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Educação, escrita e combate ao plágio

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Alessandra Junho Gama Belo [1]

Ana Terra Mejia Munhoz [2]

O tema do plágio gera crescentes inquietações quanto à ética e honestidade na escrita. O


plágio é um desvio de autoria, pois consiste na apropriação indevida de ideias ou palavras sem
que se dê crédito ao autor original; ele desrespeita, de um lado, o direito do autor de ser
reconhecido por seu trabalho e, de outro, a expectativa do leitor de acessar um texto inédito
(DINIZ e MUNHOZ, 2011).[3],[4]

No Brasil, a preocupação ética com esse tema tem inspirado ações de distintas entidades.
Entre 28 de maio e 1° de junho de 2012, realizou-se o II Encontro Brasileiro de Integridade em
Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (Brispe), nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre, com o apoio de organizações como CNPq, OAB, Ibict, Fapesp e SBPC. Entre as
questões consideradas na Declaração Conjunta sobre Integridade em Pesquisa do Encontro
(2012, p. 556), está seguinte recomendação:

Que as instituições do país [...] conscientizem os alunos que o plágio é uma violação
acadêmica, seja no ensino fundamental, ensino médio ou universitário. As instituições de
ensino e pesquisa do país devem fornecer materiais educativos que mostrem que o plágio em
monografias, dissertações e teses também é, além de violação acadêmica, uma prática ilegal
no Brasil.

Além disso, o CNPq, a Capes e a OAB têm se manifestado a respeito do plágio e outras
fraudes, como a compra e venda de trabalhos acadêmicos — que, embora também constitua
uma infração ética, não equivale ao plágio, pois não há cópia, e sim a violação de um dever de
autoria do estudante que paga para que alguém faça seu trabalho. A OAB (2010) divulgou o
documento Proposta de Adoção de Medidas para Prevenção do Plágio nas Instituições de
Ensino e do Comércio Ilegal de Monografias, de autoria do advogado e professor universitário
Ricardo Bacelar Paiva. O CNPq (2011) publicou, em seu site, diretrizes para garantir a
integridade acadêmica e a qualidade do trabalho científico. E a postura da Capes (2011, p. 1),
por sua vez, foi reforçar as orientações dadas no documento da OAB, entre elasa
conscientização de estudantes sobre propriedade intelectual, a fim de coibir o plágio.O texto
da OAB sugere, ainda, medidas como a adoção de softwares de detecção de plágio e a criação
de comissões específicas para avaliar possíveis casos de cópia indevida.

Esse posicionamento da OAB, do CNPq, da CAPES e dos membros participantes do grupo de


trabalho do II Brispe vai ao encontro do que é defendido por Munhoz e Diniz (2011, p. 54),
para quem

estratégias como o uso de softwares caça-plágio e a instauração de comissões de especialistas


são, talvez, inevitáveis para o controle do plágio; entretanto, esse não deve ser o objetivo das
universidades, dos centros de pesquisa e dos editores de periódicos. Antes, apostamos numa
postura ética de prevenção ao plágio, por dois caminhos: no campo da ciência, por meio do
rigor na exigência de respeito às normas da comunicação científica, bem como [...] da
comunidade científica como próprio sistema de controle; e no campo educacional, por meio
da adoção de uma cultura de formação ética, que abranja estratégias pedagógicas
valorizadoras da honestidade acadêmica.

Quando se trata de textos públicos, como artigos de periódico, livros e dissertações ou teses,
em que se pressupõe um autor familiarizado com as regras da comunicação científica,
remediar o plágio pode envolver medidas de grande proporção — retratações, processos por
possível infração de direitos autorais, exonerações, humilhação pública.Casos ocorridos no
Brasil e no exterior registram desde opagamento de multas por violação de direitos autorais
até a perda de títulos devido a publicações contendo plágio.[5] A consequência inescapável do
plágio, porém, é a total perda de crédito e confiabilidade do plagiador perante seus pares.

Já no ambiente de sala de aula, como entre alunos da educação básica e de graduação, lidar
com casos de cópia por estudantes deve envolver cuidados pedagógicos, especialmente
quando se trata de plágio por ignorância ou domínio incipiente das normas de registro das
fontes consultadas. Nesse campo, as infrações éticas podem ter as mais distintas motivações
— desde o desinteresse pela aula e pela atividade proposta até o desconhecimento das regras
básicas de escrita. Nesse contexto, portanto, lidar com o plágio, assim como com outras
infrações textuais, requer medidas mais educativas que, simplesmente, punitivas.A aposta é
que a formação ética de escritores leve à existência de autores cientes das normas de
reconhecimento e registro das fontes.[6]

O combate ao plágio insere-se no debate sobre a dimensão ética da escrita e a integridade


acadêmica (DINIZ, 2008), mas também sobre a própria qualidade da educação. Para garantir
que o exercício da cidadania previsto no art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, assim como no inciso I do art. 43 da referida lei, que prevê “o desenvolvimento do
espírito científico e do pensamento reflexivo”(BRASIL, 2010, p. 35), se torne realidade, é
necessário que estudantes, professores, pesquisadores e poder público se comprometam com
a educação ofertada nas salas de aula, desde a educação básica até os cursos de pós-
graduação. Uma das questões fundamentais que isso implica é discutir a integridade na escrita
e prevenir e combater o plágio, tanto entre pesquisadores experientes como entre estudantes
de diferentes níveis de ensino.

