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AULA 1

PSICOFARMACOLOGIA

Profª Simone Dallegrave Marchesini


TEMA 1 – HISTÓRIA

1.1 Psicologia

A Psicologia tem suas raízes na Filosofia e só mais tarde foi definida como
disciplina isolada, com seu próprio edifício teórico. Cabia à Filosofia estudar a natureza
humana e suas questões mais profundas por meio de especulações e intuições sobre
a natureza da alma. Eram filósofos, a exemplo de Sócrates, Platão e Aristóteles, que
se ocupavam das questões anímicas humanas e de assuntos como processos de
memória, aprendizagem, motivação, pensamento, percepção, comportamentos e suas
alterações (Schultz; Schultz, 2019).
Com o advento da psicologia moderna, o método científico baseado na
experimentação começou a ser aplicado para responder às questões antes
abordadas pela Filosofia. Gradualmente, os métodos de pesquisa foram
sabiamente aplicados no ensino e nas pesquisas. Os laboratórios de Psicologia
inauguraram a psicologia experimental e começaram a se proliferar, sendo o
primeiro em Leipzig (1879), onde se situava a mais antiga universidade da
Alemanha (Schultz; Schultz, 2019).
Wilhelm Wundt, na Alemanha, foi quem marcou a história da Psicologia
nos laboratórios científicos, enquanto Darwin, na Inglaterra, fazia um corte entre
a ciência e o dogma religioso com o evolucionismo. Na França, a influência de
Augusto Comte propunha que se depositasse toda a fé na ciência. Em conjunto,
esses fatos alteraram todo o espírito de uma época e marcaram a visão de
mundo dos pensadores da era (Schultz; Schultz, 2019). Na Áustria, Freud
aplicava a Teoria da Hipnose desde 1887; mais tarde, usou o método catártico
de Breuer e iniciou a Psicanálise, que tomaria um rumo distinto de investigação.
Afetada pelo nazismo, a busca pela verdade do inconsciente psicanalítico
migrou para os Estados Unidos, como muitos outros movimentos da Psicologia
na época de Hitler.

1.2 Farmacologia

A farmacologia já era conhecida de longa data. Existem registros do


Período Paleolítico; é o caso da conhecida tabela de argila do terceiro milênio
(2100 a.C.). Segundo a Sociedade Brasileira de Farmácia Comunitária, nela
existem 15 receitas medicinais. Em meados do século XIX houve registro

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histórico do Papiro de Smith (1600 a. C). Galeno, na Grécia Antiga é, no entanto,
considerado o pai da farmácia e também da psicossomática. Foi ele um dos
primeiros pensadores a refletir sobre os humores humanos e usar o poder
curativo das plantas. Também considerou a necessidade de sistematizar e tratar
os temperamentos, bem como os correlacionou as com doenças do corpo.
A farmacologia consiste no estudo da interação entre substâncias
químicas com organismos viventes, mas, Segundo Whalen et al. (2020), pode
ser definida como a experiência e sistematização teórica no uso de
medicamentos para controle e tratamento de doenças. Os recursos químicos
tendem a ser usados sempre que pacientes apresentam sintomas graves ou
incapacitantes que não possam ser manejados com mudanças
comportamentais. A última estratégia de tratamento seria lançar mão de
métodos invasivos, como cirurgias.
Alguns nomes da fisiologia foram importantes para a aplicabilidade da
farmacologia na área psiquiátrica. Um deles foi o alemão Johannes Müller (1801-
1858), da Universidade de Berlim, que estabeleceu a teoria sobre a energia
específica dos nervos, já introduzindo a visão das transmissões nervosas, tão
importante para a fisiologia e a Psicologia.
A vertente química que se ocupa dos tratamentos dos transtornos mentais
é a psicofarmacologia e cabe a ela o controle dos sintomas e dos transtornos
mentais. Para tal, é necessário conhecer a anatomia e fisiologia do Sistema
Nervoso (SNC), bem como a psicopatologia.

TEMA 2 – TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS

Os transtornos psiquiátricos passaram por múltiplas tentativas de


descrição e sistematização no intuito de que uma linguagem universal
possibilitasse o consenso entre os profissionais atuantes da área. Para tal,
algumas funções foram analisadas, comparadas, descritas e experimentadas em
interação com substâncias farmacológicas. Percepção, pensamento,
comportamento, humor são algumas das funções que mediante efeito de
substâncias químicas, mostram-se alteradas.
Tratamentos acertados dependem de um diagnóstico preciso, confiável e
capaz de dar direções a recomendações de tratamentos. Os serviços de saúde
mental necessitam conhecer como cada doença se distribui nos grupos

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específicos, como ocorre a incidência sobre as faixas etárias, quais são as taxas
de mortalidade causadas pelos transtornos mentais.
Os transtornos psiquiátricos passaram por uma evolução em suas
nomenclaturas e classificações e foram se transformando pela perspectiva da
doença mental. Até chegar à visão de Emil Kraeplin, que ainda mostra
influências na categorização nosológica das doenças mentais, houve um
universo de sofrimento sem nome.

