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Unidade III
Agora, vamos passar à apresentação das chamadas políticas sociais setoriais, ou seja, intervenções
públicas desenvolvidas para além do Sistema de Seguridade Social, em educação, habitação, justiça e
segurança. Também abordaremos as ações desenvolvidas perante a família; não se trata de política social,
mas de uma área de ação. Também exibiremos a ação desenvolvida em uma expressão específica e
ligada à saúde, a saber: a saúde mental. Ao final, veremos as diversas perspectiva analíticas sobre a
política social.
A saúde mental resulta de um amplo processo de desenvolvimento pelo qual passou o gênero
humano. Assim, esse é um conceito novo, contemporâneo, mas aproximando‑nos das formas com que
era compreendida a doença mental, nos mais variados contextos, nos dá a saber, em grande medida, de
como eram as ações desenvolvidas em prol da loucura.
Dessa maneira, podemos observar que, na Grécia Antiga, Hipócrates, médico e pensador de
referência daquele período, compreendia a loucura como a perda da razão. Portanto, o louco era
associado a tudo que era irracional. No entanto, alguns pensadores da época apresentavam certo
fascínio pela loucura, compreendendo o doente mental como um ser diferenciado, algo a ser
imitado. Já, na Idade Média, por influência da Igreja Católica, o louco passou a ser tratado como
alguém que estava sob influência maligna. O louco também era compreendido como um indivíduo
que estaria “pagando” os pecados cometidos por gerações anteriores. No entanto, até a Idade
Média, era comum que os doentes mentais transitassem e perambulassem sem controle. A partir da
Idade Média, vemos que os loucos passam a ser rejeitados pela sociedade e segregados em espaços
de confinamento (MELO, 2012). Foucault (1979) indica que, durante a Idade Média, era comum que
aqueles considerados loucos fossem abandonados por navios em locais desabitados, entregues à
própria sorte.
No século XVII, Descartes compreendida que os loucos eram pessoas que não poderiam
compreender, de forma plena, a verdade. Portanto, perde‑se a crença de que loucura era ausência
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POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
de razão e da mesma forma é enfraquecida a concepção de que ela estaria orientada a algum
problema de ordem espiritual. Descartes propunha a investigação dos fenômenos para melhor
conhecê‑los e isso desarticulou, em grande medida, o saber assentado apenas em suposições. No
entanto, mesmo com essa forma de compreender o doente mental, mesmo na transição entre
Idade Média e Idade Moderna, o atendimento permaneceu sendo orientado pela segregação. No
caso, as instituições alisares, assentadas na segregação e em práticas que buscavam controlar
os corpos dos doentes mentais, tornaram‑se hegemônicas na atenção ao doente mental e se
espalharam em toda Europa e em todas as partes do globo. Nessas instituições, as pessoas eram
internadas, e permaneciam nesses espaços sem qualquer atividade, por longos anos. Muitos
daqueles que eram institucionalizados, no entanto, não eram doentes mentais, podendo ser
alocados em um mesmo espaço crianças abandonadas, idosos, ladrões, pessoas com hanseníase
e doentes mentais. As instituições buscavam apenas o controle dos corpos e usavam práticas
assentadas na agressão física, nos eletrochoques e outras medidas extremamente prejudiciais
aos internados (MELO, 2012).
Esse estado de coisas só veio a ser alterado a partir de Philippe Pinel. Antes de prosseguirmos, consta
na sequência a figura do referido médico:
Para Melo (2012), Pinel se destacou como o fundador da psiquiatria na França, em meados do século
XVIII. Pinel foi diretor de dois importantes hospitais franceses: Bicêtre e Salpêtrière. Pinel mostrou‑se,
desde o princípio de sua intervenção, contrário à prática que até então era utilizada nas instituições de
acolhimento ao louco. Inicialmente sua proposta era por desenvolver atividades laborais ocupacionais,
associando‑se a elas a utilização de medicamentos. Pinel pressupunha que o atendimento asilar era
necessário, porém, defendia práticas inovadoras e humanas para a época. Além de recomendar atividade
prática, ancorada em remédios e não mais em castigos, ele começou um processo de separação
daqueles que eram atendidos nas clínicas. Isso porque, como sabemos, essas instituições recebiam todos
aqueles que não eram aceitos socialmente. Pinel propunha que as instituições, chamadas psiquiátricas,
atendessem somente os loucos.
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Unidade III
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Mesmo recomendando a utilização de novos métodos de abordagem, Pinel não tinha ainda todos
os recursos necessários ao pleno atendimento do doente mental. Esses mecanismos só surgiram em
fins do século XIX e início do século XX. Aqui nos referimos ao avanço e à expansão da neurologia e à
ampliação dos psicotrópicos. No sentido em pauta, cabe a nós reforçar que é somente com a expansão
e reconhecimento da neurologia que se tornou possível entender a loucura como proveniente, dentre
outros aspectos afins, da disfunção neural. Nessa época, a loucura passou a ser nomeada por alguns
profissionais como “psicose”, mas o entendimento é que a doença provinha do comprometimento de um
aspecto biológico basal para evitar práticas e condutas que buscavam uniformizar a conduta do louco. Já os
medicamentos psicotrópicos mostram‑se igualmente relevantes, visto que foi a partir de meados de 1950
que eles passaram a ser amplamente utilizados, caracterizando o atendimento ao doente mental como
uma “psiquiatria química”, ou seja, assentada no tratamento medicamentoso. Apesar de Melo (2012)
destacar que hoje temos ciência de que o excesso de medicamentos pode também agravar a doença
mental, na época, os medicamentos foram importantes dispositivos usados visando a minimização de
algumas patologias, tornando o atendimento mais humano. Para tanto, mesmo com o desenvolvimento
da neurologia e dos psicotrópicos, no momento, ainda teremos uma prática de ação especialmente
orientada para a segregação do doente mental em espaços fechados, prevalecendo assim o atendimento
centrado no modelo do hospital.
Foi da Itália, já em meados do século XX, que tivemos o surgimento de uma nova perspectiva do
trabalho com o doente mental, defendida com muito vigor por Franco Basaglia. Você já ouviu alguma
coisa sobre ele? Se não, faremos uma breve descrição. Basaglia foi um psiquiatra e neurologista italiano,
que teceu severas e pesadas críticas ao modelo de internação do doente mental. Além de propor
práticas e condutas mais humanas, ele pressupunha que o doente mental deveria ser reinserido na
vida em sociedade, posto que a loucura era algo que o integrava, que o fazia ser quem era. Basaglia
é reconhecidamente apresentado como o maior interlocutor do que chamamos luta antimanicomial,
uma vez que pressupunha o fechamento dos manicômios e a instituição de uma rede de atenção social
destinada a promover a vida do doente mental em sua comunidade (AMARANTE, 2007).
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POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
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Amarante (2007) ainda nos diz que o exemplo mais representativo das lutas de Basaglia ficou
consolidado no Hospital Provincial de Trieste, onde o psiquiatra assumiu a direção da instituição.
Inicialmente Basaglia realizou uma mudança nas formas de conduta do hospital, passando a
desenvolver práticas de partilha de decisões com os internos, além de estimular atividades lúdicas e
de recreação. Em Trieste também foram abolidos castigos físicos, eletrochoques e condutas análogas.
Com o tempo, Basaglia realizou a inserção dos doentes mentais de Trieste na sociedade novamente por
meio da consolidação de uma rede territorial de atendimento construída através de serviços de atenção
comunitária, atendimento em emergências psiquiátricas e no hospital geral, além de cooperativas de
trabalho protegido, de centros de convivência e moradias assistidas. Melo (2012) nos colocou que,
no ano de 1973, a Organização Mundial de Saúde declarou que a experiência de Trieste era a maior
referência de atendimento psiquiátrico existente. A autora nos coloca ainda que, no ano de 1976, o
Hospital Providencial de Trieste foi fechado, e os pacientes foram totalmente reinseridos na sociedade.
No entanto, na Itália, somente no ano de 1978 foi aprovada a Lei nº 180, de 13 de maio, em que foi
autorizada a Lei de Reforma Psiquiátrica italiana, processando então uma profunda alteração do sistema
de atendimento ao doente mental. Assim, buscou‑se cada vez mais o fechamento das instituições que
prestavam o atendimento em regime fechado para os doentes mentais. Obviamente que essa mudança
não aconteceu de um dia para outro, mas, com o tempo, a Itália foi mudando o seu formato de
intervenção perante o doente mental.
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Unidade III
A vivência italiana foi extremamente importante para o Brasil, condicionando também as mudanças
em relação à saúde mental. No entanto, antes de falarmos disso, precisamos compreender como essa
ação fora desenvolvida em nosso país e de forma análoga ter a ciência de como era entendido o doente
mental no Brasil. Dias (2012) nos coloca que na época da colônia, os doentes mentais não recebiam
nenhum atendimento específico. Nesse sentido, todos aqueles que padeciam de sofrimento mental
eram entregues à própria sorte, sem uma intervenção específica. Em alguns casos, eram atendidos nas
Santas Casas de Misericórdia, com crianças vítimas de abandono, pessoas que cometeram ato infracional
e assim sucessivamente.
Foi no Império que surgiram, no entanto, as grandes instituições hospitalares destinadas a atender
doentes mentais, as quais, em sua maioria, eram ligadas a organizações religiosas. Essas organizações
criaram os grandes asilos psiquiátricos e conferiram a tônica do atendimento ao doente mental no
país. Nesses espaços, assim como na Itália e em todo mundo, o doente mental era mantido em regime
fechado, sem qualquer convivência com a sociedade, com a família, com o mundo exterior. “O modelo
clássico de atenção em saúde mental foi a construção e manutenção de grandes asilos psiquiátricos
que demonstraram sua incapacidade de tratar e de respeitar os direitos dos portadores de transtorno
mental” (DIAS, 2012, p. 3). Partindo da ação do Império, entretanto, teremos a criação em 1852 do
primeiro hospício do país, o Hospício Dom Pedro II.
Observação
Já no ano de 1903, no contexto da República Velha, teremos a publicação de uma nova legislação, a
Lei Federal de Assistência aos Alienados, de número 1.132, de 22 de dezembro. No entanto, na legislação,
temos o direcionamento de que o doente mental deveria ser inserido em instituições de acolhimento a
fim de não perturbar a ordem social. O artigo 1º da referida legislação deixa bem claro o entendimento
em relação à ação sobre o doente mental e a pessoa que padece dessa patologia. Vejamos:
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Portanto, o doente mental é apresentado como aquele que pode ter nascido doente ou que pode
ter adquirido a doença, mas, se perturbasse a ordem social, deveria ser recolhido ao asilo, os hospitais
psiquiátricos. Assim, em grande parte da República Velha, o atendimento permaneceu assentado nos
grandes hospitais. Dias (2012) nos diz ainda que nos anos 1920 tivemos mudanças na organização
da Medicina, e isso trouxe influências para a prática asilar até então desempenhada. A autora nos
remete então à confluência dos ideais do sanitarismo e da eugenia, que influenciaram as práticas em
saúde, sobretudo no que diz respeito às instituições asilares. O sanitarismo buscava, tal como o termo
sugere, higienizar o país e, dessa maneira, incutir novos hábitos ao povo brasileiro. Acreditava‑se que
uma sociedade só conseguiria alcançar o desenvolvimento econômico se o seu povo fosse sadio, e,
por isso, todas as condutas tidas como prejudiciais à saúde eram coibidas. Já a eugenia é a crença
de que o ser humano possui uma carga biológica, que apresenta predisposições a ter determinados
comportamentos. Logo, acredita‑se na existência de uma dada herança genética que orienta as pessoas
a adotar determinadas posturas.
Derivando dessa perspectiva, eugênica e higiênica, no ano de 1923, temos a criação no Brasil da
Liga Brasileira de Higiene Mental. A Liga tornou‑se responsável por criar hospitais para atendimento ao
doente mental e também por instituir as colônias agrícolas, onde o trabalho era usado para supostamente
intervir nas patologias dos atendidos. No entanto, esses serviços não eram constituídos apenas aos
doentes mentais, uma vez que atendiam ainda a portadores de tuberculose e de hanseníase.
Dias (2012) nos indica ainda uma série de eventos que aconteceram, porém, a partir de 1930, estão
ligados à questão do doente mental no período. Um deles foi a criação do Ministério da Educação e da
Saúde Pública, em 1930, que, por sua vez, no ano de 1941, instituiu o Serviço Nacional de Doenças Mentais.
O Serviço Nacional de Doenças Mentais deveria organizar a atenção ao doente mental no país, que
só permaneceu sendo executado através dos hospitais. Além dessa ação, teremos, também, durante o
governo Vargas, em 1934, a promulgação do Decreto nº 24.559, destinada à Assistência e Proteção à
Pessoa e aos Bens do Psicopata. No entanto, analisando o teor do documento, vemos que se trata da
delimitação de parâmetros para a atuação perante o doente mental, nomeados na lei em questão pelo
termo “psicopatas”. Ainda a título de exemplo, observe o que nos dizem os artigos nº 3º e 4º sobre a
proteção destinada a esse segmento:
Nos artigos inseridos, vemos que o hospital ainda é apresentado como o espaço por excelência do
tratamento do doente mental. No entanto, observamos nesse texto que há a possibilidade de o doente
mental ser atendido em casa, desde que tenha acesso a demais serviços necessários. Vemos também
em tal legislação a necessidade, no entanto, de observação de dados aspectos pelas instituições de
atendimento. Esse decreto foi substituído em 1946 pelo Decreto‑lei nº 8.550, que instituiu o Serviço
Nacional de Doenças Mentais. No entanto, o Serviço Nacional de Doenças Mentais foi criado com a
finalidade última de firmar convênios para a construção e a ampliação de hospitais psiquiátricos
(DIAS, 2012). No ano de 1955, a Organização Mundial de Saúde manifestou‑se no sentido de fortalecer
a necessidade da consolidação de normas para o atendimento hospitalar, mas, mesmo ela compreendia
que esse era o único formato de atendimento destinado ao doente mental (MELO, 2012).
