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POR DENTRO DA MAÇÃ: CONGESTÃO, DENSIDADE, FLUXOS E

HIPERATIVIDADE EM NOVA IORQUE


INSIDE THE APPLE: CONGESTION, DENSITY, FLOWS AND HYPERACTIVITY IN NEW YORK

POR DENTRO DE LA MANZANA: CONGESTIÓN, DENSIDAD, FLUJOS E HIPERACTIVIDAD


EN NUEVA YORK

EIXO TEMÁTICO: PROJETOS, POLÍTICAS E PRÁTICAS

SOUSA, Nilberto Gomes de


Doutorando; PPGAU-UFRN
metropolis.nilberto@gmail.com
RESUMO
Buscando compreender a cidade adensada, utilizamos o conceito de congestão (KOOLHAAS,
2008), numa pesquisa em curso, para identificar em Manhattan os atributos morfológicos que
possam contribuir para a constituição de ambientes urbanos hiperativos para, posteriormente,
elaborar um conceito de hiperatividade urbana aplicável aos centros urbanos do capitalismo
avançado. Apresentamos alguns passos desse desafio onde percorremos a medição da
densidade fisica observando suas relações com a vitalidade urbana, com redes e fluxos, até
chegarmos às investigações que tentam capturar os movimentos cumulativos que vão às ruas
simultânea e cotidianamente. Os resultados nos permitem descrever a morfologia da congestão,
relacioná-la aos fluxos existentes e sopesar seus efeitos na constituição de ambientes urbanos
hiperativos. Reconhecendo na congestão os reflexos da enérgica busca da vitalidade orientada
por Jacobs (2000), indagamos se essa poderá levar os grandes centros urbanos à saturação.

Palavras-chave: congestão. cidade. arquitetura. vitalidade. hiperatividade.

ABSTRACT
By trying to understand the dense city, we use the concept of congestion ( Koolhaas, 2008 ), in a
research being carried out, in order to identify in Manhattan the morphological attributes that
may contribute for hyperactive urban environments and then after that, create a concept of
urban hyperactivity suitable for urban centers from advanced capitalism. We present you some
steps of this challenge where we start from the measure of density, watching its relationships
with urban vitality, with networks and flows until we come to investigations that try to obtain
the cumulative movements that simultaneously and daily go to the streets. The results enables
us to describe the morphology of congestion, relate them to the living flows and watch its effects
in the constitution of hyperactive urban environments. By recognizing from congestion the
reflexes of the energetic search for oriented vitality Jacobs (2000), we raise the a question if this
may lead huge urban centers to saturation.

Keywords: congestion. urban morphology. city. vitality. hyperactivity.

RESUMEN
Intentando entender a la ciudad densa, usamos el término congestión (KOOLHAAS, 2008), en
una investigación en desarrollo, para identificar en Manhattan los atributos morfológicos que
puedan contribuir para la constitución de ambientes urbanos hiperactivos para que,
posteriormente se elabore un concepto de hiperactividad urbana que se aplique a los centros
urbanos del capitalismo avanzado. Presentamos algunos pasos de ese desafío donde recorremos
la medición de la densidad física observando sus relaciones con la vitalidad urbana, con redes y
flujos, hasta que lleguemos a las investigaciones que intentan capturar los movimientos
acumulativos que van a las calles simultánea y cotidianamente. Los resultados nos permiten
describir la morfología de la congestión, relacionarla a los flujos y sopesar sus efectos en la
constitución de ambientes urbanos hiperactivos. Reconociendo en la congestión los reflejos de
la enérgica búsqueda de la vitalidad orientada por Jacobs (2000), indagamos si esa podrá llevar
los grandes centros urbanos a la saturación.

Palabras-clave: congestión, ciudad, arquitectura, vitalidad, hiperactividad.

Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo


INTRODUÇÃO

O objetivo da pesquisa que realizamos1, cujos resultados iniciais refletirmos aqui, busca
identificar, na morfologia da congestão presente em Manhattan, os atributos que possam
contribuir para a constituição de ambientes urbanos hiperativos e, posteriormente, elaborar um
conceito de hiperatividade urbana aplicado aos centros urbanos do capitalismo avançado. Com
esse intuito, utilizamos quatro variáveis: a área considerada (área da quadra); a área total
construída; a área de ocupação no solo e a altura da edificação para calcular os seguintes
indicadores: o índice de construção (IC); o Índice de Forma Urbana (IFU); o índice de ocupação
do solo (IOS) e a espacialidade (ESP), com os quais medimos a densidade nos distritos do
Theathe, East Midtown, Greenwich Village e Lower Manhattan. Apresentamos esses resultados
e os relacionamos aos fluxos populacionais e às corridas de táxi na Ilha.

Para compreender a relação entre a morfologia da congestão, as suas medidas de densidade e


os fluxos, objetivando identificar os sintomas de hiperatividade urbana, é importante explorar
o conceito de congestão (KOOLHAAS, 2008), de vitalidade urbana (JACOBS, 2000), medir a
densidade construtiva usando modelos matemáticos (BERGHAUSER PONT; HAUPT, 2009;
BARTHELEMY, 2016) e explorar as novas lentes de observação da cidade, os dados
disponibilizados pelas tecnologias de comunicação e informação, crowdsourcing ou big data
(GEYH, 2009; BATTY, 2017), que possibilitam a análise da dinâmica da cidade contemporânea e
da heterogeneidade de seus fluxos.
Ao fim, podemos aventar que a morfologia da congestão atrai fluxos mais pujantes que as
regiões descongestionadas. Assim, defendemos que a interação em níveis diversas do binário
morfologia-fluxos contribui decisivamente para a constituição dos ambientes urbanos
hiperativos.

CONGESTÃO, VITALIDADE E FLUXOS


A cidade contemporânea exibe, segundo Koolhaas (2008), uma exacerbada concentração de
modos de vida, de crenças e de funções e usos heteróclitos em um espaço reduzido, que
distinguem e caracterizam a paisagem urbana. Um fenômeno que encerra a “cultura da
congestão”. No manifesto retroativo para Nova Iorque, Koolhaas (2008) coloca a cultura da
congestão como o grande desafio das metrópoles contemporâneas.

Essa concentração, aponta o autor, guarda uma forte relação com a singular estrutura urbana
de Manhattan, onde dois elementos, as quadras retangulares e os edifícios, alavancam a
congestão. As quadras são ilhas de um arquipélago em constante mutação. Essa quadrícula
regular, embora planejada, não impediu o desenvolvimento de uma infinita e complexa
sobreposição de atividades humanas (MARTIN, 2000). Esse poder de mutação da quadra,
segundo Koolhaas (2008), deriva da autonomia de sua organização exterior resguardada da
variação das configurações internas, da mixagem de camadas de usos e da autorreferência da
quadra ao monumento, cada uma delas reproduzindo um universo numa casca de noz,
independente e metamórfico. Por seu turno, os arranha-céus, potencializam a congestão. Seus
arranha-céus, expressão icônica da congestão, são como uma “cidade dentro da cidade”.
Acolhem usos múltiplos, flexíveis e mutáveis e são “nutridos” por uma complexa infraestrutura
(KOOLHAAS, 2008). Assim Koolhaas lança as bases de um planejamento em sintonia com uma

1 Agradeço ao professor Márcio Moraes Valença pelas orientações, críticas e sugestões.

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sociedade moderna, moldada pela velocidade, a flexibilidade e a mutação. Podemos associar à
cultura da congestão um crescente congestionamento de redes urbanas, físicas ou etéreas,
sobrepostas em camadas ou viajando pelos ares por onde escoam fluxos de pessoas,
mercadorias, serviços e informações (GRAHAM; MARVIN, 2001).

No entanto, se Koolhaas (2008) busca, por meio do seu manifesto retroativo, explicitar a
“cultura da congestão” e descrever seus edifícios icônicos, ele não se preocupou em quantificar
os atributos morfológicos da congestão. Nossa iniciativa de medir a densidade busca preencher
essa lacuna, de maneira a examinar o que significa o mix morfológico de densidade construída,
de usos do solo e das edificações e de fluxos abrigados na “cultura da congestão”, objetivando
avaliar a congestão como uma das condicionantes necessárias à hiperatividade urbana.

