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FILOSOFIA NAS AMÉRICAS

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Olá! Meu nome é Edson Renato Nardi. Sou professor de


Filosofia e educador físico, com Mestrado e Doutorado
em Educação pela Universidade do Estado de São Paulo,
campus Araraquara. Atualmente, sou coordenador da
Graduação em Filosofia nas modalidades EaD e presencial
do Claretiano – Centro Universitário e do curso de Pós-
Graduação em Ensino de Filosofia. Atuo, também, na
rede pública de ensino do estado de São Paulo, a cerca de
25 anos, nas disciplinas de Educação Física e Filosofia. Por
meio desta obra, espero poder contribuir com sua
formação e instigá-lo a investigar, com profundidade e de
modo autônomo, os temas e filósofos aqui apresentados!
E-mail: filosofia.ead@claretiano.edu.br
Edson Renato Nardi

FILOSOFIA NAS AMÉRICAS

Batatais
Claretiano
2019
© Ação Educacional Claretiana, 2018 – Batatais (SP)
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição
na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito
do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva


Vice-Reitor: Prof. Dr. Pe. Cláudio Roberto Fontana Bastos
Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon
Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Dr. Pe. Cláudio Roberto Fontana Bastos
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Me. Luís Cláudio de Almeida
Coordenador Geral de EaD: Prof. Me. Evandro Luís Ribeiro

CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera
• Cátia Aparecida Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins
• Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo •
Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio
Morotti • Rodrigo Ferreira Daverni • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia
Maria de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires
Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz Bulgarelli • Gustavo Fonseca • Luis
Gustavo Millan • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso

INFORMAÇÕES GERAIS
Cursos: Graduação
Título: Filosofia nas Américas
Versão: ago./2019
Formato: 15x21 cm
Páginas: 162 páginas
SUMÁRIO

CONTEÚDO INTRODUTÓRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 13
2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS............................................................................. 18
3. ESQUEMA DOS TEMAS-CHAVE........................................................................ 20
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 21

Unidade 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 25
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 26
2.1. SOB O VÉU DA IGNORÂNCIA DE JOHN RAWLS...................................... 26
2.2. O ESTADO MÍNIMO DE ROBERT NOZICK................................................ 32
2.3. A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO DE LEOPOLDO ZEA................................. 40
2.4. AS VINTE TESES SOBRE A POLÍTICA DE ENRIQUE DUSSEL................... 44
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 49
3.1. ANTECEDENTES DA FILOSOFIA POLÍTICA NORTE-AMERICANA........... 49
3.2. ANARCOCAPITALISMO............................................................................. 50
3.3. FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO..................................................................... 52
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 53
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 57
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 58
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 60

Unidade 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 63
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 63
2.1. HENRY DAVID THOREAU.......................................................................... 64
2.2. AYN RAND E O EGOÍSMO ÉTICO............................................................. 70
2.3. JOSÉ INGENIEROS E O HOMEM MEDIOCRE........................................... 75
2.4. ALEJANDRO KORN.................................................................................... 79
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 84
3.1. DA DEFESA DA NATUREZA À DEFESA DOS ANIMAIS: A ÉTICA DE PETER
SINGER....................................................................................................... 85
3.2. AS CRÍTICAS DE AYN RAND AO COLETIVISMO....................................... 85
3.3. FILOSOFIA ARGENTINA............................................................................ 86
3.4. A ÉTICA AMBIENTAL DE HENRY DAVID THOREAU................................. 87
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 88
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 91
6. E.REFERÊNCIAS................................................................................................. 92
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 93

Unidade 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 97
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 97
2.1. A AUTOPOIESIS DE MATURANA E VARELLA........................................... 98
2.2. MARIO BUNGE E A FILOSOFIA DA CIÊNCIA........................................... 104
2.3. A HERMENÊUTICA ANALÓGICA DE MAURICIO BEUCHOT.................... 108
2.4. O PRAGMATISMO DE CHARLES SANDER PEIRCE................................... 112
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 118
3.1. A AUTOPOIESIS DE MATURANA E VARELLA........................................... 119
3.2. A EPISTEMOLOGIA DE MARIO BUNGE................................................... 119
3.3. O PRAGMATISMO DE PEIRCE.................................................................. 120
3.4. A HERMENEUTICA DE MAURICIO BEUCHOT......................................... 121
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 122
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 126
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 126
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 127

Unidade 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS


1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 131
2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA.............................................................. 132
2.1. PAULO FREIRE........................................................................................... 132
2.2. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE JOHN DEWEY...................................... 138
2.3. O SENSO DE BELEZA SEGUNDO GEORGE SANTAYANA.......................... 145
2.4. O CONCEITO DE ARTE DE ARTHUR DANTO............................................ 148
3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR................................................................. 153
3.1. VIDA E IDEIAS DE PAULO FREIRE............................................................ 153
3.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY.................................................... 153
3.3. QUESTÕES SOBRE ARTE E BELEZA.......................................................... 154
4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS........................................................................ 155
5. CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 159
6. E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 159
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 161
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Conteúdo
A Filosofia nas Américas: aproximações e diferenciações. A Filosofia na Amé-
rica do Norte: John Dewey; John Rawls; Charles Sanders Peirce; Henry David
Thoreau; George Santayana; Ayn Rand; Robert Nozick; Arthur Danto. A Filoso-
fia na América Latina: Paulo Freire, Enrique Dussel, Humberto Maturana, Leo-
poldo Zea, Mario Bunge, Alejandro Korn, Mauricio Beuchot, José Ingenieros.

Bibliografia Básica
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_
do_oprimido.pdf>. Acesso em: 31/01/2018.
NOZICK, R. Anarquia, Estado e utopia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. (Coleção
Pensamento Político, n. 50).

Bibliografia Complementar
AMERICAN HISTORY. Transcendentalism, An American Philosophy. Disponível em:
<http://www.ushistory.org/us/26f.asp>. Acesso em: 22 jun. 2018.
ARCHIE, L.; ARCHIE, J. G. Readings in the History of Aesthetics – an open-source reader.
2006. Disponível em: <philosophy.lander.edu/intro/artbook.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.
ATKINS, A. Charles Sanders Peirce: Pragmatism. Internet Encyclopedia of Philosophy.
Disponível em: <https://www.iep.utm.edu/peircepr/>. Acesso em: 25 jun. 2018.
BEUCHOT, M. Exposición sucinta de la Hermenéutica Analógica. Solar, Lima, n. 3, ano
3, p. 67-77, 2007.
BUNGE, M. Filosofías y fobosofías: parteras e institutrices, porteras y carceleras,
engañadas y mercenarias, escapistas y ambivalentes. Exégesis, Humacao, Porto Rico,
p. 97-104, 2010. Disponível em: <http://revistas.uigv.edu.pe/index.php/exegesis/
article/view/158/167>. Acesso: 25 jun. 2018.

9
CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

______. La ciencia: su método y su filosofia. Disponível em: <https://users.dcc.uchile.


cl/~cgutierr/cursos/INV/bunge_ciencia.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.
CAFARO, P. Thoreau, Leopold, and Carson: toward an environmental virtue ethics.
Environmental Ethics, v. 3, n. 1, p. 3-17, 2001.
DANTO, A. The artworld. The Journal of Philosophy, v. 61, n. 19, p. 571-584, 1964. Disponível
em: <https://is.muni.cz/el/1421/jaro2014/IM088/Danto__1_.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.
DUSSEL, E. 20 tesis de Política. Mexico: Siglo XXI; Centro de Cooperación Regional para la
Educación de Adultos en América Latina y Caribe, 2006. Fonte: <http://enriquedussel.
com/txt/Textos_Libros/56.20_Tesis_de_politica.pdf>. Acesso: 21 jun. 2018.
ENGLISH, A. John Dewey’s Democracy and Education: questions for education today.
In: ANNUAL CONFERENCE OF THE PHILOSOPHY OF EDUCATION SOCIETY OF GREAT
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dotAsset/a1445ae8-b10c-4de6-bd0d-f4329891c42a.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.
FURTAK, R. A. Henry David Thoreau. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2017.
Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/fall2017/entries/thoreau/>.
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GIROUX, H. Lessons from Paulo Freire. The Chronicle of Higher Education, 2010.
INGENIEROS, J. El hombre mediocre. 2000. Disponível em: <http://www.mediafire.com/
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em: <https://archive.org/stream/haciaunamoralsin00inge/haciaunamoralsin00inge_
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KANT, I. Crítica da Razão Prática. São Paulo: Edições e Publicações Brasil Editora S.A.,
1959. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/kant/1788/mes/pratica.
pdf>. Acesso: 21 jun. 2018.
KORN, A. La libertad criadora. Buenos Aires: Editorial Losada, 1944. Disponível em:
<https://documentslide.org/the-philosophy-of-money.html?utm_source=korn-la-
libertad-creadora-pdf&utm_campaign=download>. Acesso em: 22 jun. 2018.
LIU, K. D. Conscientization and the cultivation of conscience. Tese (Doutorado
em Filosofia da Educação) – University of Canterbury, Christchurch, 2012.
Disponível em: <https://ir.canterbury.ac.nz/bitstream/handle/10092/7129/
FinalcopyforConscientizationandtheCultivationofConscienceinaPDFformat.
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scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752013000100010>. Acesso
em: 22 jun. 2018.

10 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

MENDIETA, E. Philosophy of Liberation. 2016. Disponível em: <https://plato.stanford.


edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=liberation>. Acesso em: 9 abr. 2018.
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problema_de_la_valoraci%C3%B3n_del_arte>. Acesso em: 26 jun. 2018.
MORRESI, S. D. Robert Nozick e o liberalismo fora de esquadro. Lua Nova, São Paulo,
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MURRAY, D. Robert Nozick: Political Philosophy. Internet Encycolpedia of Philosophy.
Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/noz-poli/#SH3a>. Acesso: 21 jun. 2018.
NERVI, J. R. José Ingenieros y las perspectivas filosóficas del Positivismo argentino.
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RAND, A. A virtude do egoísmo. 2016. Disponível em: <http://lelivros.me/book/
baixarlivro-a-virtude-do-egoismo-ayn-rand-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/>.
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RAWLS, J. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
RICHARDSON, H. S. John Rawls (1921-2002). Internet Encycolpedia of Philosophy.
Disponível em: <https://www.iep.utm.edu/rawls/>. Acesso: 21 jun. 2018.
ROBERTS, P. Education, literacy, and humanization: exploring the work of Paulo Freire.
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SANTAYANA, G. The life of reason. New York: Dover Publication, 1980. Disponível
em: <https://www.wikipremed.com/reading/philosophy/The_Life_of_Reason.pdf>.
Acesso em: 26 jun. 2018.
______. The sense of beauty. 2008. Disponível em <https://www.gutenberg.org/
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SILVEIRA, C. O mundo e os mundos da arte de Arthur C. Danto: uma teoria filosófica
em dois tempos. Ars, ano 12, n. 23, p. 52-79, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.
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STATEUNIVERSITY.COM. Paulo Freire (1921–1997) – Conceptual tools, philosophy
of education, criticism. Disponível em: <http://education.stateuniversity.com/
pages/1998/Freire-Paulo-1921-1997.html>. Acesso em: 26 jun. 2018.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 11


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

THOMSON, K. J. M. The art museum at the end of art – Arthur C. Danto’s philosophy of art and
its implications for the posthistorical museum. Dissertação (Mestrado em Artes) – Queen’s
University, Ontario, Canada, 1998. Disponível em: <https://www.collectionscanada.gc.ca/
obj/s4/f2/dsk2/tape15/PQDD_0010/MQ31259.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2018.
THOREAU, H. D. Caminhada. São Paulo: Dracaena, 2011.
______. Walden ou A vida nos bosques. São Paulo: Ground, 2007.
TORRES, C. A. Education and archaeology of consciousness: Freire and Hegel.
Educational Theory, v. 4, p. 429-445, 1994.
VALLENTYNE, P. Robert Nozick: Anarchy, State, and Utopia. In: SHAND, J. (Ed).
Central Works of Philosophy: The Twentieth Century: Quine and After. Chesham:
Acumen Publishing Limited, 2006. Disponível em: <https://danwin1210.me/uploads/
F3thinker%20%21%20-%20Tell%20ME%20the%20TRUTH%20%21./Central%20
Works%20of%20Philosophy%205.pdf#page=109>. Acesso: 26 jan. 2018.
ZEA, L. A Filosofia latino-americana como Filosofia da Libertação. 1973. Disponível
em: <https://mural-2.com/_files/200003973-33b1934ab8/FilosofiaLatinoamericana-
Leopoldo%20Zea.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2018.
______. En torno a una filosofia americana. 2003. Disponível em: <http://www.
biblioteca.org.ar/libros/1294.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2018.

Palavras-chave ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Filosofia nas Américas. Filosofia Norte-americana. Filosofia na América Latina.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É importante saber
Esta obra está dividida, para fins didáticos, em duas partes:
Conteúdo Básico de Referência (CBR): é o referencial teórico e prático que deverá
ser assimilado para aquisição das competências, habilidades e atitudes necessárias
à prática profissional. Portanto, no CBR, estão condensados os principais conceitos,
os princípios, os postulados, as teses, as regras, os procedimentos e o fundamento
ontológico (o que é?) e etiológico (qual sua origem?) referentes a um campo de saber.
Conteúdo Digital Integrador (CDI): são conteúdos preexistentes, previamente seleciona-
dos nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadê-
micos confiáveis. É chamado "Conteúdo Digital Integrador" porque é imprescindível para
o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência. Juntos, não apenas privilegiam a
convergência de mídias (vídeos complementares) e a leitura de "navegação" (hipertexto),
como também garantem a abrangência, a densidade e a profundidade dos temas estuda-
dos. Portanto, são conteúdos de estudo obrigatórios, para efeito de avaliação.

12 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

1. INTRODUÇÃO
A possibilidade da criação desta obra se mostrou necessá-
ria tão logo se começou a aventar a criação do Bacharelado em
Filosofia no Claretiano – Centro Universitário. Essa necessidade
se manifestava, sobretudo, devido à estruturação das disciplinas
já existentes na modalidade Licenciatura e que seriam também
contempladas no Bacharelado e a algumas particularidades po-
lítico-filosóficas que existiam naquele momento em nosso país e
no mundo.
Especificamente, quanto às disciplinas já existentes na
Licenciatura, foi possível perceber que, em sua organização
curricular, a seleção de filósofos e suas respectivas filosofias
prestigiava por demais a produção filosófica europeia e, mais
especificamente, a Filosofia Analítica; e, por sua vez, havia pou-
cas referências às produções filosóficas realizadas nas Américas,
tampouco à Filosofia Analítica produzida aqui e seus desdobra-
mentos posteriores.
Dessa constatação, resguardada a importância das pro-
duções filosóficas oriundas do Velho Continente, consideramos
necessário investigar as produções filosóficas realizadas na Amé-
rica em suas mais variadas áreas, a originalidade dos temas pro-
duzidos e como estes poderiam suprir as lacunas já apontadas,
de modo a ampliar o leque de referenciais filosóficos para a for-
mação adequada do bacharel em Filosofia.
No que tange ao segundo aspecto, das particularidades
político-filosóficas do momento, houve uma polarização político-
-ideológica em nosso país e no mundo, vivenciada no momento
em que se iniciou a produção desta obra e que, em análise, se

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 13


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

mostrava danosa tanto para o fomento da cultura e da pesquisa


quanto para a Filosofia.
Essa polarização política gerou posicionamentos radicais,
quer seja de grupos autoproclamados representantes da esquer-
da, quer seja de outros grupos que faziam também uma auto-
proclamação como representantes do pensamento político de
direita. Tal fenômeno ocasionou resistência a qualquer produção
cultural ou filosófica que não se encaixasse nas opções políticas
de determinados grupos.
Desse modo, se o interlocutor adotasse um posicionamen-
to político à direita, ficava definitivamente proibida a leitura de
filósofos tais como Karl Marx, Michel Foucault, Antonio Gramsci
e outros tantos filósofos que representassem a ideologia “nefas-
ta” da esquerda. Em contrapartida, se o indivíduo adotasse posi-
cionamento político à esquerda, seria considerado nonsense, ou
eventual falta de capacidade intelectual, o uso dos argumentos
de Thomas Sowell e Karl Popper e outros tantos filósofos que
colocassem em xeque os cânones e paradigmas que sustentam o
pensamento da esquerda.
Com isso, a exclusão a priori do contraditório, da ideia di-
vergente, além de expurgar o exercício da autocrítica, elemento
essencial do fazer filosófico, provocava também o surgimento de
atitudes dogmáticas, intransigentes e, muitas vezes, avessas à
busca do rigor e da isenção necessários ao espírito investigativo
filosófico.
Mais ainda, em meados de 2016, aparecia também no ce-
nário mundial o conceito de pós-verdade (post-truth), conceito
utilizado para se referir a posicionamentos adotados por indiví-
duos quando os fatos objetivos são menos influentes na forma-

14 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

ção da opinião pública do que argumentos que atraiam a emo-


ção e a crença pessoal.
Com isso, encontrávamo-nos em um ambiente tóxico
para o exercício filosófico, visto que essa radicalização política
começou a produzir indivíduos avessos a teorias filosóficas que
viessem a questionar o posicionamento político/cultural que o
indivíduo adotava, e, por sua vez, a investigação rigorosa e com-
prometida com o levantamento de perguntas foi substituída pelo
apelo à emoção, que, muitas vezes, ocasionava, inclusive, a ab-
dicação da reflexão cuidadosa pelo uso contumaz de palavrões,
impropérios, ameaças e a adesão que beirava o nonsense, às
mais variadas teorias conspiratórias.

Vale saber que––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––


A teoria conspiratória se apresenta como uma teoria que explica um evento ou con-
junto de circunstâncias como resultado de uma trama secreta de conspiradores geral-
mente poderosos ou, ainda, a explicação para eventos importantes e que envolvem
enredos secretos por grupos poderosos e malévolos. A vítima da teoria conspiratória
costuma buscar na realidade evidências que confirmem sua teoria e descartar aprio-
risticamente as evidências que não a corroboram.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Em tal condição, como bem o sabemos, a partir das refle-


xões sobre esse tema realizadas em momentos anteriores, se o
indivíduo já possui uma visão paradigmática cristalizada do mun-
do, possui certezas em detrimento de dúvidas ou, ainda, troca o
exercício árduo da construção racional pela catarse emocional
reincidente, encontramo-nos em um cenário potencialmente
danoso à Filosofia e a outras áreas do conhecimento que se fun-
damentam no rigor e na investigação.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 15


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

Nesse contexto, ao aventar a possibilidade de construção


desta obra, frente a esse momento em que nos encontrávamos,
adveio a necessidade da opção pela apresentação do pluralismo
de ideias, pela apresentação de posicionamentos filosóficos con-
flitantes, de modo a suscitar em você a necessidade de perceber
que, na Filosofia, o estabelecimento prévio de uma verdade in-
contestável é condição certa para o enfraquecimento e, até mes-
mo, o fim da Filosofia.
Confessamos que o posicionamento adotado nesta obra
se inspira em um artigo produzido pelo filosofo inglês Bertrand
Russell, publicado no ano de 1951 no jornal The New York Times.
Nele o filósofo buscou apresentar uma proposta de atitude/ação
frente ao fanatismo e que foi sintetizado por meio da constru-
ção de um decálogo que tomamos a liberdade de reproduzir na
íntegra:
Talvez a essência da perspectiva liberal possa ser resumida em
um novo decálogo, não destinado a substituir o antigo, mas
apenas a complementá-lo. Os Dez Mandamentos que, como
professor, eu gostaria de promulgar, podem ser apresentados
da seguinte forma: não fique absolutamente certo de nada.
Não pense que vale a pena prosseguir ocultando evidências,
pois a evidência certamente virá à luz. Nunca tente desencora-
jar o pensamento para você ter certeza de ter sucesso. Quan-
do você se encontra com a oposição, mesmo que seja do seu
marido ou de seus filhos, esforce-se por vencê-lo por meio de
argumentos e não por autoridade, pois uma vitória dependen-
te da autoridade é irreal e ilusória. Não respeite a autoridade
dos outros, pois sempre há autoridades contrárias a serem en-
contradas. Não use o poder para suprimir as opiniões que você
acha perniciosas, pois, se você o fizer, as opiniões o suprimirão.
Não tenha medo de ser excêntrico em opinião, pois todas as
opiniões agora aceitas já foram excêntricas. Encontre mais pra-
zer na dissidência inteligente do que no acordo passivo, pois, se
você valorizar a inteligência como deveria, o primeiro implica

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CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

um acordo mais profundo do que o último. Seja escrupulosa-


mente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente,
pois é mais inconveniente tentar esconder isso. Não sinta inveja
da felicidade daqueles que vivem no paraíso dos tolos, pois só
um idiota pensará que é felicidade (RUSSELL, 2009, p. 533-534,
tradução nossa).

Há de se dizer que Russell, dada a sua conduta autocrítica


tal, exposta na citação, criou inimigos de ambos os lados do radi-
calismo político e intelectual, ora recebendo adjetivos nada elo-
giosos por ser considerado de esquerda ou, devido a alguns de
seus posicionamentos liberais, recebendo ataques semelhantes
de movimentos de esquerda.
Com o exposto até este momento, estabelecemos que já
existem condições suficientes para avançarmos nesta introdução
e tratarmos do modelo escolhido para sistematizar a organização
desta obra. O primeiro aspecto a ser esclarecido é que este ma-
terial não tem por pretensão investigar aspectos históricos das
escolas filosóficas existentes nas Américas e suas particularida-
des específicas. Consideramos que esse tema – mesmo sendo,
sem dúvidas, relevante –, devido às restrições editoriais existen-
tes, não poderia ser contemplado, mas isso certamente não o
impedirá de realizar essa investigação.
Em vez disso, optamos por uma organização temática dos
filósofos a serem abordados. É certo que sempre faltará este ou
aquele pensador que, em sua opinião, poderia ser contemplado
nesta obra; no entanto, ressaltamos que buscamos selecionar fi-
lósofos das correntes mais variadas e, também, áreas diversas da
Filosofia, de modo a poder lhe apresentar um panorama múlti-
plo das contribuições filosóficas realizadas.

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CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

2. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS
O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e
precisa das definições conceituais, possibilitando um bom domí-
nio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conheci-
mento dos temas tratados.
1) Autopoiesis: neologismo proposto em 1971 pelos
biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco
Varela para designar a organização dos sistemas
vivos. Uma breve descrição seria dizer que a auto-
poiesis é a condição de existência dos seres vivos na
produção contínua de si mesmos.
2) Egoísmo ético: o sistema moral em que uma ação
é moralmente necessária se promove as melhores
consequências para o agente.
3) Filosofia da Libertação: conjunto de propostas fi-
losóficas originadas na América Latina que buscam
apresentar uma filosofia própria fundamentada na
circunstância específica dos povos latino-americanos
e que busca libertar-se de fundamentos filosóficos e
ideologias colonizadoras.
4) Fobosofia: ódio ou medo em relação ao saber e ao
ato de conhecer.
5) Historicismo: termo que possui inúmeras interpre-
tações e, especificamente nesta obra, representa o
conjunto de ideias que afirma que cada período da
história tem suas próprias crenças e valores, inapli-
cáveis a qualquer outro, de modo que nada possa
ser entendido independentemente de seu contexto
histórico.

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CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

6) Libertarianismo: filosofia política cujos fundamen-


tos se baseiam no princípio da não agressão, de-
fendendo que as pessoas devam ter a permissão
de viver e fazer suas próprias escolhas sem a inter-
ferência do governo ou de outros, desde que essas
escolhas não envolvam o início do uso de força ou
fraude contra outros. Grosso modo, poderia ser sin-
tetizada no dito: “sê livre e deixe viver”.
7) Minarquismo: caracteriza-se por manifestar uma
filosofia política que defende a redução das fun-
ções do governo para um escopo mínimo, forne-
cendo às pessoas apenas serviços básicos, como
lei e segurança. É considerado uma forma de liber-
tarianismo, porque encontra algum papel útil para
o Estado. Os minarquistas defendem que o estado
funcione como night-watchman state, que, literal-
mente, seria um Estado “guarda noturno” e que
não seria responsável por educação, assistência
médica, emprego ou transporte de seus cidadãos,
tampouco pelo uso dos recursos naturais em seu
território. Todos esses itens citados seriam manti-
dos em particular ou publicamente, mas nunca se-
riam suscetíveis de sofrer qualquer interferência do
Estado, sua lei ou seus representantes.
8) Ontogênese: termo oriundo do grego (“ontos”: ser,
“gênese”: origem), utilizado para descrever o pro-
cesso em que um organismo evolui por meio das al-
terações biológicas que ocorrem em um indivíduo,
iniciando-se em seu nascimento e indo até o seu
desenvolvimento final. Esse conceito se contrapõe
ao de filogênese (“filos”: raça, “gênese”: origem),

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 19


CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

porque, enquanto o conceito de ontogênese refe-


re-se a indivíduo, o de filogênese refere-se a raça/
espécie.
9) Pragmatismo: movimento filosófico que inclui
aqueles que afirmam que uma ideologia ou propo-
sição é verdadeira se funcionar satisfatoriamente,
que o significado de uma proposição deve ser en-
contrado nas consequências práticas de aceitá-la, e
que ideias não práticas devem ser rejeitadas.
10) Teologia da Libertação: proposta de cunho teológi-
co cristão que teve como principais representantes
intelectuais e religiosos oriundos da Igreja Católi-
ca na América Latina em meados da década de 50.
Dentre alguns de seus principais representantes,
destacam-se Leonardo Boff no Brasil, Gustavo Gu-
tiérrez no Peru e Juan Luis Segundo no Uruguai. De
modo geral, essa teoria busca defender a relevân-
cia da libertação do oprimido e, consequentemen-
te, esse posicionamento ficou marcado como sen-
do uma opção pelos pobres.

3. ESQUEMA DOS TEMAS-CHAVE


O Esquema a seguir possibilita uma visão geral dos temas
mais importantes deste estudo.

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CONTEÚDO INTRODUTÓRIO

FILOSOFIA NAS AMÉRICAS

Estética Ética Epistemologia Filosofia Política

G. Santayana H. D. Thoreau Maturana & Varela John Rawls


Arthur Danto Ayn Rand Mario Bunge Robert Nozick
José Ingeneiros Maurício Beuchot Leopoldo Zea
Alejandro Korn C. Sanders Peirce Enrique Dussei

Filosofia da
Educação

James Dewey
Paulo Freira

Figura 1 Esquema dos Temas-chave de Filosofia nas Américas.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RUSSEL, B. Autobiography. Londres: Routledge Classics, 2009.

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© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 1
FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Objetivo
• Apresentar algumas das principais contribuições filosóficas das Américas
no tocante à Filosofia Política.

Conteúdos
• John Rawls e o véu da ignorância.
• O anarcocapitalismo de Robert Nozick.
• Leopoldo Zea e a Filosofia da Libertação.
• Enrique Dussel e as vinte teses sobre a Política.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:
1) Verifique quais são os conteúdos presentes nesta unidade dos quais você
deverá se apropriar ao longo de seu período de estudos.
2) Estabeleça um cronograma de estudos para cada um dos tópicos previs-
tos, considerando o tempo de que fará uso para ler os textos propostos e
as pesquisas extras que se tornarem necessárias.
3) Após ter lido os conteúdos propostos, faça uma revisão do que foi lido.
4) Caso detecte algum problema ou dificuldade em algum assunto, solicite
ajuda/esclarecimento de seu tutor ou do setor administrativo.
5) Após ter realizado os procedimentos anteriores, faça uma revisão da uni-
dade e realize anotações a respeito dos temas e conceitos centrais apre-
sentados na obra.

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© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

1. INTRODUÇÃO
Nesta primeira unidade, elegemos como tema central a Políti-
ca devido aos desafios contemporâneos que temos no tocante a esse
tema, quer sejam em nosso país, quer em outras nações, e à neces-
sidade de ampliarmos as possibilidades de leitura dos fenômenos
políticos.
Para isso, optamos por apresentar dois ilustres representantes
da filosofia norte-americana, os filósofos John Rawls e Robert Nozick.
O primeiro sacudiu as reflexões sobre esse tema ao produzir uma teo-
ria que trouxe elementos inusuais sobre o fenômeno político basea-
dos essencialmente no contratualismo. Já Nozick também inovou ao
colocar o indivíduo no centro da discussão política e destacar a impor-
tância de repensarmos a necessidade e os limites do Estado.
Optamos também por trazer à baila dois grandes filósofos
latino-americanos, o argentino Enrique Dussel e o mexicano Leo-
poldo Zea. Ambos inauguram a chamada Filosofia da Libertação,
movimento filosófico que buscou trazer uma autêntica filosofia
latino-americana liberta das amarras de fundamentos filosóficos
oriundos de outras culturas e, notadamente, da cultura europeia.
Com essas escolhas, espero apresentar a você abordagens
distintas e relevantes que mostram formas diferentes de pensar
o Estado e a necessidade de que produzamos uma filosofia que
se fundamente na realidade em que se encontra inserida.
Antes de iniciarmos de fato nosso estudo pelos filósofos
americanos, recomendo que você acesse o Tópico 3. 1, que
contém indicações de textos dedicados às ideias e filosofias
americanas anteriores ao século 20. Eles certamente servirão
para contextualizar os estudos que se seguirão.

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UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

2.1. SOB O VÉU DA IGNORÂNCIA DE JOHN RAWLS

Começaremos agora a nossa caminha-


da e, inicialmente, convidamos você a analisar
as propostas políticas do filósofo norte-ameri-
cano John Rawls, considerado por alguns au-
tores o pensador mais importante de Filosofia
Política no século 20 (RICHARDSON, 2019).
Inicialmente, convém situar o filósofo
em relação à corrente político-filosófica que
forneceu elementos para sua proposta – neste
caso, ela é a chamada corrente contratualista. Figura 1 John Rawls.

