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Maria é um amor. Tão gorda e amável. Faz tudo. Pelo menos es-
tou c~mendo bem. Minha casa está muito bem arrumada D
era - . . ave
~oroso, m~s nao era caprichoso. Você viu um pouco dessa
sevendade.
D O- cwdado
inh da .arrumação da casa da Espanha era todo
meu. ave nao t a pa~1ência, nem tempo para a paciência. Era
o mesmo com seus escnto~. Ele não podia nem conseguia com-
pl~tar ~a frase longa. Fw o melhor secretário que ele teve. A
única c01sa qu~ fiz pelo pobre Dave: datilografei, completei suas
frases. Se ele tivesse trabalhado um pouco mais arduamente so-
bre s~us textos teria sido um grande escritor. Ele foi adotado pe-
los diretores e produtores de Hollywood para fazer o roteiro de
seus ro?1ances ~e suas peças. Ganhou todo o dinheiro que nun-
ca precisou, e vivia sobrecarregado, de um jeito que ele odiava. Se
eu me curar, não vou cair nessa armadilha.,, (Não caiu.) "Já estou
me curando, Sr. Masud, alimentado e protegido por Maria - ela
atende o telefone e não entende mais da metade dos recados; que
descanso! - e com seu cuidado vigilante. Viver com Mikail não é
uma lua-de-mel..."
Mikail era seu nome de batismo, mas ele só começou a usá-
lo nas sessões deste período. Não poderia ter sido batizado com
outro nome mais absurdamente russo-francês. Contou-me que
papai falava um bom francês e um inglês pobre; e que era um
grande conhecedor do russo: dava aulas particulares para os es-
tudantes em casa. Recusava-se a aceitar qualquer pagamento, di-
zia que as pessoas que o procuravam não tinham condições de
pagar. Sim! Até mesmo seu imaginário acerca do pai começava a
mudar. "Certa vez papai ganhou alguns livros. Belas edições rus-
sas. Uns quarenta. Eram sagrados. Tocá-los ou consultá-los era
proibido. Ficavam cuidadosamente empilhados num canto do
único quarto do apartamento. Por isso, eu tinha que dormir com
minhas manas. Não sobrava espaço, além daquele ocupado pelos
livros, e não se podia colocar mais quo cinco na mesma pilha;
destrói as encadernações, dizia papai. Mamãe ainda os tem.
Limpá-los, colocá-los ao sol é para ela como vestir papai. Te~o
certeza que é, porque papai nunca morreu de amores por mamae.
Ela vestia, alimentava e, nos últimos anos, até mesmo o lavava.
O
Papai nunca foi capaz de fazer o laço de uma gravata borboleta.
S6 usava gravatas borboleta antiquadas. Engraxava seus sapatos
140 QUANDO A PRIMA VERA CHEGAR.
possa manter
- d os
· outros afastados do caminho do mal... ,, Seu sar-
casmo
L , nao'á eixou fi .de fazer efeito em mim · "Voce,. nao
- acha, Sr.
uis, que J é su ic1ente não ter sido atormentado ou caçoado pe-
la· figura
d atraente do meu empregado?" · 0 Sr• Luís suspirou
. re-
~a ~~e. '
. - O Sr. Luís sempre tirava seu paletó antes de deitar-se no
diva. Usava roupas no estilo francês/italiano bem justas, 0 que
~pren~eu com Dave que, no entanto, diferentemente do Sr. Luís,
mte_nc1onalmente vestia-se de uma forma bem informal, tipo ran-
cherro. ~n~uanto abotoava seu casaco, comentou: "Uma coisa
para voce rr pensando enquanto eu estiver na outra sala consul-
tando a palavra civet. Não há nos Estados Unidos - ou existem
muito poucos - cidadãos no sentido que o inglês e o francês dão
à palavra. O que existem são cits. Um cit é um comerciante esper-
to, humilde e especializado. Judeu ou goy. Quase nunca um negro
ou índio. O cit é um comerciante prático. Em inglês, dir-se-ia um
comerciante pragmático. Escrevi um ensaio a respeito na facul-
dade. Por isso sei o que é um cit. Procurei no Webster. Naquela
época minha hipótese era, como continua sendo hoje, que os Es-
tados Unidos eram a primeira nação de que o Homo sapiens tem
conhecimento que criou um amontoado de civilizações dispersas,
espalhadas por toda a América, sem ter criado uma cultura. É is-
to o que confunde os europeus quando vão para os Estados Uni-
dos. Procuram uma cultura, e como não a encontram, eles nos
censuram pela falta dela. Bem, nunca quisemos uma cultura. Por
que deveríamos tê-la? Como temos muito poucos cidadãos, co-
mo, digamos, George Wasbington, Abraham Lincoln, Roosevelt,
e agora os Kennedy, escolhemos nossos presidentes entre eles.
Nisto somos inigualáveis. Somos os primeiros - e posso predizer
que os últimos - dos Homo sapiens que cultivam uma categoria
especial de cits - que não são camponeses, nem da pequena no-
breza, nem nobres - conhecidos por nós como "cidadãos" entre
aspas, dentre os quais elegemos nossos líderes po~ticos. Mais _ou
menos como os Anciães nos estados-cidades ateruenses, os Con-
soles nas oligarquias italianas e os reis e rainhas na ~uropa: Afi-
nal de contas os ingleses também cultivam seus reis e rainhas
com o maior ;uidado. E nós temos nossos cidadãos ... " .
Eu anotava com muita rapidez, mas mesmo assim perdi vá-
QUANDO A PRIMA VERA CHEGAR
144
uma vez por ano. O Sr. Lufa está agora com seuenta e dnco IDOI,
saud6vel e forte. Mário está com trinta e cinco, e positivamente
orientado na vida.
[1987)