Esse mix morfológico nos remete ao conceito de vitalidade apregoado por Jacobs (2000). A
autora, ao formular o conceito de vitalidade urbana, asssocia a vitalidade à condição de
caminhabilidade e à segurança, essa, efeito colateral da constante circulação de pessoas na
vizinhança, em períodos diferentes do dia indo e vindo ao ritmo das suas múltiplas atividades.
Essa presença contínua de pessoas e atividades várias é considerada pela autora com um signo
fundamental da vitalidade, sendo a sua variação de intensidade e duração no tempo um traço
central na avaliação da vitalidade do local investigado. No contexto da vitalidade não existem
pausas, pequenas ou grandes. A cidade adormecida não é recomendada, essa cidade vital
almeja a eterna vigília. Para Jacobs (2000), vitalidade e diversidade andariam a par e passo. A
diversidade é por ela entendida como a variedade da forma edificada e da distribuição de
atividades, deveria responder a quatro requisitos: a mistura de usos, a presença de edificações
de diferentes períodos, o número de cruzamentos entre ruas e a densidade urbana. Requisitos
primordiais e complementares. Diante desse quadro, é importante se considerar a
heterogeneidade de fluxos que resultam do mix morfológico que compreende o traçado, os
usos, as formas construídas e as atividades existentes no local.

O mix morfológico, em seus inúmeros componentes e camadas, aponta para os sistemas


complexos. Os sistemas complexos, explicados de maneira simples, são sistemas compostos por
um grande número de agentes interagentes que exibem comportamentos emergentes não
banais e auto-organizados. Nesse sentido, distintos pensadores percebem a cidade como a
invenção humana mais refinada e complexa, alimentada por uma surpreendente contradição
onde infinitesimais atitudes inconscientes e espontâneas, num movimento global de escala,
podem resultar em grandes efeitos (LÉVI-STRAUSS, 1955); como palco de uma constante
simultaneidade de acontecimentos, onde as comunicações se aproximam da instantaneidade,
se avolumam a ponto de se congestionarem (LEFEBVRE, 1991 [1968]); como uma totalidade
complexa resultante do somatório de atividades, formas diversas e práticas sociais possíveis de
se perceber, mas onde encontramos variáveis que não revelam suas leis fundamentais
(KOHLSDORF, 1996); como “nós de atividades humanas” e suas interconexões que têm sido
tratadas como um problema matemático, ou seja, redes urbanas com alto grau de complexidade
que desempenham papel determinante no ambiente construído, sendo a cidade um “sistema
complexo por excelência” (SALINGAROS, 2005).

Esse reconhecimento de uma incontornável e crescente complexidade configura um novo


contexto que coloca os meios de análise correntes em xeque, forçando o constante
desenvolvimento de ferramentas para a exploração e a compreensão da cidade. Essas tentativas

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necessitam, para investigação da cidade, de abordagens que adotem múltiplos métodos e
ferramentas e que podem ir além do meramente morfológico (PANERAI, 2006).

Na tentativa de evitar esse xeque-mate, recentes abordagens enfrentam os desafios dessa


“complexcidade” apoiadas nos GIS data, propondo-se a discutir os abrangentes mecanismos
que regem a formação e o crescimento das cidades. Segundo Barthelemy (2016), essas novas
abordagens, intituladas de ciência das cidades, pretendem revelar como as cidades crescem,
fornecendo o apoio científico para os processos de planejamento. O autor defende, para atingir
esse objetivo, o uso de modelos orientados por ideias da física estatística de sistemas
complexos, modelados segundo condicionantes que os mantenham de acordo com as
observações empíricas (BARTHELEMY, 2016, p. 247).

Por seu lado, Batty (2017), se utiliza de métodos e técnicas quantitativas para dimensionar como
os fenômenos sociais se manifestam em nossas cidades. The new science of cities (BATTY, 2017),
tem como objetivo revelar como as cidades crescem e funcionam para antecipar as suas
necessidades de infraestrutura, saúde, concentração, dispersão, entre outras, em função do
crescimento da sua população. O “segredo” dessa estratégia é a extração de dados originários
de fatos universais que vão além dos aspectos geográficos ou históricos da cidade
(BARTEHLEMY, 2016, p. 2).

