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DOI 10.

1590/S0103-40142015000100016

Habitação social no Brasil


Paulo Bruna I

N interessantesanos
os últimos foram publicados
trabalhos sobre o pro-
Para aprofundar esse interesse foi
proposta a segunda fase da pesquisa, en-
blema da habitação social,1 mas nada se tre 1997 e 2001; um projeto temático
compara ao monumental e prodigioso – “Habitação econômica e arquitetura
conjunto de três volumes, organizado, moderna no Brasil”, desenvolvido sob
coordenado e redigido pelo arquiteto, a coordenação do autor e da professo-
professor e político Nabil Bonduki. Tra- ra Maria Ruth Amaral de Sampaio da
ta-se de uma pesquisa, que é o resultado Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
de 25 anos de estudos, inventários, le- da USP. Nessa etapa, novamente envol-
vantamentos de campo e buscas em ar- vendo um grande número de estudantes
quivos dispersos por todo o Brasil. Essa de iniciação científica e pós-graduação,
pesquisa teve, essencialmente, três fases: foi realizado um extenso levantamento
a primeira realizada entre 1987 e 1995, dos conjuntos habitacionais realizados
centrada no Curso de Arquitetura e Ur- pelos Institutos de Aposentadoria e Pen-
banismo da Escola de Engenharia de São são, sobretudo nos estados de São Paulo
Carlos, com a colaboração de estudantes e Rio de Janeiro, buscando estabelecer
de graduação e pós-graduação, partiu um diálogo com as demais pesquisas
do levantamento seminal proposto pela envolvidas no projeto temático, como a
dissertação de mestrado da professora produção privada de habitações econô-
Marta Farah (1983): Estado, Previdên- micas, as cidades novas em construção
cia Social e Habitação. Desse período re- no Brasil, o desenvolvimento tecnológi-
sultou o primeiro trabalho importante, co e a legislação que afetava a habitação
que foi a tese de doutorado do autor, e de interesse social. O relatório final des-
no livro Origens da habitação social no sa etapa da pesquisa constitui-se no em-
Brasil (Bonduki, 1994) que resgatou a brião do extenso inventário apresentado
produção habitacional do período 1930 nesses três volumes.
a 1964. O objetivo dessa tese era identifi- A terceira etapa da pesquisa, que
car como o Estado acabou intervindo na ocorreu entre 2005 e 2012, foi centrada
questão habitacional no âmbito de um na concepção e elaboração do livro.
projeto de desenvolvimento urbano e Os três volumes estão assim organi-
industrial para o país. No dizer do autor, zados: O volume 1 – “Cem anos de po-
o foco era “revelar o contexto em que lítica pública no Brasil”, traz um amplo
o problema habitacional transformou-se panorama da política pública no Brasil.
em uma questão social no Brasil” (v.1, Está, basicamente, dividido em três par-
p.3).. O trabalho teve ampla repercussão tes: a primeira parte é dedicada a analisar
nos meios acadêmicos, sobretudo por- e situar o período estudado no contexto
que mostrou um ciclo rico e complexo mais geral da história econômica e social
de obras realizadas pelos Institutos de do país: os seis capítulos dessa parte co-
Aposentadoria e Pensões (IAP) e outros brem a Produção rentista da habitação
órgãos atuantes naquele período. – 1889-1930; Origens da habitação so-