Após esse evento, teremos, de mais significativo, em 1960, a criação da Clínica Pinel, em Porto Alegre
e, no ano de 1967, conforme Melo (2012), o Brasil promoverá a Campanha Nacional de Saúde Mental,
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POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Melo (2012) reforça que as críticas ao formato hospitalar eram presentes na realidade brasileira desde
o segundo pós‑guerra, porém, foi somente a partir de fins dos anos 1970, que elas se consolidaram.
O pontapé inicial teria sido o Plano Integrado em Saúde Mental, lançado pelo Ministério da Saúde
em 1978, e que tinha como objetivo promover a formação de equipes multidisciplinares e médicos
generalistas para atuar na área da saúde mental. Por um lado, grande parte desses profissionais ainda
eram alocados nos hospitais psiquiátricos, mas, por outro lado, a inserção de profissionais de várias
áreas deflagra o surgimento ainda que rudimentar do entendimento de que o doente mental precisa
de outros saberes e de outras ações além do padrão oferecido pelo hospital e que estava respaldado no
saber médico e na utilização de medicamentos.
Nos anos 1970, vivenciamos ainda a organização do movimento sanitário, vinculado ao movimento
de reforma sanitária. Além de exigir uma política social de saúde destinada a todos os brasileiros, de
buscar qualificar as práticas em saúde, o movimento sanitário passa então a reivindicar a reforma
psiquiátrica. Leia‑se como reforma psiquiátrica a instituição de condutas mais humanas perante os
doentes mentais e, sobretudo, o fechamento dos hospitais. O movimento estava vinculado também
à Organização dos Trabalhadores em Saúde Mental, que era contrário às formas de tratamento dos
pacientes incluídos nas instituições asilares no país. Entretanto, no Brasil, como indica Melo (2012),
no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o país ainda era com predominância de atendimento
hospitalar. No caso, o país contava ao final dos anos 1970 com mais de 80.000 mil leitos ocupados em
instituições psiquiátricas.
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Para tanto, a discussão sobre a saúde e a saúde mental ganhou corpo no Brasil. Grande parte dessas
discussões mostrou‑se presente na 8ª Conferência Nacional de Saúde no ano de 1986. Aprimorando os
debates em relação ao campo da saúde mental, tivemos, no Brasil, a 1ª Conferência Nacional de Saúde
Mental, no ano de 1987. Também é do ano de 1986 a redação do texto do projeto de fechamento
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Unidade III
dos hospitais, do deputado Paulo Delgado. O projeto aprovado apenas em 2001 foi vital para ampliar
a discussão sobre a nocividade dos atendimentos hospitalares psiquiátricos desenvolvidos no país.
A Lei Paulo Delgado, como ficou conhecida, destaca que é responsabilidade do Estado a gestão das
ações em saúde mental, congregando esse tipo de serviço como um direito do cidadão. Informa ainda
que a internação deveria ser usada somente quando os demais recursos não se mostrarem capazes
de atender a necessidade do doente mental. E mais, indica que os pacientes que estavam há tempos
institucionalizados deveriam ter suporte necessário para a reinserção social, familiar e comunitária.
Vejamos parte do texto da referida legislação:
Ainda reforça que a internação deveria seguir parâmetros mais rígidos. Antes de a lei ser aprovada,
no entanto, houve muito estudo e pesquisa dos profissionais na saúde a fim de construir um modelo
de atenção, além do hospital. De tantas discussões, surgiram atividades concretas, e a primeira delas
aconteceu em Santos, em 1989, com a primeira experiência de intervenção perante o doente mental em
meio aberto. Outras experiências similares foram sendo desenvolvidas em todo país, mesmo antes da
consolidação da Lei Paulo Delgado, porém, somente com a promulgação da legislação, é que se definiram
os Centros de Atenção Psicossocial como equipamentos privilegiados do atendimento ao doente mental
(mas não o único). Por outro lado, procedeu‑se uma lenta e gradual “desospitalização”, termo pelo
qual pacientes antigos institucionalizados foram reinseridos em suas famílias ou então alocados em
residências terapêuticas. Entretanto, esse não foi um processo ainda plenamente consolidado e está em
construção no nosso país.
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POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
O Hospital Vera Cruz foi oficialmente desativado nesta terça‑feira (6) em Sorocaba
(SP). Os quatro últimos pacientes que estavam internados na unidade deixaram o
local no período da manhã e foram encaminhados para residências terapêuticas de
Salto (SP).
Com a desativação, a cidade de Sorocaba – que já foi o centro do maior polo manicomial
no Brasil, com 2,7 mil pacientes – fecha oficialmente todos os seus hospitais psiquiátricos.
Exemplo de aplicação
De acordo com o texto prévio e adotando como parâmetros o que estudamos até o momento,
podemos dizer que os hospitais psiquiátricos vêm sendo substituídos por residências terapêuticas. Como
analisar essa mudança no formato de atenção à saúde mental proposta pelo fechamento dos hospitais?
Reflita sobre isso.
No tópico subsequente, apresentaremos um rol amplo de informações a respeito do que pode ser
compreendido, hoje, como atuação em saúde mental no Brasil.
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Unidade III
Agora que já estudamos parte da história das ações em saúde mental desenvolvidas no Brasil, o
convidamos a dar andamento em seus estudos e conhecer as ações desenvolvidas atualmente, pelo Estado,
em saúde mental. Destacaremos aqui dados sobre o Programa de Volta para Casa e sobre a Rede de Atenção
Psicossocial, que, no momento, vêm realizando todo o atendimento ao doente mental no país.
O Programa de Volta para Casa destina‑se a viabilizar a reinserção social, familiar e comunitária para
egressos de hospitais psiquiátricos. A ação beneficia pacientes que estavam internados há mais de dois
anos, ou melhor dizendo:
Destaque‑se o fato de que o tempo de internação contabilizado deve ser considerado expressamente
como aquele em instituição destinada a atendimento psiquiátrico, não podendo ser associado nessa
conta o tempo que o paciente tenha permanecido acolhido em instituições de outra natureza.
Ou seja, funciona como uma mediação para que aquele paciente, que estava internado, pudesse deixar
a instituição. Porém, essa ação só é cabível em casos em que fique comprovada a possibilidade de o
indivíduo ser reinserido na sociedade.
Os beneficiários inseridos no De Volta para Casa podem receber uma remuneração, equivalente a
R$ 412,00, por até um ano. O benefício pode ser renovado, desde que seja comprovada a necessidade
do paciente. Para o acesso ao benefício financeiro e para que seja acompanhado por profissionais da
área, é necessário que o paciente seja acompanhado por um Caps que esteja localizado na região de sua
residência. Quando o município não possui Caps, o beneficiário deve ser acompanhado por profissionais
da Atenção Básica.
No entanto, para que os municípios tenham o Programa de Volta para Casa, precisam fazer a adesão
no Governo Federal. Essa adesão é uma espécie de termo de convênio, por meio do qual o Município se
apresenta ao Governo Federal como interessado em executar o Programa. Estima‑se que em 2017 havia
701 vinculados ao programa, e, um total de 4.499 beneficiários (BRASIL, [s. d.])c.
Além do De Volta Para Casa, temos a consolidação da chamada Rede de Atenção Psicossocial. A rede
congrega benefícios e serviços organizados em prol do doente mental, podendo ser compreendida da
seguinte forma:
Trata‑se de um rol de serviços localizado na região de residência dos beneficiários e tendo em vista a
sua reinserção social, familiar e comunitária. São apresentados como serviços vinculados à rede: o Centro de
Atenção Psicossocial e as Unidades de Acolhimento, além de práticas voltadas à reabilitação. Vamos conhecer
um pouco mais dos Centros de Atenção Psicossocial ou Caps e depois passaremos a outros serviços.
Os Caps são serviços que oferecem aos doentes mentais e aos dependentes químicos, atendimento
interdisciplinar. Aquele que é atendido pelo Caps não deixa a sua família, sua comunidade, mas
permanece em sua realidade, comparecendo ao serviço somente para atendimento, que é previamente
agendado. O Ministério da Saúde apresenta o serviço da seguinte maneira:
De tal forma, o Caps não atende somente o doente mental, mas também casos de dependência
de álcool e drogas por meio de ação interdisciplinar prestada na região de residência do paciente.
Atualmente no Brasil há vários tipos de Caps, uma vez que os serviços são constituídos com base no
número de habitantes dos municípios e ainda conforme a patologia apresentada. Vejamos a seguir a
definição do Ministério da Saúde:
De forma que, Caps I e Caps II realizam o atendimento ao doente mental. O que muda de um para o outro
é a abrangência, pois o Caps I é constituído de municípios de pequeno porte, ou seja, aqueles que possuam
menos de 15 mil habitantes. Já o Caps II destina‑se a municípios de médio porte, ou seja, que tenham em
média até 70.000 habitantes. O Caps i, por outro lado, é o equipamento constituído para atender crianças e
adolescentes que tenham qualquer patologia ou que apresentem quadro de dependência, também instituído
em municípios com no mínimo 70.000 habitantes. O Caps ad aborda somente pessoas com dependência
química, mas também é instituído em municípios com no mínimo 70.000 habitantes. Prática similar é a
realidade pelo Caps ad III, porém, nesse caso, temos a oferta de acolhimento noturno e o funcionamento é
ininterrupto. E o Caps III prevê atendimento na modalidade de acolhimento, todavia até 5 vagas. O Caps III
pode ser constituído em locais que possuam até 150.000 habitantes.
Além dos Caps, temos as Unidades de Acolhimento, executadas, sobretudo, através do atendimento
domiciliar de pacientes em sua residência, oferece atendimento contínuo para dependentes químicos,
que façam uso de crack, álcool e outras drogas. Essas Unidades de Acolhimento realizam o acolhimento
por tempo determinado, em média de 6 meses, de forma a preparar o dependente ao retorno da vivência
familiar. Tais unidades devem ser compostas de meio de equipe interdisciplinar e apresentam duas
modalidades ou formatos de organização, a saber:
Nesses espaços, a prática busca humanizar o cuidado do doente mental e se qualificar como um
espaço provisório de passagem. Além dessas unidades, temos as residências terapêuticas. As residências
terapêuticas por outro lado são moradias para pessoas que já passaram pelas internações psiquiátricas,
mas que não tiveram condições de serem reinseridos nas famílias. As residências ainda atendem grupos
em situação de vulnerabilidade, como os moradores de rua, por exemplo. A definição do Ministério de
Saúde sobre esse serviço é a seguinte:
que não possuam suporte social e laços familiares. Além disso, os Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRTs) também podem acolher pacientes com
transtornos mentais que estejam em situação de vulnerabilidade pessoal e
social, como, por exemplo, moradores de rua (BRASIL, [s. d.]e).
As residências terapêuticas guardam muita relação com a prática proposta por Basaglia, porém,
foram constituídas em alguns municípios no Brasil e não em todos. Façamos antes uma pequena pausa.
Observe a notícia na sequência.
Em Belo Horizonte, 257 pessoas são atendidas pelo serviço. Muitas delas viveram anos
internadas em manicômios e hospitais psiquiátricos
“Eu sou Antônio Carlos Albergaria, o Toninho. Comecei a dar problema aos 23 anos.
Adoeci e fui internado em Barbacena. Depois fui pra Santa Clara, depois para a clínica Nossa
Senhora de Lourdes. Fiquei trinta a três anos lá. Não comia. A comida era horrível”.
O Toninho, como gosta de ser chamado, é morador de uma das residências terapêuticas
de Belo Horizonte, que fica no bairro Santa Amélia, Região da Pampulha. Assim como ele,
outras 257 pessoas são atendidas pelos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) da capital.
Ao todo, a cidade conta com 33 casas.
Dona Mônica mora em uma residência terapêutica que fica no bairro Itapoã. Ela recebeu a
equipe do MG1 com sorriso no rosto e muita história para contar. Ela disse estar feliz e confortável
onde mora e que só conseguiu essa alegria há cinco anos, quando se mudou. Antes de morar em
um dos SRTs, ela passou por muito sofrimento. “Eu tinha uns 21 anos quando tive um problema
de depressão. Aí, minha família percebeu e procurou um psiquiatra. Só que a terapia que eu fiz
nunca acabou. Me jogaram num hospital, assim, do nada. Lá era tudo fechado, hospício. Não tem
a menor condição de uma pessoa sobreviver assim. Lá eu tomava mil, milhões de choques”, diz.
conveniados ao SUS, nós precisávamos dar um local para essas pessoas, já que nesses
manicômios elas não eram tratadas como seres humanos. Os serviços residenciais terapêuticos
são o auge da luta pelo tratamento em liberdade, da reforma psiquiátrica” ressalta.
Comunidades Terapêuticas
Hospital‑Dia
Além disso, destaca‑se a possibilidade de o doente mental ou do dependente químico acessar o BPC
ou o BPC na Escola. De tal maneira, é por meio dessas ações e serviços que são atendidos os doentes
mentais e os dependentes químicos no Brasil.