2.1 História do tratamento dos transtornos mentais

O mais antigo asilo de tratamento de loucos, segundo Shorter (1997),


data de 1247 e ocupou o prédio onde hoje está a Estação de Liverpool, na
Inglaterra. Ali se localizou o Betlehem Hospital até 1676. Enquanto Vincenzo
Chiarugi, psiquiatra do final do século XVIII (1793 e 1794), é apontado como um
dos primeiros a estabelecer um asilo terapêutico, Philippe Pinel (1745-1826) é
responsabilizado pela liberação dos doentes mentais em Salpêtrière, Paris, em
1795. A atitude de Pinel separou os pacientes que necessitavam de tratamento
dos indivíduos que tinham problemas com a Lei (Shorter, 1997).
O espírito da época (zeitgeist) influenciou na cultura e na formação
intelectual do período e, portanto, na descrição das doenças mentais vigentes.
Os asilos eram locais caracterizados por serem depósitos inadequados sociais
de qualquer natureza. Lá eram encontrados indivíduos que sofriam de luto
prolongado, masturbação compulsiva, excesso de alegria, asma, ação excessiva
da mente, doença feminina, abandono do marido, entre outros (Shorter, 1997).
No Brasil, o hospício mais antigo foi descrito no livro O Holocausto Brasileiro, de
Daniela Arbex, no qual fotos e relatos descrevem as circunstâncias de mais de
60 mil pessoas que ali morreram, em péssimas condições de tratos, no século
passado (1903).
Os métodos de tratamento psiquiátrico, em seus primórdios, eram
arcaicos e cruéis. Isso se devia ao paradigma que vinculava a doença mental
aos problemas espirituais. O tratamento mais antigo do qual se tem registro é a
trepanação, que consistia em abrir um buraco no crânio para que os maus
espíritos pudessem ser liberados. Após as sangrias, às vezes auxiliadas por
sanguessugas, com a liberação do sangue, a doença cederia ao promover
equilíbrio dos humores. A purgação pela indução de vômitos ou indução de
diarreias também foi um recurso empregado. O isolamento foi utilizado até

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pouco tempo atrás, um misto de método punitivo com afastamento de
estressores.
Acreditou-se durante muito tempo que crises epilépticas eram
incompatíveis com sintomas mentais graves advindos da esquizofrenia. Por
conta dessa incompatibilidade, instalou-se o tratamento por coma induzido. Isso
era feito por meio da insulina ou pela febre provocada por contaminação pela
malária. Este último método rendeu um Prêmio Nobel, em 1927, a Julius Wagner
von Jauregg; ele colocou sangue contaminado de um soldado em pacientes com
estado avançado de demência sifilítica.
A cadeira bergônica foi a precursora da eletroconvulsoterapia (ECT) e seu
registro é da época da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O princípio
funcional era o mesmo da indução de convulsões, como o chamado
eletrochoque, que em seus moldes computadorizados recebe o nome de
eletroconvulsoterapia. A contenção no leito manteve-se até o século passado e a
exposição ao sereno era um modo de inibir o sono para induzir o fim de um
episódio depressivo com hiperestimulação cerebral.
O movimento da psicocirurgia corria em paralelo e, em 1935, surgiu a
lobotomia frontal ou leucotomia. O médico Português Egas Moniz mostrou que
perfurar o crânio frontalmente e aplicar uma injeção de etanol destruiria as fibras
que conectavam o lobo frontal com outras partes do cérebro. Com esse
procedimento os sintomas incontroláveis de agressividade e rebeldia se
dissipavam. Esse método veio ao Brasil e foi largamente combatido pela
psiquiatra Nise da Silveira, história retratada no filme Nise – o coração da
loucura, de 2016. O Dr. Egas Moniz, no entanto, recebeu um Prêmio Nobel
(1947) por furar o cérebro de esquizofrênicos com um picador gelo (Shorter,
1997; Caponi, 2012).

2.1.1 Fase química

A hipótese de que transtornos mentais fossem advindos de


autointoxicação pelo cólon, ou seja, das bactérias e impurezas do próprio
intestino, fez a ciência levantar a hipótese de que o tratamento para elas
pudesse ser o método laxativo. Ópio e morfina começaram a ser usados para
depressão e para mania, na tentativa de promoverem compensação e controle
desses estados mentais, mas obtiveram pouco sucesso; acabaram por provocar
problemas mais graves, como dependência às drogas em taxas alarmantes.

