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SAÚDE MENTAL

HISTÓRIA DA LOUCURA – MICHEL FOUCAULT


MICHEL FOUCAULT –1026 -
1984

• Filósofo francês que desenvolveu sua teoria estabelecendo a


relação entre saber e poder.
• Tinha uma vivência difícil com seu pai, que o internou num
manicômio aos 22 anos, sob o argumento de que era louco.
• Talvez daí, seu interesse pela loucura (entre outros vários
temas)

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HISTÓRIA DA
LOUCURA

• Escrito em 1961 e reeditado em


1972, apresenta um estudo, sob
a perspectiva arqueológica, das
ideias, práticas, instituições, arte
e literatura concernentes ao tema
da loucura na história ocidental.

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PRIMEIRA PARTE
• Inicialmente, Foucault começa por se interrogar o que seria a loucura.
• Considerando que ela sempre existiu, na Idade Antiga, aqueles que apresentavam comportamentos
diferentes gozavam de certo status, como se tivessem acesso a um outro mundo e dele trouxessem
informações importantes. Eram respeitados ou temidos.
• Foucault começa sua pesquisa a partir da Baixa Idade Média (sec. XIII ao sec. XV) - feudalismo,
escolástica, idade das trevas.
• A partir do sec. XIV inicia-se um movimento chamado Renascença, que busca minimizar as influências
dogmáticas da Igreja, retomando ideias da Idade Antiga, que progressivamente valorizariam a razão e a
ciência.
• Durante a Renascença verifica-se a transição do Feudalismo para o Mercantilismo e, posteriormente,
para o Capitalismo, já na Idade Moderna.
• Foucault inicia a história da loucura fazendo referência ao esvaziamento dos leprosários (sec. XV/XVI).
• Essas grandes estruturas de exclusão social passaram então a ser ocupadas por várias categorias de
excluídos, como: os portadores de doença venérea, as prostitutas, os órfãos, os delinquentes, os
vadios...
• Nesse período, porém, a loucura ainda era naturalizada. Os loucos vivam ainda no meio da população.
• Na medida em que o Renascimento ia se desenvolvendo e a razão ia ganhando proeminência, os loucos
começam a incomodar.
Nau dos loucos (XV/XVI)

pintura de Hieronymus Bosch

antiga alegoria muito usada na cultura ocidental


em literatura e pinturas. Imbuída de um senso
de autocrítica, ela descreve o mundo e seus habitantes
humanos como uma nau cujos passageiros perturbados
nem sabem nem se importam para onde estão indo.
• “A água e a navegação tem esse papel: fechado no navio de onde não se escapa, o louco é entregue ao
rio de mil braços, ao mar de mil caminhos a essa grande incerteza exterior a tudo.” (p. 12)
• Sec. XVI De Lancre vê no mar a origem da vocação demoníaca.
• “Loucura como manifestação no homem de um elemento obscuro e aquático, sombria desordem, caos
movediço, germe e morte de todas as coisas, que se opõe à estabilidade luminosa e adulta do
espírito.”(p.13)
ELOGIO DA LOUCURA (1509)

• Escrito por Erasmo de Rotterdam – humanista cristão, crítico da


igreja católica.
• Apresenta a loucura como uma deusa única capaz de trazer
alegria aos homens, em oposição à razão, que entedia.
• “A loucura é um tênue relacionamento que o homem mantém
consigo mesmo".

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MORTE ...LOUCURA

• “até a segunda metade do sec. XV, ou mesmo um pouco depois, o tema da morte impera sozinho. O fim
do homem, o fim dos tempos assume o rosto das pestes e das guerras. O que domina a existência
humana é este fim e esta ordem à qual ninguém escapa. (...)Nos últimos anos do século esta grande
inquietude gira em torno de si mesma: o desatino da loucura substitui a morte e a seriedade que a
acompanha.” (p.15,16)
• A loucura passa a ser vista como uma face da existência, uma face desdenhada, cotidiana, dominada,
que produz um espetáculo da vida, disseminado nos vícios, defeitos e ridículos de cada um.
LOUCURA NA ARTE
E NA LITERATURA

• A arte, imagem e escrita, trata do


tema da loucura, apresentando-a
como um contínuo presente na
existência, cheio de poder e
fascínio.
• Grylle: imagens da loucura
humana
• A loucura fascina porque é vista
como um saber: um saber difícil,
fechado, esotérico.
• No domínio da expressão da
literatura e da filosofia, a
experiência da loucura, no sec. XV
assume o aspecto de uma sátira
moral.
Durante todo o sec. XV a loucura foi apresentada sob
dois aspectos ou contendo dois elementos: Trágico e
crítico.

