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PAIXÃO A LA MEXICANA

SARAH SUMMERS
PAIXÃO A LA MEXICANA
Copyright © 2022 SARAH SUMMERS
Capa: Sarah Libna
Diagramação: Tatiana Mareto
Revisão: Elen Arcangelo
Preparação de texto: Elen Arcangelo
1. Romance Contemporâneo
2. Literatura Brasileira
Edição digital. Criado no Brasil.
1ª edição / 2022.
Esta obra segue as Regras do Novo Acordo Ortográfico
________________________
Todos os direitos reservados
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
A história aqui reproduzida não expressa a opinião pessoal da autora.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangíveis ou intangíveis — sem o consentimento
escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
CONTENTS

Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Epílogo

Agradecimentos
Outras obras
Sobre a autora
Para Helena.
Surte bastante, querida, este livro é para você.
PRÓLOGO

Não tenha medos, nem dúvidas (que este amor é bom


demais)
Que você será minha mulher (eu te pertenço todo, inteiro)
Olhe meu peito, o deixo aberto
Para que você viva nele
Yo Te Amo - Chayanne
TRÊS ANOS ANTES…
Eu odeio roupas justas.
E neste momento estou em um corredor estreito, vestindo uma
gravata tão apertada quanto a justiça divina. Sempre ouço as
mulheres reclamando de seus sapatos… bom, tente sorrir por aí
com uma gravata fazendo a vez de uma coleira no pescoço.
Ajeito o laço preso à minha garganta pela décima vez na última
hora. Estou incomodado, me sinto preso, quase claustrofóbico.
Ternos são uma perda de tempo para mim. Aliás, qualquer roupa
cara é perda de dinheiro. Em minha área de trabalho, as roupas não
duram muito, sempre se enchem de graxa ou acabam rasgando, por
eu viver enfiado sob os caminhões.
No fim, é isso que me move. A liberdade de usar o que eu quiser,
enquanto me sujo entre as ferragens.
Fico andando para lá e para cá no corredor enquanto penso em
como me meti nessa.
Julie. Sempre a Julie.
Se ela não fosse minha prima preferida, neste instante eu estaria
em casa, sem camisa e com uma cerveja na mão.
O que eu não faria por uma cerveja.
Dou uma ajeitada nos caros tecidos que uso, de novo, e caminho
ao redor da pequena e enfeitada entrada uma vez mais. As portas
da igreja já estão fechadas e ouço o barulho do carro estacionando
do lado de fora, ao mesmo tempo que me lembro do rosto ansioso
de Alex Evans no altar. É melhor que este casamento comece logo
antes que o homem entre na estatística de pessoas com problemas
cardíacos aos trinta.
Escuto passos seguidos de risinhos ansiosos e dou a volta no
corredor apenas para dar de cara com a melhor visão de todas.
Ela.
Em um vestido que molda seu corpo, de um cetim tão suave
quanto sua pele deve ser. Seus cabelos estão presos em um coque
alto e suas mãos carregam um pequeno buquê de rosas vermelhas.
Seus lábios carnudos brilham em um sorriso capaz de iluminar toda
uma cidade apagada. Sua risada é angelical.
Para mim ela é toda perfeita.
Evelyn White.
A mais intrigante das criaturas que um dia conheci… E
completamente inalcançável. O rosto que sempre tento esquecer
enquanto viro garrafa atrás de garrafa de tequila, nos últimos anos.
Ela sorri alegremente para algo ao seu lado, o que faz meus
olhos se desviarem e só então reparo na comitiva que a
acompanha, e vejo Julie em seu vestido de noiva bufante e cheio de
rendas.
— Aí está você — Violet grita sorrindo para mim.
Sorrio de volta e aceno.
— Pensei que não fossem chegar nunca, Alex está como um
urso enjaulado no altar — meu tom soa um pouco alarmado demais.
— Posso imaginar, Julie e ele não pararam de trocar mensagens
por todo o caminho — Violet respondeu se aproximando.
— Já estou aqui. — É a vez de Julie levantar a mão, indicando
sua presença.
Vejo minha prima se aproximar sorrindo, amparada por uma
mulher que não para de falar num minúsculo microfone.
— Você está linda, Julieta!
É verdade, seus olhos estão radiantes. Seu véu é tão grande
que ela está sendo atendida por três pessoas, para carregá-lo.
— Obrigada. E obrigada por aceitar ser o par de Evie. Você está
um perfeito galã, com esse terno.
— Qualquer coisa por você, priminha — falo para Julie, mas olho
para Evelyn, que se posiciona ao meu lado.
Porque é a verdade.
Uma suave música começa a tocar enquanto a mulher
apressada fala algo no microfone, começando a empurrar a mim e a
Evie, até que nos encontramos com Violet, a assistente de Julie, e
Devon Carter, o irmão esquisito de Alex.
Somos os primeiros da fila, Evie e eu. As portas se abrem e a
igreja inteira se levanta. Forço-me a andar e a sorrir, porém no
momento estou chocado com o braço de Evelyn, que enlaçou o
meu. Estamos tão próximos que posso sentir seu perfume doce e
frutado, o cheiro de seu xampu, e se eu virar o rosto do jeito certo
enquanto caminhamos, posso ver a sombra de seu decote, O
caminho do vale encantado até seus seios.
É isso. É esse o ponto de perdição de um ser humano. O
momento em que a sanidade se esvai por entre os poros de um
homem. Com certeza sairei desse casamento em uma camisa de
força.
Continuamos a caminhar e me forço a olhar para frente, onde
observo um Alex pomposo e assustadoramente animado, para um
noivo. Ele esfrega as mãos uma na outra e seus olhos procuram
enxergar além da porta, que é fechada novamente.
Ao meu lado, Evelyn caminha graciosa e, por um momento,
apenas um instante, minha mente vagueia para um lugar em que
pertencemos um ao outro e que andar de braço dado com ela é algo
normal.
A quem quero enganar, não é mesmo?
Sigo a caminhada, aproveitando discretamente cada segundo
até que o momento da separação é inevitável. Vamos cada um para
um lado do altar, seguidos por Devon e Violet.
Quando é a vez de Julie, todos os olhos se colocam sobre ela.
Principalmente os de Alex. Eu vejo minha prima realizar o sonho de
casar-se com um homem decente e que a ama de verdade.
E é bom que ele realmente a faça feliz, ou coisas terríveis
acontecerão com ele.
Quando ambos estão enfim juntos no altar e é dado início à
cerimônia, meu olhar se volta para Evie, do outro lado da igreja.
Instantaneamente meu peito se enche ao vê-la com olhos
marejados acompanhando tudo.
Hoje irei chamá-la para dançar.
E algum dia, com um pouco de sorte, ela talvez seja minha.
UM

Quem é seu novo amor?


Sua nova ocupação,
Seu misterioso alguém.
A quem você tem escondido
de mim todo o tempo
Para não me matar.
Tu misterioso alguién - Miranda
DIAS ATUAIS
— A resposta é não!
Nego pela centésima vez o pedido de Violet, enquanto a vejo
revirar os olhos sentada na minha cadeira no escritório da
transportadora.
— Mas você não está nem me deixando falar.
— E precisa? Já sei o que você quer. Que eu vá nessa estúpida
festa de cinco de maio…
— Retire o que disse. É com essa boca que você beija os meus
filhos?
Respirei fundo e encostei na mesa.
— Está certo, não é uma festa estúpida, mas seria uma
estupidez minha comparecer.
— Pode ao menos me dizer por que não quer ir?
Cruzo os braços, sento-me sobre a mesa e faço minha mais
natural cara de indiferença.
— Estou cansado.
— Ah, Miguel, conta outra. Eu sei muito bem porque você não
quer ir.
— Bom, se você sabe, por que está perguntando?
— Você é melhor do que isso.
— Sou muito melhor, é por isso que estarei em casa vendo
filmes de ação com Nacho.
— Vai ficar em casa com seu cachorro?
— E daí que sou um cara caseiro?
Violet solta um grunhido esquisito e se levanta da cadeira,
partindo para cima de mim.
— Seu covarde. — Cutuca meu peito com sua unha afiada.
— Pode me chamar do que quiser, eu não vou.
— Sabe que Julie ficará chateada, não sabe?
— Deixe que com a minha prima eu me resolvo depois.
Ficamos encarando um ao outro por vários segundos, até que
começo a rir. Violet, por sua vez, se enfurece ainda mais e me
empurra antes de marchar com seus sapatos barulhentos rumo à
porta.
— Você ao menos não tem um pouco de curiosidade? —
questiona, ajeitando a bolsa enquanto abre a porta.
— Curiosidade de quê?
— De saber quem é o seu rival.
As palavras dela me atingem de uma forma inesperada. Ela
parte logo em seguida, batendo a porta do escritório ao mesmo
tempo em que me deixa atordoado.
— É preciso ter uma competição para que eu seja rival de
alguém — grito indo para a porta.
Quando coloco o rosto para fora, não vejo ninguém. Só o frio do
início de noite da primavera em Chicago.

Infelizmente não se fazem mais programações na TV como


antigamente. Não havia nada para um homem com sede de
violência cinematográfica assistir.
A pizza havia acabado e minha cerveja estava pela metade
quando me dei conta de que estava entediado. Sexta à noite em
casa sem nada para fazer. Para me tornar um santo, só faltava ir à
missa com tia Lupita. Coisa que já fiz, mais de uma vez, afinal, a
mulher me criou e eu sou capaz de qualquer coisa por ela.
Coço a barba por fazer e me ajeito ainda mais na poltrona. Do
meu lado, Nacho me encara com atenta curiosidade.
— O que foi?
Aparentemente até o cachorro espera uma resposta que eu não
quero dar.
Meu celular começa a tocar sobre a mesinha e eu o pego a
contragosto. O nome de Julie aparece na tela brilhante e me faz dar
um suspiro alto.
— Não, não vai rolar — falo sozinho enquanto Nacho lambe a
própria pata.
O celular para de vibrar apenas para recomeçar logo em
seguida, fazendo com que eu o jogue outra vez sobre a mesinha.
Evelyn White.
O grande tormento em minha vida.
A mulher que ronda minha mente há anos e me faz ter sonhos
inapropriados repetidas vezes. Ela está na cidade e isso faz com
que qualquer assunto a ser tratado comigo se transforme em um
campo minado.
Não que já tivesse acontecido qualquer coisa entre nós, acredite,
não sou assim tão sortudo, entretanto, ela é a mulher dos meus
sonhos, e para minha infelicidade, quase todos ao meu redor
percebem — menos ela.
Em minha defesa, ela vive em Madrid. Isso nos coloca a um
oceano de distância… e sua vida é superior à minha de tantas
formas que eu mal posso contar em meus dedos. Só que hoje ela
estará lá, na festa de cinco de maio preparada por Julie e sua sogra,
Eleanor.
Sabe quem também estará lá?
O imbecil que se casará com ela muito em breve.
Aqui estou eu, aos trinta e dois anos, afogando as mágoas em
cerveja quente numa sexta à noite.
De saber quem é o seu rival — havia dito Violet.
Minha gerente e melhor amiga me conhece bem demais. É óbvio
que eu tenho curiosidade de saber quem é o filho da mãe sortudo
que pode abraçar Evie todas as noites.
No entanto eu gosto de pensar que ele é um careca gorducho
que sua demais na hora do sexo. Digo mais, ele provavelmente
deve ter pelos na bunda.
É assim que eu imagino o desgraçado. Ou gostava de imaginar.
A realidade, no entanto, não deve ser tão boa quanto minha
mente gosta de divagar. Eu ainda me lembro do sorriso dela quando
revelou a Julie que estava noiva. Bem na minha frente. Enquanto
eu, idiota, havia aparecido no jantar com um buquê de rosas.
Ela está feliz e bem. Feliz, bem e sem mim.
Levanto-me da poltrona bagunçando o cabelo com o rumo que
meus pensamentos estão tomando. Eu sempre conseguia me
controlar ao pensar nela… menos quando ela está aqui por perto,
na cidade.
Há um leão enjaulado dentro de mim, no momento.
E se eu for à tal festa?
Não, espere. Acaso eu estou ficando maluco? Isso será tortura.
Quase o mesmo que colocar um homem faminto para cuidar de
uma padaria.
Você pode ver, mas nunca tocar.
Sabe o que é pior do que vê-la com outro? Não vê-la nunca.
— Essa será a última vez — falo, indo ao meu quarto e abrindo o
guarda-roupas. Pego minha calça e minha jaqueta jeans, as únicas
peças boas de roupa, que eu jamais usava para trabalhar, e começo
a vesti-las.
Então ela estará na festa com o babacóide?
Muito bem, eu posso sobreviver a isso. Aliás, eu posso dar uma
boa olhada no tipinho e tentar entender o que ela viu nele.
A quem eu quero enganar? Tudo que eu preciso é uma chance
de vê-la. Estar no mesmo ambiente que Evelyn. Respirar seu
mesmo ar me bastará.
— Isso tem que acabar. — Colo a testa na madeira da porta.
Não posso deixar que minha vida seja guiada por essa paixão
platônica. Já estou na casa dos trinta, a vida está passando. Tenho
que dar um jeito de esquecê-la e seguir em frente.
Preciso encontrar alguém, me apaixonar, construir uma família.
Viver o mundo real.
Talvez por isso eu deva ir à festa esta noite. Para vê-la ao lado
de outro homem e ter a certeza de que nada nunca irá acontecer
entre nós. Será o fim adequado para essa loucura.
Quando volto para a sala, Nacho está sobre a poltrona com seu
costumeiro olhar preguiçoso. Penso em quão fácil é a vida do meu
golden retriever.
— Vamos lá, garoto, como estou? — Dou uma voltinha e ele
levanta a cabeça. — Comporte-se bem. Papai já volta. — Ganho um
latido em resposta.
Busco a chave da moto sobre a mesa quando meu celular volta
a tocar. Estou pronto para dizer a Julie que estou chegando, quando
vejo na tela o nome de Bárbara.
O covarde que mora em mim pensa por um momento em desistir
da festa, atender a ligação e partir para mais uma noite de sexo
casual com minha ex, mas o homem que decidiu mudar de vida
toma conta de mim nesse instante e lembra que isso precisa parar.
Estou há dois anos nesse vai e vem com Bárbara. Não
assumimos nada, ela me liga quando quer alguma coisa, e vice-
versa. No fim, se continuássemos assim, não seria justo para
nenhum dos dois.
— Hoje não, Bárbara — digo e parto para a última vez em que
me permitirei sentir algo por Evelyn White.

Desacelero a moto no instante em que a fachada da imponente


mansão Carter aparece no meu campo de visão. Apesar de apenas
a matriarca, Eleanor, morar lá, a casa vive em um entra sai de
gente, agora que ela tem três netos.
Logo me vejo envolto na aura de dinheiro e coisas caras que os
ricos exalam. A porta da casa está aberta, e assim que entro meus
ouvidos se ensurdecem com a música alta e a conversa das
pessoas. A decoração é toda colorida e há várias pinãtas
espalhadas pelo teto. Um garçom vestido de Mariachi logo se
aproxima, me oferecendo uma dose de tequila — o que não é má
ideia — quando sinto um tapinha em minhas costas.
— Miguel, que bom vê-lo.
É Alex Evans, o marido de Julie, sua voz está mais alta do que o
normal, por conta da música.
— Ei, Alex, decidi vir de última hora.
— Julie estava preocupada com sua ausência, acho que ficará
muito feliz em vê-lo.
Apenas assinto. Alex é conhecido por ser um homem calmo e
apaixonado, qualquer coisa que aborrecesse minha prima com
certeza o tiraria do sério.
— E onde ela está?
— Julie? Foi à cozinha. Está ajudando Evie, que parece não
estar se sentindo bem.
Evelyn não estava bem? Que diabos…
— Na cozinha, você disse?
— Sim. — Sinaliza um caminho até o corredor. Eu aceno de
volta e parto em direção ao local indicado.
Desvio de um mar de gente bem-vestida e risonha, além dos
inúmeros garçons com farta comida e bebida e atravesso o corredor.
Chego à cozinha e encontro um batalhão de pessoas atarefadas
andando para lá e para cá. No canto, vejo uma Julie de olhar
preocupado enquanto mexe em alguns talheres sobre uma bandeja
de prata.
— Julie! — chamo da porta e vejo seus olhos se acenderem de
felicidade ao me ver.
— Você veio, graças a Deus.
Cruzo a cozinha, vou até ela e sou recebido com um abraço
apertado.
— Decidi vir na última hora.
— Não importa, o que interessa é que está aqui. Já viu Violet?
Ela também ficará em polvorosa ao te ver.
— Ainda não, acabo de chegar. Ei, Alex me disse que Evelyn
não está passando bem…
Seu sorriso se alarga e seus olhos denotam segundas intenções
para logo em seguida murcharem, como se lembrasse de algo ruim.
— Sim, não é nada grave. Ela apenas bebeu demais, já estou
providenciando um café pra ela. — Levanta uma sobrancelha, como
se tivesse tido uma grande ideia. — Por que você não leva essa
bandeja? Ela está em um dos quartos de hóspedes, no segundo
andar.
— Eu? Isso não seria responsabilidade do…
— Ah, aí estão vocês! — ouço a voz de Eleanor Carter e já me
preparo mentalmente para o provável apalpamento que vou levar. —
Julie, querida, preciso de você lá no salão, os fotógrafos estão
esperando. — Ela pisca para mim e ganho um apertão na nádega
direita.
Não disse?
— Isso não pode esperar? É que Evie…
— Não, nada de postergar. Vamos sair na coluna social, meu
bem.
Com um suspiro Julie põe a bandeja com um bule, xícara de
porcelana e talheres de prata na minha mão.
— Vá e cuide de Evie, não quero deixá-la sozinha no estado em
que está. Não com tantos estranhos na casa.
— Mas… — tento dizer, porém sou interrompido.
— Ah, e tem uma coisa muito importante que você precisa saber.
Ela…
A voz de Julie é interrompida pelo ruído de panelas caindo no
chão. Todos na cozinha olham para o local do barulho e percebe-se
que um dos cozinheiros deixou um conjunto de frigideiras cair.
— Sinto muito, senhora Carter — o homem diz, preocupado.
— Está tudo bem! — Eleanor e Julie dizem ao mesmo tempo,
afinal ambas são as senhoras Carter, eu acabo sorrindo, achando
graça.
— Vamos, querida, estão nos esperando. — Eleanor sai
carregando a nora cozinha afora.
Julie, por sua vez, me olha apreensiva enquanto caminha a
passos trôpegos em direção à porta.
— Leve o café e não saia de lá até eu aparecer — diz antes de
ser arrastada do cômodo.
E eu fico com a bandeja nas mãos, me perguntando o que
estava acontecendo.
Por que Evie está sozinha na festa?
Ou a coisa importante que Julie tinha para me dizer era avisar
que o panaca estava lá com ela e eu chegaria como um garçom,
servindo os dois?
Respiro fundo.
Eu levaria o café e nada mais. Daria uma boa olhada no tipinho e
sairia fora. É isso.
Atravesso a multidão novamente, que agora presta atenção nos
Carter, incluindo Violet e o brutamonte do Devon posando para fotos
em um canto oposto do salão, e subo a escadaria que leva ao
segundo andar. O corredor acarpetado me recebe e caminho
enquanto o som do DJ se torna cada vez mais distante.
Qual seria o quarto de hóspedes?
Coço a cabeça enquanto equilibro a bandeja em apenas uma
mão. Vou abrindo porta atrás de porta, pedindo a Deus para não ver
nada inconveniente.
Quando abro a quarta porta a escuridão me recebe e estou
prestes a sair quando escuto um soluço alto e dolorido. Dou um
passo adiante e vejo, graças a luz prateada da lua, alguém sentado
no chão com as costas apoiadas na cama.
Eu reconheço prontamente os fios loiros bagunçados.
Meu peito dispara ao ouvir o soluço seguinte. Ali está Evelyn.
Ali está meu coração.
DOIS

Perdão se eu pergunto como você está


Mas comentaram comigo que você estava
sozinha
Chorando pelas ruas até altas horas
Como uma louca.
Comentaram que seu cara havia te deixado
Que não existe consolo para tanto choro
Que só uma amiga está do seu lado
Não chore mais, minha menina
Son de amores – Andy & Lucas

Entro no quarto com o máximo de cuidado possível para não ser


percebido, entretanto, quando fecho a porta, o clique da maçaneta
me delata.
— Julie, já disse que quero ficar sozinha um pouco.
— Não sou a Julie. — Deixo a bandeja sobre a enorme cama e
acendo a luz.
Não quero que ela pense que corre algum risco, em um
momento de vulnerabilidade.
Dou um passo em sua direção e paro quando a vejo me olhar
assustada, com uma garrafa de tequila nas mãos.
— Miguel?
— Oi — digo simplesmente.
— A Julie te mandou? Ela não tem jeito mesmo… eu estou
horrível. — Dá uma gargalhada ao terminar a frase.
Engulo seco.
— Julie está ocupada lá embaixo e, bom… eu trouxe um café
pra você.
— Café? Não, nada disso. Eu preciso de outra dessa. — Ela
levanta a garrafa quase vazia e minha mente entra em alerta.
— Você tomou uma garrafa sozinha?
Evelyn dá outra gargalhada.
— Peguei de um garçom. Acho que tomei seis… ou dez doses.
Não sei.
— Existe uma diferença bem grande entre o número seis e o
dez.
— É mesmo? — sua fala é mansa, como se não tivesse controle
da própria língua.
Dou outro passo em sua direção.
— Talvez seja melhor eu guardar isso… — aponto para a
garrafa.
— NÃO! — fala com veemência.
De repente Evelyn está de quatro, ainda com a garrafa em mãos.
Percebo que está tentando se levantar.
— Deixa eu te ajudar.
— Não preciso de ajuda, não. — Solta um soluço. Seu rosto está
molhado de lágrimas e ela não sabe se tenta limpá-lo ou se firma-se
no chão.
Por fim, acaba deixando a garrafa de lado e se levanta
tropegamente.
— Viu só? Estou ótima! — Sua voz arrastada não denota isso,
mas balanço a cabeça, concordando de qualquer jeito.
Olho ao redor e vejo sua mala aberta cheia de roupas
espalhadas na entrada do closet.
— Onde está seu… — minha pergunta fica no ar quando ela
vem como um furacão sobre mim e tapa minha boca com a mão
direita.
— Shiii… não, não faça essa pergunta. — Ela ri, mas parece não
achar graça nenhuma. — É por isso que estou escondida — fala
como se estivesse me contando um grande segredo. — Hugo não
está aqui.
Passa por mim cambaleando e vai para o outro lado do quarto.
— Não está e nunca mais vai estar. — Seus braços se abrem —
Estou sozinha, não vê? Completamente sozinha. Para sempreeeeee
— continua a palavra como se ela não tivesse fim.
— Evie…
— Não… não se aproxime. Espere aí, estou bem e posso provar,
quer ver? — ela dobra a perna direita no joelho esquerdo e quase
cai. — Bom, é bem verdade que já vi dias melhores, mas ainda
assim estou ótima. Sabe do que eu preciso? Mais tequila! — Seus
olhos brilham ao falar da bebida.
— Não acho que seja uma boa ideia.
— É uma excelente ideia. Por que não? — faz um beicinho que
leva todo o sangue do meu corpo para a região inferior.
Concentre-se, Miguel. Mantenha o foco.
— Vamos, Miguel, alegria. Isso é uma festa, não é mesmo? —
Começa a bater palmas. — Talvez eu deva voltar lá para baixo e
dançar um pouco. Melhor ainda, eu posso dançar aqui mesmo,
enquanto você busca mais tequila pra mim. — Ela movimenta o
corpo de um lado a outro e começa a cantarolar o reggaeton tocado
pelo DJ, que ecoa no quarto.
— Evie… — tento inutilmente chamá-la.
— Espere aí. — E começa a rir, gargalhar de verdade. — Eu
tenho uma coisa muito engraçada pra te contar. — Engasga-se
entre uma risada e outra, até que termina dizendo: — Ai, ai. Você
sabe manter um segredo, Miguel?
Pisco sem saber o que fazer. Onde está Julie, maldição?
— Hein, Miguel, se eu te contar, você promete que vai guardar
segredo?
— Sim. — Solto um leve pigarro e repito: — Sim, prometo.
— Você não sabe da maior. — Ela dá a volta no quarto e busca a
garrafa de tequila novamente. Tento impedi-la, mas Evie me
empurra e volta para o outro lado. — Eu levei o maior fora! —
Engole um pouco do líquido transparente.
Isso não vai acabar bem — penso e só então me dou conta do
que acabei de ouvir. Evie volta a falar antes que eu consiga ter
qualquer reação.
— Estava tudo pronto: o buffet, a viagem de lua-de-mel… o meu
vestido. Não, cadê meu celular? Você precisa ver o meu vestido…
— Bebe um pouco mais de tequila e tropeça no próprio pé. — Ai.
Enfim… ele me largou. Disse que não podia enfrentar a vida ao meu
lado — apontou o dedo diretamente para mim —, e o pior é que eu
não posso nem ao menos culpá-lo… por que, que homem iria
querer ficar comigo, não é mesmo?
Meus olhos se abrem ainda mais ao ouvir sua confissão,
enquanto aperto os dentes, pensando em quão estúpido o maldito
foi por deixá-la escapar e fazê-la sofrer.
— Ele não merece nem uma gota de álcool que você beba por
ele, Evie. — Aproximo-me e seguro em seu braço. — Venha, largue
isso.
— Não, não, Miguel. Me solta! — Seu braço se desvencilha do
meu e ficamos frente a frente, enquanto seu rosto muda de uma
máscara de falsa alegria para uma de dor e tristeza.
Sinto o peito arder e é como se alguém golpeasse meu coração
ao vê-la assim.
— Sou eu quem não merece, não percebe? Sou eu quem nunca
terá nada.
— Isso não é verdade, Evie…
— É, sim. — Seus olhos se cobrem de lágrimas não
derramadas. — Eu não sou nem mesmo uma mulher de verdade.
Sou como uma boneca defeituosa com que ninguém nunca vai
querer brincar…
— Shiii…
— Ele me deixou, Miguel, me deixou quando contei que não
posso ter filhos — fala entre soluços e senta-se na cama, largando a
bebida sobre a mesinha.
Fico em choque.
Como poderia? Aquele desgraçado… Como ele ousava feri-la
dessa forma?
Acaso ele não percebia que tinha ouro nas mãos?
Com cuidado me aproximo e me sento ao seu lado na cama.
Não sei se foi a bebida ou a tristeza o que a motivou, mas as mãos
de Evie se unem às minhas voluntariamente, fazendo com que eu
sinta cada balanço em seu corpo a cada soluço dado por sua alma.
Seu toque é quente e cálido e as lágrimas caem sobre seu colo.
Sinto cada parte de sua dor, contida naqueles murmúrios. Eu
queria ter o poder de passar para mim seus males. Eu os enfrentaria
com coragem e destemor.
— Você quer um abraço? — pergunto, com meus braços
coçando para rodeá-la.
— Pode ser. — Dá de ombros.
Então faço o que eu mais queria. Aninho-a em meus braços e
isso parece dar a liberdade que ela precisa para destampar as
comportas em seu interior. Seu choro passa a ser alto, dolorido e
lamuriante.
— Sabe o que é pior? — Seu tom embargando me corta a alma.
— Diga, meu bem.
— Ele me deixou acreditar… eu realmente acreditei que haveria
um final feliz pra mim.
Volta a chorar, enquanto engulo seco minha angústia.
Não sei por quantos minutos ficamos assim, mas em um
determinado momento ela sai de meus braços enquanto funga
profundamente.
— Me desculpe. Eu estou uma bagunça. — Passa a mão sobre
o rosto, tentando limpá-lo, e me xingo em pensamento por não ter
nem mesmo um maldito lenço no bolso.
— Não quero que se desculpe. Quero que fique bem.
— É muito gentil da sua parte, mas eu molhei sua camisa inteira.
Faço um movimento indicando não ligar para isso.
Ficamos em silêncio, sentados, provavelmente pensando
naquela situação e como sair dela. O som abafado da música da
festa é a única coisa entre nós naquele momento.
Em seguida Evie sorri. Não um sorriso louco, como antes, mas
um sorriso de verdade.
— O que foi? — questiono, levantando seu rosto.
— A música.
Paro e presto atenção. Está tocando uma das baladas de Pablo
Alborán.
— O que tem?
— É a minha favorita — diz com tristeza nos olhos, outra vez.
Respiro fundo com coragem e me levanto ao mesmo tempo que
ofereço minha mão para ela.
— O quê?
— Dance comigo. Você não estava querendo dançar?
Seus olhos se iluminam por um momento e sinto-me como se
tivesse ganho uma batalha junto a Zapata.
Ajudo-a, fazendo-a ficar de pé, e a trago para meus braços. No
instante seguinte estamos balançando para lá e para cá sob o ritmo
lento e melodioso da música.
É como um sonho virando realidade.
Ela está em meus braços de verdade. Sinto o cheiro já
conhecido e guardado na memória de seu xampu e o perfume doce
de sua pele.
Respiro fundo quando seu rosto descansa em meu peito e não
dizemos nada pelo minuto seguinte. Apenas movemos os pés com
cuidado e ingenuidade, achando que tudo acabaria bem.
Mesmo que no dia seguinte ela provavelmente não se lembre de
nada, eu guardarei este momento para sempre em minha memória.
— Miguel? — ouço-a me chamar com cuidado.
— Sim, querida.
— Acho que vou vomitar.
TRÊS

Minha amiga
Não sei o que dizer nem o que fazer para te ver
feliz
Quem me dera poder mandar na alma
Ou na liberdade, que é o que ele precisa
Amiga Mía – Alejandro Sanz

Se há um momento na vida do ser humano em que ele fica


completamente desvestido de vaidade, esse momento é entre ele e
o vaso.
Chego a essa conclusão depois de mais de vinte minutos
segurando o cabelo de Evie, enquanto ela coloca para fora qualquer
coisa que tenha consumido nas últimas horas.
— Devagar… isso, você está indo muito bem. — Dou leves
tapinhas em suas costas enquanto ela volta a afundar o rosto no
objeto de porcelana. — Não está tão ruim assim, está?
Esse sou eu tentando parecer o mais positivo possível em uma
situação caótica como essa.
— Eu… eu acho que agora acabou.
Entrego o lenço de papel que encontrei no banheiro e ela aceita
prontamente, respirando fundo. Sem jeito, tenta ficar de pé, mas
acaba caindo com tudo de bunda no chão.
— Eu te ajudo a se levantar.
— Do fundo do poço? Porque é lá que eu estou — fala e ri
sozinha.
Massageio suas costas e firmo seus braços, trazendo-a para
cima.
— Acredito que você deva tomar um banho.
Fecho a tampa do vaso e coloco-a sentada nele. Vou em direção
à ducha e abro o jato de água, até que esteja em uma temperatura
agradável.
— Ei, eu sou uma menina e você é um menino, não pode me dar
banho. — sua voz ainda é arrastada e ela ri a cada frase que fala.
— Bom, é por isso que ficarei do lado de fora enquanto você se
lava, mas vou logo avisando, qualquer barulho estranho eu entrarei
imediatamente para te ajudar, não importa como você esteja.
— E se eu estiver nua?
Santo Deus de misericórdia…
— Então você tem a minha palavra que colocarei meus olhos
apenas no que for necessário.
— Promete? — Oferece o dedinho em forma de pacto.
— Prometo. — Cruzamos nossos dedos e acabo rindo junto com
ela.
Do lado de fora, escuto o farfalhar de roupas sendo jogadas no
chão, seguido do som de água corrente no chuveiro. Lembro-me do
café sobre a cama e preparo uma xícara para que Evie tome assim
que sair do banheiro.
Alguns poucos minutos se passam quando escuto seu grito vir
detrás da porta.
— O que foi? — Entro sem pensar duas vezes.
Encontro-a encostada na parede, gargalhando e vestida em um
roupão branco e felpudo.
— Desculpa, eu acho que não consigo ir sozinha para o quarto.
— Você poderia apenas ter dito meu nome.
Estala os dedos, apreciando minha ideia.
— É verdade, não estou raciocinando muito bem.
— Vamos lá, mocinha, é hora de encerrar essa noite.
Seguro em seu braço e a amparo, trazendo-a de volta ao
cômodo.
— Muito bem, garota, é hora de se deitar.
Coloco-a sobre a cama e a cubro com o edredom pesado.
— Ah, meu Deus, está tudo girando. Parece que eu sou um
peão.
Disfarço uma risada e busco o café.
— Toma, vai te fazer bem.
Ela pega a xícara com mãos trêmulas e faz uma cara feia ao
sentir o amargor do líquido sem açúcar.
— Você chama isso de cuidado? — Tapa o nariz ao tomar outro
gole da bebida quente.
— Não pode negar que você exagerou.
Ela apenas balança a mão como quem não se importa.
O silêncio se faz presente entre nós e eu esfrego minhas mãos
sem saber muito bem o que fazer.
— Você me faria um favor? Quero dizer… mais um. Se não for
abuso. — pergunta enquanto se ajeita melhor sobre a cama.
— Claro. Já cruzamos essa linha há bastante tempo.
Ela gargalha.
— Ai, ai, não me faça rir.
— Certo.
— Olha, liga a televisão pra mim.
Prontamente faço o que ela me pede e em seguida coloco o
controle remoto ao seu lado, sobre a mesinha.
— Está no canal das novelas latinas? Diz que sim, tudo que eu
preciso é ver uma novelinha.
— Muito bem, vamos colocar uma novela.
Procuro nos canais e quando acerto o em questão, a imagem de
Fernando Colunga, o maior galã de novelas do México das últimas
décadas, aparece.
— O que está passando? Ah, é Amor Real. Adoro essa novela.
— Sim, porque o enredo de triângulo amoroso está super na
moda… — caçoo.
— Ah, pare, você não sabe o que está falando. Aposto que
nunca nem viu uma novela mexicana antes. Você deve ser a
vergonha do seu próprio povo. — Começa a rir e põe a mão na
cabeça, enquanto apenas um de seus olhos estão abertos olhando
para a televisão.
— Mulher, você não sabe o que diz. Fui criado por uma
senhorinha chamada Maria Guadalupe. Não era permitido assistir
desenhos na hora das benditas novelas. Eu sei muito bem quem
está aí na TV.
— É mesmo? Então me diga.
— Ah, espere… — Coço a cabeça tentando lembrar da trama…
então tudo vem como um flash, do tempo em que era uma criança e
assistia TV junto a tia Lupita. — Matilde… acho que é assim que se
chama, é a protagonista. Ela namora um soldado às escondidas,
mas a família a obriga a se casar com Manuel, um homem rico…
bom, isso é tudo que me lembro.
— Nada mau, nada mau.
Ficamos em silêncio, apenas o eco da festa e as vozes da
televisão entre nós.
— Bom, acho que minha missão aqui acabou. Julie já deve estar
vindo. Fique bem, Evie.
Vou em direção à porta e quando estou prestes a tocar a
maçaneta, escuto sua voz atrás de mim:
— Miguel!
— Sim.
— Por que você não fica? A gente pode assistir à novela juntos.
Deus… como resistir a isso?
Caminho até a cama e paro na beira, de braços cruzados,
enquanto olho para a tela da TV.
Fico uns instantes assim, vendo a novela com ela até que sua
mão é estendida na minha frente. Sem entender eu seguro em seus
dedos magros e suaves quando sou puxado para cima da cama.
— Mas… — digo.
— Você ia ficar parado aí como um poste? Me poupe.
Certo, ela faz o impensável, me coloca deitado ao seu lado na
cama.
E nos quinze minutos seguintes ficamos prestando atenção na
trama dos anos dois mil. Na tela, Matilde, a personagem principal,
está sofrendo com o desprezo de seu amado. A TV ecoa os soluços
da protagonista.
— Acho que vou começar a chorar de novo… — Evelyn diz com
a voz embargada.
Não tenho tempo de nem ao menos pensar no que dizer, porque
no instante seguinte ela está com a cabeça em meu peito,
soluçando. Faço apenas o que meu coração manda, a abraço.
Coloco meus braços em volta de seu ombro e a puxo para mais
perto de mim.
Evie começa a chorar com vontade, encharcando minha melhor
camisa mais uma vez. Não me importo, ela poderia pisar em mim
com um salto agulha e eu ainda aceitaria sorrindo.
— Me desculpe, Miguel, mas acho que estou bêbada, ainda.
— Isso está mais do que provado, minha querida.
Ambos rimos, Evie entre soluços.
Até que seus ombros se aquietam e o que antes era um choro
cheio de peso, doído, se torna um lamento leve. Em minutos
percebo que ela está dormindo.
Em meus braços.
Não é uma realidade paralela, não é um sonho louco depois de
beber até tentar arrancá-la da minha mente. É a vida real, em som,
cores e cheiros.
Pouco a pouco meus pensamentos me dominam e percebo que
também tenho sono. Se eu me mover, vou acordá-la. Decido
cochilar um pouco, afinal o que poderia dar errado, não é mesmo?
No sono leve percebo que alguém abriu a porta e desligou a TV,
se retirando em seguida.
Sei disso pois percebo a luz vinda do corredor, mas estou fraco e
sonolento demais para reagir.
E meu último pensamento nesse dia é que, apesar de toda dor
envolvendo Evie, eu dormirei como o homem mais feliz do mundo.

