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Marcio Markendorf
filósofo Noël Carrol (1999), pois o sentimento de medo e de perplexidade instaurado pelo
horror independe de uma criatura intersticial, capaz de simbolicamente expressar sensações
de perigo e de impureza. No terror urbano, por exemplo, a simples ideia de um assassino
serial disposto a fazer novas vítimas pode ser muito amedrontadora. Por outro lado,
analisar a correlação entre monstro e espacialidade permite uma postura mais complexa
acerca das funções de ocultação, encarceramento e deriva labiríntica nas ambiências do
horror.
Dentre as funções pragmáticas inerentes a muros e outras edificações pode-se citar
a proteção objetiva contra as agressões externas, tal funcionalidade de abrigo contra
objetos fóbicos estimula o subjetivo sentimento de segurança. Entretanto, na contramão
desse fundamento objetivo-subjetivo, o espaço arquitetônico no horror gótico não
proporciona refúgio, pois sua configuração espacial retém as vítimas na esfera do perigo e
sob o poder aprisionador do monstro, além de libertar forças infernais e reprimidas de
lugares ocultos. A edificação em vez de limitar o acesso de agentes agressores, torna a
movimentação monstruosa acessível não apenas do exterior para o interior, mas também
do interior para o exterior.
O espaço arquitetônico, sob tal perspectiva, cumpre a função pragmática de
circunscrição da esfera de influência do monstro, de modo que a área e o perímetro do
cenário definem o território de dominação da criatura. Com base nesse contexto, cabe
observar que o princípio de ação do monstro assenta-se em um caráter tirânico e egótico –
tudo deve sujeitar-se às suas vontades e os seres lhe pertencem como objetos. O vínculo do
monstro a uma propriedade e a determinação de seu pertencimento a um território limitado,
portanto, são os fatores que impedem a atomização de sua força opressora e desejante. Essa
é claramente a funcionalidade da unidade de lugar. Se na novela de detetive a unidade de
espaço é fundamental para a limitação do número de culpados, o mesmo procedimento
técnico no horror colabora para a limitação e a singularização das vítimas. Mrs. Voorhees e
Jason Voorhees estão para Camp Crystal Lake do mesmo modo que Freddy Krueger está
para a Elm Street, Michael Myers para a vizinhança de Haddonfield.
Ao evocar os monstros do audiovisual, mais um termo de delimitação do locus
horrendus deve ser definido para a circunscrição do espectro de análise. A reflexão sobre a
espacialidade da narrativa, marcada pela atmosfera inquietante do relato noturno e pela
potência destrutiva de um monstro, pretende compreender a ressignificação do espaço
gótico no cinema de horror. Não poderia ser de outro modo uma vez que, constituindo uma
vertente romântica da ficção, a literatura gótica produziu um forte impacto na fantasia de
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atenção na narrativa: o tétrico moinho de açúcar movimentado por força de trabalho zumbi
e o covil do feiticeiro vodu Murder Legendre. Este segundo, por estar situado à beira de
um precipício, mantém correlação direta com a dimensão do infinito e o sublime colossal
do romantismo gótico; o interior da morada remete às características verticais, aos vitrais,
aos arcos ogivais do estilo gótico. Ademais, Legendre é representado como uma espécie de
soberano déspota por comandar uma horda de zumbis e exercer terror nas cercanias de sua
propriedade, transformando todos seus desafetos em mortos-vivos.
Já a narrativa audiovisual O gato preto (The black cat, Edgar G. Ulmer, 1934),
creditada como história livremente inspirada no conto homônimo de Edgar Allan Poe, tem
o mérito de enunciar o evento que se tornará lugar-comum no cinema de horror: em uma
noite escura e tempestuosa, os ocupantes de um veículo quebrado só conseguem abrigo na
singular residência das cercanias da estrada desolada. O edifício em questão é uma
moderna mansão húngara, propriedade do satanista Hjalmar Poelzig, localizada no topo de
um morro, contraditoriamente não oferecendo pavimentação condizente de acesso e
apresentando, à entrada, um cemitério de toscas cruzes de madeira. Complementando as
informações tétricas, sabe-se que a mansão fora construída no mesmo lugar onde havia as
ruínas do forte Marmorus, um sangrento cenário de guerra nos Cárpatos que, segundo a
fábula, tornou-se notório por ser “o maior cemitério do mundo". A casa construída sobre
um antigo cemitério, aliás, se tornará outro dos lugares-comuns do cinema de horror.