Nessa busca, Batty (2017), dispensa especial atenção às decorrências do crescimento


populacional sobre marcadores como a abundância de categorias de negócios, redes viárias,
poluição, mobilidades, demanda de infraestrutura e ambiente construído. Além da população,
Batty (2017) recorre aos diversos fluxos – pessoas, mercadorias, informações – como
marcadores determinantes para a compreensão das cidades. Batty (p. 1) sugere que, por meio
de GIS datas, se busque ultrapassar a camada superficial para revelar os fundamentos de como
a cidade funciona. Assim, devemos ir além dos artefatos edificados ao encontro dos sistemas
construídos que nos ajudariam a enxergar a cidade como organismo mais do que como uma
máquina.

Dando sentido aos sistemas construídos, está a afirmação de que “a cidade é mais do que um
lugar no espaço, é um drama no tempo” (BATTY, 2017 apud GEDDES, 1905). Para Batty (2017),
isso significa dizer que o lugar por si só, em certa medida, não é suficiente para revelar como
funcionam as cidades. As cidades mudam e essas mudanças significam movimento através do
espaço. Em outras palavras, o tempo do “drama” é composto de fluxos entre lugares que
constituem redes urbanas complexas ou um “sistema complexo” que cresce de maneira
escalonada, onde conjuntos como a população e fluxos diversos têm papel importante (BATTY,
2017). Nesse sentido, o argumento central do autor é que, para entendermos os lugares,
devemos entender os fluxos e, consequentemente, para abarcar os fluxos, devemos
compreender as redes (BATTY, 2013, p. 1). Em suma, as redes contínuas sugerem relações entre
pessoas e lugares, como apontam os “nós de atividades humanas” (SALINGAROS, 2005). Nesse
contexto entabulamos a tarefa de medir a densidade da congestão novaiorquina em buscas das
suas relações com a constituição de ambientes urbanos hiperativos.

MEDINDO A MAÇÃ
Com o objetivo de contribuir com a diminuição do vácuo existente em relação à morfologia da
congestão, buscamos, por meio das medições da densidade física, descrever a morfologia de
quatro áreas na ilha de Manhattan, em Nova Iorque. As áreas selecionadas são distritos icônicos
da Ilha. No distrito do Midtown, elegemos os subdistritos do Theather e do East Midtown. Na

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parte sul, o distrito do Lower Manhattan. Entre essas áreas, o Greenwich Village entra como
contraponto aos primeiros.

Antes de avançarmos, devemos pontuar que o entendimento comum de densidade se refere


apenas à concentração de “coisas” em uma determinada área (BOYKO, 2014). Na sua
conceituação, Haughley (2005) considera que a densidade não se refere somente a edifícios
altos, mas depende do contexto no qual é usada e do contexto ao qual se refere. Para Rapoport
(1975), a densidade é um valor que representa a relação entre um “numerador” e um
“denominador”. No urbanismo, é frequentemente usada para descrever uma área urbana em
relação a certo número de elementos que nela colocamos. Esses elementos, os numeradores,
podem ser: habitantes, residências, famílias, usos, serviços, área construída, enquanto os
denominadores para medidas de densidade são unidades de área (ALEXANDER; REED; MURPHY,
1988; BERGHAUSER PONT; HAUPT, 2009).

Podemos perceber que existe uma falta de consenso em relação ao conceito. Portanto, na falta
de um conceito único as medições das densidades buscam uma solução “à la carte”. Por outro
lado, as medidas “tradicionais” têm sua eficácia contestada, pois são profundamente marcadas
por um caráter programático e estatístico. Esse desvio as torna impróprias como instrumento
de exposição e descrição das propriedades fundamentais da morfologia urbana, argumentam
Berghauser e Haup (2009, p. 71). Esses autores buscam desenvolver uma definição de densidade
que diminua a confusão que cerca o conceito, tornando-o produtivo no projeto, no
planejamento e na pesquisa. Nesse sentido, propõem um conceito múltiplo capaz de responder
aos constantes desafios enfrentados na lida com o urbano. Concentrados na densidade física,
buscam relacionar a densidade à forma urbana e suas diferentes “performances”. Essas
performances são por eles entendidas como a capacidade do ambiente construído de produzir
diferentes configurações em função da densidade, cujos resultados podem ser vistos nos
variados fluxos, nos espaços livres e na tipologia edificada existente ou potencial.