Quando abro os olhos e encaro o tom rosado do céu vindo


diretamente da janela, sei que dormi demais.
A primeira coisa que sei é que não estou em meu quarto, e
quando tento me mexer, sinto um peso sobre meu corpo. Meu nariz
reconhece o cheiro de xampu que guardo tão bem na memória e
então tomo coragem e olho para baixo, encontrando Evie em meus
braços.
Puta merda!
Não foi um sonho. A noite anterior vem como um raio em minha
mente e me lembro de tudo, desde o momento que abri a porta do
quarto e encontrei Evie encolhida no chão, o que mais uma vez
partiu meu coração em dois, a propósito, até quando ela me puxou
para a cama e simplesmente desmaiamos.
Certo, e agora? Como sair sem acordá-la?
Estou tentando pensar em uma forma de me afastar
sorrateiramente quando olho para baixo mais uma vez e encontro
um par de olhos completamente abertos me encarando.
— Oi! — murmuro.
Afinal, o que mais eu poderia dizer?
Com um grito Evie se afasta, apertando o roupão que cobria seu
corpo.
— Evelyn, calma…
— Por que dormimos assim… assim? Ai, minha cabeça.
— O quê? Assim? Não, não aconteceu nada entre a gente. Você
não se lembra de ontem?
— Ontem? Sim, eu me lembro… — Seus olhos focam em mim e
se abrem com ela claramente relembrando a noite passada. — Meu
Deus, ontem! O que eu fiz? — Põe as mãos sobre a cabeça. —
Você… você estava aqui — afirma.
— Sim, eu estava aqui e te ajudei.
— Eu me lembro… me lembro de tudo… — Começa a andar de
um lado a outro. — Eu nunca mais vou colocar uma gota de tequila
na boca.
— Me deixe dizer que sou muito a favor dessa ideia.
— Que horas são? Ainda é cedo — fala rapidamente. — Eu
preciso… preciso…
Não termina de dizer a frase e caminha para o banheiro, se
trancando lá dentro e fechando a porta na minha cara.
— Evie? — bato levemente na porta.
— Hmm — ouço-a murmurar.
— Eu sei que você provavelmente está querendo ficar sozinha,
mas eu só saio daqui quando tiver a certeza de que você está bem.
— Hmm… eu estou bem. Não, quero dizer, eu não sei.
Respiro fundo, pois, seu tom de voz é baixo.
— Você quer que eu chame a Julie?
Ouço pés andarem rápido do outro lado e logo vejo uma fresta
da porta ser aberta.
— Não, não, por favor, a Julie, não.
— Mas vocês são melhores amigas.
— Hmm, acho que você não entenderia. — Vejo apenas um de
seus lindos olhos verdes pela fresta.
— Me faça entender.
— Você seria capaz de esperar alguns minutos? Eu estou
horrível.
Horrível? A mulher é linda quando acorda. Cheirosa, cabelo
bagunçado e pele macia, uma ode ao pecado.
— Claro — digo, dando um passo para trás e oferecendo o
espaço que imagino que ela precise.
Aproveito esse momento para ajeitar a mim mesmo. Arrumo
minhas roupas e visto novamente minha jaqueta, que encontro
jogada sobre uma cadeira.
Exatamente três minutos depois, Evie abre a porta, ainda em seu
roupão ela passa por mim e se senta na beira da cama, me
encarando com curiosidade.
— Eu acho que tenho muito que te agradecer por ontem.
— Ei, não foi nada.
— Claro que foi. Ninguém é obrigado a ficar cuidando de mim do
jeito que você ficou. E, na verdade, acho que te devo desculpas.
— Evelyn, realmente não é necessário…
— Sim, por favor. Eu te vi e comecei a jogar todos os meus
problemas em cima de você… transformei sua noite em um
verdadeiro desastre.
— Acredite em mim quando digo que eu não me importo, pelo
contrário, faria tudo de novo sem nem ao menos pensar duas vezes.
— Você é um cara legal, Miguel.
Vi-a suspirar.
— Céus, e agora eu tenho que enfrentar todo mundo… Julie,
meu Deus, Julie deve estar tão preocupada. Eu realmente gostaria
de fazer qualquer coisa menos isso, hoje.
— Bom, na verdade você não precisa.
— Como é? — Seus braços estão apoiados sobre os joelhos
quando ela me encara, como se eu tivesse ficado doido.
Porque é o que parece. Afinal, o que eu estou falando?
— Você não precisa ficar aqui hoje. Pode sair e…
— Pra onde eu iria? É uma boa ideia, mas…
— Você confia em mim? — Eu tenho uma noção do que quero
fazer e essa é minha chance de entrar na vida de Evie.
Diga que sim, diga sim.
Evelyn me fita seriamente por um instante e apenas assente.
— Então me deixe te tirar daqui e fazer você esquecer o que
quer que esteja te afligindo.
— Você… está falando sério?
— Nunca falei tão sério na minha vida.
Evie pondera um instante, mordendo o lábio, sem saber que
aquele movimento estava sendo meu inferno pessoal.
— Eu não sei…
Estendo a mão, com o mesmo sorriso que ela me deu na noite
passada quando me puxou para a cama.
É agora ou nunca.
Preciso de todo meu poder mental para não soltar um palavrão
de felicidade quando a vejo estendendo a mão até mim. Quando
nossos dedos se unem eu sorrio, genuinamente, sem querer
esconder meu triunfo.
— Achou mesmo que eu ia te deixar aqui assim? — digo e ela
sorri, lembrando-se do que me disse ontem.
— Vamos lá, Miguel, sou toda sua.
QUATRO

Siga-me
te darei meu coração
não o mate, por favor
e deixe-o sonhar.
Seguirei o sinal que você me dá
como o rio quando vai com a correnteza
Sígueme – Manuel Carrasco

Não saímos de imediato da casa. Depois que Evie concordou em vir


comigo, nós nos enfiamos cada um em um canto do quarto para nos
arrumarmos. Ela no closet e eu no banheiro.
Quinze minutos depois andávamos pé ante pé pela mansão dos
Carter a fim de não sermos vistos.
E agora… agora estamos os dois sobre duas rodas. Evie na
garupa, com os braços ao redor do meu corpo e eu com um sorriso
idiota nos lábios, pelo trânsito de Chicago.
No céu o sol começa a sair preguiçosamente e o vento bate em
nosso rosto, um símbolo de liberdade.
— Só agora me dei conta de uma coisa — ouço ela gritar às
minhas costas.
— O quê?
— Eu nunca andei de moto antes. — Suas mãos espalmam meu
abdome e eu quase fecho os olhos.
— Melhor ainda.
— Por quê?
— Assim vai ter mais emoção!
E sigo pela rua, ultrapassando alguns carros e acelerando a
moto. Evie solta alguns gritinhos, me fazendo rir de suas reações
exageradas a cada ultrapassagem.
Mais alguns minutos e estamos em nossa primeira parada, uma
lanchonete vinte e quatro horas que serve o melhor café da manhã
de toda a cidade.
— Não acho que comer seja uma boa ideia… — fala enquanto
ajeita o cabelo depois que a ajudo a descer da Harley.
— Confie em mim. Nada cura melhor uma ressaca do que um
bom café da manhã.
Ofereço meu braço a ela, que o aceita com um dar de ombros.
Entramos na lanchonete, que está fervendo de gente. Pessoas
voltando de uma noitada ou então fugitivos, como Evelyn e eu.
Escolho uma mesa bem no canto da entrada, com vista para a rua.
Quando a garçonete chega até nós e me dá uma piscadela de
reconhecimento eu apenas lhe dou um breve aceno com a cabeça.
Nada de flertes hoje, minha atenção é toda para a loira de olhos
verdes em minha frente. Que ainda está de coração partido, me
lembro.
— E então, o que vão pedir? — a garçonete questiona com um
olhar perdido entre nós dois.
— Não faço ideia… — Evie tem o rosto enfiado no cardápio.
Decido tomar a frente e fecho o cardápio, unindo suas mãos.
— Nós vamos querer o café da manhã completo. Ovos, bacon,
panquecas, croissant, alguma fruta e um café bem forte pra essa
mocinha aqui.
Vejo-a sorrir sem jeito e sorrio de volta, a garçonete por sua vez
se vai assim que anota os pedidos.
— Você não parece estar tão mal assim, não se preocupe —
digo quando ela começa a se ajeitar sistematicamente.
— É porque você não está dentro da minha cabeça. — Revira os
olhos. — Desculpe, estou sendo uma péssima companhia.
— De forma nenhuma, você está lidando com a situação da
melhor forma possível.
— Ou seja, não estou lidando. — Aperta as têmporas. — Meu
Deus, eu acho que nunca mais vou beber na minha vida.
Acabamos rindo quando olhamos um para o outro.
— Você vai voltar a beber, te garanto, mas vai pensar duas
vezes antes de ingerir dez doses de tequila.
— Ei, foram seis ou dez? — Ela dá uma risada, mas reclama da
dor de cabeça em seguida. — Bom, acho melhor parar um pouco de
falar sobre mim, ou então você nunca mais vai querer me ver na sua
frente.
— Não diga isso. — Rimos outra vez.
— Fale-me de você — ela pede, e tenho total atenção das duas
pedras de jade que são os olhos de Evie.
— Não há muito o que dizer sobre mim, apenas que gosto de
ficar embaixo de caminhões, completamente sujo de graxa.
— Bom, nisso aí você já está há anos luz à minha frente, pois eu
não entendo nada de mecânica.
— Não?
Nega com a cabeça.
— Ultimamente eu deixava por conta de Hugo fazer as revisões.
— Faz uma careta. — Droga, cá estou eu, falando dele outra vez.
Vejo sua mão tremer sobre a mesa e a cubro com a minha. Sua
pele é lisa e macia. Posso apostar que ela usa cremes de todos os
tipos, até mesmo para as mãos.
— Ei, não se culpe. O babaca é ele, não você.
— Ainda não acredito que te contei aquilo tudo, ontem.
— É tão ruim assim que eu saiba? — Faço a pergunta, mas ao
mesmo tempo não quero saber a resposta.
Evie abre a boca para dizer algo, porém somos interrompidos
pela garçonete, que volta trazendo alguns de nossos pedidos. A
mesa logo se enche de comida, enquanto ainda estou preso à
possível resposta dela.
— Hmm… é a melhor panqueca que já comi. — Trato de afastar
a imagem que surge em minha mente com seu gemido.
— Eu te disse — respondo vitorioso.
Um silêncio surge entre nós. Distraio-me com minha própria
comida enquanto Evelyn continua a fazer sons deliciosos e
insalubres para minha sanidade mental.
— Não é tão ruim assim.
— Assim você me ofende, a comida aqui é fantástica.
— Não estou me referindo à comida, e sim a você saber sobre o
que aconteceu.
— Ah…
— Quero dizer… é como se nós fossemos quase amigos, certo?
Quase amigos? Obrigado por chutar minhas bolas.
— Você acha? — é o que consigo responder.
— Bom, você e Julie são primos e ela é minha melhor amiga…
Acho que “quase amigos” é melhor do que “quase primos”.
— Acredito que isso faz de você alguém com quem eu me
importe, Evie. — Toco sua mão novamente. Isso a faz corar.
— Obrigada, Miguel, isso é muito doce da sua parte.
Quero dizer mais coisas, quero mostrar o quanto ela é
importante para mim, quero falar o quão animado estou por apenas
estar ao seu lado em um simples café da manhã, mas sei que é
muito cedo. Evie está com o coração partido e provavelmente ainda
ama o Hugosmento.
Não falo mais nada enquanto continuo a comer por mais alguns
minutos, mas sei que não posso ficar calado para sempre, assim
pergunto:
— E então, para onde quer ir depois daqui?
— Não faço ideia — limpa os lábios com o guardanapo —, achei
que estivesse em suas mãos.
— Bom, eu só queria confirmar. Conheço um lugar ótimo para
irmos, e você vai se divertir.
— Contanto que me faça pensar em qualquer coisa além da
minha miséria, estou dentro.
Ela ri, mas acabo não achando graça. Eu tinha nas mãos a maior
missão da minha vida.
Fazer Evelyn White feliz por um dia. Quando, na verdade, eu
queria fazê-la feliz pela vida toda.
Uma mordida de cada vez Miguel, uma de cada vez.
Terminamos de comer entre silêncios e comentários sobre a
comida.
Depois de pagar, estamos indo em direção à moto quando me
lembro que saímos esgueirados de casa.
— Não quer enviar uma mensagem para Julie? Ela pode estar
preocupada.
— Até gostaria, mas deixei meu celular na casa dos Carter.
— Deixa comigo, então.
Saco meu telefone do bolso e encontro duas chamadas perdidas
e algumas mensagens da minha prima.
“Estou com Evie, vamos passar o dia juntos. Ela está bem”
Digito rapidamente e na mesma hora Julie se põe online e me
responde:
“Eu vi vocês juntos essa noite, trate de se explicar, cabrón”.
“Não aconteceu nada demais. Vou deixá-la em casa mais
tarde.”
O celular vibra mais algumas vezes em meu bolso, mas decido
que isso é tudo que direi a ela no momento.
— Preparada? — pergunto ao subir na moto e oferecer minha
mão a Evie.
— Preparada.
Sorrimos um para o outro e me lembro que ela está sem
capacete. Preciso protegê-la.
É por conta disso que nossa primeira parada é em uma loja da
Harley. Nos divertimos enquanto olhamos todos os corredores e a
ajudo a escolher um capacete vermelho brilhante. Evie também
troca suas sandálias de tiras por um coturno que fica super sexy
com sua calça jeans.
Logo depois estamos de volta à estrada, com ela abraçada a
meu corpo e o trânsito do sábado de manhã crescendo.
Atravessamos a cidade e meia hora depois chegamos à beira do rio
Chicago para minha primeira surpresa do dia.
Se você pretende fazer alguém esquecer de alguma coisa,
precisa fazer essa pessoa trabalhar duro.
— Um passeio de canoa? — ouço-a dizer após descer da moto
com pouco ânimo.
— Vamos, será divertido.
— Não estou dizendo que não seja… é que eu nunca fiz.
Encaramo-nos com diversão nos olhos.
— Esse é um dia de grandes primeiras vezes, hein?
Andamos até a entrada do Wateride, um local que aluga canoas
para passeio de turistas e qualquer outro cidadão interessado em
conhecer os canais da cidade.
Depois de uma breve palestra de um instrutor chamado Harry,
somos guiados a um pequeno píer, mas não sem antes estarmos
devidamente vestidos com coletes salva-vidas. Já dentro das
canoas, começamos a remar lentamente para longe da margem e
cada vez mais para dentro do rio.
A vista da cidade é magnífica, tudo passa como em câmera lenta
para nós enquanto trabalhamos nossos braços rio acima.
— Que tal uma aposta? — Dou-lhe o meu olhar maroto.
— Cuidado, que você pode estar despertando um monstro.
— Por favor, faça o seu pior.
Evie joga um pouco de água em mim com seu remo e começa a
acelerar com toda sua força de vontade.
— Ei, vamos até a ponte e voltamos. Quem chegar por último
paga o almoço.
— Feito! — ela diz, já passando por mim toda compenetrada em
sua missão.
Ótimo, isso dará a Evie ao menos um tempo sem pensar no
infeliz.
Começamos a remar enquanto implicamos um com o outro. As
águas do rio Chicago não são agitadas, o que facilita a missão, e o
azul cristalino torna tudo mais agradável.
— Espere, Miguel… acho que ainda estou com a barriga muito
cheia para fazer exercícios físicos… — ouço-a dizer a alguns metros
atrás de mim.
Logo levo minha canoa para seu lado com meus olhos doentes
de preocupação.
— É mesmo? Talvez seja melhor pararmos um pouco, você
realmente está um pouco verde.
— Na verdade… — continua a remar —, eu só queria te atrasar
mesmo. — Ganha velocidade, a danada. — Agora sim, eu te deixei
para trás. E eu não estou verde. — Seu tom parece ultrajado.
Demoro a perceber a sua ousadia, apenas quando ela está a
vários metros de mim me dou conta de que fui passado para trás.
Garota esperta.
Volto a remar com toda a minha força e emparelho minha canoa
com a dela. Acabamos dando gargalhadas e continuamos a remar
os dois juntos, dando a volta na ponte depois de um tempo e
fazendo o caminho de volta.
— É, acho que foi um empate — ela diz quando estamos
próximos do píer outra vez. — Vamos rachar a conta do almoço?
— Nada disso. Quem convida paga. Você é minha convidada
mais que especial hoje.
— Mas…
— Sem mais nem menos. — Paro de remar quando estamos
lado a lado.
— Há quanto tempo estamos aqui, será? — questiona
observando a cidade ao nosso redor.
Verifico o relógio em meu pulso e percebo que já é quase meio-
dia.
— Sem querer te assustar, mas estamos nessa há umas duas
horas e meia.
— Tudo isso? — Seus olhos se arregalam. — É por isso que
meus braços estão queimando.
Sinto-me culpado por um momento por fazê-la se cansar tanto
depois da noite de ontem.
— Evie, eu sinto muito se não foi uma boa ideia…
— O quê? Não se atreva, Miguel. Não me peça desculpas. Eu
adorei cada minuto. Inclusive, estou ansiosa, qual será a próxima
atividade? Podemos comer antes? Eu estou faminta.
Acabei rindo do seu modo de falar. Evelyn é conhecida como
alguém de grande apetite, e não posso negar, eu também não fico
atrás.
Remamos de volta ao cais onde desembarcamos e tiramos
algumas fotos com meu celular.
É óbvio que eu não perderia a chance de ter fotos com Evie, eu
pensaria nesse dia por muitos e muitos meses. Queria algo que me
provasse que foi real.
Eu sabia onde queria levá-la agora. Evelyn precisa de
tranquilidade, por isso assim que chegamos ao Harrison Parque vi
seus olhos se iluminarem.
— Julie já me falou desse lugar uma vez.
— É a parte mais mexicana de Chicago. Venho aqui sempre,
seja para comer ou relaxar. Pronta para a segunda parte do
passeio?
— Estoy lista, señor! — responde em espanhol, me deixando um
pouco bobo.
CINCO

Se eu pudesse ser seu herói


se eu pudesse ser seu Deus
porque te salvar mil vezes
pode ser minha salvação
Heroe – Enrique Iglesias

Nós estamos em nosso quinto taco e tudo que dizemos um para o


outro é uma sinfonia de exclamações sobre o maravilhoso molho
com tortilhas.
— Hmm, sério, é o melhor taco que comi em minha vida. Será
que é porque eu estava com muita fome?
Gargalho.
— Não sei, mas sei que essa região da cidade é o melhor lugar
para comer comida mexicana de verdade.
— Obrigada, Miguel, por toda essa experiência gastronômica
hoje. — Limpa os lábios com o guardanapo.
— Ao seu dispor. — Aceno com um chapéu invisível.
Ela suspira profundamente enquanto apoia os cotovelos na
grama onde estamos sentados. Ficamos em um agradável silêncio
enquanto o mundo continua a funcionar ao nosso redor. As pessoas
passam, o vento sopra, as árvores deixam as folhas caírem…
— Olhe só para eles. — Ouço a voz de Evie entrando em meus
pensamentos enquanto eu apenas apreciava estar ao seu lado.
— Quem?
— Ali! — Aponta nada discretamente para um casal a vários
metros de onde estamos. — Veja como estão apaixonados. Será
que vão estar juntos daqui a dez anos?
— Não sei, Evie… talvez devêssemos ir lá e fazer amizade com
eles, pedindo para mantermos contato e nos contarem daqui a uma
década se ainda estão juntos.
— Não seja bobo. — Ela me empurra e caio deitado na grama.
Ao meu lado Evie também se deita e encara o céu. Faço o
mesmo porque não confio em mim para olhá-la tão de perto.
— O que quero dizer é que… ah, deixa pra lá.
— Não, continue. Agora que começou, vá até o fim.
Ela dá um leve suspiro.
— Veja eles… tão apaixonados. Não imaginam que às vezes um
final amargo os espera…
— Nem todo amor tem um fim amargo.
Sinto-a virar e me encarar ao dizer:
— Você acredita no amor?
— Sim — respondo mais rápido do que meu cérebro pôde
processar a pergunta.
Continuo observando o céu e ao meu lado Evie permanece em
silêncio por alguns instantes, até que diz:
— Não sei muito bem o que dói mais, descobrir que não havia
amor da parte dele ou que ele me descartou tão fácil na primeira
dificuldade.
Sinto a raiva me consumir mais uma vez enquanto noto a dor em
sua voz. Seu tom é como o de alguém distraído, perdido nos
próprios pensamentos.
— Eu fui à médica pegar meus exames, então recebi a grande
notícia. Como uma bomba estourando bem em minhas mãos. —
Solta um riso seco. — Eu chorei um pouco na frente da doutora,
mas parei e pensei: ei, o mundo não acabou. Você tem o Hugo, tem
uma vida pela frente e há outras opções. Então eu fui para casa e
contei para ele. Eu realmente pensei… pensei que ele me
consolaria. Que consolaríamos um ao outro. Que eu me apoiaria
nele e tudo ficaria bem.
Paro de ranger os dentes antes que ela perceba que minha
vontade é pegar o primeiro avião e ir partir a cara do imbecil.
— Então ele me disse: “não posso fazer isso”. “Não quero criar
filhos de outras pessoas, quero criar os meus filhos”.
Não consigo não olhar para ela nesse momento. Estou inflamado
de revolta e fúria.
— Eu nunca imaginei que ele fosse esse tipo de cara. Ele nunca
deu o menor sinal, sabe?
— Evie… — chamo-a de volta à realidade, mas ela está perdida
demais em si mesma.
— Eu fiquei tão surpresa, tão chocada, que nem ao menos reagi.
Eu o vi arrumar as coisas dele e partir… enquanto fiquei sentada no
sofá. Fiquei horas ali olhando para o nada depois que ele se foi. O
que eu faria? — Eu vejo seus olhos se encherem de lágrimas, para
então não derramar nenhuma. — Mas aí eu me dei conta que
precisava continuar. Que tinha que dar um jeito de tocar a vida, que
isso não poderia ser o fim para mim. Então eu fui trabalhar no dia
seguinte, e comecei a desmanchar todos os preparativos do
casamento. Eu voltava para casa à noite e me forçava a não pensar
no que tinha acontecido. Porque não fazia sentido eu me sentar e
sofrer por algo que eu não podia mudar…
— E o que aconteceu para eu te encontrar daquele jeito na casa
dos Carter?
— Ah… sim. Bom, eu tinha combinado com Julie para vir no fim
de semana… e logo vi as crianças… a dor começou a chegar em
ondas, um verdadeiro oceano que eu não podia controlar. E o resto
você já sabe.
— O que Julie disse?
— Sobre o quê?
— Sobre tudo.
— Ela não sabe. — Sua mão pousou no meu braço em um toque
desesperado. — Por favor, Miguel, não diga nada. Ela ainda não
sabe que não posso ter filhos. Não tive coragem de contar, porque…
porque não vou poder aguentar o olhar de piedade dela.
— Ah, Evie…
— Eu sei, eu sei, sou uma estúpida.
— Não, eu jamais diria isso. Só acho que… — Não sabia ao
certo se deveria continuar falando e cavar tão fundo em sua ferida.
— Você só acha…
— Que você não deveria diminuir a sua dor.
— Hmm.
— As coisas não vão passar mais rápido se você as ignorar.
Então se quiser chorar, chore. Se quiser gritar, grite. E se quiser que
eu vá atrás do infeliz para lhe ensinar uma lição, conte comigo.
Arranco um sorriso dela, o que me acalma um pouco.
— Onde você estava, Miguel, que nunca tivemos uma conversa
tão profunda como essa?
Aqui, bem aqui, esperando por você.
— Bom, eu acho que andei muito tempo escondido debaixo dos
caminhões.
— É claro, a transportadora. Você é um homem de sucesso.
— Agradeça a Violet… e a Julie também. A única coisa que eu
faço é colocar caminhões na estrada.
— Não seja modesto. Sei muito bem que seu primo Jorge e você
andam com os bolsos cheios de dinheiro.
— Bom, é verdade que Jorge controla as coisas em Cleveland…
— Miguel…
— Está bem, está bem, não tenho do que reclamar nos últimos
tempos.
Ganho um tapinha no ombro e finjo sentir dor.
O silêncio ressurge por vários instantes até que me atrevo a
olhá-la e a encontro mais relaxada.
— Sabe que uma hora terá que contar para ela, não sabe?
Evie assente enquanto morde o lábio inferior.
— Só estou esperando o momento certo.
— Se me permite a intromissão, o momento certo sempre é
quando estamos precisando do carinho de alguém.
Ela assente outra vez e ficamos nos encarando, olhos nos olhos
pelos segundos seguintes. E consigo ver seu rosto de perto pela
primeira vez. Os olhos esverdeados tão densos, um nariz pequeno e
os lábios finos rosados pelo batom.
— Aquilo é um museu? — Aponta, claramente olhando para algo
às minhas costas.
— Hmm, sim. — Lá do outro lado da rua fica o Museu Nacional
de Arte Mexicana. Eu me lembro de visitá-lo com tia Lupita uma vez,
há muito tempo, mas tudo não passa de um borrão na minha mente.
— Você quer ir até lá?
— Você não se importaria? É que eu amo museus.
— É claro que não. Será um prazer.
Vamos até o edifício coberto de grafites que simbolizam a cultura
mexicana. Atravessamos as portas de vidro e entramos numa
atmosfera completamente diferente. Paredes de cores fortes,
quadros e esculturas coloridas, tudo hipnotizante e belo. Nos
perdemos nas histórias ali contadas através das obras de arte. Evie
acha tudo interessante e faz questão de pedir minha opinião e ajuda
para tentar entender algumas peças.
Chegamos a uma sala onde só há fotos de Frida Kahlo e a vejo
parada, olhando atentamente para um dos quadros.
— Gostou desse? — questiono, me colocando ao seu lado outra
vez.
— Sim… na verdade, olhar pra ela tão atentamente me faz
refletir.
— Algo especial?
— Sim… será que ela se sentia culpada?
— Pelo quê? — questiono confuso.
— Por amar Diego… quero dizer, o cara era um canalha.
— Bom, no coração não se manda.
— Pois é…, mas consigo entendê-la numa coisa.
— Qual coisa?
— Nós duas sabemos o que é se apaixonar por um idiota.
Fico em silêncio enquanto ela lança uma risada seca e sem
graça. Toco seu ombro em sinal de apoio e ela deita a cabeça em
minha mão. Um misto de sentimentos me preenche. Quero gritar
que estou aqui para ela e por ela. Que há um bobo apaixonado
esperando-a desde sempre e que seria incapaz de lhe fazer dano.
No entanto as palavras morrem em minha garganta da mesma
forma que a paixão se acende em meu peito.
Ganhei um dia ao seu lado… e é como andar nas nuvens. A
cada vez que Evie recorda que está de coração partido, eu caio
diretamente no asfalto desde o céu que é estar tão próximo a ela.
Ficamos nas exposições por mais ou menos quarenta e cinco
minutos. O museu não é muito grande, mas contém uma infinidade
de peças interessantes e até uma loja de souvenirs.
É lá que Evie e eu paramos por último, encantados com os
objetos em miniatura ali representados e as lembrancinhas
disponíveis. Vejo um colar com um pingente em que um gatinho
está vestido de Mariachi e tenho uma ideia. Enquanto Evie parece
entretida e risonha com a seção de canecas, compro o colar
discretamente.
Volto para seu lado com o coração acelerado pela adrenalina de
fazer algo escondido. Evie sorri quando me vê outra vez e aponta
para as canecas com frases divertidas.
Quando terminamos de ver todas as prateleiras, nos
direcionamos para a saída lateral do museu, de onde podemos ver
uma outra parte do parque.
De volta à rua observamos uma movimentação, até que
enxergamos um palco montado logo a frente e dezenas de pessoas
assistindo a um show musical.
— Olha, tem alguma coisa rolando ali — ela diz já se
movimentando para o meio da multidão.
Evie aparentemente gosta de qualquer tipo de agitação, pois
logo estamos em meio às pessoas e o som da música regional nos
envolve. Vejo-a sorrir enquanto observa tudo com curiosidade.
— É um festival de música mexicana, que máximo, Miguel.
Logo estamos observando tudo e participando junto com as
pessoas, batendo palmas e gritando em espanhol.
As horas seguintes passam sem que nós percebamos. Evie
parece uma criança feliz enquanto come mais das comidas típicas e
canta junto a mim algumas canções que estão sendo tocadas.
É quase o final da tarde quando o grupo regional que tocava
deixa o palco e dá lugar a um grupo de música pop. As pessoas
parecem ainda mais animadas, embaladas pelas músicas. Ao meu
lado, Evie parecia saber cantar todas e balança ao ritmo de cada
canção.
Sorrio ao vê-la distraída e feliz.
Alguns minutos depois, uma balada romântica começa a tocar e
os casais ao redor se unem, dançando e beijando-se. A situação
piora quando o vocalista da banda dedica a música a todos os
apaixonados. Evie joga os braços para o alto e começa a dançar
sozinha.
— Ei, assim você me ofende — digo com a voz de quem está
chateado.
— Por quê? — Ela me encara com o cenho franzido.
— Está me devendo uma dança. A última foi interrompida por…
— Não complete, por favor. — Ri. —Tudo bem, senhor
dançarino.
Sem precisar de algo mais como incentivo, me aproximo e uno
nossos corpos com meu braço ao redor de sua cintura. Evie me
incentiva com um de seus lindos sorrisos e enlaça seus braços em
meu ombro enquanto sua mão se junta à minha.
Quando ela deita sua cabeça em meu peito, tenho medo que ela
perceba que meu coração está como se eu tivesse corrido uma
maratona. Talvez se ela escutasse as batidas, ouvisse o quanto a
desejo, o quanto sonho em fazê-la feliz.
É como uma benção divina tê-la em meus braços pelos poucos
minutos seguintes. Sinto o já tão costumeiro cheiro de seu xampu e
o perfume da sua pele que se impregna em minha roupa. Cacete,
talvez eu nunca mais lave a camisa que estou usando. Deixaria com
o perfume dela para sempre.
Quando a canção acaba, o sol está baixo e começa a ventar.
Com cuidado para que ela não perceba que resmungo mentalmente
por ter que deixá-la se afastar, nos separamos. Vejo-a abraçar o
próprio corpo e sem pensar duas vezes tiro minha jaqueta e coloco
sobre seus ombros.
— Obrigada, Miguel, é muito doce da sua parte, mas você não
vai sentir frio?
— Não vou, não.
Não com você ao meu lado.
— Tem outra coisa que eu queria que você usasse.
Retiro a pequena embalagem de veludo do bolso e entrego a
ela. Com renovado interesse e cheia de curiosidade ela toma o
objeto das minhas mãos e o abre rapidamente. Logo o colar está em
seus dedos.
— Ah, Miguel, que fofo. Eu amei! — Seus olhos brilham ao
encararem os meus.
No instante seguinte Evelyn pula, literalmente, em meu corpo e
me dá um abraço apertado. Retribuo, porque não sou idiota, e meus
braços a envolvem por completo.
É ela quem se afasta e me dá um susto ao se aproximar outra
vez e depositar um beijo estalado em minha bochecha.
Com honestidade? Acho que não há um só músculo do meu
corpo que não tenha ficado trêmulo com sua iniciativa. Foi rápido e
aniquilador. Meu coração, que já estava como uma locomotiva, dá
cambalhotas em meu peito.
Ela é tão bela que até dói encará-la. Não nos separamos
totalmente no fim do abraço, ficamos nos olhando enquanto a banda
ao longe toca outra música romântica e lenta. Sorrio para Evie, mas
ela não esboça nenhuma reação. Apenas me observa atentamente
e começa a se aproximar outra vez. Suas mãos sobem e enlaçam
meu pescoço e eu engulo seco.
O que está acontecendo, Evie?
Sinto sua doce palma acariciar meu rosto por um instante
enquanto seu rosto continua aproximando-se do meu.
É agora, não é? Por favor, Deus, faça acontecer.
Estou prestes a cruzar o restante do caminho entre nossas
bocas quando Evie é tirada dos meus braços graças a um empurrão
dado por um idiota bêbado.
— Poxa, foi mal, gata — o homem fala olhando para Evie, que
parece ter despertado de um transe.
Foi péssimo, seu idiota.
Fecho a cara. De repente me sinto um desastre e o mau humor
me abate. Mas tenho Evie à minha frente, ainda me observando
atentamente.
— Está tudo bem? — pergunto.
— Sim, está. Na verdade, acho que já quero ir embora. Julie
deve estar preocupada e estou um pouco cansada.
— Claro, como você quiser.
Eu sei que nada dura para sempre, mas viveria esse dia
eternamente ao lado de Evie, se fosse possível.
Atravessamos o parque e deixamos para trás o museu e o
festival de música e logo estamos sobre a moto a caminho da casa
dos Carter. Nosso caminho de volta é feito junto com o pôr-do-sol.
Aproveito os últimos instantes de sua presença e de seus braços em
minha volta. Enquanto atravessamos a cidade, penso no meu dia de
sorte.
Chego em frente à mansão Carter e a ajudo a descer da moto,
sabendo que esse é o fim. O dia ao lado de Evie apenas serve
como prova de que a tarefa de esquecê-la não será fácil.
— Miguel… não sei como te agradecer pelo dia. — Ela me
devolve o capacete comprado no início da manhã.
— Bom, o fato de você estar melhor e feliz já é agradecimento
bastante.
Ela vem em minha direção e me dá um abraço de despedida.
Ficamos abraçados por algum tempo, como se quiséssemos dizer
alguma coisa com nossos corpos.
— Ei, aí estão vocês. — A voz de Julie faz com que a gente se
separe.
— Olá! — dizemos ao mesmo tempo.
— Olá para vocês também. Se divertiram?
— Muito, amiga, Miguel me levou para passear e matei as
saudades de casa.
— Que bom. — Os olhos de Julie pousam sobre mim cheios de
interrogação.
É o momento de bater em retirada.
— Vamos entrar, vem, Miguel.
— Sinto muito, Julie, mas já vou indo. Vim apenas deixar Evie.
— Mas…
Faço um sinal de que não quero discutir e minha prima se cala.
— Fique bem, Evie. Tchau, Julie.
— Tchau, Miguel! — Julie ainda acrescenta sem que Evie
perceba. — Me liga — fala sem que nem um único som saia de sua
boca.
Elas partem para dentro da residência, enquanto eu volto para
casa, para minha vida sem Evelyn White.
SEIS

Beije-me, como se o mundo fosse acabar


depois
Beije-me
E beijo a beijo ponha o céu de ponta cabeça
Beije-me!
Sem pensar, porque o coração quer
Beije-me
Bésame - Camila