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. 20. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
102p.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. 5. ed. Brasília: [Câmara dos Deputados], Coordenação Edições Câmara, 2010. 64p.
Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf>.
Acesso em: 26 jan. 2013.

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). Relatório da Comissão


de Integridade de Pesquisa do CNPq. 2011. Disponível em:
<http://www.cnpq.br/documents/10157/a8927840-2b8f-43b9-8962-5a2ccfa74dda>. Acesso
em: 28 jan. 2013.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES). Orientações Capes:


combate ao plágio. Brasília, 4 jan. 2011. Disponível em:
<http://capes.gov.br/images/stories/download/diversos/OrientacoesCapes_CombateAoPlagio
.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2013.
Declaração conjunta sobre integridade em pesquisa do II Encontro Brasileiro de Integridade
em Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (II BRISPE),28 Maio-01 de Junho de
2012.Dados, v. 55, n. 2, p. 555-560, 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/dados/v55n2/a09v55n2.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2013.

DINIZ, Debora. A ética e o ethos da comunicação científica. In: DINIZ, Debora et al. Ética em
pesquisa:experiência de treinamento de países sul-africanos. 2. ed. rev. ampl. Brasília:
LetrasLivres/UnB, 2008. p. 171-180.

______. Carta de uma orientadora: o primeiro projeto de pesquisa. Brasília: LetrasLivres, 2012.
108p.

DINIZ, Debora; MUNHOZ, Ana Terra Mejia. Cópia e pastiche: plágio na comunicação
científica.Argumentum, Vitória (ES), v. 1, n. 3, p. 11-28, jan./jun. 2011. Disponível em:
<http://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/1430/1161>. Acesso em: 26 jan. 2013.

MUNHOZ, Ana Terra Mejia; DINIZ, Debora. Nem tudo é plágio, nem todo plágio é igual:
infrações éticas na comunicação científica.Argumentum, Vitória (ES), v. 1, n. 3, p. 50-55,
jan./jun. 2011. Disponível em:
<http://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/1434/1162>. Acesso em: 24 jan. 2013.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Proposta de adoção de medidas para prevenção do


plágio nas instituições de ensino e do comércio ilegal de monografias. Proposição
2010.19.07379-01. 19 de out. de 2010. Origem: Ricardo Bacelar Paiva. Relator: Conselheiro
Federal José Norberto Lopes Campelo. Comissão Nacional de Relações Institucionais do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em:
<http://www.ucb.br/sites/000/20/CombatePlagioDocumentoOAB.pdf>. Acesso em: 24 jan.
2013.

PAIVA, Juliana Medeiros. Resenha do livro: "Carta de uma Orientadora: o primeiro projeto de
pesquisa". 18 out. 2012. Disponível em: <http://foiplagio.blogspot.com.br/2012/10/resenha-
do-livro-carta-de-uma.html>. Acesso em: 26 jan. 2013.

VASCONCELOS, Sonia. Plágio em ciência. Oficina de divulgação para cientistas. Rio de Janeiro:
Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 9 dez. 2011. Disponível
em: <http://www.icb.ufrj.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=624&si

[1]Estudante de Pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerais —


alessandrabelobh@gmail.com

[2]Linguista e pesquisadora da Anis — Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.


anis@anis.org.br

[3]Se de um lado o plágio é consensualmente considerado uma infração, de outro, defini-lo


nem sempre é tarefa fácil, pois podem existir divergências na sua conceituação
(VASCONCELOS, 2011). A complexidade do tema está não apenas na sua definição, mas
também na sua prevenção, correção e punição.

[4]No meio acadêmico, são registradas várias outras infrações relacionadas à autoria, como
autoria fantasma, autoria compadrio, autoria feijoada e autoplágio. Essas práticas, apesar de
também serem violações éticas, não se enquadram no conceito de plágio (DINIZ e MUNHOZ,
2011).

[5]Casos nacionais e internacionais podem ser encontrados no blog Foi Plágio:


www.foiplagio.blogspot.com. Também a página do COPE (Comitê de Ética na Publicação, na
sigla em inglês) divulga uma série de casos discutidos pelo comitê desde sua fundação, em
1997: http://publicationethics.org/category/keywords/plagiarism.

[6]Como exemplos, citamos dois livros que podem auxiliar professores na conscientização de
estudantes sobre o processo de escrita e o respeito às normas bibliográficas: um é sobre
pesquisa na escola, de Marcos Bagno (2006), voltado para a educação básica; outro é uma
carta às orientandas, de Debora Diniz (2012), voltado para a graduação.Para uma resenha de
Diniz (2012), ver Paiva (2012).

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