Para atingir seus objetivos, propõem um conjunto de medidas com as quais montamos nosso
“menu”: o índice de construção (IC); o índice de ocupação do solo (IOS), medidas quantitativas,
e a espacialidade (ESP), medida qualitativa (BERGHAUSER PONT; HAUPT, 2009). A essas medidas
juntamos o Índice de Forma Urbana (IFU) proposto por Maignant (2004) (Quadro XX). Assim
consideramos, como sugerem os autores, ser mais vantajoso combinar diversas medidas em um
conceito “multivariáveis” de densidade para tentar uma leitura da sua morfologia com o
propósito não de avaliar suas “performances”, mas de relacionar a congestão à constituição de
ambientes urbanos hiperativos. São quatro as variáveis necessárias para o cálculo desses
indicadores: a área considerada (área da quadra); a área total construída; a área de ocupação
no solo e a altura da edificação.

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INDICADOR DA FORMA URBANA
Gilles Maignant
Índice de Forma 𝐈𝐅𝐔 = 𝐡𝟐 /𝐒 Mostra que quanto maior o índice,
qualitativa

Urbana (IFU) mais verticalmente adensada é a


Medida

h = altura da edificação cidade ou a fração estudada.


S = área no térreo Varia entre zero e infinito [0; ∞]

INDICADORES FUNDAMENTAIS
BerghauserPont e Haupt
Intensidade 𝐈𝐂𝐱 = 𝐀𝐜 /𝐀 𝐱 Mostra quantidade de área total
Construída (IC) construída (m²) – massa construída –
(Coeficiente de A = área total construída não importando o uso ou programa
Aproveitamento) A = área agregada x (m²) para qualquer escala lote, quadra ou
X = áreas agregadas bairro.
Lote (I) Que representa o Coeficiente de
Quadra (i) aproveitamento do lote.
Fração do tecido (f)
Bairro (distrito) (d)
Medidas quantitativa

Índice de Ocupação 𝐈𝐎𝐒𝐱 = 𝐒𝐱 /𝐀 𝐱 Mostra a relação entre área ocupada


(IOS) e área livre no solo para qualquer
S = área edificada no térreo escala lote, quadra ou bairro.
𝐴 = área agregada x (m²)
Lote (I)
Quadra (i)
Fração do tecido (f)
Bairro (distrito) (d)
INDICADOR DERIVADO
BerghauserPont e Haupt
Espacialidade (ESP) Mostra a quantidade de espaço livre
qualitativa

no solo em relação à área total


Medida

ESP = (1- 𝐈𝐎𝐒𝐱 )/ 𝐈𝐂𝐱


construída (m²) – massa construída.
Aponta a “compressão” da área
construída sobre o espaço livre.
Quadro 1: Medidas de densidade e forma urbana. Fonte: Elaborado pelo autor.

As variáveis necessárias para as medições foram colhidas nos bancos de dados abertos da cidade
de Nova Iorque. A área do lote e a área total construída vêm do New York City’s Zoning & Land
Use Map2. A área de ocupação no solo e a altura da edificação são oriundos do NYC open Data3.
Os dados foram organizados em planilhas, nas quais os quatro índices são calculados para futura
produção de gráficos. Apresentamos a seguir os resultados calculados para as quadras e por
área investigada. Em algumas áreas encontramos uma mesma numeração para duas ou mais
quadras. Por esse motivo, acrescentamos ao número da quadra, para diferenciá-las, os sufixos
“A” e “B”.
Os resultados são apesentados com a utilização do esquema dos cinco números, diagrama
conhecido como box plot (gráfico-caixa). Esse gráfico descreve várias características dos dados:
Centro, dispersão, simetria e valores atípicos. O boxplot exibe a tendência central não
paramétrica (mediana); a média que representa o “centro de massa” dos dados (ponto de
equilíbrio no histograma) e pode ser afetada fortemente por valores extremos; a dispersão
(valores entre 𝑸𝟏 quartil 25% e 𝑸𝟏 quartil 75%); a forma de distribuição ou simetria da amostra
(valores pontuais mínimo e máximo) e valores atípicos (discrepantes) e extremos. Partindo de