Estou na melhor parte do meu sono e é óbvio que estou sonhando


com o dia que acabei de ter com Evelyn. Não há nada mais
importante em minha mente nesse momento.
No sonho ainda estamos deitados sobre a grama, observando o
céu de mãos dadas e sussurrando segredos nem um pouco
inocentes. Você precisa me dar um pouco mais de crédito, eu sou
um homem.
Um barulho começa a afetar meu sonho de forma insistente e sei
que não tem mais volta. Estou cruzando a linha entre a escuridão e
a consciência e o sonho se torna cada vez mais distante. É a eterna
sensação que tenho a respeito de Evie, posso senti-la, até tê-la por
perto com um pouco de sorte, mas nunca a tocar.
— É bom que seja importante — murmuro mal-humorado
tateando a mesinha ao lado da cama. — Alô! — digo com a voz
grossa e ainda de olhos fechados, sem me importar se estou sendo
mal-educado com a pessoa do outro lado.
— Hmm, olá. Miguel? Sou eu, Evie.
— Evelyn? — Sento-me na cama como um morto que volta à
vida. — Ah, olá. Bom dia. — Começo a limpar os olhos e solto um
leve pigarro para disfarçar minha rouquidão.
— Bom dia! Eu o acordei? Me desculpe, eu não quero
incomodar, de verdade.
— Não, imagina, está tudo bem. Aconteceu alguma coisa?
— Na verdade, não. É que Julie está ocupada com Mia no quarto
e pediu que eu te ligasse. A casa está uma verdadeira festa, e
Eleanor insiste em fazer um almoço de despedida para mim.
— Almoço de despedida?
— Sim, meu voo é hoje à tarde. Bom, não importa, eu estou
ligando porque todos me pediram para te convidar a vir almoçar
conosco.
— Ah, sim, almoço… — Meu cérebro está uma verdadeira
gelatina, e demoro a compreender tudo que Evelyn tem a me dizer.
Ela vai embora. Vai embora hoje à tarde, seu idiota, e você
provavelmente não a verá tão cedo outra vez.
— E então, você vem? — ouço-a dizer e tenho certeza que está
mordendo o lábio inferior do outro lado do telefone. — Eu irei
cozinhar, junto com Eleanor.
É claro que eu iria. O que Evelyn White não me pedia que eu
não seria capaz de fazer?
Escalar uma montanha? Fácil.
Cruzar um oceano em uma canoa? Considere feito.
Almoçar com a família rica da minha prima? Provavelmente era a
coisa mais fácil que eu iria fazer na vida.
— Pode contar comigo. Estarei aí.
— Ótimo, Julie pediu que você chegue por volta das 12h. Tudo
bem pra você?
— Sem problemas. Nos vemos ao meio-dia.
— Então tá, até mais, Miguel.
Despeço-me e quando ela desliga o telefone olho a hora pela
primeira vez, e me dou conta que já estou atrasado. São 11h da
manhã.
Depois de fuçar no guarda-roupas e achar uma camisa decente
para o almoço — talvez eu precise realmente comprar algumas
roupas novas —, acabo me arrumando em tempo recorde. Saio de
casa, não sem deixar comida para Nacho, e paro em um
mercadinho chique próximo ao condomínio onde vive Eleanor
Carter.
Vinho, dessa vez vou munido de vinho para a mansão Carter,
nada de flores. Eu aprendi bem minha lição.
Quando toco a campainha, posso ouvir o barulho de vozes
animadas do outro lado da porta. Quando ela se abre, é Devon
Carter quem eu encontro em minha frente. Vestido casualmente,
seu rosto se contorce em uma careta ao me ver, é o máximo de
ensaio de um sorriso que o homem já me deu na vida.
Nosso histórico não é dos melhores, ainda me lembro bem dos
meus punhos atingindo o queixo do babaca em uma briga que
tivemos quando ele e Violet nem eram casados ainda.
Bom, águas passadas, não é mesmo? Jurei para minha gerente,
e a segunda em comando na transportadora, que me comportaria
toda vez que estivesse do lado do marido dela, e ela provavelmente
exigiu o mesmo por parte do esposo, porque seus olhos não têm
nem um pouco de animosidade com a minha presença.
— Miguel.
— Devon.
Nos cumprimentamos assim, simplesmente. O homem dá um
passo para o lado, deixando espaço para que eu passe, e eu entro.
Logo meus olhos encontram a tão conhecida sala, que nesse
instante parece um caos, com crianças correndo, brinquedos
espalhados e adultos risonhos sentados no sofá. Qualquer um
deixaria de reconhecer o salão de festas que a casa havia sido há
dois dias atrás.
— Olhe só quem chegou. — Ouço a voz animada de Eleanor e a
mulher logo se aproxima com um de seus grandes sorrisos.
E eu vou ser apalpado em três… dois… um.
Ganho um beliscão no bumbum seguido de um abraço, seu jeito
nunca me ofendeu, sempre me fez rir, na verdade. Dessa vez não é
diferente.
— Olhe só quantos músculos, Miguel, você anda malhando
pesado, hein?
Acabo rindo enquanto vejo Alex e Devon, os filhos de Eleanor,
completamente mortificados com a cena.
— Você chegou bem na hora, já vamos comer.
— Que bom — digo um tanto tímido enquanto varro o local em
busca de Evelyn.
— Ela está na cozinha — murmura Eleanor e faz com que eu
arregale os olhos.
— Está?… Quero dizer, quem?
— Tudo bem, se é assim que você quer que seja, é assim que
vai ser.
Eleanor revira os olhos para mim quando me faço ainda mais de
desentendido.
— Olá, chefinho, aí está você — é Violet quem diz, ela e Julie
vêm em minha direção.
— Ei, querido! — Minha prima me abraça, apenas para dizer: —
Você prometeu me ligar.
— Olá, Violet! — Olho para Julie. — Hmm, não prometi, não.
Ela solta uma lufada de ar.
— Então trate de ligar. — Coloca as mãos na cintura.
Um alerta vermelho se forma na minha cabeça. Por que
pressinto que esse almoço é na verdade uma armadilha?
— As batatas estão prontas. — Ouço a voz de Evelyn e seus
inconfundíveis saltos enquanto se aproxima da sala.
Sem perceber, abro um sorriso automaticamente. Apenas
quando reparo no sorriso de Julie e Violet para mim é que me dou
conta que estou com os dentes arreganhados.
Muito sutil, cara, parabéns.
— Vamos para a mesa? A comida já vai ser servida.
Todos se unem em pares e andam para o que parece ser a sala
de jantar.
— Você veio. — Evelyn se aproxima e toca em meu braço, me
dando um beijo no rosto ao qual retribuo logo em seguida.
— Comida boa e caseira em um domingo? Não tinha como eu
perder.
Rimos.
— Passou bem de ontem para hoje?
Meus olhos se fixam nos seus, e ela sabe que estou
questionando se houve mais algum evento envolvendo choros e
tequila.
— Sim, muito bem. — Seu sorriso é doce e genuíno.
Caminhamos lado a lado e quando chegamos na sala de jantar,
os últimos assentos que restavam eram os nossos, juntos.
A comida logo começa a ser servida enquanto as crianças ficam
na saleta com uma babá. Um falatório toma conta da mesa ao
mesmo tempo em que todos começam a fazer sons agradáveis,
mostrando como a comida estava boa.
— Evie, as batatas ficaram ótimas — Alex diz enquanto rouba
um pedaço do almoço da esposa, Julie.
— Foi você quem preparou? — questiono surpreso.
— Sim, são a minha especialidade.
— Estão muito boas, de verdade.
— Obrigada. — Vejo-a ficar com as bochechas rosadas por
alguns momentos e sinto uma imensa vontade de tocá-la, talvez
segurar e beijar suas mãos.
Não, cara, se concentra. Mantenha o foco.
— Como vão os negócios, Miguel? Você anda sumido… — ouço
Alex dizer, mas estou muito concentrado no rosto de Evie para
responder-lhe rapidamente.
Acabo pigarreando e voltando meus olhos para meu próprio
prato antes de tornar a dizer qualquer coisa.
— As coisas vão muito bem. O fato de vocês serem nosso
principal cliente abriu muitas portas nos últimos tempos. Então, eu
tenho mais a agradecer do que qualquer coisa.
—Bobagem. — Alex acena, como para que eu deixasse o
assunto de lado.
— E isso aliado ao fato de que eu tenho a melhor gerente de
todas.
— Pensei que você iria esquecer de citar meus prodígios —
Violet diz, fazendo todos na mesa rirem. — Miguel é modesto, mas
as coisas na transportadora vão de vento e popa.
— Isso porque minha segunda em comando é extremamente
eficiente — elogio.
— Um brinde a isso. — Violet pisca e levanta sua taça de vinho
branco.
Continuamos a comer entre conversas amenas e risadas. Alguns
minutos depois, é a vez de Eleanor me transformar no centro das
atenções novamente.
— E então, Miguel, estou sabendo que você é uma ótima
companhia para um passeio na cidade.
— É mesmo? — olho para Evie, que fica rubra outra vez e
começa a rir.
Do outro lado da mesa, os olhos de ambos os casais estão todos
em cima de nós dois.
Uma armadilha, como eu disse.
— Sim, Evie chegou ontem animadíssima, aliás não se fala em
outra coisa nessa casa além do passeio de vocês.
Ao meu lado, Evelyn começa a tossir engasgada com a própria
comida. Toco em seu ombro em sinal de apoio e lhe sirvo um copo
de água logo em seguida.
— Você está bem? — questiono sem resistir a tocar uma mecha
rebelde de seu cabelo.
— Sim. — Limpa os lábios com o guardanapo e posso ter o
vislumbre de suas unhas perfeitamente feitas. — A verdade é que
Miguel me mostrou um lado da cidade que eu havia esquecido que
existia.
— Talvez essa seja uma deixa de que está na hora de você
voltar para casa. — Julie cutuca enquanto beberica em sua taça.
— Julie…
— Não vamos pressioná-la, amor. — Alex segura a mão da
esposa como se pedisse para ela se acalmar.
— Hmm, eu perdi alguma coisa? — questiono, sentindo que
havia mais do que eles estavam falando.
— Julie e Alex convidaram Evie para trabalhar na Carter. Uma
vaga de prestígio. — Violet levanta o queixo ao dizer.
— Que poderia ser sua também. — É a primeira vez que Devon
diz algo em todo o almoço.
— Nós já passamos por isso, meu bem… — Violet fala revirando
os olhos.
— Não ouse roubar minha gerente, Carter — reclamo,
apontando para ele com mais firmeza do que gostaria.
Violet ri enquanto Devon faz uma careta.
— Não se preocupe, chefinho, esse grandão aqui entendeu que
eu já encontrei meu caminho.
Em seguida me lembro de Evie.
Ela poderia voltar a morar em Chicago?
— Você… hmm… gostou da proposta deles?
— É tentadora… — começa a dizer —, mas ainda não sei se é a
hora de voltar.
— Argh, e lá vamos nós outra vez, Evelyn. — Julie não segura a
língua afiada.
Evie sorri sem graça.
— Bom, eu acho que chegará o momento em que ela vai ter que
decidir. Quanto a nós, só resta torcer para que tome a decisão
correta.
Todos riem com o comentário de Eleanor.
— Estou pensando com carinho, pode ter certeza disso.
O almoço continua em paz e sem mais nenhuma indireta com
respeito à possível mudança de Evie, nem mesmo sobre nosso
passeio ontem.
Quando a sobremesa é servida, estão todos relaxados e um
pouco altos pelo vinho. É o café que é trazido logo em seguida dos
doces que faz com que todos despertem e falem cada vez menos.
— Bom, eu preciso dizer que o almoço estava excelente, e
acreditem, isso não tem nada a ver com as minhas batatas, mas eu
preciso me arrumar e ir para o aeroporto.
É Eleanor quem coloca em palavras o que meus olhos
assustados querem dizer:
— Mas já, querida? Tem certeza de que não pode ficar um pouco
mais?
— Sinto muito, inclusive creio que já abusei demais de sua
hospitalidade.
Evie se levanta da mesa e eu e todos os homens presentes
fazemos o mesmo.
— Ah, parem, vocês são tão educados — diz sorridente.
— Eu te ajudo a fechar a mala. — Julie se levanta e caminha
com a amiga para a escada que leva ao segundo andar.
Minha mente automaticamente viaja para sexta à noite, quando
eu mesmo subi aquelas escadas e dormimos um ao lado do outro.
Nós voltamos para a sala onde nos sentamos nos enormes e
confortáveis sofás. As crianças aparentemente estão tirando o
cochilo do meio da tarde, todas com exceção de Luna, que desce as
escadas em disparada e vem para o meu lado.
— Tio Migueeel. — Tomo-a em meus braços e me sento com ela
no colo.
— Hola, cariño! — Ela me abraça com seus bracinhos curtos e
sinto seu cheirinho gostoso e infantil. — Você está cada vez maior, o
que estão colocando no seu leite?
— Fermento! — Todos na sala riem, com a exceção do pai mal-
humorado dela.
Sério mesmo, o que Violet viu nesse cara?
— Luna, o que o papai já te falou sobre descer a escada
correndo?
— Que eu posso me machucar… — A pequena murcha com a
certeza de que fez travessura. Seus olhos caem sobre Violet.
— Não adianta olhar pra mim, seu pai está certo. Você pode cair
feio, querida — Violet diz e em seguida busca algo no bolso do
marido.
— Tudo bem.
— Venha, o papai também não quer que você fique triste. —
Vejo Devon abrir os braços e em seguida Luna desce do meu colo e
vai diretamente para o pai.
Violet se aproxima de mim com um sorriso que diz “eu sou louca”
e mostra uma chave de carro enganchada nos dedos.
— O que deu em você? — pergunto, apertando as sobrancelhas.
— Ei, estou aqui pra te ajudar, por que essa grosseria toda? —
Ela se finge de ofendida e me puxa para o seu lado, fazendo com
que eu fique em pé.
— Diga.
— Tome, é todo seu.
— Uma BMW de presente? Poxa, não precisava! — falo com
sarcasmo e ela revira os olhos, ao mesmo tempo que suspira.
— Não seja bobo. Estamos te emprestando o carro para que
você leve Evie ao aeroporto.
— Você o quê?
Então reparo no que ela disse: estamos.
Olho ao redor e todos na sala me observam com quieta
antecipação.
— Desde quando vocês se transformaram nesse bando de
alcoviteiros?
— Ah, então temos aí uma chance de algo acontecer, não é
mesmo? — Eleanor anima-se, com os olhos brilhando, e me
arrependo de ter dito algo.
— Não — digo e fico quieto.
— Olha, enxergue isso como um favor. Você é o único sóbrio o
suficiente para levá-la, de qualquer forma. O motorista de Eleanor
está de folga. — Violet põe as chaves na minha mão.
— Ela pode pegar um Uber — devolvo as chaves de volta para
as mãos dela.
Não gosto da ideia dos Carter me empurrando para cima de
Evie, e se ela percebesse? O que ela pensaria de mim?
— Não seja ridículo. Se não quer dar uma de Don Juan, então
ao menos nos faça esse favor — Eleanor diz, se levantando. Ela
toma as chaves das mãos de Violet e segura em meu pulso com
força, fazendo com que eu abra a mão esquerda.
— Ei, isso é golpe baixo.
— Você vai me agradecer um dia. — Dá um leve tapinha no meu
rosto.
— Pelo que ele vai te agradecer, querida sogra? — a voz de
Julie vinda do alto da escada nos faz virar a cabeça.
Lá vinham elas, minha prima e Evie, com sua enorme mala,
desbravando os degraus.
— Eu ajudo você — falamos juntos, porém Alex é mais rápido do
que eu e logo sobe as escadas de dois em dois degraus e traz a
mala para a sala.
— Bom, acho que isso é tudo. — Evie está segurando uma mão
na outra.
A primeira a ir abraçá-la é Eleanor.
— Sabe muito bem que essa casa estará sempre de portas
abertas para você.
— Obrigada, senhora Carter.
— Ah, acabaram de se fechar. Nada de senhora Carter, lembre-
se.
— Tudo bem, Eleanor.
— Isso.
As duas se abraçam, e logo todos fazem uma fila para se
despedirem, até mesmo Luna dá um abraço apertado em Evie.
— Emprestei meu carro para Miguel, ele te levará ao aeroporto
— é Devon quem diz com seu jeitão, para minha surpresa. Ele foi o
último a abraçar Evelyn, que me olha maravilhada.
— É mesmo?
— Aparentemente sou o único sóbrio o bastante. ― Dou de
ombros.
Ambos rimos.
— Por mim, tudo bem.
— Então vamos.
Somos guiados pela família até o lado de fora e entro no carro,
enquanto Evie termina de se despedir de todos.
— Dessa vez, não deixa de me ligar — Julie me diz em um
sussurro pela janela.
Reviro os olhos pra ela.
As despedidas terminam e logo Evie e eu estamos sozinhos no
trânsito.
Procuro no rádio algo decente para ouvirmos enquanto estamos
parados em um semáforo. Até porque não sei muito bem o que
dizer. Uma música tocando é melhor do que nada. E afinal, o que eu
diria?
“Ei, vou sentir sua falta, mas sei que não tenho direito nenhum a
isso.”
Ou então:
“O que achou de ontem? Não seria maravilhoso se você me
desse uma chance?”
Mas que coisa, eu estou a ponto de enlouquecer. Vamos, Miguel,
respire, no entanto, como respirar, se minha única chance está se
esvaindo entre meus dedos?
Como eu disse: estou enlouquecendo.
— Você está bem? — ela pergunta e viro a cabeça um instante,
encontrando seu olhar curioso sobre mim.
— Claro! — Mentira, mentira. — Por que não estaria?
— Não sei… você está com uma cara engraçada.
Sorrio para ela e ficamos em silêncio mais uma vez.
— E então, ansiosa para voltar pra casa?
— Quer a verdade?
— Sempre!
— Não, não estou. Aparentemente voltar para casa significa
lamber minhas próprias feridas e não estou mais com vontade de
ficar afogada em autocomiseração.
— Bem, esse parece ser um bom plano.
— Você acha que eles estão certos?
— Eles quem?
— Julie e os Carter. Acha que eu deveria voltar para cá?
Ah, Deus, o que eu faço? Eu deveria responder com
honestidade? Mas como, se a verdade envolve meus sentimentos?
E ela não merece que eu diga para voltar apenas porque quero ter
uma chance com ela.
Dou uma leve tossida a fim de ganhar tempo até minha resposta.
— O que você deveria estar pensando é… você quer voltar?
Ouço seu suspiro por cima do trânsito tranquilo do domingo à
tarde em Chicago.
— A verdade é que eu não sei. Uma parte de mim quer muito
voltar, mas eu passei tanto tempo me virando sozinha… acho que
me acostumei. Quero dizer, não tenho mais meus pais já há alguns
anos.
— Mas você tem a Julie. Não precisa estar sempre sozinha,
Evie.
— Eu sei.
O som do rádio invade o carro outra vez enquanto ficamos em
silêncio por mais alguns instantes.
— Miguel… — ela capta minha atenção totalmente ao dizer meu
nome de forma suave.
— Sim.
— Nada… quero dizer… obrigada por ontem. Mais uma vez.
Você foi o meu salvador.
Eu e minha boca grande respondemos:
— Amém?
Ouço-a gargalhar em seguida põe a mão sobre a minha no
volante. Estremeço.
— Estou falando sério, Miguel.
Nos encaramos, não ligo se o sinal está aberto para nós ou se
há mais carros esperando. Aparentemente neste momento não
conseguimos tirar os olhos um do outro.
— Eu acho que nunca vou esquecer… o que você fez por mim.
— Não foi nada.
O ruído de buzinas nos faz desviar o olhar e traz a realidade de
volta à minha cabeça. Continuo dirigindo enquanto ao meu lado Evie
cantarola uma música junto com o rádio.
Quando chegamos ao aeroporto alguns minutos depois, estou
despedaçado por dentro. Ela está indo embora. Nada mudou.
Preciso voltar ao meu plano inicial de esquecê-la, mas dessa vez se
torna uma tarefa ainda mais difícil. Eu provei um pouco de sua
companhia, a fiz rir, consolei seu choro e melhor ainda, adormeci ao
seu lado.
Saímos do carro e pego sua mala no bagageiro. Frente a frente
na porta do aeroporto nos encaramos mais uma vez, como se essa
despedida fosse selar um segredo só nosso.
— Você contou a Julie? — pergunto baixinho.
Ela sabe do que estou falando, porque seu semblante muda
imediatamente. A mágoa volta a tomar conta de seus olhos.
— Ainda não. — Nega com a cabeça.
— Da minha boca não sairá nada.
— Eu sei.
Voltamos ao silêncio, com pessoas apressadas passando ao
nosso redor, carros buzinando e malas para todo lado.
— Então acho que é isso. — Coço a cabeça.
— Obrigada, Miguel… mais uma vez.
Apenas aceno e ela se vai. Não sem olhar para trás e me dar
tchau com os lábios mudos. Vejo-a entrar e não faço a mínima ideia
do que fazer a partir de agora.
Percebo que se passaram vários segundos e ainda estou parado
olhando para a entrada, como se Evelyn fosse voltar a qualquer
momento.
Sacudo a cabeça e me viro com a chave do carro em mãos.
Estou abrindo a porta quando escuto:
— Miguel! — ouço o grito eufórico da voz que conheço bem.
Viro-me a tempo de ver Evie correndo em minha direção com
mala e tudo. Passo de curioso a emocionado quando percebo sua
intenção. Ela está voltando por mim.
E é o que ela faz quando deixa a mala no chão e se joga sobre o
meu corpo, capturando minha boca logo em seguida. Minha calma
se mistura com a fome de seu beijo. Ela comanda o show. Vagando
com sua língua por toda a minha boca e bagunçando meu cabelo
enquanto solta leves gemidos, levando-me à loucura. Evelyn White
não tem piedade de mim ao me matar de prazer com seus lábios.
Toda a paixão dura instantes, e quando Evie começa a se
afastar, eu vejo a realidade atingir seus olhos. Ela ia se culpar por
isso também.
Que sejamos os dois culpados, então.
Antes que ela me dê completamente as costas, a atraio de volta
para o meu corpo gentilmente, segurando-a pelo braço. Sem deixar
tempo para arrependimentos, eu a beijo. Dessa vez estou no
comando. Minha boca é exigente e exploradora e ela me dá
permissão para avançar ainda mais.
O mundo poderia estar se partindo em dois, e eu iria para a
eternidade feliz, pois estava beijando a mulher dos meus sonhos.
Meus devaneios se tornam finalmente realidade. E é como se meus
lábios estivessem em chamas.
Apenas a falta de ar nos fez interromper o momento. Não me
importa quem está vendo, ou se estamos dando um show e tanto
para as pessoas. Eu tenho Evelyn bem onde eu quero.
— Evie… — murmuro, com nossas testas coladas.
— Eu…
— Sim, querida, diga.
— Hmm, tenho que ir — sussurra sobre os meus lábios e se
afasta logo em seguida.
Eu a vejo, incrédulo, ir embora mais uma vez. De novo. Só que
agora sem olhar para trás.
SETE

Se você soubesse
Que suas lembranças me acariciam como o
vento
Que meu coração fica sem palavras
Para te dizer que é tão grande o que eu sinto
Si tu supieras – Alejandro Fernandez

“Bom dia, Evie, como vai? Espero que tenha dormido


bem.”

Apagado.

“Amei o beijo de ontem, como você está?”

Apagado.

“Espero que tenha feito boa viagem. É o Miguel.”

Apagado.
Com um grunhido me sinto prestes a jogar o celular o mais longe
possível, quando me dou conta que isso só chamaria ainda mais
atenção para mim mesmo no escritório.
Não houve uma só pessoa a não me olhar estranho ao me ver
chegar hoje na transportadora com um sorriso idiota no rosto. Aliás,
eu estava com um sorrisinho bobo desde ontem à tarde, por motivos
óbvios. Foi assim que Alex me encontrou ao abrir a porta de casa
quando fui entregar a chave do carro de Devon.
O homem poderia falar que meu time de futebol favorito havia
caído para a segunda divisão e ainda assim eu iria continuar rindo
como um louco.
Se ele percebeu algo, foi discreto o suficiente para não dizer
nada. Principalmente quando dei um tempo nos sorrisos e perguntei
se ele tinha o número de Evie.
Ele me passou o telefone dela e nos despedimos em seguida, eu
com um sorriso bobo de volta ao rosto e Alex com sua discrição de
sempre.
Isso me leva ao agora, quando estou de todas as formas
tentando encontrar as palavras certas para enviar a ela depois do
que aconteceu.
Estou parado com o celular em uma das mãos e minha caixa de
ferramentas na outra quando vejo o carro de Julie na entrada da
transportadora. Com alguma sorte, e olhe que ando com muita
ultimamente, ela talvez ainda não tenha me visto. Saio em
disparada até o caminhão mais próximo e me enfio embaixo dele.
Sou um covarde? Talvez, mas tenho segredos a manter e isso
envolve não conversar com Julie sobre Evie.
Logo estou imerso entre a graxa e as ferragens e com a mente
distraída. Tão distraída que pulo de susto quando alguém chuta
minhas pernas, que estão para fora do caminhão.
— Mas que diabos… — Arrasto-me para fora. — Pelo amor de
Deus, Julie, por que você tem sempre de usar uma comunicação tão
violenta?
— Porque aparentemente é só assim que você entende. —
Revira os olhos. — Você não ligou, eu pedi para você ligar.
— Até onde eu sei, ainda estou dentro do prazo, porque apenas
ontem você pediu que eu te ligasse.
— Não existe um prazo. Você não ia ligar, não é mesmo?
Respiro fundo e limpo as mãos sujas de graxa em minha camisa.
— Afinal, o que você quer?
— Quero saber como foi ontem com Evie, e antes de ontem
também.
— Ah, isso… — coço a cabeça —, acaso ela não te contou?
— Pouca coisa, Evelyn anda mais fechada que um túmulo. Vai,
me convide para um café e me conte tudo.
— Julie…
— Anda, Migueeeel… — Começa a me empurrar para o
escritório e não tenho outra opção além de acompanhá-la.
— Bom dia, flores do dia — é Violet quem fala de sua nova sala
quando nos vê entrando em meu escritório.
Faço uma careta.
As duas rapidamente vão uma em direção à outra e se
cumprimentam bem do jeito que as mulheres fazem, com abraços
efusivos e beijinhos estalados.
Pelo amor de Deus, essas duas se viram o fim de semana todo.
Ando até cafeteira e preparo uma xícara para mim enquanto as
duas continuam a tagarelar.
— Então, Miguel… — é Julie quem diz, mas as duas passam a
me observar com curiosidade.
— O que você quer que eu diga?
Julie solta um grunhido irritante e olha para Violet. As duas se
encaram como se conversassem pelo olhar e então tenho os dois
pares de olhos sobre mim outra vez.
— Conte tudo de uma vez.
— Não há muito o que dizer… — Dou de ombros, mas acabo
rindo no final.
As duas se olham outra vez.
Droga, esse risinho feliz vai acabar me delatando.
— Tudo bem, vamos por partes. — Julie se senta na minha
cadeira como se estivesse em casa enquanto Violet lhe serve uma
xícara de café fumegante. — Conte sobre sexta à noite.
— Ah, não… — Ando de um lado para o outro.
— O que tem sexta à noite? — Violet se senta sobre a mesa.
— Peguei Miguel e Evie dormindo juntos… assim, na mesma
cama, depois da festa.
— É o quê? — As mãos de Violet vão parar sobre sua boca.
— Ei, não saia espalhando mentiras.
— Como isso pode ser mentira se eu vi com os meus próprios
olhos?
— Você e Evelyn dormiram juntos? — Violet faz um gesto
indecente com a mão.
Fico horrorizado. Ela está passando tempo demais entre os
caminhoneiros.
— Nós dormimos um do lado do outro, na mesma cama, sim,
mas apenas isso.
— Hmm. — Julie levanta uma sobrancelha enquanto Violet
prepara outro café. — E como vocês chegaram a isso?
— Bom, ela claramente não estava bem, então fiquei do lado
dela.
— Não estava bem? — Violet beberica de sua xícara.
— Não, não estava nada bem. Ela bebeu demais e não ficou
legal.
— O que rolou? — Julie questiona.
— Hmm… — Penso um pouco antes de falar. — Houve choro,
bebedeira, confissões e… vômito.
As duas fazem cara de nojo.
— Pobre Evie! — Violet deixa o café sobre a mesa e põe a mão
na cintura. — Ainda não acredito que ela levou um pé na bunda do
Hugostoso.
Julie e eu a encaramos, bravos.
— Tudo bem, ex-Hugostoso.
— Hugosmento — digo e ambas me encaram.
— Você é perspicaz. — Julie oferece sua mão para bater na
minha.
— Sempre às ordens.
— Então vocês só dormiram juntos… — Letty puxa a conversa
de volta.
— E sumiram no dia seguinte. — Julie acha um biscoito de
chocolate em uma das minhas gavetas e começa a comê-lo.
— O que você queria que eu fizesse? Ela estava mal e com uma
ressaca moral terrível, chamei-a para dar um passeio e ela aceitou.
Isso foi tudo.
— E aí no passeio… — Julie começa a dizer na expectativa de
que eu termine a frase.
— Não. Aconteceu. Nada. Demais.
As mulheres se encaram com a firme certeza de que eu estava
mentindo. Estou quase as convencendo de que meus encontros
com Evie foram puramente inocentes.
Quase.
— O que é isso? — Julie aponta para mim.
— Isso o quê? — respondo.
— Sua boca está tremendo. — Violet se aproxima de mim e dou
um passo para trás.
— Não está, não. — Cubro meus lábios.
— Ah, meu Deus, você está sorrindo. — Julie também se
aproxima e agora tenho as duas me rondando tal qual urubus.
— Podem me dar espaço, por favor? — peço.
— Não! — respondem juntas.
— Não vou desistir até saber o que você está escondendo,
Miguel Martinez García.
Estou suando, sou um péssimo mentiroso. Sempre fui, desde
criança, e Julie sabe disso.
Elas me encurralam fazendo com que eu dê passos para trás até
encostar na parede.
— O que acontecerá se eu disser o nome Evelyn? — Julie me
cutuca com suas unhas de gel afiadas.
O sorriso em minha boca se abre ainda mais.
— Ah, meu Deus, então realmente aconteceu alguma coisa. —
Violet bate palmas e dá alguns pulinhos.
— Anda, Miguel, desembucha! — Minha prima dá um tapa em
meu braço dessa vez.
— É que… a gente meio que se beijou — digo e o sorriso em
meu rosto se torna completo.
As duas começam a gritar e pular juntas como se o México
tivesse ganhado a Copa do Mundo.
— Mas isso é fantástico! — Julie grita.
— Então vocês estão mesmo juntos? Ah, Miguel, seu garanhão!
— Violet me dá um tapinha no ombro.
— O quê? Não, não é nada disso — respondo preocupado. —
Não estamos juntos, não estamos nem perto disso. Ela estava indo
embora ontem no aeroporto e me beijou, isso foi tudo.
— Hmm, então é ela quem está interessada. — Julie sorri ainda
mais. — Isso é muito melhor. Evie, sua danadinha.
— E agora, o que nós vamos fazer? — Vejo minha gerente, com
a mão na cintura, questionar a minha prima sobre um possível
relacionamento entre mim e Evie.
— Eu acho que…
— Ei, moças, por favor. Prestem atenção em mim. Ninguém vai
se precipitar a nada nem muito menos se meter entre mim e Evelyn.
— Mas, Miguel…
— Ela está fragilizada, ainda deve gostar do… bom, vocês
sabem quem. Não quero meter os pés pelas mãos — corto Julie ao
levantar a palma da minha mão.
— Mas, Miguel, você não percebe que essa é a sua chance?
— Eu não sei, Julie…
— Ela está certa, Miguel, é a oportunidade que você sempre
sonhou. Tem que agarrar com unhas e dentes.
— Você já mandou uma mensagem para ela desde ontem?
Melhor, por que você não liga e…
— Julie…
— Está bem, está bem. O que você quer que eu faça?
— Que tal nada?
— Mas Miguel, você não pode ficar sem fazer nada — Julie diz
quase em desespero.
— Não vou ficar sem fazer nada. Confie em mim, afinal eu sou o
grande toureiro do amor, não sou?
As duas me observam com olhares desconfiados e descrentes.
— É sério que vocês não confiam em mim?
— Bom, Miguel, querendo ou não você é um homem… — Violet
começa.
— E homens sempre fazem burradas — Julie termina, para meu
total espanto.
— Como é que é? — Nesse momento estou nada além do que
puto. — Quer saber de uma coisa? Saiam da minha sala.
— O quê?
— É isso mesmo, Julie. Você e Violet, deem o fora daqui.
— Mas… mas… — minha prima choraminga e não tenho nem
um pouco de piedade ao começar a empurrar as duas para fora.
— É isso aí, circulando, adiós, chao, hasta la vista, baby. — Bato
a porta na cara delas e fecho as persianas da janela que dá uma
visão ampla do escritório.
Tranco a porta e coço a cabeça, sem saber muito bem o que
fazer agora. Quando me sento na confortável cadeira de couro, uma
que Violet havia insistido que eu comprasse depois que reformamos
o escritório, porque, afinal eu era o chefe e devia demonstrar isso,
penso no que Julie me disse.
Que essa é a chance que eu tanto esperava.
De fato, eu não posso desperdiçar. Tudo que eu preciso é
planejar a forma correta de me aproximar de Evie, sem assustá-la, e
fazer com que eu me torne tão importante para ela quanto ela é
para mim.
Certo, então eu tenho o desafio da minha vida pela frente, e toda
a minha felicidade está literalmente em minhas mãos, percebo ao
olhar o celular sobre a mesa.
Vamos lá, Miguel, faça alguma coisa.
Com o telefone na mão, busco Evie em meus contatos.
Nenhuma mensagem enviada. Certo, precisamos mudar isso.
Procuro as palavras mais uma vez. Apago todas. Tento soar
casual, ou engraçado, ou apenas preocupado. Mas a quem eu
quero enganar? Na verdade eu quero mesmo é dizer que topo beijá-
la quantas vezes ela quiser.
Não, Miguel, você não pode escrever isso!

“Olá, você chegou bem?”

Escrevo em mais uma tentativa deprimente de contato, com a


diferença que dessa vez envio sem querer.
Merda.
Merda.
Merda.
Tudo bem, nada de pânico. Respire fundo, Miguel, não entre em
desespero.
É apenas uma mensagem.
OITO

Desculpe se estou te ligando nesse momento


Mas eu precisava ouvir de novo
Mesmo que seja por um instante, sua
respiração.
A puro dolor – Son By Four

Cinco minutos depois estou completamente apavorado.


Tenho certeza que a mensagem enviada foi terrível e Evie
provavelmente me achará patético. Tento não me importar e seguir
em frente, mas cinco minutos são trezentos segundos. É muito
tempo sem uma resposta, não é mesmo?
Cacete, eu pareço um estúpido aqui, contando os segundos por
uma mensagem. Olho as horas mais uma vez e faço as contas,
devem ser quase cinco da tarde em Madri. Ela provavelmente está
saindo do trabalho, no trânsito, e não viu a mensagem.
Certo, está bem. Não posso paralisar minha vida por isso. Vou
continuar meu dia em paz, trabalhando.
Levanto e bebo um rápido café, olho os documentos que nunca
acabam por cima da mesa e decido que é hora de voltar à oficina.
Toco na maçaneta e ouço o barulho de meu celular vibrar.
É mais forte do que eu posso aguentar.
Corro de volta para a mesa, me jogo sobre a cadeira e não sei
como não a quebrei ou caí com tudo no chão. Não importa, o que
vale é que lá estava, o nome de Evie brilhando na tela.
Evie: Miguel?
Eu: Sim, esse é meu nome.
Evie: Não seja bobo. Como conseguiu meu número?
Eu: Alex Evans me deu. Por quê? Algum problema?
Evie: Então Julie não sabe que estamos conversando?
Eu: Não, não sabe. Já disse que seu segredo está a salvo
comigo.
Ela passa o minuto seguinte digitando freneticamente, o que
eleva a minha curiosidade a níveis inimagináveis. Após dois minutos
e uma quase úlcera formada em meu interior, sua mensagem
chega.
Evie: Bom saber.
Eu: Como foi a viagem?
Evie: Cansativa. Ao menos a conexão em Portugal foi
rápida. Você está no trabalho?
Eu: Sim. Cercado de carros, caminhões e muita graxa.
Evie: Parece um bom início de semana.
Eu: Já passa das cinco por aí? Como foi seu dia?
Evie: Tumultuado. Por conta da viagem só trabalhei meio
expediente, mas ainda assim foi cansativo. Estou no Uber,
chegando em casa.
Ela continua a digitar, mas não envia nenhuma mensagem nos
minutos seguintes. Como se desistisse do que fosse dizer.
Porque sei que é o momento de agir e porque me sinto como um
homem em uma missão, jogo logo as cartas na mesa em minha
mensagem seguinte:
Eu: Ei, Evie?
Evie: Oi!
Eu: Não paro de pensar naquele beijo.
Largo o celular sobre a mesa e decido que a próxima jogada fica
por conta dela. É a resposta de Evie que fará com que eu decida
seguir em frente ou não. Enquanto isso, ainda é início do dia desse
lado do oceano e eu ainda tenho muito trabalho a fazer.
Quando saio da minha sala estou com um sorriso presunçoso no
rosto, de quem acabou de fazer uma aposta muito alta e tem a
confiança de que pode ganhar.
Deixaria que ela fosse para casa, chegasse em seu lar comigo
em seus pensamentos, e se aquele beijo tiver sido dez por cento
bom para ela do que foi para mim, tenho certeza que voltaremos a
nos falar. Essa noite ainda… porque o encontro de nossas bocas
não vai sair da cabeça dela.
Da mesma forma que não está saindo da minha.
Fujo de fininho pelo corredor do escritório enquanto escuto as
gargalhadas de Julie e Violet na sala em frente à minha. Passo a
hora seguinte enfiado sob um caminhão, que é um bom lugar para
esconder o sorrisinho bobo que ainda tenho no rosto.
Se toda a minha vida passasse diante dos meus olhos nesse
instante, eu diria: por favor, que o último fim de semana seja em
câmera lenta.
Sinto-me motivado, feliz e com o peito prestes a explodir diante
da mínima possibilidade de avançar em algo com Evelyn.
— Ei! — sinto alguém chutar meu pé.
Arrasto-me para fora do caminhão e reviro os olhos ao dar de
cara com Julie.
— Você ainda está aqui?
— Não se preocupe, já estou indo embora. Vim me despedir de
você, priminho. — Faz um biquinho de quem está chateada.
Como se eu fosse cair nessa. Levanto-me.
— O que você quer?
— Quero ter certeza que não está me escondendo nada mais.
Suspiro.
— Julie, pelo amor de Deus, me deixe em paz.
— Mas você não percebe que só quero o bem de vocês dois?
— Alguma vez eu me intrometi entre você e Alex?
— Isso não tem nada a …
— Julie…
— Não — responde em um tom mais baixo e calmo. — Está
bem, vou ficar na minha. É que você não sabe como é empolgante
ver que duas das suas pessoas favoritas no mundo podem estar
finalmente juntas. Tente ver pelo meu lado da situação.
Observo-a com as mãos na cintura por um instante e acabamos
rindo um para o outro logo em seguida.
Trago minha prima para um abraço apertado. Ela também é uma
das minhas pessoas favoritas no mundo e eu faria qualquer coisa
por ela.
— Vamos combinar uma coisa?
— Hmm — ouço-a murmurar em meu abraço, que se torna cada
vez mais forte.
— Se e quando o momento que algo entre mim e Evie aconteça
e se torne sério, eu prometo que você será a primeira a saber.
— Jura?
Assinto.
— Está bem, eu aceito. Agora me solta, porque você está me
esmagando.
Gargalhamos enquanto ela distribui alguns tapinhas em meu
peito.
— Sendo assim, eu já vou. Não se esqueça, Miguel, você me fez
uma promessa.
— Você também, Julieta.
Dou uma piscadinha e ela me devolve um sorriso. Enquanto
minha prima se afasta, deixando um rastro de ruídos no chão graças
aos seus sapatos de grife, tenho certeza que preciso cumprir minha
palavra ou minha vida se tornará um inferno.

Uma carinha com as faces rosadas de vergonha.


É isso que Evie me enviou depois da minha última mensagem.
Não uma frase de arrependimento ou um pedido de desculpas por
uma atitude impulsiva. Ela enviou um emoji envergonhado para
mim.
Ela ainda pensa no beijo, assim como eu.
— Olha só, Nacho, ela não está arrependida do beijo. — Coloco
a tela do celular em frente ao rosto do meu cachorro, que solta um
uivo.
Esse cão sabe das coisas.
São nove da noite de uma segunda e eu, como o homem
trabalhador que sou, estou em casa vendo TV e comendo a lasanha
preparada por tia Lupita. A mulher é uma santa. Passei para vê-la
rapidamente depois do trabalho e ela não me deixou ir embora sem
uma Tupperware cheia de molho à bolonhesa e queijo.
Quem sou eu para reclamar, não é mesmo?
O celular vibra sobre a mesinha, tiro meus olhos do telejornal
rapidamente e vejo o nome de Evie brilhar na tela.
Fora do trabalho se tornou muito mais difícil não prestar atenção
a cada mensagem que chega, e não posso deixar de sorrir ao ver
que ela provavelmente deu o próximo passo. Exatamente como eu
queria.
Evie: E então, como foi o seu dia?
Eu: Ainda acordada? Ou melhor, já? Não são tipo, quatro da
manhã, aí?
Evie: Correto. Eu tenho enfrentado sérios problemas para
dormir nos últimos anos.
Eu: É mesmo? Fale mais sobre isso.
Evie: É um assunto chato. Primeiro me fale como foi seu dia.
Eu: Bom, isso sim é um assunto chato. Não houve nada
demais, apenas documentos para assinar, caminhões e sujeira
envolvidos. Mas me conte, por que não consegue dormir?
Evie: Bom, se eu soubesse com certeza teria aí a chave para
voltar a dormir longas horas durante a noite. É uma coisa
esquisita, eu durmo e logo após algumas horas perco o sono.
Eu: Já procurou algum médico?
Evie: Vários, alguns são radicais demais e não quero me
entupir de remédios.
Eu: E o que você faz depois que acorda? Tenta voltar a
dormir?
Evie: Ah, eu já desisti de tentar há um bom tempo, eu agora
simplesmente abraço a insônia com o melhor que ela pode
oferecer.
Eu: E o que há de bom na insônia?
Evie: Meus programas de TV, por exemplo. É incrível a forma
como deixamos de assistir as coisas que gostamos depois de
adultos.
Eu: Sim, porque existe algo chamado pagar contas.
Sei que ela está rindo, mesmo estando a um oceano de
distância.
Evie: HAHA
Não disse?
Eu: E então, o que está assistindo?
Evie: Novela mexicana, óbvio.
Eu: Óbvio.
Algo me diz que se um dia eu colocasse Evie e tia Lupita
sentadas lado a lado, as duas teriam assuntos para conversar por
horas.
Eu: E qual é a da vez?
Evie: Estou revendo “A Feia Mais Bela”, você já assistiu,
né?
Eu: Tenho certeza que em algum lugar da minha mente ela
está lá.
Evie: É o quê? Como assim, você não se lembra desse
clássico?
Puxo em minha memória algo que se relacione ao título dessa
novela. Obviamente o nome não é desconhecido para mim e
começo a repassar todos os folhetins assistidos décadas atrás,
sentado na sala com tia Lupita. Havia as antigas que passavam
mais cedo, como Laços de Amor, Esmeralda, Salomé… E havia as
mais novas: Mundo de Feras, Feridas de Amor… e A Feia Mais
Bela.
A feia. É claro!
Eu: Tudo bem, eu era um adolescente, na época. Tínhamos
apenas uma TV em casa e tia Lupita mandava nela. É claro que
eu lembro da história da moça feia que se apaixona pelo
chefe…
Evie: Hmm, essa novela é tão mais que isso.
Eu: Como uma novela pode ser mais do que isso?
Evie: É sobre união, poder feminino e amor incondicional.
Eu: Uau, você realmente gosta de analisar as tramas.
Evie: Argh, deixa pra lá. Vocês, homens, não entenderiam
mesmo.
Recebo um emoji com a língua para fora.
Eu: Também não é para tanto. Eu fui criado em uma casa
cercado de mulheres, se há um homem que pode entender a
fragilidade feminina, sou eu.
Evie: É mesmo?
Eu: É, sim.
Evie: Pois é uma pena, você teria que assistir toda a novela
para entender.
Claramente é um desafio. Posso imaginar o rosto de Evelyn me
observando atentamente, os olhos famintos para que eu caia em
suas garras noveleiras.
Eu: E se eu assistir?
Eu disse mesmo isso?
Evie: Se você assistir eu estaria disposta a pagar pra ver se
você muda de opinião ou não.
Eu: E se eu mudar de opinião? Você ganha?
Evie: É claro! Por acaso é uma aposta?
Eu: Não sei, mas gosto do rumo que essa conversa está
tomando. Vamos lá, se minha opinião estiver certa e as coisas
não forem tão profundas assim eu ganho e você terá que fazer
o que eu quiser.
Evie: Eca, então você é esse tipo de cara?
Eu: Como assim? O que você está pensando que eu vou
querer? Obviamente não é nada sexual.
Evie: Calma, bobinho, eu só achei engraçado te ver tão
desesperado.
Envio um emoji com os olhos revirando.
Evie: Está bem, mas se você perder… então é você quem
terá que fazer o que eu quiser.
Eu: Talvez eu esteja mais interessado em perder.
Evie: Como pode ter certeza disso? Não faz ideia do que eu
planejo para você. Posso ser muito má quando eu quero.
Eu: Talvez eu queira que você seja má comigo.
Evie: Miguel, quer parar? Está colocando conotação sexual
em tudo.
Gargalho sozinho em minha sala e encontro Nacho me
encarando com seus olhos curiosos.
Eu: Quem está transformando isso em algo sexual é você e
sua mente suja.
Evie: Sim, minha mente é imunda, claro. Ai, ai.
Sorrio feito bobo outra vez.
Continuamos a conversar por mais um tempo, quando as
mensagens param de chegar me dou conta que Evie deve ter
pegado no sono novamente. Eu, por minha vez, tenho uma parte a
cumprir no trato.
Procuro na TV o bendito serviço de streaming das novelas. No
Natal passado, dei de presente para tia Lupita uma TV enorme e um
ano dessa porcaria com acesso ilimitado. Nunca vi a velha sorrir
tanto.
Logo lá estava eu, preste a assistir uma novela inteira por conta
de uma aposta. Aposta essa que eu não via a hora de perder.
NOVE

Sonho que você


Se dá conta que eu
Quero estar em seu céu
Como a luz do sol
Vivo en sueños - Reik

Cinco dias depois eu cheguei à conclusão de que estava viciado.