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cial – 1930-1964; Política habitacional e
urbana no regime militar – 1964-1986;
Décadas perdidas ou tempos de utopia e
esperança? – 1986-2002; Política nacio-
nal de habitação do século XXI: em dire-
ção ao direito à moradia digna? – 2003-
2010; e Desengavetando documentos
para pensar o futuro.
A segunda parte é dedicada aos estu-
dos dos seis principais órgãos promoto-
res, os IAP, a Fundação da Casa Popular,
o Departamento de Habitação Popular
da Prefeitura do Distrito Federal (DPH)
e a liga social Contra os Mocambos
(LSCM) em Pernambuco. Essas análises BONDUKI, N. Pioneiros da habitação
social. São Paulo: Editora Unesp;
buscam identificar as diretrizes de proje-
to desses órgãos, suas inovações e limita- Edições Sesc, 2014. v.1: “Cem anos
ções impostas pelo quadro tecnológico, de política pública no Brasil.
institucional e político do período.
A terceira parte do volume 1 é des-
tinada a uma busca de síntese: “diver- dústria e Comércio soube induzir e for-
sidade, valorização do espaço público e mular a política levada adiante na “Era
inserção urbana”. Vargas”.3
O volume 2, “Inventário da produção No volume 1, Bonduki discute essa
pública no Brasil entre 1930 e 1964”, é participação, e as propostas por ele aven-
integralmente dedicado à apresentação tadas, visando transformar a “Secretaria
dos 322 empreendimentos projetados de Engenharia do Conselho Nacional do
e construídos em todos os estados do Trabalho, que ele chefiava em um Servi-
Brasil. O inventário está estruturado em ço de Engenharia e Arquitetura, subor-
nove capítulos organizados por órgãos dinada diretamente ao Ministro do Tra-
promotores. Contrariamente ao hábito balho, Industria e Comércio” (Almeida,
de organizar essa vasta produção pelas 2008), buscando com isso estruturar,
77 cidades ou 24 unidades da federa- organizar e modernizar a capacidade
ção, os autores optaram por agrupá-las técnica necessária ao projeto e execu-
segundo seus realizadores. Os principais ção das gigantescas obras que se previa
órgãos promotores montaram departa- construir. No livro publicado por ele em
mentos de arquitetura e engenharia, que 1938, Porto propõe a racionalização e
se organizaram segundo diretrizes pró- industrialização da construção como ha-
prias, ainda que os Institutos de Pensões via sido a experiência de Ernst May em
e Aposentadoria tivessem na personali- Frankfurt, criado ao lado do Serviço de
dade do engenheiro-arquiteto Rubens Arquitetura e Engenharia um organismo
Porto2 um promotor, orientador e for- dedicado à pesquisa na área da constru-
mulador da política habitacional, que a ção, o Instituto Nacional de Tecnologia,
partir do Ministério do Trabalho, In- proposta que, lamentavelmente, nunca

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BONDUKI, N.; KOURY, A. P. Pioneiros BONDUKI, N.; KOURY, A. P. Pioneiros
da habitação social. São Paulo: Editora da habitação social. São Paulo: Editora
Unesp; Edições Sesc, 2014a. v.2: Unesp; Edições Sesc, 2014b. v.3:
“Inventário da produção pública no Brasil “Onze propostas de morar para o Brasil
entre 1930 e 1964”. moderno”.

foi levada adiante. Comentando essa Industriários (Iapi), com 51 empreendi-


proposta Bonduki escreveu: mentos; dos Comerciários (IAPC), com
A proposta do arquiteto fazia muito 57 empreendimentos; e dos Bancários
sentido e, se implementada, poderia (IAPB), com 48 empreendimentos. O
ter garantido uma maior unicidade capítulo 4 está dedicado à produção do
na ação habitacional dos órgãos da Instituto de Previdência e Assistência
previdência, ampliando a capacidade dos Servidores do Estado (Ipase), com
de estudar, experimentar e produzir 26 obras. Os demais capítulos agrupam
com mais eficiência e a custos mais a produção de órgãos cujas realizações
reduzidos. No entanto, ela esbar- são menos expressivas do ponto de vista
rava no caráter corporativista da es-
quantitativo ou qualitativo. O capítulo 5
trutura previdenciária montada por
traz a produção do IAPTEC, IAPM e do
Vargas, que acabou se tornando, até
1964, um grande obstáculo a todas Iape; o capítulo 6 da CAP, CAPFESP e
as tentativas de garantir um caráter IAPFESP; o capítulo 7, da Fundação da
mais universal e abrangente à inter- Casa Popular (FCP) com 29 empreen-
venção habitacional, como ocorreu dimentos em todo o Brasil; o capítulo
no processo de criação da FCP. (v.1, 8 compila a obra de órgãos regionais; e
p.158) o capítulo 9 traz as áreas residenciais de
Os nove capítulos que estruturam o algumas cidades novas promovidas pelo
volume 2 refletem a importância, o nú- governo federal ou por empresas esta-
mero e a qualidade das obras construídas. tais: Volta Redonda, Cidade dos Moto-
Assim, os três primeiros capítulos estão res, Ipatinga e Brasília até 1964.
dedicados à produção dos IAP – Insti- O trabalho se tornaria extenso em de-
tuto de Aposentadoria e Pensões dos masia se fossem analisadas as vilas e cida-

