-se para outros filósofos que, embora de maneiras dife-
rentes, reafirmaram a faculdade do indivíduo de se autodeterminar apenas
pela sua consciência” (ARANHA, 2006, p. 174).
Diversamente, a concepção do determinismo absoluto reza que todo
ato é causado. O indivíduo, assim como as coisas e os animais, ao sofrer de-
terminações externas e internas torna ilusórias suas escolhas individuais.
O corpo físico e biológico, as leis do psiquismo, a cultura fazem do sujeito
ser o que ele é.
A essas duas posições, rígidas e antagônicas, é contraposta a teoria da
liberdade situada, a partir de uma visão dialética da liberdade. Admite-se,
aí, que o ser humano é multiplamente determinado, “mas, como é também
um ser consciente, ao tomar conhecimento desses determinismos e dos obs-
táculos a ele antepostos, é capaz de agir sobre a realidade, transforman-
do-a,. ou seja, sua atuação torna-se criadora e, portanto, livre” (ARANHA,
2006, p. 175, P. 175). A teoria da liberdade situada desloca a questão da li-
berdade para o campo prático da ação, pois considera o indivíduo como um
sujeito social. Há o reencontro do pessoal e do social, elementos imprescin-
díveis da constituição de uma individualidade autônoma. A liberdade não é,
portanto, algo dado, mas construído historicamente.

1. Por que alguns pressupostos filosóficos são importantes para a Educa-


ção?
2. Explique de que forma a antropologia filosófica, a epistemologia e a axio-
logia são necessárias para a reflexão e práticas educacionais.

20 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 4
Alguns textos filosóficos sobre Educação

Compreendemos que, na formação do professor, além dos pressupos-


tos filosóficos, é de fundamental importância o conhecimento da produção
bibliográfica filosófica voltada à reflexão da Educação. Nesse universo, en-
contramos as fontes inspiradoras para novas leituras da realidade contem-
porânea. São análises que se constituíram ao longo da filosofia ocidental e
que ainda permanecem como material mediador da nossa prática educa-
tiva. Essas obras devem ser tomadas como referenciais a serem refletidos
criticamente e não de forma dogmática, só assim cumprirão seu ofício filo-
sófico, o de incitar a busca de novos caminhos. Faremos referência a textos
de Platão, Agostinho, Kant, Vattimo e Mészáros.
O breve histórico bibliográfico que se segue apresenta, de forma pano-
râmica, as principais contribuições da reflexão filosófica em torno da Edu-
cação. O objetivo central é inspirar vôos mais altos, mostrando um mapa
que leve à exploração do território. Por esses motivos, são apresentados
filósofos de diversas épocas e escolas, para que o panorama se descortine
e o horizonte se apresente largo. Chamamos, ainda, a atenção para dois
fatores importantes: toda obra de filosofia que trata sobre a Educação deve
ser sempre vista na perspectiva global do pensamento do filósofo, pois são
aspectos que não se separam, estando a reflexão da Educação determinada
pelo conjunto de seu pensamento; outras obras filosóficas que não tratam
diretamente da Educação também são importantes para subsidiar uma re-
flexão filosófica educacional e não podem ser descartadas.
Uma das primeiras reflexões sistemáticas em torno da Educação se
encontra em Platão. O filósofo grego aborda a Educação em duas obras
representativas: A República e Mênon. Na primeira obra, que idealiza uma
sociedade justa e perfeita, estão presentes reflexões que apontam para a ne-
cessidade da Educação do homem para a vida pública. A filosofia e a Moral
eram elementos centrais na formação daquele que iria conduzir o Estado.
Já a música, a matemática e os exercícios físicos eram imprescindíveis para
os defensores da coletividade. O livro VII de A República é muito represen-
tativo do idealismo platônico sobre a Educação, mas o livro, como um todo,
expressa a crença do filósofo sobre a importância educacional na definição
dos rumos da justiça e da preservação dos valores na coletividade.
A segunda obra, Mênon, é também representativa do universo platô-
nico na reflexão educacional. A partir da questão “pode a virtude ser ensi-
nada?”, posta pelo estudante Mênon a Sócrates, vai sendo desenvolvida a
tese platônica de que nada se ensina, pois nada se aprende, na medida em
que aprender é rememorar. A alma imortal já teria aprendido tudo em outro
mundo, através de várias vidas, onde teria aprendido as verdades eternas
e imutáveis: as idéias. Nosso aprendizagem aqui nesse mundo sensível é
rememorar o que já havíamos aprendido naquele mundo ideal:

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 21
“(...) se aprender é apenas rememorar, então a função do professor é con-
duzir o aluno no processo de trazer à consciência as idéias que jazem
escondidas em sua alma. Sócrates, o professor por excelência, compara
o seu trabalho com o da parteira: através de perguntas, faz com que os
indivíduos cheguem às verdades que estavam adormecidas no interior
de suas mentes, ou seja, induz o nascimento dessas verdades” (PORTO,
2006, p. 13).

Agostinho é um dos representantes máximos da Patrística (século I


a VII), período que se inicia com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho
de São João e que teve uma presença marcante dos Padres da Igreja, daí o
nome Patrística, no qual tentavam conciliar a nova religião do cristianismo
com o pensamento filosófico dos gregos e romanos (Conf. CHAUI, 2003).
Nessa conjuntura se insere o pensamento de Agostinho, filósofo e teólogo
comprometido com a evangelização e a defesa da religião cristã, com forte
influência das idéias platônicas.
O livro que Agostinho escreve sobre a Educação, De Magistro (Sobre
o mestre), faz uma abordagem inicial sobre a linguagem e busca mostrar a
dificuldade da apreensão do significado dos sinais linguísticos:

“(...) a solução para esse dilema encontra-se num conhecimento anterior


ao empírico, ou seja, anterior àquele que os sentidos nos fornecem – é
o conhecimento da verdade interior. Assim, a nossa mente já contém o
significado das palavras, a saber: as coisas às quais elas se referem. E
quem fornece a verdade à nossa mente é o “...Cristo que habita... no ho-
mem interior, isto é: a virtude incomutável de Deus e a sempiterna Sabe-
doria, que toda alma racional consulta...” (PORTO, 2006, p. 14).

Para Agostinho, só é possível explicar como o homem recebe de Deus


Alegoria da Caverna
o conhecimento das verdades eternas a partir da elaboração da doutrina da
Refere-se ao mito da ca- iluminação divina, que é uma adaptação cristã da “Alegoria da caverna”,
verna, parábola escri- de Platão. Em ambas, o conhecimento, por intermédio da Educação, é um
ta pelo filósofo Platão, sol que ilumina. No caso de Platão, seriam as idéias do mundo inteligível a
encontra-se na obra A
República, livro VII, e re- iluminar a razão; no caso agostiniano seria a luz divina do Deus cristão a
presenta a possibilidade iluminar a alma. De qualquer forma, em ambos os casos, o conhecimento é
de nos libertarmos pela reminiscência, recordação. Contudo, o pensamento de Agostinho afasta-se
luz da verdade da condi-
ção de escuridão que nos de Platão por entender o inteligível na alma como descoberta de um conteú-
aprisiona. do passado, mas como irradiação divina no presente. A alma não teria exis-
tido anteriormente e contemplado as idéias, mas existiria uma luz eterna
da razão vinda de Deus que atuaria em nós, possibilitando o conhecimento
das verdades eternas.
Kant é um dos representantes mais expressivos e característicos da
Educação moderna que se norteou pela legitimidade universal das meta-
narrativas. O filósofo considera a Educação a principal responsável pelo
aperfeiçoamento da Razão, pela efetivação do progresso da história e pela
disciplina dos instintos selvagens. Essa análise está presente em sua obra
Sobre a pedagogia (1803), que foi fundamental para os estudos sobre a Edu-
cação moderna.
Diversamente do animal, o homem é a única criatura que deve ser
educada. É preciso a Educação para que a humanidade, considerada do
ponto de vista da dignidade da natureza humana, efetive a realização do
homem mediante as características superiores que o distinguem do animal:
a razão e a liberdade. O homem, constituído pela dualidade matéria e espí-

22 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
rito, sensibilidade e dever, não se tornará um homem bom e verdadeiro sem
que a razão prevaleça sobre os sentidos. Contudo, para Kant, a Educação
da sua época era insuficiente para a realização desse ideal humano, pois
tinha como parâmetro o presente, ao passo que o referencial deveria ser o
futuro e a idéia de uma humanidade culta e predestinada a um patamar
moral superior, a serem realizados pelo trabalho sucessivo e progressivo
das gerações.
Na obra Sobre a pedagogia, Kant ressalta a necessidade do cultivo da
civilização através da Educação para conter o estado de animalidade do
homem e a possibilidade do homem tornar-se esclarecido, educado, ilumi-
nado, pelo ensino da virtude. Para ele, o ato de educar é imprescindível na
formação ética do homem, pois a moral, a sabedoria, a felicidade e a liber-
dade são alcançadas através do processo educativo que realiza os ideais
universais da moral apriorística do Esclarecimento.Podemos afirmar que,
para Kant, virtude corresponde à força moral da vontade no cumprimento
do seu dever. A auto-coerção moral da razão legisladora exige a execução da
lei. A moral deve gerar uma fortaleza que obstaculize os impulsos das incli-
nações naturais que são contrárias às leis. A fortaleza moral é o maior bem
e o maior valor moral do homem, pois é conquistada no enfrentamento das Esclarecimento – É tam-
inclinações dos vícios mediante a razão. Essa virtude é alcançada e adqui- bém conhecido como Ilu-
minismo ou Ilustração e,
rida pela Educação, pois ela não é inata. A virtude exige disciplina estóica
em alemão, Aufklärung.
constante. Enfim, o homem que a Educação kantiana busca formar pressu- Todos esses termos desig-
põe uma ultrapassagem progressiva de sua animalidade a um ideal de hu- nam o movimento cultural
manidade, substituindo ignorância por instrução, correção de inclinações europeu do século XVIII
que baseava na Razão a
naturais por meio da razão prático-moral como um dever a ser cumprido liberdade e o progresso
para que se realize sua humanidade essencial. É preciso educar, cultivando humanos.
progressivamente a fortaleza da vontade para que seja alcançada a virtude
Bildung – Termo alemão
e a lei seja cumprida por respeito ao dever. que significa formação,
O artigo de Vattimo, A Educação contemporânea entre a epistemolo- Educação da pessoa.
gia e a hermenêutica, elabora algumas premissas que, para o autor, são
hipotéticas, mas válidas no plano teórico e visam a Educação num âmbito
bem amplo, pois “elas poderão também encontrar caminhos para serem
aplicadas aos problemas concretos da Educação não apenas escolar” (1992,
p. 18). A idéia central exposta nesse artigo é a de que o referencial epistemo-
lógico teria norteado a Educação moderna e o referencial hermenêutico, em
circunstância das modificações sociais, seria o referencial mais apropriado
para a Educação pós-moderna.
A pós-modernidade é uma ‘condição da sociedade’ que não se guia
mais pelo ideal do progresso ilimitado, nem na crença desse ideal basea-
do no conhecimento técnico-científico como o era na sociedade moderna.
Diversamente, a sociedade pós-moderna busca sistemas e valores diferen-
ciados. O significado da passagem do ideal científico para o ideal herme-
nêutico na Educação, segundo Vattimo, implica necessariamente na perda
de autoridade do ideal científico de formação (Bildung), que, por sua vez, é
determinada pelo fim da crença no progresso que, por seu lado, depende da
dissolução da idéia unitária da história
A pós-modernidade, com sua característica capacidade de gerar e ar-
mazenar informação, se coaduna muito mais com o ideal hermenêutico,
haja vista que os problemas atuais tendem a se definir como problemas
culturais em vez de problemas científicos. Na sociedade pós-moderna pre-
domina uma vertiginosa circulação de informações, onde se faz necessária
a competência hermenêutica, muito mais que a competência científica ou
técnica. Para o autor, “os grandes problemas que se nos apresentam atu-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 23
almente, e que se intensificarão em futuro próximo, são em grande parte,
problemas de relações entre ‘culturas’, não mais problemas de formação
científica” (VATTIMO, 1992, p. 15).
Vattimo chama a atenção para o fato de que a proposta de introdução
da idéia de hermenêutica no tema da Educação, configurando uma Educa-
ção pós-moderna, leva em consideração as exigências sociais às quais ela
responde, mas não significa decretar a volta do humanismo da Moderni-
dade simplesmente, apesar desse ideal hermenêutico dever ter por base as
humanidades.O humanismo da Educação pós-moderna deverá ter novas
bases nessa proposta de referencial hermenêutico: contemplando a plurali-
dade cultural, ao invés do eurocentrismo da Modernidade; diversificando os
currículos; sendo menos repressivo; sendo menos disciplinar; sendo mais
artístico e não somente científico; sendo mais prático e não meramente epis-
temológico (Conf. MARINHO, 2008).
Meszáros, filósofo marxista contemporâneo, no livro A Educação para
além do capital, reflete sobre ‘a incorrigível lógica do capital e seu impacto
sobre a Educação’. Para ele é inegável a ligação entre os processos educa-
cionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução, bem como
é inconcebível a reformulação da Educação sem a transformação do quadro
social. A perda dessa perspectiva de totalidade acarreta uma visão parcial
Capital – No sistema ca-
da Educação e de suas práticas transformadoras, levando tão-somente à
pitalista de produção correção de detalhes, seguindo intactas as determinações estruturais fun-
capital é o dinheiro que damentais da sociedade e a lógica do sistema capitalista.
tem por finalidade única
conseguir mais lucro, se A razão para o fracasso dos esforços anteriores dessas reformas edu-
auto-valorizar, indepen- cacionais, reconciliadas com o ponto de vista do capital, consistia, e ainda
dentemente dos valores e consiste, no fato de as determinações fundamentais do sistema do capital
necessidades humanas.
serem irreformáveis. Uma reforma educacional dentro dos parâmetros do
capital compactua com a permanência do sistema produtivo e por isso é
que somente rompendo qualitativamente com a lógica do Capital haverá, de
fato, uma nova Educação:

“Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas inte-


resseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente
ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa. Do mesmo
modo, contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própria es-
trutura do sistema do capital é uma contradição em termos. É por isso
que é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar
a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente
(MESZÁROS, 2005, 27).

Ao longo dos tempos, a influência do Capital sobre o sistema educa-


cional tem sido maciça. Somente um ideal educacional efetivamente revolu-
cionário, que vise a própria modificação qualitativa do sistema do Capital,
revolucionará a Educação, pois ‘as soluções não podem ser apenas formais:
elas devem ser essenciais’. Há um século e meio a Educação teve como obje-
Disparidade: Desigualda- tivo mais importante abastecer o Capital com mão-de- obra, conhecimento
de, desproporção. e valores necessários à sua ampliação e sustentação ideológica, impondo a
Internalização: Tornar idéia de uma forma única de existência social.
seu, tomar para si, colo- Meszáros chama a atenção para a disparidade entre as medidas edu-
car para dentro.
cacionais aplicadas aos ‘trabalhadores pobres’ e aos ‘homens da razão’. Os
argumentos humanitários geralmente eram utilizados somente como um
viés ideológico, prevalecendo as conveniências econômicas de expansão da
lucratividade do Capital. O abandono de práticas violentas e as adaptações

24 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
das instituições educacionais às novas determinações reprodutivas do
sistema do Capital não se moveram somente em decorrência de práti-
cas humanitárias, mas também porque se revelaram pouco lucrativas
e muito dispendiosas.
Outra questão relevante é a influência do Capital sobre toda e
qualquer área relacionada à Educação, responsável pela internaliza-
ção dos valores favoráveis ao Capital e pelo fortalecimento das insti-
tuições da Educação formal. Estas são completamente integradas na
totalidade dos processos sociais e só funcionam de forma adequada
em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade
como um todo. Para Meszáros, não se escapa à ‘prisão’ do sistema es-
colar formal simplesmente através das reformas educacionais e nem
tampouco se escapa ao sistema geral de internalização de valores da
sociedade capitalista simplesmente através das reformas das institui-
ções da Educação formal:
Somente “a mais ampla das concepções de Educação nos pode
ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente ra-
dical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica
mistificadora do Capital” e vislumbrar uma esperança e uma possibi-
lidade de êxito alternativo à sociedade capitalista. (MESZÁROS, 2005,
p. 48). O inverso é o reformismo, com seus reparos institucionais for-
mais, seu ‘passo a passo’ gradualista, e a permanência no ‘círculo vi-
cioso institucionalmente articulado e protegido dessa lógica autocen-
trada do Capital’. Essa abordagem gradualista da Educação é elitista
e pretensamente democrática.

1. Dos textos de Filosofia da Educação apresentados com o qual mais


você se identificou e por quê?
2. Por que é importante conhecer a produção bibliográfica da Filoso-
fia da Educação?

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 25
Capítulo 5
Breve panorama das correntes de Filosofia da
Educação no Brasil

Finalizando as reflexões em torno da Filosofia da Educação traçare-


mos um sumário das diferentes orientações teóricas que essa disciplina
seguiu em nosso País no século XX. Para tanto, nosso guia será o artigo de
Severino (2002), A filosofia da Educação no Brasil: esboço de uma trajetória.
Após a exposição dos marcos institucionais da Filosofia da Educação
no Brasil, nos quais não nos deteremos, o autor aborda as perspectivas filo-
sóficas às quais essa disciplina se filiou em sua trajetória brasileira. Antes,
contudo, é enfatizada a importância dos

“(...) estudiosos brasileiros que dedicam-se a explicitar a filosofia educa-


cional de determinados filósofos ou escolas teóricas. Especializam-se nes-
ses pensamentos, buscando fazer deles uma exegese, esclarecendo suas
posições, fundamentos, influências e contribuições. Trata-se de trabalho
muito importante para o desenvolvimento da Filosofia da Educação entre
nós, subsidiando outras iniciativas de ensino e pesquisa e estimulando,
por exemplo, a prática filosófica” (SEVERINO, 2002, p. 284).

Com o objetivo de situar, sistematicamente, posições, pensadores, es-


colas, tendências e correntes, o autor identifica quatro grandes perspectivas
filosófico-educacionais no pensamento brasileiro: 1) epistemológica; 2) her-
menêutica fenomenológica; 3) praxista; 4) pós-moderna. Esclarecemos dois
pontos antes de prosseguirmos na exposição dessas perspectivas: elas não
são isoladas, pois muitas vezes se cruzam e se aproximam; a sistematiza-
ção dessas categorias, da forma como está presente aqui, é somente uma
forma didática, para uma melhor compreensão e não é a única, em outros
autores encontramos outras propostas de sistematização.
A perspectiva filosófica inicial que marcou a reflexão educacional no
Brasil, mais especificamente nos períodos colonial e imperial, até o século
XX, foi de cunho essencialista, seja em sua versão metafísica, seja em suas
Transcendental: Que vai versões teológicas. Diversamente desses períodos “o pensamento filosófi-
além da razão pura, ante- co-educacional, que vem se construindo neste século entre nós, se exer-
rior a toda experiência.
ce numa perspectiva geral, de fundo antropológico, numa visão totalmente
dessacralizada e imanente à realidade humana” (Idem, p. 285). Até mesmo
as vertentes mais religiosas ou metafísicas são voltadas à construção da
história e do homem. Nessa abordagem imanentista do século XX se divide
e perfaz, em diversas percepções e propostas de humanização e construção
social e histórica, o universo das quatro perspectivas filosóficas prevalecen-
tes na reflexão educacional brasileira.
Na perspectiva epistemológica é realçada a tecnicidade funcional da
Educação, na qual, ciência e técnica formam as bases da pedagogia. Assim,
o questionamento científico da metafísica, rejeitando qualquer intervenção
transcendental a favor da razão e leis naturais, vai ter sua repercussão
também na reflexão filosófico-educacional brasileira:

26 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
“Daí a relevância que a teoria científica adquire para o conhecimento do
processo educacional e para a sustentação técnica das práticas peda-
gógicas. E daí decorre também a tendência a se atribuir à Filosofia da
Educação, como suas tarefas fundamentais, a justificação epistemoló-
gica do empreendimento educativo e a defesa da utilização dos recur-
sos técnico-científicos para a boa condução dos processos pedagógicos”
(Idem, p. 289-290).

Uma das expressões mais representativa dessa perspectiva está pre-


sente no grupo que ficou conhecido como Pioneiros da Educação (1932), que
propôs a Escola Nova como alternativa à escola tradicional, marcada pela
Educação jesuítica e com base na filosofia metafísica:

“Pretendendo falar a partir do universo científico, estes teóricos escla-


recem que a Educação de que a sociedade brasileira precisa é aquela
forjada sob as luzes e com as ferramentas do conhecimento científico.
Por sinal, considerada também a única apropriada para a construção de
uma sociedade laica e justa, gerenciada por um aparelho estatal que se
institui a partir de um projeto político iluministicamentte concebido e ju-
ridicamente implementado. Só assim, livre dos erros, da ignorância e da
ingerência do autoritarismo e do conservadorismo clerical, poderá a so-
ciedade brasileira adentrar os estágios de sua necessária modernização.
Daí a importância crucial da Educação para a construção da cidadania
e da democracia” (idem, p. 290).

O nome mais representativo da Filosofia da Educação dos proponen-


tes da Escola Nova é Anísio Teixeira, filiado diretamente ao pragmatismo
norte-americano de Dewey que via na Educação um processo diretamente
ligado à vida pratica, a qual também deveria se dirigir. Esse direcionamento
teria que ser, necessariamente, voltado para os interesses do aluno, que de- Pragmatismo – Siste-
ma filosófico de William
veria ser um sujeito ativo e participante do processo pedagógico. A proposta James, que subordina a
educacional de Anísio Teixeira tinha também uma perspectiva política que verdade à utilidade e reco-
propunha uma reconstrução nacional pela Educação, com o indivíduo con- nhece a primazia da ação
sobre o pensamento.
tribuindo para a formação de uma sociedade aberta, democrática e pública.
A perspectiva epistemológica esteve presente também na Psicologia
que norteou as reflexões e práticas educacionais à época, na qual Educa-
ção era sinônimo de ensino/aprendizagem. Dentre as vertentes psicológi-
cas que influenciaram um certo tecnicismo pedagógico pode-se enfatizar o
behaviorismo skinneriano e o construtivismo, com Piaget e Vygotsky.
Essa perspectiva epistemológica perdura ainda na atualidade, mas
com uma nítida influência do positivismo de Comte, que afirma ser a filo-
sofia uma auxiliar do pensamento científico. Dentre muitos representantes
contemporâneos da perspectiva epistemológica, no campo da Filosofia da
Educação no Brasil, podemos destacar: Tarso Mazzoti, para quem à Fi-
losofia da Educação cabe assegurar a interdisciplinaridade do estudo da
Educação ao sintetizar os resultados teóricos das diversas ciências; Péricles
Trevisan, que afirma ser a função da reflexão filosófica sobre a Educação a
análise entre o discurso pedagógico e o discurso científico.
No quadro estruturado por Severino, outra perspectiva filosófica a
nortear as reflexões sobre a Educação no Brasil é a hermenêutica feno-
menológica, centrada na formação ética, na qual a Educação tem por ob-
jetivo central a construção do sujeito. A filosofia como hermenêutica “não
dita, não manipula, mas procura interpretar, descobrir, compreender” (RA-
BUSKE APUD SEVERINO, 2002, p. 297).

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 27
Na perspectiva hermenêutica, a Educação significa a valorização da
autonomia do sujeito, a vivência da consciência e a predominância do ético
sobre o político. Assim, dentre outras vertentes, essa perspectiva filosófica
faz a crítica ao pensamento cientificista e se ocupa fundamentalmente com
uma reflexão ético-antropológica. Muito são os representantes brasileiros,
de diversas tendências, dessa perspectiva filosófica, mas ressaltemos aqui
somente os mais expressivos, como Hilton Japiassu, Paulo Freire e Moacir
Gadotti.
Hilton Japiassu é o representante do combate à pedagogia científica
no Brasil com a sua proposta de pedagogia da incerteza, a qual tem por
alvo as ilusões do cientificismo educacional, no qual a Educação deveria
ter por base a ciência. A contaminação positivista da cultura teria impreg-
nado a Educação com a idéia de que a ciência daria respostas seguras a
seus impasses. Todos esses equívocos teriam que ser substituídos por um
envolvimento mais intencional do professor, uma posição mais crítica aos
apelos ideológicos da ciência, por uma exigência com relação à formação do
professor e com a interdisciplinaridade.
Paulo Freire é outro nome de extrema importância da Filosofia da
Educação norteada pela perspectiva hermenêutico fenomenológica, tendo
sido fortemente influenciado pelo existencialismo. Nesse âmbito, a Educa-
ção deveria ser “prática de liberdade e a pedagogia, processo de conscienti-
zação” (idem, p. 303). Associada a essa liberdade, a Educação deveria estar
associada ao ato político promotor da conscientização política, pois ela não
é neutra, promovendo a autonomia intelectual do educando: “A reflexão e
seu aprendizado devem ocorrer exercendo-se sobre a prática, retornando-se
os resultados do conhecimento para ela, com vistas a sua transformação.
Assim, o filosofar deve voltar-se sobre o concreto, sobre o real, não se fazen-
do pensamento sobre pensamento” (Idem, p. 303).
Alienação – A alienação
Moacir Gadotti é um seguidor da filosofia educacional de Paulo Freire
surge na vida econômi- e defende que a Educação é a formação de consciência crítica que possibilita
ca quando o trabalhador, a emancipação do sujeito prisioneiro da alienação. Para tanto, é necessá-
ao vender sua força de rio também denunciar o caráter ideológico da Educação no plano político,
trabalho, perde o que ele
próprio produziu e perde social e econômico. Para Gadotti, os principais objetivos da Filosofia da
também sua consciência Educação são:
crítica.
“(...) escutar os problemas da Educação, formando-se e informando-se;
refletir criticamente problematizando essas questões; evidenciar as con-
tribuições oferecidas pelas ciências da Educação para a eventual solu-
ção dos problemas; explicitar e denunciar as ideologias que desvalorizam
a reflexão e o conhecimento; manter diálogo fecundo com o passado me-
diante recurso à historia; buscar novos caminhos e pistas para a práxis
educativa nos dias atuais; trabalhar interdisciplinarmente o conheci-
mento; desenvolver uma prática dialógica e solidária na ação educativa”
(Idem, p. 304).

A perspectiva filosófica chamada por Severino de praxista, também in-


fluenciou a reflexão educacional brasileira. Do termo práxis, prática, ação,
compromissada com a ação transformadora. O respaldo filosófico dessa
perspectiva é o marxismo e outras vertentes suas. A teoria marxista apre-
ende o real pela sua totalidade, se opondo a uma apreensão fragmentadora
e fragmentada da realidade social, com o objetivo de criticar a sociedade
em busca de sua transformação. Nesse âmbito, a Educação é tida como um
processo prático social anterior às pessoas. Não que haja negligência com

28 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
relação à subjetividade, mas é que ela é compreendida tendo por base as
relações sociais. O importante é a “organização de relações sociais emanci-
patórias, reclamando da Educação o investimento de todos os seus recursos
na intencionalização da prática, para que ela, tornando-se práxis, organize
politicamente a sociedade” (Idem, p. 287).
Dessa forma, a Educação é tida como uma práxis construtora da histó-
ria, na qual a prática pedagógica tem uma dimensão eminentemente política:

“Ao reclamar a solidariedade do sujeito social como sujeito da ação edu-


cacional e da ação política, esta orientação da Filosofia da Educação
questiona a priorização tanto do discurso teórico de caráter ético como
daquele de caráter puramente técnico. Trata-se de uma nova tentativa
de compreensão do papel da reflexão filosófica bem como da própria na-
tureza do homem, da sociedade e da Educação, perspectiva esta que se
poderia designar como sendo uma perspectiva praxista da Filosofia da
Educação” (Idem, p. 315).

Essa reflexão filosófica busca a compreensão do real por meio da tota-


lidade, na qual as coisas formam um todo relacionado, o homem é um ser
de relações social e histórico, se construindo na prática concreta, na qual a
Educação é um dos importantes processos constitutivos.
A perspectiva praxista da Filosofia da Educação no Brasil teve seu
surgimento e desenrolar nas últimas décadas do século XX e seu pilar te-
órico central foi Marx, mas também traz a influência de outros filósofos
marxistas: Althusser, Gramsci e Lukács, entre outros. Dentre os seus mais
variados representantes brasileiros, destacamos os nomes de Dermeval Sa-
viani, José Carlos Libâneo e Betty Antunes de Oliveira.
Saviani foi um dos responsáveis pela definição do perfil da Filosofia da
Educação no Brasil, tendo produzido um vasto material escrito nessa área
e influenciado toda uma geração:

“A postura filosófico-educacional, fundada na visão dialético-marxista,


como crítica da dominação social e como proposta de uma práxis peda-
gógica transformadora, tal como concebida por Saviani, ganhou desen-
volvimento no campo da Filosofia da Educação do Brasil, envolvendo
numerosos teóricos da Educação brasileira, seja no âmbito específico
desta área, seja no âmbito de outras esferas teóricas do campo educacio-
nal” (Idem, p. 317).

Libâneo propala a “pedagogia dos conteúdos”, que defende o domínio


dos conhecimentos escolares como fundamental para a emancipação das
camadas populares. Outra contribuição desse estudioso foi “a explicitação
e sistematização das tendências pedagógicas, relacionando-as com as res-
pectivas fundamentações filosóficas” (Idem, p. 318).
Betty Antunes de Oliveira segue a mesma linha de socialização do
saber pela escola, só que buscando desenvolver uma reflexão mais voltada
para uma fundamentação ética da pedagogia praxista.
A quarta perspectiva filosófica que embasa a reflexão educacional bra-
sileira é a da pós-modernidade, a qual Severino se reporta com o termo
de arqueogenealogia. A pós-modernidade vem desenvolvendo um modo de
pensar diferente dos anteriores: questiona radicalmente a centralidade do
sujeito, rejeita o discurso filosófico da modernidade, coloca sob suspeita
todo o projeto iluminista da modernidade, acusa o saber de ser uma arma

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 29
de poder, condena a prepotência das metanarrativas modernas, afirma que
a história é pura contingência e defende a importância do desejo e do corpo.
A partir dos anos 90 do século XX, e com maior celeridade no século
XXI, a literatura da Filosofia da Educação no Brasil vem recebendo forte
influência dessa perspectiva pós-moderna, abrigando uma crítica descons-
trutiva dos paradigmas do conhecimento, da ciência e da filosofia da moder-
nidade embasados na centralidade da razão.
As grandes matrizes teóricas dessa perspectiva são: Michel Foucault,
Derrida, Barthes, Lyotard, Baudrillard, Deleuze e Guatarri. Esses pensa-
dores são tidos como pós-modernos ou pós-estruturalistas e trazem em
comum a crítica ao Projeto Emancipatório Iluminista da Modernidade que
acreditava, entre outras coisas, na libertação do homem por intermédio do
aperfeiçoamento de sua racionalidade. Essas vertentes filosófico-educacio-
nais inspiradas no pensamento pós-moderno, segundo Severino,

“(...) privilegiam o estar no mundo, despriorizando as questões da na-


tureza epistemológica e até mesmo aquelas referentes à constituição de
uma nova antropologia. Na realidade, sua preocupação gira em torno
dos caminhos e possibilidades do agir do sujeito, que busca ampliar seu
território de autonomia, frente aos múltiplos determinismos que o cer-
cam. Todo um pano de fundo constituído de uma explícita tomada de po-
sição contra todas as formas de sistematização serve de horizonte para
esta reflexão, (...). Assim, quando aborda os temas educacionais, o faz
exclusivamente para denunciar o caráter sistêmico, desumanizador e re-
pressivo dos saberes e dos aparelhos sociais envolvidos” (Idem, p. 307-8).