E o que seria essa corrente? Veja, a seguir, uma definição


sintética a esse respeito proposta por Nicola Abbagnano:
Doutrina que reconhece como origem ou fundamento do Esta-
do (ou, em geral, da comunidade civil) uma convenção ou es-
tipulação (contrato) entre seus membros. [...] Hoje, com o uso
que as ciências e a filosofia fazem de conceitos como conven-
ção, acordo, compromisso, a noção de contrato talvez pudesse
ser retomada para a análise da estrutura das comunidades hu-
manas, com base na noção da reciprocidade de compromissos
e do caráter condicional dos acordos dos quais se originam di-
reitos e deveres (ABBAGNANO, 2007, p. 205-206).

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UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Ainda que existam referências a essa interpretação da so-


ciedade política na Filosofia clássica grega (um exemplo interes-
sante a esse respeito pode ser visto no diálogo platônico Críton.
Nele Sócrates faz uso de um argumento de contrato social para
explicar a Críton por que ele deve permanecer na prisão e aceitar
a pena de morte), é no período moderno, e mais especificamen-
te com os filósofos contratualistas John Locke, Thomas Hobbes
e Jean-Jacques Rousseau, que o contratualismo adquire os con-
tornos que tem na atualidade. Rawls se insere nesse rol de pen-
sadores ao estabelecer também que o Estado surge de modo a
favorecer a melhor relação entre os homens.

Filosofia Moderna–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Antes de prosseguirmos, é importante destacar que o cha-
mado período moderno na Filosofia se refere às filosofias difun-
didas no século 18 que tiveram como elemento catalisador o Ilu-
minismo e a crença na razão humana como guia para a melhoria
da sociedade.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
As principais ideias propostas por Rawls foram apresenta-
das em sua grande obra Uma teoria da justiça (1971), a qual se
tornou referência nas discussões contemporâneas sobre a exis-
tência do Estado e sua função.
O primeiro aspecto a salientar é a definição de Rawls a res-
peito da justiça. Costumeiramente, em nosso cotidiano, conside-
ramos que a justiça deve se basear na igualdade, ou seja, é preci-
so tratar de modo idêntico/uniforme as pessoas; no entanto, sob
o paradigma da equidade, as pessoas são vistas como diferentes
– logo, algumas necessitam de mais que outras. Vejamos abaixo
um exemplo da manifestação da equidade:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 27


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Figura 2 Diferença entre igualdade e equidade.

Para Rawls, o Estado deve se pautar por esse princípio de


justiça, porque, na medida em que temos uma sociedade justa,
teremos, consequentemente, uma sociedade equitativa.
Para que isso ocorra, o filósofo propõe que se estabeleça
uma justiça distributiva, na qual ocorreria uma distribuição justa
de bens sociais primários, tais como riquezas, liberdade, oportu-
nidades, autorrespeito etc. Vejamos como o filósofo se manifes-
ta a respeito desse princípio:
(a) cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esque-
ma plenamente adequado de direitos e de liberdades básicas
iguais, que seja compatível com o mesmo esquema de liber-
dades para todos; e (b) as desigualdades sociais e econômicas
devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vincu-
ladas a cargos e a posições acessíveis a todos, em condições
de igualdade equitativa de oportunidades, e, segundo, têm de
beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da socie-
dade (o princípio de diferença) (RAWLS, 2003, p. 60).

Note que o filósofo propõe que a equidade funcionaria de


modo a oportunizar para indivíduos diferentes, com condições sociais
e econômicas diferentes, a possibilidade de que tivessem igualdade
de oportunidades semelhantes. Dessa abordagem se depreende que

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UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

não basta a igualdade formal, propiciada pela lei, é necessário que


se realizem ações positivas para proporcionar a igualdade de oportu-
nidades de modo que se você ou eu tivermos a mesma ambição ou
talento, tenhamos as mesmas condições de sucesso em um ambiente
competitivo. Vejamos uma síntese a esse respeito:
Rawls desenvolveu uma concepção de igualdade justa de opor-
tunidades que enfraquece o papel de classe, raça, gênero ou
casta para determinar as perspectivas de vida. A justa igualdade
de oportunidades requer que pessoas de talento equivalente,
que gastam esforços equivalentes, tenham resultados equiva-
lentes (LONG, 2019, tradução e destaque nossos).

Chamo sua atenção para a referência que o autor faz à ne-


cessidade de que sejam gastos esforços equivalentes para que
ocorram os resultados equivalentes, ou seja, a igualdade de
oportunidades não gera a igualdade de resultados, isso porque,
ainda que você e eu tenhamos as mesmas oportunidades ini-
ciais, se optarmos por caminhos diferentes, advindos de nossas
escolhas quanto ao que fazemos com essas oportunidades, é
adequado que aquele que se dedique a fazer uso dessas opor-
tunidades, por meio de seus esforços e iniciativas, se beneficie
de modo diferente daquele que não realizou esse procedimento.
Note que, ao gerarmos resultados diferentes, ainda que
tenhamos tido as mesmas oportunidades, automaticamente
iremos gerar uma diferença socioeconômica entre indivíduos e,
inclusive, classes diferentes e, para o filósofo:
Ora, digamos que aqueles que de início são membros da classe
empresarial na democracia com propriedade privada têm me-
lhores perspectivas do que aqueles que de início estão na classe
dos trabalhadores não especializados. Parece provável que isso
será verdadeiro mesmo quando as injustiças sociais agora exis-
tentes forem eliminadas. O que, então, pode justificar esse tipo
de desigualdade inicial nas perspectivas de vida? De acordo com

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UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

o princípio de diferença, a desigualdade é justificável apenas se a


diferença de expectativas for vantajosa para o homem represen-
tativo que está em piores condições, neste caso o trabalhador re-
presentativo não especializado. A desigualdade de expectativas
seria justificável somente se a sua diminuição tornasse a classe
trabalhadora ainda mais desfavorecida (RAWLS, 2000, p. 82).

Subjacentes a esse princípio, vejamos como outros princí-


pios (alguns deles já apontados no texto anterior) se manifestam:
• Princípio da liberdade:
Na teoria da justiça como equidade, as liberdades básicas iguais
para todos são as mesmas para cada cidadão; e a questão re-
lativa à maneira pela qual se pode compensar uma liberdade
menor não se apresenta (RAWLS, 2003, p. 117).

• Princípio da diferença:
O segundo princípio insiste que cada pessoa se beneficie das
desigualdades permissíveis na estrutura básica. Isso significa
que cada homem representativo definido por essa estrutura,
quando a observa como um empreendimento em curso, deve
achar razoável preferir as suas perspectivas atuais às suas pers-
pectivas sem ela (RAWLS, 2003, p. 69).

Note que se encontra também imiscuído na argumentação


de Rawls um terceiro princípio, abordado quando analisamos o
princípio da justiça:
• Igualdade de oportunidades:
Em todos os setores da sociedade, deveria haver, de forma geral,
iguais oportunidades de cultura e de realização para todos os que
são dotados e motivados de forma semelhante. As expectativas
daqueles com as mesmas habilidades e aspirações não devem
ser afetadas por sua classe social (RAWLS, 2003, p. 77).

Quando da existência de conflito entre esses princípios, o


princípio da igualdade deve ser considerado primeiramente e,

30 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

logo depois, a igualdade de oportunidades deve anteceder o


princípio da diferença.
No tocante a este, a igualdade poderia ser alcançada pela ta-
xação dos indivíduos por meio de impostos e, com isso, seria possí-
vel realizar uma redistribuição da riqueza – no entanto, essa taxação
não poderia ser excessiva ou, tampouco, muito pequena. No primeiro
caso, os mais favorecidos seriam excessivamente penalizados e, no
segundo, não haveria condições para a ascensão dos desfavorecidos.
No entanto, para o filósofo, a adesão a essa sociedade justa e a
respectiva aplicação desses princípios não se faria de modo fácil. Isso
porque temos uma propensão a agir em nome de nossos interesses e
habilidades, ou seja, somos egoístas. Em razão de tal condição, Rawls
inova ao trazer à baila o conceito de véu da ignorância como mecanis-
mo que permite a adesão do indivíduo a essa sociedade.
Nessa condição, caberia aos indivíduos estabelecer as regras bá-
sicas da sociedade; no entanto, ao realizar essa escolha, os indivíduos
não saberiam quais seriam os talentos/habilidades que possuiriam e,
tampouco, qual seria a sua posição social nessa mesma sociedade.
Diante dessa condição, seria possível estabelecer uma so-
ciedade justa, nos moldes da proposta produzida por Rawls, pos-
to que todos deveriam viver por meio da escolha que realizaram.
Desse modo, a sociedade justa se dá por meio da decisão ra-
cional de indivíduos que possuem interesses próprios; no entanto,
todas as pessoas adeririam a essa sociedade por meio do uso do
véu de ignorância. Assim se manifesta o filósofo a esse respeito:
A ideia da posição original consiste em estabelecer um proce-
dimento equitativo, de modo que sejam justos quaisquer que
venham a ser os princípios acordados. O objetivo é usar a noção
de pura justiça processual como uma base da teoria – de algum
modo precisamos anular os efeitos das contingências específi-

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 31


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

cas que embaraçam os seres humanos e os tentam a explorar


circunstâncias sociais e naturais em vantagem própria. Então,
a fim de fazê-lo, presumo que as partes se situem atrás de um
véu de ignorância. Não sabem como as várias alternativas afe-
tarão seu caso particular e são obrigadas a avaliar os princípios
tão só a base de considerações gerais (RAWLS, 1981, p. 119).

Note que, com esse posicionamento, Rawls se insere no con-


tratualismo apontado logo no início, visto que, ao realizarmos um
contrato social, decidimos a estrutura básica da sociedade, e nos
apresentamos como seres racionais capazes de realizar escolhas,
sendo necessário que estas ocorram por meio da adoção do véu
de ignorância. Esse procedimento é chamado por Rawls de posição
original, na qual são estabelecidos os alicerces da sociedade justa.
Dessa posição original inicia-se uma proposta de ação dis-
tributiva de renda, segundo a qual cabe ao Estado distribuir de
modo equitativo a renda auferida pelos indivíduos.
Por fim, é digno de nota que essa ênfase dada pelo filósofo no
direito à igualdade insere o pensador no que intitulamos de pensa-
mento liberal à esquerda, porque é marca distintiva desse pensa-
mento a ênfase na igualdade em detrimento da ênfase na liberdade.

2.2. O ESTADO MÍNIMO DE ROBERT NOZICK

Trataremos agora de um dos filósofos ci-


tados em nossa introdução, o filósofo político
Robert Nozick. Conforme havia sido aponta-
do anteriormente, esse pensador tem trazi-
do para si uma legião de admiradores e, em
contrapartida, uma legião de inimigos, porque

Figura 3 Robert Nozick.

32 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

sua filosofia aponta uma nova possibilidade de estruturação po-


lítica, a qual recebeu o nome de minarquismo.
Antes de nos dedicarmos a esse conceito, vejamos um
pouco de sua trajetória/proposta:
A obra que rendeu notoriedade ao autor e que expôs a
originalidade de sua filosofia é Anarquia, Estado e Utopia, pu-
blicada em 1972. De modo geral, nessa obra o pensador realiza
uma defesa do capitalismo, adota um posicionamento contrário
às ideias do também filósofo norte-americano John Rawls e de-
fende a existência de um Estado mínimo. Vejamos uma síntese
das ideias centrais dessa obra e que foi proposta por Vallentyne:
No núcleo do livro de Nozick estão dois argumentos. Um de-
les é que um Estado vigia noturno (que proteja apenas contra
violência, roubo, fraude e violação de contrato) pode ser legí-
timo, mesmo sem o consentimento de todos aqueles a serem
governados. O outro é que nada mais extenso do que o Estado
vigia noturno é legítimo, exceto com o consentimento de todos
(VALLENTYNE, 2006, p. 86, tradução nossa).

Comecemos nossa análise pela metáfora utilizada por Val-


lentyne ao se referir ao Estado como uma espécie de “vigia no-
turno”. Como sabemos, aquele que exerce essa função atua no
término do dia de modo a evitar que se cometa algum delito e,
se os indivíduos se portarem adequadamente, cabe a eles seguir
com sua vida.
Ao defender a existência desse Estado mínimo, Nozick ado-
ta posições que se diferenciam das de outra corrente contempo-
rânea: o anarcocapitalismo, corrente que advoga a eliminação
completa do Estado.
Analisemos no texto do próprio filósofo como ele se posi-
ciona a esse respeito:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 33


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Nossa principal conclusão sobre o Estado é que um Estado mí-


nimo, limitado às funções restritas de proteção contra a força,
o roubo, a fraude, de fiscalização do cumprimento de contratos
e assim por diante justifica-se; que o Estado mais amplo violará
os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas
coisas, e que não se justifica; e que o Estado mínimo é tanto
inspirador quanto certo. Duas implicações dignas de nota são
que o Estado não pode usar sua máquina coercitiva para obri-
gar certos cidadãos a ajudarem a outros ou para proibir ativida-
des a pessoas que desejam realizá-las para seu próprio bem ou
proteção (NOZICK, 1991, p. 10).

Do trecho citado, destacam-se a ênfase nos direitos indi-


viduais da pessoa humana e a defesa da individualidade e sua
respectiva liberdade. Subjacente a esse posicionamento, há a
marca indelével de Kant e de seu célebre imperativo categórico
“de que o homem (e com ele todo o ser racional) seja um fim em
si mesmo” (KANT, 1959, p. 101). Há também no texto citado uma
referência à impossibilidade de o Estado obrigar as pessoas a
ajudar outras – esse posicionamento será analisado mais à fren-
te, quando formos analisar a discordância do pensador frente à
teoria da justiça de John Rawls.
A partir desses posicionamentos políticos, Nozick passou a
ser considerado um filósofo que compõe o rol daqueles que de-
fenderiam o libertarianismo. Nesse grupo, inserem-se os filóso-
fos políticos que advogam a defesa da propriedade, da liberdade
e da vida como um elemento central a ser levado em conta nas
organizações políticas.

Libertarianismo e seus posicionamentos–––––––––––––––––––––––


O libertarianismo propõe uma série de posicionamentos frente a temas contundentes
que vivemos na sociedade, tendo como pressuposto o direito à liberdade. Veja a se-
guir alguns desses posicionamentos:

34 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

1) Aborto: nenhum governo tem legitimidade para dispender fundos públicos, for-
necendo ou proibindo o aborto.
2) Oração nas escolas públicas: o governo não deve interferir na realização de ora-
ções nas escolas públicas.
3) Controle de armas: as pessoas têm o direito de manter e carregar armas. Opo-
sição ao julgamento de indivíduos pelo exercício de seus direitos de autodefesa.
4) Oposição a todas as leis, em qualquer nível de governo, que requeiram registro,
restrição ou transferência ou venda de armas de fogo ou munições.
5) Censura: deve haver a liberdade da livre expressão.
6) Ações afirmativas: não acreditando na tese de discriminação, não deve haver
ações afirmativas.
7) Pena de morte: máxima realização do poder do Estado, deve ser abolida.
8) Legalização das drogas: o uso de drogas deve ser descriminalizado porque não
está prejudicando ninguém além do usuário, sendo uma escolha pessoal.
9) Eutanásia: se é consenso entre médico e paciente, deve ser permitida.
10) Violência na mídia: deve ser permitida, visto que sua proibição fere a liberdade
de expressão.
11) Casamento homossexual: deve ser permitido, o governo não deve intervir.
12) Jogo: deve ser permitido, visto que é uma decisão do indivíduo apostar ou não.
13) Imigração: deve ser permitida, as políticas de imigração são interferência do
governo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Para contextualizar o significado do conceito de libertaria-
nismo e sua relação histórica com outros filósofos, cumpre infor-
mar que é nas produções do filósofo inglês John Locke e, mais
propriamente, no seu direito a propriedade que se apresenta a
pedra angular desse posicionamento político. Vejamos o texto
emblemático que Locke produziu sobre esse tema:
Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a
todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua
própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele
mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra das suas mãos, pode
dizer-se, são propriedades dele. Seja o que for que ele retire do
estado em que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-
-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe a algo que

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 35


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele.


Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, ane-
xou-lhe por esse trabalho algo que exclui do direito comum de
outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva
do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que
se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de
boa qualidade em comum para terceiros (LOCKE, 1973, p. 27).

Tendo como ponto de partida essa defesa da propriedade


e as justificativas morais que a amparam, o libertarianista esta-
belece a liberdade do indivíduo como preponderante na orga-
nização da sociedade e, assim, a manifestação do governo deve
ser mínima, voltada tão somente à existência de um exército que
defenda sua nação, de um corpo policial que defenda os indiví-
duos da violência e de tribunais que impeçam abusos frente às
liberdades individuais.
Note-se que essa ênfase no direito à liberdade insere o
pensador no que se intitula de pensamento liberal à direita, sen-
do marca distintiva desse pensamento a ênfase na liberdade em
detrimento da igualdade.
Outro aspecto relevante, no que tange à liberdade, é o de
que o indivíduo tem liberdade para decidir o que fazer de sua
vida, desde que, respeite o direito à propriedade dos indivíduos
ao seu redor e não faça uso de violência endereçada a esses mes-
mos indivíduos, ou seja, não há nenhuma pretensão coercitiva
de intervenção na vida das pessoas, respeitadas essas condições.
Nesse sentido, é exemplar a frase de Boaz quando, ao tratar da
diferença do libertarianismo frente ao socialismo, afirmou o que
se segue:
Uma diferença entre o libertarianismo e o socialismo é que uma
sociedade socialista não pode tolerar grupos de pessoas pra-
ticando a liberdade, mas uma sociedade libertária pode con-
fortavelmente permitir que as pessoas escolham o socialismo

36 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

voluntário. Se um grupo de pessoas – mesmo um grupo muito


grande – quisesse comprar terras e possuí-las em comum, elas
estariam livres para fazê-lo. A ordem legal libertária exigiria
apenas que ninguém fosse coagido a se juntar ou desistir de
sua propriedade (BOAZ, 1997, p. 30).

Salientamos esse aspecto em razão de que, em nosso país,


nos tempos atuais (2019), não tem faltado indivíduos e grupos
que, vez ou outra, se arvoram do direito de impor, mediante
coerção, seja ela física ou moral, sua visão de mundo, quer essa
visão seja no plano moral, político, artístico ou religioso aos de-
mais grupos de indivíduos, sem que esses últimos, em nenhum
momento, tenham atentado contra a propriedade ou feito uso
de violência.
Outro aspecto interessante a ser tratado, ainda referente a
Nozick, refere-se aos três princípios da justiça que deverão ser
aplicados quando nos dedicamos a realizar trocas com outros
indivíduos:
O primeiro é o princípio da justa aquisição. Segundo este prin-
cípio, os indivíduos podem adquirir bens que desejam tão longo
previamente esse bem não possui dono sem dono e não é to-
mada por roubo, coação ou fraude. O segundo é o princípio da
justa transferência pelo qual a propriedade pode ser trocada
apenas enquanto a transferência não for executada (novamen-
te) por roubo, força ou fraude. Estes dois princípios constituem
os meios legítimos de aquisição e transferência de mercadorias.
Todas as transações válidas vêm de ações repetidas sobre estes
dois princípios. Enquanto Nozick não definiu explicitamente o
que é hoje conhecido como o terceiro princípio, ele descreveu
sua função. Este terceiro princípio - justa retificação - funciona,
como o nome sugere, para corrigir violações dos dois primeiros
princípios. (MURRAY, 2019, tradução e grifos nossos).

Referente a esse último princípio, Nozick reconhece que as


aquisições de indivíduos ao longo da história podem ter ocorrido

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 37


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

por meios injustos, envolvendo crimes os mais variados (assassi-


nato, escravização, transações fraudulentas, entre outras). Nesse
sentido, haveria segundo Nozick a necessidade da criação de pa-
gamentos irregulares mediante taxação daqueles que se bene-
ficiaram dessas injustiças para aqueles que foram injustiçados.
A partir do exposto, cumpre agora nos dedicarmos a analisar a
afirmação, apresentada logo no início do texto, a respeito da discor-
dância de Nozick frente ao contratualismo proposto por John Rawls.

A divergência existente entre Nozick e Rawls


De imediato, é possível afirmar que a primeira grande di-
vergência que Nozick apresenta frente a John Rawls refere-se à
hierarquia de direitos. Como vimos, na proposta de Rawls, está
presente a ideia de justiça como igualdade/equidade e, em No-
zick, o direito à propriedade e liberdade compõe o seu ideário
de justiça.
Desse modo, Nozick considera que o direito à liberdade
deve permitir ao seu portador decidir se quer ou não ajudar ou-
tra pessoa, essa decisão deve ser pessoal, sem qualquer tipo de
coerção estatal, seja por meio de impostos ou campanhas.
Desse posicionamento depreende-se que, se algum em-
presário desejar contribuir de algum modo, ele poderá fazê-lo,
no entanto não deveria ser obrigado a tanto.
Outra divergência marcante refere-se ao contratualismo
de John Rawls. Nozick discorda dessa noção de contrato e intro-
duz em sua obra o conceito de mão invisível:
Seu ponto de partida ainda era um estado de natureza (tal
como era para Locke, Hobbes e Rousseau), entendido como a
condição em que as pessoas se encontram quando nenhuma

38 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

autoridade política existe. Nozick começou com a questão de


saber se existem métodos de administração eficiente da justi-
ça no estado da natureza. Uma de suas contribuições originais
para o debate sobre essa questão foi oferecer uma descrição
de como esse método poderia surgir. Na verdade, Nozick pen-
sou que o método inevitavelmente resultará na criação de um
Estado, apesar do fato de que ninguém pretende criar um. Isso
é conhecido como uma justificativa da mão invisível do Esta-
do. Nozick propôs que os indivíduos, simplesmente por meio
de sua busca pela melhoria de suas próprias condições, reali-
zarão ações que levem a um Estado mínimo. Novamente, esse
resultado acontece sem que ninguém pretenda achar (ou talvez
até conceber) um. Além disso, e talvez mais importante, Nozick
argumentou que tal conclusão poderia ser alcançada sem vio-
lação dos direitos de propriedade de ninguém (MURRAY, 2019,
tradução nossa).

Cabe ressaltar que Nozick realiza uma crítica a modelos


de Estado que, em sua análise, são paternalistas – “aqueles em
que a distribuição das explorações é considerada apenas quando
existe algum propósito ou objetivo alcançado” (MURRAY, 2019,
tradução nossa).
Contrapondo-se a esse paradigma, propõe um modelo re-
tributivo que ficou muito conhecido como Nozick/Chamberlain:
Nozick convida-nos a propor um esquema D0 que consideremos
justo (nosso padrão de justiça, por exemplo: a cada um segun-
do seu trabalho, ou a cada pessoa a mesma renda, a cada qual
segundo suas necessidades). Neste mundo hipotético existe um
excelente jogador de basquete, Wilt Chamberlain, que assina um
contrato com seu clube, de acordo com o qual 25 centavos de
cada ingresso vendido nas partidas locais vão parar diretamente
em seu bolso. As pessoas podem escolher ver uma partida de
basquete, comprar caramelos ou comprar uma revista... Supo-
nhamos que voluntariamente um milhão de pessoas decidam as-
sistir à primeira partida local onde Wilt Chamberlain exibirá seus
dotes; então, Wilt Chamberlain é agora (D1) 250 mil dólares mais

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 39


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

rico por vontade dos pagantes. Agora, se supúnhamos que D0 era


justa e, consequentemente, aceitamos que as pessoas tinham
direito a dispor de suas porções em D0, e não havendo engano,
chantagem ou roubo em meio ao processo descrito, resulta que
D1 também é justa (MORRESI, 2002, p. 292).

Uma outra diferença marcante refere-se às heranças Com


o exposto, espero ter demonstrado o quanto os dois pensadores
(tidos tipicamente como pensadores liberais) possuem propos-
tas sólidas e interessantes a respeito de como se devem organi-
zar o Estado e a sociedade e, além disso, o profundo contraste
existente entre ambos os posicionamentos.

Antes de prosseguir para o próximo tópico, recomendo que


você consulte o Tópico 3. 2, e acesse o texto e o vídeo indicados,
que ampliarão seu conhecimento sobre o anarcocapitalismo.

2.3. A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO DE LEOPOLDO ZEA

Veremos agora uma faceta da Filosofia Política que demar-


cou histórica e filosoficamente algumas abordagens próprias
e originais sobre esse tema ocorridas na América Latina e que
permitiu afirmar que houve uma contribuição original para a Fi-
losofia. Estou me referindo ao movimento filosófico intitulado
Filosofia da Libertação. Nesta obra, trataremos especificamente
de dois dos grandes representantes desse movimento: o filósofo
mexicano Leopoldo Zea e o filósofo argentino Enrique Dussel.
Antes de iniciarmos uma análise a respeito desses filósofos, con-
vém apresentarmos a você uma definição geral do significado
dado ao conceito de Filosofia da Libertação:
A Filosofia da Libertação visa pensar o distinto caráter histórico
mundial da América Latina, usando o que se afirma serem re-

40 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

cursos intelectuais autóctones, a partir de uma situação de de-


pendência econômica, cultural e política. Tem um objetivo prá-
tico: libertação. Em termos muito gerais, a Filosofia da
Libertação se define como um discurso contrafilosófico, de crí-
tica seja ao colonialismo, imperialismo, globalização, racismo
ou ao sexismo, que é articulado a partir da experiência de ex-
ploração, destituição, alienação e reificação, em nome dos pro-
jetos de libertação, autonomia e autenticidade. Ou seja, a Filo-
sofia da Libertação se apresenta como uma “ruptura epistêmica”
que visa criticar e desafiar não apenas pressupostos e temas
básicos da Filosofia euro-americana, mas também tornar a Filo-
sofia mais responsável pela situação sociopolítica em que sem-
pre se encontra. [...] A Filosofia da Libertação é, portanto, entre
outras coisas, uma visão sobre o que conta como Filosofia e
como ela deve ser buscada (MENDIETA, 2016, tradução nossa).

Após essa conceituação, vejamos ago-


ra como se realiza essa proposta pelo filósofo
mexicano Leopoldo Zea. Este, ainda segundo
Mendieta, iniciou essa abordagem quando,
na década de 60 do século passado, iniciou
um debate com o também filósofo Salazar
Bondy a respeito da possibilidade da existên-
cia de uma Filosofia na América Latina.
O primeiro aspecto que apresento é a
ênfase de Zea no tocante à importância da His- Figura 4 Leopoldo Zea
tória. Segundo o filósofo, a História necessaria- Aguilar.
mente precisa de conceitos para se manifestar e, por sua vez, a Filoso-
fia necessariamente se origina a partir de um certo contexto histórico:
Em outras palavras, cada história possui sua própria filosofia,
seu esquema conceitual próprio, e de modo inverso, cada filo-
sofia tem uma história, ou seja, uma realidade que é particular
em si. A intepretação histórica é essencial para um entendimen-
to das causas subjacentes à formação de concepções filosóficas
(LIPP, 1980, p. 63, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 41


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

A partir dessa concepção, Zea se inserirá na Filosofia da


Libertação com uma abordagem que os especialistas intitula-
rão de abordagem historicista, ou seja, há, na formação de seu
pensamento filosófico, a ênfase na história de cada povo e, com
isso, há de se investigar a respectiva história dessas ideias. Um
conceito-chave que Zea oferece é o que intitula de circunstância:
cada povo possui sua própria história, que lhe apresenta desa-
fios específicos que o tornam único e, na medida em que faz uso
de outras filosofias, cujas circunstâncias são diferentes, nunca
conseguirá realizar adequadamente uma adequação das ideias
à realidade, porque, ao fazê-lo, “se coloca um traje que não lhe
acomoda” (ZEA, 2003, p. 2, tradução nossa).
Há que se dizer que essa abordagem historicista e a ênfase
na circunstância nas ideias de Leopoldo Zea provavelmente ad-
veio do trabalho do filósofo espanhol Ortega y Gasset. É possível
notar a similaridade do posicionamento de ambos os pensado-
res por meio de uma síntese das ideias de Ortega y Gasset sobre
esse tema, a qual foi produzida por Santos:
Em Ortega, portanto, o homem não vive separado do espaço-
-tempo em que se situa. No “Eu sou eu e minha circunstância”,
o ser, situado no espaço-tempo, circundado de coisas, faz-se e
se define, tomando-os como partes constitutivas de si. Portan-
to, no fulcro da ontologia orteguiana do homem, encontramos
um modo de ser essencialmente devedor do seu espaço e de
seu tempo. Assim, para pensar o ser do homem, Ortega sugere
que comecemos pela realidade mesma que o envolve (SANTOS,
1998-1999, p. 63).

