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O

homem que não amei



Trilogia Soares – Livro I

Aline Pádua
Copyright 2016 © Aline Pádua
1° edição – julho 2016

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos
reservados. Proibida qualquer forma de reprodução total ou parcial da obra, sem
autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Ilustradora: Queen Designer
Revisão: Aline Pádua
Diagramação: Aline Pádua e Manuele Cruz
Agradecimentos

Antes de tudo, gostaria de agradecer a Deus, por ter me guiado para o caminho da escrita e me dado a
graça de alcançar esse sonho. A minha família, pelo suporte que me dão e por terem acreditado em mim. Ao
meu namorado, pela paciência e carinho, por não ter duvidado de mim em momento algum. A Manuele
Cruz (gêmea), por todo apoio, dicas e ensinamentos, por além de ser uma grande escritora, ser uma grande
amiga. A Aline Lima, por me auxiliar em várias dúvidas e ser sincera a respeito de tudo.
E claro, a todos os meus leitores, que vem desde o primeiro capítulo no Wattpad e estão comigo até
hoje. Por me acompanharem a cada dia, tanto no drama quanto na felicidade de cada enredo, de cada livro.

Obrigada!
Aline Pádua
Sumário

Agradecimentos
Sinopse
Playlist
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Bônus
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Bônus
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Bônus
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Bônus
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXII
Capítulo XXXIII
Capítulo XXXIV
Capítulo XXXV
Capítulo XXXVI
Epílogo
Nota da autora
A mulher que amei
Contatos da autora
Sinopse

Um casamento baseado em um acordo e um passado não revelado.
Victória Fontana passou por cima de tudo por um único e exclusivo amor, sua filha Luna. Chegando
a ponto de conviver sob o mesmo teto que o homem que mais repudia, o qual a traiu inúmeras vezes e
trocou míseras palavras com ela durante os vinte anos de casados. Porém, o tempo passa e agora sua filha
irá se casar. Essa seria finalmente a liberdade que Victória sempre sonhou, no auge dos seus quarenta anos,
tudo o que deseja é encontrar um verdadeiro amor e se afastar de vez do atual marido.
Caleb Soares é um homem reservado e completamente fechado. Ele guarda segredos que envolvem
não só seu passado, mas de toda sua família. Sua prioridade sempre se baseou em cuidar de sua filha, e em
hipótese alguma revelar algo a Victória. Vinte anos vivendo ao lado da mulher que ama, não foram o
suficiente para ele se declarar... Um erro do passado fez com que Caleb trancafiasse seu amor e deixasse
com que ela o odiasse. Quando Victória pede o divórcio, ele finalmente se dá conta de que seu amor por ela,
não passou com o tempo.
Será ele capaz de abrir seu coração?
Será ela capaz de acreditar em seus sentimentos?
Caleb tem uma chance de conquistar sua esposa, e caso não consiga, a perderá para sempre.

Playlist

Hello – Adele
One plus one – Beyonce
Remedy – Adele
Someone like you – Adele
Sozinho – Caetano Veloso
When a man loves a woman – Michael Bolton

Prólogo

Victória


Em um vestido branco tomara que caia, o colar e brincos de diamantes
com o qual foi presenteada e a pulseira a qual nunca usei mas sempre quis que
fosse dela. Ali está minha filha, meu orgulho. Trocando votos sinceros de amor
com seu, em alguns minutos, marido. Lucas é um garoto adorável, ou melhor, o
homem que a completa perfeitamente. Ele remete a mim, a definição de tudo o
que eu buscava antes de me casar com Caleb. E eu apenas quero que minha filha
seja feliz, do modo que eu ainda não fui.
A festa do casamento está animada e linda, e nesse momento minha
pequena dança com o pai no meio do salão. Lágrimas vem aos meus olhos ao ver
que de fato nunca cheguei a amar esse homem. Mesmo depois de mais de duas
décadas juntos, eu não consegui sentir as famosas “borboletas no estômago”.
Não posso negar que Caleb é um homem lindo, os olhos azuis e cabelos negros
são de tirar o fôlego. Mesmo com quarenta anos, ele exala masculinidade e
virilidade por onde passa, e a verdade é que ele sempre chama atenção de todos
ao redor. Porém, nem sua extrema beleza, me fez sentir de fato apaixonada.
Mal percebo e sua mão toca a minha. Lá vamos nós. Bancar um
casamento já falido, ou melhor, que nunca vingou. Ele rodopia comigo pelo
salão e eu evito encará-lo. O conheço bem, sei que estava com uma das suas
amantes há alguns minutos atrás, o cheiro de perfume feminino doce o entrega.
Pior é que não me machuca saber disso, nem um pouco.
— Não vou pra casa hoje, não me espere. — sua voz se faz presente e eu
lhe dou um sorriso cínico.
— Jamais esperei por você Caleb, hoje não será uma exceção. —
respondo e ele fecha sua expressão. Se tem uma coisa que odeia é ser desafiado.
A noite passa e tudo é perfeito. Fiquei um bom tempo conversando com
Lúcia, a mãe de Lucas. Eles são uma família rica porém muito humilde e
amável. Ao contrário de várias pessoa que conheci durante toda a minha vida, a
riqueza parece não lhes subir à cabeça.
— Então, hoje a casa está liberada? — Lúcia insinua maliciosamente e
eu apenas assinto.
Está liberada para minhas séries e livros, muitas besteiras e refri...
Nossos filhos se aproximam pra se despedir e eu decido levar Luna para
um lugar mais afastado, preciso lhe contar sobre minha decisão. Ela sabe bem da
minha situação com o pai, e tenho quase certeza que não ficará magoada. Se eu
aguentei todos esses anos ao lado de um homem que não amo, foi por ela.
— Pequena, estou muito feliz por você! — a abraço com força.
— Obrigada por tudo mãe, sem você nada disso aconteceria. Eu teria
desistido de Lucas no primeiro ataque de nervos que ele me causou. — responde
em lágrimas e eu sorrio.
Mesmo não tendo muita experiência, eu a aconselhei durante toda a
relação. E segundo os livros e séries, paciência é o segredo. No caso dela e de
Lucas, realmente funcionou.
— Preciso te contar algo. — digo e ela arqueia a sobrancelha direita,
igualzinha ao pai.
— É sobre o papai, não é? — esperta até demais!
— Sim, Luna. — suspiro cansada. — Eu tomei uma decisão e espero
que...
— Mamãe, eu quero sua felicidade. Já abriu mão dela por muito tempo,
ficando com o papai apenas por minha causa.
— Luna, você jamais foi um fardo pra mim. Não me arrependo sobre
minhas escolhas, mas...
— Está na hora de buscar a sua felicidade. Seja ao lado do papai ou não.
— complementa, como se lesse meus pensamentos.
— Sim pequena, logo vou sair de casa.
— O que? — meu corpo estremece ao ouvir o grito de Caleb e apenas
continuo encarando Luna.
— Vá encontrar Lucas. Ele deve estar te esperando para pegarem o voo.
— Luna me encara insegura, porém pisco para ela e a abraço. — Não pode se
atrasar.
Ela então entende meu recado, sabe que agora terei que enfrentar seu pai
sozinha. Não é do modo como imaginei, na verdade nem contaria a Caleb sobre
minha decisão. Iria sair sem falar nada, não queria já falar sobre os papéis do
divórcio. Mandaria o advogado pra isso. Porém, já é tarde.
Assisto Luna passar por ele e o abraçar com força. E essa é a única coisa
que jamais poderei falar algo sobre Caleb, pois quando se trata de Luna, ele
sempre foi o melhor pai. O que não é como marido, ele é como pai.
— O que você disse? — ele pergunta assim que Luna some do nosso
campo de visão.
Sua aproximação me faz soltar um suspiro frustrado. Não queria em
momento algum ter de discutir nossa situação e o destino dela, mas não tenho
outro alternativa no momento.
— Você ouviu muito bem, mas como a idade não deve estar ajudando
você, vou repetir. Vou sair de casa. — seu maxilar endurece e ele me encara
raivoso.
— Mas não vai mesmo, pra que isso?
— Quero o divórcio. — digo e ele fecha os olhos com força. O que está
havendo com ele?
— Quem disse que vou te dar o divórcio? — devolve e eu o encaro
incrédula.
— Vamos ser honestos pelo menos uma vez Caleb, não temos mais
porque ficar juntos. Luna já está casada e feliz, vai morar com o marido e eu não
tenho mais porque continuar sendo sua mulher. — explico o óbvio.
— Então todo esse tempo ficou comigo por causa de Luna? — pergunta
aparentemente surpreso.
— Sim, por que mais poderia ser? — pergunto ironicamente.
— Pensei que me amasse. — confessa baixo e penso até que não quis
dizer isso em voz alta. Não consigo segurar a gargalhada e ele me encara
estupefato.
— Tenho vários sentimentos por você Caleb, mas tenha certeza que
nenhum deles se assemelha a amor.
Nem espero sua resposta e saio dali rapidamente. Peço ao motorista pra
que me deixe em casa e quando chego já me jogo no sofá. Liberdade, a palavra
que ronda minha mente. Finalmente irei buscar o homem da minha vida. E com
esse pensamento acabo dormindo ali mesmo.

***

Acordo lentamente e percebo que estou no colo de alguém. Forço a visão
e percebo que estou nos braços de Caleb, essa é com certeza a maior
aproximação que já houve entre nós. Percebo então o que está acontecendo e
pulo do seu colo, assim caminho até o meu quarto. Isso mesmo, só meu. Jamais
dormimos juntos e agradeço aos céus por isso.
Quando deito na cama e estou quase pegando no sono, escuto batidas na
porta. Droga!
— O que é? — pergunto irritada.
Caleb entra no quarto e eu fico atônita. Ele endoideceu?
— Quero dormir Caleb, fala logo. — exclamo mais irritada ainda e ele
me encara de modo estranho. Ele parece perdido.
— Vim te avisar que não vou lhe dar o divórcio.
— O que? Por que? — minhas perguntas saem em um grito e me levanto
indo em sua direção. Levanto meu rosto para encará-lo e tudo o que tenho
vontade é gritar ainda mais. — Enlouqueceu?
— Porque você é minha mulher, simples assim. E até quando quiser que
seja, você continuará sendo. — afirma como se você a coisa mais normal do
mundo.
— Querido marido, não sou sua posse e muito menos sou de fato sua
mulher. Então tenho duas coisas pra dizer: ou você me dá o divórcio
amigavelmente ou eu vou tê-lo e ainda sujarei sua imagem. — ele arqueia a
sobrancelha direita e abre um sorri de lado.
Seu charme não funciona comigo e continuo encarando-o do mesmo
modo.
— Como poderia fazer isso Victória, eu sou um dos melhores advogados
do país. — zomba e eu abro um sorriso malicioso.
Vou até o criado mudo e lhe entrego uma pasta preta. Ali estão minhas
provas contra ele.
— Bom, como você se diz o "senhor melhor advogado", deve saber que
em nosso contrato de casamento consta que adultério de qualquer uma das partes
acarreta a parte traída o divórcio imediato, caso queira.
Assisto-o ficar de boca aberta, há várias fotos dele e das diferentes
amantes, todas com as datas.
— Como você fez isso? — pergunta gritando.
— Simples, não sou burra a ponto de não saber com quem me casei.
— Isso está apenas começando, pode apostar, não irá me deixar. —
afirma convicto e sai do quarto.
— Ao contrário querido, isso está pra a acabar. — grito e torço que ele
tenha ouvido.
A única coisa que me interessa nesse momento, ainda mais, é estar longe
dele o mais rápido possível.
Capítulo I

Victória


Acordei cedo com uma baita enxaqueca, e pior é que nem bebi muito na
noite passada. Pego meu celular no criado mudo, noto que ainda é cedo e vejo
também que há uma mensagem de Luna.

“Rainha, chegamos no Havaí! Não tem noção como o lugar é lindo!!! Eu
não poderia estar mais feliz, agora é sua vez mamãe. Eu sempre te apoiarei seja
qual for a decisão. Amo você!”

Rio sozinha da mensagem. Como pode ter apenas vinte anos e ser tão
esperta? Mas não me canso de ficar feliz por ela, realmente não poderia ter
escolhido homem melhor. Resolvo então, com o gás a mais que a mensagem me
deu começar a arrumar minhas malas.
Quando a primeira mala já está praticamente pronta, decido tomar um
banho. Ainda são 6:49 da manhã de sábado, tenho um bom tempo antes de Caleb
acordar. Assim poderei sair sem dar mais nenhuma explicação.
O jato quente de água cai sobre meu corpo e me faz sentir viva. Pego o
shampoo e o uso como microfone, não resisto em dar um show particular para
meu chuveiro.
“Ando por aí querendo te encontrar
Em cada esquina, paro em cada olhar Deixo a tristeza e trago a
esperança em seu lugar
Que o nosso amor pra sempre viva, minha dádiva
Quero poder jurar que essa paixão jamais será
Palavras,
apenas palavras
pequenas palavras...”

(Palavras ao vento – Cássia Eller)

Essa música marcou o melhor e mais feliz momento de toda minha vida.
O único homem o qual me fez conhecer verdadeiramente o que é o amor, o que é
se sentir desejada, o que é ser cuidada – Tomás. Não há um dia que eu não sinta
a falta dele, que não pergunto aos céus onde foi que ele se meteu.
O conheci a cinco anos atrás e foi impossível não nos envolver. Eu me
apaixonei perdidamente e não pude negar o que sentia. E se alguém me
perguntar se me arrependo? Não, nem um pouco. Meu casamento nunca passou
de uma fachada e Tomás sabia disso. Na verdade ele convivia com tudo isso.
Ele era o jardineiro da casa, um homem simples e trabalhador. O mais
encantador e lindo pra mim. Quando o vi pela primeira vez foi como se o mundo
parasse alguns instantes e nada me preparou ao saber que ele sentiu o mesmo.
Quando contei a ele toda a verdade que rodeia essa família, ele ficou claramente
chocado e ao mesmo tempo feliz. E eu me lembro muito bem daquele dia.
— Então ele jamais tocou em você? — perguntou e eu tenho certeza que
fiquei rubra.
— É, sim, eu ainda sou... — engasguei com minhas próprias palavras.
— Virgem. — Ele afirma e eu abaixo a cabeça com vergonha.
— Ei linda, não precisa ficar com vergonha. Nada me faria homem mais
feliz do que ser o seu primeiro... e único. — diz e sorri, não consigo me conter e
me jogo em seus braços.
— Nada me faria mais feliz também. — afirmo e ele me beija.
Tudo o que queria hoje era estar com ele, termos nossa família. Podem
pensar que eu tenha sido uma vadia ou algo do tipo, mas uma coisa que nunca
tive do meu marido foi respeito, ele me traiu com todas as mulheres possíveis.
Porém, eu jamais faria isso senão fosse o amor que senti por Tomás, que até hoje
parece estar impregnado em mim.
Nunca entendi ao certo o porquê de sua partida, na verdade ele apenas
disse que iria estudar e um dia voltaria para mim. Cinco anos depois e aqui
estou, sem uma notícia sequer dele. Porém, minha meta ao sair dessa casa será
descobrir onde Tomás de fato está e se ele é mesmo o homem que sempre
sonhei.
Com os pensamentos a mil nem percebo quando alguém entra no
banheiro. Logo vejo Caleb com apenas sua boxer me encarando como um
predador. O tecido branco fino não esconde o real interesse que ele tem ao estar
aqui, mas apenas sinto nojo ao encará-lo. Não posso negar, ele é um cara lindo,
com cada músculo no devido lugar. Porém, quantas mulheres já tiveram ele
assim? Muitas, tenho certeza. E eu apenas fui de um único homem que ainda
espero reencontrar. Ser de Caleb é algo fora de cogitação.
— O que quer aqui, Caleb? — pergunto já pegando meu roupão e me
cobrindo.
— Vim cobrar o que é meu por direito. — diz e eu gargalho. Como ele
consegue ser tão infantil?
— Cresça Caleb, você já passou dos quarenta. — digo e passo por ele.
Com certeza está furioso.
Sinto sua presença atrás de mim e apenas ignoro. Ele endoideceu? Só
pode. Nunca nem me beijou a não ser no dia do casamento e agora quer transar
comigo? Me poupe.
— Saia do meu quarto, Caleb! — exclamo.
Ele me pega pelos ombros e joga na cama. Seguro o roupão com força
em volta do corpo. Tudo que quero agora é chorar.
— Pare Caleb, por favor! — peço com lágrimas nos olhos e ele roça o
nariz no meu pescoço.
— Por que? Han? Não quer que eu seja seu primeiro? Diga a verdade pra
mim Victória, sempre esperou por esse momento. — diz convencido e eu
simplesmente gargalho.
— Não entendi qual foi a piada? — franze o cenho ao me encarar.
— Você! — respondo e ele parece ainda mais confuso.
— Eu não sou mais virgem querido, me poupe. — confesso e pouco me
importo com sua reação. Dane-se também.
Ele levanta da cama furioso e começa a passar as mãos nos cabelos
negros com força. Deve estar tentando saber quando aconteceu.
— A maldita da sua mãe me disse que você era virgem antes de nos
casarmos! Por que diabos ela mentiu? — pergunta furioso.
— Ela não mentiu. — sua boca cai e seus olhos abrem espantosos.
— Você me traiu? — pergunta cauteloso e baixo. Acho que não está
acreditando.
— Sim. — digo simplesmente.
— E ainda tem a cara de pau de me julgar? Não passa de uma...
— Alto lá babaca, eu te traí sim, mas olhe só esse casamento. — indico
nós dois. — Sempre fomos uma fachada. Mas não sou como você que vai pra
cama com qualquer uma. Eu apenas fui de um único homem, o qual amei
intensamente. — seu semblante se torna indecifrável. Sinto um pouco de medo
pelo olhar duro que ele me dá.
— Você não me conhece Victória, não sabe nada de mim. — olha para o
chão. — Quem é esse bastardo? — pergunta ao me encarar.
— Não o chame assim, ele tem nome. O único bastardo aqui é você. —
retruco com raiva.
— Quem é ele? — grita e me segura pelos pulsos.
— Tomás. — ele então me solta e parece ter levado um tapa na cara. O
olhar duro desaparece e o que vejo em seus olhos azuis é indescritível.
Eu nunca o vi de tal forma.
— O jardineiro? — pergunta baixo.
— Sim. — confirmo.
— Você me trocou por um zé ninguém?
— Primeiro que você nunca foi meu pra eu poder te trocar e segundo, ele
não é um zé ninguém. — lágrimas descem ao me lembrar de Tomás. — Eu ainda
o amo.
— Você com certeza não sabe do que está falando. — leva as mãos à
cabeça e balança a cabeça negativamente. — Onde está seu amor então? Ele te
amava tanto que simplesmente te deixou?
Dói ouvi-lo me atacar dessa forma, não por ser ele quem diz, mas porque
nunca ninguém me perguntou a respeito de Tomás, além de que ninguém sabe a
respeito do que vivemos. Doí não saber o que o afastou de mim.
— Mesmo assim, eu continuo sendo apenas dele. — digo e Caleb apenas
sai do quarto.
Corro para o closet e coloco a primeira roupa que encontro. Pego a mala
já pronta e decido levar apenas essa por enquanto. Meus documentos e dinheiro
estão na bolsa. Então ok! Estou pronta.
Quando estou descendo as escadas sinto uma mão me puxar. Droga!
— Quer mesmo me deixar? Quer mesmo o divórcio?
— É tudo o que sempre quis. — afirmo e sinto que ele estremece um
pouco.
— Ótimo, eu lhe darei. — solto o ar aliviada. — Mas tenha certeza que
Luna saberá a verdade.
— Você não ousaria! — grito e ele sorri abertamente.
— Ah, pode ter a certeza de que sim. — diz calmo e frio.
— O que diabos quer de mim Caleb? Por que insiste tanto para que eu
fique? — pergunto já angustiada.
— Não interessa, só saiba que se sair por aquela porta Luna saberá da
verdade.
— Seu covarde! — grito e parto pra cima dele dando socos que parecem
nem incomodar.
— Chega Victória! — imobiliza meus braços. — Você decide. — diz e
sobe as escadas.
Como ele pode fazer isso agora? Por que não me deixa ir em paz? Não
posso deixar Luna saber sobre isso, ela irá me odiar. Sempre disse a ela que
omitir e mentir algo não deve ser feito. Como ela reagiria a saber que menti a
vida toda pra ela?
Sem nenhuma resposta, choro sozinha sentada em um degrau das
escadas. Eu só quero me livrar desse casamento e a única coisa que Caleb
consegue fazer é me deixar com mais ódio dele. Limpo as lágrimas com raiva e
penso comigo: “É guerra que ele quer, então é guerra que ele vai ter!”
Capítulo II

Victória


“Como pôde mam... ou devo dizer Victória?
Você mentiu pra mim a vida toda?
Como pode mentir assim?
Eu odeio você, odeio!”

Acordo sobressaltada e percebo que foi apenas mais um pesadelo.
Droga! Pareceu tão real. É como se Luna realmente estivesse aqui me dizendo
essas coisas.
Tento me levantar porém minhas costas doem. Olho ao meu redor e me
assusto ao notar onde estou. Eu adormeci na escada? Olho ao lado e minha mala
continua ali, nenhum sinal de Caleb ou de alguém. Ótimo, agora sim não sei o
que fazer.
Não quero continuar nessa casa nem mais um segundo, porém não tenho
escolha. Se tivesse lhe entregado a carta que escrevi quando ela nasceu, talvez
ela não me odiasse agora. Mas não passo de uma covarde.
Levanto do degrau e caminho novamente para o meu quarto. Deixo a
mala encostada na porta e vou em direção ao que até então era o quarto da minha
princesa. O ar de adolescente ainda permanece ali, com um papel de parede
cinza e lilás. Mas me lembro bem como era lindo e clean antes, em tom rosa
bebê, o qual havia escolhido. Fiz de tudo o que pude para criá-la como a
princesa que é. Como se ela tivesse saído do meu ventre, o que infelizmente não
ocorreu.
Um forte barulho vindo do quarto ao lado me assusta - quarto de Caleb.
Bato várias vezes na porta, porém em vão, não consigo resposta alguma.
Resolvo então entrar pela primeira vez naquele cômodo.
Assim as paredes em um tom azul grosseiro mostram que é um homem
que dorme aqui, sem o mínimo toque feminino, já que ele nunca me permitiu
entrar em seu quarto. Como ele mesmo diz "é um local proibido pra mim". O por
que? De fato nunca soube.
Ouço um som de vômito vindo do banheiro e me encaminho até lá.
Observando tudo ao me redor, viro-me em direção a parede em frente a cama e
quase caio dura no chão. Fico estática. Ali na parede, há várias fotos minhas e de
Luna, emolduradas em um tamanho gigante. A parede é coberta por elas. Que
Luna estivesse ali eu entendo, mas por que eu?
Resolvo deixar minha dúvida sobre isso pra depois, pois novamente ouço
um barulho alto vir do banheiro. Abro a porta e fico estática com a cena que
encontro. Caleb está jogado no chão feito uma criança indefesa e quase engasga
com o próprio vômito. Não posso mentir que sinto um nojo absurdo da cena,
porém mesmo assim o ajudo.
Levanto-o do chão e começo a tirar suas roupas sujas. Abro o box e
coloco o chuveiro no modo mais gelado, deixando com que a ducha fria caia
sobre ele. Acabo me molhando junto, pois ele sequer consegue ficar sozinho em
pé. Deve ter bebido umas três garrafas de uísque ou misturado alguma bebida. Já
o vi beber muito antes e não ficar nesse estado, com certeza passou da conta.
Termino de lhe dar banho e o enrolo em uma toalha, ele protesta um pouco, mas
por fim acaba aceitando que o enrole no roupão.
Já dentro do quarto o deixo deitado na cama e tento achar uma cueca
limpa no closet. Abro várias gavetas e nada. Puxo uma com força, porém essa
parece emperrada, forço mais um pouco e ela se abre com força, caindo no chão.
Vários papéis caem e eu os analiso meio receosa, me sentindo um pouco culpada
por estar bisbilhotando. Junto todos os envelopes lacrados e arrisco ler a quem
são endereçados. Minha surpresa não poderia ser maior, pois todos os envelopes
estão endereçados a mim. Analiso mais um pouco e finalmente constato que são
cartas. Por que Caleb escreveu cartas pra mim? Espera aí, ele escreve cartas?
Sem saber o que pensar sobre essa descoberta, coloco as cartas de volta
no lugar, porém aproveito pra levar a de data mais antiga comigo. Talvez ele não
dê falta em apenas uma depois, e poderei matar minha curiosidade. Nesse
momento sei que ele não dará falta de nada, no estado de quase óbito em que se
encontra.
Vasculho mais algumas gavetas e finalmente encontro as cuecas, pego
uma branca que está por cima e vou em direção a ele. O encontro dormindo
serenamente como se não tivesse colocado as tripas pra fora cinco minutos atrás.
Resolvo ficar por alguns instantes ali velando o seu sono, com medo dele
acordar e acabar passando mal novamente e correr o risco de engasgar com o
vômito de alguma forma. Deito ao seu lado na cama, e acabo adormecendo sem
perceber.

***

Acordo com um telefone que toca insistentemente. Percebo que não é o
meu, pois nem de longe meu toque é Highway to Hell. Acho que meu toque de
hoje é Just the way you are, cafona, porém lindo. Olho para o lado e Caleb
dorme feito pedra. O telefone continua tocando e eu não resisto em atender.
— Alô.
— Caleb? Espera aí, quem é você sua vaca? Por que está com o celular
do meu homem?
Mais uma de suas amantes sem noção. Bufo sozinha, enquanto ela
continua dizendo um monte de atrocidades pelo telefone. Ah, ela me tirou de um
sono gostoso, agora vai ouvir umas boas mentiras.
— Em primeiro lugar, cale a boca que você não está falando com alguém
do seu nível. Segundo, eu sou Victória Soares, a mulher do babaca para o qual
você ligou atrás de uma foda... Por que é isso que ele dá a você, não é? E em
terceiro lugar, pode tirar essa ideia da cabeça, pois ele está exausto aqui do meu
lado de tanto que fizemos amor. Isso mesmo queridinha, nós fizemos amor.
Beijos e vá a merda! — grito a última frase e desligo o telefone.
Quem essa aí acha que eu sou?
Ouço uma gargalhada ao meu lado e encontro o babaca do meu marido
rindo. Mas é agora que vou matá-lo.
— Do que está rindo, idiota? — pergunto e ele muda o semblante na
hora.
— Não me chame assim. — praticamente rosna.
— Chamo do jeito que eu quiser. — retruco com ainda mais raiva. — E,
aqui está seu celular. A foda de hoje deve estar muito mais puta que o normal
com você, pelas mentiras que falei pra ela.
— Mentiras que poderiam ser verdade, não acha? — pergunta e eu fico
ainda mais nervosa. Busco ironia em seus olhos ou até mesmo deboche.
Ele não está falando sério, não é?
— Não acho nada, quero mesmo é que você não cometa suicídio nesse
quarto quando não estiver aqui. E, de nada! — digo e me levanto da cama, com a
intenção de sair dali. Dou de cara novamente com a parede repleta de fotos e
paraliso no meio do caminho.
— Pode perguntar. — sinto seu corpo próximo ao meu.
O que aconteceu com Caleb hoje? Ele nunca ficou tão próximo a mim, e
de repente parece querer estar por perto a cada segundo.
— Melhor não.
— Por que? — sinto sua respiração no meu pescoço e seus braços me
envolverem.
— Pra quê mais mentiras, Caleb? Já tenho o suficiente. Agora sou uma
refém nessa casa. — tiro seus braços de mim e me viro para encará-lo. — O que
quer de mim? — seus olhos desviam dos meus e ele apenas encara o chão.
— Não vou deixar você ir! — diz ainda sem me encarar, porém seu tom é
sério e decidido. Ele enlouqueceu, tenho certeza.
— Por que diabos você sempre repete isso? Pensei que daria aleluia para
quando eu fosse embora. Pra você sempre fui interesseira e fútil, não é? —
pergunto já transtornada com toda essa situação.
— Não interessa, já disse que não irá. — me encara ainda mais
determinado.
— Ok. — ele me olha desconfiado e aproveito para sair do quarto, porém
paro na porta. — Mas então, terei que descobrir por mim mesma. — digo e lhe
mostro a carta que guardei no bolso.
Ele me encara assustado e sei que virá até mim, aproveito e saio correndo
pro meu quarto. Tranco a porta e abro a carta. Ouço seus gritos e socos na porta,
porém ignoro. Começo a ler e não consigo acreditar.
Não pode ser verdade!
Capítulo III

Caleb


Começo a bater com mais força na porta do seu quarto, porém não
obtenho nenhuma resposta. Não sei denominar o tamanho do pânico que se
instalou em mim quando a vi com a carta, justo essa carta. Merda!
Lembro como se fosse hoje, nesse exato momento quando a escrevi. Não
faz muito tempo, ou melhor, faz sim. Acho que uma década na verdade. Foi
quando comecei a escrever cartas pra ela, pois não tinha ideia de quanto tempo
de vida ainda me restara. Não que eu tivesse uma doença incurável ou maligna,
mas tinha medo como todo ser humano de morrer e não poder me explicar.
Explicar o porquê de minhas atitudes.
Eu contava a princípio como se o papel fosse um amigo íntimo e foi a
única maneira de conseguir me abrir de fato. Eu sou um homem quebrado de
várias maneiras e sabia que talvez assim, por meio de cartas, Victória me
entendesse. Mas não era pra ser agora, não agora.

Primeira carta



Conheço Victória desde muito novo, acho que tinha uns 12 anos na
época. Ela era linda como hoje, os cabelos morenos em contraste com a pele
clara e olhos azuis como o mar. Era uma menina doce com todos e sempre foi
muito receptiva comigo. Nossos pais eram amigos íntimos e de negócios na
época, então era fácil vê-la toda vez que havia um almoço ou jantar. Eu
aguardava feito um tolo tais momentos.
E foi em uma dessas comemorações que tudo mudou... Eu havia
completado 16 anos e mesmo depois desse tempo ainda tinha sentimentos, os
quais não sabia ao certo denominar em relação a Victória. Ou como eu a
chamava secretamente, apenas Vic. Nunca tivemos nenhum tipo de liberdade,
mas eu estava decidido que naquela noite iria me declarar pra ela de alguma
forma.
Eu subi os degraus vagarosamente e notei que a porta de um dos quartos
estava entreaberta. Ao olhar pelo vão vi a cena que jamais consegui esquecer,
Castiel, meu irmão mais velho, estava a beijando na boca. Não! Eu é quem
deveria estar aí.
Depois disso acabei me rebelando, com raiva e coração quebrado, me
tornei o bad boy e como me chamavam - o gostosão da turma e Victória acabou
se afastando ainda mais. Se antes achava que tínhamos o mínimo de
aproximação, agora sabia que não tínhamos absolutamente nada. Nem o
mínimo de cortesia eu fazia questão de lhe prestar. Com tudo o que ocorria meu
pai acabou me mandando para fazer faculdade fora do país, o que não fiz
qualquer objeção. Ficar longe seria a melhor coisa, e assim a tiraria finalmente
do meu sistema. Três anos longe de casa infelizmente não foram o suficiente
para esquece-la, não sabia ao certo, mas com certeza ela me lançou algum tipo
de feitiço. Porém, tudo acabou mudando com a minha volta. E eu jamais
imaginei que isso terminaria em um casamento com Victória.
Quando finalmente cheguei em casa, não estranhei não ter ninguém por
ali, já que queria fazer uma surpresa. Ouvi alguns gritos e um som de choro
vindo da cozinha, e fui nessa direção. Deparei-me com o que pensava ser a
empregada e Castiel discutindo sobre gravidez. Ao me notar a moça ficou pálida
ao extremo e meu irmão não sabia o que dizer. Mas era fácil entender. Tinha
quase certeza que ele havia a engravidado e não iria assumir o bebê, e mais,
aposto que deu dinheiro para que ela tirasse.
Após esse episódio encurralei a tal empregada, Annie, que acabou
confirmando todas as suposições. Meu irmão era um verdadeiro irresponsável e
canalha. Acabou que nos tornamos bons amigos e invés de voltar pra faculdade
fora, decidi continuar aqui mesmo no Brasil. Eu iria assumir a menininha que
Annie carregava e a criaria como minha.
Quando Annie completou aproximadamente quatro meses a fiz pedir as
contas, de forma que meu irmão não interferisse e não soubesse de nada. Sei
que ele iria fazer de tudo para não ter a bebê. Ela no começo ficou receosa,
porém acabou aceitando. Nesse meio tempo, estava dividido entre Annie e a
faculdade, mas o destino guardou a cereja do bolo para o final.
Meus pais estavam falindo, devido ao uso abusivo e descontrolado do
dinheiro que tinham. A solução pra eles era fácil e óbvia, casar um dos filhos
com alguma "herdeira" de um império. E adivinha só? Sim, eu fui o escolhido. E
quem mais? Victória. E esse foi apenas o começo do fim.

- Se você está lendo isso agora Vic, é porque finalmente fui homem o
bastante pra te contar sobre o que realmente senti naquela época. Como foi
difícil perder Annie naquele dia trágico e como não conseguia encarar Luna a
princípio.
E por que escrevi uma carta? Porque eu sempre fui um homem
romântico, acredite se quiser. O que me quebrou naquela época pode parecer
bobo pra você, mas foi aquele beijo. Espero que um dia entenda. -
Pra sempre seu, C.


Passam-se alguns minutos e nenhum sinal de vida dentro daquele quarto,
com certeza ela está tentando digerir tudo o que leu.
Respiro fundo e desabo derrotado no chão, levando as mãos à cabeça.
Como posso explicar tudo agora?
Ouço a chave girar na fechadura e apenas levanto o rosto em sua direção.
Victória sai com a carta encostada no peito e os olhos vermelhos, com certeza
estava chorando.
Decido que o melhor é lhe dar um tempo pra absorver tudo isso, nem eu
mesmo acredito que passei anos da minha vida apaixonado por uma mulher que
nunca me amou. E ainda a enganei fazendo achar que assumiu uma filha que
supostamente é fruto do amor meu e de Annie.
Levanto-me e resolvo sair dali, porém logo sinto sua mão me puxar de
leve.
— Você fez tudo isso apenas pra proteger Luna? — pergunta e noto que
lágrimas descem por seu rosto corado.
— Não. — digo e ela me encara confusa, então resolvo confessar de uma
vez. — Fiz por você também.
— Eu? Como assim? — indaga incrédula.
— Eu queria que me amasse. — confesso. — Porém, sei que não me
aceitaria por estar sendo obrigada a se casar comigo. — ela fica pálida e parece
que vai desmaiar. Meu coração para por alguns instantes, mas sua voz doce e
fraca me acalma.
— Como pretendia fazer isso Caleb? Você me traiu, omitiu e mentiu
todos esses anos. Como poderia te amar? — pergunta e seu semblante mostra
raiva nesse momento.
— Nunca mais fui o mesmo Victória, usei de todos os artifícios possíveis
para que você sentisse ciúmes de mim. Eu nunca soube lidar com essas coisas do
coração, não uma vez que... — lembranças fortes vem em minha mente e
balanço a cabeça tentando empurrá-las para longe. — Esqueça isso!
— Eu sinto muito Caleb, por você ter visto eu e Cas...
— Faz muito tempo, não faz mais diferença. Melhor esquecermos isso.
— digo e tento sair dali, porém ela me impede novamente.
— Não! Eu não posso esquecer. — agora sou eu que a encaro
completamente confuso.
— Me diga, você ainda...
— Sim, eu ainda te amo! — dizer isso finalmente em voz alta, parece
ainda mais vergonhoso do que imaginei. — Satisfeita? — grito e ela se retrai um
pouco.
— Por que? — ela grita e começa a socar meu peitoral. — Por que não
tentou me conquistar? Por que não foi aquele cara doce de antes, ou
simplesmente o cara romântico que escreve cartas?
— Isso mudaria algo? Claro que não Victória! Olhe só pra nós, nunca
funcionamos juntos, sequer dormimos na mesma cama. — explodo. — Eu
desisto. — digo e seguro as lágrimas que queimam pra descer.
— O que quer dizer com isso? — sua voz sai nitidamente temerosa.
— Você está livre Victória, vá atrás do seu homem amado! — engulo em
seco. — Vá atrás de Tomás! — grito. — Não precisa se incomodar de sair dessa
casa, eu saio. — digo.
Pego as chaves do carro e a carteira em cima da mesinha de centro na
sala e ignoro seus gritos. Entro no carro e assim que passo pelo portão encaro
aquela casa que muitas vezes pensei que seria o local da minha felicidade, da
minha família. E o pior é saber que nunca será, que simplesmente acabou.
Capítulo IV

Victória


Vejo seu carro sair pelo portão e minha vontade é segui-lo. O obrigar a
me dizer todas a verdades, o que fiz para que ele fosse tão rude assim. Ele não
pode ter feito tudo isso apenas por conta daquele beijo, sinto que não. Há algo
mais nessa história, muito mais. Porém, não consigo parar de pensar na noite em
que Castiel roubou aquele beijo de mim. Pois é, ele roubou.
— Castiel, por favor, eu não quero.
— Ah qual é Vic, eu sou bem mais bonito que o Caleb, pode admitir. —
diz e abre um sorriso cínico.
— Primeiro, não me chame de Vic e segundo, eu não quero. — reafirmo
minha posição, porém ele não me dá escapatória. Meu primeiro beijo é tomado
a força.
Tento me afastar, porém Castiel é bem maior e consegue me manter em
seus braços. Finjo ceder e ele afrouxa um pouco o aperto, aproveito e o empurro
com força lhe dando um tapa no rosto em seguida.
— Você ficou maluca? — grita transtornado.
— Fique longe de mim! — grito ainda mais alto e tento passar por ele.
— Não me importo com você garota, só queria provar meu ponto. — diz
sarcasticamente.
— Como assim? — pergunto confusa e ele simplesmente abre outro
sorriso cínico, e vai embora.
Lembrando disso agora percebo qual o ponto ele estava falando. Ele me
beijou apenas pra jogar na cara do irmão mais novo. Com certeza sabia que
Caleb gostava de mim. Parece que todos sabiam, menos eu.
Não sei o que pensar nesse momento, tudo o que mais queria era o
divórcio. Mas eu queria me divorciar do homem que me usou apenas pra ter uma
mãe para filha, que nunca me tocou e apenas usava as mulheres para o próprio
prazer, o homem que nunca me amou. Mas, o homem que saiu daqui, não me
parece com esse. Ele assumiu a filha do irmão mais velho inconsequente, ele
escreve cartas de amor para mim, ele... Deus, ele me ama!
Como posso digerir tudo isso? E por que estou me importando tanto?
Fico divagando sozinha sobre tudo, porém não obtenho nenhuma resposta.
Respiro fundo e decido dar um tempo tanto pra mim, como pra ele. A separação
talvez seja a melhor coisa, mesmo sabendo disso, nada muda o fato de que nós
nunca nos demos bem. Não faz sentido pensar que funcionaríamos, tivemos
vinte anos para isso.
Isso que dá ser uma romântica incurável!
Decido ir até a cozinha beber algo, algum remédio que me acalme ou
simplesmente um que me faça dormir. Tomo um calmante natural e volto para
seu quarto. Pego as outras cartas cautelosamente e começo a ler. Fico estática ao
ler cada linha de uma delas.
Eu sempre achei que conhecia tudo sobre Caleb, mas agora percebi que
de fato nunca o conheci de verdade.


Caleb

Hospedo-me em um hotel qualquer e assim que entro no quarto, vou ao
banheiro. Entro debaixo da ducha fria e encosto minha cabeça no azulejo frio.
Talvez a água leve essas aflições embora. E por fim faço algo que há muito
tempo não fazia, choro. Choro feito um menino de doze anos que teve pela
primeira vez seu coração partido.
Volto a alguns anos atrás, quando percebi que Victória jamais seria
minha. Eu via os olhares que ela e Tomás davam um para o outro, aquilo me
corroía por dentro. Contudo, resolvi ignorar, pensei que talvez ela quisesse me
fazer ciúmes. Infelizmente hoje sei que estava totalmente enganado.
Mas naquela época eu via que eles se gostavam de alguma forma, talvez
fossem apenas amigos, ou sei lá. E como dizem por aí: “O maior cego é aquele
que não quer ver”. Quando ela me contou que perdeu a virgindade com ele...
Merda! Eu sabia que eles eram próximos, tinha a suspeita de que ela já havia
dormindo com ele, mas nunca quis ouvir toda a verdade... Era pra ter sido eu, o
único homem dela. Por Deus! Eu amo essa mulher e a perdi mesmo ela estando
casada comigo.
Assim que saio do box, fico um tempo encarando o espelho, me
perguntando quem de fato sou. Penso em como poderia contar a verdade pra
Luna, mas isso apenas faz com que chore ainda mais. Eu a amo tanto, como se
realmente fosse minha.
Enrolo-me em um roupão e vou em direção ao quarto. Ligo para
recepção e peço duas garrafas de uísque. Só a bebida pra levar um pouco dessa
raiva e frustração embora.

***

Quando estou levando o segundo copo de uísque a boca ouço batidas na
porta. Mas quem poderia ser? A portaria não anunciou ninguém.
Abro a porta com raiva e o sorriso cínico que encontro em minha frente
me causa um arrepio. Ódio sobe a minha cabeça e fecho os olhos tentando
manter o controle. Abro os olhos e seu sorriso está ainda mais aberto, cerro os
punhos e o pego pelo colarinho jogando-o contra a parede.
— O que faz aqui? —pergunto furioso e ele me lança um olhar de falsa
indignação.
— Olá irmãozinho, quanto tempo não?
Capítulo V

Victória


Termino de ler mais uma das cartas e meu coração parece sangrar. Caleb
fala de Luna, Annie, Dani, de mim... Com tanto amor, que simplesmente, fico
encantada.

Carta

Eu posso nunca ser o homem certo para Victória, mas poder observá-la
de longe, se tornou meu hobbie favorito. Observar ela e... Bom, nossa filha –
Luna. Eu jamais pensei que Victória a aceitaria, pois no começo, nem eu mesmo
a aceitei. Fiquei tão transtornado com a morte de Annie, que tudo ao meu redor
parecia errado naquele momento.
Parecia errado o fato de que tudo se encaixou perfeitamente para
Victória ser minha mulher. O falimento de meus pais, a necessidade de seus pais
de ter um novo presidente na advocacia, o meu amor por ela e... A morte de
Annie. Eu nunca consegui superar isso, pois Annie chegou até meu coração,
assim como sua irmã, Danielle. E quando ela se foi, tudo o que pude fazer, foi
me agarrar ao sofrimento junto a Dani e trazê-la para minha vida. Ela se tornou
uma irmã para mim, assim como Annie foi.
Mas eu não consegui me sentir menos culpado. Eu tinha uma mansão, a
mulher que amo, dinheiro mais do que suficiente, uma filha recém-nascida e
uma nova irmã. Eu tinha tudo, enquanto Annie havia perdido sua vida. Porém, o
dia em que Victória aceitou Luna, mudou tudo para mim.
Ela acabou por me aceitar, pelo fato de ter Luna ali. Nossa pequena e
indefesa princesa. Ela aceitou Danielle em “nossa” mais nova mansão, e sequer
fez perguntas. Agora, me diga, como poderia não amar essa mulher? E foi aí,
que ela se tornou meu tudo.
E agora, sentado na poltrona de meu escritório e assistindo a cena de
Victória e Luna adormecidas na rede do jardim... Nada no mundo vale mais a
pena do que isso. E não me importo mais se não terei o amor dela, apenas quero
poder observá-la. Ver seu sorriso e a luz que traz em seus olhos azuis. Olhos que
me fascinam.
E eu me descobri sendo apenas de Annie, Dani e Luna. Porém, Victória
sempre será a mulher de minha vida. Mesmo que seja apenas a metros de
distância.
Pra sempre seu, C.