O saber não é mais sinônimo de liberdade, como o fora na Moder-


nidade, agora saber significa poder. Nesse sentido, a escola não pode ser
somente uma depositária do saber, requer agora um pensamento criativo,
contestador e uma prática libertadora dos desejos e afetos contra os poderes
estabelecidos.
Rubem Alves é uma das grandes expressões dessa vertente. Abando-
nou a escrita acadêmica para falar da Educação de forma mais emotiva e
fazer reflexões em torno do papel dos professores, alunos, ato de educar,
etc. Aborda a Educação ressaltando, de um lado, o fascínio da ideologia da
ciência sobre o mundo contemporâneo e, de outro, a burocratização racio-
nalizada da sociedade. Ou seja, apresenta “resultado do impacto do racio-
nalismo iluminista e do sufocamento do desejo, do amor, da paixões e da
esperança” (Idem, p. 309).
Tomaz Tadeu da Silva é outro expressivo representante da Filosofia da
Educação pós-moderna. Trabalha, principalmente, com a crítica do sujeito
moderno, buscando mostrar a descentralização desse sujeito na sociedade
contemporânea. Faz uma reflexão contundente sobre o fim das metanar-
rativas educacionais, mostrando que elas sempre operaram em nome de
Neopragmatismo – Siste- algum tipo de poder. Outro traço distintivo de seu pensamento é o aco-
ma filosófico contemporâ- lhimento da importância da linguagem como substituto da consciência do
neo que retoma as bases sujeito moderno e dos valores metafísicos que persistiam na metanarrativas
utilitaristas do pragma-
tismo. Seu representante
da Modernidade.
mais expressivo é Rorty. Paulo Ghiraldelli é também um estudioso da Filosofia da Educa-
ção próximo ao pensamento de Rorty, filósofo norte-americano filiado ao
neopragmatismo que também faz crítica à Modernidade. É necessário
também ressaltar os nomes de Alfredo Veiga-Neto e Sílvio Gallo, muito pró-
ximos de investigações inspiradas em Deleuze e Foucault.

30 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. Quais foram as quatro grandes correntes filosóficas que, segundo Seve-
rino, influenciaram a Filosofia da Educação no Brasil?
2. Enumere as principais características dessas correntes e seus principais
representantes.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 31
Conclusão

Concluiremos essas considerações em torno da Filosofia da Educação


fazendo referência ao livro O mestre ignorante – cinco lições sobre a eman-
cipação intelectual, de Jacques Rancière, obra que fala essencialmente de
um professor, Jacotot, que teria tido enorme sucesso ao fazer os alunos
aprenderem o que ele não sabia ensinar.
É uma obra que, dentre outras questões: põe a Filosofia da Educacão
tradicional pelo avesso; suscita inúmeros questionamentos aos que ensinam;
desnaturaliza certos procedimentos pedagógicos; indaga sobre a verdadeira
possibilidade da transmissão do saber e, o mais importante, pergunta sobre
o que é, efetivamente, emancipação intelectual e seu legítimo agente.
Rancière nos faz refletir sobre o que é ser, de fato, mestre. O que pre-
tendemos de nós mesmos e de outros quando compartilhamos a máscara
do magistério? Será que sabemos o que ensinamos ou para quem ensina-
mos ou para que ensinamos? Temos uma ignorância mentirosa ou uma sa-
bedoria arrogante? Que poder é esse que permite ensinar, avaliar, aprovar
e reprovar? Ensinamos exatamente porque não sabemos e por isso a igno-
rância é necessária para o ensinar?
Deixemos aqui um pequeno texto para uma reflexão mais demorada
sobre tudo o que falamos até agora. No trecho que segue encontramos con-
clusões de Kohan (2003) a respeito do livro O mestre ignorante. São refle-
xões que devem nos levar a pensar sobre as possibilidades e os limites da
Filosofia da Educação:

“Primeira lição (filosófica) do ignorante: o mais natural, evidente e acei-


to pedagógica e socialmente acaba por se mostrar o mais problemático
filosoficamente. (...). Algo que só pode ensinar quem nada tem a ensinar.
Porque ensinar de verdade, (...), não pode significar nada que tenha a ver
com transmitir, senão com permitir que o outro se emancipe. Segunda
lição (educacional) do ignorante: somente pelo paradoxo, entranhados
no lodo paradoxal, podemos encontrar algum sentido na Educação. Fi-
nalmente, a lição da emancipação de um mestre que se emancipa a si
próprio, que ensina com seu próprio método, isso é, sem método. Que
ensina também que a emancipação não tem a ver com um conteúdo,
uma doutrina ou um conhecimento. Que ninguém pode emancipar nin-
guém. Um mestre que escreve sua própria história, para que os outros
a leiam. E outro mestre lê a história, reflete sobre ela e a relata para que
outros (as) mestres a pensem. E se emancipem, na contradição e no pa-
radoxo. Afinal, um ser humano pode o que pode qualquer ser humano.
Terceira lição (política) do mestre ignorante: só há uma única Educação
que vale a pena – a que emancipa (sem emancipar). Quem não deixa que
os (as) outros (as) se emancipem, embrutece. Três lições para a filosofia,
a Educação e a política. Lição de política para a filosofia da Educação.

32 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Lição de filosofia para a política da Educação. Lição de Educação para a
política da filosofia. Lições de uma experiência de filosofia de Educação”
(KOHAN, 2003, p. 228).

Nesta unidade discutimos a Filosofia da Educação, a partir de seus


pressupostos e perspectivas. Mostramos a origem do termo Filosofia e a di-
versidade de seus significados ao longo da história. Explicitamos a especifici-
dade da Educação e da Filosofia da Educação, mostrando também a relação
necessária entre ambas. Demonstramos a importância dos pressupostos fi-
losóficos da axiologia, antropologia e epistemologia para a Educação, enfa-
tizando o aspecto prático e teórico. Apresentamos alguns textos filosóficos
significativos que refletem de forma diferenciada sobre a Educação, primando
pela multiplicidade de posições teóricas, tanto antigas quanto contemporâne-
as. Expusemos, de forma sumariada, as correntes de Filosofia da Educação
no Brasil por compreender que essa reflexão voltada para a nossa realidade
seja fundamental para a formação dos professores e imprescindível para uma
análise mais aprofundada de nossa realidade educacional. Para concluir, fi-
zemos uma reflexão filosófica sobre o ato de ensinar, a condição de ser mestre
e o significado de emancipação via a açãoeducacional.

1. Faça um levantamento de outras definições de filosofia a partir de ou-


tros filósofos que não aparecem no texto.
2. De que forma você explicaria a importância da Filosofia da Educação
para a reflexão e prática pedagógica?
3. Realize uma pesquisa sobre a importância do pressuposto filosófico da
política para a Educação e realce alguns filósofos e obras que conside-
rar importantes.
4. Quais as características da Filosofia da Educação em Platão, Agostinho,
Kant, Vattimo e Mészáros?
5. Como você identificaria a tendência filosófica de alguma atividade peda-
gógica da qual você participa? E por quê?
6. Faça um estudo comparativo entre a passagem que fala sobre o pensa-
mento de Kant e o de Vattimo e se posicione de forma crítica.
7. Assista a um dos filmes sugeridos e faça uma análise para identificar
suas características com as Filosofias da Educação elencadas.
8. Qual dos filósofos a seguir pode ser chamado de pós-moderno? Justifi-
que a sua escolha.
- Kant ( ) - Platão ( )
- Vattimo ( ) - Agostinho ( )

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 33
9. Faça uma leitura em conjunto do texto O mestre ignorante, de Racière,
que se encontra na conclusão, e promova uma reflexão sobre a frase:
“Quem não deixa que os (as) outros (as) se emancipem, embrutece”. Em
seguida promova um debate.

Texto 01
Filosofar não deveria ser sair de dúvidas, mas entrar nelas. É claro que
muitos filósofos – e até os maiores! – cometem, às vezes, formulações pe-
remptórias que dão a impressão de já ter encontrado respostas definitivas
às perguntas que nunca podem nem devem “fechar-se” por inteiro intelectu-
almente (...). Vamos agradecer-lhes suas contribuições, mas não seguir dog-
matismos. Há quatro coisas que nenhum bom professor de filosofia deveria
esconder de seus alunos:
1) Que não existe “a” filosofia, mas “as” filosofias e, sobretudo, o filoso-
far: “A filosofia não é um longo rio tranquilo, em que cada um pode
pescar sua verdade. É um mar no qual mil ondas se defrontam, em
que mil correntes se opõem, se encontram, às vezes se misturam,
se separam, voltam a se encontrar, opõem-se de novo... cada um
o navega como pode, e é isso que chamamos de filosofar”. Há uma
perspectiva filosófica (em face da perspectiva científica ou da artís-
tica), mas felizmente ela é multifacetada;
2) Que o estudo da filosofia não é interessante porque a ela se dedica-
ram talentos extraordinários como Aristóteles ou Kant, mas esses
talentos nos interessam porque se ocuparam dessas questões de
amplo alcance que são tão importantes para nossa própria vida hu-
mana, racional e civilizada. Ou seja, o empenho de filosofar é muito
mais importante do que qualquer uma das pessoas que bem ou mal
se dedicaram a ele;
3) Que até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e comete-
ram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos
intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e digo
isso como elogio e não como censura. Portanto, a tarefa do profes-
sor de filosofia não pode ser apenas ajudar a compreender as teorias
dos grandes filósofos, nem mesmo contextualizadas em sua devida
época, mas sobretudo mostrar como a intelecção correta dessas
idéias e raciocínios pode nos ajudar hoje a melhorar a compreensão
da realidade em que vivemos. A filosofia não é um ramo da arqueo-
logia e muito menos simples veneração de tudo o que vem assinado
por um nome ilustre. Seu estudo deve nos render alguma coisa mais
do que um título acadêmico ou um certo verniz de “cultura elevada”;
4) que em determinadas questões extremamente gerais aprender a
perguntar bem também é aprender a desconfiar das respostas de-
masiado tachativas. Filosofamos partindo do que sabemos para o
que não sabemos, para o que parece que nunca poderemos saber
totalmente; em muitas ocasiões filosofamos contra o que sabemos,

34 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ou melhor, repensando e questionando o que acreditávamos já sa-
ber. Então nunca podemos tirar nada a limpo? Sim, quando pelo
menos conseguimos orientar melhor o alcance de nossas dúvidas
ou das nossas convicções. Quanto ao mais, quem não for capaz de
viver na incerteza fará bem em nunca se pôr a pensar.

SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. São Paulo, Martins Fontes,


2001, p. 209-210. In: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educa-
ção. 3. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Moderna, 2007. 327 p. Cap. 1. p. 27.

Texto 02
(...) além da qualificação técnico-científica e da nova consciência social,
é ainda exigência da preparação dos professores uma profunda formação fi-
losófica. E esta formação é a tarefa que cabe à filosofia da Educação. A exis-
tência de disciplina desse teor no currículo dos cursos de preparação de pro-
fessores justifica-se não por alguma sofisticada erudição ou academicismo: é
uma exigência do próprio amadurecimento humano do educador. Coloca-se,
com efeito, uma questão antropológica: trata-se de explicitar qual o sentido
possível da existência do homem brasileiro como pessoa situada na sua comu-
nidade, de tais contornos sociais e em tal momento histórico. (...) Ou seja, não
é possível compreender um projeto educacional fora de um projeto político,
nem este fora de um projeto antropológico, isto é, de uma visão de totalidade
que articula o destino das pessoas como o destino da comunidade humana.
SEVERINO, Antônio Joaquim. In: ARANHA, Maria Lú-
cia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. rev. e ampl. –
São Paulo: Moderna, 2007. 327 p. Cap. 3. p. 50.

Texto 03
(...) nessa luta política em que se engajam os autores, a filosofia por
eles exercitada deixa as alturas transcendentes e se abre e se conecta vir-
tualmente com o não-filosófico (o cinema, o corpo, a literatura, o cotidiano,
a sexualidade, a Educação etc.), entretendo com ele conversações originais,
produtivas e polissêmicas. Pop-Filosofia sem mestres pensadores, apesar de
toda a sedução dos meios de comunicação; apesar de todo o glamour que cer-
ca a noção de autor. À espetacularização do pensamento, Foucault e Deleuze
preferem o anonimato, a vida dos homens infames, os devires imperceptíveis.
Ademais, já não intervêm na sociedade seguindo o pretensioso modelo do
intelectual como consciência universal esclarecida das massas, tal como o
encarnavam Sartre e tantos outros. Ambos consideram indigna e equivocada
a intenção de “falar por”, de representar o outro, assim como a de tornar dócil
a alteridade (através, por exemplo, da “tolerância à diferença”); dirigem suas
investigações teóricas para problemas regionais, mais localizados, no que são
acusados de negligenciar “o todo”. (...). Ora, daí já se pode depreender a di-
ficuldade experimentada pela Educação em assimilar os pensamentos icono-
clastas desses dois filósofos. Com efeito, as pesquisas de Foucault terminam
por evidenciar um cruel paradoxo que permeia a tão enaltecida missão civili-
zadora dos educadores. Desde a modernidade, atribuiu-se à Educação, por in-
termédio de sua universalização, a grandiosa tarefa de esclarecer e emancipar
“O Homem”, dando-lhes as condições de construção de sua liberdade moral.
Foucault nos mostra, porém, que antes de meados do século XVIII essa figura
abstrata (“O Homem”) não existia. Antes o contrário, ela constitui justamente

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 35
um efeito do poder; mais precisamente, de relações de saber-poder. Sua ob-
jetivação e normalização, diz ele, só foram tornadas possíveis, por um lado,
por intermédio da disciplinarização (adestramento, regulação e controle) dos
corpos dos indivíduos, de modo a torná-los submissos à governamentalidade
e úteis ao sistema de produção capitalista e, por outro, pela ação de um dis-
positivo da sexualidade, que agenciava os saberes das ciências humanas aos
das disciplinas clínicas, produzindo subjetividades (identidades, personalida-
des, maneiras de agir, pensar e sentir) e enquadrando-as em padrões arbitrá-
rios de normalidade ou anormalidade. Mas não só, Foucault também aponta
a ingenuidade dos educadores em pensar “o sujeito da Educação” em termos
essenciais, identitários, substancialistas: livre e racional, por natureza, funda-
mento para o conhecimento e a prática (...).
GADELHA, Sylvio. Foucault como intercessor. In: Foucault pensa a Edu-
cação. Revista Educação especial n. 3. Editora Segmento: São Paulo, 2007.
(Coleção Biblioteca do Professor).

Leituras
A República.
Esse livro é um clássico nos estudos da filosofia da Educação por ser
a primeira obra filosófica que reflete sobre a Educação. Sendo um livro da
Antiguidade Grega, mostra o papel da Educação na formação do cidadão
numa época em que era impensável a separação entre Educação e política.
Autor: Platão. Editora: Calouse Gulbenkian, 1987).
Sobre o ensino (De magistro).
Obra representativa da Idade Média mostra o ensino como um ato de
condução da potência ao ato que só o próprio aluno pode realizar. O profes-
sor somente lança sinais, ou seja, ensina (do verbo insegnire). Deus não é a
única causa dessa possibilidade pois em sua bondade infinita permite que
o homem também seja causa de certas atividades. Autor: Tomás de Aquino.
Editora: Martins Fontes, 2000.
Emílio ou Da Educação.
Livro representativo da Modernidade e da concepção de homem e
Educação modernos. Trata sobre a Educação privada e a importância da
Educação na transformação da sociedade. Aborda a Educação por vários
ângulos, que vão desde a nutrição até a moral. Autor: Rousseau. Editora:
Martins Fontes, 2004.
Escritos sobre Educação.
Reunião de dois expressivos estudos nietzschianos sobre a Educação:
1- Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino; 2- Considerações
intempestivas: Shopenhauer educador. Predominam nesses dois textos a
crítica à modernidade e a sua ingênua crença no progresso. Autor: Nietzs-
che. Editora: PUC – Rio; Edições Loyola, 2003.

36 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A Educação para além do capital.
Esse pequeno ensaio defende que se faz necessário pensar a sociedade
tendo como parâmetro a superação do Capital. Dessa forma, a Educação
não pode ser pensada circunscrita somente ao estrito terreno da pedagogia.
Mediante essas questões, surge a pergunta: qual o papel da Educação na
construção de um outro mundo possível? Autor: István Meszáros. Editora:
Boitempo, 2005.
Educação inclusiva: a fundamentação filosófica
Coordenação geral SEESP/MEC; organização Maria Salete Fábio Ara-
nha. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial,
2004. Disponível no site www.dominiopublico.gov.br.
Coleção Pensadores & Educação.
Belo Horizonte, Editora Autêntica. Esta coleção reúne obras escritas
por especialistas que abordam discussões contemporâneas no campo da
pesquisa e da prática educacionais, contendo análises do pensamento de
diversos filósofos: Platão & a Educação, Foucault & a Educação, Habermas
& a Educação, Rousseau & a Educação, dentre outros.
Revista Educação - Coleção Especial Biblioteca do Professor.
São Paulo, Editora Segmento. Cada número é dedicado a por um filó-
sofo que Pensa a Educação e é apresentado e discutido pelos maiores espe-
cialistas da área. Os oito números já publicados trazem Freud, Nietzsche,
Foucault, Hannah Arendt, Bourdieu, Deleuze, Benjamin e Jung.

Filmes
O nome da rosa.
Fra/Ita/Ale, 1986. Dirigido por Jean-Jacques Annaud. Estranhas
mortes começam a ocorrer num mosteiro beneditino localizado na Itália
durante a baixa Idade Média, onde as vítimas aparecem sempre com os
dedos e a língua roxos. O mosteiro guarda uma imensa biblioteca, onde
poucos monges têm acesso às publicações sacras e profanas. A chegada de
um monge franciscano (Sean Conery), incumbido de investigar os casos, irá
mostrar o verdadeiro motivo dos crimes, resultando na instalação do tribu-
nal da Santa Inquisição.
Matrix.
USA, 1999. Direção dos irmãos Wachowski. Matrix é um filme de
ficção científica que tem como uma de suas características principais uma
infindável sequência de citações a outras obras. Referências literárias, cine-
matográficas ou religiosas aparecem em quase todos os momentos da fita.
A trama do filme aborda a modernidade e expressa a onipresença da tecno-
logia e informática na história.
The Edukators.
Alemanha, 2004. Direção Hans Weingartner. O filme conta a história
de dois jovens que acreditam poder mudar o mundo e se autodenominam
“Os Educadores”. São rebeldes contemporâneos que expressam sua indig-
nação de forma pacífica: eles invadem mansões, trocam móveis e objetos de
lugar e espalham mensagens de protesto.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 37
Central do Brasil.
França/Brasil, 1998. Direção de Walter Salles. Uma mulher (Fernan-
da Montenegro) escreve cartas sob encomenda na estação de trem Central
do Brasil, Rio de Janeiro, para o enorme contingente de usuários que são
analfabetos e decide ajudar o menino Josué, após sua mãe ser atropelada.
Narradores de Javé.
Brasil, 2003. Direção de Eliane Caffé. A pequena cidade de Javé que
será submersa pelas águas de uma represa não terá seus moradores inde-
nizados por não possuírem os registros das terras. Inconformados, desco-
brem que o local poderia ser preservado se tivesse um patrimônio histórico
de valor comprovado em “documento científico”. Decidem então escrever a
história da cidade - mas poucos sabem ler e só um morador, o carteiro, sabe
escrever.
Sites recomendados
• http://www.filoeduc.org/
• http://www.dominiopublico.gov.br/
• http://www.cpflcultura.com.br
• http://portaldoprofessor.mec.gov.br
• http://portal.mec.gov.br/index.php
• http://www.rived.mec.gov.br/
• http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/

KOHAN, Walter Omar. Três lições de filosofia da Educação. Educação e


Sociedade, Campinas, vol. 24, n. 82, p. 221-228, abril 2003. Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 29 de outubro de 2008.
SILVA, Tomaz Tadeu. O adeus às metanarrativas educacionais. In: SILVA,
Tomaz Tadeu (Org.). O sujeito da Educação: estudos foucaultianos. 5. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2002 – (Ciências sociais da Educação).
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3. ed. rev. e am-
pli. – São Paulo: Moderna, 2006.
VATTIMO, Gianni. A Educação contemporânea entre a epistemologia e
a hermenêutica. In: Tempo Brasileiro, n. 108, jan/março. Rio de Janeiro:
Edições Tempo Brasileiro, 1992.
ADORNO, Theodor w. Educação e emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Tradução Francisco Cock Fonta-
nella. 3. ed. Piracicaba: UNIMEP, 2002.
GADELHA, Sylvio. Foucault como intercessor. In: Foucault pensa a Educa-
ção. Revista Educação especial n. 3. Editora Segmento: São Paulo, 2007.
(Coleção Biblioteca do Professor).

38 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13 ed. Editora Ática: São Paulo,
2003.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense,
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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 39
Unidade

2
As concepções de Educação e
seus pressupostos Filosóficos

Objetivos:
• Contextualizar a Educação primitiva e greco-cristã, introduzindo estudos sobre a
concepção essencialista do homem.
• Introduzir leituras críticas sobre a Educação burguesa e traçar um perfil teórico
sobre a concepção existencialista de homem.
• Trazer para uma leitura interpretativa os fundamentos do racionalismo, empirismo
e idealismo.
• Aprofundar estudos sobre dialética e Educação.
Capítulo 1
A Educação primitiva e greco-cristã e a
concepção essencialista do homem

Introdução
“Na concepção da Educação dirigida para o futuro o presente deve ser
submetido à crítica, e esta deve acelerar o processo de desaparecimento
de tudo o que é antiquado e caduco, acelerando o processo de concreti-
zação do que é novo, onde quer que este processo evolua de modo exces-
sivamente lento e deficiente.” (SUCHODOLSKI, 2002, p.101)

Esta unidade irá tratar da Filosofia e de sua influência na formação


social dos homens, através da Educação. Será recuperada, para efeito de
compreensão sobre o conhecimento em estudo, a origem das idéias sobre a
dialética e o papel que hoje ela ocupa no pensamento crítico da Educação
Será mostrado em que momento da história a sociedade começa a sofrer
influência das idéias da essência e suas vertentes filosóficas. Tratará da
história da filosofia da existência humana e ao analisar a sua influência
na formação de sujeitos, em que momento a filosofia da existência humana
terá supremacia sobre a filosofia da essência humana. As idéias do raciona-
lismo e do empirismo servirão como base interpretativa para uma melhor
compreensão sobre o papel da Educação fundada na filosofia da existência
humana. Por fim, é nesta unidade que você irá entender o movimento na
história da Educação, observando o papel das diversas correntes filosóficas:
filosofia da essência, filosofia da existência e filosofia dialética.
Na unidade anterior, você leu, analisou e refletiu sobre o conceito de
filosofia, seu papel na política e no mundo; como também sua importância
no mundo das ciências. Enfim, nesta unidade você irá aprofundar mais
suas leituras sobre a Filosofia da Educação e refletir mais sobre o papel que
ela ocupa na construção do conhecimento, como também de sua influência
na formação do educador...

“A leitura do passado é também uma tarefa da filosofia da Educação”


(GADOTTI, 1983)

1.1. Origem do pensamento dialético

Se fizermos um retorno ao passado mais remoto, indo até onde nossas


leituras nos possibilitam atingir, será possível observar que três grandes
A contradição é a essên-
correntes de pensamento humano caminharam na história do pensamento cia da dialética. Ela deter-
da humanidade: a filosofia da essência, a filosofia da existência e a filoso- mina que a transforma-
fia dialética. Para educadores, como Moacir Gadotti (1983), a dialética já ção das coisas só existe
porque coexistem forças
existia, como doutrina, sete séculos antes de Cristo, já definindo naquele
opostas tendendo simul-
momento um dos seus princípios mais importantes: o da contradição. O taneamente à unidade e
à oposição. (GADOTTI,
1983, p.26)

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 43
grande mérito da definição dessa idéia está na figura de Lao-Tsé, autor do
famoso livro Tao Te Ching.
A retomada das idéias da dialética vai acontecer no período pré-socrá-
tico na figura do pensador Heráclito de Éfeso. Este vai considerar em seus
estudos sobre o pensamento humano, um outro importante princípio: do
movimento.

“Tudo muda tão rapidamente que não é possível banhar-se duas


vezes no mesmo rio: a segunda vez o rio não será mais o mesmo e nós
mesmos já teremos também mudado” (Heráclito)

O princípio do movimen-
to é uma condição ineren-
te a todas as coisas Essa idéia de movimento será mais tarde refutada por Parmênides de
Eleia. Este filósofo vai dizer que as idéias de Heráclito são ilusórias porque
o mundo, na realidade, é imutável.
No pensamento da Grécia antiga, a dialética vai ter uma trajetória
curta porque sua compreensão será voltada para o “método de dedução ra-
cional das idéias”. É outra maneira de compreensão teórica sobre o que aqui
estamos chamando de dialética.
É o filósofo grego Platão que vai assumir o papel de reduzir essa “ciên-
cia do conhecimento” em mera técnica de pesquisa; e vai defender, também,
que essa forma de pesquisa só deveria ser utilizada com a colaboração de
O que é aparência para mais de uma pessoa e com a utilização da técnica baseada em perguntas e
Aristóteles? Será que tem respostas.
o mesmo sentido concei-
tual utilizado nas nossas
expressões cotidianas?
“O conhecimento deveria nascer desse encontro,
da reflexão coletiva, da disputa e não do isolamento.
” Platão.” (GADOTTI, op. cit., p.16)

Aristóteles também vai considerar a dialética uma auxiliar da filoso-


fia, uma simples aparência.
Para Aristóteles, que não considerava a dialética como um método
para se chegar ao conhecimento dos fatos do mundo, vai afirmar que essa
O princípio da totalidade
ciência é entendida como uma forma superficial de ver esses fatos, uma
se baseia na idéia de que opinião.
tudo se relaciona. Existe
pois uma ação de recipro-
Podemos entender, então, que existe, sim, uma semelhança entre o
cidade. conceito de aparência, aristotélica, e a nossa compreensão, hoje, sobre o
conceito formulado.

Segundo Aristóteles, “o método dialético não conduz ao conhecimento,


mas à disputa, à probabilidade, à opinião”. (GADOTTI, op. cit., p.16)

É com Sócrates que, ao estimular a dúvida sistemática em seus dis-


cípulos, vai levantar questões sobre o conhecimento através da análise e
síntese do objeto investigado. Essa característica sobre a busca do conheci-
mento revela aproximação com um outro principio da dialética: da totali-
dade. Esse princípio resgata o particular e o geral no movimento do pensar
humano.

44 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Para esses filósofos gregos, a contribuição da dialética estaria em ad-
mitir que o educando tenha potencialidades que, se exploradas, o levariam
a atingir sua plenitude como cidadão.

Diante dessas leituras introdutórias, você deve estar pensando sobre


a importância da Filosofia Dialética para o desenvolvimento do pen-
samento humano. Será que existiam outras formas de pensar e que
contribuições elas darião na história do pensamento humano?

Apesar de não termos condições de projetar uma visão mais ampla


e aprofundada neste texto sobre a construção do pensamento no passado,
iremos situá-lo. Vamos fazer, inicialmente, uma leitura reflexiva sobre a era
primitiva e estabelecer conexões com o mundo de hoje.

1.2. Origem das idéias filosóficas nas sociedades


primitivas
“O homem, enquanto homem, é social, isto é, está moldado por um am-
biente histórico de que não pode ser separado” (PONCE, 1992)

A leitura reflexiva sobre as idéias de Ponce possibilita uma outra refle-


xão sobre o pensamento filosófico porque entende o ser humano tomado em
sua totalidade, sem fragmentos. É uma leitura que possibilita uma forma de
abordagem baseada no movimento, ou seja, dialética. O pensamento marxista
entende que todo o de-
Com essa interpretação é de se supor que uma leitura crítico-reflexiva senvolvimento social tem
precisa dar conta de outro aspecto importante no mundo do conhecimento: como pressuposto a pro-
de que a construção social do homem deve-se a uma base econômica funda- dução dos bens sociais.

da no princípio do domínio sobre a natureza. Essa idéia vem de uma leitura


mais crítica sobre o mundo que tem como referência teórica o pensamento
marxista. E esta, certamente, deve ser a orientação teórica do pensador
Aníbal Ponce.
O que nos chama a atenção é que nesse tipo de sociedade – primitiva-
não existiam níveis de poder porque o homem dessa época entendia que a
natureza também se organizava sem base hierárquica. A leitura de mundo,
dessa forma, traduzia um cotidiano social onde todos exerciam igual posi-
ção na produção.

Você deve estar pensando consigo mesmo, se já existia algum tipo de


Educação naquela época e de que forma ela acontecia.

Aníbal Ponce, responderia afirmativamente. No seu livro, Educação


e Luta de Classes, mais uma vez, vai dizer que os fins da Educação dessa
época histórica buscavam:

“(...) os interesses comuns do grupo, e se realizam igualitariamente em


todos os seus membros, de modo espontâneo e integral: espontâneo na
medida em que não existia nenhuma instituição destinada a inculcá-los;

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 45
integral no sentido de que cada membro da tribo incorporava mais ou
menos bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e
elaborar” (PONCE, op. cit., p. 21)

É por isso que a maior representação social nesse tipo de sociedade


era a família e a Educação se dava de maneira informal e espontânea. A
prática educativa consistia na aquisição de instrumentos rudimentares de
trabalho e na valorização do ser humano. As crianças aprendiam com os
Educação Informal é pas- adultos e, ao mesmo tempo, exercitavam suas atividades de trabalho.
sada de pai para filho, de
um mais velho para um
Quando introduzimos a expressão atividades de trabalho, estamos
mais novo, sem passos e aqui entendendo como sendo uma atividade inerente ao homem, desde a
nem sistematização do sa- sua origem. Como naquele momento não existia sociedade de classes, toda
ber; sem formalização.
produção era originária da terra, da natureza, voltada, exclusivamente,
para a satisfação coletiva.

“Lidando com a terra, lidando com a natureza, se relacionando uns com


os outros, os homens se educavam e educavam as novas gerações” (SA-
VIANI , 1984, p. 153)

É, pois, com a fixação do homem a terra, por ser a sua principal fonte
de produção para sobrevivência, que vai ocorrer o surgimento da proprie-
dade e o incremento da divisão social do trabalho. Dar-se a privatização da
terra e como consequência, as formas de exploração do trabalho humano.

A partir da existência da propriedade, a Educação se modifica,


ou surgem outras formas de Educação? Por quê?
O comunismo primitivo
consistia em uma base
econômica de formação Porque a Educação irá atender os interesses de alguns em detrimento
social tendo como carac-
terística a produção para de outros. É o surgimento das classes sociais.
o desenvolvimento de pro- Um dos pontos de maior importância nesse retorno ao passado primi-
priedades coletivas
tivo é o de verificarmos que o mundo era aparentemente justo, se entender-
mos como justiça todos terem direitos iguais. Senão, vejamos!
É na comunidade primitiva que vamos encontrar a mulher e a criança
em posições de igualdade perante o homem.
Durante muito tempo e até hoje em algumas sociedades ainda ocorre,
como é o caso da sociedade muçulmana, a mulher exercendo o papel de
submissão perante o homem. No entanto vamos encontrar nas sociedades
de comunismo primitivo, a mulher desempenhando um papel importante
na formação da sociedade.

