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AUDITORIA DE SEGURANÇA

DE MULHERES

1
SUMÁRIO
INSTITUIÇÕES 3

APRESENTAÇÃO 4
PARTICIPANTES 5
MEDIADORAS 5
ÁREA DE ESTUDO 5
FASES 6
A. RODA DE CONVERSA INICIAL 6
B. AUDITORIA 6
C. RODA DE CONVERSA FINAL 6

AUDITORIA DE SEGURANÇA DE MULHERES NO CONFISCO 7


MOTIVAÇÃO 8
ZONA 30 8

PERCURSO 1: ZONA RESIDENCIAL À NOROESTE DA ESCOLA MUNICIPAL ANNE FRANK 10

PERCURSO 2: PRAÇA DO CONFISCO 12

PERCURSO 3: ÁREA RESIDENCIAL À LESTE DA ESCOLA MUNICIPAL ANNE FRANK 14

PERCURSO 4: ÁREA RESIDENCIAL AO SUL DA ESCOLA MUNICIPAL ANNE FRANK 17

PERCURSO 5: O BAIRRO CONFISCO NO PONTO DE VISTA DA MULHER CICLISTA 19

RODA DE CONVERSA FINAL: RECOMENDAÇÕES 21

RESUMO 25

2
O programa Local Pathways Fellowship, iniciativa da UN
Sustainable Development Solutions Network, apoia o
desenvolvimento de projetos de sustentabilidade urbana em
cidades ao redor do mundo.

O Movimento Nossa BH é um coletivo cujo objetivo é construir


uma cidade mais justa e sustentável, com a definição clara de
suas metas para a gestão pública e participação efetiva da
sociedade civil.

A BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo


Horizonte – é uma instituição sem fins lucrativos, formada por
cidadãos que optaram pela bicicleta e defendem o direito desse
meio de transporte transitar pelas vias da capital como qualquer
outro veículo.

A BHTrans, Empresa de transportes e Trânsito de Belo Horizonte,


é responsável pelo planejamento da mobilidade urbana em
consonância com as diretrizes gerais do planejamento urbano do
município.

Este relatório foi escrito por Letícia Pinheiro Rizério Carmo (Local Pathways Fellowship), em
colaboração com Helena Carvalho Coelho e Amanda Cristine Alves Corradi (BH em Ciclo); Letícia
Birchal Domingues e Luana Silva Costa (Nossa BH).

Fotos: Denise dos Santos

3
A Auditoria de Segurança de Mulheres
(ASMs) é uma metodologia participativa
destinada a: (1) fornecer informações
 Recomendações concretas
detalhadas sobre questões relacionadas à
para melhorar a segurança
segurança das mulheres dentro de um
determinado espaço; (2) gerar
recomendações para melhorias e (3)  Informações detalhadas
capacitar mulheres para trabalhar com o sobre os fatores que
poder decisório local para uma mudança aumentam ou diminuem a
positiva na comunidade. segurança das mulheres
Ela foi primeiramente desenvolvida no
Canadá e, em seguida, adaptada e  Compreensão das diferentes
aprimorada pela ONU-HABITAT nas cidades perspectivas de grupos de
Johanesburgo, Cidade do Cabo, Durban, Dar mulheres diversos
es Salaam, Abidjan, Nairóbi e muitas outras,
buscando a responder às seguintes  A mulher como especialista
perguntas: em relação à sua própria
 Por que as mulheres se sentem segurança
inseguras ou excluídas no espaço
público?  Discussão e esclarecimento
 Que tipos de exclusão/assédio/agressão sobre questões de gênero e
as mulheres geralmente enfrentam na planejamento urbano
cidade?
 Que ações podem ser tomadas para
melhorar a segurança das mulheres no
espaço público?

Para criar, planejar e administrar ambientes


urbanos seguros e inclusivos para mulheres
e meninas, gestores e planejadores devem
ter informações precisas sobre as
experiências de mulheres e meninas no
espaço público. A melhor maneira de
entender como elas experimentam a cidade
é consultando-as e tornando-as parte
integrante dos processos de tomada de
decisões.

A Auditoria de Segurança de Mulheres


permite uma avaliação crítica do ambiente
urbano, em um processo que reúne
mulheres para caminhar em um perímetro
pré-determinado, avaliando os fatores que o
tornam mais ou menos seguro.