LOUCURA :
ELEMENTO No elemento trágico, encontramos a experiência dos
rostos furiosos, dos fantasmas e da alquimia das
TRÁGICO representações de Bosch, Brueghel, Thierry Bouts e
Dürer. Aqui, a loucura tem uma força primitiva de
revelação.
ELEMENTO
CRÍTICO Na representação crítica mostra-se as mais sátiras
denúncias do erro humano, de sua gênesis brotada de
dentro do coração do homem, das experiências de Brant
e Erasmo. Aqui, a loucura é vista como a fraqueza
humana frente às regras. Para o sábio, ela se torna
objeto de riso.
A RENASCENÇA DO SEC. XVI / XVII

Aquela diferença apresentada pelos loucos


EM FINS DO SEC. XVI E INICIO DO SEC.
Com o desenvolvimento da renascença e da passa a ser tratada como algo bastante radical:
XVII, JÁ NA IDADE MODERNA, A
ciência, a razão começa a ser priorizada e o agora existem os sujeitos da razão, aqueles
REPRESENTAÇÃO DA LOUCURA –
cogito de Descartes tira o louco do lugar de "penso, logo existo" (descartes) que pensam e são produtivos; e aqueles que
AINDA ENTENDIDA COMO ALGO
sujeito e o coloca no lugar de não-sujeito são objeto do desatino, da desrazão e,
PECULIAR AO SER HUMANO-, COMEÇA
(objeto). portanto, não pensam e são incapazes de se
A SER MODIFICADA.
adequar à sociedade.
• O elemento trágico aos poucos vai perdendo força;
• A loucura torna-se uma forma relativa à razão, ambas entram
numa relação reversível que faz com que toda loucura tenha sua
razão que a julga e controla.
• A loucura torna-se uma das próprias formas da razão. Ela só tem
sentido e valor no próprio campo da razão.
• Com a passagem dos séculos XVI e XVII, a loucura aos poucos se encontra com uma nova figura de si: a
ilusão.
• “o amor decepcionado em seu excesso, sobretudo o amor enganado pela fatalidade da morte, não tem
outra saída a não ser a demência”. (p. 38)
• E será assim que, expresso pelos movimentos literários (sobretudo com Cervantes e Shakespeare), a
loucura toma seu lugar como delírio ou a paixão demasiada.
A GRANDE INTERNAÇÃO

• Em termos institucionais, no meado e fim do sec. XVII, ocorre na Europa o fenômeno social chamado de
A GRANDE INTERNAÇÃO.
• São recolhidos nos hospitais todas as figuras que representavam a exclusão: os portadores de doença
venérea, os pobres, os loucos, os vadios, os criminosos, os libertinos.
• Os excluídos começaram então a ser objeto de remédios correcionais.
A ideia que Foucault traz é que os excluídos, e dentre eles os da
desrazão, são produzidos pela estrutura social que estava se construindo
a partir do surgimento e fortalecimento da burguesia, do capitalismo.

Os excluídos eram aqueles improdutivos.

Nesse sentido, A loucura não é mais uma diferença de subjetividade,


ela passa a ser produzida como não-razão, portanto incapaz de estar
adequada àquela estrutura social que estava se formando.
OS HOSPÍCIOS DO FIM DO SEC.XVII E INÍCIO
DO SEC. XVIII (ERA CLÁSSICA)

• No fim do sec. XVII e início do sec. XVIII, os hospitais começam a sofrer uma certa organização. Há a
necessidade de se classificar e categorizar os excluídos.
• Houve também a necessidade de ampliar a mão-de-obra.
O MUNDO CORRECIONAL