“A desigualdade do homem e da mulher consistia apenas na divisão


do trabalho, porém a descendência pela linha feminina era a única re-
“Uma das idéias mais ab-
surdas que nos transmitiu
conhecida. A mulher, além disso, dirigia a Educação e os conselhos de
a filosofia do século XVIII anciãs, ditavam a lei: era o matriarcado” (POLITZER)
é a de que, na origem da
sociedade, a mulher foi
escrava do homem”. (EN- Essa forma de sociedade possibilitava com que as crianças tivessem
GELS, p.46)
uma Educação espontânea, pois conviviam muito com os adultos. As crian-
ças menores ficavam presas às costas de suas mães dentro de um saco,
como ainda hoje é comum em sociedades tribais africanas. Elas incorpora-
vam valores tais como: aprender a manejar o arco, caçar, conduzir barcos e
navegar. Outro aspecto importante a ser destacado nesse tipo de sociedade

46 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
diz respeito aos valores coletivos. Era concedida a essas crianças a respon-
sabilidade de exercerem funções no ambiente coletivo, em iguais condições
com os adultos.
A maneira de conceber a formação dos seus filhos fazia dessas mu-
lheres educadoras capazes de entender que o castigo não ajudava no seu
aprendizado. É por isso que encontramos nos textos que tratam dessa épo-
ca da história humana, idéias que revelam mulheres educadoras com uma
leitura reflexiva, por isso filosófica, sobre comportamento infantil.

“Deixem-nas crescer com todas as suas qualidades e defeitos. As


crianças são mimadas pela mãe e, quando, em algum momento
de impaciência, esta chega a castigá-las, o pai por sua
vez castiga a impaciente.” (MORGAN, 1946, p.82)

É possível destacar, nessas primeiras reflexões que a configuração


de um tipo de sociedade baseada em uma produção material socialmente
partilhada, vai garantir um tipo de Educação única, universal. Isto se deve
ao fato de que nas sociedades primitivas existia a idéia de uma concepção
divina natural, difundida para todos da tribo. Todos têm direito à perpetu-
ação da vida após a morte física.
Se essa idéia da passagem da vida para a morte física, na sociedade
primitiva, é um direito de todos, na sociedade antiga esses valores serão
modificados para atender a nobreza. A crença divina natural vai caracteri-
zar-se como “essência de classes sociais”, compreendida como o prolonga-
mento da vida após a morte, já como privilégio social: a nobreza. Este en-
foque retira aos escravos, os que representavam a base econômica daquela
sociedade, o direito à vida após a morte física porque não são considerados
seres humanos.
É por isso que vamos ter dificuldades de compreender uma dialética
pensada na forma do grande pensador Lao-Tsé, citado no início dessa uni-
dade. O pensar sobre o conhecimento só poderia existir para um determi- Ideologia - entenda-se
nado tipo de homem. E é por isso que esse tipo de sociedade vai ser propícia como “um conjunto de
doutrinas e ainda o meio
à formulação das primeiras idéias sobre a essência humana que passa a através do qual os atores
expressar-se como campo ideológico, e servirá em uma primeira impressão, humanos apreendem o
para dividir o pensar e o fazer como condição para a manutenção das socie- significado de suas pró-
prias experiências” (GI-
dades divididas em classes. ROUX, 1986, p.62)
É por isso que em um determinado momento da sociedade irão ficar
estabelecidas as diferenças entre o trabalho físico e o trabalho intelectual.
Esta situação por si só, não vai determinar um novo tipo de sociedade, mas,
certamente, as modificações surgidas nesse percurso estão sob a responsa-
bilidade maior do surgimento da técnica.
Aníbal Ponce considera que é no poder do trabalho humano que a co-
munidade, a partir desse momento, começa a produzir mais do que o neces-
sário para o seu próprio sustento e vai garantir um excedente de produção e
o intercâmbio desses bens; que até então era exíguo. Passando em seguida
o estabelecimento de trocas e a formação do ócio que por sua vez possibili-
tara a criação de instrumentos que, posteriormente serão denominados de
ciências, culturas e construção de idéias mais sedimentadas.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 47
O estudo desse momento histórico nos faz acreditar que estavam as-
seguradas novas finalidades para a Educação de homens que serão diferen-
tes, desiguais, porque a base econômica da sociedade estaria, desde então,
estabelecida entre exploradores e explorados.
Ponce nos diz, ainda, que a passagem dessa fase para a chamada fase
da Educação antiga, vai ser também caracterizada pela propriedade privada,
a idéia de uma religião pautada pela figura de deuses. As mulheres passam a
ser submissas à autoridade dos homens. Tudo isso irá influenciar uma Edu-
cação mais fechada e acarretará, posteriormente, o surgimento do Estado.
Em se tratando desse período do pensamento humano, chama-nos
atenção o fato de que a Educação já tinha o papel de formar um homem
determinado pela sociedade daquela época. É a idéia da filosofia da essência
que, em se tratando do período grego, vai definir o homem livre, como sendo
o cidadão e desconsiderar o homem escravo como cidadão porque exercia
atividade braçal. Para Saviani,

“(...). a Filosofia da Essência não implicava maiores problemas, e a peda-


gogia que decorria dessa filosofia, por sua vez, não implicava problemas
políticos muito sérios, na medida em que o homem, o ser humano, era
identificado com o homem livre; o escravo não era ser humano, conse-
quentemente a essência humana só era realizada nos homens livres.”
(SAVIANI, 1984, p. 42)

O homem livre exercia a liberdade política e os benefícios da democra-


cia. Enquanto que as atividades do trabalho braçal estavam nas mãos dos
escravos, que por sua vez terão papel importante no desenvolvimento da
economia comercial, já no século VII a.C. Isto ocorria porque:

“Sob o controle e para o proveito das classes dominantes, o comércio foi


confiado aos escravos e aos estrangeiros. Desligadas do trabalho manual
e do intercâmbio dos produtos, as classes superiores já eram nessa épo-
ca socialmente improdutivas” (PONCE, 1992, p.37)

A história nos mostra que a exploração humana, nesse momento, vai


se acontecer da seguinte forma: “os escravos continuarão dando para seus
senhores tudo o que ganhavam ou parte de seus lucros” (PONCE, op. cit., p.3)
Este fato é importante para entendermos o baixo desenvolvimento das
técnicas de trabalho daquela época e a Educação se reduzir à prática de ginás-
tica. Esse é um momento da história da Grécia em que poucas práticas edu-
cativas aconteciam voltadas para a construção de saberes, de conhecimento.
Você deve estar, neste momento, refletindo sobre tudo o que leu até
agora e se permitindo algumas conclusões. Uma delas deve ser na direção
de compreender o significado histórico da separação entre o pensar e o fa-
zer, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual como fator preponde-
rante na divisão de classes sociais.
Você deve estar pensando nos prejuízos causados, por essa divisão do
trabalho, no desenvolvimento socioeconômico e cultural da humanidade.
Já está posta aqui a certeza de que o mundo dividido em classes so-
ciais resulta em grandes malefícios à sociedade. É essa a idéia e é por isso
que Suchodolski traz para discussão a filosofia da essência e a filosofia da
existência como categorias que ajudaram a compreender como foi construí-
da, de uma forma ou de outra, uma sociedade dominada por quem detinha
o poder socioeconômico e político.

48 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Para esse teórico da Educação é em Platão que vamos encontrar a
idéia da imutabilidade do conhecimento. Da verdade absoluta que vai per-
mear mais adiante o pensamento da pedagogia tradicional. É nele que va-
mos encontrar a idéia de que o homem pertence ao mundo das sombras, que
seriam o corpo, o desejo, os sentidos, e ao mundo das idéias que é o reino
do espírito.

“O espírito é um prisioneiro do corpo, que é “o túmulo da alma” e A Pedagogia tradicional é


entendida como transmis-
que contém toda imutável essência humana”. sora de um saber acumu-
“Conhecer é lembrar do mundo perfeito das idéias que está além do lado e sistematizado pela
mundo sensível. Educar é descobrir a essência natural de cada um”. sociedade. Esse saber é
entendido como verdade
(Platão) absoluta.

Provérbios:
“Pau que nasce torto morre torto”
“Filho de peixe, peixinho é”

“Estas distinções constituíram o motivo clássico que conduziu a pedago-


gia da essência a descurar tudo o que é empírico no homem e em torno
do homem a conceber a Educação como medida para desenvolver no
homem tudo o que implica a sua participação na realidade ideal, tudo o
que define a sua essência verdadeira, embora asfixiada pela existência
empírica” (SUCHODOLSKI, 2002, p.13)

O cristianismo absorveu as idéias de Platão imprimindo-lhes maior


intensidade. Deu maior destaque ao conflito interior do homem caracteri-
zado pela dualidade entre a vida material e a vida espiritual. É nesse tom
de opressão que a teoria do pecado original passa a ser referência no cerce-
amento da liberdade humana. É a idéia do castigo que vai se caracterizar
nas formas físicas e psicológicas. A Educação estará voltada para o plano
de Deus, desprezando totalmente o plano material.
Nesse período histórico, podemos perceber a importância para o pen-
samento humano, algumas defesas filosóficas do cristão São Tomás de
Aquino. Este teve grande influência em sua época e sua filosofia constituiu
o sistema oficial da igreja católica. Para esse filósofo da Idade Média o ver-
dadeiro mestre que ensina no interior de nossa alma é Deus. Este é o mestre
maior e é o agente da Educação. O homem terreno, que se diz mestre, deve
ser cristão. E o educando deve ter participação no processo educativo.
Para assegurar sua argumentação filosófica, São Tomás de Aquino
escreveu o livro De Magistro e nele observamos quatro importantes artigos
para explicar e justificar o ensino e o papel do mestre, definindo seus pres-
supostos teóricos na filosofia da essência. Basicamente tratam de:
1. “Se o homem pode ensinar e chamar-se Mestre ou só Deus;
2. Se alguém pode dizer-se Mestre de si mesmo;
3. Se o homem pode ser ensinado por um anjo;
4. “Se o ensinar é um ato de vida ativa ou contemplativa.”

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 49
É de Aquino também a idéia de que, “da mesma forma que não se
pode atribuir a causalidade eficiente da árvore ao agricultor, pois
este não cria a árvore, mas a cultiva, o homem não pode comunicar
a ciência, mas prepara para ela”
Mesmo reconhecendo as defesas filosóficas de São Tomás de Aquino
sobre o papel passivo e contemplativo do homem frente à sociedade daquela
época, ele refuta algo importante nas idéias cristãs: o Inatismo. Aquino
defendeu uma Educação que desenvolvesse, no educando, suas potencia-
lidades baseadas em atividades. Estas serão um importante diferencial do
Inatismo... – Uns nascem pensamento platônico, apesar de Suchodolski considerar que a essência
melhores ou superiores a das suas idéias permanece a mesma do cristianismo, mesmo reconhecendo
outros nesse filósofo cristão um estudioso de Aristóteles. Este filósofo grego trazia
O Inatismo defende a idéia
de que o homem já nasce para discussão sobre o conhecimento as questões do mundo empírico. Se-
prefixado em sua essência parou a matéria da forma. Dando para a primeira a idéia de algo estático; e
ao nascer. Pode ser: quanto à forma um caráter dinâmico e duradouro.
Por dom divino
Por determinação natural, Diante do que foi lido, do estudado e do que foi refletido, é possível
biológica afirmar que esse período da história humana é voltado para o cerceamento
da liberdade de pensamento e isto, certamente travou por séculos o desen-
volvimento da sociedade. É uma sociedade dual, baseada na exploração do
homem pelo homem. Este utilizando recursos baseados em castigos cor-
porais e de ordem psicológica vai propagar a Fé Cristã, alimentada pelo
dogmatismo religioso.
A busca permanente da reflexão sobre o que foi lido deve estar per-
mitindo a você sedimentar alguns conceitos, como também já lhe permite
entender que todo pensar trás uma concepção de mundo e de sociedade
baseada na filosofia da essência, na filosofia da existência ou na dialética.
Dogmatismo religioso é Certamente, algumas questões teóricas sobre Educação não foram e
entendido como algo em não serão aqui tratadas à exaustão, mas você pode pesquisar grandes teó-
que o homem acredita
sem ter base ou funda-
ricos que tratam desse assunto. Alguns deles são apresentados nas referên-
mentação científica. cias e nas leituras complementares desta unidade.

O Nome da Rosa
Para você entender melhor esse período cristão, vale a pena assistir ao filme
“O Nome da Rosa” baseado no livro homônimo, do escritor italiano Humber-
to Eco. O livro retrata a igreja católica na Idade Média O fundamental nesse
filme é perceber a dualidade das idéias filosóficas entre os franciscanos
(argumentos baseados nas idéias de Aristóteles) e os dominicanos (argu-
mentos baseados nas idéias de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino),
Se for possível você com- tendo como pano de fundo a exploração da Igreja no dízimo e no trato com
preender o papel que a Fi-
losofia ocupa na formação a mulher.
educacional de um povo, é
porque você já está perce-
bendo a relação profunda
que existe entre Educação
e sociedade. Será que é
possível separá-las?

50 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
A Educação burguesa e a concepção
existencialista de homem

Estamos introduzindo para leitura crítica reflexiva, um importante


momento da história da sociedade que lhe permitirá aprofundar estudos
sobre o papel da Filosofia nesse caminhar de contextos sociais, só que ago-
ra tratando da filosofia da existência como mola propulsora na formação do
homem num determinado contexto histórico: o período burguês.
O período burguês surge no século XI em função de modificações nas
técnicas da produção econômica que, por sua vez, vão acelerar o desenvolvi-
mento comercial. Os senhores feudais, vendo a possibilidade de circulação
de dinheiro, possibilitam aos artesões, mediante retorno financeiro, tra-
balharem para outras pessoas para que ampliasse a entrada de produtos
comerciais em seus castelos.

“A circulação de mercadorias fez com que. as cidades se transfor-


massem em centros de comércio, onde os produtores trocavam os seus
produtos. Surgiu, então, uma profunda transformação: o que até ontem
era apenas uma fortaleza, começava agora a ser um mercado. Os seus
habitantes chamados burgueses acabaram se fundindo em uma classe
predisposta a uma vida pacífica e urbana, bem distinta da vida guerrei-
ra e rural, que era apanágio da nobreza”. (PONCE, 1992, p.96)

Para que possamos entender melhor esse período da história do pen-


samento filosófico é preciso trazer para aprofundamento desses estudos a
compreensão de que o Renascimento

“(...) herdou as tradições antigas e cristãs da pedagogia da essência e as


completou com a sua concepção própria do modelo do homem baseado
na confiança na razão e nas aquisições culturais da Antiguidade.” (SU-
CHODOLSKI, 2002, p.17)

É possível perceber nesse período, que algumas posições contrárias


vão criar dimensões enquanto concepção de sociedade, e que vão contribuir
para mudar o rumo da história porque serão tratadas no âmbito da política
e da sociedade. Foram colocadas em xeque posturas oportunistas e de pri-
vilégios do clero.A moral da Igreja Católica estava abalada e ,no bojo dessas
contradições, permitiu o surgimento do movimento reformista,na figura de
Lutero como representante mais significativo dessa época. Lutero refuta as
indulgências e nega a autoridade do papa, dos padres, dos concílios e de-
fende que o homem deve fazer boas obras à luz do que Cristo pregou, sem É Lutero que vai divulgar
idéias que implantaria a
o ranço de só fazer o bem porque terá a salvação eterna. igreja protestante na Ale-
Essas mudanças seriam resultado de perguntas sobre o sentido da manha e, posteriormente,
em outros países.
fé, como também sobre as normas e atitudes do homem perante o mundo,
que até então se caracterizava como passivas e voltadas para um mundo

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 51
transcendental, um mundo que não é esse, o terreno, tão importante no
pensamento cristão. Esses novos valores éticos e morais irão resultar na
idéia de formação do homem enquanto indivíduo e em transformação, como
também na defesa dos direitos humanos, desde sua infância, como um dos
princípios norteadores dessa nova idéia.
É a época moderna que será caracterizada pelo desenvolvimento da
ciência e pela proliferação da indústria que provocam alterações no compor-
tamento do povo, nas suas práticas sociais influenciadas, de sobremaneira,
pela Educação escolar.
Para Dermeval Saviani, em seu livro Escola e Democracia, será a pró-
pria burguesia, a classe revolucionária daquele momento, que irá clamar
pela filosofia da essência. A defesa dos direitos e a liberdade para todos
serão premissas importantes no bojo das contradições que serão acentua-
das posteriormente.
Como vimos em momentos anteriores a esta parte desta unidade, a
filosofia da essência irá conduzir o pensamento como também as práticas
pedagógicas por toda Idade Média, e continuará a exercer influência muito
forte no mundo moderno, dentro das escolas.

A Sociedade dos Poetas Mortos


Você poderá ter uma idéia das práticas educativas autoritárias, baseadas
na pedagogia tradicional, que tem como pressuposto filosófico a filoso-
fia da essência humana, assistindo ao filme “A Sociedade dos Poetas Mor-
tos. O enredo trata de adolescentes numa escola burguesa, na Inglaterra da
década de 1940. Uma escola rígida, defensora do lema: tradição, família e
propriedade. Um professor recém contratado pela direção da escola passa
a modificar aquela estrutura rígida de trabalhar o conhecimento e esse
comportamento irá alterar a vida escolar e também familiar desses adoles-
centes. É um filme rico em discussões sobre a escola, papel de educadores
e perspectiva de mudança psicosocial.

52 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 3
Fundamentos filosóficos do racionalismo,
empirismo e idealismo

Prosseguindo em nossas leituras sobre a filosofia da essência, Libâ-


neo, 1991:58 vai nos dizer que é com João Amós Comênio, (1592-1670), um
pastor protestante, que a idéia da difusão dos conhecimentos a todos passa
a ser regra do ensino, mesmo considerando a Educação como uma forma de
“conduzir à felicidade eterna com Deus, pois é uma força poderosa de rege-
neração da vida humana”. Fato esse difícil de ser exercido porque:

“... o século XVII, em que viveu Comênio, e nos séculos seguintes, ainda
predominava práticas escolares da Idade Média: ensino intelectualístico,
verbalista, dogmático, memorização e repetição mecânica dos ensina-
mentos do professor.” (LIBÂNEO, 1991, p. 59)

Comênio foi o criador do “naturalismo pedagógico” que tem como idéia


central uma Educação que se adapte às necessidades da criança, respei-
tando sua condição psicológica.

Será que é possível vislumbrar uma igreja católica com um


papel menos significativo no pensamento da sociedade e da
Educação no período da ascensão da burguesia?

Tudo indica que não. A história parece nos mostrar que os jesuítas
exerceram papel fundamental na defesa da pedagogia da essência e pu-
blicam a obra Ratio Studiorum, com o intuito de reforçar o dogmatismo
religioso, as práticas de submissão à Igreja. Na contramão desses fatos,
observamos também a idéia de uma filosofia voltada para a natureza como
foi abordada anteriormente por Comênio.

“No século XVII e, ainda, no século XVIII – retomando as tradições anti-


gas, particularmente as estóicas, e utilizando os resultados das moder-
nas ciências da Natureza – fez-se grande progresso no sentido de uma
concepção laica e científica das leis da Natureza; o intuito destes traba-
lhos era alcançar uma compreensão da Natureza que permitisse definir
as bases quer da vida dos homens nas relações entre si, quer da ativida-
de humana em todos os seus domínios”. (SUCHODOLSKI, 2002, p.23)

Esse pensar filosófico sobre o homem e natureza - o homem e sua


existência - terá um defensor importante no mundo da filosofia: Jean-Jac-
ques Rousseau.
É ele o autor da famosa idéia: “é bom tudo o que sai das mãos do
criador da Natureza e tudo degenera nas mãos do homem.”
Rousseau refuta o papel de uma Educação para moldar as crianças.
O objetivo maior do trabalho pedagógico deveria ser educar as crianças a

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 53
partir delas próprias. Esse grande pensador da Educação traz para a histó-
ria do pensamento sobre a Educação uma contraposição radical ao pensa-
mento da essência enquanto dogma, verdade absoluta; a fundamentação de
uma pedagogia da existência.
O educador Joahan Heinrich Pestalozzi (1746-1827) segue caminhos
idênticos acentuando o fato de que desenvolveu todo seu trabalho educati-
vo com crianças pobres. Este aspecto muda o foco, inclusive ideológico, de
pensar o mundo.

Você, nesse momento, deve estar elaborando a seguinte pergunta: Se o


pensamento humanístico tradicional negou a idéia da verdade absoluta e
passou a admitir processos de desenvolvimento no homem, transmitidos
pela escola, como as desigualdades sociais permaneceram até os dias
atuais?

A filosofia da existência na sociedade moderna traz, como foco de dis-


cussão crítica, o humanismo racionalista que vai surgir na França, no sé-
culo XVIII. Para os defensores da filosofia racionalista, toda idéia tem base
na razão por ser sua fonte primeira e é dela que decorre o conhecimento. Al-
guns pensadores, como é o caso de René Descartes (1596-1650), defendem
as idéias inatas, já conceituadas em outro momento nesta unidade.
René Descartes vai dizer que as idéias:

“São representações mentais de ordem subjetiva. São aquelas conside-


radas claras e distintas, como a idéia de número, duração, ordem, movi-
mento, que são do âmbito da matemática. São, ainda, inatas as idéias de
Deus, alma, etc.” (DESCARTES apud NETO, 1990, p. 154)

É dele a famosa frase: “Penso, logo existo”.


Portanto, para Descartes há predominância do sujeito na obtenção do
conhecimento não obstante a crença nas “idéias inatas”.
Princípios do Liberalismo:
O Individualismo defende
“Primeiramente, considero haver em nós certas noções primitivas as
que o indivíduo possui ap-
tidões e talentos próprios quais são como originais (...) Educar é extrair do homem suas inclina-
A Liberdade é condição ções naturais.”
para as defesas das po-
tencialidades humanas
A Propriedade é direito de Enquanto que Willhelm Leibniz vai trazer, como contribuição teórica,
todos que tenham talento o princípio da inexistência de contradição na construção do raciocínio:
A Igualdade de condições
materiais “O princípio de não-contradição afirma que uma coisa não pode ser e
A Democracia é condição
para que todos participem
deixar de ser ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, um objeto que está
do governo por meio de em movimento não pode estar ao mesmo tempo parado, em repouso.”
seus representantes elei- (NETO, op. cit., p. 155)
tos pela sociedade.
(CUNHA, 1991)
As idéias, vistas por esse ângulo, descartam o princípio da contra-
dição na perspectiva da dialética, já abordada nesta unidade, e que será
retomada na última parte deste estudo.
Outros teóricos do racionalismo vão defender a idéia como caracterís-
tica da evolução da espécie humana. Charles Darwin (1809-1882) em seus
estudos argumenta que o mundo não é estático e que sua evolução segue o
fluxo linear e de forma contínua. Defende, ainda, a existência de uma evo-
lução natural do homem sem interferência de Deus. É a teoria da evolução
humana.

54 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Suchodolski (2002) avalia que é a teoria da evolução humana, de
Darwin, no século XIX, que dará maior consistência ao pensamento da
existência humana. Lembra, ainda que, anterior a Darwin, o Marquês de
Condorcet, no século XVIII, utilizou idéias evolucionistas para defender o
progresso da “razão e das ciências”.
Suchodolski nos faz lembrar, também, a importância do manifesto de
Ellen Key, que se transformou num marco histórico e passou a ser entendi-
do como a “principal escola de pensamento pedagógico” no século XX. É um
momento histórico que algumas bandeiras serão defendidas, entre as quais
a defesa da igualdade de direito para todos. Este será um dos importantes
princípios do liberalismo. Citamos Kant como um dos seus mais expres-
sivos representantes.
A figura do Estado burguês passa a ser interpretada por alguns teó-
ricos da Educação como instituição importante na defesa da igualdade de
direitos, e como tal, deve estar envolvido em um sistema educacional de
caráter público, gratuito e para todos. Isso seria uma garantia para asse-
gurar a igualdade de oportunidades, impedindo, inclusive, interferências
religiosas. Esta será uma defesa política de Marquês de Condorcet, bastante
espinhosa, mas corajosa.
Condorcet defendia que
Se Condorcet levantou bandeiras importantes enquanto direito do
“Se o Estado não tem di-
homem na sociedade, isto se deve, de certa forma, às idéias de Jean-Jac- reitos sobre a consciência
ques Rousseau porque este vai defender uma pedagogia ligada à vida, uma das crianças, tem o dever
pedagogia para um “homem total” pleno e que seja capaz de exercer qual- de expor todas as idéias
para que cada escolha li-
quer tipo de profissão. A grande crítica, que se faz a Rousseau, vai em dire- vremente entre elas sem,
ção as suas formulações teóricas voltadas para uma criança burguesa, que entretanto, impor nenhu-
será tratada no seu livro Emilio: ma crença. As opiniões
religiosas devem estar
disponíveis à escolha das
“Rousseau aspirou a uma Educação bastante elitista para seu aluno consciências independen-
ideal Emilio. Não pensou na Educação das massas, mas na Educação de tes. Para isso, separa o
um indivíduo suficientemente rico para custear um preceptor. Seu Emí- ensino público do confes-
sional, pois a instrução
lio é, com efeito, um jovem que vive de suas rendas e que não dá um só que o clero dá não tem por
passo sem que o acompanhe seu mestre.” (CUNHA, 1991, p. 36) objetivo o progresso, mas
seus interesses particula-
res. Os princípios morais
Marques de Condorcet, apesar de ter sido discípulo de Rousseau, re- a serem ensinados são
vela pensamentos próprios e diferentes do mestre. aqueles fundados na ra-
Destacamos, neste momento do pensamento filosófico moderno, a in- zão e que pertencem a to-
dos os homens” (CUNHA,
fluência da chamada Escola Nova em oposição às idéias racionalistas. Para op. cit., p.40)
os idealizadores dessa corrente pedagógica o conhecimento é adquirido
através da experiência.
Destacamos aqui John Locke (1704) como um dos seus melhores re-
presentantes porque faz uma defesa clara e consistente sobre o Empirismo.
Para Locke, todo conhecimento tem como base a experiência. De tal sorte
que sem essa experiência não se chega ao conhecimento que é:

“Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações


internas de nossas mentes, que são, por nós mesmos, percebidas e refle-
tidas, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os mate-
riais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento jorram todas
as nossas idéias, ou que possivelmente teremos.” (NETO, 1990, p. 158,
159)

Destacamos, ainda, para fechar esse momento teórico que nos propo-
mos construir com você, algumas idéias do pensamento educacional liberal

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 55
contemporâneo, que tem na figura de John Dewey seu representante maior.
Foi ele que formulou a chamada pedagogia da escola nova. É a idéia de
democracia, um dos princípios do liberalismo, que constituirá sua base
teórica para uma escola democrática.
Para Dewey, se as estruturas escolares e seus currículos tiverem
A Escola Nova defende como pressupostos a democracia, a sociedade assim será. E para que essa
uma prática educativa sociedade seja democrática é preciso que a escola considere as pessoas di-
centrada no aluno. Este ferentes. Os seres humanos não são iguais.
vai desenvolver ativida-
des, sob orientação do Dewey considera que, diferentemente do pensamento tradicional, o
professor, através de ex- educador deve estar aberto às modificações mediante seu meio social. Nes-
perimentos, trabalhos em
grupo, estudos dirigidos,
sa linha de interpretação, a escola deve buscar desenvolver nas crianças
entre outros. Cabe, ainda, responsabilidades, tendo como foco as realidades sociais.
ao professor criar ambien-
te favorável ao aluno
Você pode ler mais sobre a proposta pedagógica de Dewey no livro
Educação e Democracia de Saviani.
Vejamos, a seguir, algumas das características da Escola Nova:
1. “A escola nova é um laboratório de pedagogia prática. Apóia-se nos
dados da psicologia da criança e nas necessidades de seu corpo e
de seu espírito entre outros aspectos
2. A escola nova é um internato. Só a influência total do meio permite
realizar uma Educação integral
3. A escola nova é situada no campo. O campo é o meio natural da
criança.
4. A escola nova agrupa os alunos em casas separadas. Grupos de
dez a quinze vivem sob a direção material e moral dum educador e
de uma educadora.
5. A escola nova pratica o mais que pode a co-Educação dos sexos.
Deixados juntos desde sua primeira idade, e sem deixar de serem
educados segundo as necessidades particulares do seu sexo, rapa-
zes e moças vivem como camaradas.
(NETO, op. cit., p.146 e147)

Pensamos que, em conjunto, este momento não se esgotou. Gostarí-


amos de ter visto mais algumas idéias sobre Jonh Dewey e alguns de seus
representantes, tais como o grande educador brasileiro Anísio Teixeira. Este
fica para você estudar mais quando tratar da História da Educação Brasi-
leira e da Didática.
Diante de tudo que foi es-
tudado, como fica o pen-
samento dialético?

56 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 4
Filosofia dialética e Educação

Chegamos ao final desta unidade sem termos conseguindo avançar,


como gostaríamos, sobre a dialética. Isto porque compreendemos que é ela
a responsável pela crítica, que é ela que assume o campo teórico de outras
ciências, para trazê-las como complementação do conhecimento mais pro-
fundo, mais consistente sobre o mundo dos sujeitos.
Consideramos, no entanto, que de tudo que foi visto nesta unidade é
possível tirar algumas indagações conclusivas, tais como:

Será que o pensamento crítico, as idéias da dialética caminham na


contramão da história humana? Será que o que foi escrito nessa cami-
nhada não está devendo para o mundo fatos melhores explicados?

Talvez seja para nós uma justificativa de passividade considerar ver-


dadeira a afirmação de Mariano Enguitta, em seu livro A Face Oculta da
Escola, que a história é escrita pelos vencedores. Nesse sentido o processo
de reprodução passa a ser:

“Uma ambiciosa tarefa, apenas começada, que dará muito trabalho


aos historiadores, tanto mais que são relativamente poucos, embora
não tão escassos quanto antes, os que compreenderam que a história
real da humanidade não pode ter sua única nem sua primeira fonte no
testemunho dos pederosos.” (ENGUITA, 1989, p.04)

Se considerarmos as afirmações supracitadas procedentes, podere-


mos entender o porquê de o pensamento crítico ter imprimido forte con-
tribuição no final do século XIX e permeado todo século XX. São as idéias
marxistas que exercerão o papel da crítica, de olhar a sociedade por outro
ângulo: o do oprimido, o do sujeito É a dialética que retoma seu papel na
investigação sobre o conhecimento e suas leis irão contribuir para eluci-
dação de questões relativas ao mundo dos homens e estes ligados às suas
condições de vida, de trabalho.
Na Educação é possível encontrar, ainda no final do século XIX, um
teórico da Educação que, apesar de ser filho de burgueses (donos de vi-
nhedos), Francisco Ferrer Guárdia (1859-1909) que vai formular críticas
contundentes à burguesia por ser esta monopolizadora do conhecimento.
Vai defender uma escola sem Estado e sem Religião. Para que a escola não
receba influência ideológica da burguesia, a comunidade desempenhará o
papel de controle e sustentação, inclusive financeira, da escola ideal, a es-
cola comunitária.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 57
“A Escola Racionalista de Ferrer é mista e prega a co-Educação sexual
e das classes. Na medida em que não é financiada pelo Estado ou Igreja
ela é paga conforme as possibilidades financeiras do aluno; preocupa-se
com a difusão da cultura junto ao povo, estabelece o curso noturno e
uma Universidade Popular.” (TRAGTENBERG, 1978, p.25)

O século XX será permeado de idéias pedagógicas em defesa de dois


grandes projetos diferenciados de mundo: um em defesa de um mundo ca-
pitalista, hoje globalizado; e o outro de um mundo socialista, um mundo de
iguais. Esses dois grandes projetos sociais de pensar o mundo irão com-
portar as três grandes correntes filosóficas: essência, existência e dialética.
Isso explica porque as sociedades ditas socialistas, no caso Rússia e Cuba
irão construir uma Educação tendo como idéias centrais os princípios da
dialética para buscar, na prática, um mundo socialista.
Nessa outra face da moeda, a de pensar um mundo socialmente igual,
podemos ainda destacar dois grandes teóricos da Educação: Makarenko e
Pistrak.