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A ASM é uma metodologia qualitativa, ou
seja, procura compreender a percepção de Calçadas em bom estado,
segurança através da coleta de dados conectadas, livres de obstáculos e
narrativos, estudando as particularidades e desníveis é um convite a todas a
experiências individuais. Por essa razão, o caminhar e usar os espaços públicos
estudo é feito com um grupo focal pequeno, da cidade. Em especial pessoas
a fim de obter uma compreensão idosas, mães, crianças e pessoas
aprofundada sobre a zona de estudo. com deficiência.

Esse grupo focal é formado por mulheres


que estão familiarizadas com a área de Iluminação, limpeza, arborização e
estudo. Dado que a percepção de segurança presença de mobiliário urbano em
não é homogênea, é vital envolver as bom estado são indicadores
mulheres de diversos grupos demográficos, avaliados durante a auditoria,
em termos idades, níveis de renda e raça. influenciando na percepção da
atratividade do local.
As participantes são responsáveis por
verificar os fatores que impactam
positivamente ou negativamente a
A diversidade de atividades na área
segurança da área de estudo.
de estudo é um forte indicador de
segurança. A presença de comércio
aberto à noite, por exemplo, pode
A mediadora é uma facilitadora neutra, que ser determinante na definição do
itinerário de mulheres.
acompanha os grupos focais em sua
caminhada pelo perímetro de estudo. Suas
responsabilidades incluem: fazer anotações,
registrar depoimentos das participantes, Esse indicador avalia a capacidade
de ser vista e ouvida na área em
orientá-las antes, durante e após a auditoria,
estudo. Nesse sentido, a
assim como registrar em um mapa os pontos
participante analisa se há pessoas
problemáticos e os pontos positivos dos transitando pela zona de estudo, se
espaços públicos inspecionados. ela conseguiria facilmente ajuda, se
existem áreas em que alguém possa
se esconder ou se existe alguma
forma de vigilância pública no local.
As auditorias podem ser realizadas em todos
os tipos de espaços públicos, incluindo ruas,
áreas residenciais, parques, espaços
Mulheres e meninas são as maiores
comerciais, infraestrutura de transporte,
usuárias de transporte público e
etc. A área deve ser escolhida de tal forma
também as que mais andam a pé.
que os grupos possam percorre-la em, no Entretanto, elas são vítimas de
máximo, duas horas, considerando que assédio e violência dentro e fora de
haverá repetidas paradas para discutir, infraestruturas de transporte,
analisar, fazer anotações e tomar fotos do justificando a importância de avaliar
espaço público. o estado de conservação e
segurança tais locais.

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estudo, as participantes e mediadoras
retornam ao local inicial da roda de
As auditorias de segurança de mulheres são conversa.
realizadas em um único dia, com duração
O final dessa fase é marcado pelo
média de três horas, preferencialmente à
preenchimento de um questionário, online
noite, horário em que a percepção de
ou em papel, sobre o espaço público. As
segurança é, em geral, reduzida.
respostas desse questionário
A atividade se divide em três momentos complementam os relatos das mulheres,
distintos: (1) roda de conversa inicial, (2) servindo como base de dados para análise
auditoria propriamente dita e (3) roda de posterior e formulação do presente
conversa final, descritas a seguir. relatório.

Nesta primeira fase, as organizadoras da A roda de conversa final é o momento em


auditoria explicam às participantes o que a equipe, mediadoras e participantes
funcionamento da metodologia, suas fases, discutem tudo que foi analisado,
os trajetos a serem percorridos, bem como compartilhando suas descobertas, pontos
os indicadores a serem avaliados pelos positivos e negativos, formulando ao final
grupos focais durante a caminhada. recomendações para área de estudo.

Essa primeira conversa dura, em média, 30 a O conjunto de recomendações é elaborado


40 minutos e serve para esclarecer com base nas percepções e experiências das
quaisquer dúvidas que as mulheres possam mulheres, garantindo um processo
ter. No final dessa fase, as participantes são participativo e inclusivo.
divididas em grupos focais de 3 a 5
O presente relatório apresenta, a seguir, as
mulheres, com presença de uma mediadora
observações e recomendações feitas
por grupo.
durante a Auditoria de Segurança de
Mulheres no bairro Confisco, mais
especificamente nos arredores da Escola
Essa fase corresponde à caminhada pelo
Municipal Anne Frank.
espaço público. Os grupos focais fazem
diferentes trajetos dentro da área de
estudo, avaliando-a com maior precisão.