Para abordar neste tópico a ação do assistente social na saúde mental, recorremos às referências e
diretrizes elaboradas pelo CFESS. Também apresentaremos exemplos de intervenção em serviços da Rede
de Atenção Psicossocial, a fim de demonstrar, com maior clareza, como se dá a prática nesses espaços.
Além disso, o documento Parâmetros para Atuação dos Assistentes Sociais na Política de Saúde
destaca que para a intervenção na saúde, incluindo nesse campo a saúde mental, é fundamental
considerar a Política de Saúde de acordo com o que está posto do texto constitucional, isto é, uma
saúde de qualidade, de responsabilidade do Estado e, sobretudo, que seja, de fato, direcionada a
todos que delas necessitarem. Consonante com essa perspectiva, o texto destaca que, na saúde
mental, o profissional precisa estar engajado aos princípios postos pelo Movimento de Reforma
Psiquiátrica e que busca, como vimos, a qualificação de práticas humanas e de qualidade em prol
do doente mental.
Dessa forma, o assistente social é apresentado como um profissional que deve sempre se colocar
em prol do Movimento de Reforma Psiquiátrica, fazendo que os objetivos desse movimento sejam
plenamente contemplados. Isso porque, segundo o documento, os objetivos do movimento têm
correspondência com os valores e postulados que orientam o exercício profissional. Aliás, por várias
vezes, ao discutir a ação do assistente social na saúde, o documento ressalta que é basal ao profissional
atuar de forma interdisciplinar, porém, observando o necessário respeito às atribuições privativas e
competências profissionais. Nesse sentido, é extremamente relevante que a identidade profissional do
assistente social seja preservada. Por fim, concluindo as orientações, o documento reforça a importância
de que o assistente social não tome a subjetividade como objeto de sua ação profissional, uma vez que
esse tipo de ação profissional cabe aos psicólogos.
Grande parte dessas colocações a respeito da atuação do assistente social na área da saúde mental é
recuperada no Seminário Nacional de Serviço Social na Saúde que aconteceu em Olinda no ano de 2017.
O resultado de palestras e exposições de mesas redondas foi consolidado em formato de livro pelo CFESS.
Nele temos um rol amplo de textos que discutem a prática de saúde, enfatizando também aspectos
vinculados à ação do assistente social na área de saúde mental. Os textos que abordam a questão da
saúde mental estão vinculados à Plenária 1 do evento intitulada: “Política de Saúde Mental e os Serviços
Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos: a inserção dos assistentes sociais”, no qual colaboraram as
autoras Lúcia Cristina dos Santos Rosa e Conceição Maria Vaz Robaina. De tal forma, é importante frisar
que tanto Rosa (2017) quanto Robaina (2017) reforçam que a atuação do assistente social na saúde
mental jamais pode perder de vista os parâmetros que orientaram a Reforma Psiquiátrica. Da mesma
maneira, ambas as autoras recuperam e reforçam a importância de que os profissionais sempre tenham
a sua prática condicionada e orientada pela lei que regulamenta a profissão e pelo Código Profissional
de Ética dos Assistentes Sociais.
No sentido em pauta, Robaina (2017) coloca que na área da saúde mental temos observado duas
perspectivas. Uma delas é a prática em que o assistente social toma a subjetividade como seu objeto
de intervenção. A autora tece uma crítica a tal conduta uma vez que o objeto de atuação do assistente
social é a questão social e suas múltiplas formas de expressão. Por assim dizer, Robaina (2017) considera
que a doença mental é resultado de um rol de fatores e a considera como uma das muitas expressões
da questão social. Portanto, é uma prática equivocada. Para o rompimento dessa prática e para uma
ação qualificada em saúde mental, é vital ao assistente social a realização de uma análise crítica em
que seja possível realizar “[...] a identificação dos determinantes sociais e particularidades de como a
questão social se expressa naquele âmbito” (ROBAINA, 2017, p. 56). Dessa forma, segundo a autora, o
serviço social conseguiria também preservar a sua identidade profissional, desenvolvendo uma prática
profissional sob a qual possui formação teórica e técnica.
A autora destaca que na saúde mental ainda temos a predominância da intervenção dos assistentes
sociais nas famílias daqueles que possuem alguma doença mental ou que padecem com a dependência
química, e que essa prática deve ser sempre desenvolvida considerando a ótica territorial dos serviços.
Segundo ela destaca, os assistentes sociais sempre buscam desenvolver práticas que permitam a
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POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Diante de tais colocações e para demonstrar que conseguimos conhecer um pouco mais a respeito
das ações do assistente social em saúde mental, apresentaremos no decurso desse material o relato
de duas experiências do profissional, uma desenvolvida em um Caps e outra de uma prática em uma
comunidade terapêutica.
Silva e Gomes (2016) nos apresentam a descrição de uma experiência de atuação do assistente
social no Caps considerando a prática profissional em Belém do Pará. No texto, as autoras destacam
o entendimento da doença mental como expressão da questão social e o fato de que o serviço social
sempre foi requisitado a atuar em saúde mental, inicialmente, nos hospitais psiquiátricos. No entanto,
a partir do reordenamento do serviço de saúde mental, o serviço social passou a integrar equipes com
outra orientação de atuação, dentre os quais, o Caps. Para ambas, a intervenção contemporânea do
assistente social no Caps é essencialmente pluralista, uma vez que o profissional é chamado a integrar
equipes interdisciplinares tendo em vista a necessidade de o atendido ser compreendido em sua
totalidade. Ainda, conforme elas, dentro do Caps, o profissional não pode perder de vista a perspectiva
histórica‑crítica.
Já no que diz respeito às ações desenvolvidas pelos assistentes sociais no cotidiano de ação no Caps
de Belém do Pará, destacou‑se que as principais intervenções dos profissionais estavam orientadas à
articulação com rede de serviços dos respectivos territórios, providência de documentos pessoais dos
atendidos, realização de visitas domiciliares para aproximação à família dos atendidos e para fortalecer
o vínculo familiar, orientações e encaminhamentos para acesso de benefícios sociais e emissão de
parecer social, além de relatórios. De tal forma, as autoras destacam que são adotadas condutas pelos
assistentes sociais visando sempre a efetivação dos direitos sociais dos atendidos.
Outro exemplo interessante nos é apresentado por Woerner (2015), que relata uma análise sobre a
atuação dos assistentes sociais nas chamadas comunidades terapêuticas. Esse texto representa um estudo
realizado com profissionais que atuam em instituições localizadas em Blumenau, Santa Catarina. Os autores
nos colocam que as comunidades terapêuticas surgiram na Inglaterra em 1940 como serviços destinados
a atender soldados com traumas por conta da guerra. Com o tempo, essas experiências foram mudando e
na atualidade se constituem como dispositivos importantes da Rede de Atenção Psicossocial. No entanto,
grande parte dessas instituições é privada e faz convênios com o Estado. Aliás, muitas delas têm em
sua diretoria o trabalho voluntário de grupos religiosos. Isso é um dado importante, uma vez que nesses
espaços era comum que pessoas vinculadas aos grupos religiosos desempenhassem o papel do assistente
social, sem possuir graduação. No entanto, essas práticas foram descontinuadas, assim como o excesso de
vinculação entre a ação e a religião.
Partindo de uma caracterização inicial, o autor coloca então que a sua análise teve início do estudo de
uma comunidade terapêutica que atende somente homens, adultos e adolescentes. Em sua intervenção,
o assistente social desenvolve sua prática com base em três fases, a saber: ingresso, atendimento e
135
Unidade III
Enfim, acreditamos termos conseguido caminhar bem e conhecer um pouco mais da questão da
saúde mental e também de nos aproximar de aspectos relacionados à prática do assistente social
nesses espaços.
Nesse tópico, tal como enunciado no decurso do material, apresentaremos indicações sobre a política
social de educação e a política social de habitação.
A política social de educação só adquiriu essa característica a partir da Constituição de 1988. Antes
desse período, teremos no Brasil várias ações pontuais e descontinuas por parte do Estado. Assim sendo,
o texto constitucional nos indica no artigo 205:
O texto constitucional ainda coloca que a política social de educação deve ser desenvolvida por meio
de um rol de serviços, citados no artigo 208, a saber:
Nesse sentido, vemos que as discussões sobre a importância do serviço social na educação são mais
comuns a partir do ano 2000. No que diz respeito às indicações do conjunto CFESS‑Cress, teremos, no
ano de 2001, a publicação do documento “Serviço Social na Educação”. Nele, temos informações que
destacam a importância desse profissional no espaço pedagógico, e ainda quais seriam as principais
ações e princípios norteadores do exercício profissional na área.
Os princípios reforçados, também nesse documento, são aqueles relacionados ao disposto no Código
Profissional de Ética dos Assistentes Social e na lei que regulamenta a profissão do assistente social.
137
Unidade III
Assim, tal como indicamos, ao estudar a ação do assistente social na saúde mental, tais valores ou
normas devem servir de orientação para os profissionais em qualquer área de atuação. Além disso, o
documento indica como basal aos profissionais compreender a educação como uma política social,
portanto é direito de todos e dever do Estado. Ademais, é importante que os profissionais considerem
a função social da escola e a educação como um direito social, bem como as possíveis contribuições do
serviço social para a garantia do direito à educação.
O documento “Serviço Social na Educação” coloca que a escola é uma espaço em que temos a
manifestação de várias expressões da questão social. Logo, é na escola, no espaço educacional, que muitas
das contradições expressas na sociedade se tornam perceptíveis. Essas expressões são a matéria‑prima, o
objeto de trabalho do assistente social. Algumas das intervenções mais comuns no âmbito da educação
por parte do assistente social estão ligados a acompanhar casos de evasão escolar e baixo rendimento
ou desenvolvimento da aprendizagem. Portanto, o exercício do assistente social é orientado por ações
que visam garantir “[...] o acesso e a permanência do aluno na escola” (CFESS, 2001, p. 12).
Podemos então identificar algumas atividades práticas que podem ser desenvolvidas pelos assistentes
sociais que atuam na educação: realização de diagnósticos sociais sobre o público atendido, identificação
de fatores sociais, econômicos e culturais que influenciam a organização do sistema educacional, sendo
que essa prática deve ser desenvolvida por meio de uma ação interdisciplinar. Além dessa prática, o
assistente social deve atuar de forma a viabilizar aos alunos o acesso a benefícios e serviços para que
eles possam permanecer na escola e se desenvolver nesse espaço. Esse rol de ações tem como objetivo
atuar “[...] principalmente no processo de inclusão social de crianças e adolescentes em idade escolar”
(CFESS, 2001, p. 12). Afinal, não basta que a criança ou o adolescente seja matriculado, mas sim que
mantenha sua frequência e o desenvolvimento de sua aprendizagem.
O texto ainda indica como funções do assistente social na prática nas unidades de ensino:
138
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Consequentemente, temos na educação um rol amplo de atividades que podem ser desenvolvidas
por esse profissional. Para isso, ele precisa considerar a escola e o espaço social em que está vinculada
a escola como local de inclusão social e instância de gestão democrática. Essas são referências para a
intervenção do assistente social no campo educacional.
Outro importante dispositivo que busca oferecer parâmetros para a atuação do assistente social na
educação foi publicado pelo CFESS em 2014, denominado Subsídios para Atuação dos Assistentes Sociais
na Política de Educação. No registro em questão, também temos a defesa dos documentos que definem
o exercício do assistente social no Brasil, sendo esses: a lei que regulamenta a profissão do assistente
social, além do Código Profissional de Ética dos Assistentes Sociais. Há ainda a indicação da necessidade
de compreensão da educação como uma política social, direito do cidadão e dever do Estado.
No entanto, no documento em questão, há o destaque para que o assistente social desenvolva sua
prática na área de educação adotando como referência os seguintes parâmetros:
Portanto, é necessário que o profissional faça uma análise crítica da realidade, compreendendo sua
atuação no campo educacional como uma prática desenvolvida nas expressões da questão social.
139
Unidade III
Partindo de tais colocações, o texto indica que há dimensões a serem consideradas quando
pensamos na prática do assistente social na educação. Ao fazê‑lo, temos a apresentação das principais
condutas idealizadas para os assistentes sociais atuantes nessa área, sendo essas: atuação em prol da
garantia do acesso e permanência na área educacional, efetivação de espaços de gestão democrática
e na qualidade da educação.
De tal maneira, por acesso e permanência na escola, buscam‑se designar ações que viabilizem:
“[...] acesso e permanência da população nos diferentes níveis e modalidades de educação, a partir
da mediação de programas governamentais instituídos mediante as pressões de sujeitos políticos que
atuam no âmbito da sociedade civil (CFESS, 2014, p. 37). Ou seja, haverá públicos específicos que não
vão conseguir manter a frequência escolar, por fatores que estão além do espaço escolar. Esse grupo
de indivíduos demanda por ações do profissional que deverá mobilizar os recursos necessários para a
manutenção dessas populações nos espaços de educação formal.
Já no que diz respeito à dimensão da prática, o texto Subsídios para Atuação dos Assistentes Sociais na
Política de Educação avança em indicar alguns pressupostos básicos necessários aos profissionais. Um deles
(mas não o único) indica que atuar na área educacional é ir além de atender alunos por meio de abordagens
individuais, antes, incorpora práticas que possam integrar a família e toda a comunidade escolar.