“Moisey Mikhaylovich Pistrak na Escola Lepechinski, em Moscou - Rús-


sia -, e Anton Semiónovitch Makarenko na Colônia Gorki, em Poltava e
Khárkov – Ucrânia”. Ambas as experiências retratam o momento his-
tórico de construção da União Soviética, na primeira década após a
Revolução de Outubro. Tanto na Educação escolar de Pistrak como na
Educação não escolar de Makarenko, as relações entre trabalho - como
atividade constitutiva da condição humana - e Educação se estabelece-
ram de maneira muito clara, caracterizando os modelos adotados por es-
ses educadores como pedagogias críticas, de um caráter social e ligadas
à realidade dos educandos. A formação de sujeitos autônomos, criativos
e integrados a uma sociedade que valoriza o trabalho coletivo se consti-
tuiu no objetivo principal de cada um desses educadores.” (Flavio Boleiz)
http://www.ufmt.br/gpea/pub/f%20boleiz_Pistrak_e_Makarenko.
pdf Acessado em 24.01.2009

Ao contrário das pedagogias da Escola Nova, que têm como base a


formação centrada no individual, isolando o ser humano, Makarenko surge
para defender uma pedagogia que tem como base a construção do coletivo
e da organização da escola; o único caminho para a Educação correta seria
o da Educação de todo um coletivo.
Makarenko, no O Livro dos Pais, afirma:

“O coletivo é um organismo social vivo e, por isso mesmo, possui órgãos,


atribuições, responsabilidades, correlações e interdependência entre as
partes. Se tudo isso não existe, não há coletivo, há uma simples multi-
dão, uma concentração de indivíduos.”

Tanto Makarenko quanto Pistrak defendiam a criatividade como ob-


jetivo da Educação, como também a participação das crianças no trabalho
pedagógico através de sua representação no Conselho Escolar.
Inserem-se na linha dos grandes educadores, para quem a Educação
é também uma forma de ação político-social, que não se limita a interpretar
o mundo, mas que procura, pela prática, desenvolver uma ação transfor-

58 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
madora do real. Pensar a Educação voltada para uma ação transformadora
poderia fazer uma grande diferença no que vemos, hoje, na sociedade.
Para esses educadores, criar uma nova instituição escolar para a so-
ciedade socialista era prioridade, pois para eles era óbvio que não interessa-
va à Educação tradicional criar um novo tipo de homem.
Baseados no método dialético, que atua como uma força organizadora
do mundo, Makarenko e Pistrak criaram as bases para uma pedagogia so-
cialista e Pistrak definiu a “Escola do Trabalho”.
Se o mundo continua vivendo e convivendo socialmente com fortes e
profundas desigualdades sócioeconômicas é porque o capitalismo mantém
sua hegemonia. Se o projeto de homem e de sociedade burgues continua se-
parando o pensar e o fazer, a teoria da prática, como elaborar possibilidades
de um mundo mais justo?

“A Educação virada para o futuro é justamente uma via que permite ul-
trapassar o horizonte das más opções e dos compromissos da pedagogia
burguesa”. (SUCHODOLSKI, 2002, p.101)

É exatamente o grande pensador italiano, Antonio Gramsci, que vai


ajudar a pensar nessa perspectiva. Gramsci, filho de camponeses italianos,
foi militante comunista. Preso, escreveu mais de três mil páginas. Parte
dessa obra destinada à Educação. Defendeu uma escola comunista para
um Estado comunista, onde o jovem se educaria na prática da disciplina
social. Para tal feito era necessário uma escola unitária, onde estaria pre-
servado o princípio da democracia do ensino e do saber.

“Essa escola (unitária) corresponderia num período prévio à entrada


do indivíduo na atividade de trabalho, e nela o princípio unitário não só
deveria estar presente, como serviria de fio condutor de todo ensino.”
Segundo Gramsci, “... a tendência democrática, intrinsecamente, não
pode consistir apenas em que um operário manual se torne quali-
ficado, mas que cada cidadão possa se tornar ‘governante’ e que a
sociedade o coloque, ainda que ‘abstratamente’, nas condições gerais
de fazê-lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes
e governados (no sentido de governo com o consentimento dos go-
vernados), assegurando a cada governado a aprendizagem gratuita
das capacidades e da preparação técnica geral necessária ao fim de
governar” (GRAMSCI, 1968, p. 137).

Justifica-se a importância do papel que os professores - intelectuais


orgânicos - irão exercer na configuração dessa nova sociedade. A escola
erigida da forma tratada por Gramsci terá que assumir as possibilidades da
cultura do povo, uma contra-ideologia tornada realidade nas suas práticas
e na construção, também, de saberes. “A Educação para Gra-
É na busca dessa nova cultura, defendida por Gramsci, que fechamos msci tem, portanto, uma
dimensão política muito
esta unidade, sem esquecer de fazer justiça a um dos educadores mais bri-
ampla, pelo papel signi-
lhantes que o Brasil já produziu: Paulo Freire. ficativo que podem ter a
É nele e com ele que vamos encontrar o perfil mais completo de um organização escolar e a
criação de uma nova cul-
grande teórico comprometido com um mundo mais justo, mais solidário. tura na reestruturação
Freire elabora um método de Educação para adultos, com fundamentos vol- democrática da socieda-
tados para um mundo de iguais. Elabora o método do oprimido, em contra- de.” (MACHADO, 1991)
posição ao do opressor. Introduz a idéia da prática do diálogo, da conscien-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 59
tização. É dele que vem a defesa intransigente do homem oprimido e é nele
que vamos também encontrar críticas contundentes à Educação burguesa,
ao mundo capitalista; à filosofia da essência humana.
Freire vai compreender o valor da cultura na formação do ser humano
e vai, a partir dessa leitura, denunciar os riscos sociais da cultura imposta,
da cultura do dominador. Para Freire, todo ser humano desenvolve cultura
porque a cultura é fruto da sistematização de experiências que incorpora
tanto:

“(...) as idéias que vão se delineando em uma época específica, como os


artefatos culturais dos quais o homem se vale para transformar o mun-
do”. (FREIRE apud TORRES, 1979, p.48)

É com essa compreensão teórica que finalizamos esta unidade, dei-


A idéia de cultura de Pau- xando para você a possibilidade de uma boa reflexão sobre tudo que foi
lo Freire pode ser enten-
dida à luz da concepção estudado com o pensamento de Paulo Freire abaixo transcrito.
dessa nova cultura de-
fendida por Gramsci? E a “Quanto mais envolvidos estivermos nas formas de ação baseadas na ilu-
busca da conscientização são idealista, tanto mais estaremos a serviço das elites de poder e nossa
humana pode ser compre-
endida como dialética? ação se torna, necessariamente, paternalista. Em vez de trabalhar para
transformar a realidade injusta, cooperamos com o “assistencialismo”
e com atividades que eu chamo normalmente de “ministrar aspirinas”.
Em razão precisamente desse tipo de atitude, as elites proclamam nossa
virtude, enquanto nós continuamos dormindo em paz.

Entretanto, se nos esforçamos em uma ação realmente amorosa, convi-


dando as pessoas a tirar os véus da realidade, a descobrir as verdadeiras
causas de sua miséria e opressão; quando, por meio da “conscientização”
tentamos por outra dialética, as elites poderosas já não proclamarão
nossas virtudes. Somos, então, considerados inimigos da “Civilização
Ocidental Cristã”.

Mas, estou convencido de que, ao aceitar a posição revolucionária que


defende cientificamente a transformação ao mesmo tempo, do homem
e da realidade, sigo o verdadeiro caminho cristão”. (FREIRE apud TOR-
RES, 1979, p.48)

A leitura crítica da Unidade “As Concepções de Educação e seus Pres-


supostos Filosóficos da Educação” provoca, em cada um de nós, uma vonta-
de de caminhar na contramão dessa história. Certamente, o fazer solitário
não é uma boa opção, mas o fazer solidário e coletivo sim. Como fazer uso
dos instrumentos para fazermos a história dos homens iguais? A prática
social coletiva, auxiliada por um referencial teórico consistente, será uma
opção possível, mas é preciso, antes de tudo, não concordarmos com esse
mundo injusto, construído por muitos e dominado por poucos. O homem
precisa tomar as rédeas de sua história, caso queira continuar acreditando
no futuro e na sua própria sobrevivência.

60 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Leituras
• É possível você buscar aprofundamento sobre os teóricos do racionalis-
mo nos livros de Charles Sanders Pierce. Como Tornar Claras as Nossas
Idéias in Semiótica e Filosofia, São Paulo, Cultrix, 1972, pp.49-50, como
também o livro Monadologia. Ed. Abril, SP. 1979.

• Destacamos aqui, para você ler e construir a sua própria crítica sobre a
pedagogia tradicional, o texto “Concepção bancária de Educação” do livro
Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra ed. 1978

• Indicamos, também, para leitura o livro Poema Pedagógico do grande


educador russo A.S.Makarenko. O livro trata de uma experiência pedagó-
gica com adolescentes marginais, ocorrida após a revolução bolchevique
em 1917.

• Complementando as leituras sobre o pensamento socialista, considera-


mos também de grande relevância as idéias do educador russo Pistrak
por ter construído os fundamentos pedagógicos da Escola Socialista. In-
dicamos para leitura o seu livro Fundamentos da Escola do Trabalho, da
ed. Brasiliense. A introdução desse livro é feita pelo grande teórico da
Educação, Maurício Tragtenberg.

Filmes
Um Rei em Nova York
O filme Um Rei em Nova York, de Charles Chaplin, é uma boa referência
para você não só entender a sociedade americana liberal, mas observar
também uma escola baseada nos princípios da Escola Nova

Mr. Holand - Adorável Professor


Se você está querendo assistir algum filme em que o professor assuma uma
nova postura pedagógica, vale a pena ver “Mr. Holand – Adorável Profes-
sor”

Ao Mestre com Carinho


No mesmo estilo, podemos lhe indicar o filme “Ao Mestre com Carinho”. A
história se passa em uma escola pública inglesa, de bairro pobre. O profes-
sor, interpretado pelo ator Sidney Poitier, vai enfrentar corajosamente ado-
lescentes com diversos problemas psicológicos e sociais. É a face do mundo
capitalista que não funciona bem.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 61
62 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Unidade

3
A relação homem-mundo
como ponto de partida da
teoria e da prática pedagógica
Objetivos:
• É sobre as consequências teóricas e práticas do fato - tornar-se homem – e sua
relação com a educação que trata este texto. O objetivo é pensar criticamente
sobre o sentido de ser humano, de existir contextualizado no tempo e no espaço,
de estar no mundo e se construir, simultaneamente, com a construção do mundo
dos homens, para, a partir daí, pensar a Educação. Em outras palavras, como
está explicitado no título deste texto, vamos refletir sobre a relação homem-mundo
como ponto de partida da teoria e da prática pedagógicas.
Capítulo 1
O que é o homem?

Introdução

Nas unidades anteriores, você estudou sobre diferentes conceitos e


concepções em torno da filosofia, da filosofia da Educação e das idéias pe-
dagógicas. Nesta, vamos fazer um exercício de reflexão filosófica acerca do
homem, do mundo dos homens e da Educação. Faremos, como exige a Filo-
sofia, uma busca pelos fundamentos de cada uma dessas realidades.
Estamos no mundo, isso é um fato. Somos seres contextualizados no
tempo e no espaço. Existimos em relação com os outros homens e com
o mundo. Fazemos história; constituídos pelo movimento da história, ao
mesmo tempo em que criamos esse movimento. Construímos o mundo dos
Considerado um dos
homens.
maiores pedagogos da
Não temos um devir preestabelecido um destino previamente traçado. atualidade deu inegável
Não trazemos, em nosso mapa genético, as soluções para nossas necessida- contribuição a Educação,
sobretudo a Popular. Pau-
des. Não temos uma identidade com a natureza que nos limite a uma exis- lo Freire que nasceu em
tência natural. Somos seres de necessidade e de liberdade. Somos seres que Recife em 1921 por sua
produzimos nossa existência. Não nascemos prontos e acabados, tornamo- obra, traduzida e comen-
tada em vários países,
nos o que somos. se tornou reconhecido
Paulo Freire (2000; 36) foi enfático na tese que “só somos porque es- mundialmente. Publicou:
Educação como Prática de
tamos sendo, pois estar sendo é a condição, entre nós, para ser”, com essa Liberdade, Pedagogia do
afirmação chamou atenção para a importância da Educação, pois conhecer Oprimido, Cartas à Guiné
é condição essencial no processo de tornar-se humano. Bissau, Pedagogia da Au-
tonomia, etc. Comprome-
“Não haveria Educação se o homem fosse um ser acabado. O homem tido com o homem e com
a liberdade sua atuação
pergunta-se: quem sou? De onde venho? Onde posso estar? O homem teórica e prática foi sem-
pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, pre alvo das mais diversas
críticas. O exílio o tornou
numa certa realidade: é um ser na busca de ser mais e, como pode fazer
cidadão do mundo embo-
esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está ra tenha retornado e vivi-
em constante busca. Eis aqui a raiz da Educação. (...) A Educação, por- do no Brasil até sua morte
em 1997.
tanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O
homem deve ser o sujeito de sua própria Educação. Não pode ser objeto
dela.” (FREIRE, 1979; 17)

Comecemos pela questão: o que é o homem?

“O que é o homem? É esta a primeira e principal pergunta da filosofia.


[...] Se observarmos bem, veremos que, ao colocarmos a pergunta ‘o que
é o homem’, queremos dizer: o que é que o homem pode se tornar, isto
é, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode ‘se fazer’,
se pode criar sua própria vida. Digamos, portanto, que o homem é um
processo, precisamente o processo de seus atos. Observando ainda me-
lhor, a própria pergunta ‘o que é o homem?’ não é uma pergunta abstrata
ou ‘objetiva’. Ela nasce do fato de termos refletido sobre nós mesmos e

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 65
sobre os outros; e de querermos saber, em relação com o que vimos e
refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos vir a ser, se realmente
e dentro de que limites somos ‘criadores de nós mesmos’, da nossa vida,
do nosso destino. E nós queremos saber isto ‘hoje’, nas condições de hoje,
da vida ‘de hoje’, e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer.”
(GRAMSCI, l978; 38)

Gramsci (1891-1937): In- Muitos filósofos já enfrentaram essa questão como estamos fazemos
telectual e militante polí- agora. De forma direta ou indireta, encontramos esse questionamento per-
tico estudou literatura na
Universidade de Turim. passando toda a história do pensamento do homem sobre si mesmo. Con-
Filiou-se ao Partido Socia- cluímos que não estamos diante de uma pergunta original, mas, nem por
lista Italiano (PSI), escre- isso podemos considerá-la banal, pois as respostas produzidas revelam di-
veu para o jornal do Par-
tido (L’Avanti). Em 1919,
ferentes determinações de tempo e de espaço, ou seja, cada tentativa de res-
fundou junto com Togliat- posta revela uma visão de mundo que coaduna com o contexto do pensador.
ti o L’Ordine Nuovo. Alia-
do com Bordiga e a ampla
A forma como Gramsci coloca a questão aponta para a íntima relação
facção Comunista dentro homem-mundo pondo em evidência o aspecto social que marca a essência
do PSI fundou (1921) e foi do homem. O homem como processo dos seus atos e, assim o sendo, pode
um dos líderes do Partido tornar-se, pois é sujeito do seu próprio destino. Daí, a importância de pen-
Comunista Italiano (PCI).
Em 1924, foi eleito de- sarmos sobre o que somos na perspectiva daquilo que poderemos vir-a-ser,
putado por Veneto. Suas analisando, objetivamente, as possibilidades e limites colocados a essa ta-
teses foram adotadas pelo refa de ontogênese.
congresso do partido em
1926. No mesmo ano, De maneira análoga, essa questão deve ser, também, a primeira per-
apesar de sua imunidade gunta para se pensar a Educação, como acentua Beth Oliveira (2009; 20):
parlamentar, a polícia fas-
cista o prendeu até pró-
“a pergunta ‘o que é o homem’ é também a primeira pergunta de
ximo da sua morte. Sua
obra é vasta e de grande toda teoria educacional. Não no sentido de que toda teoria educa-
importância inclusive na cional necessariamente parta, em sua apresentação, da resposta
área da Educação.
Veja o site: http://www.
a essa pergunta. Aliás, a pergunta, assim formulada, ou uma ex-
acessa.com/gramsci/ plícita concepção sobre o que é o homem, podem não aparecer na
exposição da teoria, nem no discurso do educador. Pode ser até
que numa determinada teoria educacional considere essa pergunta irre-
levante. Mas, seja como for, não é possível realizar um ato educativo se-
quer que não contenha formas de responder a essa pergunta, ainda que
tais respostas sejam parciais, desarticuladas e até conflitantes entre si.”
(Beth Oliveira, “As relações entre conhecimento e valoração no trabalho
educativo”. Perspectiva nº 19 p.34. Esse texto faz parte das reflexões
que estão fundamentando uma pesquisa intitulada Relações entre Ética,
Teoria da Vida Cotidiana e Teoria da Alienação no Trabalho Educativo.)

Portanto, no propósito de refletir filosoficamente a Educação, vamos


Ontogênese – diz respeito buscar o ser do homem para, a partir daí, compreendermos como ele cons-
ao fato de sermos criado- trói a si mesmo e a sociabilidade na qual vive concretamente, assim, pode-
res de nós mesmos. É o
processo de autocriação remos encontrar o sentido da Educação, a justificativa de sua gênese e sua
do homem enquanto ser função nesse tornar-se homem, que Gramsci enfatizou.
social. O homem não nas-
ce homem pleno, ele se Propomos como tarefa inicial, que você, a partir de seus conhecimen-
faz homem através de sua tos, responda as questões a seguir, isso vai lhe permitir fazer uma auto-
ação no mundo. avaliação ao final do estudo desta Unidade.
Senso comum é o pen- Definir o que é o homem, num primeiro momento pode parecer banal,
samento comum, a forma mas sai determinar o que é, essencialmente, o ser humano... explicar o
ideológica do agir humano
cotidiano. É a projeção na
significado de tornar-se homem... exige um pensar mais rigoroso que nos
consciência do sujeito de remete a uma busca para além do “eu acho”, da constatação imediata, do
determinadas condições pré-conceito, portanto, vai demandar uma reflexão filosófica, mais especifi-
históricas petrificadas. camente... ontológica.

66 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1.1. Uma busca ontológica pelo ser do homem.

Uma reflexão que não se conforme a uma mera opinião exige sair da
zona de conforto da banalização do real, do senso comum, indo além das
determinações mais imediatas, fenomênicas; exige explicitar o que é essen-
cial num esforço de busca pelo fundamento que melhor expresse a realidade
mesma do ser humano. Lembremos a advertência da Professora Cristiane
Marinho, na primeira Unidade deste livro, acerca da reflexão filosófica:

“O filósofo pensa a realidade não sobre o prisma do olhar ordinário,


cotidiano, mas com um olhar inusitado, nunca antes usado. Um olhar
que vê diferente o sempre visto um pensar que pensa de forma inco-
mum o sempre pensado. Esse pseudo afastamento do real é para melhor
apreendê-lo e poder sugerir novas formas de abordagem desse mesmo Pseudoconcreticidade,
categoria explicitada por
real, tanto teóricas quanto práticas. Não é um relacionamento empírico
Kosik, na Dialética do Con-
com o real, mas um relacionamento categorial, que pode, de preferência, creto, para designar o com-
reordenar as ações humanas na cotidianidade concreta.” plexo dos fenômenos que
povoam a cotidianidade e
que com sua regularidade,
Como é próprio da filosofia, teremos que desbanalizar a realidade de imediatismo e evidência
forma a nos libertarmos do pensamento ordinário, do senso comum. Nosso penetram na consciência
viver cotidiano nos aprisiona numa existência vinculada à imediaticidade do individuo, assumindo
um aspecto independente
que limita nossa representação da realidade e de nós mesmos. Na maioria e natural, obscurecendo a
das vezes, projetamos, na consciência, uma visão imediata da realidade, realidade mesma.
fragmentos do real, meras aparências. Sair dessa imediaticidade buscando
as mediações que revelem o essencial exige, obviamente, o esforço de cons-
trução teórica.
Portanto, para alcançarmos a resposta a nossa questão – O que é o
homem? - será preciso enfrentar as armadilhas da representação fenomê-
nica de homem, que não revela mais que determinações aparentes. Será
necessário romper com a idéia de identidade entre pensamento e realidade,
ter a clareza da distinção entre representação e realidade; entre aparência
e essência. A negação dessa identidade é condição de, pelo pensamento,
alcançarmos a “coisa em si”. Como afirma Kosik (1985; 15) “o pensamento
que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade deve ser
Marx
ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência Economista, cientista so-
se revela o mundo real”. cial e revolucionário so-
cialista alemão, nasceu
Neste ponto, abriremos um parêntese para um rápido esclarecimento, em 05 de maio de 1818,
lembrando as considerações sobre a dialética feitas no segundo capítulo cursou Filosofia, Direito
pela Professora Hercília Coelho. Metodologicamente, a dialética permite a e História nas Universi-
dades de Bonn e Berlim,
expressão do pensamento critico que objetiva compreender a ‘coisa em si’ participou ativamente de
em oposição à sistematização doutrinária ou à sacralização das representa- organizações de traba-
ções comuns. A ontologia desenvolvida por Marx revela esse esforço dialéti- lhadores. Fez uma leitura
co ao tratar o ser do homem em sua totalidade - como um processo histórico critica das idéias mais im-
portantes da sua época:
- e as categorias como formas de ser - determinações da existência. Para o a dialética hegeliana, a
autor dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, a consciência jamais pode ser economia política inglesa,
outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de o socialismo utópico fran-
cês e o materialismo de
vida real. Feuerbach. Deixou uma
Chamamos sua atenção para essa questão metodológica a fim de jus- significativa contribuição
teórica para a luta pela
tificarmos a escolha desse aporte teórico para a reflexão proposta. O cará- emancipação humana.
ter materialista histórico-dialético da ontologia marxiana influenciou e tem Leia mais sobre Marx no
influenciado muitos intelectuais até nossos dias. Dentre eles, está Lukács site: http://www.verme-
lho.org.br/img/obras/
que, após Marx, foi quem mais se dedicou à explicitação dos fundamentos karl.asp

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 67
ontológicos do ser humano. Por isso, dado o caráter de contemporaneidade
e a validade de seus argumentos servirá de referência teórica nessa nossa
busca pelo ser mesmo do homem.
Retomamos a reflexão com um exercício prático. Observe em torno de
você... Percebe a existência de diferentes formas de ser? Não é uma tarefa
difícil constatar que o mundo está povoado por inúmeros seres; uns inani-
mados, que existem, embora não sejam dotados de vida e nem se reprodu-
Lukács zam, estes seres constituem o mundo inorgânico; e outros animados, dota-
Intelectual húngaro, mar- dos de vida com capacidade reprodutiva, dentre os quais o próprio homem
xista, foi um pensador se situa, estes seres compõem a esfera orgânica do mundo.
original e fecundo, um
dos mais importantes do Sem dúvida, podemos relacionar imediatamente o homem aos seres
século XX. Nasceu em Bu- dotados de vida, mas isso é suficiente para encerrá-lo na categoria dos seres
dapeste em abril de 1885
e morreu na mesma cida-
orgânicos, natural? Num primeiro momento seria possível responder: sim.
de em junho de 1971. Sua Nossa resposta indicaria a constatação de que todo ser vivo está obrigado a
vida foi marcada por um se relacionar com a natureza. Animais e plantas têm de estabelecer relações
fértil espírito crítico que
se refletiu em sua obra e
com o meio circundante para garantir sua vida. O animal desenvolve uma
em sua militância comu- atividade específica sobre o meio para comer, beber, proteger-se; a planta
nista. Historia e Consciên- absorve os nutrientes do solo, da água e da luz. É esta atividade que rela-
cia de Classe (1923) é sua
ciona animais e plantas com seu meio que garante sua existência como ser
obra mais controvertida,
a Ontologia do Ser Social vivo. Com o homem, isso não é diferente. Para garantir sua existência, ele
(ainda não traduzida para age sobre a natureza retirando dela seus víveres. Assim, o reino animal e o
o português) é considera- reino vegetal mantêm com o homem características comuns: a) constituem
da sua última contribui-
ção ao marxismo. o mundo orgânico, isto é, são compostos de seres vivos; b) têm capacidade
de reproduzir-se, ao contrário do reino mineral; c) desenvolvem uma ativi-
dade específica sobre o meio circundante para garantir sua existência como
ser vivo.
Se bem refletirmos sobre as especificidades do ser do homem em rela-
ção às determinações dos seres orgânicos a resposta será: não. Mesmo fa-
zendo parte do conjunto dos seres vivos, o homem é essencialmente diverso
dos demais seres orgânico, naturais, embora guarde algumas característi-
cas em comum com esses seres. Portanto, podemos afirmar a existência de
seres inorgânicos, seres orgânicos e, por fim, o homem. Essa diversidade re-
flete a complexidade dos seres, haja vista que a existência dessas diferentes
expressões ontológicas está na base de todo processo evolutivo. Uma evolu-
ção marcada por saltos ontológicos que inauguram, na essencialidade de
Saltos ontológicos refe- cada ser, um diferencial ontológico.
rem-se ao momento preci-
so da passagem qualitati-
“A ciência já está descobrindo as formas preparatórias de passagem de
va dentro do processo de
evolução do ser. Marcam um tipo de ser a outro; e também já foram esclarecidas as mais im-
a gênese de um novo ser. portantes categorias fundamentais das formas de ser mais complexas,
enquanto contrapostas àquelas mais simples: a reprodução da vida em
contraposição ao simples tornar-se coisa; a adaptação ativa, com a mo-
dificação consciente do ambiente, em contraposição à adaptação mera-
mente passiva etc. Ademais, tornou-se claro que, entre uma forma mais
simples de ser (por mais numerosas que sejam as categorias de transição
que essa forma produz) e o nascimento real de uma forma mais complexa
é algo qualitativamente novo, cuja gênese não pode jamais ser simples-
mente “deduzida” da forma mais simples.” (LUCKÁCS, 1978; 4)

O processo de evolução nos permite, pois, compreender a complexida-


de do ser ao revelar o caráter objetivo de toda e cada existência, explicitando
o que cada ser é, embora sendo sempre parte constitutiva de um complexo
que o vincula a tudo mais numa totalidade. Tomemos o ser orgânico para

68 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
exemplificar essa complexidade. O fato de ser orgânico não exclui dele qual-
quer elemento inorgânico, pois, ao mesmo tempo em que é essencialmente
orgânico, coexistem nele elementos inorgânicos. No homem, essa complexi-
dade se amplia, pois, não obstante os elementos inorgânicos e orgânicos, ele
se configura numa outra forma de ser, como ser social.
Convém ressaltar que a coexistência de elementos diversos num só ser
não revela, no aspecto quantitativo, o fator de determinação linear do salto
ontológico. Retomando Lukács (1978; 5), “o nascimento real de uma forma
mais complexa é algo qualitativamente novo”, portanto, a mudança é de or-
dem qualitativa. É um novo ser que surge, “cuja gênese não pode jamais ser
simplesmente ‘deduzida’ da forma mais simples.” Desta forma, os seres vi-
vos não são mera derivação dos elementos químicos (esfera inorgânica) que
deles participam; a esfera da vida não pode ser explicada pela mera junção
quantitativa de elementos do mundo inorgânico. Da mesma forma, o ser
social – ou a forma de vida humana – não deriva nem pode ser determinado
por elementos de ordem biológica. A esfera orgânica tem como base a inor-
gânica, pois sem esta não poderia existir a vida. Porém, sua constituição e
forma de ser não deriva diretamente do mundo inorgânico; a esfera orgâni-
ca é essencialmente diferente da inorgânica. Por seu turno, o homem ou a
esfera social não pode ser derivado dos atributos biofisiológicos; o mundo
humano não deriva da esfera biológica, embora não possa existir sem ela.
O ser social é essencialmente diferente do ser meramente orgânico. Que
caracteriza, então, o ser social ou o ser do homem?

1.2. O homem, um ser social


A categoria ser social expressa a essencialidade humana. O homem é
ao mesmo tempo, um ser pertencente ao mundo natural e um ser superior:
um ser social. Como ser vivo, ele está submetido às leis naturais como as
plantas e os animais. Porém, tendo por base as esferas inorgânica e orgâni-
ca, o homem constrói um mundo que já não se move por leis naturais. Por
meio de sua atividade, o homem inaugura um novo patamar de complexida-
de no processo evolutivo: o social.
No plano ontológico do processo evolutivo, cada novo ser torna-se mais
e mais singular e original, mesmo que não possa jamais eliminar seu enrai-
zamento nas bases ontológicas originárias. Depois do salto ontológico “tem
sempre lugar o aperfeiçoamento da nova forma de ser, ou seja, embora surja
sempre algo qualitativamente novo, em muitos casos, tem-se a impressão
de uma simples variação dos modos reativos do ser fundante em novas ca-
tegorias de efetividade, naquelas categorias que constituem, precisamente,
o novo do ser na nova formação”. (LUKÁCS, 1978; 3-4)
A rápida análise que fizemos no tópico anterior acerca da complexida-
de do ser em geral, que vai exigir de você mais estudos, nos permitiu chegar
à categoria que melhor exprime o ser mesmo do homem – ser social. Nosso
objetivo é superar uma concepção mais imediata que tenda a identificar,
de forma limitante, homem e natureza. É exemplar a definição do homem
como animal dotado de razão, focalizando o aspecto natural, orgânico. Nas
palavras de Chatelet:

“Que o homem seja pensamento, que procure ser, enquanto pensamento,


satisfeito, isso é muito claro. Mas, será apenas isso? Não mostra a exis-
tência histórica, que o contentamento que é capaz de alcançar, enquanto
pretende ser apenas pensamento, não poderia ser duradouro e univer-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 69
salizável? Compreendendo o homem como um ser capaz de falar racio-
nalmente e que se esforça em fazê-lo, o filósofo diz, sem dúvida, o que
distingue o ser humano do ser animal: mas essa definição diferencial
não revela tudo o que é o homem: pela preocupação em bem delimitar
a diferença específica – a forma –, silencia sobre o gênero – a matéria”.
(CHATELET, 1962; 170)

Portanto, a categoria ser social pretende expressar as múltiplas deter-


minações do ser humano na complexidade do plano ontológico do processo
evolutivo. Mas o que realmente queremos afirmar ao definirmos o homem
como ser social? Qual o diferencial ontológico que permitiu o salto entre o
ser orgânico e o ser social? A chave da resposta está na compreensão do
sentido de tornar-se homem.
Retomemos. O homem, que é natureza, não se confunde e nem se
identifica exclusivamente com ela, pois é essencialmente diferente dos de-
mais seres que, como ele, possuem um corpo orgânico. Em consequência
dessa não-identidade com a natureza, o homem, que é um ser de necessi-
dades, não tem resolvido, naturalmente, essas necessidades, devendo, ele
mesmo, produzir sua existência. Marx afirma nos Manuscritos:

“O animal se confunde imediatamente com sua atividade vital. Ele não


se distingue dela. Ele é esta atividade. O homem faz de sua atividade vi-
tal o objeto de sua vontade e de sua consciência. Ele tem uma atividade
vital consciente; ela não é uma determinação com a qual ele se confunda
imediatamente. A atividade vital consciente distingue diretamente o ho-
mem da atividade vital do animal”. (MARX, 1996; 115)

A novidade é que, diferentemente de todos os outros seres, orgânicos


e inorgânicos, o homem para existir deve produzir sua existência. Essa exi-
gência, própria à condição humana, é o diferencial fundante de ser social,
que põe em destaque a capacidade produtiva, criadora do ser humano: o
trabalho. É através dessa ação efetiva sobre a natureza, uma ação ativa e
criativa, que o homem transformando a natureza produz sua existência;
transformando a natureza, cria socialmente seu próprio mundo, o mundo
dos homens, um conjunto de objetos materiais, os saberes, conhecimentos,
valores, que jamais poderia ter sido criado pela natureza.
O que tem de especial no
trabalho para fundar o ser Como demonstra Lukács, essa capacidade de produzir do homem –
do homem? trabalho - não se limita a uma atividade imediata de produção, pois prin-
cipia um desenvolvimento posterior de um ser de novo tipo. É por permitir
o desenvolvimento de um novo ser - social, que o trabalho constitui, essen-
cialmente, o ser do homem. É fundamento do ser social, cujo “(...) momento
essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos,
mas pelo papel da consciência, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero
fenômeno da reprodução biológica (...).” (LUKÁCS, 1978; 5).
Vamos entender melhor tudo isso, fazendo uma breve reflexão sobre o
papel do trabalho na fundação do ser social.