Durante a auditoria, o grupo pode parar


múltiplas vezes para fazer anotações, tirar
fotos ou simplesmente para discutir e
compartilhar experiências. É importante que
as mulheres permaneçam juntas, para que
todas possam se expressar e serem ouvidas.

Nessa fase, as mediadoras anotam os relatos


das participantes, fazendo perguntas
pertinentes que aprofundam a discussão.
Está sob sua responsabilidade relembrar às
mulheres os indicadores a serem analisados.

Após a caminhada, que dura de uma a duas


horas, dependendo da extensão da área de

6
No dia 11 de setembro de 2019, foi
realizada a Auditoria de Segurança
de Mulheres no bairro Confisco,
com o objetivo de analisar a
percepção de segurança de
mulheres no espaço público.

O evento faz parte do projeto Local


Pathways Fellowship, iniciativa da
UN-SDSN, recebendo apoio
estratégico e institucional do
Movimento Nossa BH, BH em Ciclo
e BHTrans. A auditoria contou com
a participação de 31 estudantes da
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
da Escola Municipal Anne Frank e
de seis mediadoras pertencentes às
instituições parceiras do projeto.

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Seja devido a assédio, intimidação ou medo,
toda violência limita os deslocamentos de
mulheres pela cidade. Esses fatos trazem
uma reflexão mais profunda sobre lugar
permitido à mulher na própria cidade –
“onde”, “como” e “quando” ela é bem-vinda
para caminhar e se deslocar. Tais fatores
influenciam na maneira como as mulheres
fazem uso do espaço público no bairro
Confisco e ocupam-no. Por isso o objetivo de
realizar Auditoria de Segurança de Mulheres
no Confisco é fornecer informações
detalhadas sobre questões relacionadas à
segurança e gênero na comunidade.

A ASM aumenta a conscientização sobre a


violência urbana e ajuda a gestão municipal
a entender como homens e mulheres
percebem o ambiente urbano de maneiras
diferentes. Esse método dá legitimidade às A Auditoria de Segurança de Mulheres
preocupações das mulheres e é uma no Confisco fez parte da Zona 30,
ferramenta eficaz para aumentar a projeto que limita a velocidade para
participação de mulheres no processo de veículos, em vias locais, a 30km/h,
decisão. dando prioridade a quem anda a pé, de
bicicleta ou tem mobilidade reduzida.
Após a apresentação da metodologia às
participantes, formaram-se cinco grupos A intervenção temporária foi feita nas
focais, cada um com presença de uma ruas do entorno da Escola Municipal
mediadora, que realizaram cinco percursos Anne Frank. A montagem com
diferentes no bairro, ao redor da Escola redesenho da geometria das vias,
Municipal Anne Frank. pinturas e plantio de vasos, recursos
O último grupo analisou o espaço público do conhecidos como “urbanismo tático”,
ponto de vista da mulher ciclista, graças ao levam mais segurança para pedestres e
empréstimo de bicicletas da empresa ciclistas, em especial para os alunos da
Yellow®. Os resultados por percurso estão escola.
apresentados a seguir.

A ação, coordenada pela Prefeitura, por


meio da BHTrans, conta com a
participação dos alunos do programa
Escola Integrada, secretarias da
Prefeitura de Belo Horizonte,
associações ligadas à mobilidade 8
sustentável, moradores e voluntários.
9
Mediadora: Amanda Cristine Alves Corradi

