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A INVENÇÃO DO PERSONAGEM
Se você conseguiu identificar um personagem através dos exercícios de
perfil, conforme recomendado no exercício da primeira aula, começou a
encontrar uma história. Muitas vezes é assim mesmo: os personagens estão nas
páginas dos jornais, revistas, brochuras, nas fotografias antigas e novas, na
esquina ou na calçada de sua casa. Ou dentro dela, quem sabe. Não há nada de
extraordinário. A verdade é que as primeiras anotações e os primeiros exercícios
influenciam em todo nosso universo ficcional. As boas histórias podem estar na
nossa casa e nós teimamos em não ver.
Deixa só que lhe mostre como Clarice Lispector, através de Rodrigo,
encontrou o motivo para escrever A hora da estrela.
É que numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o
sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina. Sem
falar que eu em menino me criei no Nordeste. Também sei das
coisas por estar vivendo. Quem vive sabe, mesmo sem saber que
sabe. Assim é que os senhores sabem mais do que imaginam e
estão fingindo de sonsos.
(A hora da estrela, op. cit., p. 12.)
Leia assim: palavra por palavra, e aí já existe uma aula inteira. Bela e
resplandecente.
a) Primeiro um rosto que ela viu "no ar de relance" numa rua do Rio de
Janeiro. E com um "sentimento de perdição". Tem gente assim na casa da
gente, na rua, na calçada, no trabalho. Gente é assim. E personagem é assim.
b) E por que não estamos escrevendo? Pelo velho hábito de pensar que não
sabemos. Sabe sim, senhor. Sabe sim, senhora. Olhe Rodrigo dizendo: "Assim
é que os senhores sabem mais do que imaginam e estão se fingindo de
sonsos".
Sabe que tem mais, sabe que tem muito mais. Essa Clarice era bruxa
mesmo. Professora de feitiçaria. Ela explica direitinho como criava as
personagens, através da reflexão de outra personagem:
Posteriormente, de pesquisa em pesquisa, ela soube que
Glória tinha mãe, pai e comida quente na hora certa. Isso tomava-a
material de primeira qualidade. Olímpico caiu em êxtase quando
soube que o pai dela trabalhava num açougue.
(A hora da estrela, op. cit.. p. 72.)
Entendeu? Entendeu bem? Mais uma aula. Primeiro, de pesquisa em
pesquisa. Quem pesquisa é a autora, não é a personagem, não. Mas por
estratégia narrativa passa a informação a Macabéa, e em seguida a Olímpico,
para que tudo dê a impressão de que é apenas narrativa.
Vá nessa.
1- De pesquisa em pesquisa a autora cria e estrutura sua personagem.
2- E, por isso mesmo, descobre que é "material de primeira qualidade".
Legal, não?
Daí você também pesquisa, e de pesquisa em pesquisa, percebeu que seu
personagem é de primeira qualidade. E faz exercícios. O exercício é
fundamental para quem quer ser escritor. E não se preocupe com as críticas ou
com autocensuras do tipo "isso é ridículo", "não pode ser feito", "ninguém vai
acreditar em mim".
Se quiser tenha também um diário. Um diário de escritor, é claro. Ali você
pode, entre outras coisas, anotar piadas que ouve no serviço, nas ruas, nos bares.
Faça isso, e depois dê uma organização no geral, colocando um personagem
único. Você verá que terá logo um conto. Ou, quem sabe, uma novela. Escritor
não conta piada, escritor escreve piada.
3. Comentários e aprofundamentos
4. Materializar a personagem
Exercício
Procure materializar a personagem através dos exercícios de perfil. Um
perfil físico, outro psicológico, e mais outro físico-psicológico. Não precisa
fazer uma narrativa, mas apenas os perfis. Escolha mesmo aquela moça que a
gente viu na praça. Não serve? Veja o rosto de Macabéa. Tem o livro e tem o
filme. Também não serve? Então escolha o seu personagem. Uma pessoa da
família, um vizinho, um amigo.
Por enquanto, é só.