1.3. Trabalho: fundamento do ser social.


A atividade do homem - o trabalho - é, nas palavras de Lukács, a
base dinâmico-estruturante do ser social. Isso significa que, além de ser
algo essencialmente humano que se distingue da atividade desenvolvida
por outros seres, pelo papel que a consciência ocupa no interior do ato do

70 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
trabalho; o trabalho desencadeia um processo de desenvolvimento que está
na base do surgimento do ser social.
“Com certeza, o animal também produz. Ele constrói um ninho, habi-
tações, como a abelha, o castor, a formiga, etc. Mas ele produz apenas o que
é imediatamente necessário para si e sua cria; ele produz de uma maneira
unilateral.” (MARX, 1996; 116). O trabalho do homem é essencialmente di-
ferente deste tipo de “trabalho” dos animais. Por meio de sua atividade, os
animais realizam sua adaptação ao meio. O homem não apenas se adapta
aos imperativos do meio natural, mas o transforma. O trabalho do homem
é criativo, é transformador, enfrenta as leis naturais colocando-as ao seu Teleológica - vem de télos
serviço. Ao invés de adaptar o homem às leis naturais, o trabalho realiza a o ponto onde se quer che-
adaptação da natureza aos desígnios ou à vontade humana. gar. Capacidade teleológi-
ca é a capacidade própria
Lukács (1978) afirma que a essência do trabalho consiste precisamen- do ser social que pode
te em ir além da fixação dos seres vivos na competição biológica, enfatizan- criar intelectualmente a
priori (antes) algo que só
do que o momento essencialmente distinto do trabalho humano não reside vai ser objetivado a poste-
no fato do fazer, mas na participação ativa da consciência nesse processo riori (depois).
produtivo. Em razão disso, para o surgimento dessa atividade criativa que “As filosofias anteriores,
não reconhecendo a po-
funda o ser do homem, ser social, foi necessário um determinado grau de de- sição teleológica como
senvolvimento do processo de reprodução orgânica fazendo surgir, em meio particularidade do ser
a diferentes complexos, a consciência no ser. A capacidade que o homem social, eram obrigadas a
inventar, por um lado, um
tem de criar pelo trabalho, no plano ontológico, engloba uma determinação
sujeito transcendente, e,
essencial da realidade humana, que se revela na dimensão um vinculo in- por outro, uma natureza
dissociável e contraditório, dialético, entre a necessidade e a liberdade. especial onde as correla-
ções atuavam de modo te-
O caráter consciente da atividade produtiva do homem pressupõe à leológico, com a finalidade
capacidade que ele possui de antecipar em sua mente, idealmente, o resul- de atribuir à natureza e
tado da ação que objetiva executar. O homem é, portanto, o único ser da à sociedade tedencias de
movimento tipo teleológi-
natureza capaz de agir de forma teleológica. A conhecida passagem de Marx co.” (LUKÁCS, 1978; 6).
n’ O Capital, transcrita a seguir, explicita o elemento teleológico dentro do
ato de trabalho:

“Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que dis-
tingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do
trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na cabeça
do trabalhador”. (MARX, 1998; 211)

O exemplo utilizado por Marx, comparando os trabalhos da abelha e


do arquiteto, mostra que a diferença entre a atividade de um ser orgânico,
animal, e a atividade do homem está na capacidade teleológica, presente
exclusivamente no ato de trabalho humano. O produto do ato de trabalho é
um resultado que no inicio do processo existia já na representação do tra-
balhador, isso é, de modo ideal. Lukács vai chamar esse momento do ato de
trabalho de prévia ideação.
Essa previa ideação realiza a capacidade de pôr finalidade e faz do
homem, embora um ser de necessidade, um ser de liberdade, pois essa ca-
pacidade está ligada, sempre, a escolha entre alternativa que põe em fun-
cionamento séries causal. “Ao contrário da causalidade, que representa a lei
espontânea na qual todos os movimentos de todas as formas de ser encon-
tram sua expressão geral, a teleologia é um modo de pôr - posição sempre
realizada por uma consciência – que, embora as guiando em determinada
direção, pode movimentar apenas séries causais.” (LUKÁCS, 1978; 6).

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 71
No ato de trabalho, a consciência deixa de ser mero epifenômeno da
reprodução biológica, pois a relação entre necessidade e liberdade permite
produzir em meio às alternativas postas. Citando diretamente Marx, Lukács
argumenta que são três os momentos decisivos do trabalho: objetivação,
exteriorização e alienação (iremos tratar desse momento posteriormente).
Pelo processo de objetivação, o homem ao mesmo tempo funda e enriquece
a própria atividade e a si mesmo num processo de exteriorização, de modo
que não apenas a resposta, mas, também, a pergunta, são produtos da
consciência que vai balizar toda atividade; obviamente, isso não anula o
fato de que o ato de responder é o elemento ontologicamente primário nesse
Epifenômeno – refere-se
a um fenômeno causado complexo dinâmico.
por outro fenômeno mais
importante. “Em síntese, tão-somente o carecimento material, enquanto motor do pro-
cesso de reprodução individual ou social, põe efetivamente em movimento
Objetivação – o complexo
dos atos que transforma a o complexo do trabalho; e todas as mediações, existem ontologicamente
prévia ideação, a finalida- apenas em função de sua satisfação. O que não desmente o fato de que
de previamente construí- tal satisfação só possa ter lugar com a ajuda de uma cadeia de mediações
da na consciência, em um
produto objetivo. Pela ob- as quais transformam ininterruptamente tanto a natureza que circunda
jetivação o que era antes a sociedade, quanto os homens que nela atuam, suas relações recíprocas
apenas uma idéia se torna etc.; e isso porque elas tornam praticamente eficientes forças, relações,
um novo objeto anterior-
mente inexistente. qualidades, etc. da natureza que, de outro modo, não poderiam exercer
essa ação, ao mesmo tempo em que o homem liberando e dominando es-
Toda objetivação resulta
sas forças põe em seu ser um processo de desenvolvimento das próprias
também em novos conhe-
cimentos e novas habili- capacidades no sentido de níveis mais altos”. (LUCKÁCS, 1978; 5).
dades - sendo em breve
novas possibilidades e Vamos compreender melhor... É por meio da atividade criadora, o traba-
por isso ao transformar
a natureza o individuo lho, que o homem se afirmou no mundo como sujeito e imprimiu na natureza
também se transforma, a sua marca. Humanizou a natureza. Foi também através do trabalho que o
ou seja, a produção do homem produziu a sua própria humanização num processo de ontogênese,
objeto não é apenas pro-
cesso de objetivação, não
num continuo tornar-se. Sobre a sua universalidade natural, o homem pro-
é apenas transformação duziu, pelo trabalho, a sua particularidade, tornou-se humano. Transformou
da realidade, mas é tam- a sua natureza dada em natureza humanizada, distanciou-se de sua anima-
bém a exteriorização do
sujeito. O complexo ob-
lidade, desenvolvendo uma série de novas faculdades e habilidades.
jetivação-exteriorização é O homem torna-se ao criar, precisamente na medida em que ocorre, pa-
o solo genético, base, do
ralelamente, o desenvolvimento social e em proporção crescente ele generali-
ser social enquanto esfera
ontológica distinta da na- za, elabora conhecimentos, transformando em novas suas próprias necessi-
tureza. (LUCKÁCS in LES- dades e as possibilidades de satisfazê-las. A necessidade fornece o motivo da
SA, 1996) produção. Fica claro o que havíamos afirmado anteriormente, que o homem
pelo trabalho realiza não apenas sua dimensão – natural - de ser de necessi-
dade, mas também e simultaneamente sua dimensão – social - de liberdade.
Tudo isso ocorreu frente às necessidades postas por sua base ontológica
originária – de ser orgânico - como comer, beber, respirar, etc., que o homem
deve irremediavelmente sanar, mas não o faz de forma natural, mas de forma
humana por ele produzida conscientemente. Observe um animal e um ser
humano alimentando-se, a necessidade biológica é a mesma – comer, mas a
resposta dada a essa necessidade é diferente, não é natural é social. O ho-
mem precisa comer, todavia ao comer ele vai criar novas necessidades.

“O animal produz de uma maneira unilateral, enquanto o homem pro-


duz de um modo universal; ele produz apenas sob o império da necessi-
dade física imediata, enquanto o homem produz mesmo quando livre de
toda necessidade física e só produz verdadeiramente quando está verda-
deiramente livre.” (MARX, 1996; 116)

72 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Finalmente, é importante frisar que o homem ao realizar sua condição
de liberdade o faz sempre em meio às alternativas postas pelas condições
objetivas, históricas, demarcadas pelo tempo e espaço, que Lukács chama
de causalidade. “Decisivo aqui é compreender que se está em face de uma
duplicidade: numa sociedade tornada realmente social, a maior parte das
atividades cujo conjunto põe a totalidade em movimento e certamente de
origem teleológica, mas a sua existência real – e não importa se permane-
ceu isolada ou foi inserida num contexto – é feita de conexões causais que
jamais em nenhum sentido podem ser de caráter teleológico”. (LUCKÁCS,
1978; 7).
O fato de a consciência assumir um papel decisivo no momento da
delimitação material entre o ser da natureza orgânica e o ser social está no
reconhecimento da capacidade humana de pensar o real, o concreto, e com
base no conhecimento daí produzido, se coloca objetivamente a possibili-
dade de ação, de intervenção, de transformação da realidade num processo
que eleva o homem do particular – indivíduo - ao geral – humanidade. É
assim que o homem faz a História.
Na concepção de Marx, o trabalho é o primeiro ato histórico, pois com
ele o homem rompeu com o círculo natural da necessidade e ao produzir a
resposta a essa necessidade criou as novas necessidades que fornecem no-
vas motivações. Ao satisfazer a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la
e tudo que é criado a partir daí levam a novas necessidades num proces-
so contínuo de afastamento das barreiras naturais. Assim, para o homem
mesmo as necessidades vitais se apresentam como necessidades mediadas,
historicamente, por necessidades humanamente cultivadas, portanto o ato
de trabalho
A história é o processo complexo no qual o homem, ao mesmo tempo
em que transforma a natureza e cria o mundo dos homens, transforma a
sua própria natureza, se humaniza. É essa dialética entre homem e natu-
reza, subjetividade e objetividade, que Marx ressalta nos Manuscritos ao
afirmar que a história apresenta-se como a “verdadeira história natural do
homem”, demonstrando que apesar da diferença qualitativa entre o natural
e o social, não existe uma antinomia insuperável entre natureza e história,
mas uma relação dialética.
Nesse processo do fazer histórico, o homem produz, também, a religião,
a arte, a ciência, o estado, a ética, direito, a Educação, etc. A história expres-
sa, portanto, o momento do nascimento do homem que, dialeticamente, tor-
na-se, determinado por sua historicidade. Com a explicitação do fazer histó-
rico, um processo análogo ao tornar-se do homem, concluímos esse primeiro
tópico da Unidade, na expectativa que você tenha encontrado respostas para
as perguntas balizadoras da nossa reflexão: o que é o homem? O que define
essencialmente o ser do homem? O que significa tornar-se?

O trabalho constitui condição ontologicamente essencial da existên-


cia humana. É impensável a existência humana sem a atividade produti-
va. Pelo trabalho, respondendo às demandas postas pelas necessidades do
existir, o homem transforma a natureza produzindo algo essencialmente
novo: o mundo dos homens. Esse mundo que já está presente em sua cons-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 73
ciência, como projeto, vai orientar o processo de criação que se objetivara
em algo cuja existência será independente de seu criador. Junto ao proces-
so de objetivação da prévia ideação ocorre também e simultaneamente o
processo de exteriorização, o desenvolvimento do próprio indivíduo que se
supera mediante o conhecimento e as habilidades que o ato criativo permite
e que tende a generalização. Nesse complexo de objetivação-exteriorização
o homem, elevando-se de individuo à humanidade, coletivamente, faz a his-
tória; elevando o conhecimento particular ao conhecimento universal, faz
a ciência; transformando pelo trabalho a natureza em mundo dos homens,
faz-se o ser social.

1. Para Gramsci “o homem é um processo, precisamente o processo de seus


atos”.
Escreva um pequeno texto explicitando o significado dessa afirmação
de Gramsci relacionando-a com o que você estudou nessa primeira
parte do texto.
2. Vamos voltar à duas questões iniciais para que você faça uma auto-
avaliação em relação a sua aprendizagem:
• O que define essencialmente o ser do homem?
• O que significa tornar-se?
3. Sendo o Trabalho o fundamento do ser social, demonstre como se pro-
cessa o momento da objetivação e da exteriorização e quais as consequ-
ências daí advindas.

74 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
Homem, trabalho e sociabilidade

Aprendemos no tópico anterior que o homem, um ser essencialmente


social, só produz em sociedade, coletivamente. Mesmo no ato isolado de tra-
balho de um individuo, revela-se a síntese do que a humanidade já produ-
ziu. O fato de o trabalho expressar sempre uma dimensão coletiva explicita
a essência social do ser humano. Assim compreendida, a sociabilidade não
aparece como um predicado acrescentado ao homem de fora da sua realida-
de humana, ao contrário constitui uma dimensão essencial.
Neste segundo tópico, vamos refletir sobre como o homem constrói sua
sociabilidade através do trabalho; transformando a natureza para assegu-
rar sua existência, o ser social estabelece relações sociais e cria um tipo de
sociabilidade que engloba as várias dimensões humano-sociais. Vivemos
no contexto da sociedade capitalista, que tem como base o trabalho assala-
riado, é uma sociedade produtora de mercadorias, uma sociedade de mer-
cado. Vamos, nos limites do texto, problematizar o fato de vivermos numa
sociedade capitalista e desbanalizar as relações sociais que nos parecem,
naturalmente, imutáveis, desde sempre assim.
Não somos seres sociais pelo simples fato de vivermos em grupo. Mui-
tos animais vivem em grupos, e nem por isso são seres sociais. Vamos
lembrar: somos sociais porque, com os outros homens e em relação com a
natureza, produzimos a sociedade. Toda e qualquer forma de sociabilidade
humana surgida no decurso da história da humanidade é o resultado da
atividade do homem. Por isso, independentemente da forma histórica que o Sociedade capitalista,
homem herda e na qual realiza a sua ação, seja sob um regime de colabora- sociedade produtora de
mercadorias, sociedade
ção ou de exploração, os homens sempre se apropriam da natureza dentro de mercado: qual o senti-
de uma determinada forma de sociedade, historicamente construída. do dessas expressões?
A condição histórica de vivermos atualmente numa sociedade alicer-
çada sobre o trabalho assalariado pode favorecer, dado o caráter imediato
do momento vivido, o equívoco de pensarmos esse modelo de sociedade, que
é particular, como algo universal de alcance geral para toda a história do
homem. A forma atual de organização social que herdamos e na qual vive-
mos desde o sempre de nossa existência não é a única forma de sociedade
historicamente produzida pelos homens. Bastará uma rápida rememoração
das aulas de História para evidenciarmos o caráter histórico de nossa so-
ciedade.
O capitalismo, ou seja, a sociedade capitalista é somente mais uma
forma de sociabilidade que os homens criaram no processo de produção de
sua existência. Além do comunismo primitivo, a forma produtiva que per-
durou por mais tempo na história da humanidade, tivemos sociedades fun-
dadas no trabalho escravo, no trabalho servil antes de chegarmos à atual
forma de sociabilidade, fundada sobre o trabalho assalariado. Portanto, o
conhecimento histórico, que advém da realidade mesma, diferentemente da
mistificação, nos permite romper com o preconceito da naturalização das
relações sociais que nos leva à falsa idéia de um mundo imutável. O conhe-
cimento, históricamente construído, também nos permite constatar que é o

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 75
trabalho que aparece na base de cada modo de produção, sendo, portanto,
o fator de determinação das relações sociais. Compreender a realidade nos
faz saber que o mundo não foi sempre assim e, por via de consequência, não
será eternamente assim.
Mas, é óbvio que o fato de estarmos no mundo não assegura por si
só o conhecimento da realidade. Você já viveu, em algum momento, a ex-
periência de olhar, ouvir, tocar, e não ver, escutar e sentir realmente? Pois
é... Sabemos que a experiência sensorial, embora necessária, não é sufi-
ciente para conhecermos, isso porque o conhecimento é um processo de
Sabemos realmente o construção que, mesmo incorporando a experiência sensorial, imediata, vai
que significa viver numa além dela. Isso significa que o conhecimento tem sempre no concreto, na
sociedade capitalista ou realidade, seu ponto de partida, mas não se reduz a um mero “reflexo”,
só vemos a aparência?
Por que temos a impres-
uma fotografia do real; significa, ainda, que a realidade não se apresenta,
são ilusória de que o necessariamente, tal qual ela é, ou seja, não se revela totalmente aos nos-
mundo foi e será, sempre, sos sentidos, pois se assim o fosse bastaria ver, ouvir, enfim, sentir para
assim? conhecer. É de Marx a advertência: se aparência e essência coincidissem
desnecessária seria a Ciência.

2.1. Vamos refletir


Vivemos numa sociedade que parece ter ultrapassado as projeções da
ficção científica, a revolução informática nos permitiu ocupar o cyberespaço,
pelo qual a sociedade redefiniu noções de espaço e de tempo, de real e de vir-
tual. Isso coaduna com o modelo de acumulação flexível e a produção enxuta;
com a flexibilização do trabalho e com o caráter volátil das transações finan-
ceiras, que consolidou um mercado mundializado e sem fronteiras. Um “admi-
rável mundo novo”, tecnologicamente traduzido pela sociedade da informação,
Cyberespaço - termo in- do consumo e da democracia. Um mundo de possibilidades inimagináveis.
ventado pelo escritor de
ficção científica William Por outro lado, e concomitantemente, essas amplas possibilidades, aber-
Gibson para se referir ao tas por um avanço tecnológico impar, se perdem nas mãos dos trabalhadores
espaço não físico, com- que produzem apenas o que as demandas do mercado, das trocas, determi-
posto por um conjunto de
redes de computadores nam, ampliando a desumanização e a barbárie. Nem mesmo o bem estrutura-
através das quais todas do discurso neoliberal foi capaz de esconder a miséria retratada nas carências
as informações circulam. mais vitais que se globalizam com a mundialização do capital.
Atualmente esse termo é
utilizado, também, para Riqueza e miséria convivem, naturalmente, como partes constitutivas
definir o lugar num am- de uma mesma realidade. Há dez anos, em 1998, a Organização das Nações
biente virtual (realidade
Unidas (ONU) em seu Relatório de Desenvolvimento Humano, intitulado
virtual).
Consumo para o Desenvolvimento Humano, confirmou a tendência mencio-
O Relatório de Desen- nada por Mészáros. Uma alarmante desigualdade, que exclui um contin-
volvimento Humano é gente significativo da população mundial do círculo do consumo, ficou ex-
um estudo produzido pela
ONU – Organização das pressa nos seguintes dados: os 20% mais ricos da população mundial são
Nações Unidas. O último responsáveis por 86% do total de gastos em consumo privado, os 20% mais
(2008-2009) chama aten- pobres respondem apenas por 1,3%. Bem mais de um bilhão de pessoas
ção para a urgência do
enfrentamento dos pro- estão privadas de satisfazer suas necessidades básicas de consumo. De 4,4
blemas ambientais produ- bilhões de pessoas nos países em desenvolvimento, aproximadamente três
zidos pelo homem. quintos carecem de saneamento básico. Quase um terço não tem acesso à
Você pode ler esse do-
cumento em: http://
água potável. Um quarto não tem moradia adequada. Um quinto não tem
media.folha.uol.com. acesso a serviços modernos de saúde. Mundialmente, dois bilhões de pesso-
br/brasil/2007/11/26/ as estão anêmicas, incluindo 55 milhões em países industrializados1.
HDR-sintese.pdf
Em uma década, essa tendência à restrição artificial do círculo de
consumo e a exclusão das massas subprivilegiadas se mantiveram, sendo
agravadas pelos efeitos visíveis e, portanto, agora, inegáveis, da destruição

76 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ambiental. Tudo isso resultante da febre produtiva necessária para alimen-
tar a sociedade do descartável e assegurar a reprodução do capital. Até
mesmo a ONU foi obrigada a fazer o seguinte alerta em seu último Relatório:

“Os riscos emergentes e a vulnerabilidade do planeta associados às alte-


rações climáticas são o resultado de processos físicos. Mas são também
consequências de ações e decisões humanas. Este é outro aspecto da
interdependência ecológica que, por vezes, esquecemos. Quando uma
pessoa, numa cidade americana, liga o ar condicionado ou outra pes-
1
soa na Europa conduz o seu carro, as suas ações têm consequências. ONU. Relatório de De-
senvolvimento Humano
Essas consequências ligam-nas às comunidades rurais no Bangladesh, -1998. Disponível em:
aos lavradores na Etiópia e aos habitantes de bairros degradados no http://hdr.undp.org/en/
Haiti. Com estas conexões humanas vem uma responsabilidade moral, media/hdr03_por_front-
matter.pdf
incluindo a responsabilidade de refletir sobre – e mudar – as políticas 2
ONU. Relatório de De-
energéticas que prejudicam outros povos ou as gerações futuras.” 2 senvolvimento Humano
2007- 2008. Disponí-
vel em: http://media.
No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas para a Agricul- folha.uol.com.br/bra-
tura e a Alimentação (FAO), em seu Relatório intitulado Insegurança Ali- sil/2007/11/26/HDR-
mentícia no Mundo3 , com dados de 2007, comprovou a existência de uma sintese.pd
3
The State of Food In-
população de mais de 923 milhões de em situação de insegurança alimen- security in the World
tar, leia-se fome. O estudo explica que essa situação alarmante piorou em 2008- Sofi - Disponí-
2008, com 40 milhões de famintos a mais. Tal realidade compromete a meta vel em http://www.fao.
org/docrep/011/i0291f/
do milênio, fixada pelas Nações Unidas para reduzir a desnutrição e a po-
i0291f00.htm
breza extrema à metade para 2015.
A maior parte das pessoas que passa fome no mundo, contraditoria- Crise do capital.
Para muitos autores a
mente, vive em países ditos em desenvolvimento. Quase 65% da maioria
crise atual do capital di-
absoluta se concentram em sete países: Índia, China, a República Democrá- ferentemente das crises
tica do Congo, Bangladesh, Indonésia, Paquistão e Etiópia. Ainda de acordo anteriores não apresen-
com os dados de 2007, na África Subsaariana uma em cada três pessoas ta mais o caráter cíclico,
pois se apresenta de for-
- 236 milhões - tem desnutrição crônica, e, na Ásia, o continente mais po- ma contínua, o que leva a
voado, vive quase dois terços - 583 milhões – de famintos. A América Latina crise para o âmbito da es-
e o Caribe, que conseguiram reduzir a fome no ano passado - 51 milhões - trutura mesma do capital.
“Vivemos na era de uma
estão em risco de reverter esses resultados devido às novas altas dos preços crise histórica sem pre-
dos alimentos que, em parte ocasionada pela expansão dos agrocombustí- cedentes. Sua severidade
veis, já estão incidindo sobre o aumento do número de pessoas em situação pode ser medida pelo fato
de que não estamos frente
de fome na região. a uma crise cíclica do ca-
Esse paradoxo entre a alta capacidade produtiva e a miséria, é a face pitalismo mais ou menos
extensa, como as vividas
mais visível do momento atual: a crise do capital. Uma crise de caráter no passado, mas a uma
estrutural, que o capital tenta resolver reestruturando a produção e au- crise estrutural, profun-
mentando a velocidade do consumo de uma parte da população que tem da, do próprio sistema
poder de compra. É a sociedade do descartável. Mas, a exigência desse do capital. Como tal, esta
crise afeta, pela primeira
consumo rápido, está ligada ao aprofundamento do fosso separatista entre vez em toda a história, o
ricos e pobres, mantendo um contingente inaceitável de pessoas sem acesso conjunto da humanidade,
à promessa burguesa do consumo. exigindo, para esta sobre-
viver, algumas mudanças
Mas, afinal, o que gera tudo isso? Porque não podemos, todos, nos fundamentais na manei-
beneficiarmos do que a humanidade é capaz de produzir? Por que, anta- ra pela qual o metabolis-
mo social é controlado”.
gonizando a natureza ao mundo dos homens, a sociedade capitalista, que (Mészáros, A Crise estru-
assumiu a forma histórica de produtora de mercadoria, esgota o meio am- tural do Capital)
biente sob a lógica desenfreada do consumo, pondo em risco a existência da Aprenda mais sobre o as-
sunto lendo o texto na in-
humanidade? tegra.
Você já observou como tudo isso que estamos discutindo está no seu Disponível no site:
http://www.revistaou-
cotidiano? Sente como atualmente as coisas são consumidas cada vez mais
tubro.com.br/edico-
rapidamente e como a cada momento surge uma nova necessidade numa ve- es/04/out4_02.pdf

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 77
locidade insana? Dia disto... dia daquilo... e a vida se desenvolve em torno das
demandas urgentes de consumo. Comprar e comprar. O consumo é condição
definidora do status social. Somos movidos pela necessidade de um compu-
tador de última geração, que rapidamente se torna obsoleto; pelo celular que
pode tirar fotos gigantes, ter acesso à internet, reproduzir musica e vídeo e,
Sociedade do descartá- ainda, telefonar; etc...etc... Ter é ser.
vel - essa categoria tem
sido utilizada nos últi- Inocentes modismos, impostos cotidianamente pela mídia, exigem
mos anos para expressar uma “atualização” ininterrupta de nosso modo de pensar e viver, sempre
a redução do tempo da vinculado às novas qualidades das mercadorias postas em exposição no
mercadoria no círculo de
consumo, ou seja, devido carrocel das ininterruptas trocas mercantis. Lembra do discurso sobre a
à crise de reprodução do qualidade que invadiu o inconsciente coletivo a partir do fim dos anos oiten-
capital as mercadorias de- ta e noventa? Qualidade como diferencial. Pois é, pela qualidade do produto
vem ser consumidas cada
vez mais rapidamente. As- o individuo passou a se diferenciar da “massa”, ou seja, pelo consumo se
sim as coisas perdem ra- estabelece uma identidde entre o individuo e um determinado “segmento”
pidamente sua utilidade de mercado.
para que possamos con-
sumir outras coisas. A mudança de “paradigmas”- da quantidade pela qualidade – expre-
sou a reestruturação da produção sobre os novos princípios do toyotismo,
que se estendeu a todas as instâncias da sociedade. Aos que podem consu-
mir: o melhor, o exclusivo, o diferenciado. Eis a nova tendência da reprodu-
ção do capital. Mas, como alerta Mészáros, “não é a ampliação da periferia
da circulação que constitui uma tendência inexorável do desenvolvimento
capitalista, mas, ao contrário, é a restrição artificial do círculo consumidor
e a exclusão das massas ‘subprivilegiadas’, não somente no ‘terceiro mun-
do’, mas até nos países capitalistas avançados do ocidente.” (MÉSZÁROS,
1996; 304).
O enorme contingente de seres humanos atualmente descartados, es-
Toyotismo - elaborado
por Ou, engenheiro da
quecidos à margem do consumo, enfrenta o desafio de sobreviver, pois na
Toyota, após a Segunda sociedade capitalista, produtora de mercadorias, a satisfação, até mesmo
Guerra, esse modelo de das necessidades humanas mais vitais, está submetida à necessidade de
produção só se consolidou
na década de 70. A flexibi-
troca.
lização da produção e do Como pressuposto da flexibilidade dos novos tempos - em resposta à
trabalho aparece aliada crise do modelo taylorista-fordista – descartar, inclusive os seres humanos
a automatização, ao Just
in time (produção sem que estão fora do círculo do consumo é um “pequeno detalhe” em relação ao
estoque), ao trabalho em qual não existe nada que possa ser feito. Obviamente, dentro da lógica de
equipe, a administração expansão do capital. É o preço a pagar pelo magnífico progresso civilizatório
por estresse e a subcon-
tratação. do capital, como afirmam os neoliberais.
O princípio da quantidade Todavia, esse preço, que se torna cada vez mais oneroso para a humani-
(fordista) foi substituído
pelo da qualidade (toyotis-
dade, traz, em seus dividendos, a brutalidade dos dias atuais que se confirma
ta) no processo produtivo. a cada momento pela violência crescente: fome, guerra, terrorismo... A insegu-
rança generalizada não pode ser esquecida nem mesmo pelos cultuadores dos
Mészáros - um dos mais
importantes intelectuais
templos de consumo, terra prometida onde tudo parece possível mediante a
marxistas da atualida- disponibilidade do cartão de crédito.
de. Nasceu em 1930, na
Todo planeta está ‘organizado’ como um imenso mercado, um fantás-
Hungria. Formou-se em
Filosofia foi assistente de tico e atrativo shopping center, funcionando inteiramente de acordo com a
Lukács em 1951, e seria legitimidade dos princípios éticos antropocêntricos fundados pelos ideais
seu sucessor na universi- do liberalismo. As teses da natureza humana egoísta, da livre iniciativa
dade de Budapeste, mas
a invasão soviética de e do progresso como ordem natural permitiram a ‘institucionalização’ da
1956 forçou-o a sair do exploração do homem pelo homem e a destruição do planeta em nome do
país. Vive hoje na Ingla- progresso. No contexto da sociedade produtora de mercadorias somos, an-
terra. Seu objetivo, inspi-
rado nas idéias de Marx, tes de tudo, consumidores submetidos às necessidades do Deus-mercado.
é compreender a situação Por algumas décadas do século passado, a mágica relação entre produ-
do Capital hoje. Sua prin-
cipal obra é Para além do
ção e consumo pareceu estar resolvida pelo principio da quantidade cuja re-
capital.

