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Nesta obra, Foucault se propõe a estudar os saberes sobre a
loucura, para estabelecer o momento exato e as condições de
possibilidade do nascimento da Psiquiatria.
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Recuperar um processo em que a loucura, que até
então era livre e audível, passa, no início do
Renascimento (século XV), a ser emudecida pela era
clássica (séculos XVI e XVII).
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Com este livro, Foucault atinge diretamente a Psiquiatria, que ele chamou de
“monólogo da razão sobre a loucura”. Para Foucault, o discurso da
Psiquiatria veio não suprimir, mas ocultar a loucura.
Ontologia: parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, isto é, do ser
concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada
um dos seres.
Por isso, História da Loucura não é uma obra de história, e sim de filosofia.
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A EXPERIÊNCIA TRÁGICA (OU CÓSMICA) DA
LOUCURA.
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É difícil saber o sentido exato dessas naus.
Pode ser ainda que esses lugares tenham sido confundidos com lugares
onde os insanos eram levados a título de cura, com a exclusão no espaço
sagrado do milagre.
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Mas, essa circulação e o gesto que os escorraça não tem todo seu
sentido ao nível da utilidade social ou da segurança dos
cidadãos e sim se inscreve nos exílios rituais.
A água leva embora, mas faz mais do que isso – ela purifica.
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CONSCIÊNCIA CRÍTICA DA LOUCURA
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Tudo o que havia de manifestação cósmica obscura na
loucura, tal como Bosch a via, desapareceu em Erasmo. A
loucura não está mais à espreita do homem pelos quatro
cantos do mundo, ela se insinua nele, ela é um sutil
relacionamento que o homem mantém consigo mesmo.
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Experiência trágica: Consciência crítica:
De um lado, temos então, os pintores, como Bosch, e Do outro lado, com Brant, Erasmo e toda a tradição
todo o silêncio das imagens. É no espaço da pura visão humanista, a loucura é considerada no universo do
que a loucura desenvolve seus poderes. A loucura tem discurso. Ela pode ter a última palavra, mas não é nunca a
uma força primitiva de revelação: revelação de que o última palavra da verdade e do mundo. O discurso com o
onírico é real, de que a delgada superfície da ilusão se qual se justifica resulta apenas de uma consciência crítica
abre sobre uma profundeza irrecusável, e que o brilho do homem. Enquanto Bosch, Brueghel e Durer eram
instantâneo da imagem deixa o mundo às voltas com espectadores terrivelmente terrestres, e implicados nessa
figuras inquietantes que se eternizam em suas noites e, loucura que viam brotar à sua volta, Erasmo observa-a a
revelação inversa, mas igualmente dolorosa, de que uma distância suficiente para estar fora do perigo,
toda a realidade do mundo será absorvida um dia na observa-a do alto de seu Olimpo.
imagem fantástica, no delírio da destruição pura.
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A experiência trágica e cósmica da loucura viu-se mascarada pelos
É por isso que a experiência moderna da loucura não pode ser considerada
como figura total, que finalmente chegaria, por esse caminho, à sua verdade
positiva, é uma figura fragmentária que, de modo abusivo se apresenta
como exaustiva. Sob a consciência crítica, uma abafada experiência trágica
não deixou de ficar em vigília.
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A experiência da loucura, que se estende do século XVI até hoje, deve sua
figura particular e a origem de seu sentido a essa ausência e a tudo o que a
ocupa.
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Foucault postula a necessidade de uma revisão radical da maneira
como a Psiquiatria e a Psicopatologia haviam pensado a loucura até
então:
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Mas como se constituíram, no século XVI, os privilégios da reflexão
crítica? O que se passou para que as imagens trágicas se dissipassem na
sombra?
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Segundo Foucault, a problemática da loucura, tal como era colocada por Montaigne na Idade Média, vê-se
modificada com Descartes:
“A Não-Razão do século XVI constituía sempre uma espécie de ameaça aberta cujos perigos podiam sempre,
pelo menos de direito, comprometer as relações da subjetividade e da verdade. O percurso da dúvida cartesiana
parece testemunhar que no século XVII esse perigo está conjurado e que a loucura foi colocada fora do
domínio no qual o sujeito detém seus direitos à verdade: domínio que, para o pensamento clássico é a própria
razão. Doravante, a loucura será exilada. Se o homem pode sempre ser louco, o pensamento, como exercício de
soberania de um sujeito que se atribui o dever de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato. Traça-se uma
linha divisória que logo tornará impossível a experiência, tão familiar à Renascença, de uma Razão irrazoável,
de um razoável Desatino”. (Foucault, 1989, p.47-48).
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Podemos compreender melhor essa passagem recorrendo à
obra de Pelbart, “Da clausura do fora ao fora da clausura”
(1989):
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“Trata-se da hipótese de que o surgimento da própria loucura enquanto fato social, objeto de exclusão, de
internamento e de intervenção, já seria o encobrimento e o desvanecimento de uma alteridade todavia mais
extrema e irredutível – a Desrazão. A Desrazão, entenda-se, não era esse Exterior confinado a um personagem
social recluso, como foi a loucura a partir da Idade Clássica, mas simplesmente o Exterior, isto é, o exterior do
homem, e isto sob as mais diversas formas que a história lhe emprestou, seja como Caos no Mundo, Aventura
da Linguagem, Estranheza da Natureza, Transcendência do Divino, Fúria da Morte, Sagrado dos Elementos,
Bestialidade do Humano, estas são algumas das diferentes maneiras através das quais o homem se relacionou,
ao longo da história, com aquilo que não era ele, num vaivém que hoje nos parece quase impensável. É que a
modernidade, tornando tudo familiar, aprendeu a domesticar o estranho, seja sob a tutela clínica, da dominação
técnica ou da oposição antitética”. (Pelbart, 1993, p. 94-95).