Não é que eu não tivesse desconfiado antes, mas houve sinais
sutis de que eu poderia ter cruzado um caminho sem volta.
Como quando me peguei indo dormir às três da manhã depois
de literalmente apenas chegar do trabalho e tomar banho, para
então me deitar de cueca no sofá e só sair de lá depois de horas de
capítulos e mais capítulos passados em frente à TV.
Ou então quando me pegava em algum momento do dia
pensando em situações as quais assisti na noite anterior.
Mas o ponto alto para me dar conta de que era um caso perdido
foi quando me dei duas horas de almoço, algo raro para quem
comia apenas um sanduíche velho e se enfiava entre os caminhões
outra vez, e me vi largado em minha sala assistindo capítulos de “A
Feia Mais Bela” em meu computador do escritório, comendo
calmamente algo encomendado por Violet.
A mesma Violet que decide entrar em minha sala nesse
momento, com seus olhos de águia sobre mim.
— Desde quando você se esconde por tanto tempo aqui no
escritório? — De braços cruzados, ela abre as persianas e acende
as luzes.
— Eu por acaso fico entrando na sua sala e me metendo no que
não me convém? — digo bravo, tendo que parar a novela e tirando
os headphones do ouvido.
Sim, eu comprei headphones para poder assistir à novela em
paz no escritório. É como eu disse. Os sinais foram muito sutis.
— O que você está fazendo? — Ela vem andando em minha
direção e acabo fechando o notebook.
— Trabalhando.
— Ah, Miguel, conta outra. Eu sei que está vendo pornô no
trabalho. Você está aí há horas. — Ela tenta levantar a tela do
computador. — Deixa eu ver…
— Não! — grito. — Quem você acha que eu sou pra assistir algo
tão nefasto em meu próprio local de trabalho?
— Hmm… talvez porque você seja homem e…
— Sim, sou homem, e daí? Nem todos os homens são uns…
tarados.
A gargalhada de Violet com certeza poderia ser ouvida até no
pátio do lado de fora do prédio.
— Tá, conta outra. — Bufo com seu tom de escárnio. — Bom, a
verdade é que não importa. Eu estou aqui pra te lembrar que Philip
Northon ligou e quer falar com você sobre o contrato.
— Ah, não, esse cara é um porre.
— É, mas ele vai encher o seu bolso de dinheiro, então vai ter
que aturá-lo. E digo mais, se bobear, terá que começar a ir a
eventos empresariais junto com seus clientes.
— Violet, qualquer coisa, menos isso. Você sabe que o que eu
gosto é…
— Viver debaixo de um caminhão. É, eu sei, mas não dá pra se
esconder pra sempre, cara. Ou você acha que o seu primeiro milhão
vai durar eternamente?
— Fala baixo.
— Não falo. Miguel García fez mais um de milhão de dólares no
ano pass… — Não a deixo terminar a frase, tapo sua boca com
minha mão direita.
Acabamos rindo quando nos damos conta da situação ridícula
em que estamos.
— Muito bem, chefe, vamos, me mostra isso que você está
escondendo aí nesse computador.
Respiro fundo. Ela ficaria sabendo de um jeito ou de outro
mesmo.
— É uma aposta.
— Que aposta?
Abri o notebook e reiniciei o vídeo. Logo os olhos de Violet se
focaram na tela e seus lábios se abriram em um grande “O”.
— Você está… assistindo uma novela?
— Sim! — falo colocando as mãos na cabeça.
— Mas… mas…
Ela começa a rir desesperadamente e então se deixa cair em
uma das cadeiras em frente à minha mesa. Secando os olhos logo
em seguida, para de gargalhar quando observa minha cara fechada.
— Isso é sério?
— É uma aposta, não me ouviu dizer?
— Com quem? — Seus olhos se abrem ao se dar conta. — Ah,
meu Deus… Evelyn? Então vocês continuam se falando?
— Todos os dias! — Aponto para o celular.
— Fantástico! — O barulho de pequenas palminhas ecoa em
minha sala.
Eu estaria feliz, se não tivesse percebido uma coisa: eu era
como a protagonista daquela coisa.
Veja bem, a Leticia, personagem principal da novela, era
apaixonada platonicamente pelo chefe. Um cara bonitão, rico e que
tinha UMA NOIVA.
Na vida real, Evie era o Fernando e eu, bem… sou um cara há
muito tempo com um sentimento guardado por ela.
Mais do que rir e acompanhar as trapalhadas da protagonista
daquela novela, eu a compreendia. O quão desesperador isso
poderia ser?
— Miguel… eiii, alô, Terra chamando. Você está sério demais.
— Eu estou perdido, Letty.
— Vamos lá cara, abra seu coração. Fale o que se passa nessa
linda cabecinha.
Respiro fundo.
— Estou com medo — confesso.
— De…
— Acho que estou há tanto tempo com esse sentimento preso
dentro de mim que não sei o que fazer, agora que as coisas estão
se tornando reais.
— Você e Evie… estão sérios como um casal?
— Não, nada disso. Mas eu quero que estejamos. E a cada vez
que conversamos… nossa, é como mágica.
— Você a quer de verdade, não é mesmo?
— Mais do que qualquer outra coisa que já quis na vida.
— Então, meu amigo, só há uma coisa a fazer.
Aguardo sua grande resposta, o segredo para que minha vida
alcance o sucesso.
— Não desista.
E quando Violet fala, sei que estou no caminho certo.
Nada me faria desistir de Evie, não agora, que estou tão perto.

Evie: Não acredito que você já me alcançou. Tem noção de


que assistiu mais de cinquenta capítulos em menos de uma
semana?
Eu: O que posso fazer? Tenho a melhor companheira de
noites maldormidas.
Evie: Não quero que você se torne insone por minha causa.
Agora que estamos nos mesmos capítulos, podemos ir
devagar. O que acha?
Eu: Nada disso, levo apostas muito a sério, minha cara. E
essa eu quero ganhar.
Escrevi, mas no fundo eu tinha certeza de que já tinha perdido.
Evie: Afinal, o que você vai querer fazer se ganhar?
Eu: Ah, Evie, há tantas coisas que eu quero fazer com você.
Escrevi sem pensar e quando dei por mim já tinha enviado.
Esperei por sua resposta que não veio. Na tela indicava que ela
estava digitando, porém três minutos se passaram e não recebi
nada de Evelyn.
Evie: Tudo bem, isso foi quente.
Graças a Deus.
Respirei fundo pela primeira vez em muitos instantes. Evie
continuou digitando algo e decidi ficar quieto até que ela dissesse
tudo que tinha para dizer.
Evie: Por algum acaso está tentando me seduzir, Miguel?
Eu: E se eu estiver? Tenho seu consentimento para isso?
Evie: Sempre pensei que para a sedução não é necessário
pedir permissão.
Eu: Talvez eu esteja querendo ser um cavalheiro à moda
antiga.
Enviamos mensagens de riso ao mesmo tempo.
Evie: Olhe só para nós dois, conversando cheios de
segundas intenções. Quem diria.
Eu: Eu diria, Evie. Isso é algo que eu sempre quis.
Evie: O que quer dizer com isso?
Droga. Não é o momento ainda de revelar todos os meus
sentimentos por ela.
Eu: Estou querendo dizer que ainda estou pensando
naquele beijo.
Mais silêncio. Não quero pressioná-la.
Eu: Está tarde aqui. Boa noite, Evie.
Evie: Boa noite, Miguel.
UMA SEMANA DEPOIS.
Eu: Ele vai fazer o que eu tô achando que vai fazer?
Evie: Hmm, se você está pensando que o Fernando vai
conquistar a Leticia pra ela poder ficar nas mãos dele e fazer o
que ele quiser, só porque ela agora é a dona da empresa… sim,
é isso que ele vai fazer.
Eu: Que canalhice!
Evie: Também acho.
Eu: Então eles não ficam juntos no final?
Evie: Como assim? Claro que ficam. A história da novela
gira toda em torno deles, é claro que eles ficam juntos no final.
Eu: Mas… mas… ela não pode perdoar uma coisa dessas.
Eu não perdoaria.
Evie: Bom, aí é que está o contexto moral nas telenovelas.
Os personagens não são perfeitos, até mesmo os mocinhos às
vezes podem fazer papéis de vilões em suas vidas e lutarem
por merecer um final feliz. Um protagonista perfeito pra mim é
algo chato. Você não acha?
Eu: Gosto de imperfeição, mas você está dizendo isso para
ganhar a aposta de que essa novela é muito mais do que eu
pensava?
Evie: Talvez. Está funcionando? Eu amo ganhar as coisas.
Eu: Se eu disser que sim, estarei correndo um risco muito
alto. Sabe-se lá o que você vai querer que eu faça.
Evie: Não é um risco maior do que eu estou correndo nesse
acordo.
Não sei porque, mas acabei achando sua resposta séria demais.
Eu: Eu jamais magoaria você, Evie. Quero que saiba disso.
Evie: Onde você estava antes de que partissem o meu
coração?
Eu: Sempre estive aqui.
Sempre esperei por você. Cheguei a digitar, mas não enviei. Isso
poderia assustá-la.
Evie: Desculpe, Miguel, não quis transformar essa conversa
em algo sobre mim. Parece que eu sempre estou fazendo isso.
Eu: Não me importo de que os assuntos girem em torno de
você. Aliás, você é um assunto bem interessante.
Evie: Não sou nada.
Eu: É sim, e estou falando sério. Você está magoada e
ferida, e com razão. Não tem por que se sentir inibida a falar de
seus sentimentos.
Evie: Bom, meus sentimentos estão bem confusos
ultimamente.
Eu: Ah é? E por quê?
Evie: Sim, porque minha mente está começando a deixar-se
levar por um certo cara, capaz de assistir novelas apenas para
debatê-las comigo.
Meu coração dá um salto, na verdade creio que se pudesse ele
pularia para fora do peito, daria uma cambalhota de felicidade e
voltaria para o lugar. Releio a mensagem de Evie várias e várias
vezes e percebo que não respondi. Vamos homem, faça alguma
coisa.
Evie: Ei, Miguel, eu também não paro de pensar naquele
beijo.
SEIS DIAS DEPOIS
Estou encarando uma foto enviada por Evie, em que ela me mostra
seus pés, uma taça de mimosa e uma piscina ao fundo. Suas
pernas estão alongadas e nuas em um biquíni, o que deixa clara
sua insinuação para mim.
Estamos assim há dias, nos provocando mutuamente com
pequenas mensagens cheias de duplo sentido, brincadeiras com
segundas intenções aqui e ali, e agora minha parte favorita até o
momento: fotos.
Começou sutilmente quando ela pediu para que eu lhe
mostrasse como era meu escritório, e aí me enviou fotos detalhadas
do dela. Desde então trocamos fotos de coisas pequenas, desde o
que estamos comendo a algo importante que estejamos fazendo no
momento.
Tudo bem, talvez agora tenhamos evoluído para um patamar
onde partes do corpo são enviadas. Não que eu seja o tipo de cara
com ego suficiente a ponto de lhe enviar minhas partes íntimas,
reviro os olhos só de pensar na possibilidade, mas definitivamente
estamos flertando há semanas, em um ritmo lento que aumenta
cada vez mais o meu desejo de estar ao seu lado.
Eu: Hmm, parece estar uma delícia.
Evie: Como é?
Eu: A mimosa em cima da mesa, está com uma cara ótima.
Evie: Ah, sim, está mesmo. Apesar de eu achar que você
está dando uma de tarado.
Eu: Longe de mim fazer uma coisa dessas… linda.
Evie: Eu não disse? T-A-R-A-D-O.
Acabo rindo sozinho enquanto observo o celular, sentado no sofá
da sala na madrugada de sábado. Quão maravilhosa uma mulher
poderia ser antes de enlouquecer um homem?
Eu: Então seu dia será em frente à piscina?
Evie: Sí, señor! Cheguei à conclusão de que preciso me
mimar um pouco. Estou sendo um pouco dura comigo mesma
nos últimos tempos.
Eu: Essa é a minha garota.
Evie: Sim, e a sua garota vai se deliciar com uma incrível
massagem daqui a pouco.
Começo a visualizar imagens de Evie enrolada em uma toalha
quente e felpuda sobre uma maca fazendo suaves sons ao ser
tocada.
Esse não é um bom caminho para quem está sozinho em um
final de semana, irmão.
CINCO DIAS DEPOIS
Evie: Foi um péssimo dia.
Encaro a mensagem que brilha na tela do meu celular e sei que
algo vai mal com Evelyn. Olho para minha mesa no escritório e me
sinto impotente, estando tão distante dela.
Eu: Quer falar sobre isso?
Evie: Você não está em horário de trabalho?
Eu: Sempre vou ter tempo pra você, guapa.
Evie: Estou tão cansada que não sei se aguento nem ao
menos digitar.
Eu: Posso te ligar?
Encaro a tela mais uma vez onde Evie parece estar digitando,
até que deixa de fazê-lo. Começo a pensar que pedir para ligar não
foi uma boa ideia quando seu nome aparece na tela com uma nova
chamada vibrando no celular.
— Ei! — digo tentando disfarçar minha ansiedade.
— Oi. — Seu tom é afogado e triste.
— Então, o que aconteceu?
— Nada… tudo, eu acho. Sabe, esse seria o fim de semana em
que eu me casaria. E depois de um mês, após cancelar toda a
cerimônia e aguentar as fofocas no trabalho… acho que a ficha está
realmente caindo.
Que droga, odeio ouvir esse tom derrotado na voz de Evie. Em
todos os áudios que trocamos no último mês sua voz era nada mais
que vibrante. Apesar de não ter esquecido nem por um momento
que ela estava em uma fase delicada, me acostumei com sua
alegria.
— Evie…
— Acho que não sou uma boa companhia para sua insônia hoje,
Miguel… — Ouço um suspiro, então um gemido baixo.
Merda, Evie está chorando.
— Não sei se consigo mais me manter tão forte.
— Evie, não há nada no mundo que a obrigue a ser forte. O
sofrimento, deixar-se sofrer, não é uma fraqueza.
— Você acha? — Ouço-a fungar e então respirar alto. Aquilo
parte meu coração no meio. — Desculpe, Miguel, não queria fazer
você de confidente. Talvez eu devesse ter ligado para Julie… ou
para ninguém.
— Não, não diga isso. Estou feliz que tenha me ligado. Nenhum
tempo com você é tempo perdido, Evie, entenda isso.
— Obrigada, isso é muito fofo da sua parte.
Ficamos em silêncio por alguns instantes, quando em seguida
digo:
— Você sabe que isso não irá durar para sempre, não é mesmo?
— O quê? A vergonha ou a humilhação? — Solta uma risada
nervosa.
— Tudo. Sei que pode parecer difícil, mas vai chegar um dia em
que toda essa dor será lembrada como passado. Você vai pensar
em tudo que está vivendo e será apenas uma memória em sua
mente.
— Olha, eu não vejo a hora desse dia chegar.
— Bom, se você permitir, eu quero estar lá com você.
— Aonde?
— Lá, no momento em que você estiver livre de tudo que te
prende agora. No momento em que você estiver bem e feliz outra
vez, eu quero estar com você… pra me certificar de que você seja
ainda mais feliz.
Ouço um leve chiado na linha, é a respiração de Evie. Fico em
silêncio, porque não posso assustá-la declarando tudo o que sinto.
Não ainda, por mais que eu queira.
— Sabe de uma coisa — ela começa a dizer, em um tom mais
calmo dessa vez —, eu queria que você estivesse aqui comigo.
Hoje, agora.
— Eu queria estar aí com você, também. Ou ao menos ter você
ao alcance de alguns poucos quilômetros. Eu me certificaria de que
ficasse bem essa noite. Todos os dias.
— Não é um pouco presunçoso da sua parte? — Sei que seus
lábios estão formando um sorriso do outro lado, tenho certeza disso.
— Não questione minhas habilidades, e jamais duvide que eu
não mediria esforços para te ver bem.
Ouço seu suspiro, como quem abre a boca para dizer algo e
interrompe logo em seguida.
— Miguel.
— Sim.
— Eu queria que você estivesse aqui… comigo.
Sua voz doce e suplicante faz meu peito queimar por dentro.
Solto um suspiro alto e mordo o dedo com o punho fechado.
— Queria poder estar aí também. Eu te cobriria com meus
braços e te consolaria com meus lábios até você não pensar em
outra coisa que não fosse minha boca e a sua… juntas.
— Soa tentador.
— É sério, Evie. Eu daria o meu melhor para que você o
esquecesse… e pensasse apenas em mim, ou em si mesma, pelo
menos. Faria disso a minha maior missão.
— Hmm, eu gosto de como isso se parece em minha mente. Eu
e você, juntos e escondidos por um tempo… está tentando me
conquistar, Miguel?
— E se eu estiver? Você se deixaria ser conquistada?
— Achei que já tivesse deixado isso claro nas últimas semanas.
Senti meu coração bater cada vez mais forte. Acaso ela estava
me dando permissão para ir mais fundo na tentativa de um
relacionamento?
— Vamos, me diga o que mais você faria… porque essa
conversa está se tornando cada vez mais interessante.
Ah, Evelyn, se você soubesse…
Ajeitei melhor meu corpo na cadeira, sentindo o couro caro
ranger enquanto me movia.
— Seria tudo sobre você, Evie. Seu descanso, sua melhora, seu
prazer…
— Que ideia boa.
— Qual?
— A de transformar você em meu escravo.
Nós dois caímos na risada.
— É uma boa perspectiva, levando em conta que eu faria todas
as suas vontades.
— Mas você ainda não deixou muito claro o que vai ganhar com
isso.
— Achei que fosse bem óbvio.
— O quê?
— Eu ganharia você.
Um silêncio preenche a linha logo em seguida e me pergunto se
fui longe demais. Então, com um leve pigarro, ouço Evie dizer:
— Não quero mais tomar seu tempo, Miguel. Ainda é hora de
expediente por aí. Nos falamos à noite, no mesmo horário de
sempre.
— Ei, guapa.
— O que foi.
— Fique bem.
— Vou ficar, Miguel. Vou ficar.
Termino a chamada com o coração acelerado. Revivo cada
instante dos últimos minutos com pressa em minha mente.
Disse algo errado?
Fui muito longe?
Será que a assustei?
Meus dedos correm em direção ao telefone, mas me sinto
confuso demais e preocupado para ligar para Evie outra vez.
Melhor esperar.
Enquanto isso sinto que vou me consumindo aos poucos pela
insegurança. Ao menos agora ela tem ainda mais consciência de
que a desejo. No fim, se ela não me quiser, é melhor que eu saiba o
mais cedo possível para evitar maiores decepções.
— Ei, chefinho. — Vejo a cabeça de Violet espiar dentro da sala
enquanto seu corpo continua escondido atrás da porta.
Dou um leve aceno.
— Que animação, hein. — Seus olhos me escrutinam por um
momento, e se ela enxerga algo de diferente em mim, faz questão
de guardar para si mesma. — O caminhão que estávamos
esperando chegou.
Ótimo. Trabalho, assim posso distrair minha cabeça até à noite,
quando vou poder voltar a falar com Evie.
Mergulho de cabeça nas tarefas que acabam surgindo, uma
atrás da outra. E apesar de passar o almoço junto a Violet falando
apenas de negócios, o início da tarde chega e estou descontrolado.
Sinto que preciso falar com Evie outra vez.
Eu: Como foi a massagem?
Digito freneticamente e envio de olhos fechados.
Três minutos inteiros se passam e estou a ponto de ligar mais
uma vez quando o sinal que indica que Evie está online aparece na
tela.
Não estou preparado para a mensagem a seguir:
Evie: Não posso falar agora. Hugo está aqui.
DEZ

Você é a culpada
De todas as minhas angústias
E todas as minhas perdas
Usted – Luis Miguel

Dezoito horas depois, estou oficialmente desesperado.


“Hugo está aqui.”
Essa é a última notícia que tenho de Evelyn desde ontem à tarde
e não faço a mínima ideia do que significa.
“Hugo está aqui e estamos conversando?”
“Hugo está aqui e vamos voltar?”
Ou então, “Hugo está aqui e cometi um assassinato?”
Seja qual for, nenhuma das opções me parece favorável no
momento. Estamos a um oceano de distância, e apesar dos
avanços que fizemos nas últimas semanas, sabe-se lá quais
poderes o Hugosmento ainda tem sobre Evie.
Sinto-me como um leão enjaulado andando de um lado para o
outro no pátio da empresa, espantando cada empregado que se
aproxima com meu atípico mau humor.
O dia se arrasta enquanto não consigo pensar em outra coisa.
Ligar para Julie não adiantaria, ela ficaria apenas mais ansiosa
sobre o assunto ou com a falta de notícias da amiga.
Olho para o celular pela milésima vez no dia e não há nada, nem
mesmo um sinal da presença virtual de Evelyn.
— Chega, já deu. — Ouço a voz de Violet desde a porta da
minha sala enquanto estou com os olhos perdidos na janela.
— O quê?
— É exatamente o que você ouviu. Seja lá o que está te
corroendo aí por dentro desde cedo e transformou você nesse ser
humano insuportável o dia inteiro, não vale a pena.
—Violet…
—Você quer conversar sobre isso?
— Não — digo quase rosnando.
— Tudo bem, então precisa se lembrar que nós não temos culpa
do que quer que esteja acontecendo.
— Sinto muito, estou tão horrível assim?
— Sim. Você espantou cada ser humano que se aproximou de
você hoje.
Ponho as mãos sobre a cabeça, bagunço o cabelo e logo em
seguida abaixo a cabeça sobre a mesa, batendo minha testa no
tampo.
— É tão grave assim? — questiona. Solto um gemido de dor. —
Quer saber, vai embora. — Vejo-a se aproximar e começar a mexer
em minhas coisas sobre a mesa — É sexta-feira à tarde, você não
vai render mais nada por aqui hoje. Vá para casa e resolva o que
está te matando. Mas depois me ligue, para eu ter certeza de que
está bem.
Não era má ideia. Em casa, pelo menos, eu não assustaria
ninguém.
Violet coloca minhas chaves e a carteira na minha mão e me
empurra para fora da cadeira.
— Anda, vá embora logo.
— Está bem, está bem, já vou.
— Promete que vai me ligar? Ou pelo menos mandar uma
mensagem?
— Prometo.
— Então tchau.
Sou empurrado para fora de minha própria sala por uma Violet
muito impaciente. No fim, acabo dando razão a ela. Vou para casa
no início do fim de tarde. Nacho me recebe cheio de felicidade,
como sempre, o que me lembra de levá-lo para passear e fazer
suas necessidades caninas.
O pequeno trajeto pelo quarteirão de casa me faz espairecer um
pouco. Preciso dar um jeito de me controlar e seguir em frente. A
possibilidade de ter Evelyn foi um doce sonho e tenho que me
adaptar a isso.
Talvez eu devesse voltar ao meu plano inicial de esquecê-la.
Sim, seria difícil, mas o melhor a fazer. Observo Nacho tentando
correr atrás de uma cachorrinha poodle que acabou de passar por
nós e solto um riso seco.
— Aparentemente somos iguais, companheiro.
Meu celular vibra em meu bolso e eu, idiota que sou, quase pulo
de antecipação. A tela luminosa contrastada com o fim de tarde
mostra o nome de Bárbara. Gemo de frustração.
Bárbara: Podemos nos ver?
Eu: Não estou a fim. Desculpa.
Suspiro fundo e prendo Nacho de volta à coleira. Retorno para o
edifício em que moro me perguntando o que fazer a seguir. Sou bom
em driblar a solidão, mas não posso continuar ficando com outras
mulheres para tentar esquecer Evelyn.
Talvez eu devesse ligar para alguns amigos e sair para encher a
cara.
Uma atitude imatura? Talvez, mas ainda assim, eficiente. Afinal,
era sexta à noite.
Estou saindo do elevador, no meu andar, e prestes a pegar meu
celular no bolso quando Nacho começa a latir, chamando minha
atenção para alguém em nossa porta.
E esse alguém é ninguém mais ninguém menos que a mulher
mais maravilhosa de todas.
— Oi — ela diz, um tanto tímida, o que não é comum nela.
— Evie? — Encaro-a com a mesma intensidade e surpresa de
quem vê uma miragem no deserto.
— Enfrentei dez horas de voo só para estar aqui. Não vai me
convidar para entrar?
Estou em transe. Isso é real? Não importa, porque estou feliz
demais em vê-la.
— Desculpe, é claro. Vamos, Nacho — Trato de segurar meu
cachorro brincalhão, que não para de tentar pular em Evie.
Ficamos frente a frente quando minha mão toca a maçaneta da
porta. Olhamos um para o outro e acabamos sorrindo juntos. Assim
que entramos e tiro a coleira do meu companheiro, Nacho faz
questão de ir atrás de Evie.
Cara esperto.
— Ei, menino, como você é bonito. — Ela gargalha enquanto ele
a cheira por toda parte. — Ainda não acredito que seu cachorro se
chama Nacho. — Ela ri outra vez enquanto faz carinho na cabeça
dele, mas seus olhos demonstram um sentimento escondido.
A cena doméstica me enche de prazer. Ela está aqui. Evie está
bem aqui na minha frente, em meu apartamento, e aparentemente
enfrentou horas em um avião só para me ver.
— Ei, garoto — chamo Nacho e ele vem em minha direção. —
Bom menino. Vai brincar, vai. — Pego seu brinquedo favorito no
chão e jogo no outro lado da sala.
Ele vai correndo e logo carrega o objeto em direção ao seu
cantinho, onde fica sua cama. Evie acompanha tudo com seu
sorriso encantador.
— Lindo.
— Obrigado — digo, arrancando um riso de sua garganta.
— Não você, convencido, o cachorro.
— Sou o dono dele, de qualquer forma faço parte do negócio.
Observo que ela ainda segura sua mala de mão e a bolsa de
viagem e quase dou um tapa em minha própria testa.
— Você está cansada, deixe-me ajudar com isso. — Tiro a mala
de suas mãos e arranco a bolsa de seus ombros, colocando tudo do
lado do sofá. — Pronto, o que posso te oferecer? Acho que tenho
macarrão na geladeira, é só esquentar e…
— Uma bebida seria ótimo. Estou cansada de aguentar sóbria
meus pensamentos.
Encaro-a com desconfiança.
— Tem certeza? Acho que…
— Não se preocupe, Miguel, também não quero ficar bêbada.
— Tequila, então?
— Tequila! — Seus olhos brilham.
Vejo-a se acomodar em meu sofá e começo a sorrir feito um
bobo, de costas, enquanto pego a bebida na cozinha.
— E então como foi a viagem? — pergunto quando volto para a
sala e lhe sirvo um shot.
— Corta essa, sei que está curioso com outra coisa.
Bingo!
Nas últimas semanas ficamos amigos, muito amigos. Quando foi
que começamos a ler tão bem um ao outro?
— Deixa eu te dizer uma coisa. — Ela toma um gole da bebida
despejando todo o conteúdo em sua boca e lambe os lábios no final.
Sexy. — Eu quase me casei com um canalha. — Coloca o pequeno
copo em minha direção para que eu o encha mais uma vez com o
líquido transparente. — Não entendo como pude estar tão enganada
com uma pessoa. Hugo é detestável.
— Ele foi à sua casa?
— Sim, foi. — Engole a bebida de novo. — Ele ainda tinha
alguns pertences lá… ah, se eu tivesse lembrado disso, teria jogado
tudo pela janela. Seria um espetáculo e tanto para minha vizinha
fofoqueira.
— Você tem uma vizinha fofoqueira?
— Claro que tenho. Todo mundo tem uma. Você mora em um
prédio, como pode não ter percebido a sua?
Dou de ombros e me sirvo um copo.
— Pois bem, o infeliz apareceu na minha porta sem ser
convidado. O meu dia estava tão bom, Miguel… então eu o vi entrar
como se ainda tivesse algum direito de estar lá. Eu simplesmente
não aguentei, comecei a dizer tudo que eu penso dele e mais um
pouco.
— Nossa…
— Pra você ver. E ele ficou quieto? Claro que não. O desgraçado
revidou, me lembrando mais uma vez o motivo do porquê terminou
comigo. Foi horrível… de verdade. E então comecei a me sentir mal.
Ela vê meus olhos preocupados passearem por seu corpo e
levanta a mão, me impedindo de falar.
— Não, não fisicamente. — Arranca a garrafa da minha mão e
se serve, tomando o conteúdo logo em seguida de uma vez só. —
Comecei a me sentir mal por estar lá. Minha casa passou a não ser
mais a mesma, tudo ao meu redor passou a não fazer tanto sentido.
— Como se ele tivesse te tirado tudo? Como se você não
pertencesse a lugar nenhum?
— Exatamente. É tão impressionante a forma como você me
entende. — Respira fundo. — Daí percebi que não conseguiria ficar
lá. Não, tendo que dividir os custos da festa com Hugo, e ele se
recusando a pagar. Ou então caminhar pela cidade e perceber que
não me sinto mais em casa como antes.
— Então você foi para o aeroporto e pegou o primeiro voo pra
cá. Pra mim? — Ela assente. — Por quê?
Evie me encara com os olhos brilhando de malícia. Ela retira a
garrafa de tequila da minha mão e pousa junto com ambos os copos
sobre a mesinha de centro. Em seguida se senta outra vez no sofá,
mas agora próxima ao meu corpo, quase sentando-se em minhas
pernas.
— Vim porque pensei na sua proposta — sua voz é baixa e
cálida quando fala, e ela lambe o lábio inferior.
Engulo seco.
— Qual proposta?
— A de que seria capaz de me fazer esquecer… tudo. — Sua
mão agora está em minha perna esquerda, subindo e subindo,
fazendo-me arfar logo em seguida. — Me faça esquecer, Miguel…
por favor — sussurra próximo ao meu rosto.
E não há nada que Evelyn me peça que eu não seja capaz de
fazer.
Eu a beijo, e é como se o mundo parasse para nós dois naquele
instante.
ONZE

Se outras mãos cálidas te provocaram


O que eu ganharia em te reprovar?
(…)
Porque sei que apesar do que você faça, amor
Você é minha, minha.
Mia – Benny Ibarra

Nossos lábios se encostam lentamente, se conhecendo, quase


pedindo permissão. Sinto meu coração bater completamente
descompensado enquanto toco primeiro seu cabelo loiro sedoso,
seguindo por seu rosto, a pele acetinada que me deixa louco.
Ela está aqui, está em meus braços e ao mesmo tempo que
quero devorá-la inteira, penso: isso é bom demais para ser verdade.
Evie solta um leve gemido quando mordisco seu lábio inferior e
eu me derreto completamente diante dela. Separo-me por um
instante porque preciso olhá-la, certificar-me da verdade, da
realidade.
Meus olhos caem sobre ela tal qual uma carícia e ganho um
sorriso seu nada tímido. Gosto do seu jeito, sem preâmbulos nem
embaraço, quase um descaro.
Volto a beijá-la, sedento por sua boca, seu gosto doce me
contagia como uma febre em meu corpo. Tento lembrar a mim
mesmo para ir devagar, é tudo sobre ela, entretanto resistir a Evelyn
é impossível.
Neste momento nada me importa mais do que a felicidade que
sinto em tê-la aqui. Sim, em meus braços, pois logo Evie se
acomoda junto a mim enquanto nos beijamos, sua língua
explorando minha boca com sensualidade e maestria. Fico louco
com seu jeito de me beijar, de me tocar.
— Uau, Miguel — ela diz, ofegante.
— O que foi?
— Começo a pensar que minha vinda aqui pode ser perigosa.
Abro os olhos no mesmo instante e seus olhos verdes me
observam com astúcia.
— Você beija bem demais… isso pode ser um problema.
— Por que seria um problema? — pergunto próximo à sua boca.
— Isso faz com que se torne ainda mais difícil resistir a você.
— Então não resista — falo com a boca colada à sua. — Deixe-
se levar. Eu vou estar bem aqui para te segurar.
Seus braços rodeiam meus ombros e no instante seguinte sou
empurrado, encostando-me no respaldo do sofá. Evie se senta em
meu colo, uma perna de cada lado do meu corpo, enquanto suas
coxas estão presas em uma calça jeans. É sobre ela, mas é sobre
mim também, sobre quanto tempo ansiei por isso.
Sinto-me completamente pronto para tê-la, para deixá-la fazer o
que quiser comigo.
— Ei — diz sorridente quando é empurrada para frente.
— Desculpe — murmuro assustado trazendo minhas mãos de
volta para seus ombros.
— Não quero suas desculpas, Miguel — Sua boca passa a dar
atenção à minha mandíbula, descendo até o meu pescoço. —
Quero você — murmura e solto um gemido de emoção.
Seu ataque é feroz sobre mim. Sua boca é cruel em me torturar
enquanto lambe e beija os pontos sensíveis em meu pescoço.
Estou no paraíso. Não paro de pensar.
Resgato seus lábios segurando-a pela nuca e trazendo-a outra
vez até minha boca. Evie provoca, morde e brinca comigo pelos
minutos seguintes. Sou todo dela, quero curar suas feridas e trazer
melhores memórias, beijo a beijo, toque a toque.
Passamos os minutos seguintes assim, nos beijando, fazendo
pequenas carícias ousadas um no corpo do outro, rindo e nos
encarando com segundas intenções. Pela primeira vez não tenho
pressa para estar com uma mulher, quero saborear cada momento
ao lado de Evie. Quero que cada pedaço dela seja tocado e
reverenciado.
Minhas mãos estão cansadas de tocarem seu corpo por cima
das roupas, quero sentir sua pele, seu corpo sob o meu e enchê-la
de carícias intimas.
Provando que estamos seriamente conectados, Evie solta logo
em seguida:
— Ei, bonitão, não vai me mostrar onde é o seu quarto?
Abro a boca para responder, mas ouvimos um uivo de Nacho
logo em seguida.
— Ele é ciumento? — pergunta e eu acabo rindo.
— Não.
Evie sai do meu colo, pondo-se de pé e eu a sigo logo depois.
Estamos de mãos dadas enquanto a guio pelo pequeno corredor até
o meu quarto. Nacho tenta nos seguir, mas acaba sendo
interrompido quando fecho a porta em seu focinho.
— Bonito. Estou impressionada pela arrumação — diz quando
acendo as luzes.
— Obrigado.
— Quase me faz pensar que estava me esperando. — Senta-se
na cama e apoia-se no colchão com os cotovelos.
— E se eu disser que estive te esperando por um longo, longo
tempo? — Ainda estou em frente à porta apreciando a visão
maravilhosa dela em meu quarto.
— Bom, nesse caso eu diria… para você vir me pegar. — Sua
última frase é dita de forma lenta e em voz baixa.
Estremeço. Dou pequenos passos em sua direção e arranco a
camisa logo que estamos próximos. Vejo seus olhos se abrirem de
desejo e sorrio. Que bom que ela gosta do que vê. Tenho muito
mais a oferecer, bem aqui e agora.
Por certo ela espera que eu devore sua boca e comece a tirar
suas peças de roupa uma por uma, mas o que faço é tomar meu
tempo. Guio meus lábios ao seu pescoço, inalo seu perfume tão
característico e deixo um rastro de beijos enquanto planto meu
joelho no colchão.
A seguir, tudo que acontece é puro encanto. Nossas bocas não
se desgrudam, suas mãos passeiam por meus ombros e tórax
desnudos e prendo o ar com a sensação de seu toque. É ela quem
toma a iniciativa de retirar meu cinto e minha calça, ao mesmo
tempo que minhas mãos sobem por baixo de sua blusa.
A pele dela é macia e cheirosa, e me perco ali como se ela fosse
puro ar para respirar.
Enlouqueço com cada parte do ato, a cama treme e nossas
mãos se unem da mesma forma que os corpos. Sorrimos um para o
outro e nossas respirações ficam alteradas por um tempo. Um bom
tempo.
Rápido, devagar, quente, mais quente, uma ida ao céu e todo um
caminho de volta à terra. Todas as canções de amor de repente
parecem fazer sentido. As baladas e filmes românticos. Entendi o
que faz a humanidade girar. Está consumado e eu jamais serei o
mesmo depois disso.
Quando a vejo ao meu lado, deitada e satisfeita, os olhos
brilhantes e cansados, eu sei que estou ainda mais perdido. Eu
pertenço a essa mulher, tanto que meu peito dói.
— E esse sorriso presunçoso aí? — ouço-a me perguntar
enquanto se vira, apoiando a cabeça sobre o cotovelo.
— Tenho meus motivos.
— Ah, é? Espero que isso me inclua.
— Guapa, você é o maior motivo de todos.
— Gosto quando me chama assim.
— Assim como? — Dou uma de desentendido enquanto me
aproximo outra vez de seu corpo. Vejo-a ficar arrepiada e fechar os
olhos com meu toque íntimo e desafiador.
— Assim… — murmura.
— Guapa — sussurro em seu ouvido. — Bella — beijo seu rosto
—, hermosa — falo com a boca colada à dela.
E, fácil assim, estamos prontos para começar tudo outra vez.

