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O nascimento da psiquiatria e das

instituições psiquiátricas
O surgimento da psiquiatria está atrelado à grande internação
que ocorreu na Europa, a partir do século XVII, que segregou
ociosos, loucos, delinquentes e desempregados nas casas de
internamento. Segundo Foucault, é a partir desse ato de
exclusão social que a loucura passa a ser considerada uma
questão de ordem médica:
“ É entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria
do século XIX irão encontrar os loucos; é lá – não nos
esqueçamos – que eles os deixarão, não sem antes se
vangloriarem por terem-nos libertado”. (FOUCAULT, 1989,p.
48).

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PHILLIPE PINEL: O FUNDADOR DA
PSIQUIATRIA
Pinel foi efetivamente o fundador da clínica
psiquiátrica quanto às suas bases metodológicas.
Pinel ligou-se ao grupo dos Ideólogos que, fiéis à
tradição nominalista, consideravam que o
conhecimento era um processo cuja base era a
observação empírica dos fenômenos. Nesta
acepção de ciência, cabia ao estudioso agrupar e
classificar os fenômenos (que eram a matéria prima
da percepção) em função de suas analogias,
constituindo classes, gêneros e espécies.
(BERCHERIE, 1989, p. 31).

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O surgimento do saber positivo da
psiquiatria
“Pinel inaugurou com isso a exploração sistemática
de um campo e a ordenação dos fenômenos que o
constituíam. Essa orientação foi a base sobre a qual
depois se constituiu o saber realmente positivo da
psiquiatria.”
(BERCHERIE, 1989, p. 33).
Pinel passou a dirigir o Hospital de Bicêtre (uma
das unidades do Hospital Geral) em 1793, portanto,
quatro anos após a Revolução, e posteriormente
seguiu sua obra no La Salpetrière.

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Uma nosografia naturalista
• Pinel organizou em seu tratado uma nosografia
científica de patologias mentais baseada na
classificação de plantas e animais dos
naturalistas.
• Essa classificação decorreu das observações feitas
em doentes internados no asilo psiquiátrico e de
uma cuidadosa atenção dirigida ao processo de
evolução e transformação das patologias.
(CAPONI, 2012, p. 25).

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O postulado básico da clínica
psiquiátrica
• A Psiquiatria tem início em 1801, quando Phillipe
Pinel publica o Tratado Médico Filosófico sobre a
Alienação Mental ou Mania.
• O postulado básico da clínica psiquiátrica é: o de
que os distúrbios mentais devem ser concebidos
como uma variedade particular dos distúrbios
somáticos.
• Pinel era partidário de uma concepção
materialista psicofisiológica: a de que a mente é
uma manifestação do cérebro.
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Alienação mental
Pinel considerava a alienação mental como uma
doença no sentido das doenças orgânicas: como
distúrbio das funções intelectuais, ou seja, das
funções superiores do sistema nervoso.
Por isso, ele a situou no campo das neuroses,
isto é, das afecções do sistema nervoso sem
inflamação nem lesão estrutural. (BERCHERIE,
1989, p. 35).

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As causas da loucura: causas físicas
• Como já vimos, Pinel concebia a loucura como
um desarranjo das faculdades cerebrais e propôs
para esse desarranjo uma série de causas:
• 1. Causas físicas:
• Diretamente cerebrais: pancadas violentas na
cabeça, conformação defeituosa do crânio.
• Causas simpáticas: que atingiram o cérebro em
consequência de sua ligação com outros órgãos.
• A essas se ligavam as causas fisiológicas: parto,
embriaguez, idade crítica das mulheres).

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As causas da loucura: hereditárias e
morais
• 2. Hereditariedade: à qual Pinel atribuiu um lugar
eletivo.
• 3. Causas morais, que se subdividem em duas e que
estão em constante interação:
• Paixões intensas e muito contrariadas e prolongadas.
• Excessos de todos os tipos, irregularidades nos
costumes e hábitos de vida, educação perniciosa, fosse
por brandura ou dureza excessivas.
Pinel considerava as causas morais as mais numerosas
e as mais importantes, atribuindo a elas mais da
metade dos casos.
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Como agiam as causas morais
• Elas atuavam pelo efeito que exerciam no
organismo, considerado como um todo funcional,
perturbando-o.
• Pinel acreditava que as paixões como a alegria, a
cólera, o medo e a tristeza exerciam efeitos no
estado das vísceras e das grandes funções: a
circulação e a respiração.
• Essas ideias fundamentariam sua concepção geral
do tratamento. ( BERCHERIE, 1989, p. 38,39).
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A curabilidade da loucura
• Pinel rejeitou as teorias que explicavam a loucura por uma lesão
material no cérebro, contrariando a opinião corrente na época.
• Na abertura de cadáveres que praticou, chegou à conclusão de que,
na imensa maioria dos casos, a loucura estava isenta de lesões
materiais no cérebro.
• Essa tomada de posição teve uma primeira consequência que foi a
de fornecer à ideia da curabilidade da loucura uma base teórica: o
cérebro não estava atingido e apenas a mente estava perturbada
em seu funcionamento, donde a ação possível do tratamento
moral.
• Pinel ergue-se assim contra o dogma da incurabilidade da loucura,
bastante difundido na época. ( BERCHERIE, 1989, p. 43).