O que os três exemplos citados possuem em comum são projetos arquitetônicos
cujas características estruturais têm ressonância das edificações góticas, não apenas em
vista do design das construções, mas também em razão da topografia do terreno em que
estas se encontram. Embora a questão do espaço interior como elemento desorientador seja
incipiente ou nula, a localidade espacial – situada alhures e distante de outras ocupações –
e o caráter tirânico/monstruoso dos seus proprietários são os traços mais enfatizados pela
narrativa cinematográfica. Cabe observar que, com o desenvolvimento das sociedades e do
próprio cinema, há o deslocamento do medo para espaços cada vez mais urbanizados e
cujos contratos de verossimilhança com o público sugerem relações mais acentuadas com o
presente do que com o passado – estratégia minimamente explorada no filme de Edgar G.
Ulmer. Ao longo do tempo, com as mutações na dimensão espacial do horror, o objeto
fóbico do horror – o monstro – passará a ser situado em uma localidade mais realista ao
redesenhar a prototípica cartografia castelo-aldeia do imaginário gótico. Curioso, nesse
sentido, é perceber em um drama como Cidadão Kane (Citizen Kane, Orson Welles,
1941), a aplicação nos primeiros minutos do filme de uma atmosfera soturna no entorno de
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Francis Ford Coppola, 1992) cujo castelo ergue-se a beira de um precipício e a propriedade
e seu senhor são dominantes em relação ao vilarejo próximo.
De todo modo, ainda que o cenário tipicamente gótico não persista no ciclo de
desenvolvimento do horror, muito em função dos novos contratos de verossimilhança
estabelecidos com o espectador, cabe destacar que a espacialidade continua a exercer
função central na construção do gênero. E, como será demonstrado, há uma apropriação
metonímica – e até metafórica – da espacialidade gótica nos cenários do horror moderno e
contemporâneo.
Tome-se como exemplo os dois principais cenários de Psicose (Psycho, Alfred
Hitchcock 1960), cujos espaços contemplam o drama dos corredores, perfazendo um jogo
de comunicação horizontal entre os personagens, e o drama das escadarias e pavimentos,
por meio do qual se fundamenta o suspense nas relações verticais entre um motor hotel
decadente e a velha casa pertencente a Norman Bates. Em uma visão panorâmica do
ambiente pode-se perceber que a localização topográfica do dominante sobrado atrás do
Bates Motel guarda semelhanças com o perfil do terreno no qual se assenta o castelo
gótico. Cabe ressaltar, ainda, outras aproximações com o tom gótico, em razão das
mulheres em perigo, da libertação de forças criminosas motivadas pelo desejo sexual e a
repressão, do travestimento e da disposição esquizofrênica da personalidade. No que diz
respeito às edificações para fins de hospedagem, merece destaque o ficcional Overlook, o
hotel-personagem de O iluminado (The shining, Stanley Kubrick, 1980), adaptação
cinematográfica da obra homônima de Stephen King, porque lá se encontram longos,
labirínticos e claustrofóbicos corredores, dezenas de cômodos, expressões de excesso e de
exceção – a do elevador de sangue e a aparição das gêmeas assassinadas, por exemplo –,
além de áreas de lazer amplificadoras da sensação de aprisionamento e desorientação, a
exemplo do labirinto de arbusto, The Overlook Maze. O estabelecimento hoteleiro, de
acordo com a fábula, estaria situado nos altos das montanhas rochosas do Colorado, e para
os cenários externos Kubrick usou uma locação real, a fachada do Timberline Lodge.
No âmbito das habitações coletivas, multifamiliares ou escolares encontram-se as
obras que versam sobre abandonados – e alegadamente mal-assombrados – hospitais
psiquiátricos, presídios, hospitais, orfanatos, conventos, abadias, prédios de apartamentos,
internatos ou externatos. Nos referidos espaços, a narrativa privilegia uma forma coral da
expressividade do mal, pois há uma multivocalidade de fantasmas e, consequentemente,
uma plurimanifestação de fenômenos anômalos, dissonâncias provocadas por algo que
poderia ser chamado de violenta memória traumática das paredes. Por meio desse
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conceito, os limites de uma propriedade poderiam ser definidos ao modo de uma zona
obscura do subconsciente fantasmagórico: as mortes violentas ou os traumas sofridos pelos
antigos moradores permanecem repetindo-se e projetam-se sobre novos moradores ou
simples visitantes como uma descarga emocional vingativa e, por isso mesmo,
potencialmente destruidora.