78 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
sultante foi a abstração: sociedade de consumo. Trabalhadores transformados
em consumidores conseguiram significativos ganhos, em termos de qualidade
de vida, através das demandas coletivamente asseguradas pela organização
sindical e pelas políticas do Estado de Bem-Estar Social. O sonho dourado de
um capitalismo humanizado fez crescer as políticas sociais, o que, também,
atenuou o conflito básico entre capital e trabalho. Contudo o que parecia bom,
durou pouco.
As exigências para a reprodução do capital tornaram cada vez mais
difícil “dourar a pílula”. A face humana do capitalismo, apesar da euforia
social-democrata do pós-guerra, viveu seu ocaso marcado pela expansão Liberalismo - conjunto de
princípios elaborados por
mundial da mais profunda crise do capital a partir da década de 70 que se muitos pensadores da
estende até os dias atuais. Assim, iniciamos o Terceiro Milenio abismados Europa nos séculos XVII e
com os resultados da revolução informática no nosso cotidiano, a inteligên- XVIII, que apresenta como
pontos principais: a defe-
cia artificial aliada à realidade virtual nos levou para um mundo de aparên- sa da liberdade (política e
cia ficcional e, ao mesmo tempo, aturdidos com o desemprego em massa ge- econômica) e a proprieda-
rado pela substituição do trabalho vivo (trabalhadores) pelo trabalho morto de. O pensamento liberal é
marcado por uma enorme
(tecnologia), que fez ruir em definitivo a harmoniosa equação assegurada
diversidade de idéias, que
pela sociedade de consumo fundada no modelo taylorista-fordista. foram evoluindo de acordo
As consequências do enfrentamento dessa crise não se impõe apenas com a própria sociedade.
Na economia apregoa a
na vigência cotidiana do supérfluo, mas, também, à nossa consciência na propriedade e defende a
ansiedade resultante de uma vida desprovida de sentido humano, desuma- iniciativa privada, assim
nizada. A propulsão ao descartável que Mészaros (2002) sintetiza como a como a auto-regulação da
sociedade pelo mercado.
taxa decrescente do valor de uso, não se limita à esfera do consumo mate- Na política preconiza um
rial, estende-se à própria vida como condição para a reprodução destrutiva Estado restrito às funções
do capital, à qual tudo e todos se encontram submetidos. Viver para consu- judiciais e de defesa.
Taylorista-fordista.
mir não faz parte da lógica humana , mas da lógica do mercado. É o modelo de produção
Estamos, portanto, onde essa lógica nos trouxe. Existimos em meio que alia os princípios da
administração científica
a uma pseudoconcreticidade, capazes de sentir, mas incapazes de com-
de Taylor, que propunha
preender e agir em relação à desrazão que nos cerca. Colocamos em causa uma intensificação da di-
o princípio iluminista de que o progresso humano levaria o futuro a se visão do trabalho fracio-
afigurar melhor que o passado. Submetidos à vigência fulgaz do descartá- nando as etapas do pro-
cesso produtivo de modo
vel, receamos sermos, nós mesmos, descartados. Tememos a destruição do que o trabalhador desen-
planeta incapaz de se recompor ante a desenfreada devastação... Apesar de volvesse tarefas ultra-es-
termos suplantado as promessas de ficção do futuro, estamos voltados para pecializadas e repetitivas,
com o controle de Ford
o passado. que consistia em organi-
O texto a seguir, fragmento de um discurso do líder negro americano zar a linha de montagem
da fábrica para produzir
Martin Luther King, pastor protestante e ativista político negro que viveu mais, controlando melhor
nos EUA entre 1929 e 1968, pode bem traduzir a angústia que nos assalta as fontes de matérias-
ao vivermos os paradoxos da sociedade atual, chamando atenção para nos- primas e de energia, os
transportes, a formação
sa responsabilidade nesta situação. da mão-de-obra.
Para saber mais sobre
“O progresso humano não é automático nem inevitável. Somos atual- esse assunto, leia o texto:
mente confrontados com o fato de o amanhã ser hoje, e colocados pe- Taylorismo/fordismo à
acumulação flexível toyo-
rante a urgência cruel do agora. Neste enigma da vida e da história é
tista: novos paradigmas e
possível ser demasiado tarde... Podemos gritar desesperadamente para velhos dilemas.
que o tempo pare, mas o tempo ensurdece a cada súplica e continua a Disponível no http://
www.seufuturonaprati-
passar rapidamente. Sobre as ossadas descoradas e a mistura de restos
ca.com.br/intellectus/_
de numerosas civilizações está escrita uma expressão patética: Dema- Arquivos/Jan_Jul_04/
siado tarde.” Martin Luther King Jr. PDF/Artigo_Marcos.pdf

Como você analisa as palavras de Martin Luther King? Exageradas?


Realistas? Elas nos paralisam frente a uma visão fatalista da história; ou
nos estimulam a uma ação consciente de transformação dessa realidade?

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 79
Mesmo quando amplos setores da população, alijados da riqueza so-
cialmente produzida, reduzidos a uma situação de miséria material e es-
piritual, encontram-se mergulhados nas formas mais empobrecidas e li-
mitadas do “senso comum”, não se deve perder de vista o fato de sermos,
todos, seres humanos, sujeitos da história. Saber o sentido de viver numa
sociedade produtora de mercadoria nos permite entender que nossa reali-
dade social é uma construção, humana. Portanto, não estamos condenados
a reprodução incessante do mesmo. Como lembra a canção do poeta Gon-
zaguinha “somos nós que fazemos a vida como der ou puder ou quiser”.
Afinal, estamos conde- Para concluirmos esse diagnóstico inicial da sociedade que vivemos, vamos
nados a viver assim ou é
pensar sobre as questões do poeta.
possível mudar essa situ-
ação?
O que é o que é?
E a vida?
E a vida o que é diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é o que é meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
Valor de Uso:
Caracteriza a produção
É um nada no mundo
voltada hegemonicamen- É uma gota, é um tempo
te para as necessidades
humanas, para a utiliza- Que nem dá um segundo,
ção imediata. Em todos Há quem fale que é um divino
os modos de produção an-
teriores ao capitalismo, a Mistério profundo
produção não se destina-
va imediatamente à troca, É o sopro do Criador
esta estava vinculada ao Numa atitude repleta de amor
excedente produzido.
Você diz que é luta e prazer;
Valor de Troca:
Ele diz que a vida é viver;
A sociedade capitalista se
define como produtora de Ela diz que o melhor é morrer,
mercadorias, assim tudo
o que é produzido tem Pois amada não é
como objetivo, a troca. O E o inferno é sofrer.
valor de uso só se realiza
através do valor de troca. Eu só sei que confio na moça
A produção não se volta
E na moça eu ponho a força da fé
imediatamente para as
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser

* Você pode ver um vídeo de Gonzaguinha cantando essa música no YOU TUBE

80 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
2.2. Em busca da racionalidade da desrazão
capitalista.
Com o breve diagnóstico da realidade social atual, constatamos, com
base nos dados objetivos, o caráter de desrazão expresso na situação para-
doxal da sociedade capitalista, que elevou o predicado – consumidor - acima
do sujeito - homem. Considerando nossa reflexão inicial acerca do homem,
ser social, que produz sua existência, faz história, vamos pensar o que gera
toda essa situação exploração e de negação do próprio homem.
Por que, na socieda-
Para responder essas questões será necessário entender quais as de- de produtora de mer-
terminações da sociabilidade capitalista, construída a partir do trabalho cadorias, a produção
da riqueza está ligada
assalariado. a produção da miséria?
Vejamos. Por que, sob a lógica do
capital, o homem se desu-
Nos parâmetros do liberalismo, inspirados nas teses de Adam Smith, maniza? Onde se funda a
essas questões não teriam o menor sentido. A tese da ‘propensão à troca’, desrazão da lógica capita-
como atributo natural do homem e a tese do mercado como fundamento te- lista?

leológico da sociabilidade, naturalizam a sociedade produtora de mercado-


rias, para a qual tendeu todo desenvolvimento da humanidade. É o estágio
final, desde o início pressuposto, de uma evolução linear da história cujo
elemento teleológico está no mercado.
É n’A Riqueza das Nações que Smith afirma “ uma certa tendência
ou propensão existente na natureza humana (...), ou seja: “a propensão a
intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra.” Ressaltando que
“é simplesmente um dos princípios originais da natureza humana, sobre
o qual nada mais restaria a dizer, ou se - como parece mais provável - é
uma consequência necessária das faculdades de raciocinar e falar.” (SMI-
TH, 1988:24). Justifica o autor, que a tendência à troca é de caráter natural.
De acordo com esse argumento, a razão e a capacidade de comuni-
cação, possibilita o homem se relacionar socialmente com outros homens
e ele o faz através da troca. Por força do argumento, a troca surge como Adam Smith (1723-1790)
mediação entre os homens, entre indivíduos isolados dando origem à socie- autor de: Uma investi-
gação sobre a Natureza
dade de mercado, capitalista. Nas palavras de Smith, “todo homem subsiste e as Causas da Riqueza
por meio da troca, tornando-se de certo modo comerciante; e assim é que a das Nações, trabalho que
própria sociedade se transforma naquilo que adequadamente se denomina popularizou e divulgou a
doutrina do “laissez-faire”
sociedade mercantil” (SMITH, 1988: 31). (deixar fazer). Baseado
Smith acredita que do nascimento à morte dificilmente haverá um só nas idéias dos fisiocratas
organizou uma série de
momento em que um indivíduo esteja tão perfeitamente e completamente argumentos num elogio à
satisfeito com sua situação que não deseje alguma mudança ou melhoria. livre iniciativa e ao mer-
Esse é o sentimento que estimula a buscar do melhor para si numa atitude cado, dando um golpe de
naturalmente humana de egoísmo. Tal atitude em nada se contrapõe ao morte na interferência do
estado na economia.
interesse geral da sociedade, posto que a procura de sua própria melhoria
individual, quase necessariamente, leva-o a preferir aquela aplicação que Mão invisível – expres-
acarreta as maiores vantagens para a sociedade. Desta forma, mesmo que são smithiana para de-
signar que o mercado é
cada indivíduo vise apenas seus interesses e não os da sociedade, ainda as- o elemento teleológico
sim é levado como que por uma mão invisível a promover um objetivo que da sociedade, ou seja, se
não fazia parte de suas intenções, ou seja, o desenvolvimento da sociedade. deixado livre, o mercado
dirige a sociedade harmo-
Para o teórico do liberalismo, foi essa mão invisível que nos trouxe até niosamente. Essa tese de
aqui. O caráter a-histórico de uma teleologia da história, condiz com a mis- Smith foi retomada pelo
Neoliberalismo.
tificação de imutabilidade da natureza humana e com a justificativa natu-
ral da origem da divisão social do trabalho como forma de cooperação para
a produção de riqueza. Tal ideário permite harmonizar o antagonismo es-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 81
sencial entre capital e trabalho, identificando o particular com o universal
refutando as especificidades provenientes da realidade histórica; aceitando
o egoísmo como fundamento do homem e a troca como fundamento de toda
sociabilidade humana; tomando um momento histórico específico - modo
de produção de mercadorias - como referência universal da historia da hu-
manidade. Nesse caso, no âmbito da ideologia burguesa, não há o que fazer
e estamos condenados a reproduzir o mesmo, desde sempre e para todo o
sempre. O capitalismo nada mais é que a realização da própria natureza
humana, objetivação social da propensão humana à troca.
Mas, se ao contrário, quebrarmos o argumento ideológico e não con-
cordarmos que a propensão para a troca faz parte da natureza humana, ou
seja, que a troca não é nossa definição ontológica, poderemos concluir que
vivemos um modo de produção historicamente, e não naturalmente deter-
minado, no qual a forma produtiva de mercadorias, capitalista, tornou-se
hegemônica. E por isso, diferentemente dos modos produtivos anteriores,
nos quais as trocas eram estabelecidas a partir do excedente, no capitalis-
mo a produção passou a ter como referência a troca.

Vamos compreender como isso ocorreu...


Embora, anteriores ao capitalismo, as trocas não constituíam uma
condição necessária e imprescindível à vida desde sempre como nos fazem
supor os economistas políticos clássicos e o ideário liberal. O surgimento
das trocas está ligado à capacidade humana de produzir excedente. Apare-
ceu num determinado momento histórico e subsistiu, de forma secundária,
no interior dos diversos modos de produção anteriores ao capitalismo.
Sob a divisão social do trabalho, as sociedades pré-capitalistas fun-
daram suas bases sociais nas relações de dependência pessoal. Como o
sistema de trocas não estava ainda plenamente desenvolvido, as trocas se
limitavam ao excedente, e as relações entre os indivíduos, embora social-
mente determinadas, se apresentavam como vínculos pessoais de forma
mais imediata. Em consequência disso, as relações econômicas, políticas e
sociais eram quase idênticas entre si não havia uma separação significativa
entre essas esferas.
Com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de pro-
dução, a sociedade foi se complexificando cada vez mais e com ela sistema
de trocas. Quando todo processo produtivo passou a se justificar na e pela
troca estava fundada a sociedade produtora de mercadorias, na qual as
relações de dependência pessoal foram substituídas por relações de inter-
dependência pessoal.
Estando a produção, de maneira hegemônica, voltada para as trocas,
os indivíduos precisam aparecer diante de si mesmos e dos outros como
seres livres, sem qualquer vínculo pessoal, e capazes de estabelecerem re-
lações como condição necessária à realização de seus próprios interesses.
Marx é bastante elucidativo n’O Capital, com relação à distinção entre as
formas de dependência e interdependência pessoal: o caráter determinado
que, no primeiro caso, aparece como uma limitação pessoal de um indivíduo
por parte do outro, no segundo caso, apresenta-se desenvolvido como uma
limitação material do indivíduo, resultante de relações que são independen-
tes dele e se apóiam sobre si mesmas.
Com a produção de mercadoria, ocorre o encadeamento cíclico e cres-
cente de interdependência pessoal em meio à fragmentação dos atos de tra-
balho e da produção daí derivada. A divisão manufatureira do trabalho,

82 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
implementada na e pela produção industrial, alcança o ápice da oposição
entre o pensar e o fazer transformando o trabalhador num mero executor
de um único e repetitivo ato de trabalho.
Indiferentes à alienação advinda da segmentação do ato de trabalho,
os teóricos liberais vêem, na divisão do trabalho, um efetivo exercício de so-
lidariedade, capaz de harmonizar os interesses particulares essencialmente
egoístas dos produtores privados. Aqui, aquela idéia de uma essência hu-
mana egoísta vai alimentar, pela pressuposição da naturalidade, a crença
em uma dimensão teleológica na história. Assim pensando, Smith concebe
o mercado como a forma de integração social, vinculando o trabalho priva-
do ao trabalho social, a unidade ao todo social, sem questionar a exploração
do trabalho.
É com Marx que a questão da exploração e da alienação se torna cen- Quais são as consequên-
tral na análise do capitalismo. No contexto da sociedade produtora de mer- cias práticas do valor de
cadoria estamos todos submetidos à lógica da interdependência pelo fato uso estar subordinado, ao
valor de troca?
objetivo do valor de uso está subsumido, submetido, ao valor de troca, ou
seja, a forma predominante de produção não está voltada para o uso, mas
para a troca. Quem produz, o trabalhador, não pensa sua produção, não se
identifica com o que produziu e nem tem a posse do produto.

2.3. Da produção da mercadoria à inversão da


realidade.
Vamos refletir sobre as consequências da subordinação do valor de uso
ao valor de troca. Com certeza você já observou que quase tudo que usamos
para satisfazer nossas necessidades vem da troca. Isso ocorre justamente
porque nós não produzimos nosso próprio alimento, nem nossa própria rou-
pa, nem construímos nossa própria casa. Não o fazemos porque além de não
termos as condições materiais – meios de produção – vivemos numa socie-
dade onde os indivíduos estabelecem relações de interdependência, então,
trocamos o que temos para ter o que queremos. Como bem observou Marx,
numa sociedade de mercado, cada um serve ao outro para servir a si mesmo,
cada qual se serve do outro, reciprocamente, como um meio.
A subsunção do valor de uso ao valor de troca só se efetivou na so-
ciedade capitalista porque com a concentração dos meios de produção nas Subsunção implica su-
mãos dos proprietários, o trabalho, separado dos meios de produção, pode bordinação, sujeição, per-
da de autonomia. O verbo
ser subsumido ao capital. Com a impossibilidade concreta de o trabalhador subsumir significa, na
produzir valor de uso a produção foi convertida em mercadoria e a troca sua origem latina, “apro-
alcançou à condição hegemônica de satisfação das necessidades humanas. priar-se”. Hoje é usado
com o sentido de “incluir”,
Portanto, quando o valor de uso passou a se realizar através do valor considerar como depen-
de troca, quando o homem para sanar uma necessidade deveu antes esta- dente ou como “compre-
endido em”. Assim sendo,
belecer uma troca é que o mercado tornou-se o fundamento material, e não uma coisa maior subsume
ontológico, da sociabilidade. Todas as relações sociais convertem-se, em úl- uma menor, ou uma coisa
tima instância, em relações mercantis; quer se dêem na esfera política, ide- menor é subsumida em
outra maior.
ológica jurídica, ou, mesmo, amorosa. Sob o império da troca, até o homem
é convertido em mercadoria.
Inquestionavelmente, essa é a mais grave consequência da subsunção
do valor de uso ao valor de troca: a coisificação do homem e a reificação das
relações sociais. Marx (1998), chama atenção para o fato de que a mesma di-
visão de trabalho que nos converte em produtores privados independentes,
faz com que o processo de produção e suas relações dentro desse processo

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 83
sejam independentes de nós mesmos, e que a independência recíproca entre
as pessoas se complemente com um sistema de dependência multilateral,
interdependência, própria de coisas. Nesse sentido, é que as relações sociais
entre as pessoas aparecem, por assim dizer, invertidas, como uma relação
social entre coisas. É comparando um valor de uso com outro em sua quali-
dade de valor de troca que o trabalho das diversas pessoas é comparado em
seu aspecto de trabalho igual e geral, abstrato.
Sobre a Reificação, A diferenciação categorial entre trabalho concreto e trabalho abs-
Marx afirma: trato, que Marx elucidou em relação ao duplo caráter do trabalho humano
“É que as relações so- sob a lógica do capital, pode nos ajudar a compreender o aparente parado-
ciais entre as pessoas
aparecem por assim di- xo posto na coisificação do homem e na reificação das relações sociais. De
zer, investidos como uma um lado, temos o trabalho concreto, gerador de valor de uso, em oposição
relação social entre coi- ao trabalho abstrato, gerador de valor de troca, considerado como energia
sas. E comparando o va-
lor de uso com outro em
da capacidade humana de trabalho, ou seja, o trabalho social, tal como se
sua qualidade de valor de manifesta sob a lógica do capital – separado e em oposição ao trabalho in-
troca que o trabalho das dividual, definido não pelas suas qualidades essenciais, mas, ao contrário,
diversas pessoas é com-
parado em seu aspecto de
como mero desgaste geral de energia humana no tempo.
trabalho igual e geral. Se Portanto, sob a lógica das trocas, os homens ao estabelecerem rela-
for, pois, correto dizer que
ções mercantis não se percebem como sujeitos deste movimento, ao contrá-
o valor de troca é uma re-
lação entre pessoas, con- rio, imaginam que tais relações resultam das próprias coisas; a mercadoria
vém acrescentar: uma re- transmuta as relações sociais em relações entre coisas. Objetivamente, a
lação oculta sob o véu das possibilidade de todas as mercadorias serem trocadas advém do fato de elas
coisas”.
(MARX, 1976, p.53-54) serem produzidas, de resultarem do trabalho humano, contudo, o trabalho
O caráter social da ativi- na sociedade produtora de mercadorias torna-se a base comum a todas as
dade, assim como a for- mercadorias, uma medida de valor, valor de troca.
ma social do produto e a
participação do indivíduo O problema é que o trabalho concreto, que antecede às trocas, pro-
na produção, apresenta- duzindo valor de uso, ‘desaparece’ quando as trocas passam a comandar
se aqui como algo alheio
e com caráter de coisa
todas as relações sociais. Isso ocorre devido ao fato de que, nas mercado-
frente aos indivíduos, rias, o valor de uso, que é produto do trabalho específico de um indivíduo
não como seu estar reci- que produziu concretamente com um fim de uso determinado por e para
procamente relacionados,
mas como seu estar su-
si mesmo, ser incorporado pelo valor de troca. Assim, o que foi produzido
bordinados a relações que perde todo o vestígio do trabalho concreto que o produziu e manifesta-se
subsistem independentes unicamente como trabalho abstrato na forma do tempo de trabalho simples,
deles. O intercâmbio geral medida de valor da mercadoria, valor de troca. É imprescindível ressaltar
das atividades e dos pro-
dutos que se convertem que essa redução não é fruto de uma ação consciente de cada homem, mas
em condições de vida para é realizada pelas relações de mercado e imposta como lei natural e objetiva.
cada indivíduo particular
e é sua conexão recípro- Quando a sociedade se converte num império das coisas, o homem
ca, apresentam-se diante vive uma total inversão. Sob o fetiche da mercadoria, o produto do traba-
deles mesmos como algo lho humano assume as qualidades referentes aos produtores, enquanto os
alheio, independente,
como uma coisa. No valor
homens, que são os produtores, assumem a forma de coisas. Sob o domínio
de troca o vínculo social do capital, o homem é convertido em coisa: força de trabalho, que deve ne-
entre as pessoas transfor- cessariamente ser trocada para que cada indivíduo possa realizar suas ne-
ma-se em relação social
entre coisas; a capacidade
cessidades através da compra de valores de uso, condição de sobrevivência.
pessoal numa capacidade Assim passamos a valorizamos mais o dinheiro, pelo que ele representa em
das coisas. termos de posse das coisas, que o próprio homem, criador de valor através
do trabalho. O processo, no qual a própria ação do homem converte-se num
poder estranho e a ele oposto, que o subjuga, ao invés de ser por ele domi-
nado Marx(1986) chama de estranhamento.
Compreender toda essa inversão significa alcançar o sentido último
da conversão de humanidade, de cada indivíduo, em mercadoria; significa
perceber claramente que nossa realidade se apresenta de forma tão parado-
xal e contraditória devido à lógica própria da sociedade produtora de merca-
doria, que se funda na exploração do trabalho como condição indispensável

84 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
à produção do capital. O Capital é fruto do trabalho humano. É o trabalho
que cria riqueza. Por isso, o valor das mercadorias, o valor de troca é uma
relação entre pessoas como afirmou Marx: “uma relação oculta sob o véu
das coisas”. É esse véu, ideológico, que nos impede de ver a realidade.

2.4. Retirando o véu das coisas...


A reciprocidade exigida pela interdependência que se efetiva nas tro-
cas do mercado obscurece e institucionaliza a exploração do homem através
dos princípios da igualdade e da liberdade. Supondo que pelos tais interes-
ses particulares e egoístas se estabelece o intercâmbio social sob o império
das trocas, onde todos os indivíduos necessariamente precisam ter alguma
coisa a fim de comparecerem ao mercado, é como proprietários, pela posse
de algo que lhes permita a troca, que o homem alcança a condição indis-
pensável para a participação no mercado e a satisfação das necessidades do
existir. Logo, se para existir é preciso trocar, para trocar é indispensável ser
proprietário, ainda que seja, tão-somente, da força de trabalho, da capaci-
dade física de produzir.
Assim, reduzido à mercadoria, coisificado, o homem, proprietário de
sua força de trabalho, por seu interesse privado, comparece livremente ao
mercado para iniciar um processo de trocas entre “iguais”, única possibili-
dade de sobrevivência na sociedade capitalista. Os grilhões que antes obri-
gavam ao trabalho sumiram. Desnecessária é a força quando o trabalhador
por si só e “livremente” assume seu papel no contrato social entre capital e
trabalho.
O princípio de igualdade, que aparece hoje nas constituições de todas
as nações democráticas, na verdade está impresso na constituição da mer-
cadoria como princípio de equivalência, exigência à permuta dos produtos
resultantes do trabalho de cada um. Somente por esse atributo concreto -
ser proprietário – é que se estabelece tanto a igualdade como, até mesmo,
a liberdade, que, também, constitui uma condição indispensável à lógica
do mercado. É a certeza da equivalência de valor que leva o proprietário
ao mercado, para estabelecer relações de trocas, sem se sentir coagido ou
explorado. A liberdade é, pois, em última instância, outra determinação do
processo de troca. Os indivíduos, igualados pela posse da mercadoria, estão
“livres” para estabelecer suas relações mercantis, submetidos “apenas” às
leis do próprio mercado.
As idéias de igualdade e de liberdade, nos limites da sociedade pro-
dutora de mercadoria e da ideologia burguesa, têm servido de base para
o modelo de democracia que ‘impera’ globalmente. Não obstante serem os
interesses pessoais privados que levam os indivíduos a estabelecerem rela-
ções de troca entre si, a reciprocidade que está pressuposta como condição
de intercâmbio é fundamento da igualdade e da liberdade entre os indi-
víduos, que só no âmbito do processo da troca de mercadorias se realiza.
Por esse motivo é que, somente ultrapassando as mitificações das relações
mercantis, poderemos ver como a igualdade e a liberdade estão profunda-
mente comprometidas com as contradições presentes no modelo burguês de
democracia.
Perceber a ambivalência dos princípios da Revolução Francesa de
1789- bandeiras político-ideológica do capitalismo - e a realidade, marcada
pela lógica do capital, é compreender, também, as consequências do fato de
os homens, sob a lógica do mercado, existirem uns em relação aos outros,

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 85
tão-somente como proprietários de valores de troca, atribuindo-se daí sua
existência social. Essa aproximação crítica da realidade nos permite con-
cluir que essa situação histórica constitui um obstáculo a plena existência
do ser humano.
Talvez você, como todos, pressionado pelas exigências do dia-a-dia
ainda não tenha tido o tempo necessário pra pensar acerca disso tudo. A
tácita aceitação do que está posto não é um mero problema individual, pois
resulta das condições objetivas que herdamos e que reproduzimos, até mes-
mo inconscientemente, pela força da ideologia que aprofunda nossa aliena-
ção. Todas as mazelas do capitalismo encontram vínculos numa falaciosa
natureza humana imutável, tão bem anunciada pelos teóricos do libera-
lismo, que serve de justificativa para a naturalização e a perpetuação da
realidade atual . Sem dúvidas que naturalizar a realidade social é a melhor
forma de impedir qualquer questionamento, entretanto essa armadilha ide-
ológica nem resolve as contradições do real nem pode apagar nossa essência
de ser histórico.
Permanece a possibilidade de, como seres humanos, conhecermos e
agirmos concretamente sobre a realidade, recriando-a. Neste caso, o co-
nhecimento é imprescindível à ação consciente. Portanto sejamos atentos à
advertência marxiana, já citada: se essência e aparência coincidissem, des-
necessária seria a Ciência. Ultrapassar a aparência surreal do visível pela
crítica e chegar aos nexos de determinação de nossa realidade é condição
sine qua non para uma ação consciente. É a partir desse ponto que a refle-
xão sobre Educação ganha importância, embora, torne-se controversa na
perspectiva da construção do futuro. É sobre a Educação que iremos tratar
na próxima Unidade.

Nas páginas anteriores, buscamos a partir do diagnóstico da realida-


de que vivemos para compreendermos o significado da sociedade produtora
de mercadorias. Pela reflexão, de caráter ontológico, pensamos nossa reali-
dade e podemos avaliar que colocamos nossa esperança num espaço mais
longínquo levados por uma capacidade tecnológica antes inimaginável que
tem, paradoxalmente, nos aprisionado no espaço mais restrito da individu-
alidade e do desejo de consumo insaciável. As contradições da sociedade,
por mais gritantes que sejam, assumem no cotidiano uma feição natural de
aparente ordem, que obscurece o real - uma pseudoconcreticidade cada vez
mais incapaz de ocultar o caos das contradições da sociedade produtora de
mercadorias. A inversão da realidade, imposta pelo império da mercadoria,
nos transformou em moeda de troca e deu às coisas ares de dominação .
Coisificados nossa referência de igualdade e liberdade só tem referência no
ser proprietário. Em qualquer esquina do mundo podemos constatar onde
essa lógica mercantil nos trouxe: seja pela violência que nos espreita conti-
nuamente, resultante da barbárie que se erige na fome dos países pobres
sufocados por uma globalização econômica centralizadora; quer seja no so-
fisma da democracia que opera a guerra e o massacre de seres humanos
escondendo interesses mercantis particulares; quer seja na desumanização
que impede homem sonhar, vislumbrar o futuro para além das relações
sociais desumanizadoras. A realidade espreita a falácia ideológica tecida na
cotidianidade doa tese do “foi sempre assim”. Mero senso comum! Que tem

86 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
nos impedido de estabelecer as mediações para entender a paradoxal equa-
ção entre a riqueza e a miseria; o desequilíbrio entre a enorme capacidade
produtiva e a ainda maior incapacidade distributiva que coloca em frente a
humanamente ilógica lógica capitalista.

1. Com seu Grupo de Estudo assista ao vídeo A Ilha das Flores do diretor
Jorge Furtado, disponível no YOU TUBE.
2. Discuta com seus colegas sobre a realidade enfocada criticamente em
torno dos seguintes pontos:
a. A sociedade produtora de mercadorias a coisificação do homem;
b. As consequências da subordinação do valor de uso ao valor de troca
no cotidiano da existência humana;
c. O conceito de igualdade e liberdade no contexto do capitalismo.
3. Em grupo, produzam um roteiro e realizem um vídeo (até 10min.) abor-
dando criticamente os limites e possibilidades de viver numa sociedade
produtora de mercadorias.

Livros
LUCKÁCS. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Ho-
mem. In Temas de Ciências Humanas n° 4. Editora CH. SP, 1978.
Produzido para uma conferência - 1968 esse texto se baseia na “grande”
Ontologia que o autor estava concluindo. Embora esquemático, dado o ob-
jetivo para o qual foi produzido, o texto fornece uma síntese do estudo on-
tológico de Lukács, tendo ainda o mérito de ter sido um dos raros textos,
relativos à sua Ontologia, revisado para publicação pelo próprio autor.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo,


4ª Ed. 2001.
O livro é o resultado de uma ampla pesquisa sobre as metamorfoses no
processo de constituição do capitalismo contemporâneo e as mudanças es-
truturais e conjunturais que ocorrem no mundo do trabalho com suas con-
sequências mais imediatas para a classe trabalhadora. O autor realizou na
releitura dos conceitos de Marx as chaves para o entendimento do modo de
produção capitalista contemporâneo. Sem prejuízo algum da análise teóri-
ca rigorosa, pautada em importantes teóricos marxistas da contemporanei-
dade, tais como Lukács e Mészáros.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 87
NETO, J. P. e BRAZ M. Economia Política: uma introdução crítica. São
Paulo, Cortez, 2006.
Professores da UFRJ os autores apresentam didaticamente, mas não sim-
plória, um conteúdo essencial para entender o sociedade produtora de mer-
cadorias na perspectiva da Economia Política e da sua Crítica. As catego-
rias de análise, do materialismo- histórico- dialético, são apresentadas no
contexto da compreensão do real.

Filmes
• A Guerra do Fogo. Alemanha/ Canadá. 1981. Direção: Jean-Jacques
Annaud. 97 min.
• O grande ditador. EUA. 1940. Direção: Charles Chaplin. 124 min.
• Tempos Modernos. EUA. 1936. Direção: Charles Chaplin. 87min.
• Pão e Rosas. Inglaterra. 2000. Direção: Ken Loach. 110 min.
• Segunda-feira ao sol. Espanha. 2002. Direção: Fernando L. de Aranoa.
113 min.
• A corporação. Canadá. 2004. Direção: Mark Achbar/Jennifer Abbott.
145 min.