As lágrimas banham meu rosto. Eu não consigo acreditar que ele sentiu,
ou sente mesmo tudo isso. Ele então sempre esteve lá, me olhando. Como ele
mesmo diz, me observando de longe.
Eu mal posso acreditar que Danielle, a menininha loira que ele trouxe pra
morar conosco há muitos anos, seja simplesmente a tia de Luna. Eles nunca
tocaram no assunto, e mesmo tendo me tornado amiga de Dani, nunca perguntei
sobre nada, pois sei que jamais me diria. Tudo o que Caleb me disse foi que tirou
Dani das ruas, apenas. Por que ele simplesmente não me contou?
Estou perdida em pensamentos quando ouço o soar da campainha. Pego o
copo d’água a minha frente na bancada da cozinha, não consegui ficar muito
tempo no quarto. Resolvo simplesmente ignorar, seja lá quem for que a
segurança deixou entrar, não quero ter de encarar. Não agora.
Dani aparece de repente e me encara assustada.
— Me desculpe a demora Vic, acabei apagando na rede do jardim e só
acordei quando um dos seguranças praticamente me jogou dela. — Exagerada
como sempre.
Pelo menos ela não presenciou a cena que eu e Caleb fizemos. Agora que
sei o quanto ela já foi quebrada, não quero que ela veja Caleb, o qual sei que ela
considera o irmão, brigando tão rudemente comigo.
— Não sei porque está se desculpando. — zombo. — Já disse que não é
a governanta dessa casa, você trabalha fora há tempos Dani, não precisa ficar...
— É o mínimo que posso fazer por ainda atormentar você e Caleb. — é
direta. — Porém, com o dinheiro que estou guardando logo consigo comprar
meu apartamento e...
— Você sabe muito bem que nunca atrapalhou nada, aliás, precisamos
conversar. — a corto e respiro fundo. — Eu acabei de saber que... — a
campainha soa novamente.
— Um minuto! — grita e corre em direção a sala.
Quem estaria aqui agora? O que era tão importante assim?
Dani volta em minha direção com um olhar nada agradável.
— Pela sua cara, alguém não muito bonito está ali. — brinco, porém ela
me encara brava. — Quem está aí?
— O irmão de Caleb. — diz e seu rosto se retorce.
—O que Chris fez para odiá-lo tanto assim e não o deixar entrar? —
pergunto sem entender sua reação.
— Não é Chris. — a encaro perdida. — É um tal de Castiel.
— O que? — praticamente grito. Por que ele voltaria agora de Londres?
— Não entendi muito bem, nunca ouvi falar nele. Porém, um dos
seguranças me assegurou que ele mostrou a identidade e como Caleb deixou
livre a entrada dos irmãos...
— Vamos lá! — bufo sozinha e ela me segue até a porta. — Dani! — ela
volta seu olhar pra mim. — Fique longe dele, ok?
— Ok, mamãe. — zomba e abre a porta.
Então, encontro Castiel Soares com o semblante já bem diferente do que
me lembro, só que sem deixar de ser bonito. Ele deveria estar em seus 42 anos,
já que era o mais velho dos irmãos. Porém, a grande diferença entre os três não
era a idade, e sim que Castiel tem olhos verdes.
Dani revira os olhos quando ele a encara, porém como sempre o sorriso
cínico está em seus lábios e ele pisca em sua direção.
— O que quer aqui, Castiel? —pergunto.
Sinto vontade de socá-lo por ter tido coragem de mandar tirar Luna, por
ter abandonado Annie...
Encaro Dani ao meu lado e ela me olha desconfiada. Então, Caleb nunca
contou a ela sobre Castiel ser o pai de Luna? E com certeza, ele fez isso para
protege-la. Duvido que o próprio Castiel saiba que está diante da irmã da mulher
que ele abandonou grávida.
— Por que essa agressividade morena? Meu irmão não está fazendo o
serviço direito, estou por aqui agora caso...
— Direto ao ponto Castiel!
— Bom, vim fazer uma visitinha ao meu querido e amado irmão mais
novo. Ele está? — pergunta.
Penso no que responder, mentir talvez, mas sei que Castiel tem como
descobrir onde Caleb está. E assim que ele descobrir, vou junto.
— Eu não sei.
— Como assim? — arqueia a sobrancelha e me olha zombeteiro.
— Sei que você tem meios de descobrir, se já não sabe e veio aqui apenas
para se mostrar.
— Tão esperta, cunhadinha. — reviro os olhos. — O papo está ótimo
mas tenho assuntos inacabados pra resolver. Não sinta minha falta porque logo
logo voltarei. — vai andando em direção a saída.
— Ele é mesmo irmão de Caleb? — Dani pergunta e eu assinto. — Ele é
um idiota.
— Pode ter certeza que sim.
Vejo seu táxi chegar e logo sair, então vou até um dos seguranças que vi
o olhando de perto. Com certeza ele ouviu para onde Castiel vai. E assim,
consigo descobrir meu novo destino.
— Onde está indo, Vic? — Dani pergunta sem entender, e eu
simplesmente lhe mando beijos.
Entro no táxi que pedi e logo mais ele para em frente a um hotel. Com
certa facilidade, consigo subir sem que o porteiro precise interfonar.
A família de Caleb é conhecida por ser uma das maiores empresas de
publicidade da América Latina e a minha, pela Advocacia Fontana, uma das
melhores do Brasil, onde ele é presidente. Duvido muito que o porteiro me
negasse de ir até ele, o qual fez até questão de me passar o andar e número do
quarto, antes mesmo de eu pedir. Bom, o porteiro na realidade é um ingênuo
rapaz, de no máximo uns 24 anos. As pessoas realmente acreditam no que a
mídia e fofocas dizem. Onde todos acham que eu e Caleb somos o casal com
final feliz. Doce ilusão.
Fora que as pessoas sentadas na recepção me remetem aos seguranças
particulares de Caleb, que sempre andam disfarçados. Eles não me proibiriam de
subir.
Quando o elevador finalmente se abre, assusto-me com a cena que me
recebe. Vejo Caleb com as mãos no pescoço de Castiel, praticamente o
sufocando contra a parede do corredor.
— Olhe só, quem veio participar da festa. — Castiel diz e só assim Caleb
nota minha presença.
— O que faz aqui, Victória? — Caleb pergunta ao soltar o pescoço do
irmão e me encara com raiva.
— Queria saber o que fez Castiel voltar de Londres. — dou de ombros.
— Responda logo o que quer Castiel, ou eu mesmo te coloco no próximo
voo pro Alasca. — Caleb praticamente rosna.
Noto os punhos de Caleb fechados e em poucos segundos, ele acerta o
irmão no rosto.
— Por Deus Caleb, não faça isso. É isso que ele quer.
— Ah então agora você defende o maridinho querida cunhada, sabe tudo
o que ele esconde ou quer que eu conte?
— Eu apenas sei que você é um ser humano miserável que teve coragem
de querer matar a própria filha! — grito com raiva e vou pra cima dele, porém
Caleb me segura pela cintura.
Castiel começa a bater palmas e diz com desdém:
— Nossa, que lindos, o casal perfeito! Mas finalmente chegamos ao
ponto que eu queria.
— Qual? — Caleb grita, ainda me segurando pela cintura, e eu confesso
que nunca me senti tão segura antes.
— Luna.
— O que quer com nossa filha? — pergunto gritando e o semblante de
Castiel se fecha.
— Minha filha. — responde simplesmente.
— Ficou louco? — Caleb pergunta e solta minha cintura, quando menos
espero ele dá outro soco no irmão, que mesmo assim não se intimida.
— Não irmãozinho, apenas voltei para pegar o que é meu.
Capítulo VI

Caleb


Não me seguro e começo a socá-lo com ainda mais força.
— Caleb! Para! Para! — ouço os gritos de Victória e simplesmente a
ignoro.
Não quero ouvir a voz dela, não quero saber que ela está aqui pelas
cartas. A conheço bem, nesse momento deve estar se sentindo culpada. Mas
culpa nunca foi algo que esperei dela. E nunca será.
Vencido pelo cansaço pego Castiel pelo colarinho e o empurro contra a
parede.
— Que fique bem claro. Fique longe da minha filha! — grito, e como
sempre meu irmão abre um sorriso cínico.
Encaro seu rosto todo machucado e sangrando, e não tenho mais coragem
de bater. Porém preciso me esvair dessa raiva e ódio.
Ele não vai, ele não vai tirar Luna de mim.
Com isso, soco a primeira coisa que vejo na frente. Meu punho arde pelo
impacto com a parede e meu irmão arregala os olhos por perceber o quão perto
do seu rosto o soco passou. Com certeza, ele iria apagar.
— Ouviu bem? — pergunto já o soltando e volto para meu quarto.
Poucos segundos depois Victória entra com um semblante nada satisfeito
e eu tenho vontade de descontar toda minha raiva nela. Não fisicamente, claro
que não. Não sei, talvez gritar com ela algo do tipo: Por que nunca foi capaz de
me amar? Porém me contenho e vou ao banheiro.
Entro novamente debaixo da ducha fria e deixo que ela caia
principalmente sobre minha mão que lateja de dor.
— Merda! — grito de dor, quando sem querer derrubo o shampoo em
cima da mão machucada.
— Você está bem? — olho para o lado de fora do box, e sinto-me ainda
mais diminuído.
Lembro da noite em que ela me destruiu com palavras. Tenho certeza de
que ela não sabe que eu as ouvi, mas eu me lembro de cada uma delas.
— Quem Caleb acha que é? Só porque todas as mulheres o querem, não
quer dizer que eu o quero! Eu o odeio! — seu grito quebra meu coração.
Sento-me do lado da porta e continuo ouvindo.
— Vic, se acalma! — Dani pede e ouço a gargalhada de Victória.
— Acha mesmo que sinto vontade de dormir com aquele traste? Ele é
ridículo! — grita alto. — Eu sinto nojo dele, nojo de tê-lo beijado hoje. Mas isso
felizmente foi apenas encenação após dizermos sim.
— Vic...
— Eu nunca vou amá-lo, ouviu bem? Eu perdi tudo quando me casei com
ele hoje...
Nunca chorei tanto em minha vida, como chorei naquela noite.
— Caleb? — sua pergunta me traz de volta a realidade e eu apenas
assinto. — Está tudo bem?
— Estou. Por favor, vá pra casa Victória. Preciso ficar sozinho. — digo
sem encará-la e sem ao menos me secar, envolvo a toalha em meu quadril. —
Por favor, Victória.
— Apenas quero conversar. — diz e seus olhos azuis parecem frágeis.
Mesmo com medo de que negue meu toque, eu a puxo para um abraço.
Seu pequeno corpo envolve o meu com perfeição e ela chora em meu peito. Ela
está com medo. Medo de perder Luna.
— Eu não posso perde-la, Caleb. — me encara e limpo suas lágrimas
vagarosamente, esperando que ela tire minhas mãos dali. Porém, ela não o faz.
— Não podemos.
— Não iremos, Victória. — beijo sua testa e só assim noto que estamos
perto demais. Como jamais estivemos antes. — Me desculpe por isso.
— Está tudo bem. — diz e força um sorriso amigável.
Tento passar por ela, porém ela impede minha passagem.
— O que foi? — pergunto sem entender.
— Quero tentar algo. — toca meus lábios com os dedos.
— Victória...
— Eu apenas...
— Está confusa com tudo que está acontecendo. — suspiro frustrado.
— Não estou, apenas...
— Quer ter certeza de que ainda tem nojo de mim? — pergunto baixo,
segurando as lágrimas. Por que eu tenho que ser tão fraco frente a ela?
— O que? — pergunta sem entender.
— Esqueça. — digo e a tiro com cuidado de minha frente.
— Por que sempre me manda esquecer? Você sempre começa a dizer
algo e para. O que fiz pra você, Caleb? — pergunta vindo atrás de mim.
— Eu sei o que sente por mim Victória. — confesso já derrotado. — Sei
que está aqui porque se sente culpada após ler as cartas. Porque pensa que sou
outro homem e não o que forcei ser para te afastar. Mas acabou, simplesmente
acabou. Não temos que falar do passado. Não mais.
— Eu quero saber. — insiste.
— Eu ouvi quando disse que sentia nojo de mim, horas depois de nos
casarmos. — confesso e seus olhos se arregalam. — Eu sei que jamais me
olharia com desejo e que simplesmente me odeia. Hoje eu tenho a certeza de que
realmente ouvi tudo isso naquela noite, anos atrás, quando confessou isso a
Danielle.
— Mas...
— Eu acabei passando um mês fora após isso, eu precisei respirar. —
suspiro fundo. — Tive várias amantes a partir daí, eu não a tocaria contra sua
vontade e quis provar a mim mesmo de que não era tão insignificante como você
disse. Eu...
— Eu sinto muito que tenha ouvido tudo aquilo. — diz e lágrimas correm
por seu rosto. — Era imatura demais Caleb, e jamais diria aquelas palavras pra
você. Pois elas nunca foram verdade.
— Não precisa mentir para que eu me sinta melhor. — a corto.
— Eu estava com ciúmes... E um pouco bêbada — eu a encaro perplexo.
— Eu vi o jeito que falava e dançava com várias mulheres em nosso casamento
e... Sei que foi infantil, mas eu estava fora de mim. Acho que comecei a gostar
de você na época, mas...
— Eu estraguei tudo. — complemento e ela assente.
— Isso é tão constrangedor. — diz. — Nós finalmente estamos
conversando, e não fizemos isso antes por pura burrice.
— Talvez não seja apenas eu o burro nesse casamento. — brinco pela
primeira vez com ela, que sorri lindamente.
— Poderia ter funcionado, não é? — se aproxima. — Quer dizer, nós
dois poderíamos...
— Eu sempre te amei, Vic. — seu apelido sai livremente de minha boca.
— Sinto tanto que seja tarde demais, que ainda exista tanto no passado que nos
torna incompatíveis.
— Apenas um beijo. — diz de repente. Seus olhos azuis percorrem meu
corpo apenas tampado pela toalha e ela cora.
— Vic. — ela coloca as mãos com cuidado em meu peito. — Você sente
isso? — coloco sua mão sobre meu coração. — É seu. — me rendo por
completo.
— Eu sinto tanto. — diz e puxa minha boca contra a sua.
Nossos lábios se tocam por alguns segundos, como se estivessem
finalmente se conhecendo e descobrindo. Ela abre a boca e aprofundo o beijo,
entrelaçando nossas línguas. Sento-me na cama atrás de mim e Vic sobe em meu
colo.
Então esse é o seu gosto, doce e picante ao mesmo tempo. O modo como
seu corpo se prende ao meu faz com que eu tenha esperanças de um futuro... O
qual sei que não irá acontecer.
Quando nos separamos ofegantes, ela passa a mão delicada sobre minha
barba.
— Eu nunca imaginei que seria assim. — confessa.
— Sempre soube. — digo e ela bate de leve em meu ombro direito.
— E agora? — pergunta temerosa.
— Eu não vou me opor a você, Vic. — respiro fundo. — Farei os papéis
do divórcio e poderá ser feliz.
— Eu sinto muito. — sai do meu colo. — Não queria que tudo entre
nós...
— Nunca existiu nós, então... — dou de ombros.
— Volte pra casa comigo, Caleb. — pede. — Me sinto segura com você,
não sei explicar, apenas tenho medo de Castiel aparecer e...
— Eu vou. — digo e ela assente.
— Vou te esperar lá fora.
Ela sai do quarto e jogo minhas costas contra o colchão. Fecho meus
olhos e consigo sentir novamente seu corpo sobre o meu, seus lábios... Depois de
ter isso, como poderei seguir em frente sem ela?
Tenho um plano em mente, me manterei longe e apenas mostrarei a ela
quem eu sou. Mesmo que isso me custe ter de assinar o divórcio. Darei a ela ao
menos uma vez, a melhor parte de mim. A parte que a ama.
Capítulo VII

Victória


Durante o trajeto de volta para nossa casa, meu estômago ronca alto e
Caleb gargalha. É estranho e ao mesmo tempo belo me sentir bem com toda essa
situação.
— Vamos alimentar o monstro que você esconde aí dentro. — aponta
para minha barriga e eu bufo. — O restaurante de meu primo é logo ali na frente.
— Eu adoro comer lá. — digo e ele sorri.
Em menos de dois minutos, Caleb estaciona o carro e entramos no
restaurante. O lugar como sempre, está lindo e aconchegante, mas devido ao
horário, praticamente vazio.
Pedro, seu primo, mesmo sendo da idade do irmão caçula de Caleb, já era
dono desse lugar há muito tempo. E com toda certeza, os Soares tem bom gosto
e talento.
Vou em direção a uma mesa mais afastada e Caleb vai falar com alguém
no balcão. Com certeza está à procura de Pedro.
— Olá, senhora. Gostaria de pedir a entrada? — eu não esqueceria essa
voz nem em um milhão de anos.
Levanto meu olhar e constato que meus ouvidos não me enganam. Isso
só pode ser uma brincadeira de mal gosto do destino. Não pode estar
acontecendo.
— Desculpe, senhora. — diz e tenta sair. Em um impulso, me levanto e
puxo de leve seu braço.
— Não fuja de mim. — peço. — Não fuja mais de mim, Tomás!
Seus olhos castanhos se voltam pra mim e ele respira fundo. Analiso-o
por completo e logo noto a aliança dourada em seu dedo anelar esquerdo.
— Meu Deus, você...
— Estou no trabalho, não posso falar sobre isso aqui. — diz rapidamente.
— Vic, você está pálida, aconteceu algo? — ouço a voz de Caleb, porém
o ignoro. — Victória. — me chama novamente e sinto sua mão em meu braço, e
de reflexo tiro-a rapidamente.
— Senhor Soares, eu juro que não tive a intenção...
— Tomás. — Caleb finalmente percebe. — Então é por isso que está
assim.
— Eu comecei a trabalhar aqui essa semana e...
— Não preciso ouvir nada, Tomás. — Caleb o corta e fico
completamente perdida nessa situação.
— Você se casou? — pergunto quando finalmente as palavras saem de
minha boca.
— Senhora Soares, por favor.
— Preciso falar com você, Tomás. — digo rudemente. — Agora!
— Victória. — Caleb praticamente ruge.
— Depois Caleb, depois...
— Eu cansei dessa merda. — Caleb grita e em poucos segundos vejo
Tomás cair no chão, devido ao soco que ele o dá. — É esse traste que você ama?
Então fique com ele, ou melhor, aproveite pra ver se ele vai quere-la.
— Por que sempre trata as pessoas baseado no que elas trabalham? —
grito.
— Acha mesmo que eu desmereço o serviço digno que ele faz aqui? —
seu semblante é frio. — Eu conheço ele, assim como o conhecia na época que
descobri que eram amantes. Mas quer saber, não vale a pena lhe dizer nada.
— E precisa bater nele por isso? — ajudo Tomás a levantar.
— Preciso pela última vez fazê-lo sofrer pelo que fez com você. — se
vira e sai do restaurante.
Encaro a porta de saída perplexa e felizmente noto que não havia
ninguém ainda, fora os funcionários do restaurante. Pedro surge e apenas acena
com a cabeça, distraindo todos a respeito do ocorrido.
— Me solte, Victória. — Tomás se afasta. — Venha comigo!
O sigo ainda sem entender nada e logo estamos do lado de fora do
restaurante. Sua face está vermelha devido ao soco, porém não há nenhum corte.
— Por que foi embora? — pergunto subitamente.
— Eu nunca fui o homem certo pra você, Victória. — dá de ombros. —
Vou ser sincero com você, o que fiz na época em que estivemos juntos, fiz várias
vezes com outras mulheres casadas como você.
— O que? — fico sem fôlego.
— Era o meu modo de ganhar dinheiro na época. Usava mulheres ricas e
obrigava os maridos a me pagarem para que sumisse de suas vidas.
— Caleb pagou você? — pergunto perplexa.
— Ele fez muito mais. — suspira fundo. — Mas não cabe a mim contar.
— O que está dizendo? Consegue se ouvir? — grito. — Tudo o que
vivemos foi uma mentira? É isso?
— Eu sinto muito. — diz sem jeito. — Eu pago até hoje pelos erros que
cometi no passado, mas sei que nunca será o suficiente.
— Seu cretino. — bato com força em seu rosto. — Tenho pena de sua
esposa, que não sabe o quão canalha é o marido que tem.
— Bom, ela sabe. — confessa.
— E como ela consegue conviver com homem feito você? — grito.
— Perdão. — diz simplesmente. — Essa é a palavra que mudou minha
vida. E eu gostaria de pedir perdão a você por tudo.
— Nunca. — grito. — Nunca vou te perdoar por ter me feito te amar, por
ter me feito acreditar que um dia conheci o amor... Eu te odeio, Tomás! — parto
pra cima dele, porém logo sinto braços me puxando com força.
Penso ser Caleb, porém me espanto ao encontrar Levi me segurando.
— Se acalma, Vic. — pede baixinho. — Vamos sair daqui. — ele me
leva até seu carro e coloca o cinto ao meu redor.
Encaro pela janela, Tomás desaparecer de meu campo de visão. Encaro o
homem que amei, sumir. Choro encostada no vidro, por todas as belas palavras,
os beijos, seus toques, nossas noites... Tudo foi uma mentira. E Caleb sempre
pôde jogar isso em minha cara, mas não o fez.
Por quê?
— Se sente bem, Vic? — Levi pergunta e eu assinto. — Quer conversar?
— Eu apenas estou tentando entender o porquê de minha vida ter se
tornado uma bagunça de repente. — encaro seus olhos verdes, a sua marca
registrada, e ele abre um sorriso com covinhas.
— Luna se casou. — esclarece o óbvio. — Aposto que você quis deixar
Caleb e ele não aceitou bem.
— Você lê pensamentos por um acaso? — pergunto surpresa.
— Apenas conheço o amigo que tenho. — e isso é verdade.
Levi Gutterman é amigo de Caleb desde a época de faculdade, o que faz
com que tenham duas décadas de amizade. Na verdade, eles sempre foram um
quarteto, Caleb, Levi, Gustavo e Daniel, mas com o tempo e alguns problemas,
suas visitas e saídas deixaram de ser constantes. Todos têm uma família de certa
forma, a única diferença deles para Caleb, é que eles são imensamente felizes em
seus casamentos.
— Quem era aquele cara, com você, no estacionamento? — pergunta e
estaciona o carro de repente. — Sei que precisa falar, Vic. Se conheço Caleb,
pode ter certeza que conheço você.
— Ok, sabe tudo. — reviro os olhos. — Aquele é Tomás...
— Não acredito que depois de tantos anos ele apareceu. — seu olhar se
torna furioso. — Fique longe dele, Vic! Caleb pode ser um idiota, mas esse
Tomás não te merece.
— Eu sei. — sussurro. — Caleb te contou sobre isso? — pergunto.
— Certa parte. — respira fundo. — Mesmo sendo melhores amigos, há
coisas que doem demais dizer em voz alta.
— Isso faria você escrever cartas? — as palavras saem facilmente e me
assusto com minha própria pergunta.
— Talvez. — meneia a cabeça. — Não, isso é mais a cara de Caleb. —
zomba e eu rio sem jeito. — Merda, ele fez isso? Ele escreveu cartas pra você?
— Sim. Isso deve fazer parte das “coisas que doem dizer em voz alta”.
— fecho aspas com as mãos e ele assente. — Eu nunca vou ser capaz de
entendê-lo.
— Eu não entendo você. — diz de repente. — Estava chorando minutos
atrás e agora, invés de me perguntar a respeito de Tomás, você pergunta sobre
Caleb.
— Eu... Não entendo o que está acontecendo comigo. — sorrio sem
graça.
— Descobriu tudo sobre Tomás? — assinto. — Bom, então acho que o
que está acontecendo com você, foi o mesmo que houve comigo.
— Como assim? — pergunto interessada.
— Eu me senti perdido desse modo, quando finalmente percebi depois de
uma década casado com Melissa, que a amava loucamente. — confessa
envergonhado.
— Espera, você está dizendo que eu amo Caleb e não sei? — nego com a
cabeça. — Levi, eu sei que não o amo.
— Mas se sente confusa a respeito dele, não é? — pergunta.
— De certo modo sim. — fecho os olhos. — Eu nunca imaginei que
Caleb fosse assim, diferente.
— Já disse a você que ele é um idiota. Eu sempre o avisei sobre tudo,
porém somos burros. Bom, somos homens, não é? — brinca e eu sorrio.
— Como Melissa está? — pergunto, e seus olhos se iluminam no mesmo
instante.
— Continua linda como sempre. — suspira.
— Eu imagino. Espero um dia ter um amor como o de vocês. — sou
sincera.
— Basta buscar esse amor. — se encosta no banco. — Muitas vezes
achamos que nossa vida está perfeita, dentro dos conformes, mas perfeição
nunca foi sinônimo de felicidade. Imperfeição é tudo!
— Não entendi.
— Bom, antes de tudo entre eu e minha menina desmoronar, eu jamais
dei valor ao que tinha. Pois achava que a perfeição estava fora do casamento,
longe da mulher que era casada comigo. Eu buscava essa “perfeição”, sem saber
que ela não existe. Quando me dei a chance, e Melissa me permitiu estar perto,
foi que percebi o quanto tinha perdido tempo com isso. Amor as vezes não
precisa ser dado, basta buscar.
— Uau, eu nunca imaginei ouvir isso de você. — brinco, porém minha
cabeça não para de martelar a respeito de tudo que ele disse. — Como aprendeu
isso?
— Perdendo a mulher que amo. — responde. — Eu nunca vou me
perdoar pelo que fiz com ela naquela época, mas hoje sei que não teria nada sem
minha menina. E mostro isso a ela todos os dias.
— Vocês nasceram um pro outro, Levi. — suspiro sonhadora. — É lindo
vê-los juntos.
— Obrigado. — diz sem jeito. — Apenas pense no que te disse.
— Vou pensar. — o encaro. — Pode me levar até Caleb? — pergunto
sem jeito.
— E ainda diz que não o ama. — bato em seu braço. — Ei, estou
brincando!
— Acho que ele voltou para o hotel em que estava hospedado. — dou de
ombros. — Ligue pra ele, Levi! Invente alguma coisa e descubra.
— Meu Deus, você está pior que Melissa. — pega o celular e disca algo.
— Estou ligando.
— Como vai, florzinha? — fica quieto por alguns instantes e logo
gargalha. — Vamos direto ao ponto, está na sua casa? — ele pisca pra mim.
Debochado. — Não, tudo bem, me passa o endereço do hotel que eu o encontro.
— sabia! — Caleb, deixa de ser fresco, preciso falar com você. Ok, tchau!
— Sabe o endereço do hotel que ele estava? — pergunta e eu assinto.
— Ele não te passou? — pergunto gargalhando e ele nega com a cabeça.
— Caleb não me pareceu bem no telefone Vic, não vá até ele se for pra...
— minha gargalhada cessa e sinto pesar em meus ombros.
— Não quero magoá-lo, apenas iremos conversar. — respiro fundo. —
Não o tratei muito bem quando vi Tomás.
— Imagino que não.
— Mesmo não sabendo porque, acho que devo falar a ele que não iremos
nos separar por conta de Tomás. — confesso.
— Vai mesmo insistir no divórcio?
— Não há outra alternativa.
— Sempre há. — deixo suas palavras morrerem no ar e ele sai com o
carro.
Mesmo sem entender a confusão que se passa dentro de mim, eu não
poderia fingir que meu casamento com Caleb é real. Está na hora de encerrar
esse capítulo de nossas vidas, sei disso.
Capítulo VIII

Caleb


Esse dia simplesmente parece interminável. Sento-me na cama,
encostado na cabeceira e fecho meus olhos. Como ela me pede um beijo, faz
com que aconteça e consegue esquecer? E isso porque ela apenas o viu.
Eu nunca entendi ao certo o que Tomás fez para enfeitiçá-la assim, mas
daria tudo para saber. Talvez eu não seja mesmo o suficiente, pois ela sequer
deixou que a tocasse com ele a sua frente.
Seleciono nas músicas de meu celular, When I man loves woman de
Michael Bolton, e deixo que a música me embale um pouco. Mesmo que nunca
tenha sido tão bom quanto Castiel nessa parte, gosto de cantar. Sempre me fez
esquecer um pouco de tudo.

“Quando um homem ama uma mulher
Não consegue manter sua mente em nada mais
Ele trocaria o mundo
Por uma coisa boa que ele achou

Se ela for má, ele não pode ver
Ela não pode errar
Vire as costas para seu melhor amigo
Se ele coloca-a para baixo

Quando um homem ama uma mulher
Gasta seu último centavo
Tentando manter o que ele precisa
Ele havia desistido de todos os seus confortos
E dormiria lá fora na chuva
Se ela disse que é o caminho
Deve ser

Quando um homem ama uma mulher
Eu lhe dou tudo que tenho (sim)
Tentando manter seu precioso amor
Baby, baby por favor não me trate mal

Quando um homem ama uma mulher
Bem no fundo de sua alma
Ela pode lhe trazer tal miséria
Se ela está brincando com ele de bobo
Ele é o último a saber
Olhos apaixonados nunca podem ver”
(When I was your man – Michael Bolton)


Batidas fortes na porta, fazem-me levantar, deve ser o serviço de quarto,
já que pedi algo para comer há poucos minutos.
Minha surpresa parece evidente quando abro a porta, e me deparo com
Victória.
— Antes que me mande embora, saiba que trouxe seu lanche favorito. —
levanta uma sacola grande de fast-food. — Bom, Levi me contou a respeito. —
ela entra sem cerimônia alguma.
— O que faz aqui, Victória? — pergunto sem deixar meu tom frio de
fora. Talvez seja melhor assim.
— Bom, esse lanche é um pedido de desculpas por ter sido uma idiota há
minutos atrás. — dá de ombros. — E antes que pergunte sobre Levi, ele foi
quem me tirou de cima de Tomás enquanto eu tentava matá-lo. — ri sem
vontade.
— Entendo. — mantenho a porta aberta. — Aceito suas desculpas, mas
quero ficar sozinho hoje. — digo sem rodeios e seus ombros caem.
— Eu pensei que...
— Que poderia ficar com sua segunda opção? — pergunto desdenhoso.
— Posso te amar Victória, mas sei que não é aqui que quer estar.
— Se quisesse estar com Tomás, não estaria aqui.
— Ainda mais porque ele é casado. — digo com raiva. — Ele não te quer
Victória, do mesmo modo que você não me quer. Engraçado, não?
— Não seja cínico, Caleb. Não combina com você. — diz brava.
— Mal sabe quem sou, Victória. — rio. — Acha mesmo que sabe o que
combina comigo?
— Bom, preto fica bom em você. — zomba.
— Isso, porque eu sempre uso preto. — abro os braços cansado. —
Poderia parar de ser uma mula teimosa e sair do meu quarto?
— Está me mandando embora? — pergunta e noto raiva em seus olhos.
Ótimo, vamos brigar!
— Por acaso preciso desenhar?
— Idiota. — grita com raiva. — Não sei porque vim aqui.
— Porque Tomás disse a verdade a você.
— Porque sou uma idiota na verdade. Não sei porque dei ouvidos a Levi.
— xinga baixinho.
— Seguindo ordens agora? — zombo e seu rosto está corado de tanta
raiva.
— Como acha que um dia poderia me apaixonar por você? — fico sem
palavras. — Olhe só a maneira que me trata, olhe só como lidamos um com o
outro...
— Se vai começar seu discursinho barato de que não sou um homem
bom e blá blá blá, talvez seja melhor interná-la. Pois minutos atrás estava se
derretendo nos meus braços. Não seja tão bipolar! — digo enfurecido.
— Me derretendo? — questiona com desdém. — Pode ter certeza que
não senti nada com aquele beijo, não significou nada pra mim. — revida.
— Então por que está aqui? — pergunto e me aproximo dela. — Ficou
muda agora?
— Estou aqui porque pensei que tivesse magoado você, mas vejo que
continua no modo babaca de sempre. — grita.
— Então vá embora! — grito de volta. — Ou será que está esperando
mais um beijo meu? — zombo.
— Sinto nojo de você. — diz e invés de sentir dor em meu peito, encaro
isso como desafio.
— Prove. — digo e choco meus lábios nos dela.
Victória soca meu peitoral com força, porém aos poucos se rende.
Levanto seu corpo em minha cintura e ela entrelaça suas pernas. Minha mão
machucada protesta, porém nada me impedirá agora.
— Diz que ainda sente nojo de mim. — rosno em seu pescoço e mordo
de leve sua pele.
— Cale a boca e me beija. — praticamente implora e eu não nego.
Quando percebo estou por cima de Vic e meu corpo já clama pelo seu.
Ela não me nega em momento algum, mas sei que se deixar isso continuar, que
ela irá se arrepender.
— Não podemos. — beijo carinhosamente seus lábios. — Antes que me
xingue com sua boca atrevida, só quero dormir e conversar sobre tudo amanhã.
— Ok. — sussurra, parecendo um pouco confusa.
Levanto-me da cama e finalmente fecho a porta. Apago a luz do quarto e
retiro minhas roupas, ficando apenas numa boxer.
Deito-me ao seu lado e mesmo sem saber como prosseguir, meus braços
automaticamente a rodeiam.
— Boa noite, Caleb. — diz baixinho.
— Boa noite, minha rainha. — sussurro em seu ouvido e fecho os olhos.
Nós não fazemos sentido algum. Em um momento nos odiamos e no
outro praticamente entramos em combustão. Porém, sei nesse instante que não
conseguirei desistir dela... De nós. Jamais.
Bônus

Caleb

Dia do casamento – 20 anos atrás

Eu nunca estive tão ansioso em toda minha vida, o sangue parece ser
drenado para fora de mim. Minhas mãos suam demais e sinto meu interior
rodopiar feito um redemoinho. Tais sensações poderiam se dever ao fato de que
em poucos minutos estarei me casando com a mulher que amo, que ela
finalmente será minha. Porém, ao invés disso, meu coração está quebrado. Há
poucos dias perdi uma grande amiga, no parto de sua filha, a qual agora havia se
tornado... minha filha. Tudo em minha cabeça gira em torno disso, e no fato de
Victória finalmente ter aceitado se casar após conhecer Luna.
Claro que iríamos manter em sigilo o fato de Luna ser uma recém-
nascida, não precisávamos de nossos pais e a imprensa supondo coisas a nosso
respeito. Mas isso ainda parece difícil demais, difícil de ser realidade. Um ano
atrás, eu estaria em Londres, fazendo minha faculdade e tentando retirar de meu
peito o sentimento que já sustentava por Victória. Hoje, estou me prendendo a
ela de vez, mas não consigo ao menos ficar feliz com isso. Sei bem que não é
por nós esse casamento.
— Ela chegou, filho. — meu pai diz e arruma minha gravata com
perfeição. — Sabe que jamais o sujeitaria a esse casamento, se não soubesse o
quanto Victória é importante pra você.
— Eu entendo, pai. — respiro fundo, e finalmente Victória chega.
Estávamos apenas nós, no cartório fechado, oficializando nossa união.
Assim como Victória, eu me neguei a ter um casamento pomposo e muito menos
na igreja. Eles teriam que se contentar com apenas isso. Porém, isso não impediu
Julianne, mãe de Victória, de nos obrigar a vestir como se realmente
estivéssemos num altar. Ela sempre foi apavorante.
— Olá, Caleb. — Victória me aborda com deboche e eu apenas bufo.
Nós realmente somos incompatíveis.
— Como vai, futura senhora Soares? — zombo e seu semblante se fecha.
— Vamos logo com isso, mãe. — reclama e logo assinamos os papéis.
— Agora, o beijo dos recém-casados! — Julianne grita animada.
Victória a encara tão estupefata quanto eu, em momento algum falamos
sobre isso. Meus pais apenas dão de ombros e resolvem não intervir, os dois
tinham paciência demais com Julianne, pois desde a morte de Paulo, seu marido,
ela não tinha sido a mesma. Isso faz cerca de um ano, e vi o quanto Victória
sofre com isso, mesmo que seja em silêncio.
— Por favor, filha. — ela insiste. — Seu pai ficaria orgulhoso. — a
facada final.
Victória me encara com lágrimas nos olhos e eu simplesmente dou de
ombros. Puxo-a pela cintura e desço meus lábios aos seus. Seu gosto me
embriaga, porém a solto rapidamente, tendo ficado apenas o tempo necessário
para Julianne tirar uma foto.
— Lindos. — diz ainda mais animada.
— Podemos ir? — Victória pergunta ao meu lado e eu assinto.
— Preciso fazer algo antes. — sussurro em seu ouvido. — Preciso pegar
Luna e Danielle.
— Quem é Danielle? — indaga baixinho.
— Você irá conhece-la, venha. — ela pega minha mão e vem em minha
direção.
— Ah, antes que saiam, preparei uma festa para comemorar o casamento
de vocês. — Julianne diz e todos a encaramos assustados. — Acharam mesmo
que iriam esconder esse casamento? Convidei toda a elite carioca e muito mais,
não podem me negar isso.
— Ok mamãe. — Victória suspira cansada. — Me mande o endereço e o
horário, estaremos lá.
— Obrigada, filha querida. — vem até ela e abraça. — Sinto tanto
orgulho de você, tenho certeza de que Paulo também.
— Até mais tarde então. — digo friamente e tiro Victória dali.
Assim que entramos no carro, ela me encara sem jeito e solta vários
suspiros.
— Teremos que ir mesmo nessa festa, não é? — pergunto angustiado.
— Infelizmente. — dá de ombros. — Sabia que o fato de não termos
aceitado nos casar publicamente faria com que minha mãe tivesse outra ideia do
tipo. Ela ama exibição.
— Percebi. — apenas encaro o caminho a minha frente. — Preciso
contar algo a respeito de Danielle pra você.
— Diga.
— Bom, eu a salvei das ruas há um tempo. — minto. — E ela irá morar
conosco.
— Quantos anos ela tem? — pergunta curiosa.
— Quinze anos, e antes que me pergunte, ela não tem mais ninguém. —
a olho. — Sei que isso tudo está uma confusão, mas ela é como uma irmã pra
mim e...
— Tudo bem, Caleb. — seus olhos azuis demonstram compreensão.
— Irá mesmo aceitar Luna? — pergunto receoso.
— Ela é apaixonante. — sorri. — Sei que deve estar sofrendo por perder
sua namorada, ainda mais ser obrigado se casar comigo assim... Nunca quis
estragar sua vida, Caleb. Saiba disso.
Mal sabe ela que nunca existiu um relacionamento entre mim e Annie, e
que muito menos Luna é minha filha biológica. Porém, isso não importa.
— Também nunca quis.

***

Assim que adentramos o apartamento que deixei Luna e Danielle, Jô nos
cumprimenta com carinho. Ela foi minha babá desde a infância, e praticamente a
roubei para mim, pois ela tem toda minha confiança.
— Saiu tudo certo, querido? — pergunta cautelosa.
— Na medida do possível. — deixo meus ombros caírem. — O que
posso dizer? Acabei de me casar, aos vinte e um anos, recém-formado em
direito, e detalhe, já sou pai.
— Você se sairá incrivelmente bem, menino. — sorri sincera. — Estarei
aqui pra ajudá-lo, assim como Victória.
— Bom, ela veio. — o rosto de Jô se ilumina. — Ela veio ver Luna. —
esclareço.
— Sei. — brinca. — Onde ela está?
— Disse que iria ao banheiro. — dou de ombros e sento-me no sofá. —
As meninas estão bem?
— Dormindo feito anjos. Mas me diga, não vão comemorar de jeito
nenhum seu casamento?
— Julianne nos informou sobre nossa própria festa de casamento hoje,
infelizmente terei que participar dessa merda.
— Olha a boca, guri. — adverte.
— Desculpe. — sorrio e ela desfranze a testa. — Apenas estou cansado.
— Quer que eu já organize tudo para levar pra mansão que ganharam? —
pergunta baixinho.
— A festa será lá, então fica impossível levar as meninas. — suspiro
frustrado. — Mas sabe que irá morar lá comigo, não é?
— Menino abusado. — sorri e a abraço com carinho.
— Obrigado pela ajuda, Jô.
— Sabe que seus pais iriam ajudá-lo caso contasse...
— Eles me obrigaram a casar, Jô. — a corto.
— Isso, porque sabem que você ama Victória e...
— Demorei? — Vic aparece de repente e Jô se cala no mesmo instante.
— Como vai, Jô?
— Eu vou... — gagueja. — Já volto. — sai praticamente correndo dali,
achando que Victória ouviu algo que disse. O que duvido muito.
— Ela está bem? — Vic pergunta ao se aproximar.
— Apenas Jô, sendo Jô. — ela sorri.
— Gostaria de ver as meninas, posso? — pergunta cautelosa.
— Claro, vou levá-la até o quarto. — levanto e a direciono até lá.
Abro a porta e nos deparamos com o quarto a meia luz. Na cama de
casal, Danielle dorme serenamente, enrolada a um grande travesseiro. No berço,
Luna está praticamente imóvel e dorme tranquilamente.
— Ela é tão linda. — Vic diz ao chegar próxima do berço. — Me
apaixonei por ela, no momento que a vi.
— Eu também. — confesso.
Doía muito olhar para Luna, pois ela me lembra claramente Annie. Não
consegui ainda aceitar sua partida.
— Não acredito até hoje que minha mãe armou para que que descobrisse
que Luna é sua filha. — sorri desdenhosa. — Ela sabia, com certeza, que eu iria
me apaixonar.
— Julianne é imprevisível. — sento-me na beira da cama. — Não
imaginei que ela soubesse sobre Luna, muito menos que armaria um encontro
em meu nome, para que você encontrasse com Luna ainda no berçário do
hospital.
— Ela sempre sabe de tudo... Infelizmente. — me olha sem jeito. —
Temos que nos arrumar para a festa.
— Ok, vamos lá. — digo e já me levanto.
— Fique bem, princesa. Mamãe já te ama muito. — Victória sussurra
para Luna, porém consigo ouvir as palavras perfeitamente.
Ela não é a mãe de Luna.
Fecho meus punhos com força e saio do quarto desnorteado. Ela não
pode simplesmente chegar e ocupar o lugar de Annie. Não depois de tudo o que
ela passou para ter a filha.
— Está tudo bem, Caleb? — pergunta ao se aproximar.
— Vamos logo para essa porcaria. — digo e saio do apartamento, sem ao
menos me despedir de Jô.
Victória até tentou falar comigo em alguns momentos, porém tudo o que
conseguiu de mim foi o silêncio. Eu ainda sinto raiva por ter de ouvi-la dizer
aquilo a Luna. Eu nunca planejei isso.
Sinto raiva por Victória parecer ainda mais perfeita a cada dia, por não
conseguir odiá-la nem por um instante sequer...
Assim que chegamos a frente da mansão que Paulo deixou de herança
para Victória, ela desce rapidamente do carro e quase quebra a porta ao empurrá-
la.
— Ei. — grito transtornado e ela ignora.
Ao entramos na casa, Julianne aparece no topo da escada e corre até a
filha.
— Já separei a roupa de vocês. — diz contente. — Agora só esperar a
festa começar.
— Ok. — digo e subo os degraus sem ao menos lhe dar atenção.
Vou até o cômodo onde sei que Paulo construiu um escritório, e tem um
mini bar. Abro a primeira garrafa de uísque que encontro e levo ela a boca. Só a
bebida pode me preparar para essa festa, e quem sabe, para uma vida infeliz ao
lado da mulher que amo.

Capítulo IX

Victória


Sinto braços fortes me envolvendo e abro os olhos assustada. Assim que
encaro o rosto sereno de Caleb, consigo me lembrar de tudo. Passo a mão de
leve em seu rosto e tento buscar discernimento no porquê ter vindo até ele.
Eu deveria estar chorando por Tomás, pelo homem que me enganou e me
usou apenas por dinheiro. Mas apenas consigo ficar aqui, admirando Caleb. Eu
não consigo acreditar que estou admirando-o.
Sei que há algo a mais nessa história de Tomás, como ele mesmo disse
“não cabe a ele contar”, mas será que Caleb me contará a respeito? Será que não
há uma carta sobre isso? Suspiro frustrada.
Levanto-me da cama com cuidado para não acordá-lo e vou em direção
ao banheiro. Tomo um banho rápido e me enrolo em um roupão seco pendurado
ali. Não tinha trazido outra roupa sequer, então, enquanto não fosse embora,
ficaria assim.
Ouço a campainha tocar e enrolo meu cabelo com outra toalha
rapidamente. Assim que saio do banheiro, a cena que me aguarda é sem dúvida
alguma revoltante. Uma mulher loira se pendura no pescoço de Caleb que está
apenas de boxer, e pior ela está tentando beijá-lo.
— Pare com isso, Paula! — adverte furioso. — Não sei como me achou
aqui, e muito menos como te deixaram subir, mas vá embora!
— Pensei que talvez quisesse repetir nossa noite. — diz melosa e sinto
sangue subir a minha cabeça. — Eu pensei...
— Não passou de uma noite, Paula. — grita e tira os braços dela de seu
pescoço. — Vá embora e esqueça essa obsessão por mim!
— Eu posso muito bem mandar as fotos que tenho de nós para sua esposa
e...
— Eu estou bem aqui, querida. — debocho e vou até eles.
Caleb me encara atordoado e o sorrio de Paula que murcha no mesmo
instante.
— Dormiu bem, querido? — pergunto e beijo de leve os lábios de Caleb.
Ele instantaneamente coloca as mãos em minha cintura. — O que ainda faz
aqui?
Ela é jovem, deve ter no máximo vinte anos, de cabelos loiros e olhos
verdes... Será essa a preferência de Caleb?
Foco!
— Você é meu, Caleb! — diz e força lágrimas. Atriz de quinta.
— Fique longe do meu homem. — grito e a pego pelos cabelos. — Saia
daqui e não volte nunca mais. — a jogo pra fora e fecho a porta com força.
Assim que respiro fundo repetida vezes, finalmente me toco do que fiz.
Eu estou com ciúmes de Caleb.
— Vic. — ele me chama e simplesmente ignoro.
— Me desculpe por isso, não sei o que deu em mim. — me viro pra ele e
noto decepção em seus olhos.
— Tudo bem, eu sinto muito por isso também. — senta na cama. — Não
queria que visse ela e...
— Não se preocupe. — digo sem jeito.
— Vou ao banheiro e depois buscar minhas coisas na mansão. Bom,
amanhã já é segunda, então tenho que ir pro trabalho. — diz e eu apenas meneio
a cabeça.
Não consegui conversar com ele a respeito de nada. Tudo parece confuso
demais, perdido demais. Como se estivéssemos tentando esquecer o passado e ao
mesmo tempo, esquecer o que houve nesse quarto.
Eu o queria tanto, do modo que nunca desejei tanto um homem. Do
modo como nunca desejei Tomás. Preciso de um tempo para pensar sobre isso,
tentar buscar razão em meus atos. Não quero nos magoar ainda mais.


Caleb

Quando finalmente chegamos a mansão, sinto-me pior do que antes.
Nunca soube o porquê, mas sempre odiei essa casa imensa. Apenas vim morar
aqui, porque foi o presente do pai de Victória, e sei o quão foi difícil para ela a
morte dele.
— Eu vou ver se Danielle está em casa. — Vic diz cautelosa. — Queria
te pedir para falar com a segurança, Castiel conseguiu entrar sem ser anunciado,
então...
— Resolverei isso. — digo e estaciono o carro na garagem.
Assim que avisto um dos seguranças no jardim, chamo-o para conversar.
Eu poderia até ser exagerado com segurança, porém é necessário. Ser dono e
advogado de uma das maiores advocacias do país, tem seu preço. Acumulei
inimigos ao longo dos anos, e não poderia deixar ninguém ao meu redor pagar
por isso.
E isso me faz lembrar de um fato que simplesmente ignorei durante o
caminho até aqui. Como Paula me encontrou naquele hotel? Mais tarde ligaria
para Isaac, o único que sei que poderá descobrir algo pra mim. Descobrirei o que
essa Paula realmente quer.
— Quero que a partir de agora, Castiel, meu irmão, tenha de ser
anunciado antes de entrar, ok? — digo a um dos seguranças e ele assente. —
Depois me mande os relatórios do que houve no tempo que eu e Victória
estivemos ausentes.
— Sim, senhor Soares. — diz e sai rapidamente.
Eles são profissionais muito bem treinados, tanto que vieram da melhor
turma que Joaquim Morgan teve. Joaquim, na verdade sempre foi como um
segundo pai para mim e meus irmãos, assim como Isaac, seu filho, é como um
irmão para nós. Ele e meu pai, Rodrigo, tem uma relação de amizade de muitos
anos, e na questão segurança, eles sempre foram rigorosos.
Adentro a casa e noto-a silenciosa. Como sempre parece que conseguirei
me perder nesse ambiente. Pelo menos meu divórcio terá um lado bom, não
moraria mais aqui.
Subo as escadas em direção ao meu quarto, porém acabo estacando em
frente ao quarto de Victória. Ela está sentada no tapete felpudo, e em suas mãos
tem uma carta. Mais uma de minhas cartas.
Paro na beirada da porta e analiso o modo atento e as expressões de
surpresa com que lê cada palavra. Pois é, você não me conhece.
— Sei que está aí, Caleb. Seu perfume te entrega. — diz sem desviar os
olhos da carta. — Eu sabia que tinha algo mais sobre Tomás que não tinha me
contado. Você não iria me contar, não é?
— Vic...
— “Eu paguei a ele todo o dinheiro que exigiu e muito mais. Não apenas
porque queria que ele sumisse da vida de Victória, mas porque tinha certeza de
que ele era mais um garoto perdido. Anos depois, eu continuava o monitorando
de longe e foi em um desses relatórios que meus seguranças me mandam, que
descobri o quão a vida acabou cobrando dele. Tomás havia se casado e já era
pai, só que sua filha de apenas cinco anos, tinha uma doença rara mas curável.
Porém, nem ele, nem sua mulher, tinham condições de pagar o tratamento.
E foi aí que resolvi ajudar, eu não poderia deixar aquela menininha
sofrer, tendo o dinheiro que tenho. Isso vai além de todas as doações que faço a
cada mês a várias instituições privadas e públicas, muito além dos dias que vou
visitar crianças em orfanatos... Eu sabia que como realmente ajudar. E o fiz.
Abordei Tomás em um dia qualquer e lhe fiz uma proposta, eu perguntei
a ele se havia contado a sua mulher sobre seu passado, e como imaginei, ele não
havia feito. Então, fiz o seguinte: Dei a ele uma escolha, se contasse a mulher
toda a verdade, eu lhe daria o dinheiro necessário para o tratamento de sua
filha e assim ele poderia resgatar seu casamento. Senão, nada feito. E como não
esperava, Tomás aceitou de imediato, mesmo com medo de perder sua mulher,
Solange.
Quando conheci sua filha e sua mulher, soube naquele instante o grande
medo de Tomás. Solange era uma boa moça, que os olhos brilhavam só de olhá-
lo. Do mesmo modo que os olhos de Victória, brilhavam por ele...”
— Vic.
— Eu não consigo acreditar que sempre soube e não me disse nada. —
diz triste.
— Eu peço desculpas no fim da carta por isso. — encaro o chão. — Pode
achar que não lhe contei para que ficasse iludida por Tomás, mas o fiz para que
não soubesse a verdade e se machucasse ainda mais.
— Jamais te julgaria por não ter me contado a verdade, Caleb. — a
encaro surpreso. — Você é um bom homem, essa é a realidade.
— Não precisa ficar assim, apenas pelo que leu e...
— Não é por isso. — me corta. — É por tudo. Todos os dias em que
simplesmente deixou o trabalho e correu pra casa, simplesmente porque Luna
queria seu colo. Todas as vezes que fiquei doente e você disse que não tinha
trabalho... Sei agora que não ia por mim, não é?
— Eu tenho medo, caso precise de mim e não esteja. — confesso
envergonhado.
— Você é maravilhoso. — diz e se levanta vindo em minha direção.
— Eu... — faltam-me palavras, pelo modo terno com que me olha.
— Nunca mais se desmereça, Caleb. — diz e beija de leve meu rosto. —
Vou buscar algo pra tomar, já volto.
Ela desce as escadas e fico estático ali no quarto. O modo com que me
olha e fala, é tão diferente de anos atrás...
— Ei, bonitão. — brinca e eu sorrio envergonhado. — Venha até a sala,
vamos assistir um filme.
Um homem de quase 41 anos corando porque a sua esposa o chamou de
“bonitão”. Pareço mais um idiota.
— Ok. — a sigo.
Victória se joga no meio de almofadas que estão no tapete e coloca o
filme para rodar. Logo noto que na verdade é um filme de terror, o qual já assisti
várias vezes. Porém, apenas me aquieto, sentando ao seu lado e presto atenção
no filme.
— Meu Deus! — ela grita minutos depois assustada e eu gargalho. —
Não ria! Isso foi assustador.
— Não foi. — digo e ela me olha brava.
— Se eu tivesse quase dois metros e toda a massa muscular que você,
óbvio que não teria medo de assassinos. — me adverte. — Não ria!
— Não estou rindo! — digo e mordo o lábio inferior para não gargalhar
de sua cara.
— Idiota. — joga a almofada em mim.
— Nervosinha. — lhe jogo a almofada de volta e ela cai pra trás. — Vic!
— a chamo, porém ela continua em silêncio debaixo da almofada.
Droga, a machuquei!
Retiro a almofada de seu rosto e vejo seus olhos fechados.
— Vic. — insisto e a balanço com cuidado. — Merda!
— Te peguei! — grita de repente, acertando-me com força com uma
almofada.
Não percebo, mas logo caio de costas no tapete e Victória se esgueira
sobre mim, gargalhando.
— Talvez ter dois metros não te ajude em nada. — debocha.
— Talvez. — digo e levo o braço acima de meus olhos.
Sorrio sozinho de nossa aproximação, do modo que tanto desejei durante
todos esses anos. Do modo que sempre sonhei.
Assim que retiro o braço de cima de meus olhos, noto o rosto dela bem
próximo ao meu. Sua mão direita toca com cuidado meu rosto e arrepios
percorrem meu corpo.
— Me faz sua. — pede e meu mundo para.
Puxo seu corpo contra o meu e ela vem de bom grado. Nossas línguas
duelam, enquanto minhas mãos desvendam seu corpo. A toco com leveza,
reconhecendo-a como minha. Minha mão ainda machucada, reclama da dor,
porém não me importo.
— Dani não vai voltar tão cedo. — informa e eu assinto, beijando-a
novamente.
Em meio aos gritos altos do filme, o calor do verão do Rio e os instantes
mais eternos de minha vida. Victória finalmente se torna minha.
Seu corpo se une ao meu com perfeição, nossos corpos parecem ter
esperado por várias vidas por isso. Seus olhos azuis me encaram com desejo,
paixão, luxúria... Busco amor, porém não quero me iludir. Então a beijo com
devoção, enquanto seu pequeno corpo me recebe ávido pelo prazer.
— Eu te amo, minha rainha. — sussurro em sua pele, por diversas vezes.
Temo pelo momento que nosso contato acabe, mas eu não me permitiria
não ser mais dela. Depois de tê-la, eu sei que jamais serei o mesmo. Então
aproveitarei desse momento, sendo dono de sua alma, corpo e quem sabe, seu
coração.
Capítulo X

Victória


Não sei quanto tempo se passa, mas ao acordar me assusto ao ver que o
relógio marca oito da noite. Tenho a certeza de que passei horas sendo levada ao
paraíso pelo homem que dorme serenamente ao meu lado.
Nunca antes tinha sido assim, tão selvagem, carinhoso e desejoso. Nunca
pensei que me sentiria tão amada ao me entregar a alguém. Mas Caleb o fez.
Esse homem não para de me surpreender.
Meu corpo dolorido demonstra a força que ele tem sobre mim,
espreguiço-me cansada e apenas estico as mãos até o sofá, para pegar meu
celular. Há mensagens de nossa filha e também de Dani.

Não vou pra casa hoje, mas não se preocupe.
Beijos!

Direta como sempre. Apenas peço para que tenha juízo e deixo-a curtir
com seja lá quem for. Dani passa muito tempo dedicada apenas ao trabalho e
especializações. Está mais do que na hora de buscar se divertir.
Volto minha atenção para Caleb, e ele finalmente abre seus olhos azuis.
Um sorriso sem graça passa por seu rosto e seguro a vontade de rir. Nunca, em
tão pouco tempo, vi Caleb ficar tantas vezes envergonhado. E o ver assim por
minha causa, me faz sentir a mulher mais sortuda do mundo.
O que é que eu estou pensando?
— Eu vou arrumar uma pequena mala. — diz ao olhar as horas no
relógio da tv. — Vou te dar espaço para pensar sobre tudo o que houve.
— Acho que preciso disso. — digo sem jeito.
— Eu sei que precisa, eu também. — sela nossos lábios. — Eu nunca
vou esquecer o fizemos aqui Vic, sabe muito bem porquê.
— Eu sei. — toco sua barba por fazer. — Podemos nos ver durante a
semana, ao menos conversar? — sugiro.
— Claro que sim. — responde surpreso. — Vou procurar um outro hotel
e te mando o endereço por mensagem, ok?
— Ok. — digo simplesmente e ele se levanta.
Admiro sua nudez, enquanto ele coloca as roupas rapidamente. Tão
lindo!
Ele sobe as escadas e em poucos minutos, volta com uma pequena mala
de rodinhas.
— Até breve, minha rainha. — sussurra em meu ouvido e beija meu
rosto.
— Até, bonitão! — brinco e ele gargalha.
Ele fica tão lindo quando gargalha assim, me lembra quando éramos
apenas adolescentes.
— Me ligue caso aconteça algo. — pede.
— Pode deixar. — ele logo sai da casa.
Fico encarando a porta se fechar e meu coração dá voltas no peito. Caleb
realmente está me dando, ou melhor, nos dando o espaço que necessitamos para
entender o que acontece conosco.
Mas ainda é difícil entender, pois nunca me senti assim antes. E jamais
pensei que poderia. Fecho os olhos em busca de respostas, e apenas encontro
seus olhos azuis me encarando intensamente.
E talvez essa seja minha resposta. Talvez eu tenha me apaixonado por
Caleb.