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Mais tarde, outras tentativas foram feitas com cocaína e heroína, mas
com resultados também ineficientes. O interessante é observar que muito antes
de serem descobertas as morfinas endógenas e os receptores opioides no
cérebro, bem como receptores nicotínicos e muscarínicos, alcaloides já estavam
sendo testadas para alterar o funcionamento dos neurônios. Em 1912, surgiu o
fenobarbital, com o nome comercial de Luminal, um remédio aceito pela clínica,
e usado como medicação para convulsão de forma eficaz. Foi somente no início
dos anos 1920 que Otto Loewi, professor de Farmacologia da Universidade de
Graz, isolou o primeiro neurotransmissor. E apenas em 1926 foi descoberto o
papel da acetilcolina na transmissão de um impulso nervoso. Tudo era testado
com base em experimentação e observação dos efeitos químicos sobre
respostas comportamentais.
O azul de metileno, que mais tarde deu origem à fenotiazina usada como
antipsicótico, já havia sido desenvolvido como corante desde 1883, e o lítio já
utilizado como tranquilizante desde 1922. Os anti-histamínicos surgiram em
1937 e foram experimentados com poucos resultados em pacientes psicóticos
(Shorter, 1997; Caponi, 2012). Assim, seguiram-se as descobertas até 1956,
quando a primeira droga de ampla fama foi desenvolvida e recebeu o nome de
Miltown®, o meprobamato. Ele foi vendido para tratar a ansiedade, com efeito
hipnótico, sedativo e propriedades relaxantes musculares. Muitos efeitos
colaterais foram precipitados e a nova medicação não apresentou vantagens
sobre as já existentes na época, os barbitúricos.
Somente no ano de 1963 a indústria farmacêutica Roche investiu fortunas
no desenvolvimento do Valium: foram oito anos de pesquisas e gastos que
superaram os 17 milhões de dólares para desenvolver um ansiolítico, relaxante
muscular e anticonvulsivante. Valium tornou-se uma das medicações mais
vendidas, como se a ansiedade tivesse sido fabricada com ele (Shorter, 1997;
Aguiar; Ortega, 2017; Slater, 2018).

2.1.2 Diagnósticos

Durante a segunda metade do século XX surgiu a necessidade de


sistematizar as doenças mentais e criar categorias que permitissem uma
linguagem comum entre os psiquiatras. O objetivo científico era um consenso
terminológico que alcançou seu intuito em 1952, mas com enfoque
predominantemente psicanalítico. A Associação Americana de Psiquiatria (APA)

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publicou a primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças
Mentais (DSM-I). Nele havia 106 categorias diagnósticas.
Na terceira revisão do DSM, lançado em 1980, o número de categorias
diagnósticas subiu para 265 – todas fundamentadas em critérios na medicina
baseada em evidências, que foca sempre o paciente, mas é baseada em
estudos com metodologia científica, análise dos resultados obtidos e
comprovação da aplicabilidade prática desses resultados. A ênfase era na
descrição de entidades nosológicas e o direcionamento sempre para o
tratamento farmacológico do sofrimento humano (Lopes, 2000). O marketing
passou a investir em publicações de psiquiatras de renome patrocinados por
laboratórios, termos específicos da área científica e amostras grátis distribuídas
entre os profissionais para angariar pacientes.
Atualmente, o DSM está em sua quinta edição, mas ainda mantém seus
fundamentos nas características e critérios diagnósticos dos transtornos
mentais. As informações fornecidas pretendem apontar para diagnósticos que
indiquem tratamentos e decisões de manejo dos quadros apresentados.
Ocorreram mudanças substanciais em relação à última versão, de 2000, que
apresentava o diagnóstico multiaxial já desde a terceira edição, referente aos
três primeiros eixos referentes à doença clínica-psiquiátrica: Eixo I – Síndromes
da clínica psiquiátrica; Eixo II – Transtornos de personalidade e o retardo mental;
Eixo III – Perturbações orgânicas; Eixo IV – Estressores psicossociais; Eixo V –
Funcionamento adaptativo antes do diagnóstico.
Na versão mais recente, de 2013, a abordagem é uniaxial, espectral e
com novas categorias incluídas. Algumas nomenclaturas caíram em desuso para
priorizar a visão do continuum das doenças. Outra novidade é a possibilidade de
graduar a gravidade do diagnóstico por meio de gráficos, como o Gráfico de
Dimensões da Severidade dos Sintomas da Psicose apresentado em escala
likert de cinco pontos. Também aborda assuntos culturais relacionados a
diagnósticos e lista traços de personalidade patológica.

2.1.3 Critérios diagnósticos

Cada critério diagnóstico inclui conjuntos de transtornos correlacionados


entre si. Assim, os transtornos do neurodesinvolvimento abarcam problemas
específicos da aprendizagem e da comunicação, além do espectro autista e do
déficit de atenção e hiperatividade. O espectro da esquizofrenia engloba os