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A fundamentação do tratamento
moral: isolar para conhecer
• Na alienação mental, o espírito perturbado podia ser
reconduzido à razão com o auxílio da instituição de
tratamento.
• Ao formular a primeira teoria médica sobre a loucura,
Pinel propõe também que o manicômio se torne parte
essencial do tratamento, propondo que este deixe de
ser apenas o lugar onde se abrigam ou enclausuram os
loucos para se tornar um instrumento de cura.
• A exemplo do que já havia sido feito por Tuke, na
Inglaterra, Pinel, em 1794, pede que os loucos sejam
tratados e separados dos outros internos.

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O princípio do isolamento: isolar para
conhecer, isolar para tratar
• De acordo com Pinel, o primeiro e mais
importante passo para que o alienado fosse
tratado adequadamente seria o isolamento total
do mundo exterior.
• Esse afastamento se justificava para afastar o
alienado das interferências que pudessem
prejudicar tanto a observação apurada para a
consolidação do diagnóstico, quanto o
tratamento moral. ( AMARANTE, 2007, p. 14).

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O TRATAMENTO MORAL
• O tratamento é moral porque não é físico, pois
se exerce sobre o conhecimento (no plano das
ideias) e por consequência, sobre o
comportamento resultante.
• E é moral porque visa a corrigir excessos
passionais, desvios da norma ética do grupo
social.
• E assim o médico se torna não apenas ordenador
da vida psíquica do paciente mas agente da
ordem social e da moral dominante. (PESSOTTI,
1996, p. 128).

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A ordenação do espaço asilar
• “Não há porque se espantar muito”, escreve
Pinel, “com a importância extrema que dou à
manutenção da calma e da ordem num hospício
de alienados, e às qualidades físicas e morais que
essa vigilância requer, uma vez que essa é uma
das bases fundamentais do tratamento da mania
e que sem ela não obtemos nem observações
exatas, nem uma cura permanente, não
importando quanto se insista, de resto, com os
medicamentos mais elogiados.” (PINEL, citado
por FOUCAULT, 2012, p. 4).

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A ORDEM DISCIPLINAR
• A condição da relação com o objeto e da objetividade do
conhecimento médico e a condição da operação terapêutica são as
mesmas: a ordem disciplinar.
• “Mas essa espécie de ordem imanente que pesa indiferentemente
sobre todo o espaço do asilo, na realidade é percorrida,
inteiramente animada de ponta a ponta por uma dissimetria que
faz com que ela seja ligada e ligada imperiosamente, a uma
instância única que é, ao mesmo tempo, interior ao asilo e o ponto
a partir do qual se fazem a repartição e a dispersão disciplinares dos
tempos, dos corpos, dos gestos, dos comportamentos,etc. Essa
instância interior ao asilo é ao mesmo temo dotada de um poder
ilimitado a que nada pode nem deve resistir. “
• Essa instância é a instância médica, que funciona como poder muito
antes de funcionar como saber ( FOUCAULT, 2012, p. 5).

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Uma concepção dualista dos
problemas mentais
• Resumidamente, encontramos em Esquirol,
discípulo de Pinel, a manutenção de uma
concepção dualista dos problemas mentais que
seria uma constante na psiquiatria do século XIX:
alguns deles seriam apenas secundários a
afecções somáticas cuja sede podia ser
eventualmente descoberta, como a idiotia.
• Já a loucura em sua forma pura, seria isenta de
bases lesionais e consistia em uma modificação
funcional do cérebro. ( BERCHERIE, 1989, p. 55).

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A descoberta de Bayle

Bayle e a paralisia geral


Em 1822, Bayle faz uma descoberta que muda
radicalmente o eixo da Psiquiatria: ele descobre a
base anátomo patológica, a etiologia e a evolução
da paralisia geral, o que vai ocasionar uma
reviravolta no campo da psiquiatria, fazendo com
que todo o edifício nosográfico que havia sido
montado por Pinel e Esquirol (baseado mais na
descrição e classificação dos sintomas a partir da
observação clínica)caísse por terra.

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A teoria da degeneração mental
• Em 1857, Morel tenta dar uma resposta global para a causa
das doenças mentais propondo a teoria da
degenerescência.
• Morel partia da concepção de que o homem foi criado
segundo um tipo primitivo perfeito e de que qualquer
desvio desse tipo era uma degradação. Uma
degenerescência.
• O que compunha a essência do tipo primitivo e, portanto,
da natureza humana, era a dominação da moral sobre o
físico, ou seja, a livre aceitação da lei moral pelo sujeito, da
convicção do dever ao qual ele deveria se submeter sem
queixumes. ( BERCHERIE, 1989, p. 109).