O primeiro grupo de mulheres saiu da Escola a sensação de segurança: iluminação


Anne Frank e seguiu pela Rua K em direção à deficitária e baixo movimento de pessoas.
Rua Maria da Matta Castro. O trajeto foi
Cegando na Rua O, o grupo se deparou com
estabelecido para contemplar a rua onde
um “bota fora”, como chamado pelas
uma das participantes morava.
participantes. Esta área ocupa um lado
Desde o início da vistoria, ainda na Rua K. as inteiro do trecho percorrido, sendo em
principais questões levantadas foram sobre parte aberto, facilitando o esconderijo de
a condição das calçadas, muitas vezes com pessoas e sendo usado, segundo as
desníveis, buracos e obstáculos. Essas mulheres, como local para consumo de
observações se estenderam pelas demais drogas.
vias, sendo a acessibilidade muito relevante
Essa é uma área que gera muito medo,
para o grupo, compreendido por quatro
também agravado pela presença de uma
mulheres com mais de 40 anos.
fachada murada sem nenhuma abertura no
A caminhada da auditoria, na maior parte do outro lado da calçada.
trecho foi realizada com as alunas
A arborização da rua atualmente obstrui os
caminhando pela faixa de tráfego, devido à
postes de iluminação, finalizando um
irregularidade da calçada.
cenário sombrio e tenebroso. Esse foi o local
Ao entrar na Rua Maria da Matta Castro foi mais inseguro para mulheres.
possível verificar que o movimento de
Além disso, na R. Marcelo Guimarães,
pedestres era baixo: o comércio existente já
próximo à R. Irena Sendler existe um outro
estava fechado, com exceção de uma
lote vago, também apontado pelas alunas
padaria.
como um local inseguro. Nessa área não há
calçada ou manutenção regular, o que gera
acúmulo de resíduos no lote e crescimento
de vegetação alta (mato). Nessa rua.
Novamente, as luzes dos postes apagavam e
Dilma Barbosa da Silva Mota acendiam enquanto o grupo fazia a vistoria.
Com relação à iluminação, em parte do O último trecho percorrido pelas mulheres
trecho, na Rua Maria da Matta Castro, R. compreendeu a R. Marcelo Guimarães, que
Geraldo Ludovico e R. Júlio Rodrigues de apresenta atividade comercial, e a R. K. até
Miranda, a iluminação era insuficiente e em voltar à portaria da Escola Anne Frank.
alguns momentos a luz era intermitente, Apesar de alguns comércios já estarem
com lâmpadas que se apagavam, gerando fechados, a presença de pessoas no espaço
muita insegurança para as mulheres. público era maior do que nos trechos
anteriores. Sobre a sensação de segurança,
O grupo continuou sua caminhada,
as alunas relataram se sentirem pouco
apontando os mesmos fatores que reduziam
seguras no horário da saída da escola, pois a
rua já está vazia e o comércio fechando.

10
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Mediadora: Letícia Pinheiro Rizério Carmo

O segundo grupo composto por cinco pior quando o ponto de ônibus estava com
mulheres avaliou a Praça Confisco, que se muitas pessoas esperando.
encontra ao Norte da Escola Municipal Anne
Quando foram questionadas sobre
Frank.
problemas relacionados ao assédio, uma
De forma geral, a praça foi bem avaliada participante prontamente disse:
pelas participantes, pela presença de
mobiliário lúdico para crianças, bancos para
repouso, arborização e presença de
comércio à proximidade. Esses fatores
fazem com que a sensação de segurança Milene Ramos Ferreira
seja alta durante o dia. Entretanto, o mesmo
Elas mencionaram principalmente assédio
não se repete à noite: existem zonas mal
verbal, pois a praça é uma zona que
iluminadas ou desertas perto do Jardim
concentra muitos jovens, tornando-se um
Zoológico que trazem muito medo e
lugar de encontro do bairro. O medo e
insegurança às mulheres.
insegurança, entretanto, transpareceram
quando a mediadora questionou se havia
casos mais graves de assédio na região.

Algumas participantes mencionaram um


caso de estupro na Avenida Antônio
Francisco Lisboa, a poucos metros de onde o
Ludmila Germano grupo se encontrava, próximo ao muro do
Jardim Zoológico.
Uma constante em todo o trajeto das
participantes foram os problemas de Essa avenida, que margeia a praça à
acessibilidade. A calçada que contorna a Nordeste, foi apontada como área mais
Praça Confisco apresentava pedras soltas, insegura da Praça Confisco. A iluminação,
desníveis pequenos e raízes de árvores que presente apenas em dos lados da avenida,
danificavam o calçamento. Uma estava direcionada para motoristas e não
participante afirmou já ter tropeçado nessa para pedestres. Como consequência, muitas
mesma calçada e ter quase quebrado um zonas da praça se tornavam escuros e
dos dedos do pé devido ao acidente. sombrios, locais potenciais para que pessoas
se escondam.
As mulheres também notaram que rampas
de acesso ao parque poderiam ser Para agravar a situação, a vegetação
ampliadas e melhoradas. avançava sobre a calçada, dando a
impressão às participantes de descaso do
Em alguns trechos, em especial na Rua J, à poder público.
proximidade do ponto de ônibus, a calçada
não era larga o suficiente para que duas
pessoas andassem lado a lado. Algumas
participantes caminharam pela rua e
disseram que isso era comum e tornava-se

12
Antônia Batista da Costa

Deserto foi a palavra mais usada pelas


mulheres para descrever a avenida do
Jardim Zoológico até a Rua Geraldo
Bernardo da Silva.