2 Disponível em: https://zola.planning.nyc.gov Acesso em: 12 set. 2018.


3 Disponível em: https://data.cityofnewyork.us Acesso em: 12 set. 2018.

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um box plot com disposição vertical, têm-se as seguintes informações (Figura 1) (LARSON e
FARBER, 2004).

Figura 1: Elenco de informações do box plot. Fonte: Larson e Farber (2004).

O índice de construção, que representa o potencial construtivo da quadra, está representado


no Gráfico 1. Nele, podemos observar que os maiores valores médios desse índice se encontram
no East Midtown, Theather e Lower Manhattan, respectivamente. O Greenwich Village revelou
o menor valor médio. O Lower Manhattan apresenta o menor valor mínimo, o maior máximo e
a maior dispersão. O Theather apresenta o maior número de valores discrepantes. Podemos
destacar a mediana acima da marca do 15 e o valor máximo do índice no Lower Manhattan
próximo dos 35 como indício de um forte IC.

Gráfico 1: Índice de Construção por distrito. Fonte: Elaborado pelo autor.

O Gráfico 2 apresenta o comportamento para o índice forma urbana que expressa o quanto é
vertical o conjunto edificado em cada uma das quadras. Nele, percebemos que o East Midtown
apresenta o maior valor médio e o Greenwich Village o menor valor médio. Para esse índice o
East Midtown apresenta o maior valor máximo e o Lower Manhattan o menor mínimo. A maior
quantidade de pontos discrepantes acima do valor máximo está no Theather, e encontramos
valores discrepantes abaixo do valor mínimo no East Midtown. A maior dispersão pertence ao
Lower Manhattan. O Gráfico 2 nos consente observar que, embora com índice de construção
ligeiramente maior que o Theather, o East Midtown é bem mais verticalizado que aquele. Os
resultados confirmam a “baixa estatura” do Greenwich Village.

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Gráfico 2: Índice de Forma Urbana por distrito. Fonte: Elaborado pelo autor.

Os resultados do índice de ocupação, que representa a área edificada no térreo dividida pela
área do lote, apresentados no Gráfico 3, mostram que o Theather, o East Midtown e o
Greenwich Village apresentaram os maiores valores médios. O resultado é coerente com os
resultados do índice de construção dessas áreas, ou seja, altos índices de construção solicitam
maior ocupação dos lotes. Diferentemente de outros índices, há, para a ocupação, um certo
equilíbrio em relação aos pontos médios. Os pontos discrepantes são mais numerosos no Lower
Manhattan e se concentram abaixo do valor mínimo.
Os valores de ocupação apresentam uma “anomalia” quando se posicionam acima do valor 1,0,
ou seja, com mais de 100% da área do lote ocupada. Essa distorção é decorrente de erros na
base de dados. Nela, encontramos áreas de ocupação maior do que a área do lote. Isso resulta
em valores de ocupação acima de 1,0. Os valores discrepantes abaixo do valor mínimo no Lower
Manhattan podem ser explicados pela existência de quadras com espaço livre significativo que,
veremos, refletirão no gráfico da espacialidade.

Gráfico 3: Índice de Ocupação do Solo por distrito. Fonte: Elaborado pelo autor.

O índice de espacialidade representa a “compressão” da área construída sobre a área livre da


quadra. Vemos no Gráfico 4 que o Greenwich Village apresenta o maior valor médio, enquanto
os demais distritos revelaram os menores valores médios. No Lower Manhattan o maior número
de discrepâncias se justifica pela presença de quadras com grandes áreas livres. Os valores
negativos da espacialidade são decorrentes das “anomalias” apontadas na ocupação.

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Gráfico 4: Índice de Espacialidade por distrito. Fonte: Elaborado pelo autor.