Para Zea, incorremos em um grande erro ao tentarmos to-


mar a História das ideias europeias como nossa e fazermos uso
dos valores europeus na América Latina. Em tal circunstância,
ocorre em nós um sentimento de inferioridade, visto que nossa
particularidade histórico-filosófica é diferente e não damos a ela

42 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

o seu devido valor. Ainda que sejamos herdeiros dessa cultura


europeia, criamos a partir dela nossa cultura própria e ela deve
ser valorizada.
Além disso, ainda segundo Zea, devemos fazer uso da Filo-
sofia para lidar com os problemas que nos são próprios, oriun-
dos de nossas circunstâncias, e somente nós seremos capazes de
resolvê-los (ZEA, 1973, p. 4).
Disso se depreende que, para o filósofo, a Filosofia Moder-
na, de origem europeia, não seria capaz de lidar adequadamente
com os problemas que são eminentemente nossos e, como tal,
seria inautêntica, visto que “não nasce das nossas necessidades”
(ZEA, 1973, p. 5).
Há, diante disso, o desafio da criação de uma Filosofia da
Libertação, filosofia essa que não troque tão somente os domi-
nadores, mas que possa abolir o dominador e o dominado, ou
seja, uma filosofia que, para Zea, seja analógica, capaz de perce-
ber no outro uma semelhança; mais ainda, afirma que essa nova
filosofia não deve ser uma filosofia especial:
[...] que acabe sendo como as filosofias anteriores da libertação.
Isto é, filosofias próprias do homem que as refletiu, disposto sem-
pre a marginalizar qualquer reflexão que não encaixasse na estru-
tura de suas reflexões. É assim que surgiram filosofias, não analógi-
cas, capazes de justificar genocídios de homens e povos em nome
da liberdade e para sua suposta defesa (ZEA, 1973, p. 7).

Perceba que, para o filósofo, a libertação não deve ocorrer so-


mente para comigo mesmo, mas para todos que se encontram em
uma situação de dominação, colonizados por outras culturas e inca-
pazes de produzir sua própria cultura dada essa estrutura existente.
A partir desses elementos, convidamos você a investi-
gar mais a fundo as nuances e os detalhes da proposta política

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 43


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

de Leopoldo Zea; que, por meio dessa investigação, você pos-


sa se sentir provocado a produzir uma filosofia legitimamente
latino-americana.

2.4. AS VINTE TESES SOBRE A POLÍTICA DE ENRIQUE DUSSEL

Veremos agora um novo desdobramen-


to da Filosofia da Libertação, que se assenta
nas propostas políticas do filósofo argentino,
radicado no México, Enrique Dussel.
Algo que será comum ao nos referir-
mos a diversos outros filósofos ao longo des-
ta obra, é preciso destacar o amplo leque de
produções filosóficas de Dussel e, em razão
disso, é necessário que se diga que, ainda Figura 5 Enrique Dussel.
que abordemos aqui algumas facetas de sua proposta política,
o filósofo tem contribuições relevantes em inúmeras áreas da
Filosofia e que merecerão sua investigação. Dentre elas, destaco
sua influência recente na Teologia, por meio daquilo que se con-
vencionou chamar de Teologia da Libertação.
Cabe dizer ainda que, devido à proposta introdutória desta
obra, não trataremos das nuances do pensamento de Dussel, as-
sentadas no marxismo e, em especial, nos conceitos produzidos
por Antonio Gramsci; tampouco discutiremos o diálogo que reali-
zou com outros autores, entre eles, Habermas e Apel. Convidamos
você a se sentir desafiado a ler o texto original na íntegra para que
possa se apropriar adequadamente de todas essas nuances.
Inicialmente, convém distinguir Dussel de Zea e, nesse sen-
tido, é preciso dizer que, enquanto Zea adota um posicionamento

44 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

historicista, já apontado anteriormente, Dussel inclui-se no grupo


dos filósofos da libertação da corrente intitulada analética, a qual:
[...] apresenta-se como uma crítica ao eurocentrismo e ao neo-
colonialismo norte-americano. Apresenta-se como uma crítica
da modernidade, concebida como uma ideologia colonial e
imperial que deixou “encoberto” ou ocultou o que é distinta-
mente latino-americano. Mais geralmente, porém, a corrente
analética se articula como uma crítica metafísica da totalida-
de do pensamento, de tudo o que é pensado em termos de
ser, o todo postulado como o verdadeiro. Ao mesmo tempo,
argumenta que a filosofia deve “partir” ou “localizar-se” com
referência tanto ao sujeito quanto ao objeto do filosofar. Esse
sujeito e objeto é também “el pueblo” ou o povo (MENDIETA,
2016, tradução nossa).

Especificamente em relação ao nosso tema, abordaremos


o posicionamento político de Dussel por meio de uma obra que
produziu em 2006, intitulada 20 teses sobre Política, obra em
que o filósofo busca fazer uma síntese sobre esse tema e que se
baseou, em especial, em sua obra Filosofia da Libertação, publi-
cada em 1977, considerada canônica para os filósofos que parti-
ciparam desse movimento.
Comecemos, então, pela primeira tese: nela o filósofo bus-
ca tratar do fundamento da política manifestada no ideal grego
da polis. Para Dussel, esse fundamento se sustenta na soberania
popular e ocorreria uma inversão dessa soberania quando o re-
presentante incorre na fetichização do poder e, em tal condição,
ocorreria uma corrupção de sua função originária e nela:
A corrupção é dupla: do governante que se crê sede soberana
do poder e da comunidade política que se lhe permite, que o
consente, que se torna servil em vez de ser autora da constru-
ção do político (DUSSEL, 2006, p. 14, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 45


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Já nas teses 02 e 03, Dussel resgata dois termos latinos, o


de potentia, ao vincular o poder à comunidade, sendo esta a últi-
ma instância daquilo que é político (DUSSEL, 2006, p. 27), e o de
potestas, ao se referir ao poder organizado manifesto em suas ins-
tituições e nas ações políticas. Para Dussel, se pensarmos metafo-
ricamente em termos aristotélicos, a potentia seria uma semente
com potencial natural para germinação e, por sua vez, a potestas
seria a manifestação concreta dessa potencialidade, manifestada
no florescimento de uma árvore (DUSSEL, 2006, p. 29).
Para Dussel, quando o político exercita adequadamente a
potencialidade política, em nome da soberania popular, temos
a manifestação do poder obediencial (tese 04) e, em contrapar-
tida, quando o indivíduo se deixa seduzir pelas suas ambições
pessoais, da sua vontade de poder, temos o que o filósofo intitu-
la de fetichização do poder (tese 05). Vejamos a síntese das cinco
primeiras teses no quadro a seguir, proposto por Dussel:

Fonte: adaptada de Dussel (2006, p. 27).


Figura 6 Potentia e potestas.

No campo político, segundo o filósofo, há variadas relações


de força e é preciso agir politicamente para a criação de um blo-
co popular apto a lutar pelos oprimidos por meio de ações cole-
tivas. Estas comporão o que o filósofo intitula de ações políticas
estratégicas (tese 06).

46 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Logo a seguir, o filósofo propõe, em sua tese 07, que as


instituições políticas devam satisfazer as necessidades advindas
de outros campos (cultural, ecológico, econômico etc.), frutos de
demandas produzidas pelos seus respectivos atores sociais.
Já em sua oitava tese, apoiando-se em propostas éticas
fundamentadas na prática discursiva de Habermas e Apel, o filó-
sofo propõe que haja participação simétrica dos cidadãos e, para
tanto, há a necessidade de condições empíricas simétricas para
a efetiva participação.
Logo depois, o filósofo se dedica a analisar a ética na políti-
ca e, ao fazê-lo, propõe o conceito de similitude, o qual apregoa
que os princípios éticos venham a coincidir com outros princí-
pios, conforme a Figura 7:

Princípios
Éticos

Princípios Princípios
Similitude
Políticos Econômicos

Princípios
de
Outros
Campos

Distinção Diferencial
Fonte: Dussel (2006, p. 70).
Figura 7 Conceito de similitude.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 47


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Para o filósofo, em sua décima tese, o princípio democrá-


tico é normativo e deve buscar consensos legítimos entre seus
membros. Sempre haverá minorias decisórias e há de se ter res-
peito por elas; além disso, devemos agir de modo a considerar as
instituições como possibilidades factíveis (tese 10).
Em sua décima primeira tese, o autor se dedica a analisar
etimologicamente o significado de “povo” e a importância desse
coletivo na luta pelas suas reivindicações. Quando há um choque
entre a vontade de poder dos dominantes e a vontade de viver
do povo, este último deve se organizar enquanto hiperpotência,
produzindo um estado de rebelião, de modo a superar o even-
tual modelo dominador, produzindo uma nova potestas (tese
12). Há de se criar um princípio político que ampare essa rebe-
lião, e esse princípio, chamado pelo filósofo de liberação (tese
13), se manifesta quando ocorrer a negação de acesso à vida e a
geração de opressão voltada ao povo.
Dussel, nas teses 14, 15 e 16, intitula de princípio crítico de
transformação libertadora a possibilidade de participação simé-
trica dos oprimidos, realizando o que intitula de práxis anti-hege-
mônicas por meio de coações legítimas que venham suscitar uma
nova hegemonia, associada à defesa do povo e dos oprimidos.
Por fim, nas últimas teses, o filósofo nos convida a agir de
modo a transformarmos as instituições políticas, com o intuito de
produzirmos um reino de liberdade, que produziria uma paz per-
pétua, com mudanças que promovam e ampliem a vida humana.

Antes de prosseguir para as Questões Autoavaliativas do


Tópico 4, recomendo que você consulte o Tópico 3. 3, que con-
tém indicações de vídeos que expandirão seu conhecimento
sobre a Filosofia da Libertação.

48 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizada na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina
para abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante
do material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição
necessária e indispensável para você compreender integralmen-
te os conteúdos apresentados nesta unidade.

3.1. ANTECEDENTES DA FILOSOFIA POLÍTICA NORTE-AMERICANA

Para que você possa conhecer algumas das particularida-


des históricas que originaram algumas das práticas políticas nor-
te-americanas, sugerimos que leia os documentos produzidos
pelos chamados “pais fundadores” da constituição americana.
Eles receberam o título de Federalist papers e são uma coletâ-
nea de artigos, escritos pelos principais líderes políticos naquela
época, para serem publicados no estado de Nova Iorque, devido
à importância política desse estado na época. Apresentam uma
série de considerações sobre o regime democrático republicano
proposto pelos seus autores. Confira:
• HAMILTON, A.; MADISON, J.; JAY, J. Textos de “O federa-
lista”. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/plu-
ginfile.php/4097578/mod_resource/content/1/Os%20

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 49


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Classicos%20da%20Politica%20-%20Cole%20-%20Fran-
cisco%20C.%20Weffort-195-216.pdf>. Acesso em: 13
jun. 2019.
Alexis de Tocqueville foi um dos primeiros teóricos a le-
vantar a originalidade da proposta política norte-americana e,
também, seus riscos, na medida em que apontou a possibilidade
de o regime democrático criar uma “ditadura da maioria”. Sua
grande obra Democracia na América pode ser acessada no en-
dereço a seguir:
• TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. Disponível em: <https://direitas-
ja.files.wordpress.com/2012/05/a-democracia-na-am-
c3a9rica-vol-i-alexis-de-tocqueville.pdf>. Acesso em: 13
jun. 2019.

3.2. ANARCOCAPITALISMO

Vimos que Nozick contribuiu, por meio de suas ideias, para


o movimento chamado anarcocapitalista. Atualmente muitas
são as produções que tratam desse tema e, dentre elas, gosta-
ríamos de convidar você a analisar duas produções: a primeira
delas apresenta um dos fundadores desse movimento – Murray
N. Rothbard e nela o autor realiza uma análise do Estado; a se-
gunda sugestão é um vídeo produzido pelo think tank americano
David Boaz e nele são apresentados alguns esclarecimentos bási-
cos sobre esse conceito e os conceitos adjacentes a ele. Quanto a
terceira e quarta sugestões, são um conjunto de videoaulas pro-
duzidas pelo professor mexicano Darin McNabb e nela se apre-
sentam alguns esclarecimentos sobre os fundamentos das ideias
políticas de John Rawls e Robert Nozick. Já na quinta sugestão,

50 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

temos uma entrevista realizada com o economista Milton Fried-


man sobre os limites do estado. Uma dica: existe a possibilidade
da inserção de legendas e a opção da tradução para o português.
Por fim, sugiro também, uma videoaula produzida pelo Prof. An-
derson a respeito da proposta de John Rawls.
• ROTHBARD, M. N. A anatomia do Estado. Disponível em:
<http://rothbardbrasil.com/a-anatomia-do-estado/>.
Acesso em: 25 jan. 2019.
• BOAZ, D. O que é o libertarianismo. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=8BXqMusqtGE>.
Acesso em: 21 jan. 2019.
• McNABB, D. John Rawls: una teoría de la justicia. Parte
01. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=uClYAmpnPmU>. Acesso em: 21 jan. 2019.
• McNABB, D. John Rawls: una teoría de la justicia. Parte
02. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=pjJIvRcsUl4>. Acesso em: 21 jan. 2019.
• McNABB, D. Anarquía, estado, utopía de Robert Nozick.
Parte 1. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=fNnLUYMGaq4&t=20s>. Acesso em: 21
jan. 2019.
• McNABB, D. Anarquía, estado, utopía de Robert Nozick.
Parte 2. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=KLsAlnHuUqk>. Acesso em: 21 jan. 2019.
• McNABB, D. Anarquía, estado, utopía de Robert Nozick.
Parte 3. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=4LCus4lurwI>. Acesso em: 21 jan. 2019.
• McNABB, D. Anarquía, estado, utopía de Robert Nozick.
Parte 4. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=vmpBGLVHnfg>. Acesso em: 21 jan. 2019.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 51


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

• FRIEDMAN, M. Take it to the limits: Milton Friedman


on Libertarianism. 1999. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=JSumJxQ5oy4>. Acesso em: 21
jan. 2019.
• PINHO, A. John Rawls. 2015. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=RcDyKM1kHlA>. Acesso
em: 21 jan. 2019.

3.3. FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

A Filosofia da Libertação marcou sobremaneira a história


do pensamento filosófico latino-americano. Nela temos a pro-
posta de uma filosofia que se assenta, de fato, nas particularida-
des que definem os povos que habitam essa região e que pode
servir como mecanismo de libertação frente a outras filosofias
ou movimentos colonizadores. Para que você possa conhecer
um pouco mais sobre esse movimento e as particularidades exis-
tentes na filosofia realizada na América Latina, convido você a
analisar os quatro vídeos indicados a seguir:
• CANAL ENCUENTRO. La Filosofia latino-americana. Fi-
losofia Aquí & Ahora II. 2009. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=bp1ESfJHrkY>. Acesso em:
13 jun. 2019.
• UNIVERSIDAD NACIONAL AUTÓNOMA DE MÉXICO; INS-
TITUTO DE PENSAMIENTO Y CULTURA DE AMÉRICA LA-
TINA. Enrique Dussel: Pensar el mundo desde la Filoso-
fia de la Liberación. 2005. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=ZJgoZKAe4rg>. Acesso em: 13
jun. 2019.

52 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

• DUSSEL, E. Enrique Dussel en UNSAM – Conferencia “20


tesis de política”. Vídeo 01: Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=cqLvkvGSUTY>. Acesso
em: 13 jun. 2019.
• ______. Enrique Dussel en UNSAM – Conferencia “20 te-
sis de política”. Vídeo 02: Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=E6zwCBVGzKM>. Acesso em: 13
jun. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder as questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) De acordo com a teoria do Direito de Nozick, o Estado se justifica na tribu-
tação dos cidadãos para protegê-los de danos ou perda de propriedade.
Essa justificativa do Estado é a resposta de Nozick à demanda anarquista
de que não haja nenhum governo porque, para Nozick:
Mesmo uma sociedade anárquica teria algum governo, leis ci-
vis e políticas sociais sobre assuntos diferentes dos que tratam
unicamente de proteção (por exemplo, estradas, escolas, segu-
rança social).
Em uma sociedade anárquica, as pessoas contratariam outros
para proteger seus direitos, e a agência de proteção mais forte
que emergisse entre os concorrentes seria o Estado de qual-
quer forma.
A ausência de leis em uma anarquia seria uma guerra de “todos
contra todos” em que o simples ato de cobrar impostos envol-
veria danos.
Sem impostos, o governo não poderá fornecer proteção nem
bens e serviços como estradas, escolas ou segurança social.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 53


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

O homem necessita realizar contratos de modo a se afastar de


seu estado de natureza.

2) De acordo com Rawls, todos os membros de uma sociedade têm uma rei-
vindicação legítima e esta é ter uma parte da riqueza de uma sociedade.
Quando os indivíduos são sistematicamente desprotegidos de sua parcela
justa (e, portanto, não têm a oportunidade de competir igualmente por
uma parcela dessa riqueza), é responsabilidade do governo:
a) Proteger a propriedade privada daqueles que trabalharam para obter
o que possuem ou que herdaram propriedade legalmente.
b) Certificar-se de que ninguém tenha permissão para ter uma porção
maior dessa riqueza do que qualquer outra pessoa.
c) Redistribuir recursos com base nas habilidades naturais dos cidadãos e
não nas suas necessidades.
d) Corrigir essas desigualdades, redistribuindo apenas recursos suficien-
tes dos ricos para os pobres para permitir que eles possam competir
igualmente.

3) De acordo com Rawls, uma teoria da justiça não exige necessariamente


que todos na sociedade tenham igual riqueza e poder, desde que tais
desigualdades:
a) Trabalhem em benefício de todos, e todos possam ter acesso aos pri-
vilégios de riqueza e poder.
b) Não resultem em algumas pessoas com mais riqueza ou poder do que
outros membros da sociedade.
c) Não garantam que o governo ofereça a todos um padrão de vida
mínimo.
d) Permitam que as pessoas consigam posições de riqueza e poder que
justifiquem que sejam consideradas simplesmente melhores do que
outras.
e) Não impeçam que se realize o direito à propriedade e à liberdade.

4) (IF-PI – Professor de Filosofia – 2011) Em 1971, o filósofo estadunidense


John Rawls publica A Theory of Justice, obra na qual apresenta sua teoria
da justiça como equidade. A década de 1980 ambientou o surgimento da
corrente do comunitarismo, que se contrapôs à perspectiva de orientação
liberal de Rawls. Leia o texto a seguir:

54 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

“Para os comunitaristas, os liberais (universalistas) estariam simplesmen-


te preocupados com a questão de como estabelecer princípios de justiça
que poderiam determinar a submissão voluntária de todos os indivíduos
racionais, mesmo de pessoas com visões diferentes sobre a vida boa. O
que se estabelece como crítica é que, para os comunitaristas, os princípios
morais só podem ser tematizados a partir de sociedades reais, a partir das
práticas que prevalecem nas sociedades reais. Para eles, em John Rawls,
encontram-se premissas abstratas de base como a liberdade e a igualda-
de que orientam (ou devem orientar) as práticas legítimas. A questão co-
locada é que, na interpretação comunitarista, a prática tem precedência
sobre a teoria, e não seria plausível que pessoas que vivem em sociedades
reais identifiquem princípios abstratos para sua existência. A crítica co-
munitarista aponta como insuficiente a tentativa de identificar princípios
abstratos de moralidade através dos quais sejam avaliadas as sociedades
existentes. A questão-chave é a negação de princípios universais de justiça
que possam ser descobertos pela razão, pois, em sua avaliação, as bases
da moral não são encontradas na filosofia, e, sim, na política”. (SILVEIRA,
Denis Coitinho. Teoria da Justiça de John Rawls: entre o liberalismo e o
comunitarismo. In: Trans/Form/Ação, São Paulo, 30(1): 169-190, 2007).
De acordo com o texto e com seus conhecimentos, assinale a alternativa
que NÃO corresponde à crítica comunitarista à teoria da justiça de Rawls:
a) Opera com uma concepção abstrata de pessoa que é consequência do
modelo de representação da posição original sob o véu da ignorância.
b) Utiliza princípios universais (deontológicos) com a pretensão de apli-
cação em todas as sociedades, criando uma supremacia dos direitos
individuais em relação aos direitos coletivos.
c) Utiliza a ideia de um Estado neutro em relação aos valores morais, ga-
rantindo apenas a autonomia privada (liberdade dos modernos) e não
a autonomia pública (liberdade dos antigos), estando circunscrita a um
subjetivismo ético liberal.
d) Rawls, embora liberal, aproxima-se do marxismo, tendo apenas nas
suas obras mais maduras uma veia materialista que olha para as co-
munidades reais.
e) É uma teoria deontológica e procedimental, que utiliza uma concep-
ção ética antiperfeccionista, estabelecendo uma prioridade absoluta
do justo em relação ao bem.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 55


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

5) De acordo com o libertarianismo, uma ação é livre:


a) Desde que seja causada por nossa vontade.
b) Somente se tivermos controle sobre nossa vontade.
c) Enquanto nossas escolhas forem volições de segunda ordem.
d) Enquanto acreditarmos que a ação é livre.
e) Se atender à vontade geral.

6) Se nos deparamos com um político eleito pelo seu povo com a pretensão
de que viesse a defender os interesses públicos e, tão logo se inicia na vida
política pública, passa a fazer uso de seu cargo para beneficiar a si próprio,
podemos afirmar, baseados nas ideias de Enrique Dussel, que esse indiví-
duo foi vítima de:
a) Potestas.
b) Potentia.
c) Fetichismo do poder.
d) Ambições totalizantes do ego.
e) Mecanismos colonizadores do eu.

7) Das afirmações a seguir, selecione aquela que não possui relação com a
Filosofia da Libertação:
a) Surge na América Latina.
b) Busca ser um foco de resistência.
c) Ampara-se em elementos da Filosofia europeia.
d) Há uma busca pela libertação, autonomia e autenticidade.
e) A interpretação histórica é condição importante para sua realização.

8) Das alternativas a seguir, selecione aquela que apresenta adequadamente


o entendimento de Dussel a respeito do poder obediencial:
a) Refere-se a uma conduta em que o indivíduo adota uma posição pas-
siva de obediência.
b) Caracteriza-se pela afirmação de que devemos respeitar as autorida-
des em suas funções específicas.
c) Advoga a possibilidade de que a autoridade possui um poder específi-
co que gera obediência.
d) Considera que nele o indivíduo se mantém fiel ao interesse público.
e) Estabelece os limites do poder por meio da obediência.

56 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) b.

2) d.

3) a.

4) d.

5) b.

6) c.

7) c.

8) d.

5. CONSIDERAÇÕES
Terminamos nossa primeira unidade e nela você anali-
sou alguns dos principais filósofos que realizaram contribui-
ções importantes à Filosofia Política nas Américas. Como você
pôde perceber, temos, nas ideias apresentadas, manifestações
variadas a respeito do entendimento do que seja a função do
Estado, da conduta que devemos adotar frente a ele e da pos-
sibilidade de criarmos políticos que atendam às circunstâncias
próprias de cada povo, tal como revelam as reflexões da Filosofia
da Libertação.
Encerramos enfatizando dois aspectos que consideramos
relevantes para sua formação acadêmica. O primeiro deles é a
abordagem inusual e, por que não, radical e ousada do libertaria-

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 57


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

nismo, que erige como princípio básico as liberdades individuais


em detrimento de qualquer tentativa de coação externa realiza-
da por indivíduos ou pelo Estado como uma das propostas que
fizeram com que no século 20 a Filosofia Política pudesse nova-
mente respirar novas possibilidades de entendimento a respeito
do Estado e dos indivíduos. Quanto ao segundo aspecto, esse se
refere ao convite apresentado pelos representantes da Filosofia
da Libertação, para que seja produzida uma filosofia autentica-
mente latino-americana, oriunda das particularidades que pos-
suímos e seus respectivos questionamentos.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 John Rawls. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
en/3/3d/John_Rawls.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2019.
Figura 2 Equidade e Igualdade. Disponível em: <https://www.getsmartoregon.org/
about-smart/equity/>. Acesso em: 25 jan. 2019.
Figura 3 Robert Nozick. Disponível em: <http://romantokarczyk.pl/pics/uczel/14.jpg>.
Acesso em: 21 jun. 2018.
Figura 4 Leopoldo Zea Aguilar. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
Leopoldo_Zea#/media/File:LZea.jpg>. Acesso em: 12 jun. 2019.
Figura 5 Enrique Dussel. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Enrique_
Dussel#/media/File:EnriqueDussel.jpg>. Acesso em: 12 jun. 2019.

Sites pesquisados
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org.au/app/uploads/2015/04/images/stories/policy-magazine/1997-spring/1997-13-
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DUSSEL, E. 20 tesis de Política. Mexico: Siglo XXI; Centro de Cooperación Regional para
la Educación de Adultos en América Latina y Caribe, 2006. Disponível em: <http://

58 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 1 –FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

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jun. 2019.
KANT, I. Crítica da Razão Prática. São Paulo: São Paulo: Edições e Publicações Brasil
Editora S.A., 1959. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/kant/1788/
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LONG, R. Egalitarianism. Disponível em: <https://www.iep.utm.edu/egalitar/>. Acesso
em: 24 jan. 2019.
MENDIETA, E. Philosophy of Liberation. 2016. Disponível em: <https://plato.stanford.
edu/cgi-bin/encyclopedia/archinfo.cgi?entry=liberation>. Acesso em: 9 abr. 2018.
MORRESI, S. D. Robert Nozick e o liberalismo fora de esquadro. Lua Nova, São Paulo,
v. 55-56, p. 285-296, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n55-56/
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MURRAY, D. Robert Nozick: Political Philosophy. Internet Encycolpedia of Philosophy.
Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/noz-poli/#SH3a>. Acesso em: 10 jun. 2019.
RICHARDSON, H. S. John Rawls (1921-2002). Internet Encycolpedia of Philosophy.
Disponível em: <https://www.iep.utm.edu/rawls/>. Acesso em: 10 jun. 2019.
SANTOS, V. R. O homem e sua circunstância: introdução à filosofia de Ortega y Gasset.
Metavnoia, São João del Rei, n. 1, p. 61-64, jul. 1998/1999. Disponível em: <https://
www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/revistalable/numero1/vilson6.pdf>. Acesso
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SÓ FILOSOFIA. Provas de concursos e do vestibular. Disponível em: <http://www.
filosofia.com.br/vi_prova.php?id=99>. Acesso em: 13 jun. 2019.
VALLENTYNE, P. Robert Nozick: Anarchy, State, and Utopia. In: SHAND, J. (Ed.).
Central works of Philosophy: the twentieth century: quine and after. Chesham:
Acumen Publishing Limited, p. 86-103, 2006. Disponível em: <https://books.google.
com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=2dffBQAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP1&dq=Central+
works+of+Philosophy:+the+twentieth+century:+quine+and+after.&ots=bIExuGM
P1n&sig=m7aKDx5jj8TDncytL3-FSw24Ra4#v=onepage&q=Central%20works%20
of%20Philosophy%3A%20the%20twentieth%20century%3A%20quine%20and%20
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ZEA, L. A Filosofia latino-americana como Filosofia da Libertação. 1973. Disponível
em: <https://mural-2.com/_files/200003973-33b1934ab8/FilosofiaLatinoamericana-
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______. En torno a una Filosofia Americana. 2003. Disponível em: <http://www.
biblioteca.org.ar/libros/1294.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2019.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 59


UNIDADE 1 – FILOSOFIA POLÍTICA NAS AMÉRICAS

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LIPP, S. Leopoldo Zea: from Mexicanidad to a philosophy of history. Waterloo: Wilfrid
Laurier University Press, 1980.
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Os Pensadores).
NOZICK, R. Anarquia, Estado e utopia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
RAWLS, J. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______. Uma teoria da justiça. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. (Pensamento
Político, n. 50).

60 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2
ÉTICA NAS AMÉRICAS

Objetivo
• Apresentar algumas das principais contribuições filosóficas nas Américas
que versam sobre Ética.

Conteúdos
• A ética ambientalista de Henry David Thoreau.
• O egoísmo ético de Ayn Rand.
• O homem medíocre de José Ingenieros.
• Liberdade, necessidade e autarquia em Alejandro Korn.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:
a) Não se limite a este conteúdo; busque outras informações em sites
confiáveis e/ou nas referências bibliográficas apresentadas ao final de
cada unidade. Lembre-se de que, na modalidade EaD, o engajamento
pessoal é um fator determinante para o seu crescimento intelectual.
b) Busque identificar os principais conceitos apresentados; siga a linha
gradativa dos assuntos até poder observar a evolução do estudo das
contribuições filosóficas das Américas ao tema da Ética.
c) Não deixe de recorrer aos materiais complementares descritos no Conteúdo
Digital Integrador.

61
© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

1. INTRODUÇÃO
Nesta segunda unidade, você conhecerá produções filosó-
ficas nas Américas que versaram sobre a Ética. Como você bem
sabe, essa área da Filosofia tem recebido muita atenção nos
tempos atuais, especialmente quando se busca tratar da política
e das relações que mantemos com outros seres humanos.
Para a escolha dos pensadores, optamos por apresentar
duas abordagens que costumeiramente não se apresentam nos
cursos de Filosofia: o egoísmo ético e a ética do meio ambiente,
abordagens que apontam a necessidade de cuidarmos de nossas
necessidades ou deixarmos de tratar somente do ser humano
em nossas questões e propostas éticas.
No que tange à Filosofia na América Latina, você lidará com
filósofos que, cada qual a seu modo, souberam dar um tratamen-
to próprio às questões já abordadas por outros pensadores.
Torcemos para que essas abordagens possam trazer novos
questionamentos em suas indagações éticas e animem você a
exercitar essas novas possibilidades éticas em seu cotidiano.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteú-
do Digital Integrador.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 63


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

2.1. HENRY DAVID THOREAU

Começaremos nossa jornada por algu-


mas das principais produções filosóficas que
versaram sobre a Ética construídas nas Amé-
ricas por meio da análise da obra de Henry
David Thoreau. Embora explicitemos aqui as
suas considerações filosóficas, é preciso di-
zer que Thoreau se destacou em inúmeras
outras áreas como ensaísta, poeta, abolicio-
Figura 1 Henry David
nista, cientista ambiental e outras mais. Thoreau.
Thoreau faleceu em 1862, no entanto é surpreendente ve-
rificar as considerações que ele fez a respeito da sociedade, dos
problemas do consumo desenfreado e da importância do contato
do ser humano com natureza, porque muitas dessas considerações
que se faz no tocante a esses temas na atualidade já ecoavam de
forma premonitória nas considerações do filósofo.
No aspecto político, Thoreau se tornou conhecido por pro-
por a desobediência civil, ou seja, o ato consciente e autônomo
de recusa à obediência a certas leis como mecanismo legítimo
de resistência frente a um Estado opressor, o que veio a influen-
ciar a defesa dessa postura pelo filósofo Leon Tolstói e, além dis-
so, ocasionou ações concretas inspiradas em seus dizeres pelos
grandes líderes políticos Mahatma Gandhi e Martin Luther King.
Nas análises que estão sendo feitas nesta obra, temos nos
dedicado a tecer traços biográficos dos filósofos analisados, da-
dos os limites previstos para este material; no entanto, a história
pessoal de Thoreau carrega consigo fatos tão singulares, que nos
impelem conscientemente a quebrar essa regra geral, baseando-
-nos em uma publicação produzida pelo The Philosophers’ Mail
(2018) a respeito do pensador.