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transtornos de personalidade esquizofreniforme, esquizotípica e esquizoafetiva;
também inclui os transtornos psicóticos induzidos por substâncias ou por outras
condições médicas. O grupo das ansiedades abarca a ansiedade de separação
e o mutismo seletivo, as fobias, a ansiedade social, o pânico, a agorafobia, a
ansiedade generalizada, a ansiedade quando induzida por medicações ou
substâncias e outras ansiedades não especificadas.
Cada transtorno descrito é abordado por meio de itens que facilitam a
conduta diagnóstica, prognóstica e terapêutica do consultante. São eles: critérios
diagnósticos que identificam presença do transtorno; características diagnósticas
que fundamentam e explicam critérios detectados; características associadas ao
transtorno e que apoiam o diagnóstico, como história familiar e adaptações
individuais às características do transtorno; características do desenvolvimento
da doença e do curso evolutivo do problema; indicação dos fatores de risco que
predispõem o desenvolvimento do transtorno; prognóstico, isto é, possibilidades
de evolução com tratamento adequado e curso da doença sem tratamento;
diagnóstico diferencial da doença em relação a outras similares e que podem
conduzir a tratamentos e condutas equivocadas; e as possíveis comorbidades
entre um transtorno e outro. Existem, porém, dificuldades diagnósticas que serão
abordadas no item 2.1.5. Os manuais descritivos estão sempre em estado de
revisão e construção e suscetíveis às influências culturais e sociais.
Nos últimos 25 anos, importantes mudanças da interação cérebro-
máquina têm ocorrido. São os resultados do contato íntimo das crianças com a
internet, as mídias sociais e a inteligência artificial. Alterações nas relações
interpessoais mudaram a forma com que o cérebro processou informações,
pensamentos, afetos e condutas e parece ter piorado quadros psicopatológicos
já existentes como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e autismo.
Além disso, o atraso na maturação necessária do cérebro predispõe à
desregulagem emocional e à falta de controle Inibitório que dependem do córtex
do lobo pré-frontal. Esses fatos estão prestes a criar um novo diagnóstico:
transtorno por uso de internet, ou algo do gênero (Browne et al., 2021).
O DSM-5 tem em média 297 doenças, em que se encontram apenas 10
tipos de transtornos de personalidade, em 3 grupos baseados em características
semelhantes. Também foram alteradas algumas nomenclaturas em relação ao
DSM-IV-R e acrescentou outros diagnósticos. Já foi amplamente criticado o fato
de que ao criar um diagnóstico, cria-se uma legião de pessoas doentes e um

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mercado de venda para a indústria farmacêutica – um ciclo que se retroalimenta
positivamente. Assim foram as epidemias de depressão; transtorno bipolar;
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e autismo (Rezende, Pontes e
Calazans, 2015).

2.1.4 Abordagem descritiva

A abordagem descritiva dos transtornos mentais, como o próprio nome


diz, preocupa-se em descrever, definir e classificar sinais, sintomas e síndromes
do setor da saúde mental. As experiências subjetivas e o comportamento que
resulta dessa subjetividade são observados sem a preocupação de chegar às
causas ou discutir o desenvolvimento dos transtornos mentais.
A abordagem descritiva se opõe diretamente à abordagem psicodinâmica
teórico-explicativa e causal. Na psicanálise, por exemplo, existe a visão
retrospectiva na busca de explicar os sintomas pela teoria do inconsciente. O
foco são as causas de traumas que fundamentam as doenças mentais. Já na
abordagem descritiva, o foco é simplesmente descrever a experiência do
indivíduo e relatar seu modo de ver a realidade, bem como em que grau acredita
na sua própria interpretação do mundo e de si mesmo. Há uma busca por
evidências de crenças individuais e significados atribuídos que determinam a
experiência de vida da pessoa. Essa abordagem utiliza-se da entrevista
empática para chegar ao aprimoramento diagnóstico, ao prognóstico e à
indicação de recursos terapêuticos.
Cheniaux (2005) refere-se a tópicos abordados nas descrições em
psicopatologia descritiva: diferentes níveis de consciência; apresentação dos
estados da memória; condições da linguagem em coerência de discurso e fluxo
de palavras; velocidade e linearidade dos pensamentos; presença, ausência e
intensidade da vontade; aspectos da psicomotricidade.

2.1.5 Dificuldade no diagnóstico

O DSM-5 é de abordagem dimensional, ou seja, considera a intensidade


e gravidade dos sintomas levando em conta o prejuízo e o sofrimento subjetivo;
compartilha como espectro, doenças que comportam sintomas semelhantes.
Assim, o transtorno obsessivo-compulsivo que antes estava no grupo das
ansiedades passou para um espectro de doenças com sintomas obsessivos e

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compulsivos, transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados, nos
quais estão desde a intensidade mais leve até a mais pronunciada das doenças
com as mesmas características (Câmara e Câmara, 2017). Nessa categoria,
encontram-se o transtorno obsessivo-compulsivo, que pode ser ou não
relacionado a tique; o transtorno dismórfico corporal, que pode ou não estar
relacionado à dismorfia muscular; o transtorno de acumulação, que pode
apresentar-se com ou sem aquisição excessiva; a tricotilomania (transtorno de
arrancar o cabelo) e tantos outros.
Dada a semelhança entre as categorias e a inclusão de sintomas
semelhantes, é perfeitamente considerável que o profissional confunda os
critérios, bem como tenda a classificar como obsessivo-compulsivo ou transtorno
relacionado, qualquer pessoa que tenha nuances de rituais, organização e gosto
por compras, acompanhado de algumas preocupações. Por outro lado, a
ressonância magnética funcional mostrou que áreas cerebrais são
compartilhadas por alguns transtornos e que é fato que eles se sobrepõem,
mesmo fazendo parte de categorias diferentes. Teremos que aguardar, mas não
passivamente, novas versões do DSM.