Vinte e quatro horas depois ainda estamos completamente


presos em meu quarto. Não que eu esteja reclamando. Uma
maratona de paixão e suor se fez presente e eu nunca me senti tão
feliz em estar ocupado. Tenho Evelyn deitada e dormindo ao meu
lado, enrolada apenas no lençol de algodão branco e simples.
Inferno, talvez eu devesse comprar roupas de cama novas e mais
sofisticadas. Algo em que ela pudesse se enroscar e ser digno de
sua pele tão macia.
Solto um suspiro quando minha mão esquerda se move até seu
ombro. Paro antes de tocá-la, não quero que acorde, estamos
exauridos de tantas atividades na cama nas últimas horas.
Não só na cama, penso, abrindo um sorriso bobo, e me lembro
de quando estivemos no chuveiro, no sofá após a chegada da pizza
— a única coisa que me lembro de ter comido no dia anterior — e
na parede do corredor. Caramba, Evie chegou e me arrasou por
inteiro. Entrou como um furacão, abalando minhas estruturas. E
nada me fez tão feliz na vida, ao menos não que me lembre.
Preciso cuidar melhor dela, mimá-la e enchê-la de carinhos e
paparicos, e quando sinto meu estômago roncar, sei que ela estará
faminta ao despertar. Levanto-me, tomando o cuidado de não deixar
a cama estremecer com minha saída e visto uma cueca boxer preta,
a primeira que acho ao abrir o guarda-roupa.
Assim que saio do quarto, Nacho vem até mim, fecho a porta
antes que ele comece a chorar por atenção. Brinco com ele quando
chegamos à sala e encho seu pratinho de comida e troco sua água.
Ganho várias abanadas de rabo em resposta.
Quando chego à cozinha e vejo as minhas opções do que fazer
para o jantar, penso em pedir algo do meu restaurante favorito, mas
quando abro as Tupperwares de tia Lupita, sei que o que quero é
comida caseira. Toda semana, quando a visito, minha tia faz com
que eu leve para casa uma tonelada de comida, com o propósito de
me fazer comer menos porcaria. É algo que ela começou a fazer no
instante em que lhe informei que passaria a morar sozinho. A
mulher é a única referência materna que eu tenho, quem sou eu
para impedi-la de cuidar de mim?
Resolvo esquentar no micro-ondas o macarrão cozido e ponho a
montanha de molho à bolonhesa na panela. Vinte minutos depois eu
tenho dois pratos prontos e fumegantes sobre a bancada. A
sensação de estar sendo observado me faz olhar para trás e é onde
encontro Evie, fitando-me com seus olhos grandes e sonolentos.
Sorrio ante sua visão e ganho um sorriso de volta. Quando ela
me permite ver todo seu corpo, ao sair completamente do corredor
escuro, percebo que está usando uma camiseta minha, preta, da
turnê passada do Maná.
Gostosa pra caramba — penso.
— Chegou na hora certa — digo.
— Estou faminta. — Ela se aproxima devagar.
— Foi o que eu imaginei.
— Você tem queijo ralado?
— Sim, está no armário. Eu… — Sem me deixar ao menos
concluir a frase ela se move pela cozinha e fica na ponta dos pés
frente ao armário. Quando me viro melhor para vê-la, a camisa está
deixando sua bunda de fora enquanto ela tateia na prateleira de
cima procurando o queijo.
— O que foi? — questiona ao me ver sorrindo.
— Nada. — Dou de ombros.
Seus olhos me escrutinam por um instante e ela ajeita a blusa
sobre as coxas.
— Seu tarado! — diz, mostrando a língua para mim.
— Ei, sou refém em minha própria casa há vinte e quatro horas.
Acho que não sou tão completamente tarado assim.
— Ah, é?
— Não, digamos que a conta fecha em cinquenta/cinquenta.
— É mesmo? — Ela se aproxima de mim e aproveito para
enlaçá-la pela cintura.
Eu podia me acostumar com isso, em tê-la por aqui ao alcance
de meus braços, me acostumaria fácil com seus sorrisos, suas
manias e seus sons ao sentir prazer.
— Me beija — sussurra em meu ouvido.
— É uma ordem? — Desafio com meus olhos.
— Sim.
Encosto meus lábios nos seus apenas para provocá-la,
separando-os logo em seguida.
— Com prazer — murmuro e a beijo com mais voracidade dessa
vez.
Seu gemido doce faz com que eu aprofunde o beijo e logo
estamos nos pegando de novo. Minutos se passam conosco assim,
próximos e famintos um do outro. Uma fome que parece não ter fim.
Fome.
Lembro-me dos pratos sobre a bancada.
— A comida vai esfriar. — Afasto-me de sua boca dando últimos
e leves beijos.
— Por favor, vamos comer antes que nos encontrem mortos por
inanição.
Acabo rindo de seu olhar desesperado para a comida e logo em
seguida vamos juntos para a mesa. Meu apartamento não é grande,
a cozinha e a sala são divididas por uma bancada e há um espaço
reservado para as refeições próximo ao corredor que leva aos dois
quartos.
Não demoramos para comer, Evie logo perde o ar sonolento e
começa a despertar pouco a pouco, falando pelos cotovelos. Eu a
escuto com atenção, completamente fascinado e ainda
desacreditado de que tudo aquilo é real. São seus lábios inchados e
avermelhados que me fazem lembrar do último dia ao seu lado e de
tudo que aprontamos. Então as coisas realmente entram em
perspectiva em minha mente e percebo que a tenho de verdade
aqui comigo.
— Por que está tão quieto? — pergunta quando termina de
comer.
— Porque gosto de observar você.
— Tá, agora isso começou a ficar meio assustador. — Gargalha.
— Estou falando sério… poderia ficar te olhando por horas.
Apenas te olhando.
— Gosto disso…, mas gosto também quando você faz mais do
que me olhar. — Pisca.
Rio. Eu amo demais essa mulher.
É isso, eu sou completamente apaixonado por Evelyn White e
todos os meus sonhos parecem estar se tornando realidade nesse
fim de semana.
— Tem sorvete no congelador, quer?
Seus olhos passam de maliciosos para interessados
rapidamente.
— Ah, Miguel, você sabe mesmo como mimar uma mulher. —
Levanta-se e me dá um beijinho antes de se dirigir à sala.
Ajeito meu cabelo antes de retirar os pratos da mesa e ir até a
cozinha. Quando volto com o pote de sorvete nas mãos e duas
colheres ela bate palminhas.
A TV já está ligada quando me sento ao seu lado no sofá, Evie
está com as pernas dobradas e perfeitamente recostada entre as
almofadas.
— O que quer assistir? — pergunto vendo-a mexer nos
aplicativos de streaming.
— O que você acha?
No mesmo instante o som da música de abertura de “A Feia
Mais Bela” começa a soar e eu caio na risada.
— O que foi, bonitão? Ficou tímido para as novelas, é?
— Não, claro que não.
— Na próxima, você escolhe. — Pisca para mim e toma uma
colher da minha mão.
Passamos a hora seguinte assistindo aos capítulos que antes
acompanhávamos virtualmente juntos. Comentamos enquanto
comemos rapidamente o sorvete prestes a derreter.
— Ah, é agora! — Aponta para a TV com o olhar atento.
— Não me diga que ela vai… — não vou falar enquanto a cena
na novela acontece.
— Uh, sim, ela vai descobrir que o Fernando está enganando-a
porque tem medo de perder a empresa.
Engulo seco. E vemos a cena quietos, com plena atenção no
roteiro. Na TV, Leticia — a personagem principal da novela — sofre
a maior desilusão amorosa de sua vida. É triste de assistir, mas era
esperado.
— Já olhou pra uma coisa e teve a plena sensação de que sabe
como aquela pessoa se sente?
Engulo seco. Seus olhos estão marejados por causa da cena.
Como alguém que viu a si mesmo apaixonado platonicamente
durante anos, eu sabia muito bem do que ela estava falando.
— Mais do que você imagina — respondo fitando seus olhos.
— Sério? — pergunta baixinho.
Tomo o controle de seu colo e dou pause na TV.
— Você pode achar que não, mas eu sei sobre os dois lados.
Sobre o amor, o desamor e a dor.
Sua mão toca a minha e unimos nossos dedos. Vejo-a morder o
lábio de forma nervosa, depois lambê-lo, e quero beijá-la no mesmo
instante.
— Você fala com propriedade sobre o amor. Já se apaixonou por
alguém… de verdade?
Apenas assinto.
— E o que aconteceu?
Respiro fundo antes de responder.
— Doeu por um tempo… porque ela não me queria. Agora não
dói mais.
Beijo os nós de seus dedos.
— Por que toda vez que olho em seus olhos sinto como se você
quisesse descobrir todos os meus segredos?
— Porque é o que eu quero. Só depende de você compartilhá-
los ou não.
— E se eu não quiser?
— Então… — coloco o pote de sorvete vazio e as colheres sobre
a mesinha — terei que arrancá-los de você. — Encosto meus lábios
nos seus, ao que ela prontamente responde. — Um por um.
— Mal posso esperar por isso.
E assim me vejo com vontade de tê-la outra vez. E esse é um
desejo que não demora muito a ser atendido.
DOZE

Nada é para sempre, amor


Hoje compartilhamos a mesma lua
E amanhã quem sabe, se nos separamos
Ou teremos sorte
Nada es para siempre – Luis Fonsi

— Cor favorita — sua voz é de comando ao perguntar.


— Verde. Como as folhas das árvores — respondo e vejo seus
olhos brilharem.
— Jurava que você seria um cara do tipo azul escuro.
Rimos juntos.
É domingo pela manhã e estamos largados na cama,
preguiçosos depois de mais uma noite agitando as cobertas.
— Céus, olhe só para nós dois aqui, completamente presos à
cama.
— Se há alguém preso aqui, esse alguém sou eu. Não se
esqueça da gravata que você usou pra me… — Não termino de
falar pois Evie pula sobre meu tórax, cobrindo minha boca com suas
mãos.
— Não ouse falar disso.
Meu peito sacode com uma gargalhada e mordo seus dedos.
— Ai! — Seu gritinho é doce e sensual.
Abraço-a pelos ombros e logo a tenho recostada em meu peito.
— Você tem noção de que estamos há dois dias aqui, fazendo
nada mais do que… — é a vez dela de não terminar a frase. Beijo o
ponto sensível de sua orelha.
— Isso — murmura.
Acabo rindo por fazê-la perder o raciocínio.
— Está cansada? Temos o dia inteiro pela frente.
Evie se solta de meus braços e me encara com horror.
— Miguel, querido, falo sério quando digo que estou… hmm…
cansada.
Meus olhos recaem preocupados sobre seu corpo e suas mãos
logo cobrem meus ombros.
— Não, calma, eu estou bem. — Gargalha. — Você deveria se
olhar no espelho agora. Sua cara estava muito engraçada.
— Ah, sua danada… — Apelo ao segurar em suas costelas e lhe
faço cócegas.
O som risonho de Evie me enche de satisfação e me diverte.
— O que você costuma fazer em Madri aos domingos? —
pergunto enquanto ainda a tenho em meus braços alguns instantes
depois.
— Bom, isso depende. Quando não estou tão cansada, acabo
indo às feiras comprar bugigangas e termino almoçando em algum
restaurante próximo de onde moro. E às vezes fico em casa fazendo
nada demais.
— Então temos a opção de ficarmos em casa fazendo nada
demais juntos ou sairmos por aí para comer e comprar bobagens. —
Beijo seu nariz.
— Sabe uma coisa que gosto em você?
— Mal posso esperar para saber.
— Gosto da forma como se preocupa em me manter bem
alimentada. — Cutuca meu ombro.
— Para mim é um prazer, você fica mal-humorada quando está
com fome.
— Que absurdo, é claro que não.
— Ah, fica sim, não adianta negar.
Ela começa a desferir golpes em meu peito com seus punhos
minúsculos e eu acabo achando graça, o que a enfurece ainda
mais.
— Certo, está bem… pode ser que eu fique um pouco zangada
quando estou com fome. Mas quem não ficaria?
— Sim, querida, você tem razão.
— Outra coisa que gosto em você: sempre sabe quando estou
certa.
— Se depender de mim, vou viver para agradá-la.
Em seus olhos passa um lampejo de algo que não consigo
reconhecer. Evie se afasta e deita a cabeça sobre o travesseiro,
apoiando o rosto sobre a mão esquerda.
— Miguel. — Meu nome sai de seus lábios em um tom
preocupado.
Beijo a palma de sua mão e fito seus olhos.
— O que estamos fazendo? — Sua pergunta me pega
desprevenido.
Sei sobre o que ela está falando, e também sei que chegou a
hora de abrir o jogo sobre o que andamos fazendo e sentindo nos
últimos dias. Não estamos mais trocando flertes pelo telefone ou
lançando promessas cheias de lascívia. Estamos juntos, como dois
adultos que somos, brincando com a paixão.
Solto um longo suspiro e é a minha vez de deitar a cabeça no
travesseiro, enquanto minhas costas se fixam no colchão.
— O que você quer fazer?
— Como assim? — Seu olhar me persegue, e eu sei que seus
olhos estariam gravados em mim até o meu último dia.
— Seremos o que você quiser. Não me importo se é apenas
diversão, algo sério ou alguma coisa no meio disso. A única coisa
que me importa é ter você.
Seus lábios se abrem levemente, talvez em surpresa por minha
declaração. Estou cansado de guardar o que sinto, de pisar em ovos
e de me preocupar.
— Mas…
— Quero você — digo e vejo a forma como ela arregala os
olhos. — Não estou nem aí para o que venha junto. Seu passado,
suas dores, aflições e ressentimentos, aceito o pacote completo. Só
me importa tê-la. Por isso é você quem precisa ditar as regras a
partir de agora. Me diga o que quer e irei segundo o ritmo do seu
coração.
Nossas mãos voltam a se unir sobre o lençol e sinto um aperto
no peito, nunca senti tanto medo na vida ao aguardar uma resposta.
— Também quero você — ouço-a dizer em um sussurro. — Mas
tenho medo de querer qualquer coisa agora, eu… desculpe, Miguel.
Cerco-a com meus braços a fim de acalentá-la e evitar que seus
olhos marejados derramem lágrimas.
— Shii, shiii, está tudo bem. Estamos bem.
— O que você acha de mantermos as coisas como estão? Não
precisamos colocar um nome no que temos, podemos apenas…
— Deixar acontecer? — falo tocando em seu queixo.
— Isso.
— Está bem, guapa, não se preocupe.
— Miguel — chama quando me vê ficar em silêncio logo em
seguida. — Não quero que pense que você não significa nada para
mim. Porque não é verdade.
— Não estou pensando isso. Estou pensando que para mim
você é tudo.
Ela sorri e rola sobre meu corpo para me abraçar. Em seguida
ganho beijos e palavras doces sussurradas em meu ouvido.
Eu pertenço a Evelyn, só falta ela se permitir pertencer a mim
completamente.

Na segunda-feira depois do almoço eu me forço a tomar um


banho e me arrumar para o trabalho. Se eu quero ter uma semana
livre com Evie, preciso deixar algumas coisas programadas na
transportadora.
Minha hóspede favorita me observa enquanto eu busco minhas
roupas pelo quarto e sorrio feito um bobo vendo-a enrolada apenas
nos lençóis.
— Você sabe a hora que vai voltar?
— Devo ficar até lá pelas cinco. Só estou indo porque realmente
preciso.
— Não estou chateada, só estive pensando se não seria uma
boa ideia eu fazer meus próprios planos. — Seu rosto tinha uma
expressão faceira.
— Quaisquer que sejam seus planos, apenas não esqueça de
me incluir neles… hoje à noite. — Dou-lhe uma piscadela e a vejo
sorrir.
— Eu jamais deixaria você de fora, porém estive pensando em ir
ver Julie. Ela provavelmente irá enlouquecer, mas não me sinto bem
em ficar na cidade e deixá-la de lado.
— Quer uma carona? Posso te deixar na casa dela ou no prédio
da Carter, o que você preferir.
— Na moto? Sempre. — Dá um salto da cama e corre em
direção ao banheiro. — Me arrumo em vinte minutos — diz com
apenas a cabeça para fora da porta.
— Está bem, guapa. Te espero.
Ela cumpre o prometido e menos de meia hora depois estamos
descendo pelo elevador. Que reconfortante é tê-la outra vez na
garupa da Harley, seus braços ao meu redor, enquanto andamos
pela cidade.
O caminho até o edifício onde fica a Carter Exports, o negócio de
importação e exportação da família Carter, é rápido e sem muito
trânsito. Assim que estaciono a moto, Evie desce e me devolve o
capacete.
— Obrigada pela carona. Eu te vejo no fim da tarde?
— Não se preocupe, venho te buscar.
— Mal posso esperar. — Os braços envolvem meu pescoço e
ganho um beijo demorado e molhado de sua boca gostosa.
— Você sabe como se despedir, hein?
— É pra você ficar com saudades. — Gargalha.
— Acredite quando eu digo, não tem como eu te esquecer.
Ajeito o capacete em minha cabeça enquanto ela dá tchau e
acelero rumo à transportadora, não sem antes pensar que sou o
desgraçado mais sortudo do mundo.
E isso é o que deve estar estampado em meu rosto, porque não
consigo tirar o sorriso da cara nem por um instante. Assim que entro
no escritório cumprimentando até mesmo as plantas do local, sei
que não vai demorar muito até que eu espalhe aos quatro ventos
sobre meu fim de semana com Evie.
— Ora, ora, vejam quem resolveu aparecer na própria empresa.
— Ouço a voz de Violet atrás de mim quando entro em minha sala.
— Boa tarde — digo me sentando e rodopiando na cadeira.
— Muito boa, aparentemente. Estou te ligando desde cedo. O
que foi? Esqueceu o celular na geladeira de novo, é?
Sorrio para ela. Um sorriso largo e feliz enquanto continuo a me
mexer para lá e para cá.
— Esse sorrisinho aí… eu conheço você. Está com cara de
quem se deu bem.
— Você não faz ideia do quanto.
Passo os dois minutos seguintes resumindo mais ou menos
como foi meu fim de semana e assim que dou uma pausa, Violet
começa a gritar.
— Não acredito! — berra sentada na minha frente. Dou de
ombros sorridente. — Miguel, seu cachorrão — levanta-se e vem
até mim —, você conseguiu, não é mesmo? Estou tão feliz por
vocês, por finalmente estarem namorando.
— Ah, uh… quero dizer, não estamos namorando. Não
oficialmente.
— Então, vocês estão…?
— Estamos juntos, mas ainda não demos nome a isso. Estamos
deixando as coisas acontecerem naturalmente.
— Deixando as coisas acontecerem naturalmente? — Ela me
escrutina por um momento então solta um suspiro logo em seguida.
— Você é claramente mais moderno do que eu.
— Isso não tem nada a ver com ser moderno, tem a ver com dar
tempo ao tempo. Evie está machucada, com certeza não quer entrar
logo de cabeça em um novo relacionamento. No entanto sou
sortudo o suficiente para que ela me queira. Vou aceitar tudo que
ela puder me dar.
E porque Violet é Violet, mais do que minha parceira de
negócios, minha melhor amiga, ela me olha atentamente e recosta
sobre a mesa para me dizer as seguintes palavras:
— Estou feliz por você, de verdade, mas…
— Mas…
— Promete que vai tomar cuidado?
— Com o quê eu deveria tomar cuidado?
— Com o seu coração. — Estica o braço até que sua mão toque
a minha. — Você é bom demais, meu amigo. Não passe por cima de
si mesmo por amor. Uma hora você pode se perder.
É um conselho interessante e estou mais do que agradecido pela
preocupação dela para comigo, mas eu conheço meus limites, e
também sei como era a vida sem Evie. Agora que tive um gosto do
que é tê-la, nada me fará parar.
Mudamos de assunto e passamos a falar de trabalho pelos
minutos seguintes. Hoje não coloquei meu macacão jeans rasgado
e nem me enfiei sob um caminhão para me encher de graxa. Violet
me ocupou durante toda a tarde com assuntos burocráticos da
empresa: contratos que estávamos prestes a assinar, os caminhões
que estavam na estrada e análise de documentos da contabilidade.
Eu ainda tenho que me acostumar a ver tanto dinheiro passando na
minha mão e tantas pessoas dependerem do meu trabalho. Para
alguém que começou como um aprendiz de mecânico junto ao
primo, a vida está sorrindo demais para mim.
Quando o fim do expediente chega, estou ansioso para
encontrar Evie. Quero levá-la para jantar em um lugar bacana,
talvez à luz de velas. Brincar com seus dedos sobre a mesa e mimá-
la o máximo possível.
É só nisso que eu penso quando a primeira mensagem de Julie
chega.
Julie: AI, MEU DEUS!
Eu: Eu sei, eu sei.
Julie: Evie está no banheiro, então finalmente tenho tempo
de te encher a paciência. Vocês estão juntos? Como assiiiim? E
desde o sábado?
Eu: Cheguei de um passeio com Nacho e ela estava lá,
simples assim.
Julie: Estou eufórica, mais, estou hiperventilando.
Eu: Acalme-se.
Julie: E isso porque você prometeu que eu seria a primeira a
saber quando rolasse algo entre vocês.
Eu: Tecnicamente você FOI a primeira a saber. No fim de
semana estávamos ocupados demais para pensar em outra
coisa.
Julie: Eca, Miguel, não quero detalhes.
Envio emojis de labaredas para ela, morrendo de rir.
Julie: Se você magoar minha amiga, eu corto suas bolas
fora.
Eu: Sério?
Julie: Acabei de fazer o mesmo discurso pra ela sobre
magoar você. Estou confusa e feliz.
Eu: Você precisa decidir no pé de quem vai pegar.
Julie: Você é homem, historicamente eu deveria pegar no
seu.
Eu: Por falar em pegar, avise Evie que estou chegando para
buscá-la.
Julie: Okay, mas precisamos marcar algo como uma saída
de casais. Eu você, Alex e Evie. Uh, talvez Devon e Violet
também.
Envio um emoji de olhos revirados e sei que isso a deixa
tremendamente estressada.
Julie: Qual é, Miguel, você me deve pelo menos isso por me
ocultar uma informação tão importante por TRÊS DIAS
INTEIROS.
Eu: Menos drama, Julie, tudo que eu quero é ter Evie só pra
mim por agora.
Julie: Está bem, mas pense na minha proposta com carinho.
Eu: Tchau!
Recebo um emoji de língua de fora em resposta. Não tenho
tempo para os dramas de Julie.
— Já vai? — Violet pergunta entrando na sala e vendo como me
arrumo.
— Sim. Quero levar Evie para jantar.
— Ui, essa noite o toureiro do amor entra em ação. Olééé!
— Deixa de ser boba.
— Sabe o que seria legal? Sairmos todos juntos, para um
encontro de casais.
Encaro-a desconfiado.
— Você e Julie já conversaram sobre isso?
— Mas é claro, escolhemos até o lugar.
Solto um grunhido nada delicado.
— Vocês ainda vão me enlouquecer.
— Ah, não diga isso, tenho certeza de que sua vida não seria a
mesma sem nossas intromissões. — Ela faz um biquinho.
— Não adianta, Letty, essa cara de piedade só funciona com
Devon, estou imune às suas artimanhas.
— Chato. — Ela se aproxima para me ajudar a colocar a jaqueta
de couro. — Promete que vai pensar com carinho na ideia? Seria
tão bacana.
— Vamos deixar mais pro fim de semana? Tudo com Evie ainda
é bem novo, quero tê-la só pra mim por enquanto.
— Tudo bem, e prometo que vou me comportar a partir de agora.
— Beija os dedos médio e indicador e dá leves batidinhas em meus
ombros. — Vai lá, garanhão, vai atrás da sua garota.
O jantar com Evie acaba sendo ainda melhor do que eu poderia
ter planejado. Levo-a a um restaurante chique e recém-inaugurado
no centro da cidade, depois de uma rápida conversa com Alex
Evans sobre locais românticos. O homem trata minha prima com
adoração, se há um bom consultor de romance em minha rede de
contatos, esse alguém é Alex.
Evie me conta como foi sua tarde com Julie na Carter e em como
a ideia de voltar para Chicago e trabalhar na empresa se torna cada
vez mais interessante. Escuto tudo em silêncio, apesar de querer
gritar: sim, venha. A decisão final deve ser dela, sem minha
intromissão.
— O que você acha? — questiona quando me vê em silêncio por
muito tempo.
— Acho que é uma grande oportunidade — dou-lhe um leve
sorriso enquanto seguro sua mão sobre a mesa —, porém o mais
importante é o que você acha. Isso a fará feliz?
— Não seria este o momento em que você faz de tudo para me
convencer a ficar?
— Sim, mas eu prefiro usar de métodos mais sofisticados. —
Acaricio a palma de sua mão com o meu polegar e a faço rir.
— Sabe, eu poderia me acostumar com isso.
— Com o quê? Comigo? — Pressiono ainda mais meu toque em
sua pele.
— Sim, e também a ter você por perto.
Há algo em seu olhar que me dá um vislumbre do futuro. E
alguma coisa em meu interior me diz que estou no caminho certo. O
caminho para o coração de Evelyn.
Passamos todo o jantar com os olhos um sobre o outro, falando
baixo sobre a vida e sobre nossas experiências. Eu absorvo cada
fala dela, quero saber de tudo. Seus sonhos e desejos mais
profundos. Até porque quero que seja eu a realizá-los.
Quando chegamos em casa, mal podemos esperar para colocar
as mãos um no outro. Nacho foi sumariamente ignorado enquanto
nos beijamos e vamos até o quarto, nosso lugar favorito nos últimos
dias. É feroz e alucinada a forma como ficamos juntos. Eu tenho
sede de seus lábios e minhas mãos amam tocar seu corpo. Eu
gosto do jeito como ela é criativa e receptiva, além de macia e
carinhosa.
Acabamos nos perdendo um no outro por um bom tempo, até
ficarmos exaustos e sonolentos. Não canso de ficar abraçado a ela,
suas costas em meu peito, nossas mãos brincando uma com a outra
enquanto falamos coisas sem sentido pela vontade de dormir. Sou
sincero ao admitir que para mim é muito mais fácil cair no sono, por
isso, quando estou em total satisfação, segurando-a e prestes a cair
nos braços de Morfeu, não consigo me concentrar muito bem em
tudo que Evelyn fala.
Ainda assim a ouço me chamar:
— Miguel? — ela sussurra, como quem vai contar um segredo.
— Hmm.
— Você não me magoaria, não é mesmo? — O som de sua voz
chega até mim quase suplicante.
Magoá-la? Como assim?
— Não, jamais. — Meus lábios se movem como os de um
autômato, mas sei que minha resposta foi sincera.
— Obrigada.
Sinto-a se ajeitar em meus braços, cobrindo-nos com a roupa de
cama e a escuridão me envolve logo em seguida.
TREZE

Eu quero que meus anos passem


Junto a você, meu amor eterno
Junto da minha família (…)
Porque não valho nada
Porque não tenho nada
Se não tenho o melhor
Seu amor e companhia, no meu coração
Nada valgo sin tu amor - Juanes

Os dois dias seguintes passam voando. Comigo de folga da


empresa, deixo por conta de Evie planejar o que faremos para
ocupar o tempo. Afinal, não somos dois adolescentes tarados, para
ficarmos uma semana inteira trancados em casa. Fazemos um
piquenique em um parque próximo ao meu apartamento, onde até
mesmo Nacho se diverte pegando gravetos e comendo biscoitos.
Vamos ao shopping, porque depois de me ouvir dizer que tinha
apenas um par de roupas boas, Evie insistiu em me levar para fazer
compras e renovar o guarda-roupa.
— Você é um empresário de sucesso, agora, pode se dar esses
luxos —ela diz. E eu assinto a cada momento.
Eu fico mais do que feliz em ser mandado por ela a todo o
tempo, de loja em loja, apesar de não ter paciência e nem estar
acostumado a uma sessão tão demorada de compras. Acabamos
alongando ainda mais nossa estadia no shopping quando
obviamente Evelyn começou a ver coisas para ela, e ao nos darmos
conta, toda a tarde de quarta-feira havia passado.
É fantástica a forma como nos acostumamos rapidamente um
com o outro. À noite nos encontramos deitados abraçados, em um
silêncio confortável e cálido, ou então em conversas cheias de
significado madrugada adentro.
É quinta-feira pela manhã e Evie ainda está dormindo ao meu
lado na cama, completamente alheia a tudo. Pela centésima vez
nessa semana estou sorrindo para o nada feito um idiota. Melhor,
estou sorrindo para ela, mesmo que não possa me ver. Aproveito a
oportunidade para observar sua figura. As maçãs do rosto rosadas,
os lábios em formato de coração, o cabelo loiro e liso caído no
travesseiro, é perfeita até mesmo dormindo.
Pego meu celular e tiro várias fotos para ter certeza de que o
que estamos vivendo é verdade. Seus olhos se abrem no processo.
— Oi — murmura sonolenta.
— Bom dia, delícia — respondo com o celular ainda apontado
em sua direção.
— O que você está fazendo?
— Nada — digo com minha melhor voz de inocência.
— Você está tirando fotos minha dormindo? — sua fala soa
revoltada. — Miguel?
— Não.
Levanto da cama escondendo o celular. Evie logo está sentada
com os olhos bem abertos fixados em mim.
— Miguel? Me deixe ver essas fotos.
— Não. — Estou rindo agora.
— Deixa, eu mesma vou buscar esse bendito celular. — Joga os
lençóis para o lado e se levanta.
No instante seguinte estou rindo e correndo para a sala. Nacho,
que com certeza ouve meus passos pelo corredor, vem em minha
direção com sua boquinha aberta e abanando o rabo.
— Miguel, você não me escapa. Me dê aqui esse celular. — Evie
está em meu encalço, e quando me dou conta, ela pula em minhas
costas a fim de arrancar o celular de minhas mãos.
— Evelyn! — É tudo que consigo dizer antes de explodir em uma
gargalhada, com ela pendurada em mim, tentando tirar o celular.
Sua risada logo se junta à minha, enquanto Nacho late querendo
participar da brincadeira. Ele pula sobre mim, me desequilibrando.
Tudo que consigo fazer é correr até o sofá o mais rápido possível,
onde caímos um sobre o outro enquanto Nacho continua a latir.
— Consegui! — Em minha distração, Evie comemora ter
conseguido pegar o celular. — Olhe só pra isso, eu estou dormindo
de boca aberta, Miguel.
Continuo a rir a ponto de ficar com os olhos marejados.
Desvencilho-me de suas pernas para que meu corpo não pese
sobre ela. Recostado do outro lado do sofá, paro de gargalhar no
instante em que a vejo apertando botões no aparelho.
— Ah, não, Evie, não apague.
— Mas eu estou horrível! E se mais alguém ver isso?
— Confie em mim, ninguém verá essas fotos.
— Promete?
Eu me aproximo de seu corpo deitado no sofá, engatinho sobre
ela e cheiro seu pescoço.
— Prometo.
— Tudo bem.
Beijo sua clavícula com carinho e cuidado enquanto ela brinca
com meus cabelos. Começamos nosso habitual amasso matinal,
bem ali no sofá. Rimos com os uivos de Nacho e continuamos a nos
beijar e tocar um ao outro.
— O que é isso?
— O quê?
— Espera. — Sinto-a se esticar sobre o sofá e pôr a mão entre
nossos corpos até pegar o objeto esquecido. — Seu celular está
tocando.
Reviro os olhos e estou prestes a recusar a chamada quando
vejo o nome de tia Lupita piscando na tela. Quase me estapeio ao
lembrar que dia é hoje. Costumo jantar com ela toda quinta-feira,
mas como hoje especificamente é feriado, havíamos combinado de
almoçar e passar a tarde juntos.
— Oi, Lupi — atendo, com os olhos a pedir perdão para Evie.
— Oi, meu querido, estou te ligando porque sei que sua cabeça
é avoada e quero te lembrar que ficamos de almoçar juntos hoje.
— Sim, tia, eu não me esqueci.
Uma gargalhada invade a linha.
— Sei.
— Tudo bem, pode ser que eu tenha me esquecido por um
momento, mas isso não quer dizer que tenha me esquecido
completamente.
— Bom, você vem ou não?
— É claro que eu vou, mas não pretendo ficar toda a tarde,
porque… — paro de falar de repente porque minha concentração
está em Evie, que não para de fazer mímicas na minha frente. — O
que foi? — questiono, afastando o celular de minha boca.
— É a tia Lupita?
— Sim.
— Manda um beijo, eu a adoro.
— Está bem. — Aproximo o celular do ouvido outra vez quando
uma ideia surge em minha cabeça. — Ei, você não estaria a fim de
visitá-la comigo? Prometo que é a melhor comida que você vai
comer em muito tempo.
Evie me observa por um momento, aparentemente refletindo os
prós e contras.
— Mas ela não vai achar estranho?
— Miguel, você ainda está aí, meu filho? — Ouço a voz de Lupi
distante pelo celular.
— Sim, tia, ainda estou aqui. — Vejo Evie acenar positivamente
para mim do outro lado do sofá. — Tudo bem se eu levar uma amiga
para o almoço?
— É a Bárbara? — questiona imediatamente.
— Não, tia, é uma outra amiga.
— Tudo bem. Qualquer coisa menos aquela lambisgoia na minha
casa.
Acabo rindo com seu jeito bravo de falar.
— Está certo, vejo você daqui a pouco.
— Venha com Deus, querido.
Quando jogo o celular sobre a mesinha vejo os olhos de Evie me
fitando com curiosidade.
— Quem é Bárbara?
— Uau, esse ouvidinho aí está bom, hein?
— A tia Lupi fala um pouquinho alto. — Faz um sinal com os
dedos indicador e médio, me fazendo rir.
— É a minha ex.
— Ah, sim. — Ela faz um muxoxo.
— O quê?
— Nada.
— Nada? E o que esse cérebro super fantástico está pensando?
— Que ela deve ser uma idiota por te deixar ir embora.
— Na verdade, quem terminou fui eu, da última vez.
— Da última vez?
Droga, a última coisa que eu quero é começar o dia falando de
Bárbara.
— É uma história complicada, mas o que importa é que não
estamos mais juntos.
Evie se aproxima e se senta em meu colo no sofá.
— Ora, ora, que sorte a minha, não é mesmo?
— Talvez a sorte seja mais minha do que sua, não acha? — Ela
não imagina o quanto eu a queria.
— Somos dois sortudos, então. — Sorri.
Ela me beija e percebo que vamos acabar chegando um pouco
mais tarde na casa de Lupi.

Guadalupe Martinez é uma autêntica mexicana de sessenta e


cinco anos. Católica dos pés à cabeça, me criou em seus braços
acolhedores depois da morte da minha mãe, quando eu tinha
apenas três anos. Do meu pai, nunca ouvi falar, mas tia Lupi jamais
deixou que nada me faltasse, especialmente carinho. Cresci em
Cleveland, mas ela se mudou para Chicago comigo quando decidiu
que eu tinha que fazer faculdade.
Foi graças ao financiamento dela que abri minha primeira oficina,
e depois, com o dinheiro que juntei com Jorge, meu primo, é que
decidimos abrir uma pequena transportadora. E hoje as coisas são
como são.
Eu conto essa parte da história a Evie enquanto nos arrumamos
para sair. Ela parece ter muita curiosidade sobre minha relação com
Lupi. É quando descubro que seus pais também já morreram e ela
se vira sozinha pelo mundo.
Tia Lupita mora em uma casa simples de tijolos aparentes e com
um jardim muito bem cuidado nos subúrbios de Chicago. Nos
últimos tempos, eu venho pagando o aluguel para ela, apesar de
sua teimosia em querer gastar a aposentadoria, mas o que eu
planejo mesmo, e com muito gosto, é dar uma casa novinha para a
minha velha.
— Será que ela vai lembrar de mim? — Evie questiona depois
que estaciono e tiramos os capacetes em frente à casa.
— É claro que vai. Tia Lupita tem uma memória de dar inveja.
Caminhamos de mãos dadas — um hábito que adquirimos
desde a ida ao shopping — o restante do caminho até a porta.
Como aquela é uma espécie de minha segunda casa, abro a porta
sem nenhuma cerimônia.
— Lupi? — chamo assim que adentramos na sala e o cheiro de
molho picante invade minhas narinas.
— Uhuuul, estou na cozinha querido — grita cantarolando.
Evelyn e eu sorrimos.
Caminho pelo corredor com Evie logo às minhas costas. A
música tocando na caixinha de som da inteligência artificial é nada
mais nada menos do que uma de Selena. Sorrio ainda mais. Essa é
tia Lupita.
— Oi, tia — chamo a sua atenção enquanto coloco minhas
chaves e os capacetes sobre a mesa da cozinha.
— Ei, meu amor! — Ela se vira e seu sorriso congela ao ver Evie
do meu lado. Seus olhos logo observam nossas mãos dadas e um
sorriso ainda maior brota em seus lábios. — Mas vejam só, você
não é a amiga de Julie? — Seu olhar paira entre mim e Evie a todo
instante, como se buscasse confirmação para o que está vendo.
— Sim, sou eu mesma.
— Se você não se importar com o cheiro de alho, pode vir cá e
me dar um abraço.
— Claro, tia Lupita.
As duas se abraçam com carinho e logo em seguida é a minha
vez de envolver minha tia e ganhar um de seus sonoros beijos no
rosto.
— Mas eu não estou entendendo… vocês estavam juntos
quando eu liguei? — Conhecendo minha tia como conheço, ela
estava na verdade perguntando: “Vocês estão juntos?”.
— Sim, tia, Evelyn estava lá em casa quando a senhora ligou.
Ela está hospedada comigo essa semana.
Seus olhos se arregalam, mas ela logo trata de disfarçar.
— É mesmo?
— Sim, tia Lupita, Miguel tem sido um excelente… anfitrião. —
Evie me encara achando graça da situação.
— Não esperava outra coisa dele. Mas que modernos vocês,
hein, com essa coisa de… amigos.
— Tia — repreendo-a sutilmente e dou um leve pigarro.
— O quê? É a verdade, no meu tempo isso tinha outro nome.
Evie gargalha com um pouco de desespero nos olhos. Decido
resgatá-la.
— E o que vamos almoçar?
— Fiz enchiladas, com o molho do jeito que você gosta.
— O cheiro está ótimo, dona Lupi.
— Que bom, então você me ajuda a terminar de colocar a mesa
enquanto você, mocinho — dá leves tapinhas em meu braço —, vai
para a sala. Você cuida da louça depois.
— Já vai me expulsar da cozinha? — Finjo estar chateado.
— Sim, porque você tem o péssimo hábito de ficar beliscando a
minha comida. Anda, pra sala.
Dou um leve beijo em sua testa e dou uma olhada para Evie do
tipo: “Você vai ficar bem?”. Ela apenas assente. A casca dela é
grossa o suficiente para aguentar a impertinência de tia Lupita.
Sendo assim, vou para a sala e ligo a TV no canal de esportes.
Deixo o volume do aparelho bem baixinho, de forma a ficar
atento ao que as duas estão conversando na cozinha. Sou
fofoqueiro, e daí? Eu poderia ser coisas bem piores, então não
tenho nenhum remorso em ouvir a conversa dos outros.
— Há quantos dias você está na casa do meu Miguelito? — ouço
tia Lupita perguntar.
Sutil como sempre.
— Desde sexta à noite.
— Quase uma semana! — Juro que posso imaginar o semblante
horrorizado de minha tia. — Ah, o que tem demais, não é mesmo?
Vocês são jovens, devem aproveitar.
Evie responde, porém não consigo ouvir muito bem o que diz.
Assim como as seguintes frases das duas. Quando a conversa volta
a ficar alta o suficiente, elas estão falando sobre comida e a
disposição dos pratos e talheres sobre a mesa.
É Evie quem aparece uns quinze minutos depois para me
chamar para o almoço. Aproveito que estamos sozinhos e a enlaço
pela cintura.
— Miguel! — Sua voz soa afogada quando a puxo para um beijo.
— Sua tia pode ver.
É a minha vez de gargalhar.
— E você acha que ela não sabe o que está se passando em
minha casa há uma semana?
Ganho um tapa em resposta.
Com meus braços em volta de seus ombros, Evie e eu
caminhamos para a copa onde a mesa já está posta.
Começamos a comer com a agitação costumeira, com tia Lupita
monopolizando a conversa, primeiro falando sobre a preparação da
comida, depois sobre como anda sua vida. Como sempre acontece
quando eu a visito, fico ocupado demais comendo e apenas assinto
diante de suas declarações.
— Olhe só para vocês, tão bonitinhos juntos. — Os olhos de Lupi
brilham ao falar.
Minha surpresa foi ver Evie respondendo com entusiasmo às
declarações dela e se intrometendo nos assuntos, até mesmo
quando minha tia fala dos problemas na paróquia.
— Miguel, diga alguma coisa — Evie me incentiva alguns
minutos depois.
Dou de ombros enquanto continuo a comer.
— Não se preocupe, Evelyn, ele vai falar quando tiver algo a
dizer. Toda vez que me visita é a mesma coisa. Só sabe comer.
— A comida está uma delícia, dona Lupita.
— Obrigada, querida. Mas me conte, você não mora por aqui,
não é mesmo? Pelo que eu me lembro.
— Não, moro em Madri.
— Olha, que chique. E o que você faz lá?
— Bom, eu trabalho em uma empresa de exportação.
— Evie tem um trabalho bem importante lá, tia, ela manda em
um monte de gente — falo com a boca cheia e ganho um safanão
de Evie, que estava sentada ao meu lado. — Estou falando alguma
mentira?
— Não, quero dizer, sim… mais ou menos. Não é tão importante
assim.
— Bom, eu acho que para te tirar da sua cidade natal e ir morar
do outro lado do oceano, deve ser algo importante sim, minha
querida. Não precisa ser tão modesta com a gente — tia Lupi diz e
eu encaro Evie com um olhar de: “viu só?”
— Meu bem, como vão as coisas no trabalho? — Os olhos de
raposa de Lupi caem sobre mim.
— Espero que bem, tirei uns dias de folga essa semana.
— Sério? — ela nos observa com ainda mais curiosidade. —
Mas que coisa boa, não é mesmo? Sabe, Evelyn, eu vivo dizendo a
esse rapaz pra trabalhar menos. Fico feliz que tenha finalmente me
dado ouvidos.
— Eu não sabia que você também era um viciado em trabalho,
Miguel.
— Ah, esse aí? Pode ter certeza que sim. Por ele, viveria enfiado
debaixo de um caminhão. Sempre foi assim.
— Hmm, mas dona Lupi, isso aqui está uma delícia. — É a vez
de Evie falar com a boca um pouco cheia.
Tia Lupita e eu rimos.
— O segredo é temperar bem o molho, minha filha.
— Nem em meus sonhos mais loucos eu conseguiria cozinhar
algo assim. — Evie suspira com os olhos fechados levando mais
uma colherada à boca.
A conversa segue descontraída, ainda que o olhar atento de
minha tia continue sobre mim e Evie. Eu podia ver claramente as
engrenagens rodando em sua cabeça. Ela, com certeza, teria um
caminhão de perguntas a me fazer depois.
Sem nenhuma surpresa nós devoramos toda a travessa de
enchiladas, para total gosto de Lupi. Se há algo que ela curte mais
do que tudo, é entupir as visitas de comida. Evie, por sua vez,
aproveitou-se muito bem da situação.
Estava encantado de vê-la tão relaxada e divertida com a
conversa da minha tia. De repente me permiti imaginar minha vida
assim: eu ao lado de Evie, as visitas que faríamos a tia Lupita para
um almoço em família e a preocupação de contarmos sobre nosso
dia a dia. A imagem de uma vida tão caseira e descontraída me
apertou o peito.
Se Evie ao menos imaginasse que dependia apenas dela…
Nunca em minha vida torci tanto para que outro ser humano
quisesse o mesmo que eu. Doía a esperança de um dia ser amado
por ela.
— Dona Lupi, em nome de Deus, esse é o pudim mais bonito
que já vi na vida.
— Não diga bobagens, menina. — As duas riem uma pra outra.
— Estou falando sério, mal posso esperar pra comer. Olhe isso,
Miguel.
— Tia, não exagere tanto na comida.
— Ora, bobagem. Estou boa demais, você é quem se preocupa.
— Acho que perdi alguma coisa aqui. — Evie nos observa
confusa.
— Tivemos um pequeno susto recentemente — tia Lupi diz,
fazendo um gesto com as mãos de que não foi nada demais.
— Um susto? Não me venha com essa, ela teve que operar o
apêndice dois meses atrás. Inclusive, ainda me pergunto se devia
estar de pé fazendo tantas coisas assim.
— Você se preocupa demais, meu filho. O médico já me deu
alta, e como eu disse, foi apenas um susto.
— Mas a senhora já está melhor? Tem sentido alguma coisa?
Meu coração se aquece ao ver a preocupação genuína de Evie
por minha tia.
— É claro que estou. Não dê ouvidos a ele, é um exagerado.
Comemos a sobremesa da mesma forma que o restante do
almoço, falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Evie e eu
dividimos no mesmo prato pedaços e mais pedaços de pudim, e não
nos sentimos satisfeitos até que o doce estivesse pela metade.
Com palminhas sobre a mesa, Lupi avisa que vai para a sala, e é
o momento de eu lavar a louça. Evie até se oferece para ajudar,
mas a ideia é completamente repudiada por minha tia, que joga a
carta do matriarcado sobre a situação. Rindo, as duas se dirigem
para a sala, enquanto eu começo a tarefa com o ouvidinho muito
esperto, a fim de saber o que se passa no cômodo ao lado.
A louça é pouca, e enquanto estou atento à tarefa, tudo que
consigo ouvir são risadas femininas seguidas de sussurros. Assim
que termino, me encaminho para a sala em passos lentos, sei que a
TV está ligada, mas por incrível que pareça está no volume baixo, e
enquanto estou no corredor me aproximando, o que elas dizem
ganha vida em meus ouvidos.
— … não foi nada fácil, mas estar com Miguel me faz bem, dona
Lupi.
— Eu te entendo, minha filha, e não recrimino o que quer que
vocês estejam fazendo, mas não deixo de me preocupar pelo meu
menino. — Estou prestes a entrar na sala para cortar aquele
assunto quando a frase seguinte de minha tia me chama a atenção:
— Sabe, eu já passei por algo parecido.
— Você foi deixada no altar? — ouço Evie questionar espantada.
— Não, na verdade fui eu que o deixei. Isso já faz muito tempo.
Minha irmã havia acabado de falecer e eu estava com uma criança
pequena para cuidar. Então meu noivo achou que fosse uma boa
ideia me dar um ultimato.
Sei que Evie deve estar se aproximando ainda mais de Lupi no
sofá, porque é o que me vejo fazendo, apurando minha audição o
máximo possível para ouvir o restante da história.
— Ele te deu um ultimato?
— Sim — a voz de tia Lupi soa triste. — Ele disse que não queria
criar um filho que não era dele. Que nem mesmo eu era obrigada a
isso. Como se eu fosse deixar pra lá aquela criança tão maravilhosa
na minha vida.
— Você terminou com ele?
— Sem nem ao menos pensar duas vezes. E graças a Deus que
fiz isso, porque hoje em dia eu tenho ao meu lado o homem mais
precioso do mundo. Sabe, vai chegar um dia em que você também
vai se dar conta disso.
As duas ficam em silêncio enquanto os pensamentos rodam em
minha mente. Lupi tinha um noivo quando minha mãe morreu, que a
fez escolher entre ter a própria família e eu. E ela me escolheu.
Nunca tinha ouvido essa história antes.
Meu respeito e minha admiração por aquela mulher tão valente
só aumentaram, a ponto de sentir meus olhos coçarem. Maldição,
talvez eu devesse ir picar algumas cebolas para disfarçar.
Solto um leve pigarro chamando a atenção de ambas antes de
entrar na sala. Encontro-as sentadinhas como se nada estivesse
acontecendo, com a TV ligada e o rosto de Fernando Colunga
exibindo-se na tela.
— O que vocês estão fazendo? — questiono.
— Nada! — respondem juntas.
— Está passando a reprise de Amor Real, descobri que Evelyn
também gosta.
Sento-me ao lado de Evie no sofá, enquanto tia Lupita ocupa a
poltrona especial reclinável que lhe dei de presente no último
aniversário. Eu me dou conta que estou do lado das minhas duas
mulheres favoritas — que Julie não escute isso jamais — e me sinto
feliz e completo.
— Ei, psiu — ouço tia Lupita me chamar baixinho uma hora
depois, do outro lado da sala. Estou focado na TV enquanto Evelyn
cochila recostada em meu ombro.
— O que foi?
— Fala baixo, que vai acordar a menina. — Vejo-a se levantar e
parar na minha frente. — Vem, vamos até a cozinha — sussurra e
sai em direção ao cômodo.
Desvencilho-me do corpo de Evie e sigo minha tia. Quando
chego lá, ela já está tirando Tupperwares do armário e mexendo em
panelas na geladeira.
— Desembucha — falo, sabendo que alguma espécie de
conversa séria vem pela frente.
— O que você pensa que está fazendo? — ganho um peteleco
na orelha assim que me aproximo dela.
— Ai, sua mão é pesada.
— Pois é pra doer mesmo. Onde já se viu uma coisa dessa!?
— Do que você está falando?
Murmurávamos um para o outro no cômodo enquanto nossos
olhos vagueavam em direção ao corredor que dava para a sala.
— Estou falando de você e essa moça.
Reviro os olhos e acabo ganhando um beliscão.
— Não revire os olhos pra mim. Sabe que tudo que quero é o
seu bem, e no momento estou muito preocupada.
— Pelo amor de Deus, Guadalupe… — sou interrompido de meu
próprio sarcasmo.
— Essa menina… — fala um pouco mais alto e acaba olhando
para o corredor — essa menina está machucada, meu filho, ela
precisa de tempo para se curar antes de entrar em qualquer
relacionamento.
— Não vou falar de minhas atitudes com Evie com a senhora, tia
Lupi, por mais que eu a ame.
— Quem você ama? É a ela, verdade? Acha que eu não sei?
Está há anos rondando a amiga de Julie como mosca de padaria.
Sei que esse seu coração enorme só quer uma chance, mas me
preocupo que você se magoe, querido.
— Evelyn jamais me magoaria — digo sem nenhuma dificuldade
e querendo que o assunto acabe.
— Não? Talvez não intencionalmente, mas ainda assim você tem
tudo para sair machucado dessa. E quando ela voltar para a
Espanha? Você acha que ela vai querer entrar em outro
relacionamento tão facilmente depois do que sofreu? Você está
colocando todas as suas esperanças em um castelo que vai ruir,
Miguel.
— Não estou, não.
Mentira, mas quem iria admitir isso? Eu?
— Ótimo, então o que pretende fazer? Sentar e ver no que vai
dar?
— Basicamente isso.
— Miguel…
— Tia — caminho em sua direção e seguro suas mãos —, sei
que está preocupada e sei que a senhora não quer me ver sofrer,
mas… Evie é o meu sonho. Será que não entende?
— Eu sei, querido, eu sei, é por isso…
— É por isso que vou aceitar o que ela tiver para me dar. Muito
ou pouco… será infinitamente melhor do que nada. Não vou
desperdiçar essa chance.
— Mas, e se você se magoar? E se não for suficiente, como
você está pensando?
— Então isso é algo com o qual terei que aprender a viver.
Ficamos em silêncio. Tia Lupita estava acostumada a ganhar
batalhas, mas aquela era uma que infelizmente eu não lhe permitiria
vencer. Já estou grandinho o suficiente para poder decidir por mim
mesmo, e o que quero é uma coisa só: Evelyn.
— Quando foi que você se tornou tão teimoso? — Seus olhos
agora parecem divertidos, mas no fundo ainda denotam
preocupação.
— Desde que fui criado pela mulher mais teimosa de todas. —
Abraço-a e dou um beijo em sua testa. — Obrigado por se
preocupar, dona Lupi, mas vou ficar bem, eu prometo.
— Sabe que vou estar aqui para o que precisar, não sabe?
— Graças a Deus por isso. — Dou-lhe outro beijo e nos
separamos. — E agora, o que vai ter nessas Tupperwares essa
semana, hein? — Ganho outro tapa no braço.
QUATORZE