Isto é, há um rol amplo de segmentos que devem ser inseridos nas pautas de ação dos assistente
social atuante na educação. Portanto, segundo o documento, é basal ao profissional a ampliação das
possibilidades técnicas e instrumentais para que sua intervenção consiga alcançar, de fato, os objetivos
propostos. Necessário ainda ao profissional apresentar capacidade teórica e política para analisar o
campo sob o qual atuar e para intervir sobre ele: “Para tanto, exige‑se do/a profissional de serviço social
uma competência teórica e política que se traduza em estratégias e procedimentos de ação em diferentes
140
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
níveis (individual e coletivo), capaz de desvelar as contradições que determinam a Política de Educação”
(CFESS, 2014, p. 41). Melhor dizendo, a intervenção deverá congregar “[...] aportes teórico‑metodológico,
ético‑político e técnico‑instrumental” (CFESS, 2014b, p. 50).
No entanto, ao final do texto, vemos que é destacado que ainda há necessidade de luta e muita organização
e reivindicação para que os assistentes sociais sejam incorporados à política social de educação. Por enquanto,
ficamos com alguns exemplos de atuação de assistentes sociais na educação, sendo um na Educação Infantil
e outro no Ensino Superior. Ribeiro (2015) apresenta uma pesquisa realizada em instituições de Educação
Infantil da região de Brasília em que havia atuação do assistente social. A pesquisa observou que nessas
instituições a prática do profissional estava orientada a atender casos de evasão, fracasso e desinteresse pelo
estudo. Sua análise concluiu que por meio da prática do assistente social são efetivados direitos sociais das
crianças que garantem a sua frequência na escola. Já a análise de Felix, Souza e Holanda (2017) tinha como
objetivo uma aproximação a perspectiva do assistente social que atuava no Ensino Superior e, para isso,
realizaram entrevistas com três assistentes sociais que atuavam na Universidade Federal Rural do Semiárido
do Rio Grande do Norte. Nessa pesquisa, observaram que a prática profissional estava mais orientada à
concessão de bolsas e benefícios para os universitários, e que os profissionais possuíam uma concepção crítica
sobre a política de educação e como tal buscavam, por meio de sua conduta, a efetivação dos valores éticos
e políticos que norteiam a prática profissional do assistente social.
Enfim, vemos que as possibilidades de atuação do assistente social na educação são amplas, e
podemos desenvolver condutas extremamente relevantes para efetivação dos direitos sociais. Agora,
passamos ao item subsequente no qual apresentaremos indicações sobre as possibilidades de ação do
assistente social na habitação.
Nesse tópico, abordaremos a prática do assistente social na habitação. Partiremos de uma pequena
retrospectiva histórica do desenvolvimento das ações em habitação no Brasil, para apresentarmos
informações sobre a política nacional de habitação na atualidade. Ao final, exibiremos os princípios
e referências para atuação do assistente social na área, além de experiências da prática do assistente
social nessa expressão da questão social. Grande parte de nossas colocações será elaborada com
base no documento: “Atuação dos Assistentes Sociais na Política Urbana: subsídios para reflexão”
publicado pelo CFESS em 2016. Esse documento é bastante representativo e rico, uma vez que salienta
a argumentação do CFESS em relação à questão urbana, incluindo nesse rol a questão habitacional.
Também apresentaremos, com base em artigos, exemplos de atuação do serviço social na questão
urbana, incluindo a habitacional.
Assim, vemos que a questão do acesso à habitação é algo que sempre foi mais difícil em nosso país
para as populações pobres. Da mesma maneira, as populações que têm maior poder aquisitivo também
têm mais facilidade para residir em espaços mais urbanizados. Ou seja, quando pensamos na questão
da habitação, estamos pensando na residência, na casa, mas também no entorno, ou seja, no acesso a
asfalto, saneamento básico e tudo mais que é necessário para uma vida de qualidade no espaço urbano
ou rural. Essa dificuldade de ação à habitação é presente no Brasil desde a colônia. Nesse período, nas
cidades de grande porte que foram se consolidando, já se observava a dificuldade de acesso à habitação
141
Unidade III
para alguns segmentos, sobretudo os mais empobrecidos. Assim, quem possuía condições de comprar
terrenos ou então quem podia tomar posse de um espaço, o fazia. Quem não tinha, por outro lado,
permanecia à margem do acesso à habitação. De acordo com o CFESS (2016), isso oferece as raízes para
a especulação imobiliária e torna a compra de imóveis acessível somente a um dado segmento.
Consequentemente, desde os primórdios no Brasil teremos uma diferenciação no que diz respeito ao
acesso da habitação, separando ricos e pobres e dificultando o acesso da população pobre à habitação.
No momento, o Estado não desenvolvia ações voltadas à atenção da questão habitacional. Parte dessas
ações começou a ser desenvolvida pelo Império. No ano de 1850, tivemos no Brasil a promulgação
da Lei de Terras que regulamentava a compra e venda de terras no país e que dispunha parâmetros
para a organização das sesmarias e capitanias hereditárias. As sesmarias eram terrenos abandonados
pelo governo português e entregues para aqueles que desejassem cultivar a terra, já as capitanias
hereditárias eram faixas de terra grandes, que partiam do litoral ao interior. As capitanias eram
cedidas pelo governo português para aqueles que desejavam povoar o país. As sesmarias eram como
que pedaços de uma capitania (CFESS, 2016). O que ocorre, desde a colônia, é que as pessoas que não
têm condições financeiras acabavam ocupando locais com precárias condições, dando margem para
surgimento de ocupações irregulares e favelas.
Além dessa legislação supracitada, teremos, na época do Império, ações voltadas ao saneamento das
áreas urbanas. Intervenções mais sistemáticas passaram a ser empreendidas somente a partir do governo de
Vargas. Nesse período, o Estado passou a desenvolver ações para erradicar as ocupações irregulares, como
as favelas. Porém, foram ações pontuais e que buscavam apenas a mudança de moradores das favelas para
outras regiões. Outras práticas importantes do período foram desenvolvidas pelos Institutos de Aposentadoria
e Pensão Social ou Iaps. Os institutos buscavam viabilizar o acesso à moradia para aqueles trabalhadores a
eles vinculados e que contribuíam com as pensões. Portanto, o acesso à moradia por meio do Instituto era
possível para as categorias de trabalhadores que contribuíssem com esse regime em questão. A maior parte
da população, no entanto, permanecia sem acesso a qualquer auxílio para obter à habitação (CFESS, 2016).
Outras ações passaram a ser desenvolvidas a partir do governo de Dutra para sanear a questão
das favelas. Aliás, com essa finalidade, foi criada a Fundação Leão XIII no Rio de Janeiro, que tinha
como principal mote de atuação os moradores de favelas. Além dessa ação, também no governo Dutra,
teremos a criação da Fundação da Casa Popular. A referida Fundação tinha como objetivo centralizar
a questão do acesso à habitação. Tratava‑se de uma instituição que financiava o acesso à habitação
para aqueles que não estavam vinculados aos Iaps e também firmava convênios com municípios para
atender demandas relacionadas à urbanização. Agregou‑se a isso, somente em 1956, a promulgação
da Lei nº 2.875 (BRASIL, 1956), que delimitava as ações necessárias para os moradores de favelas. A lei
autorizava o repasse de recursos para que os Estados pudessem intervir de forma a acabar com as favelas por
meio da construção e cessão de casas para aqueles que morassem em tais locais. A seguir, apresentamos
a referida legislação composta de apenas sete artigos. Vejamos:
142
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
No entanto, mesmo essa intervenção, foi capaz de dar conta das demandas habitacionais do
país naquele período. Após essa intervenção teremos a criação no ano de 1964 de um dos maiores
equipamentos para acesso à habitação e que foi o responsável por financiar o acesso habitacional
no Brasil até meados dos anos 1980. Nos referimos ao Banco Nacional de Habitação ou BNH. O BNH
financiava habitação para trabalhadores e ofereceu a possibilidade de adquirir residências por meio
do saque do FGTS. O BNH não fazia concessões de habitações, mas funcionava como um “banco” que
financiava o acesso para aqueles que pudessem pagar.
No ano de 1988, a Constituição Federal, por meio dos artigos 182 e 183, destaca a necessidade
de política de desenvolvimento urbano com o objetivo de proporcionar o pleno desenvolvimento da
política urbana. É um texto simples, assim descrito:
143
Unidade III
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando‑a para sua moradia ou de sua família, adquirir‑lhe‑á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
No entanto, as ações em habitação continuaram sendo desenvolvidas pelo BNH, e a política urbana
só existia no texto constitucional. As questões envolvendo incoerências na utilização dos financiamentos
resultaram na extinção do BNH em 1986, período em que foi criado o Ministério do Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente. O Ministério deveria se ocupar então da questão habitacional. A lacuna do
144
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
BNH só foi suprida nos anos 1990 quando a Caixa Econômica Federal passou a ser então o agente
financiador das moradias para o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Também
foram vinculados ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente o Banco Central e o
Conselho Monetário Nacional (CFESS, 2016).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi criado o Programa Pró‑Moradia para
viabilizar residências a famílias de baixa renda com o aporte ao FGTS. Também foi instituído por FHC, o
Habitar Brasil, que destinava recursos a estados e municípios para auxiliar na questão de urbanização e
saneamento. No ano de 2003, o presidente Lula criou o Ministério das Cidades, que deveria humanizar
as cidades por meio da garantia de saneamento e transporte de qualidade. Era ainda atribuição do
Ministério das Cidades ocupar-se da questão habitacional. Por meio do Ministério das Cidades tivemos
a instituição da chamada política nacional da habitação, que visava então dar concreticidade às ações
relacionadas à habitação, ao saneamento, à urbanização. No ano de 2005, ainda sob o mandato
do presidente Lula, foi instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, com ações
especificamente idealizadas à população vulnerável. Para isso, foi instituído também o Fundo Nacional
de Habitação de Interesse Social, um conselho gestor que deveria acompanhar a execução das ações e a
disposição de atividades para cada ator da política habitacional a fim de viabilizar o acesso à habitação.
Alguns dos grandes parceiros para tal ação seriam a Caixa Econômica Federal, operadora de crédito do
Sistema, e o Ministério das Cidades (CFESS, 2016).
Vamos conhecer um pouco mais da Política Nacional de Habitação? Por tratar‑se de um documento
amplo, extenso, não é possível a sua reprodução na íntegra aqui nesse material. Todavia, é possível e
preciso conhecer os pilares dessa política. A política nacional de habitação é estruturada por meio de
cinco componentes, digamos assim, são eles: O Sistema Nacional de Habitação, o Desenvolvimento
Institucional, o Sistema de Informação, o Sistema de Avaliação e Monitoramento da Habitação e o Plano
Nacional da Habitação (BRASIL, 2004).
O Sistema Nacional de Habitação congrega diversos entes federados, atores sociais afins como o
Governo Federal, Estados, Municípios e demais responsáveis para sanar as questões relacionadas à
habitação e à urbanização do país. A seguir, a definição da Política Nacional da Habitação sobre os
integrantes do referido sistema:
Toda essa organização mostra‑se necessária para o alcance dos objetivos da Política Nacional de
Habitação, os quais estão assim descritos:
Portanto, vemos que a política nacional de habitação busca uma ação ampla, de acesso à habitação,
regularização de situações “irregulares” na questão da moradia, instituição de processos para atender
famílias que residem em espaços prejudiciais e um rol amplo de intervenções no sentido de promover
a qualidade de moradia para a população. Dessa maneira, a política nacional de habitação procura
146
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Por meio da política nacional de habitação, foi instituído o Sistema de Habitação de Interesse Social,
como citado anteriormente. Será, nesse referido Sistema, que grande parte dos assistentes sociais irão
trabalhar. De acordo com a Lei nº 11.124, de 16 de julho 2005, que instituiu o Sistema de Habitação de
Interesse Social, seu objetivo, conforme o artigo 2º, é o seguinte:
Portanto, trata‑se de uma ação institucionalizada para viabilizar o acesso à habitação à população
de menor renda. Por isso, nós, assistentes sociais, estaremos vinculados, na maioria dos casos, a essas
ações, pois constituem o público‑alvo de nossas intervenções. No entanto, quando vamos atuar em uma
dada política social temos que ter pleno domínio da legislação que orienta a ação. Aqui apresentamos
os aspectos mais importantes e relevantes. O maior aprofundamento dos aspectos relacionados à área
de intervenção acontece, no entanto, no cotidiano do trabalho do assistente social.
Saiba mais
Até o momento, a política habitacional tem sido orientada por esses princípios e valores, porém
após a promulgação dessa legislação, teremos outras intervenções desenvolvidas em prol da questão
habitacional. Outras ações foram desenvolvidas pelo governo Lula sob o argumento de ampliar o acesso
à habitação. No ano de 2008, foi criado o programa Minha Casa, Minha Vida pela Lei nº 11.977 (BRASIL,
2009), um programa vinculado à habitação de interesse social. Em tese, o Minha Casa, Minha Vida deveria
147
Unidade III
viabilizar o acesso à habitação para famílias pobres, mas tornou‑se um programa com vários critérios
de renda, o que fez com que as habitações ainda permanecessem acessíveis apenas para aqueles que
possuem renda. Ainda durante o governo Lula, em 2009, o Ministério das Cidades passou a encaminhar
recursos para estados e municípios visando a urbanização em assentamentos precários. Essas ações
estavam vinculadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que foi incrementado durante
o governo de Dilma Rousseff. Assim, Dilma‑Temer não criaram ou desenvolveram nenhuma política
habitacional diferenciada (CFESS, 2016).