64 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Entre esses fatos, citamos que, quando terminou seus es-


tudos, Thoreau iniciou-se na carreira de professor, mas pouco
depois a abandonou por não suportar infringir castigos físicos
aos seus alunos.
Thoreau também foi discípulo de Ralph Waldo Emerson
e, nessa condição, tornou-se defensor do transcendentalismo,
movimento filosófico que divide o mundo em duas realidades, a
material e a espiritual, e da primazia da necessidade do cultivo
desta última para que possamos ter uma vida plena.
Ao construir a obra Walden ou A vida nos bosques, publi-
cada em 1854 e que lhe garantiria a notoriedade e exporia sua
originalidade (inclusive a sua inserção nesta obra), Thoreau viveu
afastado de toda a sociedade, por cerca de dois anos, em uma
pequena cabana na floresta, que media aproximadamente 3,5
por 4,5 m e que fora construída pelas mãos de Thoreau em terras
que pertenciam a Emerson em Walden Pond. Nessa cabana exis-
tiam tão somente três cadeiras e, ao se referir a elas, o filósofo
fez uma afirmação peculiar e interessante: uma seria para a soli-
dão, duas seriam para os amigos e três seriam para a sociedade.

Figura 2 Visão interna da cabana de Thoreau.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 65


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Feita essa contextualização, convém inicialmente dizer que


Thoreau busca em sua ética “reviver uma concepção de Filosofia
como um modo de vida, não somente um modo de pensamento
reflexivo e discursivo” (FURTAK, 2017, tradução nossa).
E qual seria o seu tema central? De imediato, faz-se neces-
sário tratar da já citada relação de Thoreau com o transcenden-
talismo de Emerson, visto que essa relação impactará sua produ-
ção ética. Portanto, vejamos o que seria esse movimento:
Transcendentalismo é uma palavra muito formal que descreve
uma ideia muito simples. Pessoas, homens e mulheres igual-
mente têm conhecimento sobre si mesmos e sobre o mundo
ao seu redor que “transcende” ou vai além do que eles podem
ver, ouvir, provar, tocar ou sentir. Esse conhecimento vem da
intuição e da imaginação, não da lógica ou dos sentidos. As pes-
soas podem confiar em si mesmas como sua própria autoridade
sobre o que é certo. Um transcendentalista é uma pessoa que
aceita essas ideias não como crenças religiosas, mas como uma
maneira de entender as relações de vida (AMERICAN HISTORY,
2019, tradução nossa).

Furtak (2017) intitula a ética de Thoreau como sendo uma


ética da percepção, visto que nela se depreende um convite à
apreciação consciente do que se encontra ao nosso redor.
Veja como Furtak sustenta seu argumento:
Se alguém me solicitasse que nomeasse a virtude cardeal da fi-
losofia de Thoreau, seria difícil identificar um candidato melhor
do que a consciência. Ele atesta a importância de “estar sempre
em alerta” e “a disciplina de olhar sempre para o que deve ser
visto” (Walden, IV). Este exercício pode permitir a criação de
descrições notavelmente minúsculas de um pôr do sol, uma ba-
talha entre formigas vermelhas e pretas, ou as formas tomadas
pelo descongelamento de barro em um banco de areia: mas
seu valor primário está na maneira como afeta a qualidade de
nossa experiência. “É algo ser capaz de pintar uma imagem em

66 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

particular, ou de esculpir uma estátua, e assim tornar alguns


objetos bonitos; mas é muito mais glorioso esculpir e pintar a
própria atmosfera e meio através dos quais olhamos ”(Walden,
II). A consciência também não pode ser classificada como uma
virtude exclusivamente moral ou intelectual, uma vez que o co-
nhecimento é uma atividade inescapavelmente prática e avalia-
tiva – para não mencionar uma prática corporificada (FURTAK,
2017, tradução nossa).

Como o termo consciência, na língua portuguesa, carrega


consigo inúmeras particularidades e interpretações, considero
importante salientar que sua manifestação se refere ao ato de
estar atento ao que ocorre, ou seja, consciência da situação.
Porém, consideramos que uma terminologia mais apro-
priada seria a produzida por Cafaro, que definiu a proposta ética
de Thoreau como sendo uma “ética de virtude ambiental” (CA-
FARO, 2001, p. 3, tradução nossa). Vejamos agora uma definição
sobre essa abordagem ética:
A ética ambiental é o estudo das relações éticas entre os seres
humanos e o ambiente natural, incluindo os indivíduos não hu-
manos que o povoam e constituem. Envolve o desenvolvimento
de uma compreensão adequada da relação homem-natureza,
identificando os bens e valores que fazem parte ou emergem
desse relacionamento, determinando as normas (regras/prin-
cípios) que esses bens e valores justificam e aplicando essas
normas para gerar orientação sobre as questões e interações
ambientais (SANDLER, 2013, p. 1, tradução nossa).

De modo geral, um aspecto costumeiramente presente


nessa abordagem ética é que devemos buscar simplicidade e
moderação para que tenhamos uma vida boa e, ainda segundo
Sandler, essa opção não deve ser vista como um sacrifício. Temos
como desafio nos afastarmos das necessidades materiais não
fundamentais e, além disso, cuidarmos da natureza. Há nessa

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 67


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

conduta o pressuposto de que o florescimento da vida humana e


o ambiente são coincidentes, estão interligados (SANDLER, 2013,
p. 7).
Algumas das grandes influências no pensamento de Tho-
reau são o estoicismo e, em nossa análise, as propostas do filó-
sofo romano Lúcio Aneu Sêneca. Para que se possa constatar no
filósofo romano um exemplo dessa relação de moderação e sim-
plicidade, abdicação do supérfluo e realização no contato com a
natureza, apresentamos o trecho a seguir:
Acanhada é a alma que as coisas terrenas deleitam; e é preciso
arrancá-la dessas e levá-la para as que em toda parte aparecem
igualmente e igualmente resplandecem. Devemos refletir que
estes bens terrenos são obstáculos aos verdadeiros bens por
causa das opiniões falsas e mentirosas: quanto mais compridos
pórticos se constroem, quanto mais altas torres se levantam;
quanto mais amplos caminhos se abrem, quanto mais profun-
das se escavam as grutas estivas; quanto mais monumentais se
erguem os tetos das salas de jantar, tanto mais todas estas coi-
sas nos escondem o céu (SÊNECA, 1973, p. 197).

Perceba que, no trecho citado, o filósofo nos apresenta a


possibilidade de, ao nos dedicarmos ao supérfluo, na imodera-
ção, não nos apercebermos que os bens valiosos se encontram
ao nosso redor e, nesse trecho específico, na experiência trans-
formadora do contato com a natureza.
Com o que foi apresentado até este momento, estamos
prontos para lidar com as considerações emitidas diretamente
por Thoreau. Comecemos então pela importância que o filósofo
confere à moderação:
A maioria dos luxos e muitos dos chamados confortos da vida,
não só são dispensáveis como constituem até obstáculos à
elevação da humanidade. No que diz respeito a luxos e con-
fortos, os mais sábios sempre viveram de modo mais simples

68 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

e despojado que os pobres. Os antigos filósofos chineses, in-


dianos, persas e gregos eram uma classe que se notabilizava
pela extrema pobreza de bens exteriores, em contraste com a
riqueza interior. Não sabemos muito sobre eles, admira, porém,
que saibamos tanto quanto sabemos. O mesmo acontece com
reformadores e benfeitores mais recentes da nacionalidade de-
les. Ninguém pode ser um observador imparcial e sábio da raça
humana, a não ser da posição vantajosa que chamaríamos de
pobreza voluntária (THOREAU, 2007, p. 6).

Note que o filósofo realiza uma crítica à posse de bens ma-


teriais, e ressalta a sabedoria de aderirmos voluntariamente a
uma vida recheada de simplicidade. Especificamente em relação
à natureza, o filósofo teceu inúmeras considerações a respeito
de sua defesa; vejamos uma delas:
Desejo dizer uma palavra em nome da Natureza, da liberdade
absoluta e da vida selvagem, em contraste com a liberdade e
a cultura meramente civis – para considerar o homem como
um habitante, ou parte e parcela da Natureza, ao invés de um
elemento da sociedade. Desejo fazer uma declaração extrema,
supondo que assim a farei enfática, pois há defensores da civili-
zação o bastante (THOREAU, 2011, p. 9, destaque nosso).

Veja que, no trecho citado, Thoreau nos admoesta em rela-


ção a sermos parte da natureza, ou seja, ela não é um elemento
externo e diferenciado de nós; fazemos parte dela. Reitera, ainda,
a necessidade da defesa dessa mesma natureza e a crítica implí-
cita à excessiva defesa da civilização em detrimento da natureza.
Mencionaremos ainda outro aspecto interessante de suas
ideias, como que antecipando considerações posteriores a res-
peito da objetificação do homem no trabalho, na medida em que
esse homem deixa de lado a possibilidade de saborear as expe-
riências que a vida oferece. Confira o trecho a seguir:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 69


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste


país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preo-
cupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não
pode colher os frutos mais saborosos da vida. A excessiva lida
torna-lhe os dedos demasiado trêmulos e desajeitados para isso.
Na realidade, o trabalhador não dispõe de lazer para uma genuí-
na integridade dia a dia, nem se pode permitir a manutenção de
relações mais humanas com outros homens, pois seu trabalho
seria depreciado no mercado. Não há condições para que seja
outra coisa senão uma máquina (THOREAU, 2007, p. 2).

A partir desses elementos, esperamos ter incentivado


você a conhecer mais sobre as obras desse pensador e verificar
o quanto seus apontamentos críticos são atuais frente à situação
em que vivemos.

Antes de prosseguir para o próximo tópico, sugerimos que


você realize a leitura proposta no Tópico 3. 1 para expandir seu
conhecimento sobre outro filósofo que produz uma crítica às
atitudes antropocêntricas, seguindo o caminho de Thoreau.

2.2. AYN RAND E O EGOÍSMO ÉTICO

Uma filósofa ainda um tanto


quanto desconhecida no Brasil e que traz
contribuições relevantes para a Ética é a
pensadora russo-americana Ayn Rand.
Ela se tornou notória ao apresentar uma
proposta ética que, para alguns interessados
sobre esse tema, é considerada verdadeiro
tabu. Referimo-nos à defesa do egoísmo
ético enquanto uma proposta sólida para a Figura 3 Ayn Rand.
construção de nosso ethos. Para apresentar as

70 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

contribuições dessa pensadora, inserimos a seguir alguns trechos


de um texto já publicado anteriormente e que teve por objetivo
apresentar as teorias normativas éticas para futuros pedagogos.
Começaremos inicialmente tratando do conceito de egoís-
mo. Costumeiramente, quando lidamos com esse conceito e,
mais especificamente, quando o aplicamos à questão ética, en-
tendemos que se trata do indivíduo tão somente preocupado
consigo mesmo, que busca fazer tudo que for necessário para
atingir seus interesses próprios. Vejamos como Ayn Rand realiza
novo entendimento a respeito dessa interpretação:
No uso popular, a palavra “egoísmo” é um sinônimo de maldade;
a imagem que invoca é de um brutamontes homicida que pisa
sobre pilhas de cadáveres para alcançar seu próprio objetivo, que
não se importa com nenhum ser vivo e persegue apenas a re-
compensa de caprichos inconsequentes do momento imediato.
Porém, o significado exato e a definição do dicionário para a pa-
lavra “egoísmo” é: preocupação com nossos próprios interesses.
Este conceito não inclui avaliação moral; não nos diz se a preo-
cupação com os nossos próprios interesses é boa ou má, nem
nos diz o que constituem os interesses reais do homem. É tarefa
da ética responder a tais questões. A ética do altruísmo criou a
imagem do brutamontes, como sua resposta, a fim de fazer os
homens aceitarem dois princípios desumanos: (a) que qualquer
preocupação com nossos próprios interesses é nociva, não im-
portando o que estes interesses possam representar, e (b) que as
atividades do brutamontes são, na verdade, a favor dos nossos
próprios interesses (que o altruísmo impõe ao homem renunciar
pelo bem de seus vizinhos) (RAND, 2016, p. 10-11).

Esse egoísmo, portanto, possui a característica de defesa


dos interesses individuais da pessoa envolvida e pode se mani-
festar nos seguintes modos:

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UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

• Egoísmo ético pessoal: “eu vou agir somente no meu


interesse próprio e os outros devem fazer o que quer
que eles queiram”.
• Egoísmo ético individual: “todos devem agir em meu
interesse”.
• Egoísmo ético universal: “cada indivíduo deveria agir
em prol de seu próprio interesse”.
O predecessor de Ayn Rand quanto à proposta da realiza-
ção do egoísmo ético foi o pensador alemão Friedrich Nietzsche.
Para esse filósofo, o posicionamento ético contrário ao egoísmo
seria humilhante, pois teria como significado que um indivíduo
afirma que outra pessoa é mais importante que ele próprio.
Nietzsche afirmou que isso denegriria a nós mesmos na medida
em que nos colocaria abaixo dos outros:
Estejamos de acordo, neste nosso tempo, em que benevolên-
cia e beneficência constituem o homem bom; vamos somen-
te acrescentar: “pressupondo que ele antes seja benevolente
e beneficente consigo mesmo!” Pois sem isso ele foge de si,
odeia a si, prejudica a si mesmo – ele certamente não é um bom
homem. Então ele apenas salva-se de si mesmo nos outros: que
esses outros cuidem para que não fiquem mal, por mais bem
que ele aparentemente lhes queira! – Mas precisamente isto:
fugir do ego e odiá-lo, e viver no outro, para o outro – foi até
agora considerado, de forma irrefletida e muito confiante, “al-
truísta” e, portanto, “bom” (NIETZSCHE, 2004, n.p.).

Ayn Rand (2016), por sua vez, posiciona-se contra o altruís-


mo porque, segundo ela, essa conduta faz com que abandone-
mos a construção e a busca de nosso ethos pessoal em prol de
religiões e da sociedade, com que vivamos para os outros e, com
isso, o indivíduo sempre se anula em prol dessas outras pessoas,
o que o tornaria uma pessoa descartável, visto que o todo é mais
importante que as partes que o compõem.

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UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Vejamos, na Figura 4, como normalmente interpretamos o


egoísmo ético:

Cara, nós estamos


perdidos na ilha
e o coco é nossa
única fonte de
alimento!!!!

Figura 4 Egoísmo.

Muitos de nós, quando analisamos a possibilidade de as pes-


soas deverem buscar a felicidade para si próprias, acreditamos que
aconteceria a situação da Figura 4, ou seja, que buscaríamos obter
o que é do outro para nosso benefício próprio, inclusive por meios
violentos. Rand (2016) busca dizer que esse raciocínio é equivocado
e, para tanto, apresenta como contraponto a esse posicionamento
aquilo que intitula como ética objetivista:
A ética objetivista orgulhosamente advoga e defende o egoísmo
racional – que significa: os valores exigidos pela sobrevivência do
homem enquanto homem – ou seja, os valores exigidos pela vida
humana – não são os valores produzidos pelos desejos, emoções
e “aspirações”. Os sentimentos, os caprichos ou as necessidades
de brutamontes irracionais, que nunca superaram a prática pri-
mordial dos sacrifícios humanos, que nunca descobriram uma
sociedade industrial e não podem conceber nenhum autointe-
resse, exceto aquele de aproveitar-se do saque da ocasião, são
valores destrutivos à sobrevivência do homem. A ética objetivista
sustenta que o bem humano não requer sacrifício e não pode ser
alcançado pelo sacrifício de ninguém; sustenta que os interesses
racionais dos homens não se chocam – que não há conflito de
interesses entre homens que não desejam o imerecido, que não
fazem sacrifícios, nem os aceitam, que se tratam entre si como
comerciantes, trocando valor por valor (RAND, 2016, p. 35).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 73


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Rand propõe que nossos valores sejam obtidos por meio do


exercício da razão, único elemento que nos separa dos animais
e nos permite armazenar informações e transformar a natureza
para que consigamos sobreviver. Mediante o uso da razão, esta-
belecemos um propósito para nossas vidas, o qual se contrapõe
a nossos desejos e emoções, pois se trata de um propósito racio-
nal de autoaperfeiçoamento. Ao fazermos esse exercício, criamos
uma autoestima, ou seja, um valor positivo a respeito de nós mes-
mos. Quem faz uso dessa ética proposta por Rand passa a ter as
virtudes cultivadas de racionalidade, produtividade e orgulho.
E como seria a relação entre as pessoas que começam a
fazer uso desse exercício ético? Rand propõe que elas passariam
a realizar trocas, porque:
O princípio da troca é o único princípio ético racional para todos
os relacionamentos humanos, pessoais e sociais, particulares e
públicos, espirituais e materiais. É o princípio de justiça (RAND,
2016, p. 35).

Para exemplificar essa proposta de troca, tomemos como


exemplo o amor. Para Rand, em uma entrevista realizada em 1950,
cada realização negocial de troca possui sua própria moeda e, es-
pecificamente no amor, não amamos as pessoas pelo que fazemos
por elas ou pelo que elas fazem por nós, mas as amamos pelas
virtudes próprias que conseguiram e que forjaram em seu caráter.
A partir desses elementos apresentados, perceba como um
conceito comum presente em nosso dia a dia, o egoísmo ético,
que aparentemente soaria aos nossos ouvidos como possuidor
de um caráter valorativo negativo, ao ser escrutinado por meio
da Filosofia, pode vir a ser interpretado com outras possibilida-
des e significados. Isso torna a Filosofia fascinante, na medida
em que ela não se restringe a aceitar o já dado, mas o problema-
tiza, questiona e, por que não, reinventa.

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UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Antes de prosseguir para o próximo tópico, recomenda-


mos que você consulte o Tópico 3. 2, que contém indicações
de entrevistas de Ayn Rand, as quais vão expandir seu conhe-
cimento sobre as ideias da filósofa.

2.3. JOSÉ INGENIEROS E O HOMEM MEDIOCRE

Iremos lidar agora com a produção


do filósofo e sociólogo ítalo-argentino José
Ingenieros (1877-1925).
José Ingenieros foi discípulo de outro
grande filósofo argentino, chamado Ramos
Mejía, e foi tido como um dos grandes
defensores do positivismo e do cientificismo/
laicismo na Argentina. De modo introdutório,
pode-se dizer que Ingenieros lidou com vários Figura 5 José Ingenieros.
temas dada a sua formação variada, formação esta que pode ser
detectada nas próprias considerações desse pensador a seu respeito:
Na Universidade cursei simultaneamente duas carreiras, que
me permitiram adquirir noções das ciências físico-naturais e das
ciências médico-biológicas; vocacionalmente cultivei as ciências
sociais a não fui indiferente às letras. Especializei logo meus estu-
dos em Patologia nervosa e mental, vinculando-me a seu ensino
na Faculdade de Medicina (1900-1905); passei, naturalmente, à
cátedra de Psicologia na Faculdade de Filosofia e Letras (1904-
1911), estendendo meus programas a Ética, Lógica e Estética,
que sempre considerei como “ciências psicológicas”. Desde 1911
tenho procurado entender a História da Filosofia; somente em
1918, atrevi-me a emitir uma opinião sobre assuntos filosóficos
(INGENIEROS apud NERVI, 2007, p. 146-147, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 75


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Quanto à sua filosofia, optamos por apresentar as contri-


buições que realizou para a Ética, visto que nessa área produziu
obras muito interessantes e singulares. Segundo o próprio filóso-
fo, sua produção ética se manifestaria em três obras. A primeira
delas seria a obra O homem medíocre, publicada originalmente
em 1914 e nela temos uma crítica da moralidade.
Sua segunda obra sobre o assunto seria Para uma moral
sem dogmas, publicada originalmente em 1917 e na qual, segun-
do Ingenieros, teríamos sua teoria da moralidade. Por fim, em sua
obra As forças morais, teríamos uma deontologia da moral. Trata-
remos aqui de sua segunda obra. Nela o filósofo propõe que nos
afastemos dos dogmas quando nos propomos a lidar com a Ética.
Para o filósofo, “um dogma é uma opinião imutável e imperfectível
imposta aos homens por uma autoridade anterior a sua própria
experiência” (INGENIEROS, 1919, p. 12, tradução nossa).
Segundo Ingenieros, há sempre a manifestação de poder e
autoridade quando nos deparamos com manifestações morais dog-
máticas. Contudo, se costumeiramente consideramos que os dog-
mas estejam associados a manifestações religiosas no âmbito da
moral, o filósofo nos alerta que eles também estão presentes no
âmbito filosófico, porque, enquanto na igreja os dogmas se mani-
festam na autoridade do teólogo e da igreja, no âmbito filosófico,
o dogma se manifesta nos filósofos e seus respectivos seguidores:
Parte de uma premissa transcendental: a existência de uma ra-
zão perfeita ou pura, anterior a experiência individual ou social.
Essa razão tem leis que permitem estabelecer a priori princípios
fundamentais de moral, anteriores à moralidade efetiva dos ho-
mens; estes devem ser morais, imperativamente, e devem sê-lo
ajustando-se aos princípios eternos e imutáveis da razão (INGE-
NIEROS, 1919, p. 20, tradução nossa).

Dessa condição, para Ingenieros, temos a troca de um fun-


damentalismo religioso por outro de fundamento racional e que

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UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

poderia ser percebido em pensadores tais como Descartes e, em


especial, Kant.
Segundo Ingenieros, a Ética possui uma dimensão eminen-
temente social, porque “toda ética efetiva é um resultado natu-
ral da experiência” (INGENIEROS, 1919, p. 147, tradução nossa).
Desse posicionamento se depreende que, para Ingenieros,
a moralidade possui um caráter relativo e isso pode ser percebi-
do na consideração a seguir:
Aplique essas ideias à experiência moral e compreenderá exata-
mente o que significará a moral sem dogmas do porvir: não so-
mente sem dogmas religiosos, mas também sem dogmas racio-
nais. Suponha que essa experiência é distinta em cada sociedade
humana e em cada momento de sua evolução e compreenderá a
inevitável variação dos ideais de perfeição moral que os homens
construíram hipoteticamente sobre sua experiência incessante-
mente renovada (INGENIEROS, 1919, p. 163, tradução nossa).

Com esses elementos, percebe-se o relativismo já apon-


tado, visto que a moral possui dimensão social, tem um caráter
eminentemente humano e é construída historicamente.
Apresentadas essas considerações, sigamos agora, tratan-
do de sua obra O homem medíocre. Vejamos a seguir como Mai-
lhe (2013) a caracteriza:
Em O homem medíocre, Ingenieros adverte que o ideal é patri-
mônio de uma seleta minoria esclarecida que impõe seus esfor-
ços “às gerações seguintes”. Integrando – não sem conflitos – os
vocabulários do positivismo e do espiritualismo, assinala que os
ideais são “faróis” e “heraldos” que guiam ao homem em sua
“peregrinação” evolutiva. Rechaçando o idealismo dogmático
dos metafísicos em favor de um idealismo experimental, insis-
te que o idealismo não é incompatível com a ciência porque
a imaginação do futuro completa a experiência do presente
(MAILHE, 2013, n.p., tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 77


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Para a autora, Ingenieros tem em sua proposta um caráter


científico evolutivo, ou seja, teríamos aquele que representaria
a evolução, manifestado no homem ideal e, por sua vez, aqueles
que não teriam essa condição evolutiva, representados pelo ho-
mem medíocre e pelo homem inferior. Vejamos como Ingenieros
caracteriza o último:
O homem inferior é um animal humano; em sua mentalidade
assenhoram-se as tendências instintivas condensadas pela he-
rança e que constituem a “alma da espécie”. Sua inaptidão para
a imitação o impede de adaptar-se ao meio social em que vive;
sua personalidade não se desenvolve até o nível corrente, vi-
vendo debaixo da moral ou da cultura dominantes, e em muitos
casos fora da legalidade. Essa insuficiente adaptação determi-
na sua incapacidade para pensar como os demais e comparti-
lhar suas rotinas comuns (INGENIEROS, 2000, p. 39, tradução
nossa).

Por sua vez, o homem medíocre, segundo Ingenieros, seria


uma mediania entre o homem inferior e o homem ideal:
Seu traço característico, absolutamente inequívoco, é sua de-
ferência pela opinião dos demais. Não fala nunca; repete sem-
pre. Julga os homens como você os houve julgar. Reverenciará
a seu mais cruel adversário, se este se eleva; desdenhara de
seu melhor amigo se ninguém o elogia. Seu critério carece de
iniciativas. Suas admirações são prudentes. Seus entusiasmos
são oficiais (INGERIEROS, 2000, p. 36, tradução nossa).

Muitos serão, ao longo de sua obra, os adjetivos nada elo-


giosos produzidos por Ingenieros para definir o medíocre; no
entanto, devido às limitações introdutórias desta obra, vejamos
como nosso filósofo caracteriza o homem ideal ou superior, ten-
do como contraponto o homem medíocre:
O predomínio da variação determina a originalidade. Variar é
ser alguém, diferenciar-se é ter um caráter próprio, um pena-
cho, grande ou pequeno: emblema, enfim, de que não se vive

78 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

como simples reflexo dos demais. A função capital do homem


medíocre é a paciência imitativa; a do homem superior é a ima-
ginação criadora. O medíocre aspira a confundir-se com os que
o rodeiam; o original tende a diferenciar-se deles. Ao passo que
um se concretiza a pensar com a cabeça da sociedade, o outro
aspira a pensar com a própria. Nele se sustenta a desconfian-
ça que somente rodeia os caracteres originais: nada parece tão
perigoso como um homem que aspira a pensar com sua cabeça
(INGENIEROS, 2000, p. 38, tradução nossa).

Chamamos sua atenção para a ênfase que Ingenieros dá


ao homem superior como sendo aquele que está à frente de seu
tempo. Tais características remetem a um pensador que Ingenie-
ros apreciou muito em sua juventude, Nietzsche, e que, de modo
geral, deu especial ênfase a esse homem à frente do momento
em que vivia.
Por meio dessas breves análises de ambas as obras, espe-
ramos ter incentivado você a conhecer esse pensador. Caso se
dedique a fazê-lo, você descobrirá que ele produziu também fra-
ses memoráveis a respeito de assuntos diversos e que certamen-
te ampliarão suas referências.

2.4. ALEJANDRO KORN

Outro grande filósofo argentino e que


seguiu caminho oposto ao de Ingenieros, ao
adotar posicionamentos diversos dos repre-
sentados pelo positivismo, foi Alejandro Korn.
Tal como Ingenieros, esse filóso-
fo produziu contribuições valiosas para a
Filosofia em várias áreas, destacando-se
nas áreas de Epistemologia, Gnoseologia,
Figura 6 Alejandro Korn.

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UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Metafísica e Axiologia. Especificamente para fins didáticos e te-


máticos, optamos também por abordar sua contribuição para a
teoria dos valores para que você possa perceber algumas dife-
renças marcantes entre esse pensador e José Ingenieros quanto
às questões axiológicas/éticas.
Inicialmente convidamos você a analisar a seguir como Pró
(1967, p. 36, tradução nossa) apresenta algumas conclusões ge-
rais a respeito dos posicionamentos do filósofo sobre esse tema:
O domínio próprio da Filosofia, segundo Korn, é o mundo subjeti-
vo, o do eu, suas atividades e suas valorações. A Filosofia é, pois,
axiologia. O eu, o sujeito, realiza valorações de conhecimento, e é
Gnoseologia; de beleza, e é Estética; de utilidade, e é Economia;
de bondade, e é Ética, de justiça, e é Direito, de santidade, e é
religião. Korn considera um erro cartesiano pretender que o eu é
eminentemente racional, “une chose qui pense”. O microcosmos
é muito mais rico do que supõe o racionalismo moderno.

Veja que essa dimensão valorativa que possuímos, essa ca-


pacidade que temos de dar valor às coisas, segundo a leitura de
Pró, é marca distintiva do pensamento de Korn.
Ainda segundo Pró, essa dimensão valorativa eminente-
mente humana proposta por Korn é essencialmente subjetiva,
ou seja, advém da consciência do indivíduo frente a um fato ob-
jetivo; é voluntarista, na medida em que realizamos nossos atos
valorativos sempre amparados pela nossa vontade e essa seria a
força motriz que movimenta a nossa inteligência. Por fim, nos-
sos atos valorativos possuem um caráter relativista, ou seja, “as
valorações são relativas ao indivíduo (relativismo individualista),
às épocas (historicista), aos lugares (geográfico), às comunidades
(social)” (PRÓ, 1967, p. 39, tradução nossa).
Um aspecto interessante citado por Pró, e que nos levou a
investigar com mais atenção, foi uma produção que Korn realizou

80 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

buscando classificar nossos valores em uma escala. Essa classifi-


cação, originalmente apresentada na obra Apuntes Filosóficos,
produzida em 1943, é a que se segue:

Figura 7 Classificação dos valores segundo Korn.