Caleb

Dirijo meu carro até um hotel que fica próximo à advocacia, e os
momentos junto a Victória parecem cravados em minha pele. Como podia tudo
mudar em apenas alguns dias?
Mesmo sem querer ser esperançoso demais, não posso negar que meu
íntimo está exultante. Posso até quebrar a cara, mas não irei me negar estar feliz
por agora. Eu preciso, ao menos, curtir esse momento. Pois nunca pensei que um
dia aconteceria.
Deixando de lado a volta de Castiel e todas as preocupações com o
trabalho. Poderia resolver isso depois, e quem sabe confrontar meu irmão. Sei
que Castiel pode se fazer de monstro, assim como eu próprio já me fiz, mas
éramos unidos antes, ou melhor, melhores amigos. Isso não pode ter ficado tão
para trás, pois eu ainda sinto falta do meu irmão mais velho.
Divago sozinho ao volante, tentando focar meus pensamentos apenas na
estrada. Percorro mais algumas ruas e finalmente chego ao hotel. Consigo um
quarto e deixo liberada a entrada de Victória, Babi e Dani. Bom, aí estava mais
um dos segredos que guardo de Vic. Mais um dos motivos pelos quais não fiquei
em casa hoje com ela. Pois ainda não lhe contei toda a verdade.
Tenho dúvidas se ela vai entender o que Babi representa pra mim e tudo
o que fiz pela minha pequena. Talvez ela me ache doido e até insano, mas assim
que a encontrasse essa semana, abriria o jogo. Lhe contaria sobre tudo e deixaria
com que decidisse se realmente quer estar comigo.
Deito-me na cama e pego meu celular. Disco o número de Babi e em
poucos segundos ela atende.
— Oi pequena.
— Oi. — diz baixinho. — Jô está dormindo, então não quero acordá-la.
— Desculpe. — suspiro fundo. — Ela está melhor? — pergunto
preocupado.
— Bom, os médicos disseram que sua melhora foi grande. Que talvez
daqui uns quinze dias, ela possa voltar pra casa. — diz um pouco mais animada.
— Ela vai, pequena. Sei que vai. E você, como está?
— Estou bem, apesar de tudo. — ouço seu longo suspiro. — Estou
apenas com algumas dúvidas em matemática, nada demais.
— Posso te ajudar com isso essa semana, o que acha? — pergunto.
— Não sei, não quero deixar Jô sozinha e...
— Você não pode viver nesse hospital. — chamo sua atenção.
— Eu sei.
— Não fique assim, ela logo ficará boa. — ela tem que ficar.
— Está bem. — diz por fim. — Te ligo amanhã então, pode ser?
— Claro, pequena. Tenha uma boa noite, te amo!
— Também te amo, papai.
Desligo o telefone e sinto medo me invadir. Não poderíamos perder Jô,
ela é importante demais para mim e Babi. Precisava falar com alguém a respeito
disso. E esse alguém, só pode ser Victória.
Ela poderia descobrir através de uma carta que escrevi há alguns anos,
quando encontrei Babi. Porém, quando fiz minha mala, fiz questão de pegar essa
carta e a trazer comigo. Dessa vez, eu mesmo contarei algo sobre minha vida,
sem intermédio algum.
Capítulo XI

Caleb


Termino de me arrumar de frente para o grande espelho. Mesmo me
sentindo por muitas vezes sufocado pela gravata, nunca me imaginei em outra
profissão. Ser advogado sempre foi meu sonho, e reger a Advocacia Fontana, fez
isso se tornar muito mais que uma realização.
Estava na hora de começar uma nova semana, mesmo que minha cabeça
estivesse fervilhando ao pensar em tudo o que houve. Não sei quantas vezes já
olhei meu celular em busca de uma mensagem de Victória. Mas tinha que me
acalmar, não posso ter tantas esperanças assim.
Não pareça um adolescente ansioso!
Pego meu celular novamente e respiro fundo. Digito rapidamente e envio
sem ao menos reler a mensagem. Se relesse, não teria coragem.

Bom dia, minha rainha.
Espero que tenha tido uma ótima noite de sono!

Ok, talvez chamá-la de “minha rainha” tenha sido invasivo demais.
Droga, ela não vai sequer responder.

Bom dia, bonitão.
Então, adepto a tecnologia numa segunda de manhã?
Quem é você e o que fez com Caleb Soares?
Obs: Nunca dormi tão bem em toda minha vida.

Rio de seu deboche a respeito de mandar mensagens, pois com certeza
ela está comparando com as cartas.

Resolvi parar de usar tinta e papel.
Não gosta disso?
Obs: Também dormi maravilhosamente bem, obrigado por perguntar.

Espero alguns minutos por sua resposta, porém ela não vem. Sinto-me
um pouco decepcionado, mas já era de se esperar. Victória não levaria esse
joguinho a diante.
Coloco meu celular no bolso e pego minha pasta. Olho em meu relógio e
já são 7:30, quase na hora de iniciar o dia.
Assim que entro no elevador, ouço meu celular tocar e levo diretamente
ao ouvido. Só pode ser Herrera.
— Soares.
— Oi, bonitão.
— Vic? — pergunto surpreso.
— Quem mais seria? — brinca. — Desculpe tê-lo ignorado, mas queria
ver se isso infringiria no seu humor.
— Por que?
— Porque quero te conhecer, Soares. — debocha.
— Por que ligou, Vic? — pergunto já com a voz mais leve.
— Para te repreender, não ouse parar de escrever cartas. — adverte. —
Elas são lindas e...
— E?
— Eu adoro. — confessa.
— Já que insiste.
— Metido.
— Não revire os olhos. — chamo sua atenção, mas tenho certeza de que
ela o fez.
— Como sabe?
— Conheço você, Vic.
— E eu vou conhecê-lo. — diz animada. — Posso te ver essa noite?
— Claro, tenho que conversar com você a respeito de uma coisa. –
lembro-me de Babi.
— Parece sério.
— E é.
— Ok então, deixarei você trabalhar e voltarei para minhas vendas. —
suspira fundo. — Tenha um bom dia, querido.
— Você também, Vic. Até mais. — e eu te amo, me seguro para não
dizer.
— Até, bonitão.
Ela desfaz a chamada e fico encarando o celular, sorrindo feito um
adolescente. Cogitando a simples ideia de levá-la a um encontro. Cafona, talvez?
Mas isso nos foi tirado há tantos anos, não tinha porque não tentar.
Talvez sempre foi isso que precisamos. Conversar abertamente, sermos sinceros,
sair de nossa zona de conforto. E dessa vez, eu faria dar certo.

***

— Bom dia, Herrera. — cumprimento-o assim que chego a minha sala.
— Olhe só, Soares está de bom humor. — debocha. — O que houve com
sua mão?
Por mais que não quisesse colocar nada em minha mão, a dor constante
que sinto me obrigou a enfaixá-la. Isso só acarretaria curiosidade e Herrera não
me deixaria em paz.
— Não força. — o corto. — E então, algum caso especial nessa manhã?
— Nada muito agressivo para nossa manhã de segunda, felizmente. —
sorri. — Mas, me diga, a quem devo agradecer pelo seu bom humor?
— Você não vai parar, não é? — ele nega e se senta a minha frente. —
Porém, não vou dizer.
— Qual é, Caleb?
— Pare de querer tricotar e vá trabalhar!
— Ok, mas no fim do expediente, quero saber. — sorri abertamente. —
Isso tem cara de mulher.
— Me deixe em paz. — digo e ele sai gargalhando. Babaca.
Perco-me em meio a vários papéis em minha mesa e xingo a mim mesmo
por não ter uma secretária. Qual é meu problema, afinal? Coloco os óculos de
descanso, porque senão, nada aqui vai para frente. Vamos lá!
As horas passam rapidamente, enquanto me afundo na burocracia que
tenho que assinar. Ser o sócio com maior número de ações, e portanto, quem dá a
palavra final, tem seu custo. Mesmo sendo maçante essa parte, não posso
reclamar dos dias em que encaro o tribunal.
Olho meu relógio em cima da mesa, e já passa do meio-dia. Meu
estômago reclama um pouco, pois não comi nada cedo. Termino de assinar mais
alguns papéis, e assim organizo-os em cima da mesa.
Ouço batidas na porta e digo um simples “entra”. Sento-me cansado e
aperto minhas têmporas. Mesmo com o ar condicionado ligado e tendo tirado o
terno, sinto um enorme calor.
— Tudo bem, senhor Soares? — a sua voz doce me faz despertar e a
encaro estupefato.
— Pensei que nos veríamos a noite. — Victória sorri envergonhada.
— Bom, trouxe o almoço. — coloca as sacolas em cima da mesa. — Não
ouse me mandar embora.
— Eu não vou. — sorrio de lado.
— Ok então, pois da última vez que te levei comida, acabamos
dormindo... E bom, não podemos desperdiçar mais nada. — abre uma das
sacolas e coloca em cima mesa. — Espero que goste.
— É bom ter acertado, estou morto de fome. — faço menção de tirar os
óculos, porém ela me impede.
— Fique com eles, combinam com você.
— Flertando comigo, senhora Soares? — brinco. — Saiba que tenho uma
esposa, e ela pode ser ciumenta.
— Pode ter certeza, ela é muito ciumenta. — entra em meu jogo. — Mas
eu não me importo. — pisca.
— Acertou em cheio. — digo ao ver o que tem na sacola.
— Um lanche com triplo de bacon, hambúrguer e muito cheddar... —
revira os olhos. — Como poderia ter errado?
— Sou tão previsível assim? — pergunto indignado.
— Até que não. — ela pega dois grandes copos de refrigerante. — Mas,
eu comprei coca-cola. Nada daqueles sucos industrializados que você insiste em
encher a geladeira.
— Ei, eu gosto. — protesto.
— São horríveis. — revida e sorri. — Beba logo a coca, senão ficará sem
nada.
— Ok, atrevida. — ela ri e come batatas fritas. — Não comprou nenhum
lanche pra você?
— Não. — dá de ombros. — Comprei batatas e massa.
— Então, bom apetite.

***

Sorrir e conversar durante um almoço em minha sala, nunca foi algo
planejado para que fizesse com Victória. Ou melhor, nunca nem cogitei tal ideia.
Sempre pensei em levá-la ao cinema e pra fazer compras, coisas comuns, mas
nunca tinha chegado a esse pensamento.
— Parece pensativo. — diz assim que termina seu prato.
— Nada demais.
— Quer falar agora? — pergunta curiosa.
Bom, eu ainda não sabia como contar a ela sobre Babi. Mas com Jô
doente, não demoraria muito para que elas se conhecessem. Babi teria de aceitar
que faz parte de minha família, e acho que da família de Victória também.
— É um assunto complicado e...
— Li suas cartas ontem, várias delas. — me olha inquisitiva. — Não
achei nada fora do comum.
— Eu acabei levando uma carta comigo. — encosto as costas na cadeira.
— Ela conta a história de Babi e...
— Quem é Babi? — pergunta e seu rosto se retorce.
— Ela é minha filha. — confesso.
— O que? — se levanta de repente — Você teve a coragem de ter uma
filha fora do casamento? — grita.
— Não, Victória. — falo em tom neutro. — Não foi bem assim.
— Me diga como foi então. — ri sem humor. — Colocou sua sementinha
na barriga de outra mulher e...
— Um dia quando estava voltando tarde do trabalho, eu a encontrei
escondida em um ponto de ônibus em meio a chuva que caía. Desci correndo do
carro e olhei se ela estava bem. Não havia sinas de machucados, mas ela chorava
sem parar. Peguei-a no colo e levei para meu apartamento no centro. — respiro
fundo. — Foi naquele dia que conheci Antonella, ou como particularmente eu e
Jô a chamamos, Babi.
— Você a adotou? — sua mão tampa sua boca. — Por que nunca me
disse nada a respeito?
— Babi não quis. — suspiro frustrado. — Ela sempre ameaçou ir embora
se a levasse para morar em minha casa, mesmo sendo apenas uma menina de dez
anos na época.
— Quantos anos ela tem hoje?
— Dezoito.
— E o que mudou? Por que está me contando sobre ela? — seu
semblante parece ferido.
— Porque quero ser sincero com você. Não quero mais ser o mesmo
idiota de sempre. Esse sou eu,Vic... Sem máscara alguma.
— Babi sabe que me contou sobre ela?
— Ainda não, falarei com ela hoje. Jô tem estado muito doente nos
últimos meses e Babi se nega a vir morar comigo. Ela tem Jô como uma mãe.
Porém, quero que você ao menos a conheça. — sorrio orgulhoso. — Ela lembra
nossa Luna.
— Tem alguma foto dela?
— Tenho. — pego o celular no bolso e busco uma foto nossa. Entrego a
Victória e ela parece emocionada.
— Ela é linda. — sorri e limpa algumas lágrimas que descem. — Não
acredito que passou por tudo isso e sempre se mostrou impenetrável.
— Talvez seja um bom ator. — sorrio fraco.
— Não, seus olhos não enganam. — passa pela mesa e vem até mim. —
Talvez eu que não quisesse enxergar.
— O que? — pergunto em um sussurro e lhe dou espaço para sentar em
meu colo.
— Que o homem imperfeito sempre esteve ao meu lado. — fico ainda
mais confuso com sua declaração. — Te explico depois.
— Ok.
— Eu vou te beijar, senhor Soares. — diz com os lábios próximos aos
meus.
— Sem objeções, minha rainha. — e ela o faz.

***

Depois de um longo momento com Vic em meus braços, ela se foi. Tinha
alguns problemas para resolver com sua loja online. Acabei então, entrando de
cabeça no trabalho e mal vi as horas passarem.
Assim que o relógio marca 18:00, mesmo tendo muita coisa para fazer,
resolvo deixar para amanhã. Preciso falar com Babi e se tudo correr bem,
apresentar-lhe finalmente a Victória.
Pego meu celular e disco seu número.
— Oi papai.
— Oi pequena, tudo bem?
— Sim, apenas estava esperando sua ligação.
— E como Jô está? Pensei em ir vê-la hoje as sete, no horário de visitas.
— Hoje cedo, tudo estava bem. — respira fundo. — Mas podemos ir vê-
la, ficaria muito feliz.
— Ok, pequena. — desligo as luzes de minha sala. — Onde está?
— No apartamento, por que?
— Em poucos minutos estarei aí. Preciso falar com você.
— Parece sério. — fica em silêncio. — Estarei te esperando.
— Até daqui a pouco, então.
— Até. — desliga.
Não sei como Babi reagirá, mas eu necessito que ela conheça Victória.
Sempre sonhei com esse momento. Claro, que se ela se opuser como fez a anos
atrás, eu não a forçarei. Mas espero que dessa vez, ela entenda, que jamais foi
um estorvo pra mim. Que sempre quis que todos soubessem que ela é uma
Soares.
Capítulo XII

Victória


Fico perdida em pensamentos, enquanto resolvo alguns problemas do site
da loja em que sou dona. Sempre fui fanática por livros, e isso me levou a criar
uma livraria online. Trazendo para o Brasil, em primeira mão, os livros que
geralmente demoram meses para chegar. Sei bem como uma leitora se sente com
isso, então, resolvi juntar minha paixão com minha profissão.
Como sou formada em engenharia de software, fazer todo o site e deixá-
lo de modo explicativo e fácil, foi algo gratificante. Claro, que pedi auxílio a um
professor de minha antiga faculdade, e ele me deu as orientações necessárias.
Ele, mais do que ninguém, sabe o quanto lutei para terminar em tempo recorde a
faculdade. Pois queria muito me dedicar apenas a Luna.
Agora, depois de alguns anos no ar, o site me rende um bom dinheiro e
felizmente, quem acompanha está contente com o que é disponibilizado. Mas
desde o momento em que pus na cabeça que quero fazer um aplicativo, comecei
a pirar. Porém, meu tempo praticamente voa enquanto estou de frente para a tela.
— Estou ouvindo seus passos. — digo alto e me viro. — Se escondendo
na sua própria casa? — zombo.
— Não enche, Vic. — vai andando em direção as escadas.
— Qual é, Dani? — a sigo. — Isso está com cara de amor.
— Não, eu não... — ela fica totalmente sem graça. Bingo!
— Quem é ele? — pergunto curiosa.
— Posso não falar nisso ainda? — apenas assinto. — É que não sei se
gosto dele o suficiente pra... — ela cora.
— Como assim? — pergunto sem entender.
— O conheci há poucos dias e... Nós nos beijamos, o clima esquentou e
eu fiquei com medo. — confessa.
— Mas você queria seguir em frente?
— Sim. — ela cora ainda mais. — Tenho medo de estar sendo fácil
demais e... É que eu nunca senti isso na minha vida, Vic. Eu tenho 35 anos, já
sou uma mulher, mas nunca fiz sexo com ninguém.
— Bom, eu desconfiava disso.
Mas não deixo de ficar surpresa. Danielle Campos é uma das mulheres
mais belas que já vi. Os olhos azuis claríssimos, parecem transparentes, sua pele
é clara e combina perfeitamente com o cabelo loiro.
— Eu não sei o que fazer. — se senta num degrau e eu fico ao seu lado.
— Confia nele? — pergunto.
— Ele me passa algo que nunca senti na vida. — dá de ombros. — O
jeito que sorri, como me olha, me toca, me beija... O modo como fala comigo. É
totalmente diferente.
— Sei bem como é. — assumo.
Sim, eu estou pensando em Caleb. Será que...
— E o que acha que devo fazer? — ela pergunta, o que interrompe meus
pensamentos.
— Siga seu coração, Dani. — sorrio. — Às vezes, o amor, simplesmente
acontece. Não podemos nos negar viver. — acho que digo isso mais para mim,
do que para ela.
— Obrigada Vic, eu farei isso. — diz e me abraça.
— Use proteção em. — ela me dá um tapa e logo sobe.
Sento-me no degrau e fico ali divagando por alguns momentos. Será que
finalmente, nós duas, tínhamos encontrado o amor?
Meu celular vibra e o retiro rapidamente do bolso.
— Oi, bonitão. — brinco e ouço seu sorriso abafado.
— Oi. — diz baixo. — Estou no apartamento com Babi, ela... Pediu para
que você viesse até aqui. Tudo bem?
— Claro. — respondo um pouco surpresa.
— Ela está preparando lasanha à bolonhesa pra você. — fala ainda mais
baixo.
— Olhe só, ela é prendada. — sorrio. — Pelo menos, não é um desastre
na cozinha feito Luna e eu.
— De fato não.
— Ei. — o repreendo. — Que horas tenho que ir?
— Daqui uma meia hora, pode ser? — respondo um simples “sim”. — O
motorista irá trazê-la.
— Posso muito bem dirigir, Caleb. — protesto.
— Por sua segurança, Vic. — insiste.
— Ok, mandão. — reviro os olhos.
— Não revire os olhos!
— Não seja um velho ranzinza. — o provoco.
— Posso te mostrar quem é o velho hoje à noite.
— Mal posso esperar. — suspiro lembrando de nosso beijo nessa tarde.
— Vou me arrumar, até já.
— Até.
Vou em direção ao meu quarto e separo uma calça jeans e uma blusa
preta estilo indiano. Pego uma simples sapatilha da mesma cor e alguns
acessórios. Não sei ao certo como me portar, e isso me assusta. E se Babi não
gostar de mim?
Resolvo então espantar meus medos e tomar um longo banho. Canto
sozinha por alguns momentos e quando passo o sabonete pelo meu corpo, é
como se sentisse o toque de Caleb novamente. Eu o quero!
Assim que termino o banho, visto-me rapidamente e vejo que já
passaram os trinta minutos que Caleb disse. Pego minha bolsa no closet e passo
o perfume.
Vamos lá Victória, você tem 40 anos, não pode se assustar com uma
menina de 18!
Saio do quarto e dou de cara com Dani, toda arrumada, indo na mesma
direção que eu.
— Vai encontrá-lo hoje?
— Vou. — sorri e lê uma mensagem no celular. — Acho que sei o que
fazer.
— Caso se sinta pressionada, não faça nada, ok? — digo e ela assente. —
Ah, use camisinha! — grito e corro, antes que ela me bata.
O motorista está me esperando como imaginei e o saúdo como sempre.
Seu Chico, como quase sempre o chamo, na verdade tem minha idade. Porém,
como esse é seu apelido, resolvi aderir.
— Boa noite, Chico. — ele sorri amigavelmente.
— Está linda, senhora Soares.
— Um galanteador, como sempre. — sorrio. — Como Suze, está?
— Ainda se recuperando. — sua esposa havia sofrido um aborto
espontâneo pela segunda vez. — Mas ela é forte.
— Sinto muito, Chico. — ele sorri fraco. — Mas caso precise de algo,
saiba que estou aqui, certo?
— Obrigado, senhora.
— Nem vou brigar com você novamente sobre me chamar de “senhora”,
porque já vi que não adianta. — resmungo e seguimos caminho.
Assim que ele estaciona em frente ao imponente prédio, ele desce do
carro e me acompanha até a portaria.
— Ordens de seu esposo. — diz baixo.
— Tudo bem. Obrigada por me trazer. — ele assente e logo vai embora.
Assim que chego, como minha entrada está liberada, posso facilmente
adentrar o grande prédio. Lembro-me de ter vindo aqui poucas vezes, quando
Luna ainda era um bebê e mal conhecia Dani. Esse deve sempre ter sido o
refúgio de Caleb.
Com as mãos já suando, entro no elevador e fico acompanhando as
luzinhas subirem por cada andar. Quando finalmente para no último, solto um
logo suspiro.
Coragem, Victória!
Saio do elevador e me encaminho até o apartamento. Respiro fundo antes
de tocar a campainha, e assim que o faço, praticamente tenho um ataque de
nervos. Eu estou muito nervosa, mais do que o normal.
Assim que porta se abre, Caleb sorri com carinho em minha direção e me
puxa contra seu corpo. Eu ainda não aprendi a lidar com isso, o modo como ele
passa de envergonhado para ousado. Ele simplesmente me quebra com esses
gestos inesperados.
— Boa noite, minha rainha. — diz e me dá um beijo casto.
— Boa noite, bonitão. — ele sorri de lado, do modo que me
desestabiliza.
— Tem alguém muito animada para te conhecer. Não precisa ficar
nervosa. — assegura.
— Não estou nervosa. — reviro os olhos. — Ok, um pouco.
— Eu sei disso, conheço suas nuances.
— Não nega ser amigo de Levi. — resmungo. — Ele também parece
saber tudo. — explico.
— Vem. — abre caminho e eu dou passos contados em direção a sala de
jantar.
Estaco no mesmo momento que uma jovem aparece vestida com um
avental sobre a roupa e me encara embaraçada. Babi é ainda mais linda do que
nas fotos. Seus traços são claramente asiáticos, os olhos levemente puxados, a
pele clara, os cabelos lisos e negros. Ela retira o avental rapidamente e o joga
longe. Seguro um sorriso, por saber que não sou apenas eu que estou nervosa.
— Oi. — digo sem saber o que fazer. — Sou Victória.
— É um prazer conhecê-la, senhora Soares. — diz formalmente e passas
as mãos com força sobre o vestido.
— Senhora? Por favor, apenas Vic. — ela sorri. — Posso ser velha, mas
não precisa me chamar assim.
— A sen... Quer dizer, você não é velha. — diz ao me analisar. — É
linda, assim como papai sempre disse.
— Então seu pai fala sobre mim? — indago curiosa.
— Bom, várias vezes ele...
— Estou vendo que me tornei o assunto principal. — Caleb intervém
fingindo estar bravo.
— Não é mentira, papai. — ela sorri.
— Adorarei saber sobre tudo o que disse de mim, senhor Soares. — ele
me encara assustado.
— Só vou pegar os copos e lhe contarei tudo. — ela sai rapidamente.
— Ela gostou de você. — ele diz e segura minha cintura.
— Pensei que ela estivesse fugindo. — solto o ar com força. — Será
que...
— Pare de se preocupar Vic, ela fez lasanha pra você. — constata e eu
fico perdida. — Quase tenho que implorar para que ela faça pra mim.
— Isso é mentira. — Babi adentra a sala. — Eu sempre faço as comidas
que pede.
— Às vezes. — Caleb parece uma criança birrenta. — Mas por que não
conta para Vic sobre como gosta da loja dela?
— É que...
— Sério, você compra livros na loja? — pergunto empolgada, enquanto
nos sentamos.
— Sim. — ela parece envergonhada. — Na verdade, uma boa parte do
que compro por mês é lá. Eu adoro ler, e lá tem os romances que nunca encontro.
— Estou pensando em fazer um aplicativo, para que possam ler os livros,
no caso e-books, com mais facilidade. O que acha?
— Eu acho um máximo. — sorri abertamente. — Fico até imaginando
como será o design e...
— Gosta de design? — ela apenas assente.
— Na verdade, Babi vai prestar vestibular para isso. — Caleb intervém.
— Sério? — a encaro espantada.
— Sim, na verdade é Comunicação Visual, especialização em Design. —
esclarece. — Acho magnífico poder modificar coisas ao meu redor.
— Poderia me ajudar com o design do aplicativo, o que acha? — sugiro e
ela arregala os olhos.
— Mas eu ainda não sei nada.
— Mas vai aprender e sei que deve ter talento. — insisto.
— Ela tem. — Caleb diz orgulhoso. — Tem que ver os desenhos dela,
são maravilhosos como os de Dani.
— Não teve sorte em, bonitão? — brinco. — Luna faz medicina e Babi
foi para área de seu pai. — ele faz uma careta.
— Pra você ver, duas traidoras. — brinca e gargalhamos. — Mas estou
feliz por fazerem o que gostam.
— Isso não faz a faculdade ser menos pior. — suspiro ao me lembrar das
provas. — Eu odiava ter que fazer provas. Odiava!
— Não bote medo em Babi. — ele adverte sorrindo.
— Vai dizer que gostava de virar várias noites estudando para uma
matéria que odiava? — mexo meus ombros. — Deus que me livre! Ainda mais
você, que estudou todas aquelas leis. — zombo.
— É papai, deve ter sido horrível. — Babi prende o lábio inferior, assim
como eu. A careta de Caleb é impagável.
— Vão rindo. — debocha. — A mocinha, logo mais verá que nem tudo é
perfeito no seu curso.
— Pelo menos ela não tem que carregar o... Como é mesmo o nome? —
pergunto a Babi.
— Vade mecum. — diz e gargalha.
— Pior livro de todos. — continuo debochando e ele revira os olhos. —
Ei, sem revirar os olhos!
— Essa piada é tão velha. — ri forçadamente. — Estou com fome, então
vou fingir que não estou aqui. — assim, ele se serve.
Pisco para Babi que ainda sorri da cara do pai. Os dois realmente ter um
laço forte, impossível não notar. Enquanto todos nos servimos, noto que Babi
parece bem mais à vontade agora.
Não deixo de imaginar o quão feliz Luna ficaria ao saber de Babi. Sei o
quanto ela sempre sonhou em ter um irmão, ela sempre me pediu isso. Porém,
antes tudo era tão complicado. Agora, tudo faz tanto sentido.
— A comida estava maravilhosa. — elogio. — Quem me dera ter suas
mãos, Babi.
— Obrigada. Jô me ensinou tudo. — diz e logo seu rosto se torna triste.
Pego sua mão pela mesa e forço um sorriso.
— Conheço Jô, sei o quanto ela é forte. — digo com cuidado.
— Obrigada. — diz sem jeito. — Por estar aqui.
— Sempre estarei por aqui, a partir de agora. — esclareço e me levanto.
Ela faz o mesmo e vem de bom grado até meus braços. Eu a abraço com
carinho e beijo seus cabelos.
— Sinto tanto medo de perdê-la. Ela é como uma mãe pra mim. — diz
chorando em meu ombro.
— Eu sei, pequena. — arrisco usar seu apelido. — Estou aqui por você,
ou melhor, nós estamos.
Caleb passa seus braços a nosso redor e praticamente nos envolve. É um
daqueles momentos que gostaria de eternizar, que parecem passar em câmera
lenta.
— Obrigada. — sussurro para Caleb, que está obviamente emocionado.
— Obrigado você, minha rainha.

***

Horas mais tardes, após Babi se acalmar e o clima ficar descontraído
novamente, resolvo deixar com que ela descanse. Ela é uma boa garota, e está
passando por algo difícil. Sei bem como é, perdi meu pai muito jovem, e até hoje
sinto sua falta.
Estou com os dedos entrelaçados nos de Caleb, enquanto caminhamos
pelo calçadão de Copacabana. As ondas quebram na areia e a luz da lua ilumina
a água. Sem conseguir resistir, tiro minhas sapatilhas e piso na areia macia.
— Você gosta de praia, não é?
— Sim, sempre foi meu refúgio e de Dani. — confesso. — Amo o modo
como tudo parece interligado aqui, como parece trazer paz.
— Se fui dez vezes, em toda minha vida, é muito. — diz e eu volto para
seu lado no calçadão. — Acho que nunca me habituei muito.
— Pensei que corresse todas os fins de semana.
— Até fazia, porém as revistas começaram a publicar fotos de mim e...
— Não gosta de exposição, não é? — ele assente.
— Além de que muitas mulheres vinham falar comigo, e mesmo com
minha aliança... Era muito embaraçoso. — assim que ele termina sua fala, sinto
meu estômago revirar.
— Era um bom momento para conseguir mais uma amante. — as
palavras saem antes que eu possa impedir.
O olhar magoado de Caleb e seu suspiro mostram claramente que não
devia ter falado de tal modo. Mas não é 100% mentira, não é?
— Eu não me orgulho disso, Vic. — diz calmamente. — Muitas vezes eu
não dormi com as mulheres, na verdade, ao longo de todos esses anos, posso
contar com as duas mãos a quantidade de amantes que tive.
— Mas e aquelas fotos? — pergunto incrédula.
Há muitas mulheres nelas.
— Eu sabia que estava tentando descobrir algo sobre mim. — confessa.
— Então, a maioria delas, com aquelas várias mulheres, foram simples atuações.
— Você está brincando? — paro no mesmo instante.
— Não. — seus olhos azuis parecem temerosos. — Pensei que fosse ficar
com ciúmes de mim...
— E todas as vezes que cheirava a mulher, cada vez um perfume
diferente....
— Eu comprei os perfumes e os passava. — leva as mãos ao cabelo e
passa as mãos diversas vezes. — Fui um idiota, ok? Agi feito um adolescente.
— Mas isso não muda o fato de que me traiu. — penso alto.
— Isso não muda o fato de que ama Tomás. — rebate nervoso e agora
seus cabelos parecem ainda mais selvagens.
— Eu...
— Não precisa ficar jogando em minha cara os meus erros. — é rude. —
Sei bem que fui um idiota, babaca e não agi corretamente. Mas isso não muda o
fato de que nós dois erramos.
— Eu sei. — tento abraçá-lo, porém ele se afasta. — Eu não o amo,
Caleb.
— Sei disso, Vic. — diz tristemente.
Ele entendeu errado.
— Não falo sobre você. — esclareço. — Não amo Tomás. — seus olhos
se arregalam.
— O que? — pergunta surpreso.
— Se eu o amasse, tanto como imaginei, não estaria aqui agora. —
sorrio. — Eu estaria chorando e me lamentando em algum canto da mansão.
— Não precisa...
— Qual é, Caleb? — indago. — Sei que me conhece bem, ao contrário
de mim, que sei pouco sobre você. Sabe que é exatamente isso que estaria
fazendo.
— Pior que sei. — passa as mãos nos cabelos. — Só pensei que fosse...
— Minha segunda opção? — ele assente. — Como poderia ser a segunda
opção de alguém, bonitão? Acha que porque as mulheres te abordavam na praia?
Você é lindo, Caleb. — ele fica estático. — Tanto por dentro, quanto por fora.
— Vic...
— Podemos tentar, sabe? — sugiro. — Sinto que podemos dar certo.
— Não quer mais o divórcio? — pergunta e circunda minha cintura.
— Quero nós dois.
— Tem certeza disso? — pergunta ansioso.
— Sim, e você?
— Realmente precisa fazer essa pergunta? — ele sorri. — Sempre fui
seu, Vic.
— Lindo. — passo as mãos pelo seu rosto e uno nossos lábios.
— Vem. — pede assim que nos separamos. — Quero amá-la a noite toda.
— Sou sua. — ele me pega no colo, sem se importar com as pessoas ao
nosso redor e me beija lentamente dessa vez.
— Minha.
Agora se inicia, uma nova fase de nossas vidas.
Capítulo XIII

Caleb


Acordo assustado com o toque de meu celular. Sem sequer olhar o visor,
atendo-o rapidamente.
— Alô!
— Foi ele não foi? Foi por isso que me socorreu... Por culpa? Droga
Caleb, foi ele que matou minha irmã? — Merda!
— Dani, se acalma. Uma coisa de cada vez...
— Você quer que eu me acalme como Caleb? Foi ele ou não? — insiste e
me sento rapidamente na cama.
— De quem você está falando, afinal? — pergunto. Torço para que ela
não cite o nome de meu irmão.
— Não me engane mais, Caleb. Sabe que estou falando de Castiel. —
fico mudo.
Eu sabia que quando Dani descobrisse que foi meu irmão o cara que
engravidou Annie, que iria ficar além de magoada por não ter lhe contado a
verdade. Mas como eu faria isso?
Oi, tudo bem? Então, meu irmão mais velho engravidou sua irmã e pediu
para que ela abortasse a criança, só que eu acabei assumindo o bebê e ela
morreu no parto.
Nunca soube como fazer isso, então quando Annie chegou a falecer,
trouxe ela para morar comigo. Sempre soube que ela não tinha ninguém além da
irmã e não a deixaria sozinha. Mas como acompanhei a gravidez de Annie de
perto, Dani confiava um pouco em mim, então não fez objeções.
Claro que ela ficou receosa, eu era recém-casado, e ela não queria
interferir em meu relacionamento. Mas no fim, ela acabou entendendo toda
situação, mesmo sendo tão jovem na época. Todos passaram a acreditar que
Luna era minha filha com Victória, bom, não tinham como dizer o contrário.
Pois depois que nos casamos, Vic fingiu a gravidez. Chegou até a usar uma
barriga falsa. Tudo por Luna.
— Dani, eu sinto muito. — digo simplesmente.
— Não me diga que sente muito, Caleb. Meu Deus, ele praticamente
matou minha irmã e eu ainda...
— Você o que? — pergunto nervoso. — Dani, me diga que não chegou
perto dele. — levanto da cama.
— Não, não é nada demais. — responde com a voz falha.
Der repente ouço um estrondo, como de algo batendo com força.
— Dani, está tudo bem? — grito preocupado e começo a colocar minha
roupas, preciso encontrá-la agora.
Ouço uma voz no fundo, porém não consigo distinguir muito bem. Fico
em silêncio apenas ouvindo, termino de me arrumar e deixo um bilhete pra Vic,
que dorme serenamente. Pego o elevador e quase tenho uma síncope com a
demora pra chegar a garagem. Assim que chego ao meu carro, dou a partida.
O silêncio do outro lado da linha é rompido por uma voz masculina.
— Por que se trancou nesse banheiro e está no telefone?
— Não se aproxime de mim! — Danielle grita
— O que houve feiticeira? Hum? — a voz masculina pergunta e eu forço
um pouco mais para ouvi-la. Parece que conheço.
— Já disse pra ficar longe de mim. Eu tenho nojo de você! — ela grita e
logo ouço sua voz de volta no telefone:
— Caleb, me ajuda! Estou na mansão e... — pede e ouço o som de seus
soluços.
Sei agora o quão está com medo do tal cara e sabendo meu destino,
acelero ainda mais o carro. Antes que eu possa responder ouço o som de um
estalo o que me parece um tapa.
— Dani! Chame os seguranças agora! — grito para o celular, sem obter
respostas.
— Então era isso sua vadiazinha? Meu irmão que te mandou pra me
seduzir, não foi? — espera aí! Irmão?
— O que faz com ela, Castiel? — grito desesperado. — Responda,
maldito.
— Estou indo embora agora mesmo de sua casa. — ele diz. — Não sei
como fui capaz de vir até aqui por ela. Parabéns, irmão! Me enganaram
direitinho.
Viro a esquina e finalmente chego em casa. Passo rapidamente pelo
portão e corro para dentro, subo as escadas e encontro Dani jogada no meio do
corredor chorando. Logo Castiel sai do quarto dela batendo palmas.
— Parabéns irmãozinho, quase conseguiu me enganar! Pelo menos
acertou no meu gosto, sempre gostei de loiras com olhos claros, ainda por cima
gostosinhas. — zomba, mas parece furioso.
Seu rosto está vermelho, agora sei o que foi o estalo que ouvi. Dani o
bateu.
— Dani. — ela levanta o rosto em minha direção e vem correndo para
meus braços. — Sinto muito, querida. Me desculpe por não ter lhe dito a
verdade.
— Você vai se arrepender do que fez! — ela se solta de mim e o encara.
— Eu vou acabar com você, pode ter certeza disso! Fui fraca por um momento
pois não controlo minhas crises, mas pode guardar que vou acabar com sua vida,
assim como acabou com a minha. — diz e sustenta um olhar duro contra ele.
— Faça me rir garota, isso é uma ameaça? Pode parar já, a farsa acabou.
Sei que ficou comigo apenas para me manter longe do idiota romântico aí. —
Castiel diz zombeteiro, porém noto que não está bem.
Será que ele não tem mesmo ideia de que Dani é irmã de Annie?
— Você acha que eu perderia minha virgindade com você porque tenho
um combinado com seu irmão? Acha mesmo que iria ficar com você sabendo
quem de fato é, e tudo que fez? Acha mesmo que diria que estava apaixonada
sabendo o verme que é? — ela grita próxima ao rosto dele.
— Podem parar com o teatrinho, está ficando tedioso. — Castiel diz e
abre um sorriso cínico.
— Teatro? Você acha que isso tudo é a merda de um teatro? — Dani grita
e tenta ir pra cima dele, porém a impeço. — Acha que o mundo gira em torno de
você, Castiel? Pois saiba que não. Nunca ouvi falar de você antes! O único irmão
do qual ouvi falar e conheci foi Christopher, pra você ter noção do quanto sua
família o considera, não é? — Castiel fica mudo. — Não passa de um verme sem
escrúpulos e vou fazê-lo pagar por tudo.
— Você é uma ótima atriz, admito. Mas pra continuar a ceninha ridícula,
por que não me diz pelo que tenho que pagar? Pela noite de hoje? — ele zomba.
— Claro, eu posso...
— Vai pagar por dar dinheiro a minha irmã para tirar o filho seu que ela
carregava! Vai pagar por permitir que seu irmão mais novo assumisse o seu
filho! Vai pagar por ter matado minha irmã! — ela grita e vejo Castiel
empalidecer.
— É irmã de Annie? — ele fica estático. — Não pode ser. — diz baixo.
— Ela morreu no parto, no parto o qual você deveria estar presente.
Minha irmã sofreu uma depressão profunda durante toda a gravidez porque foi
tola o bastante para amar um fraco como você. Ela quase perdeu Luna várias
vezes, e fui eu quem a ajudou no meio da noite e afastava todas as lâminas e
remédios possíveis para que ela não cometesse nenhuma loucura. — agora nós
dois ficamos surpresos, eu nunca soube disso.
Notei sim que Annie era muito fechada e pouco falava sobre o bebê, mas
nunca imaginei que ela estivesse tão doente assim. Meu Deus!
— Sabe o que ela me dizia todos os dias super animada? "Irmã, se eu
tirar essa coisa de dentro de mim, ele vai voltar pra mim e vamos ser felizes de
novo."
O silêncio se instala entre todos nós. Castiel apenas fica parado a
olhando, sem saber que reação tomar ou o que dizer.
— Então saiba que Caleb não tem nada a ver com o que tivemos, e tudo
o que terei pra lembrar disso é nojo. E nada irá me fazer parar até conseguir
mandá-lo de vez para o inferno, se é que você já não está nele. — ela diz e vejo
o quão fragilizada está. Sinto medo pelo que pretende fazer, ela não é assim,
nunca foi.
— Feiticeira, me escuta eu posso... — meu irmão parece perdido.
O que houve com você, Castiel?
— Pode se explicar, Castiel? Explicar que não passa de um invejoso, pois
é isso que transparece pra mim. E não se dirija a mim, muito menos com esse
apelido ridículo. Tenho pena de você! — ela diz e meu irmão se cala, passando
as mãos pelos cabelos exasperado.
— Vamos? — pergunto passando a mão sobre seus ombros e a puxo pra
longe dele. — Vá na frente.
Dani vai em direção as escadas rapidamente e Castiel tenta passar por
mim. O puxo pelo braço.
— Caleb, eu preciso falar com ela. Eu não fazia ideia de que...
— Corta isso, Castiel. — fecho meus punhos. — Precisamos conversar
sobre tudo o que está havendo. E quero você fora de minha casa e longe da
minha família.
— Eu não viria aqui se Danielle não tivesse pedido. — explica. —
Preciso mesmo falar com você. Esclarecer o porquê de minha volta. Luna...
— Não toque no nome de Luna! — grito e o empurro contra parede.
— Não é isso que está pensando. — busco ironia em sua fala, porém não
encontro. — Fiz toda aquela cena, porque não queria que Victória desconfiasse
de nada.
— Como assim? — pergunto sem entender e solto seu corpo.
— Podemos conversar amanhã? — pergunta e eu assinto.
— Vou, porque tenho que levar Dani daqui. Mas quero uma explicação
pra tudo isso!
— Você a terá. — diz e leva as mãos aos cabelos. — Amanhã então.
Assinto e desço as escadas em busca de Dani, a encontro sentada no sofá
e puxo para meu abraço.
— Estou aqui. — digo e beijo sua testa.
— Apenas me tire daqui, Caleb. Por favor. — pede em meio ao choro.
— Vem.
No carro vejo o quanto ela está se segurando para não desabar, talvez
para manter a pose de má ou algo do tipo. Mas não quero ela assim, desde que
nos conhecemos sinto como se fosse meu dever protege-la, como um irmão mais
velho.
— Dani, não faça isso!
— Isso o quê? — me encara.
— Se fechar pra mim.
— Estou bem, só estou pensando. — afirma, desviando o olhar
— Sobre o que? — pergunto receoso.
— Em como destruir Castiel.
Capítulo XIV

Victória


Após receber uma mensagem de Caleb, fiquei em total alerta no quarto.
Meus planos eram apenas dormir após a noite diferente e mágica que passamos
juntos, mas como sempre, o destino parece brincar conosco.
Ele apenas ligou e disse que estaria chegando com Danielle em alguns
minutos, mas me pediu para não fazer perguntas a respeito, porém deixou
escapar que Castiel está envolvido.
Eu só torço para que Dani não tenha se metido com ele.
A porta do quarto finalmente se abre e Caleb entra de ombros baixos.
Vou até ele e enquanto ele tranca a porta, acaricio seus ombros.
— Ei. — digo baixinho e ele vira seu rosto pra mim.
Toco de leve em sua barba e ele beija com carinho minha mão. Seu
sorriso é claramente forçado e cansaço emana de seu corpo. O que pode ter
acontecido de tão grave?
— Pareço tão mal assim? — pergunta indo em direção ao frigobar.
Ele tira um vinho de dentro e enche uma taça, logo vira de uma vez.
— O que aconteceu? — pergunto e tiro o vinho de suas mãos. Não queria
vê-lo abusar da bebida novamente.
— Danielle se envolveu com Castiel. — confessa baixinho e se senta na
cama. — Ela dormiu com ele.
— Meu Deus! — levo as mãos a boca e o encaro espantada.
— Pois é. — meneia a cabeça. — Não entendi ao certo ainda, Dani não
entrou em muitos detalhes, mas ela descobriu tudo.
— Sobre Annie? — pergunto praticamente em um sussurro e ele assente.
— E tem mais.
— O que? — sento-me ao seu lado.
— Castiel pediu para falar comigo amanhã, no caso, hoje eu acho, já que
ainda é madrugada. — leva as mãos ao cabelo. — Ele disse que sua volta não
tem nada a ver com Luna.
— Mas então...
— Só vou descobrir mais tarde. — fecha os olhos com força.
— Ei. — o chamo e ele ignora.
Por mais que não conhecesse e muito menos tivesse reparado muito em
suas feições, vinte anos juntos me fizeram notar algumas manias dele, mesmo
que sem querer. A expressão em seu rosto é de pura culpa, do mesmo modo que
ele ficava quando Luna apenas caía.
— Não é sua culpa. — beijo de leve sua boca.
— O pior de tudo é que Castiel parecia tão assustado quanto Dani, os
dois pareciam chocados. — suspira fundo. — Acho que ele contou a ela a
verdade sobre seu passado, sem saber que Dani era irmã de Annie.
— Só que Dani interligou tudo e... — deixo as palavras morrerem no ar.
— Ele confessou a ela.
— Parecia meu irmão novamente ali. — ele limpa uma lágrima qu desce
por seu rosto. — O mesmo irmão que perdi há vinte anos.
— Vocês eram muito unidos antes, não é? — acaricio seus cabelos.
— Muito. — ele leva as mãos ao rosto. — E agora, me sinto um lixo por
ter escondido a verdade de Dani e ao mesmo tempo, não sei se estou preparado
para falar com meu irmão. Eu não suportaria saber que ele não se arrepende de
tudo e...
— Não fique assim. — limpo suas lágrimas. — Fale com ele, tem algo
errado nessa história. Castiel não voltaria depois de vinte anos apenas para
marcar presença.
— Tenho medo que Luna descubra a verdade e... — suas palavras cortam
meu coração.
Não sabia o que mais feria Caleb, se o estado de Danielle, a complicação
com a relação do irmão, ou simplesmente nossa filha saber a verdade. E essa é
uma versão de nossa história que nunca pensei em viver, o medo de Luna
descobrir sobre tudo.
— Ela está em lua de mel, não tem como saber. — tento parecer
decidida. — Estou aqui com você, Caleb.
— Obrigado. — diz baixinho e beija minha testa.
E essa é uma versão de Caleb que não conhecia e tenho certeza que
praticamente ninguém teve. Não é o homem imponente e destemido que fala ou
o grande advogado ou o marido autoritário... É apenas um homem sem
armaduras e máscaras, demonstrando seu medo como se eu fosse sua salvação.
Eu não posso dizer como meu interior se sente no momento. Mas tudo o que
quero é abraça-lo e permanecer assim.
— Dani está no quarto ao lado. — dá de ombros. — Sabe como ela é, se
negou a ficar aqui conosco.
— Certo. Vou dar um tempo para ela sozinha, tenho certeza de que ela
não quer conversar com ninguém.
— Mais tarde levo vocês para a mansão e vou encontrar Castiel. — deita
na cama e me puxa pra si. — Obrigado por estar aqui, minha rainha.
Fico com o cotovelo sobre seu peito e nossos sorrisos se abrem
sincronicamente. Mesmo com tudo parecendo incerto, algo faz sentido agora. E
por mais que nunca tenha imaginado, o meu correto para ser o mesmo que o de
Caleb.
Capítulo XV

Caleb


Tento fechar os olhos e dormir por diversas vezes, porém apenas consigo
me lembrar do desespero e a frieza nos olhos de Dani, o medo de Luna descobrir
sobre tudo me arrebata a cada instante. Minha vida virou de pernas pro ar de
repente.
— Sem sono? — Victória se vira pra mim e sorri fraco. — Devia dormir
um pouco.
— Queria conseguir dormir depois de tudo isso. — suspiro fundo. —
Tudo mudou tão rápido.
— Tudo virou de cabeça pra baixo de repente. — sorri gostosamente e se
espreguiça. — Mesmo assim, ainda não consegui perder todo o sono que tenho.
— Sei bem disso. Seu sono, assim como o de Dani é profundo e... —
fecho a boca no mesmo instante que percebo o que disse.
Droga!
— Como sabe que tenho sono pesado? — indaga curiosa e se escora em
cima de mim.
Fico em silêncio e relembro das inúmeras vezes que simplesmente fui até
o seu quarto para vê-la dormir. Nas quais, sem exceção, disse o quanto a amava.
— Você velava meu sono? — pergunta com um brilho diferente no olhar.
— Eu... — suspiro fundo. — Precisamos mesmo falar sobre isso? —
bufo e me sento.
— Sim. — sussurra sorrindo. — Quero conhecer você, Caleb.
Apenas continuo encarando-a. Não consigo dizer nada, parece que as
palavras fugiram. Como assim me conhecer? Eu não tenho nada que desperte o
interesse dela, e isso faz com que minha fala não saia de vez.
— Bom. — revira os olhos. — Eu começo perguntando... Já se
apaixonou alguma vez?
— Sabe que sim. — respondo sem entender sua pergunta. — Desde que
te conheci, eu...
— Não, estou dizendo por outra pessoa. — dá de ombros. — Foram vinte
anos casados e ao mesmo tempo distantes. Ninguém conseguiu chegar até seu
coração e...
— Não. — a corto, e tenho certeza de que notou minha voz ríspida. Não
quero realmente tocar nesse assunto.
— Seja sincero comigo, por favor. — pede e se ajeita melhor na cama,
ficando de pernas cruzadas.
— Estou sendo. — desvio olhar.
— Você não desviaria o olhar se estivesse. — me acusa.
— Não estou mentindo, ninguém chegou perto de meu coração... A não
ser você. — digo encarando-a.
— Por que sinto que está me escondendo algo? — insiste e eu bufo
irritado.
Levanto-me com raiva da cama e lembranças de anos atrás vem a minha
mente. Não que ainda me importe, na verdade não sei se realmente em algum
momento foi importante, mas o fato é que tudo isso remete a algo que quero que
permaneça enterrado.
— Quem é ela? — Vic pergunta de repente e apenas me encosto na
grande porta de vidro que dá para a sacada.
— Não é algo relevante Victória. — a corto. — Pode ter certeza de que...
— Qual é, Caleb? — levanta-se e vem em minha direção. — Se não
fosse importante, você não estaria fugindo da resposta.
— Vic, não insista nisso. — tento segurar sua cintura, porém ela se
esquiva. — Estou sendo sincero, ninguém além de você já chegou ao meu
coração. O que está no passado, já foi.
— Então não custa me dizer. — abaixa o olhar e logo depois me analisa.
— Quem é ela?
— Solange. — digo já vencido.
— A esposa de Tomás? — sua voz sai falha.
— Sim. — confesso e abro a porta de vidro.
Sou presenteado com o vento frio da madrugada, porém meu corpo não
protesta. Pelo contrário, a sensação é praticamente anestésica.
— Foi algo momentâneo. — digo, pois sinto a presença de Victória atrás
de mim. — Eu me encantei pela devoção que ela tinha com Tomás, acho que a
transformei em um molde de mulher perfeita, pois também queria aquilo.
— Deus! — o sussurro dela me faz virar em sua direção.
Há lágrimas em seu rosto e meu coração se quebra. Ela está lembrando
de Tomás!
— Mas depois que me afastei de sua família, depois que ela o perdoou
por tudo... — suspiro fundo. — Percebi que eu queria você, queria que você me
tratasse como ela tratava Tomás.
— Isso só piora. — diz e se vira pra sair, porém seguro seu braço.
— Qual o problema? — pergunto e a puxo pra mim, dessa vez ela não
nega. — Eu sei que dói a você lembrar do que Tomás fez, e que saber que ele é
feliz com outra mulher...
— Não é isso. — me corta bruscamente. — Tomás não tem nada a ver
com isso.
— Como assim? — pergunto confuso.
— O problema é você, Caleb. — diz e encara o chão.
Meu coração se parte no mesmo instante. Busco seus olhos azuis, porém
ela apenas se afasta e limpa as lágrimas que caem. Só consigo me perguntar em
como conseguimos chegar a esse momento... Pular de fazer amor, para o fim de
algo que nunca teve um começo.
— Eu entendo. — digo e passo por ela.
— Não, Caleb! — exclama e vem atrás de mim. — Eu só...
Meu celular toca no mesmo instante e Victória trava. A encaro esperando
que continue sua fala, porém ela apenas indica o celular com a cabeça e vai para
o banheiro.
Frustrado, sento-me na cama e atendo.
— Soares.
— Caleb, irmão...
— Castiel? — pergunto surpreso.
— Ela se foi, Caleb. — suspira fundo. — Eu não sei como te dizer isso,
mas...
— Castiel, não quero uma brincadeira agora! — praticamente grito. —
Chega dessa merda, combinamos de nos falar mais tarde e...
— Jô se foi. — diz e meu mundo para no mesmo instante.
Levanto meu olhar e encontro os olhos azuis de Vic, me encarando com
um “V” na testa. Não consigo pensar, muito menos raciocinar.
— Não brinque com isso! — grito. — Onde Jô está?
— Ela... Não consigo dizer isso em voz alta. — ouço um soluço.
— Castiel...
— Babi está aqui, Caleb. — diz e paraliso. — Ela precisa de você, irmão.
— Onde estão? — ignoro meu consciente que insiste em querer saber em
como ele tem praticamente noção de tudo.
Ele sabe sobre Babi.
— No hospital. — diz. — Babi não quer sair daqui, eu tentei levá-la até
você mas...
— Estou indo. — digo e coloco minhas roupas rapidamente.
Pego as chaves do carro e quando estou saindo do quarto, a voz de Vic
me faz voltar a realidade.
— Caleb. — seguro meu braço. — O que houve?
— Jô... — encosto-me na porta e deixo as lágrimas caírem. — Não pode
ser verdade, Castiel está na linha dizendo isso... Ele está mentindo, Vic!
— Caleb, querido. — toca meu rosto e noto seus olhos marejados. —
Deixe que um dos seguranças dirija, por favor.
— Não, eu preciso...
— Eu estou com você. — diz e pega as chaves de minha mão. — Vem!
Ela abre a porta do quarto e tudo parece passar em um segundo.
A vejo conversar com nossos seguranças, e em poucos segundos
entramos no carro. Penso em perguntar em como ela sabe da segurança, sendo
que eles ficam disfarçados, vestidos normalmente. Mas a voz de Castiel me faz
lembrar do porquê estar indo a um hospital no meio da noite.
— Caleb. — chama diversas vezes e só assim noto que o ignorei, mesmo
estando com o telefone na orelha.
— Cas. — digo e tento ser forte. — Por favor, diga que está me
enganando.
— Foi por ela, Caleb. — confessa. — Foi para ver Jô que voltei, e
agora...
— A perdemos. — o celular escorrega da minha mão, assim que constato
que de fato não é uma armação de Castiel.
Perdemos Jô.
— Estou com você, querido. — Vic mexe em meus cabelos e me envolve
em seu abraço.
Por um momento, permito-me chorar em seu colo.
Capítulo XVI

Caleb


Assim que adentro o hospital, meu sangue parece gelar e tudo ao meu
redor parece ainda mais inanimado. Vic sussurra algumas palavras em minha
orelha, porém não consigo distingui-las.
Chegamos a sala de espera e finalmente volto a realidade.
— Papai! — o grito agoniado de Babi me desperta. — Eu a perdi.
Ela vem em minha direção e praticamente nos esmagamos em um
abraço. Babi chora desesperadamente em meu ombro, e eu me contenho. Preciso
ser forte por ela.
— Shhh, pequena. — beijo seus cabelos. — Precisamos sair daqui.
— Não papai, ela não pode ter morrido. — chora ainda mais.
Deixo então que ela chore no meu ombro e continuo a abraçando com
força. Vejo então, Castiel sentado última fila de cadeiras da sala. Ele disca
diversas vezes algo em seu celular, e vejo-o levar as mãos à cabeça e chorar
ainda mais.
Meu irmão mais velho está chorando.
— Pequena. — Vic diz ao se aproximar de nós e Babi se desvencilha de
mim, abraçando-a com força. — Está tudo bem, estamos aqui. Chore, vai aliviar
um pouco agora.
Como se fosse automático, me afasto delas e vou em direção a Castiel.
Ele sequer percebe minha presença.
— Cas. — o chamo, e ele me encara.
Lágrimas derramadas cobrem seu rosto e ele as limpa rapidamente.
— Ela foi como uma mãe pra mim. — leva as mãos aos cabelos. —
Sempre será.
— Há coisas que não entendo no momento, mas não importa. — sou
sincero. — Precisamos sair daqui, Cas.
— Eu sei. — levanta-se. — Eu pedi para que Isaac cuidasse de todos os
trâmites... Eu não consigo fazer isso e...
— Eu entendo. — digo e ele assente. — Estava ligando para Isaac?
— Não. — dá de ombros. — Não é nada demais. Vou apenas tomar um
banho e vou ver Isaac. — diz e vejo que está tão perdido quanto Babi, quanto eu.
— Venha pra minha casa. — digo de relance. — Não sei ao certo o que
Jô significa pra você Castiel, mas eu te conheço.
— Caleb...
— Não seja um covarde agora! — digo nervoso. — Você iria a minha
casa de toda forma. Mesmo com tudo que houve somos uma família e você
sempre fez parte dela! — passo as mãos nos cabelos e noto os olhos de Castiel
arregalados.
Seu rosto ainda está machucado devido aos socos que dei... Isso apenas
me faz sentir pior. O homem a minha frente não parece um covarde, não é o
mesmo que fugiu anos atrás... Ele é apenas meu irmão.
— Somos uma família. — repete e quando percebo, estamos abraçados.