Sites sugeridos
http://www.geocities.com/ivotonet/

No site está disponibilizada boa parte de toda a produção do Professor Dr.


e Pesquisador do Dep. de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. Im-
portante produção na área da filosofia e sociologia. É uma referência crítica
na área de Filosofia da Educação.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&lng=pt&nrm=iso
A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica
que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIRE-
ME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O Projeto tem por
objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação,
armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em for-
mato eletrônico. Tem muitos artigos sobre Educação.

http://bve.cibec.inep.gov.br/pesquisa/categoria.asp?cod=194&cat=Soc
iologia+e+Antropologia+da+Educa%C3%A7%C3%A3o&ni=N
É uma biblioteca virtual de Educação: sociologia, antropologia e Educação
textos de diversos autores Biblioteca Virtual de Educação (BVE), uma ferra-
menta de pesquisa de sites educacionais, do Brasil e do exterior. É voltada
a pesquisadores, estudiosos, professores, universitários, pós-graduandos,
graduandos e alunos de todas as séries escolares.

88 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e
a centralidade do Mundo do trabalho. São Paulo: Cortez/Unicamp,
1995.
Os Sentidos do Trabalho (Ensaio sobre a Afirmação e a Negação
do Trabalho). São Paulo: Ed. Boitempo. 4a ed. 2001.
CHAUÍ, M. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital. São Paulo Ed. Xamã, ,
1996.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra.
1979.
_________P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práti-
ca educativa. São Paulo. Ed. Paz e Terra. 2000.
FURTADO, Elizabeth. Na Dialética entre Objetividade o Trabalho
produz História. In FURTADO, E. (org.) Trabalho e Educação: uma
intervenção crítica no campo da formação docente. Fortaleza: Ed. De-
mócrito Rocha/Ed. UECE. 2001.
GORZ, A. Adeus ao proletariado. Para além do socialismo. Tradu-
ção de Ângela Ramalho Vianna e Sérgio Goes de Paula. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense-Universitária. 1987.
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1968.
Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução Carlos Nel-
son Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
KOSIK, K. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico
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LESSA, S. A Centralidade Ontológica do Trabalho em Lukács in
Serviço Social e Sociedade n° 52. Ano XVII. Dezembro 1996.
LUCKACS, G. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade
do Homem. In: Temas de Ciências Humanas n° 4. São Paulo: Editora
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________O Capital: livro I, vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 1998.
________ Manuscritos económico-filosóficos. Trad. Artur Mourão.
Lisboa, Ed 70, 1989.
________ Manuscrits de 1844. Paris: Flammarion, 1996.
MÉSZAROS, I. A Teoria da Alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
____________ Para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
____________ O século XXI: socialismo ou barbárie? São Paulo,
Boitempo, 2003.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 89
____________ A Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo,
2005.
NETO, J. P., BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. S.
Paulo, Cortez, 2006.
OLIVEIRA, B. As relações entre conhecimento e valoração no traba-
lho educativo. Perspectiva n 19. p. 29-46, UFSC/CED, NUP. Florianópolis.
2009.
SAVIANI, D. O Trabalho como Princípio Educativo Frente às Novas Tec-
nologias. In.: FERRETTI, C. J. et al. Novas Tecnologias, Trabalho e Educa-
ção: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
___________Escola e Democracia. São Paulo: Ed. Autores Associados, 33ª
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SMITH, Adam. Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza
das Nações, 3ª ed., SP Nova Cultural, col. Os Economistas, 1988.
TEIXEIRA, F J. S. O Neoliberalismo em Debate. In.: TEIXEIRA, F.J.S. e
OLIVEIRA, M. Neoliberalismo e Reestruturação Produtiva. São Paulo: Cor-
tez, 1996.

90 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Unidade

4
O sentido da educação
para a existência humana

Objetivos:
• O objetivo é discutir, a partir da temática geral acerca do sentido da Educação
para a existência humana, a Educação no contexto da sociedade atual, da crise do
capital. Focalizar as especificidades da Educação numa sociedade de classes, e,
por fim, entrar no debate atual sobre o significado da Educação na perspectiva da
cidadania ou da emancipação humana.
Capítulo 1
O conhecimento como condição de produção
da existência

Na unidade anterior, a pergunta - o que é o homem? - nos levou à bus-


ca ontológica que encontrou no trabalho o fundamento do ser social. Pelo
trabalho percebemos que o homem, de forma ativa e consciente, se constrói
historicamente numa contínua dialética entre a objetividade e a subjetivida-
de; entre o particular e o universal. Como o trabalho só é possível mediante
a ação concreta isso possibilita que o homem ao realizá-lo possa adqui-
rir novas habilidades e conhecimentos. Compreendemos que, como uma
exigência do processo de complexificação do ser social, aparecem outras
dimensões da vida social – linguagem, política, religião, arte, ciência, etc.,
cada uma com sua natureza e função específica, dentro da reprodução do
ser social. A Educação é uma dessas dimensões sociais.
Você já pensou sobre a necessidade humana de aprender? Pois é pro-
blematizando essa necessidade do conhecimento que iniciaremos nosso
percurso teórico, na perspectiva de encontrarmos o sentido da Educação
para a existência humana e o lugar que ela ocupa na totalidade social.
Mas, essa questão, também nos move na direção de pensar concretamente
a função da Educação no contexto de uma sociedade de mercado, e mais
especificamente, no momento da crise estrutural do capital.
Entre os interesses privados da classe burguesa, a Educação assume
contornos ideológicos ligados a uma função conservadora. Mas seria essa a
função da Educação; ou, numa sociedade de classes antagônicas, a Educa-
ção poderá estar comprometida com qualquer um dos projetos, dependendo
da correlação de forças, no que se refere à hegemonia? O que representa
para o futuro da humanidade, uma Educação voltada para a cidadania ou
outra voltada para a emancipação humana? Essas são as principais ques-
tões que balizarão nosso pensamento neste texto.
Sendo o homem um contínuo tornar-se, um ser inacabado, que se faz
na medida em que, pela sua ação, constrói a realidade social. O homem
necessita conhecer para transformar a realidade visando à produção e re-
produção da sua existência. Como o trabalho só é possível mediante a ação
concreta isso possibilita que o homem ao realizá-lo possa adquirir novas
habilidades e conhecimentos. Como não pode haver total controle sobre
todo processo de trabalho, pois não existe uma identidade entre projeto e
produto, ocorre sempre a possibilidade de obstáculos, acasos, dificuldades
inesperadas que exigem novas respostas, obrigando à reflexão, no plano
teórico, da atividade prática; isso gera conhecimento. Consequentemente,
a capacidade de realização, também, é ampliada, pois o ser humano que
aprende continuamente no processo de objetivação incorpora esse aprendi-
zado em novas realizações. Colocada a gênese do conhecimento, no âmago,
da prática.
Portanto, o conhecimento não é uma determinação de ordem natural,
é um constructo, o homem não nasce sabendo, aprende na e pela existência
real, concreta. Como o homem é um ser social, que se vincula enquanto
indivíduo - particular, a humanidade - universal, a construção do conhe-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 93
cimento, também, tem caráter social. O homem não parte sempre do grau
zero do conhecimento, ele sintetiza na sua existência objetiva o que já foi
criado e pensado anteriormente pelos outros homens, pela humanidade.
Essa capacidade de aprender e ensinar garante ao homem a possibilidade
de criar civilização na medida em que assegura a reprodução do conheci-
mento para além dos limites do tempo e espaço.
Vale ressaltar que, embora, estando na produção da existência mate-
rial a base do todo desenvolvimento intelectual do homem, isso não limita
o conhecimento à produção material. Historicamente, após o aparecimento
da divisão social do trabalho e com o desenvolvimento das forças produtivas
e as modificações dos aspectos sociais, a atividade intelectual se ampliou
deixando de estar inteiramente voltada à atividade prático-material. Cada
vez mais, foram surgindo outras formas de assimilação intelectual da re-
alidade como as aspirações estéticas, religiosas, a reflexão filosófica, etc.
E com elas outras necessidades inteiramente novas foram sendo criadas e
cultivadas.
É de suma importância entender tanto a Educação como as outras
dimensões do ser social não constituem uma expressão direta do trabalho,
ou seja, embora seja o trabalho a dimensão fundante do ser social, existem
dimensões sociais que não resultam do trabalho. O que ocorre é uma deter-
minação recíproca tanto entre o trabalho e essas outras dimensões sociais,
como entre mesmas dimensões sociais dentro do movimento cada vez mais
complexo da dinâmica social.
Um complexo de complexos é assim que Lukács compreende a es-
trutura constitutiva do ser, como uma totalidade concreta dialeticamente
articulada por totalidades parciais. Ivo Tonet nos ajuda a entender essa ‘to-
talidade concreta’ explicando a crescente complexificação do ser humano, a
partir do trabalho, no processo do homem tornar-se homem.

“O processo de tornar-se homem do homem não é um acontecer aleatório.


O que não significa dizer que seja determinado aprioristicamente. É uma
processualidade que tem como substância última os atos dos indivíduos
singulares que são, de alguma forma, atos livres. E que, tendo, além disso,
como fundamento, o trabalho, vai se pondo sob a forma de um comple-
xo de complexos, ou seja, de um conjunto de dimensões que interagem
entre si e com a dimensão fundante. (...) Vale ressaltar, também, que, a
partir da análise do trabalho, pode-se constatar que neste processo de
tornar-se homem do homem, dois momentos assumem um papel especial-
mente relevante: o momento da singularidade (indivíduo) e o momento da
universalidade (gênero). Do ponto de vista ontológico, este dois momentos
constituem uma unidade indissolúvel. Suas relações concretas, porém, só
podem ser entendidas a partir da própria lógica do processo real e jamais
tomadas como um dado ontológico do ser social. Deste modo, o processo
de autoconstrução do homem, matrizado pelo trabalho, será, sempre, o fio
condutor do processo social”. (TONET, 2006; 9)

Portanto, é em meio a esse complexo de complexos, das múltiplas di-


mensões que compõem a vida social que está a Educação. Por isso, pode-
mos afirmar, inicialmente, que a Educação é uma atividade própria do ser
social que não se confunde com o trabalho, embora ligada ao trabalho, da
mesma maneira que as outras dimensões que surgiram na ocorrência da
complexificação do ser social. Por isso, a Educação não se restringe à repro-
dução material da vida, ela se instala dentro de um domínio propriamente

94 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
humano, social, e se efetiva nas relações sociais. Como menciona BRAN-
DÃO (2007; 14) pela Educação o homem estabelece “trocas de símbolos, de
intenções, de padrões de cultura e de relações de poder. Mas, a seu modo,
ela continua, no homem, o trabalho da natureza de fazê-lo evoluir, de torná-
lo mais humano”.
Como uma dimensão do ser social, a Educação é sempre histórica, se
realiza concretamente no tempo e no espaço, ou seja, se constitui historica-
mente articulando-se às transformações dos modos de produzir a existên-
cia humana. Por ser socialmente datada, é um equivoco buscar uma defini-
ção geral da Educação que, de forma abstrata, se adeque a todo e qualquer
momento histórico concreto, por conseguinte, não é possível pensar uma
Educação referente a todas as expressões históricas em todos os tempos
sem cair numa abstração, sem nenhum vínculo com a realidade. Por outro
lado, como o processo de tornar-se homem, fazer história, não é linear e sim
marcado por um duplo movimento de continuidade e de descontinuidade,
é possível perceber na Educação, como no homem, traços essenciais que
permanecem, não obstante as mudanças históricas.
Na História, o individuo singular torna-se universal, nesse processo
de elevação do individuo à humanidade a Educação ganha sentido. Através
da Educação, o homem se apropria do patrimônio construído pela humani-
dade em cada diferente momento histórico. Ao se apropriar de sua herança
histórica, material e intelectual, o indivíduo singular vai se constituindo
universal como membro do gênero humano. Nisso reside o essencial da
Educação, sem a qual fica comprometido o pleno desenvolvimento do in-
divíduo como ser humano. A apropriação do universal pelo particular tem
caráter ativo, ou seja, é também objetivação, criação objetiva. O homem ao
tomar posse do que foi construído pela humanidade, não o faz de forma
passiva, mas ativamente, reelabora e amplia, a partir do que já traz consigo,
produzindo novas objetivações e, com isso, na medida em que cria o novo,
vai se fazendo cada vez mais, mais humano.
O sentido da Educação para a existência humana é, portanto, a media-
ção na elevação do individuo ao ser social, da individualidade à generalida-
de, sempre subordinado à reprodução mais ampla da totalidade social. Isso
assegura a continuidade do gênero humano, tanto no sentido de conservar
o que a humanidade produziu, quanto na possibilidade de criar o novo, o
futuro. É com essa compreensão que Lukács1 afirma que na Educação dos
homens o essencial consiste em torná-los aptos a reagir adequadamente aos
acontecimentos e situações imprevisíveis, novas, que aparecerão mais tarde 1
Lukács in Tonet, I. Edu-
em suas vidas. (LUKÁCS apud TONET, 2003) cação, cidadania e Eman-
Você percebeu que estamos tratando, aqui, de uma concepção am- cipação humana. p..138
pliada de Educação que não pode ser reduzida a uma concepção de Edu-
cação instrumental, formal, escolar, embora as envolva. Estamos pensando
a Educação, no plano ontológico da reprodução do ser social, no momento
da subjetividade. É fundamental saber que na produção da existência, não
obstante ser a objetividade - a realidade - o momento determinante, o mo-
mento da subjetividade – consciência - é tão importante quanto o da objeti-
vidade, ou seja, toda ação humana é composta, necessariamente, por esses
dois momentos, que se articulam dialeticamente. Somente entendendo essa
relação dialética entre objetividade e subjetividade, poderemos compreen-
der o sentido da Educação para a existência humana, encontrando o lugar
da Educação em relação ao ser social e a sociabilidade. Dessa forma, será
possível reconhecer a real importância da Educação sem nos perdermos em
posturas deterministas ou voluntaristas.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 95
Para ter mais elementos para pensar sobre o lugar da Educação na
práxis social, leia o pequeno trecho do livro de Mészáros – A Educação para
além do Capital – a seguir e reflita sobre a função da Educação para o ser
humano, de maneira geral, e especificamente, no contexto da sociedade
capitalista.

Na sua época Paracelso estava absolutamente certo, e não está menos


certo atualmente: “A aprendizagem é a nossa vida, desde a juventude
até à velhice, de fato quase até à morte; ninguém vive durante dez horas
sem aprender.” A grande questão é: o que é que aprendemos de uma for-
ma ou de outra? Será ela conduz à auto-realização dos indivíduos como
“indivíduos socialmente ricos” humanamente (nas palavras de Marx),
ou está ela ao serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem so-
cial alienante e finalmente incontrolável do capital? Será o conhecimen-
to necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação
humana, em conjunto com a determinação sustentada e a dedicação
dos indivíduos para conduzir a auto-emancipação da humanidade até
à sua conclusão com êxito, apesar de todas as adversidades, ou é, pelo
contrário, a adoção por indivíduos particulares de modos de comporta-
mento que apenas favorecem a realização dos fins reificados do capital?
Neste mais vasto e mais profundo significado da Educação, que inclui
de forma proeminente todos os momentos da nossa vida ativa, podemos
concordar com Paracelso, que praticamente tudo é decidido, para o bem
e para o mal – não apenas para nós próprios como indivíduos mas simul-
taneamente também para a humanidade – em todas aquelas inelutáveis
horas em que não podemos passar “sem aprender”. Isto é assim porque
“a aprendizagem é, verdadeiramente, a nossa vida”. E como tal é decidido
desta forma para o bem e para o mal, o êxito depende de tornar este pro-
cesso de aprendizagem, no sentido amplo do “paracelsiano”, um processo
consciente, de forma a maximizar o melhor e a minimizar o pior.

No texto que você acabou de ler, Mészáros coloca questões da maior relevân-
cia. Procure pensar sobre a função da Educação, discuta com seu grupo de
estudos, e responda:

1. A Educação está ao serviço da perpetuação da ordem social capitalista?


2. Qual o significado mais amplo da Educação?
3. Como você analisa a seguinte frase: “a aprendizagem é, verdadeira-
mente, a nossa vida”?

96 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Capítulo 2
A Educação sob o domínio do capital

O texto de Mészáros nos traz de uma reflexão mais geral sobre Edu-
cação em relação ao ser social e nos propõe pensá-la no contexto dos dias
atuais. Na unidade anterior construímos um diagnóstico da realidade atual
e buscamos explicitar os nexos não aparentes para entendermos a razão
de vivermos sob a urgência imposta pela reprodução do capital, que indife-
rente à tridimensionalidade da existência do ser no tempo, o redimensiona
a partir de suas necessidades particulares. O passado, como o já vivido, é
negado ante a reprodução contínua das condições objetivas do presente; o
futuro desaparece, enquanto possibilidade de produzir o novo, pela falácia
do fim da história. Assim, nosso viver está aprisionado a imediaticidade do
presente.
Presente?! Presente de grego, que nos impede de ver além da aparên-
Mundializado – refere-se
cia do invólucro ideológico; Cavalo de Tróia, que esconde a realidade do ca- a mundialização, termo
pital mundializado proclamando as conquistas da globalização. Estamos de origem francesa, surge
todos submetidos à lógica do capital, que tenta eternizar-se no presente sem para dar maior precisão
parecer dar importância à barbárie, que como um pêndulo nefasto paira de análise em relação ao
difundido termo globali-
sobre nossas cabeças sem utopias de futuro. É esse o contexto que devemos zação, de origem anglo-
pensar a Educação sob o domínio do capital. saxônica. Segundo CHES-
NAIS (1996),“o conteúdo
Como você já sabe, dado ao desenvolvimento das forças produtivas e efetivo da globalização é
das relações de produção chegamos à sociedade capitalista, uma sociedade dado, não pela mundia-
fundada sobre o antagonismo entre capital e trabalho; representados em lização das trocas, mas
pela mundialização das
duas classes principais com interesses antagônicos e inconciliáveis. O inte- operações do capital, em
resse da classe proprietária dos meios de produção é aumentar seu capital suas formas tanto indus-
e para isso ela precisa explorar o trabalho. A classe trabalhadora, embora trial quando financeira.”
Assim, o processo de
sem um projeto claramente definido, pelo lugar que ocupa na composição mundialização é uma fase
da sociedade de classes, precisa libertar-se da exploração. específica do processo de
internacionalização do
Por ser uma dimensão da vida que assume diferentes contornos his-
capital que tem como ca-
tóricos não é sem motivo que o debate sobre Educação, numa sociedade racterística o movimento
de classes, funda tantas controvérsias. Se para os primeiros homens, no conjunto da:
comunismo primitivo, a Educação estava inserida na vida mesma, ou seja, Acumulação ininterrupta
do capital;
aprendia-se na e pela vida, não ocorrendo separação entre Educação e As políticas de libera-
trabalho, com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de ção, de privatização, de
produção a Educação também vai se transformando, ou conformando-se desregulamentação e de
desmantelamento das
a lógica da societal. Como vivemos sob a lógica do mercado e da reificação, conquistas sociais e de-
tendencialmente a organização da Educação, como sistemas nacionais de mocráticas.
ensino, se fundamentam e referendam essas condições. Logo, a Educação
capitalista tem seus próprios contornos históricos.
Para Marx, a Educação, na sociedade capitalista, é uma Educação
burguesa. Perde seu caráter de formação integral, voltada para os interes-
ses gerais do ser humano, ou seja, está particularmente voltada para a re-
produção da hierarquia social implantada pelo capital. Por motivos óbvios,
a defesa dos interesses de uma classe não pode corresponder aos interesses
de todos, portanto, aos interesses humanos. Os interesses particulares se
sobrepõem aos interesses gerais, por consequência a igualdade torna-se

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 97
algo meramente formal, um fetiche. A desigualdade social pode ser facil-
mente percebida no caráter dual da Educação burguesa formal.
Gramsci (1968) avalia que no contexto da luta entre interesses parti-
culares, a Educação pode assumir um caráter conservador, tendo partici-
pação fundamental na elaboração, sistematização e irradiação da concep-
ção de mundo que estabelece a ordem social tal como ela é, pois prepara os
agentes dos aparelhos de hegemonia, os intelectuais orgânicos. A Educa-
ção tem, assim, uma função conservadora na configuração, na dissemina-
Intelectuais ção e na reprodução da ideologia e, consequentemente, na preservação do
orgânicos
em Gramsci “todo grupo poder das classes dominantes. Desta forma, o interesse particular da classe
social, ao mesmo tempo hegemônica fica resguardado e a Educação cumpre a função requerida pela
em que se constitui sobre reprodução da ordem estabelecida.
a base original da função
essencial que ele assume
no campo da produção
econômica, cria organi-
camente uma ou mais
2.1. A função da Educação na sociedade capitalista
camadas intelectuais que Na mesma perspectiva de análise de Marx e Gramsci, Mészáros (2008),
lhe asseguram homoge-
neidade e consciência de enfrenta o problema da função da Educação na sociedade capitalista. Ini-
sua própria função, não cia esclarecendo que não existe uma perpetuação automática das relações
somente no setor econô- sociais de produção, portanto, a classe burguesa para conservar-se hege-
mico, mas também nos
setores social e político...”
mônica deve trabalhar a interiorização ideológica, tanto da sua forma de ser
será na sua forma de se como dos seus interesses. Esclarece, ainda, que a reprodução do sistema
articular que o intelectual capitalista só é possível porque os indivíduos particulares interiorizam as
pode se tornando o agen-
te orgânico de um grupo
perspectivas gerais da sociedade produtora de mercadorias como o limite
social. inquestionável e intransponível de suas próprias aspirações.
É dessa maneira que a Educação atual contribui para a manutenção
da concepção de mundo e para a reprodução das relações sociais correspon-
dentes a sociedade capitalista. Grosso modo, “a Educação tem duas funções
principais numa sociedade capitalista: (1) a produção das qualificações ne-
cessárias ao funcionamento da economia, e (2) a formação de quadros e a
elaboração dos métodos para um controle político”. (MÉSZÁROS, 1981, p.
273). Podemos constatar isso com facilidade pela realidade educacional que
se volta para a instrução, levando em conta as demandas imediatas do mer-
cado, e pelas formas diversas, mas de todas as formas perversas, do apara-
to ideológico presentes no cotidiano dos aparelhos ideológicos. A ideologia
burguesa tem importância vital no processo de reprodução da sociedade
burguesa e isso comprova a competência do seu controle político. Vivemos,
objetivamente, um acirramento crescente das contradições inerentes ao ca-
pital, mas, não obstante, as consequências visíveis dessa situação insusten-
tável o discurso ideológico burguês mascara e tira de foco o essencial.
A importância da Educação nesse processo de interiorização ideoló-
gica pode ser comprovada pelo fato de que nenhuma sociedade perdurou
sem um sistema de Educação próprio. Mas, aqui se coloca uma verdade
essencial: o fato da Educação sob o domínio do capital, tender a reproduzir
a ordem estabelecida, isso não significa afirmar que é essa a função única
da Educação. Portanto, a função da Educação não se restringe a conservar
e reproduzir, pois, contrariamente, a Educação pode atuar, também, como
força de transformação social mediante a elaboração, sistematização e dis-
seminação de concepções de mundo contra-ideológicas. Por via de conse-
©Wikipedia

quência, nem a reprodução nem a superação da sociedade capitalista pode


prescindir da Educação, inclusive da Educação formal.
Negar essa dupla possibilidade da Educação, no contexto da socieda-
de de classes, é negar a dialética, presente na luta de classes. É apagar a

98 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
possibilidade histórica do futuro. É concordar com Durkheim, que numa
perspectiva positivista defende que cabe a Educação homogeneizar. Dife-
rentemente de a Educação ter por objeto único e principal o indivíduo e
seus interesses, ela é, antes de tudo, o meio pelo qual a sociedade reno-
va perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só
pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade.
A Educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo
na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe.
(DURKHEIM, 1973; 52)
Segundo Tonet (2005) numa sociedade de classes, a Educação se rea- A escola deve homo-
liza em meio a uma tensão constante, ora de preservação da ordem já cons- geneizar os indivídu-
os. Como você avalia
tituída, ora de transformação dessa realidade, pois é próprio da atividade
essa tese de Durkheim?
educativa propiciar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilida-
des, valores, comportamentos, etc.; um patrimônio acumulado e reelabo- Você acha que numa so-
rado ao longo da história da humanidade, contribuindo, assim, para que o ciedade econômica e so-
cialmente desigual, a
indivíduo se construa, para além da sua condição particular, como membro escola pode igualar os in-
do gênero humano e se torne apto a reagir face ao novo de um modo que divíduos?
contribua para a reprodução do ser social, que se apresenta sempre sob
Qual a diferença entre a
uma determinada forma particular. concepção de Durkheim
Você percebeu que dependendo da concepção teórica e visão de mun- e Tonet sobre a função da
Educação?
do os filósofos e estudiosos da Educação indicam diferentes funções para
a mesma. Então, é importantíssimo saber qual o fundamento teórico que
subjaz a cada análise. Desde o primeiro capítulo deste livro, você está tendo
contato com diferentes referenciais teóricos, e foi informada que estamos
realizando um exercício de reflexão crítica, dialética, pois estamos procu-
rando pensar com base no movimento contraditório da realidade. No pró-
ximo tópico vamos tratar da Educação nos dias atuais, pensar a realidade,
social e educacional alienante, que estamos inseridos e tentar romper com
a banalização para poder compreendê-la.

2.2. Educação em tempos de crise estrutural do


capital Se você quer saber mais
sobre Positivismo e Dialé-
tica, leia:
Já compreendemos que a crise estrutural do capital alcança todas
as dimensões da vida humana, e a análise sobre o sentido de viver numa KONDER, Leandro. O que
sociedade capitalista, nos permitiu elucidar um ponto relevante para a é dialética. Coleção Pri-
meiros Passos. São Paulo:
análise da Educação no contexto da sociedade produtora de mercadoria: Brasiliense, 1981.
a alienação não se limita a produção material. O processo de alienação ao
qual estamos submetidos, objetiva e materialmente, também se estende à RIBEIRO J. J. O que é
positivismo. Coleção Pri-
dimensão da subjetividade. Analisamos no tópico anterior, que para con- meiros Passos. 2ªed. São
servar sua hegemonia e reproduzir as relações sociais a burguesia e seus Paulo: Brasiliense,1994.
ideólogos usam da ideologia, por meio da Educação, para universalizar
uma concepção de mundo homogeneamente burguesa, estabelecendo uma
relação limitante entre Educação e instrução. Os interesses particulares
do capital são universalizados através dos processos educacionais, formais
ou informais, para encobrir e reproduzir o antagonismo essencial e insaná-
vel entre capital e trabalho.
Portanto, os sistemas nacionais de ensino, que transformaram a
escola no lócus privilegiado da Educação são imprescindíveis para inte-
riorização ideológica, referida por Mészáros. Para o projeto da Educação
burguesa a escola tem desempenhado um papel fundamental na difusão
e socialização da cultura, cuja finalidade política é levar os indivíduos a

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 99
interiorizarem o modo de ser que garanta a hegemonia cultural, política e o
controle social mediante o consenso. Entretanto, se num momento de crise
econômica ocorrem mudanças que provocam um descompasso entre a fun-
ção da Educação e as novas demandas, a Educação entra em crise. É o que
estamos vivendo hoje.
Tonet, no texto A Educação numa encruzilhada, sintetiza a situação
atual da Educação no contexto da crise estrutural do capital com extrema
clareza:

“é fácil entender que, na medida em que a matriz do mundo, que é o tra-


balho está em crise, a Educação não poderia deixar de participar desta
mesma crise. Como, porém, esta crise rebate na Educação? Das mais
variadas formas, mas, sinteticamente, em primeiro lugar, revelando a
inadequação das forma anterior da Educação frente as exigências de um
novo padrão de produção e das novas relações sociais; constatando que
as teorias, os métodos, as formas e conteúdos, as técnicas, as políticas
educacionais anteriores já não permitem preparar os indivíduos para a
nova realidade. Em segundo lugar, levando à busca, em todos os aspec-
tos, de alternativas para esta situação. Em terceiro lugar, imprimindo a
esta atividade, de modo cada vez mais forte, um caráter mercantil. Isto
acontece porque, como consequência direta de sua crise, o capital pre-
cisa apoderar-se, de modo cada vez mais intenso, de novas áreas para
investir. A Educação é uma delas. Daí a intensificação do processo de
privatização e de transformação desta atividade em uma simples merca-
doria. Não é preciso referir as consequências danosas que este processo
traz para o conjunto da atividade educativa.”(TONET,2003; 5)

Por isso todos falam da crise da Educação: alunos, professores, polí-


ticos; a sociedade em geral aponta para o fracasso do modelo de Educação
atual. Entretanto, a tentativa imediata de resolver o problema da Educação,
frente à inadequação da Educação às novas demandas do ‘pós-reestruturado’
modelo produtivo, foi fazer dos sistemas educacionais objetos de reforma.
Entenda-se por reforma, uma mudança epidérmica para manter o essencial,
uma adequação às novas formas sociais de produção e reprodução que en-
traram em contradição, em crise.
Inegavelmente, a Educação está em crise, mas será possível resolver
com um a reforma? Nos últimos tempos temos constatado que, nem mesmo
as mais mirabolantes reformas dos sistemas de ensino têm resolvido o pro-
blema, pelo simples fato que essa crise, não é originalmente da Educação,
embora a envolva. Por essa razão, ao mesmo tempo em que os organismos
internacionais tentam ‘ordenar’ um modelo de Educação que ‘reordene’ a
Educação nos parâmetros da flexibilização, exigida pelo novo modelo pro-
dutivo do capital, na avaliação de Tonet (2003), isso tem gerado professo-
res mais vulneráveis frente à crescente precarização do trabalho docente;
mais inseguros em relação ao fazer docente frente a rejeição de métodos
e práticas, anteriormente celebradas; mais isolados devido as políticas de
desqualificação dos sindicatos. Assim, o fracasso escolar, estampado na
mídia na forma de críticas superficiais, sempre na busca simplificadora de
um culpado, mantém-se sem solução, exceto pela privatização que aparece
como a solução mágica.
Segundo Gentili (1996), é essa solução mágica que os neoliberais ado-
taram. Para eles, a crise da Educação, dos sistemas educacionais, diz res-
peito à qualidade, eficiência, eficácia e produtividade; fatores decorrentes

100 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão ad-
ministrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares. Para esses
analistas neoliberais, o problema reside no fato do processo de expansão
da escola, durante a segunda metade do século passado, ter ocorrido de
forma acelerada sem que tal crescimento tenha garantido uma distribuição
eficiente dos serviços oferecidos, gerando a exclusão e discriminação edu-
cacional. Neste sentido, problemas da Educação como evasão, a repetência,
o analfabetismo funcional, entre outros, são decorrentes da ineficácia do
aparelho escolar, inclusive da incompetência daqueles que lá trabalham.
A solução do problema, portanto, depende da realização de uma ‘profunda
reforma’ – obviamente de caráter administrativo, do sistema escolar, orien-
tada pela necessidade de introduzir mecanismos, quase sempre avaliativos,
que regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a qualidade
dos serviços educacionais.