Cleonice Pacheco
A ausência de pessoas no espaço público à
noite desencoraja o uso de transporte
Antônia Batista da Costa público, reduzindo a mobilidade de
mulheres do bairro. Como consequência,
Nas zonas norte e nordeste da Praça
menos pessoas circulam pela área e
Confisco efetivamente não existem
esperam o ônibus nesses pontos, tornando-
estabelecimentos comerciais abertos à
os ainda mais inseguros e criando um ciclo
noite. O movimento de pedestres é ínfimo,
vicioso.
para não dizer inexistente. O fluxo de carros
é pequeno e não traz uma maior segurança Tal ciclo, segundo o grupo de mulheres, será
segundo as participantes. quebrado com a melhoria da iluminação da
praça e a presença de vigias. De acordo com
O que torna essa situação preocupante é a
as participantes, elas se sentiriam muito
presença de três pontos de ônibus na Rua K,
mais seguras esperando seus ônibus ou
todos vazios à noite.
circulando pela praça se a iluminação fosse
mais baixa e se houvesse vigias/policiais que
fizessem rondas pelas ruas do bairro.

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Mediadora: Letícia Birchal Domingues

Antes de começarem o trajeto, o terceiro Sobre a quantidade de pessoas nas ruas, elas
grupo de mulheres teve um breve momento contam que quando saem da Escola, após a
de conversa sobre o percurso que fariam. De EJA (horário noturno), o comércio já está
fato, nenhuma das participantes moram nas fechado, o que aumenta a sua sensação de
ruas que iriam percorrer, mas disseram insegurança.
conhecer o caminho e passarem pela área
para tomar o ônibus. As mulheres Contudo, foi identificado que havia uma
caracterizaram o percurso como perigoso. igreja aberta na frente da Escola, o que foi
tido como positivo, por ser um local de
O percurso começou na portaria da Escola possível apoio em caso de necessidade.
Anne Frank, na Rua K, onde as mulheres
avaliaram a situação da rua onde haveria a
intervenção da Zona 30.
Os principais pontos que foram comentados
sobre a rua diziam respeito à falta de
iluminação e à dificuldade de locomoção de
No início do trajeto o grupo se deparou com
cadeirantes, sendo identificados buracos e
alguns bares. Quando a mediadora
desníveis nas calçadas.
questionou se elas se sentiam mais seguras