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des novas construídas junto as barragens Lima” examina a proposta, que talvez
ou minas, o que indica que a pesquisa seja a de maior complexidade e van-
ainda não está completa, abrindo portas guarda no período tratado no livro.
e sugestões de novos trabalhos, disserta- Localizado junto ao Parque D. Pedro
ções e teses. Essa é mais uma qualidade I em São Paulo, além de habitações de
do trabalho ora publicado. interesse social, o conjunto previa usos
O volume 3 apresenta, analisa e dis- mais rentáveis como habitação para seto-
cute onze conjuntos residenciais realiza- res médios, comércio, serviços, escolas,
dos entre 1930 e 1964, considerados de creches, de modo a garantir o equilíbrio
particular interesse, seja do ponto de vis- econômico que o Iapi buscava. Ficou
ta da qualidade arquitetônica, inserção inacabado com a morte do arquiteto
urbana, seja do ponto de vista da diver- em 1943, pois só foram construídos 22
sidade tipológica e construtiva. A esco- blocos de quatro pavimentos com 552
lha desses onze projetos foi amplamente unidades.
discutida pelo grupo de alunos de pós- - O capítulo “Lagoinha: espaço pú-
-graduação que estabeleceu critérios co- blico de qualidade sacrificando a unidade
muns para a abordagem dos conjuntos, habitacional” examina o Bairro Indus-
dentre os quais o contexto urbano em -triário em Belo Horizonte. Trata-se de
que foram implantados, a escolha das ti- um dos mais originais empreendimen-
pologias predominantes, a identificação tos do Iapi em parceria com a prefeitu-
das influências e dos autores dos proje- ra e uma entidade privada denominada
tos, bem como a construção, a gestão e Companhia Auxiliadora de Serviços Ad-
o uso social dos conjuntos. Nesse levan- ministrativos (Cada). No início dos anos
tamento mais cuidadoso foi importante 1940, quando o conjunto foi construí-
fotografar novamente cada conjunto, do, era prefeito de Belo Horizonte o fu-
mostrando a situação atual e identifican- turo presidente Juscelino Kubitschek de
do as partes eventualmente não construí- Oliveira, que promoveu a parceria, que
das. Finalmente, o autor revisou todas as não mais se renovou.
pesquisas de modo a uniformizar os tex- - O capítulo “Passo d’Areia: habita-
tos e garantir uma estrutura consistente. ção social e extensão urbana”, em Porto
Pelo interesse que apresentam os onze Alegre, aborda o maior conjunto habita-
capítulos tratam dos seguintes conjuntos cional em número de unidades. O estu-
habitacionais: do urbanístico, implantado no limite da
- O capítulo “Realengo: reprodutibili- área urbanizada, projeto do engenheiro
dade e singularidade” examina o primei- José Otacílio de Saboya Ribeiro, mos-
ro grande conjunto habitacional do Iapi, tra como as cidades brasileiras poderiam
projeto do arquiteto Carlos Frederico crescer de forma ordenada. O plano ur-
Ferreira, construído entre 1938 e 1943, banístico do conjunto é de engenheiro
junto à estação do mesmo nome no Rio Marcos Kruter e o projeto das unidades,
de Janeiro. Foi premiado no IV Con- bem como a direção das obras, é do en-
gresso Pan-Americano de Arquitetos, genheiro Edmundo Gardolinski, 1942.
que ocorreu em Montevidéu em 1940. - O capítulo “Olaria: racionalidade
- O capítulo “Várzea do Carmo: o construtiva e urbanismo monumental
racionalismo radical de Attilio Correa nas cidades – jardins dos comerciários”