2.1.6 Tratamento

A psicoterapia é indicada sempre que há sofrimento psíquico do próprio


indivíduo, necessidade de psicoeducação e formação de rede de apoio, e
necessidade de aprendizagem de novas habilidades e estratégias de
enfrentamento. Nesse sentido, a terapia cognitivo-comportamental, por ter
protocolos definidos, com número previsto de sessões, tarefas objetivas,
capacidade de testagem e mensuração do progresso do cliente, apresentou-se
como melhor modelo para adequar-se nos convênios médicos.
O psicoterapeuta deve ter em mente situações de risco e limites de sua
prática para que possa encaminhar o cliente para o tratamento farmacológico
com um profissional competente (perigo para si mesmo ou para outrem).

TEMA 3 – PSICOTERAPIA

No final dos anos 19850, o psicanalista Aaron Beck revisou o histórico de


seus pacientes depressivos e concluiu que a teoria da melancolia de Freud não
tinha consistência suficiente. Separou os temas comuns desses pacientes, como

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nas pesquisas qualitativas, e verificou que existiam padrões de pensamentos
que se repetiam. Constatou que havia interação entre a percepção e a formação
da cognição, ou seja, a interpretação que cada cliente fazia de suas experiências
de vida. Também observou o quanto pensamentos intrusivos e emoções
apareciam quase simultaneamente diante de situações gatilho e que eram esses
os determinantes do comportamento emitido. Ao reconhecer a possibilidade de
alterar o comportamento pela alteração da cognição, Aaron Beck deu início ao
movimento de abordagem cognitiva (Knap, 2004).

3.1 Terapia cognitivo-comportamental

A terapia cognitivo-comportamental abrange várias abordagens e não


apenas a beckiana. Entretanto, faz parte de qualquer abordagem o protótipo
básico que diz que a cognição afeta o comportamento; a cognição é passível de
ser mudada; o comportamento pode ser mudado pela mudança da cognição.
Assim como qualquer abordagem da Psicologia, a terapia cognitivo-
comportamental também tem um modelo de psicopatologia. Nesse caso,
pressupõe-se que exista vulnerabilidade cognitiva e que cada transtorno tem um
processamento cognitivo específico. A estrutura do pensamento com o qual se
trabalha parte dos pensamentos automáticos, num nível mais consciente e
superficial, para ativação de substratos não tão conscientes.
Assim, temos pensamentos automáticos, que surgem espontaneamente –
os pressupostos subjacentes que determinam ideias e conceitos sobre si
mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, e que são influenciados pela
aprendizagem e reforçados pelas experiências pessoais ao longo da vida. Mais
profundamente, temos as crenças nucleares que determinam o paradigma pelo
qual a vida é percebida; são basicamente três: crença de desamparo; crença do
desamor e crença do desvalor (Knap, 2004).

TEMA 4 – FARMACOTERAPIA

A aplicação das drogas com fins de tratamento é chamada de


farmacoterapia. Quando o tratamento se refere à saúde mental e às doenças do
SNC, nos referimos à psicofarmacoterapia, que estuda, sistematiza e classifica
substâncias químicas capazes de alterar o humor, a percepção, o pensamento e

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o comportamento. A psicofarmacoterapia aplica essas substâncias com fins
terapêuticos (Whalen, Finkel e Panavelil, 2016).

4.1 Indicações da farmacoterapia

A famacoterapia é indicada para o tratamento de sintomas com o intuito


de fornecer bem-estar e, quando possível, promover a cura de uma doença
vigente. Os medicamentos são separados conforme a área de atuação do
profissional médico, de forma que é de sua responsabilidade conhecer os
mecanismos de ação dos fármacos que prescreve.
Os ramos da farmacoterapia são basicamente os seguintes:
medicamentos anti-infecciosos, sistema nervoso central, aparelho
cardiovascular, hematologia, aparelho respiratório, aparelho digestivo, aparelho
geniturinário, hormônios, aparelho locomotor, anti-histamínicos, nutrição e
suplementação, corretivos da volemia e das alterações eletrolíticas,
dermatologia e afecções cutâneas, afecções otorrinolaringológicas, afecções
oculares, antineoplásicos e imunomoduladores e áreas hospitalares e de
imunização. A psiquiatria e a neurologia pertencem à área do SNC.