Considero importante salientar que a classificação da Fi-


gura 7 não possui um caráter hierarquizado, ou seja, com alguns
valores acima de outros; isso porque, conforme vimos, eles pos-
suem um caráter relativo e subjetivo. Para Korn, quando, por
meio de nossa vontade, estabelecemos o que queremos ou não,
ou seja, quando valoramos algo, buscamos preservar a nós mes-
mos, preservar a nossa espécie e, por fim, realizar a nossa con-
vivência social.
Para encerrar esta breve apresentação do filósofo, trata-
remos em detalhe de um conceito central em sua axiologia: o
conceito de liberdade criadora, que se refere à nossa condição
de liberdade e que seria “a condição sine qua non de toda Ética”
(KORN, 1944, p. 13, tradução nossa). Vejamos uma das conside-
rações que o filósofo emitiu sobre esse conceito:
Por liberdade não entendemos nada meta-empírico. A oposi-
ção de necessidade e liberdade aplicada à essência absoluta
não tem sentido. A liberdade a que nos referimos é um estado

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 81


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

da Consciência; em outros lugares já demos sua única definição


possível: a ausência de qualquer coerção. Bem, nós sabemos se
um a dor nos abate ou não, se uma angústia nos oprime ou não,
se uma imposição nos força ou não. A conquista dessa liberda-
de em toda a sua plenitude é o impulso que nos move, impulso
primitivo da personalidade humana, consciente no homem cul-
to. O desenvolvimento clássico desta tese está no quarto e no
quinto livro de Ética, embora para entendê-lo devemos aban-
donar a lenda do determinismo absoluto de Espinosa. Bem, o
valor intrínseco dos valores já deixa de ser um segredo. Todas
as avaliações surgem de uma única fonte e tendem ao mesmo
fim. Eles afirmam a autonomia da Personalidade, perseguir sua
emancipação de toda a servidão, isto é, sua libertação como
objetivo final e comum. Liberdade relativa em cada caso, a li-
berdade absoluta como um objetivo ideal. De este impulso
nasceu o trabalho da cultura, o esforço histórico das espécies,
a afirmação da liberdade contra a dominação de necessidade.
Porque a liberdade não nos é dada, é necessário é necessário
conquistá-lo a curto prazo de nossa vida individual, como na
evolução progressiva da vida coletiva. Fecundo é esse anseio
final; é por isso que nós chamamos isso de liberdade criadora
(KORN, 1944, p. 145, tradução nossa).

Para Korn, nossa liberdade se manifesta quando queremos


algo e não quando fazemos algo, porque, nas palavras do filó-
sofo, somos autônomos, mas não somos soberanos, posto que
a realidade apresenta mecanismos coercitivos de necessidade e
estes não permitem uma ação arbitrária ilimitada nossa (KORN,
1944, p. 36).
Esses mecanismos coercitivos nos impõem limites e é me-
diante a ação sobre eles que temos a realização de nossa liberda-
de. Tomemos como exemplo a condição material externa a nós
e que se manifesta na natureza. A condição material pode vir a
nos aprisionar, no entanto o simples ato de fazermos uso de uma
pedra para quebrarmos um coco denota nossa liberdade eco-

82 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

nômica frente ao mundo objetivo e, por meio dela, construímos


ferramentas que fazem frente a esse mesmo mundo.
Dito de outro modo, a necessidade nos apresenta a pe-
dra e o coco e nossa liberdade permitiu que construíssemos um
martelo e, em tal condição, adquirimos domínio sobre o mundo
objetivo.
O mesmo ocorre no tocante às nossas condições intrínse-
cas: somos seres afetados por impulsos e afetos e, na medida
em que os dominamos, apresenta-se a autarquia, o governo de
nós mesmos, posto que controlamos nossa vontade por meio de
uma ação controladora oriunda dessa mesma vontade e, nessa
condição, manifesta-se a nossa liberdade ética, ou seja, o domí-
nio de nós mesmos (KORN, 1944, p. 37).
Quando nos deparamos com algo que favorece nossa liber-
dade econômica, segundo o filósofo, deparamo-nos com o que
é útil e, por sua vez, quando nos deparamos com algo que favo-
rece a nossa liberdade ética, estamos diante de algo que é bom.
Um alerta importante que o filósofo nos apresenta é para
evitarmos a confusão entre a liberdade econômica e ética e as
considerarmos como essencialmente iguais e convergentes ou,
ainda, colocarmos uma acima da outra; isso porque:
Tomar o útil pelo bom é o pecado de toda moral utilitária e
erro próprio dos sistemas que tendem a negar a personalidade
autônoma. Insistir somente no conceito ético é desconhecer
que a plena expansão da personalidade somente é possível em
um mundo submetido. A falta da liberdade econômica conduz
a alienar a liberdade ética pelo prato de lentilhas e a ausência
da liberdade ética nos entrega ao domínio dos instintos e dos
dogmas. A falta de ambas nos submete a poderes estranhos,
aniquila nossa personalidade, nos impede de viver a vida pró-
pria (KORN, 1944, p. 41, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 83


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

Essa interpretação que Korn apresenta tem muitos ele-


mentos em comum com a proposta ética do filósofo Baruch
Espinoza e, necessariamente, caso queira se aprofundar sobre
essa abordagem, valeria muito a pena você também investigar a
abordagem ética produzida por esse pensador holandês.
Com o exposto, salientamos aqui a possibilidade de come-
çar a analisar a manifestação da liberdade tal como proposta por
esse pensador e como você tem agido frente às restrições mate-
riais externas e internas que possui: você está se submetendo a
elas ou as está utilizando como ponto de partida para a manifes-
tação de sua liberdade?

Antes de prosseguir para as Questões Autoavaliativas do


Tópico 4, recomendamos que você acesse o texto indicado no
Tópico 3. 3, para expandir seu conhecimento sobre a filosofia
produzida na Argentina.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizada na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina
para abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante
do material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição
necessária e indispensável para você compreender integralmen-
te os conteúdos apresentados nesta unidade.

84 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

3.1. DA DEFESA DA NATUREZA À DEFESA DOS ANIMAIS: A ÉTI-


CA DE PETER SINGER

Vimos, em nossa análise de Thoreau, que o pensador faz


uma crítica às condutas antropocêntricas, na medida em que
elas criam uma relação assimétrica do homem frente aos demais
seres e à natureza.
Caminho semelhante (e, por que não, mais radical), foi se-
guido pelo filósofo australiano Peter Singer, que realiza uma crí-
tica severa ao que ele intitula de especismo, quer seja, a ênfase
em uma espécie em detrimento das outras. O filósofo defende
um novo paradigma ético ao apontar também os animais como
depositários de nossos cuidados.
Para que você possa conhecer algumas de suas ideias, con-
vidamos você a analisar o artigo produzido por Singer intitulado
“Ética más allá de los límites de la espécie” e que pode ser aces-
sado no endereço indicado a seguir. Para concretizar o acesso
a ele, basta se cadastrar na plataforma JSTOR; ele é gratuito e
permitirá acesso a essa e outras obras:
• SINGER, P. Ética más allá de los limites de la especie.
Teorema: revista internacional de Filosofia, v. 18, n. 3,
p. 5-16, 1999. Disponível em: <http://www.jstor.org/
stable/43047317>. Acesso em: 17 jun. 2019.

3.2. AS CRÍTICAS DE AYN RAND AO COLETIVISMO

Para que você possa conhecer um pouco mais sobre a per-


sonalidade marcante da filósofa Ayn Rand, convidamos você a as-
sistir a algumas entrevistas contundentes que produziu ao longo
do tempo e que podem ser visualizadas nos endereços a seguir:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 85


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

• LIBERTYPEN. Ayn Rand – em defesa do capitalis-


mo. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=GP8mOC9_axs>. Acesso em: 17 jun. 2019.
• AMARAL, C. Ayn Rand – individualismo vs. Altruísmo.
2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=asczvC01j4s>. Acesso em: 17 jun. 2019.
• NBC. Entrevista inédita de Ayn Rand. The tonight show
starring Johnny Carson. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=4EfcgTOv_rM>. Acesso em: 17
jun. 2019.

3.3. FILOSOFIA ARGENTINA

Como você pôde notar, a filosofia argentina produziu con-


tribuições originais e importantes. Caso você tenha interesse
em conhecer um pouco mais sobre esse universo, convidamos
você a analisar a produção de Martín Orensanz indicada a seguir.
Nela se apresenta um verdadeiro compêndio histórico e filosó-
fico dessa tradição latina específica de se fazer filosofia. Quanto
a segunda e terceira sugestões, estas se referem a dois docu-
mentários produzidos pela Secretaría de Cultura de la Nación
e UTV, respectivamente, e que buscaram tratar da vida de José
Ingenieros e de sua obra principal, El hombre mediocre. Quanto
à quarta e quinta sugestões, estas referem-se a Alejandro Korn
e, respectivamente à filosofia latino-americana. A primeira de-
las, também produzida pela Secretaría de Cultura de la Nación,
apresenta algumas das ideias de Alejandro Korn e, por fim, uma
coletânea de vídeos produzido pelo canal Encuentro e que busca
tratar da filosofia latino-americana.

86 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

• ORENSANZ, M. Recorridos por la filosofía argentina. Mar del


Plata: Eudem, 2017. Disponível em: <http://www.mdp.edu.
ar/attachments/article/281/Recorridos%20por%20la%20
filosofia%20argentina.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2019.
• SECRETARÍA DE CULTURA DE LA NACIÓN. El Filósofo José
Ingenieros. 1999. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=vS0oyBdSnKw>. Acesso em: 23 jan. 2019.
• UTV. El hombre medíocre. Los libros y la vida. Disponí-
vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=-hGN9m-
nY29Y>. Acesso em: 23 jan. 2019.
• SECRETARÍA DE CULTURA DE LA NACIÓN. El Filósofo Ale-
jandro Korn. 1999. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=5M7t_hIwQoI>. Acesso em: 23 jan. 2019.
• ENCUENTRO. La filosofia latino-americana. Filosofia
aqui y ahora. 2011. Disponível em: <https://www.you-
tube.com/watch?v=oAVC15jlB6I&list=PLRHmAOq1Dqu
HHCh3OmA2zzIe65ZTjH8FS>. Acesso em: 23 jan. 2019.

3.4. A ÉTICA AMBIENTAL DE HENRY DAVID THOREAU

Para que você possa explorar as ideias de Henry David


Thoreau, em especial por meio de sua maior obra (Walden ou
A vida nos bosques), apresentamos duas sugestões. A primeira
delas refere-se ao documentário produzido pelo canal Discovery
Channel. Nele são apresentadas uma biografia de Thoreau, uma
análise de sua obra principal e algumas de suas principais ideias.
Já a segunda sugestão refere-se a um breve artigo também sobre
esse tema, produzido por René Eberle Rocha (2018). Nesse arti-
go, o autor trata da adesão de Thoreau ao transcendentalismo e,
logo depois ao ambientalismo.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 87


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

• DISCOVERY CHANNEL. Walden. 1997. Disponível em: <htt-


ps://www.youtube.com/watch?v=YfACjJrbHy4&t=24s>.
Acesso em: 23 jan. 2019.
• ROCHA, R. E. Natureza e sociedade no pensamento
de Thoreau: do transcendentalismo ao ambientalis-
mo. Disponível em: < https://pt.scribd.com/docu-
ment/203320253/Natureza-e-Sociedade-No-Pensa-
mento-de-Thoreau>. Acesso em: 23 jan. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder as questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Que palavra é utilizada pelos intelectuais para substituir Deus, segundo
Ayn Rand?
a) Sociedade.
b) Igreja.
c) Povo.
d) Satan.
e) Indivíduo.

2) Como Rand define “sociedade” em um sentido básico?


a) Uma coleção de indivíduos.
b) A queda do indivíduo.
c) Um grupo governado por um governo.
d) O modo mais eficiente de governar a Terra.
e) Uma organização coletiva.

88 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

3) Em seu ensaio A desobediência civil, Henry David Thoreau afirmou que um


indivíduo deveria:
a) Não pagar impostos utilizados em pesquisa.
b) Recusar-se a obedecer a leis injustas.
c) Viver de forma isolada e tão simples quanto possível.
d) Rejeitar as restrições artificiais do governo.
e) Abraçar um interesse excessivo pela obtenção do conforto material.

4) “O homem mais rico é aquele cujos prazeres são mais baratos” – Henry
David Thoreau, Walden ou A vida nos bosques.
Considerando a citação anterior, e fazendo uso de seus conhecimentos a
respeito de Henry David Thoreau, podemos afirmar que:
a) Nessa frase, o filósofo realiza uma alusão à necessidade de produtivi-
dade para obtenção de riqueza.
b) Thoreau demonstra traços hedonistas, convidando a selecionar ade-
quadamente os prazeres.
c) O filósofo demonstra que a sociedade é dividida entre opressores e
oprimidos.
d) A frase ilustra as propostas de Thoreau a respeito de simplicidade e
moderação.
e) Há uma atitude contrária ao estoicismo e à vida preconizada por esse
movimento filosófico.

5) A respeito da análise que Ingenieros produziu sobre as propostas morais


de Kant e Descartes, é possível concluir que:
a) Ambos os pensadores contribuíram de modo significativo para uma
moral autônoma.
b) Representam os ideais éticos propostos por Ingenieros.
c) Salientam a importância de que o homem não se submeta à autorida-
de moral.
d) São exemplos de morais dogmáticas.
e) Favorecem as decisões individuais e autônomas que tomamos frente
às questões éticas.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 89


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

6) Segundo Ingenieros, se o indivíduo ousa pensar por meio de ideias pró-


prias, temos a manifestação do:
a) Homem medíocre.
b) Homem evolutivo.
c) Homem ideal.
d) Homem inferior.
e) Homem assertivo.

7) O conceito de autarquia, apresentado por Alejandro Korn, nos remete à


ideia de que:
a) Há a promoção dos princípios da coletividade.
b) Há uma defesa dos interesses coletivos frentes aos interesses pessoais.
c) Há uma ênfase nos controles externos intergrupais.
d) Se assevera a possibilidade de o indivíduo se autorregular e se
autogovernar.
e) Se institui a possibilidade de que indivíduo e sociedade formam um
todo indissociável.

8) Sobre a relação entre liberdade econômica e ética apresentada por Ale-


jandro Korn, é correto apresentar o que se segue, exceto:
a) A falta de liberdade econômica pode fazer com que o indivíduo sub-
meta sua liberdade ética para o atendimento a algumas necessidades
básicas (alimentos etc.).
b) Para que a ética possa ocorrer, é necessário um mundo submetido.
c) Sem liberdade econômica e ética, temos aniquilada a nossa liberdade.
d) O útil e o bom não são necessariamente a mesma coisa.
e) Os instintos se manifestam por meio da realização de nossas liberda-
des éticas.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:

90 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

1) a.

2) a.

3) b.

4) d.

5) d.

6) c.

7) d.

8) e.

5. CONSIDERAÇÕES
Terminada esta unidade, convidamos você a analisar como
os filósofos apresentados trataram de nossas liberdades indivi-
duais e o quanto estas são necessárias para que possamos exer-
citar adequadamente nossas opções éticas. Vimos também que
a possibilidade de nossas escolhas éticas refletirem determinado
tempo histórico e cultural, ou seja, não terem um caráter crista-
lizado e imutável, é um tema a ser levado em consideração. Por
fim, fomos convidados por Henry David Thoreau a não ficarmos
centrados somente em nossas necessidades e desejos humanos
e começarmos a ter também como fonte de nossas preocupa-
ções a natureza que se encontra ao nosso redor.
Por meio desses temas, notam-se as múltiplas possibili-
dades de reflexão ética existentes e como elas podem nos esti-
mular a pensar novas formas de vermos a importância de nossa
liberdade e nossa relação com o mundo, as estruturas políticas e
as condições externas existentes.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 91


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

6. E.REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Henry David Thoreau. Disponível em: <http://thephilosophersmail.com/wp-
content/uploads/2014/10/672px-Benjamin_D._Maxham_-_Henry_David_Thoreau_-_
Restored.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2018.
Figura 2 Visão interna da cabana de Thoreau. Disponível em: <http://
thephilosophersmail.com/wp-content/uploads/2014/10/640px-Thoreaus_cabin_
inside.jpg>. Acesso em: 22 jun. 2018.
Figura 3 Ayn Rand. Disponível em: <https://usercontent2.hubstatic.com/13063113.
jpg>. Acesso em: 17 jun. 2019.
Figura 4 Egoísmo. Adaptado da figura disponível em: <https://sdavisethics.files.
wordpress.com/2013/09/ethical-egoism.jpg>. Acesso em: 17 jun. 2019.
Figura 5 José Ingenieros. Disponível em: <https://www.biografiasyvidas.com/
biografia/i/ingenieros.htm>. Acesso em: 17 jun. 2019.
Figura 6 Alejandro Korn. Disponível em: <https://es.wikipedia.org/wiki/Alejandro_Korn#/
media/File:Alejandro_Korn-ca1935-ensucasaLPL-Av60.jpg>. Acesso em: 17 jun. 2019.
Figura 7 Classificação dos valores segundo Korn. Disponível em: <http://lopeztirza.
wixsite.com/axiologia/practica>. Acesso em: 17 jun. 2019.

Sites pesquisados
AMERICAN HISTORY. Transcendentalism, an american philosophy. Disponível em:
<http://www.ushistory.org/us/26f.asp>. Acesso em: 13 jun. 2019.
FURTAK, R. A. Henry David Thoreau. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2017.
Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/fall2017/entries/thoreau/>.
Acesso em: 13 jun. 2019.
INGENIEROS, J. El hombre medíocre. 2000. Disponível em: <http://www.mediafire.
com/file/7rucf7vir71u1ap/INGENIEROS-El-hombre-mediocre.pdf>. Acesso em: 22 jun.
2018.
______. Hacia una moral sin dogmas. 2. ed. Buenos Aires: Talleres, 1919. Disponível
em: <https://archive.org/stream/haciaunamoralsin00inge/haciaunamoralsin00inge_
djvu.txt>. Acesso em: 17 jun. 2019.

92 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 2 – ÉTICA NAS AMÉRICAS

KORN, A. La libertad criadora. Buenos Aires: Editorial Losada, 1944. Disponível em:
<https://documentslide.org/the-philosophy-of-money.html?utm_source=korn-la-
libertad-creadora-pdf&utm_campaign=download>. Acesso em: 22 jun. 2018.
MAILHE, A. “El labirinto de la soledade” del genio, o las paradojas de El hombre medíocre.
Varia historia, Belo Horizonte, v. 29 n. 49, jan./abr. 2013. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752013000100010>. Acesso
em: 17 jun. 2019.
NERVI, J. R. José Ingenieros y las perspectivas filosóficas del Positivismo argentino.
Praxis, n. 11, p. 145-149, 2007. Disponível em: <http://www.redalyc.org/
html/1531/153112899013/>. Acesso em: 22 jun. 2018.
PRÓ, D. F. Alejandro Korn y sus ideas filosóficas. Revista Cuyo, v. 3, p. 21-42, 1967.
Disponível em: <http://www.bdigital.uncu.edu.ar/objetos_digitales/4225/23-cuyo-
1967-tomo-03.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2019.
RAND, A. A virtude do egoísmo. 2016. Disponível em: <http://lelivros.me/book/
baixarlivro-a-virtude-do-egoismo-ayn-rand-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/>.
Acesso em: 5 mar. 2018.
SANDLER, R. L. Environmental Virtue Ethics. In: LaFOLLETTE, H. (Ed.). The international
encyclopedia of Ethics. Nova Jersey: Blackwell Publishing, 2013. p. 1-10. Disponível
em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1002/9781444367072.wbiee090>.
Acesso em: 13 jun. 2019.
THE PHILOPHERS’ MAIL. The great philosophers: Henry David Thoreau. Disponível
em: <http://thephilosophersmail.com/utopia/the-great-philosophers-henry-david-
thoreau/>. Acesso em: 22 jun. 2018.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAFARO, P. Thoreau, Leopold, and Carson: toward an environmental virtue ethics.
Environmental Ethics, v. 3, n. 1, p. 3-17, 2001.
NIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preceitos morais. Trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SÊNECA, L. A. Consolação à minha mãe Hélvia. São Paulo: Nova Cultural, 1973. (Os
pensadores).
THOREAU, H. D. Caminhada. São Paulo: Dracaena, 2011.
______. Walden ou A vida nos bosques. São Paulo: Ground, 2007.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 93


© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 3
EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Objetivo
• Apresentar algumas das principais contribuições filosóficas nas Américas
que versam sobre Epistemologia e Filosofia da Ciência.

Conteúdos
• A autopoiesis de Maturana e Varella.
• Mario Bunge e a Filosofia da Ciência.
• A hermenêutica analógica de Mauricio Beuchot.
• O pragmatismo de Charles Sanders Peirce.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) Não se limite a este conteúdo; busque outras informações em sites con-


fiáveis e/ou nas referências bibliográficas apresentadas ao final de cada
unidade. Lembre-se de que, na modalidade EaD, o engajamento pessoal é
um fator determinante para o seu crescimento intelectual.

2) Busque identificar os principais conceitos apresentados; siga a linha gra-


dativa dos assuntos até poder observar a evolução do estudo da Episte-
mologia nas Américas.

3) Não deixe de recorrer aos materiais complementares descritos no Conteúdo


Digital Integrador.

95
UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

96 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

1. INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá contato com várias produções
que versaram sobre Epistemologia e um desdobramento dela, a
Filosofia da Ciência. Se tivéssemos que definir essa área de modo
sucinto, diríamos que ela busca investigar o conhecimento e as
crenças justificadas que criamos. Dentre alguns de seus questio-
namentos, reiteramos os seguintes: quais são as condições de
conhecimento necessárias e suficientes? Quais são suas fontes?
Qual é a sua estrutura e quais são seus limites?
Como estudo da crença justificada, a Epistemologia visa
responder questões como as seguintes: Como devemos enten-
der o conceito de justificação? O que justifica crenças justifica-
das? A justificação é interna ou externa à própria mente?
Entendida de maneira mais ampla, a Epistemologia trata
de questões relacionadas à criação e disseminação de conheci-
mento em áreas específicas de investigação.
Para dar conta de algumas dessas questões, será apresen-
tada a você uma série de abordagens inusuais – algumas delas,
inclusive, recentemente começam a inquietar e provocar refle-
xões filosóficas a respeito de seus desdobramentos –, as quais
esperamos que possam animá-lo a investigar possíveis outras
abordagens advindas de seus questionamentos.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo
Digital Integrador.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 97


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

2.1. A AUTOPOIESIS DE MATURANA E VARELLA

Uma contribuição palpitante que


temos recentemente para a teoria do
conhecimento pode ser percebida nos
trabalhos dos biólogos chilenos Hum-
berto Maturana e Francisco Varella.
Tudo começou em 1972, quando
ambos cunharam o conceito de auto-
poiesis. Nele temos a junção das palavras
gregas “autós” (auto) e “poiesis” (cria-
ção). Inicialmente suas considerações
buscavam tratar de questões biológicas a Figura 1 Humberto Maturana e
respeito de capacidade de reprodução e Francisco Varela.
automanutenção de um sistema presente em uma célula, mas, ao
longo do tempo, essa teoria teve reverberações nas áreas de Filo-
sofia (Filosofia da Cognição), Educação, Sociologia e muitas outras.
Vejamos, a seguir, como Zeleny efetua uma síntese a res-
peito dessa definição:
Autopoiesis significa literalmente “autoprodução”. Devemos
ter cuidado com a variedade de expressões com conotação se-
melhante: auto-organização, renovação, criação, geração, ma-
nutenção, perpetuação, e similares. Da mesma forma, existem
também termos como biopioiesis, heteropoiesis e allopoiesis
que caracterizam diferentes aspectos dos processos de pro-
dução. [...] “Autopoiesis” não é uma tradução, mas um rótu-
lo para uma interpretação particular e claramente definida de
“autoprodução”. Observamos os fenômenos de autoprodução
intuitivamente nos sistemas vivos. [...] A célula, por exemplo,
é um sistema de produção complexo [...] Essa manutenção da
unidade e da totalidade, enquanto os próprios componentes
estão sendo continuamente ou periodicamente desmontados e

98 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

reconstruídos, criados e dizimados, produzidos e consumidos, é


chamada de “autopoiesis” (ZELENY, 1981, p. 1, tradução nossa).

Um dos desdobramentos dessa teoria pode ser notado em


explicações a respeito de como ocorre o processo cognitivo, ou
seja, de como adquirimos conhecimento. Na teoria de Maturana,
temos a compreensão do ser humano como sendo um ser vivo,
que possui um sistema biológico, e nele temos um observador e
unidades observadas que interagem em um sistema fechado –
este último sendo o nosso sistema nervoso. Esse sistema atua de
modo a realizar sua automanutenção, autorreconstrução e au-
to-organização e todo esse processo se dá mediante as relações
que temos com nosso ambiente externo.
A partir dessas considerações, estabelece-se uma série
de conceitos básicos que, segundo Zeleny (1981, p. 1 e 2), são
necessários para que tenhamos um entendimento adequado
dessa definição. Confira-os no Quadro 1:

Quadro 1 Conceitos importantes para a autopoiesis.


Uma entidade distinguida de seu pano de fundo pelo observador, seja
Unidade como “um todo, sem referir-se ao seu componente” (unidade simples), ou
identificando seus componentes (unidade composta).
Qualquer processo de síntese, transformação ou destruição realizado
Processo de no espaço dos componentes. Por exemplo, a desintegração de
produção macrocomponentes “produz” substrato no qual outros processos de
produção podem “agir”.
Um complexo de relações entre componentes e processos produtores de
Organização componentes que devem permanecer invariantes a fim de constituir uma
unidade distinguível dentro de sua classe de identidade.
Um arranjo espaçotemporal particular de componentes particulares por
Estrutura meio dos quais a organização subjacente é realizada em um determinado
espaço e em um determinado ponto no tempo.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 99


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Uma organização particular (circular) de processos que dependem


Organização recursivamente uns dos outros para sua manutenção e realização; eles
fechada formam um fechamento recursivo. Compare-se com cadeias lineares ou
seriais ou “árvores” de processos, formando uma organização aberta.
Uma unidade distinta (ou descrita) como uma unidade composta
integrando seus componentes. Uma unidade não autônoma (controlada) é
Unidade
então distinguida como uma unidade simples (isto é, como um componente
autônoma de um sistema maior dentro do qual ela opera). O modo de descrição da
autonomia ou controle depende da preferência cognitiva do observador.

Conceitos complexos, não? Dos


desdobramentos que essa teoria gerou e que
citamos há pouco, consideramos importante
apresentar a você, dada as inter-relações man-
tidas com a Filosofia, os produzidos pelo soció-
logo e filósofo Niklas Luhmann (1927-1998).
Luhmann apresenta contribuição original
ao trazer a autopoiesis para o campo da socie-
dade e propor que os diversos elementos que
compõem esta (política, arte, economia, famí- Figura 2 Niklas
Luhmann.
lia, religião, esportes etc.) são sistemas sociais.
Bem, e o que seriam esses sistemas sociais? Inicialmente
há de se dizer que, para Luhmann, um sistema seria uma unida-
de autônoma que se gera e evolui de modo autorreferencial, ou
seja, ele é autopoiético.
Disso se depreende que a grande novidade de Luhmann
é, diferentemente de Maturana e Varella, aplicar o conceito de
autopoiesis ao sistema social e afirmar que este, tal como os
elementos autopoiéticos biológicos, compõe um todo indepen-
dente. Para o sociólogo alemão, os sistemas possuem vida pró-
pria, sendo capazes de criar uma identidade e, portanto, de se
distinguir do meio ambiente e, por meio de processos como o
de automanutenção, adaptam-se ao ambiente de modo otimi-

100 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

zado; já por meio de sua autorreconstrução, redefinem-se com


interações internas dentro do sistema e externas, advindas das
relações com outros sistemas.
Luhmann aplica sua leitura do conceito de autopoiesis em
especial ao Direito, mais especificamente, no que se refere às
leis. Vejamos, a seguir, qual a compreensão de Luhmann a esse
respeito:
1) Por meio da lei, a sociedade se estabiliza autorrefen-
cialmente, ou seja, de modo autopoiético.
2) Se entendermos a sociedade como um sistema social
total, a lei se insere como um subsistema dentro dessa
mesma sociedade.
3) Os sistemas legais existentes na sociedade se regene-
ram de modo autopoiético e, nesse processo de autor-
regulação, os indivíduos são funções presentes nesses
sistemas.
4) A lei possui como aspecto funcional a aplicação e le-
gitimação das decisões oriundas da esfera política e,
além disso, absorve os conflitos sociais que surgem no
sistema social geral.
Interessante, não? Esperamos que esses elementos te-
nham incentivado você a querer conhecer com mais profundida-
de esse tema; no entanto, resta uma pergunta: Como a autopoie-
sis impacta a Filosofia?
Para respondê-la, apresentaremos uma das múltiplas fa-
cetas do impacto dessa teoria e ela se dá na teoria do conhe-
cimento e, mais especificamente, na Fenomenologia. Para isso,
faremos uso do artigo produzido por Claudia Castro de Andrade
(2012).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 101


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Nele, inicialmente, a autora advoga que a teoria autopoié-


tica confere uma primazia ontogenética ao processo de desen-
volvimento humano, ou seja, ainda que o meio interfira em nos-
so desenvolvimento, a centralidade está nas mudanças internas
ocorridas em nós. Ainda que tenhamos uma estrutura biológica
determinada, ela não impede nossa autonomia, porque, segun-
do a autora, “Viver é interagir, e interagir é conhecer, por exten-
são, viver é conhecer” (ANDRADE, 2012, p. 100).
Outro aspecto interessante apontado pela autora é que
o conhecimento se origina de uma correlação interna que rea-
lizamos; não é uma mera adaptação à realidade externa. Essa
realidade necessariamente depende de um observador para que
exista (ANDRADE, 2012, p. 100). Dessa consideração, a princípio,
poderíamos aventar que a construção do conhecimento seria
um processo subjetivo, no entanto:
Nesse aspecto, a defesa de uma correlação interna não exclui a
participação e a influência do meio sobre nós, apenas ressalta
que essa correlação, feita a partir de nossas distinções, relacio-
na-se ao modo pelo qual interpretamos as coisas e atribuímos
sentidos a elas. A realidade objetiva só não pode ser exaltada
pelo fato de que nossa percepção é imperativa na apreensão
das coisas, destacando-se, ao mesmo tempo, que a maneira
pela qual percebemos e interpretamos a realidade, sendo feita
através de nossas distinções, não ocorre da mesma forma em
todos nós (ANDRADE, 2012, p. 101).