Victória

— Ei. — chamo Caleb e ele apenas continua velando o sono de Babi. —
Preciso falar com você.
— Ok. — beija a testa de Babi e vem em minha direção. — O que
houve? — pergunta assim que fecha a porta do quarto.
— Dani chegou. — digo e ele arregala os olhos. — Não consegui contar
a ela ainda, não sei como.
— Não há jeito que não doa. — diz e passa por mim.
Ele vai em direção as escadas, porém logo vejo-o parar. Vou até ele e a
cena que me aguarda, me deixa chocada.
Dani se aproxima de Castiel e ele a encara, sem ao menos dizer nada,
vejo-o a puxar para um abraço. Ela simplesmente o abraça de volta.
— Não! — ela grita de repente, e assim temos certeza de que Castiel
contou a ela. — Seu cretino! — ela bate com força contra o peito dele.
Caleb desce as escadas rapidamente e a segura pelos braços.
— Para Dani! — diz baixo.
— Mande-o sair daqui! — ela chora desesperadamente. — Ele veio para
acabar com a minha vida de novo.
— Dani! — Caleb grita em tom de ordem e ela apenas encara Castiel
com nojo.
Onde está a mulher que correspondeu o abraço dele há poucos
segundos?
— Nos vemos no enterro, irmão. — Castiel diz e vai em direção a porta.
Sem conseguir me conter, vou atrás dele. Assim que saímos de dentro da
casa, ele se vira pra mim.
— Eu nunca pensei que entenderia como Caleb se sente. — balança a
cabeça negativamente. — Talvez esse seja meu castigo.
— Do que está falando?
— Sobre amar uma mulher que não corresponde o mesmo sentimento. —
diz de cabeça baixa. — Desculpe te importunar com isso.
— Todos erramos, Castiel. — digo e ele apenas sorri fraco.
— Nem sempre o amor é maior que os erros. — fecha os olhos com
força. — Não um amor unilateral.
— Não sou uma boa conselheira, mas posso te dizer algo a respeito sobre
o que disse de Caleb.
— Como assim?
— Não somos amigos, Castiel. — dou de ombros. — Se estou falando
com você aqui e agora, é porque Danielle é importante pra mim. E por isso, se
esse amor for real, espero que acredite que tudo é possível.
— Não há como amar por dois. — diz tristemente.
— Então não apenas ame, conquiste, lute... Amor nem sempre é tudo.
Uma pessoa pode ensinar a outra a amar, se ela for pra ser sua, vai ser.
— Você parece estar convicta sobre isso. — me encara estupefato.
— Eis a prova viva aqui! — me indico e ele finalmente abre seu sorriso
cínico.
Tem coisas que nunca mudam.
— Ele merece. — sorri. — Vocês dois.
E foi a primeira vez que admiti a alguém um sentimento que ainda não
admiti nem a mim mesma.
— Boa noite, Victória. — diz e se vira pra sair.
— Boa noite, Castiel.
Volto para dentro e nem Dani, nem Caleb estão na sala principal. Ouço a
voz de Caleb vindo da cozinha e me encaminho pra lá.
Encontro-o dando um copo com água pra Dani, mas tenho certeza de que
há algo mais ali. Ele fez o mesmo com Babi há poucos minutos, calmantes nesse
momento são de grande ajuda.
— Ei. — Dani sorri fracamente pra mim. — Estou com você. — abraço-
a com carinho e ela agradece baixinho em meu ouvido.
Jô sempre será uma parte fundamental de nossas histórias. Ela cuidou das
meninas quando novas, foi babá de Caleb e seus irmãos... Ela era apaixonante.
Viro-me para Caleb e noto seu olhar distante. Ele sequer me olha e sinto
que minhas palavras de horas atrás ainda rondam sua mente.
Eu não sou boa com palavras.
— Eu te espero no quarto. — digo baixinho assim que estamos próximos.
— Vou para o meu escritório. — diz secamente.
— Caleb.
— Hoje não, Vic! — me corta. — Apenas quero estar só. — diz em seu
tom seco e meu coração dói.
Ele parece o mesmo homem de antes, o homem que não amei. Porém,
eu não seria novamente a megera que o ignora.
— Só quero estar ao seu lado. — beijo seus lábios com cuidado. — E
estarei.
— Victória! — me chama, porém saio sem dizer mais nada.
Por mais que não soubesse muito a respeito dele, os poucos dias em que
tudo ocorreu, não poderiam ser mais esclarecedores. Caleb se blinda quando está
ferido, ele ataca para não ser atacado. Mas já era tarde demais, eu não desistiria.
Eu o quero, descobrir todas suas nuances. Pois eu já sou dele.
Capítulo XVII

Victória


Hoje, poderia ser considerado um dos piores dias de minha vida. Como
se eu revivesse a cada momento, o dia em que tive de enterrar meu pai.
O dia cinzento e nublado combina perfeitamente com o sentimento
emanado por todos, a tristeza. Olho para meu lado e Caleb se mantém apenas
abraçado a Babi, como se a dor que sentem, fosse aliviada pela presença um do
outro.
As horas antes do enterro foram as piores possíveis, pois Caleb
praticamente fugiu de mim e foi até a casa de seus pais contar o que tinha
acontecido. Fiquei sozinha, olhando para Babi dormindo, enquanto chorava por
tudo que me mata por dentro.
Liguei para Luna nesse meio tempo, apenas para que estivesse a par da
situação. Claro que ela quis voltar para cá no mesmo instante, mas lhe deixei
claro que de nada adiantaria, sequer daria tempo. Luna nunca foi apegada a Jô,
mas sei que sua volta seria para cuidar de seu pai. Quando disse a ela que eu
cuidaria dele, Luna pareceu incrédula.
— Está me escondendo algo, não é? — pergunta.
— Confie em mim filha, não vou deixar seu pai sozinho.
— Ok mamãe, mas ainda assim, quero conhecer Babi. — suspira fundo.
— Diga a ela que eu sinto muito, que logo estarei em casa.
— Obrigada por entender, Luna. — choro baixinho. — Obrigada mesmo.
— Conheço meu pai, se ele a ama, seria impossível não amarmos. Ele
tem um grande coração, mamãe.
— Fazendo torcida pelo seu pai agora? — provoco.
— Apenas lhe dizendo a verdade.
— Oi, querida. — a voz de Leandra me desperta e sorrio em sua direção.
— Obrigada por cuidar de meu menino.
— Está tudo bem, Leandra. — ela me abraça. — Obrigada por estar aqui.
— Eu nunca poderei ser suficientemente grata por tudo que Jô fez por
mim e pelos meus meninos. — diz e um lágrima corre pelo seu rosto.
Ela se afasta e vai em direção a seu marido, Rodrigo Soares. Os dois se
abraçam por alguns segundos, mas assim que Castiel aparece aqui, ela
praticamente corre até ele. A cena é linda, mas eu vejo que eles não estão
surpresos pela presença dele, e sim preocupados.
— Tem algo errado nessa história toda. — ouço a voz baixa de Caleb e
me viro pra ele.
Ele finalmente está falando comigo?
— Como Babi está? — pergunto e olho em direção a Babi que vai em
direção a Dani que a abraça. — As duas parecem quebradas.
— Todos nós parecemos. — diz e me abraça. — Me desculpe por ser um
idiota.
— Eu entendo. — beijo seu rosto. — Contei a Luna sobre o que houve,
mas a convenci a não fugir da lua de mel.
— Obrigado por isso. Não consegui sequer ligar para ela.
— Eu sei. — o abraço com mais força. — Estou aqui com você, querido.
— Obrigado.
Ficamos algum tempo abraçados, até que alguém toca meu ombro. Me
viro e encontro Christopher com os olhos inchados, que me puxa para um abraço
no mesmo instante. Assim que ele se afasta, encara o irmão de modo triste.
— Irmão... — sua voz falha e Caleb o puxa para um abraço. — Desculpe
não ter respondido, meu celular estava desligado.
— Tudo bem. Você está aqui agora. — Caleb força um sorriso.
— Pai. — Babi se aproxima e Christopher se vira assustado na mesma
hora.
— O que você disse? — ele pergunta de supetão.
— Eu... — Babi fica pálida e abraça o próprio corpo, talvez pelo modo
intenso que Christopher a encara, e o modo rude com que fez a pergunta.
— Essa é Babi, minha filha. — Caleb a puxa. — Te explico depois,
Chris.
— Pode ter certeza que sim. — ele sai sem dizer mais nada e vai ao
encontro dos pais.
— Desculpe ter atrapalhado, eu... — Babi soluça e Caleb a abraça.
— Está tudo bem, pequena. — digo e beijo seus cabelos. — Vou falar
com Danielle.
Saio dali e sigo pelo gramado verde. O enterro de Jô aconteceria em
poucos minutos, apenas esperávamos Isaac e Joaquim chegarem.
Ando em direção a Dani, que está sentada em um banco mais afastado de
todos. Vejo Castiel chegar próximo dela e estaco. Ele diz algo de longe, e ela
simplesmente o ignora. Ele então sai de cabeça baixa e sinto-me mal com isso.
Acho que ele realmente a ama.
— Oi. — sento-me ao seu lado. — Precisa de algo?
— Apenas quero que isso acabe. — ela chora baixinho. — Foi aqui que
enterrei Annie, e vê-lo tão perto me dá vontade de gritar. Só não o faço, pelo fato
de que ele era importante pra Jô, e eu a amo.
— Eu queria dizer que entendo, mas não há como. — seguro uma de suas
mãos.
— Meninas. — levanto meu olhar e encontro Isaac. — Você está ainda
mais baranga que o normal, peste. — brinca com Dani, que se levanta e o abraça
com força. — Shhh, pestinha.
Permito-me finalmente sorrir nesse dia, pois lembro-me do dia em que
marcamos um encontro entre os dois. Dani e Isaac sequer chegaram ao
restaurante, pois só sabiam discutir. Mas desde então, tem um laço fraternal
muito forte. E vê-lo cuidando dela, faz meu coração se aquecer.
— Podemos começar? — pergunto apenas mexendo a boca e ele assente.
Levanto-me e vou em direção a Caleb, que continua com Babi em seus
braços. De esgueira vejo Castiel abraçado a Leandra, porém seus olhos estão
conectados a cena atrás de mim. Seu queixo parece tenso e sua postura também.
Leandra puxa o rosto do filho e força-o a olhá-la. Assim, ele se
desprende do momento. Castiel parece com ciúmes.
Aproximo-me de Caleb e aviso o que Isaac disse. Joaquim aparece
minutos depois e finalmente o enterro começa. E esse, com toda certeza, está
sendo um dos meus dias mais difíceis.
Babi grita desesperada e fico perplexa com a cena. Caleb a segura pela
cintura, mas aposto que tenta não chorar também. Fico abraçada a Dani, que
chora amargamente.
Não há quem não queira que esse momento acabe.

***

A volta pra casa é silenciosa. Isaac se propôs a dirigir e então, Caleb vem
com Babi ainda abraçada a ele, no banco de trás. Fico um pouco deslocada aqui,
não por me ignorarem, mas porque ninguém sabe lidar com a dor do outro, a não
ser quem a sente.
Dani está no banco do carona e Isaac troca algumas palavras com ela.
Meu celular toca nesse momento e atendo sem sequer olhar.
— Alô.
— Oi mamãe.
— Está tudo bem, filha?
— Só liguei porque preciso falar com papai, mãe.
— Um minuto. — digo e toco o ombro de Caleb. — Luna no telefone.
Ele pega o celular no mesmo instante, e sem soltar Babi, leva-o a orelha.
Por alguns minutos ele conversa com Luna e fico apenas observando como Babi
está alheia a isso.
— Dani. — Caleb a chama.
Dani pega o celular no mesmo instante e conversa vários minutos com
ela. Sei o quanto ela precisa disso nesse momento, Luna é uma parte de sua irmã,
ninguém melhor do que ela para lhe dar força.
— Obrigada, princesa. — Dani diz e passa o celular de volta pra mim.
O olhar de Dani parece mais leve, e sorrio ternamente por isso. Danielle
ainda não sabe que sei da verdade, mas isso é apenas questão de tempo. Logo
não haverá mais mistérios entre nós. Isso é o que espero.
— Oi de novo, filha.
— Não sei se é certo, mas queria falar com Babi também. — diz sem
jeito.
— Tem certeza? — acaricio os cabelos de Babi, que me olha no mesmo
instante.
— Sim, por favor. — Luna insiste, então passo o celular para Babi.
— Sua irmã quer falar com você.
Babi me encara sem jeito e Caleb sorri em sua direção. Ela então se
afasta um pouco do abraço do pai e pega o celular. Com as mãos trêmulas, ela
conversa pela primeira vez com a irmã.
Caleb sorri pela primeira vez no dia e sustenta meu olhar. O carinho com
que olha pra mim, faz meu coração se aquecer. Não consigo desviar e me afundo
na imensidão azul de seus olhos.
Capítulo XVIII

Caleb


Dou novamente um calmante para Babi, o mesmo que o médico havia
receitado à horas atrás. Ela dorme e então, resolvo tomar um banho para me
acalmar.
Vou em direção a meu quarto e praticamente me arrasto até o banheiro.
Sequer faço questão de tirar as roupa e entro debaixo da ducha fria.
Choro baixinho, e despenco dentro da banheira. Deito a cabeça para trás
e levo as mãos aos cabelos. A ducha cai e ao mesmo tempo, meu corpo é imerso
por água.
Ouço um barulho na porta, porém ignoro. Um som invade o banheiro e
só assim abro os olhos.
Encontro Victória com apenas a lingerie, que logo se aproxima e se senta
ao meu lado na banheira já cheia. Ela desliga a ducha e fica apenas me
encarando por alguns segundos.
Uma melodia baixinha continua invadindo o banheiro e logo consigo
identificar.
"Se eu não tenho nada, eu tenho você
Se eu tenho alguma coisa
Eu não dou a mínima
Porque tenho isso, com você
Eu não sei muito sobre álgebra
Mas eu sei que 1 + 1 é igual a 2
E somos eu e você
Isso é tudo que você tem quando o mundo acabar...”
Victória começa a tirar minhas roupas com cuidado e me olha
intensamente. Como se quisesse dizer algo com essa música. Não brinque
comigo, Vic.

“Porque baby, nós não temos nada sem o amor
uerido, você tem o suficiente para nós dois
Então vamos lá, baby
Faça amor comigo”

Assim que estou apenas de boxer, Vic passa as mãos com carinho pelo
meu rosto e abre a boca pra dizer algo, porém a calo com um beijo. Não
precisamos de palavras agora.
A música continua, e de repente a água fria não parece mais presente.
Sinto um calor latente correr por meu corpo, sinto o corpo de Victória queimar
pelo meu.

“Quando meus dias estiverem ruins
Me puxe para perto e não me deixe ir
Faça amor comigo
Então quando o mundo estiver em guerra
Deixe o nosso amor curar a todos nós
Agora mesmo, baby
Faça amor comigo
Comigo... comigo... comigo... comigo..
Ohh, faça amor comigo
Hey, eu não sei muito sobre armas
Mas eu, eu fui alvejada por você
Hey, eu não sei quando eu irei morre
Mas eu espero que eu morra por você
Hey, eu não sei muito sobre lutas
Mas eu, eu sei que vou lutar por você
Hey, quando eu fecho meu punho eu percebo
Eu estou deitada ao seu lado
Baby nós não temos nada além do amor
E querido você já tem o suficiente para nós dois
Ooohhh...
Faça amor comigo
Quando meus dias estiverem ruins
Me puxe para perto e não me deixe ir
Faça amor comigo
Então quando o mundo estiver em guerra
Deixe o nosso amor curar a todos nós
Me ajude a baixar minha guarda
Faça amor comigo
Comigo... comigo... comigo... comigo...
Ohh, faça amor comigo
Comigo... comigo... comigo... comigo...”
(1+1 - Beyonce)

E mesmo com tudo que está havendo, ignoro o mundo lá fora por um
instante, e atendo seu pedido... Faço amor com ela.

***

Coloco uma roupa normal e resolvo sair para caminhar um pouco.
Victória dorme serenamente na cama, e então resolvo não acordá-la. Passo pelos
quartos de Dani e Babi, ambas dormem e agradeço por isso. Não aguento mais
vê-las tão mal.
Desço as escadas e me assusto ao ver que Christopher está sentado no
sofá de minha sala.
— Por que está aqui? — pergunto e ele dá de ombros.
— Mamãe está preocupada com você. — diz. — Resolvi ficar aqui até
que você acordasse, apenas para dizer a ela que está vivo.
Conheço meu irmão, sei que está mentindo.
— Fale a verdade. — sou rude.
— Ok, você me conhece, não é mesmo? — sorri fraco. — Quero saber
quem é aquela japinha.
— Certo. — sento-me no sofá a sua frente. — Eu a adotei quando ela
tinha dez anos. Eu a encontrei na rua e...
— Corta esse papo, Caleb. — o encaro sem entender. — Isso é óbvio pra
mim.
— Do que está falando? — pergunto sem entender.
— Teve a capacidade de trazer uma de suas amantes com um pretexto tão
imbecil. — levanto no mesmo momento.
— De onde tirou isso? — praticamente grito.
— Não é muito difícil de imaginar. — me olha enfurecido. — Pode
enganar todo mundo com essa historinha idiota, mas sei que aquela vadia é sua
amante.
— Cale a boca. — grito.
— Não aja como se fosse meu pai. — grita de volta e se levanta. —
Achou mesmo que ninguém ia perceber isso? Achou que eu não iria notar que
tudo que essa piranha quer é seu dinheiro, e ainda fez sua cabeça para inventar
essa história e enfiá-la aqui?
— Tudo isso por que está preocupado com o meu dinheiro? — pergunto
incrédulo.
Sempre soube que Christopher é ambicioso, mas nunca imaginei o
quanto.
— Confesse, Caleb. — me corta.
— Só se for pra socar a sua cara. — grito e ele sequer mexe. — Saia da
minha casa e nunca mais cogite a ideia de falar isso sobre a minha filha.
— “Filha.” — gargalha sem humor. — Sabe por que tenho certeza de que
ela é sua amante? Isaac se negou a investigar sobre ela, mas sei que ele sabe
algo.
— O que quer dizer com isso?
— Sei que ele está te acobertando.
— Você não sabe de nada, Christopher. Vá embora, antes que as coisas
fiquem ainda piores.
— Não antes de dizer a verdade para Victória. — insiste.
— Dizer o que pra mim? — Vic surge no topo da escada, envolta apenas
por um roupão.
— Que seu querido marido, colocou uma das amantes debaixo do mesmo
teto que você. — diz como se tivesse vencido. — Ainda mais uma vadia vinte e
dois anos mais nova que ele.
Cerro os punhos, porém antes que pudesse fazer alguma coisa, Vic
segura meu braço.
— Não se estresse por isso. — diz em meu ouvido e beija meus lábios.
— Não viaja, Chris.
— Está brincando comigo, Victória? — ele praticamente rosna.
— Não fale assim com ela, ou eu...
— Vai fazer o que? — me enfrenta. — Me bater? Tenho 36 anos, não sou
mais criança.
— Então não aja feito uma. — revido. — Seja homem suficiente e vá
embora daqui, e nunca mais fale de Babi desse modo.
— Vocês são ridículos. — exclama furioso. — Mas vou desmascarar isso
logo logo.
— Melhor ir, Chris. — Vic diz e me viro para olhá-la.
— Mas antes...
Não consigo reagir, só sinto um baque forte contra meu rosto. Dou
alguns passos para trás e só assim noto que Christopher me acertou.
— Isso foi por usar a morte de Jô como pretexto para essa palhaçada. —
me acusa. — Não duvido nada que essa “zinha” tenha mata...
— Chega! — grito e o acerto.
Minha cota de paciência acabou.
Acerto três socos e Christopher vai para o chão. Victória grita e tenta me
tirar de cima dele, mas não consigo pensar e muito menos raciocinar.
Quem é essa pessoa a minha frente? Ela não pode ser o meu irmão
caçula.
— Chega, Caleb! — ouço a voz autoritária de Castiel e seus braços me
tiram de cima de Christopher. — Vamos lá, pare com isso!
Parece um flashback de quando éramos mais novos, onde ele sempre
defendia Chris.
Afasto-me e fico totalmente desarmado quando vejo um corte no rosto de
meu irmão. Droga!
— Chris...
— Pois é, a vadia te pegou de jeito. — insiste.
— Cale a boca, Christopher! — Castiel se intromete.
— O que quer aqui, Castiel? Não venha agindo como o irmão mais
velho, se não prestou pra isso nos últimos vinte anos!
O olhar de Castiel é indecifrável e Victória segura em meu braço no
mesmo momento.
— Acha que só porque estive fora não sei tudo que acontece por aqui? —
Castiel o enfrenta. — Tome vergonha na sua cara Christopher, e respeite Babi!
Senão eu mesmo bato em você!
— Tente. — Christopher o instiga e sorri.
— Vá embora da minha casa, Christopher. — Victória diz de repente. —
Agora mesmo.
— Vic...
— Agora. — ela o olha friamente e Chris sai sem dizer mais nada.
— Você evitou que ele levasse um soco no estômago. — Castiel brica e
Vic não consegue evitar um sorriso.
— Não creio que você faria isso. — o desafio.
— Por que não? É exclusividade sua bater em todo mundo? — zomba e
abre seu sorriso cínico.
Victória gargalha gostosamente e eu apenas reviro os olhos.
— Ei! — ela chama minha atenção. — Não revire os olhos!
— Vocês dois são estranhos. — Castiel diz e eu apenas dou de ombros.
— Já que a sessão matar o irmão caçula já passou, preciso falar com você.
— Certo. — faço sinal com a cabeça. — Vamos até o escritório então.
— Eu vou ver se Babi está bem. — Vic beija meu rosto e sobe as escadas
antes de nós.
— Fico feliz em ver que estão bem. — Castiel diz.
— O que quer dizer com isso?
— Acho melhor falarmos sobre tudo com calma. — suspira fundo. —
Hoje não é um bom dia, na verdade, parece o pior de todos... Porém, não posso
adiar essa conversa.
— Certo. — abro a porta do escritório. — Entre.
Cas senta-se na poltrona em frente à minha mesa e ofereço uma bebida.
Ele nega no mesmo instante e então respira fundo.
— Suspeito que não seja um assunto fácil.
— Não é. — confessa. — Desculpe despejar tudo isso de uma vez, mas é
necessário.
— Diga de uma vez então.
— Como já havia dito, voltei por conta de Jô. — suspira fundo. — Não
voltei por conta de Luna e jamais tive algum sentimento especial por Victória.
— Certo. — encosto-me na cadeira. — Então por que estamos tendo essa
conversa?
— Primeiro pensei em conversar com você a respeito de seu casamento.
— me encara envergonhado. — Mesmo de longe, sei de tudo que se passa por
aqui. Nossa mãe, pai e Jô foram meus fiéis informantes.
— Espera aí. — o corto. — Você fala com nossos pais? Eles disseram
que...
— O que eu pedi pra dizerem. — complementa. — Eu converso com eles
desde a época em que eles se separaram.
— Como assim? Eles jamais...
— Essa história não é minha. — me corta. — Sei que está curioso e
assustado com essa informação, mas cabe a eles contar sobre isso.
— Certo. — cedo um pouco.
— Mas, o que importa no momento é Christopher.
— Han? — fico perdido.
— Ele junto com minha mãe podem levar nossa família a ruína
novamente.
— O que? Nossa mãe? Christopher?
— Minha mãe, Caleb. — diz em tom áspero.
— Temos a mesma mãe, idiota.
— Não. — abaixa a cabeça. — Não temos.
Fico pasmo com sua declaração. Ele me encara e noto seu semblante
abatido.
Castiel não é meu irmão?
Capítulo XIX

Caleb


— Do que está falando, Castiel?
— A verdade nua, crua e direta é essa. — me encara sem jeito. — Eu não
sou filho de Leandra, ao menos não biológico.
— Cas...
— Lembra que uma vez Leandra falou sobre sua irmã gêmea? — suspira.
— A irmã gêmea que morreu há anos atrás?
— Lembro, mas...
— Acreditavam que ela morreu quando deu à luz a mim.
— O que? — praticamente grito.
— Sou filho biológico de Lívia Albuquerque. — confessa. — Temos o
mesmo pai, antes que me pergunte.
— Ele a traiu? — pergunto perplexo.
— Nosso pai era um babaca. — diz com raiva. — Até quando Leandra o
deixou de vez.
— Mas espera aí... Você disse que “acreditavam”. Não acreditam mais?
— Pelo menos não eu. — coloca os cotovelos na mesa. — Não depois do
que Isaac e eu conseguimos.
— Como assim?
— Lembra de quando falimos? — assinto. — Descobrimos que não foi
Leandra... Foi Lívia o tempo todo.
— O que?
— Foi ela quem mexeu com o dinheiro posto na conta de nossos pais.
Ela fez isso por anos, e vem desde quando éramos crianças.
— Como ela fez isso e ninguém percebeu?
— Isso que me pergunto... Mamãe sabe, tenho certeza. — passa as mãos
pelos cabelos. — Isso é uma bagunça, eu sei, mas o fato é de que Christopher
pode estar envolvido com ela.
— Eu não estou achando isso uma bagunça, estou achando isso uma
loucura. — explodo. — Como nosso pai não percebeu que não foi mamãe que
faliu nossa família? Como Joaquim não o fez?
— O relacionamento deles não era algo bom, Caleb. — confessa. —
Sabe do que estou falando, viveu esses vinte anos distante de Vic, mesmo
estando casados.
— Ok. — respiro fundo. — Mas como Chris se meteria com essa
mulher?
— Ele pode não saber que ela existe. — o olho sem entender. —
Consegui fotos dele com uma mulher, a qual suspeito que ele assuma logo como
noiva.
— Christopher não ficaria noivo. — digo o óbvio.
— Se isso desse a ele a presidência da empresa... Ele fará qualquer coisa,
Caleb. Mas o problema é que essa mulher é filha de Lívia. — me passa seu
celular. — E pior, você a conhece.
— Paula? — pergunto incrédulo ao ver a foto.
— Exatamente.
— Tem certeza de que ela é filha de Lívia?
— Eu e Isaac estamos tentando juntar as peças... Mas logo descobrimos
que Paula Junqueira não existe de fato. Ela se chama Paula Albuquerque.
— Deus! — exclamo incrédulo. — Ela é sua irmã.
— Sim, de certa forma. — diz sem jeito.
— E o pai dela?
— Nada. — franze o cenho. — Não há nada sobre isso, nada até agora.
— Mas por que Lívia faria isso justamente agora?
— Porque Paula tem uma idade aceitável para se casar e assim... Na
realidade, estamos investigando e não faço ideia dos motivos delas.
— Então por que veio me contar sobre tudo isso?
— Porque preciso falar com nossos pais sobre, descobrir o que sabem a
respeito. Não quero que fique de fora dessa vez, devo isso a você.
— Cas...
— Precisamos impedir que Christopher faça alguma merda. — diz
nervoso. — Torcer para que ele seja apenas um peão nesse jogo.
— Ok. — levanto-me. — Quando pretende ir à casa de nossos pais?
— Agora se possível.
— Vamos. — pego um copo e coloco uísque.
Viro de uma vez e o líquido desce queimando.
— Tomando coragem? — ele pergunta zombando.
— Vamos de uma vez. — saio do escritório e ele me segue. — Vou avisar
Vic e já desço.
Ele assente e vai em direção as escadas. Viro-me e vou no quarto dela,
porém me surpreendo assim que não a encontro lá e sim, em meu quarto
mexendo em seu notebook.
— Vic.
— Oi. — ela fecha o notebook no mesmo momento. — Tudo bem?
— Sim. — respondo desconfiado. — Tenho que ir até a casa de meus
pais, tudo bem?
— Claro. — responde rapidamente. — Eu te ligo qualquer coisa.
— Certo. — me aproximo e noto que está estranha. — Algo errado?
— Não. — responde ainda mais rápido.
— Sei. — beijo de leve sua testa. — Me conte o que houve depois, por
favor.
— Não é nada, Caleb.
— Sei que está mentindo, Vic. — ela fica vermelha no mesmo instante.
— Te conto quando voltar, ok? — pergunta já desistindo da própria
mentira.
— Tudo bem. — saio do quarto intrigado.

O que ela via naquele notebook?

***

Saio de casa e logo encontro Castiel encostado no carro.
— Pronto para qualquer coisa que vá descobrir? — pergunta de supetão
e sinto meu corpo enrijecer.
— Estarei. — minto. — E você, pronto? — ele então sorri de lado. Lá
vem!
— Nasci pronto mon amour. — brinca.
Abro um sorriso fraco, pois sei que ele está tentando retirar a tensão que
ambos sentimos, mesmo parecendo impossível. Nós estamos indo descobrir a
verdade, e não tínhamos ideia do quão dolorosa essa seria.
Capítulo XX

Victória


Respiro fundo assim que Caleb sai pela porta. Abro novamente o
notebook e continuo com o que estou fazendo. Se ele visse, com certeza faria
perguntas e eu mal saberia o que responder.
Várias fotos nossas enchem as imagens na pesquisa. Há fotos nossas em
grandes eventos e também uma foto de dias atrás, quando ele me beijou na praia.
A foto em si é tão espontânea e linda.
Os braços fortes dele estão envoltos em minha cintura e eu praticamente
estou em seu colo. Seus lábios moldam os meus com perfeição e meu corpo se
encaixa ao dele. Suspiro fundo tocando a tela do notebook.
Encaro a parede a minha frente e vejo as várias fotos minhas e de Luna.
Ainda não tive tempo de perguntar sobre isso, mas tenho certeza de que ele as
tirou quando me observava.
Deito-me na cama e fico divagando olhando para o teto. Penso em tudo
que se passou e em como isso poderia funcionar. Mas ninguém tem uma receita
que mantenha um relacionamento perfeito, e eu tinha de me adequar a isso.

***

— Você vai, Victória! — ela grita em meu rosto.
— Não mãe, eu não vou me casar com Caleb. — grito de volta e ela
acerta meu rosto.
— Sabe o que seu pai acharia disso? — chora. — Ele não criou uma
filha para que ela não correspondesse a ordens.
— Eu...
— Quer deixar seu pai orgulhoso? — pergunta e toca de leve o local
onde bateu. — Case-se.
— Nunca. — levanto-me saio chorando pela porta da frente.

— Ei, Vic. — ouço uma voz distante.
— Não! — grito. — Me solta, eu não vou me casar... Eu não...
— Acorda, Vic! — sinto meu corpo balançar. — Acorde, minha rainha.
Abro os olhos no mesmo momento e a visão de minha antiga casa some.
Os olhos azuis de Caleb me encaram preocupados e eu apenas sento-me
rapidamente contra a cabeceira.
Foi um pesadelo.
— Tudo bem? — pergunta.
— Eu só... Deixa pra lá. — suspiro fundo. — Não gosto de sonhar com
minha mãe.
A expressão de Caleb muda no mesmo instante e ele parece tenso.
— O que foi? — pergunto. — Descobriram algo?
— É uma longa história. — suspira cansado. — Quando pensei que não
poderia ser surpreendido, meus pais me provaram o contrário.
— Como assim?
— Castiel não é meu irmão. — confessa e eu estaco.
— O que? — praticamente grito.
— Foi desse mesmo modo que reagi, mas após as explicações dele e de
meus pais, tudo fez sentido. — explica. — Minha mãe tem uma irmã gêmea que
supostamente morreu no parto... No parto de Castiel. Descobrimos que na
verdade, Lívia Albuquerque está viva e chantageou minha mãe anos atrás, assim
ela faliu nossa família.
— Mas...
— Meu pai traiu minha mãe quando eram mais jovens, antes mesmo de
se casarem. Ele tinha um caso com a irmã gêmea dela.
— Você está brincando comigo? — pergunto transtornada. — Rodrigo
trata Leandra com tanto amor e...
— Isso foi depois que ela o deixou. Lembra de quando eles saíram de lua
de mel? Bem no começo de nosso casamento, acho que tínhamos dois anos de
casados.
— Lembro, mas o que tem a ver?
— Minha mãe foi para Londres, ou melhor, Castiel descobriu que ela
estava doente e todas as humilhações que ela passava em torno de meu pai. —
ele abaixa a cabeça e noto uma lágrima escorrer pelo seu rosto. — Castiel a
levou para morar com ele em Londres e lá ela fez seu tratamento.
Apenas continuo encarando-o incrédula. Isso não pode ser real.
— Ela tinha câncer. — confessa e chora sem se conter. — Como eu não
percebi, Vic? Como pude ser tão cego e não ver que meu pai a desrespeitou por
tanto tempo? Eu quase a perdi para uma doença que eu nem sequer sabia que ela
tinha... Eu...
— Se acalme, amor. — abraço-o com carinho.
— Eles contaram que estão atrás de Lívia faz algum tempo, mas minha
mãe desconfia que ela não seja uma pessoa ruim, que esteja sendo controlada por
outra.
— Como?
— Ainda não se sabe. — ele funga em meu pescoço. — Mas eu tenho
que te contar algo.
— Tudo bem. — ele se afasta e me encara.
— Lembra-se de Paula?
— Sim, aquela que invadiu seu quarto de hotel?
— Essa mesmo. Já estava desconfiado antes, em como ela havia me
encontrado e conseguido subir até meu quarto, mas com tudo que houve acabei
me esquecendo de pedir para Isaac investiga-la. Mas depois de tudo que soube,
faz sentido o que aconteceu.
— Como assim?
— Paula é filha de Lívia. — confessa e arregalo os olhos. — E pior é que
Christopher parece estar metido com ela.
— Isso só piora! — levo as mãos a boca. — Mas como ficaram sabendo
disso tudo e...
— Castiel. Ele geralmente sabe o que acontece por aqui. E quando
recebeu fotos de Christopher com Paula, foi junto a Isaac investigar. Ele queria
apenas proteger o seu irmão caçula.
— E agora descobriu que ele está no meio de toda essa bagunça. —
complemento e ele assente. — Mas Chris sabe sobre a mãe de Paula, quer dizer,
sobre Lívia?
— Não sabemos. — leva as mãos aos cabelos. — Não consigo acreditar
que meu irmão faria isso conosco, por mais ambicioso que fosse.
— Mas considerando que ele não sabe de nada, se a tal Lívia está sendo
controlada, por quem seria?
— Tem-se uma suspeita a algum tempo. — diz baixinho. — Não sei se
vai gostar de ouvir isso.
— Por que?
— Porque a suspeita que se tem, é a respeito de Julianne, sua mãe.
— Minha... minha mãe? — pergunto gaguejando.
— Meus pais me contaram que estão há anos atrás do paradeiro dela e de
Lívia. Eles desconfiam de que ela foi a responsável por passar todos os bens dos
Albuquerque para meu pai.
O que?
— Como assim? O que ela ganharia com isso?
— Vingança, talvez. — balança a cabeça. — Meus pais assinaram um
documento sem saber que ele existia, e isso tirou todo o dinheiro das mãos de
Lívia e Leandra.
— Mas minha mãe nunca soube mexer com documentação e...
— É aí que seu pai entra, acham que Paulo pode ter sido influenciado por
ela. — diz rapidamente. — Ou talvez, ela tenha pedido para alguém fazer e
colocado no meio dos documentos que Paulo tinha sobre o casamento de meus
pais. Já que foi ele e seu avô que oficializaram o casamento.
— Meu pai não faria isso... — respiro fundo e me levanto. — Ele não
trairia seu melhor amigo, não tendo consciência disso.
— Meus pais também acham isso. — diz e vem até mim. — Não estou
culpando ninguém, Vic. Apena quero te deixar a par de tudo que está havendo,
não quero que se afaste porque estamos lidando com toda essa merda.
— Não consigo entender porque minha mãe tiraria o dinheiro dos
Albuquerque...
— Há uma certa lógica em tudo isso. — ele se afasta um pouco. —
Nosso casamento, dá a você todo o dinheiro dos Albuquerque.
— Como assim?
— Sabe o documento que acabei de lhe falar que passa toda a fortuna dos
Albuquerque para os Soares? — assinto e ele respira fundo antes de continuar.
— Você é uma Soares, Vic.
— Mas ela sumiu, nunca me pediu dinheiro algum. — digo sem jeito. —
Ela me abandonou um dia depois que nos casamos. Não tem nada que ela ganhe
com isso. Ela tem dinheiro e...
— Não, Vic. Você tem dinheiro. — fico pasma. — Seu pai deixou tudo
para você.
— Mas por que minha mãe faria isso? Por que meu pai não deixaria nada
pra ela? Não faz sentido Caleb! — exclamo já fora de mim e tento absorver tudo
isso.
Isso é bem pior que um quebra cabeças!
— Pior que faz Vic. Meu pai disse que uma vez Julianne se insinuou pra
ele, na época de adolescentes... Só que ele não a quis pois seu pai, Paulo, era seu
melhor amigo e tinha sentimentos por ela.
— Então seu pai a rejeitou porque o meu já gostava dela naquela época?
— pergunto e ele assente. Isso está cada vez pior.
— Bom, mesmo depois que seus pais começaram a namorar ela
continuou se insinuando e meu pai manteve a mesma postura. Só que uma vez
seu pai pegou Julianne se insinuando para outros caras e terminou tudo com ela.
— fico perplexa.
— Tem mais? — pergunto já com medo.
— Nesse tempo separados as investidas dela só aumentaram, só que meu
pai já estava envolvido com Lívia e Leandra. Ao mesmo tempo Paulo e Leandra
se tornaram amigos, melhores amigos na verdade. Ele nutriu sentimentos pela
minha mãe que não eram correspondidos... Bom, meu pai me contou que uma
vez Paulo jogou tudo em cima de Julianne. Disse a ela que Leandra era única pra
ele e tudo mais...
— Mas meu pai a tratava tão bem, não faz sentido ele não a amar Caleb!
—parece que vou enlouquecer com tudo isso.
— Não estou dizendo isso Vic, estamos apenas buscando motivos pra ela
estar fazendo tudo isso. Julianne teria obrigado Lívia a fingir a própria morte e
feito meus pais assinarem o tal documento.
— Mas como ela obrigaria Lívia?
— Pelo o que tudo indica, Lívia já estava fora de sua sanidade mental e
Julianne se aproveitou disso. Como ela o fez? Não temos ideia. — confessa
derrotado. — Minha mãe há alguns anos encontrou uma tal de Taís Moreira, que
tinha tudo para ser Lívia, porém de repente ela sumiu do mapa. Castiel está
investigando sobre isso, mas parece que essa tal Taís está internada em uma
clínica psiquiátrica. Ou seja, talvez Lívia seja mesmo doente.
— Meu Deus, Caleb!
— Julianne talvez tenha feito tudo isso apenas pra prejudicar Leandra,
pois meu pai acabou de fato se casando com ela após a suposta morte. Daí então,
ela separaria os dois e Leandra ficaria sem nada, ou melhor, as duas irmãs
ficariam sem nada.
— Mas eles não se separaram...
— Assim, ela e Paulo acabaram se casando. Só que com a morte do seu
pai e por ele não ter deixado nada a ela, esse documento lhe foi útil.
— Me tornando uma Soares, ela teria direito ao dinheiro... Então ela
queria me usar.
Não, não pode ser!
— Só que não conseguiu, pois você não tinha interesse algum em mim.
— dá de ombros. — E é aí que entra Paula. — diz e eu estremeço. — Ela é o
novo trunfo, Paula deve odiar a todos nós. Se Chris realmente se envolver com
ela...
— Então ela conseguirá todo o dinheiro. — complemento e ele assente.
— Essa menina então está sendo usada?
— Talvez sim, talvez não... Ainda não temos certeza de nada.
— Mas por que só fazer isso agora? Por que não antes? — indago
confusa.
— Ela ganhou espaço, conquistou Cristopher... Ela é nova, tem vinte
anos apenas. Se fosse mais nova Christopher sequer olharia para ela.
— Mas e se estivermos todos errados e minha mãe não tiver nada a ver
com isso? E se for outra pessoa Caleb?
É difícil demais aceitar que minha mãe fosse a culpada de tudo aquilo.
Por motivos tão enfadonhos e mesquinhos. Completamente egoístas... Sempre
notava a maneira com que meu pai a tratava, com carinho, atenção...
— Não sei Vic, apenas desconfiamos pois é a única pessoa que ganharia
algo caso Cristopher e Paula se casassem.
— Não entendo... Não posso aceitar isso.
— Vic, me escute! — ele segura meus braços com carinho e me olha
firmemente. — Vamos passar por isso juntos!
— Eu não quero passar por isso Caleb! Quero paz! — exclamo e deixo as
lágrimas caírem.
Ele me abraça e passa as mãos com carinho por minhas costas.
— Isso vai passar e teremos a chance de finalmente ser felizes se você
ainda me quiser...
— Mas é claro que eu te quero Caleb! É tão cego assim? — explodo e
Caleb me encara confuso.
— Eu ainda não consegui entender o que aconteceu conosco... O porquê
de ter ido até mim no banheiro e...
— Eu me apaixonei por você, Caleb. — confesso e toco seu rosto de
leve.
— Você...
— Eu te amo. — confesso e seus olhos se arregalam.
— Vic...
— Eu estou com medo, Caleb. — noto lágrimas em seu rosto. — Eu não
posso te perder, não...
— Você não vai. — diz firme. — Jamais, minha rainha.
— Você me conquistou, senhor Soares. — o abraço. — Sou toda sua.
— Passaremos por isso juntos. — me força a encará-lo. — Eu a
protegerei, Vic.
— Confio em você. — desabo em lágrimas.
— Estou com você, amor. — sussurra em meu ouvido. — Sempre estarei
aqui.