4.2 Psicofármacos e indicação

Quadro 1 – Psicofármacos (1)

ANTIDEPRESSIVOS ESTABILIZADORES DO ANTICONVULSIVANTES


HUMOR ESTABILIZADORES DO
Depressão, ansiedade,
HUMOR
sintomas obsessivos- Transtorno bipolar I
compulsivos Transtorno bipolar,
impulsividade, irritabilidade

Imipramina Carbonato de lítio Valproato de sódio


(carbolitium)
(Tofranil, Madalon) (Depakene)

Clomipramina Potencializa a ação do Divalproato de sódio


antidepressivo; tem ação
(Anafranil, CLO) (Depakote)
regenerativa e diminui a
TOC e enurese noturna apoptose

Amitriptilina Carbamazepina
(Triptanol, Neurotrypt) (Tegretol) Trans. disrrup.
Dor/distr. simpática intermitente
reflexa/nevr. do trigêmeo

Desipramina Oxcarbazepina
(Norpramin) (Trileptal)

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Nortriptilina Lamotrigina
(Pamelor) (Lamictal)

Doxepina Topiramato
(Aponal, Sinequal) (Amato, Topamax) Enxaqueca,
álcool, tabaco, alimentação

Trazodona Pregabalina
(Donaren) (Lyrica, Proleptol)
Sono, sexualidade Dor

Agomelatina Gabapentina
(Valdoxan) (Neurontin)
Dor neuropática

Inibidores de Monoaminoxidase (IMAO) são usados em depressão


atípica, fobia social e fibromialgia. Os efeitos colaterais específicos são: ganho
de peso, insônia, hipotensão ortostática. Alimentos ricos em tiramina devem ser
evitados (são alimentos envelhecidos, apodrecidos ou secos).

Figura 1 – IMAOS

Quadro 2 – Psicofármacos (2)

ANTIDEPRESSIVOS ESTABILIZADORES DO HUMOR (ATPC típicos)

Duloxetina Clorpromazina
® ®
(Cymbalta , Cymbi ) (Amplictil®)

Fluvoxamina Haloperidol
® ®
(Zoloft , Revoc ) (Aldol®)

Mirtazapina Fenotiazinas
(Remeron®, Menelat®) (Exercem efeito sedativo e miorrelaxante, bloqueiam a
neurotransmissão de serotonina e dopamina no SNC)

Dibenzodiazepínico Tricíclico Antipsicótico


Clozapina (leponex®)

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Reboxetina Flufenazina
(Prolift®) (Permitil®, Prolixim®)

Vortioxetina Pimozida
(Brintellix )®
(Orap®) Tique – não usar com recap. de serotonina

Bupropiona Clorpromazina
(Wellbutrim®, Seth®) Sedativo

Quetamina Zuclopentixol
®
(Esketamine ) Clopixol (Lundbeck);
Clopixol Acuphase (Lundbeck)

Vilazodona Amisulprida
(Viibryd®) Sedativo

ANTIDEPRESSIVOS ESTABILIZAADOR DO BENZODIAZEPÍNICOS


HUMOR ANTIPSICÓTICOS

Fluoxetina Amisulprida Alprazolam


® ® ® (Frontal®, Apraz®)
(Prozac , Verotina ) (Socian )
Bromazepam
Paroxetina Azenapina (Lexotam®)
(Pondera®, Paxil®) (Saphris®) Clordiazepóxido
(Libriurm®, Psicosedim®)
Sertralina Zuclopentixol Clobazepam
® ®
(Serenata , Tolrest ) (Clopixol®) (Frisium, Urbanil®)
Citalopram Lurazidona Clonazepam
(Rivotril®)
(Cipramil®, Proximax®) (Latuda)
Cloxazolam
Escitalopram Paloperidona (Olcadil®)

(Lexapro®, Reconter®) (Invega®) Clorazepato


(Tranxilene®)
Desvenlafaxina Aripiprazol Diazepam
®
(Pristiq , Elifore ) ® ®
(Abilify ) (Valium®, Ansilive®)
Flurazepam*
Risperidoda (Dalmadorm®)
(Risperdal®) Flunitrazepam*
(Rohypnol®)
Olanzapina
Lorazepam
(Zyprexa®)
(Lorax®)
Quetiapina Midazolam*
®
(Dormonid®)
(Seroquel )
Oxazepam
(Serax®)
Triazolam*
(Halcion®)

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4.3 Estimulantes do sistema nervoso

Quadro 3 – Estimulantes do sistema nervoso

Medicamentos recomendados em consensos de especialistas para o tratamento de TDAH

Nome químico Nome comercial

Primeira escolha: estimulantes (em ordem alfabética)

Lis-dexanfetamina Venvanse Também usado para perda de peso

Metilfenidato (ação curta) Ritalina Usado para melhorar a concentração

Metilfenidato (ação Concerta


prolongada)
Ritalina LA

Segunda escolha: caso o primeiro estimulante não tenha obtido o resultado esperado, deve-se
tentar o segundo estimulante.