Mais ainda, segundo a autora, a partir dos desdobramen-


tos da teoria autopoiética, não é possível aventar a hipótese de
que possamos nos afastar de nós mesmos e nos observarmos;
isso porque somos parte do fenômeno no qual estamos envolvi-
dos, ou seja, não é possível que saiamos dele como se fôssemos
observadores externos de nós mesmos. Desse modo, não é pos-
sível ao cientista pretender se afastar do ambiente no qual se

102 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

encontra inserido ao fazer ciência, pois ele também se encontra


nessa circularidade mantida entre ambiente e indivíduo e, tam-
bém, não é possível que criemos uma verdade transcendental,
que pretensamente busque apresentar um conhecimento que se
pretenda ultrapassar essa relação circular.
Um exemplo interessante citado pela autora, e que é re-
presentado graficamente na Figura 3, ajuda a ilustrar esse posi-
cionamento de que nós e os cientistas costumeiramente fazemos
uso. No primeiro deles, temos uma relação triangular, na qual o
cientista se posiciona acima do observado, de modo a emitir um
julgamento a respeito do observado, qual seja, da relação man-
tida entre um macaco e seu ambiente. Nela temos a pretensão
do afastamento do cientista/indivíduo frente ao fenômeno. Em
contrapartida, na outra imagem, temos uma outra possibilidade:
nela o conhecimento é circular e o indivíduo/cientista se encon-
tra no centro do círculo, observando e fazendo parte desse mes-
mo círculo.

Figura 3 Dois esquemas da relação entre o cientista e seu objeto de estudo.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 103


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

A partir desses elementos, a autora se dedica a realizar


relações entre a teoria autopoiética e a Fenomenologia, movi-
mento filosófico que, segundo ela, possui similaridades com essa
teoria, a qual esperamos que você confira por si mesmo, lidando
integralmente com esse texto.

Antes de prosseguir para o próximo tópico, recomenda-


mos que você consulte o Tópico 3. 1, que contém indicações
de vídeos sobre a autopoiesis, as quais vão expandir seu co-
nhecimento sobre as ideias da filósofa.

2.2. MARIO BUNGE E A FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Tratarei agora de um tema novo: a


Filosofia da Ciência, e com isso teremos
novamente um filósofo argentino: Mario
Bunge. Diferente dos dois filósofos
anteriores, que produziram considerações
filosóficas sobre temas variados, Mario
Bunge teve a maior parte de sua obra voltada
para um único tema: Filosofia da Ciência/
Epistemologia (embora também tenha se
notabilizado por suas contribuições para Figura 4 Mario Bunge.
a área da Ética, sendo tido como um dos grandes humanistas
ainda vivos). Nessa área, o filósofo produziu inúmeras obras e
construiu uma produção sólida e relevante, conseguindo grande
destaque em nível internacional.
Para apresentar sua obra, optamos por ilustrar alguns as-
pectos gerais a respeito da compreensão que o filósofo possui
da ciência, suas características e método para, logo depois, apre-

104 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

sentarmos também algumas críticas que o filósofo construiu a


respeito de outras formulações filosóficas.
Comecemos então pela definição que o filósofo cunhou
para a ciência:
O conhecimento científico é claro e preciso: seus problemas
são distintos, seus resultados são claros. O conhecimento ordi-
nário, em contrapartida, usualmente é vago e inexato; na vida
diária nos preocupamos pouco com definições precisas, descri-
ções exatas, ou medições afinadas: se estas nos preocupassem
demasiadamente, não lograríamos marchar no ritmo da vida.
A ciência torna impreciso o que o sentido comum conhece de
maneira nebulosa; porém, desde já a ciência é muito mais que
sentido comum organizado: ainda que provenha do sentido co-
mum, a ciência constitui uma rebelião contra sua imprecisão e
superficialidade. O conhecimento científico procura a precisão;
nunca está inteiramente livre de imprecisões, porém as admi-
nistra para melhorar a exatidão; nunca está livre de todo o erro,
porém possui uma técnica única para encontrar erros e para
tirar proveito deles (BUNGE, 2019, p. 13-14, tradução nossa).

Como se percebe, para o filósofo, o conhecimento cientí-


fico não possui a pretensão da precisão indiscutível sobre algo;
no entanto, essa eventual imprecisão é combustível para o apri-
moramento da própria ciência. Dessa caracterização que realiza,
Bunge divide a ciência em duas ramificações:
• Ciência formal: manifesta-se por meio de ciências como
Matemática e Lógica. Caracterizam-se por serem siste-
máticas, racionais e verificáveis, contudo, segundo o fi-
lósofo, “não nos dão informações acerca da realidade:
simplesmente não se ocupam dos fatos. A Lógica e a
Matemática tratam de entes ideais; esses entes, tanto
os abstratos como os interpretados, somente existem
na mente humana” (BUNGE, 2019, p. 6, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 105


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

• Ciência fática: tem como grande característica o fato de


se basear em fatos e constantemente voltar a eles, quer
seja para descartá-los, quer seja para transcendê-los. É
analítica, especializada, clara e precisa, posto que “seus
problemas são distintos, seus resultados são claros. O
conhecimento ordinário, por outro lado, é vago e inexa-
to [...] (BUNGE, 2019, p. 13, tradução nossa).
Ainda segundo o filósofo, a ciência é clara e precisa; é comu-
nicável, na medida em que é pública, verificável, visto que pode ser
colocada à prova da experiência; é metódica, na medida em que
possui planejamento; é sistemática, pois não é uma coletânea de
informações desconexas; é legal, já que postula leis, a respeito seja
da natureza, seja da cultura; é explicativa, visto que explica os fatos
por meio dessas leis; é aberta, na medida em que não reconhece
barreiras; e, por fim, é útil, ao produzir ferramentas e estas poderem
ser utilizadas – seja para o bem ou para o mal (BUNGE, 2019).
Bunge atribui a sua proposta epistemológica o conceito de
realismo científico, e o exprime conforme se segue:
O realismo científico não é uma fantasia inventada por filósofos
desconectados da realidade. Pelo contrário, é a Epistemologia
inerente à investigação científica e técnica. De fato, consiste em
estudar e modificar o mundo real, não em criar mundos imagi-
nários (BUNGE, 1985, p. 55, tradução nossa).

A partir dessa última consideração, faz-se importante


apresentar aqui as várias críticas que Bunge realizou a diversos
filósofos e correntes filosóficas que, em sua análise, atuaram de
modo a “obstruir a exploração da realidade” (BUNGE, 2010, p.
97, tradução nossa). A esses pensamentos Bunge concedeu o
título de misosofias, ou seja, filosofias que desprezam, temem
ou odeiam o saber. Veja, na Figura 5, algumas delas conforme
apontadas pelo filósofo:

106 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Figura 5 Lista de misosofias, segundo Bunge.

Vejamos um exemplo de como o filósofo realiza suas consi-


derações críticas a respeito de algumas delas:
Todo investigador sério, em qualquer terreno, procura racio-
cinar corretamente, ou seja, com claridade e coerência. Para
tanto, as filosofias racionalistas favorecem a investigação. Em
contrapartida, as piruetas verbais dos Heidegger, Sartre, Derri-
da, Deleuze, Vattimo, Kristeva e Irigaray são absurdas, triviais.
Como dissera Goya, “o sonho da razão produz monstros”. Em
todo caso, o Pós-Modernismo, em particular o Existencialismo e
o “pensamento débil”, são contrários ao progresso das ciências,
porque entorpecem o raciocínio e fazem com que os estudan-
tes se limitem a memorizar fórmulas que tomam por profundas
porque não as entendem (BUNGE, 2010, p. 97, tradução nossa).

Considerações fortes, não? Os posicionamentos de Bunge


a respeito dessas abordagens filosóficas se sustentam tanto pela
sua defesa do realismo, que fundamenta suas teorias filosóficas,

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 107


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

quanto pelo fato de que possui profundos vínculos com a chama-


da Filosofia Analítica, a qual, dada sua estruturação epistemoló-
gica, possui uma compreensão própria do que seja a Filosofia,
sendo antagônica a algumas das abordagens citadas por Bunge.
Com isso, encerramos a apresentação do filósofo e convi-
damos você a investigar as muitas publicações que realizou e que
estão disponíveis para acesso on-line.

Antes de prosseguir para o próximo tópico, recomen-


damos que você consulte o Tópico 3. 2, que contém uma in-
dicação de texto que vai expandir seu conhecimento sobre a
Hermenêutica de Bunge.

2.3. A HERMENÊUTICA ANALÓGICA DE MAURICIO BEUCHOT

Trataremos agora do filósofo mexicano


contemporâneo (e ainda vivo) Hardie
Beuchot Mauricio Puente ou, simplesmente,
Mauricio Beuchot (1950). Embora tenha,
em seus escritos, tratado de outros temas,
destaca-se sobremaneira a contribuição que
realizou para a Hermenêutica. Atualmente,
é considerado como o fundador de uma
nova proposta hermenêutica, intitulada
pelo filósofo de Hermenêutica Analógica. Figura 6 Maurício Beuchot.

Antes de nos dedicarmos à sua proposta, convém, neste


momento, realizar uma pequena digressão sobre o conceito de
Hermenêutica. Para Abbagnano, o termo refere-se a “Qualquer
técnica de interpretação. Essa palavra é frequentemente usada
para indicar a técnica de interpretação da Bíblia” (ABBAGNANO,

108 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

2007, p. 497). Especificamente na Filosofia, esse termo ganhou


contornos próprios na atualidade: “Contemporaneamente a
hermenêutica constitui uma reflexão filosófica interpretativa ou
compreensiva sobre os símbolos e os mitos em geral” (JAPIASSU,
2001, p. 92). Aquele que se apropria da hermenêutica passa a ter
nela uma virtude, porque:
[...] como toda atividade humana, a interpretação pode che-
gar a constituir no homem um hábito, uma virtude. É a virtude
hermenêutica, a interpretação qualificada, que se forma pela
experiência e pelo estudo, sobretudo pela prática interpretati-
va de muitos textos. É uma virtude mista, quer dizer, em parte
teórica e em parte prática, teórico-prática (BEUCHOT, 2007, p.
70, tradução nossa).

Em nosso século, nomes como os do filósofo Hans Georg


Gadamer (1900-2002) ou, ainda, do filósofo Paul Ricoeur (1913-
2005) se destacam nessa área de investigação filosófica. O pri-
meiro, segundo Millán (2015), contribui de modo que a her-
menêutica deixou de lidar tão somente com a interpretação de
textos, convertendo-se “em uma teoria filosófica que sustenta
que o exercício do entendimento envolve interpretação e tenta
construir uma fenomenologia da compreensão” (MILLÁN, 2015,
p. 155-156, tradução nossa).
Mais recentemente, Beuchot apresenta também uma pro-
posta promissora e, segundo Millán, realiza um diálogo com a
hermenêutica de Gadamer. Comecemos, então, pela originalida-
de que o filósofo mexicano atribui a sua proposta.
Segundo Beuchot, sua abordagem busca se contrapor a
duas abordagens extremas e que estariam presentes na Herme-
nêutica, sendo elas as que seguem:
A hermenêutica univocista busca uma interpretação única de
cada texto, não deixando espaço para os outros, que descem

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 109


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

ao posto de completamente falsos. Por sua vez, a hermenêu-


tica equivocista supõe que a maioria das interpretações de um
texto (e às vezes todas) são válidas, com as quais a própria in-
terpretação é banalizada e a hermenêutica se torna impossível
por ser inútil (BEUCHOT, 2007, p. 68, tradução nossa).

A primeira, segundo Beuchot (apud MILLÁN, 2015, p. 157), se


assenta nas propostas do filósofo John Stuart Mill e do Positivismo
Lógico, e nela há o sonho de que as interpretações sejam unívocas,
puramente extensões da realidade e, segundo o filósofo, se de fato
ocorressem, não existiria mais a Hermenêutica, visto que não ha-
veria mais necessidade de interpretação. Quanto à segunda, pode
ter suas raízes verificadas nas obras de filósofos tais como Friedrich
Nietzsche e Jacques Derrida e nela está presente a concepção de
que existem múltiplas interpretações da realidade e do texto.
Ao longo da história cultural humana, para Beuchot, existi-
ram épocas em que prevaleceram momentos unívocos, equívo-
cos e analógicos. Vejamos uma síntese deles:

Quadro 2 Momentos da Hermenêutica em diferentes épocas.


Época Hermenêutica
Clássica Grega Unívoca
Alta Idade Média Equívoca
Idade Média Madura Analógica
Baixa Idade Média Equívoca
Renascimento Unívoca
Barroco Analógica
Ilustração Unívoca
Romantismo Equivoca e analógica
Positivismo Intensamente unívoca
Fonte: adaptado de Beuchot (2007).

110 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

E o que seria a analogia? Para Beuchot, ela se originou com os


filósofos gregos pitagóricos, ao fazerem uso do termo “kat’analogían”,
ou seja, aquilo que tem proporção, e teve em Platão e, mais especial-
mente, Aristóteles grandes representantes dessa técnica interpretati-
va e que teria como característica o que se segue:
[...] a analogia é o que tem diferença e, no entanto, igualdade
ou semelhança, é o claro-escuro. Teria até que se dizer que o
análogo é preponderantemente diferente, já que é simples-
mente a diferença, mas sujeito de alguma forma à semelhan-
ça, já que não à plena igualdade ou identidade. Além disso, a
analogia tem dois modos principais: proporcionalidade e atri-
buição. A analogia já é a proporcionalidade, a saber, relação de
relações ou proporções. A é para B como C para D. Isto é, o que
me serviu no caso de uma pessoa que estava em uma determi-
nada situação será capaz de me servir no caso de outra pessoa
que está em uma situação semelhante. Somente tem que se fa-
zer todos os ajustes, atender ao contexto, salvar as diferenças,
precisamente ressaltar as diferenças, apesar da semelhança
dos casos (BEUCHOT, 2007, p. 73, tradução nossa).

Do exposto na citação, há de se verificar como o filósofo


estabeleceria uma leitura hermenêutica a partir de sua propos-
ta. Antes de tudo, para interpretar, necessito obter informações
sobre o autor, para verificar qual a intenção realizada quando da
produção do texto, necessito analisar o tipo de texto e o signi-
ficado que nele se encerra e se veicula, e também o leitor, que
busca agir de modo a decifrar o que é dito e contribui com algum
significado ou matiz, visto que sua particularidade humana tam-
bém se apresentará quando da leitura do texto.
Para que possamos contextualizar um texto e compreen-
dê-lo adequadamente, há de se realizar várias perguntas, entre
elas: O que esse texto diz a mim? A quem se dirige esse texto?
Qual significado se apresenta no texto? O que esse texto diz a
mim neste momento? O que se quer dizer por meio desse texto?

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 111


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Ao fazermos esses procedimentos propostos por Beuchot,


teremos a realização do ato hermenêutico e, conforme o pensador:
No ato hermenêutico há um texto, um autor e um intérprete. O
texto pode ser de vários tipos: escrito, falado e representado (ou
incorporado em outros materiais, e foi até tomado como texto o
pensamento puramente). Precisamente a sutileza interpretativa
ou hermenêutica consiste em captar a intencionalidade significa-
tiva do autor, apesar da interferência da intencionalidade do in-
térprete. O intérprete coloca em jogo um processo que começa
com a questão interpretativa na frente do texto; continua com o
julgamento interpretativo do intérprete, um juízo que geralmente
é, primeiro, hipotético e, depois, categórico; e vai do hipotético ao
categórico por meio de um argumento que segue uma inferência
hipotético-dedutiva, ou retrodutiva, ou abdutiva. Em qualquer
caso, o argumento interpretativo serve para convencer os outros
membros da comunidade ou tradição hermenêutica sobre a inter-
pretação que foi feita (BEUCHOT, 2000, n.p., tradução nossa).

Desses elementos apresentados, convidamos você a ana-


lisar os textos que originaram essa breve digressão sobre o fi-
lósofo e, também, a comparar seus pensamentos aos de outros
formuladores da teoria hermenêutica.

2.4. O PRAGMATISMO DE CHARLES SANDER PEIRCE

Trataremos agora de nosso último


filósofo a ser abordado em Epistemologia:
o norte-americano Charles Sander Peirce.
Esse filósofo, em conjunto com os também
americanos William James e James Dewey,
inaugurou nos Estados Unidos uma abor-
dagem original e ousada a respeito do co-
nhecimento humano, o Pragmatismo. Essa
abordagem a respeito do conhecimen- Figura 7 Charles Sanders
Peirce.

112 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

to gerou tantos desdobramentos e filósofos que seria possível


construir uma obra tão somente para tratar desse tema.
É preciso dizer ainda que, especificamente em relação à
obra de Peirce, se acaso se optasse por lidar com outra área de
investigação filosófica, a Filosofia da Linguagem, esse filósofo
também seria uma figura canônica, porque sua abordagem filo-
sófica inaugura um novo ramo de pesquisa a respeito do signifi-
cado: a Semiótica.
Para iniciar nossa análise a respeito do filósofo, convém
que se comece com uma breve definição do pragmatismo pro-
duzida por Japiassu; segundo o autor, o pragmatismo atua:
[...] defendendo o empirismo no campo da teoria do conhe-
cimento e o utilitarismo no campo da moral. O pragmatismo
valoriza a prática mais do que a teoria e considera que deve-
mos dar mais importância às conseqüências e efeitos da ação
do que a seus princípios e pressupostos. A teoria pragmática da
verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontra-
do nos efeitos e conseqüências de uma idéia, em sua eficácia,
em seu sucesso. A validade de uma idéia está na concretização
dos resultados que se propõe a obter (2001, p. 154).

Para Atkins (2019), as contribuições de Peirce para essa


corrente se deram ao longo de toda sua vida. Inicialmente, sur-
giram em uma publicação produzida em 1878, intitulada How to
make our ideas clear (“Como tornar nossas ideias claras”). Essas
contribuições chegaram até William James e este apontou que o
texto de Peirce possui contribuições seminais para o Pragmatis-
mo. Após isso, Peirce reformulou e aprofundou suas propostas
iniciais ao longo de toda sua vida. Abordaremos neste espaço
alguns dos aspectos iniciais de sua contribuição e, por fim, suas
últimas contribuições.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 113


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Tudo se inicia com questão referente à clareza: segundo


Atkins, Peirce apresenta três aspectos a serem considerados. O
primeiro ocorreria quando temos contato de modo irrefletido
com um conceito em nossa experiência cotidiana. O segundo
está ligado à nossa capacidade de formular um conceito, livre de
experiências particulares, ou seja, ele deve possuir um caráter
geral, que vai além do uso irrefletido do conceito (ATKINS, 2019).
Já o terceiro aspecto agrega algo fundante para o
Pragmatismo:
Considere quais efeitos, que podem ter uma orientação práti-
ca, concebemos que o objeto de nossa concepção tem. Então,
toda a nossa concepção desses efeitos é toda a nossa concep-
ção do objeto (PEIRCE, 1878/1992 apud ATKINS, 2019, desta-
que e tradução nossos).

Dessa máxima produzida por Peirce ocorreriam alguns des-


dobramentos; um deles é que ela permite verificar como esses
conceitos impactam nossas vidas, permite que foquemos nossa
investigação. Além disso, a máxima pragmática permite que nos
afastemos da metafísica e suas respectivas distrações, porque as
afirmações a priori não possuem significados práticos e isso as
torna sem sentido (ATKINS, 2019).
Além disso, por meio dessa máxima pragmática, seria possível,
segundo Peirce, evitar o risco de nos envolvermos em confusões con-
ceituais e, para que isso ocorresse, bastaria que nós equacionásse-
mos o significado dos conceitos por meio das consequências práticas
ou operacionais a respeito daquilo que o conceito buscava tratar.
Dito de outro modo, podemos verificar o quanto um con-
ceito é significativo por meio da aplicação desse conceito na rea-
lidade e, com essa aplicação, seria possível ocasionar uma mu-
dança observável em alguma coisa.

114 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

A partir desses elementos, como poderíamos afirmar que


uma teoria tem uma possibilidade maior de se aproximar da ver-
dade? Se aplicarmos a máxima pragmática, ela será tanto mais
verdadeira quanto melhor puder predizer determinado evento
ou controlar os desdobramentos desses mesmos eventos no
mundo.

O falibilismo
Outro aspecto interessante advindo da teoria proposta
pelo filósofo ficou conhecido pelo termo falibilismo, o qual foi
investigado com profundidade por filósofos da ciência no sécu-
lo 20. Nele se apresenta a ideia seminal de que uma verdade
científica, ainda que comprovada em determinado momento e
baseada em fatos, será sempre provisória, ou seja, nunca poderá
ser considerada como certa, mas sempre como provável.
Na ciência, enquanto esta ou aquela teoria funcionar, po-
deremos fazer uso dela; no entanto, se surgirem dificuldades e
essa teoria não oferecer condições adequadas para resolvê-las,
deveremos estar preparados para abandoná-la.
Desses elementos, você poderia considerar que em Peirce
teríamos um certo ceticismo quanto à possibilidade de aquisição
do conhecimento, no entanto isso não ocorre:
Apesar da insistência de Peirce no falibilismo, ele está longe
de ser um pessimista epistemológico ou cético: de fato, ele é
exatamente o oposto. Ele tende a sustentar que toda questão
genuína (isto é, toda questão cujas possíveis respostas têm
conteúdo empírico) pode ser respondida em princípio, ou pelo
menos não deve ser considerada irrespondível. Por essa razão,
um dos seus ditames mais importantes, que ele chamou de seu
primeiro princípio da razão, é “não bloqueie o caminho da in-
vestigação!” (BURCH, 2014, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 115


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Por meio desse convite apresentado por Peirce para que


nos dediquemos ao caminho da investigação, muito provavel-
mente você esteja se indagando: Afinal, como Peirce concebe
uma investigação científica? Vejamos a resposta para essa per-
gunta no próximo tópico.

A investigação científica
Peirce estabelece que, na investigação científica, existem
três fases a serem realizadas para sua concretização, são elas:
abdução ou hipótese, dedução e indução. No tocante à abdução,
as ideias de Peirce podem ser sumarizadas como a seguir:
por causa de algum fenômeno talvez surpreendente ou enigmáti-
co, uma conjectura ou hipótese é feita sobre o que realmente está
acontecendo. Essa hipótese deveria ser tal que explique o fenôme-
no surpreendente, tal como tornar o fenômeno mais ou menos
óbvio se a hipótese for verdadeira (BURCH, 2014, tradução nossa).

Já sobre a dedução, temos:


por meio de inferências necessárias, as conclusões são tiradas
da hipótese provisoriamente adotada sobre a obtenção de fe-
nômenos que não o surpreendente e que originalmente deu
origem à hipótese. Conclusões são alcançadas, isto é, sobre ou-
tros fenômenos que devem ser obtidos se a hipótese realmente
for verdadeira. Esses outros fenômenos devem ser tais que tes-
tes experimentais possam ser realizados cujos resultados nos
dizem se os fenômenos adicionais se obtêm ou não (BURCH,
2014, tradução nossa).

Por fim, no tocante à indução, o pensamento do autor


aponta:
Experimentos são realmente realizados a fim de testar a hipó-
tese adotada provisoriamente, verificando se os resultados de-
duzidos são obtidos ou não. Nesse ponto, o método científico
entra em um ou outro de dois “loops de retroalimentação”. Se

116 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

as conseqüências deduzidas são obtidas, então retornamos ao


estágio de dedução, deduzindo ainda mais as consequências de
nossa hipótese e testando experimentalmente para elas nova-
mente. Mas, se as conseqüências deduzidas não são obtidas,
então retornamos ao estágio de abdução e apresentamos al-
gumas novas hipóteses que explicam tanto nosso fenômeno
surpreendente original quanto qualquer fenômeno novo que
tenhamos descoberto ao testar nossa primeira (hipótese) e
agora, falha, hipótese. Então passamos para o estágio de dedu-
ção, como antes (BURCH, 2014, tradução nossa).

Complexo não? Para que possa verificar concretamente a


aplicação desse esquema investigativo proposto por Peirce, con-
vidamos você a analisar o exemplo abaixo:

Figura 8 Esquema Investigativo proposto por Peirce.

Para encerrar essas considerações introdutórias sobre


o pragmatismo, tomamos a liberdade de apresentar a você o

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 117


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

quanto essa abordagem está presente em nossas vidas, e muitas


vezes sequer nos apercebemos disso. Para isso, tomemos como
exemplo um dilema bioético muito presente na atualidade: o uso
de embriões humanos em pesquisas. Se for possível demonstrar
um resultado prático que beneficie diretamente as pessoas, nos
amparando pela abordagem pragmatista, o uso de embriões
deveria ser realizado; contudo, se o contrário ocorresse, e não
gerasse nenhum resultado prático, deveria ser deixado de lado.

Antes de prosseguir para as Questões Autoavaliativas do


Tópico 4, recomendamos que você acesse o texto indicado no
Tópico 3. 3 para expandir seu conhecimento sobre o Pragma-
tismo de Peirce.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 3.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizada na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina
para abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante
do material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição
necessária e indispensável para você compreender integralmen-
te os conteúdos apresentados nesta unidade.

118 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

3.1. A AUTOPOIESIS DE MATURANA E VARELLA

Muitas são as produções em vídeo de que você pode fazer uso


para conhecer um pouco mais sobre a autopoiesis. Escolhemos dois
vídeos que versam sobre ela e que poderão contribuir para sua for-
mação. O primeiro deles é um vídeo curto e que busca sintetizar, de
modo criativo, o conceito de autopoiesis. Já o segundo é uma palestra
de Humberto Maturana na qual fala a respeito da origem da vida.
• RAMOS, G. V. Autopoiesis final. 2015. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=o3xqBKYYmDE>.
Acesso em: 19 jun. 2019.
• MATURANA, H. El origen de la vida. In: CONGRESO FU-
TURO, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=K67ll2aavrw>. Acesso em: 19 jun. 2019.

3.2. A EPISTEMOLOGIA DE MARIO BUNGE

Entre os muitos artigos a respeito da Epistemologia propos-


ta por Mario Bunge, destacamos um texto de Murilo Westphal e
Thais Cristine Pinheiro, produzido em 2004. Nele são abordadas
a importância e as características da Epistemologia de Bunge e
como ela pode favorecer o ensino de Ciências. Outra dica que
consideramos interessante são alguns vídeos produzidos para
tratar das ideias do filósofo. O primeiro deles é uma animação
realizada por Dario Palomino onde se apresenta de modo esque-
mático um resumo sobre a ciência, seu método e sua filosofia
segundo Bunge. Já o segundo vídeo refere-se a uma palestra por
Bunge na Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED)
na qual se abordam os conceitos de cientificismo, anticientificis-
mo e semicientifismo e o filósofo realiza uma defesa do método
científico na busca do conhecimento.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 119


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

• WESTPHAL, M.; PINHEIRO, T. C. Epistemologia de Ma-


rio Bunge e sua contribuição para o ensino de Ciên-
cias. Ciência & Educação, Bauru, v. 10, n. 3, p. 585-596,
2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ciedu/
v10n3/19.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• PALMINIO, D. A. La ciencia, su método y su filosofía se-
gún Mario Bunge (resumen). 2014. Disponível em: <htt-
ps://www.youtube.com/watch?v=dHjOJLnEY5A>. Aces-
so em: 24 jan. 2019.
• UNED – UNIVERSIDAD NACIONAL DE EDUCACIÓN A
DISTANCIA. Mario Bunge Cientifismo. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=uqWqdy6vOs0>.
Acesso em: 24 jan. 2019.

3.3. O PRAGMATISMO DE PEIRCE

A abordagem que apresentamos a respeito das ideias de


Peirce tem um caráter eminentemente introdutório. Para que
possa conhecer mais algumas nuances sobre suas ideias e o Prag-
matismo, convidamos você a ler o artigo cujo link se encontra a
seguir e que foi produzido por Maria Virgínia Machado Dazza-
ni. Outra dica que consideramos interessante são alguns vídeos
produzidos para tratar das ideias do filósofo. O primeiro deles é
uma entrevista de Adam Crabtree para Jeffrey Mishlove e nele se
apresentam alguns aspectos gerais da filosofia de Peirce. Os três
seguintes são uma série de videoaulas produzidas pelo professor
mexicano Darin McNabb nas quais se aborda um dos desdobra-
mentos da filosofia de Peirce: a semiótica. A última indicação é a
apresentação das distinções existentes entre abdução, dedução
e indução.