E em seus braços, encontro o conforto que nunca imaginei ter. Caleb é o
homem de minha vida, e nada no mundo nos afastaria. Nenhuma armação e seja
lá quem estiver por trás disso... Eu não posso perde-lo.
Capítulo XXI

Caleb


Seu pequeno corpo se molda ao meu e por alguns instantes apenas
ficamos abraçados. Como se nossas vidas dependessem disso para seguir em
frente.
Parece um sonho, o melhor sonho de todos. E por mais quebrado que
estivesse, depois da conversa que tive com meus pais, Victória me curou com
três palavras.
Ela disse que me ama.
Tinham sidos dias completamente exaustivos e repletos de surpresas, mas
eu nunca imaginei ouvir essa confissão. Deus, ela me ama!
Seus olhos azuis parecem divertidos e eu tenho certeza que minha boca
continua aberta. Forço as palavras a saírem, mas de fato não sei o que dizer. É
assustador, após quase trinta anos apaixonado finalmente ver que esse
sentimento se tornou recíproco.
O medo se instala em meu peito e tenho vontade de gritar que não a
mereço, mas sou egoísta demais pra isso. Havia sonhado por todo esse tempo
que um dia seria o dono de sua alma, seu corpo e por fim, seu coração. De fato
agora eu sou e não farei mais nenhuma besteira que possa estragar isso.
— Caleb! — chama minha atenção. — Você está me sufocando.
— Desculpe, eu...
— Tudo bem, bonitão. — sorrio do apelido. — Não sorria assim.
— Por que? — seguro com força em sua cintura.
— Porque tenho vontade de te atacar. — diz próxima a minha boca. —
Porque esse sorriso me faz esquecer tudo.
— Eu te amo, minha rainha. — beijo de leve seus lábios. — Comeu
alguma coisa?
— Bom, acho que na verdade apaguei na sua cama. — sorri.
— Nossa cama. — a corrijo. — Já é noite, precisa comer algo.
— Ok, mandão.
— Mas eu cozinho, porque senão...
— Caleb! — finge se sentir insultada, e eu sorrio.
— Vem, minha rainha. — pego-a no colo. — Vou fazer algo que devia ter
feito muito antes.
— Quando nos casamos? — sorri. — Obrigada por me fazer esquecer
um pouco de tudo.
— Não se preocupe com nada, senhora Soares. — beijo sua boca. —
Agora vamos!
— Em frente, senhor Soares.
Sorrindo, abrimos a porta do quarto e Victória solta gritinhos quando a
jogo um pouco para cima. Ela para mim, não pesa praticamente nada.
— Isso é tão romântico. — diz, enquanto descemos escadas.
— Sério? — pergunto incrédulo. — Pensei que acharia cafona.
— Gosto de coisas cafonas... — fica corada. — Suas cartas, suas
palavras bonitas, seus gestos inesperados... Até suas explosões.
— Assim me sinto ofendido. — ela revira os olhos. — Ei!
— Nem vem.
Em meio a essas pequenas brigas com ela, eu sei que posso sobreviver,
ou melhor, viver plenamente.
Faço um lanche rápido e sirvo Victória. Pego um suco na geladeira e me
sirvo. Victória retorce o rosto pra mim, e sei que tem a ver com o suco.
— Qual é o seu problema com meu suco? — pergunto divertido.
— Talvez porque tenha gosto de nada? — finge ter arrepios. — Prefiro
refrigerante, mesmo que seja menos saudável.
Ela vai até a geladeira e procura algo.
— Você é implicante. — dou a volta na mesa e vou até ela.
— Idiota. — se vira em minha direção.
— Chata. — a encurralo contra a geladeira
Passo o nariz em seu pescoço e vejo seus pelos arrepiarem.
— Algo mais a declarar? — provoco.
— Metido. — beijo seu pescoço. — Convencido.
— Linda. — sussurro contra sua pele. — Minha.
Ela puxa meu rosto para o seu e tenta me beijar, porém prendo suas mãos
para cima rapidamente.
— Minha? — pergunto e ela me olha em expectativa.
— Caleb. — protesta.
— Diga. — a encaro, e noto seus olhos azuis ainda mais profundos.
— Idiota. — sorrio de sua audácia.
— Errado. — mordo com força seu pescoço e ela suspira alto.
— Sua. — sussurra.
— Não ouvi. — a encaro.
— Não força! — me olha brava.
— Por hoje. — cedo e a beijo.
Continuo prendendo suas mãos para o alto e puxo suas pernas, que se
entrelaçam em minha cintura.
— AH MEU DEUS! — paro no mesmo momento e Victória
praticamente dá um pulo. Encaro a pessoa a minha frente. — Eu não consigo
acreditar! — ela grita ainda mais alto.
— Luna. — Victória a olha incrédula, assim como eu.
— Eu entrei na casa errada ou...
— Não seja palhaça. — Vic vai até ela e abraça com carinho. — O que
está fazendo aqui?
— Bom, vim ver meus pais, mas acho que eles não estão, então.... — ela
finge se virar pra sair e eu sorrio.
Luna sendo Luna.
— Amor, achou seus pais? — Lucas aparece na cozinha e logo tem a
confirmação. — Por que está assim? — pergunta e Luna não disfarça o sorriso
no rosto.
— Nada. — me encara brava. — Nem um abraço, pai?
— Desculpe, princesa. — a abraço. — Agora me diga, o que está
fazendo aqui?
— Nossa, nem parecem felizes em me ver. — faz drama e Lucas revira
os olhos. — Ok, eu não consegui ficar longe.
— Filha, eu disse que não precisava...
— Eu fiquei preocupada. — diz baixinho. — Mas fico feliz em vê-los
bem.
— Como você deixou que ela fugisse da própria lua de mel? — Vic
indaga a Lucas, que apenas dá de ombros.
— Faço de tudo pela minha boneca. — a abraça pela cintura.
Poderia ter ciúmes, e óbvio que tenho. Mas esse garoto se mostrou
responsável e cuidou muito bem de minha filha desde que se conhecem, sei que
não poderia ter alguém melhor ao lado dela. Odeio admitir isso!
— Bom, como acho que está tudo bem. — ela sorri de lado. — Apenas
vou para o meu quarto e...
— Nada disso, Luna. — Vic a corta. — Vamos conversar mocinha.
— Ah, vamos mesmo. — Luna gargalha. — Se quiser ir ver seus pais,
não me oponho.
— Ok, boneca. — beija a testa dela. — Tchau sogrões.
— Esse apelido é horrível. — digo assim que ele sai.
— Ele faz para provocá-los. — Luna explica. — Agora me digam...
— Primeiro você. O que deu na sua cabeça de voltar pra casa? — Vic a
olha brava. — Você veio como?
— Com o jatinho de Lucas. — ela diz sem jeito. — Eu sei que devia ter
ligado mamãe, mas eu estava preocupada e...
— Ok. — apaziguo a situação. — É bom tê-la em casa, filha.
— Mas agora me digam, estão juntos? — pergunta desconfiada.
— Bom, sim. — Vic diz e eu sorrio internamente.
Somos mesmo um casal.
— HÁ. — Luna grita ainda mais alto. — Nem acredito.
— Meu Deus, está tudo bem por aqui? — Castiel aparece e Danielle vem
logo atrás.
Estaco e pânico toma conta de mim. Victória fica apenas encarando
Luna, que parece absorta em toda essa situação.
— Esse é... — tento dizer porém Luna se vira e encontra Castiel.
— Oi, tia Dani. — Luna a abraça. — Oi, Castiel!
Os dois se encaram e é como se não soubessem o que fazer. Droga!
— Você o conhece? — pergunto incrédulo.
— Bom, eu sei a verdade. — diz e me encara. — Sei que ele é meu pai
biológico.
— Luna. — Vic diz e tenta segurar as lágrimas.
— Olha, não precisam ficar assim. — respira fundo. — Eu nunca tinha o
visto pessoalmente antes, quer dizer... — ela balança a cabeça, como se
espantasse alguma lembrança. — Mas sei de tudo que houve.
— Mas...
— Uma vez entrei no seu quarto sem permissão, li uma das cartas... —
confessa. — Desculpe por isso, papai.
— Filha... — Vic fica ao meu lado e eu apenas passo a mão em sua
cintura.
— Não precisam ficar assim, sério. — nos olha e sorri. — Sei disso há
muito tempo, não muda nada.
O clima tenso se apodera do local e tento focar meu olhar em Luna, que
continua apenas esperando uma reação de nossa parte.
— Você então sabe que sou...
— Sei que é minha tia, Dani. — sorri e abraça Dani novamente. —
Sempre foi, mas sei que é de sangue também.
— Desculpe por termos escondido isso, querida. — Dani diz e sinto-me
culpado por sequer ter pedido perdão a minha filha.
— Não precisa pedir isso, ninguém precisa. — nos olha inquisitiva. —
Nunca me faltou amor, carinho... Por que teriam que pedir desculpas?
— Desculpe mesmo assim, princesa. — digo e ela faz uma careta.
— Nem vou dizer nada. — diz e me encara brava.
— Desculpem, eu tenho que ir. — Castiel sai rapidamente e ficamos
atônitos.
Meu irmão está assustado!
— Mamãe, pare de chorar. — Luna chega próxima a Vic. — Vamos lá,
senhora Soares.
Nos abraçamos e Luna acaba chorando junto.
— Somos patéticos. — Luna diz, assim que afasta.
— Bom, eu vou indo para o meu quarto. — Dani diz e sai rapidamente.
— E eu vou pro meu. — Luna corre até ela. — Me espera, tia.
Sorrio para Vic que apenas meneia a cabeça negativamente.
— Ela cresceu, não foi? — pergunto e Vic me abraça pela cintura.
— Tenho tanto orgulho dela. — diz emocionada.
— Fizemos um bom trabalho.
— Mas acho que ainda tem um trabalho pendente, senhor Soares. — diz
provocativa.
— Posso fazer hora extra.
— Estarei esperando por isso. — brinca e me beija.
Por ora, tudo parece estar em seu devido lugar.
Capítulo XXII

Victória

Duas semanas depois

Luna gargalha da série que passa e eu apenas assisto tentando entender.
Por que dizer “Bazinga” é algo tão emocionante?
— Estou velha pra isso. — digo e ela me encara sem entender. — Filha,
não acho graça nessas séries. Se fosse Supernatural...
— Qual é, mamãe? Isso é incrível.
— Nerd como o pai. — ela fecha a expressão. — É sério, já viu as notas
dele da graduação? Nunca na vida conseguiria aquilo.
— Puxei para o lado inteligente da família então. — jogo uma almofada
nela. — Mentira!
— Bom mesmo.
— Babi anda fugindo de mim ou é impressão? — Luna pergunta e eu
dou de ombros.
— Ela está ainda tentando lidar com toda a mudança e pelo que seu pai
disse, ela tem vergonha de se aproximar. — Luna arregala os olhos.
— Na segunda, voltam minhas aulas e de Lucas. — explica. — Marque
um almoço no domingo mamãe, vou conhece-la, nem que for a força. — rio.
— Ok, princesa.
— Eu nunca imaginei que teria uma irmã e ainda mais que ela fugiria de
mim.
— Eu nunca imaginei que seu pai fosse capaz disso. — confesso e sinto
o corpo de Luna se aconchegar ao meu.
Passo a mão em seus cabelos loiros e é impossível não pensar que isso
tudo começou por amor a ela.
— Vocês parecem dois jovens apaixonados, é lindo de se ver. — suspira.
— Bem que eu queria ainda ser uma adolescente. Já estou na casa dos
quarenta, daqui a pouco...
— Pare com isso! — me corta. — Continua linda, e se prepare para o
modo possessivo de papai.
— Eu bato nele. — brinco.
— Bate em quem? — Caleb adentra a sala.
— Você, querido.
— Ah, claro. — sorri convencido.
Luna vai até o pai e lhe dá um abraço. Logo sobe as escadas indicando o
celular, como se fosse atender a uma ligação, e pelo sorriso só pode ser Lucas.
Caleb vem até mim, beija meus lábios e logo retira a camisa. Deixa a
mostra o peito que mesmo com a idade, continua esculpido e completamente
maravilhoso. Suspiro encantada.
— Não me olhe assim, mulher. — pega uma de minhas mãos. — Ou eu
te faço minha aqui mesmo.
— Isso é uma promessa? — o instigo.
— Pode apostar que sim. — diz se colocando por cima de mim e eu
acaricio seu rosto com leveza. Nunca vou me cansar de olhá-lo.
Não resisto e o beijo, um beijo repleto de amor e carinho. Quando nos
separamos ele me olha ternamente e sussurra palavras que eu nunca imaginei
ouvir:
— Eu não sou o homem perfeito, não sei ao certo qual sua cor favorita ou
a música que mais lhe agrada no momento. Mas agora, quero que você conheça
meu escritor favorito, pois ele descreve exatamente como me sinto com você. —
minhas lágrimas já descem por meu rosto.
Ele estava se declarando pra mim, não por meio de uma carta, não em um
momento de raiva... Mas olhando em meus olhos.
Ele sorri de lado do jeito que sabe que me desestabiliza, e eu apenas
consigo sorrir também.
— "Eu quero que você saiba que dormir todas as noites ao seu lado, e
mesmo as discussões mais banais, são coisas realmente esplêndidas e as
palavras difíceis, que sempre tive medo de dizer, podem agora ser ditas: eu te
amo (Charles Bukowski)."
Ao fim da citação tudo o que consigo fazer é chorar ainda mais. Seus
olhos azuis me encaram em expectativa.
— Eu gostaria de ser tão romântica quanto você, mas agora só consigo
pensar em meu escritor favorito também. — ele sorri e eu acaricio seu rosto.
— "Finalmente entendi o que significa o verdadeiro amor... Amor quer
dizer que você se importa mais com a felicidade da outra pessoa do que a sua
própria. Não importa o quão dolorosas sejam as escolhas que você tiver que
enfrentar (Nicholas Sparks)." E eu amo você Caleb. Por mais que ainda existam
barreiras, nenhuma delas estará entre nós, pois daqui pra frente enfrentaremos o
mundo juntos.
É o nosso primeiro momento assim, eu temia pelas armações e por tudo
que estava por vir. Mas eu o tinha comigo e nada no mundo seria capaz de nos
separar. Nada.

***

— Luna foi pra sua nova casa. — conto, enquanto escovo os dentes.
Caleb toma banho e o vapor do box me impede de ver a perdição de
minha vida. Mas precisávamos conversar, então com certeza, é melhor assim. Ou
não.
— Me deixe adivinhar. Ela pediu ajuda na decoração? — pergunta.
— Na verdade, ela está com medo.
— Como assim?
— Bom, Lucas já está com emprego fixo no hospital e iniciando o
mestrado, e ela é apenas uma graduanda. Palavras dela.
— Não entendi ainda.
— Ela está com medo dele olhar para as “doutoras de plantão”. —
Caleb gargalha.
— Só Luna para inventar isso.
— Bom, eu disse a ela que ele jamais faria isso. — suspiro fundo. —
Mas queria saber o que você acha dessa desconfiança dela.
— Bom. — ele fecha a ducha e sai se secando do box. — Acho que é
sem fundamento, mas é algo normal. São recém-casados, e Luna mesmo sendo
madura, ainda tem apenas vinte anos.
— Eu sei. Só não quero que ela fique paranoica. — lavo minha boca e
guardo a escova. — Mas então, preciso ir ao shopping.
— Qual o motivo? — ele coloca uma toalha em volta da cintura e com
outra, seca os cabelos.
— Pensei em comprar um presente para a casa nova dela. — dou de
ombros. — Algo especial.
— Ok, minha rainha. — enlaça minha cintura. — Só espere eu me
arrumar.
Seu cheiro invade minhas narinas e esqueço até como se respira. Caleb
me inebria.
— Como estão as coisas? — pergunto, pois sei que ainda investiga sobre
minha mãe e todo resto.
— Bom, na advocacia, tudo na mesma. — respira fundo. — Sobre as
investigações, cada vez mais complicado.
— Sinto muito, amor. — ele sorri. — Não fique convencido.
— Por que não posso gostar de quando me chama de “amor”?
— Porque você sorri convencido e...
— Ah, minha rainha. — ele me encurrala contra a pia.
Caleb gosta de me encurralar!
— Temos que ir. — sussurro.
— Me dê dez minutos. — mordisca minha orelha.
— Te dou cinco. — o desafio.
— Posso dar conta disso.
— Arrogante. — bato em seu braço.
— Linda.
Ele então me beija e me prova que é capaz de tudo.

***

Andávamos pelo shopping, e mesmo que disfarçados tenho certeza de
que há homens da segurança ao nosso redor.
— Eu sempre soube que eles são seguranças. — confesso. — E dou
graças a Deus por eles andarem disfarçados.
— Querendo ou não, precisamos disso. — Caleb diz e passa o braço ao
meu redor. — Comprou tudo que queria?
— Sim. — encaro as sacolas em sua outra mão. — Ela vai adorar, não é?
— Vic, você comprou enfeites amarelos para alguém que ama cores
escandalosas... Óbvio que sim.
— Tomara.
Passamos pela praça de alimentação e fazemos nosso pedido em um
restaurante. Assim que nosso número aparece, Caleb se levanta pra buscar.
Fico olhando-o de longe e vejo uma mulher ruiva se aproximar
cautelosamente dele. Ela toca seu braço e ele se vira, como se desse um estalo
em sua mente, ele sorri. Um sorriso que eu pensei que fosse só meu.
Ela o abraça e noto que Caleb demora um pouco para retribuir, mas ele o
faz... Fico intrigada e meu coração dá voltas dentro do peito. Minha vontade é de
acertar essa piranha com alguma coisa. Quem sabe um soco?
Permaneço no mesmo lugar, pois quero ver até onde essa cena vai dar.
Eles se separam e ela sorri pra ele. Surpreendo-me quando vejo um homem
chegar por trás dela e a abraçar.
Tomás!
E essa então só pode ser sua esposa, a tal Solange. A mesma pela qual
Caleb admitiu ter se interessado... E pior, ela é linda.
Passo as mãos pelos meus cabelos castanhos já cumpridos e noto o quão
sem graças são perto do ruivo natural que ela ostenta. Pare com isso!
Sem conseguir mais encarar a cena a minha frente, levanto-me e saio.
Caminho por entre os corredores do shopping e resolvo entrar em uma de
minhas lojas favoritas de roupas.
Escolho algumas peças aleatórias e entro rapidamente no provador.
Encaro meu reflexo no grande espelho e desabo.
Eu me sinto tão insegura, sem graça... Será que vê-la o fez sentir algo?
Eu nunca tive de lidar com ciúmes e insegurança antes, mas agora vejo
que estou completamente perdida.
Choro baixinho, encostada na parede do provador e tento me recuperar
ao mesmo tempo. Quando penso em finalmente sair, ouço batidas na porta e
limpo rapidamente as lágrimas.
— Sim?
— Abra a porta. — Caleb diz e me apresso em me ajeitar. — Agora, Vic.
— Estou colocando uma roupa. — minto.
— Vic. — insiste.
Então vencida pelo cansaço, abro a porta e ele entra sem dizer nada.
Antes que eu pudesse o afastar, ele tranca a porta do provador e me encara
preocupado.
— Por que saiu? — pergunta nervoso.
— Cansei de me deliciar com seu reencontro. — desdenho.
— Vic, eu não quis...
— Ainda sente algo por ela?
— Não. — responde firme. — Claro que não.
— Então por que deixou que ela tocasse em você? — rosno.
— Ela apenas me abraçou, Vic. Nada demais. — diz e me encara.
— Ok, vou dar um abraço em Tomás e já volto! — provoco e tento sair,
porém Caleb me segura com força.
— Tudo bem, me desculpe. — diz e noto seu queixo tenso.
— Ok. — digo e tento me soltar dele. — Vou ao cabeleireiro, se quiser ir
embora...
— Por que? Está perfeita. — toca meu rosto, porém me esquivo.
Abro a porta do provador e ele me segue. Noto as atendentes soltarem
suspiros por ele e sinto vontade de voar em cada uma delas.
— Vic, pare com isso. — me puxa para seu peito. — Não precisa ficar
assim.
— Volte para sua ruiva e me deixe em paz. — revido e me solto.
— Minha rainha...
— Nada de "minha rainha", Caleb. Quero ficar sozinha, me deixe! —
saio em outra direção e ele não me segue.
É nossa primeira briga séria, e eu realmente não sei lidar com essa
merda.
Entro no salão que sempre vou e peço para que façam algo diferente.
Queria ao menos me olhar no espelho e me sentir suficiente pra ele.
A imagem da ruiva em seus braços me dá vontade de gritar, mas ao invés
disso, me concentro em sorrir das piadas sem graça que o cabelereiro conta.
Mas em meu interior, sinto algo se revirar. Sinto que algo ruim vai
acontecer... Mas só posso torcer para que isso seja algo relacionado a minha
insegurança. Apenas torço!

***

Chego em casa e já passa das dez da noite. Praticamente fechei o
shopping. Olho em meu celular e noto que já recebi o relatório mensal da loja.
Estou tão relapsa esses dias, que me esqueci totalmente de procurar por isso.
Analiso os números e fico contente com o que vejo. Felizmente as
vendas subiram, e ainda nem resolvi nada a respeito do aplicativo.
Assim que entro dentro de casa, noto que está tudo em silêncio. Dou
passos silenciosos e subo as escadas.
Um barulho de ânsia me chama atenção e viro-me em direção a ele. Vou
até o banheiro do corredor e bato algumas vezes.
— Um minuto. — ouço a voz de Dani.
Logo ela sai e noto sua palidez.
— Tudo bem? — pergunto e ela assente. — Comeu algo diferente?
— Acho que foi o sushi que comi ontem. — passa as mãos pelo rosto,
mas noto sua testa franzida.
Ela está com o rosto inchado e tenho certeza que chorou.
— Tente descansar um pouco, já levo um remédio ótimo pra enjoo que
tenho no quarto.
— Não precisa, Vic.
— Claro que sim, vai lá!
— Obrigada. — diz e sai.
Finjo seguir caminho para meu quarto, porém apenas dou tempo
suficiente para que ela entre no seu.
Refaço o caminho até o banheiro e sigo meu instinto. Abro o lixinho e
encontro algo embolado no papel higiênico jogado ali.
Ninguém usava esse banheiro, porque é destinado para visitas. E outra,
Dani tem um banheiro em seu quarto... Por que usou esse?
Só se ela não aguentou a ânsia e...
Pasmo assim que desfaço o embrulho do papel e encontro três testes de
gravidez. Todos positivos.
A porta do banheiro se abre no mesmo instante e Dani estaca no mesmo
lugar.
— Vic, não é o que está pensando.
— Então me dê uma luz.
— São...
— Castiel é o pai? — pergunto e ela suspira fundo.
— Sim. — confessa e começa a chorar.
— Shhhh. — a abraço. — Está tudo bem.
— Não, nunca mais estará. — diz e sai.
Noto que vai para seu quarto e tenho certeza de que se trancou. Ela
precisa de um tempo sozinha.


Caleb

Ando de um lado pro outro no quarto e tento não beber. Ligo novamente
para a segurança e eles me informam que Vic já está em casa.
Graças a Deus!
Espero ansioso no quarto, porém ela demora. Sem mais querer esperar
vou em direção ao corredor. Vejo a luz do banheiro acesa e vou até lá.
Estaco ao ver Victoria paralisada olhando para... Três testes de gravidez.
E meu Deus, todos positivos.
Lágrimas se acumulam em meus olhos e sinto meu coração bater
freneticamente.
— Grávida? — pergunto baixinho.
— Sim. — responde ainda sem me olhar. — Meu Deus, isso será uma
loucura.
Sem conseguir me conter a puxo pra mim e jogo-a pra cima. Não consigo
disfarçar minha felicidade.
— Me solte, Caleb! — diz assustada. — Endoideceu?
Noto seu olhar de pesar e então a coloco no chão. Será que ela não queria
ficar grávida?
— Você não parece feliz em saber da gravidez. — digo receoso.
— Não sei como vamos lidar com isso. — suspira fundo. — Imagina
quando Castiel descobrir? Vai ser uma loucura e...
— Mas o que ele tem a ver com isso? — pergunto sem entender.
— Ora, o filho também é dele.
— O que? — pergunto incrédulo. — Como assim dele?
— Caleb, o que aconteceu com você? — pergunta me olhando confusa.
— Castiel é o pai? — pergunto temeroso.
— Óbvio, quem mais seria?
— Como pode fazer isso comigo? — explodo. — E ainda fez aquela
ceninha no shopping, sendo que...
Victória explode em uma gargalhada e se escora na pia de tanto rir.
— Ainda tem a coragem de rir de mim. — passo as mãos pelos cabelos.
— Acho melhor...
— Dani está grávida. — me corta. — Não eu.
Como se tudo fizesse sentindo em um segundo, apenas me seguro no
batente da porta.
— Então, não vamos ter um bebê?
— Não. — diz simplesmente. — E antes que pergunte, eu não me
envolvi com seu irmão.
— Não ia perguntar isso. — seguro suas mãos. — Apenas me confundi.
— Percebi.
— Me desculpe, minha rainha. — toco seu rosto. — Está linda com esse
novo corte de cabelo.
— Você notou? — pergunta inquisitiva.
— E também esse ombre hair. — ela arregala os olhos. — Sou pai de
duas meninas, sei das coisas. — pisco.
— Metido. — abre um sorriso fraco.
— Mas você é linda de qualquer forma pra mim. — puxo-a mais pra
perto. — Principalmente, sem nada.
— Caleb, eu ainda não te perdoei. — diz em tom baixo, e eu a encaro.
— O que esse humilde servo pode fazer para que sua rainha o perdoe? —
pergunto.
Ela então me dá um leve soco no peito e eu me afasto.
— Nunca mais deixe nenhuma dessas vacas tocar em você, ou eu mesma
de castro. — diz nervosa e eu sorrio.
— Sou todo seu, minha rainha.
— Bom mesmo. — me olha com pesar.
— O que foi?
— Estou preocupada com Dani.
— Merda!
— Pois é, merda!
— Precisamos dar um tempo para ela. — digo. — Tem algumas coisas
que precisamos enfrentar sozinhos.
— Eu espero que ela saiba disso.
— Eu também.
Então levo Vic para meu quarto e mostro a ela todo amor que sinto.
E enquanto ela dorme satisfeita em meu peito, meus pensamentos viajam
até meu irmão. Temo por ele e por seus sentimentos para com Dani.
Ele teria de cuidar dela, e ao menos uma vez, fazer o que é certo.
Ser o pai dessa criança.
Capítulo XXIII

Victória

Uma semana depois

— Ele irá descobrir de um jeito ou de outro! — afirmo pela milésima vez
e ela apenas ignora. — Não pode fugir disso para sempre, Dani.
Ela continua jogando as roupas na mala em meio as lágrimas e eu as
retiro ao mesmo tempo, jogando-as no chão.
Ela não sairia de jeito nenhum dessa casa, e muito menos fugiria daqui.
— Ele jamais amará essa criança e eu jamais serei uma boa mãe! — grita
em meio as lágrimas, levando as mãos ao ventre ainda plano.
— Espera um pouco aí! Dani, você está com medo? — pergunto receosa
e incrédula.
Pensei que ela estava assim por estar grávida do homem que ela tanto
odiou por anos. Mas ao que me parece, ela tem medo de os dois não serem bons
pais.
— Eu não sei de mais nada Vic! — funga baixinho. — Eu não consigo
aceitar que o homem pelo qual eu... Eu...
— Se apaixonou! — complemento sua frase e ela chora ainda mais.
— Não posso amá-lo Vic! — me encara. — Castiel não é o homem que
pensei que fosse, ele é um monstro! Ele pediu pra minha irmã abortar Luna e a
abandonou, tudo por ser apenas um garotinho assustado. E ela? Ele em algum
momento pensou nela ou em como ela se sentia a respeito de tudo? — fico sem
fala. — Não posso aceitar nada que venha dele, se pudesse escolher não teria
essa criança.
— Nunca mais repita isso! — me exalto e ela me olha assustada.
Acho que assustada pelo que a mesma disse.
— Eu não queria ter dito isso Vic, eu...
A abraço com força e acabo a acompanhando nas lágrimas. Eu havia
finalmente me acertado com Caleb e não conseguia mais imaginar o que seria de
mim sem ele. Eu o amava loucamente e via em Dani o mesmo sentimento, só
que por Castiel.
— Eu sei que não querida! — passo as mãos pelo seus cabelos.
— Mas o que está acontecendo aqui? — Caleb pergunta ao entrar no
quarto, Dani se afasta e noto o olhar assustado dele.
Ele analisa toda a situação e quando nota a mala de Dani jogada em cima
da cama, leva as mãos aos cabelos incrédulo.
— Não vai sair daqui Danielle, nem pense nisso! — exclama autoritário
mas noto a dor em suas palavras.
Dani sai de meus braços rapidamente sendo acolhida pelos dele. A
relação que eles tem é linda e terna. Ele é como o irmão mais velho ou como eu
mesma via, um pai pra ela. Assim que me olha por cima dos ombros dela noto o
medo que ele sente.
Eu podia não ter notado, talvez seja porque pouco me importava com
Caleb antes, porém ele é uma pessoa completamente transparente. Os olhos
azuis não fingem o que o embarga, ele não tinha resquício algum de mentira pelo
corpo... E por Deus, eu só conseguia me surpreender a cada dia mais com ele.
— Iremos resolver isso, ok? — pergunta carinhosamente para Dani que
apenas meneia a cabeça. — Castiel está aqui, talvez devesse falar com ele e...
— Não. — responde rapidamente. — Ainda não.
— Tem certeza? — ela assente. — Vou estar com ele no escritório,
qualquer coisa, me chamem.
Ele apenas me lança um último olhar antes de sair.
Dani parece cansada e estressada. Não entendo muito sobre a gravidez, e
o que sei sobre bebês aprendi com Luna há anos atrás, mas tenho certeza que
toda essa pressão não é algo bom pra ela.
— Quer sair um pouco daqui? Ir a praia? — pergunto e um sorriso leve
abre em seu rosto.
Os programas que fazíamos juntas não eram tão típicos como ir ao
shopping ou visitar os pontos turísticos do Rio. Nós simplesmente amávamos o
mar e todos os domingos íamos ver o pôr do sol juntas. E a calma que a maré
trazia a nós duas era inexplicável e parece ser o que ambas precisamos nesse
momento.

***

— Eu senti falta disso! — diz assim que nos sentamos na areia.
O pôr do sol se exibe no horizonte e eu apenas sorrio de sua afirmação.
— Parece feliz Vic. — a encaro. — Sempre soube que um dia iriam se
acertar, os olhares que Caleb deu a você por todos esses anos apenas davam
indícios do que hoje todos tem certeza... Ele sempre te amou.
— Eu o amo, Dani! — confesso. —Esse sentimento se parece com um
furacão... Algo avassalador que ao mesmo tempo te repele e te puxa com mais
força, sabe? — pergunto e a encaro sorrindo, mas logo noto o seu olhar perdido
em pensamentos e só assim percebo o que acabei de dizer. — Dani, eu...
— Tudo bem Vic, eu apenas não queria sentir isso. — ela solta o ar com
força e então leva as mãos ao peito, apertando-o. — É um sentimento tão
sufocante que chega a doer e arder quando estou longe dele. E quando ele está
por perto apenas tenho vontade de me jogar em seus braços... — ela deixa a frase
morrer no ar e lágrimas descem pelo seu rosto.
Dani pode ser poucos anos mais nova que eu, mas no fundo é ainda a
mesma menina de sempre. O mesmo temperamento forte misturado com doçura
e a insegurança a respeito das pessoas.
— Ele disse que me amava. — confessa e eu a olho assustada. — Foram
o que? Três dias e já estava entregue nos braços dele... E sim, eu disse a ele que
o amava também. — suspiro fundo. — Eu descobri que ele é o pai biológico de
Luna pois ele mesmo me contou tudo. Ele disse que me amava e que não queria
mentira entre nós... Quando ele começou a contar meu mundo desabou, Vic!
Estava perplexa com sua confissão. Então foi assim que ela descobriu?
Não sei se existe maneira pior.
— Eu sinto muito Dani. Sabe o como torci por você e Isaac! — digo
tentando fazê-la sorrir um pouco.
Lembro novamente da vez que tentei juntá-los, mas os dois de cara já não
se bateram. Eram como irmãos rebeldes, brigavam por tudo e concordavam em
nada. Se Castiel desconfiasse que eles tiveram um encontro uma vez, tenho
certeza que quebraria a cara de Isaac sem pensar duas vezes. Eu adoraria ver a
cena.
— Hora de ir, Vic! — Isaac anuncia ao chegar perto de nós, e Dani bufa.
Caleb havia me dado duas opções: Ou iríamos a praia escoltadas ou
simplesmente não iríamos. É horrível ser seguida a todo momento, mas sei que
ele apenas zela pela nossa segurança, então resolvi não contrariá-lo.
— Não fique se achando, brutamontes! — Dani retruca e ele revira os
olhos.
— Olha a macho fêmea falando. — ele devolve e Dani lhe acerta um
soco no peito.
— Não comecem! — digo passando por eles, indo em direção ao carro.
Sei bem que se desse corda aos dois ficaríamos até amanhã nisso, então
resolvi apenas ignorá-los.

***

A volta pra casa é tranquila, Isaac dirige enquanto discute com Dani
sobre a música que iremos ouvir.
— Eu decido! — digo já colocando minha música favorita do momento,
e noto ambos revirarem os olhos.
Realmente, isso é irritante!
Os primeiros versos soam e eu acompanho a música calmamente:

"Hello
How are you?
t's so typical of me to talk about myself
I'm sorry, I hope
That you're well
Did you ever make it out of that townWhere nothing ever happened?
It's no secret
That the both of us
Are running out of time...”
(Hello – Adele)

Já me preparo pra gritar o refrão da música mas o grito agudo de Dani
me assusta. Faróis nos cegam e ouço Isaac se comunicar com alguém. Tento
prestar atenção, porém meu corpo fica leve e... Encontro escuridão.

***

Sinto minhas pálpebras pesadas e uma forte dor de cabeça. Forço meus
olhos a se abrirem, mas assim que a claridade invade minha visão tudo gira.
Com calma tento novamente e deixo meus olhos se acostumarem com o
ambiente. Olho ao redor e me parece um quarto.
Espera aí! Estou em um hospital?
A música, o grito de Dani...
— Vic! — ouço a voz de Caleb e me assusto.
— O que... o que aconteceu? — pergunto confusa.
— Vocês bateram o carro! — diz simplesmente, mas sei que tem mais.
— Foi um atentado? — pergunto nervosa, Caleb desvia o olhar e isso é a
minha confirmação. — Deus!
Não consigo perguntar mais nada, pois ele me abraça com força sem
deixar de beijar toda minha face. Quando seu rosto está na mesma altura que o
meu finalmente noto seu olhos vermelhos, que indicam que ele estava chorando
compulsivamente. Porém, eu estou bem então...
— Caleb, como Isaac e Dani estão?
Capítulo XXIV

Caleb


— Preciso de uma pausa! — Castiel diz já se levantando e indo em
direção ao mini bar que tenho no escritório.
— Não entendo o porquê de ter tantos tipos de uísque aqui. — diz
pegando uma garrafa d'água.
— Talvez por que antes de me acertar com Victória, a bebida era a única
coisa a qual podia recorrer? — pergunto desgostoso.
— Como pude ter um irmão tão maricas? — zomba.
— Me diga você como está fazendo para esquecer Dani? Já que bebida
está fora de cogitação. — provoco e seu semblante se fecha na mesma hora.
— Ok, fez seu ponto! — dá de ombros— Mas me diga, quem está
cuidando do escritório?
— Herrera por enquanto assumiu meu lugar, mas espero poder voltar
logo.
— Nenhuma de suas filhas está interessada em assumir seu lugar? Digo
futuramente. — pergunta com o cenho franzido e eu sorrio.
Quem me dera!
— Luna mesmo tendo casado cedo, ainda está terminando a faculdade de
medicina...
— Eu soube disso através de Jô, confesso que fiquei assustado. —
intervém.
— Por que? — pergunto sem entender.
— Você por um acaso mandou me investigar durante esses anos que se
passaram? — pergunta.
— Sim, mas a única informação que obtive foi que você mora em
Londres.
— Foi o que pedi para que Joaquim dissesse. — arregalo os olhos. —
Aliás, sou médico.
— Ela realmente tem muito de você. — confesso pois sei que é verdade,
em muitas atitudes noto como Luna age como Castiel.
O jeito espontâneo e sem medidas é algo que os dois compartilham, e
agora mais um laço os unia, a profissão.
— Caleb, eu não...
— Não fico nenhum pouco chateado com isso, aposto que ela vai amar
saber que tem um médico na família.
Seu rosto se suaviza e o noto soltar o ar com força. Eu poderia ter ciúmes
dele? Claro que sim, mas não tinha razão para aquilo. Luna era minha filha de
coração e mesmo que Castiel tivesse a negado um dia, nada me faria mais feliz
do que vê-lo ter uma boa relação com ela. Nem se fosse como "tio".
— Obrigado. Espero um dia ter coragem de falar abertamente com ela.
— senta-se na cadeira. — E Babi?
— Babi vai prestar os vestibulares este ano, os resultados saem no
máximo até fevereiro do ano que vem eu acho. Porém nada tem a ver com
direito... Ela quer ser designer.
— Ela já tem um estágio garantido com o senhor Rodrigo Soares, aposto.
— diz zombeteiro e eu sorrio.
Mesmo que nenhuma das duas tenha seguido meus passos, elas são meus
maiores orgulhos e estava completamente satisfeito com as decisões que elas
tomaram. Se elas estão felizes com isso, consequentemente eu também estou.
Passamos alguns minutos conversando sobre amenidades e realmente é
bom estar aqui com ele. Castiel e eu temos uma mínima diferença de idade,
éramos praticamente grudados durante a infância e senti falta de ter meu irmão
assim, perto de mim.
— Melhor voltarmos ao trabalho. — diz e eu apenas concordo com a
cabeça.
Analisamos vídeos, documentos, assinaturas e tudo mais que foi possível
de se encontrar até o momento. Isaac acabou indo escoltar Vic e Dani, e deixou
as novas informações conosco.
As suspeitas de Castiel sobre Julianne são fortes mas ainda falta o
verdadeiro motivo de ela estar envolvida. Acabamos por procurar pela entrada e
saída em hospitais psiquiátricos do Rio de mulheres com características
semelhantes a Lívia e na mesma faixa etária que ela se encontra, porém
continuávamos no mesmo estágio. Não havia nada.
E se demorasse muito, teríamos que expandir isso para todo Brasil. E
tudo tenderia a piorar.
Desviei o olhar um pouco da papelada e analisei o semblante
concentrado de Castiel em meio a isso tudo, eu só podia imaginar que esse
homem á minha frente aceitaria nem que com dificuldade a paternidade dessa
vez. Castiel errou no passado, foi imaturo... Porém, quem nunca foi? Eu só torço
para que ele se portasse como a pessoa que realmente é, um bom homem.

***

As horas passam rapidamente e mesmo assim ainda não tínhamos
encontrado muita coisa. Haviam algumas suspeitas de porquê Paula estava
envolvida com Christopher, mas tanto eu quanto Castiel não estávamos
convencidos.
Os dois sempre que saíam juntos nunca iam a lugares caros ou
chamativos, sempre discretos e nada mais que andar de mãos dadas em público.
Havia algo errado naquele relacionamento e mesmo que Paula estivesse o
usando, não duvidávamos que ele estivesse fazendo o mesmo. Mas por que ele
faria isso?
E pior é que não pudemos ainda intervir e falar com ele a respeito. Não,
uma vez que ele pode estar seriamente envolvido e possa ser prejudicado.
— Caleb, olhe isso! — Castiel me joga algumas fotos e eu a analiso sem
entender o seu alarde.
— O que?
— Olhe mais um pouco, com atenção.
Analiso a foto e noto que a mulher de xale roxo e óculos escuros no alto
da cabeça é Julianne, podia estar com a semblante mais velho, mas tinha certeza
que era ela. Os olhos azuis iguais os de Victória são inconfundíveis. O homem
alto ao seu lado estava apenas de perfil e não conseguia afirmar, mas o conhecia
de algum lugar.
— Dominic.
— O que?
— Olhe só! — me joga outra foto e de cara reconheço o homem ali. —
São a mesma pessoa, Dominic Donatello tem alguma ligação com Julianne.
— Então eles...
O toque alto do meu celular faz com que minha frase morra no meio do
caminho. Olho o nome do visor e fico apreensivo - Isaac.
— O que houve? — pergunto já sentindo algo estranho no peito.
— Caleb, preciso que venha ao hospital. — diz fracamente.
— O QUE? — grito e Castiel me encara assustado.
— Sabotaram o carro e pra garantir a batida sabotaram a estrada que leva
a casa de vocês. — esclarece rapidamente. — Não venha com ninguém da
segurança, foi alguém de dentro que fez isso.
— Eu vou matá-los, merda! — grito já desesperado. — Como vocês
estão?
— Se acalme, eu e Victória não sofremos nenhum dano além de
arranhões. O problema maior foi com Dani.
— Como assim? — pergunto já sentindo o mundo desabar.
— Ela está muito debilitada e quase perdeu o bebê por conta disso. —
encaro Castiel. — Ela não pode sofrer nenhum tipo de estresse no momento. Por
favor, contenha Castiel.
— Ok, estamos indo! — me despeço e já desligo o telefone.
Castiel me encara completamente confuso e eu respiro fundo várias
vezes. Ok, eu tenho que dizer isso.
— O que houve, Caleb?
— Preciso que seja o homem que de fato é dessa vez, Castiel!
— Mas... Do que está falando?
— Você ama Dani? — pergunto, e ele leva as mãos aos cabelos nervoso.
— Sim, eu a amo mas... O que houve Caleb? Ela está bem? — pergunta
desesperado.
— Eles sofreram um acidente e Dani foi quem...
— Onde ela está? — pergunta procurando as chaves.
— Ela quase perdeu o bebê. — digo e vejo Castiel fechar e abrir os olhos
com força.
— Bebê? — pergunta receoso e eu assinto. — Eu vou ser pai? —
pergunta mais pra si mesmo do que pra mim.
— Você vai. — respondo mesmo assim. — Dani não pode sofrer nenhum
abalo Castiel, por favor.
— Eu estarei ao lado dela, isso é uma promessa.

***

Saímos praticamente correndo de minha casa e agradeci aos céus por
Babi estar concentrada em seus livros e fone de ouvido e não ter de leva-la
comigo.
Pedi para que Joaquim fosse até minha casa e cuidasse dela. Não
podíamos confiar em ninguém além dele e Isaac na segurança. Alguém está
armando contra nós.
Quando chegamos ao hospital mal estacionei o carro e Castiel já havia
pulado dele. Ele tenta disfarçar sua apreensão, mas a arma em sua cintura e na
minha, não deixam dúvidas.
Estamos preparados pra qualquer coisa.
Na recepção logo nos informam o número dos quartos e tanto eu quanto
Castiel pudemos vê-las.
— Cas. — o chamo.
— Não vou deixá-la só, Caleb. — diz e sai em direção ao quarto que ela
se encontra.
Adentro o quarto 212 e encontro Vic dormindo serenamente na cama. Há
um leve corte em sua testa, porém nada mais aparenta um risco sério.
Fico por alguns minutos esperando o médico. Assim que um senhor que
deve ter uns 60 anos entra, o sorriso em seu rosto me deixa confuso.
— Vamos lá! Caleb Soares, correto? — pergunta e assinto.
— Bom, a paciente teve apenas leves cortes e nada mais grave aparente,
por estar usando o cinto de segurança o bebê não sofreu nenhum dano e...
Paraliso!
— Espera aí, o senhor disse bebê?
— Sim, os exames constataram que a senhora Soares está com cerca de
duas semanas de gestação.
Cambaleio pra trás e tenho que me segurar na cabeceira da cama pra não
cair.
— O senhor não sabia? — pergunta sorrindo e eu confirmo. — Então
minhas felicitações, senhor Soares! Espero que sua esposa goste da novidade,
logo logo ela irá acordar e poderá contar a ela.
Logo ele sai, me deixando aqui, completamente sem chão. Sento-me na
poltrona ao lado de sua cama e pouso minha mão de leve em seu ventre.
Vamos ter um filho!
Lágrimas grossas rolam pelo meu rosto e não me contenho. Fico então
imaginando nosso pequeno com os olhos azuis que ambos temos.
Será que ele se parecerá mais comigo ou com ela?
É como se já sentisse, sinto que será um menino.
Lembro do nome que escolhi caso o bebê de Annie fosse menino –
Miguel. Em meio as lágrimas sorrio como se não tivesse amanhã e logo noto Vic
começar a despertar.
— Vic! — a chamo e ela me olha.
— O que... o que aconteceu? — pergunta confusa.
— Vocês bateram o carro! — digo simplesmente, não quero preocupá-la
com nada. Não agora!
— Foi um atentado? — pergunta nervosa e eu apenas desvio o olhar. —
Deus!
Sem poder me conter a abraço com força e com cuidado para não
machucá-la. Distribuo vários beijos em sua face e me seguro para não gritar a
novidade.
— Caleb, como Isaac e Dani estão? — pergunta, claramente apreensiva.
— Bom, ainda não vi Isaac mas pelo telefone ele confirmou que está
bem. — ela me encara nervosa. — Já Dani... Ela quase perdeu o bebê!
— Mas ela está bem? E Castiel já está sabendo que...
— Shhh, está tudo bem agora. Castiel está nesse momento no quarto com
ela. — digo.
Em vez de parecer mais relaxada, Victória permanece tensa.
— Você está me escondendo algo... Por que estava chorando se todos
estamos praticamente bem? — pergunta nervosa e só consigo sorrir.
— Miguel é o causador das minhas lágrimas.
— Han? Mas não conheço nenhum Miguel...
Coloco minhas mãos de leve em seu ventre e o acaricio, as lágrimas
novamente descem por minha face e eu pouco me importo.
Victória a princípio não entende e me olha como quem diz "Você ficou
louco?". Mas assim que começa a juntar os pontos ela leva as mãos a boca
incrédula.
— Nós... Nós vamos ter um bebê? — pergunta docemente e lágrimas
rolam pelo seu rosto. Linda!
— O fruto do nosso amor está aqui, nosso Miguel! — confirmo e ela
abre um sorriso.
Sem que eu esperasse, ela me beija. Um beijo terno e calmo, levando
nosso tempo pela felicidade de termos um novo integrante na família.
— Pode ser mais uma menina, Caleb! — adverte e eu nego com a
cabeça.
— Tenho certeza que será nosso meninão, Miguel Fontana Soares!
Bônus

Danielle


É um local branco, havia apenas uma névoa passando ali. Onde eu
estou?
Noto rapidamente duas perninhas gorduchas correndo em minha
direção.
— Quem é você? Ei, onde você vai? — pergunto sem obter respostas do
pequeno bebê que se afasta de mim.
Os cabelos loiros e olhos verdes me remetem a... Minha bebê!
— Não! — grito, porém ela se afasta ainda mais e de repente tudo fica
negro.
— Eu queria te falar tantas coisas... Queria poder tocá-la novamente e
estar ao seu lado a cada segundo a partir de agora. Eu a amo tanto minha Dani e
ainda mais o nosso bebê.
Eu sei que só posso estar sonhando, a voz baixa de Castiel dizendo tais
palavras me acalmam e pude me sentir feliz pela primeira vez após essas
semanas guardando nosso bem mais precioso. Levo então minhas mãos ao
ventre e logo sinto uma outra mão quente pousada ali.
Mas o que?
— Dani, você está bem? — forço meus olhos a se abrir e encaro os olhos
verdes do homem que amo.
Ele realmente está aqui, então ele disse mesmo aquelas palavras.
Ele ama nosso bebê.
Analiso o resto do ambiente e tento me enquadrar ali. Estou em um
hospital?
— Ah meu Deus! — grito assim que me lembro do baque da batida e do
sonho. — Nossa bebê está bem Castiel? Ela...
— Quase perdemos ela. — diz e as lágrimas descem livremente pelo meu
rosto. — Espera um pouco aí, você já sabe o sexo?
— Eu tive um sonho, apenas isso. Sinto que é uma menina. — digo e
sorrio ao pensar no nome dela. — O que faz aqui? — pergunto abruptamente.
— Vim passar a noite com você e...
— A noite? Que horas são? — pergunto confusa.
— Duas da madrugada. Mais tarde se tudo estiver bem, você já será
liberada. — responde e eu apenas assinto.
O silêncio toma conta do ambiente e ficamos nos encarando por alguns
minutos sem dizer nada. E há tanto a ser dito.
— Eu só queria a chance de poder me explicar, contar o meu lado da
história... Sei que o que fiz a sua irmã não tem perdão, mas eu não poderei seguir
em frente sem você... Sem vocês.
Um redemoinho de lembranças invade minha mente. Os gritos e
desespero de minha irmã todas as noites, as quais passei em claro por medo dela
tentar algo contra o bebê.
Eu me apaixonei perdidamente pelo Castiel que era doce e gentil,
sarcástico e irredutível... Não amo o monstro que destruiu a vida da minha irmã.
E eu não posso simplesmente esquecer toda a dor que senti e sinto, apenas para
brincar de casinha até que ele se cansasse de mim, e eu fosse jogada pra fora da
sua vida.
Estava decidida, eu não iria cair nos jogos de Castiel.
— Dani...
— Não precisa fazer isso, não precisa cuidar da bebê e muito menos de
mim! — o corto rapidamente.
— Eu quero Dani, quero estar ao seu lado. — diz decidido. — E estarei.
— Não pode me obrigar a ficar com você! — me altero e ele fecha
completamente sua expressão.
— Posso tanto que vou. — afirma de modo autoritário e minha vontade é
de esganá-lo.
— Não, não pode! Enquanto esse bebê estiver em minha barriga não
pode fazer nada a respeito.
— Assim que todo esse inferno acabar, vocês irão embora comigo. Será
minha mulher e mãe da nossa filha, não aceito menos que isso Danielle! — diz
em tom baixo e convicto, e eu me retraio um pouco.
Que papo é esse de "minha mulher"?
— Como você faria isso? Nos levaria pra onde? — pergunto sarcástica.
— Eu jamais vou pra qualquer lugar com você, seu monstro. Por que seria
mulher do homem que matou minha irmã? — grito com raiva e logo noto seu
olhar magoado. Droga!
— Cas...
— Ok, se é assim que você quer. Duas opções: ou irá embora comigo, ou
assim que a bebê nascer perderá qualquer tipo de poder sobre ela. O que acha?
— diz em um tom frio.
— Você não seria capaz disso... Caleb não deixaria.
— Caleb não tem nada a ver com isso. — me corta. — Eu tenho ótimos
advogados Dani, não ouse brincar comigo. E já que quer que eu seja o monstro,
então serei.
— Eu te odeio! — grito e ele se aproxima de mim.
— Eu sei. — diz baixinho. — Mas eu te amo minha feiticeira e nada irá
me fazer ficar longe de vocês. — confessa me olhando.
— Você está me obrigando a ficar com você, eu não quero!
— Eu sei que quer, sei que a mesma Dani que se entregou
completamente a mim e se declarou, está aí dentro em algum lugar... E eu vou
reencontrá-la.
Minha mente viaja para os momentos que passamos juntos... Foram tão
fortes e intensos. Eu achei que finalmente havia achado minha outra metade...
Porém, Castiel está longe de ser isso.
— Sua filha nem nasceu e você está ameaçando tirá-la de mim! Como
pode? — seguro as lágrimas.
— Eu estou apenas fazendo o que posso pra que vá embora comigo. Eu
preciso de vocês.
— Pra onde diabos você quer nos levar? — pergunto sem entender.
— Pra Londres, sua nova casa.
Capítulo XXV

Caleb


Victória teve alta uma hora depois assim como Isaac, apenas Dani teria
que passar a noite no hospital. Ela continua sedada e Castiel se prontificou a
ficar com ela mesmo que sem poder falar sobre o próprio filho. Eu via dor
misturada a felicidade em seus olhos, mas eu deixei que ficasse... Ele precisa de
um tempo a sós com ela.
— Castiel parece assustado e feliz! — Vic diz assim que entra no carro e
eu apenas concordo com a cabeça. — Por que está assim? — pergunta e eu
sorrio largamente.
— Queria anunciar a todos que vamos ter um filho. — digo e ela me dá
um tapa no braço.
Assim que tiro a arma e coloco dentro do porta luvas, Victória me encara
inquisitiva. Mas achei melhor não explicar, ela sabe por cima o que houve, e de
qualquer forma precisamos estar preparados.
Isaac havia pedido um táxi e ido pra casa sozinho. Ele estava distante e
quieto demais e em nada parecia estar de tal modo devido ao acidente. Ele
esconde algo, tenho certeza.
E como o habitual caminho para nossa casa havia me deixado inseguro,
decidi fazer uma nova rota. Iríamos demorar um pouco mais para chegar, mas
Joaquim havia me garantido pelo telefone que estaria tudo bem se fosse por ali.
Então o fiz.
Vic cantarola juntamente a uma música internacional que não conheço e
eu apenas sorrio. Quando viro o rosto para olhá-la com mais precisão, acabo me
esquecendo da direção.
— Caleb!
O grito de Vic faz com que eu instantaneamente afunde o pé no freio.
Porém, ouço o carro bater em algo, ou melhor, em alguém.
Saio rapidamente do carro e rezo para que quem quer seja que tivesse
atropelado, esteja bem.
Como depois de anos sendo um motorista exemplar pude fazer isso?
Ao olhar a frente do carro encontro um rapaz com roupas velhas e sujas,
deve ter no máximo 23 anos. Estendo minha mão pra ele, que se levanta de
repente e começa a se desculpar.
— Me desculpe senhor, eu não olhei pra atravessar e...
— Está tudo bem com você rapaz? Qual o seu nome?
— Estou bem sim e... Meu nome é Felipe. — responde e noto sua voz
receosa. Ele parece com medo.
— Onde é sua casa? Posso te levar lá e.... — pergunto e ele arregala os
olhos abaixando a cabeça.
— Eu...
— Você mora aqui? Nas ruas? — Victória pergunta ao vê-lo.
— Na verdade... — ele desiste de continuar a frase e apenas assente com
a cabeça.
Vic então segura minha mão com força e me olha ternamente.
— Sempre quis ter uma grande família. — diz só para que eu ouça, e eu
sorrio.
Eu já havia estado na mesma situação há anos atrás, foi com Babi e agora
é esse menino. Eu brincava mentalmente com seu nome em minha mente,
Felipe... Felipe Soares.
— Ei, onde está indo? — pergunto ao vê-lo se afastar.
— Eu estou indo embora, senhor. — responde e volta a andar.
— Há quanto tempo está nas ruas? — pergunto ao chegar ao seu lado e
ele abaixa a cabeça.
— Dez anos, senhor.
Deus, o que aquele garoto havia sofrido?
—Por favor pare de me chamar assim, meu nome é Caleb Soares e essa é
minha esposa, Victória. — digo e ele arregala os olhos.
— Soares, igual os das propagandas? — pergunta surpreso e eu sorrio
afirmando.
— Você já pensou em sair das ruas? — pergunto e ele me olha espantado.
— Sim. — confessa.
— Então venha conosco!
— Não precisa fazer isso senhor, eu...
— Não precisamos, mas queremos... Venha conosco Felipe! — Victória
pede ao nos alcançar.
— Mas para onde?
— Pra casa.
— Eu não posso aceitar senhor, não precisa...
— Nós queremos que vá conosco, Felipe. Sei que não é comum o que
estamos fazendo, mas aprendi com o homem da minha vida que em nossa
família sempre caberá mais um. — Vic diz sorrindo e a olho emocionado.
O garoto a nossa frente nos analisa assustado e completamente
horrorizado.
— Eu...
— Façamos assim, passe uma semana em nossa casa. Depois disso
deixaremos com que decida onde quer ficar. — insisto e mesmo contrariado
Felipe acaba cedendo. — Qual o seu nome completo?
— Felipe Paiva. — responde receoso e eu assinto.
Ao entrarmos no carro vejo o modo admirado com que encara o veículo.
Eu sou um amante de carros, e esse menino parece ser um também.
Antes de perguntar mais alguma coisa pra ele, apenas envio uma
mensagem para Joaquim e peço para que pesquise sobre o garoto. Mesmo
sentindo que é o certo levá-lo daqui, eu tinha que saber se ele é confiável ou não.
Porém, meu instinto grita que sim.
— Gosta de carros? — pergunto.
Ele assente e troca algumas palavras comigo. Mas em pouco tempo se
cala.
Dirijo pelas ruas e em poucos minutos recebo uma resposta de Joaquim.
Confiável.
Direto como sempre. Mas não deixo de ficar feliz por saber que Felipe
pode então ser mesmo mais uma parte de nós.
Ao entrarmos na mansão Felipe ficou completamente sem jeito e como
se fosse possível abaixou ainda mais a cabeça, como se estivesse com vergonha
ou como se não se encaixasse ali.
Mas no fundo eu já sabia e sentia que ele pertencia a nós... Para mim ele
já havia se tornado um Soares.
Assim que adentramos a mansão, Joaquim nos encara sorrindo. Ele tem
61 anos, sendo praticamente da idade de meu pai. Lembro-me das várias vezes
em que me derrubou no chão quando era mais novo. Ele e meu pai, treinaram a
mim, Castiel, Isaac e Chris. Nos prepararam.
— Sabia que traria o garoto. — sorri. — Joaquim Morgan. — estende a
mão para Felipe, que aperta mesmo sem jeito.
— Alguma novidade? — pergunto e ele nega.
— Precisamos apenas falar com seu pai e bom, visitar uma certa pessoa.
— Enquanto conversam, vou levar Felipe para conhecer a casa. — Vic e
Felipe saem no mesmo instante
— Li todos os papéis que tinham em seu escritório. Se Donatello se
envolveu com Julianne, precisamos investigar mais a fundo o porquê.
— Como assim? Ele não pode ainda estar envolvido?
— Não. — diz convicto. — Foi a época em que os Donatello e Soares
eram inimigos, não sabe disso porque não está ligado ao que acontece na
empresa. Mas seus pais são amigos de Dominic e sua família faz um tempo.
— Eu não fazia ideia. — confesso. — Mas então, por que será que ele
estava com Julianne naquela foto?
— É uma foto antiga, da época em que Dominic não valia sequer um
centavo. — sorri. — Não duvido de nada.
— Certo. Mas e sobre o garoto?
— Felipe? — assinto. — Bom, tem vinte anos de idade e há dez anos
vagueia pelas ruas. Perdeu a única família que tinha, um irmão drogado, na
mesma época que ficou sem teto. Não há quase nada sobre o garoto, porque
realmente, ele não tem nada.
— Obrigado.
— Ele vai se tornar um Soares, não é? — sorri. — Isso me faz recordar a
época em que encontrou Babi.
— Se ele decidir ficar, pode ter certeza que ficaremos felizes. Algum
movimento diferente por aqui?
— Fiquei de olho em Babi e dispensei toda a segurança da casa. — faz
uma pausa. — Trouxe uma nova leva de segurança de nível máximo, eles são os
melhores e mais confiáveis no momento.
— Obrigado, Joaquim. — ele assente.
— Mesmo assim, ficarei de olho. Estava vendo as câmeras de segurança
da casa. Uma mula chamada Isaac, mesmo depois de ter se machucado, também
está vendo as gravações. Ainda não há nada relevante.
— Certo.
— Avisei seu pai sobre o ocorrido. Ele disse que vai falar com Donatello
assim que possível, pois Donatello está fora do país.
— Merda!
— Até a volta dele, iremos descobrir mais sobre tudo. — me tranquiliza.
— Vou cuidar daquela mula...
— Vulgo Isaac? — ele assente e eu gargalho. — Não sei nem como te
agradecer por tudo.
— Cuide daquele moleque que estamos quites. — sorrio.
Joaquim Morgan é praticamente um pai pra mim.