• Os excluídos começam a ser vistos como erros da sociedade que precisavam ser corrigidos. Corrigidos a
partir de remédios correcionais.
• A instituição era vista como organização, como ordem social que apresenta uma ideologia reguladora.
• Órfãos e pobres válidos eram preparados para o trabalho;
• Criminosos e vadios, levados para os presídios;
• Loucos, doentes venéreos e libertinos (homossexuais) foram mantidos internados nos hospícios e
sanatórios.
• O internamento e os remédios correcionais, como forma de punição, traziam a ideia de que a coação
moral expurgaria do louco, doente venéreo e do libertino, o mal que os condenava ao estado de
alienação.
• Ateus e libertinos eram internados em hospícios a fim de que, através das punições e restrições morais,
se aproximassem das regras de fé e conduta aceitas pela sociedade.
• Os doentes venéreos eram tratados com sangrias, expurgos, banhos e confissões.
• "A libertinagem, no sec. Xviii, é o uso da razão alienada no desatino do coração". (p.101)
• Ler: p.83, 89, 92, 96, 101
• No final do sec.XVIII, então, vemos todo tipo de desvio moral ser considerado loucura e sofrer o
tratamento correcional, a título de punição e polícia.
• A medicina da época era absolutamente condicionada a uma intuição ética e religiosa. E ela começa a
tentar tratar da loucura sem entender muito bem como lidar com ela.
SEGUNDA PARTE
SEC. XIX – A MEDICINA COMO CIÊNCIA –
O LOUCO NO JARDIM DAS ESPÉCIES

• Na segunda parte do seu livro, Foucault começa a apresentar a atuação da medicina científica sobre a
loucura. Ele refaz o percurso, agora tomando com ênfase o fazer e o poder médico.
• A ideia de uma saber científico está fixada em bases metodológicas. Nesse sentido, se começa um
movimento de catalogação dos sintomas. E, a partir daí será possível pensar em tratamentos
específicos e instituições específicas para cada tipo de loucura.
• Catalogação – diagnóstico – estígma.
DOENÇA MENTAL – FIGURAS DA LOUCURA

• Será a partir desse processo de catalogação que a loucura vai ganhar o status de doença mental, para
agrupar aqueles indivíduos que apresentam comportamento que desviam da norma padrão, que
desviam da normalidade.
• A perspectiva de normalidade traz a ideia de adequação ao sistema, portanto, normal é aquele que é
produtivo, funcional.
• Doente mental é aquele que não é adequado, não é produtivo, não é funcional
• Figuras da loucura – categorias: demência, mania, melancolia, histeria, hipocondria.
• Pensar a loucura como doença mental traz como consequência o pressuposto de que ela deveria ser
tratada e curada.
• Os tratamentos tinham a finalidade de contenção e durante muitos anos foram verdadeiras sessões de
tortura contra os doentes mentais.
• Uso do ópio (e de outras técnicas terapêuticas da época) para conter os doentes – muito sucesso nos
resultados de contenção – médico como único detentor de um saber sobre a doença mental. O poder
médico.
TERCEIRA PARTE
O GRANDE MEDO

• As casas de Internamento começam a suscitar medo – contágio físico e moral;


• Atmosfera pútrida (ler p.353);
• Espaço físico reformulado – arejamento e deslocamento para a periferia (isolamento);
• A loucura começa a suscitar maior sensibilidade, como sendo uma imagem a se distinguir do mundo
do desatino.
• Não se trata de sensibilidade terapêutica. Havia o receio de que a loucura invadisse os espaços sociais a
partir dos avanços da civilização, que trariam um enfraquecimento da igreja, liberdade nas trocas
relacionais e maior exercício da imaginação.
A NOVA DIVISÃO

• Fatores econômicos e sociais contribuem para o desarranjo do mundo do internamento.


• No sec. XVII duas crises econômicas reforçaram a exclusão, mas numa terceira crise, em 1770, esta já
não era bem vista: a exclusão não resolveu o problema do desemprego e não agiu sobre os preços para
diminuí-los.
• Revisão da política de assistência sobre a pobreza: pobres válidos (liberdade e trabalho) X pobres
doentes (assistência social)
• A Família é chamada a se responsabilizar por seus doentes – do bom uso da liberdade.
NASCIMENTO DO ASILO

• No final do sec. XVIII, os loucos viviam acorrentados.


• Phillipe Pinel, no início do sec.XIX, determinou a remoção das correntes e, junto com outros alienistas,
começou o processo de catalogação e tratamento dos doentes.
• Nesse momento, o louco deixa de ser apenas um corpo institucionalizado e passa a ser objeto de
estudo para a psiquiatria, num momento de classificação das doenças mentais.
• Ah, cidadão!! Você também é louco
de querer desacorrentar tais
animais!
• _Tenho convicção de que esses
alienados só são tão intratáveis
porque os privamos de ar e
liberdade e eu ouso esperar muito
de meios completamente
diferentes!
• _Faça o que quiser. Eu os abandono
a você. Mas, temo que você seja
vítima de sua própria presunção!