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A teoria da degeneração mental
O corpo na verdade, não passava de
instrumento da inteligência e a doença mental
tinha como efeito inverter essa hierarquia
rebaixando o homem ao nível do animal,
atrelando o espírito às aberrações de seu
instrumento enfermo : a doença mental não é
outra coisa senão a expressão sintomática das
relações anormais que se estabelecem entre a
inteligência e seu instrumento enfermo: o
corpo.
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O caráter hereditário da
degenerescência
• A doutrina da degenerescência propunha que:
• À medida que o germe patológico vai-se
transmitindo, seus efeitos se agravam e os
descendentes vão descendo os degraus da
decadência física e moral até a esterilidade, a
imbecilidade, a idiotia e finalmente a
degenerescência cretina, ao término do percurso,
a linhagem afetada se extinguirá por si só, por
uma espécie de seleção natural.
• ( BERCHERIE, 1989,p. 110).

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Eugenia e prevenção em psiquiatria
• Com o conceito de endogeneidade, Morel traz para a sociedade a
premência de que as linhagens degeneradas sejam interrompidas,
donde a origem da eugenia em psiquiatria.
• Com isso, se consolida também a noção de prevenção da alienação
no meio social, o que desloca a atuação do alienismo do asilo para
o meio social e político.
• O asilo torna-se então um lugar não apenas de isolamento
terapêutico no sentido atribuído por Pinel, mas também, de
prevenção do mal que o contágio do alienado poderia causar pela
contaminação da sociedade.
• Posteriormente, no final do século XIX, Magnan se ocupa da teoria
da degenerescência, a partir da qual e por extensão, constrói o
conceito de predisposição, que mais tarde estará na base do
sistema elaborado por Kraeplin ( AMARANTE, 1996, p. 34,35).

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Da Doença Mental para o Transtorno
Mental
• A noção de transtorno mental surge a partir dos anos 1960, nos
EUA, num momento em que a Psiquiatria estava em crise.
• Crise que se caracterizava pela diminuição do poder médico em
favor do poder da psicoterapia e da psicanálise e pelos movimentos
da Antipsiquiatria, que faziam uma discussão teórica importante
sobre o conceito de doença mental.
• Mas por que chamar de transtorno e não de doença? Já que se
trata de uma especialidade da medicina?
• Como a concepção de doença mental sempre foi muito
problemática, a Associação Norte Americana de Psiquiatria decidiu
usar o termo mental disorder, que no Brasil se traduz por
Transtorno Mental.
• Mas o que quer dizer Transtorno Mental? (PEREIRA, M.E.C. 2015).

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O que é transtorno mental?
• No prefácio do manual de 1980 (O DSM 3)
encontramos a seguinte justificativa:
• Como na maioria dos casos não temos uma
concepção clara nem do ponto de vista etiológico
nem do ponto de vista psicopatológico, nosso
ponto de partida é uma renúncia (tida como
temporária) em termos médicos, mas que
permite recortar para os clínicos, critérios que
lhes permitam intervir pragmaticamente.
(PEREIRA, M.E.C. 2015).

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Os DSM
Portanto, os DSM são manuais descritivos que
buscam especificar cada vez mais claramente
um grupo de sintomas, a partir de critérios que
são compartilhados pela comunidade médica,
apostando que, a partir dessa descrição
detalhada, um dia se chegará à explicação
fisiopatológica (PEREIRA, M.E.C. 2015).

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Referências Bibliográficas
• AMARANTE. P. Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica
no Brasil. ( livro online) .Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
• ____________O homem e a serpente: outras histórias para a
loucura e a psiquiatria. ( livro online). Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 1996.
• ____________Saúde mental e atenção psicossocial. ( online) Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ,2007.
• BERCHERIE, P. Os fundamentos da clínica: história e estrutura do
saber psiquiátrico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.
• CAPONI, S. Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria
ampliada. ( livro eletrônico). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.
• FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1989.
• ____________O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes,
2012.

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Referências Bibliográficas
• JARDIM, K. ; DIMENSTEIN, M. Interface entre a saúde mental e
a justiça: desconstruções e problematizações sobre o “louco
perigoso”. Veredas do Direito. Belo Horizonte. v.4 . n. 8. p. 51-
63. julho-dezembro 2007. Disponível em
http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/arti
cle/viewArticle/47. Acesso em 15/07/2015.
• PEREIRA, M.E.C. O que é transtorno mental? Disponível em
• http://www.cpflcultura.com.br. Acesso em 15/07/2015.
• PESSOTTI, I. O século dos manicômios. São Paulo: Ed.34, 1996.

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