Capítulo XXVI

Victória

Uma semana depois

— Tem certeza de que ele está preparado pra isso? — pergunto e Caleb
não esconde a apreensão.
— Tenho medo que ele não se adapte lá, é uma festa repleta de pessoas
fúteis e babacas. — responde enquanto arruma sua gravata e eu lhe dou um leve
selinho.
Estávamos apreensivos com a festa de fim de ano das Advocacias
Fontana, além de que ainda não tínhamos descoberto como haviam sabotado o
carro e quem o fez. Mas por ora, todos resolvemos deixar as apreensões de lado
e ir a festa, que infelizmente é algo que não podemos faltar.
Neste ano tínhamos muito o que revelar aos urubus e paparazzi. Babi e
Felipe seriam apresentados como Soares, nós fazíamos questão disso. Ele ainda
não havia nos dado a resposta se ficaria, mas nós sabíamos que ele havia gostado
de estar conosco. E consideramos que logo teríamos um sim.
Nessa semana que passou, deixamos de lado todos os problemas e
focamos apenas em nossa família. Luna ficou estupefata com toda a novidade.
Para ela que era filha única, ganhar três irmãos é o melhor presente de natal de
todos.
Mesmo com o medo ao nosso lado, temos fé e esperança que esse ano
terminará com chave de ouro. Dani havia se recuperado e o bebê está fora de
risco, mas infelizmente ela e Castiel ainda não se entenderam por completo. Pelo
menos, sei agora que ele não irá abandoná-la e muito menos o bebê, isso com
certeza deixou todos mais tranquilos.
— Animado pra contar a novidade a todos? — pergunto, alisando minha
barriga que tem apenas um leve arredondado que não é marcado pelo vestido
preto que escolhi.
— Mal vejo a hora de todos saberem do fruto do nosso amor. — Caleb
sussurra em meu ouvido, fazendo todo meu corpo estremecer.
Sou toda dele!
Vou ao quarto de Felipe e o encontro brigando com a gravata. Sorrio em
sua direção e ele sorri de si mesmo pelo embaraço.
— Logo aprenderá a como fazer isso. — digo e ele sorri sem jeito.
— Vocês tem certeza que me querem lá? Não me importo em ficar aqui
e...
— Sei que ainda não decidiu, mas tanto pra mim quanto pra Caleb, você
já é um filho. Queremos você conosco, e se aceitar ficar aqui teremos a maior
honra de poder chamá-lo de Felipe Soares. — os olhos negros de meu menino
ficam brilhosos e noto uma lágrima correr sobre seu rosto.
— Obrigado! — diz e me abraça sem que eu espere.
Lhe correspondo com ternura e ele se aconchega ainda mais a mim.
Por favor fique conosco, nós já te amamos tanto menino.
Ele era o nosso anjinho... Nosso Felipe. Eu não teria como me despedir
dele caso decidisse partir.
— Eu aceito! — exclama de repente e eu sorrio sem me conter.
— Caleb! — grito pelo meu marido que logo aparece desesperado na
porta do quarto.
— O que houve, Vic? Algo com o bebê? — começa a fazer várias
perguntas e eu rapidamente coloco meus dedos sobre sua boca.
— Felipe aceitou ficar conosco. — digo e Caleb logo fica emocionado.
— Bem vindo a família rapaz. — sem se conter, ele abraça Felipe do
modo terno como sempre vejo abraçar Luna e Babi.
— Eu quero ser como o senhor. — Felipe diz e tanto eu quanto Caleb nos
entreolhamos sem entender.
— Ser o que Felipe? — pergunto curiosa e meio sem jeito ele busca
rapidamente o notebook que havia ganhado.
— Eu fiz pesquisas sobre o que o senhor faz e... Bom, eu queria um dia
ser um advogado tão bom assim. — confessa com as bochechas vermelhas.
Caleb fica sem fala e eu sorrio largamente. Sei que um dos sonhos de
Caleb era ter um herdeiro para administrar as Advocacias Fontana. Felizmente,
ele tinha acabado de encontrar.
— Eu não poderia estar mais feliz em saber disso.

***

Já chegando ao local onde ocorreria a festa, noto como Caleb continua
animado e sorridente. Os paparazzi fizeram mil e uma perguntas, porém como
sempre Caleb ignorou cada uma delas.
Felipe e Babi mesmo retraídos estavam ao nosso lado e eu lhes apresentei
rapidamente como nossos filhos, deixando todos ali boquiabertos. Aguentem
essa, abutres!
Assim que pisei lá dentro localizei Luna e Lucas conversando
animadamente com dona Leandra e Christopher, em uma mesa mais afastada.
Nos sentamos logo a mesa e Felipe mesmo sem jeito se apresentou a Leandra,
que sorriu sublime por finalmente conhecê-lo.
— Eu finalmente estou ganhando netos. Castiel e Caleb finalmente
acertaram, e você Christopher, quando irá me dar um netinho? — sem me conter,
gargalho da cara de tacho que Christopher fica.
— Mamãe, já disse que não quero falar sobre...
— Eu que sei das coisas garoto. — ela diz, fazendo todos da mesa
gargalhar.
— Leandra, acho que não vai ter que pedir um netinho a Chris agora.
Não por enquanto. Temos mais um a caminho bem aqui. — afirmo e Caleb passa
a mão sobre minha barriga.
Leandra quase cai da cadeira e Rodrigo que se aproxima da mesa começa
a rir da situação da esposa.
— Finalmente, Caleb! — exclama animada e eu gargalho.
— Eu sei que sou o filho preferido. — Caleb diz, e antes que Christopher
pense em se opor, a voz de Castiel se faz presente:
— Isso foi até cinco segundos atrás, antes do primogênito chegar! — ele
abre seu habitual sorriso cínico e Dani que está ao seu lado, revira os olhos como
se estivesse entediada.
Sei que no fundo ela está se segurando pra não rir dessa situação. Pois,
havia um tempo em que não dorme em casa e tenho certeza que tem passado
esses dias com Castiel. E por mais que negue, ela o ama.

***

A noite corre maravilhosamente bem, a festa e os convidados ainda não
haviam me deixado entediada.
Eu e Caleb havíamos nos afastado um pouco de todos e nesse momento
estava abraçada a ele, sorrindo de todas as coisas lindas que ele diz em meu
ouvido. Os olhos azuis lindos refletem apenas amor e eu estou completamente
perdida neles.
Quebrando um pouco do nosso momento, tive de sair rapidamente para ir
ao banheiro, já que nos últimos dias minha bexiga parece que irá estourar a
qualquer momento.
Ao voltar ao local que estava anteriormente, a primeira coisa que noto é
uma mulher de cabelos loiros ao lado dele, ou melhor, muito próxima a ele.
Me aproximei ainda mais e tive de me conter para não voar em cima da
oxigenada.
— Querido, ainda estou esperando a sua ligação!
— Marcela, quando vai parar com essa obsessão? Sabe que sou um
homem casado e completamente louco por Victória. Há vários homens livres
nessa festa, vá atrás deles! — Ponto pra Caleb.
— Não quero nenhum deles, quero um homem de verdade como você!
Sei que Victória jamais faria as loucuras que estou disposta a fazer.
Não penso duas vezes e a puxo pelo cabelo. Que se dane a festa, que se
dane os convidados. Ninguém daria em cima do meu homem e muito menos na
minha frente.


Caleb

Tudo acontece muito rápido. Em questão de segundos apenas vejo
Marcela sendo puxada pelos cabelos e minha esposa totalmente enfurecida.
Sorte que estamos em um local mais reservado, senão as manchetes amanhã
apenas falariam sobre isso.
Agarro Victória por trás e a puxo de cima de Marcela que tem o rosto
todo arranhado e machucado. Deus, essa mulher é uma leoa!
— Me solte agora, Caleb! — pede friamente e eu a viro pra mim.
— Vic, pare com isso amor. — tento acariciar seu rosto, porém ela
desvia.
A solto notando que está mais calma, mas ela puxa Marcela do chão e a
empurra contra a parede.
— Um aviso, esse homem aqui é meu! Caso tente mais uma vez tocar ou
até pensar nele, saiba que não vou pensar duas vezes em lhe jogar desse prédio.
— ameaça friamente e Marcela abre um sorriso cínico. Merda!
— Você é uma comediante Victória, todos sabem que você apenas
representa a esposa já que na cama ele busca outras...
Marcela nem consegue terminar pois Victória lhe acerta com força no
rosto.
— Vic!
— Calado, Caleb! E você coisinha oferecida, olhe bem pra isso aqui! —
Vic aponta a própria barriga e Marcela a olha confusa — Aqui está mais um dos
herdeiros deste homem, então não ouse jogar baixo pois quem faz amor a noite
inteira com ele, sou eu!
Victória sai no mesmo instante e me viro pra segui-la, mas sou impedido
pelas mãos de Marcela.
— Me solte! — peço e ela me encara incrédula.
— Qual é Caleb? Sei que me quer e...
— Pare de ser louca! — exclamo exasperado e saio em busca de Vic.
Há várias pessoas dançando e sorrindo, avisto a mesa em que estávamos
e noto que apenas meus pais estão ali.
— Que merda você fez pra ela? — Essa é minha mãe, como sempre um
doce.
— Mãe...
—"Mãe" nada Caleb, você vai fazer 41 anos em poucos dias e ainda age
como um moleque? Que merda você fez pra ela?
— A louca da Marcela tentou me agarrar e Victória bateu nela. — meu
pai engasga com o vinho e minha mãe arregala os olhos.
— A filha dos Medeiros? — meu pai pergunta e mamãe começa a
gargalhar. Essa mulher só pode ser bipolar.
— O que eu estou perdendo aqui?
— Eu bati na mãe dela uma vez pelo mesmo motivo, estou vendo a quem
ela puxou. — ela sorri amplamente como se lembrasse do momento.
— Onde Victória está? — pergunto e o semblante dela se fecha
novamente. Lá vem!
— Castiel a levou pra casa. Não a estresse ainda mais Caleb, ela está
grávida, não pode se esquecer disso. — alerta e eu assinto.
Me despeço deles e praticamente corro dali. Pouco me importa essa festa,
tudo o que quero agora é minha mulher e nosso filho são e salvos.

***

Adentro nossa casa e o silêncio me dá boas vindas. Droga, precisava
falar com ela hoje.
— Quantas vezes? — a voz de Victória preenche o ambiente, ela ascende
o abajur da mesinha ao seu lado.
Vou em sua direção no sofá.
— O que? — pergunto sem entender.
— Foi pra cama com ela. — complementa e noto seu olhar triste.
— Nunca! — afirmo convicto e ela começa a gargalhar, porém logo noto
lágrimas sobre sua face.
Não, minha rainha!
— Não minta pra mim! — grita e vem pra cima de mim depositando
socos em meu peito, seguro suas mãos e faço com que ela olhe para mim.
— Nunca estive com ela, minha rainha. Não tenho porquê mentir sobre
isso. — digo olhando em seus olhos e ela abaixa a cabeça soltando o ar.
— Sinto muito! — um fio de voz sai de sua boca. — Eu só estou com
medo, Caleb. Não sei, sinto que algo ruim vai acontecer e descontei em você.
— Está tudo bem, amor! — digo e deposito um leve beijo em seus lábios.
— Ainda estou brava com você! — exclama de repente e eu sorrio.
— Vic!
— A próxima vez que deixar uma dessas piranhas chegar perto de você...
Ah Caleb eu mesma vou garantir que não terá mais nenhum filho. — ameaça e
eu levanto as mãos em rendição.
— Só quero você perto de mim, minha rainha! Adoro você com ciúme.
— nem termino de falar e ela me dá um tapa no braço.
— Não seja engraçadinho.
— Não se estresse à toa amor, temos que pensar no nosso pequeno. —
digo e ela sorri genuinamente.
— Me desculpe meu bebê, mamãe ficou tão brava que se esqueceu de
cuidar de você. — diz, passando as mãos na barriga e eu me ajoelho a sua frente.
Deposito um beijo em seu ventre e levanto meu olhar pra encontrar seu
rosto sorridente em meio as lágrimas.
— Eu amo tanto vocês, nada no mundo irá nos separar... Nada!
Capítulo XXVII

Caleb


Victória dorme serenamente ao meu lado e eu tento não me preocupar
com tudo o que está havendo. Aliso o seu ventre e sem me conter o beijo com
carinho. Não posso perde-los. Preciso o mais rápido possível descobrir quem
causou o acidente, quem tanto nos persegue.
Essa semana foi completamente exaustiva, ainda mais porque tive de
manter o sorriso para minha família enquanto Castiel e Isaac tentavam chegar a
alguma resposta para tudo o que acontecera. Fiquei a par de todas as novas
informações que obtemos, mas ainda há muito pouco.
Após termos encontrado a foto de Julianne com Dominic, ou melhor,
Donatello (como todos os chamam), tivemos um novo ponto de partida para as
investigações. A relação que ela havia estabelecido com Donatello anos atrás foi
descoberta apenas agora. Tivemos de pagar muito alto pelas informações, mas ao
que tudo indica os dois haviam sido amigos. A lógica para a dificuldade de
encontrá-la estava ali, Donatello mesmo sendo apenas quatro anos mais velho do
que eu, tem um arsenal de comparsas espalhados por aí. Ele não teria que fazer
muito para esconde-la de nós.
Porém, meu pai deixou claro que Donatello não teria relação alguma com
Julianne. Ele conhece Donatello e confia nele. Me surpreendi com sua
convicção, mas não pude ir contra. Meu pai tem alguma história forte
relacionada a esse cara.
Mas onde Julianne se encaixava naquilo? Qual seria o motivo dela para
querer nos atingir?
Com esses pensamentos acabo adormecendo.

***

Meu celular toca e forço meus braços até o criado mudo.
— Soares.
— Caleb, Donatello está no Brasil. — Castiel diz. — Estou com papai e
Joaquim, estamos indo para a casa dele.
— Me mande o endereço por mensagem...
— Fique pronto, em cinco minutos passaremos aí.
— Ok, eu estarei.
As oito da manhã já estávamos a frente da porta da casa de Donatello. O
lugar é bem diferente do eu imaginava. Pelo que sempre soube sobre ele, não
passava de um patife frio e explorador, não imaginava um jardim repleto de
flores ou ainda mais um parquinho para crianças.
— Parece assustado, Caleb. — meu pai exclama e eu concordo.
— Aqui não parece um lugar onde Donatello viveria, não pelo pouco que
sei sobre ele.
— Isso aqui é a prova de como a mulher certa pode mudar um homem.
— diz, me deixando ainda mais confuso.
Joaquim fica focado em seu celular e dá várias ordens através dele.
— Pedi para Isaac ir olhar sua casa. — Joaquim avisa e eu agradeço.
Castiel apenas se mantém em silêncio e acho isso muito estranho, mas
pelo seu olhar cauteloso, sei que não quer conversar a respeito.
E antes que eu pense em dizer algo, a porta da frente da casa se abre e
Donatello aparece.
— Achei estranho sua ligação, Rodrigo. — diz e cumprimenta meu pai.
— Por favor, entrem! — exclama de modo acolhedor e fico ainda mais perdido.
— Como vai, Donatello? — meu pai pergunta e vejo uma criancinha
correr e se segurar nas pernas de Donatello.
— Como pode ver, atarefado. — ele sorri. — Elena, querida, venha aqui
por favor!
Uma mulher grávida, de no máximo trinta e poucos anos aparece na sala
e nos cumprimenta educadamente. O modo como meu pai a trata me deixa
inquisitivo, noto alguma intimidade ali e tenho vontade de gritar sobre o que está
havendo.
— Essa é Elena, minha esposa. — ela cumprimenta a todos.
— Mas você não era casado com... — antes mesmo de terminar a fala
meu irmão me dá um cutucão na barriga.
— Perdoe meu irmão, Elena. Ele não herdou os genes de cavalheirismo.
— ela sorri. — Castiel Soares, encantado.
— Não abra esse sorrisinho cínico para minha mulher, Soares. — Elena
gargalha e meu irmão se faz de ofendido.
— Vou levar Dominic daqui, vem querido! — o pequenino pega sua
mão. — E Dom, comporte-se.
— Sim, senhora. — Donatello diz com um brilho no olhar.
— Foi um prazer conhecer a todos. — sorri. — Avise Leandra que
descobri o sexo do bebê, será uma menininha! —exclama animada para meu pai,
que em seguida a abraça.
Assisto a cena horrorizado e olho em direção a Donatello que invés de
estar furioso, sorri.
Mas em que mundo paralelo eu estou?
Assim que a tal Elena sai do ambiente, sinto o ar ficar pesado. Talvez
seja impressão mas pelo olhares trocados pelo meu pai e Donatello, sei que algo
nada bom virá a seguir.
— Venham até o escritório!
Assim que nos sentamos, antes mesmo que eu pense em falar algo, meu
pai se adianta:
—Tem tido algum contato com Julianne nos últimos anos?
— Julianne Fontana? — meu pai assente. — Desde que descobri sobre
Paulo, eu cortei qualquer ligação com ela.
— Espera, o que o pai de Victória tem a ver com isso? — pergunto já
perdido.
— Também gostaria de saber. — Castiel insiste.
— Você sabe que Paulo morreu em um acidente de carro, não é? —
Donatello pergunta.
— Sim. — respondo.
— Naquela época Julianne era minha amante. — confessa e fico
chocado. — Ela sabia sobre os meus planos de tirar seu pai de circulação...
— O QUE? — Castiel eu gritamos num uníssono.
— Deixe ele terminar de falar. — meu pai pede em um tom baixo e sinto
raiva por ele estar tão calmo em frente ao homem que queria matá-lo.
— Pois bem, eu era um jovem estúpido e ambicioso, tendo Julianne
comigo sabia de todos os passos que Rodrigo daria, pois Paulo contava tudo a
ela. — conta. — Um dia antes do acidente de Paulo, eu terminei tudo e contei
que iria finalmente acabar com Rodrigo, então não precisava mais de nada dela.
O carro que foi danificado pelo meu pessoal foi o do seu pai, o que ficava na
empresa de vocês de prontidão... Eu não imaginava o quão grande a ambição de
Julianne chegaria. Ela então, foi mais esperta e deu um jeito de Paulo pegar o
carro de Rodrigo.
O mundo para por alguns segundos e tento raciocinar mais uma vez.
— Você tentou matar meu pai, só que Julianne fez com que fosse Paulo
naquele carro? Deus, ela matou o próprio marido? — pergunto já exasperado
quando tudo começa a fazer sentido em minha mente.
Julianne armou para que o acidente de carro fosse com Paulo, quando ela
descobre que ele não deixou nada a ela, ela usou o segundo trunfo que tinha -
Victória. Victória sendo uma Soares poderia ser usada contra nós, só que Vic
nunca foi envenenada pela mãe.
— Você teve algo a ver com o acidente de Victória? — pergunto
friamente e os olhos de Donatello se arregalam.
— O que? Acidente?
— Onde Julianne está? — pergunto já impaciente e me levanto.
— Relaxa aí, Caleb! — Castiel segura meu braço.
— Após tudo o que houve, ela me procurou e contou como fez para que
fosse Paulo naquele carro. Então, eu simplesmente a bani da minha vida. Como
ela ameaçou mostrar fotos nossas a mídia em momentos íntimos, tive de lhe
pagar uma boa quantia para que sumisse. E desde então, não tive nenhuma
notícia dela.
— Eu não entendo, como Julianne pode se esconder durante todos esses
anos? Onde Lívia está?
Meu pai abre a boca pra responder porém o som que se sobressai é de
meu celular - Victória.
— Vic, estou...
— Caleb, venha pra casa agora! — ela praticamente grita em meio ao
choro e eu fico tenso na mesma hora.
— O que houve, amor? — pergunto preocupado.
— Venha! — diz e ouço a ligação ser desfeita.
Praticamente corro pra fora da casa de Donatello e todos vem atrás.
Joaquim disca o número de Isaac diversas vezes, porém todos dão na
caixa postal.
Ao chegarmos em minha casa encontro minha mãe tentando acalmar
Victória que está em prantos, sem se conter. Babi aparece com um copo e
entrega a minha esposa que apenas tenta beber.
Me ajoelho aos pés dela que se joga sobre mim, me abraçando com força.
— O que houve, minha rainha? — pergunto tentando parecer calmo, mas
por dentro é como se tudo estivesse desabando.
— Minha mãe... Julianne tentou me matar! — confessa e me abraça
novamente com força. — Só que minha irmã entrou na frente do tiro que era pra
mim.
— O que? Como assim, Vic? Que irmã? — me sinto perdido.
— Paula... Paula é minha irmã!
Bônus

Paula


Olho para o outro lado da cama e como sempre ele se encontra vazio.
Não sei que horário foi que ele me deixou aqui, mais uma vez abandonada em
seu apartamento, como se eu não passasse de diversão. Mas é o que de fato sou
para ele.
Sei bem o que ele acha de mim, que pensa que não sou nada além de uma
traidora, que tenho algum relacionamento com Christopher... Mas nem tudo é o
que parece.
Desde pequena aprendi que os Soares são monstros, os quais fizeram
com que minha mãe, Lívia, passasse praticamente toda sua vida trancafiada em
uma clínica psiquiátrica. Fui ensinada desde sempre por Julianne, a melhor
amiga de minha mãe, que tudo o que podemos fazer é nos vingar dele.
Nos vingaríamos de todos eles e foi por isso que conheci Christopher e
consequentemente Caleb. Eu iria usá-los e entrar para a família, assim
acabaríamos com tudo o que eles construíram em cima da destruição de minha
mãe.
Me viro de lado e fico observando o quão masculino é o seu quarto, e não
sei se fico feliz ou não por perceber isso. Levanto e começo a analisar todo o
ambiente. Há várias fotos dele com uma pequena menina, a qual imagino ser sua
filha. Bom, só podia ser isso, já que ele nunca me disse nada concreto sobre sua
vida.
Eu não sou uma mulher burra, ao contrário, com apenas vinte anos, sei
que ele está apenas me usando pra saber mais sobre Julianne. Ela mesma me
avisou sobre isso. Sabia que eles já estavam descobrindo sobre tudo e com
certeza já sabem que eu sou filha de Lívia. Mas Julianne garantiu que tudo isso
faz parte dos planos. Os quais desconheço.
Christopher na realidade sempre foi um grande amigo, éramos como
irmãos inseparáveis e assim, tive de mentir a Julianne que éramos um casal
enquanto o ajudava ao mesmo tempo, pois ele não queria que os pais o vissem
como o mulherengo de antes. No começo pensei que ele estava jogando comigo,
assim como Julianne sempre me alertou, mas com o tempo comecei a ver que
não era mentira. Ele torce por mim, e sei que se soubesse de todas as mentiras
que contei, jamais me perdoaria. Penso que talvez ele seja uma exceção da
Família Soares.
As histórias que Julianne me contou já não fazem tanto sentido. Sobre os
Soares terem roubado sua filha, Victória, e acabado tanto com a vida de seu
marido quanto com a de seus pais... Deles serem os responsáveis pelo estado de
minha mãe. Eu os analisava há anos, e não via o ódio e maldade que Julianne
sempre falou.
Assim como aconteceu quando me “envolvi” com Caleb. Ele estava
completamente bêbado e me aproveitei daquilo, o droguei e tirei suas roupas,
fingindo que realmente aconteceu algo entre nós. Fiz isso apenas porque
Julianne disse que era crucial para nossos planos. Agora, me arrependo
amargamente, pois isso não mudou em nada a condição de minha mãe.
No começo tive ódio de Caleb por ter ido até o quarto comigo, e o
considerei a pior pessoa do mundo por isso. Depois descobri por Chris que o
casamento dele era apenas uma fachada. Eu tive de agir feito uma amante
ciumenta por ordens de Julianne, ela disse que assim faria a filha enxergar o
quão errado foi de se casar com um Soares. Mas pelo contrário, levei uma surra.
Tudo aquilo dava nó em minha mente e em meu coração...
Por que eles fariam tudo aquilo? Por que haviam magoado tanto minha mãe? Por
que mesmo já sabendo quem sou, ainda não acabaram comigo ou simplesmente
contaram para Chris? Sei que ele não me perdoaria ao saber que enganei e
droguei seu irmão, e isso acabaria comigo. Chris é a única pessoa realmente
próxima a mim, fora Julianne e minha mãe.
E ainda tinha Castiel, eu sei que ele é meu irmão... Eu queria ter me
aproximado, mas Julianne nunca permitiu. Nós vivíamos fugindo, sem eira nem
beira, enquanto ela arquitetava seus planos. Eu sempre pensei que foi pela perda
da melhor amiga, filha e marido. Mas agora eu sinto que algo está errado, fora de
contexto.
— O que faz com isso? — ouço sua voz e coloco rapidamente o porta
retrato de volta no lugar.
— Estava apenas...
— Já disse para não mexer em nada! — grita, fazendo com que eu me
retraia um pouco e decido já sair daqui.
Coloco minhas roupas rapidamente, segurando as lágrimas mais uma
vez. Desde o começo tinha sido assim, tínhamos uma noite incrível juntos e no
outro dia eu sou simplesmente jogada pra fora de seu apartamento. Eu ainda
insistia nisso, porque me apaixonei por ele e pelo pouco que vivi, já sei que o
amor não é algo fácil... Só posso torcer para que ele goste da novidade.
— Isaac! — o chamo e seus olhos azuis me encaram confusos. Ele
parece perdido.
— O que foi agora? — pergunta rude.
— Preciso te contar que...
O toque do meu celular se faz presente e eu atendo rapidamente.
— Onde você está? Sabe que horas são, sua burra? Não me diga que
continua vendo o babaca da segurança?
— Julia...
— Cale a boca e me escute! Hoje iremos finalizar tudo, cansei de me
esconder. Eles estão descobrindo cada dia mais sobre tudo, hoje iremos
finalmente ter nossa vingança! — sorri. — Ainda mais que consegui afastar
todos de suas protegidas.
— Como assim? — pergunto atônita.
— Vou me acertar de vez com sua irmã! — solta rindo e sinto meu corpo
cair.
Desabo de joelhos e meu corpo protesta, lágrimas estão prontas para
descer por meu rosto.
— Irmã? — pergunto em um sussurro.
— Isso mesmo. Achou mesmo que a louca da Lívia é sua mãe? Não, não!
— ela gargalha e a bile sobe a minha garganta. — Você era apenas um estorvo
pra mim, pensei que pelo menos pudesse me ajudar com a vingança, mas foi
burra demais e se apaixonou por esse cara. Agora tudo o que me resta é acabar
com isso. — revela.
— Você é minha mãe? Victória é minha irmã? — pergunto chorando, e
Isaac se ajoelha ao me lado, olhando-me atentamente.
— Infelizmente, e já pode já dar adeus a traidora da sua irmã! — diz e
gargalha. — Vou me acertar de uma vez por todas com ela, machucarei os
Soares, do mesmo modo que acabaram com a minha vida.
— O que?
— Vou matar Victória. — ela desliga.
Fico perplexa e o celular cai de minhas mãos. Encaro Isaac e tento não
pirar.
Minha vida foi uma mentira!
— Me ajude Isaac, precisamos ir à casa de Caleb! Agora! — grito, assim
que caio na realidade.
— Você enlouqueceu?
— Julianne quer matar Victória!
— O que? — pergunta perdido.
— Ela quer matá-la porque todos vocês descobriram a verdade, sobre
quem eu sou, sobre ela...
— Paula...
— Eu sei Isaac, sei que sabe sobre mim. Mas isso não importa agora,
preciso proteger minha irmã, pelo menos uma vez vou fazer o que é certo.
— O QUE?
— Julianne é minha mãe!
Quando finalmente chegamos na casa de Victória, Isaac passa pelos
seguranças rapidamente. Ouço gritos antes de abrir com cuidado a porta e vejo
Julianne apontar uma arma pra Victória. Leandra está imóvel ao lado de Vic,
além da tal Babi e Danielle. Isso parece uma cena de filme de terror.
Eu tinha acabado de descobrir que por tudo que lutei na vida e imaginei
ser meu, de fato não é. Minha mãe verdadeira não passa de uma psicopata e a
mulher a qual visitei todos os dias da minha vida, que sofri por anos, não passa
de uma desconhecida. Além de que minha própria irmã deve achar que dormi
com seu marido.
Deus!
— Olha só quem chegou pra completar essa cena, assim poderei matar
todas de uma vez! — Julianne diz friamente e eu faço sinal para Isaac ficar onde
está.
Em vez disso ele simplesmente passa na minha frente, o que faz com que
Julianne aponte a arma em sua direção.
— Olhe só! O idiota pelo qual a burra da minha bastarda se apaixonou!
— zomba e Isaac me encara surpreso. — E você Victória, outra burra. Como
pude ter filhas tão idiotas?
— O que disse? — Victória pergunta sem entender e Julianne gargalha.
— A verdade, aquela sonsa ali é sua irmã. Surpresa, filhinha! — diz
sorrindo e Victória me olha com raiva.
Abaixo a cabeça, pois é tudo o que posso fazer, minha irmã me odeia.
Então é isso, nunca havia descoberto o que é o amor.
— Julianne, não faça isso! — peço e ela aponta a arma novamente pra
Victória.
— Chega de papo, vamos ao gran finale! — diz e destrava a arma.
E é tudo muito rápido... Em um momento estou atrás do corpo de Isaac,
no outro já estou entre Victória e Julianne.
Uma dor profunda em minha barriga me faz perceber que Julianne havia
atirado. Ela me acertou no lugar de Victória. Sinto meu corpo cair em cima de
minha irmã e ela tenta me segurar enquanto grita por Isaac.
Com o canto de olho vejo Isaac desarmar rapidamente Julianne e chamar
os seguranças, que praticamente invadem a casa.
Levo as mãos até meu ventre em sinal de desespero e noto que há sangue
ali.
— Eu sinto muito, Vic... — começo a falar, mas ela coloca as mãos em
minha boca sussurrando um simples “shhhh”.
— Isaac. — o chamo e ele se joga ao meu lado. Seus olhos estão
marejados. — Nosso.... Nosso bebê!
Sinto meu corpo leve e mergulho na escuridão.

Capítulo XXVIII

Victória


Vejo Paula fechar os olhos lentamente e Isaac começa a gritar
desesperado. Eu havia acabado de descobrir que tinha uma irmã e ela já estava
sendo arrancada de mim.
— Isaac! — Dani grita o segurando pelos ombros — Temos que levá-la
daqui... Agora!
Isaac pega Paula no colo e praticamente corre para fora da casa, o certo
seria esperar a ambulância mas duvido que seu desespero o deixasse fazer isso.
Não sei o que há entre eles, só sei que nada mais faz sentido.
Os seguranças seguram Julianne pelos braços e antes de a levarem para
fora da casa, ela se solta não sei como e tenta vir pra cima de mim. Levo as mãos
ao meu ventre em sinal de proteção e espero sentir seu golpe, mas nada... Não
sinto nada. Vejo Leandra a grudar pelos cabelos e jogá-la no chão.
— Isso é por ter se aproveitado de minha irmã. — um tapa. — Isso é por ter
assassinado meu melhor amigo. — outro tapa. — Isso é por mexer com a minha
família. — mais um. — E isso é pra que quando se olhar no espelho novamente,
se um dia se olhar, lembrar que ninguém mexe com um Soares e sai ileso. —
Leandra lhe acerta um soco suficiente para desmaiar minha mãe.
O segurança pega Julianne no colo e a retira dali.
— Para onde... Onde eles vão levá-la? — pergunto desabando de joelhos
no chão e Leandra se aproxima me abraçando com força.
— Ela nunca mais irá machuca-la pequena, nem a ninguém. Se acalme.
— passa as mãos por meus cabelos.
Tento não pensar em nada, tento esquecer a dor... Mas uma frase lateja
em minha mente. "Isso é por assassinar meu melhor amigo". Que eu me lembre
o melhor amigo de Leandra era...
— Meu pai... Ela matou meu pai? — pergunto e Leandra me olha
tristemente. Então é verdade!
Por isso toda a desconfiança deles para com ela. Eles sabiam disso.
O aperto em meu peito se intensifica, choro compulsivamente e não
consigo mais raciocinar. Eu só quero uma coisa nesse momento, ou melhor, uma
pessoa - Caleb.
Pego o telefone e disco rapidamente seu número. Desligo sem dar muitas
explicações, pois o nó em minha garganta apenas se intensifica.
Em poucos minutos ele já adentra a sala. Primeiramente nos olha
desconfiado e sem saber o que fazer, e a única coisa que necessito são seus
braços e é neles que me jogo.
Esse homem se tornou meu porto seguro.
— O que houve, minha rainha? — pergunta.
— Minha mãe... Julianne tentou me matar! — confesso e o abraço
novamente com força. — Só que minha irmã entrou na frente do tiro que era pra
mim.
— O que? Como assim, Vic? Que irmã?
— Paula... Paula é minha irmã!
— Eu não... Eu não entendo! — diz confuso.
— Não entende o que, Caleb? — explodo. — Que minha mãe é um
monstro? Ela manipulou todos, ela fez uso das duas filhas, e foi pior ainda com
Paula. Ela matou meu pai! — grito, meu interior parece sufocado.
Babi se aproxima novamente com outro copo d'água e eu tento tomar,
porém minhas mãos trêmulas não cooperam. Assim que termino de tomar noto
meu corpo já mais leve, será que havia algo... Sinto minhas pálpebras pesarem e
caio em sono profundo.

***

Abro os olhos lentamente e deixo a claridade invadir meu campo de
visão.
— Está tudo bem amor. — a voz serena de Caleb faz com que eu me
acalme um pouco.
Os últimos acontecimentos vem em minha mente. Minha mãe, a arma, a
"irmã" que não sabia que existia...
— Foi tudo real? — pergunto apenas para confirmar, porém no fundo
tudo que quero é que isso não passe de um pesadelo.
O olhar triste de Caleb confirma minhas lembranças e sinto meu corpo
pesar mais uma vez.
— Como ela entrou aqui? — pergunto em um sussurro.
— Um dos novos seguranças era comparsa de Julianne, ou melhor, foi
pago por ela para que avisasse quando apenas as mulheres estivessem em casa.
— explica. — Assim que recebeu o dinheiro, ele simplesmente sumiu daqui.
Como o ser humano pode ser tão egoísta?
— Como ela pode? Como ela... — mal consigo terminar a frase e
lágrimas descem novamente pelo meu rosto.
— Minha rainha, eu sinto muito... Eu... — deixa a frase morrer no ar e eu
me aninho ainda mais ao seu corpo.
— Eu só queria entender o porquê! Por que ela fez tudo isso?! —
pergunto encarando o teto.
— Ela quer falar com você! — ele diz baixinho.
— Como assim? Por que? — pergunto sobressaltada e Caleb me segura
com mais força ainda.
— Não há chances dela sair como inocente no julgamento... Fora as
várias provas que temos a respeito da morte de seu pai, Paula está entre a vida e
a morte no hospital. E comigo no tribunal não vou sossegar até que ela pegue a
maior pena possível... — ele respira fundo. — Porém, ela pediu pra falar com
você, quer lhe confessar algo.
Divago sobre tudo o que ela pode querer comigo, porém nada faz
sentido.
— Após todo esse estresse, prefiro que não vá vê-la meu amor... Pense
no nosso Miguel.
Eu não quero correr riscos, ainda mais com a saúde de meu filho em
jogo. Mas eu preciso saber o que ela quer, ao menos entender o porquê de suas
ações.
— Me leve até ela! — peço e Caleb fica tenso.
— Vic.
— Agora, Caleb! — digo convicta, e ele então entende.
Preciso vê-la.

***

Realmente não estou habituada com delegacias. Esse lugar parece frio
demais, e o motivo que me trouxe até aqui faz com que me sinta ainda mais
deslocada. Eu não sei até que ponto da verdade quero desvendar. Até cheguei a
considerar, se não é melhor viver com os "porquês". Mesmo assim, cá estou.
— Tem certeza disso? — Caleb pergunta assim que paramos em frente a
uma porta cinza.
— Não. — suspiro fundo. — Mas preciso disso. — Caleb assente e me
dá um leve selinho.
— Estarei do outro lado do vidro, não se preocupe. Caso queira sair,
apenas saia certo? — toca meu rosto com carinho.
— Ok.
Abro a porta e entro.
A mulher a minha frente me traz tantas lembranças... Os olhos azuis
idênticos aos meus comprovam que sou sua filha, mas sei que essa é a nossa
única similaridade.
— Sabia que viria! — exclama sorrindo — Sempre foi curiosa como o
seu pai.
— Não ouse falar dele! — digo com raiva.
Ela tenta levantar as mãos, acho que em sinal de rendição, mas as
algemas a impedem.
— Bom, vamos começar pelo começo não é? — assinto. — Se tem
pessoas culpadas, elas são os pais de Leandra e Lívia. Eles acabaram com a
minha família e nada mais justo que fazer as filhas deles desmoronarem, não
acha?
— O que? Os pais delas estão mortos...
— Mas quando eram vivos fizeram questão de destruir a empresa da
minha família! — grita. — Eles levaram minha família a ruína! Tiraram tudo de
nós!
— Mas a empresa de meus avós faliu! Foi o que meu pai me disse...
— Seu pai? Paulo é um fraco apaixonado pelas irmãs Albuquerque, que
nunca se decidiu se ama Lívia ou Leandra. Por isso juntei o útil ao agradável...
Acabei com a vida dela e da irmã. Vinguei-me delas tirando o seu dinheiro e
acabei com o sonho de amor das duas, além de Paulo que não pode ficar com
nenhuma delas.
— Como?
— Lívia sempre teve problemas. — sorri. — Uma doce boneca
manipulável.... Uma mentira ali e outra aqui, e pronto! Eu tinha ela em minhas
mãos, uma mente doente pode ser um bom trunfo.
— Você é um monstro! — digo, pois não reconheço a mulher a minha
frente.
— Não minha querida, eu enxergo o que os seus preferidos realmente
são! Eles são os monstros! — rebate.
— Como pode usar minha irmã? Como pode tentar me usar? Somos suas
filhas...
— Você foi apenas o modo que consegui de prender Paulo, já Paula foi
um erro no meio do caminho... Nunca planejei nada com ela. Descobri que
estava grávida logo após o seu casamento, então fugi. Pensei que ela teria
alguma serventia, porém foi como você, mais uma burra!
— Por que... Por que matou meu pai? — pergunto e dor corrói meu ser. A
mulher que chorou dias, que parecia o amar tanto não existia... Era apenas uma
personagem.
— Matei? — pergunta ironicamente.
Não me contenho e me levanto bruscamente.
— Por que o matou? — grito.
— É por isso que eu o amo loucamente. — confessa e fico sem entender.
— Paulo é o homem mais esperto que conheci, sempre conseguiu manipular
quem quer que fosse.
A porta da sala se abre num estrondo e os braços de Caleb me envolvem.
— Precisamos sair daqui agora. — praticamente ordena.
— Então já descobriram? — Julianne pergunta e noto o maxilar de Caleb
tensionado. — Conte a ela, Caleb.
— Me contar o que? — pergunto perdida.
— Vem comigo. — Caleb tenta me puxar, porém me esquivo.
— Do que está falando? — encaro Julianne.
— O amor da minha vida sempre esteve vivo. — suspira. — Todas as
peças se encaixam agora, não é?
— Eu não estou entendendo.
— Quanto mais tempo você fica aqui, mas tempo ele tem para
concretizar nossos planos. — ela gargalha.
— Chega, Victória! — Caleb me pega no colo e tira da sala.
— Me solte! — grito. — Me solte!
— Pare, Vic! — ele me coloca no chão. — Pense no nosso filho, droga!
— Sobre quem ela está falando? Ainda existe um comparsa?
— Preciso que fique calma. — pede.
— Sem essa, Caleb. O que está acontecendo?
— Seu pai. — diz baixinho.
— O que tem ele? Descobriram mais sobre a sua morte e...
— Seu pai não morreu.

Capítulo XXIX

Caleb


Victória adentra aquela sala e eu vou em direção onde está meu pai e
Christopher, fora o delegado responsável e alguns policiais. Castiel havia levado
Dani para o hospital por precaução, ela não pode se estressar de maneira alguma.
Eu já estive outras vezes na mesma situação, mas hoje parece
completamente diferente. É a minha mulher ali dentro, a mulher que amo há
tantos anos e que está enfrentando um dos piores momentos de sua vida. A
própria mãe é uma psicopata e tinha matado seu pai. Como ela poderia sair
inteira disso? E ainda agora que carrega nosso pequeno.
— Se acalme filho... Dará tudo certo! — meu pai diz, e assim que recebe
um telefonema se afasta.
Christopher está apenas concentrado em seu celular e até o momento não
tive coragem de perguntar algo sobre Paula. Mas é preciso.
— Ela usou você? — pergunto e ele apenas assente. — Fale comigo,
Chris. — insisto.
— Agora não, Caleb! — me corta. — Há algo mais importante.
— Como o quê? — pergunto.
— Como isso. — me dá seu celular e vejo uma menina de no máximo 12
anos, sorrindo.
— O que isso tem de importante?
— Olhe atentamente, atrás da menina de roxo. — diz e eu então encaro a
foto novamente.
Noto um homem virado de lado e um boné tampa a visão de seu rosto.
— Não há nada demais.
— A garota de roxo é Paula. — esclarece e passa a foto para o lado.
— Não! — praticamente grito ao ver a imagem.
— Ela uma vez me mostrou essa foto, acho que inocentemente. —
suspira. — Eu não o reconheci de imediato, na verdade, tudo fez sentido agora.
— Apenas Paula tem essa foto. — explica. — Ela me disse que esse
homem era um grande amigo de sua mãe, que sempre a ajudou.
— Não pode ser, Chris. — digo sentindo a bile vir a garganta.
— Só imaginar olhos azuis e tudo se encaixa. — suspira. — O cara da
foto é Paulo.
— Ele então...
Ouvimos o grito agudo de meu pai e praticamente corremos até ele. Ele
está caído de joelhos, com lágrimas nos olhos e noto que mal consegue segurar o
celular.
Tiro o aparelho de suas mãos e Chris o ampara.
— Alô.
— Caleb? — confirmo e Joaquim prossegue. — Sua mãe está com
problemas e estou indo até ela. Acredite ou não, Paulo está vivo e ligou para ela.
— diz rapidamente e paraliso. Então é verdade!
— Rastreei o celular de sua mãe e estou seguindo ela nesse momento. —
suspira fundo. — Assim que ela parar, mandarei o endereço para vocês.
— Iremos com você e...
— Eu já estou indo, Caleb. — diz. — Não confie em ninguém! Deixe
Victória na delegacia, junto aos policiais.
— Ok. — digo e ele desliga.
Adentro a sala e retiro Victória de lá, antes mesmo que Julianne a
machuque ainda mais. Preciso deixar Vic em um local seguro.
— Preciso que fique calma. — peço.
— Sem essa, Caleb. O que está acontecendo?
— Seu pai. — respiro fundo.
— O que tem ele? Descobriram mais sobre a sua morte e...
— Seu pai não morreu. — digo de uma vez, e lágrimas correm pelo seu
rosto.
— Não! — grita.
— Preciso que fique calma e me obedeça agora. — ela chora ainda mais.
— Minha mãe corre perigo, Vic.
— Foi ele o tempo todo? — pergunta, como se voltasse a realidade.
— Preciso que fique aqui com o delegado e não saia por nada. — ela me
olha sem piscar. — Fui claro?
— Apenas me diga, por que ele fez tudo isso?
— Eu não faço ideia, amor. — a abraço e ela desaba em meu colo. —
Preciso ir, mas logo estarei de volta.
— Eu sinto muito, eu nunca quis...
— Nada disso é sua culpa. — beijo sua testa. — Apenas esteja me
esperando.
— Eu te amo, Caleb. — diz e beija meus lábios.
— E eu a você, minha rainha.
Me afasto dela a contragosto e ligo diversas vezes para Isaac. Todas as
ligações vão direto para caixa postal.
Meu pai vem até mim.
— Precisamos ir, filho. — diz nervoso. — Não posso deixar que ele a
machuque. Não a minha rosa.
— Joaquim mandou o endereço? — pergunto e ele nega.
— Consegui rastrear o celular dele. — Chris diz orgulhoso de si. —
Vamos lá!
Deixo Vic aos cuidados dos policiais e todos nós corremos até o carro.
Chris assume a direção e já dá a partida.
— Liguei para Castiel. — informa. — Na verdade, ele quem me ensinou
como poderia rastrear e... Enfim, ele estará atrás de nós em poucos minutos. Só
precisa deixar Dani em um local seguro.
— Como vão chegar lá sem armas? — pergunto.
— Castiel as pegará na casa de Joaquim. — meu pai conta. — Pedi a ele
que o fizesse.
— Pai...
— Não quero que nenhum de vocês vá. — suspira. — É um assunto meu.
— Não terá como nos impedir. — Christopher intervém.
— Sei disso. — diz com pesar. — Mas eu juro que se tiver a
oportunidade, eu matarei Paulo.
Christopher me encara pelo retrovisor e apenas engulo em seco. É um
aviso de meu pai. Ele não quer que nos surpreendamos com alguma ação sua, e
assim já deixa claro.
E querendo ou não, eu o entendo. Faria tudo se fosse Victória no lugar de
minha mãe.