No entanto, ainda atualmente, o déficit habitacional é imenso no nosso país. O texto a seguir, indica
essa situação que afeta grande parcela de nossa população. Vejamos:
Brasil tem 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios, diz urbanista
O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo e foi ao chão no
centro de São Paulo, não apenas escancarou o problema do déficit habitacional no Brasil
como jogou luz sobre a situação dos imóveis vazios que, mesmo sem condições adequadas,
atraem milhares de pessoas em busca de teto.
O país tem, pelo menos, 6,9 milhões de famílias sem casa para morar. Tem também cerca
de 6,05 milhões de imóveis desocupados há décadas.
Esse descompasso, que já havia sido indicado pelo Censo de 2010, tem motivado uma
onda de ocupações e invasões em uma escala jamais vista no país, diz o urbanista Edésio
Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London).
“A diferença das ocupações tradicionais está no volume. Não se sabe quantas pessoas
vivem dessa forma, sem falar das práticas precárias de aluguel e o surgimento dos cortiços,
sobretudo nas áreas centrais, agravado pelo crescimento da população de rua”, diz Fernandes,
pontuando que as novas ocupações são maiores que muitos municípios brasileiros em
termos populacionais.
O professor cita como exemplo dessa nova onda a ocupação batizada de Izidora, em Belo
Horizonte. Formada por três vilas interligadas (Esperança, Rosa Leão e Vitória), Izidora reúne
30 mil pessoas numa área de cerca de 900 hectares ocupada a partir de 2013. Fernandes
cita também a ocupação Povo Sem Medo, de São Bernardo, que em uma semana já tinha
reunido 6 mil pessoas no ano passado.
Fernandes diz que o problema é a falta de leis para definir onde os mais pobres vão
morar. “Não há planejamento e pensamento sobre onde vão viver os pobres. [...] Os centros
148
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
de cidades estão perdendo população, mas o lugar dos pobres é cada vez mais a periferia”,
afirma o professor, que é membro da Development Planning Unit da UCL.
Para resolver esse problema, diz Fernandes, a solução não passa apenas por facilitar
a aquisição de propriedades para quem tem baixa renda. Ele defende uma mescla de
políticas públicas, que incluem também propriedades coletivas, moradias subsidiadas e
auxílio‑aluguel como medidas necessárias para acabar com o déficit habitacional, que é
maior entre famílias que têm renda entre zero e três salários mínimos – cerca de 93% dos
6,9 milhões de famílias sem teto têm renda de até R$ 2,8 mil.
É por isso que a arquiteta e urbanista Joice Berth defende reservar cotas habitacionais
em espaços com mais infraestrutura para negros.
“A gente precisa desfazer o modelo de casa grande e senzala”, afirma Berth, dizendo que
bairros como Pinheiros e Itaim Bibi, em São Paulo, são bairros mais brancos e com maior
renda “onde a negritude não pode estar”.
A arquiteta pontua que “brancos e pretos pobres se parecem, mas não são iguais”. Por
isso, ela defende cotas não apenas em programas de aquisição de imóveis em conjuntos
habitacionais, mas também uma política que garanta acesso direto à terra aos negros.
Ela também acredita que está na hora de radicalizar as pautas. “Até porque com o
advento das cotas (na educação) temos pessoas com novo olhar”, observa.
Em relação às ocupações, Berth diz que a solução pode passar por reformar esses imóveis
e manter os moradores que lá estão.
O professor Edésio Fernandes, no entanto, observa que o “Brasil não tem tradição nem
know‑how” para transformar imóveis comerciais em residenciais, e isso pode encarecer e
dificultar essa conversão. “Faltam tradição e tecnologia”, salienta.
Perversidade
Fernandes observa ainda que programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV)
deixaram a desejar. Na avaliação dele, além de não atender com prioridade a população
com renda mais baixa, o MCMV oferece imóveis de baixa qualidade construtiva e ambiental.
O professor lembra, no entanto, que o Brasil não é o único país a enfrentar dificuldades
para manter uma política habitacional de qualidade. Fernandes cita o incêndio [que]
consumiu Grenfell Tower, prédio de 127 apartamentos para pessoas de baixa renda em
Londres, que usou material de baixa qualidade e inflamável em uma reforma antes da
tragédia que matou 71 pessoas.
149
Unidade III
Ele também compara o incêndio da torre britânica com o do prédio do centro de São
Paulo. “Os dois incêndios revelam muito mais do que a falência de um modelo e de uma
política, revelam a perversidade dessa forma de se fazer cidade e moradia”, afirma.
Exemplo de aplicação
Analisando o texto anterior, pense em que medida nós, assistentes sociais, poderemos colaborar
para viabilizar o acesso à habitação dos segmentos mais vulneráveis e, além disso, como você analisa a
questão das cotas para acesso à habitação? Seria algo viável no Brasil?
E nós, assistentes sociais, como atuamos nesse processo? Obviamente que a atuação na área
habitacional nos coloca, novamente, sob a perspectiva da nossa Lei que regulamenta a profissão do
assistente social e com nosso Código Profissional de Ética. Sempre será sob esses parâmetros que
deveremos exercer a nossa prática profissional, independentemente da área de atuação, e sempre
ponderando os princípios e valores postos pelo projeto ético‑político de nossa categoria. Assim,
considerando a atual questão urbana, uma das expressões da questão social, em que temos cidades
caóticas e marcadas pela pobreza, nós como assistentes sociais precisamos sempre defender o direito e
o acesso dos segmentos mais vulneráveis à habitação, que não se limita ao acesso à casa, mas comporta
também o entorno das residências (CFESS, 2016).
Lembrete
A relação entre nossa categoria e a questão habitacional no entanto é antiga e nos leva aos primórdios
da constituição do Serviço Social no Brasil. Assim sendo, sabemos que os assistentes sociais formados
por aqui em meados dos anos 1940, mais especificamente dos profissionais graduados a partir de 1946,
tiveram grande importância na Fundação Leal XIII. Nessa instituição, a prática do assistente social estava
orientada a condutas de higienização e remoção da população que vivia nas favelas do Rio de Janeiro.
150
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Também foram alocados profissionais ao Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações
Anti‑Higiênicas e às Coordenações e Secretarias de Serviços Sociais as quais estimulam os profissionais
ao saneamento das favelas e das ocupações irregulares.
Na verdade, nesse período, como sabemos, os assistentes sociais eram formados de uma maneira
totalmente distante do que conhecemos hoje em dia e, possivelmente, por isso, aceitaram a incumbência
de uma prática que pressupunha o higienismo. Dessa forma, muitos profissionais foram requisitados nesse
período para atuar em instituições dessa natureza. Em prática similar, os profissionais foram novamente
convidados a colaborar com o desenvolvimento da nação em meados dos anos 1950‑1960, quando
tivemos o surgimento do método de desenvolvimento de comunidade. Essa metodologia pressupunha
o assistente social como agente motivador do desenvolvimento de regiões urbanas e rurais e proveio
dos convênios firmados entre o Estado brasileiro e o Estado Norte‑Americano. Esse vínculo permitiu
grande parceria com a Organização dos Estados Americanos (OEA) que buscou, por sua vez, impulsionar
o desenvolvimento econômico do país. Também foi nesse período que o Brasil firmou grande vínculo
com a Organização das Nações Unidas (ONU), que tinha como objetivo viabilizar o desenvolvimento em
países considerados subdesenvolvidos. Nesse sentido, a ONU apresentou um rol amplo de atividades
voltadas ao desenvolvimento urbano e rural, no qual, os assistentes sociais foram peças fundamentais.
A prática dos profissionais nessa época buscava sanar problemas apresentados pelas famílias em relação
à moradia, fator essencial para o desenvolvimento do país.
Observação
O CFESS (2016) ainda nos coloca que depois dessa ação, somente em 1964, é que tivemos outra
expansão da prática do assistente social na questão urbana em relação à habitação. Nesse período,
tivemos a criação do BNH. Foi nessa instituição que o assistente social esteve alocado. Dentro do BNH,
o técnico atuou mais de maneira burocrática e também em intervenções realizadas no Subprograma de
Desenvolvimento Comunitário, que depois passou a ser nomeado como Programa de Desenvolvimento
Comunitário. Os profissionais ainda foram requisitados para trabalhar com a Carteira de Habitação de
Interesse Social, uma espécie de setor que oferecia apoio para que as Cohabs realizassem o serviço
de conscientização dos mutuários beneficiados com os financiamentos habitacionais.
151
Unidade III
No entanto, além da prática supracitada, teremos profissionais que estarão ligados ao Instituto
de Orientação às Cooperativas Habitacionais de São Paulo (Inocoop‑SP). Nesses espaços, o objetivo
era organizar e orientar mutuários. Possivelmente devido a isso, os assistentes sociais atuantes nesses
Institutos tinham como prática serem mais críticos e sempre estarem voltados à conscientização dos
beneficiários do BNH. Essa perspectiva foi ampliada pelos profissionais nos anos 1980, tanto nos Institutos
quanto no BNH e em outros projetos habitacionais. Também mostraram‑se importantes profissionais
em “[...] mutirões, na urbanização de assentamentos, na oferta de lotes urbanizados, na regularização
fundiária e urbanística, nos projetos de instalação e funcionamento de redes de água e esgoto” (CFESS,
2016, p. 38), aliás, algo comum aos cidadãos atuantes na área habitacional durante os anos 1980 e 1990.
Nos anos 1990, os profissionais irão manter a prática crítica nos empreendimentos habitacionais,
mas haverá a ampliação das possibilidades dos assistentes sociais atuarem em projetos
habitacionais firmados entre Brasil e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco
Mundial. A intervenção estaria voltada a informação e educação das famílias atendidas visando o
desenvolvimento social e comunitário, ou, melhor dizendo, nesses programas, os assistentes sociais:
“[...] impuseram o desenvolvimento de atividades de caráter informativo, educativo e de promoção
social, visando ao desenvolvimento comunitário e à sustentabilidade do empreendimento” (CFESS,
2016, p. 39). Ainda nos anos 1990, foram criados os programas Habitar Brasil (BID), Favela‑Bairro e
Morar Melhor, também direcionados ao acesso à habitação, à regularização das favelas e ocupações.
Nesses espaços, os profissionais ainda desenvolveram ações de conscientização, de mobilização
popular e até mesmo auxílio em situações de regularização fundiária.
Todavia, e atualmente, como é a relação entre Serviço Social e Habitação? Sabemos que o trabalho
social em empreendimentos habitacionais é uma necessidade, algo reforçado, aliás, em várias Instruções
Normativas divulgadas pela CDHU a partir de 2007. Nesse sentido, é mister salientar que a Caixa
Econômica Federal divulgou no ano de 2011, o Caderno de Orientação do Técnico Social para orientar
os profissionais atuantes em empreendimentos habitacionais. O caderno foi reformulado em 2012 e
coloca quais seriam as atribuições dos profissionais frente aos mais variados programas habitacionais
desenvolvidos pelo Estado. É comum que contemporaneamente os profissionais ainda sejam requisitados
para esses e outros programas habitacionais.
Agora que já possuímos ciência de todas essas informações, que tal exemplos para demonstrar o
exercício profissional na habitação? Oliveira e Cassab (2010) relatam uma experiência vivenciada quando
um dos autores atuou como assistente social da Cohab em Londrina. Nessa prática, ele foi contratado
para atuar com regularização fundiária e o desenvolvimento urbano. Para isso, segundo a descrição do
profissional, o trabalho esteve orientado ao estímulo da participação comunitária, sendo necessário
realocar 257 famílias que residiam em regiões consideradas insalubres. Nesse processo, o indivíduo
também buscou viabilizar às famílias o acesso a atividades voltadas à preparação e à geração de renda,
e sobretudo ao fortalecimento do papel protagonista da mulher, uma vez que grande parte das famílias
atendidas eram chefiadas por elas. Os autores do texto compreendem que o acesso à habitação é uma
forma de efetivar direitos sociais, não apenas relacionados à residência, mas à construção de conceitos
referentes à questão ambiental e afins. Já o texto de Lemos et al. (2011), por outro lado, nos apresenta a
prática do assistente social na Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária da Prefeitura
Municipal de São Borja no Rio Grande do Sul. Nessa intervenção, é destacado que o profissional atua na
seleção de famílias a serem beneficiárias das moradias, além de viabilizar o acesso das famílias a serviços
de geração de renda e reinserção laboral. O que os autores destacam é que a triagem para acesso
aos benefícios é uma parte do trabalho, mas, a partir da inserção das famílias como beneficiárias das
moradias, há outro aspecto do trabalho social ligado à mobilização das potencialidades de cada família,
visando a superação das situações de desigualdade social.
Por ora, chegamos às linhas finais de nossa discussão sobre a atuação do assistente social na
questão habitacional e passamos agora à apresentação de outras práticas, na justiça, segurança
e família.
Vamos, agora, orientar os nossos estudos para as áreas da justiça e da segurança, além da
intervenção familiar.
153
Unidade III
Em tese, o termo “sociojurídico” surgiu a partir de uma edição da Revista Serviço Social & Sociedade
da Editora Cortez, publicada no ano de 2001, sob o tema geral da inserção profissional no Poder
Judiciário e no Sistema Penitenciário. Dessa intervenção inicial, com base nos textos produzidos para
essa edição da revista, foi criado o termo “sociojurídico”, que buscava designar práticas desenvolvidas
por assistentes sociais no sistema judiciário ou no sistema prisional. No ano de 2001, o 10º Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais promoveu um Simpósio com práticas do judiciário e do sistema prisional
e o nomeou “sociojurídico”. Em 2003, consolidando o referido termo, temos o 1º Seminário Nacional de
Serviço Social no campo sociojurídico, englobando discussões que retratavam tanto intervenções na
área jurídica quanto prisional (CFESS, 2014, p. 8).