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analisa o conjunto habitacional implan- irmãos MMM Roberto de 1939 foi de-
tado pelo IAPC no bairro Olaria no Rio finido como “solução fantasiosa e inviá-
de Janeiro, cuja concepção é do enge- vel”, abandonada e substituída por outra
nheiro Ulysses Hellmeister, 1938. Ainda proposta racional e mais econômica.
que a moradia fosse individual, a tipolo- - O capítulo “Deodoro: urbanismo
gia era baseada em unidades sobrepos- moderno e concepção convencional”,
tas em renques escalonados de modo a realizado pelo arquiteto Flavio Marinho
evitar, no entender do autor do proje- Rego o Conjunto Residencial Presidente
to, os prejuízos morais e higiênicos das Getulio Vargas, data de 1952 e, possivel-
moradias coletivas. A solução gerava mente, seja a maior realização da FCP.
economia de custos e aumento das áreas Com 1.314 unidades, foi fortemen-
verdes. te influenciado pelo arquiteto Affonso
- O capítulo “Edifício Japurá: uma Eduardo Reidy, que naquele momento
unidade de habitação no centro da ci- integrava o Conselho Central da FCP. O
dade de São Paulo” analisa uma expe- projeto tem o mérito de combinar as di-
riência proposta pelo arquiteto Eduar- retrizes urbanísticas de Reidy com a es-
do Kneese de Mello, 1942, para o Iapi. cassez de recursos do órgão, numa obra
Trata-se de um edifício de grande altura de grande porte e engenhosidade.
para a época, de uso misto, suspenso em - O capítulo “Casa Bancária: um am-
pilotis, teto jardim e unidades duplex, biente cristão e moderno para integração
que possibilitou um bom aproveitamen- das mulheres no mercado de trabalho”,
to de um terreno de difícil ocupação. do IAPB, é projeto do arquiteto Carlos
- O capítulo “Pedregulho: habitação Leão e data de 1956. Era voltado para
social como serviço público” revisita o funcionárias bancárias solteiras, agregan-
principal empreendimento do Departa- do, além de dormitórios, espaços coleti-
mento de Habitação Popular (DHP) da vos que complementam sua função.
prefeitura do Distrito Federal. O con- - O capítulo “Paquetá: novo modo
junto, talvez o mais publicado e divulga- de morar com respeito à escala local” é
do no Brasil e no exterior, é fruto do tra- um projeto do Departamento de Ha-
balho da engenheira Carmen Portinho, bitação Popular do Distrito Federal
como diretora do DHP, e do arquiteto (DHP). O projeto de 1952 é do arqui-
Affonso Eduardo Reidy. O projeto é de teto Francisco Bolonha. Sob a direção
1946, e sempre foi tratado como uma segura da engenheira Carmen Portinho,
obra de exceção no contexto da arquite- o DHP colocou em prática a ideia da ha-
tura do período considerado. bitação como um elemento estruturador
- O capítulo “Penha: de um projeto da família trabalhadora. Na sua singele-
autoral a uma proposta funcional da equi- za, formado por dois blocos em L com
pe do Iapi” examina um dos conjuntos 27 casas e o escritório do serviço social,
em que se observa a passagem, que nos Paquetá é um dos mais belos exemplos
anos 1940, viveu o Iapi, quando formou da produção habitacional do período es-
um quadro de profissionais selecionados tudado.
em concurso público e que impuseram Mas o grande interesse que esses três
um maior rigor e pragmatismo na pro- volumes trazem para a historiografia da
dução do órgão. O primeiro projeto dos arquitetura brasileira foi muito bem cap-

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Conjunto Residencial Operário, Iapi.
Bairro do Realengo, Rio de Janeiro, RJ.
Projeto de Carlos Frederico Ferreira, 1938.