Eu quero ser a chuva


Que cai sobre você
Levando para longe a dor
Eu quero ser o sol
Que brilha em você
Aquecendo seu mundo a cada dia
Eu quero ser o céu
Que segura as estrelas para você
Então, você nunca irá se perder
Eu quero ser o vento que beija seu rosto
Eu quero ser a chuva
I Wanna Be The Rain - RBD

— Não acredito que você me deixou dormir quase a tarde toda no


sofá da sua tia — Evie reclama assim que chegamos ao meu prédio.
Eu caio na risada pela terceira vez seguida ao vê-la resmungar
sobre o assunto. Havia aprendido que ela pode ser muito rabugenta
quando acorda. Tia Lupita e eu acabamos enchendo-a de comida
no fim da tarde, em um lanche regado a conversa corriqueira e
muitos risos.
E eu queria mais. Queria partilhar tantas coisas com Evie que
meu corpo inteiro começa a esquentar em antecipação.
— Você não tirou fotos minhas dormindo, tirou? — pergunta
ainda emburrada quando entramos no elevador.
Pressiono meus lábios um no outro e finjo encarar o painel
lateral repleto de botões.
— Miguel…
— Foram só algumas fotinhos, guapa, eu não resisti.
— Eu não acredito. Cadê o seu celular?
— Não, nada de apagar as fotos, você estava tão bonitinha…
— Seu cafajeste, pare de tirar fotos minhas quando estou
horrenda… — Seus punhos começam a bater em meu peito e eu
continuo gargalhando.
Atraio-a para meus braços, brincando de apertá-la e tirando seus
pés do chão. Logo ela também está rindo.
— Isso não vale, você sempre faz isso. — Mostra um biquinho.
— O quê? Tirar fotos?
— Não, ser irresistível — murmura e morde o meu queixo de
leve.
Sensações de prazer começam a correr pelo meu corpo, e sei
que meu sangue começa a ferver por ela.
— Diga outra vez.
— Dizer o quê?
— O que acabou de falar.
Seu sorriso é presunçoso e seu hálito é cálido em meu ouvido
quando sussurra:
— Miguel, você é irresistível.
Não sei que espécie de interruptor é ligado em meu corpo,
entretanto minha reação às suas palavras é encurralá-la entre mim
e a parede de metal. Toco seu cabelo e seguro em sua nuca, estou
prestes a beijá-la, mas o barulho do elevador indicando que
chegamos ao meu andar me distrai.
— Uh, salva pelo gongo. Você está com uma cara de quem quer
me devorar.
— Prepare-se.
— Ai, meu Deus. — Vejo Evie escapar do elevador e correr pelo
corredor até a porta de meu apartamento.
Quando me aproximo, consigo ouvir as patinhas de Nacho
arranhando a porta como sempre faz, porém estou concentrado
demais na mulher ao meu lado. Começamos a nos beijar enquanto
ainda tento abrir a porta. Com muito esforço me controlo e consigo
colocar a bendita chave na fechadura. Quando entramos, um Nacho
feliz quer nos cumprimentar, mas rumamos diretamente para o
quarto.
A porta bate com um estrondo enquanto concluímos o ritual de
nos despir com pressa e agilidade, da forma como vínhamos
fazendo nos últimos dias. Estou acostumando-me a tê-la por aqui, a
vê-la sempre que eu quiser, a tocá-la ao apenas estender meus
braços.
Não quero pensar no depois, não quero pensar quando a
semana acabar. Quero me concentrar apenas em Evie e no que
temos agora. E o que temos é uma baita paixão desenfreada. Meu
peito incha, minha pele arde toda vez que a tenho. Toda vez que
estamos juntos, assim, colados um no outro. Seus lábios, sua pele,
sua exuberante beleza, me enlouquecem. Chego à conclusão de
que jamais será possível me cansar de Evelyn.
Já sou conhecedor de seus suspiros e de sua intensa paixão.
Não, nunca será suficiente, por isso me perco, me afogo nela.
Quero ser tudo para ela: o ar, a força, a luz durante a escuridão e
seu conforto em dias cansados. Talvez, se eu pedir de todo o
coração, o universo me recompense com a felicidade de tê-la para
sempre.
— No que está pensando? — Encontro-a me observando
sentada com as pernas cruzadas e os ombros apoiados no espaldar
da cama.
— Em nada. — Estou sentado da mesma forma, mas de frente
para ela.
— Mentiroso! — Joga uma uva em meu rosto.
Chegamos em casa há quase três horas e não demos trégua um
ao outro nesse meio tempo. Ela veste o meu roupão, enquanto não
uso nada. Estamos acostumados a ficar a sós e nos sentimos bem
assim.
— Quando é seu voo? — pergunto com uma súbita coragem.
— Domingo à tarde — responde baixinho, escrutinando tudo em
meu rosto. Devolvo o olhar, tentando de alguma forma entender o
que se passa nessa cabecinha. — Mas não quero pensar nisso.
— Por que não? — questiono com o coração batendo acelerado
em meu peito.
— Porque ainda temos três dias pela frente — deixa a bandeja
de frutas sobre a cama e avança engatinhando em minha direção
—, e eu quero aproveitá-los muito bem… — Seus braços cobrem
meus ombros em um abraço caloroso e sensual. — Miguel, há algo
que preciso dizer.
Observo enquanto ela morde o lábio inferior, não para me
enlouquecer, mas como se estivesse indecisa quanto ao que dizer.
— O que foi?
— É um segredo, mas acredito que você precisa saber.
Engulo em seco. O que viria a seguir?
O que quer que fosse, nada me preparou para suas palavras:
— Acho que estou me apaixonando por você — sussurra.
Seus olhos brilham com gotas de lágrimas não derramadas,
enquanto um turbilhão de emoções aflora em minha pele. Sinto
minhas mãos trêmulas e é como se o ar me faltasse.
É como se eu tivesse saído de meu próprio corpo e enxergasse
a cena de longe, como outra pessoa.
Porque parece irreal.
Porque isso é o meu maior desejo se tornando realidade. Ela é
minha? Evie já é minha? Posso celebrar?
É o que me questiono enquanto continuamos a nos encarar com
doçura e uma paixão em suspenso. Engulo seco porque não tenho
palavras, mas sinto um sorriso gigante surgir em meus lábios e é
como se meu coração fosse saltar para fora do peito.
— Se você deixar… se me der uma chance — solto um leve
pigarro porque tenho medo de tropeçar em minhas próprias palavras
—, e se permitir se apaixonar por mim, eu prometo que não irá se
arrepender. — Não resisto e dobro uma mecha de seu cabelo para
atrás da orelha.
Dou um leve beijo em seu queixo e a atraio para mais perto de
mim.
— Você é diferente de tudo, Miguel, e de todos.
— Que bom.
Estamos falando baixo um com outro, como se cada palavra
fosse um segredo. Ela me beija, toma a atitude e a vantagem de me
tocar a seu bel-prazer. Sou todo dela, quero que ela sinta isso, que
tenha a certeza que eu serei a sua rocha para quando as coisas
ficarem difíceis. Retribuo o beijo, nossas línguas enviando faíscas
de desejo um para o outro. Um sentimento de possessividade me
domina e acabamos caídos no colchão, eu sobre ela.
— Você é minha — digo. Não é uma pergunta, é a afirmação
mais verdadeira que já fiz em toda a minha vida.
Seus olhos brilham, um lampejo de desejo passa por eles,
mostrando o quão conectados estamos. Evie assente e fecha os
olhos quando me abaixo para começar mais uma rodada de
adoração ao seu corpo, enquanto por dentro eu posso sentir o
sangue correr como fogo em minhas veias.
A partir de hoje, nada me impediria de ter Evie para sempre.

— Será rápido, eu prometo — digo enquanto descemos da


Harley e tiramos os capacetes.
— Não se preocupe, vou amar conhecer seu trabalho.
Estamos dando uma passada rápida na transportadora antes de
irmos almoçar. Decidimos ser espontâneos e passear pelo centro de
Chicago durante a tarde, mas antes, fui chamado por Violet para
assinar alguns documentos urgentes na empresa, que não podem
esperar até segunda-feira.
Entramos de mãos dadas no escritório e as cabeças dos
funcionários nas baias se voltam imediatamente. Dou um “bom dia”
coletivo e alguns me cumprimentam com sorrisos, mas todos com
olhares curiosos. Vejo Evie sorrir e acenar para eles e acho
engraçado, parecemos uma espécie de político e primeira-dama
andando por aqui.
Meus pensamentos são interrompidos por um grito estridente
vindo do corredor principal e então a voz de Violet se faz presente.
— Olha só o que os bons ventos trazem. — Seus sapatos fazem
barulho enquanto caminha rapidamente, vindo do final do corredor
em nossa direção.
— Onde estão os papéis? — questiono assim que ela se
aproxima.
— Bom dia pra você também, chefinho. Que maravilha ter vocês
dois por aqui. Finalmente consegui fazer com que saíssem da toca,
hein?
— Você não foi a única, ontem visitamos tia Lupita — Evie diz e
os olhos de Letty se arregalam.
— Ora, ora, sinto o cheio de coisa séria por aqui…
— Violet — digo entredentes.
— Tudo bem, tudo bem. — Levanta as mãos em rendição. — Os
papéis estão em cima da sua mesa, Miguel — diz com a voz séria
dessa vez. — Ei, Evie, quer fazer um tour pela empresa enquanto
Miguel trata de assuntos chatos?
Antes que Evelyn respondesse, decidi me intrometer.
— Não se preocupe, Letty, eu mesmo mostrarei a empresa a ela.
— Hmm, que possessivo, ele. — Dá uma piscadela. — Sendo
assim, vou deixar vocês à vontade, ficando na minha sala. Você vai
ver que fica em frente à dele, Evie.
— Então você tem que aturá-lo assim tão de perto?
— Ei. — Faço-me de ofendido.
As duas riem descaradamente, no fim acabo me unindo às
risadas. Caminhamos juntos pelos corredores até estarmos em
frente às nossas respectivas salas.
— Então é aqui que você trabalha? — Evie diz, escrutinando
todo o meu escritório assim que entramos.
— Por algum tempo, sim, mas na maior parte do dia você me
encontra de baixo de algum caminhão, todo sujo de graxa.
Evie sorri e enquanto me sento em minha cadeira, ela fecha a
porta.
— Sabe, não é má ideia.
— O que não é má ideia? — questiono tirando os olhos da mesa
e a observando. Ela caminha em minha direção rebolando os
quadris com confiança e quando nossos olhos se encontram, vejo
desejo neles.
— Imaginar você assim, em jeans e pura sujeira de graxa.
Evie dá a volta na mesa e se senta sobre a mesa, bem na minha
frente, as pernas expostas uma de cada lado da cadeira. Já falei
que ela está de vestido? Sim, uma hora ela certamente iria me
enlouquecer.
— É um caminho perigoso esse que está tomando, senhorita
White.
Não resisto e minha mão sobe por sua perna, sentindo a maciez
de sua pele lisa enquanto ela continua a sorrir.
— Gostei disso: senhorita White. Meu nome fica sexy na sua
boca. — Ela se aproxima do meu rosto. — Diz outra vez.
— O que você quiser, senhorita White.
Um gemido doce sai de sua boca e não resisto a beijá-la ali
mesmo. Minhas mãos continuam a brincar com a barra de seu
vestido enquanto meus dedos tocam sua pele sedosa. O ar me falta
ao perceber onde estamos, que a tenho aqui em meu escritório,
sentada quase em meu colo no lugar onde por tantas vezes sonhei
com ela.
— Guapa… — começo a dizer, mas ela está devorando minha
boca, e quem sou eu para interromper uma dama, não é mesmo?
— Hmm — seus lábios murmuram.
— As persianas… estão abertas.
Com muitos resmungos ela me solta. Acabamos rindo com
cumplicidade quando encaramos o corredor vazio através da janela.
Toco seu rosto gentilmente e ganho um de seus sorrisos. Céu
amado, como eu amo essa mulher.
Olhando-a brincar com as coisas sobre minha mesa, sentada na
minha frente como se estivéssemos na posição mais comum do
mundo, eu tenho a certeza de que a amo e que preciso fazer com
que ela saiba.
“Estou me apaixonando por você.”
As palavras de Evie voltam à minha mente, enchendo meu peito
de sentimentos felizes.
— Vou assinar tudo que preciso aqui e assim ficamos livres de
uma vez. — Começo a catar os papéis sobre a mesa, me desviando
de seu corpo.
— Está bem. — Evie desce da mesa e passeia pela sala,
observando as estantes e armários.
— Você tem tudo muito organizado por aqui.
— Agradeça a Violet, sem ela isso aqui fica uma bagunça.
— Olha, um banheiro, essa é a minha deixa. — Evie caminha
rapidamente para a porta à direita no escritório e logo some no
lavabo.
Balançando a cabeça, logo trato de me concentrar nos
documentos em minhas mãos. Eles são realmente urgentes, e
tentando não pensar em todo o trabalho que provavelmente me
espera na semana seguinte, eu assino onde preciso.
Passados alguns minutos, a porta da sala se abre de forma
barulhenta, fazendo com que eu levante os olhos rapidamente. O
que vejo me deixa confuso.
— Bárbara, o que faz aqui? — Minhas sobrancelhas estão tão
franzidas que devo parecer estar fazendo uma careta.
— Sinto muito invadir seu espaço, aproveitei que a secretária
estava no telefone e entrei sem avisar. Preciso falar com você, e
como não atende minhas chamadas nem responde minhas
mensagens, essa foi a única forma que encontrei para
conversarmos.
Encaro a mulher à minha frente com preocupação, Bárbara é
exuberante e tipicamente latina, ou seja, gosta de deixar claro que é
consciente disso, vide o grande decote que usa. Seus cabelos loiros
estão soltos, como sempre, enquanto os olhos verdes — por lentes
de contato — me fitam como se aguardando uma resposta.
A porta que dá para o banheiro ainda está fechada, e me
pergunto se Evie pode ouvir o que é dito aqui em minha sala.
— Olha, Bárbara, seja o que for, esse não é um bom momento
— digo, me levantando e indo até ela, a fim de levá-la para fora.
Estou sendo o mais gentil que posso em uma situação
desesperadora.
Violet escolhe esse momento para abrir as persianas de sua sala
e arregala os olhos ao ver minha visitante.
— Miguel, o que tenho pra dizer é importante…
— Segunda, Bárbara, segunda-feira é um bom dia para
conversarmos e…
— … eu estou grávida.
Paro de falar assim que escuto a frase que deixa seus lábios.
Mas o pior não é isso. O pior é que Evie escolheu este exato
instante para sair de dentro do banheiro, provavelmente ouvindo a
mesma revelação da minha ex.
— O quê? — eu me ouço dizer com uma risada seca. Quando
olho para Evelyn, minha boca não consegue segurar o que meu
coração insiste em dizer: — Não.
— Sim, Miguel, estou esperando um filho e ele é seu — ela
repete a informação como quem decide apagar um incêndio com
gasolina.
Para completar, Violet escolhe esse instante para também
adentrar a sala, ouvindo a última parte das palavras de Bárbara.
Há um silêncio perturbador no ambiente. Abro a boca repetidas
vezes, mas nenhum som sai. Tudo que consigo fazer é encarar Evie
e Bárbara, as duas no mesmo recinto, e sei que esse é um
momento que jamais vou esquecer. Porque você sempre vai lembrar
quando o amor de sua vida se afasta.
Há algo nos olhos de Evelyn que me assusta, é como se ela não
estivesse mais ali, eu posso ver todas as suas defesas de pé, as
que consegui derrubar, barreira por barreira, nas últimas semanas.
Não.
Não.
Isso não pode estar acontecendo.
— Evie… — murmuro, ainda que olhe entre ela e Bárbara.
— Acho que… acho melhor deixar vocês dois a sós — atônito, a
ouvi dizer e começar a andar para a porta.
— Evie… — Meu tom é de súplica.
— Miguel… terminem de conversar, por favor. — Sua voz é fria e
impessoal e ela ruma para fora da sala imediatamente.
— Violet… — apenas digo o nome de minha amiga e ela
prontamente assente, indo atrás de Evelyn.
Começo a andar de um lado a outro pela sala, bagunçando os
cabelos, quase com falta de ar. É como se as paredes estivessem
se fechando sobre mim.
— Miguel — ouço Bárbara dizer —, desculpe se não é uma boa
hora, hmm, quero dizer, acho que nunca seria, mas eu falei que o
que precisava, era importante.
— Há quanto tempo?
— O quê? — Vejo algo em seus olhos que parece medo, mas
ela logo espanta, ao balançar os cabelos e voltar à pose de sempre.
— Há quanto tempo você sabe?
— Bom, já faz alguns dias. Desde então eu venho tentando falar
com você e…
— Não entendo como isso aconteceu se nós sempre nos
protegemos. Você sempre se protegeu.
— Bom, essas coisas acontecem, não está sendo fácil para mim
também.
— Não entendo.
— Também não é como se tivéssemos ficado jogando roleta
russa com o meu corpo, foi um acidente. Simples assim.
— Certo. — Continuo a andar, mas sinto que minhas forças se
foram. Minhas pernas não me obedecem, minhas mãos estão
trêmulas. Decido me sentar no sofá perto da mesa.
Ao olhar para cima, vejo que Bárbara me olha com curiosidade.
— E você, está bem? — questiono.
Um bebê, caray, um bebê.
— Sim, estou ótima. Tive alguns enjoos, mas nada muito grave.
Obrigada por perguntar. — Ela se aproxima e segura minhas mãos.
— Miguel, quero que saiba que — faz uma breve pausa e continua
—, não importa se foi planejado ou não, eu estou muito feliz de que
você seja o pai do meu bebê.
Solto uma leve risada, sem achar graça de nada, ao mesmo
tempo que entendo o que ela quer dizer. Por mais que essa situação
seja inesperada e possa colocar em risco o que tenho com Evelyn,
não posso ser um canalha com Bárbara.
Ela será a mãe de um filho meu.
— Quero que saiba que nada faltará a essa criança. — Fito-a
com sinceridade no olhar e ela sorri enquanto ajeita a bolsa. — Não
serei ausente com a minha responsabilidade, Bárbara, o que você
precisar, pode contar comigo.
— Obrigada, Miguel. — Ela me oferece sua mão, a qual aceito
enquanto ainda estou sentado… talvez sem nunca mais conseguir
me levantar. — Por mais que essa gravidez tenha sido uma
surpresa, eu tinha certeza que você não me desapontaria.
Seu sorriso é genuíno, e sem outra opção, me vejo de pé ainda
segurando em sua mão.
Ganho um abraço de Bárbara e não sei muito bem se devo
retornar o gesto. Temendo parecer rude, eu a abraço de volta.
Quando nos separamos e observo a janela, vejo que Evie
acompanha nossos passos da sala de Violet.
Respiro fundo.
— Agora precisamos começar a pensar em uma forma de contar
para os meus pais — começa a dizer com o olhar preocupado, mas
ainda com o sorriso nos lábios. — Você sabe como eles são. Vão ter
um treco, mas acredito que se contarmos juntos, será muito melhor.
— Tudo bem.
Os pais de Bárbara eram caretas ao extremo, e tiveram como
objetivo de vida mimar a filha única o máximo possível.
— Talvez eu possa marcar um jantar lá em casa, mas vista
alguma coisa bacana, nada daqueles seus jeans rasgados e sujos.
— Revira os olhos.
Mal presto atenção no que ela está dizendo, meus olhos
pararam de enxergar Bárbara completamente e apenas prestam
atenção em Evie, do outro lado do corredor.
— Está bem, como quiser. Podemos falar sobre isso depois?
Preciso conversar com Evelyn, saber o quanto de dano essa
notícia causou entre nós dois, preciso segurar sua mão, talvez beijar
seu rosto, tocar seu cabelo, senti-la perto de mim outra vez. E
preciso urgentemente me acalmar.
Trocamos mais algumas frases e Bárbara me abraça mais uma
vez, com mais efusividade. Para alguém que tem uma gravidez
indesejada, ela parece incrivelmente relaxada.
Quando a acompanho até onde seu carro está estacionado, eu
sinto o aperto em meu estômago se tornar cada vez maior.
Vou ter um filho.
Bárbara está grávida de um filho meu.
No fundo, eu já amo essa criança, ela será minha e eu cuidarei
dela com todo o meu coração. Mas eu também estou uma merda de
assustado.
E o meu medo maior é perder Evelyn.
Se os funcionários notam algo de diferente no entra e sai do
escritório, são discretos o suficiente para não darem pinta.
Melhor assim.
Quando apareço na sala de Violet, ambas estão em silêncio.
Evie tem as mãos sobre a cabeça abaixada. Questiono Letty com
um olhar sobre como as coisas estão, minha amiga apenas balança
a cabeça.
Respiro fundo, entro e me sento ao lado de Evelyn, que continua
quieta.
Violet busca o notebook sobre a mesa junto a alguns outros
papéis e se movimenta para sair da sala, não sem antes dar um
leve pigarro e dizer:
— Vou deixar vocês à vontade para conversarem.
Quando a porta se fecha, o único a falar é o silêncio. Tento
buscar os olhos de Evelyn, mas ela está longe, perdida em si
mesma. Há um mundo inteiro dentro dela, no qual eu
aparentemente não sou mais bem-vindo.
— Evie… — começo sem saber o que falar.
— Ela está bem? Quero dizer, o bebê está bem?
— Sim, Bárbara disse que está tudo bem com ela e o bebê.
— Que bom, isso é bom — diz com um sorriso, que quando
chega ao seus olhos, transforma-se em lágrimas não derramadas.
— Não posso fazer isso, Miguel — sussurra. — Me desculpe, mas
não posso.
— Mas Evie, e se… se você não precisar fazer nada? Se você
deixar por minha conta, se me deixar cuidar de tudo. Podemos fazer
funcionar.
— Eu não sei, Miguel… eu me sinto horrível nesse momento,
porque, por incrível que pareça, eu estou… magoada.
Fico em silêncio, talvez ela se abrir seja melhor.
— Eu sei que você não me traiu, ou que quer que seja, mas isso
toca em um ponto delicado. Um que eu estava tentando não encarar
até agora. — Limpa uma lágrima solitária que caiu, seguida de
outra. — Eu odeio a forma como o destino às vezes é cruel, Miguel.
— Evelyn, é você que eu quero.
— Não vou dizer coisas que o magoem agora, Miguel… preciso
ficar sozinha.
— Vou respeitar o tempo que você quiser, só peço que não vá
embora de volta para a Espanha sem se despedir.
Ela assente, logo em seguida se levanta e me deixa sozinho na
sala, sem dizer mais uma palavra.
E quanto a mim, me vejo perdido pela primeira vez na vida.
QUINZE

Agora que fiquei sozinho


Vejo que te devo tanto e lamento tanto
Agora, não vou aguentar ficar sem você
Não há forma de seguir, assim.
Tanto – Pablo Laboram

Julie: Diz que não é verdade.


Recebo a mensagem uma hora depois de ser deixado para trás
por Evie no escritório. Fui embora sob os protestos de Violet, que
insistia que nos sentássemos para conversar.
Como se eu estivesse em condições de ter alguma conversa
civilizada com alguém.
Ser deixado por Evie trouxe à tona o que de pior há em mim.
Parece um luto e eu estou no estágio da raiva.
De forma nenhuma tenho aversão ao bebê, nem de Bárbara,
para dizer a verdade. Tudo o que detesto são as circunstâncias.
Como se eu não pudesse ter tudo na vida. Por que não posso ter o
bebê e ainda assim continuar com a mulher que eu amo?
Por que tudo sempre conspira para me manter afastado dela?
A distância entre as cidades, noivos babacas e agora um bebê
não planejado. Cristo, como eu a quero. Dói em minha alma não a
ter, me desanima pensar em uma vida sem Evie.
Agora que eu sei como é tê-la, sei do que ela gosta, fui o motivo
de seus sorrisos, seus gemidos e suas tentações. Agora que eu sei
como é fazê-la feliz, como é acordar ao seu lado e vê-la dormir.
Não vou conseguir.
Não vou conseguir seguir em frente sem ela.
Será que vou?
Eu a tive em minhas mãos, nos meus braços. Começo a rir
sozinho sentado no sofá, solitário, em meu apartamento. Nacho
bem que tenta, mas nada que ele faz me diverte ou distrai minha
mente dos problemas.
Eu: Como ela está?
Envio a mensagem para Julie em um impulso, assim que tomo o
celular outra vez em minha mão. Suspiro fundo e coço a cabeça
enquanto aguardo a resposta.
Uma bebida não cairia nada mal.
Não, encher a cara não é opção. É? Eu já não havia passado
dessa fase?
Mas que fase, pelo amor de Deus, se isso que estou vivendo
agora é uma emergência.
Julie: Está assustadoramente calada.
Eu: Ela chorou?
Julie: Não. Disse que não quer falar sobre o assunto. Preferi
deixar ela quieta, uma hora ela vai colocar tudo pra fora.
Eu: Talvez eu devesse aparecer por aí.
Julie: Não acho uma boa ideia, Miguel. Olha, talvez ela nem
termine as coisas entre vocês. Talvez tudo que ela precise é de
algum tempo pra pensar.
Pergunto-me se Julie sabe da história toda, que Evie não pode
ter filhos e que por isso foi praticamente deixada no altar pelo ex-
noivo idiota. Eu iria para o túmulo com o segredo de Evie, se ela
assim quisesse.
Julie: Violet acabou de chegar. Tenho que dar o jantar a Mia.
Você vai ficar bem?
Eu: Apenas quando eu a tiver comigo outra vez.
Jogo o celular sobre a mesinha de centro e suspiro de novo
enquanto penso em Evie sofrendo do outro lado da cidade. Deitado
no sofá, acabo enxergando o peso da realidade pela primeira vez.
Um filho.
Que loucura, tia Lupita com certeza terá um treco quando
souber. Não conseguirei escapar de um baita sermão sobre
responsabilidade. Enrabichado por uma mulher e pai do filho de
outra. Parece até mesmo enredo de uma das novelas que ela ama
assistir.
No entanto ela vai paparicar esse bebê com todas as suas forças
quando a hora chegar. Da mesma forma que eu o amarei e o
mimarei com tudo que ele tem direito. Um alívio percorre minha
mente quando percebo que vou poder criar essa criança com o
conforto financeiro que não tive. Sem preocupações se o dinheiro
vai durar até o final do mês ou não.
Ele terá tudo do bom e do melhor. Preciso garantir isso a
Bárbara. E preciso garantir que a vida continue, seja qual for a
decisão que Evie tomar.
Inferno, a quem eu quero enganar? Meu coração está nas mãos
daquela mulher. Eu jamais serei o mesmo depois do que vivemos.
Ela me arruinou para todas as outras, não há mulher no mundo
como Evelyn White, ao menos não para mim.
Não me dou conta do tempo passando, na verdade é como se
houvesse um grande apagão dentro de mim, por isso quando escuto
o som da campainha tocando insistentemente, me levanto do sofá
com um sobressalto.
— Vocês? — digo com o cenho franzido ao encarar os visitantes
inesperados na minha porta.
— Acredite, não estou aqui porque quero — Devon Carter fala
com sua carranca de sempre. Ao seu lado, Alex lhe dá um cutucão.
— Não queremos incomodar, Miguel, mas soubemos que você
está passando por… dificuldades. Só queremos fazer companhia —
o mais novo dos Carter diz.
— Correção, ele quer, eu não. — Alex dá outro cutucão no
irmão. — Trouxemos bebida, pelo menos.
Observo a estranha diferença que há entre eles com curiosidade.
A última coisa que desejo no momento é ficar falando da minha vida
para os irmãos Carter, mas ao olhar para as sacolas que claramente
tinham caixas com conteúdo alcoólico, decido dar de ombros.
Afinal, encher a cara um pouco talvez me faça bem.
— Você é um péssimo anfitrião, Miguel — Devon diz, entrando e
esbarrando em meu ombro direito. Vejo Alex revirar os olhos para o
irmão.
— Ele bateu a cabeça quando era bebê? — questiono.
— Não faço ideia, mas agora que você perguntou, isso explicaria
muitas coisas. Muitas mesmo. — Vejo o marido da minha prima
sorrir.
— Ei, engraçadinhos, eu estou bem aqui, ouvindo tudo. —
Devon parece indignado. — Por falar em bebê — vejo ele se
aproximar de mim enquanto fecho a porta —, meus parabéns, cara.
— Nossa, como as notícias correm — digo, apesar de não estar
surpreso.
— Não dá pra esconder muita coisa com aquelas duas — Devon
afirma, se referindo a Violet e Julie.
Não, com certeza não.
— Elas mandaram vocês virem, não é? — questiono e eles
assentem.
— Desculpe se parecemos muito invasivos, mas Devon tem
razão, meus parabéns, Miguel. Imagino que as coisas estejam
difíceis agora, mas você vai ver como ser pai é um presente da vida
— ouço o marido de Julie dizer.
Para minha surpresa, quando olho para Devon sentado no sofá
como se estivesse na própria casa, ele está concordando com o
irmão.
— Acho que preciso de um pouco de bebida antes de tocar
nesse assunto.
Os homens ao meu redor apoiam a ideia e logo se prontificam a
abrir uma garrafa de uísque de uma de suas sacolas. Devon é o
primeiro a se servir e devo admitir ele tem bom gosto, a bebida
desce como ouro líquido por minha garganta.
Tomamos duas doses em completo silêncio, apenas saboreando
a bebida e fazendo pequenos sons masculinos de deleite. Quando
tudo começou a ficar desconfortável, Alex foi o primeiro a falar.
— Então, Miguel, vamos lá, ponha pra fora.
Finjo arregalar os olhos.
— O que, especificamente?
— Não dê uma de engraçadinho. Estou falando sério, você está
com uma cara péssima. Acredite, falar vai te fazer bem, afinal, nós
aqui já passamos por isso.
— Passaram por isso como? Engravidaram uma mulher
enquanto amavam outra?
— Ai, então é mais grave do que pensávamos — Devon coça a
cabeça ao falar.
— Põe grave nisso. — Sirvo-me de mais uma dose de uísque.
— Olha, todos nós sabemos que você sempre teve uma queda
por Evie.
Acabo dando uma risada seca para Alex, com o que ele acaba
de dizer.
— Você está sendo sutil, meu caro — respondo. — Talvez seja o
momento de você por pra fora — dou uma gargalhada com o duplo
sentido da coisa — e dizer o que realmente pensa.
— Miguel, você ama a Evelyn? — Devon e seu olhar sério me
escrutinam por um momento.
E pensar que eu e esse mesmo cara nos pegamos de socos há
um tempo atrás. Sério, Violet é uma santa.
Um silêncio surge na sala mais uma vez, ambos aguardam
minha resposta com os copos nas mãos, como quem espera o
resultado de uma sentença.
— Amo mais do que tudo. Quero dizer, tê-la é a coisa mais
grandiosa que já quis na vida.
— Então só resta beber, meu caro. — O marido de Violet pega a
garrafa de uísque e despeja um pouco mais do líquido âmbar em
meu copo.
— Devon, pelo amor de Deus, isso é coisa que se diga? — Alex
repreende o irmão. — Pelo que eu vejo, Miguel, você está passando
pelo momento complicado da história, aquele antes do final feliz.
Devon e eu encaramos Alex como se ele tivesse proposto
cometer um assassinato.
— Chega de bebida para você — o irmão dele diz, levantando-se
e tirando o copo de suas mãos. Alex protesta. — Não está falando
coisa com coisa.
— Sente-se, Devon. — Espanta o irmão com uma das mãos e
me olha logo em seguida. — Miguel, o negócio é o seguinte: se tem
uma coisa que aprendi me apaixonando, é que histórias de amor
precisam de um final feliz.
O irmão de Alex e eu continuamos em silêncio, sem levar muita
fé do que o marido de Julie tinha a dizer. Ele, por sua vez, parece
perceber nossa descrença e se levanta, pronto para servir-se de
mais uma dose de uísque.
— Não acho que seja uma boa ideia, irmão. — Devon afasta a
garrafa de perto da mão de Alex.
Ele dá um tapa no braço do irmão e se serve mesmo assim.
Depois de tomar um longo gole ele volta a falar:
— Fique quieto, Devon, estamos aqui para ajudar o Miguel. —
Começa a andar pela sala. — Meu caro Miguel, eu tenho uma
teoria. Uma que se comprova a cada vez que vejo duas pessoas
apaixonadas uma pela outra.
— Pois diga de uma vez, homem.
Se há algo que detesto é o suspense. Não devíamos estar todos
falando abertamente aqui?
Vejo Devon revirar os olhos antes de engolir um pouco mais de
uísque.
― Eu acredito que quando as pessoas se apaixonam, é porque
estão fadadas a ficarem juntas. Por isso, meu amigo, não se
desespere, você está apenas na metade do caminho dessa história
de amor.
Devon e eu nos encaramos em silêncio enquanto Alex continua
com seu semblante calmo de sempre.
― Você está falando sério? ― o irmão dele pergunta.
― É claro que estou.
― Você sabe que há várias pessoas que se amam e não ficam
juntas, não sabe?
― Mas a probabilidade de isso acontecer é muito menor do que
a de casais que ganham seu felizes para sempre.
― Céus, está se ouvindo, Alex? ― o mais velho dos Carter diz.
― De onde saiu isso?
― Da vida. Eu mesmo sou uma prova disso. Eu já estive no seu
lugar, Miguel. Cercado por um problema tão grande que achei que
jamais recuperaria Julie, mas as coisas se acertaram e estamos
bem, agora.
― Não sei, cara, isso é complicado demais…
Não podia dizer a eles que o aconteceu era uma espécie de
espinho na garganta de Evie. Ela não podia ter um filho, e eu o teria
com outra mulher.
Devon parece pensativo por um instante e coça a barba antes de
colocar seu copo sobre a mesinha.
― Eu não quero me meter, mas acho que Alex tem razão em
uma coisa: talvez o que esteja acontecendo entre vocês seja um
tipo de tempestade. E sabe qual a melhor coisa das tempestades,
cara? É que elas passam. ― Com as mãos sobre os joelhos e os
olhos cravados nos meus, ele continua: ― Olhe só para mim, vivo
fazendo besteiras. Uma vez cometi uma tão grande que achei que
era o fim, que Violet nunca iria me perdoar. Só que ao contrário do
que todos pensavam, nós nos resolvemos e vivemos um dia de
cada vez, juntos. E isso sem esquecer que eu também tinha a filha
de outra mulher na equação.
― O que queremos dizer, Miguel… ― Alex começa, mas é
interrompido.
― Não, chega, você só está falando besteiras hoje. Foque em
mim Miguel. O que meu irmãozinho aqui quer dizer, mesmo que da
forma torta dele, é que as coisas entre você e Evie têm solução.
Não se desespere.
― Sabe, eu aprecio muito o interesse e a ajuda que vocês estão
tentando me dar, mas eu não consigo enxergar as coisas com tanto
otimismo assim.
― Miguel, não seja pessimista ― ouço Alex dizer, enquanto o
rosto dolorido de Evie não sai da minha mente.
― Então se fossem vocês no meu lugar, vocês estariam
tranquilos? ― Observo a feição em seus rostos mudarem. ― Se
tivessem engravidado outra mulher no início de um relacionamento
com Julie ou Violet e não fizessem a mínima ideia do que se passa
na cabeça delas… ficariam tranquilos?
Um silêncio reina em minha sala.
― Foi o que eu pensei ― digo, me recostando no sofá e
soltando um longo suspiro.
― Alex, acho que vamos precisar de mais bebida ― Devon
conclui, levantando-se.
― Boa ideia ― o irmão concorda e o segue.
Da minha parte, só me resta esperar a resposta que me curará
ou fará meu coração sangrar.
DEZESSEIS

Eu quis te esquecer
Apagar seus beijos
Estive com outra
e senti apenas solidão
Eu a fiz minha
Nela eu te via
Que absurdo e que burrice pensar
Que com outro corpo eu ia te esquecer.
Te Quise Olvidar - MDO

Julie: Evie acabou de sair, está indo pra aí.