No entanto, a relação do Serviço Social com esse sistema é algo antigo. Os assistentes sociais formados
em meados dos anos 1930 foram vinculados aos Juizados de Menores existentes em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Nesse momento, os profissionais buscavam atuar com infâncias pobres, delinquentes e crianças
abandonadas. Nesse período, os profissionais atuavam também com os chamados comissários de menores.
Esses comissários fiscalizavam o trabalho de crianças e adolescentes, na época menores, no Rio de Janeiro
e em São Paulo. Os assistentes sociais ofereciam suporte aos comissários de menores (CFESS, 2014a).
No ano de 1984, o mercado de trabalho dos assistentes sociais no sociojurídico foi ampliado, pois
tivemos a promulgação da Lei de Execuções Penais. Isso resultou na inserção dos assistentes sociais no
sistema penitenciário. Tivemos uma nova ampliação da atuação dos profissionais nessa área a partir de
1998 quando foram consolidados outros espaços de atuação como o Ministério Público e a Defensoria
(CFESS, 2014a).
Como está a inserção laboral dos profissionais no chamado sistema sociojurídico? E mais, o que é
idealizado ao profissional atuante nessa área? O documento do CFESS (2014a) mostra‑se importante ao
passo que tece um rol amplo de possibilidades de intervenção identificadas a partir da prática concreta
dos assistentes sociais em seu cotidiano. Entretanto, não são imposições e tampouco uma camisa de
força, e sim uma construção coletiva do CFESS com os assistentes sociais entrevistados e que nos
oferecem informações preciosas acerca da ação profissional nesse sistema.
Damos início então à nossa apresentação das intervenções do Serviço Social, começamos pela ação
no Poder Judiciário. No Judiciário, temos instituições de Justiça Estadual e Justiça Federal. Na Justiça
Estadual, a prática do assistente social estará orientada à “[...] elaboração de documentos técnicos
(laudos e pareceres” (CFESS, 2014a, p. 41) ao passo que na Justiça Federal os profissionais “[...] se
voltam ao atendimento de servidores/as e magistrados/as” (CFESS, 2014a, p. 41). Na Justiça Estadual, os
profissionais atuam ainda na instrução de processos.
154
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
O CFESS (2014a, p. 41‑42), com base na pesquisa realizada com profissionais atuantes no Poder
Judiciário, indica ainda como principais atividades:
a) Perícia e acompanhamento
b) Execução de serviços
d) Recursos humanos
155
Unidade III
e) Assessoria institucional
Como podemos ver, é um rol amplo de atividades desempenhadas pelo Serviço Social no Judiciário.
Outra prática interessante é desenvolvida no Ministério Público. Nesse órgão, os profissionais têm uma
ação ampla, orientada a acompanhar processo de interdição, visando proteger a pessoa quando será
156
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
interditada e quando o processo de interdição termina e desenvolvem ainda ações para consolidar
direitos negligenciados. Assim, integra o fazer do profissional no Ministério Público acionar os órgãos
competentes toda vez que os direitos sociais das pessoas são negligenciados. Nesse sentido, as ações
visam garantir direitos individuais e também direitos coletivos. No entanto, as ações do assistente
social não se restringem ao acesso aos direitos individuais e coletivos. Assim, figuram como principais
atividades dos assistentes sociais atuantes no Ministério Público:
a) Direito individual
c) Recursos humanos
• gestão de pessoas;
d) Assessoria institucional
Portanto, aqui, também observamos um rol amplo de atividades desenvolvidas pelos assistentes
sociais, que, além da ação de defesa de direitos individuais e coletivos, atuam em prol dos recursos
humanos do Ministério Público, prestando assessoria a demais órgãos do Ministério Público e ainda à
organização de eventos destinados aos profissionais da área.
158
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
[...] orientação jurídica e a defesa dos direitos dos/as cidadãos/ãs que não
têm recursos suficientes para custear os honorários de advogados/as
particulares, oferecendo serviços gratuitos em todos os graus. O público‑alvo
da Defensoria é a população com renda familiar de até três salários mínimos
(CFESS, 2014a, p. 60).
E, nesses espaços, temos a instituição do fazer dos assistentes sociais. Nas defensorias, veremos que
os profissionais prestam atendimento aos usuários e também participam de ações de planejamento e
encaminhamentos. O documento indica como principais atividades dos assistentes sociais nas Defensorias:
• avaliação/perícia social;
• atendimento sociojurídico;
• triagem de casos;
• encaminhamentos à rede;
É uma prática contemporânea com poucas sistematizações e elaborações teóricas até o momento,
mas, como podemos ver, as intervenções na Defensoria buscam sanar dadas questões realizadas
pelos usuários a partir das demandas que vão sendo apresentadas aos técnicos. Nas experiências que
retratamos, vimos que no Poder Judiciário e no Ministério Público, temos uma situação processual. Nas
Defensorias, as solicitações nem sempre são processuais e partem da demanda espontânea.
Assim, caminhamos para a execução das penas e para o sistema prisional. As ações de Execução
Penal e Sistema Prisional são aquelas que acontecem no “[...] espaço de cumprimento da pena” (CFESS,
2014a, p. 63), bem como para a disposição de sentenças. Nesses espaços, os assistentes sociais são
chamados para analisar situações em que é requerida a progressão de regime, para integrar conselhos
de comunidade, para compor comissões disciplinares e mesmo para acompanhar atividades religiosas
em que sua observação seja necessária. Os profissionais participam da discussão contraditória entre
punição e humanização e buscam por meio de sua prática efetivar os direitos daqueles que estão em
regime fechado.
De acordo com CFESS (2014a, p. 67; 70‑71), as intervenções dos profissionais no Sistema Penal e
Prisional podem ser assim sistematizadas:
159
Unidade III
• avaliação social;
• exame criminológico;
• laudos periciais;
Acompanhamento/orientação
• acompanhamento a egressos/as;
Planejamento
160
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Saúde
b) Avaliação social
d) Gestão, assessoramento
• avaliação de voluntários/as;
• supervisão de estágio.
e) Recursos humanos
E, também em tal caso, vemos o quão ampla é a ação do assistente social. Já no espaço da segurança
pública, temos poucos profissionais. O CFESS (2014) indica que conseguiu identificar três profissionais
no Ceará vinculados à Polícia Federal, onze profissionais vinculados no Maranhão à delegacia de polícia
e um profissional, no Rio Grande do Sul que atuava na Delegacia de Polícia de Proteção à Criança e
ao Adolescente. É possível que na época da pesquisa do CFESS (2014), houvesse outros profissionais
espalhados pelo país, porém, somente esses Estados responderam à pesquisa do Conselho. Em tais espaços,
a prática dos assistentes sociais esteve orientada para atender os trabalhadores, como no caso da Polícia
Federal e da Delegacia de Polícia e para atendimento aos usuários, como no caso da Delegacia de
Polícia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
O CFESS (2014, p. 81) ainda indica a atuação dos profissionais em políticas públicas de segurança,
que são aquelas constituídas para atender um grupo específico, a saber:
Para tanto, não há dados sobre a atuação, pois, segundo o referido documento, as intervenções
dos profissionais nesses programas acontecem sob sigilo. Da mesma maneira, observamos que
os serviços desenvolvidos pelos assistentes sociais em Acolhimento Institucional também não
participaram da pesquisa. Isso porque, de acordo com o CFESS (2014a), não houve retorno de dados
para sistematizar a prática dos assistentes sociais nesse equipamento. No entanto, os acolhimentos
são instituições ligadas ao sistema sociojurídico, uma vez que viabilizam, após situação processual,
o acolhimento de grupos vítimas de violência. É obrigatório segundo a Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais, que o assistente social integre a equipe dessas instituições, porém é
difícil mapear seu exercício em todo o país.
E, por fim, chegamos ao exercício profissional desenvolvido nas Forças Armadas e nas Corporações
Militares. O CFESS (2014a) destaca que como Corporações Militares estão se referindo à Polícia e ao
Corpo de Bombeiros. Esses profissionais desenvolvem uma ação diversificada e de acordo com a natureza
das instituições. Assim sendo, nas Forças Armadas, é comum que os assistentes sociais:
[...] atuem, de modo geral, nos serviços de saúde das corporações ou,
ainda, diretamente nas áreas de recursos humanos das instituições. A
atuação nos hospitais está voltada para o acompanhamento de pacientes
militares e familiares destes, a mediação de conflitos e programas de
prevenção à dependência química. Já na área de recursos humanos,
está voltada para a administração e concessão de benefícios, orientação
de militares ativos/as ou inativos/as, atendimento e orientação a
pensionistas (CFESS, 2014a, p. 102)
Consequentemente, o profissional está vinculado aos trabalhadores das forças armadas com uma
prática mais próxima da área de recursos humanos. A prática na Polícia Militar também é orientada à
área de Recursos Humanos e à atenção de necessidades médicas dos policiais e suas famílias. O mesmo
se aplica à ação no corpo de bombeiros, ou seja, prática também orientada à área de recursos humanos.
163
Unidade III
Na verdade, a ação do Serviço Social nas famílias é algo que está presente na categoria desde
o surgimento dos primeiros profissionais no Brasil. No entanto, no contexto do surgimento da
profissão, a prática dos assistentes sociais, sob forte influência da Igreja Católica, era orientada
para a ação na família operária. Nesse momento, o objeto de ação dos profissionais era a mudança
da família operária e seu ajustamento a padrões tidos como normais e aceitos socialmente.
Nesse período, os profissionais recorriam ao método do Serviço Social de Casos. Isso porque o
seu pressuposto era que o profissional deveria analisar indivíduos e famílias e buscar intervir sob
situações consideradas problemas de indivíduos e famílias. Aqueles identificados pelo profissional
deveriam ser objeto de intervenção. Os profissionais não compreendiam que os problemas das
famílias eram resultado de problemas individuais e não decorriam de problemas do capitalismo.
Nessa época, as famílias eram responsabilizadas pelos profissionais pela situação de dificuldade em
que viviam (MIOTO, 2010).
Esse formato de compreender a intervenção nas famílias mostrou‑se comum, uma vez que o
objetivo do Estado era exercer o controle sobre elas. Os assistentes sociais, nesse período, recorriam
também a conceitos relacionados à subjetividade. Utilizando o saber produzido pelas ações
empreendidas na área da saúde, vemos que o Serviço Social passou a atuar como uma espécie
de terapeuta, buscando inculcar hábitos e comportamentos nas famílias atendidas. Infelizmente,
conforme Dal Prá (2016) nos coloca, durante os anos 1940, 1950 e 1960, as intervenções
desenvolvidas pelo Serviço Social nas famílias ainda estavam orientadas à busca pela normatização,
ou seja, havia grande tentativa dos profissionais de adequarem às famílias em comportamentos
considerados e idealizados pela sociedade burguesa. A ação assentada da terapia sistêmica e que
compreende a família como o único responsável por atender as suas necessidades emerge a partir
dos anos 1970 e causa grande impacto nos assistentes sociais, que passam a intervir nas famílias
buscando encontrar fissuras em sua conduta. Nesse sentido, a família passa a ser julgada como a
responsável pela dificuldade financeira que vivencia.
Mioto (2010) e Dal Prá (2016) colocam que somente em meados dos anos 1980 é que
os profissionais passaram a realizar uma crítica a esse formato de atuação. Apesar de muitos
profissionais no período ainda desenvolver uma prática terapêutica nas famílias, vemos que o
aporte ao marxismo começou a mudar a forma dos profissionais perceberem a realidade. Nesse
sentido, o marxismo fez com que os assistentes sociais pudessem compreender que os problemas
vivenciados pelas famílias decorrem do desenvolvimento capitalista, e não de problemas individuais
e familiares. Assim, as intervenções profissionais passam a ser voltadas para a transformação da
sociedade e para a efetivação dos direitos e não mais para a orientação de condutas e posturas de
pessoas e famílias. É o fenômeno descrito por Dal Prá (2016) como o momento de centralidade da
crítica profissional, posto que essa nova forma de pensar mudou a forma do assistente social com a
intervenção familiar. Apesar de aos poucos as práticas assentadas na ação terapêutica perderem o
sentido ao assistente social, nos anos 1980 e 1990, quase não se ouviu mais falar em família. Apesar
de a prática ser comum aos profissionais, não teremos a fundamentação das práticas profissionais
dos assistentes sociais. Somente no ano 2000 é que a questão familiar voltou a ser enfatizada
dentro do Serviço Social. Nesse período, a família passou a ser enfatizada pelas próprias políticas
sociais, demandando assim a ação do assistente social.
164
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Tal como dissemos anteriormente, hoje em dia, não há receitas de bolo sistematizadas para orientar a
ação familiar. Entretanto, há princípios que devem nortear a nossa intervenção, que seja perante famílias
na educação, famílias no Caps ou em qualquer outra área de ação. Primeiro, precisamos pensar a família
como um fenômeno histórico e cultural. Significa dizer que não temos um conceito pronto e acabado de
família, mas sim que ela está em constante devir. Assim, a família “É construída e reconstruída histórica
e cotidianamente, através de relações e negociações que estabelece entre seus membros” (MIOTO, 2010,
p. 167). Portanto, a família composta por meio da relação heterossexual, cada vez mais tem mudado e
hoje temos que considerar e respeitar os novos arranjos familiares.