Foto Inês Pereira Bonduki

Conjunto Residencial da Penha, Iapi


Bairro da Penha, Rio de Janeiro, RJ.
Projeto: MMM Roberto, 1939 (Abandonado).
Divisão de Engenharia do Iapi, 1947.

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Foto Bob Wolfenson
Foto Nabil Bonduki

Conjunto Residencial dos Marítimos, IAPM.


Vila Portuária Presidente Dutra, Rio de Janeiro, RJ.
Projeto atribuído ao arquiteto Firmino Saldanha, 1950.

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tado pelo arquiteto Carlos Ferreira Mar- de baixo custo, como os que foram
tins, que na apresentação do volume 2 construídos na Europa e mais recen-
escreveu: temente nos Estados Unidos. Atti-
lio Correa Lima projetou um amplo
... esse mito tem, provavelmente, sua
conjunto para um bairro industrial
origem no conjunto de debates que
de São Paulo.4 Inclui um grande nú-
em meados dos anos 1950 marcou o
mero de prédios de apartamentos,
fim do consenso internacional sobre
escritórios, e edifícios comunitários.
os rumos do desenvolvimento da ar-
Realengo é uma interessante experi-
quitetura moderna no Brasil e, mais
ência de habitação coletiva compre-
especificamente, na feroz crítica de
endendo tanto apartamentos como
Max Bill. Desde então cristalizou-
casas isoladas. (p.96)
-se a visão de uma arquitetura des-
comprometida com os programas O livro dedica quatro páginas ao con-
sociais e a leitura da obra exemplar junto do Realengo (1939-1943). Co-
de Affonso Eduardo Reidy como a mentando a solução para a circulação ex-
exceção a confirmar a regra. É notá- terna dos blocos de quatro pavimentos,
vel que o trabalho de Yves Bruand, para as quais se abrem apenas as janelas
“Arquitetura Contemporânea no altas das cozinhas e dos banheiros, o au-
Brasil” (1981), seguramente a mais
tor escreveu tratar-se de uma “solução
abrangente narrativa de conjunto da
ideal para o clima do Brasil, pois confere
arquitetura brasileira do século XX,
não dedique um capítulo específico a cada apartamento uma completa venti-
ao programa habitacional. lação cruzada” (p.128).
Depois dessa exposição foram fre-
Efetivamente, causa profunda estra-
quentes os números monográficos das
nheza o silêncio da crítica arquitetônica
brasileira mais recente a esse extraordi- revistas estrangeiras sobre a arquitetura
nário conjunto de obras, apresentadas moderna brasileira. The Architectural
de forma tão clara e metódica pelos três Forum (nov. 1947) publicou cinco pro-
volumes coordenados e regidos por Na- jetos: Várzea do Carmo, Santo Anto-
bil Bonduki e Ana Paula Koury. Mas nio e Cidade Jardim (não construído)
não foi sempre assim, pois desde os anos todos em São Paulo; Realengo no Rio
1940 essas obras mereceram atenção e de Janeiro e os primeiros desenhos para
considerável interesse. O primeiro livro o conjunto de Pedregulho. Na revista
a divulgar a nascente arquitetura mo- dirigida por André Bloc, L’Architecture
derna brasileira foi o catálogo da expo- D’Aujourd’hui (ago. 1952), foram pu-
sição Brazil Builds – Architecture New blicados dois projetos de cunho social
and Old 1652-1942, que se realizou no do arquiteto Eduardo Knees de Mello:
Museu de Arte Moderna de Nova York Cidade Jardim e Japurá em São Paulo.
(Moma) em 1943. O arquiteto Philip O conjunto do IAPC na Avenida Cidade
Goodwin, que acompanhado pelo fotó- Jardim, ainda que não estivesse construí-
grafo G. E Kidder Smith esteve no Brasil do, mereceu um destaque no livro de
por mais de seis meses, escreveu: Alberto Sartoris (1954, p.252ss) dedi-
Há um grande número de projetos, cado à nova arquitetura na América La-
muitos dos quais em construção, tina. Em 1956 finalmente foi publicado
de grandes conjuntos habitacionais o magnífico livro do arquiteto Henrique