O orfanato (El orfanato, J.A. Bayona, 2007), por exemplo, com roteiro original de
Sergio G. Sánchez, aposta em uma história articulada entre o passado de uma propriedade,
um orfanato, e o presente de uma ex-residente que retornou ao lugar para reabrir o edifício
e exercer no edifício uma função social semelhante. Contudo, na edificação como um todo
há uma dimensão cíclica de remorso, de inquietação, de perseguição perversa da inocência
indefesa, de punição mortal – algo representado por seis fantasmas de crianças. Por essas
razões, além da importância do espaço descendente de um porão, lugar onde viveu um
interno, isolado dos demais por ter má formação congênita, há um fulcral espaço contíguo:
uma caverna na praia próxima ao antigo orfanato, onde o mesmo garoto, atraído para uma
brincadeira irresponsável, encontrará a morte.
Na leva dos hospitais psiquiátricos cujas paredes reverberam os traumas dos
pacientes vitimados por tratamentos desumanos está Fenômenos paranormais (Grave
encounters, Vicious Brothers, 2011). A fábula do audiovisual segue uma equipe de TV
responsável por um programa de ghost hunting reality show na tentativa de registrar
alguma atividade paranormal em um espaço considerado assombrado, o Hospital
Psiquiátrico Collingwood, dimensionado como uma construção de 06 prédios em 80 acres
de terreno. Construída no estilo mockumentary, portanto um found footage, versão
contemporânea do procedimento narrativo do tipo ‘manuscrito encontrado’ das histórias
góticas, a narrativa audiovisual demonstra como o grupo de paranormais charlatães irá se
deparar com eventos fantasmagóricos reais, emanados do passado de um hospital que
havia recebido mais de 80 mil internos durante o período de funcionamento. Alas
arruinadas, quartos tétricos, mobiliário revirado e imundo, longos e desorientadores
corredores conferem a atmosfera de horror ao cenário, com destaque para uma alteração
fantástica da disposição interna das alas que transformam o espaço em um labirinto ou um
circuito fechado inescapável.
No filme Corrente do mal (It follows, David Robert Mitchell, 2014) uma revisão da
narrativa trivial do horror é proposta tendo como ponto de foco adolescentes moradores de
um bairro de classe média norte-americano, nos arredores da “cidade-fantasma” de Detroit.
Ainda que se trate de uma ficção contemporânea ao espectador, o imaginário em torno da
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filme, não se encontrava tão isolada de outras casas, a ponto de sequer notarmos algum
vizinho próximo – a edificação originalmente pertencia a uma região residencial do
subúrbio de Long Island, Nova Iorque. O isolamento, pois, claramente constitui uma opção
estética para reforçar a atmosfera de medo em torno da residência. Em segundo lugar,
opera-se uma licença dramática acerca da história pregressa do terreno, contexto que
justificariam as atividades paranormais: a casa estava assentada em um antigo cemitério
indígena e, naquele mesmo sítio, um bruxo de Salem havia praticado adoração demoníaca.
Em terceiro lugar, a direção de arte confere à mansão um aspecto personificado, como se
as janelas fossem dois olhos vazios de uma bocarra demoníaca. Tal característica
personalizada da casa faz eco com a descrição antropomorfizada do solar em A Queda do
Solar de Usher, conto de Edgar Allan Poe, de 1839.
Combine, então, uma mansão necessitada de reformas, afastada de outros vizinhos,
um antigo cemitério indígena, rituais de adoração demoníaca e a personificação do imóvel
(a ideia de casa-viva) com um sêxtuplo assassinato real: Ronald DeFeo, em 1974,
aproximadamente um ano antes das ações que tomam lugar no filme, havia assassinado a
tiros a própria família naquele mesmo endereço. A pretensa casa dos sonhos, comprada
abaixo do preço de mercado, logo comprovará o saber popular de quanto o barato sai caro.
Além dessa conjuntura, a mansão de Amityville explora outra faceta de uma
vertente temática comum do horror, aquela que diz respeito à memória das paredes. Não se
trata aqui, contudo, de uma memória traumática – fantasmas que exigem dos moradores a
reparação sacrificial de um dano anterior. O filme de Rosenberg explora um tipo de
memória de repetição, visto que os moradores quase operam uma espécie de psicodrama
sobrenatural, dramatizando/repetindo eventos traumáticos pregressos. Não é à toa,
portanto, que George Lutz sofra de insônia pontual: às 03h15, horário do morticínio da
família de DeFeo, esteja acordado e, no decorrer dos dias, suas feições tornem-se muito
próximas das do assassino em série. Instâncias estas que demonstram como a casa-viva
procura repetir as memórias como uma compulsão.