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em caminhos com a presença de bares, elas Chegando à esquina da Av. Antônio
afirmaram que não e disseram: Francisco Lisboa com a Rua Maria da Matta
Castro, o grupo se depara com um lote vago
bastante escuro, sem postes de iluminação
e com vegetação alta (mato). As
participantes pontuaram que não ficariam
O grupo seguiu o trajeto pela Rua Marcelo paradas nesse local se estivessem sozinhas.
Guimarães e Rua J, contornando a Praça do
Confisco. No caminho, foi pontuado que a Os estabelecimentos comerciais da Rua
calçada da praça poderia melhorar. E, Maria da Matta Castro estavam fechados à
comparando o lado da calçada da Rua J que noite. Esse fato, entretanto, não exclui
beira a praça com o outro lado, a calçada da totalmente a presença de pessoas
praça está em melhor estado do que a transitando pelo espaço público: uma
oposta, sendo inclusive melhor iluminada. mulher com duas crianças foi vista
caminhando, além de haver um senhor na
Passando pelo ponto de ônibus, o grupo viu porta de sua casa, na Rua Leta de Souza
outro grupo que fazia a auditoria. As Alves, observando o movimento da rua.
participantes criticaram a frequência de
passagem dos ônibus e mencionaram O grupo seguiu o caminho pela Rua Maria da
problemas ao esperar nesse local, que é alvo Matta Castro, agora começando o trajeto de
de assaltos. retorno para a Escola Anne Frank. Chegando
ao ponto de bifurcação com a Rua Andreia
Há um lote na bifurcação da Rua J, formando Marques Rodrigues, as mulheres notaram
um triângulo com a Rua H. A noite o lote é que o único poste de iluminação presente no
bastante escuro e cria um “espaço vazio”. local estava com uma lâmpada quebrada. A
Esse ponto foi identificado como sensação sentida pelo grupo foi de medo e a
problemático pelas participantes, que qualidade do espaço público foi duramente
mencionaram o desejo de transforma-lo em criticada pelas participantes.
uma pequena praça, em vez de ficar vazio,
escuro e gerar insegurança. A Rua Andreia Marques Rodrigues, por sua
vez, é predominantemente residencial, com
Passada a bifurcação, o trajeto se torna mais poucas pessoas nas ruas, iluminação
residencial, calmo e vazio até a Av. Antônio precária e pouco fluxo de veículos.
Francisco Lisboa. Na avenida, as mulheres
andaram três quarteirões beirando o muro As igrejas evangélicas estavam abertas
do Jardim Zoológico. Nesses quarteirões, as naquela noite, sendo o principal gerador de
participantes pontuaram que os carros, fluxo de pessoas no local. As participantes
motos e ônibus passam muito rápido e isso pontuaram que as igrejas seriam um ponto
era perigoso. Chegaram a levantar a de apoio caso fosse necessário.
dificuldade de atravessar a rua nessas
No final do percurso, as participantes
condições. Foi identificada, também, a
levantaram a questão de dificuldade de
ausência de sinalização para pedestres na
acesso ao bairro Confisco, uma vez que as
via.
pessoas não conhecem ou têm medo de lá.
As mulheres também pontuaram que a Segundo elas, motoristas de Uber ou Taxi
iluminação era precária, com postes muito não gostam de ir para o bairro.
distantes um dos outros e apenas do lado da
calçada oposta ao muro do Jardim
Zoológico. Além disso, havia lixo na calçada,
inclusive com restos de móveis. Os pontos
de ônibus não possuíam abrigo ou indicação
das linhas que passavam por ali.

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Mediadora: Luana Silva Costa

O penúltimo grupo iniciou a auditoria na Além do lixo que se acumula por toda a
portaria da Escola Municipal Anne Frank, extensão da via, há problemas também com
avaliando a intervenção da Zona 30 recém- a má sinalização.
implementada.
Entre as observações feitas pelas
participantes nesse trajeto estavam:
calçadas desniveladas e estreitas, rua mal
iluminada, automóveis trafegando em alta
velocidade e ponto de ônibus sem abrigo.
A primeira parada do grupo se deu na
esquina da Rua K com a Rua Maria da Matta
Castro. A segurança desse trecho foi bem
avaliada, pela presença de uma igreja, posto
de saúde e comércios abertos à noite ao
longo da via.
O grupo seguiu para a Rua 23 e Rua 22, Dando continuidade ao percurso, a sensação
chegando à esquina da Rua 7, um quarteirão de insegurança se intensificou. Em dado
íngreme, de mão dupla, onde os automóveis momento, um motorista reduziu a
trafegam em alta velocidade. velocidade e assediou uma das participantes
com assovio inapropriado, associado a
Uma das participantes se mostrou outras agressões verbais.
assustada: a área é conhecida como
catacumba, expressão utilizada pelas/os O grupo passou, então, pelas Ruas 25 e 21,
moradores do bairro para se referir ao lote ruas residenciais mal iluminadas, com muros
vago entre essas ruas. altos rodeados por cercas elétricas.
Os dois pontos de ônibus encontrados na
Rua 21 estavam em condições deploráveis e
completamente abandonados.
Antes de finalizar o percurso, o grupo de
mulheres ainda passou pela Rua Z e pela Rua
22. Tais logradouros são limites entre os
municípios de Belo Horizonte e Contagem,
bairros Conjunto Confisco e Arvoredo II
respectivamente.
Essa informação revela uma complexidade
Os locais estavam sem cerca ou iluminação,
para gestão de espaços públicos que estão
cobertos com vegetação alta e lixo. Apenas
entre limites de duas cidades. Morar em
um lado do trajeto possui calçamento
uma região como essa pode significar
regular e, ainda assim, com muitos
pertencer a dois lugares ao mesmo tempo
desníveis.
ou simplesmente pode significar não
pertencer a lugar nenhum.