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Mindlin,5 com prefácio de Sigfried Gie- de forma muito concisa, mas correta,
dion, que pretendia fazer um balanço algumas obras do período considerado.
completo da arquitetura moderna brasi- Porém, essa é uma exceção, pois o tema
leira. Nessa extensa relação de obras apa- volta a desaparecer dos tratados, que se
rece apenas o conjunto de Vila Guiomar debruçam sobre a arquitetura após 1950
em Santo André, para o Iapi, projeto (Junqueira Bastos; Zein, 2010).
do arquiteto Carlos Frederico Ferreira. Em conclusão, fica evidente que a
Construído em 1949, tinha 594 apar- crítica e os historiadores da arquitetura
tamentos em blocos de três pavimentos deverão rever de forma radical o enten-
sobre pilotis e casas geminadas. Do mes- dimento da arquitetura brasileira no sé-
mo arquiteto, que era o diretor do De- culo XX. Os três volumes coordenados e
partamento de Engenharia do Iapi, é o redigidos por Nabil Bonduki e Ana Pau-
projeto da bela escola para 1.200 alunos, la Koury são a testemunha documental,
igualmente publicada e premiada na 1ª rigorosa e rica de um conjunto de obras
Bienal Internacional de Arquitetura de que situam o movimento moderno no
São Paulo. Brasil muito além das fantasias formais a
A partir dessa data, com o início da que aparentemente estava condenada a
construção de Brasília, o interesse dos arquitetura brasileira.
críticos desloca-se para uma nova capi-
tal, onde os IAP realizarão suas últimas São Paulo, fevereiro 2015.
obras antes de serem extintos em 1964.6
Depois dessa data, mesmo livros, que Notas
pretendiam cobrir todo o conjunto da
1 Dentre os mais interessantes volumes pu-
arte e da arquitetura no Brasil, nada
blicados destacam-se: Devecchi (2014);
mencionam sobre esse extenso volume a + t research group, “10 Histórias sobre
de obras, como é o caso da História ge- vivienda colectiva. Análisis gráfico de diez
ral da arte no Brasil, cuja coordenação obras esenciales”, Vitória-Gasteiz: a + t
foi do crítico Walter Zanini (1983), e architecture publishers, España, 2013.
para o qual Carlos A. C. Lemos escre- 2 O engenheiro arquiteto Rubens Por-
veu o capítulo sobre arquitetura con- to era assistente técnico do ministro do
temporânea. O mesmo se pode dizer da trabalho e engenheiro do Serviço de En-
antologia organizada por Alberto Xavier genharia do Conselho Nacional do Tra-
(1987), Depoimento de uma geração: Ar- balho. Fazia parte de um grupo de refor-
quitetura moderna brasileira.7 Não é o madores sociais católicos, que defendiam
caso de repetir os comentários acima so- uma maior intervenção do Estado na
bre o livro de Yves Bruand (1991), que questão da habitação. Com vínculos na
Organização Mundial do Trabalho em
apenas cita de forma elogiosa o conjun-
Genebra, Porto, através da imprensa e de
to de Pedregulho do arquiteto Affonso
publicações do Ministério, defendia a ne-
Eduardo Reidy. cessidade de dar estabilidade à família do
Na literatura mais recente, como no trabalhador urbano através da construção
livro de Hugo Segawa (1998), Arqui- de conjuntos pela ação estatal. Publicou
tetura no Brasil (1900-1990), o tema é em 1938 um livro, O problema das Casas
tratado com propriedade. Veja-se o ca- Operárias e os Institutos e Caixas de Apo-
pítulo “Habitar moderno”, que mostra sentadoria e Pensões, no qual organiza e