Mas não são apenas as casas carentes de reparos a figurar como vilãs no cenário do
horror. Na contramão dessa perspectiva, há o novíssimo sobrado do condomínio
residencial Cuesta Verde, de propriedade da família Freeling, assediado por forças
sobrenaturais e pela alucinação da natureza em Poltergeist – o fenômeno (Poltergeist, Tobe
Hooper, 1982). Os fantasmas que importunam a casa vivem um “sonho perpétuo” de que
continuam vivos, pois ignoram que já estão mortos e querem se apropriar da força de vida
dos vivos, especialmente de uma criança considerada iluminada, Carol Anne. O vínculo
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entre fantasmas e crianças, iluminadas ou não, é um tema, aliás, muito comum nesse
gênero narrativo, algo presente em O Iluminado, Horror em Amityville e em muitas outras
ficções.
Amityville e Cuesta Verde também exploram o jogo entre o conhecimento e o
desconhecimento da história arquitetônica e/ou topográfica das habitações. Por um lado, a
família Lutz conhece a história que determina o baixo custo da propriedade, assume o risco
de mudar-se para uma “nova vida” (entre aspas, por assumir um caráter ambíguo, bom e
mau ao mesmo tempo) e, por conta do vórtice de eventos que a capturou, demonstra que
um passado condenado não deve ser perturbado. Por outro lado, inocentes quanto à
natureza da propriedade em que vivem, os Freeling igualmente são prejudicados por forças
ocultas libertadas: tendo o Cuesta Verde sido construído sobre um antigo cemitério local, a
residência onde moram apresentará uma árvore seca com traços antropomórficos –
temporariamente viva e devoradora –, cadáveres flutuando na piscina em construção,
caixões emergindo em diversos lugares da casa e espíritos saindo de portais no interior da
residência. Em termos narrativos, o conhecimento e o desconhecimento podem acentuar o
suspense (o que virá em seguida?) ou o mistério (qual a razão disso tudo?), o que pode
levar a efeitos atmosféricos completamente diferentes. Em termos específicos da
espacialidade, evidenciam que os lugares possuem memória e, talvez por isso, assumam-se
como um sistema fechado, independente.
Quanto a isso é fato observável que nas histórias de casas mal-assombradas, ao
contrário do que se poderia esperar, raramente há contaminação com as propriedades da
vizinhança, como provam Horror em Amityville e Poltergeist – nenhuma das outras
residências do Cuesta Verde parece ter registrado fenômenos semelhantes mesmo que boa
parte da região tivesse pertencido ao antigo cemitério. A história, portanto, trabalha sobre a
unidade de espaço, algo não apenas no âmbito do recorte narrativo, mas também da
delimitação do campo de poder do monstro. No filme de Tobe Hooper, o Mal não chega
até o passeio nem aos vizinhos próximos, ficando circunscrito ao perímetro do terreno. Na
história de Stuart Rosenberg, embora pareça ser um dispositivo pouco usual, os efeitos
sobrenaturais até chegam ao padre Delaney em sua própria paróquia, mas este teria sido
contaminado por contato ao visitar a família Lutz.
Nas duas narrativas anteriores, fica evidente que o cinema de horror costuma
explorar a persistência ou ressonância do culto às forças demoníacas, da necromancia, de
rituais pagãos em uma sociedade racional. É tema, na verdade, resultado de uma dicotomia
simples do moderno e do antigo, do racional e do irracional, do cristão e do pagão. No
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propriedade. Para o cenário da ficção de Watkins, foi empregada como locação externa
Cotterstock Hall, uma imponente casa senhorial, assentada em Northamptonshire,
Inglaterra, e datada de 1658.
O tema dos fantasmas presos ao passado de seus atos e o cenário incomunicável
aparece de modo muito produtivo também no filme Os outros (The others, Alejandro
Amenábar, 2001), peça audiovisual cuja novidade repousa no ponto de vista da trama – o
dos mortos, ignorantes de sua condição, que imaginam estarem sendo assombrados por
fantasmas (no caso, os vivos). Grace Stewart assassinara os dois filhos e cometera suicídio
em resposta ao não retorno do marido da guerra. Segundo a fábula, os três viveriam
isolados em uma imensa e nevoenta mansão vitoriana, situada em Jersey, uma das Channel
Islands, pertencentes ao Reino Unido. A locação do filme, no entanto, é o Palácio de Los
Hornillos, construção arquitetônica em estilo neogótico situada na província de Cantabria,
na Espanha.