Terceira escolha

Atomoxetina Strattera

Quarta escolha: antidepressivos

TEMA 5 – MEDICAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO

Os convênios médicos exigem que cada doença de seus conveniados


recebam um código e uma descrição oficial para que possam financiar os
tratamentos. Esses códigos provêm do Código Internacional de Doenças (CID),
que já está na 11ª edição e, no caso dos transtornos mentais, do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM, que está na 5ª edição.
Com o aumento das categorias diagnósticas, mais beneficiários ficam
cobertos e mais tratamentos são disponibilizados. Isso beneficia os proprietários
dos convênios, as clínicas de diagnósticos por imagem e os laboratórios
farmacêuticos. O número de exames solicitados em consultas de curta duração
é reconhecido pelos conveniados, bem como a qualidade regular e péssima dos
atendimentos. Também é notório que prescrições farmacológicas são feitas com
pouco tempo de entrevista.
Quanto maior o número de opções, maior a confusão. Segundo o
Conselho Federal de Psicologia (CFP), os laboratórios farmacêuticos
presenteiam os médicos que prescrevem seus produtos a seus pacientes. Esses
brindes foram proibidos, mas em seguida liberados em forma de financiamento

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para congressos. Essas permutas por conta da medicalização de pessoas não
existem na Psicologia, que pouco se beneficia em atribuir faixas com
nomenclaturas aos seus clientes (CFP, 2012).

5.1 Medicalização do sofrimento psíquico

De acordo com Brito e Silva (2019), em uma revisão sistemática de 13


artigos na língua portuguesa, a cultura do imediatismo atingiu vários campos da
esfera humana. Uma das áreas afetadas foi a necessidade do alívio imediato do
sofrimento, seja físico ou psíquico. A tolerância às frustrações está com os níveis
rebaixados e a vulnerabilidade psicológica aumentada. Diante do sofrimento, a
intolerância à dor emocional faz o ser humano requisitar de pronto a chupeta
química encapsulada: antidepressivos, ansiolíticos, hipnóticos.
Para complementar, a raiva tornou-se inadequada e politicamente
incorreta, muito diferente de épocas atrás em que se rasgavam sutiãs em praça
pública, lançava-se a Bossa Nova e brigava-se contra leis rígidas. Criticar
passou a ser politicamente incorreto e opiniões defendidas com muito afinco são
tidas como obsessões. Para a raiva, um estabilizador do humor ou um
antipsicótico atípico; e, para a rigidez e obsessão, um antidepressivo que atue
sobre os padrões repetitivos da mente.
Com a cultura do imediatismo, as prioridades tornaram-se sucesso
financeiro e fama. Não há mais tempo para sofrimento, para queixas emocionais,
para o luto. Toda expressão de tristeza é qualificada jocosamente de sofrência, e
aquele que expressa suas dores é “o cara negativo e baixo astral”, que deve ser
evitado. Sem tempo para o lado menos colorido da vida, o lado menos alegre
vem se transformando em “50 tons de cinza”. Cada um dos tons recebeu um
diagnóstico diferente e, consequentemente, uma droga de alívio.

5.2 Banalização da prescrição de psicofármacos

Os psicofármacos começaram a ser banalizados no Brasil com o advento


dos benzodiazepínicos e mais recentemente com o fenômeno Prozac®. A
primeira classe era de calmantes, que aliviavam as tensões diárias e mantinham
o equilíbrio para o convívio social, além de ajudar no relaxamento necessário
para o sono inicial. Além disso, também auxiliavam aqueles que queriam deixar
hábitos como tabagismo ou excesso alimentar devido à ansiedade.

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Na década de 1960 o padrão de beleza era Twiggy Lawson, a mulher magra,
loura e com roupas soltas. Com ela inaugurou-se uma geração de anorexia e bulimia
nervosas em prol do corpo perfeito. Mais tarde, as fórmulas emagrecedoras uniriam
numa só capsula estimulantes derivados de anfetamina e o famoso Diazepam: foi uma
geração lotada de magras adictas ou com transtorno alimentar.
O risco de adição aos benzodiazepínicos fez com que muitos médicos
endocrinologistas ou não começassem a substituir o Diazepam pela Fluoxetina
na década de 1980. Esta última, o famoso Prozac®, era a pílula da felicidade,
tirava a ansiedade e havia surgido no mercado como tratamento para a bulimia
nervosa. Pouco se sabia sobre o transtorno do comer compulsivo, e fórmulas e
mais fórmulas foram vendidas com psicofármacos associados, mas nunca com
objetivo de tratar uma psicopatologia e, sim, com foco na estética corporal.
Hoje, mais antidepressivos e anticonvulsivantes são usados of label, isto
é, fora da recomendação da bula, com o intuito de controlar a ingesta alimentar.
Assim, a Bupropiona (originalmente lançada para auxiliar a cessação ao
tabagismo) e o Topiramato (originalmente uma medicação anticonvulsivante)
começaram a ser prescritos por clínicas de emagrecimento, clínicas de
tratamento e cirurgia bariátrica e psiquiatras. A mesma Bupropiona também veio
com a promessa de menor chance de virada maníaca em bipolares e melhora da
libido. No campo da aprendizagem e memória, o metilfenidato começou a ser
usado por crianças que davam trabalho na escola e não se concentravam na
aula. Mas muitos candidatos a concursos passaram a fazer uso da droga para
aumentar a carga horária de estudo.