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detalha suas recomendações para a cons- BONDUKI, N. G. Origens da habitação
trução dos grandes conjuntos habitacio- social no Brasil: o caso de São Paulo. 1994.
nais modernos. Tese (Doutorado) = Faculdade de Arqui-
3 Veja-se o discurso pronunciado por Ge- tetura e Urbanismo, Universidade de São
tulio Vargas em 10 de novembro de Paulo. São Paulo. 1994.
1938, por ocasião do primeiro aniversá- BRAND, Y. Arquitetura contemporânea
rio da Constituição do Estado Novo, em no Brasil. Trad. Ana M. Goldberger. São
A Nova Política do Brasil, v.VI: “Reali- Paulo: Perspectiva, 1991.
zações do Estado Novo, 1º de agosto de
BRUNA, P. Os primeiros arquitetos mo-
1938 a 7 de setembro de 1939”, Rio de
dernos. Habitação Social no Brasil 1930-
Janeiro, p.99 e 100. Ver também Bastos
1950. São Paulo: Edusp, 2010.
e Fonseca (2012).
DEVECCHI, A. M. Reformar não é cons-
4 Philip Goodwin deve estar se referindo
truir; A reabilitação de edifícios verticais
ao conjunto da Várzea do Carmo, proje-
– novas formas de morar em São Paulo no
tado para o Iapi e naquele momento em
século XXI. São Paulo: Senac, 2014.
obras. O arquiteto Attilio C. Lima proje-
tou ainda um outro conjunto habitacio- FARAH, M. F. dos S. Estado, Previdên-
nal em São Paulo, na área de Heliópolis, cia Social e Habitação. 1983. Dissertação
para dezesseis mil habitantes, cujos dados (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Le-
nunca foram localizados após o acidente tras e Ciências Humanas, Universidade de
aéreo, que vitimou o arquiteto em 1943. São Paulo. São Paulo, 1983.
5 Henrique E. Mindlin, L’architecture mo- JUNQUEIRA BASTOS, M. A.; ZEIN, R.
derne au Brésil, 1956. Foi publicado si- V. Brasil: arquiteturas após 1950. São Pau-
multaneamente por várias editoras em lo: Perspectiva, 2010.
inglês, francês e alemão. SARTORIS, A. Encyclopédie de
6 Toda essa narrativa consta em Bruna l’Architecture Nouvelle. s. l.: s. n., 1954.
(2010, p.160). v.3 “Ordre et Climat Américains”.
7 Cf. Xavier (1987). Nesse livro, ver al- SEGAWA, H. Arquiteturas no Brasil –
gumas referências esparsas como as de 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1998.
Vilanova Artigos (1952) (p.141); Mau-
XAVIER, A. (Org.) Depoimento de uma
rício Vinha de Queiroz (1962) (p.166) e
geração. Arquitetura moderna brasileira.
Affonso Eduardo Reidy (1961) (p.184).
São Paulo: Associção Brasileira de Ensino
de Arquitetura, Fundação Vilanova Arti-
gas, Pini, 1987.
Referências
ZANINI, W. (Org.) História geral da arte
ALMEIDA, C. C. O. de. O engenheiro
no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Mo-
arquiteto Rubens Porto e os Institutos e
reira Sales, 1983. 2v.
Caixa de Aposentadoria e Pensões (IAPs/
CAPs); contribuições para a formulação
de uma política pública habitacional no
Brasil na década de 1930. Risco, São Car- Paulo Bruna é professor titular do De-
los, n.8, 2008. partamento de História da Arquitetura da
FAU-USP. @ – pb@paulo-bruna.com.br
BASTOS, P. . Z.; FONSECA, P. C. D.
(Org.) A Era Vargas – Desenvolvimento, I
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
economia e sociedade. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, São Paulo/SP,
Unesp, 2012. Brasil.

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