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O TRATAMENTO MORAL

• A passagem da loucura para o lugar de objeto de estudo da ciência não significou um tratamento mais
humanizado, ao contrário, tornou-se um cenário de experiências aterrorizantes.
• Louco será vigiado nos seus gestos, rebaixado em suas pretensões, contradito em seus direitos e
ridicularizado em seus erros – desrazão – animal
• A política de institucionalização era repressiva e punitiva. O doente mental era culpabilizado por sua
doença e punido por ela (perspectiva da doença mental como uma questão de moral – religião ‘Samuel
tuke’, família e trabalho).
• O tratamento era castigo. O medo do castigo era funcionava como controle interno, uma forma de
disciplinar os corpos.
• O nascimento do asilo e a constituição do saber psiquiátrico são um dos resultados do amplo
movimento de transformação social e institucional que aconteceu na Europa no final do sec. XVIII.
• Porém, Foucault entende que esses resultados estão em continuidade, são a culminância do movimento
de exclusão da desrazão iniciado no sec. XVII.
• Nesse sentido, o asilo é a forma perfeita de exclusão, onde, libertados dos grilhões de ferro, o louco é
definitivamente reduzido à condição de objeto.
• O louco passa então à condição de objeto. Objeto de estudo, objeto de um saber que falará em seu
nome. Dessa forma, a loucura passará a ser domesticada, inspecionada, classificada... Fazendo surgir a
investigação psicopatológica.
• Na perspectiva de Foucault, se a loucura pôde ser libertada, é porque foi definitivamente imobilizada
como doença mental.
SOBRE A LOUCURA

• “Esse mundo que acredita avaliá-


la, justifica-la através da
psicologia, deve justificar-se
diante dela.” (p.530)

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TRATAMENTOS PARA A DOENÇA MENTAL –
FINAL DO SEC. XIX

• Uso de prisões acolchoadas;


• Convulsão provocada por injeção de metrazol;
• Esterilização (histeria);
• Extração de dentes;
• Hibernação;
• Indução ao vômito;
• Coma provocado por insulina...
LOBOTOMIA

• Substituta da trepanação (idade


media – fuga dos demônios)
• Procedimento cirúrgico em que se
cortavam as conexões entre os
lobos frontais e o restante do
cérebro.
• Morte ou estado vegetativo
• Foi substituída pelos
medicamentos (sec.xx)
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HIDROTERAPIA

• O internado era mantido numa


banheira onde se alternavam
água muito gelada ou fervente.
• Causava fadiga psicológica
• Acreditava-se que podia
reestruturar as funções do
cérebro.

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ELETROCHOQUE

• Muito usada para tartar


esquizofrenia.
• A corrente elétrica deveria ser
baixa, mas como o tratamento
muitas vezes tinha conotação de
castigo, a corrente elétrica era tão
alta que provocava morte ou
sequelas irreversíveis.
• É usada ainda hoje com carga
adequada e anestesia.
CADEIRA
GIRATÓRIA

• A técnica mais humanizada do


sec.xix.
• Girava até o paciente desmaiar.
• Era complementada com
chuveiradas geladas.
• Acreditava-se que curava na
medida em que embaralhava o
conteúdo do cérebro.
SEC. XX – A PSICANÁLISE E A
PSICOFARMACOLOGIA

• Os tratamentos mais terríveis da psiquiatria se estenderam até o início do sec. XX


• Na segunda metade do sec.XIX, Jean-martin charcot assumiu a direção do hospital la salpêtrière e
tornou o espaço em um grande centro de estudos em psiquiatria.
• Sigmund Freud conheceu lá a técnica da hipnose que charcot usava nas histéricas.
No sec. XX duas
Organicista – Psicanalítica – de
escolas de
anatomia e orientação
psiquiatria
fisiologia. psicológica
dominavam:
• A psicanálise surge como tratamento alternativo para as doenças mentais – hipnose - catarse -
associação livre
• A cura pela palavra
• Freud deu voz ao discurso dos chamados loucos e aproximou o diálogo entre eles e os sãos.
• Em 1950 surgem os psicofármacos como a clorpromazina que acalmava o paciente psicótico, reduzindo
drasticamente as cirurgias de lobotomia.
• Em 1959, surgiu o antidepressivo e um ano depois o benzodiazepínico (ansiolíticos).

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