Outro aspecto basal na intervenção do assistente social é compreender que a família não pode ser
responsabilizada pela situação de vulnerabilidade que vivencia. Precisamos, como assistentes sociais,
considerar a realidade social e econômica do nosso país e sua influência em dinâmica familiar. Isso corresponde
a práticas assentadas na emancipação das famílias e não em seu julgamento e responsabilização. Trabalhar
com famílias pressupõe entender que todas as demandas por elas apresentadas constituem necessidades,
geradas pelo desenvolvimento do capitalismo. Nessa área precisaremos contemplar dadas demandas ou
necessidades das famílias, porém, é sempre necessário ter em mente que nosso objetivo não se esgota na
concessão e devemos nos comprometer com a transformação social dos grupos que atendemos.
Mioto (2010) nos coloca que compreendendo que a família não deve seguir um modelo de
organização e que as demandas das famílias têm relação com o desenvolvimento capitalista, precisamos
ainda considerar que a intervenção do assistente social nas famílias estará inscrita em três processos,
sendo esses: político‑organizativo, planejamento e gestão e socioassistenciais. O político‑organizativo
corresponde a compreender a relação firmada entre famílias e proteção social, visando a organização
política das famílias na atenção de seus direitos. O planejamento e gestão corresponde à necessidade de
organização de serviços para atender as demandas das famílias, e o socioassistencial refere‑se às ações
desenvolvidas diretamente com as famílias, porém, essas ações, mesmo que ancoradas na concessão,
devem buscar fortalecer a autonomia dos atendidos.
Ainda no aspecto da questão da ação na família, há princípios e valores que devem ser observados
pelos assistentes sociais, dentre os quais podemos citar:
Como metodologias, Mioto (2010) indica que precisamos recorrer a nossa fundamentação
teórico‑metodológica e desenvolver uma conduta assentada em valores ético‑políticos que
embalam a nossa categoria. No âmbito da metodologia, a autora ainda destaca como importante
aos assistentes sociais:
Portanto, precisamos ter uma ação que seja condizente com os valores de nossa profissão.
Todavia, precisa-se ainda considerar o que buscamos alcançar, quais são as finalidades da ação,
quais são os prazos, recursos e como iremos avaliá‑la. Porém, isso está presente em qualquer
intervenção profissional do assistente social. E precisamos, mais do que nunca, reforçar princípios
e valores de nossa profissão.
166
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Saiba mais
Quando nos referimos às teorias analíticas e teórico‑metodológicas das políticas sociais, fazemos
acepção às formas distintas de compreensão sobre elas. De certa forma, também trataremos sobre
como compreender os problemas sociais e como intervir neles. Por oportuno, conhecer as distintas
perspectivas analíticas das políticas sociais nos reporta a ainda entender e conhecer como as ações em
políticas sociais são desenvolvidas nos mais variados contextos.
Optamos por discutir as correntes teóricas mencionadas por serem essas, de acordo com Behring
e Boschetti (2010), as mais relevantes dentro do pensamento social contemporâneo em discutir
a política social. Essas perspectivas, presentes no discurso dos profissionais, do Estado e em nosso
cotidiano, deflagram formas de se entender a política social brasileira. Partiremos do estudo da corrente
funcionalista. O funcionalismo é um tema que com certeza já foi estudado por todos, assim como as
demais correntes, mas, mesmo assim, temos a necessidade de retomar tais conceitos para, em seguida,
discutir sobre a compreensão de tal corrente acerca das políticas sociais.
O funcionalismo é uma corrente teórica que teve uma série de autores a ela vinculados. O mais
notável dentre esses teóricos, considerado o idealizador do funcionalismo, foi Émile Durkheim. Possuidor
de muitos escritos, tem como o mais célebre Regras do Método Sociológico, publicado em 1895, e
conhecido como a expressão mais latente do autor em relação ao funcionalismo. Rendeu a Durkheim o
título de “pai da sociologia” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 27).
167
Unidade III
Segundo a concepção desse autor, para que seja possível conhecer uma realidade, é fundamental
que, no processo de conhecimento, o objeto a ser conhecido se sobreponha ao sujeito que busca
conhecê‑lo. Isso significa que, nesse processo de conhecimento, o objeto é mais importante do que o
sujeito que pretende conhecê‑lo (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Assim, em Durkheim, no processo
de conhecimento, o objeto é mais importante do que o sujeito.
Com relação ao sujeito Durkheim, assevera-se que ele deve colocar‑se frente ao seu objeto
de pesquisa em uma perspectiva de exterioridade, ou melhor dizendo, precisa observar o objeto de
uma maneira distante dele. No caso, o objeto não deve influenciar o pesquisador, que também deve
apresentar‑se despido de todos os seus pré‑conceitos para que a pesquisa não receba suas influências.
Deve‑se então “suspender todas as suas pré‑noções” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 27) e ir ao processo
de conhecimento despido de convicções. Portanto, no processo de conhecimento, a relação entre sujeito
e objeto deve acontecer sem influência de conceitos que o sujeito possua.
Esse processo de conhecimento, por sua vez, deveria acontecer de uma forma sistemática e
organizada. Aliás, para Durkheim, o conhecimento não poderia basear‑se apenas no senso comum,
sendo essa forma considerada pelo autor como vulgar, algo que não inspirava confiança e não deveria
servir de respaldo para as pessoas. Ainda, para ele, era necessário dar visibilidade ao conhecimento
racional, defendendo, assim, o primado da razão na produção de conhecimento.
Behring e Boschetti (2010) afirmam que Durkheim até chegou a propor a utilização de um método de
conhecimento, sendo que, para o autor, esse método deveria ser desenvolvido por meio da observação e
também da experimentação. Tal método teria sido elaborado por Durkheim com base no empirismo de
Bacon e no positivismo de Comte.
Observação
A seguir, observe a figura que representa o método de conhecimento, de acordo com Durkheim, ou
melhor dizendo, de acordo com o funcionalismo.
168
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Método do
conhecimento
em Marx
Objeto se
sobrepõe ao
sujeito
Experimentação,
Sujeito sem observação e
pré-conceitos comprovação
Durkheim apud Behring e Boschetti (2010) também afirmava que esse método deveria ser igualmente
aplicado ao conhecimento dos fatos sociais que, para o autor, seriam uma forma de coação que induziria
os indivíduos a adotarem determinadas posturas. Segundo o mesmo autor, a partir do momento em que
os fatos sociais perdem a conotação de coação, se transmutam em hábitos.
Para Durkheim, os fatos sociais possuem uma natureza exterior em relação aos indivíduos. Essa
natureza provém de uma suposta coletividade que é inerente aos fatos sociais, que, por sua vez, vêm da
sociedade como um todo e não do indivíduo especificamente. Sendo assim, é importante conhecer os
fatos sociais de uma forma profunda (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
Essa análise dos fatos sociais remetia ainda a um estudo das instituições sociais, sobretudo à gênese
de tais instituições e dos mesmos fatos sociais. Sobre esses dados, para Durkheim, era necessário
compreender o que influenciaria a ocorrência de fatos normais e de fatos patológicos. Os fatos normais,
segundo o autor, seriam aqueles que estivessem adequados ao padrão imposto pela sociedade, ao passo
que os fatos anormais poderiam ser considerados como tudo aquilo que fugisse às regras estabelecidas,
ao que era delimitado como padrão para uma determinada sociedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
Behring e Boschetti (2010) nos dizem ainda que, segundo Durkheim, as pesquisas e o conhecimento
dos fatos sociais também poderiam auxiliar para a definição do que pode ser compreendido como
normal, como padrão, e o que deveria ser entendido como anormal, diferente e, inclusive, o que teria de
ser entendido como um fato social patológico.
Para analisar os fatos sociais, Durkheim elaborou um método denominado “método de variações
concomitantes”, derivando do método para a produção de conhecimento elaborado pelo autor e
apresentado previamente (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 31). Esse método deveria, nos termos do
autor, observar os fatos sociais coletando nesse processo de observação o maior número de provas
que fosse possível.
169
Unidade III
Para o autor, tendo coletado as provas sobre os fatos sociais, era necessário ainda considerar a
concomitância das provas, ou seja, a sobreposição das provas obtidas. E deveria ainda ser considerada
a variação das provas obtidas. Dessa forma, seria possível aproximar‑se da realidade vivenciada pelos
fatos sociais.
Todavia, para que essa aproximação em relação aos fatos sociais se operacionalizasse, era importante
que o pesquisador rompesse com o individualismo e, sobretudo, que buscasse romper também com
algumas doutrinas como o individualismo e também o comunismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
Pois ele defende que é a partir da noção de desigualdade social que podemos compreender a função
da política social. Assim, para o autor, a desigualdade social era entendida como sendo algo inerente à
sociedade, algo que deve ser tido como natural dentro de uma organização social. Além da noção de
naturalidade para o sociólogo em questão, a desigualdade social era algo que deveria ser considerada
“imutável” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 31), ou seja, não deveria ser empreendido qualquer esforço
em prol da alteração da realidade que se apresentava. Aliás, as pessoas que não concordassem com a
norma social eram compreendidas como anormais, como problemas sociais.
Saiba mais
No entanto, as desigualdades sociais poderiam ser controladas de forma a evitar confrontos sociais.
Para que fosse possível exercer o controle sobre os fatos sociais, seriam necessárias corporações ou
instituições que se encarregariam de operacionalizar a coesão social, mesmo com as gritantes diferenças
sociais. Sob esse aspecto, segundo Behring e Boschetti (2010), as políticas sociais se enquadrariam como
uma alternativa de manter a coesão social, a paz social, digamos assim.
Logo, as políticas sociais seriam necessárias apenas como uma forma de controle para minimizar
as possibilidades de manifestação contrárias à ordem social estabelecida. Apesar das políticas sociais,
especificamente, não terem sido discutidas por Durkheim, tais conclusões são possíveis partindo‑se de
uma análise da obra do referido autor.
Antes de iniciarmos nossas considerações sobre o idealismo, observe o texto seguinte, que faz uma
reflexão sobre as concepções de Durkheim.
170
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Exemplo de aplicação
A matéria anterior demonstra a aceitação dos ideais de Durkheim. Diante disso, considerando a
proposta do autor sobre os fenômenos sociais, reflita sobre o seguinte quesito: é possível compreender
a desigualdade social como algo natural?
Agora, passaremos a discutir o idealismo. Ele foi também uma importante corrente teórica e filosófica
que trouxe influências para o pensamento social e a forma de compreender a política social. Vinculados
a essa corrente teórica, teremos pensadores como Kant, Hegel e Max Weber, sendo esse último um dos
mais relevantes no sentido de influenciar o pensamento social no que diz respeito às políticas sociais.
Entretanto, iniciaremos com Kant. Immanuel Kant nasceu em 1804, na cidade de Königsberg, na
Prússia. Ele ficou conhecido como o principal filósofo da corrente idealista, tendo em vista que foi esse
pensador que refletiu inicialmente sobre conceitos sobre os quais passaremos a discorrer.
171
Unidade III
De uma forma genérica, podemos dizer que, para a corrente idealista, durante o processo de
conhecimento, o sujeito deve sobrepor‑se ao objeto que pretende conhecer. Assim, podemos compreender
que para essa perspectiva de conhecimento, o indivíduo precisa assumir uma perspectiva de destaque,
em vez do objeto. Também podemos concluir que se trata de uma perspectiva diferenciada da que fora
apresentada antes, ou melhor dizendo, aquela defendida por Kant, difere‑se da proposta por Durkheim.
Sendo assim, a realidade observada não provém de condições reais e concretas, mas, sim,
apresenta‑se como sendo o resultado do pensamento dos seres humanos. Desse modo, não
há influência das condições e determinações reais e objetivas na definição da realidade, mas do
pensamento dos seres humanos. Ou seja, há um primado da consciência no processo de definição
da realidade, do que é real e também durante a aproximação entre sujeito que pesquisa e objeto de
conhecimento (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
O conhecimento, por sua vez, é compreendido como algo que precisa ser racional. Razão, por sua
vez, é intelecção, é entendimento, compreensão. O processo de conhecimento é essencialmente um
processo intelectivo, que demanda a utilização das capacidades intelectivas do ser humano.
O processo de conhecimento da realidade acontece por meio desse processo intelectivo do ser
humano, porém, para Kant, só é possível conhecer a realidade por meio de suas manifestações, de suas
expressões. Para ele, é impossível o conhecimento da essência do ser humano, esse descrito como ser
social. Em Kant, vemos que se torna impossível conhecer plenamente a essência do ser social.
Como é impossível apreender o ser humano em sua totalidade, o conhecimento torna‑se, segundo essa
perspectiva, relativo, pois depende de que nível será possível aproximar‑se do sujeito, do ser social. Assim:
Observação
Para Kant, era então necessária a compreensão dos fenômenos da realidade e, assim, seria possível
uma aproximação à realidade da experiência humana. Desse modo, no processo de conhecimento, seria
preciso “[...] compreender o sentido dos processos vivos da experiência humana” (BEHRING; BOSCHETTI,
2010, p. 33).
Vejamos a seguir uma figura com a representação dos conteúdos tratados por Kant.
172
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Impossibilidade de
conhecer o ser social
Sujeito se sobrepõe
ao objeto
Conhecimento é
Método de variável
conhecimento
É necessário
Realidade resulta apreender a
do pensamento realidade
Derivando dessas concepções de Kant, tivemos outros teóricos vinculados à corrente idealista, dentre
os quais, podemos citar Dilthey, Rickert, Hegel e Max Weber. Dentre esses filósofos, mencionamos Hegel
anteriormente e agora estudaremos um pouco algumas das considerações de Weber, que orientou as
discussões sobre os fenômenos sociais, permitindo, assim, uma compreensão sobre a política social.