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Nesse percurso, as participantes
enumeraram 9 fatores que geram
insegurança:
• Ruas desertas e ausência de circulação
de pedestres;
• Sinalização precária, incluindo pontos
de ônibus;
• Postes de iluminação pública
danificados;
• Terrenos vazios;
• Calçadas pouco acessíveis;
• Ausência de lixeiras e periodicidade na
limpeza das ruas;
• Ausência de policiamento;
• Ausência de canal de denúncia sobre
assédio;
• Carros trafegando nas ruas com alta
velocidade.

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Mediadoras: Helena Carvalho Coelho e Úrsula Jauar Barbosa Campos

O último percurso, feito com bicicletas primeira parada para anotações e para
oferecidas pela Yellow, contou com a registrar seus relatos e medos na Rua J.
participação de 14 mulheres de idades
Durante o trajeto, a falta de movimento das
variadas, dentre 17 e 32 anos.
ruas deixava o ambiente inóspito e foi
As participantes moram perto da Escola apontado como um fator de insegurança
Municipal Anne Frank e passam diariamente pelas mulheres.
pelo trajeto que seria feito. Por essa razão,
Na mesma Rua J existiam alguns bares e
algumas mulheres alertaram o perigo de
homens fizeram comentários inapropriados
transitar pela região, que possui ruas e
às participantes, assediando-as
avenidas sem iluminação, algumas com fluxo
verbalmente. Algumas das participantes
intenso de veículos e outras completamente
relataram que aquela ação é comum e que
desertas e quase sem nenhuma sinalização.
sempre sentem muito medo de passar em
O grupo iniciou a auditoria saindo da escola, frente a esses bares, principalmente devido
na Rua K, virando à direita na Rua Marcelo ao horário que saem da aula, por volta das
Guimarães e em seguida à direita na Rua 22h.
Aracy Guimarães Rosa. O grupo fez uma

19
Guaceroni, até chegar à Praça do Confisco.
Nesse trajeto, o grupo encontrou muitas
igrejas e comércio, dentre padarias e bares.
As ruas, entretanto, possuíam muitos
aclives, fazendo, novamente, com que as
participantes descessem das bicicletas e
seguissem caminhando.

Helena Carvalho Coelho


Em seguida, o grupo foi em direção à Rua
Maria da Matta Castro, virando à direita na
Rua Vinte e Três. Durante o trajeto, os
principais comentários foram sobre o perigo
das ruas devido à falta de iluminação e
também pela imprudência dos motoristas, Helena Carvalho Coelho
que ultrapassavam 30 km/h.
Durante todo o percurso foi possível
Ainda nesse trajeto, muitas mulheres perceber o quanto as mulheres estavam
comentaram que ali é um trecho propício a impressionadas com a possibilidade de
assalto e que elas não passariam por ali pedalar pela cidade. Nessa atividade elas
sozinhas. puderam refletir sobre seus trajetos diários
e os fatores que fazem com que evitem
O grupo passou por largas ruas e estreitas alguns lugares.
calçadas repletas de buracos e desníveis.
Consequentemente, os pedestres optam A euforia em pedalar juntas no espaço
por caminhar pela rua, colocando-os público mostra como a bicicleta é
igualmente me risco. importante para a mobilizar mais mulheres
a ocupar o espaço público.
As participantes e mediadoras seguiram
para pela Rua Guanabara e à direita na Pedalar em grupo aumenta a sensação de
Avenida Professor Clóvis Salgado, umas das segurança do grupo, pois estabelece uma
principais vias da região. Muitos comércios “corrente” mútua de proteção, tanto em
de médio porte foram encontrados, dentre relação aos carros quanto em relação à
supermercados e borracharias, além de potenciais violências físicas ou psicológicas
alguns pontos de ônibus. Por consequência, que mulheres estão suscetíveis.
o grupo encontrou mais pessoas no espaço
Embora existam fatores que desencorajam
público, e sentiu-se mais seguro quanto à
ao uso da bicicleta, como aclives, ruas
possibilidade de assédio ou assalto.
escuras e presença de zonas risco de assalto,
Em contrapartida, o fluxo e velocidade dos a auditoria de segurança mostrou que ao
veículos na avenida deixaram algumas pedalarem juntas, as mulheres conseguem
ciclistas inseguras. Assim, essas superar tais adversidades.
participantes decidiram parar de pedalar e
Existe um desejo enorme de usar bicicletas
seguir o trajeto andando pela calçada.
cotidianamente por algumas participantes.
O trajeto final consistiu em virar à esquerda A presença de bicicletas Yellow nas
na rua Expedicionário Paulo de Souza, periferias de Belo Horizonte tem o poder de
depois à esquerda na rua do Leblon, em realizar tal desejo e trazer mais ciclistas para
seguida, à direita na Rua Copacabana, as ruas.
seguindo, por fim, na rua Geralda Roque