Bônus

Joaquim


Mesmo com a prisão de Julianne, continuei as investigações acerca de
tudo. Algo ainda parecia faltar nessa história.
Isaac, meu filho, não saiu até o momento do hospital. Eu não fazia ideia,
mas pelo jeito, seu relacionamento com a tal Paula é sério. E pelo que tudo
indica, logo mais serei avô.
Vasculho mais algumas imagens que recebi nessa manhã e nada me
chama atenção. Bufo transtornado, eu preciso descobrir o que está havendo.
Tenho certeza, e isso já faz um tempo, de que Julianne não age sozinha.
Meu celular toca e atendo rapidamente.
— Alô.
— Senhor Morgan, Leandra Soares não está em casa. — diz e eu fico em
alerta.
— Como assim?
— Fiz como pediu e a chamei. Como não me atendeu, entrei e a procurei
por toda a casa. Outros colegas fizeram o mesmo e...
— Você tem certeza disso? — pergunto e pego as chaves do carro em
cima da mesinha.
Pego minha arma na gaveta e coloco na cintura.
— Sim, senhor.
— Quanto tempo faz que notaram a falta dela?
— Cerca de um minuto. — responde prontamente.
— Ok. — desfaço a ligação e disco o número de Leandra.
— Oi Joaquim.
— Onde você está? — pergunto irritado e já entro no carro.
— Em casa, oras.
— Não minta pra mim. — rosno. — Como conseguiu passar pela minha
segurança?
— Há um caminho seguro que apenas você, eu e Rodrigo conhecemos,
sabe disso.
— Por que saiu? Onde está?
— Estou a caminho de um terreno baldio pelo que vi no mapa. —
confessa. — Não posso te envolver, ele vai machucá-la e...
— Do que está falando, Lea?
— Paulo me ligou. — saio com o carro no mesmo instante. — Ele está
vivo, Joaquim! Ele está com Liv.
— Como não pensei nisso? — grito comigo mesmo e soco com força o
volante.
— Ele vai machucá-la se você vier. — diz.
— Ele vai tentar machucá-las de qualquer forma. — a corto. — Pare o
carro onde está agora mesmo, vou até você.
— Joaquim, não...
— Lea, me escute, ao menos dessa vez. — peço.
— Ele está com ela, não posso correr esse risco. — suspira fundo. —
Sinto muito.
— Lea. — grito e ela desliga.
Encaro o aparelho acoplado ao meu celular, e ele informa a localização
dela. Ligo para Rodrigo e aviso sobre o que houve, ele fica transtornado mas sei
que logo virá até mim, assim como seus filhos.
Estamos indo, Lea.

***

Ando com o carro cerca de vinte minutos e finalmente estaciono. Ainda
rastreando o celular de Lea, tenho a noção do exato local que ela se encontra.
Penso até em pedir reforços de meus seguranças, porém não existe mais
ninguém em quem confie. E sei que se aparecer com a polícia, Paulo as
machucará.
Deixo a arma já destravada na cintura e desço do carro. O local a minha
frente, parece mais uma fábrica abandonada e há um vasto matagal ao redor.
A passos lentos e com a arma em punho, sigo até a entrada. Meus
melhores dias em ação podem ter passado, mas não há como desaprender isso.
Assim que adentro a primeira porta, o som de meus passos se tornam
audíveis por todo o local.
— Olha só quem chegou. — me viro para a voz masculina.
Levanto a arma e paro no instante em que percebo uma arma apontada
para a cabeça de Lea.
— Nem pense nisso. — coloca a arma mais próxima do rosto dela. —
Não queremos acabar com a beleza dela, não é?
— O que quer, Paulo? — pergunto e ele sorri.
— Leandra. — responde rapidamente.
— Mas...
— Solte a arma e a chute pra cá. — diz e eu não tenho outra opção. Faço
o que ele manda. — Bom garoto.
— Diga de uma vez, Paulo.
— Bom, confesso que a semelhança entre elas é grande. — diz
sarcástico. — Então hoje lhe apresento, Lívia Maria Albuquerque.
— O que? — pergunto atônito. — Onde Leandra está?
— Ora, você não sabe? Estou esperando por ela há algum tempo já.
O rastreador indicou que Leandra está aqui... Onde ela se meteu?
— Não seja engraçadinho, Paulo. Diga onde Leandra está. — entro em
seu jogo.
— Talvez se eu estourar os miolos da irmãzinha dela, ela apareça.
Assim, encaro a mulher ajoelhada a frente dele, com a arma apontada
para sua cabeça. Ela não está do modo como qualquer um ficaria, chorando ou
desesperada. Parece mais que ela espera por isso há um tempo.
Lívia.
— Talvez seja melhor parar com esse teatro, Paulo. — Lea aparece por
uma porta atrás dele e fico atônito. Ela porta uma arma.
— Olhe só, corajosa como uma Soares. — ele zomba e mantém a arma
apontada para Lívia. — Ficou ainda mais linda com o passar do tempo.
— Solte minha irmã. — Lea destrava a arma.
— Ela ainda era sua irmã quando transou com seu namorado? — ele
zomba e Lea continua olhando-o friamente. — Pare de fingir, Lea. Essa farsa de
boa moça já cansou.
— O que quer? — intervenho.
— Joaquim, você tem que aprender, que tudo acontece no meu tempo. —
sorri amargo. — Ainda não é hora de saber isso.
— O que aconteceu com você, Paulo? — Lea pergunta incrédula.
— Contatos. Muitos deles me possibilitaram enganar os grandes Morgan
e brincar com a cabeça dos meus queridos Soares. — zomba. — Forjar minha
morte e culpar Julianne foi algo tão fácil... Ninguém nunca esperou nada do
pobre Paulo. — ri amargo. — Eu iria me afastar, pois já tinha Lívia ao meu lado,
mas sempre faltou alguém... Você, minha querida. E claro, destruir meu querido
melhor amigo, pois ele quebrou as mulheres que amo.
— Seu doente! — Leandra grita.
Um celular de repente toca. Paulo sorri e tira o celular do bolso, porém
continua com a arma apontada para Lívia.
— Não pense em...
— Cale a boca, Leandra. — rosna. — Sim, preciso das duas aqui. Ok, até
mais!
— Com quem estava falando? — pergunto.
— Um intermediário. — assovia. — Confesso que não foi fácil, Joaquim.
Levei anos para conseguir colocar alguém dentro de seu “esquadrão” oficial.
Tive até que pagar estudos para o cara.
— O que?
— Pois é, um dos seus homens, na verdade joga para o meu lado. — dá
de ombros. — Não fique magoado, são apenas negócios.
— Qual o nome dele? — pergunto com raiva.
— Sério que isso fará diferença? — ri. — As surpresas já acabaram,
ninguém tão chocante vai aparecer.
— Cretino. — Lea grita. — Como pode brincar com todos nós? O que
fizemos pra você?
— Paulo, quem esse cara está trazendo? — pergunto, ao me dar conta de
sua fala anterior.
O celular de Paulo toca novamente e ele atende prontamente.
— Eles já chegaram? Que rápidos não?! — ri alto. — Traga elas por
baixo. Isso.
— O que está fazendo? — rosno me sentindo incapaz.
Meu coração se despedaça por ver Lívia ainda ajoelhada e assistindo essa
cena lamentável. O que esse monstro fez a ela?
— Grite pelo seu marido, Lea. — Paulo diz. — Ele está aqui. Ele e seus
filhos.
— O que? — os olhos de Lea se arregalam. — Eles não...
— Soares! — Paulo grita. — Não precisam se esconder, sei que estão aí.
— Eu cansei dessa merda. — ouço a voz de Caleb e logo a porta atrás de
mim é derrubada.
— Agora sim, vamos começar! — Paulo anuncia e meu foco está em
Lívia.
Eu sei que todos estão aqui para proteger Lea, mas eu não consigo não
focar na mulher a minha frente. Ela precisa que alguém a salve, e espero que
possa ser eu.
Capítulo XXX

Caleb


— Como vai, querido genro? — Paulo zomba.
A cena a minha frente é lamentável. Ver minha mãe portando uma arma...
Ver Paulo novamente... E por fim, ver Lívia ajoelhado no chão...
— Armas no chão — ele exige.
— Seu filho...
— Armas no chão, ou o corpo da gêmea é que vai. — ele olha para
minha mãe. — Será uma escolha deles, querida.
— Não fale assim com ela. — meu pai rosna.
— Quanto tempo em? — ele coloca a arma na boca de Lívia e me seguro
para não voar em cima dele. — Agora se decidam.
Todos nos entreolhamos e as armas vão para o chão em questão de
segundos.
— Que lindos, tão obedientes. — gargalha. — Quero as minhas garotas
aqui! — grita.
Respiro fundo e tento entender sua frase, mesmo que essa não faça
sentido algum. Mas assim que sinto um cheiro familiar, meu corpo paralisa.
Vejo Victória e Danielle entrarem por uma porta atrás de Paulo, e um
homem alto aponta uma arma na cabeça de minha mulher.
— Desgraçado! — Castiel perde o controle. — Eu a deixei na delegacia
com Vic. — me olha. — Como isso pode...
— O cara ao lado ele foi treinado por mim. — Joaquim confidencia. —
Ele com certeza se passou como da segurança delas, mostrou o crachá que
apenas minha equipe tem. E assim, deixaram com que elas saíssem.
— Finalmente entendeu o jogo, Joaquim. — Paulo diz. — Deixei as
crianças de fora, porque elas sequer tem sangue Soares nas veias. E portanto, não
tem que sofrer nenhum dano.
E nesse momento, fico mais aliviado por ter deixado Luna, Babi e Felipe
na casa dos pais de Lucas. Ao menos eles estão a salvo.
Fico parado, tentando entender o que está havendo. Vejo Victória com
lágrimas descendo por seu rosto e suas mãos estão em seu ventre, como se
estivesse tentando proteger nosso bebê.
— Pai! — Vic diz e Paulo finalmente a olha.
— Você cresceu, não foi?
— Por que está fazendo isso? — ela pergunta. — Pai, por que...
— Não comece com o drama, Victória. — ele assente para o cara atrás
que aponta a arma para Vic.
Antes que assimilasse a situação, o cara desarma minha mãe e pega a
arma dela para si.
— Não! — Castiel grita e tenta ir até ela.
Um tiro é ouvido.
— Cas! — Dani grita.
Vejo meu irmão levar a mão a perna e noto sangue escorrer.
— Um movimento, um tiro. — Paulo diz e nem sequer me mexo para
chegar até Castiel.
Vamos jogar!
— Filho, você está bem? — mamãe pergunta e Castiel apenas assente.
O seu grunhido de dor é alto e vejo que Dani chora copiosamente. Volto
meu olhar para Victória que parece perdida em meio a tudo isso.
— Foque em mim. — falo alto e ela finalmente me olha. — Apenas em
mim.
— Olhe só, que casal não? — Paulo diz. — Está vendo Liv, isso se
chama amor.
Lívia o encara com nojo e apenas desvia o olhar.
— Deixe-nos em paz, pai. — Vic diz. — Por favor!
— Deixa eu pensar... Joaquim! — ele diz de repente.
— O que? — Joaquim pergunta confuso.
— Pensa rápido. — Paulo então pega Lívia pelos braços e joga em cima
de Joaquim, que a pega e cai de joelhos no chão.
Antes que pudesse fazer algo, vejo Victória no lugar que Lívia estava. O
seu comparsa aponta as armas agora em direção a Dani e minha mãe.
— Não! — grito e ele me olha sorrindo — Me troque por ela!
— Olhe só minha filha, você conseguiu mesmo o coração de um Soares!
Parabéns! — zomba.
— Pai, por que está fazendo isso? — Vic insiste, com suas mãos ainda
sobre o ventre, enquanto lágrimas cobrem seu rosto.
Não minha rainha! Você não!
— Sem dramas agora Victória, sempre foi uma fraca, assim como sua
irmã! — gargalha e destrava a arma. — Soube que sua irmã está entre a vida e a
morte no hospital, já me encarreguei para que ela não saia viva de lá e você é a
próxima!
— Pai. — ela chora ainda mais.
— Como podem ver, tudo está como quero. — ele sorri ganancioso. —
Como é não ter poder sobre tudo, Rodrigo?
— O que fiz a você, Paulo? — meu pai pergunta. — Éramos melhores
amigos e...
— Você conquistou as duas mulheres que sempre amei. — sinto apenas
nojo. — E agora, irá perder tudo de uma só vez. Consegui reuni-los, enganá-
los... Chegaram a pensar que Julianne teria a capacidade de tudo isso. —
gargalha alto. — Tão ingênuos.
— Monstro! — Vic grita e ele gargalha ainda mais.
Eu sei que deveria ficar parado e não agir, mas eu não deixaria minha
mulher morrer e ainda mais nosso filho. Assim que penso em avançar, Isaac
aparece por trás do comparsa de Paulo e quebra seu pescoço antes que ele
consiga sequer se virar.
Sem pensar duas vezes corro até onde Victória está e a protejo com meu
corpo.
Um, dois, três tiros...
Uma dor queima em minha barriga e ao levar a mão a ela, sinto o sangue
molhá-la.
— Caleb! — a voz de Vic parece longe e digo a última coisa que passa
por minha mente.
— Eu sempre vou amar vocês!


Victória

— Não! — desabo chorando.
— Solte a arma, Paulo. — ouço a voz de Rodrigo. — Acabou pra você!
Olho para cima e encontro meu pai ainda apontando a arma em minha
direção.
— Como pode ser capaz disso? Como pode querer matar suas próprias
filhas? — grito e ele sequer se mexe.
— Esse sim é um gran finale! — anuncia ao destravar a arma.
Um único som, um tiro.
Com os olhos abertos, assisto meu pai ou quem quer que fosse esse
homem a minha frente, cair sem vida no chão.
Olho para o lado e vejo Rodrigo segurando a arma ainda em direção a
ele. Rodrigo Soares me salvou!
Ele me olha como quem diz "Sinto muito". Assim Leandra se aproxima
dele e tira a arma de suas mãos. Os dois e abraçam rapidamente, logo voltam sua
atenção para Caleb.
— Precisamos levá-lo! Agora! — Rodrigo diz. — Alguma ambulância
veio com você, Isaac?
Olho para meu lado e finalmente me dou conta de que Isaac está aqui.
Ele assente e faz uma ligação, um grupo de paramédicos adentra o local.
— Sigilo absoluto! — Isaac ordena. E seja lá quem for que ele havia
chamado, sei que não dirá nada sobre o que vê aqui.
Sou tirada de cima de Caleb e ele fica cercado por pessoas. Uma maca é
posta e Caleb é colocado. Eles saem rapidamente e tento ir atrás, porém braços
fortes me impedem.
— Vic. — Chris me abraça. — Calma.
— Eu preciso ir com ele. — digo em desespero.
Olho para minha roupa manchada de sangue, e sinto a bile vir a
garganta... Eu estou perdendo Caleb.
— Ele ficará bem, minha querida! Caleb é um homem forte! — Leandra
diz e me puxa para um abraço.
— Foi minha... Tudo minha culpa! — choro ainda mais e ela beija minha
testa.
— Não se culpe pela loucura dos outros. Agora, precisamos ser fortes por
quem amamos. Caleb ficará bem! — ela diz com tanta firmeza que quase me faz
acreditar nisso, porém seus olhos desesperados transmitem outro sentimento –
medo.
— Preciso estar com ele. — insisto e ela cede.
— Vem. — diz e me leva até a ambulância.
O caminho percorrido até o hospital parece sem fim. A força que não
tenho busco em meu pequeno que ainda é apenas um leve arredondado em
minha barriga.
— O papai vai ficar bem, meu querido! — digo para minha barriga. —
Ele tem que ficar.
Eu não posso perder Caleb. Não agora, que nosso pesadelo finalmente
havia terminado. Eu o quero comigo, para que finalmente possamos viver nosso
amor sem empecilhos.
Capítulo XXXI

Victória


Sentada na sala de espera é onde todos nós estamos. Caleb havia dado
entrada no centro cirúrgico há alguns minutos e eu já entrei em pânico.
Castiel também teve que ser levado para retirar a bala alojada em sua
perna, o que felizmente não é nada grave.
— Precisa comer algo, Vic! — Dani chama minha atenção.
— Ok. — cedo não por mim, mas pelo meu filho.
Encontro Luna, Babi e Lucas sentados na cantina do hospital, e ao me
ver Luna se levanta e vem em minha direção. A abraço com força e sinto meus
ombros molharem. Todos estamos com medo de perdê-lo.
— Venha aqui! — chamo Babi, que até então estava retraída mas que
claramente chora.
Sem pensar duas vezes, ela se levanta e me abraça com força. Precisamos
nesse momento buscar forças uns nos outros.
— Como está, mamãe? — Luna pergunta cautelosa e eu apenas sorrio
fraco.
O que eu posso dizer?
Meu mundo parece desabar. Meu pai havia tentado me matar e Caleb
havia arriscado a própria vida pela minha.
O quão ruim isso é de verdade?
Quando penso em responder algo, noto que está faltando alguém.
— Onde está Felipe? — pergunto e Lucas bufa. — Lucas?
— Eles estavam conosco na casa de meus pais, e praticamente tive de
obrigar Felipe a ir pra lá. Só que no momento que contei o que tinha acontecido
com Caleb, ele... — Luna lança um olhar de censura para ele.
— Ele? — insisto.
— Ele saiu pela porta da frente e não voltou até agora!
— O QUE? — pergunto incrédula, e busco respostas em Luna que me
olha triste.
Onde Felipe se meteu?
Saio da cantina imediatamente com a pretensão de encontrar Isaac. Eu sei
que ele está por aqui, pois Paula foi internada no mesmo hospital. Iria pedir a ele
que encontrasse Felipe pra mim.
Ando mais um pouco e paro, quando ouço vozes alteradas vindas da
recepção. Algo me diz que devo ir até lá, e é o que faço.
De longe notei que dois seguranças altos e fortes se encaminhavam para
lá, só que do lado oposto do meu. A recepcionista insultava quem quer que fosse
que pediu informações. Ao chegar mais perto pude ver Felipe, com as costas
encurvadas, penso que em sinal de vergonha enquanto a mulher continua
dizendo coisas horríveis a ele.
— O que está acontecendo aqui? — pergunto abruptamente e todos os
olhares se focam em mim.
Felipe apenas levantou o olhar e noto que ele está se segurando para não
chorar.
— Senhora Soares, esse delinquente está querendo ver seu marido e...
— Um minuto! Delinquente? — perguntei baixo e ela me olhou
espantada — Por que considera esse rapaz um delinquente? — gritei sem me
conter, esquecendo totalmente de onde me encontro.
— Senhora, pelas roupas é fácil de se notar...
Sem prestar mais atenção no que ela diz reparo em como meu menino
está vestido. Ele está com as mesmas roupas velhas, com as quais havíamos o
encontrado. O que me faz pensar no por que dele ter sumido e estar vestido
justamente com essas roupas.
— Chega! — a mulher se cala. — Acho que o seu preconceito lhe deixou
tão cega que não enxergou quem de fato é esse garoto... Ele é meu filho, Felipe
Soares. — seus olhos se arregalam. — E mesmo que não fosse, o mínimo que
ele merece é respeito.
— Eu sinto muito... — ela começa a dizer.
— Não sinta nada! — a corto. — Pode ter certeza que conheço o seu
superior nesse hospital e deixarei que ele resolva com você tal desrespeito! —
minto descaradamente, pois mal sei o nome do hospital.
Puxo Felipe pela mão e o levo até a cantina.
Ele se senta ainda olhando para o chão e eu levanto delicadamente o seu
queixo, forçando-o a me encarar.
— Por que está assim, meu querido? — pergunto cautelosa e ele acaba
deixando algumas lágrimas caírem. — Está bem, meu menino. — limpo seu
rosto.
— Me desculpe por fazê-la passar vergonha, eu...
— Pode parar com isso! — ele se espanta. — Você é como um filho para
mim, assim como para Caleb. — ele apenas continua me encarando. — Por que
não permaneceu com Lucas? Por que não os esperou para vir aqui? — pergunto.
— E-eu. — gagueja. — Pensei que tivesse sido minha culpa. — confessa
e o olho assustada. — Eu já ouvi muitas vezes que todos que se aproximam de
mim morrem, eu não quero que o senhor Caleb...
— Shhhh. — me levanto e o puxo para um abraço. — Caleb vai ficar
bem, nada disso foi sua culpa. Você apenas trouxe mais luz para nossas vidas,
Lipe!
— Me desculpe! — pede, e eu apenas beijo sua testa com carinho.
— Por que se vestiu com sua roupa de antes? — diante de seu silêncio,
paro para pensar um pouco. — Espera aí, você planejava ir embora?
— Eu... Eu acabei indo para a sua casa e encontrei minhas velhas roupas,
daí decidi que viria até aqui saber sobre o estado do senhor Caleb e depois iria
embora. Eu não quero estragar a família de vocês! — confessa chorando e eu
fico ainda mais admirada com a força dele.
Mesmo que não tivesse o mesmo sangue que o nosso, o coração dele se
parece muito com o de Caleb. Os dois são de uma bondade e sinceridade
impressionantes.
— Nunca mais! Nunca mais se atreva a fazer isso! — exclamo e ele se
retrai novamente. — Somos uma família, Lipe.
— Vic! — a voz de Christopher se torna presente e sinto um calafrio
percorrer meu corpo.
— Como ele está? — pergunto me virando para ele.
— A cirurgia para retirada das duas balas foi um sucesso, felizmente uma
foi apenas de raspão. — exclama aliviado e choro de felicidade, por saber que
Caleb está bem.
— E agora? Quando poderemos vê-lo? — pergunto ansiosa.
— Pelo que me disseram, só amanhã. Caleb ficará em observação, mas o
caso dele já é estável. Ele acabou perdendo uma boa quantidade de sangue
mesmo tendo sido socorrido rapidamente, então ainda está fraco.
Desespero volta a tomar conta de mim. Acho que a tensão de meu corpo
é tão aparente, que Chris se aproxima e me abraça ternamente.
— Caleb é forte Vic, logo ficará bem! — diz e eu apenas assinto.
Ele tem que ficar.

***

Sozinha deitada na cama do quarto de Caleb, cheiro seu travesseiro
chorando pelo medo de estar distante e a qualquer momento receber a notícia de
que o perdi.
Eu queria permanecer no hospital, na verdade fiz todo o possível para
poder ficar ao lado dele, nem que isso significasse dormir na sala de espera. Mas
toda a família tinha um trunfo contra mim – meu filho.
Eles acabaram me arrastando para fora do hospital, pois dormir lá está
fora de cogitação, já que temos uma cama confortável em casa e Caleb não
poderá receber visitas tão cedo.
É difícil admitir que perdemos vinte anos separados um do outro, vinte
anos nos ignorando e muitas vezes discutindo... E agora tudo o quero, é uma
chance para vivermos nosso amor.
Como o sono não se faz presente resolvo ir até meu antigo quarto, o lugar
que antes era meu refúgio.
Abro a gaveta do criado mudo e retiro de lá o pacote com as fotos dele e
de outras. Por um lado gargalho por saber que ele armou a maioria delas, por
outro, me sinto horrível por saber que alguma delas possa tê-lo tido.
Pego todas as fotos e vou até o quintal. Com o álcool e fósforo em mãos,
coloco fogo em todo o passado que nunca mais voltaria para nos atormentar.
— Está tudo bem, mamãe? — Luna pergunta, colocando um agasalho em
volta de meu corpo.
— Espero que sim! — digo derrotada e voltamos para dentro.
Ao passar pelo corredor principal dos quartos resolvo dar uma olhada em
cada um, estranho quando não encontro ninguém no de Felipe. Caminhando
mais um pouco até o de Babi, escuto vozes.
— Eu mal o conheço e dói saber que ele está naquele hospital. — ouço a
voz de Lipe.
— Caleb é a melhor pessoa que conheço. — Babi diz. — Tenho medo de
que algo o leve de mim, de nós! — sua voz sai entrecortada e quando já estava
disposta a entrar no quarto, olho primeiramente pela fresta da porta e vejo Felipe
a abraçando com força.
Por mais que os dois sejam pessoas completamente tímidas, já se apoiam
um no outro, mesmo com o pouco tempo de convivência. E tenho certeza que
nada no mundo fará Caleb mais feliz do que ver os filhos se dando bem assim.
Se tinha algo que ele nasceu pra ser, foi pai.
De volta para o quarto de Caleb vou até o seu closet e pego a caixa ali
escondida com as cartas. Suas cartas de amor. Releio algumas e me emociono
novamente com suas palavras. Uma carta em particular me chama atenção e noto
que o envelope nem havia sido lacrado. Ao começar a ler, sinto meu coração
palpitar ainda mais em meu peito, é a carta mais recente dele. Uma que eu nem
havia visto.

Querida Victória,
Essa é a primeira vez que escrevo sem medo ou com pudor nas palavras.
Essa é a primeira vez que escrevo uma carta sendo amado, amado por você.
Sabe o quanto isso me faz sentir o homem mais feliz do mundo?
No momento que você disse que me amava, eu me senti completo. Era
como se uma parte de meu peito que antes era oca, vazia... Fosse preenchida.
Eu me tornei finalmente um homem realizado ao ter o seu amor.
A princípio fiquei aterrorizado, confesso. Como depois de todos os erros
cometidos e todas as humilhações que a fiz passar, você pudesse me amar? Para
mim, era impossível. Mas como sempre, você conseguiu me surpreender. E a
cada dia mais me surpreende!
A inocência que fez-me apaixonar por você quando ainda era um garoto,
continua presente tanto em seu olhar quanto em sua alma. E eu te amo ainda
mais por isso. Pois mesmo sendo o homem vazio no momento errado, você desde
o princípio havia me aceitado, desde nossa pequena Luna.
Hoje foi o dia em que recebi a melhor notícia de minha vida, você
carrega o fruto do nosso amor em seu ventre, nosso Miguel. Pode brigar e dizer
que estou sendo ansioso afirmando que será um menino, mas eu sinto, sei que
será ele. Assim como fui feliz ao ter Luna em meus braços, quando encontrei
Babi... Sou ainda mais completo por ter mais um filho nosso, apenas nosso.
Eu acho que nunca lhe disse que queria ter uma família grande, mas
sempre fora o meu sonho, e antes quando via os anos passando e vendo você se
afastar ainda mais, pensei que nunca realizaria tal sonho. Mas o destino vem e
me prova o contrário, além dos meus três tesouros, hoje a vida nos proporcionou
mais um - Felipe.
Esse garoto apareceu para nós de uma forma inusitada, mas assim que o
olhei soube que era nosso. Mais um dos nossos filhos. Não tenho mais o que
reclamar, tenho tudo o que sempre sonhei nesse momento. E se lhe escrevo
agora é para reafirmar o quanto ainda te amo e sempre irei amá-la.
Os problemas que estão surgindo entre nós, não irão mudar nenhum
décimo do sentimento que tenho por ti e espero que nada mude em relação aos
seus sentimentos por mim. Quero que saiba que nada no mundo irá atrapalhar e
muito menos lhe machucar, isso é uma promessa Vic. Sempre estarei aqui, para
lhe mostrar que não sou mais o moleque de antes, que esconde os sentimentos
por medo...
Hoje sou homem para lhe dizer que irei proteger a você e nossa família
até a eternidade. E a cada estação que passarmos juntos, farei com que nunca
possa duvidar que fez o certo por me escolher, pois serei daqui pra frente o
homem que você merece.
O homem que você ama.
Sempre foi você, Vic
e será até a eternidade!
Para sempre seu, C”
As palavras de Caleb servem tanto para amenizar quanto para aumentar
ainda mais minha dor. Como eu queria poder ter lido isso ao seu lado.
E naquele momento, mesmo que nunca tenha sido tão boa quanto ele
com papel e caneta, resolvo transformar o que sinto em palavras. Para que ele
também tenha a certeza em tinta, de que sempre serei apenas dele.
Capítulo XXXII

Victória


As sete horas todos já estávamos de pé e fomos ao hospital. Rodrigo e
Leandra já estavam lá e me abraçam ternamente, acho que tentando me
tranquilizar enquanto aguardamos alguma notícia.
Noto de canto de olho Babi olhar preocupada para Christopher que tem a
aparência horrível. Pelo que Leandra havia dito, ele foi teimoso o suficiente para
dormir nas cadeiras da sala de espera.
— Vic! — Dani me chama e eu a abraço com carinho. — Ele ficará bem,
tenho certeza disso.
— Obrigada! Como Castiel está? — pergunto curiosa, pois minha
preocupação com Caleb era tamanha que até me esqueci de perguntar como
Castiel estava após a retirada do projétil.
— Parece uma menina chorona. — revira os olhos e eu sorrio. — Que
foi? É sério, ele está dizendo que não vai comer se eu não vier visitá-lo.
Todos gargalham e ela fica ainda mais brava. Qualquer um nessa sala de
espera sabe que no fundo, Dani está preocupada com ele, mesmo que ela insista
em negar isso.
— Família de Caleb Soares! — um médico anuncia ao se aproximar e me
levanto rapidamente.
— Bom, felizmente a cirurgia dele foi um sucesso e a recuperação está
dentro de todos os conformes. Daqui a pouco poderemos liberar a entrada de um
dos familiares. — sorrio abertamente. — Ele ainda está sonolento, mas logo irá
despertar.
Deixo as lágrimas caírem pela felicidade que me inunda. Todos sorrimos
um para o outro, não há como não ficar bem depois de ouvir isso.
Caleb está bem!

***

Os minutos seguintes são torturantes, aguardo ansiosamente para que a
entrada no quarto seja liberada. Já estou a ponto de invadir o local.
— Ei! — me viro e encontro Isaac. — Vic, preciso falar com você! —
pede e eu o sigo.
Ele me leva até um corredor um pouco afastado de todos. Noto que
parece abatido e muito cansado.
— Sei que é um momento difícil, mas é que não sei mais o que fazer, ou
a quem recorrer. — confessa derrotado.
— Estamos todos bem agora Isaac, fique tranquilo quanto a isso! —
declaro feliz.
— Nem todos. — diz e lágrimas tomam conta de seus olhos.
Eu o conheço há anos e nunca tinha o visto chorar antes. E só então,
lembro-me de Paula – minha irmã.
— Como ela está? — pergunto preocupada e ele solta o ar nervoso.
— É um caso complicado! Ela havia se recuperado bem por um dia, mas
pouco tempo depois uma das enfermeiras... Droga, Vic! Eu sou um homem
treinado e deixei isso passar.
— O que?
— Quando fui até vocês, acabei deixando um segurança de plantão no
quarto de Paula. — passa as mãos pelos cabelos. — Ele deixou uma das
enfermeiras entrar, o que é normal. Porém, essa enfermeira tentou sufocar Paula.
Ele só notou algo estranho, quando uma outra enfermeira disse que precisava vê-
la. Ela quase... Quase perdeu nosso bebê.
Mesmo depois de meu pai morrer, ele continua me aterrorizando.
— E agora? Como ela e o bebê estão?
— Ela está mais fraca ainda, a gestação que já era preocupante se tornou
de risco. Eu só não sei o que fazer. — diz exasperado. — Paula mal fala comigo
e eu fico ainda mais sem chão.
— O quer que eu faça? — pergunto sem entender.
— Quero apenas que pense em... Bom, falar com ela, pelo menos para
que ela lute pela própria vida e do bebê. — pede. — Ela dorme quase todo o
tempo, pois o corpo precisa descansar. Nos momento desperta, tudo o que ela
tem desejado é morrer... Morrer, pois segundo ela destruiu a vida de todos e não
merece a que tem.
— Meu Deus! — exclamo incrédula e ele limpa algumas lágrimas com o
dorso da mão.
— Só pense nessa possibilidade...
— Eu vou vê-la. — ele não consegue disfarçar um pequeno sorriso.
Voltamos para sala de espera e quando vou me sentar, finalmente uma
enfermeira anuncia que Caleb poderia receber visitas. Olho primeiramente ao
redor e vejo se alguém se prontifica a ir primeiro, mas os olhares que recebo são
de encorajamento.
Sigo pelo corredor do hospital respirando fundo e quando finalmente
entro no quarto, meu coração para por um segundo. Caleb parece tão frágil nesse
momento.
— Bonitão. — o chamo baixinho e passo as mãos de leve por seu rosto.
— Eu tive tanto medo. — assumo e deixo as lágrimas descerem mais uma vez.
— Eu também. — a voz do homem que amo sai baixa e um pouco falha.
Os olhos azuis me encaram com seu brilho.
O brilho de Caleb.
— Eu te amo tanto, amor. — confesso e ele sorri.
— Eu também te amo. — diz antes do sono tomar conta de seu corpo, e
eu apenas continuo a acariciar seus cabelos.
Fico por mais alguns minutinhos apenas velando seu sono. Ele não irá
acordar tão cedo pelo que uma enfermeira havia me dito quando voltou aqui. O
momento que ele conversou comigo foi um dos poucos acordado.
Dou lhe um leve selinho e saio do quarto para que os outros possam vir
vê-lo. Caleb está bem, e meu coração se sente finalmente tranquilo e aliviado.
Mas andando pelo corredor que dava de volta para sala de espera, resolvo parar.
Eu preciso vê-la, preciso convencê-la que mesmo após tudo que viveu ela
tinha que lutar pela própria vida.
Eu vou cuidar da minha irmã.
Capítulo XXXIII

Victória


Adentro o quarto cautelosa e Isaac vem em meu encalço. Logo vejo
Paula dormindo serenamente na cama, que sequer deve saber que vim.
— Ela dorme a maior parte do tempo. — ele explica. — Mas geralmente
nesse horário, ela acorda.
— Ok, vou esperar aqui. — sento-me na poltrona.
— Qualquer coisa, estarei lá fora. — diz. — Obrigado, Vic!
Sorrio para ele, que então sai do quarto.
Limpo o suor frio de minhas mãos nas calças e respiro fundo. Calma,
Victória!
— Oi. — ouço sua voz fraca.
Ela abre seus olhos e finalmente noto que são do mesmo que tom que os
meus.
— Oi. — digo envergonhada. — Desculpe vir sem avisar.
— Isaac? — pergunta.
— Está lá fora e...
— Não. — ela tenta se sentar, porém não consegue. — Ele que te pediu
pra vir aqui?
— É... Sim. — digo sem jeito. — Mas de qualquer forma, eu queria falar
com você. — ela assente.
Fico encarando-a por alguns instantes e lembro-me de quando a peguei
pelos cabelos no hotel. Um calafrio percorre meu corpo, ao imaginar Caleb e
ela...
— Eu o droguei. — diz de repente. — Ele estava tão bêbado que mal
deve se lembrar, mas nem nos beijamos.
— Do que está falando?
— Eu não transei com seu marido. — confessa e eu arregalo os olhos.
— Não precisa mentir sobre isso. — toco de leve sua mão. — Não tem
problema...
— Estou dizendo a verdade. — sussurra. — Sei que é difícil acreditar em
mim, mas não tenho porque mentir sobre isso.
— Ok. — suspiro fundo e busco algum resquício de mentira em seus
olhos. — Acredito em você.
— Sério? — pergunta surpresa.
— Por que o espanto?
— Isaac sequer me deixa falar sobre Caleb. — uma lágrima escorre pelo
seu rosto. — Eu não o quero mais aqui.
— Como?
— Quando o conheci no parque, não sabia quem ele era. — começa a
contar. — Ele esbarrou em mim e simplesmente começamos a conversar... Ele
era tão doce, gentil, carinhoso...
— O que houve? — pergunto.
— Uma semana depois, marcamos nosso primeiro encontro e... Ele não
apareceu.
O que?
— Como se reencontraram?
— Julianne. — ela abaixa a cabeça. — Ela percebeu que eu estava
diferente e logo apareceu em casa com várias fotos de Isaac a tira colo. Ela me
parabenizou por me relacionar com alguém tão próximo aos Soares e... Me fez ir
atrás dele.
— Como assim? — pergunto já perdida.
— Todos os dias eu ligava para ele, mandava mensagens... No caso, ela
fazia isso. — respira fundo. — Quando ela mandou uma certa mensagem pra ele,
finalmente ele respondeu.
— O que ela escreveu?
— Ela sugeriu a ele sexo sem compromisso. — Paula começa a chorar.
— Isaac mandou no mesmo instante o endereço e o horário para nos
encontrarmos.
— Meu Deus! — digo horrorizada.
— Tudo para ele sempre foi baseado em sexo. — limpo com cuidado
suas lágrimas.
— Mas tudo mudou agora, ele...
— Ele está aqui porque se importa com o bebê. — diz tristemente. —
Nada tem a ver comigo.
— Não fique assim. — passo as mãos por seus cabelos. — Isaac pode
apenas estar confuso.
— Eu o ouvi confessando a alguém pelo telefone que... Que sabia o
tempo todo quem eu sou. Claro, eu já desconfiava disso antes, mas ouvi-lo
confirmar que se envolveu comigo para conseguir saber mais sobre Julianne...
— Isso foi o que te quebrou, não é?
— Nem meu corpo é o suficiente pra ele. — ela se deita novamente.
— Você o ama, não é? — ela assente.
— Posso te pedir algo? — assinto. — Não o quero mais em meu quarto.
— Paula...
— Apenas você e Chris, por favor. — pede e fecha os olhos com força.
— Não consigo olhar pra ele, faz me lembrar de tudo e...
— E tudo te lembra Julianne e Paulo. — complemento e ela abre os
olhos. — Me sinto da mesma forma.
— Eles são mesmo meus p-pais? — pergunta gaguejando.
— Eles são monstros. — digo e seguro as lágrimas. — Que nunca mais
irão atrapalhar nossa vida.
— Eu nunca considerarei Julianne como mãe. — confessa. — Por mais
que não tenha o sangue de Lívia, ela sempre será minha mãe.
— Não duvido disso. — sorrio pra ela. — Família vem do coração, não
do sangue.
Ficamos nos encarando por alguns segundos e Paula abre a boca diversas
vezes, porém não diz nada.
— E-eu sou parte da sua família? — pergunta de repente.
— Claro. — respondo de imediato. — Você e seu pequenino. — indico
sua barriga. — Posso? — ela assente e então passo a mão de leve por sua
barriga.
— Eu pensei em alguns momentos que não merecia a vida e até disse
isso a Isaac. — diz e noto lágrimas em seus olhos. Ela parece emocionada. —
Mas quando ouvi o coraçãozinho do meu bebê... Comecei a me odiar
profundamente por isso.
— Fico feliz em ouvir isso. — revelo. — Isaac está preocupado.
— Eu sei.
— Tem certeza de que não o quer mais por perto? — pergunto.
— Quero apenas ter uma família. — diz baixinho. — Não sei se ele pode
me proporcionar isso.
— Você já tem uma, Paula. — levanto-me da poltrona. — Estou bem
aqui.
— Me desculpe por tudo. — ela chora e leva as mãos ao rosto.
— Ei. — toco de leve em seu braço. — Não há porque dizer isso.
E antes que ela pudesse pensar em responder, abraço pela primeira vez
minha irmã. E agora mais do que nunca, a protegeria. Pois somos uma família.
Capítulo XXXIV

Caleb

Dias depois

— Estão todos bem? — pergunto novamente e Christopher bufa pela
minha insistência.
— Caleb! — adverte.
— Ok! Eu só estou preocupado. — cedo. — Sinto que Victória está me
escondendo algo. — exclamo frustrado.
Já não aguento mais a mesma cama de hospital, esse quarto cinza e
apenas as visitas da minha família. Eu quero ir logo para casa, estar com eles e
principalmente, poder conferir pessoalmente se as coisas estão mesmo bem.
— E Julianne? Como anda o processo? — pergunto.
— Bom, Herrera está em seu lugar. — dá de ombros. — Com a ajuda de
Joaquim e nosso pai, já sabe.
Herrera é meu braço direito na Advocacia, tenha certeza de que ele está
tomando conta de tudo. O que garante a prisão de Julianne.
— Ela deu algum outro depoimento? — pergunto.
A porta do quarto e Castiel entra sorrindo.
— Então, pela milésima vez você está enchendo o saco do pirralho? —
ele zomba.
Chris gargalha e tenho vontade de esganá-lo, pena não poder fazer isso
pois meu abdômen não permite. Duas balas estiveram ali, sei que demorará um
pouco para poder fazer isso. Isso é uma droga!
— Sabe que só não chuto sua perna porque não tenho como agora! — ele
sorri ainda mais. — Espere só eu sair daqui! — o ameaço e ele me olha
zombeteiro, levantando uma das muletas em minha direção.
Ele havia retirado a bala da perna há um tempo, mas ainda tinha que usá-
las. E pior que não parece nem um pouco triste com isso.
— Ainda chantageando Dani com a perna? — Chris pergunta e Castiel
bufa.
— Ela ainda vai acabar comigo. — se senta na beira da minha cama. —
Acredita que ela disse que se eu chantageá-la mais uma vez, eu não serei o
primeiro a saber o sexo do bebê? — pergunta se fingindo de indignado e Chris
gargalha alto.
— Você não tem vergonha nessa cara Castiel! — digo e ele apenas sorri.
— No fundo sei que ela me ama. — afirma nada convicto.
— Todos nós sabemos disso. — digo e ele sorri convencido.
Passamos uns bons minutos conversando sobre várias coisas. Por um
momento éramos os mesmos de antes, como se ainda fôssemos crianças. E o
bom de tudo isso, é a certeza de que nada havia abalado o companheirismo que
sempre tivemos um para com o outro.
— Chris, preciso perguntar uma coisa. — digo e ele assente. — Tem
alguma possibilidade do filho de Paula ser seu?
Havia um tempo que pensei em perguntar isso, porém ainda não estava
muito bem. Mas de hoje, não passaria.
O clima antes descontraído se torna tenso e pesado. Ao mesmo tempo
que Chris abre a boca para responder a porta do quarto se abre novamente.
Agora, ferrou!
Eu soube através de Castiel que as coisas entre Chris e Isaac não
andavam bem. Isaac está enlouquecendo pelo fato de Paula apenas aceitar visitas
de Vic e Christopher. Ela realmente não o quer por perto, e o por que nenhum de
nós faz ideia. Na verdade, Vic e Chris com certeza sabem, mas não irão nos
contar.
Assim Isaac evita a todo custo esbarrar com Christopher. O
relacionamento entre meu irmão e Paula ainda não é algo totalmente esclarecido.
— Volto depois. — Isaac diz e já se vira pra sair.
— Pare de agir como um idiota Isaac, sente a bunda aí e escute o que
Chris tem para dizer. — Castiel diz e mesmo contrariado Isaac acaba cedendo.
— Pois bem...
—O filho que Paula espera não tem chances de ser meu! — Chris diz e
todos olhamos para ele assustados. — Nós sempre fomos apenas amigos, na
verdade, melhores amigos.
— O QUE? — Isaac se exalta.
— Isso mesmo! Eu sei agora que o modo como conheci Paula não foi
coincidência. Mesmo assim o nosso combinado de fingir namoro, surgiu quando
ouvi meu pai dizer que não entregaria a empresa a mim, caso não sossegasse. —
confessa. — Eu sempre tive outras mulheres, Paula e eu nunca transamos.
— Puta merda! — Castiel exclama sem se conter e eu continuo pasmo.
— Mas o que ela ganharia com isso? — pergunto e ele dá de ombros.
— Como já disse, conheci Paula em uma certa ocasião, não vou entrar
em detalhes, pois é algo pessoal...
— Pode me contar que merda de situação foi essa! — Isaac grita, já indo
em direção a Chris. Porém, Castiel lhe acerta uma das muletas de leve.
— Pare de ser um bebê chorão! — Castiel diz e ele fica ainda mais irado.
— Já disse que é um assunto nosso, se ela quiser lhe contar Isaac, ela irá!
— Chris diz nervoso. — Eu soube só agora que ela é filha de Julianne. Não fazia
ideia antes que por trás disso ela tinha uma vingança em mente. Pouco fazia
ideia de que ela seduziu Caleb e...
— Cale a boca. — Isaac explode. — Não tem que falar sobre isso.
A porta se abre e Vic entra com um semblante nada bom.
— Esqueceram que estão em um hospital? — pergunta nervosa. — E
você, Isaac, está precisando de um sedativo? — rosna para ele.
Chris e eu seguramos para não rir da cena. Ver Victória de praticamente
1,60 de altura enfrentando um brutamontes feito Isaac...
— É, mais um capítulo da nossa novela mexicana favorita. Que tal
chamá-la de OS SOARES E AGREGADOS? — Castiel instiga e gargalha.
— Por Deus Castiel, dá pra calar a boca! — Chris o xinga e
acompanhamos Cas na risada.
— Devia parar de pirar e cuidar dela. — Victória diz.
— Estou tentando. — Isaac diz baixinho. — Ela é quem me evita.
— Por que será, em? — sem dizer mais nada, Isaac sai do quarto. —
Idiota! — resmunga.
— Hormônios, querida cunhada? — Castiel a provoca.
— Se eu não bater em você até o fim da gestação, se considere muito
abençoado. — o ameaça e finalmente me olha. — Oi, amor.
— A cavalaria chegou. — Castiel diz e se levanta. — Anda logo, Chris.
— Pare de ser imbecil. — Chris resmunga e logo os dois saem do quarto.
Finalmente a analiso e noto que o arredondado em seu ventre, já é
aparente. Nosso filho.
— Nunca vão crescer? — ela pergunta e eu nego. — Momento ruim?
— Sempre nos melhores momentos, minha rainha. — respondo e ela me
dá um leve selinho.
Sem conseguir me conter, seguro seu pescoço e a beijo com vontade.
— Saudade? — brinca, olhando para o volume em minhas calças.
— Não seja má, senhora Soares. — ela sorri e senta-se ao meu lado na
cama.
— A relação entre Paula e Isaac está cada vez pior. — confessa. — Ele a
magoou demais.
— Quer falar sobre isso? — pergunto e ela nega.
— Preciso apenas te revelar algo, porque ela mesmo me pediu para
contar.
— O que é? — pergunto sem entender.
— O que lembra da noite que passou com ela? — pergunta e eu fico
tenso.
— Vic, por que...
— Apenas responda. — insiste.
— Bom, eu havia bebido muito e estava em uma festa. — ela me olha
atentamente. — Só lembro de entrar em um quarto com ela e bom, acordei na
cama com ela no outro dia.
— Sempre foi assim? — Vic pergunta.
— Como?
— Quando saía com as outras mulheres, geralmente não se lembra de
nada?
— Na maioria, minha ressaca é tão forte que tenho certeza que nem se
voltasse no tempo conseguiria saber o que houve. — confesso envergonhado. —
Sempre foi a bebida que me deu coragem e me ajudava a esquecer tudo depois.
— Vocês não transaram. — diz e eu fico pasmo.
— Como assim? — pergunto incrédulo.
— Ela me contou que você estava bêbado demais e por isso foi fácil
drogá-lo. — confessa. — Ela fez com que parecesse que tiveram algo, mas não
aconteceu.
— Eu...
— Não conte isso a ninguém mais, principalmente Isaac. Ela me fez
prometer que ninguém saberia.
— Por que? Assim, Isaac não ficaria tão...
— Ela quer apenas distância dele e não quer dar satisfações de sua vida.
Além de que ele nunca a deixou terminar algum assunto referente a você.
— Pensei que ela estava apenas o ignorando.
— Agora sim. — diz. — Antes ela até tentou conversar, mas Isaac é
outra pessoa quando está com ela. E digo isso, de uma maneira ruim.
— Talvez ele só esteja aprendendo a lidar com o que sente. — tento
tranquilizá-la.
— Mas não é um assunto para nos preocuparmos, não agora, pelo menos.
— Se diz.
— Ei, prefere mesmo falar da vida dos outros, do que de nós dois? —
pergunta indignada.
— Prefiro outra coisa, porém não estou apto para isso. — provoco e Vic
suspira fundo.
— Você tem o meu coração, Caleb. — diz baixinho e fico surpreso.
Victória se declara em momentos aleatórios, e havia notado que isso é
algo comum dela. Se ela quer falar, ela fala. Mesmo assim, sempre me
surpreende com suas palavras.
— E o meu, sempre te pertenceu. — levo as mãos até sua barriga e ela
me beija.
Tudo está em seu devido lugar agora.

***

Horas depois, após o horário de visitas, fiquei mais uma vez sozinho
nesse quarto. O médico havia afirmado que logo poderei sair daqui, mas sem
deixar claro de quão “logo” estamos falando.
Eu pedi para que alguém pegasse as provas e documentos do caso de
Julianne e me trouxesse, mas todos se negaram a fazer isso. Então, serão mais
horas de tédio nesse hospital.
Apenas repasso comigo mesmo o que farei assim que tiver alta. Além de
cuidar de minha família e finalmente ter uma história de amor com minha
mulher, eu tenho duas opções em relação a Julianne.
Primeira, eu posso considerar o fato de que ela é mãe de Victória e não
ferrar de vez com sua vida; E segunda, posso usar todas minhas armas contra ela
e a trancafiar em uma prisão de segurança máxima com a maior pena prevista na
lei brasileira.
E dentre as opções que tenho, a única que me parece plausível é a
segunda. E assim que receber alta, vou lutar para que nenhum pesadelo do
passado atormente novamente a minha família.