Estou um tanto grogue e meus olhos se fecham um pouco pela
luminosidade do celular, mas assim que leio a mensagem me ponho
completamente alerta.
A casa está um desastre.
Os Carter ficaram até altas horas da noite comigo, ouvindo
enquanto eu resmungava sobre minha situação. Depois que eles se
foram fiquei jogado no sofá, sem forças até mesmo para respirar. E
foi assim que acordei hoje, com a dor de cabeça mais forte da
história das ressacas.
Bom, pelo menos o mal-estar permitia que eu me concentrasse
em outra coisa além de Evie e seu silêncio. Enquanto estava
bêbado essa madrugada, lhe enviei uma espécie de pedido de
desculpas. Juro que na minha cabeça eu tinha escrito corretamente,
mas ao ver a mensagem hoje pela manhã tenho a certeza de que
ela se questionou que espécie de idioma era aquele.
Eu: Obrigado por avisar.
Aparentemente Julie estava online no aplicativo de mensagens,
porque no instante seguinte sua resposta chegou:
Julie: Você está sóbrio, pelo menos? Alex chegou em um
estado deplorável em casa ontem.
Eu: Estou bem.
Julie: Certo, boa sorte.
Eu não estava nada bem.
Quando me olho no espelho, vejo meu rosto inchado pelo sono e
a bebedeira. O cabelo está desgrenhado e minha roupa
completamente amassada. Não tenho muito tempo, e me recuso a
receber Evie desse jeito.
Depois de dar um jeito na sala e esconder tudo quanto é louça
na cozinha, troco de roupa e dou um jeito na barba em tempo
recorde.
Quando o elevador se abre com Evelyn dentro, eu a estou
esperando na porta do apartamento.
Que loucura. Há uma semana havia sido eu a encontrá-la assim.
Parecia uma vida atrás. Uma vida imensamente feliz. Mas que
droga, eu não quero viver o resto dos meus dias de migalhas das
minhas memórias com ela, quero o futuro todo.
― Oi ― digo apenas e aceno.
Um corredor inteiro nos separa, suas mãos se movem
nervosamente e ela começa a se aproximar a passos lentos. Tudo
demora uma eternidade para mim.
― Olá, Miguel ― ela diz finalmente.
Estamos frente a frente, inquietos e ansiosos. Há tanto a dizer,
tanto a sentir, mas é como se um oceano nos separasse, um
oceano invisível, dessa vez.
― Entre ― falo e lhe dou espaço para passar entre mim e a
porta. Quando ela percorre o caminho, inalo seu cheiro tão peculiar,
o que eu estava tão acostumado e do qual já sinto falta.
Certo, Miguel, você a tem onde queria. Bem no seu apartamento,
no seu terreno, dê o seu melhor.
Nacho é quem parece estar mais à vontade de nós três, porque
ele parte para cima de Evie assim que a vê. Sorrindo, ela o abraça e
desliza a mão por sua cabeça peluda.
― E aí, menino, como você está?
A cena doméstica quebra meu coração. No fundo, eu sei, o
inevitável vai acontecer.
― Ele sentiu a sua falta. ― Pigarreio e sinto minha pele queimar
quando seus olhos caem sobre mim. ― Não só ele, eu também.
Ficamos nos encarando, com Nacho brincando pelo apartamento
como se nada estivesse acontecendo, sem saber que o futuro
começava bem ali. Na decisão mais importante de todas.
― Evie… ― começo com a coragem que tenho. Ela levanta uma
das mãos, me interrompendo.
― Vim para buscar minhas coisas. Adiantei meu voo, estou
partindo de volta pra Espanha agora à noite.
― Não faz isso. ― Meu tom é de súplica e não tenho vergonha
nenhuma nisso.
A dor volta aos olhos dela, é quando percebo que ela sente algo
por mim. Ao mesmo tempo que meu coração enlouquece de
felicidade, me sinto completamente esmagado. Não há chances
abertas para nós em seu olhar.
― Eu não consigo, Miguel. Não consigo lidar com isso agora.
Eu… ― Sua voz parece embargada e ela faz uma pausa antes de
continuar a falar: ― É demais pra mim.
A dor em meu peito é tão grande que não consigo falar. Sei que
para ela está doendo também, e me questiono o quão injusta essa
situação é. Permito que ela fale, porque quando abrir a minha boca
para dizer algo, eu vou despejar ali o meu coração.
― Eu estou feliz por você, Miguel… uma criança é sempre uma
benção. E eu sei que você vai ser um excelente pai, e eu também
sei que não posso ficar no caminho disso. Eu só atrapalharia as
coisas. Além do mais ― é aqui que ela começa a chorar, com
lágrimas silenciosas que cortam minha alma ―, Bárbara vai te dar
aquilo que eu jamais poderei, e isso dói. Dói porque eu não me sinto
completa, me sinto menos mulher, e de certa forma, me sentiria
menos amada. E você merece o pacote completo, por mais que isso
me faça sofrer.
Ela limpa o canto dos olhos enquanto eu continuo encarando-a,
como em câmera lenta.
― Só vai ser assim se você permitir, Evie ― digo.
Ela passa por mim indo em direção ao quarto onde estavam
suas coisas.
― Evelyn! ― Ela para de andar quando a chamo, porém se
mantém de costas, talvez assim fosse mais fácil. Olharmos um nos
olhos do outro nesse momento é como descascar nossas almas. ―
Da minha parte, eu amaria… não, eu amarei você. Amarei como
sempre amei, porque é isso que tenho a te dar, apenas amor. Não
me importa como as coisas venham da sua parte. Não me importa
nem mesmo se é recíproco. Porque o meu amor é maior. Sempre
será.
Eu não posso continuar, ou desmoronaria na sua frente. Seria
uma cena e tanto ver-me ajoelhado a seus pés pedindo-lhe para
ficar. Implorando por seu coração.
Antes que ela dê passos se afastando ainda mais de mim, eu
continuo:
― Eu amo o bebê, mas não amo a Bárbara. Nunca amei. Ela
sempre foi uma distração, um escudo contra a dor que eu sentia por
não ter você. E pelo jeito vai continuar doendo, porque eu não vou
conseguir te esquecer. Eu brinquei com o destino.
― Eu tenho que ir, Miguel. ― Começa a andar pelo corredor,
sigo atrás dela.
― Evelyn ― chamo e dessa vez a tenho fitando meus olhos.
Ótimo, porque ela tem que saber enquanto me olha, tem que ver a
verdade em mim, a única e real verdade. ― Eu te amo. Não se
esqueça disso, nem agora nem depois.
O silêncio cai sobre nós como a cortina ao fim de um espetáculo.
É isso, sei que é o fim. Preciso respeitá-la, dar seu espaço, sou um
peão no jogo do amor e Evelyn é quem dar as cartas, sempre deu.
Quando ela entra em meu quarto, me afasto, não quero isso, não
quero ter a lembrança do adeus no lugar em que fomos mais felizes.
Quero guardar apenas memórias boas dali. Volto para sala e me
distraio com as idas e vindas de Nacho, que não sabe a quem
seguir pela casa.
Quinze minutos depois ouço o barulho das malas, é ela voltando
para dar o golpe final em meu peito. Ainda há silêncio entre nós,
tanto que Nacho solta um latido como quem implora para que algo
aconteça, que uma reviravolta nos dê uma segunda chance.
― Miguel ― ela me chama com carinho na voz.
Levanto-me do sofá e estamos frente a frente outra vez, engulo
em seco quando olho para as malas. Nacho, o grande traidor, está
do lado dela, pedindo por carinho.
― Você me salvou. Não tem ideia disso, mas me salvou e
sempre serei grata por isso ― ela diz.
Sei sobre o que está falando e assinto.
― Eu estava falando sério quando disse que estava apaixonada
por você. Ainda estou tentando entender como pôde acontecer tão
rápido, mas não estaria sofrendo, se não estivesse.
É a retribuição ao meu amor. Um adeus.
Nem mesmo uma punhalada doeria mais. Ela está partindo,
escorregando entre meus dedos e não há nada que eu possa fazer.
Alex estava errado, nem sempre duas pessoas que se apaixonam
estão fadadas a ficarem juntas.
Às vezes há dor e dissolução.
Como um verdadeiro amigo, Nacho parece perceber a situação,
porque começa a latir assim que Evie abre a porta. Vou atrás dele e
o seguro, o que o deixa ainda mais agitado.
Não trocamos mais nenhuma palavra. Ela vai embora.
Evie parte pelo corredor, seguida pelos meus olhos que
fiscalizam cada passo. E quando as portas do elevador se fecham,
eu tenho certeza de que meu coração também se foi com ela.
DEZESSETE

Afogando a memória
Me afogando o seu adeus
Tocaram as sirenes
Do nosso quarto triste
O silêncio destrona você
E o vazio dentro de mim
Torna-se eterno e me devora
Existe um abismo entre os dois
Ahogándome tu adiós – Pablo Alborán

Eu estou um caco.
Mal vi o fim de semana passar. Fiquei preso à cama, absorvendo
o restante do perfume de Evie que ainda havia ali, e completamente
perdido nas lembranças que aquele lugar evocava.
É como se eu tivesse tomado um porre e estivesse vivendo a
pior ressaca da minha vida. Meu corpo está fraco enquanto minha
mente é bombardeada por imagens minhas e de Evie. Será possível
eu estar doente? Talvez pela falta de alimentação ou de banho. As
únicas coisas que me tiram da cama são Nacho e suas
necessidades.
Acho que é isso que me mantém alerta, porque na segunda de
manhã eu acordo cansado de tanta comiseração. Levanto tarde e
chego ainda mais tarde na transportadora. Os olhos de águia de
Violet me enxergam no instante em que aponto no corredor que
interliga nossas salas. Ela e seus sapatos barulhentos me seguem
pelo restante do caminho.
― Qualquer coisa, menos esse olhar de piedade, por favor ―
peço, sentando-me na cadeira e envolvendo minha cabeça com as
mãos, sobre a mesa.
Ouço-a suspirar e quando levanto a cabeça para encará-la, vejo-
a balançar a cabeça.
― Miguel…
― Letty, não estou a fim de falar sobre isso agora.
― Tem certeza? Você está com uma carinha péssima, talvez
falar te faça se sentir melhor.
― Não posso, não quero falar sobre o meu coração partido.
― Ah, Miguel.
― Vamos deixar as coisas como estão.
Dou de ombros. De que adiantaria falar agora? Ela
provavelmente sabia de tudo, engravidei outra mulher, Evie fugiu e
eu voltei à estaca zero na minha vida.
Olá, meu nome é Miguel García, estou apaixonado e sozinho.
― Trabalho, me dê trabalho, mulher ― falo ligando o
computador e abrindo gavetas. ― Você não ama me encher de
papel? Pois então, faça o seu pior.
Violet se esforça para manter a boca fechada enquanto me
observa nos segundos seguintes, mas até mesmo minha melhor
amiga sabe quando é o momento de dar um passo atrás.
― Tudo bem, chefinho, se é isso que você quer. ― Ajeita o
cabelo e vai rapidamente em sua sala. Quando volta, está com duas
pastas nas mãos e as joga sobre a mesa, fazendo um estardalhaço.
― A metade é para você assinar, a outra metade você precisa
analisar e devolver para a contabilidade.
Cuidado com o que deseja, é o que tia Lupita sempre diz.
Puta merda, tia Lupita. Ela vai me fazer em pedacinhos quando
souber dessa história toda. Decido esperar um pouco mais antes de
contar a ela. Talvez na nossa quinta-feira, no jantar regular. Sim, era
isso que eu iria fazer.
Com um plano em mente e muita coisa para me manter ocupado
eu começo o meu dia de trabalho, com Violet me guiando em tudo,
como sempre. Minhas mãos estão coçando para a tarde chegar e
eu poder esquecer da vida ao consertar qualquer coisa que tenha
quatro rodas.
As horas seguintes passam enquanto eu me afogo em trabalho.
Telefonemas começam a surgir e logo me vejo percorrendo a
empresa, de repartição em repartição, para resolver problemas.
Quando passo por um grupo de caminhoneiros sorridentes logo
após o almoço, me junto a eles para um pouco de conversa, e o
mais alto deles, Dean, disse que estão comemorando a notícia de
que seria pai.
Puta que pariu, aparentemente há alguma coisa na água de
Chicago.
O pensamento logo me faz pensar em Bárbara. Ela me contou
sobre a gravidez na sexta e não deu mais notícias. Bom, também
não é como se eu estivesse correndo atrás de informações, não é
mesmo?
Preciso me certificar de ser um pai presente desde agora. Tomo
meu celular nas mãos e digito seu número.
― Miguel? ― Ouço sua voz melosa.
― Olá, Bárbara, estou ligando para saber como você está. A
gente conversou muito pouco na última sexta. Tudo bem com você?
Alguma novidade sobre o bebê?
― Está tudo bem, sim, obrigada por perguntar. Olha, na verdade
eu não posso falar muito agora, porque estou saindo para uma
consulta com a ginecologista e…
― Espera aí, você vai ao médico e não ia me avisar disso?
Um silêncio culposo pairou na linha.
― Hmm, eu… eu achei que você não fosse se interessar em ir.
― Bárbara, pelo amor de Deus, tudo sobre essa criança me
interessa.
― Sério que você vai ser esse tipo de pai? E a sua namorada?
― Não tenho mais namorada ― digo entredentes.
Mais silêncio.
― Olha, Miguel, você não precisa de verdade se envolver tanto,
a gente pode conversar sobre pensão e essas coisas…
― Bárbara, não quero só ser o cara que assina os cheques e
aparece uma vez por ano no aniversário do filho. Eu também tenho
responsabilidade nisso.
― Tá bom.
― Passe o endereço da clínica, te encontro lá.
Ela me informa o local, ainda que resmungando um pouco mais.
Aviso a Violet que vou sair sem hora para voltar e sigo em direção
ao endereço indicado.
Nunca vi tanta mulher grávida junta na vida, o local parece uma
estranha convenção de casais. Por incrível que pareça, chego
primeiro, quase dez minutos depois Bárbara aparece, com sua
barriga ainda plana.
― O trânsito estava uma porcaria por causa de um acidente
idiota. Desculpa a demora.
― Talvez tivesse sido melhor eu ter ido te buscar.
Ela afasta essa ideia com um aceno.
― Ainda não acho necessário você vir, prometo que vou fazer
com que as coisas sejam mais simples o possível entre a gente.
Quer que eu converse com a sua namorada? Quero dizer, a sua
ex…
― Não ― rosno baixinho.
― Está bem, mas não precisa ficar assim todo bravinho. ― Ela
faz um biquinho que um dia já me seduziu, agora sou
completamente imune ao movimento.
Sento-me ao seu lado em um dos sofás macios e esperamos a
nossa vez. Não conversamos muito, o que é normal, Bárbara e eu
nunca fomos de tocar em assuntos profundos quando estivemos
juntos. Quando a enfermeira chama por seu nome, percebo que
estou ansioso.
Somos levados a uma sala de exames, com Bárbara deitada, a
médica começa a nos explicar o que vai acontecer a seguir. E logo
ali está, na tela um pouco embaçada, uma coisinha pequena, porém
minha. Ela nos deixa ouvir o coração do nosso pequeno milagre e
diz que está forte e bom.
Forte e bom, isso é excelente, não é?
No fim da consulta estou com um sorriso de orelha a orelha
enquanto Bárbara questiona a possibilidade de engordar apenas o
necessário durante a gravidez.
― Você pode pegar seu exame na saída ― a doutora diz depois
de se despedir.
― Ah, doutora, é possível fazer uma cópia extra? ― pergunto.
― Pra quê? ― questiona Bárbara enquanto ajeita a própria
roupa.
― Porque eu também quero ter uma cópia, quero mostrar pra tia
Lupita.
― Besteira. ― Ela dispensa a médica com um aceno.
― Não é uma besteira ― digo depois de engolir meu silêncio.
Estamos saindo do consultório e Bárbara guarda o envelope com o
exame em sua bolsa. ― Tenho certeza de que minha tia quer ver a
carinha do bebê no ultrassom.
― Você tem cada ideia, Miguel. ― Ela solta um suspiro alto. ―
Vamos fazer assim, depois te dou uma cópia, tudo bem?
― Certo, não esqueça.
Nos despedimos na entrada da clínica e coloco Bárbara dentro
de um táxi, estou de moto e não gosto da ideia de carregar uma
grávida na garupa. Para mim, seria altamente perigoso.
Volto para a transportadora e finalmente me vejo livre da
papelada para me enfiar sob um caminhão que precisa de reparos.
É lá que eu fico até depois do fim do expediente, apertando
parafusos, trocando óleo, buscando qualquer mínimo detalhe para
me manter ocupado.
Já passa das sete da noite quando saio do pátio de caminhões e
entro outra vez no escritório. Franzo o cenho ao ver as luzes da sala
de Violet acesas.
― Você ainda está aqui? Não tem uma família te esperando?
― A-há, muito engraçadinho. Daqui a exatos dois minutos não
estarei mais. ― Ela está de pé, catando coisas da mesa e
colocando dentro da bolsa. ― Ei, quer ir jantar lá em casa essa
semana? Luna vai adorar brincar com o tio Miguel e Nico está doido
para te mostrar seu boneco novo.
― Obrigado, Letty, sei que você está tentando me manter
animado, mas no momento não sou uma boa companhia nem para
mim mesmo.
Seus lábios se contraem em piedade. Lá estava o olhar outra
vez. Levanto uma sobrancelha e ela logo percebe, espantando a
pena de seu rosto.
― Bom, se você mudar de ideia, sabe onde me encontrar. ―
Seus sapatos chiques atravessam a sala e logo ela está na minha
frente, colocando as duas mãos no meu rosto. ― Sempre vou estar
por aqui, viu, meu amigo?
Sorrimos um para outro e tenho a certeza absoluta de que ela
diz a verdade. Violet é uma mulher e tanto e não digo isso por ela
ser meu braço direito e esquerdo aqui na empresa, mas
simplesmente por ser ela mesma.
― Vou manter isso em mente ― prometo e lhe dou uma
piscadinha.
Quando Letty vai embora o silêncio ganha o ambiente, e percebo
o quanto isso é perigoso. Minha mente começa a vagar, olhar para
minha mesa me faz pensar no dia em que Evie estava aqui, antes
de Bárbara chegar e mudar para sempre minha vida. Guardo
minhas ferramentas e busco as coisas para ir embora. Com o
celular e a carteira no bolso, monto na Harley e ganho a cidade
enquanto as luzes noturnas despontam.
Decido me manter ocupado essa noite, vou à academia do
prédio e corro na esteira por quarenta minutos, levo Nacho para
passear, e quando retorno para casa, estou exausto. Agora é o
momento de dormir, certo?
Errado.
Não troquei os lençóis, o perfume de Evie ainda ocupa o
travesseiro e tudo começa a vir em minha mente outra vez. Sinto
falta dela, das risadas, de sua pele lisa e de sua expertise.
Antes que eu me dê conta estou com o celular em minhas mãos
e digito duas únicas frases:
Eu: Sinto sua falta.
Eu: Eu sinto muito.
Não há resposta, assim como meus dias perderam a cor.

Dois dias depois eu ainda me sinto como um morto-vivo, ao


menos por dentro. Decidi não deixar as pessoas perceberem minha
desgraça interior tão facilmente, por isso estou sempre barbeado,
usando as roupas novas e chegando cedo na transportadora. Um
exemplo de profissionalismo, um sofrimento de homem.
Também fui à clínica médica onde Bárbara fez a consulta para
pedir uma cópia de seu exame, porque ela claramente havia se
esquecido de me enviar uma, como prometeu. E assim eu tenho nas
mãos as imagens mais fofas que eu já vi na vida. Foi preciso me
segurar bastante pra não sair mostrando a todos na empresa, mas
algo me diz que não é o momento de fazer tanto alarde.
Por falar em mostrar, lá vem Devon Carter pelo corredor do
escritório. Agora que as pessoas haviam se acostumado com a
presença dele, sem pensarem que uma grande confusão estava
começando, ele ia e vinha para visitar Violet quando queria. No
início, todos os funcionários eram reticentes com sua presença, por
conta do episódio em que metemos o sarrafo um no outro no meio
do pátio. Isso para mim é lealdade.
Vejo quando o marido de Violet entra em sua sala e é recebido
com alegria por ela. Os dois se beijam rapidamente e sentam-se no
sofá. Maldição, agora que me permiti conhecer o mais velho dos
Carter, consigo ver como eles combinam. Formam um casal e tanto,
e não posso deixar de sentir uma pontada de inveja.
Sim, eu me tornei esse cara, o que sente inveja da felicidade
amorosa dos outros. Mas me deixe curtindo minha própria fossa, por
favor. É isso o que caras na minha situação têm para sentir, afinal.
Mexendo no celular, não paro de bisbilhotar o aplicativo de
mensagens em busca de alguma migalha de Evelyn, mas não há
nada. Ela não respondeu minhas mensagens e nem mesmo se
mostrava online. Provavelmente me bloqueou nas conversas.
Mulheres sabem ser cruéis quando querem.
― Ei, bonitão! ― Violet chama da entrada da minha sala. O
celular quase pula das minhas mãos, como se eu tivesse sido pego
fazendo algo errado.
― Sim, sou eu ― respondo.
― Nossa, que susto, hein. ― Ela ri. ― Você não quer ir almoçar
com meu lindo maridinho, não? ― Vejo Devon surgir logo atrás dela.
― Por algum acaso você acha que chamá-lo de “lindo
maridinho” ajudaria a me convencer com maior facilidade? ― Ela ri
outra vez enquanto Devon revira os olhos.
― Ela me deu um cano.
― Dei nada. ― Ela dá um tapinha no braço do marido. ― Devon
que fez planos para o almoço sem me consultar, e agora tem uma
reserva caríssima pra gastar no restaurante.
― Isso se chama fazer uma surpresa. ― Eles finalmente saem
da porta e entram em meu escritório.
― Eu expliquei a ele que estou lotada de trabalho e tenho uma
vídeo conferência com um cliente daqui a vinte minutos. Vamos lá,
Miguel, vai ser divertido.
Olho bem para o grandalhão na minha frente, que me lança um
de seus sorrisos que mais parecem uma careta, e assinto. Bom, um
almoço de graça não faria mal, não é mesmo? Se bem que seria
com o mais sério dos irmãos Carter. Como isso pode acabar sendo
divertido?
― Bem, o que tenho a perder? ― Dou de ombros.
Devon e eu vamos parar em um restaurante cinco estrelas no
centro da cidade. É uma área comercial, próxima à bolsa de valores
e cheia de gente engravatada. Agradeço aos céus por estar usando
roupas novas ou tia Lupita ficaria horrorizada quando eu lhe
contasse que fui parar em um lugar grã-fino com minhas roupas
prediletas, diga-se: rasgadas e sujas de graxa.
― E então, o que vai querer? ― Devon pergunta enquanto tento
decifrar o cardápio e não me horrorizar com os preços.
― Carne ― decido, indo pelo terreno mais seguro.
Devon acha graça e chama o garçom para fazermos nossos
pedidos. Quando o homem dá meia-volta, ficamos encarando um ao
outro.
― Então ― digo, me remexendo na cadeira.
― Pois é ― Devon complementa.
É isso, íamos ficar em uma conversa recheada de palavras
inexpressivas sem chegar a lugar nenhum.
― Alguma notícia? ― Ele me vê franzindo as sobrancelhas com
sua pergunta e continua: ― Você sabe, de Evelyn.
Uau, esse cara tem a delicadeza da pata de um elefante no meio
da lama.
― Não ― respondo sem vontade nenhuma, na ínfima esperança
de que ele se toque e mude de assunto.
― É uma pena. Julie disse que ela também anda quieta sabe,
com ela.
Julie disse? Que história é essa? Quer dizer que aquela bandida
anda ocultando informações sobre Evie de mim, mas fala para o
cunhado? Logo para Devon?
Tomo o celular do bolso e imediatamente envio uma mensagem
à minha prima.
Eu: Fiquei sabendo por Devon que Evie anda muito quieta.
DEVON CARTER! Desembuche e fale o que sabe.
― Ah, cara nem adianta tentar arrancar alguma coisa, com elas
a sororidade é algo real.
― Do que você está falando? ― Coloco o celular sobre a mesa.
― Que não importam os laços que unem você e Julie, ou até
mesmo Violet, as mulheres nessas situações sempre se mantêm
unidas.
― Então quer dizer que Julie pode estar escondendo
informações deliberadamente?
― Bem-vindo ao mundo real, meu caro. ― Ele levanta sua taça
de vinho e dá um gole.
Por incrível que pareça, não sinto raiva, apenas fico ainda mais
preocupado pelo que Evie pode estar passando. Ela não vinha de
uma situação fácil, e as coisas depois de sua viagem podem estar
ainda piores.
No entanto, não quero discutir as intimidades dela com Devon,
parece errado.
― Como foi com você?
― Como foi o quê? ― Ele põe a taça sobre a mesa outra vez.
― Entre você e Violet. Sei muito bem que as coisas nem sempre
foram as mil maravilhas.
― Ah, cara, isso já faz um tempo, mas ainda assim me dá um
frio na espinha pensar na época que fiquei sem ela.
Frio, é assim que me sinto nesse tempo todo. Como se eu
estivesse dentro de um refrigerador abaixo de zero sem nem
mesmo uma mantinha para me cobrir. Tudo é gelado sem Evie.
― Vamos dizer que tenha sido doloroso não a ter. Pensar que eu
havia estragado tudo de vez me fez repensar muitas coisas na vida.
Sabe, eu já cometi muitos erros, mas errar com a pessoa que você
ama deixa tudo mais complicado.
Sou obrigado a concordar.
― Eu me senti perdido, sem rumo. Para mim, era inconcebível
ficar sem ela, acordar, ir dormir sozinho. Nada disso era igual.
Apenas assinto. Quem diria que esse cara mal-humorado e eu
iríamos ter tantas coisas em comum, não é mesmo?
― Violet sempre aceitou Luna? Quero dizer, desde o primeiro
momento?
Os olhos de Devon brilham nesse momento ao dizer:
― Sim. As duas se uniram de uma forma inexplicável.
E é verdade, Violet é capaz de dar a vida por aquela pequena.
Eu não tenho dúvidas disso.
― E como você conseguiu convencê-la a te aceitar de volta?
Foi a vez de Devon sorrir, um sorriso de verdade, não um que
deformava seu rosto.
― Eu fiz o que qualquer homem apaixonado faz: um grande
gesto.
Um grande gesto. Bom, essa é nova.
― Não acho que isso vá me ajudar no momento.
― Aí é que está, você precisa esperar o momento certo para
fazer. Um momento em que ela não consiga dizer não.
― Eu não acredito que vá ter essa chance tão cedo.
― Paciência homem, o seu momento vai chegar.
Nossos pratos são servidos, o que interrompe a conversa por
alguns instantes. Quando voltamos a falar, o assunto acaba indo
para o lado dos negócios. A conversa se torna mais fácil e
prazerosa e descubro que Devon ama falar de trabalho. O homem é
completamente devotado à empresa da família.
De repente somos interrompidos pelo garçom, que se aproxima
com um carrinho repleto de sobremesas e champanhe.
― Seu champanhe, senhor Carter, como pedido para o senhor e
sua esposa ― o garçom diz e logo em seguida olha entre mim e
Devon sem saber muito bem o que fazer.
Devon, por sua vez, se mexe na cadeira e fica completamente
vermelho, enquanto eu começo a rir da situação.
― Obrigado, querido, não precisava ― digo e continuo rindo.
O garçom solta um pigarro e pede licença, e antes que eu possa
dizer qualquer outra coisa, o celular de Devon começa a tocar. Ele
aproveita para se levantar e atender próximo à janela e, da minha
parte, aproveito para comer doces e beber champanhe grátis.
Ainda achando graça, penso que o marido de Violet não é o
idiota completo que eu pensava.
DEZOITO

E agora estou aqui


Procurando por ela de novo
Já não está, se foi
Talvez você a tenha visto, diga-lhe
Que eu sempre a adorei
E que eu nunca a esqueci
Que minha vida é um deserto
E eu morro de sede
E diga-lhe também
Que só junto a ela posso respirar
Dígale – David Bisbal