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Nasce a experiência clássica da loucura. Não existe mais a
barca, mas o hospital. No lugar da Nau dos Loucos, surgem as
casas de internamento. Além da experiência filosófica e dos
desenvolvimentos do saber, outros signos traem a existência da
passagem da experiência trágica para a crítica.
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A partir de Pinel, sabe-se que é lá que os loucos foram colocados
durante um século e meio. É entre os muros do internamento que
Pinel e a Psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos, e é lá
que os deixarão, não sem antes se vangloriarem por terem-nos
libertado.
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Casas de internamento: uma data de referência importante
é a do decreto da Fundação, em Paris, do Hospital Geral,
em 1656.
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Idade Média – inventou os leprosários.
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Trata-se de uma nova reação à miséria.
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Mas trata-se ainda de uma resposta à crise econômica:
A prática da internação vai se constituir como uma das respostas dadas pelo século XVII a uma crise econômica que
afeta o mundo ocidental em sua totalidade. As profundas alterações sócio-econômicas que ocorrem na Europa neste
período - a ascensão da burguesia mercantilista e o declínio da sociedade feudal e o conseqüente abandono do campo
pelas populações rurais que buscam as cidades atraídas pelas manufaturas – engendram fenômenos que comprometem
a circulação e a segurança das mercadorias.
Além disso, há desemprego, diminuição de salário, escassez de moeda. O internamento vai desempenhar então, do
ponto de vista socioeconômico, uma dupla função: nos períodos de crise prendendo os desprovidos de trabalho, e, fora
desses períodos, dando trabalho aos que haviam sido presos, fazendo-os servir, com isso, à prosperidade de todos. A
alternativa é clara: mão de obra barata nos tempos de pleno emprego e altos salários; e, em períodos de desemprego,
reabsorção dos ociosos e proteção social contra a agitação e as revoltas.
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Trabalho e ociosidade traçaram, no mundo clássico uma linha de partilha
que substituiu a grande exclusão da lepra.
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Se o louco antes aparecia de modo familiar na paisagem da Idade Média, agora ele vai
se destacar sobre um fundo formado por um problema de “polícia”, referente à ordem
dos indivíduos na cidade. Outrora ele era acolhido porque vinha de outro lugar, agora ele
é excluído porque vem daqui mesmo, e porque seu lugar é entre os pobres, os miseráveis
e os vagabundos.
Essa comunidade adquire um poder ético de divisão que lhe permite rejeitar, como num
outro mundo, todas as formas da inutilidade social. É nesse outro mundo que a loucura
vai adquirir o estatuto que lhe reconhecemos.
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A internação é uma criação institucional própria ao século
XVII. Como medida econômica e precaução social ela tem
valor de invenção. Mas na história da loucura, ela designa
um evento decisivo: o momento em que a loucura é
percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade
para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo,
o momento em que começa a inserir-se nos problemas da
cidade.
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As diferenças nessa população que se confinou nas casas de
internamento agora, são claras para todos, e essa mistura hoje pode nos
parecer um tanto quanto confusa.
Não é, portanto, o nosso saber que temos que interrogar e sim essa
experiência, a respeito do que ela sabe sobre si mesma, pois o
internamento não significou apenas um ato negativo de exclusão, mas
também um papel positivo de organização.
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O livro sofreu crítica virulenta e ambivalente de psiquiatras, psicólogos e historiadores da psicopatologia.
Foi lançado num momento em que a comunidade dos historiadores da psiquiatria havia deixado de lado o mito da libertação dos loucos
por Pinel, e começava a estudar a história das ferramentas conceituais utilizadas na Psiquiatria em suas diferentes construções nosológicas.
Nessa perspectiva, a loucura, “natural” ao homem, fora arrancada do olhar lançado sobre ela pelo pensamento mágico, para se tornar o
objeto de uma ciência. Foucault denunciava todos os ideais sobre os quais repousava seu saber e destroçava a prolongada permanência do
humanismo pineliano, declarando guerra a todas as formas de reformismo institucional.
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A defesa do saber psiquiátrico tornava-se ainda mais difícil porque as teses de Foucault se
aproximavam das do movimento antipsiquiátrico. A crítica à noção de doença mental e a
contestação de uma psiquiatria considerada patogênica havia começado em 1959,
percorrendo caminhos totalmente diferentes dos seguidos pelo autor de História da Loucura.
Na Inglaterra, na Califórnia e na Itália, a contestação da psiquiatria surgira nos domínios do
asilo e na prática, e ocupava o lugar que, na França, cabia à psicoterapia institucional e à
renovação lacaniana.
Mas este já é um outro tema, que fica para uma outra aula...
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FOUCAULT, M. História da Loucura na idade clássica. 2. ed. São
Paulo: Perspectiva, 1989.
___________Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1975.
MACHADO, R. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, M.
Microfísica do poder. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
PELBART, P.P. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e
desrazão. São Paulo: Brasiliense, 1989.
ROUDINESCO, E. et. Al. Foucault: leituras da história da loucura.
Rio de Janeiro: Relume-Durmará, 1994.
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