5.2.1 Banalização da prescrição de psicofármacos na infância e na adolescência

É por meio dos pais ou da escola que crianças e adolescentes chegam ao


tratamento com psicólogos e psiquiatras. Transtornos de déficit de atenção,
desvios comportamentais, problemas de desenvolvimento e aprendizagem,
dificuldades de comunicação e socialização são mais evidenciados na escola
(Dias et al., 2020).
As unidades de saúde vêm sendo procuradas cada vez com mais
frequência e há um contexto favorável para essa situação nas escolas: o ensino
nem sempre é interessante e motivador; professores são sobrecarregados com
demandas e tarefas; estímulos concorrentes desviam a atenção; problemas de
casa às vezes vêm na mochila. Com o uso frequente de computadores,

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celulares e videogames, jovens e crianças estão hiper-reativos, não
desenvolvem habilidades sociais e estratégias de regulagem emocional.
Paralelamente ao contexto favorável, diagnósticos psiquiátricos da
infância e adolescência começaram a ser explorados e divulgados e laboratórios
desenvolveram medicações mais específicas e mais caras para cada transtorno
descrito nos compêndios de psiquiatria. Segundo Amarante (2017), o DSM-5
introduziu o transtorno disruptivo de desregulação do humor. Ele ocorre em
crianças a partir dos seis anos de idade e seus sintomas incluem ataques de
raiva frequentes e graves, desproporcionais à situação, com atitudes destrutivas
ou agressivas a pertences de outros. Para o autor, não demorará a acontecer o
que ocorreu com TDAH ou bipolaridade, que tiveram um boom de vendas
farmacêuticas.

5.2.2 Banalização da prescrição de psicofármacos para idosos

Amarante (2017) descreve em seu livro Medicalização em Psiquiatria que


o envelhecimento foi transformado em doença, assim como a infância e a
adolescência. Há uma ânsia social por não ser incomodado pelos pais e pelos
filhos para que possam competir e ganhar no mercado de trabalho, como se
estivessem concentrados num videogame.
Já é de longa data que se ministra a levomepromazina em lares de idosos
no intuito de manter o bom convívio, diminuir a agressividade, melhorar o sono e
apaziguar a agitação. Mas também são conhecidos os efeitos do uso
prolongado: parkisonismo, discinesia tardia e hipotensão ortostática. Amarante
(2017) refere que mais de 50% das fraturas de quadril em idosos são causadas
por quedas devido ao uso de psicofármacos.
O consenso brasileiro de medicamentos potencialmente inapropriados
para idosos aponta a levopromazina e outros antipsicóticos típicos como
potencializadores do risco de acidente vascular cerebral (AVC) e mortalidade.
Além disso, o uso deve se considerado apenas quando estratégias
comportamentais falharem ou quando a pessoa representar ameaça a si mesma
ou a outros. É comum que benzodiazepínicos sejam prescritos e mal
monitorados. Estes também podem degenerar mais a memória, induzir às
pernas inquietas ou levar à sedação potencialmente perigosa para os idosos que
já são vulneráveis a quedas (Amarante,2017).

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5.3 Medicalização e marketing

O Psychiatric Times, jornal eletrônico, declarou muito antes da publicação


oficial da última versão do DSM-5 que 70% dos médicos que se envolveram com
a revisão do manual psiquiátrico tinham conflitos de interesses com indústrias
farmacêuticas. Com diagnósticos em espectro as descrições ficaram menos
precisas e mais inclusivas e passaram a desencadear epidemias de
psicopatologias da moda. (Lopes, 2013)
Lopes (2013) tece críticas às categorias diagnósticas do DSM-5 e cita
Frances (2009), que categoricamente admite que a psiquiatria ajudou a
desencadear três epidemias desnecessárias e irreais: transtorno autista;
transtorno bipolar infantil e déficit de atenção e hiperatividade. A fabricação de
novas doenças reduz a população dos normais e mais prescrições são feitas por
qualquer médico do mundo. O mundo toma remédios.

5.4 Medicalização e psicologia

A psicoterapia tornou-se um processo demorado demais, muito reflexivo,


com confrontos desagradáveis e coisas demais para pensar. Sendo assim, um
comprimido ou dois tornaram-se mais viáveis de serem metabolizados e mais
rápidos. O modelo médico sempre foi o alívio do sintoma e do sofrimento,
portanto, não há de ser espantoso que medicações sejam aliadas dessa
perspectiva curativa. Já a Psicologia tem o compromisso com a investigação e a
descoberta guiada, com o questionamento e com a reflexão.
O respeito e a liberdade de cada um fazem parte dos valores da
Psicologia, bem como o bem-estar individual. Reflexões sobre tratamentos e
avaliação de custos e benefícios fazem parte de estratégias em psicoterapia. A
qualidade de vida do cliente contribui para que não haja negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esses quesitos são
parte do código de ética do psicólogo. Em se pesando sua responsabilidade
social, a medicalização pode e deve ser combatida e a medicação, como
tratamento adequado, respeitada sempre que necessária.

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REFERÊNCIAS

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