“Deste diagnóstico inicial decorre um argumento central na retórica


construída pelas tecnocracias neoliberais: atualmente, inclusive nos
países mais pobres, não faltam escolas, faltam escolas melhores; não
faltam professores, faltam professores mais qualificados; não faltam re-
cursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma
melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, transformar
a escola supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança
substantiva nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; rees-
truturar o sistema para flexibilizar a oferta educacional; promover uma
mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias de gestão (agora
guiadas pelos novos conceitos de qualidade total); reformular o perfil dos
professores, requalificando-os, implementar uma ampla reforma curri-
cular, etc. ” (GENTILI, 1996; 9)

Se a crise da Educação se explica, de maneira geral, pela qualidade


dos serviços educacionais oferecidos, ela também tem sido explicada pela
ineficiência do Estado para gerenciar as políticas públicas. Assim, a Educa-
ção está em crise porque está presa ao Estado, estatizada. Ora essa cons-
trução lógica, logicamente capitalista, sem compromisso com a verdade,
serviu e continua servindo para a defesa dos processos de privatização tão
ao gosto dos neoliberais. Privatizada, a Educação rompe com a rigidez do
sistema escolar atual, considerado incapaz de garantir qualidade, e ganha
dinamismo e flexibilidade para atuar no jogo do mercado. Esta é a solução
mais adequada aos interesses do capital, transformar a Educação em mer-
cadoria, envolvê-la, sob todos os aspectos, na lógica do mercado.

“competição interna e o desenvolvimento de um sistema de prêmios e


castigos com base no mérito e no esforço individual dos atores envolvidos
na atividade educacional. Não existe mercado sem concorrência, sendo
ela o pré-requisito fundamental para garantir aquilo que os neoliberais
chamam de equidade. (...) Para os neoliberais, a democracia não tem
nada a ver com isso. Ela é, simplesmente, um sistema político que deve
permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotável capacidade de livre
escolha na única esfera que garante e potencializa a referida capacidade
individual: o mercado”. (GENTILI, 1996; 9)

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 101


Em meio ao reordenamento neoliberal da Educação, o conceito de cida-
dania entrou em foco, respaldado nas genuínas aspirações democráticas de
participação da sociedade civil, contudo foram rapidamente convertidas em
reforço ao individualismo. A noção de cidadania, que anteriormente se vin-
culava à democracia e aos direitos humanos, foi suplantada pela noção mais
restrita de direito à posse. Essa nova noção coaduna perfeitamente com a
concepção neoliberal de cidadão como consumidor. Essa reconceitualização
limitadora de cidadania, como liberdade de escolha no mercado, serviu de
justificativa para a transferência da Educação da esfera da política (Pública)
para a esfera do mercado (Privada). A Educação, como qualquer outra mer-
cadoria, está disposta no mercado para livre escolha do cidadão-consumidor.
Grosso modo, diante dessa crise da Educação, além da resposta ne-
oliberal acriticamente vinculada aos interesses do capital, surgem outras,
com pretensões críticas. Não obstante, as várias nuances da crítica, Tonet
(2005) indica duas: uma propõe resolver a questão nos limites da conforma-
ção ao interesses do capital, ou seja, tenta encontrar a solução sem ir além
das condições objetivas da sociedade capitalista; a outra resposta defende
que essa crise da Educação só se resolve mediante a superação da crise do
capital. As duas posições aparecem como pano de fundo do debate acerca
da Educação voltada para a cidadania ou para a emancipação.
Atualmente está cada vez mais comum o discurso da cidadania em to-
dos os espaços da vida cotidiana. Com a crise do capital e a reestruturação
produtiva o ideário neoliberal se expandiu por todas as dimensões sociais,
toda reordenação societal se fez com base no reforço ideológico dos princí-
pios liberais; o estado minimizou sua atuação, ressalte-se no âmbito das
políticas sociais; ampliou com as privatizações no campo de reprodução do
capital; flexibilizou a relação entre capital e trabalho com diversas reformas
– jurídicas e políticas - que invalidaram as conquistas históricas da classe
trabalhadora; reforçou o aspecto ideológico da Educação com o conceito de
qualidade total, necessário as novas subjetividades requeridas pelo mer-
cado. É possível constatar que através desse arranjo ocorreu um crescente
descomprometimento do Estado com o indivíduo em função da, igualmente
crescente, responsabilização da sociedade civil. A proliferação das Organi-
zações não Governamentais - ONGs – é a comprovação desse fato.
No arcabouço ideológico neoliberal, ‘Educar para a cidadania’ virou
slogan de escola. Entre os diversos sentidos atribuídos, historicamente, à
escola: civilizatória, regeneradora, cruzadista, somou-se o de cidadã. Essas
metáforas-modismos, que servem para descrever fenomenicamente a esco-
la, revelam, num mesmo movimento de continuidade e ruptura, a intenção
de edificar a sociedade sob as “bases de novas determinações, fornecidas
por um racionalismo exacerbado, em suas vertentes: idealista e universa-
lizante, cientificista e evolucionista, tecnicista e pragmática. Metáforas que
servem antes de tudo, para caracterizar a própria ação política imagina-
da sobre a sociedade e que têm, na Educação, seu veículo e instrumento.”
(VALLE, 2001; 10)

2.3. O que significa educar para a cidadania?


Vamos saber mais sobre essa ‘indefinição’ de uma Educação voltada
para a cidadania, lendo um trecho de: Cidadania ou Emancipação Huma-
na, de Tonet, um dos autores que mais têm contribuído neste debate sobre
Educação, cidadania e emancipação.

102 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


Com base na leitura de Tonet é possível perceber que a defesa da cida-
dania, não obstante sua importância, permanece nos limites da liberdade
burguesa, portanto, limitada, se referida a emancipação humana. Quando
a Educação se compromete como uma formação para o exercício da cida-
dania o máximo desse compromisso é atingir a emancipação política. Ob-
viamente que a conscientização e a luta por direitos são imprescindíveis,
sobretudo, no âmbito de uma da sociedade que desumaniza. Mas, estamos
condenados a viver essa desumanização? Já vimos que não.
Fala-se muito, hoje, em cidadania como se esse termo fosse sinônimo
de liberdade tout court*. Supõe-se que lutar por um mundo cidadão seria o Então, que tipo de Educa-
mesmo que lutar por uma sociedade efetivamente livre e humana. Supõe-se ção estaria comprometida
também que, com a cidadania, que certamente é inseparável da democra- com um novo projeto so-
cietário, emancipatório?
cia, teria sido descoberta a forma mais aperfeiçoada possível de sociabilida-
de. Não porque fosse perfeita, mas porque estaria indefinidamente aberta a
novos aperfeiçoamentos. A nós, pelo contrário, parece-nos equivocado pen-
sar que a cidadania expressa a forma superior da liberdade humana. Por
suas origens e sua função social, ela representa uma forma de liberdade,
certamente muito importante, mas essencialmente limitada.
Ao contrário dos autores liberais, que consideram a política como a
dimensão fundante da sociedade, Marx afirma que a emancipação política
tem seu fundamento no que ele chama de sociedade civil, ou seja, nas rela-
ções econômicas. E a emancipação política é uma dimensão que tem suas
origens históricas na passagem do feudalismo ao capitalismo. Suas raízes
histórico-ontológicas se encontram no ato de compra-e-venda de força de
trabalho, com todas as suas consequências para a constituição da base
material da sociedade capitalista. Este ato originário produz, necessaria-
mente, a desigualdade social, uma vez que opõe o possuidor dos meios de
produção ao simples possuidor de força de trabalho. E o que acontece, todos
os dias, diante dos nossos olhos nos mostra que a produção da desigual-
dade social é uma tendência crescente e não decrescente da reprodução do
capital. O que significa que será cada vez mais forte a impossibilidade de
criação de uma autêntica comunidade humana sob a regência do capital.
No entanto, este ato originário precisa, para se tornar efetivo, de ho-
mens livres, iguais e proprietários. Não, porém, efetivamente livres, iguais
e proprietários, mas apenas no aspecto formal. Ou seja, apenas na sua
dimensão jurídico-política e nunca em sua dimensão social. Esta situação
é a responsável pelo fato de a sociedade capitalista ser, necessariamente,
dividida em uma dimensão privada e em uma dimensão pública. Sendo
sempre a primeira a matriz da segunda. O resultado disto é que esta esfera
– jurídico-política – não é indefinidamente aperfeiçoável, mas, pelo contrá-
rio, essencialmente limitada. Ser cidadão é ser participante desta dimensão
pública. Ser cidadão, portanto, não é ser efetivamente, mas apenas formal-
mente, livre, igual e proprietário. Por mais direitos que o cidadão tenha e
por mais que estes direitos sejam aperfeiçoados, a desigualdade de raiz ja-
mais será eliminada. Há uma barreira intransponível no interior na ordem
social capitalista. Consequentemente, a busca, hoje, pela construção de um
mundo cidadão é uma impossibilidade absoluta. Em resumo: apesar dos
aspectos positivos, para a emancipação humana, que marcam a cidadania,
ele é, por sua natureza mais essencial, ao mesmo tempo expressão e con-
dição de reprodução da desigualdade social e, por isso, da desumanização.
Por isso mesmo, deve ser superada, não, porém, em direção a uma forma
autoritária de sociabilidade, mas em direção à efetiva liberdade humana.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 103


O que, de fato, deve ser buscado é a emancipação humana. Esta, po-
rém, é algo muito distinto da cidadania e da totalidade da emancipação po-
lítica. A emancipação humana, ou seja, uma forma de sociabilidade na qual
os homens sejam efetivamente livres, supõe a erradicação do capital e de
todas as suas categorias. Sem esta erradicação é impossível a constituição
de uma autêntica comunidade humana. E esta erradicação não significa,
de modo algum, o aperfeiçoamento da cidadania, mas, ao contrário, a sua
mais completa superação. Como diz Marx, nas Glosas Críticas, há uma dis-
tância infinita entre o cidadão e o homem, assim como entre a vida política
e a vida humana.
No entanto, é importante ressaltar: a emancipação humana não é algo
inevitável. É somente uma possibilidade. Se se realizará ou não, dependerá
da luta dos próprios homens. Contudo, ao contrário da impossível cidada-
nia mundial, ela é uma possibilidade real, cujas bases se encontram na
materialidade do próprio ser social.

* expressão francesa – significa: simplesmente.

104 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


Capítulo 3
Educação e emancipação humana

Ao estabelecer que uma Educação voltada para a cidadania, se cir-


cunscreve como possibilidade de emancipação política mantendo-se no âm-
bito da reprodução da sociabilidade capitalista, Tonet, nos ajuda a compre-
ender que pensar a Educação exige um compromisso teórico-prático com
um projeto de sociedade que se coloca para além da sala de aula e da escola.
Consciência
Gramsci, já havia considerando o vínculo indissociável entre Educa- necessária:
ção e sociabilidade; ultrapassou os limites da Educação escolar, e sem negar Meszáros no texto Cons-
a importância da escola e do educador ressaltou a função do conhecimento ciência de Classe Neces-
sária e Consciência de
da realidade, aliado à crítica. Para além das ficções ideológicas, sublinhou Classe Contingente. onde
a possibilidade da Educação socializar uma visão de mundo coerente ca- analisa essa questão sob
paz de embasar uma ação comprometida com um novo homem e uma nova a concepção marxiana
e gramsciana, esclarece
sociedade. Ressaltou, também, que já mesmo na construção dessa visão que esta consciência só
coerente de mundo a Educação pode ocupar um espaço importante, no que pode ser uma consciência
se refere à conquista de um novo saber para a superação de consciência da classe trabalhadora.
Refere-se a uma compre-
contingente, acrítica, para uma consciência necessária, crítica. Saviani, ensão das inter-relações
inspirado em Gramsci, propõe a superação do senso comum em consciência necessárias entre os di-
filosófica. ferentes aspectos do sis-
tema global capitalista, a
Nesse caso a Educação estaria vinculada a luta contra o senso comum partir da questão estra-
e toda mistificação ideológica, criando condições concretas que permitissem tégica do controle social,
a compreensão das contradições obscurecidas pela pseudoconcreticidade que permite, mesmo em
contextos limitados, um
na qual estamos inseridos, isso permitiria a construção de uma concepção enfoque numa solução
de mundo unitária e coerente. Para Gramsci, o senso comum compõe-se de abrangente. A necessida-
resíduos ideológicos, acríticos, fragmentos incoerentes do pensamento re- de histórica de desenvol-
vimento dessa forma de
ligioso, das superstições pré-científicas, que criam o ‘homem-massa’, mas, consciência está calcada
que podem se converter em ponto de partida para a consciência crítica, na nas contradições objeti-
perspectiva da construção de um novo homem e uma nova sociedade. vas do próprio sistema
global do capital, ao qual
O ‘homem-massa’ gramsciano, não tem consciência de ser histórico e só se pode responder com
isso o leva a colocar sua ação a serviço da reprodução do passado. Ser capaz uma alternativa também
estrategicamente global.
de fazer a crítica da realidade é poder incorporar o conhecimento dos nexos Diante disso, é importan-
causais, pelos quais o sujeito histórico poderá conhecer os fundamentos do te ressaltar que a consci-
real e as possibilidades para sua práxis social, ou seja, uma concepção de ência de classe necessária
mundo mais crítica e coerente. É assim que Gramsci contrapõe ao homem- não significa homogenei-
dade – interpretação bas-
massa o sujeito histórico, esse parece ser o caminho pelo qual a Educação tante perigosa – reflete,
pode favorecer, nos limites do capitalismo, um projeto de emancipação do na verdade, apenas um
homem. Sabemos que não cabe à Educação per si a tarefa de revolucionar “condensamento” das
respostas dos indivíduos
a sociedade, mas, sabemos também que sem Educação essa tarefa parece da classe trabalhadora a
não ser possível para o surgimento do novo homem. uma questão estrutural
objetiva.
Leia esse pequeno texto de Gramsci e reflita sobre as possibilidades da
Educação e da prática do educador na perspectiva da emancipação humana. Leia mais sobre o assun-
to em: http://globaliza-
Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um deter- tion.sites.uol.com.br/
trabalhoecapitalismo.
minado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que com-
pdf
partilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 105


de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coleti-
vos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de
homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo
não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos si-
multaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria
personalidade é composta, de uma maneira bizarra: nela se encontram
elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais mo-
derna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passa-
das estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será
própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria
concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e
elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído.
Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na
medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia po-
pular. (...) Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individual-
mente descobertas “originais”; significa também, e, sobretudo, difundir
criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e,
portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coor-
denação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de
homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a
realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original”
do que a descoberta, por parte de um “gênio” filosófico, de uma nova ver-
dade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais.
(GRAMSCI, 1968)

Com certeza, a reflexão proposta por Gramsci, no texto acima, nos faz
perceber que os desafios postos à nossa existência de seres sociais, históri-
cos, atuantes, estão cada vez mais exigentes, por isso devemos ficar atentos
à natureza histórico-concreta das alternativas que estão sendo colocadas na
situação particular de crise estrutural do capital. Sobretudo como educado-
res ou futuros educadores, devemos estar conscientes das nossas escolhas e
do esforço da crítica no campo da reprodução social. A ação educativa, numa
sociedade de classes, como já foi dito, pressupõe um vínculo orgânico que
ligue a prática educativa a um projeto de homem e de sociedade.
Compreendermos o estranhamento e as novas formas do persistente
fetichismo na dimensão do cotidiano, marcado por contradições naturali-
zadas, é condição indispensável na busca por uma nova hegemonia. Cada
vez mais, é no plano da subjetividade, que o capital tem instaurado novos
desafios, advindos do mundo do trabalho. As consciências contingentes,
‘formatadas’ pelos princípios do neoliberalismo, representam subjetivida-
des comformadas às formas de reprodução estranhadas e fetichizada do
sistema do capital. Portanto, é urgente pensar, criticamente, a Educação, a
escola e o educador numa perspectiva de emancipação humana, para além
do capital, como sugere Mészáros.

“Limitar uma mudança educacional as margens corretivas interesseiras


do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemente ou não,
o objetivo de uma transformação social qualitativa. Do mesmo modo,
contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própria estrutura do
sistema do capital é uma contradição em termos. Por isso que é necessá-
rio romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de
uma alternativa educacional significativamente diferente.” (MÉSZÁROS,
2005; 27)

106 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


Neste sentido, encontrar saídas para a crise da Educação na pers-
pectiva da emancipação humana é condição de futuro para a humanidade.
Você já deve ter percebido - teórica e praticamente - que, tão ilusório quan-
to reformar a Educação no âmbito da cidadania, é querer implantar uma
Educação emancipadora no contexto de uma sociedade que nega o próprio
homem. De acordo com Tonet (2005), o que pode e deve ser feito, no con-
texto atual, é pensar atividades educativas que estejam inseridas na luta
pela transformação radical da sociedade. Contribuir para uma Educação
integral, hoje, só pode ter o significado de formar indivíduos comprometidos
com a construção de uma forma de sociabilidade em que aquela formação
integral possa efetivamente ser realizada.
Mészáros (2005) faz uma crítica contra a concepção estreita de Educa-
ção e de vida intelectual, cujo fim é exercer o controle político e ideológico,
tomando as palavras de Gramsci como referência:

“Não há qualquer atividade humana da qual se possa excluir toda a in-


tervenção intelectual – o homo faber não pode ser separado do homo sa-
piens. Também todo o homem, fora do seu emprego, desenvolve alguma
atividade intelectual; ele é, por outras palavras, um ‘filósofo’, um artista,
um homem experiente, ele partilha a concepção do mundo, ele tem uma
linha consciente de conduta moral, e, portanto, contribui no sentido de
manter ou mudar a concepção do mundo, isto é, no sentido de encorajar
novas formas de pensamento” (GRAMSCI, 1968; 10).

Para o autor d’ A Educação para além do capital, a posição de Gramsci


é a única defensável. Primeiro, porque, para ele, todo o ser humano contri-
bui, de uma forma ou de outra, para a formação da concepção predominan-
te do mundo; segundo, porque ele chama atenção para a possibilidade real
dessa contribuição se voltar tanto para a manutenção, quanto para a trans-
formação; tanto para a reprodução, quanto para a emancipação. Podendo
não ser apenas uma ou outra, mas, inclusive, em dados momentos, ambas,
simultaneamente, a depender da forma como as forças sociais conflitantes
se confrontam pelos seus interesses ficará definido qual das duas posições
se sobreporá e em que grau.
Não há teleologia na história, o movimento histórico resulta da inter-
venção de seres humanos, sujeitos históricos. Se ocorrer um período relati-
vamente estático no âmbito da manutenção mais do que na transformação,
ou vice-versa; ou, ainda, uma grande elevação na intensidade de confronta-
ções hegemônicas antagônicas, é que essas forças estarão mobilizadas, no
sentido de manter ou mudar a concepção do mundo, atrasando ou apres-
sando a chegada do novo.
Eis o risco de assumir concepções de Educação que nos conforme ao li-
mite de uma sociabilidade que defende o mercado como fundamento de social,
mesmo que estas pareçam libertárias na defesa da emancipação política. No
caso da Educação para a cidadania, a emancipação está limitada a esfera da
política, portanto não pode ser confundida com a emancipação humana, que
contempla todas as dimensões humanas. Isso significa que devemos aban-
donar a luta pelos direitos, pelo exercicio da cidadania? Que a Educação e a
escola não devem se preocupar com a emancipação política?
Obviamente, como ressalta Tonet (2005), a emancipação política que
advém com o pleno exercício da cidadania é de grande importância, todavia
não é suficiente. Apenas uma concepção de Educação mais ampla, voltada
para a emancipação humana, pode se vincular a um projeto de uma mu-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 107


dança radical, capaz de romper com a lógica desumanizadora e mistifica-
dora do capital. Portanto, é necessário saber, exatamente e com precisão,
onde queremos chegar para sermos capazes de construir o caminho. Não
podemos sucumbir acriticamente aos desvios que aparecem na Educação,
na forma de reformas e arranjos institucionais, que pelos exemplos histó-
ricos nos permitem compreender o que significa permanecer aprisionado
dentro da ‘zona de conforto’ da ideologia institucional articulada ao capital.
Marx, n’A Ideologia Alemã, afirma que um projeto de emancipação
humana não pode estar desvinculado da realidade, que não é possível con-
seguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais; que
não pode haver liberdade para o homem enquanto ele não desfrutar do tra-
balho como desenvolvimento de suas forças físicas e espirituais; enquanto
não tiver o controle consciente do processo social de suas relações reais de
existência, relações sociais entre homens e não relações entre mercadorias,
entre coisas.
Após nossa reflexão... você negaria que a Educação e os processos
de reprodução mais amplos estão intimamente ligados? Não?! São poucos
os que negariam essa evidência, portanto, uma reformulação significativa
da Educação é inconcebível sem se voltar para a correspondente transfor-
mação do quadro social no qual as práticas educacionais, não apenas da
escola, mas da sociedade, devem realizar sua função de mudança, de cria-
ção do novo, do futuro. É essa a posição defendida por Tonet, que segue
concluindo:

“Isto considerado, desenvolver atividades educativas que pretendam con-


tribuir para a construção de uma sociedade em que a formação integral
dos indivíduos seja possível implica, em primeiro lugar, o conhecimento
claro, sólido e racionalmente sustentado dos fins que se quer atingir. Fins
esses que devem brotar da análise do processo histórico-social real e não
da mera subjetividade. Com isto queremos dizer que é preciso ter clareza
do que significa uma sociedade plenamente emancipada. Considerando
o descrédito em que caíram, nos dias de hoje, as idéias de socialismo,
comunismo, emancipação humana, superação do capitalismo, pode-se
imaginar a imensidade da tarefa que se apresenta já nesse simples mo-
mento. Em segundo lugar, é preciso conhecer a realidade social concre-
ta, aí estando implicadas a história da humanidade, a forma capitalista
da sociabilidade e a natureza da crise por que ela passa hoje(...) Em
terceiro lugar, implica desenvolver atividades que incentivem as pessoas
a participar ativamente das lutas sociais que estejam articuladas com a
transformação radical da sociedade e não apenas com a cidadania. Isto
porque, como dizia Marx, as idéias apenas transformam a mente, o que
certamente é muito importante. Mas, para que transformem a realidade,
é necessário que elas se tornem força material e isso se dá através da
ação prática. bem como seus rebatimentos sobre a realidade mais próxi-
ma na qual se atua”.

Portanto, embora sabendo que não podemos de maneira voluntarista


mudar a Educação, ou seja, efetivar uma Educação emancipadora nos limi-
tes do capital, compreendemos que é possível realizar ações emancipadoras
dentro da Educação visando à construção da emancipação humana. Para
isso, como salienta Tonet (2005), devemos ter claro o que queremos e porque
queremos, sempre a partir da análise crítica da situação histórico social na
qual estamos inseridos; devemos conhecer exatamente, sem mistificação,

108 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


nossa realidade concreta e, por fim, vincular nossas ações práticas a luta
geral da emancipação humana que passa pela transformação radical da
sociedade. Nessa perspectiva, colocamos, para você, as seguintes questões:
Como nossas ações, concretas, cotidianas, podem influir na reprodu-
ção da ordem social atual e como podem colaborar para a construção de
uma nova sociabilidade?
Com os questionamentos acima, concluímos nosso percurso na espe-
rança de termos alcançado os objetivos propostos fomentando uma visão
crítica da Educação. Queremos estimular, você, para, a partir do que foi
estudado e das suas experiências, proceder sua própria análise acerca da Você acha que é possivel
Educação no contexto da sociedade capitalista. Finalmente, para brindar mudar a realidade ? O que
significa uma sociedade
nosso encontro, desejo, de forma pessoal, como educadora e autora do texto, emancipada ? É possível
partilhar com você, na certeza de que estamos sempre apenas “começando” construir uma sociedade
a pensar e a construir tudo que há de vir, as palavras de homem amoroso emancipada, para além
do capital ?
da vida e da Educação, que dedicou sua vida a fazê-las mais humanas:

“Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança,
sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que via-
bilizem a sua concretização. É neste sentido que tenho dito em dife-
rentes ocasiões que sou esperançoso não por teimosia, mas por impe-
rativo existencial (...) O meu discurso a favor do sonho, da utopia, da
liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e
não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora”
(FREIRE, 2001, p. 85).

Toda a reflexão proposta no conjunto do livro se voltou para essa últi-


ma parte que tratou especificamente da Educação. Compreendendo a Edu-
cação como uma dimensão social fundada no trabalho que se desenvolve
com relativa autonomia dada sua especificidade e função na totalidade do
complexo de complexos, a Educação tem assumido historicamente diversas
expressões, sempre de acordo com o modo de produção no qual se encontra
contextualizada. No âmbito da sociedade capitalista, que é uma sociedade
de classes, a Educação tem sido utilizada como instrumento de reprodu-
ção e controle do capital para a interiorização ideológica da forma de ser
e de pensar dominante. Não obstante esse vínculo ideológico com a classe
hegemônica, a Educação tanto no espaço formal, sistemas nacionais de
ensino, como no espaço informal, dado seu caráter geral de mediação entre
o individuo e o gênero humano, pode estar ligada a uma contra-hegemonia
a depender da correlação de forças na sociedade. Para Mészáros, a razão
do fracasso de todos os esforços anteriores é que se destinavam a instituir
grandes mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais recon-
ciliadas com o ponto de vista do capital, consistia – e ainda consiste – no
fato de as determinações fundamentais do sistema do capital serem irrefor-
máveis. Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas
interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez, conscientemen-
te ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa. Do mesmo
modo, contudo procurar margens de reforma na própria estrutura do sis-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 109


tema do capital é uma contradição em termos. É por isso que é necessário
romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente. (MÉSZÁROS, 2005, p.
26-27). A alternativa posta no debate atual sobre a Educação em tempos
de crise se volta para duas propostas: educar para a cidadania ou para a
emancipação humana. Para muitos autores críticos da Educação burgue-
sa, entre eles Tonet, educar para a cidadania embora seja importante nos
mantém nos limites da sociedade de mercado. Se não formos além da esfera
da emancipação política não poderemos alcançar a emancipação humana,
que só ocorrerá com uma transformação radical da sociedade e da lógica
do capital.

1. Leia o Texto de Ivo Tonet, disponível em: www.geocities.com/ivotonet/


arquivos/A_EDUCACAO_NUMA_ENCRUZILHADA.pdf. Faça um resumo
expondo as idéias do autor com uma análise acerca dessas idéias e di-
vulgue no forum da disciplina.

Leituras
Escola e Democracia
SAVIANI, D. Escola e Democracia. Ed. Autores Associados, 33ª Ed. SP.
2000.
Excelente trabalho do filósofo da Educação. Uma análise filosófica da Edu-
cação a partir da problematização da marginalidade relativa a Educação.
Expõe criticamente as diversas teorias pedagógicas mostrando como as di-
ferentes concepções de Educação – as não-criticas e as crítico-reproduti-
vistas - se posicionam frente a esse fenômeno. Para superar a dicotomia
propõe como exercício metodológico - a Teoria da Curvatura de Vara de Lê-
nin - para uma reflexão crítica e contextualizada sobre Educação, política e
sociedade. O livro já está com mais de 30 edições, uma resposta
Está disponível em:
http://www.scribd.com/doc/6175564/Escola-e-Democracia-Dermeval-Sa-
viani.
A Educação para além do capital
MÉSZÁROS, I. A Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo,
2005.
O ensaio que dá título ao livro foi escrito para a conferência de abertura do
Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre, em 2004. Nesse
texto, o professor emérito da Universidade de Sussex afirma, entre outras
coisas, que a Educação não é uma mercadoria. Que Educação não deve

110 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


qualificar para o mercado, mas para a vida. Discute como pensar a socie-
dade e a Educação tendo como parâmetro o ser humano, exige a superação
da lógica desumanizadora do capital, que tem no individualismo, no lucro
e na competição os seus fundamentos.

Educação, Cidadania e Emancipação Humana


TONET, I. Educação, Cidadania e Emancipação Humana. Ijuí: Ed. Unijuí,
2005.
O autor coloca em foco um tema que persistia em outros momentos da sua
obra. O debate sobre o significado essencial de vínculo da Educação com
um projeto de emancipação política – cidadania, ou emancipação humana
é indispensável nos dias atuais. Faz uma reflexão fecunda e em perspectiva
sobre as duas concepções, esclarece que a cidadania moderna, devido as
suas origens e sua função na reprodução social, não pode ser sinônimo de
emancipação humana; é uma forma de liberdade, porém, limitada. Enfatiza
a emancipação política que vai muito além da política; significa algo radi-
calmente distinto e superior à cidadania, uma possibilidade de futuro para
a humanidade.

Filmes
• Meu tio. Itália/França. 1958. Direção: Jacques Tati.
• Sociedade doa poetas mortos. EUA. 1989. Direção: Peter Weir.
• Sementes da violência. EUA. 1995. Direção:Richard Brooks.
• Edukators. Alemanha. 2004. Direção: Hans Weingartner.

Sites sugeridos
http://www.geocities.com/ivotonet/
No site está disponibilizada boa parte de toda a produção do Professor Dr.
e Pesquisador do Dep. de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. In-
cluindo algumas que foram citadas no texto. Sua obra é uma referência,
crítica, na área de Filosofia da Educação.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&lng=pt&nrm=iso
A Scientific Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica
que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros.
A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIRE-
ME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Tem muitos artigos
sobre Educação.

http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp
Professores, pesquisadores, alunos e funcionários de 191 instituições de en-
sino superior e de pesquisa em todo o País têm acesso imediato à produção
científica mundial atualizada através deste serviço oferecido pela CAPES.
Portal oferece acesso aos textos completos de artigos selecionados de mais
de 12.661 revistas internacionais, nacionais e estrangeiras, e 126 bases de
dados com resumos de documentos em todas as áreas do conhecimento.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 111


Cristiane Maria Marinho
Possui graduação em FILOSOFIA pela FACULDADE DE FILOSOFIA DE
FORTALEZA (1983), Mestrado em Filosofia pela Universidade Federal da Pa-
raíba (2000) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará
(2008). Atualmente é professora adjunta de Filosofia da FUNDAÇÃO UNI-
VERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Tem experiência na área de Filoso-
fia, com ênfase em Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas:
ética, sujeito, sociedade, poesia, política, história,marxismo, objetividade e
conhecimento, História da filosofia no Brasil, pós-modernidade, Filosofia da
Educação

Elizabeth Furtado
Possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza
(1981), e em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (1987).
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (1991), doutora-
do em Educacao pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Edu-
cação pela Universidade Federal do Ceará (2002). Atualmente é professora
Adjunto da Universidade Estadual do Ceará.

Epitácio Macário Moura


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará
(1995), mestrado (1999) e doutorado (2005) em Educação pela Universidade
Federal do Ceará. Atualmente é professor adjunto da Universidade Esta-
dual do Ceará, atuando principalmente nas áreas de Economia Política e
Filosofia do Trabalho. É professor colaborador no mestrado/doutorado em
educação da UFC. Pesquisa na área Trabalho e Educação, com ênfase na
Ontologia do Ser Social. Tem experiência na área de Educação, bem como
nas temáticas concernentes à Crise do Capital, Reestruturação Produtiva e
Educação dos Trabalhadores.

Maria Hercilia Mota Coelho


Possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Ceará (1975) , es-
pecialização em Formação de Prof. em Educação a Distância pela Universi-
dade Federal do Paraná (2002) e mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Ceará (1986) . Atualmente é Professor Adjunto da Universidade
Estadual do Ceará. Tem experiência na área de Educação , com ênfase em
Fundamentos da Educação. Atuando principalmente nos seguintes temas:
Menor marginalizado, Alfabetização, Paulo Freire.

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114 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

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