120 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

• DAZZANI, M. V. M. O Pragmatismo de Peirce como


teoria do conhecimento e da aprendizagem. Caderno
Seminal Digital, ano 14, v. 10, n. 10, p. 283-311, jul./
dez. 2008. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.
uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/viewFi-
le/12693/9848>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• CRABTREE, A. The Philosophy of Charles Sanders Peir-
ce with Adam Crabtree. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=dMFka-MvteU>. Acesso em: 24
jan. 2019.
• McNABB, D. La semiótica de C. S. Peirce. Parte 1.
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=WXptyWLJT14>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• McNABB, D. La semiótica de C. S. Peirce. Parte 2. 2014.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-
-b3JQuI-3gU>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• McNABB, D. La semiótica de C. S. Peirce. Parte 3.
2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=8BJePgRcT0A>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• UDACITY. Deduction, induction, abduction – Georgia
Tech – KBAI: Part 5. 2015. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=-nn3XMoPC7s>. Acesso em: 19
jun. 2019.

3.4. A HERMENEUTICA DE MAURICIO BEUCHOT

Para tratar das teorias hermenêuticas de Mauricio Beu-


chot, a primeira sugestão que apresentamos é uma conferência
produzida pelo filósofo no Ciclo de Conferencias Hermenéutica
Latinoamericana, coordenada pelo Dr. Arturo Cristóbal Álvarez

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 121


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Balandra e produzido pela UPN Ajusco e o tema apresentado é


a hermenêutica analógica. A segunda sugestão é uma entrevista
em que Beuchot trata da importância da filosofia na atualidade.
• PUENTE, M. B. Hermenéutica analógica. 2013. Disponí-
vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=lEtyR9s-
CXYA>. Acesso em: 19 jun. 2019.
• BEUCHOT, M. P. M. Beuchot: sobre la Filosofía. Dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=itjap-
qa5pjm.>. Acesso em: 19 jun. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) A respeito do processo de evolução do ser humano, segundo a teoria da
autopoiesis, é correto afirmar o que se segue:
a) A ênfase se dá no ambiente, visto que recebemos seus estímulos e os
armazenamos.
b) Há uma ênfase na filogênese, porque nossa condição de espécie deter-
mina nossa relação com o mundo.
c) Há uma ênfase na ontogênese, porque, ainda que nos relacionemos
com o ambiente, as construções são de ordem biológica e internas.
d) É possível que sejamos observadores de nós mesmos dadas as nossas
características transcendentais.
e) O homem é o único ser capaz de se colocar “de fora” de seu contexto
e observar externamente os fenômenos.

2) Um dos muitos desdobramentos advindos da teoria da autopoiesis, pro-


posta por Maturana e Varella, ocorreu na teoria social produzida por Luh-
mann. A esse respeito, selecione a alternativa que apresenta uma afirma-
ção equivocada a respeito da teoria proposta por Luhmann:

122 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

a) Os sistemas sociais possuem vida própria.


b) Na proposta de Luhmann, os sistemas sociais são capazes de se distin-
guir do ambiente.
c) Por meio da automanutenção, é possível a adaptação do sistema social
ao ambiente em que se encontra.
d) A autorreconstrução é um mecanismo que permite ao sistema se re-
construir a partir das interações externas com o meio ambiente.
e) Os sistemas realizam interações internas e externas, permitindo sua
autorreconstrução.

3) Analise as afirmações a seguir, produzidas por Mario Bunge, que tratam


das diferenças do conhecimento científico. Em seguida, selecione a alter-
nativa que apresenta as afirmações corretas:
I - O conhecimento científico se distingue por sua clareza e precisão.
II - Costumeiramente buscamos, em nosso dia a dia, definições precisas
e descrições exatas.
III - Podemos entender que a ciência é senso comum organizado.
IV - A imprecisão e superficialidade geram uma reação da ciência.
V - Por meio da ciência, é possível nos afastarmos do erro.
a) Estão corretas as afirmações I, III e V.
b) Estão corretas as afirmações I, II, IV e V.
c) Estão corretas as afirmações I e IV.
d) Estão corretas as afirmações II e V.
e) Estão corretas as afirmações II, III e IV.

4) A respeito da distinção proposta por Bunge sobre ciência fática e ciência


formal, podemos afirmar que:
a) A primeira se baseia em exercícios racionais e a segunda, em fatos.
b) A primeira é verificável e a segunda, hipotética.
c) A primeira busca os fatos e a segunda não é sistemática.
d) A primeira dá ênfase ao empírico (fatos), a segunda é racional e
verificável.
e) A distinção é somente semântica, visto que os fundamentos são os
mesmos.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 123


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

5) A respeito da proposta hermenêutica de Mauricio Beuchot, podemos afir-


mar que ela se assenta no uso do recurso de:
a) Semiótica.
b) Comparação hierárquica textual.
c) Paralogismos.
d) Analogia.
e) Metáfora exemplificativa.

6) Na proposta hermenêutica de Beuchot, temos que o leitor:


a) Busca captar passivamente o sentido de um texto.
b) Assimila as ideias produzidas pelo autor.
c) Não intervém nos sentidos produzidos pela obra original.
d) Estabelece uma relação de tutoramento advindo do que se encontra
no texto analisado.
e) Contribui com significados ao texto advindos de sua particularidade.

7) (UEM – 2012) “O pragmatismo opõe-se ao intelectualismo e a todas as


formas de pensamento da totalidade, buscando dar atenção aos fatos ob-
serváveis e às suas consequências. É um método de esclarecimento das
diferenças significativas entre ideias, que se assenta na antecipação das
consequências futuras que essas ideias possam ter.”
(ARANHA, M. L.; MARTINS, M. H. P. Temas de Filosofia. 3. ed. rev. São Pau-
lo: Moderna, 2005, p. 118).
Com base no excerto citado e nos seus conhecimentos sobre o pragmatis-
mo, assinale o que for correto:
a) Segundo o pragmatismo, o concretamente experienciável é indispen-
sável para julgar a pertinência das ideias.
b) O pragmatismo requer o conhecimento de verdades inatas.
c) Princípios da teoria evolucionista, que considera a continuidade de um
ser vivo ligada à capacidade de adaptação ao mundo, estão em confor-
midade com o pragmatismo.
d) Ao criticar o intelectualismo, o pragmatismo pretende liberar a metafí-
sica de conceitos vagos e dar lugar a uma filosofia purificada, científica
e realista.
e) Segundo o pragmatismo, o significado de uma ideia não é dado por si
mesmo, mas em seu valor de uso e nas suas consequências.

124 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

8) (UEM – 2016) “Para o pragmatismo, a experiência é substancialmente


abertura para o futuro […]. Desse ponto de vista, uma ‘verdade’ não existe
porque pode ser confrontada com os dados acumulados da experiência
passada, mas por ser suscetível de qualquer uso na experiência futura.
Nesse sentido, a tese fundamental do pragmatismo é a de que toda a
verdade é uma regra de ação, uma norma para a conduta futura.”
(ABBAGNANO, N. História de filosofia. In: ARANHA, M. L. A. Filosofar com
textos: temas e história da filosofia. São Paulo: Moderna, 2012, p. 487).
Sobre o pragmatismo, assinale o que for correto:
a) O fundamento filosófico do pragmatismo é a crença racional justifica-
da pelo alcance teórico dos conceitos.
b) O pragmatismo está associado à fenomenologia, pois visa aos conteú-
dos intencionais da consciência.
c) A função da experiência é a possibilidade de formar instrumentos ca-
pazes de orientar a ação.
d) Ao recusar um fundamento filosófico fundacionalista, o pragmatismo
é relativista.
e) Segundo o pragmatismo, não há verdade absoluta, mas construção do
conhecimento através do diálogo e do intercâmbio de experiências.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c.
2) d.
3) c.
4) d.
5) d.
6) e.
7) a; c; d; e.
8) c; e.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 125


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

5. CONSIDERAÇÕES
Encerrou-se nosso pequeno passeio pela Epistemologia e
alguns de seus desdobramentos: a Filosofia da Ciência e a Her-
menêutica. Por meio dele, buscamos apresentar a você posicio-
namentos diversos a respeito desse tema e que podem, certa-
mente, ampliar suas indagações a respeito de como podemos
lidar com o conhecimento, interpretar os discursos e analisar a
nossa relação com o mundo mediante o exercício investigativo.
Como as respostas são múltiplas e diversas, convidamos você a
enveredar por elas e construir o seu próprio arcabouço teórico
sobre esses temas.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Humberto Maturana e Francisco Varela. Disponível em: <http://www.
rc.unesp.br/biosferas/Art0022.html>. Acesso em: 18 jun. 2019.
Figura 2 Niklas Luhmann. Disponível em: <http://institutoconceito.com/?p=187>.
Acesso em: 25 jun. 2018.
Figura 4 Mario Bunge. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/2/28/MarioBungesmall.jpg>. Acesso em: 18 jun. 2019.
Figura 5 Lista de misosofias, segundo Bunge. Disponível em: <http://revistas.uigv.edu.
pe/index.php/exegesis/article/view/158/167>. Acesso em: 25 jun. 2018.
Figura 6 Mauricio Beuchot. Disponível em: <http://www.academia.org.mx/
academicos-2017/item/mauricio-beuchot>. Acesso em: 19 jun. 2019.
Figura 7 Charles Sanders Peirce. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/wp-
content/media/peirce.jpg>. Acesso em: 19 jun. 2019.
Figura 8 O Esquema investigativo proposto por Peirce. Disponível em: <https://lopespl.
blogspot.com/2018/03/incertezas-filogeneticas.html>. Acesso em: 18 jul. 2019.

126 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 3 – EPISTEMOLOGIA NAS AMÉRICAS

Sites consultados
ATKINS, A. Charles Sanders Peirce: Pragmatism. Internet Encyclopedia of Philosophy.
Disponível em: <https://www.iep.utm.edu/peircepr/>. Acesso em: 19 jun. 2019.
BEUCHOT, M. Perfiles esenciales de la Hermenéutica: Hermenéutica Analógica. 2000.
Disponível em: <https://www.ensayistas.org/critica/teoria/beuchot/>. Acesso em: 19
jun. 2019.
BUNGE, M. Filosofías y fobosofías: parteras e institutrices, porteras y carceleras,
engañadas y mercenarias, escapistas y ambivalentes. Exégesis, Humacao, Porto Rico,
p. 97-104, 2010. Disponível em: <http://revistas.uigv.edu.pe/index.php/exegesis/
article/view/158/167>. Acesso: 25 jun. 2018.
______. La ciencia: su método y su filosofia. Disponível em: <https://users.dcc.uchile.
cl/~cgutierr/cursos/INV/bunge_ciencia.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2019.
BURCH, R. Charles Sanders Peirce. Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2014.
Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/peirce/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
MILLÁN, G. O. Hermenéutica analógica, verdad y método. Diánoia, México, v. 60, n.
74, maio 2015. Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0185-24502015000100008>. Acesso em: 19 jun. 2019.
ZELENY, M. What is autopoiesis? In: ______. (Ed.) Autopoiesis: a theory of living
organization. New York: Elsevier, 1981. Disponível em: <http://www.univie.ac.at/
constructivism/archive/fulltexts/1194.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2019.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ANDRADE, C. D. A Fenomenologia da Percepção a partir da autopoiesis de Humberto
Maturana e Francisco Varela. Griot – Revista de Filosofia, Amargosa, v. 6, n. 2, dez.
2012.
BEUCHOT, M. Exposición sucinta de la Hermenéutica Analógica. Solar, Lima, n. 3, ano
3, p. 67-77, 2007.
BUNGE, M. Racionalidad y realismo. Madrid: Alianza, 1985.
JAPIASSU, D. Dicionário de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 127


© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 4
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA
NAS AMÉRICAS

Objetivo
• Apresentar algumas das principais contribuições filosóficas nas Américas
que versam sobre a Filosofia da Educação e Estética.

Conteúdos
• A Pedagogia Crítica de Paulo Freire.
• A aprendizagem baseada na experiência de John Dewey
• A estética subjetiva de George Santayana.
• O fim da arte segundo Arthur Danto.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) Não se limite a este conteúdo; busque outras informações em sites con-


fiáveis e/ou nas referências bibliográficas apresentadas ao final de cada
unidade. Lembre-se de que, na modalidade EaD, o engajamento pessoal é
um fator determinante para o seu crescimento intelectual.

2) Busque identificar os principais conceitos apresentados; siga a linha gra-


dativa dos assuntos até poder observar a evolução do estudo das contri-
buições americanas à Filosofia da Educação e à Estética.

3) Não deixe de recorrer aos materiais complementares descritos no Conteúdo


Digital Integrador.

129
© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS
UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

1. INTRODUÇÃO
Estamos agora diante do último desafio desta obra. Para
dar conta dele, selecionamos cuidadosamente dois temas que
suscitam as paixões mais acaloradas. O primeiro se refere aos
caminhos que devemos adotar para a educação ou, como diriam
os gregos do período clássico, qual proposta de Filosofia da Edu-
cação pode animar a sociedade e fazer com que se realize um
ideal pleno de educação.
O Brasil tem se caracterizado por índices alarmantes quanto
à realização de uma educação eficiente, que, de fato, oportunize às
pessoas acesso, aquisição e produção de conhecimento sistematiza-
do e, desse modo, esse tema se reveste de importância e a Filosofia
tem contribuições importantes sobre esse assunto. Por isso, apre-
sentaremos a você, em linhas gerais, as propostas elaboradas pelo
educador brasileiro Paulo Freire e pelo educador norte-americano
William James. Ambos, a seu modo, sacudiram as costumeiras vi-
sões que temos a respeito da educação e apresentaram propostas
não usuais para que o ideal educativo se realize adequadamente.
Por fim, em nosso último tema, teremos as questões estéticas
e o desafio contemporâneo de investigar a arte e seus fundamentos.
Essa questão tem gerado os posicionamentos mais variados, quer
seja de grupos defendendo as múltiplas manifestações artísticas, quer
seja de grupos que questionam a chamada arte contemporânea.
Para oferecer novas possibilidades de análise sobre essa
questão, apresentaremos as considerações de George Santayana
e Arthur Danto. Com isso, encerramos esta obra e resta expres-
sar meu desejo de que os temas aqui apontados possam inspirar
você a se aprofundar neles e ampliar o seu leque de indagações
e inquietações filosóficas.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 131


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de forma su-
cinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua compreensão
integral, é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo
Digital Integrador.

2.1. PAULO FREIRE

Trataremos agora do representante


brasileiro em nossa investigação sobre a
Filosofia nas Américas. Certamente alguns
ficarão surpresos com essa escolha, vindo
a considerar que o escolhido talvez não
represente, de fato, a Filosofia brasileira e
outros, talvez devido às restrições político-
-partidárias já apontadas em nossa intro-
dução, venham a tecer inúmeros adjetivos
negativos para se referir a Paulo Freire – tais Figura 1 Paulo Freire.
adjetivos ocorrerão tão somente em razão de que, segundo o
imaginário de seus críticos, esse pensador se fundamenta em
posicionamento filosófico considerado inadequado.
Para esses últimos críticos, convém ressaltar o que havia
apontado anteriormente: na Filosofia, não temos um “lado” de-
finido aprioristicamente, não se nega a realização da análise da
realidade a partir de múltiplos olhares, tampouco existem temas
tabus com os quais a investigação filosófica não dialogue. Se o
investigador da Filosofia pretende realizar sua investigação sem
que com ela sejam problematizados ou questionados seus posi-
cionamentos prévios, ele certamente não deveria estar fazendo
Filosofia.

132 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Dito isso, vou agora explicitar a razão da escolha de Paulo


Freire. Ao tratarmos da educação nesta unidade, convém infor-
mar que Freire é tido como um dos grandes filósofos da educa-
ção no século 20 e, se não bastasse isso, se você realizar pesqui-
sas internacionais voltadas a esse tema, verá que ele se insere
ao lado de figuras como John Dewey ou William James. Desse
modo, é possível afirmar que Paulo Freire foi o pensador brasilei-
ro que teve maior impacto internacional na área em que realizou
suas investigações.
Estranhamente, devido às questões ideológico-partidárias
já apontadas no início deste texto, no Brasil, muitas vezes, seu
nome sequer consta nas obras que tratam desse tema.
Dito isso, vejamos como a obra de Freire recebeu inúmeros
questionamentos dada a sua originalidade e ousadia:
A obra de Freire recebeu inúmeras críticas ao longo dos anos.
Aqueles que consideravam a educação como um processo neu-
tro ou técnico reclamavam que a abordagem freiriana “politi-
zava” o ensino e aprendizagem. A recusa de Freire em prover
“pacotes” irritou aqueles que procuravam soluções metodoló-
gicas claras para os problemas educacionais. O uso do pronome
masculino em Pedagogia do Oprimido e outros textos iniciais
foi atacado. A notação de promoção de uma consciência de
modo crítico foi questionada. O foco de Freire na classe social
(à custa de gênero e etnicidade) em suas primeiras análises da
opressão tornou-se problemática por um número de teóricos
da educação contemporâneos. Outros sugeriram que Freire de-
veria ter devotado mais espaço em seus livros para a teoria de
classe. Alguns críticos argumentaram que a pedagogia freiriana,
contrária aos seus objetivos professados, constitui uma forma
de invasão cultural. Finalmente, como as ideias pós-modernas
têm obtido grande ênfase nos tempos recentes, as premissas
universalistas na Ética, Epistemologia e Pedagogia de Freire fo-
ram atacadas (ROBERTS, 2000, p. 2, tradução nossa).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 133


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Do exposto, percebe-se quanto seu trabalho gerou pai-


xões, críticas e, em contrapartida, inúmeros reconhecimentos
pela sua originalidade, visto que é um autor cuja:
[...] teoria pedagógica influenciou os movimentos educacionais
e sociais em todo o mundo e cujos escritos filosóficos influen-
ciaram as disciplinas acadêmicas que incluem Teologia, Socio-
logia, Antropologia, Linguística Aplicada, Pedagogia e Estudos
Culturais (STATEUNIVERSITY.COM, 2019, tradução nossa).

Bem, e quem foi Paulo Freire? De modo geral, é possível afir-


mar que Freire teve na educação de adultos seu foco central. Em
1964, após o golpe militar ocorrido em nosso país, Freire foi preso
e exilado devido à interpretação realizada pelo governo militar vi-
gente de que sua proposta educativa viria a ser subversiva e amea-
çaria o status quo político vigente em nosso país naquele período.
Há que se destacar que, ao longo do tempo passado na
prisão, Freire produziu seu primeiro livro, Educação como prática
da liberdade e, em 1968, publicou aquela que é considerada sua
obra mais importante, a Pedagogia do oprimido.
Nessa obra, está presente a ideia seminal de que qualquer
ser humano, não importando o quão “ignorante” seja – ou que
porventura esteja naquilo que Freire chama de cultura do silên-
cio (FREIRE, 1987, p. 34) –, torna-se capaz de exercitar um olhar
crítico por meio de um encontro dialógico com os outros.
Considerando o exposto, convém apresentar a filiação fi-
losófica de Freire. Costumeiramente, sua obra se insere naquilo
que se intitula Pedagogia Crítica. Nela temos a junção de uma
filosofia de educação e movimento social que combina educação
e teoria crítica.
Um dos teóricos que se inspiraram nas ideias de Freire, o
norte americano Henry Giroux, a define como um:

134 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

[...] movimento educacional, orientado pela paixão e, princi-


palmente, para ajudar os alunos a desenvolver a consciência
da liberdade, reconhecer tendências autoritárias e conectar o
conhecimento ao poder e à capacidade de realizar ações cons-
trutivas (GIROUX, 2010, p. 67, tradução nossa).

Ainda que Freire tenha como elementos centrais em sua


proposta filosófica práxis e dialogicidade, categorias relevantes
presentes no marxismo, não podemos tão somente caracterizá-
-lo como um filósofo de fundamentação marxista, tampouco fi-
liado à chamada Teologia da Libertação, porque:
[...] é importante notar que a construção da teoria de libertação
de Freire inclui outras tradições intelectuais, como o liberalis-
mo, a fenomenologia, o existencialismo e certos aspectos do
pensamento pós-moderno e pós-estruturalista (LIU, 2012, p.
21, tradução nossa).

Na proposta de Paulo Freire, temos algumas categorias essen-


ciais a serem consideradas, quando nos dedicamos a analisar o que
ocorre no espaço educativo. Vejamos algumas delas em detalhe.

Educação bancária
Sobre essa categoria, analise abaixo o que expressa Freire:
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e de-
pósitos que os educandos, meras incidências, recebem paciente-
mente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da
educação, em que a única margem de ação que se oferece aos
educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-
-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas
que arquivam. [...] Na visão “bancária” da educação, o “saber” é
uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber.
Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da
ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que cons-
titui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual
esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 1987, p. 33).

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 135


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Do texto citado, depreende-se que o professor tem um


papel ativo e o aluno, um papel passivo. No ato de depositar in-
formação sobre seus alunos, o professor atende à necessidade
dos opressores e, em tal condição, o aluno tem anulada a sua
condição ativa e criativa, sujeitando-se ao que o opressor deseja.

Desumanização
Sobre desumanização, afirma Freire:
A desumanização, que não se verifica, apenas, nos que têm sua hu-
manidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente,
nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. [...] A luta
pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afir-
mação dos homens como pessoas, como “seres para si”, não teria
significação. Esta somente é possível porque a desumanização,
mesmo que um fato concreto na história, não é porém, destino
dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência
dos opressores e esta, o ser menos (FREIRE, 1987, p. 16).

Nesse trecho, temos que a desumanização é um desdobra-


mento casual advindo da opressão e, mediante o ato opressor, o
indivíduo perde paulatinamente sua humanidade.

Consciência crítica
Passemos agora à ideia de consciência crítica:
Esta reflexão sobre a situacionalidade é um pensar a própria con-
dição de existir. Um pensar crítico através do qual os homens se
descobrem em “situação”. Só na medida em que esta deixa de
parecer-lhes uma realidade espessa que os envolve, algo mais ou
menos nublado em que e sob que se acham, um beco sem saída
que os angustia e a captam como a situação objetivo-problemáti-
ca em que estão, é que existe o engajamento. Da imersão em que
se achavam, emergem, capacitando-se para inserir-se na realida-
de que se vai desvelando. Desta maneira, a inserção é um estado

136 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

maior que a emersão e resulta da conscientização da situação. É


a própria consciência histórica. Daí que seja a conscientização o
aprofundamento da tomada de consciência, característica, por
sua vez, de toda emersão (FREIRE, 1987, p. 58).

Do trecho citado, saliento que, para Freire, há profunda re-


lação entre conscientização e outras dimensões humanas, tais
como a educação e, também, a dimensão política, na medida em
que o indivíduo se apercebe da sua condição política na qual se
encontra e de sua respectiva relação de domínio/opressão.

Diálogo
Verifique, a seguir, como o pensador concebe o diálogo:
[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro
em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endere-
çados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode
reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro,
nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consu-
midas pelos permutantes. [...] é encontro de homens que pro-
nunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns
a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso
instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do
outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos su-
jeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo
para libertação dos homens (FREIRE, 1987, p. 45).

Um aspecto essencial nesse trecho é o entendimento do


diálogo como respeito; há um compromisso de reflexão e aquisi-
ção de ideias em detrimento de uma usurpação de um indivíduo
pelo outro. O convite é para que realizemos um diálogo ampara-
dos em uma dimensão de reflexão e ação.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 137


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Práxis
Por fim, vamos conferir como o pensador concebe a práxis:
A diferença entre os dois, entre o animal, de cuja atividade,
porque não constitui “atos-limites”, não resulta uma produção
mais além de si e os homens que, através de sua ação sobre o
mundo, criam o domínio da cultura e da história, está em que
somente estes são seres da práxis. Somente estes são práxis.
Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transforma-
dora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação.
Com efeito, enquanto a atividade animal, realizada sem práxis,
não implica em criação, a transformação exercida pelos homens
a implica (FREIRE, 1987, p. 52).

Considero que essa categoria é a que possui maiores rela-


ções com a teoria marxista, voltada a um ativismo calcado na mu-
dança da sociedade por meio da relação entre teoria e prática.

Antes de prosseguir para o próximo assunto, recomendo


que você assista ao vídeo indicado no Tópico 3. 1, para expan-
dir seu conhecimento sobre a vida e obra de Paulo Freire.

2.2. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE JOHN DEWEY

Veremos agora as contribuições para a Filosofia da Edu-


cação produzidas pelo filósofo norte-americano John Dewey
(1859-1952), importante filósofo que contribuiu para sedimen-
tar o pragmatismo nos Estados Unidos e que também se notabi-
lizou como psicólogo, educador, ativista político e crítico social.
Dentre as muitas iniciativas de Dewey tendo como tema a
educação, destaco o fato de que, em 1896, na cidade de Chicago,
produziu a primeira escola experimental, chamada University Ele-

138 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

mentary School. Nela realizou as primeiras pesquisas empíricas a


respeito da aplicação dos fundamentos pragmáticos na educação.
Especificamente para nossa finalidade, tal como fizemos
ao analisar Paulo Freire, usaremos como base dois textos em-
blemáticos produzidos por John Dewey: o primeiro deles, redigi-
do em janeiro de 1897, é intitulado My pedagogic creed. Nele o
pensador apresenta algumas de suas ideias seminais a respeito
da educação e que lhe deram notoriedade. Já o segundo é inti-
tulado Democracy and education e foi publicado inicialmente no
ano de 1917.
O primeiro deles se assenta na necessidade de, segundo o
filósofo, educarmos as crianças para os desafios que a vida nos
apresenta no presente:
Com o advento da democracia e das condições industriais mo-
dernas, é impossível prever definitivamente qual será a civiliza-
ção daqui a vinte anos. Por isso, é impossível preparar a criança
para qualquer conjunto preciso de condições. Prepará-la para
a vida futura significa dar-lhe o comando de si mesma (DEWEY,
1897, tradução nossa).

Esse indivíduo que, para Dewey, deve ser capaz de adquirir


autonomia para si mesmo, é necessariamente um indivíduo so-
cial e, mais que fazer com que ele adquira conhecimentos, temos
que fazer com que ele aprenda a pensar, existe a necessidade
de que a criança adquira a capacidade de refletir e exercitar seu
pensamento crítico, ou seja, a criança tem um papel ativo na
busca e produção do conhecimento:
Acredito que grande parte da educação atual fracasse porque
negligencia esse princípio fundamental da escola como uma
forma de vida comunitária. Concebe a escola como um lugar
onde certas informações devem ser dadas, onde certas lições
devem ser ganhas, ou onde certos hábitos devam ser formados.
O valor destes é concebido como amplamente depositado em

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 139


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

um futuro remoto; a criança deve fazer essas coisas por causa


de outra coisa que ela deve fazer; elas são mera preparação.
Como resultado, elas não se tornam parte da experiência de
vida da criança e, portanto, não são verdadeiramente educati-
vas (DEWEY, 1897, tradução nossa).

Essa ênfase na experiência tem profundas relações com o


pragmatismo em que se assentam as ideias de Dewey, ou seja, a
educação deve, de fato, produzir resultados práticos na vida do
educando:
Um grama de experiência é melhor do que uma tonelada de
teoria simplesmente porque é apenas na experiência que qual-
quer teoria tem significado vital e verificável. Uma experiência,
uma muito humilde experiência, é capaz de gerar e carregar
qualquer quantidade de teoria (ou conteúdo intelectual), mas
uma teoria à parte de uma experiência não pode ser definitiva-
mente compreendida como teoria. Ele tende a se tornar uma
mera fórmula verbal, um conjunto de palavras de ordem usadas
para tornar o pensamento, ou a genuína teorização, desneces-
sários e impossíveis (DEWEY, 1985, p. 144, tradução nossa).

Essa relação que o filósofo apresenta entre conhecimento


e prática oriunda da experiência nos leva a um outro aspecto
também muito importante, referente à necessidade de a educa-
ção possuir relação com a comunidade em que o aluno se encon-
tra, ou seja, de possuir relação com sua vida social e seu respec-
tivo ambiente social democrático:
Acredito que também seja uma necessidade social, porque o lar
é a forma de vida social em que a criança foi nutrida e em cone-
xão com a qual ele teve seu treinamento moral. A ocupação da
escola é aprofundar e ampliar seu senso dos valores ligados à
sua vida doméstica (DEWEY, 1897, tradução nossa).

Essa última consideração se reveste de importância, visto


que, costumeiramente, lidamos com discursos que separam o

140 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

universo da escola da realidade social em que se encontra o alu-


no, como se a escola fosse um santuário isolado do contexto em
que ela se encontra e isso, para Dewey, é certamente um equívo-
co, porque, para o filósofo, a escola é eminentemente uma insti-
tuição social. Vejamos a seguir um gráfico em que se apresentam
esses aspectos iniciais:

1.
Experimente
a atividade,
reflita, faça

5. 2.
Aplique Compartilhe
a uma situação informações,
prática similar ou Faça observações
diferente publicamente

Aplique Reflita

4. 3.
Generalize Processe
para conectar analise a
analise a experiência
experiência

Figura 2 Gráfico da concepção do papel da escola na sociedade, segundo Dewey.