Eu envio mensagens a Evie todos os dias à noite. Apelo para o fuso


horário e para sua possível insônia, onde ela talvez também esteja
pensando em mim e não resista a me responder.
O silêncio reinou por três dias. Na quarta noite, quando eu
estava próximo à inconsciência, ouvi o celular vibrar com a chegada
de uma nova mensagem. Dei um salto da cama e meus olhos não
acreditaram no que viram:
Evie: Também sinto sua falta.
Meu coração quase saltou para fora do peito. Sorri um sorriso
triste e senti a esperança se renovar de alguma forma dentro de
mim. Éramos dois corações apaixonados banhados pela mesma lua
e separados pelo acaso do destino. Eu me perguntava se o elo
invisível que nos fez ficar juntos depois de eu implorar por tanto
tempo ao universo nos uniria outra vez algum dia.
Cacete, como eu estava melancólico.
Duas semanas se passaram e eu não tive mais respostas de
Evie, apesar de insistir em enviar mensagens todos os dias. Devo
admitir, a mulher é dura na queda. Sua resistência é de
impressionar.
Eu também converso com Bárbara todos os dias para
acompanhar o estado dela e fui jantar em sua casa, quando
contamos aos seus pais sobre a gravidez. A reação dos dois foi
menos escandalosa do que eu imaginava. Para pessoas tão
rigorosas e religiosas, ter um neto de uma filha que não estava
casada aparentemente estava bem para eles. Abençoados sejam.
Da mesma forma que me mantenho ocupado no trabalho,
chegando cedo e saindo tarde, eu tento me manter ocupado em
casa. A academia do prédio se tornou uma espécie de segunda
residência, e até mesmo Nacho passou a fazer exercícios, indo
correr junto comigo pelas ruas próximas do apartamento.
Tia Lupita me liga todos os dias desde que lhe contei as
novidades, depois de um sermão sobre como eu joguei no lixo as
aulas de educação sexual que tive na escola e dentro de casa e em
como fui capaz de engravidar justo a namorada mais chata que eu
já tive. Ela ficou bastante chateada também quando descobriu que
Evie e eu não estávamos mais juntos, entretanto, tudo isso ficou
para trás quando lhe mostrei as fotos do ultrassom. Foi quando
consegui quebrar sua casca dura e arrancar algumas lágrimas da
minha velha.
Todo dia sem Evie é um desafio. Eu simplesmente sobrevivo.
Fecho os olhos à noite com meu corpo esgotado, apenas para
começar tudo outra vez no dia seguinte. Violet e Julie bem que
tentam arrancar algo de mim, mas desde que percebi que minha
prima deveria estar em uma situação difícil por ter que escolher a
quem consolar, entre a melhor amiga e eu, decidi guardar as coisas
para mim mesmo.
― Já vou! ― grito para a campainha que toca incessantemente.
É sexta à noite e acabei de chegar da academia. Estou com os
cabelos molhados de uma chuveirada e até mesmo Nacho está
agitado, latindo pela casa.
― Temos visita, meninão.
Corro até a porta e dou de cara com quatro pares de olhos sobre
mim.
― O que estão fazendo aqui?
― Surpresaaaaa! ― Julie diz com uma garrafa de vinho nas
mãos.
― Trouxemos comida! ― Violet completa na mesma animação.
Ao lado delas, seus respectivos maridos também sorriem e
mostram as caixas de pizza e mais garrafas de vinho. Álcool, ótimo,
dormirei anestesiado essa noite.
― Eu disse que vir sem avisar não era boa ideia ― Devon
comenta coçando a testa.
― Não seja rabugento, querido. ― Violet dá um tapinha no peito
do marido.
― Podemos entrar? ― Alex faz a pergunta e eu finalmente saio
do transe que a surpresa de vê-los ali me causou.
― Claro ― mal acabo de falar, sou empurrado pelas duas
mulheres do grupo.
Eles dominam minha casa pelos próximos minutos. Julie e Violet
vão até a cozinha e começam a buscar coisas nos armários,
enquanto Alex e Devon desocupam as mãos colocando a pizza e o
vinho sobre a mesa.
― Hã-hãm, algum motivo especial para essa visita?
― É claro que sim. ― Julie vem em minha direção e me abraça.
― Você é o meu priminho favorito e viemos celebrar a sua
companhia. Não é mesmo, gente? ― Todos assentem, menos
Devon.
― Certo, desembuchem. ― Suspiro. Ao meu lado Julie faz cara
feia para o cunhado.
― Sabe o que é, Miguel, nós reparamos que você anda um
pouco… distraído. Isso, essa é a palavra ― Violet começa a dizer
enquanto tenta abrir uma das garrafas de vinho.
Saio de perto da minha prima favorita — que Jane, Belinda e
minhas outras primas jamais descubram — e me sento no sofá.
― Ando tão mal assim? ― questiono abaixando a cabeça e
apoiando os braços nos joelhos.
― Sim, querido, estamos preocupados. ― Julie senta-se ao lado
do marido.
― Achei que estivesse disfarçando bem. ― Dou uma risada
seca.
― Se serve de consolo, todos nós já passamos por isso.
Sabemos como é. ― Alex passa o braço sobre os ombros da
esposa e faz carinho em seu cabelo.
Não deixo de sentir uma pontada de inveja de todos eles. Por
mais que queiram me ajudar, não são como eu. À noite, quando vão
dormir, eles têm um ao outro, podem se beijar, abraçar, sabem
sempre como o ser amado está.
Eu nem ao menos isso sei.
― Tem notícias dela? ― pergunto à minha prima.
Julie balança a cabeça.
― Tudo que posso dizer é que não está sendo fácil para ela
também.
― Não fico bem ao saber disso, quero que ela seja feliz.
― E se a felicidade de vocês estiverem um no outro? Vocês
precisam se acertar ou esse ciclo nunca terá fim ― Julie fala com
sinceridade.
Nego com a cabeça.
― Não é assim tão fácil, prima. ― Todos na sala parecem
concordar comigo, menos ela.
― Eu queria que fosse ― ela diz baixinho.
Ficamos em silêncio alguns instantes, todos olhando para
qualquer coisa, menos para mim.
Uau, muito consolador.
É Devon quem quebra o silêncio:
― Bom, se vocês não querem comer, eu quero. ― Levanta-se
do sofá e serve-se de um pedaço de pizza, para logo em seguida
pegar uma taça de vinho com a esposa na cozinha.
Isso parece distrair a todos, pois logo estamos comendo e
bebendo, conversando sobre negócios — para horror das mulheres
— e sobre nossas famílias.
― Você tem falado com a Bárbara? ― Julie pergunta depois de
abrir um botão de sua calça jeans, por ter comido quatro pedaços de
pizza.
― Claro que sim, quase todos os dias.
― Ele até enviou uma cesta de frutas para ela esses dias ―
Violet dedura enquanto se serve de um pouco mais de vinho.
Mostro a língua para ela.
― Você realmente se ligou nisso, não é mesmo?
― Ah, para. Foi fofo da sua parte.
― Já disse que li na internet que vitaminas são importantes nos
primeiros meses de gravidez, quero me certificar que ela coma
corretamente.
Os homens ao meu redor balançam a cabeça concordando. Julie
não esboça nenhuma reação, mas sua boca esperta diz logo em
seguida:
― Vocês já sabem o sexo do bebê?
― Não, acho que na próxima consulta já vai dar pra saber. ― É
quando me lembro ― Ah, esperem, preciso mostrar uma coisa.
Levanto-me e vou até a estante, onde busco entre a bagunça de
papéis e porta-retratos o envelope com o timbre da clínica médica.
― Vejam só o pequeno Miguel. ― Tiro o exame do envelope a
abro para que eles vejam as fotos do ultrassom.
― Aaaah ― todos dizem em uníssono.
― Que gracinha, nós ainda temos as fotinhas do ultrassom do
Nico, não é, amor? ― Violet cutuca o marido depois de arrancar o
exame das minhas mãos. ― Olha só, ela estava de oito semanas
quando fez as imagens e o bebê já está desse tamanho. ― Vejo-a
passando páginas do exame.
Páginas? Nossa, eu nem tinha reparado que havia mais páginas
além das fotos. Acho que foi a emoção.
― Deixe-me ver isso. ― Julie se levanta e se põe ao lado de
Violet a fim de observar o exame atentamente. ― Oito semanas? ―
Para e pensa por um instante. ― Então foi bem na época em que tia
Lupita operou da apendicite. ― Pega uma almofada e joga em mim
― Miguel, seu cachorro, então quer dizer que quando você
implorava para eu passar as noites com tia Lupi no hospital era
porque você estava se encontrando com Bárbara? Eca!
Começo a rir junto com os outros caras até que a situação deixa
de ser engraçada.
― Peraí! ― digo e paro no mesmo instante. ― Eu não me
encontrei com Bárbara enquanto tia Lupi estava no hospital. A
última vez que estive com ela foi algo em torno de um mês antes
disso.
Um a um os rostos na sala deixaram de lado o sorriso para
darem lugar à apreensão.
― Como é? ― Violet segura o próprio queixo caído.
― Me dê isso. ― Tiro o exame das mãos de Julie e busco as tais
páginas extras.
Aparentemente havia um laudo dizendo as exatas semanas de
gestação. Como não me toquei disso antes?
― Isso quer dizer o que estou pensando? ― Alex parece
atordoado com a situação.
― Bárbara, isso é nome de vilã. ― Violet e o marido se
entreolham, como se apenas eles soubessem de algo mais, em
seguida ele lhe dá uma piscadela.
― Não posso acreditar que isso esteja acontecendo. Quer dizer,
a possibilidade que esse filho não seja meu…
― Mas não é, Miguel. O exame está deixando isso bem claro.
Fecho os olhos por um instante e penso em Bárbara. Em como
ela sempre se mostrou um tanto mesquinha e egoísta, na facilidade
com que contava mentiras para os pais na minha frente…, mas isso
é diferente. Muito diferente. Ela não seria capaz, seria?
― Preciso colocar isso a limpo.
― Calma, rapaz, está tarde e ficar agitado desse jeito não vai
levar a lugar nenhum. ― Alex tenta me acalmar, colocando a mão
em meu ombro e falando com voz apaziguadora.
― Desculpe, Alex, mas não consigo ser um pacifista como você.
Ponha-se no meu lugar, se você tivesse perdido Julie por uma
mentira como essa, como você se sentiria?
Vejo seu rosto se transformar, ele olha para a esposa e assente.
― Deixem, Miguel, faça o que achar necessário. Estamos com
você nessa. ― Devon também se levanta e põe sua taça sobre a
mesa de centro.
― Você vai atrás dela agora? Vou com você! ― Julie se levanta
alterada.
― Não! ― o marido dela e eu dizemos ao mesmo tempo.
― Acredito que o melhor a fazer é deixar Miguel resolver isso
sozinho. Miguel, vá e não deixe de nos dar notícias logo em
seguida.
Observo os dois pares me olhando atentamente enquanto sinto
um misto de mágoa e raiva em meu interior.
― Não vou conseguir dormir enquanto não resolver isso. Preciso
ver Bárbara.
― É claro, querido. Por favor, nos mantenha informados.
Assinto para Julie, mas estou com a mente longe demais para
me ater à promessas. Tudo que consigo pensar é que
possivelmente fui enganado e perdi a mulher da minha vida por
conta disso.
Quando busco a chave sobre a mesa todos estão se aprontando
para sair junto comigo. Sou o primeiro a deixar o prédio, sem nem
ao menos me despedir. Sou um homem alucinado, com uma
missão.
Respiro fundo enquanto estou montado na Harley a caminho da
casa de Bárbara. As contas não batem, meu Deus, as contas não
batem. É por isso que ela não queria me dar uma cópia do exame,
diabos, era por isso que ela não queria que eu nem ao menos a
acompanhasse na consulta médica.
Chego à casa de Bárbara, uma residência em um bairro de
classe média alta do outro lado da cidade, em tempo recorde. Meus
dedos apertam a campainha incessantemente. Alguns minutos
depois o pai dela aparece no jardim, trajando o pijama mais ridículo
que já vi um homem vestir.
― Miguel? O que houve, filho? ― Aproveito que ele abriu o
portão e passo por ele como um furacão.
Meu assunto é com a filha, não com o velho.
― Miguel, espere aí, rapaz. ― Ouço sua voz apelando às
minhas costas. Não estou nem aí.
― Bárbara! Bárbara, apareça! ― Estou na sala da casa.
Tenho a decência de esperar por lá enquanto grito a plenos
pulmões o nome da lambisgoia.
Como pude ser tão cego?
― Mas que gritaria é essa… Miguel? ― Ela finalmente aparece
usando uma minúscula camisola sob um robe de seda. ― O que
houve?
Sua mãe vem logo atrás, descendo a escada. Ótimo, eles estão
prestes a testemunhar o tipo de filha que têm.
― Vou te fazer uma pergunta, e vai ser uma vez só ― estou
pasmo com minha calma ao falar, quando na verdade quero segurá-
la e sacudi-la até arrancar a verdade dela. ― Esse filho é meu?
Seus olhos se arregalam e seus lábios se abrem para em logo
em seguida formarem um pequeno sorriso.
― Que espécie de pergunta é essa? É claro que esse filho é
seu.
― Mentira!
Ouço o suspiro fundo de sua mãe na escada enquanto a sombra
de seu pai me segue desde a porta.
― É mentira, porque quando você fez a ultrassonografia você
estava grávida de oito semanas… e havia mais de três meses que
eu havia tocado em você pela última vez.
Ninguém diz nada. Bárbara morde o lábio e vejo seus olhos
claros, que um dia me interessaram, lacrimejarem.
― Filha, se é verdade o que ele está dizendo, fale agora ― seu
pai esbraveja.
― Eu… eu… achei que daria certo. Eu só queria um bom pai
para o meu bebê.
― Meu Deus! ― Bagunço os cabelos atordoado demais com a
confirmação.
Vejo a mãe de Bárbara começar a chorar sentada na escada,
enquanto seu pai para bem ao meu lado com os ombros curvados.
― Tem noção do que isso me causou? Do que me custou?
― Tenho certeza de que não custou nada, você é rico agora,
Miguel ― ela diz limpando as lágrimas. ― Como você descobriu?
― Peguei uma cópia do exame na clínica alguns dias atrás. Mas
isso não importa, não é mesmo? O que importa é que você tentou
dar um golpe sujo e barato pra cima de mim. Sério mesmo, Bárbara,
nunca tive grandes expectativas quanto a você, mas não esperava
que fosse descer tão baixo.
― Chega, chega de me humilhar, está bem? Meus parabéns,
você não será pai, vá embora e me deixe em paz agora.
― Deixar você em paz? Farei isso com o maior prazer. ―
Continuo observando seu rosto que agora mostra a verdadeira face,
que antes eu não conseguia enxergar. Olhando para os pais de
Bárbara completamente atordoados, não hesito em dizer: ― Eis a
filha de vocês. Com licença.
Saio daquela casa sem nem ao menos olhar para trás. Eu
absorveria o impacto daquela notícia depois. Não há mais bebê para
eu cuidar. Ainda assim, não consigo sentir alegria nem alívio.
Em parte.
Porque agora eu tenho algo importante a fazer. Eu tenho o amor
da minha vida para recuperar.
DEZENOVE

Deixe-me tentar outra vez


Sei que eu tropecei e é justo, eu já sei
Me olhe nos olhos, estou aqui
Tenho muito medo de te perder
E não há por quê.
Porque sem você já não respiro
Nas noites tenho frio
Necessito da outra parte do meu ser
O melhor do meu passado,
meu presente e meu futuro
Minha razão para sobreviver
Para viver
Déjame – Erik Rubin

Julie: Miguel, acorda, precisamos conversar.


Violet: Já acordou? Vem pra casa da Eleanor.
Alex: Cara, você está bem?
Julie: Miguel, atenda essa porcaria de telefone.
Há vinte e duas chamadas perdidas em meu celular, reparo
assim que tomo o aparelho em minhas mãos. Há até mesmo
ligações de Eleanor Carter. O que diabos essa gente quer comigo?
Com certeza tem a ver com a mais recente fofoca em minha vida.
Depois que saí da casa de Bárbara, me senti completamente
desnorteado. Voltei para o apartamento e bebi o restante do vinho
deixado pelo pessoal. Não foi muito, porém foi o suficiente para não
me deixar rolar tanto na cama. Talvez esse tenha sido o motivo de
eu ter acordado tão tarde hoje e não ouvir nenhum ruído que o
celular tenha feito.
Falando em celular, o aparelho começa a tocar em minha mão
assim que me ajeito, sentando na cama.
― O que foi? ― pergunto diretamente.
― Até que enfim ― a voz de Julie soa abafada do outro lado da
linha. ― Estamos todos te esperando na casa de Eleanor.
― Não me lembro de haver marcado alguma coisa…
― Deixa de ser engraçadinho. Não vê que é uma emergência?
― Céus, Julie, tenho tanta coisa para fazer.
― E nós só queremos ajudar. Anda logo.
― Certo.
Ainda estou um pouco sonolento quando me levanto e tomo
banho. Meia hora depois estou na Harley a caminho da mansão
Carter. Minha mente fica revivendo os últimos acontecimentos, me
deixando ainda mais furioso. Evie e eu finalmente ficamos juntos,
consegui que ela sentisse algo por mim, Bárbara apareceu dizendo
que eu ia ser pai, Evelyn e eu nos separamos, e agora nem mesmo
o bebê eu terei.
Como não estar com os nervos à flor da pele?
Quando chego em frente à casa de Eleanor, a porta se abre
antes mesmo que eu aperte a campainha.
― Quanta eficiência ― digo para uma Julie afobada.
― Entra, precisamos conversar e terminar de ajeitar tudo.
― Ajeitar o que?
Quando entramos na sala, todos estão lá: Devon e Violet, Alex e
a mãe, que diga-se de passagem, está prontinha para me apalpar.
― Miguel, querido! ― Eleanor me recebe com um abraço.
― E então? E o bebê? ― Violet é a próxima a se aproximar.
Nego com a cabeça.
― Ela confessou, não é meu ― respondo, apenas querendo
cobrir minha cabeça com um saco de papel.
― Mas que desgraçada.
― Eleanor, olha a boca ― Devon corrige a mãe, que que revira
os olhos.
― Eu tinha certeza! ― Julie se aproxima do marido e pega um
envelope de suas mãos. ― Por isso adiantei os planos.
― Que planos? ― questiono sem entender.
― Miguel, meu bem ― minha prima agora segura em uma de
minhas mãos ―, você e Evie precisam se acertar.
Engulo seco.
Não tenho notícias de Evie há dias, desisti de pressionar Julie.
Confesso que não penso em outra coisa a não ser em vê-la e
contar-lhe toda a verdade, mais, dizer a ela o quanto a amo e que
viver sem esse amor é como não respirar. Entretanto não posso
simplesmente mandar-lhe uma mensagem dizendo: oi, não serei
mais pai, vamos voltar?
Não sou insensível a esse ponto, mas sou um homem
desesperado.
― Julie…
― Espere, me deixe falar. Você vem estando às voltas com esse
sentimento por anos. E agora, meu primo, devo confessar que ela
também está sofrendo.
Aquilo me atinge em cheio. Talvez não saber fosse melhor, talvez
a ignorância me ajudasse a não cometer uma loucura.
― Não há nada mais que impeça vocês de ficarem juntos e…
― Você não entende. Não é apenas a gravidez de Bárbara, há
muito mais por trás e…
― Eu sei, ela me contou. ― Os olhos de minha prima encontram
os meus e é quase como se pudéssemos nos comunicar
telepaticamente. Ela sabe sobre a infertilidade de Evie. Finalmente
não é mais um segredo entre nós. ― Mas você precisa acreditar,
Miguel, que quando duas pessoas se amam, elas devem ficar
juntas.
Vejo Alex assentir e todos ao redor me encaram com
expectativa. Ponho a mão na cabeça, não por não acreditar nisso,
mas por pensar em todos os empecilhos.
― Há um oceano entre nós nesse momento.
― É por isso que estamos aqui. ― Ela me entrega o envelope e
vejo o nome de uma companhia aérea no papel timbrado. ― Há um
voo saindo para a Espanha agora à tarde, a passagem está em seu
nome. Não perca mais tempo, essa é a sua oportunidade.
― Miguel ― Eleanor me chama em um tom que não parece
admitir recusas ―, vá buscar sua garota. É uma ordem.
Todos me observam, enquanto um nó se forma em minha
garganta. Sinto algo contorcendo-se em meu estômago, e vejo as
coisas como se fossem um borrão por conta dos olhos marejados.
Respiro fundo e solto um forte pigarro, me recompondo.
― Acha que tenho chance? Que ela pode me querer de
verdade?
Julie assente sorrindo.
― Não perca mais tempo, Miguel, o amor não pode esperar.
Olho para os dois casais lado a lado na minha frente e decido
que é isso que quero. Eu e Evie juntos, para sempre.
― Você tem razão, vou atrás dela. Só saio da Espanha quando
tiver Evelyn de novo em minha vida.
― Assim que se fala ― ganho um tapinha nas costas de Alex.
Eles me cumprimentam, com sorrisos e felicitações como se
fosse o próprio dia do meu aniversário.
― Não se esqueça, faça um grande gesto ― Devon fala
baixinho quando todos já demonstram estar ocupados e entretidos
com as crianças que resolveram aparecer na sala. ― Esse é o
momento ideal.
Um grande gesto? Tudo bem, eu posso pensar em alguma coisa,
tenho treze horas de voo pela frente para planejar tudo.

Quinze horas depois eu não havia conseguido pensar em nada.


Talvez fosse por conta do cansaço da viagem e o stress pelo voo ter
atrasado. A verdade é que parece que cada vez que eu estou perto
de cumprir o meu objetivo — ter Evie sempre em minha vida —, o
universo gosta de brincar de pique-pega.
De toda forma, cheguei a Madri. Saio do aeroporto e me enfio
em um taxi pronto para ir ao endereço que Julie havia me dado.
Estou um pouco nervoso, não apenas por pensar repetidamente em
uma possível rejeição de Evie, mas por estar também pela primeira
vez fora do país. Depois da comoção com os Carter, tive tempo
apenas de ir em casa buscar algumas roupas e documentos.
Eleanor prometeu cuidar de Nacho, assim, meu cachorro está
passando as melhores férias de sua vida, na mansão.
O motorista guia o carro pelas ruas de Madri enquanto observo a
arquitetura ao meu redor com o coração em chamas.
O que diabos direi quando bater à porta dela?
É o que sigo pensando quando chego ao endereço indicado por
Julie. O local é uma rua estreita, que lembra uma vila. Cheia de
construções com fachadas claramente dos anos oitenta. Descobri
que Evelyn mora em um prédio de seis andares sobre uma
confeitaria.
Que prático.
O edifício não tem elevador nem porteiro, assim espero que
alguém saia para poder entrar. Subo as escadas sentindo as batidas
de meu coração cada vez mais intensas.
Tum-tum
Primeiro andar.
Tum-tum
Segundo andar.
Continuo subindo e me atormentando com opções do que dizer:
― Olá, Evie, tudo bem? Vim porque tenho algo muito importante
para dizer. ― Balanço a cabeça com as palavras que saem da
minha boca. ― Ei, sou eu, que loucura eu em Madri, hein? ― Faço
uma careta, quem chega dizendo uma coisa dessas? Espere, ah, já
sei! Chego no andar onde Evie mora e limpo a garganta assim que
me aproximo de sua porta. ― Olá, Evelyn, estou aqui porque a amo.
― Gosto do que ouço. Sim, talvez falar de amor ajude, afinal.
Começo a reparar em minhas roupas amassadas e ajeito o
cabelo bagunçado pelo vento da viagem de táxi. Não importa como
eu esteja, vai ter que servir.
Bato na porta.
Ninguém atende.
Bato outra vez.
Uma porta se abre, porém não é a de Evie. Olho para o lado e
vejo uma senhorinha sorridente em um vestido florido e avental
rosa.
― Posso ajudar, meu filho?
― Estou procurando por Evie… Evelyn.
― Ah, aquela danadinha. Ela saiu há pouco tempo, toda cheia
de flores, saltos altos, além de uma noiva linda.
Como é?
― Ah, você não está sabendo? O casamento é hoje. Eu tenho
visto a movimentação há dias, um entra e sai de mulheres… Eu não
fui porque longe de mim ser convidada para essas coisas chiques.
― Casamento? A senhora tem certeza de que ela foi para um
casamento?
Estou tremendo, meus dentes estão apertados e sinto que sou
capaz de ter um piripaque a qualquer momento.
― Mas é claro que sim, pois se a noiva passou aqui na minha
frente.
Pelo amor de Deus, o que está acontecendo? Evie vai se casar?
Com quem?
Estive muito tempo afastado, não nos falamos nas últimas
semanas, seria possível que ela e Hugo tenham reatado?
E se ela tomou uma decisão precipitada?
― A senhora ao menos sabe onde será o casamento?
― Claro que sei, será na Catedral de Almudena.
― Obrigado!
É tudo que digo antes de sair em disparada pelas escadas.
Desço os degraus como se o chão estivesse em chamas, esbarro
em duas ou três pessoas que não faço ideia quem sejam, tudo que
sei é que preciso chegar à igreja o mais rápido possível.
Na rua um táxi está virando a esquina, vindo em minha direção.
Respiro fundo e grito:
―TÁXIIIIIII! ― Não sei com o que as pessoas ao meu redor
ficam mais espantadas, se pela gritaria ou pelo meu sotaque
diferente. Não importa. Trinta segundos depois estou dentro do
veículo.
― Catedral de Almudena, pago o triplo se o senhor chegar em
dez minutos. ― Estou olhando o tempo do percurso no celular e me
permito respirar um pouco mais tranquilamente.
― Pelo triplo faço até em cinco ― o motorista diz com seu
sotaque madrilenho e arranca com o carro em uma velocidade
altamente questionável.
Furamos dois sinais vermelhos quando decido colocar o cinto.
Três minutos depois, ficamos presos em um congestionamento.
― Não dá para o senhor fazer a volta?
― Sinto muito filho, impossível.
Estamos presos, o carro sem ir para frente ou para trás e na
minha cabeça tudo que eu vejo é Evelyn entrando em uma igreja
vestida de branco para se casar com um cara que não sou eu.
― Mas que droga! ― exausto e furioso, bato com força no
assento ao meu lado.
― Seja o que for, vai ter que esperar. Ou você pode correr,
faltam cinco quadras, só seguir reto e virar à direita cinco ruas
depois dali. ― Ele aponta para uma parte da rua e o que vejo
praticamente acende uma lâmpada em minha cabeça.
Um bar de motoqueiros e várias motocicletas estacionadas em
frente.
Nunca senti tanta falta da minha Harley como agora.
― É, vai ter que dar. ― Jogo um bolo de euros para o taxista e
corro pela rua afora em direção ao bar.
O local em questão é pequeno e mal iluminado. Entro e meus
ouvidos são bombardeados pelo falatório e o cheiro de cerveja
impregna meu nariz.
― Atenção! ― chamo, mas ninguém me ouve.
Uma moto, só preciso de uma moto.
― Ei! ― Solto um longo e ruidoso assovio que chama a atenção
de todos no recinto. ― A mulher que eu amo vai se casar com outro
se eu não impedir!
Aparentemente, motoqueiros têm o coração mais mole do que
eu imaginava, pois um mar de braços estende seus molhos de
chave assim que termino de pedir uma moto emprestada.
Lá estou eu no trânsito outra vez, e agora com o caminho sendo
aberto pelos meus amigos recém-feitos no bar. Andamos em bando,
como uma matilha de lobos. Não demoramos a chegar na rua certa,
era como o taxista havia dito, mais cinco quadras e logo estarei em
meu destino, e ele se chama Evelyn White.
Quando finalmente me aproximo da igreja, ainda sobre a moto,
uma visão faz meu peito doer, pesar toneladas. Uma noiva está
entrando, desacompanhada, porém pronta para a cerimônia. Está
de costas, então não posso acenar, buzinar ou até mesmo gritar,
pois o barulho do trânsito está contra mim. Quando as enormes
portas da catedral começam a ser fechadas, sei que só há uma
coisa a ser feita.
Invado a calçada e subo os degraus com a moto a toda
velocidade. Os homens que estão fechando a porta se assustam e
ficam paralisados, deixando-a aberta o suficiente para que eu
passe. Estou dentro da igreja, estou na Espanha, pronto para
interromper um casamento e jurar amor eterno à noiva.
Todos os convidados se viram e se agitam com a minha
presença. Não estou nem aí, meus olhos estão cravados em Evie,
ainda de costas e vestida de noiva. Vou com a moto até a metade
do corredor da catedral, quando paro e ponho meus pés no chão,
com os ouvidos apurados demais escutando o espanto de todos os
presentes.
Caminho lentamente, os noivos parecem finalmente perceber
que há algo de errado, vejo o idiota em um fraque branco. Sério?
Sério mesmo, um fraque branco?
― Mas o que é isso? ― o imbecil diz, se virando e me vendo.
― Não se case com ele! ― grito me aproximando.
Ela se vira e meus pés param imediatamente de andar, parecem
estar presos por blocos de cimento, quando vejo seu rosto.
Não é Evie. A noiva não é ela. Estive perseguindo a mulher
errada.
― Mas… ― começo a dizer e sou interrompido.
― Miguel? ― a voz vinda logo da frente, à direita, chama minha
atenção.
― Evie! ― digo como se eu tivesse acabado de encontrar um
milhão de dólares no chão.
E encontrei, porque ela vale muito mais. Em um lindo e decotado
vestido rosa, ela desce alguns degraus, saindo do lado de outras
duas mulheres também trajando a mesma cor.
Ela é a madrinha, aparentemente, não a noiva.
― Eu… eu, olha me desculpem. ― Vou em direção aos noivos,
que ainda estão de olhos arregalados. ― Eu pensei que… meu
Deus… pensei que Evie é quem estivesse se casando.
― E você entraria assim na igreja para estragar o casamento
dela?
― Sim ― respondo, coçando a cabeça.
― Uau ― a noiva diz, olhando para mim e Evie.
― Preciso falar com você. ― Viro em direção a Evelyn, que se
aproxima, deixando o altar da igreja.
― Acho que você não me deixa muita opção, não é mesmo? ―
Rimos um para o outro, ela para em frente aos noivos: ― Gabriela,
Matias, eu sinto muito… por isso.
O noivo assente, está mais vermelho que um tomate, e Gabriela
não parece chateada, apenas… curiosa?
― Espere um minuto. Se você tem algo assim de tão importante
a dizer, a ponto de interromper o casamento, eu acho bom que você
diga na frente de todos.
Abro a boca para responder, mas sou interrompido pelas
dezenas de pessoas ali presentes, que concordam com a noiva.
Puta merda, eu tinha esquecido que estava no meio de tanta gente.
Ali, a alguns metros de mim, está Evelyn, com olhos curiosos e
brilhantes.
Um grande gesto, não é mesmo? Pois muito bem.
― Bom, não era minha intenção inicial falar sobre isso na frente
de tanta gente…, mas se pra ter você de volta eu preciso dizer o
que tenho pra dizer em meio a todo esse pessoal… ― Respiro
fundo e olho ao redor por um instante. A igreja está completamente
em silêncio. O padre não para de fazer o sinal da cruz, descrente
com a situação.
― Miguel… ― interrompo Evie com um aceno.
― Me deixe falar, por favor. ― Olho ao redor mais uma vez,
então volto a ficar de frente para o altar, de frente para Evie. ―
Estou aqui porque te amo ― começo a dizer e abro os braços,
alguém entre os convidados assovia e ouço alguns gritinhos. ―
Você não imagina, não faz ideia como fico por dentro apenas em te
ver. Como ardo a cada vez que você sorri, a cada vez que nos
beijamos ou que fazemos amor. ― Mais gritos, dessa vez femininos.
― Como sofro em te ver sofrer, dolorida ao chorar. Não imagina
quanto tempo eu sonhei, quanto tempo esperei para te ter, para
tocar em sua pele e te segurar em meus braços. ― Dou um passo
para frente. Evie, por sua vez, cobre os lábios com a mão. ― Com
você foi amor à primeira vista, bastou te olhar e eu soube que nunca
mais haveria outra mulher em meu coração, que dominaria meu
peito.
Engulo seco, Evelyn apenas me observa em silêncio. Olhamo-
nos nos olhos e tenho cuidado ao dizer minhas próximas palavras:
― Eu te esperei, Deus, como eu te esperei. E é por isso que não
posso te deixar escapar. Você é preciosa demais, Evelyn White, e
mesmo que você pareça se esquecer disso às vezes… quero estar
ao seu lado para o resto da vida para lembrá-la. ― Molho os lábios
antes de dizer: ― Porque é você, Evie, sempre foi você e sempre
vai ser. Por favor, seja para sempre o amor da minha vida.
Ela está chorando, as lágrimas descem silenciosas por seu
rosto. Eu espero sua resposta, e espero um pouco mais. Esperaria
todo o tempo do mundo, se não estivéssemos no meio de um
casamento com dezenas de convidados como espectadores.
Quando Evie reage, sei que é para valer. Seus pés se movem e
ela corre em minha direção. Tomo-a em meus braços, segurando
todo o impacto do encontro de nossos corpos. Vou beijá-la, sei
disso. Ao nosso redor as pessoas gritam, fazem vídeos e assoviam.
― Espere! ― ela diz quando estou prestes a tocar em sua boca.
― E o bebê? Eu andei pensando muito sobre isso e acho que… ―
coloco um dedo sobre seus lábios.
― Não há mais bebê ― ela franze o cenho ―, quero dizer,
Bárbara terá um bebê, mas não sou eu o pai.
― O quê? ― praticamente grita.
― É uma longa história que eu preciso te contar depois, agora
temos coisas mais importantes para fazer.
― Ah, é mesmo?
― É, sim! ― respondo baixinho, com a boca colada na sua.
Então acontece, nos beijamos e a igreja vai à loucura. O barulho
é ensurdecedor e os flashes estouram em nossa volta. É suave e
doce, além de um pouco desesperado, mais ainda é como estar de
volta à casa. Evie é onde eu pertenço, ela é meu lar, meu tudo.
Ao nos separarmos, recebemos uma longa salva de palmas, e
recordamos que esse casamento não é nosso.
Em breve, logo, logo, será.
Rimos um para o outro e Evie murmura uma desculpa para
Gabriela e Matias, que estão rindo da situação toda. De mãos dadas
vamos até a moto e a ajudo a subir de forma que não mostre ao
mundo sua calcinha.
Saio da catedral, acompanhado dessa vez, a moto é veloz em
descer as escadarias e Evie grita em meu ouvido pela aventura.
Quando estamos na calçada, reparo que todos os motoqueiros do
bar estão a postos à nossa espera.
― O que é isso? Uma convenção? ― pergunta rindo.
― Quase isso. Tive que pedir reforços para chegar à igreja.
Ajudo-a a descer da moto enquanto o dono vem para buscá-la.
Entrego as chaves e escuto o roncar dos motores potentes de todas
as motocicletas ali presentes. É quase como uma cerimônia de
benção para o nosso amor.
Eles fazem um show na rua, dando voltas e buzinando enquanto
assistimos a tudo maravilhados.
― Ainda não acredito que você invadiu o casamento. Realmente
achou que eu estava me casando?
― A sua vizinha fofoqueira me fez pensar que sim.
― Gabriela se arrumou lá em casa, ela é uma amiga do trabalho.
Meu Deus você é louco. ― Seus braços envolvem meu pescoço e
ganho um rápido beijo, que enche de ternura o meu coração.
― Não me arrependo. Enfrentaria o mundo e tudo mais por
você.
― Diz outra vez ― pede com olhos tímidos e suplicantes.
― O quê?
― Você sabe, seu bobo.
― Tudo bem. ― Beijo seu nariz. ― Evelyn White, eu te amo.
― Ah, eu também te amo.
É isso, esse é o momento mais feliz da minha vida. Não há como
preencher meu peito com mais nada, ele está repleto de amor por
ela.
― Mal posso acreditar no que estou ouvindo. ― Beijo-a outra
vez.
E parecemos dois loucos parados no meio da calçada, nos
beijando e fazendo juras de amor.
Madri não é uma beleza?
― Miguel, não quero que se esqueça do meu problema.
Aperto os olhos, não entendendo o que ela quer dizer, Evie
percebe, porque logo em seguida acrescenta:
― Jamais vou poder te dar filhos.
― Quero você ― abraço-a e fecho os olhos ao sentir outra vez
seu perfume ―, apenas você. Não importa como seja ou as
consequências disso. Para mim, você é perfeita.
Ela chora outra vez e eu uso meus dedos para secar suas
lágrimas.
― Vamos pra casa ― ela diz baixinho em um convite cheio de
segundas intenções.
― Ei, você é a minha casa.
Evie sorri e a beijo outra vez, porque agora tenho certeza de que
quando duas pessoas se amam, elas devem ficar juntas.
EPÍLOGO

Poderão passar furacões


Mas nada poderá contra mim
Porque você será
A luz que ilumina o meu caminhar
E o mundo irá parar para assistir a
Um amor de verdade
Um Amor de Verdad - Reik
CINCO ANOS DEPOIS
Estou nervoso.
Ando de um lado a outro no altar improvisado do salão de festas.
É um local grande, a céu aberto, que está cheio de tendas e um
enorme buffet.
Por que está demorando tanto para começar?
― Relaxe, priminho, até parece que você está fazendo isso pela
primeira vez. ― Julie vem cheia de dedos consertar minha gravata e
aproveitar para rir da minha cara.
― Muito engraçadinha.
― Estou falando sério, qualquer um que não te conheça pode
achar que esta é a primeira vez que você se casa.
― É, mas essa é a cerimônia feita para os meus filhos
participarem ― digo enquanto retiro suas mãos do meu pescoço. ―
Aliás, onde eles estão, hein?
― Devem estar chegando junto com Evie. Pronto, agora você
está apresentável.
A gravata me sufoca, mas tudo bem, essa é uma ocasião
especial, não é todo dia que se renova a união.
― E então, onde estão os seus votos?
Aponto para minha cabeça e ela revira os olhos.
― Você não muda, não é mesmo?
― E você tem muito pouca fé em mim. ― Acaricio sua barriga
inchada pela gravidez. ― Como estamos?
― Parece que temos uma equipe de futebol aqui, ela não para
de chutar. ― Gargalha.
― Evie e os meninos chegaram ― é Violet quem diz, se
aproximando toda afobada.
Vejo a cerimonialista fazer sinais para sua equipe e o restante
dos convidados se sentarem. Finalmente.
― Bom, nós vamos nos sentar, sócio. ― Letty pisca pra mim e
une seu braço ao de Julie para irem até seus respectivos lugares.
Desde que comprou a parte de meu primo Jorge na
transportadora, Violet trocou a palavra “chefe” por “sócio”. Ela faz
questão de me lembrar disso a cada dia, apenas para me irritar. A
verdade é que ela se tornou essencial na empresa e formamos uma
bela dupla nos negócios.
Vejo ela e Julie sentarem-se ao lado de seus respectivos pares e
quando um silêncio toma conta do ambiente, sei que a cerimônia
está prestes a se iniciar. Enquanto Julie e Alex cochicham um no
ouvido do outro, provavelmente trocando carinhos sobre a gravidez,
Devon faz o sinal de positivo para mim. Ele havia me confessado
mais cedo que gostou da ideia de renovação de votos e iria propor
isso a Violet no próximo ano.
Quatro anos de casados.
Evie e eu driblamos a distância depois do nosso primeiro ano
juntos e unimos nossas vidas em uma cerimônia especial e íntima.
Por mim eu teria pegado o primeiro voo para Las Vegas e teríamos
tido um fim de semana selvagem sem nem ao menos sair do quarto,
entretanto, tenho certeza que tia Lupi jamais me perdoaria.
Por falar nisso, lá vinha ela andando depressa pelo corredor
florido em minha direção.
― A senhora está bem? Tanta correria pode fazer com que você
distenda algum músculo ― digo para provocar. Ganho um tapa no
ombro.
― Deixa de ser implicante. ― Começa a ajeitar minha gravata.
Sério, as mulheres por algum acaso são obcecadas com isso ou o
quê?
― Pronto. Você está todo amarrotado, onde estão seus modos?
Reviro os olhos e levo mais um tapa nos ombros. Ela faz um
sinal me abençoando e me dá um beijo no rosto.
― Estou muito orgulhosa de você, meu filho.
― Obrigado, tia. ― É a minha vez de lhe dar um beijo estalado.
Assim que tia Lupita se senta a música começa, o sinal de que aí
vinha a minha família.
Meus meninos são os primeiros a aparecerem. Para garotos de
oito anos, eles não se mostram nem um pouco envergonhados em
caminhar de terno e gravata no meio de tanta gente. Sorrio para
eles e recebo um tchauzinho de Nick. Scott, por sua vez, se mantém
sério e centrado.
Por dois anos vi Evie se torturar com a ideia de que seríamos
menos felizes por conta de sua infertilidade. A ideia de buscarmos a
adoção partiu de mim quando não aguentei mais vê-la sofrer. Ela
logo aceitou, mesmo sem muita esperança de que encontraríamos
rápido a nossa criança.
E encontramos. Esperávamos por um bebê, mas ao visitarmos
um orfanato nos apaixonamos pelos irmãos e desde então somos
pais de dois lindos — e muito bagunceiros — meninos.
Quando viam as fotos do nosso casamento, eles viviam dizendo
que queriam ter estado lá, eis o motivo para essa festa hoje. Para
nossos filhos de oito anos se sentirem ainda mais amados por
nossa família.
Os gêmeos fazem graça para os convidados, distribuem beijos e
fazem reverências. Todos riem e tiram fotos, encantados. Abraço
meus filhos e os guio para sentarem-se ao lado de tia Lupita nas
cadeiras reservadas para eles.
Logo em seguida uma música suave começa a tocar e Evelyn
aparece em um lindo e longo vestido branco. É como se fosse a
primeira vez. Sinto todo o meu amor por ela, por nossa família. Vejo-
a sorrir e suas bochechas ficam vermelhas ao encarar a todos.
No entanto, é como se fossemos os únicos ali, porque nossos
olhos se encontram e nada mais importa. Essa é a nossa promessa,
de que nosso felizes para sempre duraria uma vida toda. Seria para
sempre mesmo.
Seguro sua mão e sorrimos um para o outro quando ela me
alcança no altar.
― Quem é essa mulher maravilhosa bem aqui na minha frente?
― pergunto baixinho em seu ouvido.
― Uma que é toda sua ― responde com seu olhar malicioso.
O mestre de cerimônias começa a falar e logo passamos a
prestar atenção em seu discurso. Não é demorado e chega a hora
de trocarmos nossos votos mais uma vez.
Scott e Nick trazem as alianças, enquanto Evie e eu estamos
com nossas mãos unidas.
― Miguel ― sua voz falha um pouco ―, amor. Com você
aprendi que toda espera vale a pena. Você esperou por mim, pelos
nossos filhos e acreditou em nossa família mais do que tudo e
todos. Obrigada por não desistir, e por amar todos nós.
Engulo seco, ela põe a aliança em minha mão novamente.
― Evelyn, você é a melhor escolha que já fiz na vida. Não há um
só dia em que eu não agradeça por tê-la, poder abraçá-la e dizer ao
mundo que é minha. Eu a escolheria de novo e de novo, porque te
fazer feliz é a grande missão da minha vida. ― Coloco a aliança em
seu dedo, na marca de sol a que pertence. ― Você e nossos filhos
são tudo que sempre sonhei, e viver essa realidade pelo resto da
vida é o que mais desejo.
Nos beijamos e sinto as doces lágrimas de Evie escorrerem por
seu rosto. As crianças nos rodeiam e abraçam nossas pernas,
querendo participar do momento também. Rimos e as abraçamos.
Nossos convidados se levantam e batem palmas. Estão todos ali:
Evie, nossos filhos, eu e a felicidade.
Então sei que ela é minha e o para sempre é algo real, porque
nada pode impedir o amor.
AGRADECIMENTOS

Ufa, terminamos mais uma série de livros.


Que alegria é poder chegar a esse final junto de você, leitora.
Ainda mais em uma história tão querida e tão pedida por vocês.
A série “A La Mexicana” nasceu do desejo de vocês de
continuarem obtendo mais dos nossos queridos personagens. Eu só
tenho a agradecer pela companhia e pelo carinho por todas as
palavras que escrevo.
Obrigada a meu time de betas: Ivone, Jeanne, Jéssica e Camila,
por me auxiliarem em mais um livro e aguentarem todas as minhas
inseguranças, confusões e guardarem a sete chaves os segredos
de cada história. (Uhuul conseguimos mais um).
Obrigada a cada leitora que torceu por Evie e Miguel e desejou
que finalmente eles ficassem juntos.
Obrigada ao meu grupo de leitoras amigas do “Leia Mais
Romance”, que sempre se unem para levar meus livros em seus
corações e pelos divertidos debates que sempre fazemos.
A Tatiana Mareto e Karina Heid, me faltam palavras para
expressar o quanto amo essas duas. SÉRIO. Melhores amigas até o
fim!
E a Sarah Libna, que elevou o nível das capas dessa série ao
mais alto grau. (Sério, mulher, você é demais).
Há muito mais histórias a vir por aí, mal posso esperar para
contá-las.
Com carinho,

Sarah Summers
OUTRAS OBRAS

Mais uma vez obrigada por ler “Paixão A La Mexicana”. Se possível, passe a
mensagem adiante e indique a história de Miguel e Evie a uma amiga que ama
ler. Essa sempre será a maior recompensa de um autor.
Se possível, deixe sua avaliação na página do livro na Amazon. Você me ajuda
muito fazendo isso.
PLAYLIST DO LIVRO

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CONTEMPORÂNEOS

(Série A La Mexicana)
Amor A La Mexicana
Felizes Para Sempre
Romance A La Mexicana
Conto
A Secretária & O CEO.

Antologia

Amores Rebeldes
ROMANCES DE ÉPOCA: (SÉRIE NOBRES DE ANDALUZIA)

A Promessa de Uma Dama


A Vingança de Uma Duquesa
O Destino de Uma Bastarda
SOBRE A AUTORA

Sou capixaba e estou mais perto dos trinta do que dos vinte. Aos doze, li meu
primeiro romance e nunca mais parei, aos quatorze soube que amava escrever.
Professora de espanhol, inglês e autodidata do sarcasmo (meu Friends favorito é
o Chandler).
Amo karaokês e uma boa série nórdica. Moro perto da praia com quatro
cachorros muito bagunceiros e meu único defeito é ler romances demais.

Na dúvida, me encontre sempre por aqui:


www.leiamaisromance.com.br

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