Analisando o Gráfico 4.1, referente à espacialidade, com a retirada das discrepâncias, é possível
observar que o Greenwich Village revelou a maior espacialidade média e os valores mais altos e
o mais baixo de espacialidade quando comparado aos demais distritos. Observamos que os
dados da espacialidade apresentaram comportamento homogêneo, exceto para o Greenwich
Village. O Greenwich é seguido do Lower Manhattan, que também apresentou valores
ligeiramente mais elevados comparado ao Theather e ao East Midtown.
.

Gráfico 4.1: Espacialidade por distrito (sem discrepâncias). Fonte: Elaborado pelo autor.

DA CONGESTÃO À HIPERATIVIDADE

As medições da densidade apresentadas nos permitem descrever características morfológicas


da congestão. No entanto, enxergar “além do meramente morfológico”, significa aqui, auscultar
os sinais da “simultaneidade de acontecimentos”, do sistema complexo que delineia o
somatório aleatório de atividades, formas e práticas sociais abundantes e identificáveis e da
miríade de “nós de atividades humanas” na complexa cidade do século XXI.

No intuito de identificar nas áreas investigadas de Manhattan os ambientes de congestão e os


sinais da hiperatividade urbana, apresentamos o resultado de dois trabalhos que investigaram

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o comportamento da dinâmica populacional e das corridas de táxi, variáveis interagentes, em
Nova Iorque.

Consideramos essas variáveis interagentes como sinais característicos das situações de


congestão. Entendemos igualmente que essas variantes interagentes, no caso da população e
do uso dos táxis, não constituem dados intrínsecos aos elementos urbanos constituintes da
morfologia – traçado, forma edificada e usos do solo e dos edifícios –, ou seja, não estão
fisicamente “coladas” a esses elementos. Ao contrário, não podemos “descolar”, por exemplo,
a área total construída ou a ocupação do solo das suas respectivas edificações. O fluxo de
pessoas e automóveis se utiliza do traçado urbano, das edificações e das redes de transporte,
mas não pertence fisicamente a essas. Existe entre esses componentes urbanos uma capacidade
de recombinação e articulação espacial que resulta em uma combinação relativamente estável.
Assim sendo, consideramos essas variáveis interagentes como sintomas epimorfológicos da
hiperatividade. Epi é o prefixo, de origem grega, que exprime a ideia de por cima de, sobre, por
fora de. Os sintomas epimorfológicos e a morfologia estão em constante simbiose no sentido
de possuírem uma associação íntima.

O primeiro aborda a questão de como a população de Manhattan é distribuída hora após hora,
distrito por distrito, e nos interessa particularmente como sinal de hiperatividade urbana. A
imagem que apresentamos a seguir é um quadro do modelo da dinâmica da população em
Manhattan, em cada quadra e hora após hora, durante uma semana de primavera. As
estimativas populacionais resultam de uma combinação de dados do UsCensusBureau4 e de uma
dispersão geográfica de entradas e saídas líquidas calculadas para estações de metrô,
normalizadas5 para corresponder às estimativas diurnas e noturnas da população fornecidas
pelo estudo da NYU Wagner6.

Além de ser o bairro mais denso dos EUA, Manhattan também reivindica ter a maior variação
de população diurna/noturna do país, 1,6 milhões de pessoas durante o dia e 2 milhões à noite.
Os 25% adicionais representam uma mistura de trabalhadores e visitantes. Nesse cenário, algum
dia, por volta das 14h, na quarta-feira, os dados expõem a Manhattan mais populosa e agitada.
O estudo da NYU Wagner fornece um limite superior de cerca de quatro milhões de pessoas, o
que configura um aumento de duas vezes em comparação com a população noturna. A Figura 1
mostra Manhattan no seu pico populacional estimado mais alto, onde as quadras mais
populosas se localizam no Midtown e no Lower Manhattan

4
US Census Bureau. Agência do governo norte-americano, principal responsável fornecimento de dados pessoais e
economia.
5
A normalidade é uma característica dos dados em que a maioria (a maior frequência) dos valores coletados estão
próximos do valor médio do conjunto de dados. Quando os dados são normais, é possível fazer análises paramétricas,
ou seja, podemos realizar testes clássicos. Quando os dados não são normais, eles devem ser normalizados para que
as análises paramétricas sejam possíveis.
6
The Dynamic Population of Manhattan. Estudo realizado por Mitchell L. Moss e Carson Qing no Rudin Center for
Transportation Policy and Management, da Wagner School of Public Service New York University – NYU Wagner, em
março de 2012. Disponível em: https://wagner.nyu.edu/files/rudincenter/dynamic_pop_manhattan Acesso em: 08
ago. 2017.

Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo


Figura 2: Pico populacional em Nova Iorque. Fonte: https://manpopex.us. Acesso em: 13 ago. 2017

O estudo sobre o cotidiano dos táxis em Nova Iorque foi produzido a partir dos dados liberados
pela Comissão de Táxis e Limosines de New York (TLC) relativos às viagens de táxi
georreferenciadas entre janeiro de 2009 a junho de 2016. Chris Whong produziu uma
visualização a qual chamou de NYC Taxis: A Day in the Life7. A partir dos dados disponibilizados,
Ravi Shekhar8 produziu um mapa que ilumina os pontos iniciais das corridas (Figura 3).

Figura 3: Início das corridas de táxi em Nova Iorque. Fonte: https://towardsdatascience.com/if-taxi-trips-were-fireflies


Acesso em: 25 out. 2018.

7
Disponível em: http://chriswhong.github.io/nyctaxi/ Acesso em:19 maio 2018.
8
Disponível em: https://towardsdatascience.com/if-taxi-trips-were-fireflies-1-3-billion-nyc-taxi-trips-
plotted-b34e89f96cfa Acesso em: 5 mar. 2020.

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REFLEXÕES FINAIS

Para leitura desses resultados devemos ter em mente, além das medições da densidade –
atributos morfológicos –, a diversidade de usos das edificações9, a importância do aumento
populacional, segundo Batty (2017), variável interagente capital para compreensão da cidade, e
o seu postulado de que sozinho, em certa medida, o lugar, entenda-se os seus atributos
morfológicos, não pode revelar como funcionam as cidades e que para entendê-los devemos
compreender as redes e os fluxos. Portanto, também estaremos atentos aos fluxos.

Percebemos nas duas últimas figuras que nas áreas do Theather, East Midtown e Lower
Manhattan, o pico populacional e as corridas de táxi são bastante elevados em relação ao
restante da Ilha. O pico populacional incendeia os distritos em questão e com os táxis eles
brilham como um farol. Como vimos anteriormente, esses distritos apresentam altos “índices
de construção” e de “Forma Urbana” aliados a uma forte “ocupação” e uma fraca
“espacialidade”, nos permitindo deduzir que essa morfologia permite nas suas trocas
simbióticas um crescimento diferencial dos sinais de atividades, significativamente superior, às
demais áreas, portanto, um ambiente de hiperatividade urbana.

A intensidade dos fluxos apresentados nos permite aventar que a morfologia da congestão,
fortemente adensada, verticalizada e caracterizada por uma profusão de usos, atrai fluxos mais
pujantes que as regiões não congestionadas. Desse modo, defendemos que a interação em
camadas diversas do binário morfologia e fluxos contribui decisivamente para a constituição dos
ambientes urbanos hiperativos.

Por fim, sobre os sintomas da hiperatividade urbana que vislumbramos em Manhattan


indagamos: Considerando que os distritos do Theather, East Midtown e Lower Manhattan são
intencionalmente adensados, seus usos mixados e, supondo que o caleidoscópio de “nós de
atividades” humanas são bem-vindos, o quanto o “fármaco” prescrito por Jacobs (2000),
largamente adotado nas últimas décadas, poderá produzir uma passagem da hiperatividade
urbana à saturação dos grandes centros?

REFERÊNCIAS

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Essa diversidade de usos pode ser verificada no NYC Zoning Plan, o qual apresenta os usos principais que
correspondem aos distritos residencial, comercial e manufatureiro. Em cada um desses distritos podem ser admitidos,
além do uso principal, os usos residencial, comercial e varejo, serviços gerais e manufaturas. Por sua vez, esses usos
são subdivididos em 18 subgrupos.

Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo


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Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo

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