Referente ao professor, para Dewey, este se reveste de fun-


ções importantes, a manutenção do ordenamento social demo-
crático e o crescimento da sociedade. Além disso, cabe ao pro-
fessor criar condições para que as crianças possam criar ideias
por si próprias, ficando atento aos interesses e às necessidades
das crianças.
Outro termo instituído por Dewey refere-se à educação
como vocação e esse termo, segundo Andrea English (2016), é
entendido na obra de Dewey de três modos distintos. O primeiro

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 141


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

deles seria a utilização do termo “vocação” para a realização de


uma Beruf, termo alemão que remete ao uso da educação para
que o indivíduo possa inserir-se em uma atividade de emprego,
bem como aos atributos de know-how, caráter e conhecimen-
to necessários para praticar essa atividade e que também ser-
vem como um marcador de identidade social (ENGLISH, 2016, p.
3). Essa interpretação está associada também à expressão ale-
mã “allgemeine Menschenbildung”, a qual se refere à educação
como meio para o desenvolvimento da cidadania.
Quanto à segunda interpretação, esta se dá por meio do
entendimento da vocação como mecanismo para a realização da
autonomia do indivíduo. Já a terceira possibilidade de interpre-
tação está ligada à preparação de indivíduos para negócios ou
tarefas específicas (ENGLISH, 2016, p. 4).
Para finalizar, cumpre apontar um aspecto muito impor-
tante apresentado por Andrea English, o qual se refere às consi-
derações de Dewey a respeito da Filosofia em sua obra Educação
e democracia. Segundo a autora:
A filosofia não é em si um sistema de pensamento (como um
“idealismo” ou “empirismo”), que é independente do pensa-
mento educacional, mas depois aplicado a ele como uma espé-
cie de enriquecimento. Em vez disso, como ele afirma misterio-
samente, a definição mais penetrante de filosofia que pode ser
dada é, então, que esta é a teoria da educação em suas fases
mais gerais. [...] Portanto, a filosofia não é apenas mais uma
disciplina intelectual ao lado da sociologia e da psicologia, que
lança luz sobre a educação e enriquece a teoria. De fato, pare-
ce ser um equívoco até falarmos de Filosofia da Educação. Ao
contrário, é a própria atividade de pensar, envolvida de forma
sistemática e séria, sobre as atividades e os compromissos que
constituem uma atividade educacional (ENGLISH, 2016, p. 5-6,
tradução nossa).

142 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Desses elementos, consideramos que temos condições su-


ficientes para traçar alguns aspectos da proposta educativa de
Dewey e, dentre eles, destacamos três elementos centrais: o pri-
meiro é de que a aprendizagem deve ser ativa, ou seja, o aluno
não deve assumir um papel passivo frente ao conhecimento.
O segundo deles refere-se à autonomia a ser propiciada
pela educação: o aluno será capaz de buscar conhecimento por
si próprio; por fim, o terceiro e último aspecto é que a apren-
dizagem se dá por meio da realização de investigações ativas
produzidas pela criança, e temos a necessidade de que sejam
propiciadas experiências a elas, nas quais seja necessário que se
dediquem a lidar com problemas, os quais demandarão investi-
gações. O fruto dessas investigações produzirá reflexões e, por
fim, por meio da realização de todo esse processo, haverá um
crescimento efetivo no conhecimento da criança.

Comparando as ideias de Dewey e Freire


Para encerrar essa análise sobre filosofia da educação,
consideramos pertinente apresentar a você um quadro compa-
rativo entre os elementos comuns nas ideias de Dewey e Freire.
Para esse fim, baseamo-nos, integralmente, nas considerações
emitidas por Medhat Fam (2019, s/p) para a construção do qua-
dro abaixo:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 143


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Quadro
Quadro 11Elementos
Elementosemem comum
comum entreentre
PauloPaulo
FreireFreire
e John e John Dewey.
Dewey.
Elementos em comum
• Ambos compartilham uma posição teórica que ataca o mentalismo
representacional que outros educadores empregaram para apoiar o estilo de
educação “Tradicional” ou “Bancário”. Dewey argumenta que o conhecimento
é um produto da interdependência social e da interação social. Dewey
concorda fundamentalmente com Freire sobre o estilo de Educação Bancária,
que os pedagogos tradicionais empregam, produzir e reproduzir conjuntos de
“atitudes apropriadas” através das quais os estudantes adquirem os hábitos
de “docilidade, receptividade e obediência”.
• Estão de acordo sobre práticas educativas autênticas envolverem atos de
cognição em vez de transmissão de informação.
• Argumentam que situações educativas autênticas criam um contexto no qual
o processo de investigação se torna a prática da liberdade.
• Argumentam que os educadores devem projetar contextos educativos que
sintonizem os estudantes em relação a várias formas de envolvimento
participativo ou investigação sobre “o que é”.
• Descrevem o processo de humanização da investigação, “invenção e
reinvenção” de nossa autocompreensão.
• Sugerem, que há um tipo de aculturação social que ocorre na educação
tradicional, que é ao mesmo tempo fundamental e formativa da experiência
vivida dos alunos, e que limita a capacidade existencial dos estudantes em
divulgar, de forma projetiva, sua potencialidade de ser.
• Definem a aprendizagem como uma investigação crítica sobre o que Freire
chama de “situações-limite” ou o que Dewey chama de “interações” da
experiência, que são criadas e feitas de modo a aparecer pelos valores sociais
como se fossem rígidas e estáticas.
• Concordam que a educação é fundamentalmente uma crítica filosófica dos
valores.
• Insistem que qualquer filosofia da educação deve teorizar um conjunto de
práticas para desenvolver uma consciência crítica e problematizar os valores
reproduzidos de maneira irrefletida.
• Teorizam a experiência autêntica como uma continuidade de experiências que
ampliam e projetam novos entendimentos.
• A natureza não representacional do conhecimento é uma suposição básica
que apoia e leva a uma compreensão da sociabilidade do conhecimento e da
natureza libertadora do pensamento crítico.
• Concordam que as práticas educativas autênticas envolvem “atos de
cognição” em vez de “transferências de informações”.

INÍCIO DESTAQUE
Antes de prosseguir para o próximo assunto, recomendamos que você assista ao vídeo i
no Tópico 3. 2, para expandir seu conhecimento sobre©oFILOSOFIA
144 pensamento de John Dewey.
NAS AMÉRICAS

FIM DESTAQUE
UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Antes de prosseguir para o próximo assunto, recomen-


damos que você assista ao vídeo indicado no Tópico 3. 2, para
expandir seu conhecimento sobre o pensamento de John
Dewey.

2.3. O SENSO DE BELEZA SEGUNDO GEORGE SANTAYANA

Lidaremos agora com um novo seg-


mento da Filosofia produzida nas Améri-
cas: a sua faceta estética. Para esse fim,
apresentaremos a você o filósofo hispano-
-americano George Santayana, pseudôni-
mo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de San-
tayana y Borrás. Embora tenha nascido
na Espanha, Santayana mudou-se para os
Estados Unidos quando tinha apenas oito
Figura 3 George Santayana.
anos e nesse país construiu suas obras
mais expressivas. Um aspecto interessante sobre sua biografia é
o de que Santayana foi aluno do filósofo William James na Uni-
versidade de Harvard e, por coincidência, este último será abor-
dado também nesta obra.
Outro aspecto inicial interessante a se apresentar a respei-
to de Santayana foi a prodigalidade de aforismos que produziu.
Alguns deles são utilizados fartamente em produções e textos
dos mais variados e em abordagens muitas vezes antagônicas.
Dentre esses aforismos, merece destaque o que segue:
O progresso, longe de consistir em mudança, depende da re-
tenção. Quando a mudança é absoluta, não resta nenhum ser
para melhorar e nenhuma direção é definida para uma possível
melhora: e quando a experiência não é mantida, como entre os

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 145


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem


lembrar o passado estão condenados a repeti-lo (SANTAYANA,
1980, p. 92, tradução e destaque nossos).

Interessante, não? Esse e outros aforismos produzidos por


Santayana têm sido vistos costumeiramente nas discussões mais
variadas, e certamente você poderia conhecê-los em seus res-
pectivos contextos. Dito isso, vamos agora lidar com um aspecto
específico da produção do filósofo: a contribuição que realizou
tendo como tema a Estética. Cabe dizer, de modo introdutó-
rio, que suas principais contribuições para essa área ocorreram
quando da publicação de sua primeira obra, The sense of beauty,
de 1896.
Inicialmente, convém dizer que, para Santayana a palavra
“estética” “está relacionada à percepção de valores” (SANTAYA-
NA, 2008, tradução nossa). Na Estética, temos um elemento crí-
tico, na medida em que realizamos julgamentos ou apreciações,
estes são instintivos e imediatos, relacionados a prazeres e sofri-
mentos advindos dos objetos.
Dessas apreciações e julgamentos realizados na Estética,
destaca-se aqueles advindos do belo, porque, para o filósofo:
O senso de beleza tem um lugar mais importante na vida do
que a teoria estética alguma vez tenha adotado na filosofia. As
artes plásticas, com poesia e música, são os monumentos mais
evidentes desse interesse humano, porque apelam apenas para
a contemplação, e ainda atraíram ao seu serviço, em todas as
eras civilizadas, uma quantidade de esforço, genialidade e hon-
ra pouco inferior àquela dada a indústria, guerra ou religião. As
belas artes, no entanto, em que o sentimento estético parece
quase puro, não são, de modo algum, a única esfera em que
os homens demonstram sua suscetibilidade à beleza. Em todos
os produtos da indústria humana, notamos a agudeza com que
o olhar é atraído para a simples aparência das coisas: grandes

146 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

sacrifícios de tempo e trabalho são dedicados a ela nas manufa-


turas mais vulgares; tampouco o homem seleciona sua morada,
suas roupas ou seus companheiros sem fazer referência a seu
efeito em seus sentidos estéticos (SANTAYANA, 2008, tradução
nossa).

No texto citado, está manifesta a ideia do quanto somos


suscetíveis à beleza e de como ela impacta vários aspectos da
nossa vida. Dessa constatação emitida pelo filósofo, há de se
pensar de onde viria essa beleza: do sujeito ou do objeto? Veja-
mos como Santayana responderia a essa indagação:
Podemos, portanto, afirmar imediatamente este axioma, im-
portante para toda filosofia moral e fatal para certas incoerên-
cias teimosas do pensamento, que não há valor além de alguma
apreciação dele, e nenhum bem além de alguma preferência
dele antes de sua ausência ou seu oposto. Na apreciação, de
preferência, está a raiz e a essência de toda excelência. Ou,
como Spinoza claramente expressa, não desejamos nada por-
que é bom, mas é bom apenas porque o desejamos (SANTAYA-
NA, 2008, tradução e destaque nossos).

Note que a beleza não se encontra no objeto em si, mas


na apreciação subjetiva realizada por um indivíduo, e essa apre-
ciação, para o filósofo, é irracional, pois não experimentamos a
beleza de um pôr do sol por meio de análises críticas: “Se nos
aproximamos da obra de arte ou da natureza cientificamente,
por causa de suas conexões históricas ou classificação apropria-
da, não nos aproximaremos esteticamente” (SANTAYANA, 2008,
tradução nossa). Nesse sentido, vejamos como Archie e Archie
(2006) sintetizam esse posicionamento:
A beleza para Santayana é uma qualidade de experiência que se
origina do interesse emocional intrínseco na percepção e não é
uma qualidade derivada do processo perceptivo. As condições de
beleza são do material (sensação) ou da forma (medida) ou da ex-
pressão (associação). Em suma, Santayana descreve a beleza como

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 147


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

“prazer objetivado” ou, como talvez melhor a expresse, a beleza é


“prazer considerado como a qualidade de uma coisa”. Santayana
procurou explicar a teoria estética como um tipo de investigação
psicológica da natureza humana de um ponto de vista biológico. A
estética, por si só, envolve um tipo de percepção crítica, pois a be-
leza não existe independentemente da nossa percepção do mun-
do (ARCHIE; ARCHIE, 2006, p. 366, tradução nossa).

Dessas considerações é possível concluir que, em Santaya-


na, há uma profunda relação entre a beleza e o prazer, no entan-
to esse prazer não seria oriundo de experiências prazerosas; elas
adviriam de nossa ação emocional diante de um objeto e das
características intrínsecas que este possui.

2.4. O CONCEITO DE ARTE DE ARTHUR DANTO

Iremos lidar agora com o nosso úl-


timo, e não menos importante, filósofo a
ser abordado nesta obra. Como o tema
proposto para este momento é a Estética,
convém abordar as considerações emiti-
das sobre esse tema pelo crítico de arte
e filósofo norte-americano Arthur Danto.
A escolha por esse filósofo ocorreu
devido ao fato de ele ter se dedicado a Figura 4 Arthur Danto.
analisar um tema muito controverso na atualidade e que tem
gerado debates acalorados, sobretudo realizados por grupos po-
líticos mais radicais à direita ou à esquerda: O que é arte?
Ao lidar com essa pergunta, imagino que uma série de pos-
sibilidades vieram à sua mente, indo desde as produções que
considera relevantes e importantes para exemplificar a produção
artística, até produções que façam você questionar se talvez, de

148 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

fato, poderiam ser consideradas como arte. É exatamente nesse


universo que se insere a figura de Danto.
Inicialmente, convém informar que Danto se tornou mun-
dialmente conhecido a partir das considerações críticas que pro-
duziu a respeito da arte por meio de suas crônicas publicadas em
uma revista norte-americana intitulada The Nation.
De modo geral, segundo Adajian (2018), Danto contribuiu,
por meio de suas considerações, a uma corrente da Filosofia da
Arte intitulada institucionalista, termo cunhado pelo filósofo
norte-americano George Dickie. Essa abordagem:
[...] sustenta que é somente a rede de relações que envolvem o
objeto artístico o que lhe outorga seu status de “obra de arte”.
Uma “caixa de sabão” é uma obra de arte no museu; no depósi-
to de um supermercado é um objeto de uso, sem ser distingui-
do por nenhum elemento estético-perceptivo (MORENO, 2014,
p. 11-12, tradução nossa).

Ao produzir essa proposta sobre a arte, Dickie se inspirou em


um artigo produzido por Danto em 1964, intitulado Artworld (“O
mundo da Arte”). Nele o filósofo afirma que, para que algo possa vir
a ser considerado arte, é necessária uma teoria que sustente essa
possibilidade e, com isso, objetos que aparentemente seriam idênti-
cos tornam-se diferentes na medida em que uma teoria os diferencia
uns dos outros, ou seja, a qualidade artística do objeto não advém de
sua característica intrínseca. Assim, o filósofo se expressa a esse res-
peito: “Ver algo como arte requer algo que o olho não pode decifrar
– uma atmosfera de teoria artística, um conhecimento da história
da arte: um mundo da arte” (DANTO, 1964, p. 581, tradução nossa).
Para que você possa verificar o impacto dessa teoria, to-
memos como exemplo uma célebre produção do artista contem-
porâneo Andy Warhol, intitulada “Brillo Box”:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 149


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Figura 5 Brillo Box, de Andy Warhol.

Como se percebe, nela temos aparentemente a apresenta-


ção de um típico produto para limpeza, no entanto ele necessi-
ta estar envolvido em uma atmosfera teórica que permita a ele
alçar-se à condição de objeto artístico.
Para Danto, a intuição provida pelas Brillo Boxes de Warhol
era de que se candidatar à categoria de obra de arte significava
necessariamente, para um artefato, estar de tal maneira imbri-
cado na atmosfera teórica em virtude da qual ele se fez possível
como arte que, destacado desse contexto, dificilmente o consti-
tuiríamos como uma obra de arte (SILVEIRA, 2014, p. 57).
Essas considerações demonstram uma profunda reformu-
lação de um senso comum existente a respeito da arte e de sua
associação à ideia de beleza.
Para Danto, ao longo da história humana, a arte realizou
um papel histórico e que ocasionou o surgimento de uma filoso-
fia da arte caracterizada pelo paulatino afastamento do mundo
dos objetos em direção ao escrutínio da teoria e das ideias refe-
rentes à arte. Pouco a pouco, a arte vai se baseando em uma teo-
ria e, por fim, a arte se torna teoria. E de onde surgiria essa teoria
para Danto? Segundo Silveira, ela se origina do que se segue:

150 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

As teorias artísticas, embora possam também ser alimentadas por


teorias filosóficas no sentido forte, desenvolvem-se nos círculos de
atuação do artista – no ateliê, nas associações, na crítica, nas publi-
cações sobre arte como as conhecemos na atualidade, ou nas cor-
porações de ofício e na obra tratadística de outros tempos, apenas
para nomear alguns exemplos (SILVEIRA, 2014, p. 60).

A partir desses elementos, podemos avançar um pouco


mais e tratar de um outro tema também muito importante discu-
tido por Danto: a ocorrência do fim da arte. Danto discutiu esse
tema, que deu título a um artigo que produziu em 1984, inspira-
do em Hegel, o filósofo alemão que havia prenunciado, no século
anterior, o sobrepujamento da arte por outras manifestações do
espírito (para Hegel, arte, religião e filosofia têm o mesmo obje-
tivo: adquirir conhecimento de Deus, isto é, o absoluto. Para o
filósofo, a filosofia é superior porque examina noções abstratas.
A arte está no começo preocupada em “imaginar” o absoluto
como um modo de conhecer). Aparentemente, poderíamos con-
siderar, a princípio que, segundo Danto, teria ocorrido a morte
da arte; no entanto isso não ocorreu.
Para Danto, a era da arte caracterizou-se por apresentar
grandes narrativas a respeito de qual estilo artístico deveria pre-
valecer sobre os outros, oferecendo, com isso, uma organização
do que seria arte e sua respectiva história. Ao longo do tempo,
essas narrativas dividiram-se em entender a arte como mimesis
(ênfase nos aspectos visuais) e como abstração (ênfase em as-
pectos formais, como cor, plano, temas etc.).
Segundo Danto, por meio das obras de pintores como Van
Gogh e Gauguin, inicia-se o processo de descontinuidade da pro-
dução artística e suas respectivas narrativas e, paulatinamente, há a
morte das narrativas que estabelecem diretrizes para a obra de arte.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 151


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Dessa condição surge a arte contemporânea e nela, segundo


Danto, nos aproximamos da liberdade, visto que não há algo que
seja mais falso ou verdadeiro; surge a ambiguidade, a experimen-
tação, há um desvirtuamento da novidade e, nessa condição, para
Danto, segundo Thomson (1998), ocorreria uma transfiguração:
Danto descreve obras de arte como representações transfigura-
tivas. Com isso, ele quer dizer que uma obra de arte transfigura,
em vez de transformar seu assunto, pois o assunto da obra de arte
não é transformado em outra coisa a ponto de sua contrapartida
no mundo real estar perdida. Em vez disso, a identidade original
do tema permanece e o autor imbui-lhe atributos que indicam
uma maneira particular de ver o assunto e o mundo em geral. Essa
transfiguração pode ser explicada examinando a estrutura metafó-
rica das obras de arte (THOMSON, 1998, p. 46-47, tradução nossa).

Para que possamos lidar com essa produção transfigura-


tiva, passa então a ser necessário que estejamos de posse de
conhecimento e filosofia para que possamos apreciar adequada-
mente uma obra de arte.

Antes de prosseguir para as Questões Autoavaliativas do


Tópico 4, recomendamos que você assista aos vídeos indica-
dos no Tópico 3. 3 para expandir seu conhecimento sobre as
discussões contemporâneas sobre a arte e a beleza.

Vídeo complementar–––––––––––––––––––––––––––––––––
Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizada na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina
para abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte integrante
do material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

152 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição
necessária e indispensável para você compreender integralmen-
te os conteúdos apresentados nesta unidade.

3.1. VIDA E IDEIAS DE PAULO FREIRE

Para que você possa conhecer um pouco mais sobre a vida


e as ideias de Paulo Freire, convidamos você a assistir ao docu-
mentário indicado a seguir. Nele são apresentados aspectos bio-
gráficos, filosóficos e pedagógicos sobre o educador/filósofo:
• TV ESCOLA. Paulo Freire contemporâneo. 2007. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=5y9KMq6G8l8>.
Acesso em: 24 jun. 2019.

3.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE JOHN DEWEY

Para poder conhecer um pouco mais sobre as múltiplas


contribuições de John Dewey, apresentamos a você três vídeos.
O primeiro deles é uma produção espanhola que aborda as
várias facetas desse pensador. No segundo vídeo, o autor traz
vários elementos que caracterizam o funcionalismo e pragma-
tismo. Quanto a última sugestão, essa é uma aula produzida ori-
ginalmente em inglês pelo acadêmico Arthur F. Holmes e que
você poderá inserir legendas em português.
• CANAL ENCUENTRO. John Dewey. La aventura del pen-
samiento, episódio 19. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=jMBuW9mEPG8>. Acesso em:
24 jun. 2019.

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 153


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

• COSTA E SILVA, A. A. John Dewey – Funcionalismo e Prag-


matismo. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=Cms4t0QcfRI>. Acesso em: 28 jun. 2019.
• HOLMES, A. F. A History of Philosophy – Lecture 65: John
Dewey. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=7knMB7YPVH4>. Acesso em: 24 jun. 2019.

3.3. QUESTÕES SOBRE ARTE E BELEZA

Ao abordarmos tanto o pensamento de George Santaya-


na quanto o de Arthur Danto, estavam presentes a importância
da arte e o desafio de tentar classificar o que seria essa produ-
ção cultural humana, e também, nos tempos atuais, o desafio
de classificar a arte contemporânea. Para alimentar essa discus-
são, convido você a analisar cinco produções sobre esse tema: a
primeira busca realizar uma definição da arte contemporânea; a
segunda, dividida em duas partes, aborda a dimensão interpre-
tativa necessária para o entendimento da arte contemporânea;
a terceira é uma produção sobre o filósofo inglês Roger Scruton
e uma crítica que esse filósofo realiza a respeito dessa arte; a
quarta fala. Por fim, a última sugestão, é um artigo em que se
apresenta a teoria de Hegel a respeito do fim da arte e que foi
utilizada por Arthur Danto para amparar suas reflexões.
• ARTIKIN. Arte contemporânea: Isso é arte? 2018.
Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=c7WAbSnINuQ>. Acesso em: 24 jun. 2019.
• McNABB, D. Del arte moderno al posmoderno. Parte
1. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=h9GAYj7rTj4>. Acesso em: 24 jun. 2019.

154 © FILOSOFIA NAS AMÉRICAS


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

• ______. Del arte moderno al posmoderno. Parte 2.


2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=yTMBiIk_vDU>. Acesso em: 24 jun. 2019.
• BBC SCOTLAND. Why beauty matters. 2009. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=bHw4MMEnmpc>. Acesso em: 24 jun. 2019.
• McNABB, D. Hegel y el arte. 2012. Disponível em: <htt-
ps://www.youtube.com/watch?v=RkAFdvuZdF4>.
Acesso em: 24 jun. 2019.
• SOUZA, R. S. SANTOS, R. Hegel e o “fim da arte”. Revista
Seminário de História da Arte, v. 1, n. 7, 2018. Dispo-
nível em: <https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.
php/Arte/article/download/>. Acesso em: 24 jun. 2019.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder às questões a seguir, você deverá revisar os conteú-
dos estudados para sanar as suas dúvidas.
1) (Enade – 2008) O pensamento pedagógico de Paulo Freire parte de alguns
princípios que marcam, de forma clara e objetiva, o seu modo de entender
o ato educativo. Considerando as características do pensamento desse au-
tor, analise as afirmações que se seguem.
I - Ensinar é um ato que envolve a reflexão sobre a própria prática.
II - Modificar a cultura originária é parte do processo educativo.
III - Superar a consciência ingênua é tarefa da ação educativa.
IV - Educar é um ato que acontece em todos os espaços da vida.
V - Educar é transmitir o conhecimento erudito e universalmente
reconhecido.
Estão de acordo com o pensamento de Paulo Freire APENAS as afirmações:

© FILOSOFIA NAS AMÉRICAS 155


UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

a) I e II.
b) II e V.
c) I, III e IV.
d) I, IV e V.
e) I, II, III e IV.

2) (UFPR – 2014) Dentre os pensadores da educação brasileira, Paulo Freire


se destaca por suas contribuições e reflexões ainda muito atuais. Sobre o
pensamento do autor, considere as seguintes afirmativas:
I - O método educacional mais eficaz e mais justo é, sem dúvida, aderir
à meritocracia.
II - Por mais importante que seja melhorar a educação para o futuro de
nosso país, ela não é uma panaceia, uma solução mágica para todos
os nossos males.
III - Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos algu-
ma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos
sempre.
IV - Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco
sem ela a sociedade muda.
Estão corretas com as ideias de Paulo Freire as afirmativas:
a) I apenas.
b) I e II apenas.
c) II e III apenas.
d) III e IV apenas.
e) II, III e IV apenas.

3) John Dewey, um célebre filósofo e educador norte-americano, considerou


que a aprendizagem deveria ocorrer, sobretudo:
a) Pela exploração do ambiente.
b) Pela resolução de problemas.
c) Pelo ato de escuta do professor.
d) Pelo acompanhamento da herança cultural da sociedade.
e) Pela dialética entre professor e aluno.

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UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Confira a afirmação de John Dewey:


“A educação não é preparação para a vida; a educação é a própria vida”.
A partir dela e dos conhecimentos adquiridos a respeito de John Dewey,
podemos afirmar que a educação experiencial proposta por esse pensa-
dor/educador é:
f) Uma filosofia educacional baseada na ideia de que a aprendizagem
ocorre por meio da experiência.
g) Um tipo de experimento científico.
h) Uma atitude que se caracteriza pela realização de reflexões diárias.
i) Uma experiência educacional em sala de aula.
j) Aquela que ocorre quando temos uma experiência significativa com
outras pessoas.

4) Segundo George Santayana, para termos uma experiência estética e nos


aproximarmos da beleza, é necessário que:
a) Realizemos uma análise racional do objeto.
b) Efetuemos comparações com avaliações lógicas.
c) Comparemos grandezas e estruturas.
d) Apreciemos subjetivamente o objeto.
e) Delineemos suas singularidades e expressões.

5) Ao definir a relação que temos com o objeto estético e a beleza como pra-
zer objetivado, podemos afirmar que, para George Santayana:
a) O prazer é intrínseco ao objeto.
b) Somente o objeto provoca o prazer.
c) Ocorre a objetificação do sujeito.
d) Se estabelece uma relação de troca entre sujeito e objeto.
e) Há uma experiência de prazer advinda do contato do sujeito com o
objeto.

6) (UFSC) “O que faz a diferença entre uma obra de arte e algo que não é uma
obra de arte quando não se tem nenhuma diferença perceptual interes-
sante entre elas?” Essa pergunta foi elaborada por Arthur Danto a partir
de uma exposição.

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UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Assinale a alternativa que apresenta CORRETAMENTE o nome da obra e do


artista que provocaram essa reflexão.
a) Fonte, de Marcel Duchamp.
b) Ferro vermelho, de Man Ray.
c) Spiral jet, de Robert Smithson.
d) Cama, de Rauschenberg.
e) Brillo Box, de Andy Warhol.

7) Da proposta filosófica de Arthur Danto a respeito da arte é possível afirmar que:


a) Por meio da arte contemporânea, ocorreria a manifestação das ambi-
guidades e o surgimento da liberdade.
b) Sempre se caracteriza pela apresentação de narrativas, quer seja no
passado, quer seja no presente.
c) Como Hegel, Danto estabeleceu o fim da arte.
d) Com Van Gogh e Gauguin há a apresentação de novas narrativas.
e) Ora ela se apresentou enquanto narrativa hegemônica como mimesis
(aspectos visuais), ora como abstração (aspectos formais).

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c.
2) d.
3) b.
4) a.
5) d.
6) e.
7) e.
8) a.

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UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

5. CONSIDERAÇÕES
Encerramos nossa quarta e última unidade. Por meio dela,
procuramos apresentar a você elementos para discussão a res-
peito dos caminhos a serem seguidos para que tenhamos uma
educação de qualidade e de como lidar com algumas das pos-
sibilidades da arte contemporânea. Melhor que optar por esta
ou aquela proposta, convidamos você a aventar a possibilidade
de que as respostas apresentadas não esgotam as questões que
buscam resolver e que cada uma delas, a partir de uma faceta fi-
losófica específica, busca dar uma resposta a partir dessa mesma
faceta. Seu desafio é se munir dessas respostas e fazer uso delas
para problematizar as questões com as quais lidará a respeito
desses e outros temas.

6. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Paulo Freire. Disponível em: <http://www.historiadocinemabrasileiro.com.
br/paulo-freire/>. Acesso em: 25 jun. 2018.
Figura 2 Gráfico da concepção do papel da escola na sociedade, segundo
Dewey. Adaptado da imagem disponível em: <https://4h.tennessee.edu/Pages/
experientiallearning.aspx>. Acesso em: 24 jun. 2019.
Figura 3 George Santayana. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/George_
Santayana#/media/File:George_Santayana.jpg>. Acesso em: 24 jun. 2019.
Figura 4 Arthur Danto. Disponível em: <https://alchetron.com/Arthur-Danto>. Acesso
em: 24 jun. 2019.
Figura 5 Brillo Box, de Andy Warhol. Disponível em: <https://akronartmuseum.org/
collection/Obj2368?sid=1&x=59897&port=205>. Acesso em: 24 jun. 2019.

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UNIDADE 4 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E ESTÉTICA NAS AMÉRICAS

Sites consultados
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em: <https://plato.stanford.edu/entries/art-definition/>. Acesso em: 28 jun. 2019.
ARCHIE, L.; ARCHIE, J. G. Readings in the History of Aesthetics – an open-source reader.
2006. Disponível em: <philosophy.lander.edu/intro/artbook.pdf>. Acesso em: 24 jun.
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DANTO, A. The artworld. The Journal of Philosophy, v. 61, n. 19, p. 571-584, 1964.
Disponível em: <https://is.muni.cz/el/1421/jaro2014/IM088/Danto__1_.pdf>. Acesso
em: 24 jun. 2019.
DEWEY, J. My pedagogic creed. School Journal, v. 54, p. 77-80, jan. 1897. Disponível
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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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