No âmbito das cidades assoladas pelo Mal, histórias nas quais há um
superdimensionamento do espaço do horror não pertencentes ao escopo deste ensaio,
merecem destaque a pequena cidade de Tarker's Mill, molestada por um o lobisomem
inominado em Bala de prata (Silver bullet, Daniel Attias, 1985); a cidade fictícia de
Gatlin, dominada pela perversa seita das crianças do milho em Colheita maldita (Children
of corn, Fritz Kiersch, 1984); a nevoenta cidade de Silent Hill no Terror em Silent Hill
(Silent Hill, Christophe Gans, 2006), marcada por um terrível destino coletivo; e Raccoon
City, palco de um incidente biológico cujo vírus transforma as pessoas em zumbis no
horror científico de Resident evil – o hóspede maldito (Resident evil, Paul W. S. Anderson,
2002).
E, por fim, operando no sentido oposto da dilatada extensão espacial da cidade ou
do grande sobrado, estão as cabanas ou casas situadas fora dos limites da cidade, com uma
dimensão arquitetônica compacta e uma espacialidade gótica espraiada sobre a Natureza,
tais como podem ser percebidos em histórias como as de Uma noite alucinante - a morte
do demônio (Sam Raimi, 1981) e O segredo da cabana (The cabin in the woods, Drew
Goddard, 2012). A cabana na floresta, consagrada pelo uso especialmente em filmes com
adolescentes em busca de diversão e sexo, representa uma espécie de dissociação das
forças de controle presentes na cidade, incluindo o domínio da racionalidade, por isso
acabam por explorar o enlace entre crime, sobrenatural e loucura dos personagens. No
filme de Sam Raimi, por exemplo, cinco jovens encontram em uma cabana nos bosques do
Tennessee, lugar onde pretendiam passar o final de semana, o Necromicon Ex Mortis –
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livro dos mortos encadernado em pele humana e escrito com sangue – e um gravador com
notas do antigo morador, um arqueólogo que traduziu passagens do referido livro. Assim,
partindo do princípio de que dizer é invocar, tão logo a fita é escutada, espíritos malignos
que habitam o bosque acordam de seu torpor para perseguir os jovens.
A cabana, em termos funcionais, é um espaço em constante ameaça contra a
inóspita, violenta e potencialmente destruidora forças externas da Natureza combinadas
com a agência sobrenatural presente no interior da construção. Apesar do espaço reduzido
da área construída de uma cabana é o entorno, o ambiente natural, que assume um aspecto
aprisionador e desorientador; a cabana é, nesse sentido, apenas o centro do assédio, o
coração do Mal. Esse horror espacial em torno da construção deslocada e abandonada é
exemplarmente retomado em A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, Daniel Myrick,
Eduardo Sánchez, 1999), narrativa found footage que versa sobre três estudantes de cinema
que se perdem em uma floresta nas proximidades de Burkittsville, Maryland, durante a
filmagem de um documentário sobre a personagem-título. O filme utiliza como locação
final um lugar conhecido como Griggs House, situado na cidade de Granite, Maryland, um
sobrado arruinado que teria sido construído por volta da metade do século XIX e onde a
narrativa se encerra de modo misterioso.
Com base nos exemplos mencionados ao longo do texto, o percurso argumentativo
e ilustrativo deste ensaio pretendeu demonstrar os processos de manutenção da
espacialidade gótica no imaginário do horror moderno, razão para que se conclua ser
inarredável dos estudos de gênero cinematográfico a questão do design arquitetônico do
horror. Embora tenha se desmembrado da estética gótica e seguido como um componente
necessário a qualquer história de horror, não se pode negar a influência do imaginário
gótico na espacialidade do gênero em questão. Pode-se mesmo afirmar, sem incorrer no
erro, que o cinema de horror é, antes de tudo, um drama de arquitetura, um drama de
espaço. O protagonismo do cenário corre em paralelo com a movimentação do monstro e,
por vezes, como se observou, o cenário em si é um protagonista. O tema mereceria uma
pesquisa mais aprofundada, cujo resultado desejável seria a delimitação conceitual da
natureza do espaço gótico e a reunião em um documento analítico da amostragem
arquitetônica e espacial dos filmes de horror produzidos desde as primeiras obras do
gênero, com o intuito de criar um repertório de códigos teóricos e estéticos de grande
interesse para roteiristas, diretores de arte e pesquisadores interessados nos componentes
ordenadores da espacialidade do horror cinematográfico.
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Referências
_____. Notas sobre a escritura de contos fantásticos. In: BRAGA, Guilherme da Silva
(org.). O chamado de Cthulhu e outros contos. Trad. Guilherme da Silva Braga. São Paulo:
Hedra, 2011a, p. 153-158.
_____. Notas sobre ficção interplanetária. In: BRAGA, Guilherme da Silva (org.). A cor
que caiu do céu. Trad. Guilherme da Silva Braga. São Paulo: Hedra, 2011b, p. 87-96.