20
A participação social é um elemento central segurança do bairro Confisco, as quais foram
para a construção de áreas públicas mais reagrupadas a seguir.
seguras, equitativas e com uma identidade
Como demonstrado ao longo deste
integrada ao bairro.
relatório, muitos lugares do bairro não
Envolver a população na concepção, recebem uma iluminação adequada, sendo
planejamento e administração dos espaços um dos fatores que geram maior
públicos da cidade ou dos bairros onde insegurança às participantes.
moram é essencial para manter a qualidade
Melhorar a iluminação, entretanto, vai além
desses espaços. Ouvir as mulheres no
de realizar uma manutenção minimamente
gerenciamento das áreas públicas permite
adequada, como substituir as lâmpadas
que se apropriem dos elementos presentes
quebradas e assegurar que não há árvores
nesses espaços para melhorar seu uso.
obstruindo os postes de iluminação.
Para que as auditorias de segurança sejam Melhorar iluminação para mulheres significa
efetivas, elas devem resultar em mudanças. pensa-la para pedestres, crianças e ciclistas
As participantes da auditoria fizeram que transitam pela calçada.
diversas recomendações para melhoria da

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22
Isso pode ser feito implantando iluminação
pública em escala humana, criando as
condições necessárias para circular com
mais segurança. Sistemas na escala humana
têm um efeito positivo na apropriação dos
espaços por pedestres e ciclistas por uma
razão simples: elas percebem que foram
consideradas no processo de planejamento Paola Nunes
daquele espaço.
Durante a roda de conversa final, uma das
Outra medida simples e efetiva é a recomendações feitas pelo grupo de
substituição das amareladas lâmpadas de mulheres foi aumentar o policiamento do
vapor de sódio por aquelas de vapor bairro. A presença de um posto policial da
metálico (brancas), que permitem enxergar Praça Confisco, por exemplo, traria mais
o rosto das pessoas a 30 m de distância, segurança para praça e para ruas próximas à
promovendo uma sensação de segurança Escola Municipal Anne Frank.
maior para as mulheres
Porém, muitas lembraram que as zonas mais
perigosas para elas são os terrenos vazios e
ruas desertas. Assim, outras participantes
disseram que preferiam policiais ou vigias
que fizessem rondas noturnas por essas
Pâmela Nunes
zonas.

23
Luciana Ramos

Lavínia Emily Jades

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Todos os O mínimo que as
grupos encontraram problemas graves nas calçadas mulheres exigem é que as calçadas, rampas e faixas
do bairro. Desníveis, buracos, pedras soltas, raízes de pedestre recebam manutenção adequada.
de árvores e obstáculos são um entrave aos
pedestres, principalmente crianças e idosos.
As participantes se
sentiriam mais seguras se vigiais ou guardas
À noite muitos dos municipais fizessem rondas a pé pelo bairro,
estabelecimentos comerciais do bairro Confisco contemplando principalmente os lotes vazios
encontram-se fechados. Poucas pessoas são mencionados nesse relatório e a Avenida do Jardim
atraídas a ficar no espaço público pela falta de Zoológico
iluminação e pelo medo, gerando um ciclo vicioso.

A
Maior fator que gera insegurança para instalação de postes de iluminação mais baixos, com lâmpadas de
mulheres. Não apenas falta manutenção da iluminação pública vapor metálico (brancas) e posicionadas em lugares estratégicos,
existente, mas também falta pensa-la para o pedestre e para o ciclista. como praças, pontos de ônibus e lotes vagos, é crucial para que
mulheres se apropriem do espaço público.

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As auditorias de segurança das mulheres dão voz às participantes
nas decisões que afetam o ambiente urbano. Trata-se de uma
metodologia que gera novas relações entre a comunidade, o
ambiente construído e seus gestores, aumentando o interesse de
mulheres e meninas em suas comunidades e criando, assim, uma
cidade mais segura e inclusiva para todas.

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