As teorias de Weber derivam das concepções de Kant, porém, sua obra apresenta algumas variações
em relação ao pensamento kantiano. Para Weber, durante o processo de conhecimento, é necessário que
se compreendam as intencionalidades e ações dos sujeitos como algo que se sobrepõe às condições reais
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
Portanto, o pensamento de Weber deriva do de Kant por destacar que no processo de conhecimento
precisamos compreender que todos os atos dos sujeitos definem a realidade e não o oposto, ou seja,
não é a realidade concreta que determina os atos que serão adotados pelos sujeitos, mas, sim, o inverso.
Weber nos diz que todo o conhecimento obtido deve submeter‑se à comprovação, à prova e à
validação objetiva. Ele compreende que para o conhecimento ser tido de fato como real, precisa ser
checado, comprovado. E faz‑se necessário ainda que esse conhecimento a ser produzido siga a ótica da
neutralidade científica, ou seja, não são permitidas interferências no processo de conhecimento.
A análise de Weber ainda destaca uma série de considerações sobre os fenômenos sociais. Segundo
o autor, todos os fenômenos sociais são históricos e também estão relacionados à vida cultural de uma
dada sociedade. A vida cultural, por sua vez, só existe porque provém de um ponto de vista, de algo que
é idealizado pela sociedade.
173
Unidade III
Sob a premissa de que o idealizado é mais relevante, Weber se coloca contrário à concepção marxista
de que o fator econômico é que determina a realidade, inclusive que determina o ser social. Para Weber,
o que determina a realidade, inclusive econômica, é o pensamento do ser humano, e não o inverso
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
No âmbito da política, segundo Behring e Boschetti, (2010) Weber postula que haveria a necessidade
de um Estado forte para que, por meio de sua autoridade, pudesse gerir a vida em sociedade. O Estado
estaria apoiado em uma autoridade e exerceria suas ações com base em critérios de justiça e com base
em um corpo administrativo eficaz.
Lembrete
A política social, dentro desse aspecto, seria um dos mecanismos para que o Estado pudesse exercer
suas funções. Seria um mecanismo burocrático, porém, permitido ao Estado, para a administração da
sociedade. “A política social seria um mecanismo institucional típico da racionalidade legal contemporânea”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 36), ou seja, seria um mecanismo de manter a autoridade estatal.
Essas seriam as principais ideias, de uma forma bem resumida, que orientavam a compreensão
denominada idealismo e que trouxeram e trazem influências à organização das políticas sociais.
Na sequência, passaremos a tratar da concepção posta pelo marxismo, em relação a determinados
fenômenos sociais e também no que tange à questão da política social.
Saiba mais
Para conhecer um pouco mais sobre os autores aqui tratados e que
discorrem sobre o idealismo, recomendamos o acesso aos sites:
SOUZA, J. A atualidade de Max Weber no Brasil. Cult, [s. d.]. Disponível
em: <https://revistacult.uol.com.br/home/a‑atualidade‑de‑max‑weber‑no
‑brasil/>. Acesso em: 11 mar. 2019.
No site supra, vemos uma série de dados que nos permitem compreender
acerca da produção teoria de Max Weber e de sua vivência acadêmica.
A seguir constam informações sobre a vida acadêmica e os principais
conceitos de Kant.
FRAZÃO, D. Immanuel Kant – Filósofo alemão. Ebiografia, [s. d.].
Disponível em: <https://www.ebiografia.com/immanuel_kant/>. Acesso
em: 11 mar. 2019.
174
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Assim sendo, de acordo com Behring e Boschetti (2010), o marxismo apresenta uma análise
totalmente diferenciada das postas pelo funcionalismo e pelo idealismo. Para compreender
minimamente essa análise, precisamos entender sobre quais bases é compreendida a realidade sob
o embasamento marxista. Ou, melhor dizendo, como o conhecimento da realidade se operacionaliza
sob o embasamento marxista.
No caso é importante situar que o marxismo tanto pode ser compreendido como uma doutrina
filosófica, quanto como uma doutrina econômica. Isso porque Marx compreendeu o funcionamento da
sociedade sob a análise do desenvolvimento do capitalismo, ou seja, com forte apelo à compreensão do
desenvolvimento econômico da sociedade, especificamente da sociedade capitalista.
Saiba mais
CAPITALISMO: uma história de amor. Dir. Michael Moore, 2009. 127 minutos.
Sob essa questão, nos dizem Behring e Boschetti (2010) que, de acordo com a perspectiva marxista,
para a compreensão da realidade, há necessidade de uma relação de conhecimento embasada por uma
perspectiva relacional a ser estabelecida entre o sujeito e o objeto. Assim, essa perspectiva não evoca
a prevalência do sujeito sobre o objeto ou vice‑versa como nas perspectivas indicadas anteriormente.
Antes, apregoa a produção do conhecimento que rompa com essa prevalência.
De acordo com a perspectiva marxista, para apreensão da realidade, precisamos analisar os fenômenos
sociais, sendo que a verdade de tais fatos encontra‑se oculta, ou seja, não há verdades imediatas e
aparentes. Para a compreensão de tal realidade, dos fenômenos que estão ocultos, é necessário que
se compreenda a realidade como sendo síntese de múltiplas causalidades, ou seja, resultado do
relacionamento estabelecido entre diversos fatores.
175
Unidade III
E a totalidade aqui demanda também ser entendida como concreta, ou seja, refere‑se a uma realidade
dada e não está apenas no plano das ideias, do imaginário. Logo, a realidade concreta determinaria
o pensamento, as ideias, e não o contrário, conforme o defendido pela corrente idealista, à qual o
marxismo se contrapõe.
Além disso, a realidade seria composta de forma dialética, ou seja, estaria em constante construção,
em constante devir. Assim sendo, a realidade nunca estará pronta e acabada e, para apreendê‑la em sua
totalidade, faz‑se necessário um método que também seja dialético, que também permita a realização
de sucessivas aproximações, de construção continuada do conhecimento (BEHRING; BOSCHETTI, 2010).
O método de conhecimento para a perspectiva marxista deve ser composto de alguns elementos. Dentre
aqueles citados por Behring e Boschetti (2010), podemos apontar: a destruição da pseudoconcreticidade,
o caráter histórico e o significado do fenômeno e de sua função.
Vejamos o que precisamos entender: a pseudoconcreticidade é uma falsa realidade, ou seja, uma
realidade por nós percebida, mas que não corresponde à realidade em tese. É uma realidade fetichizada
e não conhecida objetivamente. Portanto, essa falsa concreticidade precisa ser rechaçada, destruída, para
que a realidade, de fato, seja conhecida. O método de conhecimento, de base marxista, precisa considerar
esse elemento para que possa conhecer de fato a realidade.
Vejamos a seguir a figura que retrata o método de conhecimento, de acordo com a perspectiva marxista.
Múltipla
causalidade
Método dialético
Totalidade
Método de
conhecimento
Para a compreensão da realidade, com base no conhecimento marxista, faz‑se necessário que o
sujeito que conhece possa ir do conhecimento abstrato ao conhecimento concreto, real, ou seja, “[...]
elevar‑se do abstrato ao concreto” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 41).
176
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
O que Behring e Boschetti (2010) fazem é aplicar os conhecimentos trazidos pelo método marxista
à análise das políticas sociais. Nesse sentido, demonstram as incoerências que há em pensamentos
supostamente de base marxista, bem como indicam algumas pistas para se repensar a produção de
conhecimento sobre as políticas sociais de referência marxista.
Segundo Behring e Boschetti (2010), para a compreensão da política social, devemos evitar as
análises unilaterais, ou seja, análises em que as políticas sociais são compreendidas sob apenas
um prisma. No caso, as autoras exemplificam descrevendo teorias em que as políticas sociais são
entendidas apenas como mecanismos do Estado para garantir hegemonia, ou, então, apenas em
decorrência da luta de classes, em virtude da pressão exercida pela classe trabalhadora frente às
crises capitalistas.
As autoras ainda destacam que são também exemplos de análises unilaterais aquelas que
compreendem as políticas sociais como mecanismos que são funcionais à acumulação capitalista, ou
melhor dizendo, aquelas que compreendem as políticas sociais apenas como responsáveis para garantir
a reprodução econômica e política da classe trabalhadora. No caso, a política social ora é compreendida
como uma alternativa para reduzir os custos da reprodução da força de trabalho e também como um
mecanismo para manter o nível de consumo, ora é compreendida apenas como um aparato ideológico
usado de forma a cooptar a população e legitimar a ordem capitalista vigente.
Segundo afirmam as mesmas teóricas, essas análises não estão incorretas, mas, como são unilaterais,
conseguem perceber apenas um dos aspectos que condicionam a constituição e consolidação das
políticas sociais na sociedade burguesa. As autoras conseguem ir além dessa análise unilateral e, dessa
forma, apreender outras peculiaridades da constituição e da consolidação das políticas sociais em nossa
sociedade, tais como as que passaremos a descrever.
A primeira consideração feita por Behring e Boschetti (2010) é que para a concepção apoiada no
marxismo, a política social pode ser compreendida como uma forma de legitimação do Estado, de
legitimação do capital e é também uma alternativa de reprodução material e ideológica dos seres humanos.
Todavia, a política social precisa ainda ser compreendida como um ganho, como uma conquista, sobretudo
para os segmentos mais empobrecidos e que são, via de regra, beneficiados por esses serviços.
As autoras ainda afirmam que a análise em política social, por esse motivo, não pode ser
realizada de forma desprendida da sociedade burguesa, ou seja, toda a compreensão relacionada
à política social precisa essencialmente estar vinculada à noção da sociedade burguesa capitalista
em sua fase consolidada.
Para essa apreensão da realidade, é necessário, segundo as autoras, ir além do senso comum, do
conhecimento pautado apenas na observação empírica dos fenômenos sociais. A fim de sobrepujar
o conhecimento do senso comum, ainda seria necessário que a apreensão da realidade se efetivasse
por meio do método dialético‑materialista. Para as autoras:
177
Unidade III
Observação
Essa compreensão pautada no método dialético materialista considera fenômenos como os seguintes:
histórico, econômico e político, sendo eles importantes na definição da realidade e do conhecimento
possuído sobre essa realidade.
Assim, realizando uma análise da política social, considerando o componente histórico, precisamos
compreender que a política social surge e se consolida em decorrência da ampliação das expressões
da questão social. Já a compreensão do aspecto econômico nos remete a pensar a política social,
relacionando‑a às questões estruturais que influenciam o desenvolvimento econômico, sendo que, em
nosso caso, temos de considerar o desenvolvimento da sociedade capitalista.
O aspecto político está relacionado à compreensão das posições políticas que são adotadas pelo
Estado, tendo em vista que as posturas políticas escolhidas tendem a influenciar a constituição das
políticas sociais. Sintetizando tais colocações, as autoras afirmam que o método dialético materialista
reconhece que os fenômenos sociais estão condicionados e “[...] sob a influência da história, economia,
política e cultura” (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 43).
Desse modo, trata‑se de uma concepção que vem balizada pela compreensão do desenvolvimento
capitalista, do papel assumido pelo Estado e também sobre o papel das classes sociais no sentido de
estimular a constituição das políticas sociais.
Como podemos visualizar, estudamos até aqui concepções diferenciadas sobre as políticas
sociais, derivadas de argumentos filosóficos. Na sequência, veremos outras concepções, essas com
uma referência mais econômica e que destacam compreensões distintas sobre a constituição das
políticas sociais.
178
POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL
Saiba mais
Como enunciamos, nesse momento, estudamos apenas as principais formas de entendimento das
políticas sociais, as quais, estão alicerçadas e consolidadas em determinados pensadores, fontes de
pensamento. Não devemos considerar que essa forma de pensar foi suprimida na atualidade, uma vez
que essa raiz de pensamento ainda se mostra latente na sociedade contemporânea. Também é preciso
reforçar, uma vez mais, que a forma de entender a política social corresponde a sua forma de execução.
Se um Estado tem ideais próximos ao idealismo ou ao funcionalismo, irá desenvolver um tipo de política
social, já, se tem como referência o pensamento crítico do marxismo, irá organizar as políticas sociais
de uma maneira diferenciada.
Dessa forma, chegamos ao final desse percurso, no qual nos aproximamos das políticas sociais
brasileiras. Esperamos que você, estimado aluno, tenha gostado desse trajeto e que ele seja apenas um
dos muitos degraus que subirá em busca do conhecimento.
Resumo
179
Unidade III
Exercícios
Questão 1. Considere as colunas A e B apresentadas a seguir. Observe que cada uma delas reúne
palavras ou expressões e identifique a relação correta entre os elementos de ambas:
Análise da questão
C) Alternativa correta.
Justificativa geral: somente a alternativa C está correta e todas as demais incorretas, conforme
especificado nas colunas apresentadas a seguir.
O Art. 208 da Constituição de 1988 estabelece que a Política Social de Educação deve ser desenvolvida
por meio de determinados serviços.
Considere os serviços de Educação enunciados a seguir e assinale como verdadeiro (V) os serviços
que constam da Constituição e assinale como falso (F) os serviços que não constam da Constituição.
I – Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na
idade própria.
181
Unidade III
V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um.
182
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
183
Figura 10
Figura 12
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 22
184
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