Capítulo XXXV

Victória


Acaricio os cabelos loiros que estão espalhados pelo travesseiro e sinto
meu coração se apertar. Paula é tão jovem, e já teve de enfrentar tanta coisa.
Ela ainda está insegura do que fazer da própria vida, mas eu darei todo o
suporte possível para ela. Nunca imaginei como seria ter um irmão, muito menos
uma irmã... Mas Paula havia se tornado parte de meu mundo em pouco tempo.
A porta se abre e Isaac entra. Eu havia mandado uma mensagem para ele
há alguns minutos, avisando que ela adormeceu. Só assim para que ele pudesse
vê-la. Ela não o queria por perto, pois pensa que ele está se sentindo culpado.
Se ela soubesse.
No fundo eu tinha certeza que ela se sentiu usada por ele, mesmo ela não
admitindo em voz alta. Ela também acha que ele apenas quer estar perto por
conta do bebê... E depois de tantas mentiras, eu entendo perfeitamente sua
insegurança.
— Oi. — ele me cumprimenta. — Falei com o médico dela, ele disse que
daqui uns quatro dias no máximo ela terá alta.
— Fiquei sabendo disso também. — sorrio.
— Paula disse algo a respeito? Sobre para onde ela irá ou... — começa a
dizer meio desconfortável, enquanto alisa de leve o rosto dela.
Há sentimentos ali, eu não posso estar vendo coisas.
— Ela apenas se calou. — reviro os olhos. — Eu a convidei para ficar
em minha casa e...
— De modo algum. — ele fica tenso no mesmo instante.
— Deveria deixar de ser idiota e ouvir o que ela tem a dizer sobre Caleb.
— o olho com raiva
— Não preciso saber disso. — me corta.
— Mas deveria. — desvio meu olhar para Paula. — Irá se arrepender,
Isaac.
— Falarei com ela depois. — me ignora e beija a testa dela. — Obrigado
por me avisar. — apenas assinto.
Fico mais alguns minutos apenas velando o sono dela.
— Volto mais tarde. — sussurro, e ela dorme serenamente.
É um dia feliz, pois Caleb finalmente havia recebido alta e irá pra casa. E
mal sabe ele da surpresa que o aguarda.
Na realidade, são duas surpresas, e espero que ele as ame.
Entro em seu quarto e vejo Castiel acertando a muleta de leve na perna
de Caleb, que está sentado na cadeira de rodas.
Até seu abdômen não correr mais nenhum risco de ter algum estiramento
ou até mesmo a dor que ele sentia voltar, ele terá que se locomover desse modo.
A cirurgia que ele passou foi feita em um local que podia ter determinado sua
morte naquele dia.
Só a lembrança desse pequeno recado médico me faz sentir um aperto no
peito, mas eu não posso reclamar, Caleb está aqui.
— Quantos anos vocês dois tem? — pergunto, e Caleb acerta a perna boa
de Castiel com um leve soco.
— Foi ele que começou. — Caleb diz. — Babaca!
— Parecem duas crianças! — digo e Castiel fecha a expressão.
— Nem venha me chamar disso, já tenho que aguentar Danielle me
xingar todos os dias de crianção e bebezão! — reclama.
— O que queria? — sorrio da careta que ele faz. — Você praticamente
faz birra para que ela vá vê-lo, sendo que sua perna já está boa.
— Ela ainda vai acabar comigo. — reviro os olhos. — Depois não
adianta chorar de saudade.
— Deixa de ser convencido. — digo e vou até Caleb, beijo seus lábios de
leve. — Oi.
— Oi, minha rainha. — ele sorri lindamente. — Ah, Dani comentou com
você sobre os planos de Castiel? — pergunta e eu nego. — Ele pretende levá-la
para morar com ele em Londres.
— O que? Por que? — praticamente grito.
— Eu tenho uma vida lá Vic, tenho meu emprego, minha casa... Quero
que Dani faça parte da minha vida. — Castiel diz.
— Detalhe que ele a ameaçou. — Caleb complementa. — Ou ela se
muda com ele, ou ele tira o bebê dela depois que ele nascer.
— Mas isso é impossível! — digo irritada. — Você mataria ele. — Caleb
assente.
— Eu sei disso. — Castiel diz derrotado. — Mas eu não tinha mais o que
inventar na hora... Ela nunca vai me perdoar pelo o que houve com Annie, mas
eu não vou deixar com que saia da minha vida... Muito menos com outra vida
em jogo.
Surpreendo-me com sua resposta e noto que Caleb parece orgulhoso do
irmão. Castiel não quer isso apenas para ficar com Dani, vai, além disso, ele quer
cuidar do filho deles. Ser o pai que ele nunca foi.
— Eu vou conversar com ela sobre isso, ver o que ela pensa sobre. —
digo. — Mas se ela aceitar... Podem dar um jeito de no mínimo uma vez por mês
nós nos encontrarmos. — exijo e os dois assentem.
Um médico adentra o quarto e todos o olhamos ansiosos.
— Está liberado, senhor Soares. — diz e Caleb ergue as mãos aos céus,
acho que agradecendo.
Hora de ir pra casa.

***

No carro Castiel e Caleb brigam pela música que querem escutar. Os
ignoro, pois sei que não adianta me intrometer.
— Vic, acho que você errou a direção. — Caleb diz e Castiel me olha
cúmplice.
— Surpresa, bonitão. — digo e Caleb me olha sem entender.
— Vocês dois me dão diabetes! — Castiel exclama, fingindo uma ânsia.
— Nós ou a sua feiticeira? — Caleb retruca.
Caleb finalmente consegue deixar o irmão sem fala e gargalhamos.
Uma das surpresas de Caleb, é que eu havia resolvido mudar de ares, sair
daquela mansão extravagante, que até agora não entedia os porquês de ter
ganhado.
Ainda não entendia os porquês de várias coisas. Mas não iria procurar
mais sobre o passado, sobre os planos de Julianne e muito menos de Paulo... Eu
quero paz. A casa a qual escolhi para nos mudarmos é grande o suficiente para
abrigar toda a nossa família, e para mim isso já basta.
Assim que estaciono o carro, noto a expressão relaxada e feliz no rosto
de Caleb. Isso me deixa ainda mais animada, ele claramente gostou da mudança.
— E então? — pergunto, empurrando sua cadeira em direção a nossa
nova casa.
Ele me olha sorrindo.
— Sempre odiei aquela mansão. — confessa e eu gargalho. — É sério
Vic, se eu fiquei naquele lugar foi por pensar ser importante para você.
— Eu sempre odiei também. — ele sorri.
Antes achava que a nossa antiga mansão era algo que meu pai havia me
deixado como lembrança, algo que eu sempre poderia me lembrar dele... Mas
agora eu só quero superar os pesadelos que tenho a noite com a lembrança de
suas palavras e atos cruéis. E felizmente, eu tenho minha família para me ajudar
nesse desafio.
Castiel mesmo com um pouco de dificuldade abre a porta da casa e
balões azuis voam em direção a Caleb. Uma faixa escrita em letras grandes
confirma o que ele sempre suspeitou, nosso bebê é mesmo um menino.
— BEM VINDO PAPAI DO MIGUEL? — pergunta lendo a frase ali
escrita e eu sorrio.
Levo suas mãos para o meu ventre e digo: — Você só pode ser vidente,
senhor Soares!
Todos estavam ali para dar as boas-vindas a ele.
Felipe mesmo ainda sem jeito estendeu a mão para Caleb que o puxou
para um abraço de imediato.
Mal via hora de ouvir ele nos chamar de pai e mãe. É um dos meus
grandes sonhos. Olho para o canto da casa e vejo Isaac encostado em uma das
colunas. Mesmo com as desavenças, pelo menos ele se portou como amigo que
sempre foi, e está aqui.
Após comermos e conversarmos sobre tudo, convenci Luna e Lucas de
ficarem em nossa nova casa, pelo menos por hoje. Queria ao menos uma vez, ter
minha família completa.
Castiel foi o primeiro a aceitar a proposta e me dói ver a situação em que
ele se encontra. Ele está aproveitando de qualquer mísero momento que possa
estar perto de Dani.
Viver de partes e pedaços de alguém nunca será saudável. Ainda mais
Danielle que não sabe ao certo se o repele ou o puxa pra perto. Espero que Dani
dê logo o devido valor á ele, antes que seja tarde demais.

***

— Acho que você está um pouco faminta! — Caleb zomba, assim que
entro no nosso quarto com um pote de sorvete.
Se tem uma coisa que Miguel vai amar é sorvete de chocolate.
Eu estou completamente viciada nisso!
— Bonitão, isso tudo é culpa sua! — sento-me ao seu lado na cama.
— Minha? — se faz de desentendido.
— Você que me engravidou. — provoco.
— Não reclamou em nenhum momento enquanto eu fazia isso. — ele
sorri do jeito que me deixa acesa.
Droga!
Esse homem já me deixa louca, e com os hormônios da gravidez minha
vontade é de pular em cima dele a todo momento.
— Não estou reclamando. — digo. — Acho que tenho outra função para
o sorvete, senhor Soares.
— Vic! — adverte quando começo a tirar suas calças.
— Desejo de grávida não pode ser negado. — beijo de leve seus lábios.
Ele sorri respirando com dificuldade.
— Eu jamais vou me opor a isso. — sorri. — Sou todo seu.

***

Acordo com o peso de um braço em cima do meu corpo e sinto a calma
me invadir. Me viro e encontro o homem que amo deitado junto a mim,
finalmente, na nossa cama.
Nosso lar, nosso amor, nossa vida...
Passo de leve as mãos pelo seu rosto e a barba rala me causa arrepios,
mas não é isso que chama minha atenção. Há algo brilhando em minha mão
esquerda, pra ser mais exata, em meu dedo anelar esquerdo.
— Finalmente? — pergunta sorrindo. Fingido!
Olho com mais cuidado o anel ali colocado, e só assim percebo que não é
um anel... É uma linda aliança com um diamante negro no meio.
— Caleb... — ele me interrompe com um beijo.
— Eu comprei faz um tempo... Pra ser sincero depois que fizemos amor
pela primeira vez. — confessa envergonhado.
— Não precisava disso e...
— Minha rainha, quero fazer as coisas certas dessa vez. — diz pegando
minha mão e dando um leve beijo na aliança. — Sempre assisti você de longe,
sabe disso. — assinto. — Sei o quanto ama o filme e a série chamada Sex and
City.
— Você só pode estar brincando comigo! — exclamo emocionada e ele
sorri.
— Eu nunca entendi ao certo o porquê de você assistir aqueles filmes
tantas vezes. Então um dia resolvi assistir. — dá de ombros. — A cena final
compensou o filme completamente doido. — sorrio para ele. — E como deve já
saber, você é diferente de todas as outras mulheres pra mim, Vic. Sempre foi.
— Caleb!
— Ei, fica quietinha! — me olha autoritário. — Estou tentando te pedir
em casamento, mesmo sem poder me ajoelhar. — indaga nervoso e eu choro
ainda mais.
— Além do significado do diamante negro, eu achei algo em comum
com o personagem principal...
— As cartas! — complemento e ele assente.
— Uma citação que não me esqueci foi a de Beethoven, ela sim me
resume por inteiro.
Sinto meu coração ir parar na boca. Me sinto dentro de um filme. Ele não
vai recitar uma das minhas citações favoritas... Ou vai?
— "Eu só consigo pensar em você, minha amada imortal. Só posso viver
plenamente com você ou não posso viver. Fique calma minha vida, meu tudo.
Somente com a calma da consideração da nossa existência, alcançaremos nosso
propósito de vivermos juntos. Oh! continue me amando - E nunca julgue mal o
tão leal coração do seu amado.
A qualquer tempo
Sempre minha
Sempre...
— Nosso. — complemento junto a ele, que tem lágrimas nos olhos.
— O que mais sonhei durante todos esses anos foi poder dizer essas
palavras á você acordada... Muitas vezes entrei no seu quarto e lhe disse cada
uma delas. — confessa.
— E-eu... — fico sem palavras.
— Victória Fontana, você aceita ser...
— Sim, claro que sim! — grito antes mesmo dele terminar de pedir, e
jogo-me em seu peito.
— Ai! — solta um gemido de dor.
— Me desculpe, amor. — passo as mãos pelos seu cabelos. — Mas isso
também foi sua culpa. — ele me olha sem entender. — É sua culpa eu te amar
tanto assim, o que até me fez esquecer que está ferido.
— Não ligo para dor, minha rainha. — toca de leve meu rosto. — Agora
que tenho você, tenho tudo.
Eu sempre fui uma romântica incurável. Amo filmes, séries e livros de
romance. Mas nunca imaginei um dia viver um amor tão verdadeiro e forte,
como o que sinto por Caleb.
Nós não nascemos perfeitos um para o outro, mas nos moldamos a
própria maneira, e hoje nos completamos nas imperfeições.
Capítulo XXXVI

Caleb

Meses depois

O nó da gravata que sempre foi algo fácil de ser feito, parece nesse
momento a coisa mais complicada do mundo. Culpa de todos os outros nós que
me cercam, principalmente o de minha garganta e peito. Eu arrumava minha
gravata desde os meus quinze anos, todos elas ficavam impecáveis e agora nada
que faço parece funcionar.
Meu nervosismo deve ser visível e o espelho reflete meus cabelos já
bagunçados devido as várias vezes que passei minhas mãos neles, meu terno já
está um pouco desajeitado... Estou totalmente perdido, logo hoje, no dia de
renovar meus votos com Victória.
— Acho melhor eu fazer isso pra você, meu filho. — meu pai que até
então, apenas assistia minha cena patética em luta com a gravata, vem a meu
socorro.
Castiel e Christopher gargalham da situação e minha vontade é de matá-
los. Os outros padrinhos também estão aqui, Isaac apoiado em um dos cantos do
quarto, meu primo Pedro um pouco mais distante no celular, e meus amigos da
faculdade, Levi, Daniel e Gustavo riam de alguma piada interna e se não fossem
todos casados, iria alertá-los de que não era fácil estar ali.
Todos já amarrados.
— Parece um pouco nervoso irmão. — Christopher zomba, assim que
meu pai finaliza o nó em minha gravata.
— Parece que um dia vou rir da sua cara quando estiver nessa situação!
— retruco e ele faz o sinal da cruz.
— Não me rogue pragas. — diz sorrindo.
— Melhor acalmar os ânimos, Caleb. — meu pai adverte. — Victória
está maravilhosa do outro lado do corredor, ela não irá fugir!
Essa informação invés de me acalmar, deixa-me ainda mais apreensivo.
Se ela está tão maravilhosa quanto meu pai afirma... Será que vale a pena ela ter
aceitado se casar comigo? Ela podia muito bem encontrar outro cara e...
Merda de insegurança!
Talvez fossem os problemas e a turbulência que mais uma vez invadiu
nossas vidas e acabou deixando Victória devastada.
A cerca de um mês, finalmente ocorreu o julgamento de Julianne e por
mais que no fim consegui condená-la a passar um longo tempo na cadeia, o que
significa que ela de fato morrerá trancada... Tal resultado não foi tão gratificante.
Victória e Paula foram testemunhas contra a própria mãe. Não era
necessário a presença de Vic, mas sua insistência e cabeça dura a fizeram ir até
lá e dizer tudo o que presenciou no dia da tentativa de atentado contra sua vida.
Ao contrário de Paula que estava determinada e fria diante a todos
presentes naquele julgamento, Victória parecia mais uma menina com medo do
escuro. Eu havia alertado a ela que seria difícil, que seria demais para seu
psicológico. Porém, ela decidiu pagar para ver e infelizmente, houve juros.
Assim que a pena foi lida pelo juiz e todos saímos de lá leves e sem
amarras com o passado, Victória desmaiou. Com urgência fomos para o hospital
e felizmente nada de grave havia acontecido com nosso filho e com ela, pelo
menos não fisicamente. A partir daí tivemos de ter cuidado a cada coisa dita e
passo dado... A saúde de Miguel e Vic era primordial para mim, assim como para
nossa família que ajudou a cada momento.
Acordei várias vezes durante a noite com os gritos altos dela, onde tudo o
que podia fazer era agarrá-la a mim e fazer com que se esquecesse do passado.
Porém, ela me deixou fazer isso por pouco tempo.
De repente a mulher que me amava começou a repudiar tudo a respeito
de mim... Parecia que havíamos voltado a ser o mesmo casal de antes. Aquilo
doía mais que as duas balas que haviam me acertado, e não sabia como lidaria
com minha vida se Victória me deixasse. E como se fosse o fim, em uma noite
me senti que não tinha mais porque lutar.
— Tudo bem, filho? — meu pai pergunta, e eu apenas assinto.
— Preciso ir ao banheiro, só isso. — vou em direção ao banheiro.
Tranco a porta e escoro-me na pia. Passo um pouco de água no pescoço e
encaro meu reflexo. Lembranças vem com força a minha mente.
Victória havia tido mais um pesadelo, e mais uma vez levantou da cama
levando uma das cobertas consigo e correu para o outro quarto. Mais uma vez
vi meu mundo desabar. Não éramos mais os mesmos que no dia que a pedi em
casamento e fizemos juras de amor eterno... Não existia mais minha "amada
imortal".
Decidi então que precisava de alguém para me ouvir, alguém que
pudesse me ajudar em como prosseguir com aquilo e foi por isso que naquela
noite fui à casa de meus pais, pedir conselhos a eles. Eu não sabia ao certo toda
a história que eles passaram até encontrar e felicidade, mas sabia que não havia
sido fácil. Eu precisava de uma saída. Uma saída que me levasse de volta a
felicidade com Victória.
Acabei confessando tudo o que estava acontecendo para meus pais,
chorado todas as lágrimas que havia guardado e por fim, passei a noite na casa
deles. Não tinha condições para dirigir naquela noite.
No outro dia a primeira coisa que encontrei ao abrir a porta de minha
casa foi Victória em pé ao lado de várias malas. Eram as minhas malas.
— O que...
— Eu sabia que você não havia mudado... Você estava com ela, não
estava? — pergunta exaltada e sinto meu peito se comprimir. Ela de fato não
confiava mais em mim.
— Ela quem, Victória? — pergunto tentando me aproximar e ela dá dois
passos para trás.
A sala estava silenciosa, ainda eram por volta das sete da manhã... Luna
que por um tempo decidiu morar conosco para cuidar da mãe, assim como
Felipe e Babi, deveria estar dormindo.
— O que pensa que está fazendo Victória? Por que essas malas? —
pergunto já perdendo a calma.
Eu já não aguentava mais.
— Eu... — soluça, e lágrimas rolam pelo seu rosto. — Não sei, Caleb!
Eu sei que te amo, amo mais que tudo... Mas sinto que você não me ama... Vai
ser como eles! — confessa chorando ainda mais.
— Sei como te ajudar com isso, amor. — digo me aproximando e dessa
vez ela não se distancia.
— Como?
— Se confiar em mim, iremos superar tudo... Até seus pesadelos!
—exclamo. Como se fosse uma menininha ela assente várias vezes com a
cabeça.
E após um mês infernal finalmente eu pude beijar minha mulher.
Foi após isso que Victória aceitou o tratamento. Ela havia desenvolvido
síndrome do pânico devido aos acontecimentos... Haveriam dias boas e dias
ruins, porém todos eles nós passaríamos juntos.
Batidas na porta me fazem voltar a realidade.
— Perdido em pensamentos, florzinha?
Eu não preciso nem abrir a porta para saber quem está do outro lado.
Levi é a única pessoa que ousou me dar esse apelido ridículo. Desde que Castiel
havia ido embora, ele foi a quem tive como melhor amigo e companheiro para
todos os momentos.
Abro a porta e respondo:
— Completamente.
Voltando para onde todos estão, noto que eles falam sobre banalidades e
pior, zombam de mim. Babacas!
Eu também não havia sido muito esperto. Escolhi minha família e meus
melhores amigos na época de faculdade para serem os padrinhos.
O que podia se esperar deles?
Intimidade, nesse momento, é um problema.
— Vem, vamos dar uma volta! — Levi diz e já vai em direção a porta do
quarto. — Não podemos esquecer da surpresa! — diz para os outros, e todos se
olham cúmplices.
— O que estão pensando em fazer? — pergunto já assustado.
— Aguarde e verá! — ri da minha cara.
— Só me diga que Castiel não é o dono da ideia!
— Não posso prometer nada.
Merda!
Quando finalmente chegamos ao jardim, sinto meu corpo relaxar um
pouco. Toda a decoração foi feita e escolhida por Vic, e assim como ela havia
dito que seria, está tudo em branco e azul. Uma trilha de pétalas de rosas azuis
marca o caminho que ela percorrerá até mim no altar, a qual me parece simples e
delicada. Victória realmente tem bom gosto.
Sentamos na varanda e Levi se vira pra mim.
— Ainda com medo? — pergunta.
— Morrendo. — confesso. — Me sinto como um adolescente
novamente.
— Sabe que já estive nessa situação antes e... Bom, no meu caso não foi
algo tão satisfatório ou com final feliz...
— Em compensação reafirmou seus votos mais duas vezes depois
daquilo. — zombo e ele sorri.
Levi é um cara realmente feliz no casamento.
— Isso que quero lhe dizer, caso hoje ela desista...
— Cale a boca Levi! Nem ouse brincar com isso! — me desespero e ele
gargalha.
— Falando sério agora. — o encaro. — Sei que os últimos meses não
foram os melhores entre vocês dois, mas vi como Victória estava hoje de manhã
e o modo como ela te olha. — suspira fundo. — É o mesmo olhar que Melissa
me dá todos os dias e acredite em mim, ela não irá desistir de vocês dois.
— Obrigado, amigo. — digo e o abraço.
— Sempre soube que são loucos um pelo outro. Deixe só contar isso á
Melissa e Victória! — Gustavo diz assim que se aproxima.
— Nada como um drama no casamento. — Daniel diz e sorri. —Talvez o
seu supere o do casamento dos meus pais! — complementa.
— Que merda aconteceu no casamento dos seus pais? — pergunto
tentando me lembrar.
— Minha mãe esfregou o rosto da ex de meu pai no bolo de casamento
durante a festa. — conta e fico ainda mais preocupado. — Foi épico!
Se Clara Lourenzinni, mãe de Daniel, a mulher mais calma que eu
conheço, fez isso no casamento. O que eu posso esperar de Victória? E da
surpresa que eles planejam?
— Estou completamente ferrado! — constato.

***

Os poucos convidados que tínhamos já haviam chegado. As madrinhas e
padrinhos estavam em seus devidos lugares. Meu pai me deu um último abraço
como quem diz "finalmente filho" e respiro fundo esperando a entrada de Vic.
Mesmo com todos os percalços Victória havia me escolhido, assim como
o jardim do nosso lar que ficaria marcado para sempre com nossa união. Eu já
havia estado no altar e esperado a mesma mulher há décadas atrás, mas nesse
momento tudo é diferente.
Não sou mais um adolescente apaixonado me casando com a mulher que
amo por interesse das famílias ou para fazê-la me amar... Eu sou um homem
esperando a mulher que sempre amei, chegar até mim no altar. Quando um som
de piano se fez presente, sinto que é mesmo real.
Eu não sabia qual música tocaria em sua entrada, Victória disse que seria
uma surpresa... Que tocaria a música que define nossa história. E se antes estava
nervoso, agora estou estático.
Buscando um foco diferente para me acalmar, olho em direção ao piano.
Assim, vejo Castiel o tocando... Então essa é a surpresa! Meu irmão vai cantar a
entrada de minha mulher.
As primeiras notas soam leves e volto meu olhar para a trilha de pétalas
azuis e brancas. Desespero toma conta de mim, pois Victória ainda não tinha
aparecido. Olho apreensivo para Castiel, que continua a tocar como se tudo
estivesse nos conformes.
Dois segundos depois, Victória aparece no jardim e instantaneamente
lágrimas vem aos meus olhos. Não consigo me conter.
Ela está simplesmente linda em um vestido longo branco, de alças
grossas, que marca perfeitamente sua barriga já de seis meses, a qual ela tanto
quer mostrar. Ela havia amado a ideia de se casar antes do nascimento de
Miguel, pois segundo ela seria uma forma de marcar nosso amor em dobro. Os
seus cabelos estão soltos e ondulados, o rosto praticamente leve e sem nenhum
toque excessivo de maquiagem, o que realça ainda mais os seus lindos olhos
azuis... Ela está tão linda, que mal consigo respirar. Não consigo acreditar, que o
sorriso estampado em seu rosto é direcionado a mim. E só consigo sorrir em
meio as lágrimas. Nossa felicidade estampada em nossos rostos.
Quando ela chega em frente a trilha que a leva até mim, o ar fica
escasso... Chegou a hora! Felipe que foi escolhido por ela para entrar, lhe deu o
braço e então ela olha de leve para o lado, e acena com a cabeça para algo. E foi
aí que a música de fato começou e tudo fez ainda mais sentido.

“Lembro-me de todas as coisas que eu pensei que eu queria ser
Tão desesperado para encontrar uma maneira de sair do meu mundo e,
finalmente, respirar
Bem diante dos meus olhos eu vi, meu coração veio à vida
Isso não é fácil, não é para ser
Toda história tem seu cicatrizes


Quando a dor cortá-lo profundamente
Quando a noite o impedir de dormir
Basta olhar e você vai ver
Que eu vou ser o seu remédio
Quando o mundo parecer tão cruel
E se seu coração fizer você se sentir como um tolo
Eu prometo que você vai ver
Que eu serei, eu serei o seu remédio
Ohh


Nenhum rio é muito largo ou muito profundo para mim para nadar até
você
Venha quando eu vou ser o abrigo que não deixe a chuva passar
Seu amor, é a minha verdade
E eu sempre vou te amar
te amo, te amo


Quando a dor cortá-lo profundamente
Quando a noite o impedir de dormir
Basta olhar e você vai ver
Que eu vou ser o seu remédio
Quando o mundo parecer tão cruel
E se seu coração fizer você se sentir como um tolo
Eu prometo que você vai ver
Que eu serei, eu serei o seu remédio
Ohh, ohh

Quando a dor cortá-lo profundamente
Quando a noite o impedir de dormir
Basta olhar e você vai ver
eu serei, eu serei
Quando o mundo parecer tão cruel
E se seu coração fizer você se sentir como um tolo
Eu prometo que você vai ver
Que eu serei, eu serei, eu serei
Seu remédio”
(Remedy - Adele)
Como se nossos corações estivessem na voz de meu irmão, e quando ele
termina a música Felipe entrega Victória para mim. Sinto suas mãos geladas e
lágrimas grossas descem por sua face.
— Eu te amo. — sussurro contra seus cabelos e beijo sua testa.
A cerimônia se inicia e passo ela toda olhando em direção a Vic.
Simplesmente, não consigo desfocar da mulher que tira meu chão.
Ela parece a mesma menina pela qual me apaixonei, e quando ela
começa a dizer seus votos, tive novamente a certeza, de que ela será a mulher
pela qual eu me apaixonarei todos os dias.
— Eu já lhe disse uma vez que jamais seria tão romântica quanto você.
— sorri em meio as lágrimas. — Mas quando senti que podia te perder, resolvi
deixar eternizado meus sentimentos por você, assim como você fez muitas
vezes... Em tinta e papel.
A olho sem entender e Dani lhe entrega um envelope, Victória o abre e
de lá tira uma... Uma carta.


Querido Caleb,
Amor não é um sentimento difícil de se sentir, mas sim difícil de
controlar. Houve momentos em minha vida que indaguei a mim mesma "o que é
amar alguém?" e infelizmente não obtive resposta alguma.
Porém, quando pela primeira vez pude olhar para você, sem passado,
sem mentiras, sem máscaras... Vi o homem que de fato é e foi naquele momento
que obtive a resposta para minha pergunta.
Amar alguém vai além de se apaixonar ao primeiro olhar, ao primeiro
toque ou primeiro beijo... Em nosso caso, foi muito além do que se possa
imaginar.
Eu não o amei pelo belo azul dos seus olhos, eu passei a amar a
sinceridade que existe neles. Eu não o amei por ser o homem mais lindo que já
vi, eu passei a te amar pelo coração imenso que tem eu seu peito... O mesmo
peito que salvou minha vida, que salvou a vida de nosso Miguel.
Como pude um dia olhar pra você e não sentir que o certo era estar em
seus braços?
Como pude um dia não querer dormir ao seu lado e acordar com seu
corpo em volta do meu?
Como pude não amá-lo antes?
E foi com você que descobri que o amor não está relacionado ao tempo e
sim ao momento certo. E quando o nosso momento certo chegou, foi que vi meu
mundo perder o foco, perder o discernimento... Pois você é tempestade Caleb!
Você e sua fúria misturada a romantismo me tiram os sorrisos e as lágrimas
mais sinceros e principalmente, meu fôlego.
E é por você que eu respiro, é por você que quero viver cada dia mais...
Porque amar é necessidade, e você é minha necessidade eterna.
A qualquer tempo
sempre meu
sempre nosso
sempre o homem que amo
Pra sempre sua, Vic"

Epílogo
Victória

Um ano depois

— Quem é o meninão do papai? — Caleb pergunta e balança Miguel no
colo.
Assisto a cena de longe, vendo-o interagir com tanto carinho com nosso
filho. São por volta das duas da manhã, e Miguel nos acordou chorando
novamente. Caleb prontamente levantou e veio até ele, mas sabemos que o que
Miguel quer, ele não pode proporcionar.
— O “meninão do papai” prefere a mamãe. — pego nosso filho de seu
colo e ele me olha emburrado. — Oi, anjinho.
Miguel mostra os grandes olhos azuis, a mistura perfeita dos meus e de
Caleb. Os cabelos enormes e negros já despontam e me lembro das vezes em que
Caleb insiste em fazer vários penteados em nosso filho. Isso geralmente acontece
no banho, as fotos que tiramos com certeza constrangerão Miguel algum dia.
— Até eu prefiro a “mamãe” se for por isso. — Caleb diz, assim que
coloco Miguel para mamar no peito.
— Não seja idiota!
— Ei. — ele levanta as mãos em sinal de rendição. — Não posso negar
que é lindo ver isso.
— Caleb! — o olho indignada.
Ele sorri de lado e vem até mim. Ajoelha-se do lado da poltrona que
estou sentada e passa as mãos de leve pelos cabelos de nosso filho.
— Eu acho lindo ver você em seu papel de mãe. — o olho emocionada.
— Claro, eu já a vi agir assim antes com Luna. Mas reviver esses momentos,
estando loucamente apaixonado por você, faz tudo ser ainda melhor.
— Como consegue ser tão bom com as palavras? — pergunto e ele
apenas sorri.
— Você me faz querer ser o meu melhor. — ele toca meu rosto. — Nada
faria sentido se não tivesse vocês.
Ele então tira algo do bolso traseiro de sua calça de linho. O que ele está
fazendo?
— Feliz um ano de casados, minha rainha. — ele me mostra uma chave.
— O que ela abre? — pergunto sem entender, e ao mesmo tempo
assustada por ele estar comemorando nosso dia.
— Surpresa. — diz convencido e eu reviro os olhos.
— Tão misterioso, senhor Soares. — digo e Miguel resmunga em meu
colo.
Tiro-o do meu peito e o faço arrotar. Quando noto, ele já dorme
serenamente. Ajeito-me e coloco-o em seu berço.
Escoro-me no cercado e o analiso por completo. A cara do pai.
— Eu lhe dou um presente de um ano de casados e você simplesmente
ignora. — Caleb me puxa pela cintura. — Terá de pagar por isso, senhora
Soares.
Rio de seu jeito e me viro para ele.
— Ainda não sei o que essa chave abre, portanto, ainda não ganhei nada.
— ele me olha desafiador e pego a chave de suas mãos.
— Vou surpreende-la, minha rainha.
— Você sempre o faz. — beijo de leve seus lábios. — Feliz um ano,
bonitão.

***

Desço as escadas com Miguel no colo e ele sorri alto das cosquinhas que
faço em sua barriga.
— Ma-a. — Miguel fala meio enrolado e eu aperto suas bochechas com
gosto.
Mesmo tendo apenas 10 meses, ele já arrisca alguns passos e sempre
resmunga algo.
Ouço barulhos altos vindo da cozinha, e tenho certeza de que todos já
levantaram.
Assim que adentro a cozinha, encontro Babi fazendo seu chá no fogão, e
Caleb tomando seu café, enquanto fala amenidades com Felipe.
— Bom dia, família. — digo e todos sorriem.
— Bom dia, minha rainha. — Caleb diz e vem até mim. — E como vai o
meu garoto?
— Lipe — Miguel diz e todos o olhamos assustados.
A sua primeira palavra correta.
— Acho que ele prefere o irmão. — Lipe levanta e vem até Miguel, que
praticamente se joga em seu colo. — E aí, maninho?
— Miguel tem apenas dez meses e já é um traidor. — Caleb resmunga e
Babi gargalha alto.
— Não fale isso do nosso filho! — ele me encara, se fazendo de
ofendido.
— Você devia estar inconformada também, o carregou por nove meses
para ele sequer dizer seu nome e...
— Não seja bobo, pai. — Babi vem até mim e me dá um beijo no rosto.
— Bom dia, mamãe.
Como se tivesse um estalo, Lipe para de brincar com Miguel em seu colo
e também vem até mim.
— Bom dia, mamãe. — ele beija meu rosto e logo se senta com Miguel.
Essa é a parte de meus dias, que me faz sentir completa. E me faz
lembrar de quando ouvi pela primeira vez, cada um dos dois, me chamar de mãe.
Sento-me a mesa e Caleb continua em pé emburrado.
— Vai amassar seu terno. — digo e ele bufa, mas por fim acaba cedendo.
O café da manhã passa rápido. Babi conta animada sobre seu curso e
Lipe comenta um pouco sobre como vão seus estudos. Ele está tendo aulas
particulares de manhã em casa, para que possa avançar nas séries e fazer sua
faculdade, e a tarde, mesmo que Caleb tenha tentado não leva-lo, ele insiste em
querer passar na Advocacia, que agora recebe o nome de Advocacia Soares.
Assim que todos terminamos de comer, Babi vai para a faculdade e a
professora de Lipe chega. Caleb enrola um pouco, pois havia perdido seus
óculos em nosso quarto, mas logo está pronto em seu terno sob medida e pega
sua pasta para sair.
— Preciso de você pronta ás cinco. — diz determinado e beija meus
lábios.
Sem me dar tempo para resposta, ele sai do quarto e vai para o trabalho.
Fico atônita e ao mesmo tempo perdida. O que ele está aprontando?
As horas passam rapidamente, e quando percebo já são 16 horas. Peço
para a babá de Miguel, o olhar um pouco e corro para me arrumar no quarto.
Não que demorasse muito para estar pronta, mas não teria muito o que fazer em
apenas uma hora.
Quando ouço o som da campainha, assusto-me. Praticamente ninguém a
usa, pois os seguranças só deixam entrar as pessoas de nossa família, ou
comunicam quem quer que seja antes.
Desço as escadas rapidamente e encontro Flora brincando com Miguel.
Ela é uma senhora amável, que sempre cuida de meu filho com carinho. Não
podia ter escolhido uma babá melhor.
A campainha soa novamente e resolvo então ligar para Caleb. Algo está
errado.
— Sabia que ligaria.
— Como assim? — pergunto.
— Abra a porta, minha rainha. — diz e desliga.
Mesmo contrariada, vou em direção a porta e abro. Encontro Caleb
encostado em uma das colunas da entrada e com a cabeça baixa.
— Boa noite? — zombo.
— Vim convidar a mulher da minha vida para um encontro. — diz
sedutor e vem até mim.
Ele tira uma das mãos das costas e me entrega um buquê de rosas azuis.
— Caleb... — fico encantada.
Ele sorri de lado e o analiso. Ele veste uma simples calça jeans e uma
camisa de mangas três quartos preta. Simples e completamente sedutor.
— Esperando uma resposta. — diz e chega ainda mais próximo de mim.
— Está linda.
— Você não está nada mal, bonitão. — sorrio e enlaço seu pescoço. —
Eu aceito sair com você, senhor Soares.
— Eu sabia. — diz convencido, e sem me deixar retrucar, me beija com
vontade. — Flora ficará com Miguel e nossos filhos.
— Uma noite de namorados, bonitão?
— Uma noite apenas nossa. — diz e morde minha orelha. — Vamos,
minha rainha.

***

Caleb estaciona o carro em frente ao restaurante de seu primo. Durante o
trajeto, ele se mantém misterioso e não diz nada a respeito da chave que me deu
na noite passada.
— Estou curiosa. — digo assim que ele abre minha porta.
— Logo vai saber.
Entramos no restaurante e ele me leva até uma mesa mais afastada. Ele
puxa minha cadeira e sorrio de seu cavalheirismo.
— Encantada. — brinco e ele sorri, sentando-se a minha frente.
— Com fome? — pergunta.
— Quero saber qual é minha surpresa. — tiro do bolso a chave que ele
havia me dado e coloco em cima da mesa.
— Não vou conseguir te enrolar com comida, não é? — sorri.
— Não hoje. — ele assente.
Fico encarando-o e ele então olha para o lado. Pedro aparece com uma
caixa nas mãos e entrega pra ele.
— Não sei o que esse babaca fez para me convencer a guardar isso. —
gargalho e Caleb revira os olhos. — Parabéns aos dois. — diz e sai rapidamente.
— Uma caixa? — pergunto curiosa.
— Pode abrir. — diz e entrega pra mim.
— Tão fácil assim? — indago desconfiada.
— Não faço o tipo difícil. — brinca. — Abre.
— Ok.
Pego a chave e coloco na fechadura da caixinha preta. Abro-a com
cuidado e Caleb me encara em expectativa. Ele parece nervoso.
Quando vejo o conteúdo dentro, meu coração falha uma batida.
— Caleb... — suspiro, pegando as passagens em minhas mãos.
— Eu sei o quanto você quer isso. — diz sorrindo. — Eu quero viver isso
junto a você.
— Mas como faremos isso? — pergunto encarando todos os destinos já
demarcados. — Japão?
— Austrália, França, Canadá... Todos os lugares do mundo, você e eu
amor. — pega minhas mãos e leva até seus lábios. — Você me disse que o seu
maior sonho sempre foi conhecer o mundo.
— Miguel ainda é pequeno...
— Se olhar com atenção, as viagens só se iniciam quando Miguel tiver
dez anos... Podemos conhecer o mundo aos poucos... Ir a França em um mês,
voltar para casa, ver nossa família e depois ir para o Japão... Podemos tudo, Vic.
— Eu não sei nem o que dizer. — digo emocionada. — Eu nunca esperei
que...
— Estou aqui para fazer seus sonhos se tornarem realidade, minha
rainha. — seus olhos estão marejados. — E estarei ao seu lado, a cada realização
deles.
— Eu te amo. — digo e me levanto. Sem me importar com os outros
clientes, sento-me no colo dele e o beijo. — Você é o meu maior sonho!
— E você é o meu mundo, minha rainha.
Nesse momento, volto há um ano atrás. Quando ele leu seus votos e
conseguiu embargar ainda mais meu ser. Quando tive novamente a certeza, de
que Caleb Soares é o amor de minha vida.

“Os grandes amores nos deixam sem fôlego. Falta oxigênio, coragem,
vontade... E sobra covardia. E tudo ao que se pode recorrer é a covardia de seu
ser.
Houve momentos em que cheguei a pensar que o amor, por si só, veio
para quebrar o meu ser. Destruir qualquer resquício de vida que me restava.
Mas ao olhar para os olhos azuis dela, acompanhar sua respiração lenta e
contínua, adivinhar o que ela vai querer no café da manhã do dia seguinte...
Isso faz tudo valer a pena.
E por mais que as más línguas julguem o amor como corajoso, eu
assumo meu amor covarde. E é esse tipo de amor que acredito, que dura para
sempre.

Pra sempre seu, C”
Fim
Nota da autora

O homem que não amei é o primeiro livro da Trilogia Soares, e mesmo
tendo contado a história de Vic e Caleb, vários mistérios serão revelados ao
decorrer das outras, assim como as “pontas soltas serão costuradas”. A Trilogia
Soares é composta por seis livros:

O homem que não amei – Livro 1
A mulher que amei – Livro 2
A quem amei para sempre – Livro 3
De repente, o amor – Primeiro Spin-off
Por nós dois, eu faço tudo – Segundo Spin-off
Antes de tudo, eu te amei – Livro Bônus

Detalhe, que outros personagens secundários terão suas histórias
contadas ao decorrer dos seis livros.
Em breve, todos os livros estarão disponíveis aqui.
A mulher que amei
Trilogia Soares – Livro II
Sinopse

Castiel Soares ao contrário do que muitos pensam sempre foi o mais centrado e obediente dos
irmãos. Cometeu erros como qualquer ser humano e alguns deles atormentavam seu sono... Até conhecê-la.
Danielle Campos sofreu uma grande perda no passado que transformou sua vida completamente. E
mesmo com a dor que sentia nunca deixou nenhum sentimento ruim a corroer... Até conhecê-lo.
Ele pensou que ela seria sua salvação.
Ela quer de todas as formas sua destruição.
Um sentimento arrebatador entre a linha tênue do amor e do ódio.
Qual falará mais alto?




Prólogo
Danielle

No futuro

Lágrimas grossas rolam pelo meu rosto. O olhar gélido e ao mesmo
tempo magoado de Castiel me persegue, não importa para onde eu corra.
Encosto-me na beirada da grande pia do banheiro e desabo.
Deixo-me quebrar.
Não foi ele!
— Por que, Annie? — pergunto, encarando o espelho.
Sei que as respostas não virão, sei que não há como entender nada disso.
Mas eu não consigo acreditar. Não dá.
Sem mais forças, deixo meu corpo desabar no chão frio do banheiro do
hospital. Levo as mãos à cabeça e choro. Tudo o que me neguei chorar quando
perdi minha irmã um dia.
Mas ao invés de lembranças sobre ela me atormentarem, o que vem em
minha mente, são os piores momentos ao lado de Castiel. Os quais, eu o
humilhei, o julguei, o machuquei...
Ele não se afastou, ele continuou ali... Por que?
Porque ele realmente me ama, como sempre disse. Ele não ficou comigo
por pena ou por culpa, ficou por amor. E é tarde demais para enxergar isso.
Encosto a cabeça no azulejo frio e limpo o rosto de qualquer jeito. Meu
corpo paralisa por alguns instantes, tentando absorver tudo. Busco em minhas
memórias algum deslize de minha irmã, qualquer indício... Mas não há nada. Ela
nunca sequer o citou.
— Não consigo entender. — digo para o vazio.
Encaro meus dedos e começo a divagar sobre todos meus erros. Sobre
todos os momentos felizes que perdi, por ter sido tão rudemente enganada. E
assim, perder Castiel.
Seu olhar há minutos atrás, deixou claro que não tinha volta. Que se
insistíssemos nisso, voltaríamos a ter mais três anos de tristeza. Mas eu não
consigo aceitar.
Lembro dos dias felizes, dos sorrisos ao seu lado, de quando o conheci...
Eu sempre soube que era ele. E sempre será.
Sempre pensei que Castiel Soares fosse a minha maldição nessa vida,
mas pelo contrário, ele se tornou a minha salvação.



Capítulo I

Danielle

No presente

Acordo assustada com o som de uma voz me chamando. Miro meus
olhos para cima e encontro um dos seguranças da casa, me encarando um pouco
sem jeito.
— Algum problema? — pergunto preocupada.
— Desculpe acordá-la, senhorita Campos. — diz formalmente. — É que
o irmão do senhor Soares está na porta, e ainda ninguém abriu.
— Mas por que Chris não entrou? — pergunto confusa. — Tudo bem,
estou indo lá. Obrigada.
O segurança assente e dá passos para longe de mim. Ajeito meus cabelos,
que devem estar parecendo um ninho devido ao modo como dormi nessa rede no
jardim. Pego o livro que acabou me acompanhando em meu sono e entro na
casa.
Ouço o soar da campainha e bufo sozinha, enquanto me encaminho até o
causador do som. O que será que deu em Chris hoje?
Passo pela cozinha e vejo Vic sentada na bancada, com um papel em
mãos. Noto que há lágrimas em seus olhos, mas que ela desajeitadamente, tenta
disfarçar.
— Me desculpe a demora, Vic. Acabei apagando na rede do jardim e só
acordei quando um dos seguranças praticamente me jogou dela. — justifico-me
e ela me encara zombeteira.
Ok, exagerei!
— Não sei porque está se desculpando. — zomba. — Já disse que não é a
governanta dessa casa, você trabalha fora há tempos Dani, não precisa ficar...
— É o mínimo que posso fazer por ainda atormentar você e Caleb. — a
corto. — Porém, com o dinheiro que estou guardando, logo vou conseguir
comprar um apartamento e...
— Você sabe muito bem que nunca atrapalhou nada, aliás precisamos
conversar. — diz e suspira fundo. — Eu acabei de saber que... — a campainha
soa novamente.
— Um minuto! — grito e corro em direção a sala.
Já com o verbo na ponta da língua, para irritar Christopher por essa
besteira de apertar a campainha, abro a porta de uma vez.
Os olhos verdes do homem a minha frente são um enigma para mim. O
queixo quadrado com a barba por fazer, e os cabelos negros bem aparados
despontam por sua testa. Ele leva a mão ao queixo e passa dois dedos por ali,
abrindo um sorrio cínico, que me faz queimar por dentro.
— Quem é você? — pergunto assustada.
— O amor da sua vida, quem sabe? — zomba e minha expressão para ele
ganha outro foco. Babaca!
— Quem é você? — insisto.
— Castiel Soares, ao seu dispor. — faz uma reverência e sem que eu
possa evitar, pega minha mão direita e a beija. Sinto meu coração bater
freneticamente e então puxo minha mão rapidamente. — E você, loira?
— Que original! — bufo.
— Posso chamá-la de feiticeira. — continua me encarando
profundamente.
Seu rosto me é familiar, e só agora me lembro do que o segurança disse.
“O irmão do senhor Soares está na porta...”
— Como entrou aqui? — pergunto, e dou um passo para trás da porta.
— Sou parte dessa família também. — diz e seu semblante muda por
completo.
— Nunca me disseram nada... — respiro fundo e dou dois passos para
trás. Fechando a porta em seguida, na cara dele.
Disco pelo interfone para a segurança e eles me asseguram que o homem
parado a minha porta é um dos irmãos de Caleb...
Quem diabos é Castiel Soares?
Vou em direção a cozinha e encontro Vic no mesmo lugar. Ela me encara
com as sobrancelhas arqueadas.
Pareço tão mal assim?
— Pela sua cara, alguém não muito bonito está aí. — brinca, porém a
encaro brava. — Quem está aí?
— O irmão de Caleb. — digo, e sem conseguir evitar retorço o rosto.
Ok, não engoli esse cara.
—O que Chris fez para odiá-lo tanto assim e não o deixar entrar? —
pergunta, obviamente não entendendo minha expressão.
— Não é Chris. — explico. — É um tal de Castiel.
O rosto de Victória se torna pálido no mesmo instante.
— O que? — praticamente grita.
Ela o conhece?
— Não entendi muito bem, nunca ouvi falar nele. Porém, um dos
seguranças me assegurou que ele mostrou a identidade e como Caleb deixou
livre a entrada dos irmãos...
— Vamos lá! — bufa e se levanta, passando por mim. Assim, a sigo. —
Dani! — diz de repente. — Fique longe dele, ok?
— Ok, mamãe. — zombo, sem entender.
Ela então abre a porta.
Os olhos verdes praticamente se prendem em mim, e eu reviro os olhos.
Mesmo sentindo minhas mãos gélidas, não consigo entender que droga de efeito
esse cara tem sobre mim. Ele então, sorri cinicamente e pisca em minha direção.
Idiota!
— O que quer aqui, Castiel? — Vic pergunta.
A encaro desconfiada. Ela realmente o conhece.
— Por que essa agressividade morena? Meu irmão não está fazendo o
serviço direito, estou por aqui agora caso...
O encaro perplexa e sinto um raiva descomunal. Ele dá em cima de todo
mundo?
— Direto ao ponto, Castiel! — agradeço a Vic mentalmente por cortá-lo.
Não sei porque, mas o modo que ele fala com ela, me incomoda
profundamente.
— Bom, vim fazer uma visitinha ao meu querido e amado irmão mais
novo. Ele está? — ele pergunta.
Os dois continuam a conversar e eu apenas presto atenção no homem a
minha frente. Seus traços são fortes como os de Caleb, ambos, muito parecidos
com o pai. Mas os olhos de Castiel são diferentes, completamente.
Em poucos minutos ele se despede e praticamente corre pra fora da casa.
— Ele é mesmo irmão de Caleb? — pergunto e Vic assente. — Ele é um
idiota. — constato.
Victória vai em direção a um dos seguranças e eu apenas observo de
longe.
— Onde está indo? — pergunto, ao ver que ela pede um táxi.
Ela apenas manda beijos e desaparece pelos portões.
Por não entender muito do que está havendo, corro para dentro de casa e
abro meu notebook. Procuro o nome “Castiel Soares” , mas aparecem
pouquíssimas informações. Fotos antigas de quando ele era mais novo, em um
evento da empresa dos pais. Ao menos descubro sua idade, 42 anos.
Apenas sete anos mais velho... Foco, Danielle!
Caleb está ao lado dele em uma foto, onde os dois sorriem
amigavelmente. Como eu nunca vi isso antes? Isso que dá não ser ligada no
mundo virtual.
Pesquiso mais um pouco, mas não encontro nada de concreto. Não sei
por que, mas Castiel despertou um interesse em mim, como algo a ser
desvendado. Mas sinto também, que algo por aqui, está prestes a mudar.
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Obrigado por ler, até a próxima!












Table of Contents
Agradecimentos
Sinopse
Playlist
Prólogo
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Bônus
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Capítulo XIX
Capítulo XX
Capítulo XXI
Capítulo XXII
Capítulo XXIII
Capítulo XXIV
Bônus
Capítulo XXV
Capítulo XXVI
Capítulo XXVII
Bônus
Capítulo XXVIII
Capítulo XXIX
Bônus
Capítulo XXX
Capítulo XXXI
Capítulo XXXII
Capítulo XXXIII
Capítulo XXXIV
Capítulo XXXV
Capítulo XXXVI
Epílogo
Nota da autora
A mulher que amei
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